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Atualidades - Amazon Simple Storage Service · Decerto que não se trata de algo novo. O que se vive é resultante do processo de modernização da sociedade ocidental (ALVAREZ, 1999;

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GLOBALIZAÇÃO

O que é globalização? Existe mesmo uma sociedade globalizada?

Muitos autores consideram que sim. ORTIZ (1994), entretanto, é cauteloso, embora compre-enda que várias situações e vivências cotidianas levam-nos a pensar que estamos vivendo essa realidade. É a chegada do mundo até nós. Sem sairmos de onde estamos, podemos estar onde quisermos. Quebraram-se as barreiras do tempo e do espaço. Para IANNI, "a Terra mundia-lizou-se de tal maneira que o globo deixou de ser uma figura astronômica para adquirir mais plenamente sua significação histórica".

De fato, o termo globalização tem sido usado para "caracterizar um conjunto aparentemente bastante heterogêneo de fenômenos que ocorreram ou ganharam impulso a partir do final dos anos 80 - como a expansão das empresas transnacionais, a internacionalização do capital fi-nanceiro, a descentralização dos processos produtivos, a revolução da informática e das teleco-municações, o fim do socialismo de Estado na ex-URSS e no Leste Europeu, o enfraquecimento dos Estados nacionais, o crescimento da influência cultural norte-americana etc. -, mas que es-tariam desenhando todos uma efetiva ‘sociedade mundial’, ou seja, uma sociedade na qual os principais processos e acontecimentos históricos ocorrem e se desdobram em escala global". (ALVAREZ,1999, p. 97)

Diante da definição do autor percebe-se que falar de globalização envolve vários fenômenos – de caráter político, social, econômico e cultural – que vêm acontecendo ao longo dos anos e têm sido percebidos mais fortemente nas últimas décadas, em escala mundial. Percebe-se, que a globalização deve ser vista como processo, como algo inter-relacionado e, por conseguin-te, muito complexo. Nos últimos anos, vários estudos têm sido apresentados sobre o tema e alguns pontos de reflexão se nos apresentam. Trata-se de revolução ou evolução do contínuo processo de desenvolvimento das civilizações? É algo que tem como culminância a integração das nações, com a conseqüente quebra de barreiras e diferenças, ou é algo que veio para rom-per com o sonho de planeta-nação e aumentar as diferenças entre os povos?

Para SANTOS (2000) a globalização constitui-se numa revolução que se projeta como fator de discriminação e de aprofundamento das diferenças sociais. Desse modo, "...marca a ruptura nesse processo de evolução social e moral que se vinha fazendo nos séculos precedentes. É irônico recordar que o progresso técnico aparecia, desde os séculos anteriores, como uma con-dição para realizar essa sonhada globalização com a mais completa humanização da vida do planeta. Finalmente, quando esse processo técnico alcança um nível superior, a globalização se realiza, mas não a serviço da humanidade".

Decerto que não se trata de algo novo. O que se vive é resultante do processo de modernização da sociedade ocidental (ALVAREZ, 1999; CASTELLS, 1999a; ORTIZ, 1994). E, por constituir-se

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em fenômeno tão complexo, muitas análises tendem a reduzir todo o processo à visão emi-nentemente economicista, porque parecem compreender que as "transformações econômicas repercutem automaticamente no conjunto da sociedade, devendo todas as demais esferas se adequarem aos imperativos da economia de mercado mundializada" (ALVAREZ, 1999, p.98).

ORTIZ (1994) discute este fato e chama a atenção para a necessidade de se ter postura mais crítica, pois a interação entre as dimensões econômicas, políticas e culturais não pode ser nega-da ou esquecida. Além disso, as relações que se estabelecem estão longe de se acomodarem a qualquer tipo de determinismo.

A emergência e/ou existência da sociedade globalizada não ocorre de maneira uniforme, até porque o mundo é composto de nações vivendo diferentes estágios de desenvolvimento. Nes-se sentido, à globalização não deve ser vista como processo homogêneo, que levaria à expan-são e à uniformização em todas as sociedades. Ao contrário, o que se tem é o processo de desenvolvimento social bastante descontínuo, seletivo e excludente.

CASTELLS (1999a), por sua vez, considera que o momento atual é percebido através da mudan-ça em nossa cultura material, como resultado do novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. Esse paradigma tem como pressuposto a aplicação de conhecimento na geração de novos conhecimentos e dispositivos, num contínuo de inovação, uso e processamento da informação. O autor considera que o processo não se dá de forma homogênea, admitindo, pois, a existência de várias sociedades da informação, com suas diver-sidades e especificidades.

GUEDES e PAULA (1999) defendem que a compreensão do conceito de sociedade da informa-ção ocorre a partir de critérios não mutuamente excludentes – tecnológico, econômico, ocupa-cional, espacial e cultural – que a distinguem de outros tipos de sociedades. A compreensão de sociedade da informação ressalta as inovações tecnológicas, nas quais o avanço do processa-mento, do armazenamento e da transmissão de informação resulta no uso dessas tecnologias em todas as esferas da sociedade. A informação passa a ter valor econômico tal, que permite qualificar e quantificar as sociedades, conforme o seu acesso à informação e seu uso. Assim, percebe-se na sociedade da informação uma mudança ocupacional, com o predomínio de fun-ções e cargos na área da informação, cuja ênfase reside nas redes que conectam as localidades, o que desencadeia nova ordem conceitual de espaço e tempo. Consequentemente, os fatores culturais sofrem transformações visíveis nas vivências cotidianas, pelo aumento da circularida-de da informação, da influência da mídia e da profusão de significados simbólicos que envol-vem o indivíduo. Entretanto, GUEDES e PAULA (1999) questionam a existência da sociedade da informação e, ainda, a existência de revolução. Consideram que haja apenas continuidade no processo de desenvolvimento da sociedade, não acreditando que as novas tecnologias de co-municação e informação possam ser a força propulsora para a nova era.

Questionam, sobretudo, a coerência da abordagem centrada no determinismo tecnológico, até porque essas tecnologias não são compartilhadas por todas as sociedades (ou por todos em dada sociedade).

Ao caracterizar a sociedade da informação verificamos que o processo de globalização e a ca-racterização de sociedade dele resultante ainda se apresentam bastante imprecisos. Embora percebamos que algo esteja acontecendo, torna-se difícil delimitar e apresentar visão clara do fenômeno. Qualquer leitura desses acontecimentos acaba por privilegiar uma dimensão, quer seja econômica, tecnológica ou cultural.

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Decerto que o momento atual tem gerado mudanças sociais que apresentam as tecnologias de comunicação e informação como fatores importantes, mudanças estas ocorridas muito mais pela forma como as tecnologias estão sendo utilizadas, na medida em que, uma vez incorpora-das ao cotidiano, elas exigem competências e habilidades que muitos não possuem, gerando o desemprego. Acrescente-se o fato de que tudo isso tem acentuado as desigualdades sociais, pois a informação advinda do acesso e uso eficientes das tecnologias de comunicação e infor-mação assume valor econômico, gerando as distinções sociais. Daí afirmar-se que atualmente quem tem a informação detém o poder.

Para SANTOS (2000, p. 69) o mundo atual está unificado por técnicas, transmitindo a idéia de ação humana mundializada, com culturas e informações integradas, mas que, na realidade, possui ideologia baseada na dupla tirania do dinheiro e da informação, que solidificam a globa-lização perversa, causando exclusões política, econômica e social acentuadas. O autor afirma que as desigualdades resultantes de todo esse processo mundial, em meio século, contempla-ram os países subdesenvolvidos com, pelo menos, três formas de pobreza: incluída, marginali-zada e estrutural. A primeira, seria a "pobreza acidental, às vezes residual ou sazonal, produzida em certos momentos do ano, uma pobreza intersticial e, sobretudo, sem vasos comunicantes". Outra, bastante estudada, é a chamada marginalidade, em que países são postos à margem devido ao processo econômico da divisão do trabalho – internacional ou interna. Esta última, apesar de bem mais complexa, é percebida como processo reversível, sendo que a mudança estaria a cargo dos governantes. No presente, contudo, o que temos refere-se a um outro tipo de pobreza, a estrutural, que do ponto de vista moral, equivale à uma dívida social. É a pobreza que está sendo disseminada globalmente, embora mais presente nos países subdesenvolvidos.

Por conseguinte, o autor considera que a globalização e suas consequências constituem muito mais produto da ideologização de grupos hegemônicos do que de contingências históricas. Es-tamos vivendo uma fase de transição, em que se percebem vários sinais de resistência (movi-mentos paralelos), sendo que as populações envolvidas no atual processo de exclusão (pobreza estrutural) podem constituir-se em focos de mudança. A compreensão do que está ocorrendo atinge com clareza crescente os pobres e os países pobres, cada vez mais numerosos e caren-tes. É provável que a partir da percepção de escassez ou exclusão possa acontecer uma tomada de consciência. É no homem, pois, que reside a esperança de construção do novo mundo, e não na atual política de desenvolvimento sócio-econômica e técnicoinformacional.

A vivência globalizada ocorre no cotidiano. É difícil perceber o mundo globalizado (em suas diferentes instâncias) que não seja pelo acesso ao novo, pela compreensão, aceitação e assimi-lação desse, por parte das pessoas (sujeitos da história) inseridas no contexto.

O que há de global na globalização?

Antes de mais nada, é interessante notar que grande parte da confusão e das disputas acerca da globalização se dá em torno da definição do conceito – o que se expressa, por exemplo, no fato de vários autores analisarem tal fenômeno social sem indicar, de maneira explícita, o que entendem pelo termo. Na verdade, é possível identificar pelo menos cinco definições mais am-plas de globalização.

Em primeiro lugar estaria uma noção que concebe a globalização em termos de internaciona-lização. Assim, a palavra global seria apenas outro adjetivo para descrever as relações trans-

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fronteiriças entre os países, e a palavra globalização definiria um crescimento da interdepen-dência e das trocas internacionais. Para Hirst & Thompsom a globalização diria respeito aos “(...) processos que promovem a interconexão internacional (...) – aumentando os fluxos de comércio, investimento e comunicação entre as nações” (Hirst & Thompsom, 2002:247). Con-tudo, as interconexões entre países têm se intensificado nos últimos 500 anos. No tocante ao final do século XIX em especial, nota-se uma intensificação substantiva nos níveis de migração transfronteiriça, no investimento direto estrangeiro, nas finanças e no comércio internacionais. Neste sentido, não se necessita da palavra globalização para explicar fenômenos prévios de internacionalização, e a terminologia usual das relações internacionais continua sendo perfei-tamente capaz de lidar com as transações e interconexões transfronteiriças contemporâneas.

Em segundo lugar a globalização tem sido identificada como liberalização – ou seja, um mundo global seria aquele sem barreiras regulatórias para a transferência de recursos entre as fron-teiras. Tal argumento é expresso de maneira bem clara na seguinte afirmação feita por Ohmae acerca da obsolescência do Estado no mundo contemporâneo: “(...) os Estados já (grifo do au-tor) perderam seus papéis como unidades significativas de participação na economia global do atual mundo sem fronteiras” (Ohmae, 1996:5). Tal definição, muito usada tanto pelo neoli-berais quanto por alguns de seus críticos mais ferozes, também é redundante, uma vez que o termo livre comércio é perfeitamente capaz de lidar com esse fenômeno não sendo necessário, assim, o uso do termo globalização.

Em terceiro lugar globalização tem sido vista como sinônimo de universalização. De acordo com Reiser e Davies globalização seria a “‘síntese planetária das culturas’ em um ‘humanismo glo-bal’” (Reiser & Davies apud Scholte, 2000:16). Ora, é inegável que mais pessoas e fenômenos culturais têm, recentemente, se difundido por todo o planeta. Não obstante, os movimentos em direção à universalização – movimentos estes que são altamente contestáveis visto que, para muitos, a globalização geraria também um processo de localização – não são algo novo – vide, por exemplo, os movimentos históricos das religiões mundiais –, o que faz com que o conceito de globalização também seja desnecessário para explicar tal fenômeno.

Em quarto lugar globalização seria o mesmo que ocidentalização ou modernização, estando assim associada a um processo de homogeneização na medida em que todo o mundo se torna ocidental, moderno e, particularmente, norte-americano. Em outras palavras, a globalização seria o fenômeno pelo qual as estruturas sociais da modernidade – como o capitalismo, o ra-cionalismo, o industrialismo, etc. – são espalhadas pelo mundo e, neste processo, destróem as culturas preexistentes e as autodeterminações locais. Neste caso também nota-se fenômenos não recentes, sendo que, assim, conceitos como modernização e imperialismo são mais do que suficientes para lidar com as idéias de ocidentalização, americanização e europeização – tam-bém não necessitando, assim, do conceito de globalização.

Ora, com base em tais definições de globalização surge uma dúvida: o que realmente há de glo-bal na globalização? Na verdade, novos insights surgem quando há um deslocamento para um quinto tipo de definição de globalização: a saber, globalização como desterritorialização – ou supraterritorialização – e transplanetarização. Globalização diria respeito, assim, a uma recon-figuração da geografia social, ou seja, uma “mudança na natureza do espaço social” (Scholte, 2000:46)79 que não é mais passível de ser mapeado apenas em termos lugares territoriais, distâncias territoriais e fronteiras territoriais. Nas palavras de Held e outros, globalização é “(...) um processo (ou uma gama de processos) que incorporam uma transformação na organização espacial das relações sociais e das transações” (Held, et. al., 1999:16)80. Em outras palavras, isso reflete o fato do mundo estar sendo rapidamente moldado em um espaço social compar-

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tilhado por forças tecnológicas e econômicas, o que faz com que os desenvolvimentos em uma região do mundo possam ter profundas conseqüências para as chances de vida tanto de indiví-duos quanto de comunidades inteiras em outras partes do globo.

Ora, a globalização possui um caráter inegavelmente material, uma vez que é possível identifi-car os fluxos de comércio, pessoas e capital pelo globo, por exemplo. Contudo, tal conceito diz respeito a muito mais do que somente uma intensificação desses fluxos. Na verdade, a magni-tude dessa intensificação é de tal monta que os Estados e sociedades ficam cada vez mais enre-dados em sistemas mundiais e redes de interação, e a ocorrência de fenômenos distantes pode passar a gerar impactos internos ao passo que fenômenos anteriormente locais repercutem globalmente. Em suma, a globalização representaria, assim, uma mudança deveras significativa no alcance espacial da ação e da organização sociais, que passa para uma escala inter-regional ou intercontinental; ou seja, diria respeito a uma gama de processos que geram uma transfor-mação na organização espacial tanto das relações quanto das transações sociais (Held, et. al., 1999; Held & McGrew, 2001).

Essa reconfiguração do espaço social é algo muito significativo uma vez que o espaço é uma dimensão deveras importante para as relações sociais. Na verdade, os contornos espaciais de uma sociedade influenciam fortemente a natureza da produção, da governança, da identida-de e da comunidade em dada sociedade. A produção do espaço seria, assim, “(...) um mo-mento constitutivo dentro da dinâmica de acumulação do capital e da luta de classe” (Harvey, 2000a:23).

Cumpre ressaltar que essa mudança no alcance espacial não significa, necessariamente, que a ordem global suplante ou passe a ter precedência sobre as ordens locais, nacionais ou regio-nais da vida social. Na verdade, o que ocorre é que estas podem se inserir em conjuntos mais amplos de relações e redes de poder inter-regionais. Destarte, as limitações do tempo social e do espaço geográfico – coordenadas essenciais da vida social moderna – não mais impõem barreiras fixas a muitas das formas de interação ou organização social, vide, por exemplo, a in-ternet e os mercados financeiros globais. Em suma: não há o fim do Estado.

Este permanece sendo um lócus fundamental no processo de regulação e não apresenta sinais de dissolução em um futuro próximo. Contudo, a intensificação dos processos de globalização das relações sociais têm promovido uma gama de transformações em aspectos deveras sig-nificativos do Estado, como por exemplo no tocante ao controle dos fluxos transfronteiriços – sejam eles fluxos monetários, de bens e produtos ou migratórios, por exemplo. Em outras palavras, “(...) o Estado sobrevive sob a globalização, mas a governança tem se tornado subs-tancialmente diferente” (Scholte, 2000:22).

A proliferação e a difusão dessas conexões supraterritoriais traria fim ao que Scholte chama de “territorialismo”, a saber, “uma situação na qual a geografia social é inteiramente territorial” (Scholte, 2000:46). Isso significa que, embora o território continue tendo uma grande impor-tância no mundo em globalização, ele não mais constitui o todo da geografia social.

Consequentemente, faz-se necessário romper com o territorialismo metodológico a fim de me-lhor compreender a realidade globalizante contemporânea – territorialismo metodológico aqui entendido como a prática de se entender e conduzir estudos acerca do mundo social através das lentes da geografia territorial.

Cada uma das quatro concepções de globalidade83 discutidas anteriormente (globalização como internacionalização, liberalização, ocidentalização e universalização) se encontra firme-

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mente calcada em uma concepção territorialista do espaço social, ou seja, cada uma delas pre-sume que o mapa da sociedade é única e exclusivamente territorial. Partindo de um arcabouço territorial, o “lugar” diz respeito a uma localização fixa em tal mapa; a “distância” se refere ao comprimento de uma rota que conecta pontos neste mapa; e a “fronteira” diz respeito a uma linha neste mapa que divide as regiões na superfície terrestre, separando umas das outras. O territorialismo implica que o macro espaço social é completamente organizado em termos de unidades como distritos, cidades, províncias, países e regiões; mais especificamente, em tem-pos de territorialismo estatal os países são vistos como o lugar mais relevante frente aos de-mais espaços territoriais e, porquê não, como o lugar por excelência da política (Scholte, 2000; cf. Walker, 1993).

Ora, é possível notar contemporaneamente a proliferação de conexões sociais que são des-conectadas da lógica territorial, como por exemplo, as questões concernentes à comunicação global, aos mercados globais, à produção global, às finanças globais, às organizações globais e ao problemas ecológicos globais, fenômenos estes que não podem ser situados em uma úni-ca localização territorial fixa, operando freqüentemente através das fronteiras territoriais. Ou seja, o lugar não é mais territorialmente fixo, a distância é coberta instantaneamente e as fron-teiras territoriais não mais apresentam impedimentos particulares. Assim, globalidade enquan-to supraterritorialidade descreveria circunstâncias nas quais o espaço territorial é substancial-mente transcendido. A geografia desses fenômenos globais não pode ser entendida apenas em termos de territorialidade; na verdade, eles se encontram vinculados em um mundo que é visto como um único lugar – ou seja, em um espaço transmundial. Entendida desta forma, a globalidade diz respeito a uma forma distinta de compressão espaço-temporal que se encontra intimamente ligada a uma profunda mudança estrutural da geografia social.

Tal mudança ou transformação da geografia social se expressa, por exemplo, no caso das tran-sações globais. Aqui, o “lugar” não é algo territorialmente fixo, as “distâncias” territoriais são cobertas praticamente instantaneamente e as “fronteiras” territoriais não apresentam nenhum tipo de impedimento. Isso fica claro quando a atenção é voltada para fenômenos como, por exemplo, a transmissão via satélite de programas de televisão, o Dólar norteamericano, o mo-vimento feminista, o efeito estufa e o movimento alterglobalista ou altermundialista (Gómez, 2004a e 2004b): todos estes fenômenos apresentam uma qualidade supraterritorial. Assim, a globalidade, enquanto expressão da reconfiguração supraterritorial e transplanetária do espa-ço social, diz respeito a circunstâncias nas quais o espaço territorial é transcendido de maneira substancial.

Destarte, considerando que as relações internacionais são relações entre entidades territoriais, as relações globais se caracterizam por ser relações supraterritoriais. Ou seja, enquanto as rela-ções internacionais dizem respeito a trocas através das fronteiras nas quais a distância tem uma importância, as relações globais por sua vez são relações transfronteiriças praticamente sem distância. Em suma: “a internacionalidade está incrustada no espaço territorial; a globalidade transcende tal geografia” (Scholte, 2000:49).

Cumpre oportuno ressaltar que o território continua tendo uma importância fundamental no mundo em globalização, sendo que a globalização diz respeito a processos de desterritorializa-ção e de reterritorialização. Em outras palavras, o fim do territorialismo não implica o fim da territorialidade; trata-se de um mundo em globalização, não um mundo globalizado, o que faz com que a territorialidade não seja algo irrelevante – a globalização gera uma desterrritorializa-ção relativa da vida social. Muitas situações da vida social contemporânea permanecem sendo altamente territoriais, o que indica que a mudança – ou seja, a proliferação de conexões globais

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– se interrelaciona, dialeticamente, com a continuidade – a persistência de espaços territoriais. Em suma, é possível notar, assim, que globalização e territorialidade não são termos/realida-des excludentes na medida em que a tendência à globalização pode ser vinculada a muitos processos de reterritorialização nos quais certas unidades territoriais declinam em significado ao passo que outras configuração territoriais passam a ter uma maior importância – vide, por exemplo, o fenômeno hodierno da regionalização.

Dito isto, poder-se-ia destacar algumas das atividades transfronteiriças que caracterizam a vida social contemporânea. No tocante às comunicações, as conexões supraterritoriais têm sido promovidas, por exemplo, através das ondas eletromagnéticas, do telégrafo, do telefone (in-clusive celular), telex, videoconferências e redes de computadores (incluindo aí também a in-ternet). As comunicações globais capacitam as pessoas em qualquer lugar da Terra a ter conta-to praticamente imediato com outra pessoa, a despeito das distâncias e fronteiras territoriais existentes entre eles. Em segundo lugar, há as atividades globais relacionadas ao mercados. Um mercado global existe quando um produto é distribuído e vendido em um espaço transmundial através de uma estratégia de negócios que é supraterritorialmente coordenada. Um exemplo seria o fato de que consumidores de todo o mundo podem comprar produtos da mesma marca – como por exemplo, coca-cola.

Em terceiro lugar é possível citar a produção transmundial. Em muitas empresas, os diferentes estágios do processo de produção são alocados em diversas localidades. A produção suprater-ritorial envolve o comércio intra-firma dentro de uma companhia global bem como o comércio internacional entre países. Uma quarta área da atividade global seria aquela concernente à moeda, área esta extremamente vinculada às precedentes. Moedas como o yen japonês, o dólar americano e o Euro passaram e continuam passando por um processo de desterritoriali-zação, passando a circular globalmente e sendo utilizados ao mesmo tempo em qualquer parte do globo e se movendo de uma parte do globo para outra – principalmente de maneira eletrô-nica – de uma forma praticamente instantânea.

Em quinto lugar, há também a globalização das finanças. Muitas das transações financeiras hoje em dia ocorrem através do mundo em um mercado que interliga, por exemplo, Londres, Nova Iorque, Tóquio, Hong Kong, Singapura, Paris, Zurique, Frankfurt e Sidney. Muitos investidores privados e institucionais possuem portfólios globais. Na verdade, mesmo sem entrar em deta-lhes técnicos acerca dos mercados financeiros, nota-se que grande parte investimentos, trocas, derivativos e seguros feitos hoje são em certa medida desvinculados do espaço territorial.

Em sexto lugar nota-se a difusão de organizações globais, que possuem uma função regulatória e, dessa forma, são também chamadas de agências da governança global – como por exemplo as agências da ONU, o FMI, o Banco Mundial, a OMC e o BIS. Tais instituições formulam, imple-mentam e, em alguma medida, pressionam para que haja a adoção de normas, regras e pro-cedimentos transmundiais nas mais diversas áreas. Além dessas, há também as organizações globais que exercem atividades comerciais – as chamadas “corporações multinacionais”, termo este equivocado. Em sétimo lugar é possível notar que a ecologia social também apresenta as-pectos globais. Isso se expressa, por exemplo, no efeito estufa e no conseqüente aquecimento global, na chuva ácida, nas migrações de animais, na poluição marinha, na desertificação e no desmatamento.

Por fim, a globalidade também se expressa em uma crescente consciência global, ou seja, no fato de que cada vez mais as pessoas pensam em termos globais – principalmente com relação às questões e problemas supracitados, às competições esportivas globais, aos músicos e artis-

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tas superstars em geral e, em especial, quando as pessoas concebem suas filiações e lealdades não mais em termos territoriais. Por exemplo, as solidariedades baseadas em questões de clas-se, gênero, raça, religião e sexualidade. Em suma, de maneira conjunta, todas essas atividades globais (comunicação, mercados, processos produtivos, moedas, finanças, organizações, ques-tões ecológicas e pensamentos/consciência) indicam que, a despeito do fato da territorialidade ainda exercer nos dias de hoje uma influência importantíssima nas relações sociais, o espaço social não pode mais, nos dias contemporâneos, ser entendido apenas em termos geográficos territoriais.

Mas, a globalização com o seu poder de transformação tem características marcantes, segundo Manuel Castells (2002):

• As novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes globais de ins-trumentalidade. A comunicação através do computador gera um vasto desdobramento de comunidades virtuais;

• Introduziu-se uma nova forma de relação entre economia, Estado e sociedade em um siste-ma de geometria variável, em função da capacidade de certas atividades funcionarem em tempo real;

• No mundo de fluxos globais de riqueza, de poder e de imagens, a busca da identidade co-letiva ou individual, atribuída ou construída, transforma-se na fonte fundamental de signi-ficado social;

• A tendência social e política são a construção da ação social e da política, em torno das identidades primárias, assim estão atribuídas ou enraizadas na história e na geografia ou são de recente construção na busca do significado e espiritualidade. As primeiras etapas históricas das sociedades informatizadas parecem caracterizar-se pelo pré-eminência da identidade como princípio organizativo;

• A identidade está transformando-se na principal e às vezes única fonte de significado em um período histórico caracterizado por uma ampla desestruturação das organizações, des-legitimação das instituições, desaparecimento dos principais movimentos sociais e expres-sões culturais efêmeras;

• O Estado exerce papel importante na relação entre tecnologia e sociedade, uma vez que detém, desencadeia ou dirige a inovação tecnológica;

• A capacidade ou falta de capacidade das sociedades para dominar a tecnologia e em par-ticular as que são estrategicamente decisivas em cada período histórico, define em boa parte seu destino;

• O mundo é verdadeiramente multicultural e inderdependente que somente podemos compreender e mudar a partir de uma perspectiva plural que articule identidade cultural, interconexão global e política multidimensional;

• A economia informatizada/global se organiza em torno de centros de comando e controle, capazes de coordenar, inovar e administrar as atividades entrecruzadas das redes empre-sariais;

• O advento da fabricação de alta tecnologia baseada na microeletrônica e na fabricação as-sistida por computador, que marcou o surgimento de uma nova lógica de localização indus-trial, onde as empresas eletrônicas, produtoras de máquinas de nova tecnologia da infor-

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mação foram as primeiras a praticara estratégia de localização, surgindo um novo processo de produção baseado na informação, ou seja, o novo espaço industrial se organiza em tor-no de fluxos de informação;

• Regiões e redes constituem pólos interdependentes dentro do novo mosaico espacial de inovação global;

• A interação da nova tecnologia da informação e os processos atuais de mudança social teve um impacto substancial sobre as cidades e o espaço onde observamos que a vida cotidia-na em ambiente eletrônico provocou um aumento espetacular do trabalho a distância nas áreas metropolitanas do EUA, do trabalho autônomo e alternativo, uma piora no transpor-te urbano, o crescimento do comércio on-line e utilização do computador na medicina;

• A nova economia global e a sociedade informacional emergente apresentam uma nova for-ma espacial que se desenvolve em uma variedade de contextos sociais e geográficos: as megacidades que articulam a economia global, conectam as redes informatizadas e con-centram o poder mundial;

• A sociedade atual está construída em torno de fluxos: fluxos de capital, fluxos de informa-ção, fluxos de tecnologia, fluxos de interação organizacional, fluxos de imagens, sons e sím-bolos. Os fluxos não são somente um elemento da organização social, mas são a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica;

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RELAÇÃO ENTRE ESTADOS E POVOS

A instituição fundamental das sociedades civilizadas, antigas ou modernas, é o estado. Ele está localizado no cerne tanto das duas principais instituições político-territoriais da antiguidade – a cidade-estado e o império – como nos modernos estados-nação. Existe, entretanto, grande confusão em torno da palavra ‘estado’. Para uns o estado é uma organização com poder de le-gislar e tributar, para outros é também o sistema constitucional-legal, e para outros ainda, con-funde-se com o estado-nação ou país. A primeira acepção, redutora, é aquela que faz parte da linguagem corrente; a terceira, é empregada especialmente na literatura sobre relações inter-nacionais. A segunda – o estado é o sistema constitucional-legal e a organização que o garante – é aquela que me parece mais correta. Na medida em que o estado é a principal instituição de qualquer sociedade nacional, possuindo, portanto, grande abrangência, ele compartilha as duas formas que as instituições assumem: a de sistema valorativo e normativo e a de sistema social organizado formalmente. Nesta nota, interessa-nos apenas o estado moderno que surge com a Revolução Capitalista.

Nação, estado e estado-nação

O estado-nação, que, como sua própria denominação sugere, tem o estado como seu elemen-to constituinte fundamental, é o principal resultado político da Revolução Capitalista. Esta, no plano econômico, deu origem ao capital e às demais instituições econômicas fundamentais do sistema – o mercado, o trabalho assalariado, os lucros, e o desenvolvimento econômico decor-rente da acumulação de capital combinada com o progresso. No plano social, surgem as três novas classes sociais: a burguesia, os trabalhadores assalariados, e, em uma segunda fase, a classe profissional. No plano político, além do estado, surgem a nação e a sociedade civil, e, definem-se, sucessivamente, os grandes objetivos políticos e as respectivas ideologias: a liber-dade e o liberalismo, a autonomia nacional e o nacionalismo, o desenvolvimento econômico e a racionalidade instrumental ou eficientismo, a justiça social e o socialismo, e a proteção da natureza e o ambientalismo.

A Revolução Capitalista é a transformação tectônica por que passou a história na medida em que as ações sociais deixavam de ser coordenadas pela tradição e pela religião para o serem pelo estado e pela principal instituição econômica por este regulada – o mercado; é o processo histórico que dá origem às nações e aos estados-nação, estes passando gradualmente a substi-tuir os impérios na organização político-territorial da terra; é a transformação econômica que separa os trabalhadores dos seus meios de produção e dá origem, inicialmente, à burguesia e à classe operária, e mais adiante à classe profissional ou tecnoburocrática; é a transformação cultural que torna a razão e a ciência as fontes legítimas de conhecimento em substituição à revelação e à tradição. A idéia de progresso e mais tarde a idéia correlata de desenvolvimento econômico constituem-se em realidade histórica no bojo da Revolução Capitalista.

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Os impérios egípcio, romano e chinês conheceram muitos momentos de prosperidade, mas não havia a idéia de progresso ou de desenvolvimento econômico, porque o progresso tecno-lógico era lento, e não existiam as idéias, de um lado, uma crescente racionalização e demo-cratização da vida política, e, de outro, um processo necessário de acumulação de capital e de inovação que permitiram, primeiro, aos filósofos e depois aos economistas identificar um pro-cesso contínuo e 3 relativamente auto-sustentado de realização dos grandes objetivos políticos de liberdade, bem-estar, justiça social e proteção da natureza. Dentro desse quadro amplo, é preciso definir com mais clareza alguns conceitos centrais da teoria política – em especial na-ção, sociedade civil, estado, e estado-nação. Esses conceitos são vítimas de ampla confusão se-mântica, que eu não pretendo resolver. Quero apenas deixar claro como venho entendo esses termos nos últimos anos, de forma que a eventual leitura do que escrevo fique mais clara. Em cada estado-nação ou estado nacional existe uma nação ou uma sociedade civil, um estado, e um território. Tanto a nação quanto a sociedade civil são a sociedade politicamente organizada, a sociedade enquanto agente político dotado de crenças e valores.

A nação é a sociedade que compartilha um destino comum e logra ou tem condições de dotar--se de um estado tendo como principais objetivos a segurança ou autonomia nacional e o de-senvolvimento econômico; já a sociedade civil é a sociedade politicamente organizada que se motiva principalmente pela garantia dos direitos civis e dos direitos sociais.

O estado, por sua vez, é o sistema constitucional-legal e a organização que o garante; é a orga-nização ou aparelho formado de políticos e burocratas e militares que tem o poder de legislar e tributar, e a própria ordem jurídica que é fruto dessa atividade. Finalmente, o estado-nação é a unidade político-territorial soberana formada por uma nação, um estado e um território. Dessa forma, embora seja comum falar-se em estado como sinônimo de estado-nação, esta-mos distinguindo os dois termos. O estado tem uma dupla natureza: é ao mesmo tempo uma instituição organizacional – a entidade com capacidade de legislar e tributar uma determinada sociedade –, e uma instituição normativa – a própria ordem jurídica ou o sistema constitucio-nal-legal. Podemos, entretanto, definir o estado não pelo que ele é, mas pelo que faz. Nessa perspectiva, o estado é a instituição abrangente que a nação usa para promover seus objetivos políticos, ou, em outras palavras, é o instrumento por excelência de ação coletiva da nação ou da sociedade civil.

É comum usarem as expressões ‘estado’ e ‘nação’ como sinônimas de ‘estado-nação’, mas evi-tarei essa prática. Aproximo, porém, nação de sociedade civil porque são termos muito seme-lhantes, porque indicam a sociedade politicamente organizada fora do estado. Entretanto, en-quanto pensada como ‘sociedade civil’, essa sociedade defendeu inicialmente as liberdades, depois a justiça social, e mais recentemente o ambiente, e, portanto, será, em diversos graus, liberal, socialista e ambientalista. Já quando pensada como ‘nação’, a sociedade será ciosa de sua soberania e 4 promoverá o desenvolvimento econômico – será nacionalista. Tanto no caso da nação quanto da sociedade civil, o poder dos cidadãos será ponderado por seu dinheiro, seu conhecimento e sua capacidade de organização, mas a nação tem geralmente uma conotação política mais abrangente ou mais popular do que a sociedade civil, mas, em compensação, é particularista, enquanto que a sociedade civil tem uma conotação mais universal e mais demo-crática. 1 Quando afirmo que o estado é o instrumento por excelência de ação coletiva da na-ção, surge imediatamente a questão: ao invés disso, não seria ele, conforme propuseram Marx e Engels, “comitê executivo da burguesia”? Não há, porém, conflito entre as duas definições se pensarmos a primeira como mais geral, ou então, como associada ao estado democrático. No sentido mais geral, o estado, a partir da antiguidade, foi sempre a expressão daqueles que têm

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poder na sociedade. Um poder que, dialeticamente, acaba tendo também origem no próprio estado, mas cuja origem principal deve ser pensada externamente. Na antiguidade, aqueles que na sociedade controlavam a força, a religião e a tradição constituíam uma oligarquia que dominava o estado.

Na primeira forma de estado capitalista, o Estado Liberal – o estado que Marx conheceu e viveu – o poder ainda estará nas mãos da aristocracia, mas está sendo transferido celeremente para a burguesia. Já no Estado Democrático dos nossos dias, a classe profissional e também a classe trabalhadora também partilham do poder. Podemos, assim, pensar em uma nação ou em uma sociedade civil mais ou menos democrática, e quanto mais democrática for, mais democrático será o respectivo estado. Enquanto em um estado democrático todos os cidadãos são iguais perante a lei, a sociedade civil ou a nação será tanto mais democrática quanto menores forem as diferenças de poder real dos seus membros – quanto menores forem as diferenças decor-rentes do dinheiro, do conhecimento, e mesmo da capacidade de organização ou mobilização social. O estado-nação é a unidade político-territorial própria do capitalismo. Embora tenha na-turalmente pontos de contacto com o império pré-capitalista, dele diferencia-se essencialmen-te porque a nação busca, no seu território, se constituir em uma sociedade nacional integrada e voltada para o desenvolvimento econômico, enquanto que as oligarquias dominantes nos im-périos não sabem o que seja o desenvolvimento econômico, e não buscam integrar econômi-ca e culturalmente suas colônias das quais apenas exigem o pagamento de impostos (Gellner, 1983).

Uma das razões pelas quais podemos ver a globalização como o estágio atual e, portanto, mais avançado do capitalismo, é o fato de que neste início de século XXI o globo terrestre está, pela primeira vez, totalmente coberto por estados-nação. Neste breve esforço de definir palavras, temos ainda que definir desenvolvimento econômico, mercado e dinheiro. O desenvolvimento econômico é o processo de crescimento continuado da produtividade, da renda por habitante, e dos salários dos trabalhadores que ocorre a partir da Revolução Capitalista em conseqüência do aumento do nível de educação, da acumulação de capital e do progresso técnico. Para que o desenvolvimento econômico se desencadeie, supõe-se a existência de uma acumulação origi-nal promovida pelo estado em benefício seja de uma burguesia mercantil, seja de uma burocra-cia, cujos representantes bem sucedidos se transformam em empresários capitalistas. E supõe também um razoável grau de desenvolvimento do mercado e do dinheiro nessa sociedade. O mercado é a instituição e o mecanismo que, através da competição, coordena a divisão do tra-balho e a alocação dos recursos produtivos.

