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VIII Seminario Regional (Cono Sur) ALAIC POLÍTICAS, ACTORES Y PRÁCTICAS DE LA COMUNICACIÓN: ENCRUCIJADAS DE LA INVESTIGACIÓN EN AMÉRICA LATINA” 7 y 28 de agosto 2015 | Córdoba, Argentina 1 As manifestações de 2013 no Brasil vistas pelo Jornal Nacional (Rede Globo) The media coverage of 2013 demonstrations in Brazil by Jornal Nacional (Rede Globo) Camila MOREIRA CESAR 1 Resumo A centralidade dos media nas sociedades contemporâneas redefine os contornos do espaço público, transformação que suscita uma série de debates em diferentes domínios da vida social, especialmente no que se refere às representações da vida pública. Assim, este artigo, síntese de uma pesquisa realizada no quadro de um mestrado em Informação e Comunicação, propõe ampliar as discussões sobre o papel dos meios de comunicação em regimes democráticos, chamando a atenção, especificamente, para as relações entre mídias e movimentos sociais no Brasil. Tal preocupação emerge em um momento histórico, social e político onde as redes sociais conquistam, ainda que gradativamente e de maneira bastante restrita, uma importância substancial nos hábitos informativos da população, sobretudo entre as gerações mais jovens. Deste modo, este estudo analisa a evolução das manifestações contra o aumento do preço do transporte público no país ocorridas entre junho e julho de 2013, bem como o tratamento midiático deste evento pelo telejornal Jornal Nacional, da maior e mais influente emissora brasileira, a Rede Globo. Em vista do grau de interferência desta enquanto interface de socialização política da maioria da população e, portanto, na formação da opinião pública, faz-se necessário, do ponto de vista social e societal, aprofundar o debate e colocar 1 Bacharel em Comunicação Social Hab. Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil (2012), Mestre em Informação e Comunicação pela Université Sorbonne Nouvelle Paris III (2015), Diretora de Comunicação do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE). E-mail : [email protected].

As manifestações de 2013 no Brasil vistas pelo Jornal ... · natureza violenta e o olhar de reprovação das primeiras coberturas cedem lugar, gradativamente, a uma classificação

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As manifestações de 2013 no Brasil vistas pelo

Jornal Nacional (Rede Globo)

The media coverage of 2013 demonstrations in Brazil

by Jornal Nacional (Rede Globo)

Camila MOREIRA CESAR1

Resumo

A centralidade dos media nas sociedades contemporâneas redefine os contornos do espaço

público, transformação que suscita uma série de debates em diferentes domínios da vida

social, especialmente no que se refere às representações da vida pública. Assim, este artigo,

síntese de uma pesquisa realizada no quadro de um mestrado em Informação e Comunicação,

propõe ampliar as discussões sobre o papel dos meios de comunicação em regimes

democráticos, chamando a atenção, especificamente, para as relações entre mídias e

movimentos sociais no Brasil. Tal preocupação emerge em um momento histórico, social e

político onde as redes sociais conquistam, ainda que gradativamente e de maneira bastante

restrita, uma importância substancial nos hábitos informativos da população, sobretudo entre as

gerações mais jovens. Deste modo, este estudo analisa a evolução das manifestações contra o

aumento do preço do transporte público no país ocorridas entre junho e julho de 2013, bem

como o tratamento midiático deste evento pelo telejornal Jornal Nacional, da maior e mais

influente emissora brasileira, a Rede Globo. Em vista do grau de interferência desta enquanto

interface de socialização política da maioria da população e, portanto, na formação da opinião

pública, faz-se necessário, do ponto de vista social e societal, aprofundar o debate e colocar

1 Bacharel em Comunicação Social – Hab. Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil (2012),

Mestre em Informação e Comunicação pela Université Sorbonne Nouvelle Paris III (2015), Diretora de Comunicação do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE). E-mail : [email protected].

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em perspectiva a problemática da concentração da mídia no Brasil e suas implicações do ponto

de vista democrático. Assim, esta pesquisa chama a atenção para a relação controversa entre

meios de comunicação e poder político no contexto brasileiro, atentando particularmente à

questão dos movimentos sociais, historicamente margilizados pela grande imprensa nacional.

Da mesma forma, busca-se compreender, paralelamente, qual é o papel e o potencial de

influência dos discursos alternativos difundidos por outros canais, tais como as redes sociais

digitais, na evolução do tratamento midiático dispensado a este evento que tangencia, ao

mesmo tempo, questões de cunho social, político e midiático no Brasil, bem como suas

interrelações.

