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Artigos da carta capital fundamental e outros Todo sonho pode ser encontrado A eterna magia de Peter Pan é alimentada pela Terra do Nunca que carregamos, cada um com seu próprio sonho //Por Lilian Corrêa Quem nunca sonhou com poder voar por aí e conhecer lugares mágicos muito além da imaginação? Ultrapassar as barreiras do som e das alturas, os limites do tempo e da idade e, principalmente, as regras determinadas por aquilo que dizem ser certo ou errado? E quando o sonho vira realidade? Parece estranho, mas a Literatura pode nos proporcionar tudo isso, sabemos... e Peter Pan, a obra de J. M. Barrie, nos traz essa magia toda com maestria. Data de 1904 a estreia de uma peça teatral escrita por Barrie de nome Peter e Wendy, na qual o personagem Peter é protagonista e, em 1911, o texto foi lançado em forma de livro com o título sendo, anos mais tarde, adaptado para Peter Pan. Mas de onde surgiu toda a temática? O que de fato inspirou o autor a escrever sobre esse menino que encantou e ainda encanta adultos e crianças? Há fatos que envolvem a vida de J. M. Barrie, bem como há especulações sobre as reais origens que levaram o autor a escrever a história das aventuras na Terra do Nunca. Contam os biógrafos de Barrie que o autor conheceu, já adulto, os filhos do casal Arthur e Sylvia Llewelyn Davies: George, Michael, Nicholas, Jack e Peter e, como amigo do casal, compartilhava muito tempo ao lado das crianças e gostava muito de suas companhias. Criava muitas histórias de aventuras para contar aos meninos. Alguns pesquisadores dizem que um dos meninos foi a inspiração para que Barrie criasse a personagem Peter Pan, e outros devem a inspiração ao irmão do autor, David, falecido aos 6 anos de idade, perda que provocou um trauma terrível na família e deixou a senhora Margareth Ogilvy, mãe dos meninos, em profunda depressão. Durante toda sua vida, J. M. Barrie tentou fazer com que a mãe sentisse por ele ao menos parte do orgulho que sentia por David e tentava fazer de tudo para se parecer com o irmão, chegando a vestir suas roupas e criando uma relação obsessiva com a mãe. Esse fato marcou o então garoto para sempre e a mãe costumava dizer que seu irmão se fora tão jovem que ficaria imortalizado eternamente como criança e Barrie acabou tomando isso como verdade, mesmo que inconscientemente, o que pode ser comprovado pela personagem Peter Pan, o menino que não queria crescer. Mas o que há de tão especial nessa narrativa e o que tanto atrai o público leitor? Vamos descobrir juntos! A narrativa de Peter Pan ocorre em tempo algum ou, talvez fosse mais apropriado dizer, em um tempo indeterminado. São apresentadas características temporais que dizem respeito às descrições físicas e geográficas dadas pelo narrador quanto à família Darling e sua casa, na cidade de Londres, mais precisamente na região de Kensington Gardens, descrições relacionadas à

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Artigos da carta capital fundamental e outros

Todo sonho pode ser encontradoA eterna magia de Peter Pan é alimentada pela Terra do Nunca que carregamos, cada um com seu próprio sonho

