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MINISTÉRIO DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO Gabinete de Relações Internacionais As principais alterações trazidas pelo Tratado de Lisboa e as suas consequências nas áreas de competência do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território Memorando de Enquadramento Jurídico Gabinete de Relações Internacionais Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território Lisboa, 3 de Dezembro de 2009

As principais alterações trazidas pelo Tratado de Lisboa e ... · Outra alteração a destacar diz respeito à sua composição. O Tratado de Lisboa fixa o número de deputados

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MINISTÉRIO DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO

Gabinete de Relações Internacionais

As principais alterações trazidas pelo

Tratado de Lisboa e as suas consequências

nas áreas de competência do

Ministério do Ambiente e do Ordenamento do

Território

Memorando de Enquadramento Jurídico

Gabinete de Relações Internacionais

Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território

Lisboa, 3 de Dezembro de 2009

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Gabinete de Relações Internacionais

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Índice

1. Introdução

3

1.1. Tratado ou Constituição?

3

2. Principais alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa

5

2.1. Ao nível institucional

5

2.1.1. Personalidade Jurídica da União Europeia

5

2.1.2. Conselho Europeu

5

2.1.3. Comissão Europeia

6

2.1.4. Conselho de Ministros

6

2.1.5. Parlamento Europeu

7

2.1.6. Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança

9

2.1.7. Participação Democrática

9

2.1.8. O papel dos Parlamentos nacionais

10

2.2. O Sistema Judicial

12

2.3. Ao nível procedimental

12

2.3.1 Procedimento legislativo e tomada de decisão

12

2.3.2. A clarificação da repartição das competências entre a União Europeia e os Estados Membros

15

2.4. A outros níveis

16

2.4.1. Saída da União Europeia

16

2.4.2. Direitos Fundamentais

17

2.5. Implicações para o MAOT

16

3. Conclusão

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1. Introdução

O Tratado de Lisboa foi assinado em Lisboa no dia 13 de Dezembro de 2007 pelos 27

Estados membros da União Europeia e altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que

institui a Comunidade Europeia.

A sua entrada em vigor estava prevista para 1 de Janeiro de 2009 mas devido à resistência

apresentada pela Irlanda no seu primeiro referendo e pelas ratificações tardias da

República Checa e Polónia, o Tratado entrou em vigor apenas no dia 1 de Dezembro de

2009.

1.1. Tratado ou Constituição?

O Tratado de Lisboa surge como alternativa à “Constituição Europeia” rejeitada pelos

eleitores franceses e holandeses nos respectivos referendos. Embora, no início das

negociações, tenha sido chamado de “Tratado Reformador” o Tratado de Lisboa não

apresenta um corte com o passado nem propõe um modelo de organização política, o que

o distingue do malogrado “Tratado Constitucional” que previa a substituição dos anteriores

tratados e a consequente refundação da União Europeia.

É verdade que o Tratado de Lisboa contém muitas das alterações previstas no anterior

projecto de Constituição e substancialmente os dois documentos são idênticos, mas o

Tratado de Lisboa não deixa de ser um Tratado eminentemente institucional e técnico,

alterando os já existentes Tratado da União Europeia (TUE) e Tratado da Comunidade

Europeia (TCE), sem os revogar. O Tratado da União Europeia mantém-se com a mesma

designação mas o Tratado da Comunidade Europeia passa a chamar-se Tratado sobre o

Funcionamento da União Europeia (TFUE).

O Tratado de Lisboa é ainda completado por protocolos e declarações. Dois destes

protocolos são o Protocolo relativo ao papel dos Parlamentos nacionais na União Europeia

e o Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade,

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referidos mais à frente no ponto 2.1.7. deste documento, e que vêm permitir um maior

envolvimento e participação dos Parlamentos nacionais no controlo da boa aplicação do

princípio da subsidiariedade, uma das grandes inovações introduzidas pelo Tratado de

Lisboa.

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2. Principais alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa

2.1. Ao nível institucional

2.1.1. Personalidade Jurídica da União Europeia

A Comunidade Europeia desaparece com o Tratado de Lisboa e é atribuída personalidade

jurídica à União Europeia que passa, consequentemente, a ser um ente jurídico

plenamente autónomo, titular de direitos e obrigações. Como consequências práticas, a

União Europeia passa a poder celebrar contratos, ser Parte de uma convenção

internacional ou membro de uma organização internacional.