Palavras-chave: democracia, movimentos sociais, redes sociais digitais, discurso midiático, jornalismo, Rede Globo.

Abstract

The centrality of the media in contemporary societies redefines the contours of public space.

This change raises a number of debates in different social fields, especially regarding to new

representations of public life. So, this article, a synthesis of a research conducted as part of a

master's degree in Information and Communication, proposes to extend the discussions on the

role of the media in democratic systems, drawing attention specifically to the relationship

between media and social movements in Brazil. This concern emerges in a historical, social and

political moment where social networks sites gain, even if gradually and in a very restricted way,

of substantial importance in the Brazilian population information habits, especially among the

younger generations. Thus, this study analyzes the evolution of demonstrations against the

rising cost of public transport in the country between June and July 2013, as well as the

media coverage of this event by the TV newscast Jornal Nacional, from RedeGlobo, the largest

and most influential Brazilian broadcaster. Given its degree of interference as a political

socialization interface among the majority population, and therefore, in the shaping public

opinion, it is necessary, from both social and societal point of view, deepening the debate and

put into perspective the issue of concentration the media in Brazil and its implications from a

democratic point of view. Therefore, this research focuses on the controversial relationship

between the media and political power in the Brazilian context, drawing

attention particularly to the question of social movements, historically margilized by the national

mainstream media. Similarly, this article pursuit to understand, in parallel, what is the role and

the potential influence of alternative discourses broadcast by other channels, such as social

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networks sites, on the evolution of the media coverage of this event that touches, at the same

time, social, political and media issues in Brazil, as well as their interrelations.

Key Words: democracy, social movement, digital social network, media discourse, journalism,

Rede Globo.

1 Introdução

As particularidades do mais influente grupo midiático do Brasil, a Rede Globo, suscita

discussões sobre sua importância na vida política. Assim, a análise da construção do discurso

midiático das manifestações pelo Jornal Nacional se investe de importância dada a relevância

deste evento para a compreensão da trajetória sócio-política no Brasil. Deste modo, este

estudo propõe discutir o papel dos media e avaliar os possíveis efeitos do uso das redes

sociais, especialmente Facebook e Twitter, na mobilização social e suas interações com a

mídia tradicional no contexto atual.

Por centrar-se na construção do discurso midiático e suas oscilações ao longo da

cobertura jornalística, as contribuições da sociologia dos meios de comunicação apresentam-se

como um aporte teórico fundamental para a realização deste trabalho. Em um primeiro

momento, será analisado o discurso midiático e seu conteúdo, seguindo-se a uma avaliação

mais aprofundada sobre as contruções semânticas empregadas, bem como sua influência

sobre as representações das manifestações e de seus atores. Assim, a combinação da análise

do discurso e da semiótica permitiu o estudo do corpus selecionado. A escolha e a aplicação

desses suportes téorico-metodológicos são pertinentes dado o objetivo da pesquisa, que

propõe, de um lado, uma reflexão sobre o papel dos media no espaço público e, de outro,

apoia-se sobre um evento em particular para testar empiricamente essa reflexão teórica.

1 Estruturação da pesquisa

Parte-se, assim, da seguinte questão : quais são as representações dos manifestantes

construídas pelo Jornal Nacional durante os protestos no Brasil em 2013 e qual o papel,

paralelamente, das redes sociais na evolução deste evento? Em primeiro lugar, destaca-se a

transformação do discurso do Jornal Nacional. Inicialmente, os ativistas foram classificados

como vândalos e os protestos não foram apresentados legítimos. Em uma segunda fase, a

natureza violenta e o olhar de reprovação das primeiras coberturas cedem lugar,

gradativamente, a uma classificação mais amena, e os jornalistas passam a falar de um

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“movimento pacífico e democrático”. A partir daí, o telejornal passa a apoiar a onda de

manifestações, valorizando a onda de protestos em diferentes cidades e dedicando boa parte

da grade da emissora à transmissão ao vivo dos atos.

Uma primeira hipótese que justificaria essa mudança estaria ligada às proporções do

movimento, intensificadas pelo uso das redes sociais. A situação teria “forçado” o telejornal a

reconhecer a legitimidade do movimento, agora tratado como uma expressão saudável da

democracia. Nota-se também que tal transformação ocorre após as agressões policiais de

jornalistas durante a cobertura dos atos. Uma última explicação seria a difusão de versões

alternativas (por meio de fotos, vídeos, artigos etc.) dos protestos por manifestantes e

ciberativistas, a exemplo do grupo Mídia Ninja. A circulação dessas diferentes visões teria, em

certa medida, obrigado o programa a reformular seu discurso, provando assim o peso das

redes sociais na mobilização e organização dos movimentos sociais contemporâneos.

