3
EPI [EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL] / Aspectos psicológicos e o uso do EPI PSICOLOGIA Aspectos psicológicos e o uso do EPI O alto índice de acidentes do trabalho no Brasil, apontado pelos dados estatísticos disponíveis, tem sido motivação relevante de discussões referentes à questões práticas de seu controle ou minimização, uma vez que o problema não é novo e parece estar se agravando. Dados mais atuais fornecem interpretações diferentes do que se pensava ser uma sensível diminuição do número de acidentes, após a promulgação da nova Lei Acidentária nº 6.367 de 1976, mostrando que o número de acidentados leves diminuiu, mas permaneceu significativo o de acidentados graves, que torna discutível a diminuição aparente dos acidentados e atenta para uma necessidade de se repensar, com maior profundidade, a questão. O psicólogo e sua contribuição Psicólogos brasileiros, cientes disso, têm mostrado que os fatores psicológicos do acidente também merecem um tratamento científico na sua análise diagnóstica, para que dados cada vez mais objetivos possam servir de subsídios à tomadas de decisões sobre o problema. A exemplo disso, a psicóloga Maria Helena Schuck (1975)num estudo sobre "Caractersticas da Personalidade e os Acidentes do Trabalho" com dados coletados numa amostragem de 90 trabalhadores do ramo metalúrgico (sendo 45 com mais de três acidentes por ano e 45 sem registro de acidentes no mesmo período), obteve resultados considerados pela autora, como surpreendentes. Seu estudo não detectou fatores emocionais específicos que permitissem caracterizar o comportamento de indivíduos propensos a sofrer acidentes, "corroborando pesquisas anteriores de que certos fatores ou agentes psicológicos seriam responsáveis pela ocorrência de acidentes, mas não sendo possível detectar fatores permanentes causais." Muito importante nesse trabalho, foi o fato de seus resultados contribuírem para a desmistificação do preconceito generalizado de que os acidentes de trabalho se devam aos chamados atas inseguros, praticados pelo próprio trabalhador, em função apenas de traços pessoais que, sensibilizando-o e predispondo-o, aumentariam a possibilidade dos acidentes. Favorecendo a manutenção desse preconceito, tem-se o fato de que, lamentavelmente, poucas pesquisas foram realizadas até agoira, visando detectar variáveis intra-empresariais, responsáveis pelas condições inseguras em que o trabalhador executa suas tarefas, o que seria relevante para estudar-se o lado humano subjacente. A busca da compreensão Na realidade o homem não é um ser fechado, pronto como um produto, nem seus erros dão provas de que possui defeitos de fabricação ou má qualidade de matéria-prima. Ao contrário, é aberto às contingências do meio, sofrendo influências e reagindo a elas, modificando suas ações em cada ato refeito. O erro humano não é uma imperfeição essencial do ser. É uma forma particular de reagir às exigências do meio, revelando uma inadaptação entre o homem e seu meio. Portanto, na caracterização dos comportamentos do trabalhador, que revelam desconhecimento, indiferença, ou mesmo resistência ao uso do EPI (Equipamento Proteção Individual), será preciso antes saber um pouco de sua história, isto é, das complexas situações que se estabeleceram entre o homem e seu trabalho, e de como elas se relacionam entre si, seu grau de influência e interdependência, forças e fraquezas em jogo, assim como necessidades atuantes. Vejamos então como isso acontece, de um modo geral, para o trabalhador:

Aspectos psicológicos e o uso do EPI

Embed Size (px)

DESCRIPTION

alto índice de acidentes do trabalho no Brasil, apontado pelos dados estatísticos disponíveis, temsido motivação relevante de discussões referentes à questões práticas de seu controle ouminimização, uma vez que o problema não é novo e parece estar se agravando.Dados mais atuais fornecem interpretações diferentes do que se pensava ser umasensível diminuição do número de acidentes, após a promulgação da nova LeiAcidentária nº 6.367 de 1976, mostrando que o número de acidentados leves diminuiu, maspermaneceu significativo o de acidentados graves, que torna discutível a diminuição aparente dosacidentados e atenta para uma necessidade de se repensar, com maior profundidade, a questão.

Citation preview

Page 1: Aspectos psicológicos e o uso do EPI

EPI [EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL] / Aspectos psicológicos e o uso do EPI

PSICOLOGIA

Aspectos psicológicos e o uso do EPI

O alto índice de acidentes do trabalho no Brasil, apontado pelos dados estatísticos disponíveis, tem sido motivação relevante de discussões referentes à questões práticas de seu controle ou minimização, uma vez que o problema não é novo e parece estar se agravando.Dados mais atuais fornecem interpretações diferentes do que se pensava ser uma sensível diminuição do número de acidentes, após a promulgação da nova Lei Acidentária nº 6.367 de 1976, mostrando que o número de acidentados leves diminuiu, mas permaneceu significativo o de acidentados graves, que torna discutível a diminuição aparente dos acidentados e atenta para uma necessidade de se repensar, com maior profundidade, a questão.