2.1.2. Conselho Europeu

O Tratado eleva o Conselho Europeu a instituição e institui um Presidente Permanente do

Conselho Europeu. Antes do Tratado de Lisboa cada Estado membro assumia a

Presidência do Conselho da União Europeia durante seis meses e esta Presidência era

rotativa. Com a entrada em vigor do novo Tratado o Presidente será eleito pelo Conselho,

por maioria qualificada, por um período de dois anos e meio e o seu mandato é renovável

uma vez.

O Presidente deverá dirigir e dinamizar os trabalhos do Conselho para além de assegurar a

sua preparação e continuidade e não poderá assumir qualquer mandato nacional. Sem

prejuízo das competências do Alto representante da União para os Negócios Estrangeiros

e a Política da Defesa, o Presidente do Conselho Europeu assumirá, no quadro das suas

funções, a representação externa da União no domínio da Política Externa e de Segurança

Comum.

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6

A regra deliberativa mantém-se – consenso – mas a frequência das reuniões de Conselho

passa para duas vezes por semestre. O Conselho Europeu é composto pelos Chefes de

Estado ou de Governo dos Estados membros, pelo Presidente do Conselho Europeu e pelo

Presidente da Comissão. O Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e

a Política de Segurança participa nos trabalhos. Quando a ordem de trabalhos o exija, os

membros do Conselho Europeu podem decidir que cada um será assistido por um ministro

e, no caso do Presidente da Comissão, por um Comissário.

2.1.3. Comissão Europeia

As alterações mais significativas ao nível da Comissão dizem respeito à sua composição

uma vez que o Tratado prevê que, a partir de 1 de Novembro de 2014, a Comissão passe a

ser composta por um número de comissários correspondente a dois terços dos Estados

membros. Não obstante, devido à resistência demonstrada pela Irlanda aquando do seu

primeiro referendo, foi apresentado um pacote de garantias durante o Conselho Europeu

de 18 e 19 de Julho de 2009 que visava incentivar ao “Sim” da Irlanda no seu segundo

referendo. Assim, como condição à entrada em vigor do Tratado será tomada uma decisão

para que a Comissão possa continuar a ser constituída por um nacional de cada Estado

membro.

2.1.4. Conselho de Ministros

O Tratado prevê duas formações de Conselho – o Conselho de Assuntos gerais e o

Conselho dos Negócios Estrangeiros.

As principais alterações introduzidas ao nível do Conselho dizem respeito à generalização

do procedimento legislativo de co-decisão que passa a abranger um maior número de

matérias com o Tratado de Lisboa. Não obstante, há que referir também a alteração da

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regra deliberativa de maioria simples para maioria qualificada, salvo disposição em

contrário, e a introdução da dupla maioria, aspectos que serão abordados mais à frente.

No que respeita o exercício da presidência, as presidências rotativas mantêm-se na medida

em que é prevista a manutenção do sistema actual segundo o qual as formações do

Conselho são presididas pelos representantes dos Estados membros por um período de

seis meses. Apenas a formação de Negócios Estrangeiros será presidida pelo Alto

Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.

O Tratado de Lisboa vem consagrar aquilo que já era a prática no seio do Conselho de

Ministros. A Presidência do Conselho é assegurada por grupos predeterminados de três

Estados membros por um período de 18 meses e cada Estado membro do grupo assegura,

por um período de seis meses, a Presidência de todas as formações do Conselho.

2.1.5. Parlamento Europeu

À semelhança do Conselho, as alterações de relevo introduzidas pelo Tratado de Lisboa no

que respeita ao Parlamento Europeu dizem respeito à generalização do procedimento

legislativo de co-decisão (“procedimento legislativo ordinário”). O Parlamento Europeu

ganha claramente mais poderes com o Tratado de Lisboa visto tornar-se o co-legislador

num grande número de casos.

No que respeita ao processo orçamental, os poderes do Parlamento aumentam na medida

em que este processo torna-se semelhante ao processo ao processo legislativo ordinário.

Outra alteração a destacar diz respeito à sua composição. O Tratado de Lisboa fixa o

número de deputados em 750 mais o Presidente do Parlamento Europeu, aumentando o

número previsto pelo Tratado de Nice, tal como alterado pelo Acto de Adesão da Bulgária e

da Roménia (736). Cada Estado membro tem no mínimo 6 lugares e no máximo 96. Nesta

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nova composição, e conforme já estava estabelecido no Tratado de Nice, Portugal ficará

com 22 deputados europeus.