2.1 Objetivos e Metodologia

Para responder às questões deste estudo, objetivou-se compreender: i) o tratamento

dos atores do evento, sobretudo dos manifestantes; ii) as transformações do discurso do

telejornal ao longo da cobertura e iii) o papel das redes sociais na construção deste evento

midiático, buscando-se avaliar o impacto desses novos canais informações sobre a narrativa

jornalística da grande mídia.

Foram selecionadas 26 edições do telejornal Jornal Nacional entre 6 de junho e 6 de

julho de 2013. Foi neste intervalo que os protestos se propagaram, inserindo-se na esfera de

visibilidade midiática e, assim, pública. Em segundo lugar, a abordagem dos protestos neste

momento, bem como as oscilações ao longo do período analisado, são interessantes do ponto

de vista científico. Dado o importante papel das redes sociais na organização das

manifestações, optou-se por adicionar ao corpus, à título ilustrativo, algumas das publicações

mais expressivas do grupo ciberativista Mídia Ninja divulgadas em suas páginas no Facebook e

Twitter. Por meio desse suporte empírico, pretende-se discutir como os conteúdos difundidos

por um canal de informação alternativo podem ter contribuído à mudanla do discurso da mídia

tradicional.

Para analisar a narrativa jornalística sobre o evento, foram empregadas as técnicas da

análise do discurso. Em seguida, interessamo-nos à construção do sentido das formações

lexicais que descrevem o evento, o que demandou o apoio téorico-metodológico da semiótica.

A análise da construção do discurso midiático do Jornal Nacional apoiou-se, então, nos

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seguintes critérios: o tempo dedicado ao assunto em cada edição do telejornal; a identificação

das formações lexicais mais utilizadas para descrever o evento e atores; e a observação dos

temas emergentes. Para compreender a importância da mise en scène televisual e o sentido

embutido nos conteúdos veiculados pelo programa, atentou-se a determinados detalhes

técnicos, tais como a estruturação e o enquadramento das reportagens e as entradas ao vivo

dos repórteres diretamente dos protestos. Por fim, a escolha das postagens obedeceu aos

seguintes critérios: a populariade (número de “likes”, compartilhamentos e comentários) e

cronologia, conforme os momentos mais importantes deste episódio. Sendo a análise da

evolução do tratamento do telejornal nosso objetivo principal, essas informações serão

mencionadas à título ilustrativo para discutir a possível influência dessas versões alternativas

sobre o discurso jornalístico do Jornal Nacional.

3 Problematização teórica 3.1 Mídia e Democracia : os meios de comunicação e o poder político no Brasileira

O surgimento da imprensa diária durante o século XVIII transformou a organização do

espaço público contemporâneo, mas é no século XX que o desenvolvimento do rádio e da

televisão vão aprofundar essas mudanças, colocando os media no centro das relações sociais.

Miguel (2004) retoma Meyrowitz (1985) sobre o impacto das mídias eletrônicas no tecido

social e explica que os meios de comunicação, sobretudo a televisão, rompem as barreiras

entre espaços sociais antes estanques. Para o autor, « quando mulheres ou homens, ou jovens

e adultos compartiham das mesmas informações, por assistirem aos mesmos programas,

torna-se mais difícil decretar 'isto não é assunto de mulher' ou 'isto não é assunto de criança' »

(MIGUEL, 2004, p. 7-8). O autor cita quatro dimensões principais onde a visibilidade da mídia

surte efeito : i) enquanto ferramenta de contato entre a política e os cidadãos, substituindo, em

certa medida, os sistemas políticos tradicionais, cujo principal efeito é a redução do peso dos

partidos políticos ; ii) a transformação do discurso político, cada vez mais adaptado à lógica

midiática ; iii) a produção de uma agenda pública, dada sua capacidade de formular as

preocupações coletivas e orientar sua interpretação por meio de esquemas narrativos.

Salienta-se ainda os efeitos desse processo de agendamento sobre o cidadão, que tende a

tomar os assuntos valorizados pelos media como os mais importantes, bem como sobre os

representantes políticos, que se sentem pressionados a dar respostas de forma quase

imediata. Por fim, a iv) administração da visibilidade se impõe como uma quarta mudança

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proporcionada pelos media, arena onde circulam os diferentes discursos e interesses de atores

dos diversos campos sociais que buscam sua legitimidade junto à opinião pública.