//Por Lilian Corrêa

Quem nunca sonhou com poder voar por aí e conhecer lugares mágicos muito além da imaginação? Ultrapassar as barreiras do som e das alturas, os limites do tempo e da idade e, principalmente, as regras determinadas por aquilo que dizem ser certo ou errado? E quando o sonho vira realidade? Parece estranho, mas a Literatura pode nos proporcionar tudo isso, sabemos... e Peter Pan, a obra de J. M. Barrie, nos traz essa magia toda com maestria. Data de 1904 a estreia de uma peça teatral escrita por Barrie de nome Peter e Wendy, na qual o personagem Peter é protagonista e, em 1911, o texto foi lançado em forma de livro com o título sendo, anos mais tarde, adaptado para Peter Pan. Mas de onde surgiu toda a temática? O que de fato inspirou o autor a escrever sobre esse menino que encantou e ainda encanta adultos e crianças? Há fatos que envolvem a vida de J. M. Barrie, bem como há especulações sobre as reais origens que levaram o autor a escrever a história das aventuras na Terra do Nunca. Contam os biógrafos de Barrie que o autor conheceu, já adulto, os filhos do casal Arthur e Sylvia Llewelyn Davies: George, Michael, Nicholas, Jack e Peter e, como amigo do casal, compartilhava muito tempo ao lado das crianças e gostava muito de suas companhias. Criava muitas histórias de aventuras para contar aos meninos. Alguns pesquisadores dizem que um dos meninos foi a inspiração para que Barrie criasse a personagem Peter Pan, e outros devem a inspiração ao irmão do autor, David, falecido aos 6 anos de idade, perda que provocou um trauma terrível na família e deixou a senhora Margareth Ogilvy, mãe dos meninos, em profunda depressão. Durante toda sua vida, J. M. Barrie tentou fazer com que a mãe sentisse por ele ao menos parte do orgulho que sentia por David e tentava fazer de tudo para se parecer com o irmão, chegando a vestir suas roupas e criando uma relação obsessiva com a mãe. Esse fato marcou o então garoto para sempre e a mãe costumava dizer que seu irmão se fora tão jovem que ficaria imortalizado eternamente como criança e Barrie acabou tomando isso como verdade, mesmo que inconscientemente, o que pode ser comprovado pela personagem Peter Pan, o menino que não queria crescer. Mas o que há de tão especial nessa narrativa e o que tanto atrai o público leitor? Vamos descobrir juntos! A narrativa de Peter Pan ocorre em tempo algum ou, talvez fosse mais apropriado dizer, em um tempo indeterminado. São apresentadas características temporais que dizem respeito às descrições físicas e geográficas dadas pelo narrador quanto à família Darling e sua casa, na cidade de Londres, mais precisamente na região de Kensington Gardens, descrições relacionadas à aparência das personagens e ao seu comportamento social, mas, quando se trata do mundo mágico em que Peter vive, denominado a Terra do Nunca, tudo fica bastante obscuro, começando do endereço: “Segunda à direita e depois direto até amanhã de manhã”. A Terra do Nunca dispensa descrições...  é um espaço idílico onde cabem os sonhos de cada uma das crianças que nela habitam e de todos que um dia a visitarem.  Segundo a escritora Flávia Lins e Silva, na apresentação da edição de Peter Pan, da editora Jorge Zahar, o que é possível saber sobre a Terra do Nunca é que: “... É sempre mais ou menos uma ilha, com pinceladas maravilhosas de cor aqui e ali, e recifes de coral e barcos velozes prontos para zarpar, e esconderijos selvagens e secretos, e gnomos que quase sempre são alfaiates, e cavernas atravessadas por rios, e príncipes com seis irmãos mais velhos, e uma cabana caindo aos pedaços, e uma velhinha bem baixinha com um nariz de gavião. O genial em Barrie é que ele descreve a ilha com detalhes tão minuciosos e criativos que quase acreditamos que vai nos oferecer uma descrição mais precisa e definida dessa ilha. Logo depois, porém, ele quebra essa expectativa, com outra informação: “É claro que as Terras do Nunca variam muito. A de João, por exemplo, tinha uma lagoa com flamingos voando em cima, nos quais ele atirava. Já a de Miguel, que era muito pequeno, tinha um flamingo com lagoas voando em cima”. 