O projecto de decisão do Conselho Europeu relativo à composição do Parlamento a

adoptar formalmente depois da entrada em vigor do Tratado (estava previsto que o Tratado

entrasse em vigor a 1 de Janeiro de 2009), fixa a distribuição dos lugares para a legislatura

2009-2014 como segue:

Alemanha 96 Áustria 19

França 74 Bulgária 18

Reino Unido 73 Dinamarca 13

Itália 73 Eslováquia 13

Espanha 54 Finlândia 13

Polónia 51 Irlanda 12

Roménia 33 Lituânia 12

Holanda 26 Letónia 9

Bélgica 22 Eslovénia 8

Grécia 22 Chipre 6

Hungria 22 Estónia 6

Portugal 22 Luxemburgo 6

República Checa 22 Malta 6

Suécia 20

Tendo em conta as alterações futuras em relação ao número de Estados membros e

também as evoluções demográficas, o projecto prevê ainda que a decisão seja revista

antes do início da legislatura 2014-2019. Assim, esta revisão tem como objectivo

estabelecer um sistema que permita, antes de cada nova eleição, repartir os lugares “de

uma forma objectiva, com base no princípio da proporcionalidade degressiva”.

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2.1.6. Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de

Segurança

As actuais funções do Alto Representante da União Europeia para a Política Exterior e de

Segurança Comum e do Comissário Europeu para as relações externas são condensadas

pelo Tratado de Lisboa na figura do Alto Representante da União para os Negócios

Estrangeiros e a Política de Segurança. O objectivo da criação deste cargo é reforçar a

eficácia e coerência da acção externa da União Europeia, permitindo que o Alto

Representante se torne na voz da Política Externa e de Segurança Comum da União.

Conduz a Política Externa e de Segurança Comum da União e a Política Europeia de

Segurança e Defesa e para tal dispõe de um direito de iniciativa em matéria de política

externa e executa esta política como mandatário do Conselho de Ministros.

O Alto representante exerce igualmente a função de Vice-Presidente da Comissão e por

isso se diz que tem dois “chapéus” – um como Vice-Presidente da Comissão Europeia e

outro como presidente do Conselho de Ministros de Negócios Estrangeiros. 1

O Alto representante é nomeado pelo Conselho Europeu deliberando por maioria

qualificada, com o acordo do Presidente da Comissão.

2.1.7. Participação Democrática

O Tratado de Lisboa introduz o princípio da participação democrática como um dos

fundamentos do funcionamento da União Europeia. O direito de iniciativa popular é a

principal inovação neste domínio - o Tratado prevê que uma petição que recolha, pelo

menos, um milhão de assinaturas em vários Estados membros pode convidar a Comissão

1 in O “Tratado de Lisboa”, perguntas e respostas, p.15, Carlos Coelho, Luís Faria e Duarte Marques (2008).

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a adoptar uma iniciativa legislativa, desde que compatível com os Tratados. A Comissão

decidirá sobre o seguimento a dar a esse convite para apresentar uma proposta.

Pela primeira vez são definidos os fundamentos democráticos da União que se baseiam em

três princípios: igualdade democrática, democracia representativa e democracia

participativa.

Neste ponto há ainda a salientar que o Tratado alargou o âmbito da participação do

Parlamento no procedimento legislativo ao aumentar o número de matérias sujeito ao

procedimento de co-decisão conforme será referido no ponto 2.3.1.

Ainda a referir que com o Tratado de Lisboa as sessões do Conselho que debatem ou

aprovam legislação comunitária são públicas.

2.1.8. O papel dos Parlamentos nacionais

O Tratado de Lisboa, no Protocolo relativo ao papel dos Parlamentos nacionais na União

Europeia, aproxima os Parlamentos nacionais da dinâmica procedimental comunitária no

que respeita à adopção de nova legislação envolvendo-os no controlo da boa aplicação do

princípio da subsidiariedade.

O artigo 4.º do Protocolo relativo à Aplicação dos Princípio da Subsidiariedade e da

Proporcionalidade dispõe o seguinte:

“A Comissão envia os seus projectos de actos legislativos e seus projectos

alterados aos Parlamentos nacionais, ao mesmo tempo que ao legislador da União.

O Parlamento Europeu envia os seus projectos de actos legislativos e os seus

projectos alterados aos Parlamentos nacionais.