Para Quéré (2005), a impossibilidade de acompanhar tudo o que acontece no mundo

criou a necessidade de desenvolver alternativas para resolver esse impasse. Os indivíduos

são, assim, obrigados a confiar em instituições e organizações investidas de uma autoridade

que lhes autoriza a atuar como mediatores sociais. No mesmo sentido, a complexidade da

sociedade atual impede a participação dos indivíduos em todos os debates públicos, tornando

a mídia uma ferramenta indispensável sobre a qual « fixamos nossas crenças a partir daquilo

que elas nos ensinam, contam, explicam, orientam a fazer, basenado nossas ações e razões

sobre isso » (QUÉRÉ, 2005, p. 188, tradução nossa).

A importância do aparato midiático para a organização da arquitetura institucional das

democracias modernas justifica, então, o interesse deste trabalho pelas particularidades da

relação entre mídias, sociedade e poder político na esfera pública. Para Fonseca (2011), os

media consistem em um complexo sistema de comunicações cujo produto é a manipulação dos

elementos simbólicos e que exercem, em certa medida, um poder devido sua capacidade de

influenciar a opinião dos indivíduos, participar dos processos políticos e favorizar determinados

temas e posições em detrimento de outros. O autor lembra também que além do dever de

informar que caracteriza o jornalismo, grande protagonista desse sistema, as empresas de

comunicação são antes propriedades privadas que possuem como interesse maior o lucro.

Sobre isso, A História Secreta da Rede Globo (1987), obra seminal de Daniel Herz, oferece um

panorama completo e crítico sobre a formação do império midiático comandado pela família

Marinho no Brasil. Segundo Herz, a implantação da radiodifusão no país é caracterizada pela

corrupção e tráfico de influência, problemas resultantes de políticas de difusão elaboradas

durante o período ditatorial e cujos efeitos se sentem até hoje. O sistema de sucursais

regionais da empresa constitui a base do modelo de radiodifusão no Brasil e explica a situação

de oligopolio, onde a Rede Globo é o elemento central. O autor destaca também que o modelo

econômico adotado depois do golpe de 1964 levou a grandes investimentos públicos nas

infraestruturas de comunicações, permitindo o desenvolvimento de um sistema nacional de

telecomunicações e radiodifusão compatível com as novas exigências do capitalismo

internacional. Este quadro revela a importância das tecnologias da informação no processo de

evolução dos princípios capitalistas, fazendo desses dispositivos um poderoso complexo

eletrônico orientado à expansão do sistema sócio-econômico e ideológico. No que se refere ao

Brasil, diferentes etapas da modernização do sistema produtivo acompanharão a implantação

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de um imenso aparato de comunicação nacional ao longo dos 20 anos de ditadura militar,

cenário e práticas que persistirão mesmo após a redemocratização, em 1985.

3.2 Discurso midiático

Para Charaudeau (2005), a construção do sentido do discurso midiático se dá por meio

de um duplo processo, indo de um « mundo a comentar » a um « mundo comentado ». Deste

modo, os acontecimentos não chegam jamais em seu estado « bruto » à recepção, mas

necessariamente tratados e interpretados pelos profissionais da informação da esfera midiática.

Assim, as mídias são, em certa medida, um « espelho deformado » da realidade, que oferece

uma visão parcial do espaço público, como enfatiza o autor, para quem a informação é uma co-

construção de efeitos visados, supostos, possíveis e produzidos, conjunto que faz da

comunicação midiática uma instância de produção do sentido social. Nesta pesquisa,

destacam-se as particularidades da narrativa jornalística do Jornal Nacional e os efeitos

interpretativos produzidos pelas reportagens, bem como a tranformação do discurso sobre os

protestos. Apoiar-se-á, também, sobre o papel ativo dos media na construção social da

realidade, conforme propõe Charaudeau (2005), para quem a mídia opera em uma lógica que

tenta substituir os sistemas tradicionais de mediação entre poder político e cidadãos.

3.3 Redes sociais : uma nova aposta para a democracia ?

Em uma democracia, os movimentos sociais representam uma parcela particular e

importante da participação política dos cidadãos no espaço público. Para Gohn (2003), tais

manifestações são essenciais porque são os agentes construtores de uma nova ordem social e

não de perturbação da mesma, como dizem certos analistas e políticos conservadores. Para o

autor, paradas, passeatas e outros atos públicos são uma forma de tornar visíveis as

transformações que ocorrem no interior da sociedade civil.