Os mercados existiram antes dos estados nacionais, mas os mercados modernos são social-mente construídos: são organizados e regulados pelos estados-nação a nível nacional e inter-nacional. O dinheiro, finalmente, é a instituição que serve de meio de troca e reserva de valor para que o mercado possa funcionar. Nesse quadro, o estado é a matriz das demais instituições formais de um estado-nação, e, portanto, do sistema constitucional-legal ou da ordem jurídica, ao mesmo tempo em que se constitui nesse próprio sistema constitucional-legal. É a matriz, mas, ao contrário do que pode parecer, não é o agente principal. Este papel também não cabe ao indivíduo, como pretende um certo tipo de teoria liberal, nem cabe ao povo em que todos são iguais como a ficção democrática afirma (Rosanvallon), mas à nação ou à sociedade civil na qual os poderes são diferenciados e ponderados. Ao invés de agente, o estado é o instrumento da sociedade nacional na busca dos seus objetivos políticos. Já os mercados e o dinheiro são as duas principais instituições econômicas que viabilizam o objetivo econômico das nações – o desenvolvimento econômico – são instituições reguladas pelo estado a serviço advocacia ou

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controle político são, sem dúvida, importantes em ampliar a democratização da 6 da nação. Portanto, quando se fala em capitalismo, em nação e em estado-nação, em estado e em mer-cado, não se está falando de instituições concorrentes, mas de instituições complementares voltadas para os objetivos políticos das sociedades modernas.

As três revoluções capitalistas

Para que a Revolução Capitalista pudesse se desencadear, a partir do século XII, na Europa, foi necessário que primeiro houvesse uma transformação técnica fundamental da agricultura, que, até o século XI, estava limitada quase exclusivamente a terras de aluvião; foi o uso de ara-dos com lâminas de ferro e outras ferramentas capazes de cortar terras duras que viabilizou a exploração das terras altas e férteis da Europa (Landes, 1999: 41). Só graças a esse progresso técnico decisivo foi possível produzir o excedente econômico necessário para que trabalhado-res pudessem ser transferidos para o comércio e a indústria – e também para que pudessem ser construídas as grandes catedrais góticas, quase todas datadas do século XII. Celso Furtado (1961), usando com liberdade conceitos de Marx e de Weber, propôs que a idéia do desenvol-vimento econômico se constituiu em dois momentos históricos e está intimamente relacionada com o processo de racionalização que caracterizará o mundo moderno.

Em um primeiro momento, a racionalidade se revela pelo objetivo econômico definido com clareza (o lucro), e pela adoção da acumulação de capital como meio de atingi-lo. O excedente originado do aumento da produtividade agrícola foi inicialmente investido em catedrais, palá-cios, e no comércio de bens de luxo, que deu origem à Revolução Comercial e ao surgimento das cidades-estado burguesas do Norte da Itália, da Alemanha e dos Países Baixos.

Em um segundo momento, com a Revolução Industrial, a racionalidade se expressa em um meio mais especificamente lógico de alcançar o lucro além da acumulação de capital: a incor-poração de progresso técnico, que, devido à sua própria aceleração e à competição crescente, tornava-se condição de sobrevivência das empresas. Em outras palavras, o que hoje chamamos de desenvolvimento econômico configurava-se pela primeira vez historicamente. E definia-se a estratégia principal para alcançá-lo: o investimento inovador. Entretanto, nessa análise his-tórica faltava uma terceira transformação fundamental que ocorreu entre as duas citadas ou conjuntamente com a Revolução Nacional, ou seja, a formação dos estados nacionais. É a partir do momento em que as nações se dotam de sociedade civil. estados e formam estados-nação que o desenvolvimento econômico se viabiliza. Enquanto os impérios eram a forma por exce-lência de organização política territorial da antiguidade, os estados-nação o serão nos tempos modernos ou capitalistas. Enquanto o poder imperial limitava-se a cobrar impostos da colônia, deixando intactas sua organização econômica e sua cultura, os estados-nação estão diretamen-te envolvidos na competição internacional por maior poder e maiores taxas de crescimento. Para isso, buscam homogeneizar sua cultura, dotando-se de uma língua comum, para, através da educação pública, poder garantir que padrões crescentes de produtividade sejam compar-tilhados por toda a população (Gellner, 1993); e os respectivos governos passam a ser os con-dutores do processo de desenvolvimento econômico através da definição de instituições que estimulem o investimento, da adoção de políticas macroeconômica que garantam a estabilida-de de preços, taxas de juros moderadas e taxas de câmbio competitivas, e de políticas indus-triais que favoreçam as empresas nacionais na concorrência internacional. Através do demora-do processo de institucionalização política e econômica que é o da formação do estado-nação, empresários, burocratas do estado e políticos assumem o papel de grupos sociais chave no

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processo da definição de estratégias nacionais de desenvolvimento. Ao nível das empresas, são os empresários que irão fazer a diferença através da atividade inovadora (Schumpeter, 1911).

Empresários, políticos, classe profissional pública e privada, e trabalhadores formam a nação – a sociedade politicamente orientada que compartilha um destino comum – que, ao se dotar de um estado e de um território, forma o estado-nação. A constituição dos estados nacionais e, portanto, de mercados seguros para os empresários investirem na indústria foi, por sua vez, a condição da revolução industrial, inicialmente na Inglaterra e na França e, depois, nos Esta-dos Unidos. A industrialização se confunde então com o próprio desenvolvimento econômico na medida em que será a forma pela qual as sociedades aumentarão decisivamente seu va-lor adicionado per capita transferindo mão-de-obra da agricultura. Para que a industrialização ocorresse, não bastava que a região estivesse organizada em cidades-estado burguesas, como era próprio do comércio de longa distância que prosperou durante a revolução comercial; foi necessária a formação concomitante dos grandes estados-nação com seus grandes mercados nacionais. Formados os modernos estados-nação, seus respectivos estados ou regimes políti-cos assumiram, sucessivamente, três grandes formas históricas. Em uma primeira fase, no Es-tado Absoluto, os governos estavam formando seus estados nacionais; estavam, 8 portanto, voltados principalmente para a defesa contra o inimigo externo e a manutenção da ordem. Mas mesmo nessa época a preocupação com a economia por parte dos grandes reis mercan-tilistas foi decisiva para o desenvolvimento econômico dos seus países. Em seguida, quando aqueles objetivos começaram a ser razoavelmente assegurados nos países mais avançados em sua Revolução Capitalista, a nova classe burguesa logra que o estado deixe de ser aristocrático e absoluto, e entramos na fase do Estado Liberal que garante os direitos civis ou as liberdades; estávamos então no século XIX, quando se falava insistentemente em retirar o estado da eco-nomia, mas este continuava a ter um papel chave no desenvolvimento econômico.

No século XX, quando os pobres e as classes médias finalmente conquistam a democracia, o desenvolvimento econômico e o princípio do império da lei continuam centrais, mas agora de-fine-se uma nova forma de estado, o Estado Democrático e Social que, de um lado, garante o direito de votar e ser eleito e, de outro, passa a ter como objetivo político adicional uma dis-tribuição de renda mais eqüitativa. O estado que Marx conheceu – o Estado Liberal do século XIX – era, sob muitos aspectos, “o comitê executivo da burguesia”. No século XX já não é mais. O estado, seu aparelho e sua ordem jurídica não são mais a simples forma de exercício do po-der pelas classes dirigentes; são também instrumentos de emancipação social (Sousa Santos, 2004). Cabe ao estado e a seu governo, em cada momento, estabelecer o delicado equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a distribuição de renda, entre lucros e salários, entre in-vestimentos e despesas sociais. São alternativas não excludentes, que muitas vezes se somam, mas que, com a mesma freqüência, se opõem.

As três revoluções da Revolução Capitalista darão origem às economias capitalistas ou econo-mias de mercado. Os mercados que antes eram locais transformam-se em mercados nacionais, e pouco a pouco começam a ganhar caráter internacional. Conforme assinala Polanyi (1944), não houve nada de natural na passagem dos mercados locais para os nacionais: essa transição ocorreu como o resultado de estratégias políticas nacionais que de um lado institucionalizaram a competição, mostrando o caráter socialmente construído dos mercados, e de outro levaram à formação dos modernos estados-nação. Através da definição de fronteiras seguras, os esta-dos nacionais modernos estavam criando as condições necessárias para que uma burguesia industrial originária da burguesia comercial se constituísse a partir da revolução industrial in-glesa, e passasse a investir e incorporar progresso técnico de forma sistemática e competitiva

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ao trabalho e aos meios de produção. Os antigos comerciantes investiam no mercado de longa distância, mas a riqueza que daí provinha era eminentemente instável. Em seguida eles come-çam a investir em manufaturas, mas seu investimento era ainda limitado, continuando a produ-ção a se organizar de forma tradicional, e os mercados a serem ainda essencialmente de longa distância. Já o investimento na indústria, que ocorre a partir da revolução industrial, envolvia custos pesados que só podiam se justificar no quadro de um grande mercado assegurado pelo respectivo estado-nação. Daí o interesse das burguesias em se associar aos monarcas absolutos na constituição dos primeiros estados-nação.

O desenvolvimento econômico é assim um fenômeno histórico que ocorre no quadro da Re-volução Capitalista, relacionado, de um lado, com o surgimento das nações e a formação dos estados-nação, e, de outro, com a acumulação de capital e a incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao próprio capital. Seus benefícios são imediatamente reconhecidos, primeiro pela própria burguesia, que é inicialmente a maior beneficiada; em um segundo momento, já no século XX, quando a produção deixa de se realizar principalmente em unidades familiares para se realizar em organizações empresariais, a importância do desenvolvimento econômico é aceita pela nova classe profissional que surge então; e finalmente, quando os regimes demo-cráticos, ainda nesse século, começam a se consolidar e ganhar substância, o desenvolvimento econômico passa a ser também um objetivo dos trabalhadores na medida em que passam tam-bém a participar do excedente econômico produzido.

Cinco ideologias

A experiência histórica demonstra, portanto, que, para que um país possa se desenvolver, para que possa haver uma estratégia nacional de desenvolvimento, é essencial que haja uma nação forte apoiada em um grande acordo entre as classes sociais quando se trata de competir inter-nacionalmente. A Revolução Capitalista deu origem a três novas classes sociais: em um primei-ro momento – aquele que Marx conheceu – deu origem à burguesia e aos trabalhadores assa-lariados, e depois, já no século XX, à classe profissional ou tecnoburocrática. De acordo com a perspectiva marxista, a burguesia torna-se a classe dominante e dirigente, em substituição à aristocracia;. Na verdade, pouco depois deste fato acontecer, a produção deixa de ser familiar para se realizar em grandes organizações burocráticas, e surge assim, ao nível do aparelho do estado e da sociedade, uma nova classe político-burocrática – a classe profissional – com a qual a burguesia terá que crescentemente dividir poder e privilégio. Essas três classes e suas elites estão engajadas 10 permanentemente dentro de cada estado-nação em um processo dialético de conflito e cooperação, no qual as ideologias desempenham papel central. O conflito se dá pela distribuição da renda nacional; já a cooperação está referida principalmente à competição internacional. O conflito de classes é inerente ao desenvolvimento econômico, como o é tam-bém a solidariedade social na construção da nação.

O conflito está limitado, de um lado, pela necessidade de uma taxa de lucro satisfatória e razo-avelmente segura para os empresários, e, de outro, pela lógica do crescimento dos salários de forma proporcional ao aumento da produtividade. Embora divididos entre direita e esquerda, entre capitalistas e socialistas, a cooperação entre os cidadãos será essencial para que possam atingir os objetivos políticos comuns de segurança, liberdade, desenvolvimento econômico, justiça social e proteção do meio-ambiente. É a cooperação ou a solidariedade que define uma nação e permite que ela seja bem sucedida na competição internacional inerente ao sistema capitalista. A Revolução Capitalista deu origem também a cinco grandes ideologias ao mesmo

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tempo complementares e contraditórias: o liberalismo – a ideologia burguesa das liberdades de comercializar e de não ser molestado em sua autonomia individual –, o nacionalismo – a ideologia também burguesa da formação do estado-nação e do desenvolvimento econômico –, o socialismo – a ideologia trabalhadora e das camadas média da justiça social –, o eficien-tismo – a ideologia tecnoburocrática da racionalidade instrumental –, e, mais recentemente, o ambientalismo. Enquanto as sociedades agrárias eram coordenadas pelas instituições e pelo poder político, as sociedades capitalistas que nascem do desenvolvimento econômico são tam-bém, e principalmente, coordenadas pelo mercado. Por isso, para os antigos a sociedade tinha precedência sobre o indivíduo, enquanto que para os modernos o indivíduo tem a precedência. Essa precedência se expressou na primeira ideologia moderna surgida, ainda no século XVII – o liberalismo –, que inicialmente é uma ideologia burguesa, mas aos poucos, através do avan-ço da democracia, ganha maior amplitude social. Ao mesmo tempo, ainda no mercantilismo e principalmente durante a Revolução Industrial, quando o fenômeno do desenvolvimento econômico realmente ganha significado histórico, surge uma segunda ideologia capitalista – o nacionalismo – para que o estado-nação pudesse definir uma estratégia nacional de desen-volvimento ou de competição. O socialismo, por sua vez, nasce também do capitalismo, já em meados do século XIX, como ideologia dos trabalhadores, indignados com a desigualdade a que estavam submetidos, e se expressa nos direitos sociais.

O eficientismo é mais recente: é uma ideologia do século XX, quando a classe profissional ga-nha força na medida em que a produção deixa de se realizar em unidades familiares para ocor-rer em grandes organizações empresariais e públicas. É nesse momento que o fator estratégico de produção começa a passar do capital para o conhecimento – e que o conhecimento ganha caráter instrumental: visa principalmente aumentar a eficiência e a produtividade. Finalmente, na segunda metade do século XX surgirá a última grande ideologia do capitalismo – o ambien-talismo – para por um freio aos excessos contra a natureza que o desenvolvimento econômi-co anterior havia causado. Todas essas ideologias estão relacionadas com o desenvolvimento econômico, mas as duas diretamente e positivamente relacionadas com ele são o eficientismo e o nacionalismo. Sobre o eficientismo – palavra que não consta da linguagem usual – não há muito o que falar. É hoje uma ideologia extremamente difundida que tem como arautos os economistas e os administradores – ou, mais amplamente, a classe profissional ou tecnoburo-crática cujo poder deriva do pressuposto de que é ela que é capaz de racionalizar os processos produtivos. O nacionalismo, embora identificado originalmente com a burguesia, porque foi essa a classe que desempenhou o papel decisivo na formação dos estados-nação, é quase por definição uma ideologia de todos os cidadãos porque cimenta, dá coesão ou solidariedade à nação. O nacionalismo, como o republicanismo, é uma manifestação da unidade da sociedade, da sua existência não como soma de partes, mas como um todo, não como mero fruto de agên-cias individuais, mas ela própria ator social; o nacionalismo ou o patriotismo é a ideologia que une as classes, que as torna solidárias na competição internacional. Das cinco ideologias, entre-tanto, é a única que não é universal; que é limitada a cada nação. A radicalização de qualquer dessas ideologias traz conseqüências terríveis, mas as mais violentas são as do nacionalismo.

Guerras, genocídios têm sempre origem no nacionalismo. Entretanto, os cidadãos de todos os grandes estados-nação mais desenvolvidos são essencialmente nacionalistas: entendem que seu governo deve defender os interesses do trabalho, do capital e do conhecimento nacional, ou, em outras palavras, estão identificados com os interesses nacionais. Esse nacionalismo, se for liberal, social, e principalmente democrático – como geralmente é nesses países – terá um papel fundamental no processo de desenvolvimento econômico, político e social, porque joga um papel central na grande competição internacional que é o desenvolvimento capitalista.

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Nações sem Estado

Uma nação sem país é um grupo, geralmente um grupo étnico minoritário no interior de um ou mais países, que almeja constituir o seu próprio Estado, especificamente um Estado-nação. Uma vez que não existem critérios objetivos para determinar se um grupo particular é uma na-ção ou se faz parte de um Estado multicultural, o uso do termo é político e controverso, sendo normalmente usado por movimentos separatistas. Muitas vezes, os defensores do separatismo veem o Estado do qual fazem parte como uma forma de Império e seu domínio como imperia-lismo. Eles geralmente rejeitam o princípio de um Estado multiétnico, especialmente nos casos em que um grupo étnico busca a soberania.

Nem todas as minorias declaram-se como "sem Estado", mesmo quando elas afirmam ser uma nacionalidade à parte. Os Estados podem reconhecer os grupos étnicos minoritários e as nacio-nalidades em diferentes graus: reconhecimento específico de direitos culturais e linguísticos, e permissão de certa autonomia político-administrativa. Por exemplo, o Conselho da Europa es-tabeleceu desde 1992 a "Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias" para proteger alguns direitos linguísticos e culturais específicos.

Entre as principais nações sem Estado estão:

Curdos:

Essa é maior nação sem Estado do mundo. A população de origem curda soma mais de 26 milhões de pessoas, que estão distribuídas nos territórios da Armênia, Azerbaijão, Irã, Iraque, Síria e Turquia, que abriga mais de 14 milhões. Os curdos reivindicam a criação de um Estado próprio (entre o norte do Iraque, oeste da Turquia e noroeste do Irã), denominado Curdistão.

Palestinos:

Os Palestinos ocupam uma área do Oriente Médio. Essa nação, formada por mais de 7 milhões de pessoas, reivindica a criação do Estado Palestino, além da reincorporação de terras ocupa-das por Israel. Os constantes conflitos envolvendo árabes e israelenses provocaram grandes fluxos migratórios de palestinos para o Líbano, Síria, Egito e Jordânia, fato que enfraqueceu a luta pela formação do Estado Palestino. No entanto, a OLP (Organização para Libertação da Pa-lestina) continua lutando pela autonomia política e territorial dessa grande nação.

Tibetanos:

Formada por aproximadamente 6 milhões de pessoas, a nação tibetana, de tradição budista, solicita a criação de um Estado próprio em uma região dominada pelos chineses. A China opri-me de forma violenta os movimentos separatistas no Tibete, além de estimular a emigração de chineses para essa região com o intuito de enfraquecer a cultura local.

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Bascos:

Com mais de 2,3 milhões de pessoas, a nação basca está presente na porção norte da Espanha e no sul da França. Esse grupo ocupa essa região há mais de seis mil anos, possuindo língua e cultura própria. O grupo ETA (Pátria Basca e Liberdade) realizou vários atentados terroristas como forma de pressão ao governo espanhol para reconhecer a autonomia do País Basco.

Chechenos:

Majoritariamente mulçumanos, o 1,2 milhão de chechenos vivem nas montanhas do Cáucaso, que é território da Federação Russa. Com a desintegração da União das Republicas Socialistas Soviéticas, a Chechênia declarou independência em 1991, entretanto, não foi reconhecida pe-los russos, que oprimiram a população local de forma violenta, realizando massacres, estupros e torturas.

Caxemires:

Habitada por 5 milhões de pessoas (4 milhões de muçulmanos e 1 milhão de hinduístas), essa região é dominada pela Índia, Paquistão e China. A maioria dos habitantes (muçulmanos) soli-cita que o território seja anexado ao Paquistão, no entanto, os hinduístas são totalmente con-trários a tal fato.

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Atualidades

TERRORISMO

Ameaça Terrorista

Terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a incutir medo, pânico e, assim, obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas, incluindo, antes, o resto da população do território. É utilizado por uma grande gama de instituições como forma de alcançar seus objetivos, como organizações políticas, grupos separatistas e até por governos no poder.

A guerra de guerrilha é frequentemente associada ao terrorismo uma vez que dispõe de um pequeno contingente para atingir grandes fins, fazendo uso cirúrgico da violência para combater forças maiores. Seu alvo, no entanto, são forças igualmente armadas procurando sempre minimizar os danos a civis para conseguir o apoio destes. Assim sendo, é tanto mais uma táctica militar que uma forma de terrorismo.

Segundo especialistas da área, existem centenas de definições da palavra terrorismo.A inexistência de um conceito amplamente aceito pela comunidade internacional e pelos estudiosos do tema significa que o terrorismo não é um fenômeno entendido da mesma forma, por todos os indivíduos, independentemente do contexto histórico, geográfico, social e político. Segundo Walter Laqueur

“Nenhuma definição pode abarcar todas as variedades de terrorismo que existiram ao longo da história”.

Segundo Baudrillard, os atentados de 11 de setembro de 2001 foram "um ato fundador do novo século, um acontecimento simbólico de imensa importância porque de certa forma consagrou o império mundial e sua banalidade. Os terroristas que destruíram as torres gêmeas introduziram uma forma alternativa de violência que se dissemina em alta velocidade. A nova modalidade está gerando uma visão de realidade que o homem desconhecia. O terrorismo funda o admirável mundo novo. Bom ou mau, é o que há de novo em filosofia. O terrorismo está alterando a realidade e a visão de mundo. Para lidar com um fato de tamanha envergadura, precisamos assimilar suas lições por meio do pensamento.

Entretanto o uso sistemático de terror como recurso de controle social e político tem acompanhado a humanidade por milênios. O historiador Xenofonte (430-349 a.C.) conta que o terrorismo era praticado pelos governos das cidades gregas como forma de guerra psicológica contra populações inimigas. Também semearam o terror os imperadores romanos Tibério e Calígula, os membros da Santa Inquisição, Robespierre e seus adeptos, os integrantes da Ku Klux Klan, as milícias nazistas e muitos outros.

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Segundo a advogada Luciana Worms, os conceitos de terrorismo usados no Brasil são pautados pela Organização dos Estados Americanos (OEA). A partir desse viés, no passado, durante a Guerra Fria, o terrorista podia ser um comunista; atualmente, é um jihadista ou membro de uma organização de narcotráfico. Segundo Worms, ações bárbaras, que resultem em mortes em massa, nem sempre são consideradas como atos de terrorismo: a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), organização aliada dos Estados Unidos, apesar de ter plantado minas terrestres no país, nunca foi qualificada como terrorista. Do mesmo modo, segundo a professora, Baruch Goldstein - um fanático judeu que, nos anos 1990, invadiu uma mesquita e matou 27 muçulmanos que estavam rezando - não foi classificado como terrorista mas como louco, pelo governo de Israel.

Segundo Aegemiro Procópio, professor titular em Relações Internacionais da Universidade de Brasília:

“A negligência dos países desenvolvidos com relação ao terrorismo das desigualdades nas relações internacionais precisa ser combatida, porque tal batalha manterá acesa a chama da indignação contra atos terroristas, contra suas causas. Ajudará na busca do consenso acerca da necessidade da eliminação do ódio. Sabendo ser pouco demais o que a Organização das Nações Unidas realiza contra o terror, inclusive a desfavor das desigualdades por causa do seu obcecado temor diplomático de ferir susceptibilidades nacionais, a ONU, ao qualificar o terrorismo como crime internacional, chove no molhado. Variadíssimas interpretações podem ser dadas ao Artigo 51 da sua própria Carta, em que se reserva aos países o direito da autodefesa. O Iraque e a Líbia, por exemplo, estão roucos de tanto invocá-lo.

A domesticação do terror da violência com a banalização do valor da vida, em flagrante desrespeito ao próximo e aos direitos humanos, mais a apropriação do nome de Deus no combate ao terror entre as partes conflitantes – vejam-se, por exemplo, os discursos de George W. Bush e Osama bin Laden – complicam enormemente a arena da ética antiterrorista. A invocação do nome de Deus deveria preocupar as diferentes confissões religiosas. Sobre isso não se ouviu quase nada das lideranças eclesiásticas ocidentais, inclusive por parte do Vaticano. Relativamente poucas vozes nas igrejas checam a moralidade dos bombardeios lançados pela nação mais poderosa contra provavelmente uma das menos favorecidas. Apelar para a ética cristã é lembrar a onipresença divina manifestada tanto em Washington quanto em Cabul ou em Brasília.

O sentido espiritual da Jihad, Guerra Santa, precisa ser respeitado e conhecido no Ocidente. Jihad significa igualmente empenho em busca do equilíbrio a serviço do Criador; empenho traduzido como esforço de defesa dos valores da fé islâmica. A tradição maometana prega caminhar da Jihad menor para a Jihad maior. A Jihad maior é o empenho da fé e do exemplo. Também implica ascese testemunhal por meio de usos e costumes (suna) ensinados pelo Profeta, em Medina.

Diferentes leituras aplicam-se à bíblia e ao corão. Fundamentalistas encontram-se tanto no islamismo, no judaísmo e no cristianismo, quanto no budismo. Misturar islamismo com terrorismo equivale a esquecimento da essência do radical monoteísmo abraânico presente no judaísmo, no islamismo e no cristianismo.

Entender esta trilogia como se fossem civilizações em choque e de outro mundo, como pretende Samuel Huntington, com suas cortinas de ferro, de bambu e de veludo, só reforça equívocos e preconceitos históricos transmitidos por ideologias compromissadas. Existe choque sim, mas de poder. Luta de classes, não de civilizações!

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As elites dominantes ocidentais, convictas da morte e sepultamento do marxismo, acordam atônitas com o explodir das reações em cadeia às respostas fratricidas perpetradas pelo sofisticado aparato bélico industrial dos Estados Unidos. Destas ações, por condenáveis que sejam, ingente mérito não se pode negar: ressuscitaram a utopia marxista soprando vigorosamente o espírito da teologia da libertação.

Em nome de interesses toma-se o santo nome de Deus em vão. O abuso de Deus, seja pelos movimentos terroristas, seja pela repressão mundial ao seu encalço, certamente traduz convicções mais profundas que as estudadas até o presente na sociologia das relações internacionais. Por exemplo, o Miutzan Elohim (Ira de Deus) vingava o brutal assassinato de atletas israelenses nos Jogos Olímpicos de Munique em 1972, observando o “dente por dente, olho por olho” do ensinamento bíblico. Respondia com terror o terror do Setembro Negro de Yasser Arafat que, anos mais tarde, dividiria, com Shimon Perez o Prêmio Nobel da Paz.

O Ruhollah (Sopro Divino) dos xiitas iranianos, o Portão do Céu californiano, o Templo do Povo, causador de centenas de mortes por envenenamento, na Guiana, a Jihad Islâmica do Egito, o Hezbollah (Partido de Deus) no Líbano e o Hamas (Fervor) constituem modelos de manipulação do messiânico no desespero do terror. Fosse vivo, Antônio Conselheiro e seu bando de fanáticos sertanejos famintos talvez se confundissem com os talibãs afegãos integrando a lista da história terrorista dos presentes dias.” (http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v44n2/a04v44n2.pdf)

Atualmente a ideia de ameaça terrorista está muito ligada aos atos do ISIS (também conhecido como Estado Islâmico, EI)

O grupo Estado Islâmico, antes chamado de Estado Islâmico no Iraque e na Síria (Isis), intensificou sua campanha de violência no Norte e Oeste do Iraque em junho desse ano, quando conseguiu assumir o controle de Mossul, a segunda maior cidade do país. Desde então, os extremistas colecionam algumas conquistas importantes, como a tomada de vastos territórios iraquianos, a obtenção de armamento do Exército, e o controle de infraestruturas estratégicas. Diante disso, a organização é considerada uma ameaça não só ao país, mas também a outras áreas do Oriente Médio.

Destacaremos cinco pontos para entender o grupo que aterroriza Iraque e Síria:

1. Surgimento. O Estado Islâmico no Iraque e na Síria (Isis) foi criado em 2013 e cresceu como um braço da organização terrorista al-Qaeda no Iraque. No entanto, no início deste ano, os dois grupos romperam os laços. No final de junho, os extremistas declararam um califado, mudaram de nome para o Estado Islâmico (EI) e anunciaram que iriam impor o monopólio de seu domínio pela força. O EI é hoje um dos principais grupos jihadistas, e analistas o consideram um dos mais perigosos do mundo.

2. Áreas de atuação. As atividades do EI se concentram no Iraque e na Síria, onde o grupo assumiu um papel dominante e possui forte presença. O recente controle de vastos territórios no Norte e Oeste do Iraque, além das áreas dominadas pelos curdos, ajudaria o grupo islâmico a consolidar seu domínio ao longo da fronteira com a Síria, onde luta contra o regime de Bashar al-Assad.

3. Liderança. Seu principal líder é Abu Bakr al-Baghdadi, apontado como um comandante de campo e tático e designado "califa de todos os muçulmanos". Aparentemente, ele se juntou à insurgência em 2003, logo após a invasão do Iraque, liderada pelos Estados Unidos. Diante dos avanços do Estado Islâmico, ele pode em breve se tornar o jihadista mais influente do mundo.

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4. Combatentes ocidentais. O Estado Islâmico conta com um vasto grupo de extremistas: entre 3 mil e 5 mil milicianos, muitos deles estrangeiros. Vídeos divulgados pelo grupo jihadista mostram britânicos que aderiam à causa islâmica e à luta armada. Os governos ocidentais temem que esses insurgentes possam voltar para seus países representando uma ameaça.

5. Ações cruéis. Nos conflitos nos quais participou, o grupo foi acusado de diversas atrocidades, como sequestros, assassinato de civis e torturas. A milícia é considerada extremamente agressiva e eficiente em combate. Após a tomada de Mossul, os EUA afirmaram que a queda da segunda maior cidade do Iraque representava uma ameaça para toda a região. O avanço dos jihadistas levou os EUA a bombardearem alvos

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Atualidades

CONFLITOS NA ÁFRICA E NO ORIENTE MÉDIO

África

Um dos desdobramentos mais trágicos das lutas desencadeadas a partir do processo de inde-pendência são as guerras civis. Trata-se da consequência mais visivel e sangrenta da criação de fronteiras artificiais responsáveis pela divisão política do continente africano. Conflitos ances-trais tornaram-se guerras que desencadearam elevado índice de mortes, muitas vezes acom-panhadas de golpes de Estado e instauração de ditaduras corruptas, interessadas em assegurar privilégios de minorias. A seguir, serão apresentados alguns exemplos dessas guerras.

1. RUANDA E BURUNDI:

Um dos maiores exemplos dessa luta mortal entre tribos é a que envolve hútus e tútsis nos territórios hoje divididos em Ruanda e Burundi. Originalmente denominada Ruanda-Burundi, até a primeira guerra mundial essa região pertencia à África Oriental Alemã. Em 1919, após a derrota dos alemães na guerra, os belgas assumiram o controle do território em questão.

Os conflitos na região, porém, remontam aos séculos XII e XV, quando chegaram ao local gru-pos hútus e tútsis, que conviveram ali durante muito tempo. Em termos de língua ou de aspec-to físico, os dois grupos não apresentam grandes diferenças; já do ponto de vista econômico, enquanto os tútsis criavam gado, os hútus eram agricultores.

Sob o domínio Belga, os tútsis, que correspondiam a cerca de 15% da população foram escolhi-dos pelo poder colonial para "governar" o país. A maioria hútu (cerca de 85%) ficou excluída do processo social e econômico. Como não poderia deixar de ser, os hútus passaram a defender um governo que representasse os seus interesses. Em 1959, os agricultores hútus rebelaram-se contra a monarquia tútsi apoiada pelos Belgas e abriram caminho para separar Ruanda e Bu-rundi. Em 1961, sob a liderança hútu, Ruanda ganharia status de República, e,no ano seguinte, a Bélgica reconheceria sua independência. Perseguidos os tútsis procuraram abrigo nos países vizinhos. Por sua vez, Burundi também se tornou independente nesse ano, sob monarquia tút-sis.

Entretanto a paz não foi alcançada. Em 1963, tútsis exilados no Burundi organizaram um exér-cito e voltaram para Ruanda, sendo massacrados pelos hútus. Outros massacres sucederam-se até que, em 1973, um golpe de Estado levou ao poder, em Ruanda, o coronel Juvénal Habyari-mana, de etnia hútu. Apesar dos conflitos persistirem, pode-se afirmar que houve uma trégua nas duas décadas seguintes.

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Em 1993, o governo de Ruanda, liderado pelos hútus, assinou um acordo de paz com a liderança tútsi, pelo qual os refugiados poderiam voltar ao país e participar do governo. Em abril do ano seguinte, retornando de uma conferência na Tanzânia, os presidentes hútus de Ruanda e Burundi foram vítimas de um acidente aéreo. A morte desses líderes desencadeou a volta dos massacres. No Burundi apesar da condição de minoria étnica, os tútsis detinham o controle do exército e deram um golpe de Estado em 1996, quando nomearam para presidente um major dessa etnia. Além disso obrigaram grande massa de hútus a viverem na condição de refugiados nos chamados "campos de reagrupamento", que reúnem cerca de 10% da população (cerca de 800 mil pessoas), segundo dados da organização não governamental Anistia Internacional. Outros 700 mil refugiados vivem fora das fronteiras do país, mais precisamente em países limítrofes, como Tanzânia e Uganda, criando sérios problemas para os dois governos, que não tem condições de garantir ajuda humanitária a essa população. Em Ruanda, onde a violência não tem sido menor, calcula-se que 13% da população tenha morrido na guerra desencadeada em 1994 pelos hútus, sendo 90% desse total integrante da minoria tútsi, segundo dados da ONU.

MAPA DE RUANDA E BURUNDI - PAÍSES AFRICANOS(Fonte: www.googleimagens.com.br)

2. BIAFRA:

Outro exemplo dos terríveis efeitos das fronteiras artificiais foi a guerra de Biafra no final dos anos 1960 e início da década seguinte. Província da Nígéria, Biafra é uma ex-colônia britânica

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que possui mais de 250 etnias. Em 1966, os Ibos, uma dessas tribos, tomaram o poder, provo-cando o aumento das rivalidades contra os Iorubas e os hauçás. Em consequência de um con-tragolpe, os Ibos foram massacrados no norte do país, onde são minoria. Eles deslocaram-se então para o leste da Nigéria, mais precisamente para a província de Biafra. No ano sequinte, os Ibos da pronvíncia de Biafra declararam sua independência, aprofundando a guerra civil, que se prolongou até 1970. Um boicote econômico por parte das empresas petroliferas (a Nigéria é membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a OPEP)impediu o desenvolvi-mento do novo país e pôs fim ao projeto de separação dos Ibos, já que tal divisão poderia trazer problemas para essas empresas. Ao final do conflito, cerca de 1 milhão de biafrenses, quase todos Ibos, haviam morridos, vitimados pela fome ou por doenças. A Nigéria contudo, conti-nuou como palco de golpes de Estado, liderados por chefes militares, o que tem tornado difícil a superação dos seus graves problemas internos.

PROVÍNCIA DE BIAFRA (NIGÉRIA)(Fonte: www.googleimagens.com.br)

CRIANÇAS SUBNUTRIDAS DURANTE A GUERRA OCORRIDA NA PROVÍNCIA DE BIAFRA - NIGÉRIA.(Fonte: www.googleimagens.com.br)

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3. ANGOLA E MOÇAMBIQUE:

Também na chamada África Portuguesa (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Principe), as lutas pela independência revelaram-se sangrentas. Moçambique e Angola, por exemplo, libertaram-se após violentas guerras contra Portugal, em 1975.

Em Angola, o movimento anticolonial assumiu contornos especiais em razão do contexto da Guerra Fria. Os grupos angolenses de orientação Marxista procuraram apoio junto a países como Cuba e União Soviética, enquanto grupos liberais buscaram ajuda norte-americana. Pro-porcionado a independência de Angola, o acordo de Alvor, assinado em janeiro de 1975, não foi capaz de propiciar um entendimento entre esses grupos políticos, que passaram a lutar pelo poder no país. A Guerra Civil ganhou força, especialmente porque os Estados Unidos não ti-mha interesse na instalação de regimes socialistas na África. Por outro lado, o bloco socialista também via no conflito uma oportunidade de fortalecer o seu bloco, caso Angola passasse a integrá-lo.

Foi só com o fim da Guerra Fria que se ampliaram as condições para um tratado de paz e um acordo entre as duas organizações, abrindo oportunidade para a realização das primeiras eleições pluripartidárias do país, em 1992. O Movimento Popular Pela Libertação de Ango-la (MPLA, de esquerda, foi alçado ao poder, com José Eduardo dos Santos. Entretanto Jonas Savimbi, seu opositor de direita (apoiado pelos Estados Unidos), não reconheceu o resultado, e a Guerra Civel recomeçou. Com a morte de Jonas Savimbi durante um combate em abril de 2002,seu grupo foi finalmente desarticulado, abrindo caminho para um processo de paz mais duradouro. O trágico saldo da Guerra Civil de mais de duas décadas é um país arrasado em toda a sua infra-estrutura, afetado por doenças que matam centenas de pessoas por dia e que se tornou o detentor do maior percentual mundial de pessoas mutiladas por minas terrestres. Além de mutilar as minas dificultam a prática da agricultura. Consequentemente, Angola é um dos países mais pobres do mundo, em que cerca de 60% da população é analfabeta e somente 40% fala o português, língua oficial do país.

O caso de Moçambique, outra ex-colônia portuguesa, não difere muito do angolano. Em 1975, Moçambique conseguiu a independência, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), de orientação Marxista, chegou ao poder com um sistema de partido único, e o seu lider, Sa-mora Machel, tornou-se presidente do país. Moçambique enfretaria problemas parecidos com os de Angola, ou seja, ali também os conflitos girariam em torno da divisão entre socialistas e capitalistas. A FRELIMO apoiada pelos governos socialistas, enfrentaria a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), que tinha como principais aliados os Estados Unidos e a África do Sul. Em 1992 a FRELIMO e a RENAMO assinaram o acordo de paz, dando esperança de dias melhores para os Moçambicanos. Em 1994, foram realizadas eleições pluripartidárias, e a FRE-LIMO saiu vitoriosa por meio da eleição de Joaquim Alberto Chissano. a RENAMO permaneceu como a segunda força política do país, optando pelo caminho das armas. Em 1999 Chissano foi reeleito, apesar das denúncias de fraudes, feitas pela oposição, que não foram comprovadas.

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Oriente Médio

O Oriente Médio, região situada ao lado do Ocidente tendo como referência o Mar Mediterrâ-neo, inclui os países costeiros do Mediterrâneo Oriental (da Turquia ao Egito), a Jordânia, Me-sopotâmia (Iraque), península Arábica, Pérsia (Irã) e geralmente o Afeganistão.