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O que fica claro: cada um tem a sua própria Terra do Nunca, cada um tem seu próprio sonho e sempre há um jeito de o sonho ser encontrado e nunca ser perdido. Esta é a mensagem implícita no discurso que a narrativa de Peter Pan carrega. Pan deriva do mito grego Pã, deus dos bosques, símbolo da natureza – grande parte da narrativa se passa junto à natureza e às crianças, os ditos meninos perdidos, vivem suas aventuras junto a seres imaginários, mitológicos, folclóricos, como sereias, piratas e fadas na mesma atmosfera, ora simpática ao estilo aventureiro do grupo de crianças, ora provocativa e ameaçadora, sombria. A história de Peter começa e termina em Kensington Gardens: foi para aquele parque que ele, ainda bebê, fugiu voando quando soube dos planos de seus pais para sua vida adulta: “Não quero nunca ser adulto! – disse, com raiva. – Quero sempre ser criança e me divertir. Por isso fugi para Kensington Gardens e vivi muito tempo com as fadas”. Ali mesmo voltou para buscar aquela que contava histórias, Wendy, e acabou por levá-la para a Terra do Nunca juntamente com Miguel e João, seus irmãos, para a maior de suas aventuras. Também foi ali que, em 1906, J. M. Barrie doou uma estátua em bronze de Peter Pan para o parque, como símbolo das crianças que ali brincavam e o inspiraram a escrever sua mais famosa história. No Brasil, foi o velho e bom Monteiro Lobato quem nos trouxe à luz a narrativa do escritor inglês, nos idos da década de 1930. A seu modo, como sempre o fez, o dono do Sítio reconta as travessuras de Peter Pan e sua visita aos netos de Dona Benta e o que aprontou por lá com toda a turma, com Emília, por exemplo, cortando a sombra de Tia Nastácia. Seu pó de pirlimpimpim que fez de Emília uma boneca falante foi também a solução encontrada por tantos outros tradutores e adaptadores da obra de Barrie para o pó de fada utilizado para fazer as crianças aprenderem a voar! Temas para reflexãoDiversos são os temas trabalhados na narrativa de Barrie, mesmo que inocentemente e podem ser discutidos a partir da leitura da obra por qualquer faixa etária, quer seja no Ensino Fundamental, quer seja no Ensino Médio, tudo depende do tipo de atividade que se pretende propor a partir da leitura. Uma primeira questão que pode ser estudada é a da figura materna ou, melhor dizendo, a contradição ausência versus presença da mãe na narrativa. Peter vangloria-se por não ter uma mãe por perto, dizendo que “ele não apenas não tinha uma mãe, como não tinha a menor vontade de ter uma. Achava que todo mundo dava uma importância exagerada para as mães. Wendy, no entanto, imediatamente, achou que estava diante de uma tragédia”. Obviamente, Wendy discorda do posicionamento de Peter, uma vez que estava sendo educada segundo os preceitos de uma sociedade que ainda seguia os padrões vitorianos, preparada para ser mãe e esposa, cuidar da casa, do futuro marido e dos filhos, mesmo que ainda fosse apenas uma criança, embora fosse ainda pequena. Ouvir um absurdo daqueles era inimaginável, tanto para uma criança quanto para um adulto, imagine para uma criança criada para se comportar como adulto em um mundo de adultos! Além disso, a ausência de uma mãe implicaria descuido, na bagunça... e Peter usa isso para persuadir Wendy a acompanhá-lo na viagem à Terra do Nunca, apelando à sua veia maternal:  – Wendy, venha comigo e conte as histórias para os outros meninos.É claro que ela adorou o convite, mas disse:– Ah, mas eu não posso. Pense na mamãe! Além do mais, não sei voar.(...)– Wendy – disse o safado –, você ia poder ajeitar nossas cobertas à noite.– Ai!– Ninguém nunca ajeitou nossas cobertas.– Ai! – disse Wendy, estendendo os braços para ele.– E você ia poder costurar nossas roupas e fazer bolsos nelas. Nós não temos bolso. Como Wendy poderia resistir?  (BARRIE, 2012, págs. 65 e 66)A ausência da figura materna na Terra do Nunca acaba, na verdade, servindo como moeda de troca para Peter Pan, como uma forma de seduzir Wendy a aceitar a ideia de abandonar sua família como ele o fizera no passado... a diferença é que ela o faz em companhia de seus dois irmãos. A menina aceita a oferta de Peter Pan não somente pela possibilidade da aventura, mas também porque aquele menino lhe chamava a atenção, sentia-se lisonjeada em sua presença e gostava de seus galanteios, mesmo que fossem genéricos demais! Essa temática do interesse pela figura do sexo oposto se confirma com a fada Sininho e a Princesa Tigrinha, ambas também de alguma maneira interessadas nesse menino que de forma nenhuma se deixaria prender por algum tipo de laço - talvez nem sequer entendesse o que elas pensavam sentir por ele, uma vez que o que lhe interessa é a liberdade e a possibilidade de poder ser o mais aventureiro possível. 

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Contamos ainda com as figuras masculinas, o senhor Darling e seus filhos, o próprio Peter, o Capitão Gancho e os piratas e os Meninos Perdidos. O senhor Darling é apresentado como um homem muito preocupado com as questões financeiras, distante dos filhos e ridicularizado por eles, muito preocupado em sempre ser igual a seus vizinhos. Na noite em que resolve prender Naná, a cadela-babá de seus filhos, as crianças fogem e o senhor Darling passa a se sentir culpado por isso e se impõe o castigo de dormir na casa da cadela até que seus filhos voltassem. O Capitão Gancho e os piratas representam, a princípio, o perigo, mas são, na verdade, figuras patéticas e atrapalhadas, com medo de coisas absurdas, e Peter Pan, um garoto que não quer crescer para não virar um homem patético como os demais descritos, que lidera um bando de meninos abandonados ou fugitivos, na mesma situação que ele, denominados Meninos Perdidos – a genialidade de Barrie está em expor problemas tão sérios de maneira tão natural e sutil na narrativa. E todas essas aventuras, é claro, culminam no navio do Capitão Gancho, com Peter Pan como herói, salvando a todos, e com o Capitão finalmente tendo o seu merecido castigo!  

Saiba mais

 

Livro

Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil: Das origens indo-europeiasao Brasil contemporâneo. COELHO, Nelly

Novaes. Barueri: Manole, 2010.

Teoria e Literatura Infantil. HUNT, Peter. Crítica, São Paulo: Cosac Naif, 2010.