O conceito de movimento social é ligado à ação coletiva, mas Neveu (2011) lembra a

diversidade que engloba tal relação e atenta para a necessidade de contextualização: se no

passado a ação coletiva era diretamente ligada à noção de um agir conjunto intencional

possível pelos interesses e reivindicações em torno de uma « causa comum », observa-se hoje

a fragmentação dessas orientações. O autor diz que a diferença dos « novos » movimentos

sociais reside na organização pouco institucionalizada, que portam frequentemente uma

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dimensão lúdica, como sit-in, ocupação de determinados locais e greve de fome, bem como

uma antecipação das expectativas da mídia. Neveu cita as transformações dos valores e das

reivindicações como outro diferencial: enquanto a redistribuição das riquezas predominava no

passado, as mobilizações atuais se focam na resistência ao controle social e na conquista de

autonomia, como vemos nas ações em torno da questão homossexual, ecológica, feminista

etc.

Também as novas tecnologias da informação e da comunicação nos últimos anos

contribuíram para esta nova paisagem. Para Chiung-wen Hsu (2009), porém, a participação

popular era mais aberta a todos antes da Internet, quando o objetivo maior era levar as

reivindicações dos cidadãos às autoridades públicas. A rede, porém, transformou a definição

operacional da participação popular permitindo a participação virtual por blogs, e-mails e outros

suportes digitais, construindo, assim, formas de « agir em conjunto » que dispensam a

presença física. Entretanto, Chiung-wen Hsu defende que a Internet pode fazer desaparecer as

verdadeiras confrontações públicas, alertando para três possíveis impactos da rede sobre as

mobilizações atuais : i) a Internet vai se universalizar e permitir que vozes antimundialistas e/ou

altermundialistas se façam ouvir ; ii) os representantes políticos incorporarão em suas pautas

as questões levantadas por esses movimentos ; iii) a ausência de lideranças produzirá uma

estratégia medíocre, a falta de comprometimento e de objetivos claros conduzirá a debates

intermináveis, impedindo o progresso das mobilizações. Tais considerações sobre os aportes e

os efeitos desse novo cenário informacional na organização e atuação dos movimentos sociais

no espaço público contemporâneo nutriram a condução do estudo neste sentido e serão

colocadas em perspectiva na apresentação dos resultados nas páginas seguintes.

4 Manifestações 2013 e Rede Globo : uma relação controversa

A análise das edições do telejornal, sintezadas abaixo, gerou os resultados

apresentados nas páginas seguintes.

Quadro 1 : Síntese das reportagens sobre as manifestações exibidas pelo Jornal Nacional

Principais formações lexicais para descrever o evento

Principais termos/frases associados aos manifestantes

Principais termos/frases associados aos policiais

Assuntos emergentes ao longo das mobilizações

Fase 1 « protesto contra o aumento de R$0,20 do preço do transporte público », « situação agitada », « medo », « confrontos »,

« eles colocaram fogo na rua », « os manifestantes bloquearam a rua », « medo », « destruição », « agitação », « eles entraram em

« estabelecer a ordem », « conter os manifestantes », « eles reagiram aos atos dos manifestantes », « conflito »,

- Copa do Mundo ; - Corrupção ; - Condições dos serviços públicos ;

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« traços de destruição », « marcas de vandalismo dos manifestantes »

confronto com os policiais », « confronto »

« policiais agredidos » - PEC 37 ; - Popularidade da Presidenta Dilma Rousseff .

Fase 2

« manifestação começou pacífica mas se tornou violenta », « a maioria não quer vandalismo », « a manifestação é pacífica », « protesto contra a Copa do Mundo, contra a corrupção e as taxas do serviço público »

« uma minoria colocou fogo na rua », « um pequeno grupo, que não representa o movimento », «infiltrados », « os grupos radicais provocam confrontos », « baderneiros », « vândalos », « violência », « confronto »

« policiais atiraram mesmo sem ser atacados », « policiais reagiram à radicalização do movimento », « conflito », « policiais acompanharam a manifestação à distância », « policiais afastaram minoria radical », « policiais responderam aos ataques de vândalos »

- Reforma política ; - Movimento LGBT.

4.1 As manifestações de 2013 e a cobertura do Jornal Nacional

A análise do corpus revela a evolução do tratamento do evento, como se pode visualizar

no Quadro 1. Em um primeiro momento, as reportagens possuem uma duração média de 3

minutos e valorizam os problemas gerados pelas manifestações e não há distinção entre seus

participantes. « Confusão », « caos », « agitação » e « medo » descrevem o evento, escolha

que funciona como uma ferramenta de manipulação de opinião, reforçando a representação

negativa dos manifestantes. Assim, enquanto programa jornalístico mais influente da televisão

brasileira (HERZ, 1987), o enquadramento do Jornal Nacional vai ter um importante papel na

formação da opinião da população sobre o acontecimento, mostrando as manifestações como

um problema e o perigo das « multidões » nas ruas, que se tornam um « campo de batalha »

por culpa dos manifestantes, discurso que predomina nas primeiras coberturas.