A condição de área de passagem entre a Eurásia e a África, de um lado, e entre o Mar Medi-terrâneo e o Oceano Índico de outro, favoreceu o comércio de caravanas que enfraqueceu-se posteriormente em proveito das rotas marítimas, renovadas pela abertura do canal de Suez em 1869. Logo antes da Primeira Guerra Mundial, a região já era a maior produtora petrolífera do mundo e, por isso, despertava o interesse das grandes potências, tornando-se objeto de rivali-dades e conflitos internacionais. Além da economia baseada no petróleo e das fortes desigual-dades sociais, a região também apresenta problemas nas uniões tribais e étnicas, na fragilidade das estruturas de governo e, sobretudo na centralização islâmica da vida política.

A maioria dos Estados do Oriente Médio surgiram sob influencia do imperialismo franco-britâ-nico, com a queda do Império Turco-Otomano após a I Guerra Mundial, assim a maior parte da região seria dividida em protetorados. A Palestina, a Transjordânia (atual Jordânia), o Egito, o Iraque (antiga Mesopotâmia) e a Pérsia (atual Irã) ficaram sob domínio da Inglaterra e a Síria e o Líbano tornaram-se protetorados franceses. Essa divisão obedeceu aos interesses das potên-cias, que não levaram em conta os problemas específicos da região como as minorias étnicas e religiosas.

Após a Segunda Guerra Mundial, os países do Oriente Médio tentaram relegar a religião so-mente à esfera privada, através do nacionalismo pan-arabista, cujo maior líder foi o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Na década de 1970, as massas urbanas e a classe média se afasta-ram do nacionalismo, adotando o fundamentalismo islâmico, que consolidou-se como ideolo-gia dominante nas últimas décadas do século XX, principalmente após a Revolução Iraniana de 1979 e a ascensão do Talibã ao poder no Afeganistão.

O Oriente Médio permanece uma das áreas mais instáveis do mundo, devido a uma série de motivos que vão desde a contestação das fronteiras traçadas pelo colonialismo franco-britâ-nico, a posição geográfica, no contato entre três continentes; suas condições naturais, pois a maior parte dos países ali localizados são dependentes de água de países vizinhos; a presença de recursos estratégicos no subsolo, caso específico do petróleo; posição no contexto geopo-lítico mundial; até a proclamação do Estado de Israel na Palestina em 1948, o que de imediato provocou uma série de conflitos conhecidos como as guerras árabes-israelenses, entre eles a guerra de independência de Israel, a Guerra dos Seis Dias, a Guerra de Suez e a Guerra do Yom Kippur.

Guerra do Golfo

Durante as décadas de 80 e 90, o Iraque passava por uma crise devido ao baixo valor do petró-leo. O país achava que a culpa era do Kuwait, porque os iraquianos acreditavam que eles ha-viam vendido suas cotas de petróleo por um preço acima do estipulado pela OPEP (Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo). Por causa disso, o Iraque invadiu o Kuwait. Como muitos países compravam esse produto do daquele país, todos temeram que os conflitos

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pudessem aumentar o seu valor. A ONU estabeleceu um prazo para que Saddam Hussein reti-rasse suas tropas da região.

Em 1991, após o não cumprimento de retirada pelo Iraque, os EUA deram início à operação denominada Tempestade no Deserto. Essa operação durou seis semanas, tendo como conse-quências a desocupação do Kuwait e o país recebeu sanções da ONU.

Guerra do Afeganistão

Durante o século XX, o país sofreu com diversas ditaduras e após problemas como o Paquistão, ele se aproximou da União Soviética, que lhe deu apoio. Posteriormente, o país se aproximou dos EUA e teve como resposta um ataque soviético para ocupá-lo. Com a eleição de Mikhail Gorbatchev, em 1985, a Rússia passou a ter menos gastos com os militares e favoreceu o avan-ço de grupos como o Taleban, formado por estudantes.

O Taleban conquistou o poder em 1996 com a eleição de Mohammad Omar, que tinha o objeti-vo de retirar qualquer modernidade do país. Nesse governo, o terrorista Osama Bin Laden pas-sou a viver no Afeganistão. Ele criou o grupo da Al Qaeda que, com o intuito de proteger os po-vos muçulmanos das tentações ocidentais, determinou que os EUA seriam seus inimigos. Esse grupo atacou os Estados Unidos diversas vezes; porém, o maior ataque ocorreu do dia 11 de setembro de 2001. Terroristas sequestraram aviões comerciais nos EUA, que bateram nas Tor-res Gêmeas do World Trade Center, no edifício do Pentágono e outro avião que caiu na mata.

Osama Bin Laden foi executado pelo Exército americano, no dia 02 de Maio de 2011, em uma ação militar aliada ao governo do Paquistão. O líder da Al Qaeda se encontrava em uma casa totalmente protegida, na cidade de Abbotabad, próxima à capital do Paquistão, Islamabad. Fo-ram utilizados, na operação, cerca de quatro helicópteros e um pequeno contingente com ape-nas soldados dos Estados Unidos.

Além de Osama, morreram uma mulher e mais três homens, sendo que, um deles, era filho do terrorista mais procurado do mundo. Um exame de DNA foi realizado para comprovar que o corpo era realmente dele. Segundo as autoridades americanas, o corpo foi jogado ao mar, respeitando-se as tradições islâmicas.

Pela primeira vez, o país mais poderoso do mundo havia sido atacado daquela forma em solo americano. Milhares de pessoas morreram, o que levou a uma reação americana que exigia a entrega de Osama Bin Laden. Não tendo nenhum posicionamento, o Afeganistão foi atacado e várias regiões do país foram completamente destruídas. O governo Taleban foi deposto e a Aliança do Norte (grupo formado pelos tadjiques, uzbeques e hazaras) assumiu o comando.

Ainda em 2001, foi realizada uma conferência, conhecida como Acordo de Bonn, que visava es-tabelecer os rumos da reconstrução do país. Com o acordo, também foi estabelecida a criação da Força de Assistência e Segurança Internacional. Milhares de civis e soldados de vários países já morreram nessa guerra que ainda não tem previsão para terminar.

Invasão do Iraque

A invasão do Iraque foi justificada com a alegação de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa. O conflito teve início em 2003, com a invasão do país feita pelos EUA.

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Obteve o apoio da Espanha, Itália, Austrália, Inglaterra e Polônia. Os EUA também obtiveram o apoio da população, que acreditava que atacar preventivamente seria melhor. Porém, quando os militares chegaram à capital iraquiana, não encontraram Saddam Hussein.

O ex-líder do Iraque foi encontrado naquele mesmo ano, escondido em uma passagem subter-rânea. Ele foi julgado por crimes à humanidade e por tentativa de assassinato. Foi condenado e enforcado posteriormente. Os Estados Unidos pretendiam atacar o país de forma rápida, mas com os ataques constantes de rebeldes, a guerra continua a causar mortes e baixas no exército americano. Além disso, o confronto já gastou milhares de dólares e ainda não acabou.

Árabe-Israelense

O conflito que ocorre entre os israelenses e palestinos é um dos mais importantes do Oriente Médio. Os principais motivos para tantos problemas são as diferenças culturais e a disputa de terras entre essas duas nações. Além disso, devem ser levados em conta os interesses econômi-cos e políticos nessas regiões.

Guerra dos Seis Dias

Em 1967, Israel invadiu a Faixa de Gaza, a península do Sinai, a Cisjordânia e as colinas de Golã, na Síria. Essa guerra, que teve duração de seis dias, mudou a relação do país com seus vizinhos e deu um novo caminho para o problema da palestina. Antes do conflito, o Egito interrompeu o Estreito de Tiran. Essa decisão fez com que Israel não pudesse ser abastecido pelo Mar Verme-lho.

No dia 05 junho daquele ano, o exército israelense começou a guerra em direção à fronteira com o Egito e a Síria. A Jordânia atacou cidades israelenses, como Jerusalém e Tel Aviv e, por isso, o Estado de Israel invadiu a Cisjordânia. A guerra acabou no dia 10 daquele mês e o país passou a ter como território a Cisjordânia,o leste de Jerusalém, as Colinas de Golã, monte Her-món (que fazia parte do território da Líbia e da Síria), a Faixa de Gaza e o Sinai.

Guerra do Líbano

O Líbano conseguiu se libertar da França em 1945 e sofre diversos problemas com conflitos e guerras civis. De um lado, se encontram os muçulmanos (xiitas e sunitas) e, do outro, estão os diversos grupos cristãos (formado por maronitas armênios católicos, etc.). Em 1975, esse país era democrático e tinha em sua capital, Beirute, um grande centro econômico e bancário no Oriente Médio. O problema do Líbano era os vários grupos étnicos que habitavam a região e o poder que os cristãos obtinham em detrimento dos muçulmanos.

Esse país recebeu vários refugiados do Líbano. Sendo assim, os cristãos buscavam a expulsão dos palestinos e a continuação deles no poder. A guerra civil começou dividindo a região em druso-muçulmana, com o apoio da OLP e a Aliança Maronita de Direita. O exército do Líbano ficou fragmentado, deixando o governo enfraquecido. A violência passou a ser mais recorrente e, em 1976, a Síria invadiu o país. Os sírios começaram a conquistar vários territórios, devido a

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suas alianças com vários grupos libaneses. Com a Síria no país, tropas de diversos países foram para essa região.

Ainda naquele ano, foi realizado Encontro de Riad que fez com que a Síria restabelecesse con-tatos com a PLP e saísse do Líbano. Foi designada uma comissão para que se avaliasse a paz naquela região. Porém, a situação foi alterada quando o líder druso, Kamal Jumblatt foi assas-sinado. Devido ao fato, os combates voltaram a ocorrer na região. Em 1982, Israel conseguiu invadir o país e consegue chegar à capital. Depois de dois meses de conflitos, a OLP se retirou da capital e depois ela saiu do país.

Em setembro de 1982, Israel autorizou que cristãos libaneses invadissem campos de refugiados palestinos e matassem a população civil. Essa ação ocorreu em resposta à morte do presidente Bachir Gemayel. Após a chacina, os EUA mandaram tropas para o local e se retiraram em 1984. Um ano depois, as facções militares libanesas (milícia drusa, milícia Amal e a Falange) assina-ram um cessar-fogo. Esse acordo não foi assinado pelo Hezbollah, um grupo radical xiita, pela Murabitun e algumas partes cristãs.

Em 1989, foi assinada, na Arábia Saudita, uma carta de reconciliação nacional, que havia sido aprovada por países árabes, EUA e França. A carta estabelecia um governo com muçulmanos e cristãos e as milícias desarmadas. Mas, Michel Aoun, um general da base cristã, não aceitou a decisão e se proclamou como presidente da República. No ano seguinte, ele acabou exilado na França com a ajuda da Síria. O país passou a manter seu exército no Líbano e as milícias come-çaram a ser desarmadas.

Na região sul, os conflitos ainda continuaram com a atuação dos guerrilheiros do Hezbollah que atacaram Israel. Os israelenses realizaram ataques aéreos e, em 1998, pretendiam atender de-terminações da ONU para se retirar da faixa no sul do Líbano.

Conflito Irã-Iraque

O conflito entre Irã e Iraque começou em 1980 e o principal motivo para essa guerra foram as diferenças religiosas e a presença dos Estados Unidos na região do Oriente Médio. Até o ano de 1979, o Irã era um importante aliado dos EUA no Oriente Médio. Foi nesse período que ocor-reu a Revolução Islâmica, no Irã, com a retirada do Xá Reza Pahlevi. Após a revolução, o país se tornou uma ditadura fundamentalista islâmica, com a defesa da revolução e críticas aos antigos aliados americanos.

Com a perda de sua aliança e das reservas de petróleo que havia no Irã, os Estados Unidos decidiram se aproximar do Iraque e de seu novo líder, Saddam Hussein. O conflito teve início por causa da passagem Chatt-el-Arab, que levou o Iraque ao Golfo Pérsico para que o petróleo fosse levado do país. Esse canal era controlado pelo Irã, mas podia ser utilizado pelo Iraque sem maiores problemas. Porém, o líder iraquiano queria o total controle do local e após a recusa do Irã, as tropas iraquianas invadiram o país destruíram a refinaria de Abadã, a maior da época.

A partir do que aconteceu, os dois países passaram a se atacar, matando milhares de soldados e população civil. O Iraque recebeu o apoio dos Estados Unidos e de países pertencentes ao Oriente Médio, que temiam o crescimento do fundamentalismo islâmico, o qual crescia em solo iraniano. O fim da guerra aconteceu em 1988, pois eles aceitaram uma sugestão das Orga-nizações das Nações Unidas. O Irã deixou de ser uma ameaça e o Iraque passou a não ter mais o apoio americano.

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A GUERRA CIVIL NA SÍRIA

A ONU considera que a guerra civil na Síria é a maior crise humanitária do século XXI. Hoje, estima-se que o conflito vitimou ao menos 250 mil pessoas, que mais de 4,5 milhões tenham saído do país como refugiadas e que outros 6,5 milhões foram obrigadas a se deslocar dentro da Síria. Com a economia em frangalhos, quase 70% dos sírios que permaneceram agora vivem abaixo da linha de pobreza. Como começou tudo isso?

Março de 2011 na Síria. Um grupo de crianças em Daraa, no sul da Síria, pichou frases com crí-ticas ao governo, e foi preso. Inconformadas, centenas de pessoas saem às ruas da cidade para protestar contra as restrições à liberdade promovidas pelo governo do ditador Bashar Al-Assad. Num primeiro momento, simpatizantes dos que se rebelaram contra o governo começaram a pegar em armas – primeiro para se defender e depois para expulsar as forças de segurança de suas regiões. Esse levante de pessoas nas ruas, lutando por democracia, faz parte de um mo-vimento chamado Primavera Árabe e podemos dizer que esse processo culminou no início da guerra civil na Síria.

O que foi a Primavera Árabe?

A chamada primavera árabe foi um fenômeno que aconteceu em países do Oriente Médio e do norte da África, em que pessoas – principalmente os jovens – tomaram as ruas pedindo liber-dade de expressão, democracia e justiça social. Essas revoltas foram esperançosas para grande parte desses países, que eram ditaduras longevas – e, de fato, presidentes do Egito, da Tunísia, da Líbia caíram.

Porém, cinco anos depois do início dessa primavera, pode-se dizer que o único caso de “suces-so” foi o da Tunísia, onde ocorreram eleições diretas, foi aprovada a Constituição mais progres-sista do mundo árabe e se elegeu um novo governo. No resto dos países, esse clima de tensão acirrou as disputas de poder entre milícias e favoreceu a expansão de grupos terroristas. Isso deu espaço a governos ainda mais autoritários que os anteriores.

Como a guerra civil se intensificou?

Após a represália do governo de Assad contra os jovens que estavam se rebelando contra o regime, alguns grupos foram formados a fim de combater, de fato, as forças governamentais e tomar o controle de cidades e vilas. A batalha chegou à capital, Damasco, e depois a Aleppo em 2012. Mas desde que começou, a guerra civil na Síria mudou muito.

O Estado Islâmico aproveitou o vácuo de representação por parte do governo, a revolta da sociedade civil e a guerra brutal que acontece Síria para fazer seu espaço. Foi conquistando ter-ritórios tão abrangentes, tanto na Síria como no Iraque, que proclamou seu ‘califado’ em 2014. Para isso, tiveram de lutar contra todos: rebeldes, governistas, outros grupos terroristas – como se tivessem feito uma guerra dentro da guerra.

Há evidências de que todas as partes cometeram crimes de guerra – como assassinato, tortura, estupro e desaparecimentos forçados. Também foram acusadas de causar sofrimento civil, em bloqueios que impedem fluxo de alimentos e serviços de saúde, como tática de confronto.

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Agentes externos: EUA x Rússia

Pelo avanço do Estado Islâmico no ganho de territórios, os Estados Unidos fizeram ataques aé-reos na Síria em tentativa de enfraquecê-lo, evitando ataques que pudessem beneficiar as for-ças de Assad – isso em 2014. Em 2015, a Rússia fez o mesmo contra terroristas na Síria, mas ati-vistas da oposição dizem que os ataques têm matado civis e rebeldes apoiados pelo Ocidente.

O resumo da obra em termos de apoio é esse: a Rússia e os Estados Unidos querem o fim do Estado Islâmico. Porém, os Estados Unidos querem a queda do governo de Bashar Al-Assad – por considerarem que seu regime não-democrático é prejudicial à Síria – e, por isso apoia os re-beldes; por outro lado, a Rússia acredita na força de Assad e está apoiando seu regime. A Síria, então, é o território do fogo cruzado dessa guerra fria.

GRUPOS ENVOLVIDOS NO CONFLITO DA SÍRIA

Governo Sírio e Aliados

O governo sírio é liderado pelo ditador Bashar Al-Assad. Ele é sucessor de uma família que está no poder desde 1970. O regime no país era brutal com a população, de partido único e laico – apesar de a família Assad ser xiita. Apesar de não apoiarem o ditador, cristãos, xiitas e até parte da elite sunita preferem ver Assad no poder diante da possibilidade de ter um país tomado pelos extremistas.

Quanto às alianças externas, Assad conta com o apoio do Irã e do grupo libanês Hezbollah. Juntos eles formam um “eixo xiita” – ou seja, seguem essa interpretação da religião islâmica – no Oriente Médio. O grupo se opõe a Israel e disputa a hegemonia no Oriente Médio com as monarquias sunitas, lideradas pela Arábia Saudita. O principal aliado de fora é a Rússia, que mantém uma antiga parceria com a Síria. Tanto o apoio do Hezbollah e das milícias iranianas, quanto os bombardeios mais recentes realizados pelas forças russas têm sido fundamentais para a sobrevivência do regime de Assad.

Grupos rebeldes

Uma das primeiras forças internas que se rebelou contra o governo sírio, praticamente come-çando a guerra civil na Síria, foram os grupos sunitas – Assad é xiita. São chamados de “rebel-des moderados”, por não serem adeptos do radicalismo islâmico. A organização está envolvida com países da Europa e com os Estados Unidos com o objetivo de derrubar o governo de Assad. Três grandes potências no Oriente Médio também colaboram com os rebeldes: Turquia, Arábia Saudita e Catar, relevando os interesses dos países próximos à Síria, também.

Extremistas islâmicos

Entre os grupos que querem derrubar Assad, há também facções extremistas islâmicas, que es-tão fragmentadas em diversos grupos. Uma das organizações que mais conquistaram terreno, principalmente nos primeiros anos do conflito, foi a Frente Al-Nusra, um braço da rede extre-

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mista Al Qaeda na Síria. Posteriormente, a partir de 2013, o grupo terrorista Estado Islâmico (EI) aproveitou-se da situação de caos criada pela guerra civil e, vindo do Iraque, avançou de forma avassaladora e brutal, ocupando metade do território sírio.

Curdos

Os curdos também fazem parte da guerra civil na Síria. São uma etnia de 27 a 36 milhões de pessoas no mundo que vivem em diversos países, inclusive na Síria e em países vizinhos. Eles reivindicam a criação de um Estado próprio para o seu povo – o Curdistão. Desde o início do conflito na Síria uma milícia formada para defender as regiões habitadas pelos curdos no norte do país, se fortaleceu. Para o regime de Assad, tornaram-se bastante úteis, porque a milícia se opõe aos rebeldes moderados e também ao Estado Islâmico.

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Atualidades

HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA CONTEMPORÂNEA

O MERCOSUL

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assun-ção, com vistas a criar o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). O objetivo primordial do Tratado de Assunção é a integração dos Estados Partes por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, e da har-monização de legislações nas áreas pertinentes.

A configuração atual do MERCOSUL encontra seu marco institucional no Protocolo de Ouro Pre-to, assinado em dezembro de 1994. O Protocolo reconhece a personalidade jurídica de direito internacional do bloco, atribuindo-lhe, assim, competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países, grupos de países e organismos internacionais. O MERCOSUL ca-racteriza-se, ademais, pelo regionalismo aberto, ou seja, tem por objetivo não só o aumento do comércio intrazona, mas também o estímulo ao intercâmbio com outros parceiros comerciais. São Estados Associados do MERCOSUL a Bolívia (em processo de adesão ao MERCOSUL), o Chi-le (desde 1996), o Peru (desde 2003), a Colômbia e o Equador (desde 2004). Guiana e Suriname tornaram-se Estados Associados em 2013. Com isso, todos os países da América do Sul fazem parte do MERCOSUL, seja como Estados Parte, seja como Associado.

O aperfeiçoamento da União Aduaneira é um dos objetivos basilares do MERCOSUL. Como pas-so importante nessa direção, os Estados Partes concluíram, em 2010, as negociações para a conformação do Código Aduaneiro do MERCOSUL.

Na última década, o MERCOSUL demonstrou particular capacidade de aprimoramento institu-cional. Entre os inúmeros avanços, vale registrar a criação do Tribunal Permanente de Revisão (2002), do Parlamento do MERCOSUL (2005), do Instituto Social do MERCOSUL (2007), do Insti-tuto de Políticas Públicas de Direitos Humanos (2009), bem como a aprovação do Plano Estraté-gico de Ação Social do MERCOSUL (2010) e o estabelecimento do cargo de Alto Representante--Geral do MERCOSUL (2010).

Merece especial destaque a criação, em 2005, do Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL, por meio do qual são financiados projetos de convergência estrutural e coesão so-cial, contribuindo para a mitigação das assimetrias entre os Estados Partes. Em operação desde 2007, o FOCEM conta hoje com uma carteira de projetos de mais de US$ 1,5 bilhão, com par-ticular benefício para as economias menores do bloco (Paraguai e Uruguai). O fundo tem con-tribuído para a melhoria em setores como habitação, transportes, incentivos à microempresa, biossegurança, capacitação tecnológica e aspectos sanitários.

O Tratado de Assunção permite a adesão dos demais Países Membros da ALADI ao MERCOSUL. Em 2012, o bloco passou pela primeira ampliação desde sua criação, com o ingresso definitivo

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da Venezuela como Estado Parte. No mesmo ano, foi assinado o Protocolo de Adesão da Bolívia ao MERCOSUL, que, uma vez ratificado pelos congressos dos Estados Partes, fará do país andi-no o sexto membro pleno do bloco.

Com a incorporação da Venezuela, o MERCOSUL passou a contar com uma população de 270 milhões de habitantes (70% da população da América do Sul); PIB de US$ 3,2 trilhões (80% do PIB sul-americano); e território de 12,7 milhões de km² (72% da área da América do Sul). O MERCOSUL passa a ser, ainda, ator incontornável para o tratamento de duas questões centrais para o futuro da sociedade global: segurança energética e segurança alimentar. Além da impor-tante produção agrícola dos demais Estados Partes, o MERCOSUL passa a ser o quarto produtor mundial de petróleo bruto, depois de Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos.

Em julho de 2013, a Venezuela recebeu do Uruguai a Presidência Pro Tempore do bloco. A Presidência Pro Tempore venezuelana reveste-se de significado histórico: trata-se da primeira presidência a ser desempenhada por Estado Parte não fundador do MERCOSUL.

Na Cúpula de Caracas, realizada em julho de 2014, destaca-se a criação da Reunião de Autorida-des sobre Privacidade e Segurança da Informação e Infraestrutura Tecnológica do MERCOSUL e da Reunião de Autoridades de Povos Indígenas. Uma das prioridades da Presidência venezuela-na, o foro indígena é responsável por coordenar discussões, políticas e iniciativas em benefício desses povos. Foram também adotadas, em Caracas, as Diretrizes da Política de Igualdade de Gênero do MERCOSUL, bem como e o Plano de Funcionamento do Sistema Integrado de Mo-bilidade do MERCOSUL (SIMERCOSUL). Criando em 2012, durante a Presidência brasileira, o SIMERCOSUL tem como objetivo aperfeiçoar e ampliar as iniciativas de mobilidade acadêmica no âmbito do Bloco.

No segundo semestre de 2014, a Argentina assumiu a Presidência Pro Tempore do MERCOSUL. Entre os principais resultados da Cúpula de Paraná, Argentina, destacam-se: a assinatura de Memorando de Entendimento de Comércio e Cooperação Econômica entre o MERCOSUL e o Líbano; a assinatura de acordo-quadro de Comércio e Cooperação Econômica entre o MERCO-SUL e a Tunísia; e a aprovação do regulamento do Mecanismo de Fortalecimento Produtivo do bloco.

Em 17 de dezembro de 2014, o Brasil recebeu formalmente da Argentina a Presidência Pro Tempore do MERCOSUL, que será exercida no primeiro semestre de 2015.

DADOS GERAIS

Composição do Bloco

Todos os países da América do Sul participam do MERCOSUL, seja como Estado Parte, seja como Estado Associado.

Estados Partes: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai (desde 26 de março de 1991) e Venezuela (desde 12 de agosto de 2012).

Estado Parte em Processo de Adesão: Bolívia (desde 7 de dezembro de 2012).

Estados Associados: Chile (desde 1996), Peru (desde 2003), Colômbia, Equador (desde 2004), Guiana e Suriname (ambos desde 2013).

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Objetivos

O MERCOSUL tem por objetivo consolidar a integração política, econômica e social entre os países que o integram, fortalecer os vínculos entre os cidadãos do bloco e contribuir para me-lhorar sua qualidade de vida.

Princípios

O MERCOSUL visa à formação de mercado comum entre seus Estados Partes. De acordo com o art. 1º do Tratado de Assunção, a criação de um mercado comum implica:

• livre circulação de bens, serviços e fatores de produção entre os países do bloco;

• estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial con-junta em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posi-ções em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;

• coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes;

• compromisso dos Estados Parte em harmonizar a legislação nas áreas pertinentes, a fim de fortalecer o processo de integração.

Dados Básicos

1. Território

O MERCOSUL responde por 71,8% (12.789.558 km²) do território da América do Sul. Possui cer-ca de 3 vezes a área da União Europeia.

Fonte: IBGE países (http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php)

2. População

Somada, a população do MERCOSUL chega a 275 milhões de habitantes. A população do MERCOSUL corresponde a 69,78% da população da América do Sul e conta com variadas etnias e origens.

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Fonte: FMI (http://www.imf.org/external/index.htm)

3. Produto Interno Bruto (PIB)

O MERCOSUL tem PIB nominal de US$ 3,2 trilhões e ocuparia a posição de quinta economia mundial se fosse considerado como um único país (Fonte: World Economic Outlook Database – FMI)

4. Comércio

O comércio dentro do MERCOSUL multiplicou-se por mais de 12 vezes em duas décadas, sal-tando de US$ 4,5 bilhões (1991) para US$ 59,4 bilhões (2013). Oitenta e sete por cento (87%) das exportações brasileiras para o bloco é composta de produtos industrializados.

5. Produção Agrícola

O MERCOSUL é uma potência agrícola. Ressaltam suas capacidades de produção das cinco prin-cipais culturas alimentares globais (trigo, milho, soja, açúcar e arroz). O MERCOSUL é o maior exportador líquido mundial de açúcar, o maior produtor e exportador mundial de soja, 1º pro-dutor e 2º maior exportador mundial de carne bovina, o 4º produtor mundial de vinho, o 9º produtor mundial de arroz, além de ser grande produtor e importador de trigo e milho.

6. Energia

O MERCOSUL é uma das principais potências energética do mundo. O bloco detém 19,6% das reservas provadas de petróleo do mundo, 3,1% das reservas de gás natural e 16% das reservas de gás recuperáveis de xisto.

O MERCOSUL é detentor da maior reserva de petróleo do mundo, com mais de 310 bilhões de barris de petróleo em reservas certificadas pela OPEP. Desse montante, a Venezuela concorre com uma reserva de 296 milhões de barris.

A Venezuela detém 92,7% das reservas de petróleo do MERCOSUL. O Brasil tenderá a ampliar sua participação nas reservas de petróleo do Bloco à medida que os trabalhos de certificação das reservas do pré-sal brasileiro progridam. Estimativas conservadoras calculam essas reser-vas em torno de 50 bilhões de barris.

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CRONOLOGIA DO MERCOSUL

26/03/1991 – Assinatura do Tratado de Assunção, que fixa metas, prazos e instrumentos para a construção do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).

19/09/1991 – Criação a Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL por iniciativa de depu-tados e senadores dos Estados Partes.

29/11/1991 – Firma do Acordo de Complementação Econômica n.º 18 no âmbito da Associa-ção Latino-americana de Integração (ALADI).

17/12/1991 – Assinatura do Protocolo de Brasília, que institui sistema temporário de solução de controvérsias para o MERCOSUL.

05/08/1994 – Aprovação da Tarifa Externa Comum (TEC), a ser aplicada às importações de ex-trazona, a partir de 1/1/1995.

05/08/1994 – Criação da Comissão de Comércio do MERCOSUL.

17/12/1994 – Assinatura do Protocolo de Ouro Preto, que estabelece as bases institucionais do MERCOSUL.

15/12/1997 – Inauguração da Sede Administrativa do MERCOSUL em Montevidéu, sob a deno-minação "Edifício MERCOSUL".

24/07/1998 – Aprovação do Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no MER-COSUL, Bolívia e Chile.

18/02/2002 – Assinatura do Protocolo de Olivos, que cria o Tribunal Permanente de Revisão (TPR).

06/10/2003 – Criação da Comissão de Representantes Permanentes do MERCOSUL (CRPM), localizada em Montevidéu, como órgão do Conselho do Mercado Comum (CMC).

01/01/2004 – Entrada em vigor do Protocolo de Olivos para Solução de Controvérsias no MER-COSUL.

13/08/2004 – Instalação do Tribunal Permanente de Revisão, em Assunção (Paraguai).

16/12/2004 – Criação do Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM).

07/12/2005 – Entrada em vigor do Protocolo de Montevidéu sobre Comércio de Serviços do MERCOSUL.

09/12/2005 – Assinatura do Protocolo Constitutivo do Parlamento do MERCOSUL.

24/05/2006 – Assinado o Protocolo de Adesão da Venezuela ao MERCOSUL.

15/11/2006 – Aprovação do primeiro orçamento do FOCEM.

14/12/2006 – Sessão Inaugural do Parlamento do MERCOSUL.

18/01/2007 – Aprovados os primeiros projetos pilotos do FOCEM.

18/01/2007 – Criação do Instituto Social do MERCOSUL.

24/02/2007 – Entrada em vigor do Protocolo Constitutivo do Parlamento do MERCOSUL.

07/05/2007 – Sessão de instalação do Parlamento, em Montevidéu.

28/06/2007 – Criação do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) para as transações comerciais realizadas entre os Estados Partes do MERCOSUL.

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15/12/2008 – Criação do Fundo de Agricultura Familiar do MERCOSUL (FAF).

15/12/2008 – Aprovação do Estatuto do “Fundo MERCOSUL de Garantias a Micro, Pequenas e Médias Empresas” (Fundo Pymes).

15/12/2008 – Aprovação do Acordo de Comércio Preferencial MERCOSUL-SACU.

01/06/2009 – Entrada em vigor do Acordo de Comércio Preferencial MERCOSUL-Índia.

24/07/2009 – Assinatura do Memorando de Entendimento para a Promoção de Comércio e Investimentos entre o MERCOSUL e a República da Coreia.

24/07/2009 – Criação do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos (IPPDH) do MER-COSUL.

07/12/2009 – Criação do Fundo de Promoção de Turismo do MERCOSUL (FPTur).

23/12/2009 – Entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio subscrito entre o MERCOSUL e o Estado de Israel.

02/08/2010 – Aprovação de cronograma para a eliminação da dupla cobrança da TEC.

02/08/2010 – Aprovação do Código Aduaneiro do MERCOSUL (Decisão CMC n° 27/10).

16/12/2010 – Aprovação do Acordo sobre Defesa da Concorrência do MERCOSUL.

16/12/2010 – Criação da placa veicular do MERCOSUL ("Patente MERCOSUR").

16/12/2010 – Aprovação do Plano Estratégico de Ação Social – PEAS.

16/12/2010 – Instituição da Unidade de Apoio à Participação Social – UPS.

16/12/2010 – Aprovação do Plano de Ação para a conformação de um Estatuto da Cidadania do MERCOSUL.

16/12/2010 – Adoção do Programa de Consolidação da União Aduaneira do MERCOSUL (Deci-são CMC N° 56/10).

17/12/2010 – Criação do cargo de Alto Representante-Geral.

20/12/2011 – Assinatura de Acordo de Livre Comércio entre o MERCOSUL e a Palestina.

20/12/2011 – Assinatura do Protocolo de Montevidéu sobre Compromisso com a Democracia no MERCOSUL (Ushuaia II).

12/08/2012 – Entrada em vigor do Protocolo de Adesão da Venezuela.

06/12/2012 – Implementação do Plano Estratégico de Ação Social.

07/12/2012 – Assinatura do Protocolo de Adesão da Bolívia ao MERCOSUL.

07/12/2012 – Criação do Fórum Empresarial do MERCOSUL.

17/12/2014 – Assinatura do Memorando de Entendimento de Comércio e Cooperação Econô-mica entre o MERCOSUL e o Líbano.

17/12/2014 – Assinatura do Acordo-Quadro de Comércio e Cooperação Econômica entre o MERCOSUL e a Tunísia.

Fonte: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul

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A terra treme no Mercosul (por Celso Amorim, diplomata brasileiro e ex-ministro da defesa)

O Mercosul passa pela maior crise desde a sua criação, em 1991. O aspecto mais imediato é o risco de vacância da presidência, uma vez encerrado o período em que o Uruguai esteve à fren-te do bloco.

Corretamente, Montevidéu declarou encerrado seu papel na coordenação, ao completar-se o semestre que lhe cabia. Seu ministro do Exterior, o ex-vice-presidente Nin Novoa, declarou que “não via impedimento” a que a Venezuela assumisse o comando.

De acordo com os documentos constitutivos do Mercosul, especialmente o Protocolo de Ouro Preto, cujo dispositivo a esse respeito (artigo 5) ganhou, ademais, a força da tradição, a transfe-rência ocorre por ordem alfabética. Assim é e assim deve seguir sendo.

Os outros membros do bloco, sobretudo Brasil e Paraguai, não aceitam, porém, ver Caracas na presidência. No caso do Paraguai, além do elemento ideológico, pesa o ressentimento decor-rente do fato de a adesão da Venezuela, que vinha sendo adiada pela não ratificação pelo Parla-mento em Assunção, ter-se concretizado em um momento em que o governo paraguaio estava com sua participação suspensa, em virtude do golpe parlamentar que derrubou o presidente Fernando Lugo.

O substrato da posição paraguaia, entretanto, consiste no fato de que a Venezuela não seria um país plenamente democrático. Preocupações semelhantes foram verbalizadas pelo presidente Mauricio Macri, da Argentina, sobretudo no início do seu mandato.

De lá para cá, a oposição de Buenos Aires ao governo de Nicolás Maduro parece ter sido algo suavizada, mas essa pode ser uma falsa impressão, decorrente da candidatura da chanceler Su-sana Malcorra ao posto de secretária-geral da ONU.

E o Brasil? A explicação para o nosso “veto” ao traslado da presidência à Venezuela tem osci-lado. Embora existam críticas à natureza do regime de Nicolás Maduro e à situação interna do país, Brasília, inclusive pela voz do presidente interino, tem insistido mais na alegada inadim-plência por parte de Caracas com relação às obrigações contraídas por ocasião do ingresso no bloco.

Formalismos à parte, a ojeriza ideológica pelo chavismo ou bolivarianismo (este, por vezes, atri-buído, de forma absurda, aos governos Lula e Dilma) parece ser o fator dominante.

A situação na Venezuela é objeto de preocupação legítima para toda a América do Sul. Aplica--se aí, ao lado do princípio da não intervenção, a norma de comportamento que, quando minis-tro das Relações Exteriores entre 2003 e 2010, qualifiquei como “não indiferença”.

O caos econômico que vive aquela nação irmã, combinado à dissensão política extremada, na qual os dois lados têm sua parcela de responsabilidade, tem o potencial de levar o país a um conflito de extrema gravidade.

É natural que outros países – sobretudo os vizinhos, sócios da Venezuela no Mercosul e/ou na Unasul – busquem ajudar os venezuelanos a superar a crise atual.

É, aliás, o que a Unasul está fazendo com propostas econômicas ousadas, com apoio de eco-nomistas renomados. Caso adotadas, poderão ajudar a mitigar os efeitos mais graves da crise.

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No plano político, igualmente, a Unasul, por meio do seu secretário-geral, o ex-presidente co-lombiano Ernesto Samper tem mobilizado ex-chefes de governo, como José Luis Zapatero, da Espanha e Leonel Fernández, da República Dominicana. A Santa Sé também poderia, com sua autoridade moral, contribuir para o diálogo, e – sendo algo otimista –, no mais longo prazo, para algum grau de reconciliação nacional.

Afinal, até Estados Unidos e Cuba restabeleceram relações, depois de décadas de antagonismo e um malsucedido bloqueio. E o governo colombiano, comandado pelo ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, e as Farc chegaram a um entendimento sobre a pacificação. Por que então desesperar, por mais difícil que seja a tarefa, de um encaminhamento pacífico para a situação venezuelana?

Para tanto, a meu ver, será necessário encontrar denominador comum não apenas para ques-tões estritamente políticas, mas também garantir que avanços sociais sejam mantidos. A Vene-zuela, diga-se, antes de Chávez, não era um modelo de equidade e boa distribuição da riqueza.

Diferentemente de 2002-2003, a situação interna do Brasil não favorece a que tenhamos um papel central na busca desse diálogo. Mas podemos, sim, evitar ações que agravem a crise ou levem ao isolamento do governo, aparentemente solidamente ancorado em sua base militar, além de razoável popularidade, que apenas contribuiria para a radicalização de posições.