“O interesse é comercial”Em entrevista, especialista Célia Cassiano afirma que o aumento do capital estrangeiro no mercado de livros didáticos, principalmente o espanhol, deveria ser visto com mais cuidado

//Por Cinthia Rodrigues

O bilionário sistema de distribuição de livros às escolas públicas do Brasil atraiu grandes grupos internacionais, que hoje controlam algumas das maiores editoras de  livros didáticos do País. Para a pesquisadora Célia Cristina de Figueiredo Cassiano, é preciso acompanhar esse investimento estrangeiro com olhar mais crítico. Na obra O Mercado do Livro Didático no Brasil do Século XXI – A entrada do capital espanhol na educação nacional, publicada pela Editora Unesp, ela faz uso da ajuda de dezenas de tabelas e gráficos para contar a história do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Os dados foram atualizados de sua tese de doutorado e mostram que os espanhóis  saltaram de 0,6% para 32% do capital estrangeiro investido no Brasil em apenas cinco anos (de 1995 a 2000). Para se ter uma ideia do tamanho desse mercado, de 1 bilhão de reais investidos no PNLD pelo governo federal em 2012, 220 milhões de reais foram destinados à Editora Moderna, comprada pela espanhola Santillana. Antes de desenvolver estudos acadêmicos com foco na educação pública, Célia atuou nas áreas comerciais das editoras Abril e Moderna. Atualmente, também é autora de livros didáticos de Língua Portuguesa e trabalha com formação de professores da rede pública de São Paulo.  Na entrevista a seguir, ela explica as mudanças pelas quais o PNLD passou, fala sobre a terceirização e a influência que setor privado de capital estrangeiro tem  na educação pública.    Carta Fundamental: Qual foi o contexto de criação do Plano Nacional do Livro Didático?Célia Cassiano: O PNLD vem com a redemocratização do País, no fim dos anos 1980, e entra no âmbito das políticas sociais de assistência para o aluno. Tinha a merenda, o transporte escolar e a doação do livro. No começo, não havia uma verba regular ou uma organização, mas já existia esse nome e essa preocupação, porque uma das exigências do Banco Mundial para conceder empréstimos aos países em desenvolvimento era de que houvesse investimento em programas de livros didáticos. Nessa primeira

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fase, houve muito caso de corrupção: obras que chegavam, mas não eram as pedidas pelas escolas. Como política de livro mesmo, o início foi em 1996, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. As obras passaram a ter avaliação das universidades e o programa, um sistema com verba regular, atendimento a toda a educação básica e regularidade cíclica na entrega. Isso eu chamo de segunda fase do PNLD, que teve continuidade e ampliação com os governos seguintes. CE: A corrupção acabou?CC: Analiso a questão há muitos anos, até porque é bem atrelada à minha história de vida. Trabalhei muitos anos em editoras, já atuei em órgão central do governo e é meu tema de pesquisa na academia. No início dos anos 2000, fiz um estudo censitário dos livros recebidos no estado de São Paulo. Fui às escolas e comparei os pedidos com os recebidos. Estava tudo certo. Às vezes ainda havia livros que não eram a primeira opção do professor, mas por conta de critérios técnicos. O que eu vi de mais marcante no Nordeste foi um funcionário da editora que pegou a senha na escola e escolheu só livros da sua marca, mas foi um crime diferente e localizado. Com o tempo vieram outras medidas para minimizar os abusos e o governo criou uma portaria pela qual restringiu o acesso das editoras às escolas durante o período de escolha das obras. Pode ser que surja algum caso isolado de corrupção, mas já houve uma blindagem. CE: Seu livro foca na entrada do capital espanhol na educação brasileira. Por quê?CC: Nos anos 2000, a Espanha passou a ser o maior investidor no Brasil. Um salto grande, pois saiu de 0,6%, em 1995, para 7,7% no ano seguinte e, em 2000, chegou a 32% do total do capital estrangeiro investido no País. E entrou no setor público e estratégico: banco, telefonia e livro didático. A Espanha tem um modo de chegar amarrado à cultura. Enquanto os EUA vêm por meio de marcas e marketing, a Espanha vem com fundações que investem em cultura e formação, como são exemplos a Fundação Telefônica, o Santander e a Santillana. Acho fundamental lançar um olhar crítico sobre esses dados. Empresas não fazem filantropia. É estratégia. CE: O que propiciou que isso ocorresse nesse período?CC: Eles entram na virada do século com a abertura do País. Em termos de cultura e educação, os espanhóis já estavam em toda a América Latina por conta da influência desde a colonização e o maior país da região era um alvo natural, mas havia a barreira da língua. Também ocorreu que, naquele momento, empresas europeias procuravam outros mercados por conta da ida de mais empresas dos Estados Unidos para lá. Com a consolidação do PNLD, os grupos de livros didáticos focaram no Brasil. A partir disso, a língua espanhola entrou também como potência de negócio. É engraçado que, oficialmente, por conta do Mercosul, a língua espanhola entrou no nosso currículo do Ensino Médio em 2005, mas quem capitalizou com isso foi a própria Espanha. Há acadêmicos que reclamam disso: por que o espanhol que aprendemos e que nos habilita para estudar fora é o da Espanha, se nós somos vizinhos e temos proximidades culturais e de identidade com os latino-americanos? Inclusive, na época em que a língua entrou no currículo, o então presidente FHC e o seu ministro da Educação, Paulo Renato, foram homenageados na Espanha. Eu estava lá concluindo parte do meu doutorado e havia uma sátira na imprensa sobre os motivos.  CE: Quais foram esses grupos espanhóis?CC: O principal é a Santillana. Eles compraram a Moderna. Vem também a SM. A Santillana chega e contrata a Monica Messenberg, que havia ficado no governo por oito anos, para cuidar das relações institucionais. Começa a realização de grandes congressos, o que também é um marketing enorme. Quando o governo endurece sobre propaganda nas escolas, essas empresas têm um grande poder de investimento por outros meios. A Santillana já fazia todos os congressos de formação que saíam até no Diário Oficial, o professor vai da escola direto para lá.   CE: Os congressos e outros investimentos na formação não são bons para os professores?CC: Eu fui a esses congressos por quatro ou cinco anos. São uns dois dias. Não vi muito ganho nesse formato. Tem-se a instância da promoção e não tem o espaço para o professor se colocar.  CE: Há pontos positivos na chegada de grupos estrangeiros?CC: Acho que sim. A Moderna, por exemplo, onde trabalhei, era uma empresa familiar, ainda que grande e reconhecida no Brasil. O investimento no produto final era menos elaborado. Havia limitações financeiras e estratégicas de desenvolvimento. Outro ponto são as obras coletivas. Antes as coleções eram autorais, você tinha um responsável só por todo o conteúdo. Esse é um produto melhor? Às vezes sai até melhor, mas tem uma identidade diferente. Agora, dizer que esses grupos estão interessados em melhorar a qualidade da educação brasileira é mentira. O investimento é parte da estratégia de lucro. O interesse maior é comercial. Tudo bem, nós sabemos que estamos em um mundo capitalista, mas educação pública tem de ser compromisso de Estado. Temos de ter a clareza dos papéis.   CE: Qual a influência do livro didático no processo de aprendizagem da criança?CC: Há diferentes respostas. O Banco Mundial impõe a distribuição de livros para fazer empréstimos para toda a América Latina por entender que, onde não há formação competente, o livro didático substitui o professor. Isso está no manual do banco para concessão de empréstimos. Em minha opinião, de forma