À medida que o movimento ganha adesão, outros temas aparecem e são mencionados

nas reportagens, sobretudo a partir de 12 de junho, marcado por « confrontos entre

manifestantes e policiais » e « cenas de violência ». Dois pontos são determinantes neste dia: i)

a agressão a jornalistas durante a cobertura dos atos, sugerindo o abuso de policiais ; ii)

emergência da designação dos « grupos minoritários » para fazer referência aos manifestantes

que praticam atos de vandalismo. Esses novos fatores, associados à expansão dos

movimentos em outras capitais, chamam a atenção da imprensa internacional, que destaca os

abusos da polícia.

A mudança de discurso constata-se no teor das reportagens subsequentes : agora, elas

reiteram o caráter legítimo dos protestos, respaldado pelas enquetes nas ruas, onde 55 % dos

entrevistados criticam os serviços públicos no país, índice mais alto dos últimos 26 anos. Tal

recurso será retomado no dia 3 de julho com a divulgação da pesquisa do Instituto Brasileiro de

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Geografia e Estatística (IBGE) apontando o transporte público como uma preocupação

constante da população. O tom belicoso do telejornal dá lugar ao patriotismo, uma vez que os

manifestantes lutam pelos direitos do povo brasileiro. É neste momento também que os

objetivos difusos aparecem : além dos 20 centavos – que se tornam uma questão secundária –

, os gastos com a Copa do Mundo de 2014, a proposição da PEC 37 e a má qualidade dos

serviços públicos são destacados pelas reportagens, que enfatizam a insatisfação generalizada

do povo brasileiro com a administração do Estado. Essa postura é reiterada por declarações da

oposição, assim como pela divulgação de pesquisas do Instituto Data Folha indicando a baixa

popularidade de Dilma Rousseff, revelando o tom oposicionaista da emissora ao Partido dos

Trabalhadores (PT)2.

4.2 Os manifestantes : pacíficos versus vândalos

Como explica Champagne (1991), o campo jornalístico realiza um trabalho de

construção que depende dos interesses do próprio setor de atividade. Essa lógica justificaria as

escolhas editoriais e o tratamento dado aos manifestantes durante a cobertura. O discurso do

telejornal reitera a visão marginalizada dos movimentos sociais, apresentando seus atores

como os culpados pelas cenas de violência e as situações de tensão com a polícia durante os

atos. O uso dos termos « vandalismo », « destruição », « agitação », « eles colocaram fogo na

rua » evidenciam o tratamento desfavorável dispensado aos manifestantes ao abordarem suas

ações.

A inversão se dá a partir do 12 de junho. Neste momento, a narrativa jornalística sobre

os manifestantes, até então considerados uma unidade, separa-os em dois grupos : os

pacíficos e os radicais (vândalos), rivalidade que vai ser explorada pelo telejornal. Essa

mudança é acompanhada pela generalização do movimento, que deixa de ser tratado como

uma revolta dos jovens da classe média em torno do transporte público para ser apresentado

2 A emissora é acusada de ter ajudado o candidato à Presidência Fernando Collor de Mello (proprietário da Gazeta do

Alagoas, sucursal da Rede Globo) na eleição de 1989 por meio da manipulação de trechos do debate entre ele e seu

oponente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 2006, a emissora é novamente acusada de desfavorizar Lula, então candidato à reeleição, ao destacar excessivamente aos fatos negativos sobre seu partido durante a campanha.

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como a demonstração de insatisfação geral de diversas classes sociais. Uma outra mudança

se dá no tratamento acordado ao trabalho dos policiais, cujos abusos são criticados ao mesmo

tempo que justificados devido aos manifestantes radicais.

À medida que outras reivindicações surgem, observa-se a construção de uma pauta

divergente da inicial, o que pode ser compreendido como efeito do impacto da Internet na

organização dos movimentos sociais contemporâneos, conforme o item 3.2.2. Entretanto, essa

dissonância não impediu certa empatia à eclosão dos atos de rua, comparados agora às

grandes passeatas da campanha Diretas Já !, em que a mídia e, especialmente a Globo, foi

determinante.