Um pouco de bom senso e ausência de rompantes condenatórios, que visam satisfazer uma parte da opinião pública (ou “opinião publicada”), já seriam uma ajuda. Nesse contexto, privar a Venezuela da presidência do Mercosul em nada contribuiria para melhorar a situação no país vizinho. A psicologia do “cerco” nunca produziu bons resultados.

Isso não quer dizer que não seja legítimo pressionar, por meios diplomáticos normais – como ocorre em tantas outras “inadimplências” no Mercosul – para que Caracas gradualmente vá cumprindo com suas obrigações junto ao bloco.

A menos que o objetivo seja outro: o de contribuir para uma desestabilização maior da Vene-zuela, sem atentar para as terríveis consequências que isso acarretaria.

De quebra, o Mercosul sairia debilitado, correndo o risco de implodir a maior empreitada de integração (não confundir com meras áreas de livre-comércio) no mundo em desenvolvimento.

Cuba

A República de Cuba, é um país insular localizado no mar do Caribe, na América Central e Ca-ribe. Havana é a maior cidade de Cuba e a capital do país, sendo Santiago de Cuba a segunda maior cidade. Ao norte de Cuba se encontram localizados os Estados Unidos e as Bahamas; a oeste está o México; ao sul estão as Ilhas Cayman e a Jamaica; enquanto que a sudeste estão situados a Ilha de Navassa e o Haiti. A Base Naval dos Estados Unidos em Guantánamo está situada na ilha principal, Cuba.

Em 1492, Cristóvão Colombo descobriu e reivindicou a ilha, hoje ocupada por Cuba, para o Rei-no de Espanha. Cuba permaneceu como um território da Espanha até a Guerra Hispano-Ame-ricana, que terminou em 1898, sendo reconhecida como um país independente pela maioria dos países no início do século XX. Entre 1953 e 1959 ocorreu a Revolução Cubana, que removeu

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a ditadura de Fulgencio Batista e instalou um regime comunista unipartidário que mantém os irmãos Castro no poder desde então.

Cuba é o lar de mais de 11 milhões de pessoas e é a nação-ilha mais populosa do Caribe. Seu povo, sua cultura e seus costumes foram formados a partir de fontes diversas, tais como os po-vos tainos e ciboneys, o período em que foi uma colônia do Império Espanhol, a introdução de escravos africanos e a sua proximidade com os Estados Unidos. Politicamente, Cuba é o único país socialista da América na atualidade. Em todo o mundo, apenas a China, o Laos, o Vietnã e a Coreia do Norte seguem adotando essa forma de governo.

Cuba tem uma taxa de alfabetização de 99,8%, uma taxa de mortalidade infantil inferior até mesmo à de alguns países desenvolvidos, e uma expectativa de vida média de 79,39 (2014). Em 2006, Cuba foi a única nação no mundo que recebeu a definição da WWF de desenvolvimento sustentável; ter uma pegada ecológica de menos de 1,8 hectares per capita e um Índice de De-senvolvimento Humano de mais de 0,8 em 2007.

Independência, domínio Americano e Revolução

Os primeiros movimentos em favor da independência da ilha datam do século XVIII, quando a Espanha exigiu monopólio na comercialização do tabaco cubano, em razão da valorização deste no mercado internacional. Os produtores de tabaco, conhecidos como vergueiros, se revolta-ram, num movimento conhecido como Insurreição dos Vergueiros. No século seguinte houve outros movimentos pró-independência, influenciados por movimentos semelhantes em outras colônias. Todos foram contidos pela administração colonial cubana, que não conseguia conci-liar os interesses da elite local com os da Coroa Espanhola.

A luta armada começou de fato em 10 de outubro de 1868, num movimento denominado Grito de Yara. O advogado Carlos Manuel de Céspedes, em 1868, organizou um movimento denomi-nado "República em Armas". Essa revolta contou com o apoio de várias nações americanas e dos Estados Unidos, mas a Espanha continuou o seu domínio sobre a ilha. Posteriormente foi organizado outro movimento, liderado por Antonio Maceo, Guillermón Moncada, Máximo Go-mes e José Martí, sendo que esse último é até hoje considerado um dos herois da independên-cia cubana. A tática dos guerrilheiros foi ocupar faixas do litoral e alguns pontos considerados estratégicos. A Espanha tomou a iniciativa e realizou o que foi denominado reconcentración, que consistia em deixar famílias camponesas isoladas em campos de concentração.

As lutas se estenderam até a intervenção dos Estados Unidos durante a Guerra de Independên-cia Cubana, em 1898, fato considerado o estopim da Guerra Hispano-Americana. Com a derro-ta na guerra, em 10 de dezembro de 1898 a Espanha teve de reconhecer a independência de Cuba, além de ceder Porto Rico aos Estados Unidos, através da assinatura do Tratado de Paris. Entretanto, os EUA passaram a ter grande influência sobre o novo país, que foi governado du-rante quatro anos por uma junta militar que defendia os interesses americanos.

No dia 20 de maio de 1902, foi proclamada a república em Cuba, mas o governo norte-ameri-cano, em 1901, tinha convencido a Assembleia Constituinte cubana a incorporar um apêndice à Constituição da República, a Emenda Platt, pela qual se concedia, aos Estados Unidos, o direito de intervir nos assuntos internos da nova república, negando à ilha, bem como à vizinha ilha de Porto Rico, a condição jurídica de nação soberana, o que limitaria sua soberania e independên-

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cia por 58 anos. Assim sendo, Cuba manteve, mesmo após a independência, estrutura econô-mica similar àquela dos tempos coloniais, baseada na exportação de açúcar.

De 1934 a 1959, Fulgêncio Batista foi o dirigente de facto de Cuba, ocupando a presidência de 1940 a 1944 e de 1952 a 1959. A presidência de Batista impôs enormes regulações à economia, o que trouxe grandes problemas para a população. O desemprego se tornava um problema na medida em que os jovens que entravam no mercado de trabalho não conseguiam encontrar uma função para exercer. A classe média, cada vez mais insatisfeita com a queda no nível de qualidade de vida, se opôs cada vez mais a Batista. Ainda durante essa época, Cuba se transfor-mou numa espécie de "ilha dos prazeres" dos turistas americanos. Aproveitando o agradável clima tropical e a beleza das paisagens naturais, foi construída toda uma infraestrutura voltada para os visitantes estrangeiros. Nesse cenário, misturavam-se corrupção governamental, joga-tina de cassinos, uso indiscriminado de drogas e incentivo à prostituição. À época, Cuba era o país da América Latina com o maior consumo per capita de carnes, vegetais, cereais, automó-veis, telefones e rádios, apesar de todos estes bens estarem concentrados nas mãos de uma pequena elite e de investidores estrangeiros.

Reagindo a essa situação de desigualdade, um grupo de guerrilheiros comandado por Fidel Castro começou a lutar contra o governo cubano em 1956. Após dois anos de combate, a guer-rilha havia conquistado a simpatia popular. Em 1° de janeiro de 1959, conseguiu derrubar o governo de Batista. Após a tomada do poder, a revolução tomou rumos socialistas. Cresceram, então, os conflitos entre o novo governo e os interesses norte-americanos.

Em 1961, uma força militar treinada e financiada pelo governo de John F. Kennedy, composta por exilados cubanos, tenta invadir o país através da baía dos Porcos. No ano seguinte, Cuba foi expulsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) graças à influência dos Estados Unidos, só sendo readmitida 47 anos depois. No mesmo ano, o governo norte-americano impôs um embargo econômico que perdura até os dias de hoje. Os graves conflitos de interesse entre Cuba e Estados Unidos acabaram forçando a aproximação do governo cubano com a União Soviética.

Em 1962, Cuba permitiu a instalação, em seu território, de mísseis nucleares soviéticos. Ken-nedy reagiu duramente à estratégia militar soviética, considerando-a uma perigosa ameaça à segurança nacional americana. Ocorreu então o episódio que ficaria conhecido como crise dos mísseis cubanos. Numa verdadeira mobilização de guerra, os Estados Unidos impuseram um poderoso bloqueio naval à ilha de Cuba, forçando os soviéticos a desistirem dos planos de ins-talação dos mísseis no continente americano. A crise dos mísseis é reconhecida como um dos momentos mais dramáticos da Guerra Fria.

Após quase cinquenta e três anos de governo de Castro, Cuba exibe seus melhores êxitos no campo social, tendo conseguido eliminar o analfabetismo, implementar um sistema de saúde pública universal, diminuir significativamente as taxas de mortalidade infantil e reduzir o índice de desemprego. No campo político, no entanto, Cuba segue com um sistema de partido único, o Partido Comunista Cubano, apontado como um sistema ditatorial, apesar de que, no país, são realizadas dois tipos de eleições, as parciais, a cada dois anos e meio, para eleger delegados, e as gerais, a cada cinco, para eleger os deputados nacionais e integrantes das assembleias pro-vinciais. Até o final da década de 1960, todos os jornais de oposição haviam sido fechados, e toda informação foi posta sob rígido controle estatal, o que se segue até os dias de hoje. Num único ano, cerca de 20 mil dissidentes políticos foram presos. Estimativas indicam que cerca de 15 a 17 mil cubanos tenham sido executados durante o regime. Homossexuais, religiosos, e

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outros grupos foram mandados para campos de trabalhos forçados, onde foram submetidos a "re-educação" segundo o que o Estado considera correto.

Apesar do sucesso nas áreas de saúde, igualdade social, educação e pesquisa científica, houve fracasso no campo das liberdades individuais, além disso, o governo de Castro também foi um fracasso no campo econômico. Não conseguiu diversificar a agricultura do país e tampouco es-timular a industrialização. A economia segue dependente da exportação de açúcar e de fumo. Às deficiências do regime, soma-se o embargo imposto pelos Estados Unidos, que utilizam sua influência política para impedir que países e empresas mantenham negócios com Cuba.

Com a dissolução da União Soviética, em 1991, a situação econômica de Cuba tornou-se extre-mamente delicada, uma vez que os principais laços comerciais do país eram mantidos com o regime soviético, que comprava 60% do açúcar e fornecia petróleo e manufaturas. Nesse cená-rio de crise, o governo de Fidel Castro flexibilizou a economia, permitindo, dentro da estrutura socialista, a abertura para atividades capitalistas. A principal delas é o turismo, que não só deu uma injeção de capital ao país como também gerou grandes problemas, como o aparecimento de casos de AIDS com a alta na atividade de prostituição.

Em 24 de fevereiro de 2008, com a renúncia do irmão devido a problemas de saúde, Raúl Cas-tro assumiu o comando da ilha, prometendo algumas reformas econômicas, como o incentivo a mais investimentos estrangeiros e a mudanças estruturais para que o país possa produzir mais alimentos e reduzir a dependência das importações. Entretanto, o regime segue fechado no campo político.

Apesar de seus fracassos e de acordo com seus sucessos, a Revolução Cubana é considerada um capítulo importante da história da América Latina, por constituir o primeiro e único Estado socialista do continente americano. Atualmente, Cuba é único país socialista do Ocidente, e um dos poucos do mundo, ao lado da China, da Coreia do Norte, do Vietnã e do Laos.

Governo e Política

Cuba é uma república socialista, organizada segundo o modelo marxista-leninista, (partido úni-co, sem eleições diretas para cargos executivos), da qual Fidel Castro foi o primeiro-secretário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba e o presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros (presidente da República), e que governou desde 1959 como chefe de governo e a partir de 1976 também como chefe de estado e comandante em chefe das forças armadas. Fi-del afastou-se do poder em 1 de agosto de 2006, pela primeira vez desde a vitória da insurgên-cia, por problemas de saúde. Seu irmão, Raúl Castro, assumiu interinamente as funções de Fi-del (secretário-geral do Partido Comunista Cubano, comandante supremo das Forças Armadas e presidente do Conselho de Estado), exercendo-as até 19 de fevereiro de 2008 nessa condição, quando Fidel Castro renunciou oficialmente. Raúl Castro foi eleito novo presidente de Cuba no dia 24 de fevereiro de 2008 em eleição de candidato único.

A política dos Estados Unidos para Cuba está permeada por grandes conflitos de interesses que remontam ao governo de Thomas Jefferson, na primeira década do século XIX. As relações conflituosas aprofundaram-se com a Revolução Cubana de 1959, em que os revolucionários encabeçados por Fidel Castro Ruz promoveram reformas estatais de cunho socialista que de-sagradavam os Estados Unidos naquele contexto da Guerra Fria. Moniz Bandeira (1998, p. 14).

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A Revolução Cubana (1959), liderada por Fidel, teve apoio generalizado, até das pessoas que não eram ideologicamente esquerdistas, pois muitos pensaram que os princípios dos revolu-cionários eram a soberania popular, já que isso foi o que eles reivindicaram no Manifiesto de Montecristi. Em 1º de dezembro de 1961, no entanto, Fidel declarou-se marxista-leninista e estabeleceu acordos com a União Soviética.

“Eu tinha a maior vontade de entender-me com os Estados Unidos. Até fui lá, falei, expliquei nossos objetivos. (...) Mas os bombardeios, por aviões americanos, de nossas fazendas açu-careiras, das nossas cidades; as ameaças de invasão por tropas mercenárias e a ameaça de sanções econômicas constituem agressões à nossa soberania nacional, ao nosso povo”. Fidel Castro, a Louis Wiznitzer, enviado especial do GLOBO a Havana, em entrevista publicada em 24 de março de 1960.

Para se defender, Fidel buscou apoio do líder soviético na época, Nikita Khrushchov, com quem iniciou conversações em 6 de fevereiro de 1960, estabelecendo relações diplomáticas formais com a União Soviética em 8 de maio desse ano. A União Soviética se comprometeu a adquirir cinco milhões de toneladas de açúcar produzidas em Cuba, a facilitar a aquisição de petróleo e cereais, prover crédito e passou a dar cobertura militar à defesa da ilha . Por outro lado, em 17 de março de 1960, o presidente Dwight Eisenhower aprovou oficialmente, e divulgou pu-blicamente, um "plano anti-Castro", criando embargos comerciais ao livre comércio do açúcar cubano, e à sua importação de petróleo e armamentos, e lançou uma propaganda antiCastro. O plano de Eisenhower incluía incentivos para os exilados cubanos de Miami tentarem derrubar Castro através de ações terroristas. Na sua campanha presidencial Kennedy acusou as políticas de Nixon e Eisenhower de "negligência e indiferença", e de terem colaborado para que Cuba entrasse na cortina de ferro.

Raúl prometeu "eliminar proibições" na ilha, mas reconheceu o legado de seu irmão, que ficou mais de 49 anos a frente do poder: Nas próximas semanas, começaremos a eliminar as (proi-bições) mais simples, já que muitas delas tiveram como objetivo evitar o surgimento de novas desigualdades em um momento de escassez generalizada, declarou durante seu discurso de posse. Em março de 2008 Raúl Castro liberou a venda de computadores pessoais (PC's) e DVDs em Cuba, a venda de telefones celulares e televisores a cidadãos comuns também foi liberada. No final de abril, Raul Castro convocou uma assembleia do Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC) para o segundo semestre de 2009, para redefinir os eixos políticos e econômicos do país. O VI Congresso do PCC, quando ocorrer, terão decorrido onze anos sem que se tenha reunido o órgão supremo de decisão política de Cuba.

Eleições gerais

Em 21 de outubro de 2007 realizaram-se em Cuba eleições gerais, com o comparecimento de mais de 8 milhões de eleitores, para eleger os delegados das "Assembleias Municipais do Po-der Popular" na ilha. Segundo a ministra da Justiça, María Esther Reus, têm direito a exercer o voto cerca de 8,3 milhões de pessoas, nos 37 749 colégios eleitorais habilitados em 169 mu-nicípios. Por ocasião da realização das eleições gerais, Fidel Castro conclamou, mais uma vez, o presidente George W. Bush a por fim ao embargo comercial a Cuba e acusou Bush de estar "obcecado" com Cuba. O governo dos Estados Unidos, a União Europeia e opositores cubanos ao regime de Castro se referem às eleições cubanas como sendo um "exercício cosmético de democracia" que exclui a oposição e é completamente supervisionado pelo partido comunista cubano. E ativistas cubanos qualificaram as eleições como ilegítimas e inconstitucionais.

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Fidel Castro renunciou à presidência em 19 de fevereiro de 2008 e seu irmão Raúl “encabeçou a uma lista única de candidatos apresentada à Assembleia, que ratificou a cédula e o elegeu” em 24 de fevereiro para sucedê-lo na Presidência de Cuba. O general já governava Cuba interina-mente desde julho de 2006, devido aos problemas de saúde de Fidel, que culminaram em sua renúncia ao cargo.

Direitos humanos

O governo cubano tem sido acusado de inúmeras violações dos direitos humanos, incluindo tortura, detenções arbitrárias, julgamentos injustos e execuções extrajudiciais (também conhe-cido como "El paredón"). A Human Rights Watch acusa o governo de "reprimir quase todas as formas de dissidência política" e que "aos cubanos são sistematicamente negados direitos fun-damentais de livre expressão, associação, reunião, privacidade, movimento e devido processo legal." Os cidadãos não podem sair ou voltar para Cuba sem obter primeiramente uma permis-são oficial.

Os números mostram uma tendência de evolução desfavorável, nos últimos vinte anos. Em 1978 havia entre quinze e vinte mil presos políticos em Cuba, número que subiu para cerca de 112 mil em 1986. Em 2006, apesar de uma redução substancial, ainda havia, segundo a Anistia Internacional, entre 80 mil e 80,5 mil prisioneiros políticos na ilha. Esse número continuou a cair significativamente nos anos seguintes. Em 2007, era de 234 e, em 2008, era de 205. "O re-sultado óbvio é que segue a tendência, observada nos últimos vinte anos, da diminuição gradu-al de pessoas condenadas por motivações políticas", segundo a Comissão Cubana de Direitos Humanos, um grupo ilegal embora tolerado. Mas a comissão também chama a atenção para as mais de mil e quinhentas detenções rápidas, feitas de forma arbitrária.

Cuba teve o segundo maior número de jornalistas presos em 2008 (a República Popular da China foi a primeira), de acordo com várias fontes, incluindo o Committee to Protect Journalists (CPJ), uma ONG internacional, e a Human Rights Watch.

Os dissidentes cubanos enfrentam detenção e prisão. Na década de 1990, a Human Rights Wa-tch informou que o sistema prisional de Cuba, um dos maiores da América Latina, é composto por cerca de 40 prisões de segurança máxima, trinta prisões de segurança mínima e mais de duzentos campos de trabalho. Segundo a Human Rights Watch, os presos políticos, juntamente com o resto da população prisional de Cuba, estão confinados a celas com condições precárias e insalubres.

Os homossexuais foram uns dos mais afetados pelas violações, tendo o próprio Fidel, em 2010, admitido que os perseguiu nas décadas de 1960 e 1970, exonerando-os de cargos públicos, prendendo-os ou lhes enviando a campos de trabalho forçado, afirmando que foram "momen-tos de muita injustiça".

O governo se defende salientando o respeito, em Cuba, aos direitos à saúde e à educação, à liberdade religiosa e de associação. Além disso, acusa os Estados Unidos de limitar, com seu embargo econômico, os direitos humanos na ilha. "Cuba é um país onde nos últimos 50 anos não foi registrado um único desaparecido, torturado ou uma execução extrajudicial", disse, em 2009, o chanceler cubano Felipe Pérez Roque.

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Relações com os Estados Unidos

Em 15 de abril de 1959, o governo cubano adotou sua primeira reforma agrária, estabelecendo um limite ao tamanho das propriedades rurais privadas e desapropriando o excedente, que estava 90% nas mãos de grupos americanos. O governo ofereceu em pagamento pelas terras desapropriadas o mesmo valor usado para a cobrança do imposto territorial rural das proprie-dades. A primeira propriedade rural a ser desapropriada foi, simbolicamente, a propriedade da família de Castro – com quatorze mil hectares de terra, chamada Macanas – localizada próximo ao povoado de Birán, Mayarí, na fértil região da antiga província do Oriente (hoje província de Holguín); a sua mãe, a agora ex-latifundiária Lina Ruz, foi viver para o México.

Em janeiro de 1960 Cuba desapropriou 28.328 hectares de terras pertencentes a usinas açuca-reiras americanas, que incluíam 14.164 ha de pastos e florestas de propriedade da United Fruit Company; a United Fruit ainda continuaria detendo outros 95.100 ha de terras férteis em Cuba. Em 1901, durante a ocupação militar de Cuba pelos Estados Unidos, a United Fruit adquirira 81000 ha de terras de fazendeiros cubanos endividados, na região cubana de Oriente – a mais fértil da ilha – ao preço de US$ 2,47 o hectare.

Em 6 de junho de 1960, Cuba solicitou a duas refinarias de petróleo norte-americanas – Texaco e Esso – e uma neerlandesa, Shell, que refinassem uma partida de óleo importada da Rússia. As três companhias se recusaram a refinar o petróleo russo. Em 28 de junho Cuba nacionalizou as três refinarias.

Em 5 de julho, Cuba determina a nacionalização de todos os negócios e propriedades comer-ciais americanas. Em 6 de julho o presidente Eisenhower retaliou, com autorização do congres-so americano, e reduziu em 700.000 toneladas a quota de importação de açúcar cubano pelos EUA.

Esses conflitos marcaram o início de uma relação diplomática conflituosa entre os Estados Uni-dos e Cuba, perdura até os dias de hoje, como fica visível nos discursos anti-americanos de Fidel Castro e nas posições diplomáticas dos EUA, que mantêm sanções econômicas à ilha, as quais foram condenadas por 15 vezes pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A última reso-lução da Organização das Nações Unidas, aprovada dia 8 de novembro de 2006, por 183 votos a favor, quatro contra (Israel, Ilhas Marshall, Palau e Estados Unidos) e uma abstenção (Micro-nésia) "reiterou os apelos da Assembleia Geral das Nações Unidas para que todos os Estados se abstenham de promulgar e aplicar leis e medidas não conformes com suas obrigações de defender a liberdade do comércio e da navegação."

As políticas propostas por Eisenhower e Nixon em relação a Cuba, aliadas às desapropriações dos 14164 ha das terras mais férteis da ilha, que estavam em mãos da United Fruit Company, (hoje Chiquita Brands International), dos bens dos mafiosos norte-americanos que, associados a Fulgêncio Batista, exploravam os casinos e a prostituição – inclusive infantil – em Cuba, e a desapropriação de várias outras propriedades de empresas dos EUA – fatos que se somaram à recusa das refinarias de petróleo norte-americanas em refinar o petróleo russo, forçando sua ocupação militar para evitar o total colapso da economia cubana, e sua posterior desapropria-ção – acabaram resultando em relações tensas, entre Cuba e os EUA.

Houve frequentes episódios de confronto aberto, que resultaram afinal no rompimento de re-lações diplomáticas, em 3 de janeiro de 1961. O rompimento se deveu a incidentes que inclu-íram desde os bombardeios da ilha por aviões piratas norte-americanos decolando da Flórida para incendiar canaviais cubanos, até uma desastrada tentativa de invasão da ilha, autorizada

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por John Kennedy e organizada pela CIA, sob o codinome de "operação Magusto", com a cola-boração da Máfia, no episódio que ficou mais conhecido como a "invasão da Baía dos Porcos" (denominada Operação Mongoose, nos planos quasi-terroristas dos militares norte-america-nos) ou a Operação Northwoods, de 1962.

Relações com organizações multilaterais

Em 1962, Cuba foi expulsa da Organização dos Estados Americanos, que passou a apoiar o em-bargo econômico. Todavia, o país já fez vários acordos, com cinco países (Espanha, França, Su-íça, Reino Unido e Canadá), para o pagamento de indenizações relativas às propriedades desa-propriadas pela revolução. Esses acordos foram o resultado de prolongadas negociações com cada país envolvido, de governo para governo. Os pagamentos foram efetuados em prestações e, em alguns casos, como o da Espanha, com a troca de produtos comerciais ao invés de di-nheiro. Os Estados Unidos se recusam a participar de negociações com Cuba, e as corporações norte-americanas desapropriadas consideram insatisfatórios os termos dos acordos já realiza-dos com outros cinco países.

Governo Raúl Castro

Após ter permitido a venda de alguns produtos a cubanos, o governo de Raul Castro começou a ser melhor visto pela midia internacional, inclusive, com a expectativa de que Chanceleres europeus retirem as sanções contra Cuba.

Em junho de 2008 a União Europeia aceitou abrir mão das sanções diplomáticas contra Cuba abriu um processo de diálogo político incondicional com a ilha. A decisão foi tomada apesar dos pedidos dos Estados Unidos para que os países mantivessem uma postura dura contra Havana.

Fim da exclusão da OEA

Em 3 de junho de 2009, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou por consenso a anulação da resolução de 1962, que expulsava a ilha da organizaçãoNa época, a expulsão ocor-reu sob pressão dos Estados Unidos, no contexto da Guerra Fria, quando a ilha se aproximava do bloco socialista soviético. Contudo todos os governos do continente restabeleceram contato com a ilha, com exceção dos EUA.

Um grupo de trabalho instituído para debater o assunto apresentou a proposta à chanceler hondurenha, Patrícia Rodas, que presidia à Assembleia Geral. A proposta então foi aceita por aclamação. A decisão histórica permite que Cuba seja reincorporada caso manifeste vontade, embora o governo cubano já tenha declarado em várias ocasiões não ter interesse em retornar. No mesmo dia 3 de junho, o ex-presidente Fidel Castro, em artigo publicado no Granma, acusa-va a OEA de ter aberto as portas "ao cavalo de Troia [os Estados Unidos] que apoiou as reuniões de cúpula das Américas, o neoliberalismo, o narcotráfico, as bases militares e as crises econô-micas." Nos últimos anos, governos de esquerda do sub-continente também têm defendido a formação de um grupo regional alternativo à OEA, sem a presença dos EUA.

Horas antes da resolução da assembleia da OEA, sete deputados americanos, a maioria deles republicanos, haviam apresentado um projeto de lei que suspende o apoio financeiro dos Esta-dos Unidos à organização, caso Cuba seja readmitida como país-membro do grupo

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2 matérias do El País sobre Cuba

DIÁLOGO DEPOIS DE CINCO DÉCADAS

Nova era entre dois históricos adversários

Aproximação entre EUA e Cuba acaba com último resquício da Guerra Fria na América

O norte-americano Alan Gross é solto em Cuba após passar cinco anos preso

MARC BASSETS . Washington 17 DEZ 2014

A Guerra Fria terminou nesta quarta-feira na América. Um quarto de século depois da queda do muro do Berlim, Estados Unidos e Cuba deram o primeiro passo para normalizar suas relações e encerrar uma das últimas anomalias da política externa norte-americana: um sistema de san-ções em vigor desde 1961, que afinal foi inútil para seu propósito, o fim do regime dos irmãos Castro. O presidente Barack Obama anunciou o início de conversações com a ilha para restabe-lecer as relações diplomáticas, rompidas há 53 anos, e para abrir uma embaixada em Havana. Obama determinou uma revisão da presença de Cuba na lista de patrocinadores do terrorismo. Washington facilitará as viagens e o comércio. O degelo foi anunciado horas após a revelação de que haveria uma troca de dois presos norte-americanos em Cuba por três cubanos que es-tão nos EUA. O acordo, depois de uma conversa de Obama com Raúl Castro, é resultado de mais de um ano de negociações, nas quais o Papa teve um papel central.

O presidente Obama, que em 2009 chegou à Casa Branca com a promessa de dialogar com os líderes rivais, justificou a decisão pela ineficácia das sanções diplomáticas e do embargo comer-cial. “No final das contas”, disse em uma declaração solene, “esses 50 anos demonstraram que o isolamento não funcionou. Chegou a hora de um novo enfoque”.

A tensão marcou as relações com Cuba por parte de todos os presidentes norte-americanos desde Dwight Eisenhower. Nesse período, o exílio cubano transformou o sul da Flórida. A pres-são para evitar qualquer concessão aos Castros, afiliados à União Soviética durante a Guerra Fria, e o desinteresse de Havana pela perda do argumento de vítima do embargo, frearam as tentativas e aproximação.

As medidas anunciadas nesta quarta-feira por Obama –ao mesmo tempo em que Raúl Castro se dirigia aos cubanos pela televisão– rompem a política dos EUA e se deparam com uma forte resistência no Congresso, refratário até agora a qualquer sinal de distensão se, em troca, Cuba não se democratizar. Líderes republicanos como o senador Marco Rubio, filho de cubanos, pro-meteram fazer o possível para, em suas palavras, “bloquear essa tentativa perigosa e desespe-rada do presidente de abrilhantar seu legado às custas do povo cubano”

Obama não pode levantar por sua conta o embargo, um complexo emaranhado normativo. Suprimir boa parte das sanções econômicas requer a aprovação do Congresso. Mas ele dispõe, sim, de margem para relaxar a tensão, e essa é a via que adota com a anuência do presidente Castro. A conversa telefônica de Obama e Castro – a primeira oficial de um líder norte-america-no e outro cubano desde a Revolução Cubana, em 1959– foi o ponto culminante na terça-feira de meses de negociações secretas entre emissários da Casa Branca e do Governo cubano. Oba-ma e Castro falaram por cerca de uma hora.

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Na primeira hora desta quarta-feira a Casa Branca anunciou que Cuba libertava Alan Gross, um subcontratado norte-americano preso em Havana desde 2009, e também um misterioso espião de nacionalidade cubana, que trabalhava para os EUA e estava havia quase vinte anos preso. Em troca, os EUA soltaram três espiões cubanos que estavam havia mais de uma década detidos no país. A Casa Branca insistiu durante anos que a detenção de Gross era o obstáculo decisivo para qualquer aproximação.

A negociação tinha começado muito antes, em junho de 2013. Os emissários se reuniram várias vezes no Canadá. A reunião decisiva se realizou neste semestre no Vaticano. O papa Francisco atuou como mediador.

Obama e o papa abordaram o problema em março, quando o presidente dos EUA visitou Roma. E em meados do ano Francisco enviou uma carta a Obama e a Castro na qual fazia um chama-mento para que resolvessem a detenção dos presos em ambos os países.

O ocorrido nesta quarta-feira é o primeiro gesto de aproximação de Obama em relação a Cuba. Nos seis anos em que está na Casa Branca, ele suavizou as condições para que os cubano-ame-ricanos viajassem para a ilha e enviassem remessas de dinheiro. Em paralelo, Castro adotou algumas medidas para liberalizar a economia cubana.

O contexto mudou nos EUA e no sul da Flórida em relação à Guerra Fria e os anos posteriores à dissolução do bloco soviético. Miami já não é a capital dos exilados intransigentes, como foi em outra época, embora esse grupo mantenha uma decisiva influência política em Washington. As novas gerações de cidadãos de origem cubana se distanciam das posições mais duras contra o castrismo. Uma pesquisa recente indicou que 52% da comunidade cubana em Miami se opõe à manutenção do embargo.

Figuras eminentes da comunidade, como o magnata do açúcar Alfy Fanjul, também se pro-nunciaram a favor de uma mudança de política. E o big business –o mundo da grande empresa norte-americana– não quer perder oportunidades de negócios em uma futura Cuba aberta ao capitalismo.

O argumento de Obama para defender a normalização não é que os EUA devam abandonar a bandeira dos direitos humanos e da democracia em Cuba, mas que a melhor maneira de pro-movê-la é abrindo-se à ilha. Daí o fato de Obama insistir na prioridade de medidas para facilitar o comércio –as instituições financeiras dos EUA poderão abrir contas em bancos cubanos– e as viagens: como na Espanha dos anos 60, essa pode ser a melhor maneira para que circulem as ideias que acabem precipitando a mudança.

Para o Governo Obama, abrir-se a Cuba é uma questão de interesse nacional. A Casa Branca admite que a tensão era um obstáculo nas relações com o restante da América Latina. Em abril está previsto que Obama compareça com Castro à cúpula das Américas no Panamá.

Se as medidas desembocarem em uma normalização plena, será eliminado o último resquício da Guerra Fria na América Latina. Não é o único no mundo. Além da pendência das negocia-ções com o Irã, resta a Coreia do Norte.

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MORRE FIDEL CASTRO

A Cuba de Fidel, uma mudança de rumo ainda não concluída

Fidel morre depois de lutar durante meio século por um igualitarismo impossível

JUAN JESÚS AZNAREZ 26 NOV 2016

Fidel Castro morreu na noite de sexta-feira depois de batalhar durante mais de meio século por um igualitarismo impossível, e sem ter conseguido construir em Cuba a pátria socialista e prós-pera ambicionada pelo líder da guerrilha que em 1959 derrubou Fulgencio Batista. Seu irmão mantém a tentativa, sem renunciar ao poder político. Morreu sem ser derrubado, nem assassi-nado, pelos Estados Unidos, que tentaram várias vezes desde os tempos de Dwight Eisenhower.

Uma vida inteira no poder, na utopia revolucionária, e na sala de máquinas de uma nação cuja influência geopolítica superou seu tamanho. O histórico comandante da Sierra Maestra deixou este mundo depois de ter passado o bastão a Raúl Castro, outro chefe do Exército Rebelde, que conduz o país rumo a objetivos econômicos e sociais mais de acordo com o século XXI, com re-formas estruturais importantes, ainda que sem abri-lo ao pluralismo político, nem renunciar ao regime de partido único, o Partido Comunista de Cuba.

Fidel Castro morreu aferrado a suas teses, venerado pelos seus e polemizando com aqueles que o acusavam de negar as liberdades e ter aversão à democracia. Excepcional em todos os sentidos, foi um dos protagonistas da Guerra Fria (1945-1989), durante o enfrentamento políti-co, ideológico e econômico do século XX entre dois blocos de nações sob as ordens dos Estados Unidos e da União Soviética. Sua liderança determinou o futuro de uma ilha colada à costa da Flórida, a 150 quilômetros do inimigo ianque, e também o nascimento de guerrilhas na América Latina, na África e em outras partes do planeta, à sua imagem e semelhança. Poucos anos antes de sua morte, reconhecia que o centralismo imperante em seu país, o paternalismo do Estado, o intervencionismo oficial inflexível, o modelo, “não serve nem a nós mesmos”. Aprovava, com mais resignação do que entusiasmos, as reformas em curso na maior das Antilhas, cujo objetivo é evitar o naufrágio do sistema e conseguir melhor bem-estar para os 11 milhões de cubanos.

Como é a Cuba deixada por Fidel Castro? Qual foi sua evolução? A revolução mais importante da América Latina contemporânea, admirada como exemplo anti-imperialista pela esquerda radical, e denunciada como totalitária por seus detratores, observa o falecimento de seu fun-dador em meio às transformações de novas mudanças socioeconômicas: imersa em uma aber-tura complexa imprescindível para sua sobrevivência. A partir do absolutismo e da prevalência do Partido Comunista em todos os âmbitos, as transformações em curso parecem profundas quanto a sua implementação no setor privado, e chegaram empurradas pela necessidade. Mas não são improvisadas. Alguns analistas citam como data inicial do processo em marcha o ano de 1997, quando Raúl realizou sua primeira viagem à China da coabitação entre o comunismo e o capitalismo, e comprovou que esse matrimônio sui generis era possível. Fidel nunca quis ser o Gorbachov de Cuba, mas não se tratava de instaurar um arco-íris de partidos, mas sim de aprovar mecanismos de mercado para impedir que as graves carências nacionais e a contínua deterioração dos principais avanços revolucionários levassem à queda do sistema. “O povo de-pende do Estado e o Estado está falido”, resumiu à época Andy Gómez, diretor do Instituto para os Estudos Cubanos na Universidade de Miami.

A fragilidade financeira do Estado responde à sua própria estrutura, à biografia de um homem que em 1958 negou ser comunista, se declarou socialista em 15 de abril de 1961, marxista-

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-leninista em 1º de dezembro daquele ano, e aboliu a propriedade privada sete anos depois. As multinacionais norte-americanas e mais de 50.000 pequenos comércios foram expropriados. Tudo passou para as mãos do Estado, e o exílio de empresários, comerciantes e profissionais ocorreu em massa. Depois da ruptura diplomática com os Estados Unidos, em 1961, o alinha-mento de Fidel Castro com a desaparecida União Soviética, que havia começado em agosto de 1959 com um simbólico acordo comercial, ativou o embargo norte-americano à ilha, ainda hoje vigente, e no qual Cuba coloca a culpa pela maioria de seus problemas. Inevitavelmente, a política externa castrista entrou em colisão com os interesses norte-americanos durante os anos duros da Guerra Fria, e continuou nessa linha depois. O choque estava posto, uma vez que o proselitismo ideológico e logístico de Castro na América Latina das injustiças sociais enfurecia Washington, irritada também por seu apoio militar, de 1975 a 1991, ao Movimento para a Li-bertação de Angola (MLA), que conteve o Governo graças aos fuzis cubanos.

Mas no final dos anos 1980 tudo mudou depois de 33 anos de revolução e de estreita coalizão com o Kremlin. Cuba quase afundou após a desintegração da URSS, seu principal fornecedor de bens e serviços, e fonte creditícia, militar e tecnológica, a preços políticos. “Foi um golpe destruidor. Foi como se o sol deixasse de nascer”, admitiu Castro em 2008. A interrupção do maná moscovita, somado à obsolência do modelo produtivo cubano, provocaram uma queda de 35% do PIB entre os anos 1989 e 1993, e foram necessárias medidas de urgências contrárias às convicções de Fidel Castro. Não havia outra solução, porque desapareceu de repente 85% do comércio nacional, que se concentrava na União Soviética e nos “países irmãos” do leste euro-peu. Sem recursos nem crédito suficientes para se abastecer nos mercados internacionais, que só entendem a linguagem de dólares, ienes e das moedas fortes, o problema da revolução era maiúsculo.