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O Conselho envia aos Parlamentos nacionais os projectos de actos legislativos

emanados de um grupo de Estados-Membros, do Tribunal de Justiça, do Banco

Central Europeu ou do banco Europeu de Investimento, bem como os projectos

alterados.

Logo que sejam adoptadas, as resoluções legislativas do Parlamento Europeu e as

posições do Conselho serão enviadas por estas instituições aos Parlamentos

nacionais.”

Oito semanas a contar da data de envio de um dos projectos de acto legislativo referidos

no artigo 4.º do Protocolo, qualquer Parlamento nacional pode emitir parecer fundamentado

se considerar que o princípio de subsidiariedade não foi respeitado. Este mecanismo é

também chamado de “alerta precoce”2 e irá permitir aos Parlamentos nacionais

identificarem situações em que o princípio da subsidiariedade está a ser colocado em

causa pelas instituições comunitárias.

Cada Parlamento nacional tem direito a dois votos e no caso de os pareceres

fundamentados sobre a inobservância do princípio da subsidiariedade num projecto de acto

legislativo representarem, pelo menos, um terço do total dos votos atribuídos aos

Parlamentos nacionais, o projecto deve ser reanalisado. Quando se tratar de um projecto

de acto legislativo apresentado com base no artigo 61.º-I do TFUE, relativo ao Espaço de

Liberdade, Segurança e Justiça, é necessário que os votos representem um quarto do total.

Depois dessa reanálise, o autor do “projecto de acto legislativo” pode decidir manter o

projecto, alterá-lo ou retirá-lo. Esta decisão deve ser fundamentada.

Também com vista a assegurar a participação dos Parlamentos nacionais nas actividades

da União Europeia o Protocolo relativo ao papel dos Parlamentos nacionais na União

Europeia exige que a Comissão envie directamente aos Parlamentos nacionais os seus

documentos de consulta aquando da sua publicação e, ao mesmo tempo que envia para o

2 in O “Tratado de Lisboa”, perguntas e respostas, p. 20, Carlos Coelho, Luís Faria e Duarte Marques (2008).

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Parlamento Europeu e Conselho, qualquer instrumento de programação legislativa ou de

estratégia política. Também os projectos de actos legislativos dirigidos ao Parlamento

Europeu e ao Conselho devem ser enviados aos Parlamentos nacionais. Nos termos deste

Protocolo, se os Parlamentos nacionais entenderem que o princípio da subsidiariedade

está a ser desrespeitado poderão recorrer ao mecanismo de “alerta precoce” já referido.

2.2. O Sistema Judicial

O Tratado de Lisboa introduziu algumas alterações no que respeita ao sistema judicial, as

mais significativas são as relacionadas com os meios processuais do contencioso

comunitário:

- Os particulares ou as empresas passam a poder interpor recursos de anulação

quanto à legalidade dos regulamentares que não comportem medidas de execução

quando estes lhes digam directamente respeito.

- Nos processos por incumprimento a Comissão pode, logo numa primeira e única

acção, pedir ao Tribunal de Justiça a declaração de que o Estado-Membro não

cumpriu uma obrigação de direito comunitário e ao mesmo tempo a condenação do

Estado numa sanção pecuniária.

- Ainda nos processos por incumprimento, o parecer fundamentado desaparece e a

Comissão passa a poder intentar uma segunda acção por incumprimento no

Tribunal de Justiça nos casos em que deu oportunidade do Estado membro de

apresentar as suas observações.

2.3. Ao nível procedimental

2.3.1. Procedimento legislativo e tomada de decisão

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O Tratado de Lisboa alargou a aplicação do procedimento de co-decisão a um grande

número de matérias, passando este a designar-se “procedimento legislativo ordinário” em

oposição ao “procedimento legislativo especial” que inclui os processos de consulta, de

parecer favorável e de cooperação. A participação do Parlamento no processo legislativo

foi alargada à Política Agrícola, à Política Comercial e em muitos aspectos do Espaço de

Liberdade, Segurança e Justiça. A extensão da votação no Conselho por maioria

qualificada a quase todas as matérias do Tratado leva a que, em termos práticos,

desapareça a estrutura de três pilares oriunda do Tratado de Maastricht pois grande parte

do terceiro pilar, Justiça e Assuntos Internos, que tinha votação por unanimidade passa a

deliberação por maioria qualificada.