4.3 A representação dos policiais

Primeiramente, as ações policiais eram respaldadas sob os argumentos de que eles

« reagiram aos atos dos manifestantes » e que tentaram « conter o avanço » dos mesmos.

Mesmo as posturas mais violentas, como jogar bombas de efeito moral, são aceitáveis e

mesmo encorajadas por governadores e prefeitos face aos riscos oferecidos pelas multidões.

Em um segundo momento, sobretudo após o emblemático 12 de junho, esse quadro começa a

mudar. Antes justificadas, as ações policiais são agora consideradas « excessivas », cujos

ataques aos manifestantes são « sem motivo visível ». É também neste momento que

organismos e imprensa internacionais condenam a postura dos policiais, levando governadores

dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo a abrirem investigações sobre os abusos

cometidos.

Alguns fatos podem ajudar a explicar o porquê do tratamento dos manifestantes e dos

policiais ter sensivelmente mudado. O primeiro é a agressão a jornalistas durante os atos, o

que pode ter criado uma solidariedade da comunidade jornalística. O segundo é a amplitude

das manifestações no país, que cresciam a cada dia. Uma última pista são as versões

alternativas das redes sociais, especialmente da página do grupo Mídia Ninja no Facebook e

Twitter, que revelavam o viés muitas vezes violento e injustificado das ações policiais. Além

disso, a oposição entre manifestantes e policiais passa a ser triádica, opondo agora a esses

dois atores os manifestantes radicais. A narrativa do telejornal se controi sobre esses três

atores, onde os atos de vandalismo dos grupos radicais justificam em certa medida as ações

policiais. A fragmentação das demandas vai também contribuir às divergências de pauta,

levando à oposição entre os participantes e criando uma espécie de consenso entre

manifestantes pacíficos e policiais. Os jornalistas vão, assim, insistir sobre a « postura correta»

dos policiais, que acompanham as manifestações sem intervir e cujas ações, mesmo quando

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violentas, são « uma reação às provocações de manifestantes radicais ».

4.4 A mise en scène televisual

Outra dimensão importante são as particularidades da mise en scène dos protestos pelo

telejornal. Jost (2004) define a televisão como um meio que aproxima os homens ao seu

ambiente, dando-lhes acesso ao mundo. Neste sentido, o telejornal possui um importante papel

no espaço público contemporâneo.

Das 26 edições analisadas, 13 delas possuem intervenções de repórteres in loco, mas

apenas 8 apresentaram entrevistas com manifestantes. Além disso, cenas de fogo e da

multidão, barulhos de bomba, violência e confrontos foram amplamente exploradas. Essas

observações revelam o foco do programa nos aspectos negativos dos protestos ao invés de

atentar às questões importantes, como a expansão dos atos pelo país, suas motivações e

desdobramentos.

Em geral, o enquadramento das cenas ao longo da narrativa revela a intenção dos

jornalistas de construir uma imagem maniqueísta dos manifestantes (pacificos/radicais),

apresentados como uma multidão desorganizada, e dos policiais, um grupo unificado. As cenas

focam a oposição entre os atores no jogo, cada um interpretando um « papel na trama »

(BERTRAND, 2000) e reforçando, pela descrição de suas ações, o ponto de vista da emissora,

que se apoia na retórica da objetividade jornalística para legitimar seu discurso na opinião.

Apesar da mudança de tom, a exploração da violência é constante, especialmente em

relação aos grupos extremistas. O telejornal atua como um tribunal, onde entrevistas com

especialistas, autoridades políticas e policiais fazem a condenação pública dos manifestantes

radicais, que não foram sequer ouvidos, posição que vai ao encontro da ideia de que tudo o

que não é visto ou que atrapalhe as certezas dos media é descartado (LOCHARD ; BOYER,

1995). Isso justificaria, por exemplo, a predominância de entrevistas com policiais e outras

autoridades públicas, confirmando que « os atores do espaço público aos quais os media dão

a priori a palavra não são necessariamente aqueles diretamente implicados pelos fatos »

(CHARAUDEAU, 2005, 159, tradução nossa), mas principalmente as fontes oficiais, mais

propensos à visibilidade social, distorção que cria problemas.

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4.5 O Mídia Ninja e o discurso do JN sobre as manifestações

A Internet é essencial na organização dos novos movimentos sociais e as

potencialidades das redes sociais foram determinantes no caso analisado. Antes de entrar nas

considerações sobre essas novas ferramentas ao longo das mobilizações, destaca-se que,

inicialmente, a maioria dos participantes eram jovens da classe média brasileira, uma parcela

social que se informa predominantemente pelas rede, o que é confirmado pelos cartazes com a

frase « Saímos do Facebook ». Além disso, os manifestantes alegavam se sentir « sem voz »

no espaço público, e os usos desses novos suportes midiáticos representariam uma alternativa

a essa deficiência causada pelas limitações de acesso às vias tradicionais. Esse quadro

explicaria o porquê das redes sociais terem sido o principal canal de difusão de informações e

de organização das mobilizações.