Os cubanos sofreram 120 meses de calamidades desde que em 29 de agosto de 1990 o jornal oficial Granma anunciou as primeiras medidas restritivas para enfrentar a escassez de energia, combustíveis e cesta básica. Os preços no mercado negro dispararam até 400%. O plano conce-bido então pretendia que a iniciativa privada, o investimento externo direto e o turismo, entre outras fontes de receita, proporcionassem à população o que o Estado não podia garantir. A economia era 90% de propriedade do Estado, cujos tentáculos abarcavam praticamente todos os setores, com exceção de algumas parcelas agrícolas e pouca coisa mais. Foi autorizado o in-vestimento direto de capital estrangeiro, através da criação de empresas mistas com controle majoritário de Cuba, a entrada de remessas familiares e as visitas de parentes cubanos que mo-ravam no exterior. A despenalização da posse de divisas em 1993 e a transformação de um bom número de empresas estatais em cooperativas agrícolas foram outras medidas de urgência.

Os camponeses receberam terras em usufruto, foram autorizados alguns trabalhos por conta própria, e o peso cubano conversível, o CUC, entrou em circulação em 1994 junto com o dólar e em paralelo com o desvalorizado peso cubano. A série de mudanças descentralizadoras e a austeridade de guerra miravam contra o desabastecimento, a inflação, o aumento da crimi-nalidade e da prostituição e o início de protestos sociais de fundo político. Durante o biênio 1993-94, cerca de 35.000 pessoas fugiram de Cuba na chamada crise dos balseiros. Os Estados Unidos observaram então a possibilidade de que eventuais revoltas nas ruas pudessem romper o imobilismo do regime, ou inclusive provocar a defenestração de Castro. Com esse objetivo apertaram as medidas de isolamento mediante a aprovação, em 1992, da Lei Torricelli e, em 1996, da Lei Helms-Burton, que punem as empresas estrangeiras com negócios na ilha.

Paralelamente, a direção comunista aplicou o lema vigente desde 1º janeiro de 1959, e aplica-do até a morte de seu inspirador. “Com a revolução, tudo; contra a revolução, nada”, ou quase

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nada. Os dissidentes foram sufocados, e foram presos os “criminosos pagos pelo imperialismo”. Cuba foi ao fundo do poço, mas as medidas aplicadas durante o denominado Período Especial evitaram seu colapso. Dois novos sócios, China e a Venezuela de Hugo Chávez, preencheram, de alguma forma, o vazio deixado pela URSS, mas nada era mais igual. No Palácio da Revolução chegou-se à conclusão de que, a longo prazo, só com os próprios meios seria possível a salva-ção.Os analistas do Governo ponderavam as consequências da diminuição do aparato estatal e da eliminação da política de subsídios aplicada por Fidel Castro, quando a situação sofreu uma reviravolta inesperada: em 31 de julho de 2006 uma grave crise intestinal deixou o comandante em chefe à beira da morte e o afastou de todos os seus cargos, assumidos por seu irmão mais novo até sua designação oficial como presidente dois anos depois.

A globalização da crise norte-americana de 2008 e outros fatores agravaram a debilidade da economia cubana, cuja crise havia adquirido a categoria de crônica pela recorrência de suas causas. A partir de então, Raúl Castro deu o sinal verde e autorizou reformas socioeconômicas que multiplicam o número e a profundidade das medidas do Período Especial. Não apenas se ampliou o usufruto privado de terras de cultivo ociosas e se aprovou a demissão de centenas de milhares de trabalhadores públicos, entre 10% e 35% da força de trabalho, para tentarem sua recolocação no emergente setor privado. O VI Congresso do Partido Comunista, em 2010, foi além. Na verdade, significou a arrancada de um processo de reformas e de expansão da ini-ciativa privada, do trabalho por conta própria, sem precedentes na história de uma revolução que foi refratária à abertura durante décadas. “O império aproveita qualquer liberalização para tentar nos destruir”, era a justificativa.

Cuba, segundo um dos acordos daquele conclave comunista, promoveria as modalidades de investimento externo, as cooperativas de agricultores, os usufrutuários, os arrendatários, os trabalhadores por conta própria e as formas de produção “que poderiam surgir para contribuir para elevar a eficiência”. O Partido Comunista, que aprovou mais de 300 medidas de conteúdo econômico e social, os chamados Alinhamentos, destacou que a política econômica não esque-cerá que “o socialismo significa igualdade de direitos e de oportunidades para todos os cida-dãos, não igualitarismo, e se ratifica o princípio de que na sociedade socialista cubana ninguém ficará desamparado”.

Foram inovações aprovadas com Fidel Castro ainda vivo, mas já afastado do painel de controle: os empreendedores, os trabalhadores por conta própria, mais de meio milhão, podem contra-tar empregados em seus restaurantes, barbearias, comércios e negócios autorizados. Com as restrições estabelecidas nas leis e as licenças, teve início a atividade imobiliário com a compra e venda de moradias, e também de veículos, e se autoriza a posse de computadores e celula-res, apesar de o acesso à Internet ainda ser bastante limitado e lento.Nunca antes os cubanos tinham estado tão comunicados. Além disso, se permitiu sua saída ao exterior e o retorno à ilha de quem quisesse voltar, incluindo os dissidentes, sobre os quais se exerce um controle dife-rente, mais sofisticado, menos carcerário.Apareceram os impostos e desapareceu a proibição de acesso dos cubanos aos hotéis e centros turísticos; também passaram ao esquecimento ou foram descatalogados os slogans propagados por Fidel Castro durante os anos da ortodoxia: A Batalha de Ideias, as microbrigadas, as escolas do campo, a “revolução energética” e os “do-mingos vermelhos”.

As mudanças não vão levar, por enquanto, a um predomínio da economia de mercado, capi-talista, sobre a estatal, segundo Oscar Fernández, professor da Universidade de Havana, mas o desenvolvimento do processo pode ganhar vida própria. Nos últimos anos foram aprovadas mais iniciativas de abertura do que em meio século de revolução. Salvo imponderáveis que po-

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dem acelerar as reformas ou prejudicá-las, a modificação do funcionamento econômico levará anos, pois as barreiras culturais, ideológicas e estruturais erguidas em Cuba durante a perse-guição pela utopia igualitária foram muitas e sólidas. Apesar de tudo, estão ocorrendo muitas coisas em diferentes níveis “e não necessariamente nós estamos todos vendo que esse novo modelo, com essas novas regras de funcionamento, está gerando determinados comportamen-tos que depois fazem surgir determinados atores”.

Um dos velhos atores, Fidel Castro, não poderá presenciar a guinada dada em sua revolução, à qual se dedicou de corpo e alma desde os anos milicianos, nem tampouco poderá testemunhar o grau de perícia do novo piloto no comando, seu irmão Raúl, que tenta salvar o terreno atua-lizando seus fundamentos, insuflando liberdade econômica e social, mas não política. Busca o maior bem-estar material de seus compatriotas evitando disparates como os aparecidos na sua época no Diário Oficial, que regulamentou a venda de alimentos pelos camponeses aos hotéis com ressalvas desse teor: podiam vender ovos de galinha e de codorna, mas de pato, não.

Bolívia

Antes da colonização europeia, a região andina boliviana fazia parte do império Inca — o maior império da era pré-colombiana. O império Espanhol invadiu e conquistou essa região no século XVI. Durante a maior parte do período colonial espanhol, este território era chamado Alto Peru ou Charcas e encontrava-se sob a administração do Vice-Reino do Peru, que abrangia a maioria das colônias espanholas sul-americanas. Após declarar independência em 1809, dezesseis anos de guerras se seguiram antes do estabelecimento da república, instituída por Simón Bolívar, em 6 de agosto de 1825. Desde então, o país tem passado por períodos de instabilidade política, ditaduras e problemas econômicos.

A Bolívia é uma república democrática, dividida em nove departamentos. Geograficamente, possui duas regiões distintas, o altiplano a oeste e as planícies do leste, cuja parte norte perten-ce à bacia Amazônica e a parte sul à Bacia do Rio da Prata, da qual faz parte o Chaco boliviano. É um país em desenvolvimento, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio e uma taxa de pobreza que atinge cerca de 60% da população. Dentre suas principais atividades eco-nômicas, destacam-se a agricultura, silvicultura, pesca, mineração, e bens de produção como tecidos, vestimentas, metais refinados e petróleo refinado. A Bolívia é muito rica em minerais, especialmente em estanho.

A população boliviana, estimada em 10 milhões de habitantes, é multiétnica, possuindo ame-ríndios, mestiços, europeus, asiáticos e africanos. A principal língua falada é o espanhol, em-bora o aimará e o quíchua também sejam comuns. Além delas, outras 34 línguas indígenas são oficiais. O grande número de diferentes culturas na Bolívia contribuiu para uma grande diversi-dade em áreas como a arte, culinária, literatura e música.

Governo Evo Morales

Nas eleições presidenciais de Dezembro de 2005, Evo Morales conseguiu sair como vencedor ao obter 53,74% dos votos, frente a 28,59% de seu principal opositor, Jorge Quiroga. Pela pri-meira vez na Bolívia um indígena sobe ao poder mediante o voto popular por uma margem considerável sobre o segundo lugar.

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Morales é apoiado pelos camponeses indígenas do pobre Altiplano Andino, que falam idiomas autóctones como o quéchua e o aimará, enquanto seus adversários são os políticos das provín-cias das planícies, que fazem fronteira com Brasil, Paraguai e Argentina, e têm forte presença branca, concentrando historicamente o poder econômico do país.

Em seus primeiros discursos declarou a necessidade da nacionalização dos hidrocarbonetos, cuja exploração se encontra em propriedade das petrolíferas transnacionais, principalmente a brasileira Petrobras, através de concessões que catalogou como nulas de pleno direito. Metade do gás natural consumido em todo o Brasil é de origem boliviana.

Poucos dias depois das eleições foi vítima de um trote de uma rádio espanhola: um dos seus integrantes se fez passar pelo presidente do Governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, felicitando-0 por se unir ao "eixo com os irmãos cubanos e o irmão Chávez". O trote foi re-transmitido no espaço La Mañana da emissora católica COPE, dirigida pelo jornalista Federico Jiménez Losantos. Morales declarou o seu apoio às políticas dos presidentes considerados de esquerda da América Latina nas últimas décadas: Fidel Castro, Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner e em especial do presidente venezuelano Hugo Chávez.

Um de seus primeiros atos como presidente foi o de reduzir seu salário em 57% para US$1.875 por mês. Morales anunciou também sua intenção de levar aos tribunais seu predecessor, o ex-presidente interino, Eduardo Rodríguez, e o então ministro da Defesa, Gonzalo Méndez Gu-tiérres, acusando-os de traição à Pátria por terem transferido 28 mísseis terra-ar MHN-5, de fabricação chinesa que se encontravam nos arsenais bolivianos, para os Estados Unidos, a fim de serem "desativados".

Nacionalização das reservas de petróleo e gás natural

Em 1º de maio de 2006, Evo Morales declara a nacionalização dos hidrocarbonetos e das refi-narias, postos e distribuidores de petróleo, gás e derivados, além de tornar o governo boliviano sócio majoritário dessas indústrias, detendo 50% mais 1 das ações.

A empresa responsável pela extração destes bens naturais se tornou a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB). Pela falta de pessoal qualificado e diminuição de sua atuação após privatização de 1996, técnicos venezuelanos foram cedidos para assessorar a auditoria e pro-dução de gás e petróleo.

As grandes prejudicadas foram a empresa britânica British Gas, a estadunidense Exxon-Mobil, a hispano-argentina Repsol YPF, além da estatal brasileira Petrobrás, maior produtora de gás da Bolívia, que investiu mais de 1 bilhão de dólares naquele país.

A maior parte do gás natural consumido no Brasil em 2006, 52% do total, é proveniente destas reservas, o que justifica a preocupação dos empresários brasileiros com a nacionalização.

Em face do ocorrido, a presidência da Petrobrás chegou a anunciar que não realizaria os inves-timentos previstos na Bolívia para os meses subsequentes. No entanto, o presidente do Brasil na época, Lula, declarou para a imprensa que não considera a situação como "uma crise", afir-mando que as divergências seriam resolvidas com diálogo e que os investimentos para a conso-lidação e ampliação da rede de gás natural que interliga a Bolívia, Argentina e Brasil, a princípio, continuariam.

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Uma alternativa idealizada pela Petrobrás para o diminuir a dependência brasileira do gás na-tural boliviano seria aumentar a produção de gás natural no próprio Brasil, investindo R$17 bilhões para aumentar a exploração de gás nas Bacias de Campos e de Santos, e transportá-lo em um gasoduto direcionado para o mercado brasileiro, o que seria possível a partir de 2008.

Referendo 2008

Em dezembro de 2007, em meio a uma tensa situação política relacionada com o processo constituinte, Morales lançou a proposta de submeter-se, juntamente com todos os governado-res, ao referendo revogatório, um referendo previsto pela constituição da Bolívia que submete os ocupantes dos cargos à uma nova votação.

Assim, em 10 de agosto de 2008, o povo boliviano votou para decidir se queriam ou não que o presidente, Evo Morales, seu vice-presidente, Álvaro García Linera, e oito dos nove governado-res do país continuassem em seus cargos.

Dia 16 de agosto de 2008 a Corte Nacional Eleitoral da Bolívia confirmou os resultados, que deram a esmagadora vitória do presidente Evo Morales, que acaba de cumprir a metade de seu mandato de cinco anos. Ele foi ratificado no cargo com 67,41 por cento dos votos válidos.

Além de Morales, também foram ratificados os governadores de quatro departamentos que formam a chamada "meia lua" opositora e são liderados por Rubén Costas, de Santa Cruz. Ou-tros quatro governadores opositores às políticas de Morales não obtiveram o número necessá-rio de votos e perderão seus mandatos.

Morales perderia o cargo se tivesse no mínimo 53,74% dos votos "não". Para a revogação dos mandatos dos governadores uma nova norma da Corte Nacional Eleitoral, que foi aprovada na semana que precedeu ao referendo, determinou que eles precisam ter 50% de votos "sim" para vencer. Caso perdesse, Morales deveria convocar imediatamente novas eleições gerais, que podem ocorrer entre 90 e 180 dias depois da divulgação oficial do resultado. Os governa-dores que foram revogados deixarão suas funções, e o cargo será declarado vago. O presidente terá que indicar um novo governador, que exercerá as funções até a nova eleição.

Crise

A crise de setembro de 2008 na Bolívia começou com protestos contra o Presidente Evo Mora-les que exigem maior autonomia para os departamentos do leste do país, que está em estado de sítio. Manifestantes escalaram os protestos destruindo infra-estrutura de gás natural e pré-dios do governo. Em Taiguati, no Chaco boliviano (departamento de Tarija), um grupo de oposi-tores ao governo assumiu o controle do gasoduto através do qual o gás combustível é escoado rumo ao Brasil. A violência entre os que apoiam Morales e os seus oponentes já resultou em quase trinta mortes, segundo o governo. O Brasil se posicionou no sentido de tentar mediar as negociações de ambos os lados.

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Notícias do EL País

Evo Morales anuncia candidatura à reeleição para um quarto mandato

Os bolivianos votaram contra mudança que possibilitaria que ele se apresentasse novamente

FERNANDO MOLINA. La Paz 19 DEZ 2016.

O IX Congresso Extraordinário do Movimento para o Socialismo (MAS), que acaba de ser encer-rado depois de dois dias de sessões, aprovou a defesa da possibilidade de reeleição para o plei-to de 2019, pela quarta vez consecutiva, de seu líder Evo Morales, presidente da Bolívia desde 2006. Para isso, segundo a resolução aprovada pelos presentes por aclamação, há “quatro vias” para o Governo escolher de forma a que a nova reeleição de Morales “não se afaste nenhum milímetro da lei”. “Vamos nos encontrar nas urnas”, desafiou o presidente, referindo-se à opo-sição, em seu discurso final.

O MAS já tentou mudar a Constituição em fevereiro passado com um referendo, no qual foi derrotado. O MAS sempre enfatizou que essa derrotada se deu “por apenas 1% dos votos”: 50% votaram “não” e 49% “sim”. A Constituição aprovada em 2009 estabelece um máximo de duas reeleições para o presidente do país e outros cargos eletivos, limite que foi essencial nas negociações entre os governistas e a oposição que permitiram na ocasião a aprovação dessa regra pelas urnas. Por esse motivo, Morales teria de ter deixado o poder em 2014, algo de que conseguiu escapar, porém, apoiando-se em uma interpretação da cláusula de proibição por parte do Tribunal Constitucional, que decidiu não contabilizar o primeiro mandato do presiden-te pelo fato de este ter ocorrido antes da promulgação da nova Constituição.

O MAS argumenta que a derrota de Morales no referendo de fevereiro decorreu de uma “ar-timanha” dos meios de comunicação, que pouco antes do comparecimento da população às urnas revelou a existência de Gabriela Zapata, uma ex-companheira do presidente que naquele momento era gerente comercial da CAMC, a principal parceira chinesa do governo. Depois do referendo, Zapata foi presa por usar o nome de Morales para obter enriquecimento ilícito. Na prisão, afirmou que o filho que supostamente havia tido com o presidente e que este dava por morto estava, na verdade, vivo. Isso permitiu a sustentação da ideia de tráfico de influên-cia contra Morales e de provar que este mentiu. O caso acabou por ganhar grande dimensão, tornando-se o assunto mais importante a ser desvendado. Como, no final das contas, a mulher apresentou diante da justiça um menino impostor, sua versão sobre seu relacionamento com Evo e com outros integrantes do governo acabou desmoronando.

De acordo com um documentário divulgado nos últimos dias pelo governo, a importância ad-quirida por Zapata e as suspeitas que recaíram sobre o presidente do país decorreram de um “complô” articulado por quatro veículos de comunicação que os governistas identificam como o “cartel da mentira” justamente nos dias que antecederam o referendo e nos dias imediata-mente posteriores a ele. Por isso, no congresso, Morales disse aos presentes, gritando, que “desta vez será sem mentiras”.

As quatro vias que o MAS pretende explorar para driblar a proibição constitucional de uma nova reeleição são um novo referendo, convocado desta vez por “iniciativa popular”; a renúncia de Morales seis meses antes do encerramento do atual mandato, o que o habilitaria a se recandi-datar depois; recorrer ao Tribunal Constitucional; e, por fim, atuar no sentido de o Parlamento aprovar uma reforma constitucional. A contrapartida que o partido oficial pretende oferecer à

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oposição para que esta aceite se deparar mais uma vez com Morales nas eleições presidenciais consiste na extensão do benefício da reeleição de modo indefinido para todos os atuais gover-nantes, inclusive aqueles que estão à frente, hoje em dia, de governos regionais e municipais.

Bolívia faz campanha contra novo decreto de imigração de Mauricio Macri

Evo Morales manda o presidente do Senado a Buenos Aires para frear "a onda de xenofobia”

Carlos Cué. Buenos Aires 7 FEV 2017

O endurecimento da política imigratória de Mauricio Macri, que aprovou um decreto para ex-pulsar com mais facilidade os estrangeiros envolvidos em delitos e evitar que entrem no país pessoas com antecedentes criminais, provocou um conflito importante com a Bolívia. Evo Mo-rales, que criticou Macri com dureza e o acusou de se aproximar das políticas de Donald Trump, enviou uma delegação a Buenos Aires liderada pelo presidente do Senado, José Alberto Gonzá-les, para demonstrar seu mal-estar e reduzir a tensão.

“O temor dos bolivianos é que seja desencadeada uma onda de perseguições, com discrimina-ção pelo tipo físico, que persigam pessoas que vêm trabalhar, com a desculpa da luta contra a criminalidade. A questão foi exacerbada, apareceu uma onda de xenofobia, mas no Governo argentino nos garantem que não é essa a intenção do decreto. Estamos tentando afastar fan-tasmas. A reunião foi positiva”, disse Gonzáles a EL PAÍS, depois de se encontrar com o vice--chanceler argentino, Pedro Villagra.

O Governo Macri insiste em que não tem nenhuma intenção de estigmatizar os imigrantes, que a Argentina continua sendo um país aberto –o preâmbulo de sua Constituição é muito claro ao falar de “todos os homens do mundo que queiram habitar em solo argentino” –, mas algumas declarações, em especial as da ministra da Segurança, Patricia Bullrich, aumentaram a tensão com a Bolívia, Peru e Uruguai, os países com mais cidadãos na Argentina. Um deputado argentino, Alfredo Olmedo, chegou a pedir que seja construído um muro com a Bolívia, e Evo Morales explodiu. “Irmãos presidentes latino-americanos: sejamos pátria grande, não sigamos políticas imigratórias do Norte. Juntos por nossa soberania e dignidade”, lançou no Twitter. “As políticas discriminatórias que condenam a imigração e a consideram causadora da criminalida-de, do narcotráfico, do tráfico de pessoas, terrorismo e um freio ao direito ao desenvolvimento são um retrocesso vergonhoso diante dos direitos conquistados pela luta de nossos povos”, arrematou.

Gonzáles, que viveu vários anos na Argentina, como cônsul boliviano, se reuniu com represen-tantes de uma comunidade enorme no país –1,2 milhão de pessoas – e detectou uma grande preocupação. “A questão foi exagerada, o papel da mídia é importante, as redes sociais con-tribuem também. Isso inquieta as pessoas. O Governo argentino insiste em que é uma norma contra a criminalidade. Estamos tentando eliminar um pouco esses fantasmas.”

O presidente do Senado boliviano apontou a mulher de Macri, Juliana Awada, proprietária de uma conhecida marca de roupas que trabalha muito com bolivianos em suas oficinas e foi acu-sada de empregar trabalhadores irregulares. “Se vocês têm dúvidas de como trabalham os bo-livianos, perguntem a Awada qual é a qualidade do trabalho dos costureiros bolivianos”, disse.

Gonzáles parece buscar agora um apaziguamento para evitar males maiores. No entanto, os bolivianos na Argentina estão muito apreensivos. María Blanco, referência dos bolivianos em

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Villa Celina, em Buenos Aires, explica que “o medo é que criem motivos. Podem te expulsar por oito anos. E estamos vendo abusos da polícia, que entra sem ordem de revista nas chácaras onde são produzidas hortaliças. Agora vai ser pior. Esta nova lei reaviva a xenofobia. Meus filhos nasceram aqui. Este é seu país, mas continuam sendo considerados bolivianos. A sociedade nos discrimina. Agora vão começar as aulas. Veremos o que vai acontecer”, se preocupa.

“O problema real é a crise”, diz Juan Vasquez, da Simbiosis Cultural, entidade de bolivianos. “Há muita preocupação porque não há trabalho. O setor têxtil, que é onde os bolivianos mais trabalham, está muito mal porque estão sendo abertas as importações. Todas as oficinas des-cumprem a lei de alguma maneira. Agora podem expulsar você por qualquer coisa”, diz.

“Muitos cidadãos paraguaios, bolivianos e peruanos se comprometem nas questões do nar-cotráfico como financiadores ou como mulas, como motoristas ou como parte de uma rede”, disse a ministra Bullrich, desencadeando a polêmica. “Dizem coisas que não são verdadeiras. Temos os dados oficiais do sistema penitenciário de Buenos Aires. Dos 39.000 presos que há na província, somente 190 são bolivianos. E somente 14 deles estão ali por narcotráfico. Esta é a realidade”, sentencia Gonzáles. Bullrich insiste: "A lei é a mesma que a Bolívia tem, exatamente igual para as pessoas que têm antecedentes ou cometeram delitos. Não são bem-vindas. A lei não tem nada a ver com a imigração, mas com a criminalidade”.

As consequências práticas do decreto serão vistas com o tempo. Mas os bolivianos já começam a notar uma onda de xenofobia nunca vista na Argentina.

Venezuela

O território venezuelano foi colonizado pelo Império Espanhol em 1522, apesar da resistência dos povos nativos. Em 1811, tornou-se uma das primeiras colônias hispano-americana a decla-rar a independência, mas que apenas foi consolidada em 1830, quando a Venezuela deixou de ser um departamento da Grã-Colômbia. Durante o século XIX, o país sofreu com instabilidade política e autocracia, dominado por caudilhos regionais até meados do século XX. Desde 1958, houve uma série de governos democráticos. No entanto, choques econômicos nas décadas de 1980 e 1990 culminou em várias crises políticas, como os motins mortais durante o Caracazo de 1989, duas tentativas de golpe em 1992, além do impeachment do presidente Carlos An-drés Pérez por desvio de fundos públicos em 1993. O colapso da confiança permitiu que Hugo Chávez ganhasse força. Ele criou o conceito de "Revolução Bolivariana" ao aprovar uma nova constituição em 1999.

O país é amplamente conhecido por suas vastas reservas de petróleo, pela diversidade ambien-tal do seu território e por seus diversos recursos naturais. É considerada uma nação megadi-versa, com uma fauna diversificada e uma grande variedade de habitats protegidos. As cores da bandeira venezuelana são o amarelo, azul e vermelho, nessa ordem: o amarelo representa a riqueza da terra, o azul o mar e o céu do país, e o vermelho o sangue derramado pelos heróis da independência.

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Século XX

Em 1908 Castro foi deposto por Juan Vicente Gómez, ditador durante os vinte e sete anos se-guintes. Foi durante o seu governo, em 1922, que se iniciou a exploração das jazidas de petró-leo da Venezuela.

Em 1945, após a queda da ditadura do general Isaías Medina Angarita, Rómulo Betancourt, fundador do partido Acción Democrática, tornou-se presidente provisório até as eleições livres de finais de 1947 que levaram o escritor Rómulo Gallegos à presidência. Uma revolta militar retirou-o do poder; em 1953 instalou-se a ditadura de Pérez Jiménez.

O ditador militar Pérez Jiménez foi forçado a deixar o poder em 23 de janeiro de 1958. Em um esforço para consolidar a jovem democracia, os principais partidos políticos (com a notável ex-ceção do Partido Comunista da Venezuela) assinaram o Pacto de Punto Fijo. O Ação Democráti-ca e o COPEI iriam dominar o cenário político do país por quatro décadas.

Em 1960 houve movimentos guerrilheiros substanciais, como as Forças Armadas de Libertação Nacional e o Movimento da Esquerda Revolucionária, que havia se separado de Ação Democrá-tica em 1960. A maioria desses movimentos depuseram as armas sob a presidência de Rafael Caldera (1969-1974); Caldera tinha ganhado a eleição 1968 pelo COPEI, sendo a primeira vez que um partido diferente do Ação Democrática assumia a presidência através de uma eleição democrática.

A eleição de Carlos Andrés Pérez, em 1973, coincidiu com a crise do petróleo de 1973, que viu a renda da Venezuela explodir quando os preços do petróleo subiram, enquanto as indústrias petrolíferas foram nacionalizados em 1976. Isto levou a aumentos maciços nos gastos públicos, mas também ao aumento da dívida externa, que continuou até a década de 1980, quando o colapso dos preços do petróleo na década de 1980 prejudicou a economia venezuelana. À me-dida que o governo começou a desvalorizar a moeda em fevereiro de 1983, com o objetivo de cumprir com as suas obrigações financeiras, o nível de vida real dos venezuelanos caiu drastica-mente. Uma série de políticas econômicas fracassadas e o aumento da corrupção no governo levaram ao aumento da pobreza e do crime, o agravamento dos indicadores sociais e aumento da instabilidade política.

A crise econômica na década de 1980 e 1990 levou a uma crise política que deixou centenas de mortos nos distúrbios de "Caracazo" em 1989; duas tentativas de golpes de Estado em 1992 e o impeachment do presidente Carlos Andrés Pérez (reeleito em 1988) por corrupção em 1993. O golpista Hugo Chávez foi perdoado março 1994 pelo presidente Rafael Caldera, quando seus direitos políticos foram restabelecidos.

Revolução Bolivariana

O colapso da confiança nos partidos existentes acabou ajudando Chávez a se eleger presidente em 1998 e a lançar a subsequente "Revolução Bolivariana", que começou com uma Assembleia Constituinte de 1999 a escrever uma nova Constituição da Venezuela. Em abril de 2002, Chá-vez foi brevemente expulso do poder no golpe de 2002, após manifestações populares de seus opositores, mas ele voltou ao poder depois de dois dias como resultado de protestos de seus partidários e ações militares.

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Chávez também se manteve no poder depois de uma greve geral nacional, que durou mais de dois meses (de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003), além de uma greve na companhia esta-tal de petróleo Petróleos de Venezuela (PDVSA). Os movimentos grevistas produziram um pro-blema econômico grave, sendo que o PIB do país caiu 27 por cento durante os primeiros quatro meses de 2003 e custou à indústria petrolífera 13,3 bilhões de dólares. A fuga de capitais, antes e durante a greve, levou à reinstituição de controles cambiais (que tinha sido abolida em 1989), gerido pela agência CADIVI. Na década seguinte, o governo foi forçado a várias desvalorizações da moeda. Estas desvalorizações têm feito pouco para melhorar a situação do povo venezuela-no, que conta com produtos importados ou produtos produzidos localmente mas que depen-dem de insumos importados, enquanto as vendas de petróleo representam a grande maioria das exportações da Venezuela.

Chávez sobreviveu a vários testes políticos adicionais, incluindo um referendo revogatório em agosto de 2004. Ele foi eleito para um novo mandato em dezembro de 2006 e reeleito para um terceiro mandato em outubro de 2012. No entanto, ele nunca foi empossado para seu terceiro período, devido a complicações médicas. Chávez morreu no dia 5 de março de 2013, depois de uma luta de quase dois anos contra um câncer. A eleição presidencial, que aconteceu em 14 de abril de 2013, foi a primeira vez desde que Chávez assumiu o poder, em 1999, em que o seu nome não aparecia na cédula de votação.

Nicolás Maduro tem ocupado o cargo de presidente da Venezuela desde 14 de abril de 2013, depois de vencer a segunda eleição presidencial após a morte de Chávez, com 50,61% dos vo-tos, contra o candidato da oposição Henrique Capriles Radonski, que teve 49,12% dos votos. O partido Mesa da Unidade Democrática contestou a sua nomeação como uma violação da constituição. No entanto, a Suprema Corte da Venezuela decidiu que, segundo a constituição nacional, Nicolás Maduro é o presidente legítimo e foi investido como tal pelo congresso vene-zuelano.

Em fevereiro de 2014, centenas de milhares de venezuelanos protestaram contra os cada vez mais altos níveis de violência criminal, inflação e pela escassez crônica de produtos básicos de-vido às políticas do governo federal. Manifestações e tumultos deixaram mais de 40 mortes nos distúrbios entre os dois chavistas e manifestantes da oposição, além de terem levado à prisão de líderes da oposição, como Leopoldo López.

Petróleo e outros recursos

A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo e gás natural do mundo, além de ser classifi-cada consistentemente entre os dez maiores produtores mundiais de petróleo. Em comparação com o ano anterior, outros 40,4% em reservas de petróleo bruto foram comprovados em 2010, permitindo que a Venezuela superasse a Arábia Saudita como o país com as maiores reservas desse tipo. As principais jazidas de petróleo do país estão localizadas em torno e abaixo do lago Maracaibo, no Golfo da Venezuela (ambos em Zulia) e na bacia do rio Orinoco (Venezuela leste), onde maior reserva do país está localizada. Além das maiores reservas de petróleo con-vencional e a segunda maior reserva de gás natural do Hemisfério Ocidental, o país também possui depósitos não convencionais de petróleo (óleo bruto extra-pesado, betume e areias be-tuminosas) aproximadamente iguais às reservas mundiais de petróleo convencional. O sistema elétrico na Venezuela é um dos poucos a usar principalmente a energia hidrelétrica, e inclui a Hidrelétrica de Guri, uma dos maiores do mundo.

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Vista de parte do Complexo de Paraguaná, da estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA), uma das maiores refinarias do mundo.

Na primeira metade do século XX, as empresas de petróleo dos Estados Unidos estiveram forte-mente envolvidas na Venezuela, inicialmente interessadas apenas em comprar concessões. Em 1943, um novo governo introduziu uma divisão 50/50 nos lucros entre o governo e a indústria do petróleo. Em 1960, com um governo democrático recém-instalado, o ministro de hidrocar-bonetos, Juan Pablo Pérez Alfonso, liderou a criação da OPEP, o consórcio de países produtores de petróleo com o objetivo de apoiar o preço do petróleo.

Em 1973, a Venezuela votou a nacionalizar sua indústria petrolífera, a partir de 1 janeiro de 1976, com a Petróleos de Venezuela (PDVSA) assumido e presidindo uma série de empresas subsidiárias; nos anos seguintes, o país construiu um vasto sistema de refino e comercialização na Europa e nos Estados Unidos.Na década de 1990, a PDVSA tornou-se mais independente do governo e presidiu uma abertura, na qual convidou em investimentos estrangeiros. No governo de Hugo Chávez, uma lei de 2001 estabeleceu limites ao investimento estrangeiro.

A empresa estatal de petróleo, a PDVSA, desempenhou um papel fundamental em dezembro de 2002, durante a greve nacional que terminou em fevereiro de 2003, e que buscava a renún-cia do presidente Chávez. Gestores e técnicos qualificados bem pagos da PDVSA fecharam as plantas e deixaram os seus postos e, de acordo com alguns relatos, sabotaram equipamentos, fazendo com que a produção e o refino de petróleo PDVSA quase parasse. As atividades foram lentamente reiniciadas e os trabalhadores do petróleo substituídos. Como resultado da greve, cerca de 40% da força de trabalho da empresa (cerca de 18 mil trabalhadores) foram demitidos por "abandono do dever" durante a greve.

Em 2015, mais de 70 por cento das famílias venezuelanas vive numa situação de pobreza um número considerado recorde na história do país. Os dados fazem parte de um estudo elabora-do em conjunto pelas universidades Católica Andrés Bello, Central da Venezuela e Simón Bolí-var e foram divulgados durante um fórum sobre a situação do país em novembro de 2015.

Matérias da Carta Capital

Tribunal Supremo da Venezuela assume as funções do Parlamento

por AFP — publicado 30/03/2017 15h12

Oposição acusa golpe, enquanto Judiciário fala em manutenção do Estado de Direito

O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela assumiu as competências do Parlamento, de ampla maioria opositora e ao qual considera em desacato, em uma decisão que, segundo ana-listas, representa mais um passo rumo a um modelo autoritário.

"Adverte-se que, enquanto persistir a situação de desacato e de invalidade das atuações da Assembleia Nacional, esta Sala Constitucional garantirá que as competências parlamentares sejam exercidas diretamente por esta sala ou pelo órgão de que ela disponha para velar pelo Estado de Direito", assinala a decisão do TSJ publicada na noite de quarta-feira 29.

O TSJ, acusado pela oposição de servir ao governo de Nicolás Maduro, declarou o Legislativo em desacato no início de 2016, devido à juramentação de três deputados opositores cuja elei-

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ção foi suspensa por suposta fraude. Por isso, cancelou todas as decisões parlamentares. Em-bora a câmara tenha desvinculado estes deputados posteriormente, o tribunal considera que o ato não foi formalizado.

"Nesta semana avançamos lamentavelmente rumo a um modelo autoritário na política vene-zuelana. A democracia está em perigo", disse nesta quinta-feira à AFP o analista Carlos Romero. "Estamos diante de um uso indiscriminado e ilegal das atribuições do TSJ para acabar com o Poder Legislativo", acrescentou.

Após a divulgação da nova decisão do TSJ, o opositor Henry Ramos Allup afirmou que os par-lamentares "devemos seguir cumprindo nossos deveres (...) e continuar exercendo a qualquer preço nossas funções, porque para nós uma pessoa não nos deu um título de deputados, nós fomos eleitos". O Parlamento venezuelano, por sua vez, acusou nesta quinta-feira Maduro de dar um "golpe de Estado".

"Na Venezuela Nicolás Maduro deu um golpe de Estado", afirmou o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, em uma declaração na qual anunciou que o Legislativo desconhece a decisão do TSJ, classificando-a de "lixo".

Além disso, apelou para que os militares quebrem o silêncio diante da ruptura constitucional. "A Força Armada venezuelana não pode seguir calada diante da ruptura da Constituição. Sa-bemos que a imensa maioria dos oficiais (...) é contrária ao caos que ocorre na Venezuela", afirmou Borges.

Já o legislador Diosdado Cabello, um dos principais dirigentes do chavismo, comemorou a deci-são. "Não podemos estar com a Assembleia Nacional ausente porque eles querem", disse.

Alegando o desacato, o TSJ já havia retirado a imunidade dos deputados, o que abriu a possibi-lidade de processá-los, inclusive ante tribunais militares.

A retirada dos foros parlamentares ocorreu enquanto o Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) se reunia para debater a grave crise política e econômica do país petrolífero.

O encontro em Washington terminou sem acordo, mas 20 países assinaram uma declaração conjunta na qual expressaram "preocupação pela difícil situação política, econômica, social e humanitária" da Venezuela.

Uma semana antes deste encontro, o bloco opositor aprovou um acordo no qual pediu à OEA que aplique a Carta Democrática Interamericana, que prevê sanções em caso de alterações ou ruptura do marco constitucional, o que foi classificado por Maduro como "traição à pátria", um crime punido com penas de até 30 anos de prisão.

Para analistas como Benigno Alarcón, a escalada no choque de poderes da Venezuela é uma resposta às recentes ações da OEA. "O governo está tentando aumentar a pressão sobre os par-lamentares e a comunidade internacional, dizendo que está disposto a represálias e a prender líderes opositores que estejam buscando ajuda no exterior", declarou Alarcón à AFP.