O psicólogo e sua contribuição

Psicólogos brasileiros, cientes disso, têm mostrado que os fatores psicológicos do acidente também merecem um tratamento científico na sua análise diagnóstica, para que dados cada vez mais objetivos possam servir de subsídios à tomadas de decisões sobre o problema.A exemplo disso, a psicóloga Maria Helena Schuck (1975)num estudo sobre "Caractersticas da Personalidade e os Acidentes do Trabalho" com dados coletados numa amostragem de 90 trabalhadores do ramo metalúrgico (sendo 45 com mais de três acidentes por ano e 45 sem registro de acidentes no mesmo período), obteve resultados considerados pela autora, como surpreendentes.Seu estudo não detectou fatores emocionais específicos que permitissem caracterizar o comportamento de indivíduos propensos a sofrer acidentes, "corroborando pesquisas anteriores de que certos fatores ou agentes psicológicos seriam responsáveis pela ocorrência de acidentes, mas não sendo possível detectar fatores permanentes causais."Muito importante nesse trabalho, foi o fato de seus resultados contribuírem para a desmistificação do preconceito generalizado de que os acidentes de trabalho se devam aos chamados atas inseguros, praticados pelo próprio trabalhador, em função apenas de traços pessoais que, sensibilizando-o e predispondo-o, aumentariam a possibilidade dos acidentes.Favorecendo a manutenção desse preconceito, tem-se o fato de que, lamentavelmente, poucas pesquisas foram realizadas até agoira, visando detectar variáveis intra-empresariais, responsáveis pelas condições inseguras em que o trabalhador executa suas tarefas, o que seria relevante para estudar-se o lado humano subjacente.

A busca da compreensão

Na realidade o homem não é um ser fechado, pronto como um produto, nem seus erros dão provas de que possui defeitos de fabricação ou má qualidade de matéria-prima.Ao contrário, é aberto às contingências do meio, sofrendo influências e reagindo a elas, modificando suas ações em cada ato refeito. O erro humano não é uma imperfeição essencial do ser. É uma forma particular de reagir às exigências do meio, revelando uma inadaptação entre o homem e seu meio.Portanto, na caracterização dos comportamentos do trabalhador, que revelam desconhecimento, indiferença, ou mesmo resistência ao uso do EPI (Equipamento Proteção Individual), será preciso antes saber um pouco de sua história, isto é, das complexas situações que se estabeleceram entre o homem e seu trabalho, e de como elas se relacionam entre si, seu grau de influência e interdependência, forças e fraquezas em jogo, assim como necessidades atuantes.Vejamos então como isso acontece, de um modo geral, para o trabalhador:

Page 2: Aspectos psicológicos e o uso do EPI

A luta por um lugar na indústria, muitas vezes enfrentando filas e filas de uma a outra fábrica, leva o trabalhador a optar não pelo serviço que prefere e muito menos pelo que gosta, mas sim pelo que lhe é concedido. Ser admitido significa ser escolhido e não escolher. Sua seleção é resumida comente a uma entrevista em que poucos dados, e estritamente formais, são colhidos, como: "O lugar onde mora, se é casado, número de filhos, dependência do salário e experiência anterior."Assim começa esse trabalhador a passar por um processo de perda de sua individualidade, durante o tempo necessário para adequar-se à forma de organização, que lhe é dada pronta pela empresa. A seguir, passa por um processo denominado de treinamento, em que as tarefas lhe são dadas de forma rápida, com alguma supervisão, usualmente feita por um operário momentaneamente promovido a instrutor, até que se enquadre ao ritmo de produção esperado.Nesse processo acelerado em que, cada minuto perdido é prejuízo, terá que realizar seu ajustamento se quiser manter o lugar, mantendo também sua individualidade alheia tanto quanto possível do processo de trabalho, a não ser para resolver questões relativas à produção.Muitos tentam contrapor-se a essa desvalorização pessoal, resistindo a procedimentos utilizados pela empresa, que impliquem em maior perda de sua individualidade.Assim, o que comumente é tido como resistência ao EPI, pode representar, antes de mais nada, uma clara percepção, por parte do empregado, da falta de condições reais para o seu uso, já que nem sempre esses são ergonômicos. A literatura de acidentes contém o relato de muitos casos em que o trabalhador dispensou o uso de seu EPI, por considerá-lo incômodo e inadequado à agilidade exigida pela tarefa, por exemplo.Logo, se para cuidar da saúde frente a um possível dano ou agressão, sua recusa a adaptar-se a este aspecto de realidade, pode ser interpretada como atitude bastante elaborada de adaptação a outro aspecto dessa mesma realidade. Outro fato que merece ser analisado, é o de muitas empresas utilizarem prêmios e punições como forma de fazer cumprir a lei quanto ao uso do EPI, sem que nenhuma medida preventiva paralela seja adotada. Não se pode negar que reforços ou punições controlam de fato o comportamento, mas também se sabe que pessoas que são sempre instruídas sobre como agir e o que fazer, têm poucas oportunidades de externar suas opiniões e de desenvolver padrões pessoais de atitudes. Aprendem, isto sim, a duvidar de seu próprio discernimento e a viver na contínua expectativa de uma condenação em suspenso.Porém, se ao contrário, lhes for permitido opinar e decidir sobre assuntos que lhe digam respeito, e aí encontra-se o fundamento das CIPAS, então sim, se estará favorecendo a criação de atitudes positivas e responsáveis em relação a si mesmas. E por isso que, funcionários podem ser ordeiros, fazer suas tarefas corretamente, manter suas máquinas e instrumentos limpos e, ainda assim, tomar decisões responsáveis.Esse é um fator pouco considerado pelo empregador que faz exigências de uso do EPI tornarem-se estéreis e, na maior parte, antipáticas ao empregado. A indiferença do trabalhador aos apelos de seus dirigentes pode ser considerada aí, como reação de oposição a sua incoerência.De outro lado, os treinamentos em geral feitos pelo próprio local de trabalho, podem induzir o trabalhador não qualificado, quando convocado ao exercício de função qualificada pela ausência do titular, a encarar a situação como oportunidade de subir na vida. E, desde que se vive num mercado de trabalho altamente instável e competitivo, a busca da qualificação representa a busca de melhores condições de emprego. Entretanto, essa rotatividade de função, que é freqüente no trabalhador não-qualificado, levá-lo ao desconhecimento das reais condições de risco a que se expõe nas diferentes funções, o que não lhe permite valorizar a utilização do EPI.