Outra novidade é que, através das cláusulas-passerelle instituídas pelo Tratado, os

Estados membros podem “decidir, por unanimidade, que um domínio actualmente sujeito à

unanimidade passe a ser abrangido pela maioria qualificada, sem que isso implique a

alteração do Tratado de Lisboa”3.

Também através da utilização das cláusulas-passerelle, nos casos em que o TFUE

determina a adopção de actos legislativos através do processo legislativo especial, o

Conselho Europeu pode adoptar uma decisão autorizando a adopção dos referidos actos

de acordo com o processo legislativo ordinário.

O recurso às chamadas cláusulas-passerelle acima referidas é comunicado aos

Parlamentos nacionais e caso haja oposição por um Parlamento de um dos Estados

membros, a decisão não é adoptada.

No que respeita à aplicação do sistema de votação por maioria qualificada podemos dizer

que o Tratado de Lisboa cria três momentos distintos:

� Até 31 de Outubro de 2014

3 in O “Tratado de Lisboa”, perguntas e respostas, p.19, Carlos Coelho, Luís Faria e Duarte Marques (2008).

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Aplica-se o actual sistema de votação que se baseia na ponderação de votos e se encontra

definido no tratado de Nice:

Bélgica 12 Luxemburgo 4

Bulgária 10 Hungria 12

República Checa 12 Malta 3

Dinamarca 7 Países Baixos 13

Alemanha 29 Áustria 10

Estónia 4 Polónia 17

Irlanda 7 Portugal 12

Grécia 12 Roménia 14

Espanha 27 Eslovénia 4

França 29 Eslováquia 7

Itália 29 Finlândia 7

Chipre 4 Suécia 10

Letónia 4 Reino Unido 29

Lituânia 7

� A partir de 1 de Novembro de 2014

É introduzida a regra da dupla maioria nas votações do Conselho e que se traduz no

sistema de dupla maioria de Estados e população, deixando de existir ponderação de votos

por Estado membro.

Este sistema funciona da seguinte forma:

- Quando a proposta é da Comissão é necessário pelo menos 55% dos Estados

membros, incluindo no mínimo 15 países, que representem pelo menos 65% da população;

- Nos restantes casos é necessário 72% dos Estados membros que representem,

pelo menos, 65% da população.

No entanto, até 31 de Março de 2017, qualquer um dos Estados membros pode pedir a

utilização do sistema previsto no Tratado de Nice.

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A formação de uma minoria de bloqueio deve integrar no mínimo quatro Estados membros

que perfaçam, pelo menos, 35,01% da população dos Estados membros da União.

O sistema de dupla maioria é complementado pelo mecanismo de Ioannina que permite o

bloqueio da adopção, por maioria qualificada, de um acto pelo Conselho caso um conjunto

Estados membros representar, pelo menos, (i) três quartos da população ou (ii) três quartos

do número de Estados membros necessários para constituir uma minoria de bloqueio.

� A partir de 1 de Abril de 2017

Aplica-se unicamente o novo sistema de dupla maioria, sendo os limiares do denominado

mecanismo de Ioannina alterados. Assim, se um conjunto de membros do Conselho que

represente, pelo menos (i) 55% da população ou (ii) 55% do número de Estados membros

necessários para constituir uma minoria de bloqueio se opuser à adopção de um acto por

maioria qualificada, o Conselho debaterá a questão para que possa chegar a uma solução.

2.3.2. A clarificação da repartição das competências entre a União Europeia e os Estados

Membros

O Tratado de Lisboa vem clarificar a repartição de competências entre os Estados-

membros e a União, distinguindo três categorias de competências – (i) competências

exclusivas, (ii) competências partilhadas e (iii) medidas de apoio, coordenação ou de

complemento. Esta última categoria foi introduzida pelo Tratado e consiste na competência

exclusiva dos Estados membros mas em áreas sobre as quais a União Europeia pode

exercer medidas de apoio e coordenação (excluindo os aspectos de harmonização).

A Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a coordenação das políticas

económicas e de emprego não são abrangidas por esta classificação tripartida.

(i) Competências exclusivas:

Mantém as mesmas (União Aduaneira, Estabelecimento das regras da

concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno, Política

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monetária para os Estados cuja moeda seja o euro e Política comercial comum)

e acrescenta a conservação dos recursos biológicos do mar no âmbito da

política comum de pescas e ainda “para celebrar acordos internacionais quando

tal celebração esteja prevista num acto legislativo da União, seja necessária

para lhe dar a possibilidade de exercera sua competência interna, ou seja

susceptível de afectar regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas”;

(ii) Competências partilhadas:

Mantém as mesmas (Mercado interno, Coesão económica, social e territorial,

Agricultura e pescas, Ambiente, Defesa dos Consumidores, Transportes, Redes

Transeuropeias, Espaço de liberdade, segurança e justiça) e a política social no

que se refere aos aspectos definidos no Tratado.