A sentença mediante a qual o TSJ adota as funções do Parlamento também tem um fundo econômico. Ocorreu em resposta a um recurso de interpretação sobre a criação de empresas mistas no setor petrolífero.

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Segundo a Constituição, o governo não pode assinar contratos de interesse público com Esta-dos ou empresas públicas e privadas estrangeiras "sem a aprovação da Assembleia Nacional". Mas, ao declarar "omissão legislativa", o TSJ indicou que não existe "impedimento algum" para que o Executivo forme companhias sem passar pelos deputados.

Esta questão é chave para o governo, que busca financiamento para paliar um déficit fiscal que o Banco Mundial estimou em 11,5% do PIB em 2016.

Maduro também tenta atrair investimentos estrangeiros para os setores petrolífero e mine-rador, e enfrentar, assim, a grave crise econômica, refletida em escassez de todo tipo de bens básicos e na inflação mais alta do mundo, projetada em 1.660% pelo FMI para 2017.

As gestões na OEA são promovidas por seu secretário-geral, Luis Almagro, que exige a convoca-ção de eleições gerais em um curto prazo e a libertação de uma centena de opositores presos. As eleições presidenciais estão previstas para dezembro de 2018, enquanto as regiões deve-riam ter ocorrido no fim do ano passado, mas o poder eleitoral as adiou para 2017 e ainda não fixou uma data.

A Venezuela dá mais um passo rumo ao autoritarismo

por Redação — publicado 31/03/2017 16h05

O golpe executivo-judiciário dificulta uma solução política pacífica para a situação do país.

O Supremo Tribunal da Venezuela (TSJ), favorável ao governo chavista, suspendeu na quinta-fei-ra 30 os poderes legislativos da Assembleia Nacional e os avocou para sua Sala Constitucional, por desacatar várias de suas sentenças, inclusive ao dar posse a três deputados impugnados.

Nos dias anteriores, o TSJ suspendera a imunidade parlamentar e conferira poderes especiais ao presidente Nicolás Maduro. A Assembleia pediu o posicionamento das Forças Armadas, mas seus comandantes parecem ser fiéis ao chavismo.

Embora não se tenha chegado à dissolução do Congresso, trata-se de um golpe executivo-judi-ciário. Segue-se, é verdade, a tentativas fracassadas de golpe legislativo e responde à tentativa do secretário-geral da OEA, Luis Almagro, de acionar a Carta Democrática da organização para suspender Caracas com apoio da Assembleia.

É também um passo para o autoritarismo e dificulta o caminho para uma solução política pa-cífica. Almagro descreveu a manobra como um “autogolpe” e deve persistir em sua intenção.

Assembleia Nacional

Instalada em 2016, e com inédita maioria antichavista, a Assembleia Nacional, o parlamento unicameral venezuelano, era tida como último bastião opositor perante o governo Maduro, questionado por se distanciar dos modelos democráticos com uma série de medidas autoritá-rias.

"É um golpe de Estado. Na Venezuela não há Constituição, Nicolás Maduro tem todo o poder", afirmou o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, na quinta-feira. "Isso não tem outro nome, senão golpe de Estado e ditadura."

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Em meio a uma severa recessão, aumento da inflação e falta de comida e remédios, a manobra marca o ápice de uma campanha de Maduro para reduzir o papel da oposição, após a detenção e prisão, sem julgamento, de líderes antichavistas, a suspensão do referendo sobre a revogação de seu mandato e a manipulação do Supremo, visto pelos opositores como um apêndice do Executivo.

O golpe institucional foi amplamente condenado internacionalmente. O governo venezuelano, por sua vez, negou que se trate de um golpe.

"É falso que tenha sido consumado um golpe de Estado na Venezuela. Pelo contrário, as insti-tuições adotaram corretivos legais para deter a desviada e golpista situação dos parlamentares opositores declarados abertamente em desacato com as decisões do Tribunal Supremo de Jus-tiça", assinalou a chancelaria em um comunicado.

O texto rejeitou a onda de condenações internacionais à sentença do TSJ, considerando-as "um ataque dos governos de direita intolerante e pró-imperialista (...) dirigido pelo departamento de Estado e os centros de poder americanos".

Reações no Mercosul

O Mercosul convocou uma reunião de emergência para o sábado 1 para discutir "grave situa-ção institucional" no país, da qual deve participar o atual chanceler brasileiro, Aloysio Nunes (PSDB-SP).

"Perante a grave situação institucional na República Bolivariana da Venezuela, os Estados Partes signatários do Tratado de Assunção resolveram convocar uma reunião de chanceleres urgente para sábado, para analisar possíveis vias de solução", afirmou em comunicado a Chancelaria da Argentina, que tem a presidência temporário do Mercosul.

"Os países fundadores do Mercosul reiteram seu inalterável apoio aos princípios fundamentais do Estado de Direito e à preservação da democracia na região latino-americana", acrescentou o bloco, integrado por Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil.

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Atualidades

BRASIL CONTEMPORÂNEO

A Nova República

Sexta República Brasileira ou Nova República é o nome do período da História do Brasil que se seguiu ao fim do regime militar. É caracterizado pela ampla democratização política do Brasil e sua estabilização econômica.

Usualmente, considera-se o seu início em 1985, quando, concorrendo com o candidato situ-acionista Paulo Maluf, o oposicionista Tancredo Neves ganha uma eleição indireta no Colégio Eleitoral, sucedendo o último presidente militar, João Figueiredo. Tancredo não chega a tomar posse, vindo a falecer. Seu vice-presidente, José Sarney, assume a presidência em seu lugar. Sob seu governo é promulgada a Constituição de 1988, que institui um Estado Democrático de Direito e uma república presidencialista

O Brasil era governado, desde 1964, por um sistema militar, caracterizado no campo político pela repressão política, no campo econômico, pela modernização do país, pelos investimentos nas indústrias de base, da agricultura e na substituição dos produtos importados além de uma campanha nacionalista. No ápice do regime militar, no início da década de 1970, o Brasil passa-va por um período de milagre econômico, cobrando taxas de crescimento anual do PIB beiran-do 8%, comandado por um governo centralizado, repressor e desenvolvimentista.

Entretanto, por causa de crises econômicas internacionais a partir de 1973 (crise do petróleo), o forte crescimento econômico brasileiro foi interrompido, e a pressão social passou a aumen-tar. Demandas da classe média por maiores liberdades, pelo fim da censura, pela anistia e pelo controle da inflação, foram desestabilizando o governo brasileiro até o fim da década. O gover-no passou a estruturar, então, uma lenta transmissão para a democracia. Iniciada pelo presi-dente Ernesto Geisel, em 1976, algumas liberdades foram devolvidas ao povo brasileiro, mas vagarosamente.

O general do exército João Figueiredo foi eleito pelo Colégio eleitoral brasileiro em 1979, com a promessa de entregar a democracia de volta ao Brasil. Em seu governo, a anistia geral e irres-trita a todos os perseguidos políticos foi garantida, e algumas reformas políticas e econômicas foram praticadas, como a volta da eleição direta para governadores de estado e do pluriparti-darismo. Entretanto, a inflação aumentava.

Pressões sociais lideradas pelo PMDB (partido de oposição ao regime militar) culminaram em 1984, com o movimento Diretas Já, série de manifestações populares que pediam eleições dire-tas para presidente da república e o fim da interferência militar no governo brasileiro. Em 1984, o Colégio Eleitoral realizou eleições para presidente e, preterindo o candidato representante da situação, Paulo Maluf, optaram pelo candidato oposicionista do PMDB, Tancredo Neves. Em 15

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de Março de 1985, Neves seria o primeiro presidente civil a reger o país, desde João Goulart, deposto em 1964.

Transição: Governo Sarney (1985–1990)

Apesar de eleito, Neves não chegou a assumir o seu cargo. Devido a uma complicação de sua doença, Tancredo Neves foi internado, sendo operado no dia 14 de março de 1985 e contraindo infecção hospitalar. No dia da posse, 15 de março de 1985, assume então José Sarney de modo interino. No dia 21 de abril, o porta-voz da República anuncia o falecimento oficial do presiden-te Tancredo Neves. Deste dia em diante, Sarney seria reconhecido como presidente em exercí-cio pleno.

Em 1 de março de 1986, Sarney e sua equipe econômica comandada por Dilson Funaro, minis-tro da Fazenda, lançam o "Plano Cruzado", conjunto de medidas para conter a inflação, entre as quais o congelamento geral de preços e a criação de uma nova moeda, o Cruzado (Cz$), valen-do mil cruzeiros (Cr$) (moeda da época). Sarney apelou para a população que deu amplo apoio ao plano, inclusive com algumas pessoas se declarando "fiscais do Sarney" e denunciando vio-lações ao congelamento de preços. O PMDB, com a popularidade do plano, vence as eleições para governador de 1986 em praticamente todos os estados (à exceção de Alagoas). Porém, após as eleições, em 21 de novembro de 1986 o governo decreta o "Plano Cruzado II", com os preços sendo liberados. Isto ocasionou um descontentamento do povo para com o governo, pois o plano cruzado foi visto por muitos como uma simples estratégia política para vencer as eleições. A inflação volta a subir, a crise se alastra e em 20 de janeiro de 1987 o governo decreta moratória, deixando de pagar a dívida externa.

Em 29 de abril de 1987, o governo substitui Funaro por Luis Carlos Bresser Pereira, que com a inflação em alta, lança o "Plano Bresser", com novo congelamento de preços, em junho de 1987 e acabando com a moratória. A inflação volta a subir e em 6 de janeiro de 1988, Bresser é substituído por Maílson da Nóbrega. A democracia foi plenamente restabelecida em 1988, quando a atual Constituição Federal foi promulgada.

Governos Collor e Itamar Franco (1990–1994)

Em 1989, o ex-governador do estado de Alagoas Fernando Collor, praticamente desconhecido no resto do país, por força de uma campanha agressiva baseada na promessa de combate à corrupção (combate aos marajás), da construção de uma imagem de líder jovem e dinâmico, que vendia uma imagem de político de direita progressista (seu partido era o inexpressivo Par-tido da Reconstrução Nacional). Contando com apoio de setores que temiam a vitória do candi-dato do PT, Luiz Inácio da Silva, Fernando Collor é eleito presidente, nas primeiras eleições dire-tas para o cargo desde 1960. Entretanto, após dois anos, o próprio irmão do presidente, Pedro Collor de Mello, faz denúncias públicas de corrupção através de um sistema de favorecimento montado pelo tesoureiro da campanha eleitoral, PC Farias. Sem qualquer resistência do Execu-tivo, o Congresso Nacional instaura uma CPI cujas conclusões levam ao pedido de afastamento do presidente (impeachment).

Durante o processo, a Rede Globo de Televisão produz e transmite Anos rebeldes, de Gilberto Braga, uma série dramática ambientada nas manifestações de 1968, a qual serve de inspiração

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para o movimento dos caras-pintadas, manifestações de estudantes e intelectuais que, do alto de carros-de-som, clamavam por justiça e por um Brasil melhor. Fernando Collor de Mello re-nunciou antes de ter seu impedimento aprovado pelo Congresso, mas mesmo assim teve seus direitos políticos suspensos por oito anos, embora a lei em vigor na época previsse a suspensão do processo no caso de renúncia antes de sua conclusão. Collor mudou-se em seguida para Miami. A Justiça o absolveu de todos os processos movidos contra ele por sua gestão. PC Farias evadiu-se do país durante alguns anos e, após enviuvar, retornou a Alagoas mas, em 1996, foi encontrado em seu quarto de dormir, morto por ferimento de arma de fogo.

Collor de Mello foi sucedido na presidência pelo vice-presidente Itamar Franco em cuja admi-nistração é adotado o Plano Real, um plano econômico inédito no mundo executado pela equi-pe do então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso (FHC). Percebendo que a hiperin-flação brasileira era também um fenômeno emocional de separação da "unidade monetária de troca" da "unidade monetária de contas", o plano concentrou todos os índices de reajuste de preços existentes em um único índice, a Unidade Real de Valor, ou URV. Esta, posteriormente, foi transformada em moeda corrente, o real, iniciando assim o controle do maior problema econômico do Brasil: a inflação. Posteriormente, inúmeras reformas econômicas de peso de-ram lastro à estabilidade da moeda, evitando os erros do passado.

Governo Fernando Henrique (1995–2002)

Com o sucesso do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso, concorre e é eleito presidente em 1994, conseguindo a reeleição em 1998. Cardoso iniciou seu primeiro mandato em 1 de ja-neiro de 1995, e foi reeleito em 1998. O presidente Cardoso procurou estabelecer a base para a estabilidade a longo prazo e crescimento e para reduzir os desequilíbrios socioeconômicos extremos do Brasil. Suas propostas para o Congresso incluíram emendas constitucionais para abrir a economia brasileira a um maior investimento estrangeiro e para implementar reformas radicais - incluindo a segurança social, administração pública e tributação - para reduzir gastos excessivos do setor público e melhorar a eficiência do governo.

Seu governo é creditado com o fornecimento de estabilidade econômica de um país marcado por anos de hiperinflação. Ao mesmo tempo, as crises econômicas no México em 1997, na Ásia Oriental em 1998, na Rússia em 1998 e na Argentina em 2002 reduziram as perspectivas de crescimento econômico durante a sua presidência.

Foi também durante sua administração que muitas empresas estatais foram privatizadas e que agências reguladoras foram criadas pela primeira vez para fiscalizar e regular muitos setores da indústria (energia, petróleo, aviação, etc). A administração de Fernando Henrique Cardoso também colocou um forte foco nas relações exteriores. Além de aderir à Organização Mundial do Comércio (OMC) e participar da Rodada Uruguai, o Brasil participou da missão de paz da INTERFET no Timor-Leste.

Governo Lula (2003 – 2009)

Após os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2002 elege-se presidente da República o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), tradicio-nal partido de esquerda brasileiro. Lula aumenta a abrangência dos projetos sociais, transfor-

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mando o Bolsa-Escola em Bolsa-Família e criando novos programas, como o Prouni. Em 2006, Luiz Inácio Lula da Silva é reeleito presidente da República.

Apesar da estabilidade macroeconômica que reduziu as taxas de inflação e de juros e aumen-tou a renda per capita, colocando o país em uma lista dos países mais promissores do mundo, ao lado de China, Rússia, Índia e África do Sul (chamados de BRICS) com Lula, diferenças rema-nescem ainda entre a população urbana e rural, os estados do norte e do sul, os pobres e os ricos.

A economia contém uma indústria e agricultura mais sofisticadas, e um setor de serviços em expansão. As recentes administrações expandiram a inserção do país no mercado mundial, com saltos de investimentos e produtividade em alguns setores, como o de telecomunicações e automobilístico, mas ainda deixando a desejar na eficiência de portos marítimos, estradas de ferro, geração de eletricidade, aeroportos e outros melhoramentos da infraestrutura, o que reduziria o chamado "custo Brasil". O país começou a se voltar para as exportações em 2004, e, mesmo com um real valorizado e a crise internacional, atingiu em 2008 exportações de US$ 197,9 bilhões, importações de 173,2 bilhões de dólares, o que coloca o país entre os 19 maiores exportadores do planeta.

Governo Dilma Rousseff (2010 – 2016)

Em outubro de 2010, em segundo turno, o Brasil elege pela primeira vez uma mulher como Chefe do poder executivo. Dilma Rousseff (mineira de Belo Horizonte) tomou posse do cargo de Presidente da República Federativa do Brasil, prestando, assim como os demais presidentes eleitos na Nova República, juramento solene perante o Congresso Nacional em 1º de janeiro de 2011. Dilma deu continuidade aos programas do governo Lula tais como. O Luz para Todos, que beneficiou mais de 3 milhões de famílias até 2013, a segunda fase do PAC que foram disponibi-lizados recursos na ordem de R$ 1,59 trilhão em uma série de investimentos, tais como trans-portes, energia, cultura, meio ambiente, saúde, área social e habitação, e do programa Minha Casa, Minha Vida que obteve investimentos na cifra de R$ 34 bilhões da qual foram construídas 1 milhão de moradias na primeira fase, e 2 milhões de moradias com investimentos de R$125,7 bilhões na segunda fase do programa.

Em junho de 2013, irromperam no país inúmeras manifestações populares, quando milhões de pessoas saíram às ruas em todos os estados para contestar os aumentos nas tarifas de trans-porte público, a truculência das policiais militares estaduais, além de outras reivindicações. En-tre os principais desafios do país para o futuro estão um salto qualitativo na educação e saúde, a desburocratização do empreendedorismo e uma resposta eficiente aos crescentes problemas de segurança pública e favelização dos centros urbanos. Tais manifestações resultaram em ju-lho de 2013 no lançamento do programa mais médicos que teve como objetivo levar 15 mil profissionais da saúde para atender regiões carentes do Brasil. O Brasil sedia em 2014 a Copa do Mundo de futebol. No final do primeiro governo de Dilma, é deflagrada a Operação Lava Jato, do qual é apurado um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou mais de 10 bilhões de reais, sendo considerado pela polícia federal o maior esquema de corrupção da his-tória do Brasil.

Após as polarizadas eleições presidenciais de 2014, Rousseff é reeleita com 51,64% dos votos válidos, ao derrotar em segundo turno o candidato Aécio Neves. Durante a campanha eleito-ral, um acidente aéreo vitimou o candidato Eduardo Campos do PSB. Em março de 2015 novos

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protestos acontecem em vários estados principalmente contra a corrupção, especialmente por conta da Operação Lava Jato conduzida pela Polícia Federal. Como efeito da enorme e crescen-te insatisfação popular com o governo, a base política da presidente foi se deteriorando e um processo de impeachment contra a presidente é iniciado em dezembro do mesmo ano com base em várias acusações, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais" cometidas em seu go-verno. O ato causa grande controvérsia e divide o país entre grupos antigovernistas (majorita-riamente de direita) e pró-governo (majoritariamente de esquerda). Em 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados aprova o início do processo, que a partir de então é encaminhado para análise no Senado.

Governo Michel Temer

Michel Temer, atual presidente do Brasil, desde 31 de agosto de 2016.

No dia 12 de maio de 2016, o Senado Federal aprova a admissibilidade do processo por 55 votos a favor, 22 contra e 2 abstenções. A Presidente Dilma Rousseff é afastada do exercício do cargo e o vice-presidente Michel Temer assume interinamente até o julgamento no Senado presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. O Brasil sedia, em agosto e setembro os Jogos Olímpicos e os Jogos Paralímpicos de Verão de 2016 respectivamente. No dia 31 de agosto de 2016, o Senado aprovou o impeachment de Dilma Rousseff com 61 votos favoráveis e 20 contrários e cassa o mandato de Dilma. O vice-presidente Michel Temer é então empossado no cargo como presidente da república em virtude da vacância do cargo.

Sendo considerado como um governo reformista, Temer encaminha ao congresso nacional re-formas importantes e polêmicas da qual eram aguardadas há décadas. Reformas tais como: Ensino médio, previdência, trabalhista e tributária. Temer dá continuidade ao programa habi-tacional, do qual é lançado ainda no governo Dilma a terceira fase do Minha Casa, Minha Vida que serão construídas mais 2 milhões de moradias até 2018, totalizando 5 milhões de moradias nas três fases do programa.

Movimentos Sociais – Jornadas de Junho de 2013

Os protestos no Brasil em 2013, também conhecidos como Manifestações dos 20 centavos, Manifestações de Junho ou Jornadas de Junho, foram várias manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para contestar os aumentos nas tarifas de transporte público, principalmente nas principais capitais. São as maiores mobilizações no país desde as manifesta-ções pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello em 1992, e chegaram a contar com até 84% de simpatia da população.

Inicialmente restrito a pouco milhares de participantes, os atos pela redução das passagens nos transportes públicos ganharam grande apoio popular em meados de junho, em especial após a forte repressão policial contra os manifestantes, cujo ápice se deu no protesto do dia 13 em São Paulo. Quatro dias depois, um grande número de populares tomou parte das manifesta-ções nas ruas em novos diversos protestos por várias cidades brasileiras e até do exterior. Em seu ápice, milhões de brasileiros estavam nas ruas protestando não apenas pela redução das tarifas e a violência policial, mas também por uma grande variedade de temas como os gastos públicos em grandes eventos esportivos internacionais, a má qualidade dos serviços públicos

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e a indignação com a corrupção política em geral. Os protestos geraram grande repercussão nacional e internacional.

Em resposta, o governo brasileiro anunciou várias medidas para tentar atender às reivindica-ções dos manifestantes e o Congresso Nacional votou uma série de concessões (a chamada "agenda positiva"), como ter tornado a corrupção como um crime hediondo, arquivado a cha-mada PEC 37, que proibiria investigações pelo Ministério Público, e proibido o voto secreto em votações para cassar o mandato de legisladores acusados de irregularidades. Houve também a revogação dos então recentes aumentos das tarifas nos transportes em várias cidades do país, com a volta aos preços anteriores ao movimento.

As manifestações no Brasil seguiram o mesmo processo de "propagação viral" de protestos em outros países, como a Primavera Árabe, no mundo árabe, Occupy Wall St, nos Estados Unidos, e Los Indignados, na Espanha.

Impeachment da Presidente Dilma Rousseff

Em 31 de agosto de 2016, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, foi destituída do cargo após a conclusão de um processo de impeachment, aberto contra ela em 12 de maio do mesmo ano. Entretanto, Dilma Rousseff não perdeu seus direitos políticos com a destituição, isto é, não ficou inabilitada para exercer cargos públicos por um período de oito anos, como prevê a Constituição Federal em seu artigo 52. Neste texto, além de explicarmos como ocorreu esse acontecimento, também indicaremos alguns temas históricos correlatos que podem ser alvos de questões de vestibulares e do Enem nos próximos anos.

Acolhimento do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados

Ao longo do ano de 2015, a Câmara dos Deputados, então presidida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB), recebeu 50 pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Des-ses pedidos, 39 foram rejeitados por não apresentarem provas e argumentos satisfatórios. Dos 11 restantes, Eduardo Cunha acolheu, em 2 de dezembro, aquele que foi protocolado em 15 de outubro. Esse pedido foi elaborado pelos juristas Miguel Reale Jr., Janaína Conceição Paschoal e Hélio Bicudo e subscrito por três líderes de movimentos populares que articularam parte da massa de pessoas que foi para as ruas em várias cidades do país em 2015, sobretudo em 15 de março. São eles: Kim Patroca Kataguiri (Movimento Brasil Livre – MBL), Rogério Chequer (Vem Pra Rua) e Carla Zambelli Salgado (Movimento Contra a Corrupção).

Abertura do processo e afastamento da presidente

O pedido foi encaminhado ao plenário da Câmara para ser votada a sua admissibilidade. A vota-ção ocorreu no dia 17 de abril de 2016. 367 deputados federais foram favoráveis e 137 votaram contra. Aos doze dias do mês seguinte, foi a vez de o plenário do Senado Federal votar contra ou favor da abertura do processo de impeachment. 55 senadores votaram a favor e 22, contra. Sendo assim, o processo estava oficialmente em curso e, como previsto no texto constitucional, Dilma Rousseff teve que se afastar temporariamente do cargo. Seu vice, Michel Temer, assumiu interinamente o posto.

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Argumentos da acusação e da defesa

Segundo a Constituição Federal do Brasil, durante o processo de impeachment, os senadores desempenham função de juízes. Portanto, foi montada uma Comissão Especial de Impeach-ment para apurar as denúncias do processo, ouvir testemunhas da acusação e da defesa e de-bater política e juridicamente o caso.

No pedido que foi acolhido, os denunciantes formularam a acusação de crime de respon-sabilidade contra a presidente Dilma com base no artigo 85 da Constituição Federal e Lei 1. 079/1050. O argumento principal dizia respeito à violação, por parte da presidente, de leis re-lativas ao orçamento e ao controle fiscal, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Essa violação teria sido cometida com a edição de decretos de créditos suplementares sem a aprovação do Congresso Nacional e a realização de operação de crédito com instituição financeira controlada pela União.

A defesa, que foi realizada pelo advogado José Eduardo Cardozo, bem como os senadores par-tidários da presidente, justificou que a edição dos decretos consistia apenas em autorização de gastos, sem impacto na realização da despesa, já que esta seria “controlada pelos decretos de contingenciamento. Quanto a esse aspecto, no ano de 2015, o governo teria promovido o maior contingenciamento da história e cumprido a meta vigente ao final do exercício”. Além disso, a defesa também argumentou que toda a realização do processo de impeachment não tinha legitimidade porque não havia crime algum cometido por Dilma Rousseff. Fez parte desse argumento a narrativa de que o processo, na verdade, era um “golpe parlamentar”, orquestra-do por alguns personagens da cena política, como Eduardo Cunha e Michel Temer.

Votação final

Finalizados os trâmites da Comissão Especial de Impeachment, o processo seguiu para sua fase final, que transcorreu durante os dias 29, 30 e 31 de agosto de 2016. No primeiro dia, a presi-dente Dilma foi ao plenário do Senado Federal fazer a sua defesa e responder aos questiona-mentos dos senadores. Depois, acusação e defesa fizeram seus discursos finais, seguidos pelos discursos, também finais, dos senadores contra e a favor do impeachment. No dia 31, houve a votação decisiva.

Todavia, antes que tivesse início, o primeiro-secretário do Senado, senador Vicentinho Alves, apresentou um requerimento da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) – partido da Presi-dente da República – que pedia o destaque do texto da votação que fala da penalidade aplicada ao presidente que sofre impeachment. O texto integral prevê a destituição do cargo e a perda dos direitos políticos, isto é, a inabilitação para o exercício de funções públicas, por oito anos. O requerimento pedia que ocorressem duas votações, uma para cada quesito da sentença. Os se-nadores votariam: 1) a favor ou contra a perda do mandato da presidente e 2) a favor ou contra a perda dos direitos políticos.

O requerimento foi deferido pelo presidente da mesa do julgamento, que era, na ocasião, o ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. Ocorreram, então, duas votações e a presidente foi destituída de seu posto (primeira votação), mas ficou com os seus direitos políticos preservados (segunda votação). Esse “fatiamento” do texto da pena gerou intensa discussão entre juristas, políticos e jornalistas, já que foi considerado in-constitucional por muitos.

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Operação Lava-Jato

Operação Lava Jato é um conjunto de investigações em andamento pela Polícia Federal do Bra-sil, cumprindo mais de mil mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, visando apurar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou de 10 a 20 bilhões de reais em propina. Iniciada em 17 de março de 2014, a operação contava até fevereiro de 2016 com trinta e oito fases operacionais, durante as quais mais de cem pessoas haviam sido presas e condenadas. Investiga crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, organização criminosa, obstrução da justiça, operação fraudulenta de câmbio e recebimento de vantagem indevida. De acordo com inves-tigações e delações premiadas recebidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato, estão envol-vidos membros administrativos da empresa estatal petrolífera Petrobras, políticos dos maiores partidos do Brasil, incluindo presidentes da Câmara e do Senado e governadores de estados, além de empresários de grandes empresas brasileiras.

A origem do nome da operação foi devido ao uso de uma rede de lavanderias e postos de com-bustíveis para movimentar valores de origem ilícita, investigada na primeira fase da operação, na qual o doleiro Alberto Youssef foi preso. Através de Youssef, constatou-se sua ligação com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, que foi preso preventivamente na segunda fase. Seguindo essa linha de investigação, prendeu-se Nestor Cerveró em 2015, que depois dela-tou. Em junho, a operação atingiu grandes empreiteiras brasileiras, como a Andrade Gutierrez e Odebrecht, cujos respectivos presidentes foram presos; depois muitas outras empresas de empresas de ramos diversos seriam investigadas. Da ligação política, José Dirceu, já condenado em 2013 pelo seu envolvimento no Mensalão, foi preso novamente em agosto, e o publicitário João Santana seria investigado em fevereiro de 2016, enquanto, em março, a condução coer-citiva do ex-presidente Lula para depor à Polícia Federal em São Paulo repercutiu na impren-sa internacional. No mesmo mês, aconteceu a primeira operação internacional realizada pela Operação Lava Jato, em parceria com a Polícia Judiciária portuguesa. O ex-tesoureiro do Partido Progressista, João Cláudio Genu, foi preso em maio. Dois ex-ministros da Fazenda foram presos em setembro, Guido Mantega e Antonio Palocci, aquele liberado logo depois. O primeiro mem-bro eleito do executivo a ser preso foi o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral em no-vembro; no mês seguinte, foi a vez de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara de Deputados. Em janeiro de 2017, o empresário Eike Batista foi preso, e posteriormente, em março de 2017, o ex-gerente da Petrobras Roberto Gonçalves foi preso ao movimentar recursos ilícitos da Suíça para China e Bahamas. Em abril de 2017, a justiça bloqueou 470 milhões de reais do Partido Progressista (PP) e políticos da legenda, em uma ação que pede ressarcimento do partido de 2,3 bilhões de reais. A operação continua ativa.

Ao final de dezembro de 2016, a Operação Lava Jato obteve um acordo de leniência com a em-preiteira Odebrecht, que proporcionou o maior ressarcimento da história mundial. O acordo previu o depoimento de 77 executivos da empreiteira, que gerou 83 inquéritos no STF, e que foram retirados o sigilo em abril de 2017, pelo ministro da Corte Edson Fachin. Em 2017, peritos da Polícia Federal levantaram que as operações financeiras investigadas na Operação Lava Jato somaram 8 trilhões de reais. A Polícia Federal considera-a a maior investigação de corrupção da história do país.

A Operação Lava Jato descobriu um quadro de corrupção sistêmica no Brasil e fez a Justiça criminal funcionar para todos, independentemente de riqueza ou poder. Uma operação desse porte, em que cada fio da meada puxado tem desdobramentos imprevisíveis, não será esqueci-

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da facilmente. Quebrou-se paradigmas e criou-se necessidade de se estabelecer novos padrões de comportamento na política e na economia. Na fase batizada de Catilinárias, cujo alvo foi Eduardo Cunha e outros políticos, foi necessário mergulhar na história antiga e nos discursos de Cicero no Senado romano para entender a situação do Brasil: "Até quando abusarás da nos-sa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós? A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia? (...) Não te dás contas de que teus planos foram desco-bertos?" O sentimento era mesmo o de que zombavam de nós e abusavam de nossa paciência. A pergunta "Até quando?" continua a ecoar nos ouvidos dos brasileiros. A resposta só pode ser dada por meio do fortalecimento das instituições.

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Atualidades

POLÍTICAS PÚBLICAS

1. Conceitos de Políticas Públicas

A função que o Estado desempenha em nossa sociedade sofreu inúmeras transformações ao passar do tempo. No século XVIII e XIX, seu principal objetivo era a segurança pública e a defesa externa em caso de ataque inimigo.

Entretanto, com o aprofundamento e expansão da democracia, as responsabilidades do Estado se diversificaram. Atualmente, é comum se afirmar que a função do Estado é promover o bem estar da sociedade.

Para tanto, ele necessita desenvolver uma série de ações e atuar diretamente em diferentes áreas, tais como saúde, educação, meio ambiente.

Para atingir resultados em diversas áreas e promover o bem-estar da sociedade, os governos se utilizam das Políticas Públicas que podem ser definidas da seguinte forma:

“(...) Políticas Públicas são um conjunto de ações e decisões do governo, voltadas para a solu-ção (ou não) de problemas da sociedade (...)”

Dito de outra maneira, as Políticas Públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos (os governantes ou os to-madores de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles entendem serem as demandas ou expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade é sempre definido pelo governo e não pela sociedade. Isto ocorre porque a sociedade não consegue se expres-sar de forma integral. Ela faz solicitações (pedidos ou demandas) para os seus representantes (deputados, senadores e vereadores) e estes mobilizam os membros do Poder Executivo, que também foram eleitos (tais como prefeitos, governadores e inclusive o próprio Presidente da República) para que atendam as demandas da população.

As demandas da sociedade são apresentadas aos dirigentes públicos por meio de grupos or-ganizados, no que se denomina de Sociedade Civil Organizada (SCO), a qual inclui, conforme apontado acima, sindicatos, entidades de representação empresarial, associação de morado-res, associações patronais e ONGs em geral1.

As sociedades contemporâneas se caracterizam por sua diversidade, tanto em termos de idade, religião, etnia, língua, renda, profissão, como de idéias, valores, interesses e aspirações.

No entanto, os recursos para atender a todas as demandas da sociedade e seus diversos grupos (a SCO) são limitados ou escassos. Como conseqüência, os bens e serviços públicos desejados pelos diversos indivíduos se transformam em motivo de disputa. Assim, para aumentar as pos-

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sibilidades de êxito na competição, indivíduos que têm os mesmos objetivos tendem a se unir, formando grupos.

Não se deve imaginar que os conflitos e as disputas na sociedade sejam algo necessariamente ruim ou negativo. Os conflitos e as disputas servem como estímulos a mudanças e melhorias na sociedade, se ocorrerem dentro dos limites da lei e desde que não coloquem em risco as instituições.

Assim, o interesse público – o qual, por sua vez, reflete as demandas e expectativas da so-ciedade – se forma a partir da atuação dos diversos grupos. Durante a apresentação de suas reivindicações os grupos tentam obter apoio de outros grupos, mas também sofrem oposição daqueles que têm outras reivindicações contrárias. O interesse público se forma, portanto, por meio da disputa de todos os grupos da Sociedade Civil Organizada (SCO). A corrente teórica que criou e desenvolveu tal explicação é denominada de pluralismo. As demais correntes teóricas existentes não dão uma contribuição tão significativa para a explicação do fenômeno e foram ignoradas neste trabalho. A explicação que se segue é, portanto, de cunho pluralista.

Cabe ao formulador de Políticas Públicas conseguir perceber, compreender e selecionar as di-versas demandas.

Compreendidas as diversas demandas e expectativas da sociedade, ele fará a seleção de prio-ridades para, em seguida, oferecer as respostas. As respostas nunca atenderão às expectativas de todos os grupos. Alguns grupos serão contemplados, outros não. Para os grupos contem-plados o governo terá de formular e desenvolver ações para buscar atender suas expectativas, integral ou parcialmente. Quando o governo busca atender as principais (na sua percepção) demandas recebidas, diz-se que ele está voltado para o interesse público (ou seja, para o in-teresse da sociedade). Ao atuar na direção do interesse público, o governo busca maximizar o bem estar social.

Em outras palavras, as Políticas Públicas são o resultado da competição entre os diversos gru-pos ou segmentos da sociedade que buscam defender (ou garantir) seus interesses. Tais inte-resses podem ser específicos – como a construção de uma estrada ou um sistema de captação das águas da chuva em determinada região – ou gerais – como demandas por segurança públi-ca e melhores condições de saúde.

É importante ressalvar, entretanto, que a existência de grupos e setores da sociedade apre-sentando reivindicações e demandas não significa que estas serão atendidas, pois antes disso é necessário que as reivindicações sejam reconhecidas e ganhem força ao ponto de chamar a atenção das autoridades do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

Como exemplo do que foi apresentado, podemos citar o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), gerenciado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), cuja missão é “estabelecer ações conjuntas no sentido de enfrentar os desafios e potencializar as muitas oportunidades existentes para o desenvolvimento do Setor Artesanal, gerando opor-tunidades de trabalho e renda, bem como estimular o aproveitamento das vocações regionais, levando à preservação das culturas locais e à formação de uma mentalidade empreendedora, por meio da preparação das organizações e de seus artesãos para o mercado competitivo”, con-forme apresentado na página do MDIC². Tal programa é gerido pelo governo federal, mas busca a descentralização, pois pretende desenvolver as potencialidades dos estados e municípios.

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Tal política foi desenvolvida visando a geração de emprego e renda bem como a preservação das culturas locais e a criação de uma mentalidade empreendedora. Para tanto, as ações ado-tadas são a capacitação de artesãos e multiplicadores, estruturação de núcleos produtivos do segmento artesanal, feiras e eventos para comercialização da produção artesanal e rotas de artesanato e turismo. Certamente tais ações não são consideradas suficientes por todos os gru-pos envolvidos nesse tema, entretanto, certamente ela surgiu como resultado da interação dos elementos que constituem esse segmento social.

2. Os atores das Políticas Públicas

Aos grupos que integram o Sistema Político, apresentando reivindicações ou executando ações, que serão transformadas em Políticas Públicas, denominamos de Atores.

No processo de discussão, criação e execução das Políticas Públicas, encontramos basicamente dois tipos de atores: os ‘estatais’ (oriundos do Governo ou do Estado) e os ‘privados’ (oriundos da Sociedade Civil). Os atores estatais são aqueles que exercem funções públicas no Estado, tendo sido eleitos pela sociedade para um cargo por tempo determinado (os políticos), ou atu-ando de forma permanente, como os servidores públicos (que operam a burocracia).

Existe importante diferença no modo de agir de cada um desses segmentos.

Os políticos são eleitos com base em suas propostas de políticas apresentadas para a popula-ção durante o período eleitoral e buscam tentar realizá-las. As Políticas Públicas são definidas no Poder Legislativo, o que insere os Parlamentares (vereadores e deputados) nesse processo. w.desenvolvimento.gov.br

Entretanto, as propostas das Políticas Públicas partem do Poder Executivo, e é esse Poder que efetivamente as coloca em prática. Cabe aos servidores públicos (a burocracia) oferecer as in-formações necessárias ao processo de tomada de decisão dos políticos, bem como operacio-nalizar as Políticas Públicas definidas. Em princípio, a burocracia é politicamente neutra, mas frequentemente age de acordo com interesses pessoais, ajudando ou dificultando as ações go-vernamentais.