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geral, o livro é um instrumento de apoio ao professor, que não o substitui, mas é importante. Em nosso país, com 5,5 mil municípios, tem lugar em que o único livro a que o aluno tem acesso é o didático, porque o governo dá, no caso do ciclo de alfabetização, ou disponibiliza pelo ano letivo, em outras etapas. Trabalhei com formação de educadores e falava: você tem livros com aportes mais tradicionais e outros com novas abordagens e deve escolher aquele com o qual se sente mais confortável para fazer o melhor trabalho possível. Esse processo de escolha acaba sendo também formativo. O educador tem de refletir, analisar diante do livro usado anteriormente os objetivos atingidos e quais são as possibilidades. Claro, isso não isenta a responsabilidade das editoras, assim como das universidades que avaliam os produtos. Há obras que já são feitas em escala global, com adaptações regionais, e isso pode resultar na perda de espaço para elementos da nossa cultura. CE: E no caso de sistemas de ensino?CC: Aí nós chegamos a outro problema. O PNLD, que hoje se estende para a Educação de Jovens e Adultos, paradidáticos, biblioteca do professor e agora o livro digital e está disponível para todas as escolas públicas brasileiras, que são cerca de 90% dos estudantes, é plural. Em geral, o professor tem cerca de 20 opções para escolha. Os sistemas de ensino, não. Quando um município compra um sistema, ele abre mão de receber todos os livros e compra com a verba própria que tem. E vai quase todo o destinado à Educação porque é muito caro. O pacote inclui o material didático, a assessoria tecnológica, a formação do professor e até a avaliação. O currículo todo fica organizado em torno daquilo. Se um menino chega trazendo um assunto que devia ser aproveitado em aula, o professor não tem espaço para incluir. É realmente uma terceirização da educação. CE: Quais razões as prefeitura têm para isso?CC: Alguns municípios compram como grife, os pais eleitores ficam impressionados. Mas o principal é que são materiais conteudistas. Isso vai na direção contrária do que o País tenta construir desde a Lei de Diretrizes e Bases, de 1996. Já foi denunciado por resultar no analfabetismo funcional e na evasão escolar. A reforma veio buscando sensibilidade maior para a função social do conhecimento, ou seja, que o menino aprenda para fazer uso e que aprenda a pensar, não apenas decore. Por que, então, às vezes, o conteudismo parece melhor? Porque foca em resultados nas avaliações institucionais – e você não sabe se isso é uma melhora real. Para quem tem o propósito de formação, de investimento no professor, os sistemas não atendem. Porém, cada vez mais municípios têm adotado. Em São Paulo, de 640 municípios, mais de 150 abrem mão de receber gratuitamente o livro didático para comprar sistema. CE: Isso também é associado à entrada do capital estrangeiro no mercado didático?CC: Sim. Todos os grandes grupos que vendem livros didáticos têm também sistemas de ensino. É mais rentável, menos controlado, o vendedor fala direto com o prefeito, quando muito o secretário de Educação, não passa pelo crivo da avaliação de uma universidade, fica passível de corrupção, é outra história em relação ao PNLD. A Pearson (empresa inglesa) chegou ao Brasil comprando quatro sistemas (Dom Bosco, COC, Pueri Domus, NAME). O foco dela é esse. Agora, soube que o próprio Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que tem pressupostos diferentes dos nossos e resulta em um escracho com as nossas escolas, será organizado pela Pearson (em 2015)! É um grande mercado. Envolve muito dinheiro. A capacidade de marketing é grande e o desmanche da educação pública é interessante para a rede privada.  