Conclusões

Tem-se claro que o trabalhador brasileiro sofre as conseqüências de uma estrutura econômica discriminatória, dentro da qual é elemento de pouco valor.A ênfase no uso de equipamentos de proteção individual, como botas, luvas, capacetes, etc..., sem que as condições do ambiente de trabalho sejam analisadas, é reflexo de um sistema de trabalho que ainda não se propôs a uma auto-avaliação.Salientamos aqui o importante papel do psicólogo dentro da empresa, não apenas como selecionador e responsável pelos treinamentos. Por trás dessa abordagem limitada da função deste profissional, está o pressuposto de que o sistema de trabalho é bom, e que quando algo acontece de errado com o

Page 3: Aspectos psicológicos e o uso do EPI

funcionário, a culpa é deste. Nada disso, o psicólogo está lá também para mostrar que é possível melhorar o ambiente de trabalho, se sua intervenção puder abranger todos os fatores humanos e materiais que, conjunta e dinamicamente, alteram as condições seguras do trabalho, por afetar ao trabalhador.Se "comportamentos súbitos ou arriscados podem ter como motivação o desejo de impressionar terceiros e ao mesmo tempo agredir a autoridade da administração", só será possível "prevenir e conscientizar sobre acidentes, através do estudo do Grupo Social-Empresa como um todo, tendo como objetivo descobrir o moral e as atitudes necessárias a serem trabalhadas."A atitude indisciplinada do trabalhador é percebida, aí, como um reflexo das contradições existentes no sistema de trabalho. E, se ao invés de procurar reinserí-lo logo no sistema, de produção através de um programa educativo de prevenção, se procurar primeiro resolver estas contradições, é porque se sabe que numa atitude responsável não nasce de um sistema rigidamente autoritário, mas este pode dar origem ou desencadear um sentido de desvalorização pessoal.Certamente outros métodos serão buscados para se atingir aos objetivos de redução dos índices de acidentes de trabalho. Quem sabe, nessa hora, possam, empregados e empregador, sentarem-se frente a frente para resolverem questões que lhes dizem respeito, conscientes de que, embora em desigualdade econômica, seus direitos como cidadãos são iguais.Finalizando, cito como exemplo, o que Berlinger (1983) sempre perguntava a seus alunos em início de cursos sobre prevenção de acidentes:"Qual a primeira providência que se deve adotar para analisar as condições de segurança e higiene do trabalhador em uma fábrica?" Muitas respostas eram dadas por seus alunos, do tipo visitaria os setores da fábrica e anotaria os descuidos e erros nos aspectos preventivos, conversaria com os superiores imediatos dos setores para uma avaliação dos principais riscos de cada setor, sobrevoaria a fábrica com helicóptero para visualizar eventuais descuidos relativas à prevenção, e assim por diante. A respostas deste gênero, Berlinger assegurava que nenhuma era correta, e afirmava que "para avaliar as condições de segurança e higiene do trabalho numa fábrica, deve-se primeiro conversar com os trabalhadores para saber como sentem, percebem ou relatam o que lhes é prejudicial"A partir destes dados pode-se obter uma idéia das condições humanas suportáveis pelo trabalhador, da percepção da extensão dos riscos, e de como estes são definidos pelo trabalhador. Partindo-se então, destas informações para um programa prevencionista bem fundamentado.

Copyright 1988/1999 MPF PUBLICAÇÕES LTDA. - http://www.protecao.com.br