Assim, o funcionalismo público compõe um elemento essencial para o bom desempenho das diretrizes adotadas pelo governo.

Já os atores privados são aqueles que não possuem vínculo direto com a estrutura administra-tiva do Estado.

Fazem parte desse grupo:

• A imprensa;

• Os centros de pesquisa;

• Os grupos de pressão, os grupos de interesse e os lobbies;

• As Associações da Sociedade Civil Organizada (SCO);

• As entidades de representação empresarial;

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• Os sindicatos patronais;

• Os sindicatos de trabalhadores;

• Outras entidades representativas da Sociedade Civil Organizada (SCO).

Ainda utilizando o Programa do Artesanato Brasileiro, podemos citar como exemplo de atores estatais envolvidos os deputados e senadores (responsáveis pela aprovação do orçamento que define quanto será gasto por cada Política Pública), governadores, deputados estaduais (res-ponsáveis pela elaboração de Políticas Públicas estaduais), prefeitos e vereadores (que, além de elaborar as políticas municipais, se utilizam de seu prestigio político para apresentar reivin-dicações de suas localidades a deputados, senadores e ao Poder Executivo federal e estadual), ministros de Estado, servidores do MDIC (mais especificamente do Departamento de Micro, Pequenas e Médias Empresas), do Ministério da Cultura (já que o artesanato se insere em suas atribuições) e do Ministério do Turismo (uma vez que uma das ações da política é a chamada Rotas de Turismo), servidores dos órgãos estaduais referentes ao artesanato, dentre outros.

Já os artesãos e suas associações, entidades de apoio ao desenvolvimento das micro e peque-nas empresas, bem como as que se dedicam ao desenvolvimento do empreendedorismo em nossa sociedade, grupos ligados a atividades turísticas e culturais são alguns dos atores priva-dos envolvidos nessa política.

3. As fases das Políticas Públicas (o ciclo ou estágios das Políticas Públicas)

O processo de formulação de Políticas Públicas, também chamado de Ciclo das Políticas Públi-cas, apresenta diversas fases:

• PRIMEIRA FASE – Formação da Agenda (Seleção das Prioridades)

• SEGUNDA FASE – Formulação de Políticas (Apresentação de Soluções ou Alternativas)

• TERCEIRA FASE – Processo de Tomada de Decisão (Escolha das Ações)

• QUARTA FASE – Implementação (ou Execução das Ações)

• QUINTA FASE – Avaliação

Na prática, as fases se interligam entre si, de tal forma que essa separação se dá mais para faci-litar a compreensão do processo.

PRIMEIRA FASE Formação da Agenda

É impossível para os atores públicos concentrarem suas atenções e atenderem a todos os pro-blemas existentes em uma sociedade, dado que estes são abundantes e os recursos necessários para solucioná-los, escassos. Por isso, é necessário que se estabeleçam quais questões serão tratadas pelo governo. O processo de definição da lista de principais problemas da sociedade é chamado de Formação da Agenda. Tal processo envolve a emergência, o reconhecimento e a definição das questões que serão tratadas e, como conseqüência, quais serão deixadas de lado. O tratamento dos problemas se encontra no processo orçamentário, o qual será melhor traba-

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lhado à frente. Cabe aqui dizer que, no caso do Governo Federal foram estabelecidos no Plano Plurianual de 2007 a 2011 aproximadamente 210 programas finalísticos no âmbito do Poder Executivo, que por sua vez se multiplicam em ações e projetos.

Existe uma série de elementos que contribuem para que determinado problema se insira na Agenda Governamental, dentre os quais podemos citar, a título ilustrativo:

• A existência de indicadores, que são uma série de dados que mostram a condição de deter-minada situação. Se esses indicadores apresentarem uma situação problemática, ela pode-rá ser inserida na Agenda Governamental para sofrer interferência do poder público. Um exemplo seria uma alta taxa de mortalidade de micro e pequenas empresas nos primeiros meses de sua existência, o que poderia resultar em uma política pública voltada para esse segmento; Eventos Simbólicos. Situações que, pela repercussão social que causam, cha-mam a atenção para determinados problemas, como casos de crimes violentos que, pela comoção na população, podem dar início a ações do governo que busquem evitar que ou-tros crimes parecidos ocorram;

• Feedback das ações governamentais.

São os resultados obtidos com programas anteriores, encerrados ou não, que apontam falhas nas medidas adotadas pelo referido programa avaliado ou outros problemas que até então não recebiam atenção governamental. Em geral, são frutos de avaliações das políticas. Os proces-sos institucionais também desempenham um relevante papel na definição da Agenda. A rotina administrativa e as regras do sistema político produzem uma dinâmica que influi na inclusão de determinado tema. Como exemplo, podemos citar o fato de que os períodos de transição de governos são apontados como aqueles onde a Agenda muda com maior facilidade, o que tam-bém demonstra a importância da visão dos políticos sobre quais temas devem receber maior atenção.

Porém, cabe ressalvarmos que, mesmo que uma questão se insira na Agenda Governamental, isso não significará que ela será considerada prioritária. Isso só ocorre quando diversos fatores se juntam, tais como vontade política, mobilização popular e a percepção de que os custos de não resolver o problema serão maiores que os custos de resolvê-los.

SEGUNDA FASE Formulação de Políticas

A partir do momento em que uma situação é vista como problema e, por isso, se insere na Agenda Governamental, é necessário definir as linhas de ação que serão adotadas para solucio-ná-los.

Este processo, no entanto, não ocorre de maneira pacífica, uma vez que geralmente alguns grupos considerarão determinadas formas de ação favorável a eles, enquanto outros a conside-rarão prejudicial, iniciando-se assim um embate político.

Esse é o momento onde deve ser definido qual é o objetivo da política, quais serão os progra-mas desenvolvidos e as metas almejadas, o que significa a rejeição de várias propostas de ação.

Certamente essa escolha, além de se preocupar com o posicionamento dos grupos sociais, ne-cessita ser feita ouvindo o corpo técnico da administração pública, inclusive no que se refere aos recursos – materiais, econômicos, técnicos, pessoais, dentre outros – disponíveis.

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De forma geral, podemos definir os seguintes passos como necessários a um bom processo de elaboração de Políticas Públicas:

• A conversão de estatísticas em informação relevante para o problema;

• Análise das preferências dos atores e;

• Ação baseada no conhecimento adquirido.

Com o objetivo de facilitar a formulação de propostas, o responsável pela elaboração da Políti-ca Pública deve se reunir com os atores envolvidos no contexto (área ou setor) onde ela irá ser implantada e pedir a eles uma proposta sobre qual seria a melhor forma de se proceder e, em caso de inviabilidade desta, qual seria a melhor alternativa. Assim, a autoridade terá em suas mãos uma série de opiniões que servirão como uma fonte de idéias, as quais poderão apontar o caminho desejado por cada segmento social, auxiliando na escolha e contribuindo com a le-gitimidade da mesma.

As opiniões dos grupos precisam ser analisadas de maneira objetiva, considerando-se a viabi-lidade técnica, legal, financeira, política, dentre outras. Outra análise importante se refere aos riscos que cada alternativa traz, desenvolvendo uma forma de compará-las e de medir qual é mais eficaz e eficiente para atender ao objetivo e aos interesses sociais.

No caso do Programa do Artesanato Brasileiro, a interação entre todos os atores não estatais envolvidos, ouvindo as considerações técnicas do corpo administrativo, juntamente com ele-mentos políticos, resultou na definição das seguintes macroações: Capacitação de Artesãos e Multiplicadores; Estruturação de Núcleos Produtivos do Segmento Artesanal; Feiras e Eventos para Comercialização da Produção Artesanal; Gestão e Administração do Programa e Rotas de Artesanato e Turismo.

TERCEIRA FASE Processo de Tomada de Decisões

Durante todo o ciclo de Políticas Públicas é necessário se tomar decisões. Entretanto, a fase de tomada de decisões pode ser definida como o momento onde se escolhe alternativas de ação/ intervenção em resposta aos problemas definidos na Agenda. É o momento onde se define, por exemplo, os recursos e o prazo temporal de ação da política. As escolhas feitas nesse momento são expressas em leis, decretos, normas, resoluções, dentre outros atos da administração pú-blica.

Outro passo importante, nessa fase, é se definir como se dará o processo de tomada de deci-sões, ou seja, qual o procedimento que se deve seguir antes de se decidir algo. Primeiramente deverá se decidir quem participará do processo, se este será aberto fechado.

Caso venha a ser aberto, é preciso determinar se haverá ou não uma consulta ampla aos be-neficiários. No caso de se prever tal tipo de consulta (como, por exemplo, no Orçamento Parti-cipativo), é necessário estabelecer se a decisão será ou não tomada por votação, as regras em torno da mesma, o número de graus (direta ou indireta) que envolverá a consulta que será feita aos eleitores etc. Essa definição é fundamental pelo fato de que diferentes formas de decisão podem apresentar diferentes controladores da Agenda e resultar em decisões diferentes.

Estudiosos em Políticas Públicas desenvolveram vários modelos para explicar o processo de to-mada de decisão. Tais modelos, cujo objetivo é descrever o que acontece, podem ser uma aju-

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da valiosa para aqueles formuladores de políticas que não desenvolveram ainda conhecimento prático, permitindo que eles aprendam se poupando de alguns erros.

Dentre os diversos modelos, cabe citar neste trabalho a Abordagem das Organizações, que pressupõe que o governo é um conjunto de organizações dos mais diversos níveis, dotadas de maior ou menor autonomia. A forma dos governos perceberem problemas são os sensores das organizações, e as informações fornecidas por tais sensores se constituem em recurso para se solucionar os problemas inseridos nesse modelo, as Políticas Públicas passam a ser entendidas como resultado da atuação das organizações.

Assim, os atores são as próprias organizações que concorrem em termos de poder e influência para promover a sua perspectiva e interpretação dos problemas tratados. Sob este enfoque, explicam-se as decisões basicamente como o resultado de interações políticas entre as organi-zações burocráticas. As soluções ajustam-se aos procedimentos operacionais padronizados, ou seja, às rotinas organizacionais.

Segundo esse modelo, uma boa decisão seria aquela que permitisse a efetiva acomodação de todos os pontos de conflito envolvidos naquela Política Pública. Os principais atores, ou seja, aqueles que têm condições efetivas de inviabilizar uma Política Pública devem ter a convicção de que saíram ganhando.

Na pior hipótese, nenhum deles deve se sentir completamente prejudicado.

Na prática, isso requer que os atores que podem impedir a execução devem sentir que poderão não ter ganhos reais mas, ao menos, não terão prejuízos com a política proposta.

Definiu-se que a forma de tomada de decisão do PAB é o Fórum do Artesanato Brasileiro, que é “um espaço do PAB onde as diretrizes para o desenvolvimento de Políticas Públicas são cons-truídas, de forma democrática e participativa, cuja abrangência contempla quatro gerências básicas”, conforme consta na página do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Assim, busca-se acomodar o máximo possível as diferentes formas de pensar dos ato-res envolvidos, objetivando maximizar os benefícios do programa.

QUARTA FASE Implementação

É o momento onde o planejamento e a escolha são transformados em atos.

O corpo administrativo é o responsável pela execução da política. Cabe a eles a chamada ação direta, ou seja, a aplicação, o controle e o monitoramento das medidas definidas. Durante esse período, a política pode sofrer modificações drásticas dependendo da postura do corpo admi-nistrativo.

Estudiosos apresentam dois modelos de implementação das Políticas Públicas; o de Cima para Baixo (que é a aplicação descendente ou, em outras palavras, do governo para a população) e o de Baixo para Cima (que é a aplicação ascendente ou da população para o governo).

O modelo de Cima para Baixo representa um modelo centralizado, onde apenas um número muito pequeno de funcionários participa das decisões e opina na forma da implementação das Políticas Públicas. Ele reflete uma concepção hierárquica da administração pública, segundo a qual a decisão tomada pela administração pública seja acatada e cumprida pelos demais.

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Já o modelo de Baixo para Cima é caracterizado pela descentralização. Ou seja, ele supõe a participação dos beneficiários ou do usuário final das políticas em questão. Ele representa uma perspectiva participativa das Políticas Públicas, o que é possível pelo contato direto do cidadão com o aparato da administração pública. Os beneficiários são chamados a participar.

Durante a fase de implementação, é possível se perceber alguns fatores que podem compro-meter a eficácia das políticas. Podemos citar como exemplo as disputas de poder entre as or-ganizações, bem como fatores internos e os fatores externos que afetam o desempenho das instituições, tais como suas estruturas e a preparação formal e treinamento do quadro adminis-trativo encarregado da execução de políticas.

Dentre os fatores de disputas entre as organizações, destacam-se a quantidade de agências ou organizações envolvidas no acompanhamento e controle das políticas e o grau de coopera-ção ou lealdade entre elas. Quanto maior o número de organizações envolvidas na execução de uma política, maior será o número de comandos ou ordens que tem de ser expedidas e, conseqüentemente, o tempo demandado para a realização das tarefas. A extensão da cadeia de comando mede-se pelo número de decisões que é necessário adotar para que o programa funcione.

A extensão de comando afeta o grau de cooperação entre as organizações, tornando o controle e monitoração do processo de implementação mais complexo e difícil. Dessa forma, quanto mais elos – agências e organizações da administração pública envolvidas na execução de tare-fas – tiver a cadeia de comando – canais de transmissão das ordens para execução das tarefas – mais sujeita a deficiências estará a implementação de políticas.

Dentre os fatores internos que afetam as organizações, podemos enumerar, em primeiro lu-gar, as características estruturais das agências burocráticas – recursos humanos, financeiros e materiais – e a relação entre quantidade de mudanças exigidas por uma política e extensão do consenso sobre seus objetivos e metas.

As características das agências abrangem aspectos objetivos – como tamanho, hierarquia, au-tonomia, sistemas de comunicação e de controle – e qualitativos – como a competência da equipe e a vitalidade de seus membros.

Essas características estruturais são responsáveis não apenas pela eficácia na execução das ta-refas como também pela compreensão mais ou menos precisa dos implementadores acerca da política e pela abertura ou adaptabilidade da organização às mudanças.

Quanto ao segundo fator interno, cabe destacar a existência de consenso dentro da burocracia. Com efeito, a relação entre a quantidade de mudanças exigidas afeta inversamente o consenso sobre a política, ou seja, quanto mais mudanças no padrão de interação dos atores ou nas es-truturas forem necessárias, menor será o consenso sobre como atingi-las.

Isso afeta negativamente o grau de cooperação entre as organizações e a lealdade da burocra-cia aos formuladores, provocando deficiências e deturpações na implementação das Políticas Públicas.

Os fatores externos, por fim, também afetam as Políticas Públicas. Com efeito, a opinião pú-blica, a disposição das elites, as condições econômicas e sociais da população e a posição de grupos privados podem tornar problemática a execução das políticas.

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A indiferença e descaso gerais, a resistência passiva ou a mobilização intensa contra as medidas podem configurar uma conjuntura negativa que prejudique a aplicação dos objetivos e metas propostas na política.

Para melhor se entender isso, é importante ressaltar quais características possuem os indiví-duos que podem contribuir para o aparecimento dos fatores externos. Além da diferença na escala social (grupos de alta, média ou baixa posição), as características mais importantes dos atores políticos são: a racionalidade, os interesses e as capacidades que possuem para agir.

Se entendermos essas três características, entenderemos como ocorre a formulação de Polí-ticas Públicas na prática. A racionalidade é a capacidade de um Grupo Social (um ator) definir estratégias e cursos de ação para alcançar seus objetivos.

Os interesses representam as preferências de um dado ator por uma certa política com a qual possui mais afinidade em detrimento de outras que desconhece ou não possui simpatia.

A capacidade reflete os recursos (carisma, possibilidade de mobilização, liderança, unidade, acesso aos meios de comunicação) que um ator possui na sua relação com seus representados, o que faz com que a sociedade ouça seus argumentos e os leve em consideração (ou não).

QUINTA FASE Avaliação

A avaliação é um elemento crucial para as Políticas Públicas. O fato de ser apresentada como úl-tima etapa não significa que ela seja uma ferramenta para ser utilizada apenas quando o tempo de atuação da Política Pública acaba. Muito pelo contrário, a avaliação pode ser feita em todos os momentos do ciclo de Políticas Públicas, contribuindo para o sucesso da ação governamen-tal e a maximização dos resultados obtidos com os recursos destinados. Além disso, a avaliação também é uma fonte de aprendizado que permite ao gestor perceber quais ações tendem a produzir melhores resultados.

A avaliação permite à administração:

• Gerar informações úteis para futuras Políticas Públicas;

• Prestar contas de seus atos;

• Justificar as ações e explicar as decisões;

• Corrigir e prevenir falhas;

• Responder se os recursos, que são escassos, estão produzindo os resultados esperados e da forma mais eficiente possível;

• Identificar as barreiras que impedem o sucesso de um programa;

• Promover o diálogo entre os vários atores individuais e coletivos envolvidos;

De maneira geral, o processo de avaliação de uma política leva em conta seus impactos e as funções cumpridas pela política. Além disso, busca determinar sua relevância, analisar a efici-ência, eficácia e sustentabilidade das ações desenvolvidas, bem como servir como um meio de aprendizado para os atores públicos.

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Os impactos se referem aos efeitos que uma Política Pública provoca nas capacidades dos ato-res e grupos sociais, por meio da redistribuição de recursos e valores, afetando interesses e suas estruturas de preferências. A avaliação de impacto analisa as modificações na distribuição de recursos, a magnitude dessas modificações, os segmentos afetados, as contribuições dos componentes da política na consecução de seus objetivos.

A avaliação de uma política também deve enfocar os efeitos que esses impactos provocam e que se traduzem em novas demandas de decisão por parte das autoridades, com o objetivo de anular ou reforçar a execução da medida. Também é importante analisar se a política produziu algum impacto importante não previsto inicialmente, bem como determinar quais são os maio-res obstáculos para o seu sucesso.

Quanto às funções cumpridas pela política, a avaliação deve comparar em que medida a Polí-tica Pública, nos termos em que foi formulada e implementada, cumpre os requisitos de uma boa política.

Idealmente, uma boa política deve cumprir as seguintes funções:

• Promover e melhorar os níveis de cooperação entre os atores envolvidos;

• Constituir-se num programa factível, isto é, implementável;

• Reduzir a incerteza sobre as conseqüências das escolhas feitas;

• Evitar o deslocamento da solução de um problema político por meio da transferência ou adiamento para outra arena, momento ou grupo;

• Ampliar as opções políticas futuras e não presumir valores dominantes e interesses futuros nem predizer a evolução dos conhecimentos. Uma boa política deveria evitar fechar possí-veis alternativas de ação.

Para se determinar a relevância de uma política deve se perguntar se as ações desenvolvidas por ela são apropriadas para o problema enfrentado.

Para se analisar a eficácia e eficiência de um programa, uma avaliação deve buscar responder se os produtos alcançados são gerados em tempo hábil, se o custo para tais produtos são os menores possíveis e se esses produtos atendem aos objetivos da política. Quanto à sustentabi-lidade, uma política deve ser capaz de que seus efeitos positivos se mantenham após o término das ações governamentais na área foco da Política Pública avaliada.

Por fim, é importante se apreender, dentre outras coisas, quais seriam outras alternativas de ações que poderiam ter sido adotadas – e que poderão ser em intervenções futuras – e quais lições se tirar da experiência – tanto daquilo que deu certo como do que deu errado.

Comumente encontramos na literatura destinada às Políticas Públicas duas divisões de avalia-ção: a que se refere ao grupo responsável por avaliá-la e a relativa à finalidade da avaliação.

A primeira divisão se dá entre a avaliação interna – que é conduzida pela equipe responsável pela operacionalização do programa – e a externa – feita por especialistas que não participam do programa. A vantagem da primeira se dá devido ao fato de que, ao estarem inseridos no programa, a equipe terá maior conhecimento sobre ele, além de acesso facilitado às informa-ções necessárias, o que diminui o tempo e os custos da avaliação. Em contrapartida, a equipe envolvida no programa pode não contar com a separação do objeto avaliado, necessária para

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se garantir a imparcialidade. Já a avaliação externa tem como ponto fraco o tempo necessário para se familiarizar com o objeto de estudo, porém conta com imparcialidade maior.

A segunda divisão se refere ao objetivo da avaliação, e pode ser formativa, quando se busca informações úteis para a equipe na parte inicial do programa, ou a somativa, que busca gerar informações sobre o valor ou mérito do programa a partir de seus resultados, para que a au-toridade responsável possa tomar sua decisão de manter, diminuir, aumentar ou encerrar as ações do programa.

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Atualidades

SEGURANÇA

Redemocratização e paradoxos da segurança pública

Num breve olhar sobre a história do país, é difícil discernir o que é parte de uma política de-liberada de segurança ou o que é decorrência de práticas sociais e institucionais tradicionais. Durante o período colonial, os crimes atentavam contra a vontade do soberano e eram consi-derados faltas morais ou religiosas. As atribuições policiais e judiciais estavam concentradas em poucos cargos da hierarquia da administração colonial da justiça, havendo considerável disper-são de mecanismos de vigilância e punição, muitos dos quais eram religiosos e/ou privados. A administração colonial contava com ampla participação dos senhores da terra e a justiça era exercida à distância. As práticas de punição eram, em regra, o degredo (para pessoas de maior condição) e o açoite (para os escravos). As práticas de investigação eram baseadas na suspeita sistemática e as provas eram obtidas mediante tortura judicial. Essas práticas generalizaram-se quando o Santo Ofício desembarcou em terras brasileiras. O município era o centro das preocu-pações da administração da justiça na colônia portuguesa e base de toda a estrutura colonial. Nesse sentido, as cidades eram símbolos do poder da metrópole e da igreja e nelas havia os locais para a detenção e punição dos criminosos. As cidades foram construídas em decorrência das necessidades imediatas da exploração econômica e, embora fossem o centro do controle político, gozavam de ampla autonomia e independência.

Depois de três séculos de vida colonial, vivendo à sombra das instituições e da legislação por-tuguesa, o Brasil passou a ter uma Constituição, em 1824, um Código Criminal, em 1830, e um Código de Processo Criminal, em 1832. A legislação penal passou a entender o crime como infração à regra penal, para a qual penalidades específicas foram prescritas. O sofrimento físi-co começou a ceder espaço às punições tecnicamente frias, como o degredo ou a privação da liberdade. As punições passaram a estar relacionadas à retribuição, à recomposição da infração de uma lei anterior e o criminoso passou a ser visto como aquele que rompeu um pacto social. A escravidão permanecia como problema político, moral, econômico e social. Durante o Im-pério, embora o Brasil tivesse um governo acentuadamente centralizado, as províncias man-tiveram-se isoladas e com autonomia em relação à aplicação da lei e ao uso das instituições judiciais. O espetáculo punitivo foi praticado contra escravos, durante quase todo o século XIX. Embora muitos dos castigos aplicados em escravos ainda permanecessem subordinados à es-fera da fazenda, portanto, à esfera privada, nas cidades os castigos davam-se em praça pública e eram executados por “funcionários públicos”. Os castigos atraíam enorme atenção popular. O sistema punitivo do Brasil imperial manteve a pena de prisão com trabalho forçado, as multas e os suplícios públicos. O sentido profundo dessa disparidade ainda está por ser desvelado. Esse sistema perdeu espaço na medida em que a crise do escravismo se acentuava. As reformas le-gais liberais, ocorridas durante a década de 1870, apontavam nessa direção.

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Na República, com a promulgação de uma nova Constituição, em 1891, e de um novo Código Penal, um ano antes, o federalismo e a pena de prisão celular tornaram-se regra. Os interesses dos plantadores de café fizeram-se representar tanto na política como na administração da justiça. É claro que a economia agroexportadora, sustentada pelo latifúndio e pela empresa cafeeira, deu impulso ao desenvolvimento das cidades. As condições para isso foram o trabalho livre e a importação de mão de obra europeia. Os trabalhadores importados, assimilados pelo primeiro surto industrial, organizaram associações para reivindicar melhores condições de vida e trabalho. O acesso restrito à política e as baixas concessões feitas pelos industriais à demanda dos trabalhadores permitiram a ampliação da luta política no espaço da rua, na forma de greves e manifestações. O cenário da luta dos trabalhadores foi a cidade de São Paulo. Além de suas funções públicas, comerciais, bancárias e industriais, a cidade era local de moradia das elites políticas e econômicas. O espaço urbano, dividido entre bairros das elites e de trabalhadores, funcionou como lente de aumento das novas tensões sociais e como laboratório para inúmeras estratégias de controle e segregação. Polícia, prisões e outras instituições, nesse sentido, rece-beram atenção especial das elites.

Mudanças importantes somente ocorreram com as Constituições de 1934, de 1937, de 1946, com o Código Penal de 1940 e com o Código do Processo Penal de 1941. Foram mudanças contraditórias, pois as instituições de segurança pública - polícia, prisões, ministério público, magistrados e júri – não mudaram muito em relação à configuração legada pela Primeira Re-pública, embora, sob o Estado Novo, tenha havido uma centralização e uma racionalização da administração pública sem precedentes na história do país. Vários relatos indicam até mesmo uma degradação acelerada dessas instituições durante o Estado Novo e, mais adiante, durante a Ditadura Militar. Nos períodos de exceção, as violações de direitos, as prisões ilegais, a vio-lência policial, as condições iníquas de cárceres e instituições de repressão tornaram-se moeda corrente. O acesso à justiça e a distribuição de renda agravaram-se, sobretudo diante do aden-samento populacional nas principais capitais e em suas regiões metropolitanas.

O período de 1945 a 1964, do ponto de vista constitucional, foi uma exceção a essa regra. Mas não se sabe o quanto nossa primeira experiência democrática promoveu mudanças no trata-mento dispensado àqueles que estavam submetidos à justiça e à lei. Notícias veiculadas na imprensa sugerem que as garantias constitucionais nada significavam para os detidos e inves-tigados pela polícia, nem para os indivíduos que cumpriam pena ou que estavam em manicô-mios, e não traziam ônus adicionais aos homens da lei. A tortura, a corrupção, as atividades de justiceiros e as rebeliões em presídios parecem ter uma história mais longa e um destino mais persistente do que imagina nossa credulidade democrática.

O processo de democratização do Brasil, iniciado em 1985, teve seu apogeu com a promulga-ção da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, a chamada Constituição Ci-dadã, que abrangeu um considerável elenco de direitos civis, políticos e sociais. O controle da violência do Estado, até a transição política, era tão rarefeito que qualquer referência aos ins-trumentos internacionais era meramente retórica, haja vista a distância entre as práticas dos agentes do Estado e as exigências de vários textos legais nacionais e internacionais.

Os governos civis, além de terem promovido o ingresso do Brasil na legalidade do sistema in-ternacional de proteção dos direitos humanos, puseram em prática iniciativas, mesmo algumas vezes intermitentes e interrompidas, de uma nova abordagem oficial em relação aos direitos e garantias constitucionais e às violações dos direitos humanos. Apesar da nova configuração político-institucional, baseada no reconhecimento e na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, isto é, da democracia formal, os institutos jurídicos tradicionais do direito brasileiro

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e as práticas institucionais baseadas no Estado não sofreram mudança imediata; ao contrário, durante os últimos quinze anos de exercício democrático, subsistiram práticas ilegais, corrup-ção, violência, promovidas pelos próprios agentes do Estado, bem como toda uma cultura au-toritária, dispersa em nossa sociedade (Pinheiro, 1996). A criminalidade violenta agravou-se, particularmente os homicídios que incidem sobre os jovens, algumas vezes tendo como agen-tes os membros das próprias corporações estatais responsáveis pela segurança pública (Paixão, 1988).

Porém o Estado, diferentemente da época do regime de exceção, não era mais o coordena-dor direto das ações de violência ilegal, embora, em parte, tenha enorme responsabilidade no problema ao não promover a integração do repertório constitucional às práticas policiais, ju-diciais e punitivas. As duas últimas décadas foram marcadas pela crescente insegurança social diante da expansão da criminalidade e da ampliação de esferas privadas e segregadas (condo-mínios fechados, bolsões residenciais, grades e muros), cada vez mais marcada pelos espaços não propícios para a manifestação pública desinteressada (Soares, 2000). A segurança passou, nos últimos surveys, a ocupar o segundo lugar nas preocupações dos cidadãos brasileiros, so-mente abaixo do desemprego. Os efeitos disso são preocupantes, pois assinalam o aumento dos gastos do poder público (armas e equipamentos), da comunidade (dispositivos eletrônicos e condomínios fechados) e dos indivíduos (veículos blindados, seguros, armas) com segurança (Caldeira, 2001).

No mesmo momento em que houve a explosão da violência e do conseqüente aumento de sua percepção pública, as políticas de segurança passaram a ser alvo de discussões, debates e propostas (Adorno, 1998). A expectativa generalizada era que essa onda pudesse ter interferi-do positivamente nas práticas de nossas instituições e, no limite, melhorado a prestação dos serviços de segurança à população. Mas a realidade tem se mostrado, por enquanto, imune a essa tendência (Chevigny, 1995). Apenas para ressaltar um ponto, embora a sensação de medo seja mais ou menos generalizada, na cidade de São Paulo, por exemplo, a distribuição de crimes é desigual e tende a acompanhar o mapa sócio-econômico. A possibilidade de uma pessoa ser vítima de homicídio é muito maior nos distritos censitários localizados nas regiões periféricas do que nos distritos do chamado centro expandido ou nos distritos que apresentam Índice de Desenvolvimento Humano considerado elevado. Em contrapartida, os crimes contra o patri-mônio ocorrem em maior número nos distritos do centro ou do centro expandido do que nos limites extremos da cidade (Pinheiro, 1999). O poder público, muitas vezes, não acompanha, em suas prioridades, essa lógica elementar. O poder público tem insistido em considerar os crimes contra o patrimônio (e os seqüestros) como prioridade e parte importante dos recur-sos públicos de segurança não é destinada às áreas periféricas. Sabe-se, no entanto, que essa estratégia não tem resultados inequívocos, pois as taxas de crimes contra o patrimônio (furto, roubo, furto e roubo de veículos) permanecem elevadas ou continuam em acentuada elevação (Adorno, 1998)

A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

Na última década, a questão da segurança pública passou a ser considerada problema funda-mental e principal desafio ao estado de direito no Brasil. A segurança ganhou enorme visibi-lidade pública e jamais, em nossa história recente, esteve tão presente nos debates tanto de especialistas como do público em geral.

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Os problemas relacionados com o aumento das taxas de criminalidade, o aumento da sensa-ção de insegurança, sobretudo nos grandes centros urbanos, a degradação do espaço público, as dificuldades relacionadas à reforma das instituições da administração da justiça criminal, a violência policial, a ineficiência preventiva de nossas instituições, a superpopulação nos presí-dios, rebeliões, fugas, degradação das condições de internação de jovens em conflito com a lei, corrupção, aumento dos custos operacionais do sistema, problema relacionados à eficiência da investigação criminal e das perícias policiais e morosidade judicial, entre tantos outros, repre-sentam desafios para o sucesso do processo de consolidação política da democracia no Brasil.

A amplitude dos temas e problemas afetos à segurança pública alerta para a necessidade de qualificação do debate sobre segurança e para a incorporação de novos atores, cenários e pa-radigmas às políticas públicas.

O problema da segurança, portanto, não pode mais estar apenas adstrito ao repertório tradi-cional do direito e das instituições da justiça, particularmente, da justiça criminal, presídios e polícia. Evidentemente, as soluções devem passar pelo fortalecimento da capacidade do Esta-do em gerir a violência, pela retomada da capacidade gerencial no âmbito das políticas públicas de segurança, mas também devem passar pelo alongamento dos pontos de contato das insti-tuições públicas com a sociedade civil e com a produção acadêmica mais relevante à área.

Em síntese, os novos gestores da segurança pública (não apenas policiais, promotores, juízes e burocratas da administração pública) devem enfrentar estes desafios além de fazer com que o amplo debate nacional sobre o tema transforme-se em real controle sobre as políticas de segu-rança pública e, mais ainda, estimule a parceria entre órgãos do poder público e sociedade civil na luta por segurança e qualidade de vida dos cidadãos brasileiros.

Trata-se na verdade de ampliar a sensibilidade de todo o complexo sistema da segurança aos influxos de novas idéias e energias provenientes da sociedade e de criar um novo referencial que veja na segurança espaço importante para a consolidação democrática e para o exercício de um controle social da segurança.

Planos de combate à violência

A segurança pública é um dos temas mais debatidos e pesquisados nos últimos anos no Brasil.

Entretanto, as discussões e a visibilidade pública do problema ainda não tiveram impacto de-finitivo na produção de conhecimento acadêmico na área. Evidentemente, muitos pesquisa-dores vêm se debruçando sobre o assunto e a bibliografia nacional sobre segurança não pára de ampliar-se e de se aprofundar. Mas as políticas públicas voltadas para a segurança ainda carecem de uma reflexão mais sistemática e a produção acadêmica necessita conversar com a produção que emerge dentro das instituições voltadas para segurança.

A dificuldade reside em grande medida à tradição jurídica e policial brasileira que coloca a se-gurança como um problema afeto mais a juristas e a profissionais. A segurança pública conti-nua sendo uma área de pouca penetração para outras áreas do conhecimento como as Ciências Sociais, a Psicologia, a Administração, a Economia, a História e a Geografia.

O predomínio do Direito (bem como a formação policial em academias insuladas do contexto universtário mais amplo) tornam a segurança pública basicamente um problema de lei e or-dem, sujos efeitos se traduzem numa discussão estéril sobre mecanismos mais apropriados

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para aumentar o grau de punitividade de nossas instituições, particularmente aquelas ligadas tradicionalmente ao direito penal e à administração da justiça criminal.

A própria composição profissional das instituições da segurança pública refletem essa tradição. Em grande parte, delegacias de policia, instituições correcionais, fóruns e unidades de cumpri-mento de medidas sócio-educativas são concebidas, geridas e controladas por profissionais da área do direito e com formação técnica específica, proporcionada pelas instituições elas mes-mas.

Em vários lugares do mundo, particularmente no contexto anglo-saxão, os profissionais da área da justiça criminal têm procurado formação complementar em universidades e encontrado es-paço e abertura para construir seu conhecimento de forma transdisciplinar. Nas universidades, centros de pesquisa (que recebem recursos públicos e privados) têm se tornado espaço impor-tante para formação complementar e para a realização de pesquisas acadêmicas ou aplicadas em decorrência dos problemas e questões que interferem na qualidade do serviço das institui-ções.

A segurança pública, nesse contexto, têm passado por uma mudança importante de referen-cial. Tem deixado de ser vista como um problema restrito do Estado, das instituições criminais e do direito. O novo referencial têm apontado para uma nova visão da segurança como espaço de participação comunitária (pública mas não apenas estatal), como afeta a outras áreas de governo (social e não apenas criminal), como ligada a uma abordagem que concilia diversas disciplina (particularmente das Ciências Humanas) e como problema de ordem regional ou glo-bal. Além disso, a segurança pública tem sido vista como espaço de experimentações sobre a questão fundamental da garantia da ordem social num contexto de globalização que aporta problemas novos que demandam soluções novas.

Por exemplo, a internacionalização do crime, a nova configuração do crime eletrônico, a deses-truturação do mercado de trabalho interno, a nova fluidez das fronteiras e novos marcos do crime como empreendimento lucrativo são problemas que exigem uma nova configuração da segurança pública que desafia nossa tradição criminal, essencialmente inquisitorial.

Em grande parte, a morosidade do processo, uma policial ainda fortemente cartorial, a falta de comunicação entre as instituições da segurança, a formação pouco flexível dos profissionais, a baixa capacitação, a incitação ao crime e à violência policial como forma de controle social, o baixo arejamento das estruturas estatais, a dificuldade com que a informação é produzida e circula no contexto institucional, e mesmo uma concepção militar da segurança dificultam a assimilação das experiências internacionais e impedem a presença de pesquisadores no coti-diano das instituições.

Espera-se, no cenário da segurança pública, nesse começo de milênio, que os desafios sejam enfrentados e que novos espaços de participação e de transparência na administração pública sejam enfrentados. Não se trata apenas de aprimorar os mecanismos de detecção do crime e de apreensão de criminosos. No novo cenário das politicas de segurança, trata-se de aprimorar as estratégias preventivas e ampliar o controle social sobre as instituições públicas. Estamos apenas no começo dessa nova realidade. Para mudarmos o quadro limitado da segurança, le-gado por uma visão estatizante e populista em que o crime é alvo de politicas repressivas pa-dronizadas e de baixo impacto, é preciso conceber que os chamados crimes sem vítimas devem ser o desafio para superar o abismo entre segurança e cidadania, entre segurança e defesa dos direitos humanos.

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Referências:

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CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo. Edusp/Editora 34. 2001.

CHEVIGNY, Paul. Edge of the Knife. Police violence in the Americas. New York: The New Press. 1995.

PAIXÃO, Antonio Luiz. "Crime, controle social e consolidação da Democracia" in REIS, Fábio Wanderley & O'DONNEL, Guilhermo. A Democracia no Brasil. Dilemas e perspectivas. São Pau-lo. Vértice/Revista dos Tribunais. 1988.

PINHEIRO, Paulo S. “O passado não está morto: nem passado é ainda” In Dimenstein, G. Demo-cracia em pedaços – Direitos Humanos no Brasil, São Paulo, Companhia das Letras. 1996.