Saiba mais

Livro

O Mercado do Livro Didático no Brasil do Século XXI – A entrada do capital espanhol na educação nacional, de Célia Cristina deFigueiredo Cassiano. Editora Unesp.

 

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para [email protected]

Publicado na edição 59, de junho de 2014 

Fomento à pós-graduação

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Cursos na rede particular passarão a ser financiados pelo Fies

Por Tory Oliveira

Diante da missão de ampliar o número de brasileiros com pós-graduação nos próximos dez

anos, prevista pelo novo Plano Nacional de Educação (PNE), o governo federal sinalizou a

ampliação para alunos de mestrado e doutorado do crédito estudantil oferecido pelo Fundo de

Financiamento Estudantil (Fies).

 

Atualmente, o programa financia apenas a graduação de estudantes na rede particular de

Ensino Superior. Com a mudança, prevista para entrar em vigor a partir do segundo semestre

de 2014, o benefício será estendido também para cursos de pós-graduação stricto sensu. A

meta do PNE prevê a elevação gradual das matrículas nas redes públicas e privadas, de modo

a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores. Hoje, existem 204 mil

pesquisadores cursando a pós-graduação – 85% nas universidades federais.

 

Com o desafio de equalizar a demanda pelo aprimoramento acadêmico, a ampliação pela via

privada é citada como uma opção válida pelo professor do programa de pós-graduação da

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, Nelson Cardoso Amaral. “É um

avanço do contexto educacional brasileiro”, afirma, ressaltando a importância do controle de

qualidade dos programas de pós-graduação. O financiamento de cursos de graduação de baixa

qualidade é hoje a principal crítica ao programa. Apenas as pós-graduações reconhecidas pela

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) poderão participar do

novo Fies. Os beneficiados têm um ano e meio após o término do curso para pagar o

empréstimo.

 

Criado em 1999, o Fies foi modificado em 2010 para comportar juros menores e flexibilizar a

entrada de alunos em qualquer época do ano. A medida aumentou  o número de alunos que

optam pelo empréstimo. Com juros de 3,4% ao ano, o programa oferece financiamento parcial

ou integral das mensalidades. Além disso, os matriculados em licenciaturas, pedagogia ou

normal superior podem optar por trabalhar na rede pública de ensino básico em troca da

quitação das parcelas. Graduados em medicina também podem fazer a permuta. 

 

Desde 2010, os financiamentos já somam 1,16 milhão, com 559,9 mil novos contratos só em

2013. Nos últimos quatro anos, o programa movimentou perto de 14,5 bilhões de reais e é, ao

lado do Prouni, uma das maiores alavancas para o crescimento econômico do ensino superior

privado no Brasil.

 

Ao mesmo tempo, cresceu o número de matrículas na stricto sensu e nos programas de

doutorado nas federais. Entre 2005 e 2012, o aumento foi de 70% no primeiro caso e de 109%

no segundo, ampliando de 20.580 para 43.030 alunos. 

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Apesar de considerar a expansão das vagas em universidades públicas o cenário ideal, Amaral

acredita que essa possibilidade é difícil de ser executada no atual contexto brasileiro. “As

pessoas precisarão ir para as instituições privadas também, porque as públicas não

conseguem atender à grande demanda com qualidade adequada”, pondera.