Acrescenta energia, problemas comuns em matéria de segurança de saúde

pública em relação aos aspectos definidos no tratado, coordenação das políticas

económicas e do emprego. E ainda desenvolver acções, nomeadamente para

definir e executar programas, sem que o exercício dessa competência possa

impedir os Estados-Membros de exercerem a sua, nos domínios da

investigação, desenvolvimento tecnológico e do espaço; desenvolver acções e

uma política comum sem que o exercício dessa competência possa impedir os

Estados membros de exercerem a sua, nos domínios da cooperação para o

desenvolvimento e da ajuda humanitária.

(iii) Medidas de apoio, coordenação ou de complemento:

Protecção e melhoria da saúde humana, Indústria, Cultura, Turismo, Educação,

formação profissional, juventude e desporto, Protecção Civil e Cooperação

Administrativa.

2.4. A outros níveis

2.4.1. Saída da União Europeia

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No seu artigo 50.º o TUE prevê a possibilidade de qualquer Estado decidir sair da União

Europeia. O Estado deverá notificar a sua intenção ao Conselho Europeu que o orientará

no processo, sendo celebrado um acordo entre a União e o Estado relativamente às

condições da saída e os termos de das futuras relações desse Estado e da UE.

2.4.2. Direitos Fundamentais

Atribuição de valor jurídico à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

proclamada pelas três instituições no dia 12 de Dezembro de 2007 e a previsão da adesão

da União Europeia à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais.

2.5. Implicações para o MAOT

As alterações trazidas pelo Tratado de Lisboa não foram substantivas no que respeita ao

Ambiente e ao Ordenamento do Território.

As matérias relacionadas com o ordenamento do território mantêm-se fora da competência

comunitária, em qualquer uma das três categorias referidas no ponto 2.3. As matérias de

ambiente mantêm-se como competências partilhadas entre a União Europeia e os Estados

membros. Dado que no ambiente a regra de deliberação era a de maioria qualificada,

também quanto a este aspecto o Tratado de Lisboa não traz novidades.

Relativamente à extensão do procedimento de co-decisão a novos artigos pelo Tratado de

Lisboa podemos referir que já antes das alterações introduzidas pelo Tratado o

procedimento utilizado para estas matérias era o procedimento de co-decisão, ou seja, não

houve alterações.

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Podemos, no entanto, apontar uma alteração trazida pelo Tratado, no título XX referente ao

Ambiente, em foi aditada referência “ao combate às alterações climáticas” como um dos

objectivos no domínio do Ambiente.

3. Conclusão

O Tratado de Lisboa veio alterar o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a

Comunidade Europeia introduzindo inovações de relevo ao nível institucional e

procedimental que visam tornar a União Europeia mais democrática, transparente e eficaz.

As suas disposições mais inovadoras têm como base a anterior proposta de Tratado

Constitucional – a figura do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e

a Política de Segurança, o novo cargo de Presidente do Conselho Europeu, a aplicação da

regra da dupla maioria a partir de 2014, entre outros – o que por si só já representa um

passo importante na construção europeia.

Embora existam algumas reservas por parte dos mais cépticos, nomeadamente no que

respeita à figura do Presidente do Conselho Europeu e a consequente perda de visibilidade

dos chefes de Governo e chefes de Estado dos Estados membros, é já notória a grande

aceitação que o Tratado de Lisboa tem tido a todos os níveis. Conforme proferiu o Senhor

Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus, o Dr. Manuel Lobo Antunes, no

seu Discurso na Celebração do Dia da Europa em 2008: “Deu-se um passo em frente com

o Tratado de Lisboa. Não é certamente o último passo na construção da Europa, mas é,

creio eu, um passo com alguma amplitude e algumas consequências institucionais

significativas. Daqui a alguns anos, não muitos, estaremos em condições de concluir se

vamos na direcção correcta ou se é necessário mudar de trajectória, se fomos demasiado

ambiciosos ou, ao contrário, se nos mostrámos demasiado tímidos.”