Apesar as inovações tecnológicas das últimas décadas, a grande mídia permanece a

instância de representações sociais legítimas, o que confere um status privilegiado à Rede

Globo na opinião pública. Entretanto, críticas ao tratamento dos manifestantes pela emissora

começaram a ganhar força, levando inclusive a âncora do telejornal, Patrícia Poeta, a fazer um

pronunciamento destacando a imparcialidade do programa. A difusão de informações pelos

grupos ciberativistas teve, assim, um importante papel de contra poder : os conteúdos

compartilhados pelo Mídia Ninja ajudaram a ir além do discurso único da grande imprensa,

oferecendo o « lado B » da situação aos cidadãos. Usando apenas um celular e uma conexão

3G, o grupo apresenta outros ângulos das ruas e maior próximidade com a realidade dos

protestos, dando aos manifestantes a possibilidade de fala, raramente permitido pelos

jornalistas da grande mídia, bem como fotos e vídeos. As informações divulgadas vão rivalizar

com as veiculadas pelo telejornal, especialmente no que diz respeito ao número de pessoas

nas ruas nos primeiros atos, dado suspeito de manipulação pela imprensa tradicional para

deslegitimar a causa.

É também o Mídia Ninja que divulga materiais que reforçam as denúncias de abuso

durante operação do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) nas favelas do Complexo do

Maré, no Rio de Janeiro. Enquanto o telejornal fala de um « possível » abuso da polícia, o

grupo publica a versão dos membros locais e das mobilizações contra a intervenção policial,

destacando que « a polícia que mata na favela é a mesma que mata nas ruas [protestos] »,

revelando a intenção de conscientizar que a violência policial é um problema social que pede

medidas específicas.

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5 Conclusão

Verificou-se, portanto, que a cobertura das manifestações pelo Jornal Nacional se dividiu

em duas fases. Primeiro, tem-se uma postura combativa em relação às mobilizações. Nesse

sentido, a recusa de dar a palavra aos manifestantes confirma a hipótese sobre a tradição

histórica da emissora de marginalizar os movimentos sociais no país, o que é reforçado pela

valorização da violência ao longo da narrativa. Uma segunda fase é identificada a partir de 12

de junho, cuja agressão a diversos jornalistas durante a cobertura dos atos parece ter

contribuído para a mudança de tom do discurso do telejornal. É neste momento também que as

ações policiais passam a ser criticadas e consideradas abusivas. Porém, a divisão dos

manifestantes em dois grupos – pacíficos e radicais – vai relativizar o comportamento severo e

por vezes violento dos policiais. A posição do telejornal sugere uma empatia com a posição da

policia, verificada pela preocupação em justificar as ações policiais como uma « reação » às

provocações dos manifestantes.

No que diz respeito às redes sociais na construção da narrativa deste acontecimento,

verifica-se o papel crucial das mesmas para a eclosão das manifestações, constatação que vai

ao encontro das características dos novos movimentos sociais, onde a Internet assume o

protagonismo. Entretanto, essa nova modalidade de « agir em conjunto » traz riscos, como a

dissonância de interesses, levando a discussões por vezes improdutivas que impedem o

avanço das pautas.

Por fim, sobre o papel do Mídia Ninja na construção da narrativa do Jornal Nacional

sobre as manifestações, pode-se inferir duas conclusões. De um lado, a emergência desse ator

vai ao encontro das características dos movimentos sociais contemporâneos ; de outro, a

importância acordada às versões alternativas revelam uma desconfiança crescente de uma

parcela dos cidadãos em relação aos conteúdos divulgados pela mídia tradicional,

especialmente a Rede Globo. Os Ninjas encontraram, assim, a ocasião de apresentar uma

visão alternativa ao discurso dominante, o que foi reforçado pela formação de uma rede de

colaboradores virtuais em várias cidades. Entretanto, mesmo se essa modalidade jornalística

seja mais próxima do cidadão e capaz de preencher as lacunas do jornalismo da grande mídia,

ella esbarra em limitações de ordem social, econômica e mesmo cognitiva da população para

acessar e se beneficiar desses conteúdos, ainda restritos a uma pequena parcela social.

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