 

Publicado na edição 88, de julho de 2014 

Fabricando consumidoresProibição do Conanda à publicidade infantil é ignorada. Para especialistas, falta de maturidade das crianças as torna um público mais suscetível ao apelo das marcas

//Por Thais Paiva

Elas participam de 80% das decisões de compra da família, segundo a Interscience, e passam, em média, 5 horas e 22 minutos diários em frente à televisão – o tempo, estimado pelo IBGE, é superior ao despendido em período escolar no Brasil ou no convívio com os pais.  São elas que apresentam aos familiares novos produtos e os informam sobre o que está ou não na moda. Em outras palavras, as crianças são um importante e rentável alvo para os anúncios publicitários e outros tipos de comunicação mercadológica. O fato pode ser constatado pela quantidade de personagens de desenhos e filmes infantojuvenis que estampam marcas de roupas, brinquedos, materiais escolares e produtos alimentícios. A mensagem dos comerciais é invariavelmente a mesma: as crianças mais felizes e populares são aquelas que possuem determinado item. E, claro, os bons pais, aqueles que presenteiam seus filhos com ele.  Pauta constante nas casas e escolas, a discussão acerca da publicidade e do consumismo infantil ganhou novo fôlego em março deste ano com a aprovação da Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda, órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O texto passa a classificar como abusivas todas as formas de publicidade dirigida às crianças e adolescentes. Combinada ao artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê como abusiva e ilegal a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, a resolução tem força para proibir a veiculação desse tipo de propaganda. Segundo o documento, estão banidas quaisquer comunicações mercadológicas com intenção de persuadir esse público ao consumo, utilizando-se, entre outros, de uso de linguagem infantil, efeitos especiais, excesso de cores, trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança e participação de celebridades e personagens com apelo ao público infantil. A resolução, porém, não está sendo respeitada pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) e outras entidades ligadas ao ramo publicitário, que declararam que “reconhecem o Poder Legislativo, exercido pelo Congresso Nacional, como o único foro com legitimidade constitucional para legislar sobre publicidade comercial” e que “a autorregulamentação exercida pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) é o melhor e mais eficiente caminho para o controle de práticas abusivas em matéria de publicidade comercial”. “A resolução do Conanda não é lei e não pode infringir a Constituição Federal, por isso, entendemos que não tem aplicação legal”, diz Paulo Gomes de Oliveira Filho, assessor jurídico da Abap. “A resolução estabelece que pelo simples fato de ser direcionada ao público infantil já é uma propaganda abusiva, não importa que o conteúdo não o seja, o que é um absurdo.” Para o advogado, a publicidade é um ponto infinitamente pequeno dentro da orientação da criança. “Não dá para colocar a propaganda como a caixa de Pandora, responsável por todos males do mundo, pela obesidade infantil, por exemplo. São os pais que sabem se devem ou não levar o filho ao fast-food e se ele pode comer um ou dois sanduíches”, diz.  Para Diego Medeiros, defensor público do estado de São Paulo e representante da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude no Conanda, a Resolução nº 163 soma esforços ao Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do

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Adolescente (ECA) para maior compromisso e responsabilidade da sociedade em relação ao tema. “Os operadores de direito devem ficar atentos para que a aplicação harmônica desses três instrumentos normativos seja pauta no cenário político brasileiro. A resolução traz respaldos e princípios definidos dentro do ECA e deve repercutir de forma administrativa ou até mesmo judicial, no sentido de fazer os publicitários se responsabilizarem por condutas consideradas abusivas”, diz. A aprovação do documento foi festejada pelo Instituto Alana, organização sem fins lucrativos de assistência social, educacional e cultural para crianças, que vem lutando a favor da proibição desde 2006. “A criança não tem desenvolvimento cognitivo para compreender a intenção persuasiva das mensagens publicitárias, o que é real e o que não é. Logo, não existe relação de igualdade entre anunciantes e público infantil. Com a proibição, elas serão poupadas desse apelo consumista, dessa inversão de valores onde para ser alguém na vida ela precisa ter tal coisa”, diz Isabella Henriques, diretora do instituto. A responsabilidade de cuidado das crianças, defende Isabella, não é exclusivamente da família, mas também da sociedade e do Estado. “Os pais têm sua responsabilidade, sem dúvida, mas eles não têm como lutar contra essa avalanche de anúncios publicitários sozinhos, que entram em casa por diversos veículos de comunicação e instituições. Cabe ao poder público fazer uma regulação e às empresas respeitar essas normas”, aponta. Em resposta à postura das empresas, o Instituto Alana encaminhou em maio uma denúncia à Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça. Segundo nota da organização, as campanhas publicitárias continuam falando diretamente com as crianças. Boa parte das trilhas sonoras, linguagem e personagens utilizados ainda têm conotação voltada diretamente ao público infantil. A Senacon comprometeu-se em analisar o caso.  Infância vs. consumo Ao contrário do que alegam as entidades publicitárias, a propaganda tem um impacto direto e nocivo na vida e desenvolvimento dos pequenos. É o que retrata o documentário Criança, a Alma do Negócio (2008), dirigido por Estela Renner (de Muito Além do Peso). Sob um olhar crítico, o filme revela como as marcas manipulam o desejo e a fantasia infantis, a fim de transformá-los em consumidores mirins. Em uma das cenas, a psicóloga Roberta Carneiro mostra para um grupo de crianças um cartão com a imagem de um avestruz. Nenhuma criança consegue dizer o nome do animal. Mas o cenário é bastante diferente quando os cartões trazem os logotipos de empresas de telefonia. As respostas são instantâneas, estão na ponta da língua. Para a psicóloga norte-americana Susan Linn, diretora da Campanha por Uma Infância Sem Comerciais (CCFC) e autora do livro Crianças do Consumo: A infância roubada, a publicidade e o marketing podem ser apontados como um fator constitutivo dos problemas que as crianças enfrentam hoje. “Não são a única causa, é importante destacar. Mas são um fator da obesidade infantil, dos distúrbios alimentares, da sexualização precoce das meninas, da violência juvenil, do estresse familiar e um fator importantíssimo na aquisição de valores materialistas, a falsa noção de que marcas ou as coisas que compramos nos farão felizes”, disse durante o II Fórum Internacional Criança e Consumo, promovido pelo Instituto Alana.  Além disso, a publicidade dirigida ao público infantil vale-se da falta de autonomia e maturidade da criança para vender seus produtos, dizem os especialistas. “O adulto tem capacidade de escolher, de discernir se aquela propaganda é fantasiosa ou real. A criança, não. Quando uma propaganda diz que sem aquele produto ela não será feliz, para ela aquela mensagem traduz um fato”, diz Júlio Pompeu, professor de Ética do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo. Essa diferença entre realidade e ficção só é construída mais tarde. “Basta ver uma criança brincando com uma caixa de papelão como se fosse um carrinho. Se você chuta a caixa, ela chora não porque você chutou o papelão, mas porque chutou o carrinho”, diz. Pompeu ressalta ainda que a publicidade infantil não está circunscrita à propaganda de brinquedos e outros itens do universo da criança. “Quem fica mais tempo em casa vendo tevê são as crianças. Os anunciantes sabem que é com elas que precisam conversar. Então colocam na propaganda de celular uma criança falando para elas se identificarem, usam a criança para atingir o adulto.” A ideologia consumista presente na publicidade estimula também a precocidade, tratando as crianças como “miniadultos”, pois quanto mais cedo se tornarem consumidores, melhor. “Erotiza-se a criança, principalmente as meninas. Há um discurso machista muito presente que qualifica a mulher quanto à sua beleza. A menina legal é a princesa. Aquela que é bonita e não a que é competente”, diz o professor.  A promessa de felicidade  impacta não apenas o indivíduo, mas a sociedade como um todo. Segundo Isabella, a criança de uma família com recursos pode até ter seus desejos atendidos, mas nunca ficará feliz. “O mercado não quer o cliente satisfeito, e sim querendo sempre mais”, diz. Por outro lado, a criança que não tem tantas condições vai continuar nutrindo o desejo da posse, se sentindo inferior aos demais. “Isso pode influir em uma passagem para o campo da violência. Pesquisas já mostram que um dos

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fatores que levam crianças e adolescentes a se envolverem em roubos, furtos ou tráfico de drogas é o desejo de ter produtos que possam levá-los a ter status social”, aponta Isabella.  A generificação, ou seja, a distinção entre gêneros, é outro ponto exacerbado pela publicidade, diz Amana Mattos, professora de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora na área de Infância, Juventude e Gênero. “Hoje você encontra fralda descartável para meninos e para meninas, pois assim se criam necessidades específicas, novos nichos de consumo. Se antes você comprava uma bola para ser compartilhada entre um casal de filhos, hoje você tem de comprar duas, porque tem bola de menino e de menina. Isso também acontece em relação às idades: criam-se subdivisões, fases, dentro da infância e com isso novas possibilidades de venda”, conta.  Entretanto, Amana ressalta que a proibição da publicidade dirigida ao público infantojuvenil, por si só, não resolve o problema. “A questão central é: que valores estão sendo passados para as crianças? Proibir não resolve o problema que é o consumo naturalizado em nossa sociedade”, diz. Para a professora, é papel da escola e dos pais discutirem sobre a questão. “É importante construir uma capacidade crítica nas crianças e adolescentes. Mostrar como a publicidade cria vontades, necessidades inventadas, totalmente desconectadas com o nosso cotidiano.” 

Saiba mais

Documentário: Criança, a Alma do Negócio (2008 ) Instituto Alana 

Livro: Crianças do Consumo: A infância roubada, de Susan Linn (Instituto Alana, 2006)