PINHEIRO, Paulo Sérgio. “The rule of Law and the Underprivileged in Latin America: introduc-tion.” In MÉNDEZ, Juan E., O’DONNELL, Guillermo,

PINHEIRO, Paulo Sérgio (eds) (1999) The (Un) Rule of Law & the Underprivileged in Latin Ameri-ca. Indiana. University of Notre Dame Press. 1999.

SOARES, Luiz Eduardo. Meu casaco de general. Quinhentos dias no front da Segurança Pública do Rio de Janeiro. São Paulo. Cia. Das Letras. 2000.

Matéria da BBC Brasil sobre a crise de segurança no Brasil

5 razões por trás da crise de segurança pública no Brasil (BBC BRASIL.com 12 FEV 2017)

A paralisação da Polícia Militar no Espírito Santo nos últimos dias voltou a colocar em evidência a crescente crise de segurança pública do Brasil.

Desde o último sábado, várias cidades no Estado, incluindo a capital Vitória, viraram palco de um alto número de assassinatos, furtos, tiroteios e arrastões, com mais de 120 mortes.

A paralisação começou com um protesto de mulheres de policiais militares que se posiciona-ram diante das portas dos batalhões para impedir a saída das viaturas. Elas reivindicam reajuste salarial e melhoria das condições de trabalho.

A crise no Espírito Santo acontece pouco depois de rebeliões que terminaram em massacres em presídios nas regiões Norte e Nordeste e após ameaças de greve e paralisações de polícias em outros Estados do Brasil, no que especialistas consultados pela BBC Brasil chamaram de "uma mesma crise da arquitetura institucional que organiza a segurança pública brasileira".

Eles elencaram os principais fatores por trás do problema:

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1. Limbo sócio jurídico

Para começar, há um vácuo jurídico acerca do tema segurança pública, avalia Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"Nossa Constituição não diz o que é segurança pública, nenhuma lei diz que segurança pública é proteger a população ou investigar criminoso, só diz por quem a segurança vai ser exercida", disse ele à BBC Brasil.

"Então segurança é um conceito que ganha significado no dia a dia da prática policial. Se olhar-mos para a história das instituições policiais hoje, muitas estão reguladas por outro conceito de segurança, que é a manutenção de um modelo de ordem pública, de uma situação em que o Brasil tem um inimigo interno. A lógica é que o tráfico é o inimigo a ser combatido e deixamos de lado uma série de problemas ligados à preservação da vida", explica.

Para Lima, um bom conceito de segurança pública seria prevenção, investigação e punição de responsáveis por atos de violência e criminalidade e administração de conflitos para garantir di-reitos básicos da população para que ela possa exercer outros direitos da cidadania, como sair de casa, ir ao médico e trabalhar.

2. Precariedade do sistema penitenciário

As rebeliões em várias unidades prisionais do Brasil nas primeiras semanas de 2017 que provo-caram mais de 130 mortes evidenciaram a precariedade do sistema penitenciário.

Atualmente o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com 622 mil deten-tos e apenas 371 mil vagas, de acordo com o Ministério da Justiça. De 2000 para cá, a popula-ção carcerária mais que dobrou de tamanho.

"O problema de fundo é que o Brasil encarcera muito e encarcera mal. O país adotou uma po-lítica de guerra às drogas, qualquer um que é pego com drogas é preso. Se o menino entra um contraventor, vai para a universidade do crime. Não é pelo encarceramento que se causa me-lhoria da segurança", disse à BBC Julio Jacobo Waiselfisz, sociólogo, autor do Mapa da Violência e coordenador de estudos sobre Segurança Pública da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

E ainda há o problema da guerra entre facções criminosas dentro das prisões.

"Todos sabem que há facções dentro das prisões, facções violentas que dominam o sistema carcerário. Estamos de crises em crises que podemos chamar de anunciadas e para cada perío-do desses o governo cria um plano que nunca se concretiza", diz Waiselfisz.

3. Reformas que não saem do papel

Este é outro problema apontado por ambos os especialistas em segurança pública.

"O plano nacional de segurança pública de hoje é (semelhante ao) de 2002, então temos uma série de reformas que se discutem mas não foram concretizadas até hoje, como reforma do código penal, desmilitarização da polícia, mais recursos para políticas públicas", explica Waisel-fisz.

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Para Lima, esse problema está ligado a uma desconexão de instituições que compõem o siste-ma de segurança pública.

"Como não há uma clareza sobre o que é segurança pública, quem dá sentido a isso são as insti-tuições, em especial a polícia, mas também tribunais, delegacias, Ministério Público. Cada uma faz um pedaço em uma profunda desconexão tanto administrativa quanto republicana, envol-vendo judiciário com executivo e defensoria", diz.

"Nesse quadro de baixíssima eficácia institucional, que afeta a resolução do que poderíamos pensar como segurança pública, ninguém se sente dono do problema, fica um jogo político de empurra com uma baixíssima governância da vida pública", afirma.

4. Falta de investigação

O estudo "Diagnóstico da Investigação de Homicídios no Brasil", realizado pelo Conselho Na-cional do Ministério Público (CNMP) e divulgado em 2012, apontou que a média nacional de resolução de homicídios é de apenas de 5%. No Reino Unido, esse número é de 93%.

"Não temos pesquisas, não temos polícia técnica judiciária e sofremos com um deficit impres-sionante de investigação e ocorrência. As polícias não prestam contas e têm dificuldade de construir uma relação de confiança com a população", afirma Waiselfisz.

Segundo o sociólogo, a ineficiência da polícia em termos de investigação está ligada a outro fator que explica a crise de segurança pública, que é a falta de recursos.

5. Recursos

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016, o Brasil gasta 1,5% do PIB em se-gurança pública, um pouco menos dos gastos da França na área (1,7% do PIB). "Precisamos de muito mais dinheiro", afirma.

Outro problema é a forma como esse valor é repassado.

"Os mecanismos de finanças precisam ser revisados. Atualmente esse dinheiro é repassado por convênios, mas o custo do repasse é caro porque passa por impasses burocráticos. A segurança precisa de dinheiro constante e planejamento, o comandante precisa saber quanto dinheiro vai receber a cada ano para pensar em um plano de trabalho. Isso não acontece hoje", explica o especialista.

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Atualidades

Educação

Educação engloba os processos de ensinar e aprender. É um fenômeno observado em qualquer sociedade e nos grupos constitutivos dessas, responsável pela sua manutenção, perpetuação, transformação e evolução da sociedade a partir da instrução ou condução de conhecimentos, disciplinamentos (educar a ação), doutrinação, às gerações que se seguem, dos modos culturais de ser, estar e agir necessários à convivência e ao ajustamento de um membro no seu grupo ou sociedade, ou seja, é um processo de socialização que visa uma melhor integração do indivíduo na sociedade ou no seu próprio grupo.

Enquanto processo de sociabilização, a educação é exercida nos diversos espaços de convívio social, seja para a adequação do indivíduo à sociedade, do indivíduo ao grupo ou dos grupos à sociedade. Nesse sentido, educação coincide com os conceitos de socialização e endoculturação, mas não se resume a estes. A prática educativa formal — que ocorre nos espaços escolarizados, que sejam da Educação Infantil à Pós Graduação — dá-se de forma intencional e com objetivos determinados, como no caso das escolas. No caso específico da educação formal exercida na escola, pode ser definida como Educação Escolar.

De acordo com a UNESCO a educação também é exercida para além do ambiente formal das escolas e adentra em outras perspectivas caracterizadas como: educação não formal e educação informal. Segundo a organização, a partir das Conferências Internacionais de Educação de Adultos - CONFINTEA compreende-se por educação não formal todo processo de ensino e aprendizagem ocorrido a partir de uma intencionalidade educativa mas sem a obtenção de graus ou títulos, sendo comum em organizações sociais com vistas a participação democrática. E educação informal como aquela ocorrida nos processos quotidianos sociais, tais como com a família, no trabalho, nos círculos sociais e afetivos.

No caso específico da educação exercida para a utilização dos recursos técnicos e tecnológicos e dos instrumentos e ferramentas de uma determinada comunidade, dá-se o nome de Educação Tecnológica. Outra prática seria a da Educação Científica, que dedica-se ao compartilhamento de informação relacionada à Ciência (no que tange a seus conteúdos e processos) com indivíduos que não são tradicionalmente considerados como parte da comunidade científica. Os indivíduos-alvo podem ser crianças, estudantes universitários, ou adultos dentro do público em geral. A educação sofre mudanças, das mais simples às mais radicais, de acordo com o grupo ao qual ela se aplica, e se ajusta a forma considerada padrão na sociedade.

Legislação brasileira

No Brasil, a educação é regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.

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Plano de Desenvolvimento da Educação

A principal meta do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) é uma educação básica de qualidade, para isso deve-se investir na educação profissional e na educação superior. Para isso se tornar realidade deve acontecer o envolvimento de todos: pais, alunos, professores e ges-tores, em busca da permanência do aluno na escola. Com o PDE o Ministério da Educação pre-tende mostrar tudo o que se passa dentro e fora da escola e realizar uma grande prestação de contas. As iniciativas do MEC devem chegar a sala de aula para beneficiar a criança para atingir a qualidade que se deseja para a educação brasileira. O PDE foi editado pelo Governo Federal, por premissas à visão sistêmica da educação, a sustentação da qualidade do ensino e a priori-dade a educação básica.

10 pontos sobre a Reforma do Ensino Médio (textos extraídos do site do MEC)

1) O que é?

Flexibilização da grade curricular, o novo modelo permitirá que o estudante escolha a área de conhecimento para aprofundar seus estudos.

A nova estrutura terá uma parte que será comum e obrigatória a todas as escolas (Base Nacio-nal Comum Curricular) e outra parte flexível.

2) Como será o currículo do novo ensino médio?

A BNCC definirá as competências e conhecimentos essenciais que deverão ser oferecidos a to-dos os estudantes na parte comum (1.800 horas), abrangendo as 4 áreas do conhecimento e todos os componentes curriculares do ensino médio definidos na LDB e nas diretrizes curri-culares nacionais de educação básica. Por exemplo, a área de ciências humanas compreende história, geografia, sociologia e filosofia.

As disciplinas obrigatórias nos 3 anos de ensino médio serão língua portuguesa e matemática. O restante do tempo será dedicado ao aprofundamento acadêmico nas áreas eletivas ou a cur-sos técnicos, a seguir: I – linguagens e suas tecnologias; II – matemática e suas tecnologias; III – ciências da natureza e suas tecnologias; IV – ciências humanas e sociais aplicadas; V – formação técnica e profissional.

3) Quando começa o novo ensino médio? Já começa agora?

O novo modelo depende ainda da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que está em ela-boração e será homologada em 2017. A BNCC será obrigatória e irá nortear os currículos das escolas de ensino médio. Após essa etapa, no primeiro ano letivo subsequente à data de publi-cação da BNCC, os sistemas de ensino deverão estabelecer um cronograma de implantação das principais alterações da lei e iniciar o processo de implementação, conforme o referido crono-grama, a partir do segundo ano letivo.

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4) O que é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)?

É um conjunto de orientações que deverá nortear os currículos das escolas, redes públicas e privadas de ensino, de todo o Brasil.

A Base trará os conhecimentos essenciais, as competências e as aprendizagens pretendidas para crianças e jovens em cada etapa da educação básica em todo país. A BNCC pretende pro-mover a elevação da qualidade do ensino no país por meio de uma referência comum obrigató-ria para todas as escolas de educação básica, respeitando a autonomia assegurada pela Consti-tuição aos entes federados e às escolas.

5) Por que o novo ensino médio foi editado por Medida Provisória?

Em primeiro lugar, em decorrência da urgência do problema desse nível de ensino no país, da-dos do IDEB recém-divulgados mostram uma realidade trágica no ensino médio e retratam a urgência da reforma.

Em segundo lugar, em consequência da relevância do tema que se apresenta na medida em que o fracasso do ensino médio brasileiro é um dado da realidade, como demonstram os resul-tados das avaliações nacionais e internacionais.

6) Como serão implantadas as escolas em tempo integral?

A reforma do ensino médio prevê ainda uma Política de Fomento de Escolas em Tempo Inte-gral, que deverá ocorrer de forma gradual. Está previsto um investimento do Governo Federal de R$ 1,5 bilhão até 2018, correspondendo a R$ 2.000 por aluno/ano e criando 500 mil novas matrículas de tempo integral. O PNE estabelece que, até 2024, o país deva atender, pelo me-nos, 25% das matrículas. Atualmente, são 386 mil alunos matriculados no ensino médio em tempo integral, o que representa 5% do total.

7) Como será a formação técnica e profissional?

Hoje, se o jovem quiser cursar uma formação técnica de nível médio, ele precisa cursar 2400 horas do ensino médio regular e mais 1200 horas do técnico.

O novo ensino médio permitirá que o jovem opte por uma formação técnica profissional dentro da carga horária do ensino médio regular desde que ele continue cursando Português e Mate-mática até o final. E, ao final dos três anos, ele terá um diploma do ensino médio e um certifica-do do ensino técnico.

8) Profissionais com notório saber poderão dar aula na parte comum do currículo? Como será a formação de professores?

Não. A medida permite que os sistemas de ensino autorizem profissionais com notório saber para ministrar aulas exclusivamente em disciplinas dos cursos técnicos e profissionalizantes, como já acontece hoje no sistema S e na maioria dos países do mundo.

A formação de professores se dará da mesma forma como a legislação atual prevê.

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O professor com licenciatura poderá fazer complementação pedagógica para dar aula de outra disciplina dentro da sua área de conhecimento.

9) Como fica educação física, artes, sociologia e filosofia? E língua portuguesa e ma-temática?

A proposta prevê que serão obrigatórios os estudos e práticas de filosofia, sociologia, educação física e artes no ensino médio. Língua portuguesa e matemática são disciplinas obrigatórias nos três anos de ensino médio independente da área de aprofundamento que o estudante esco-lher.

10) E a língua inglesa? Por que foi escolhida como obrigatória?

Anteriormente, a LDB não trazia a língua inglesa como estudo obrigatório. A reforma torna o inglês obrigatório desde o 6º ano do ensino fundamental e no ensino médio. Os sistemas de ensino poderão ofertar outras línguas estrangeiras se assim desejarem, preferencialmente o espanhol.

Ocupação das Escolas (Primavera Secundarista)

O movimento de ocupações de escolas tomou conta do Brasil em outubro. Mais de mil escolas foram ocupadas por estudantes que não se conformam com os rumos que a educação vem to-mando no governo Temer. Vamos entender melhor as origens dessas ocupações e os motivos dos estudantes.

Quem está ocupando as escolas e onde?

Estudantes da rede pública de todo o país estão à frente das ocupações. Esses atos estão sendo executados pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a maior entidade de re-presentação estudantil para o ensino médio.

Segundo levantamento da Exame, mais de 1100 escolas foram ocupadas em 22 estados brasi-leiros (mais o Distrito Federal). O maior foco de ocupações é o Paraná, onde 850 instituições fo-ram tomadas por secundaristas, segundo o Movimento Ocupa Paraná, da Ubes. A Secretaria do Estado de Educação afirma que 752 continuam ocupadas no dia 31 de outubro. Estudantes co-meçaram a tomar as escolas no último dia 6. Mas o movimento pode terminar em breve, pois a Justiça determinou a reintegração de posse de algumas das principais escolas de Curitiba.

O que pedem os estudantes das escolas ocupadas?

O movimento de ocupações de secundaristas tem sido contestado por polêmicas e suposta fal-ta de legitimidade. O grupo Movimento Brasil Livre (MBL), conhecido por articular os protestos anti-Dilma nos últimos dois anos, tem pressionado os estudantes a encerrar os protestos. Foi formado também o Movimento Desocupa Paraná. Os contrários às ocupações afirmam, entre

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outras coisas, que as ocupações são ilegais e impedem alunos de exercer o direito de estudar. Além disso, há quem conceda que as motivações dos estudantes são legítimas, mas que deve-riam pensar em outras formas de protestos (nas ruas, por exemplo).

Mas o momento mais tenso das ocupações foi a morte de um estudante no colégio Santa Feli-cidade, em Curitiba, ocorrida no dia 24 de outubro. Lucas Eduardo Araújo Mota, de apenas 16 anos, foi assassinado a facadas por um colega de 17 anos. O suspeito afirmou que ambos inge-riram uma droga sintética e que ele esfaqueou Lucas durante uma briga. O episódio aumentou a pressão do governo paranaense sobre o movimento e motivou também a reintegração de posse.

Histórico das ocupações

No início de 2016, a ocupação de escolas por alunos em protesto teve foco maior no estado de São Paulo. Por lá, foram as escolas técnicas(Etec’s) as mais envolvidas no movimento. Nessas ocupações, o foco recaiu sobre questões de responsabilidade do governo estadual, como o for-necimento de merenda, que estava prejudicado por causa do esquema conhecido como “máfia da merenda”.

Essa não foi a primeira vez que secundaristas de São Paulo se organizaram para ocupar insti-tuições de ensino. Em novembro de 2015, cerca de 200 escolas paulistas foram tomadas por estudantes. Eles protestavam contra a reestruturação do sistema educacional estadual. A me-dida previa o fechamento de quase 100 escolas e o remanejamento de 311 mil alunos e 74 mil professores. Os protestos surtiram efeito: o governo Alckmin suspendeu a reorganização do sistema.

Ocupação de escolas: legalidade

A legalidade das ocupações tem sido discutida. O jurista Hyago Otto afirma que a escola pode ser vista como serviço público. Como tal, elas não poderiam ter seu funcionamento interrom-pido. Mesmo que garantido o direito à livre manifestação, as ocupações conflitariam com o direito à educação – garantido no artigo sexto da Constituição.

Por outro lado, o Ministério Público do Paraná afirmou que as ocupações são legítimas. Ao justificar sua posição, o MP paranaense invocou o artigo 205 da Constituição Federal, que diz que a educação deve preparar para o exercício da cidadania. As ocupações, enquanto forma de protesto, seriam uma forma válida de prática cidadã para os alunos.

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SAÚDE

"Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem--estar e o de sua família, especialmente para a alimentação, o vestuário, a moradia, a assis-tência médica e para os serviços sociais necessários". (artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem)

Uma das mais citadas definições de Saúde Pública foi apresentada pelo americano Charles--Edward Amory Winslow (1877–1957) em 1920:

"A arte e a ciência de prevenir a doença, prolongar a vida, promover a saúde e a eficiência física e mental mediante o esforço organizado da comunidade. Abrangendo o saneamento do meio, o controle das infecções, a educação dos indivíduos nos princípios de higiene pessoal, a orga-nização de serviços médicos e de enfermagem para o diagnóstico precoce e pronto tratamento das doenças e o desenvolvimento de uma estrutura social que assegure a cada indivíduo na sociedade um padrão de vida adequado à manutenção da saúde".

A persistência do uso dessa definição é reforçada pela ampla difusão da definição de saúde da Organização Mundial de Saúde - organização internacional que propôs a realização das Confe-rências Mundiais de Saúde com integração de todos os países na persistente busca do comple-to bem-estar físico, psíquico e social.

Segundo o brasileiro Jairnilsom Paim "A Saúde Coletiva, latino-americana foi composta a partir da crítica à Medicina Preventiva, à Medicina Comunitária, à Medicina da Família, desenvolveu--se a partir da Medicina Social do Século XIX e pela saúde pública institucionalizada nos ser-viços de saúde e academia. Envolve um conjunto de práticas técnicas, ideológicas, políticas e econômicas desenvolvidas no âmbito acadêmico, nas organizações de saúde e em instituições de pesquisa vinculadas a diferentes correntes de pensamento resultantes de projetos de refor-ma em saúde."

Ainda de acordo com ele, ao longo da história da medicina cosmopolita, o campo social da saú-de tem sido atravessado por um conjunto de movimentos ideológicos como a Polícia Médica; Higiene; Saúde Pública; Medicina Social; Medicina Preventiva; Saúde Comunitária; Saúde Cole-tiva; Medicina Familiar entre outros. Tais movimentos constituem-se como lutas teórico-para-digmáticas, políticas e ideológicas com repercussões enquanto campo do saber e de práticas.

Medicina Social

"Identificam-se três etapas para consolidação da medicina social, inclusive como disciplina do curso de formação médica: a Polícia Médica, especialmente desenvolvida na Alemanha no iní-

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cio do século XVIII a fim de prover o Estado sobre os índices de saúde da população alemã, a Medicina das Cidades ou Medicina Urbana, que tem como objetivo controlar os fatores nocivos à saúde da população urbana que estavam associados às grandes epidemias, evidenciada na França, e, por fim, a Medicina da Força de Trabalho, consolidada no sanitarismo inglês, que ob-jetiva manter a sua força trabalhadora plenamente apta."

Observe-se porém que as preocupações com o isolamento de doentes e assistência aos po-bres confunde-se com os princípios da caridade e assistencialismo pregado pelos cristãos e mu-çulmanos, a exemplo: das discussões sobre a remuneração dos serviços médicos associada à realização de curas de Cosme e Damião os santos "anárgiros", ou seja, “aqueles que não são comprados por dinheiro" (no que hoje é a Síria, por volta do ano 300); a assistência médica prestada aos escravos e soldados romanos (valetudinário); ou ao nascimento das Santas Casas de Misericórdia em Portugal (1000) e hospitais religiosos.

Saúde Coletiva

O objetivo da investigação e das práticas da Saúde Coletiva são as seguintes dimensões:

• o estado de saúde da população ou condições de saúde de grupos populacionais específi-cos e tendências gerais do ponto de vista epidemiológico, demográfico, sócio-econômico e cultural;

• os serviços de saúde, enquanto instituições de diferentes níveis de complexidade (do posto de saúde ao hospital especializado), abrangendo o estudo do processo de trabalho em saú-de, a formulação e implementação de políticas de saúde, bem como a avaliação de planos, programas e tecnologias utilizada na atenção à saúde;

• o saber sobre a saúde, incluindo investigações históricas, sociológicas, antropológicas e epistemológicas sobre a produção de conhecimentos nesse campo e sobre as relações en-tre o saber "científico" e as concepções e práticas populares de saúde, influenciadas pelas tradições, crenças e cultura de modo geral.

História da saúde pública no Brasil

O estudo da Saúde Pública no Brasil necessariamente passa por uma série de nomes e institui-ções como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, o Instituto Manguinhos ou Vital Brazil, o Instituto Bu-tantã, Adolfo Lutz e o instituto que leva o seu nome. Instituições que se mantêm até hoje como ilhas de competência do poder público na construção de um sistema de saúde de natureza pública e equitativo, no Brasil, o SUS - Sistema Único de Saúde, capaz de dar conta das ações de saúde tanto no âmbito da atenção primária e da promoção da saúde como nas ações curativas e necessárias à reabilitação (níveis secundário e terciário da atenção em saúde).

No início, "não havia nada" considerando-se o que poderia ter sido feito. A saúde no Brasil pra-ticamente inexistiu nos tempos de colônia. O modelo exploratório nem pensava nessas coisas. O pajé, com suas ervas e cantos, a medicina dos jesuítas e os boticários, que viajavam pelo Bra-

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sil Colônia, eram as únicas formas de assistência à saúde. Para se ter uma ideia, em 1789, havia no Rio de Janeiro apenas quatro médicos.

Além das enfermarias de cuidados dos jesuítas as únicas instituições que podemos destacar no vazio assistencial desse período é a criação das Santas Casas de Misericórdia. É controversa a data de criação da primeira Santa Casa no Brasil, para alguns autores teria sido a do porto de Santos fundada por Brás Cubas (1507-1592) em 1543 para outros teria sido a da Bahia ou de Olinda.

Entre as descrições das patologias e medicamentos utilizados no Brasil Colônia destaca-se as contribuições do médico naturalista Guilherme Piso (1611-1678), que participou, como médi-co, de uma expedição nos anos 1637 - 1644 para o Brasil, com patrocínio do conde Maurício de Nassau (1604-1679) que administrou a conquista holandesa do nordeste do país entre 1637 e 1644.. Observe-se a continuidade da catalogação de espécies de uso medicinal, já iniciada pelos jesuítas e outros viajantes, comparando o uso das espécies nativas às já conhecidas na farmacopeia europeia.

Com a chegada da família real portuguesa, em 1808, as necessidades da corte forçaram a cria-ção das duas primeiras escolas de medicina do país: o Colégio Médico-Cirúrgico no Real Hos-pital Militar da Cidade de Salvador e a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro. E foram essas as únicas medidas governamentais até a República.

Foi no primeiro governo de Rodrigues Alves (1902-1906) que houve a primeira medida sanita-rista no país. O Rio de Janeiro não tinha nenhum saneamento básico e, assim, várias doenças graves como varíola, malária, febre amarela e até a peste bubônica espalhavam-se facilmente. O presidente então nomeou o médico Oswaldo Cruz para dar um jeito no problema. Numa ação policialesca, o sanitarista convocou 1.500 pessoas para ações que invadiam as casas, quei-mavam roupas e colchões. Sem nenhum tipo de ação educativa, a população foi ficando cada vez mais indignada. E o auge do conflito foi a instituição de uma vacinação anti-varíola. A popu-lação saiu às ruas e iniciou a Revolta da Vacina. Oswaldo Cruz acabou afastado.

Da "Revolta da Vacina" ao Ministério da Saúde

A forma como foi feita a campanha da vacina revoltou do mais simples ao mais intelectualiza-do. Veja-se o que Rui Barbosa disse sobre a imposição à vacina: "Não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violência, a tirania a que ele se aventura, expondo-se, voluntariamente, obstinadamente, a me envenenar, com a introdução no meu sangue de um vírus sobre cuja influência existem os mais bem fundados receios de que seja condutor da mo-léstia ou da morte."

Apesar do fim conflituoso, o sanitarista conseguiu resolver parte dos problemas e colher mui-tas informações que ajudaram seu sucessor, Carlos Chagas, a estruturar uma campanha rotinei-ra de ação e educação sanitária.

Pouco foi feito em relação à saúde depois desse período, apenas com a chegada dos imigrantes europeus, que formaram a primeira massa de operários do Brasil, começou-se a discutir, obvia-mente com fortes formas de pressão como greves e manifestações, um modelo de assistência médica para a população pobre. Assim, em 1923, surge a lei Elói Chaves, criando as Caixas

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de Aposentadoria e Pensão. Essas instituições eram mantidas pelas empresas que passaram a oferecer esses serviços aos seus funcionários. A União não participava das caixas. A primeira delas foi a dos ferroviários. Elas tinham entre suas atribuições, além da assistência médica ao funcionário e a família, concessão de preços especiais para os medicamentos, aposentadorias e pensões para os herdeiros. Detalhe: essas caixas só valiam para os funcionários urbanos.

Esse modelo começa a mudar a partir da Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas tomou o poder. É criado o Ministério da Educação e Saúde e as caixas são substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), que, por causa do modelo sindicalista de Vargas, passam a ser dirigidos por entidades sindicais e não mais por empresas como as antigas caixas. Suas atri-buições são muito semelhantes às das caixas, prevendo assistência médica. O primeiro IAP foi o dos marítimos. A União continuou se eximindo do financiamento do modelo, que era gerido pela contribuição sindical, instituída no período getulista.

Quanto ao ministério, ele tomou medidas sanitaristas como a criação de órgãos de combate a endemias e normativos para ações sanitaristas. Vinculando saúde e educação, o ministério aca-bou priorizando o último item e a saúde continuou com investimentos irrisórios.

Dos anos 40 a 1964, início da ditadura militar no Brasil, uma das discussões sobre saúde pública brasileira se baseou na unificação dos IAPs como forma de tornar o sistema mais abrangente. É de 1960 a Lei Orgânica da Previdência Social, que unificava os IAPs em um regime único para todos os trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o que excluía tra-balhadores rurais, empregados domésticos e funcionários públicos. É a primeira vez que, além da contribuição dos trabalhadores e das empresas, definia-se efetivamente uma contribuição do Erário Público. Mas tais medidas foram ficando no papel.

A efetivação dessas propostas só aconteceu em 1967, pelas mãos dos militares, com a unifica-ção de IAPs e a consequente criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Surgiu então uma demanda muito maior que a oferta. A solução encontrada pelo governo foi pagar a rede privada pelos serviços prestados à população. Mais complexa, a estrutura foi se mo-dificando e acabou por criar o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) em 1978, que ajudou nesse trabalho de intermediação dos repasses para iniciativa privada.

Em 1972, surge a primeira entidade de representação dos sanitaristas brasileiros, a Associação Paulista de Saúde Pública.

Um pouco depois, em 1974, os militares já haviam criado o Fundo de Apoio ao Desenvolvi-mento Social (FAS), que ajudou a remodelar e ampliar a rede privada de hospitais, por meio de empréstimos com juros subsidiados. Toda essa política acabou proporcionando um verdadeiro boom na rede privada. De 1969 a 1984, o número de leitos privados cresceu cerca de 500%. De 74.543 em 1969 para 348.255 em 1984. Como pode-se ver, o modelo criado pelo regime militar era pautado pelo pensamento da medicina curativa. Poucas medidas preventivas e sanitárias foram tomadas. A mais importante foi a criação da Superintendência de Campanhas da Saúde Pública (Sucam).

Durante a transição democrática, finalmente a saúde pública passa a ter um fiscalização da sociedade. Em 1981, ainda sob a égide dos militares, é criado o Conselho Consultivo de Ad-ministração da Saúde Previdenciária (CONASP). Com o fim do regime militar, surgem outros órgãos que incluem a participação da sociedade civil como o Conselho Nacional dos Secretários

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Estaduais de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Cona-sems).

Se, de um lado, a sociedade civil começou a ser mais ouvida, do outro, o sistema privado de saúde, que havia se beneficiado da política anterior, teve que arranjar outras alternativas. É nesse período que se cria e se fortalece o subsistema de atenção médico-suplementar. Em ou-tras palavras, começa a era dos convênios médicos. Surgem cinco modalidades diferentes de assistência médica suplementar: medicina de grupo, cooperativas médicas, autogestão, segu-ro-saúde e plano de administração.

A classe média, principal alvo desses grupos, adere rapidamente, respondendo contra as falhas da saúde pública. O crescimento dos planos é vertiginoso. Em 1989, já contabilizam mais de 31 milhões de brasileiros, ou 22% da população, faturando US$ 2,4 bilhões.

Ao lado dessas mudanças, os constituintes da transição democrática começaram a criar um novo sistema de saúde, que mudou os parâmetros da saúde pública no Brasil, o SUS.

Conceito Ampliado de Saúde

A saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambien-te, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde. O conceito ampliado de saúde diz respeito à qualidade de vida, não só à ausência de doenças!

Este manual visa, de forma simples e direta, orientar as pessoas sobre o direito aos serviços de saúde que lhes é assegurado por lei, explicar-lhes no que consiste, e indicar-lhes como garanti--lo de maneira efetiva. O trabalho não tem a pretensão de discorrer sobre todos os assuntos relacionados à saúde, mas sim, de abordar alguns temas que comumente atingem e afligem os menos favorecidos, quando estes necessitam do acesso à saúde e encontram dificuldades.

PRINCÍPIOS CONTIDOS NA CARTA DE DIREITOS DOS USUÁRIOS DA SAÚDE

(Aprovada pela Portaria MS/GM nº 675, de 30/3/2006)

1. Todo cidadão tem direito ao acesso ordenado e organizado aos sistemas de saúde.

2. Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu problema.

3. Todo cidadão tem direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer dis-criminação.

4. Todo cidadão tem direito a atendimento que respeite sua pessoa, seus valores e seus direi-tos.

5. Todo cidadão também tem responsabilidades para que seu tratamento aconteça de forma adequada.

6. Todo cidadão tem direito ao comprometimento dos gestores da saúde para que os princípios anteriores sejam cumpridos.

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Quem tem direito à saúde no nosso país e onde isso está previsto?

O artigo 196, da Constituição da República estabelece que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua pro-moção, proteção e recuperação”.

Assim, a Constituição Federal e outras leis que serão mencionadas garantem a todas as pessoas o acesso gratuito aos órgãos relacionados à saúde pública para, por exemplo, pleitear medica-mentos, próteses, consultas médicas, exames, internações, cirurgias, orientações e cuidados de saúde através do SUS – Sistema Único de Saúde.

O que é o SUS?

O SUS é um sistema público de saúde que reúne todas as ações, serviços e unidades de saúde sob responsabilidade da União, dos Estados e dos Municípios, de forma integrada. O SUS é con-siderado um dos mais abrangentes sistemas públicos de saúde do mundo, e presta serviços de forma gratuita a toda a população brasileira.

Quem tem o dever de assegurar a assistência à saúde às pessoas?

São os entes denominados federados, ou seja, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-nicípios, através de seus órgãos públicos, em parceria ou não com instituições privadas. Esses entes arrecadam impostos e possuem receitas para financiar a prestação de serviços de saúde, não se tratando, portanto, de nenhum favor prestado ao cidadão. A responsabilidade dos Mu-nicípios, Estados e União é solidária, ou seja, todos têm o dever de garantir o direito constitu-cional à saúde, conjuntamente ou não, e o cidadão, caso não tenha este direito assegurado, pode escolher qual ente acionar judicialmente para garantilo.

E se houver recusa por parte desses entes na oferta de produtos ou serviços relacionados à saúde pública (medicamentos, fraldas, consultas médicas, internação, tratamentos, cirurgias, exames)?

É recomendado que, primeiramente, o cidadão ou seu representante legal procure a adminis-tração de saúde mais próxima, geralmente as Secretarias Municipais de Saúde, e faça a solicita-ção formal, verbalmente, e, se não atendido, por escrito, dirigindo o documento ao Secretário Municipal de Saúde ou Prefeito Municipal.

Após esta solicitação escrita, caso, administrativamente, permaneça a situação de recusa ou haja demora excessiva na resolução do pedido, seja qual for ele, o necessitado pode procurar o Poder Judiciário para garantir o atendimento de suas necessidades. Judicialmente o ente fede-rado será obrigado a cumprir com sua obrigação de prestação de serviços de saúde.

Em termos práticos, para entrar com uma ação judicial a fim de garantir o necessário para res-tabelecer ou manter sua saúde, a pessoa poderá procurar qualquer um destes órgãos:

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• A Promotoria de Justiça

• A sede da subseção da Ordem dos Advogados da comarca

• A defensoria pública, se houver

Organização dos serviços de saúde

O Brasil possui atualmente 5.561 municípios em seus 26 Estados, e nem todos tem condições, sozinhos, de oferecer todas as ações e serviços necessários para garantir a saúde de sua popu-lação. Para isto, o SUS está organizado em redes, coordenadas regionalmente, visando oferecer um atendimento integral e completo ao cidadão.

Você pode (e deve!) participar da gestão e organização do SUS no seu bairro, seu município e sua região?

É através dos Conselhos e das Conferências de Saúde, onde a população tem vez e voz para rei-vindicar e decidir os rumos da saúde!

Das Espécies de Bens e Serviços Relacionados à Saúde

Que tipos de pedidos relacionados à saúde são feitos em ações judiciais contra o Município, Estado ou a União?

São, em regra, pedidos de medicamentos, tratamentos, próteses, exames, internações e cirur-gias.

Contra quem é movida a ação judicial?

A pessoa necessitada pode ajuizar ação contra todos os entes federados ou somente contra um deles. Em regra, a ação é movida contra o Município, que recebe repasse dos demais entes para prestar os serviços de saúde pública às pessoas, mas existem serviços prestados por insti-tuições de administração pública estadual e federal.

Informações básicas sobre o SUS

1. Todos os estados e municípios devem ter conselhos de saúde compostos por representan-tes dos usuários do SUS, dos prestadores de serviços, dos gestores e dos profissionais de saúde.Os conselhos são fiscais da aplicação dos recursos públicos em saúde.

2. A União é o principal financiador da saúde pública no país. Historicamente, metade dos gastos é feita pelo governo federal, a outra metade fica por conta dos estados e municípios. A União formula políticas nacionais, mas a implementação é feita por seus parceiros (esta-dos, municípios, ONGs e iniciativa privada)

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3. O município é o principal responsável pela saúde pública de sua população. A partir do Pac-to pela Saúde, assinado em 2006, o gestor municipal passa a assumir imediata ou paulati-namente a plenitude da gestão das ações e serviços de saúde oferecidos em seu território.

4. Quando o município não possui todos os serviços de saúde, ele pactua (negocia e acerta) com as demais cidades de sua região a forma de atendimento integral à saúde de sua popu-lação. Esse pacto também deve passar pela negociação com o gestor estadual.

5. O governo estadual implementa políticas nacionais e estaduais, além de organizar o aten-dimento à saúde em seu território.

6. A porta de entrada do sistema de saúde deve ser preferencialmente a atenção básica (pos-tos de saúde, centros de saúde, unidades de Saúde da Família, etc.). A partir desse primeiro atendimento, o cidadão será encaminhado para os outros serviços de maior complexidade especializadas da saúde pública (hospitais e clínicas).

7. O sistema público de saúde funciona de forma referenciada. Isso ocorre quando o gestor local do SUS não dispondo do serviço de que o usuário necessita, encaminha-o para outra localidade que oferece o. serviço. Esse encaminhamento e a referência de atenção à saúde são pactuados entre os municípios.

8. Não há hierarquia entre União, estados e municípios, mas há competências para cada um desses três gestores do SUS. No âmbito municipal, as políticas são aprovadas pelo CMS – Conselho Municipal de Saúde; no âmbito estadual, são negociadas e pactuadas pela CIB – Comissão Intergestores Bipartite (composta por representantes das secretarias munici-pais de saúde e secretaria estadual de saúde) e deliberadas pelo CES – Conselho Estadual de Saúde (composto por vários segmentos da sociedade: gestores, usuários, profissionais, entidades de classe, etc.); e, por fim, no âmbito federal, as políticas do SUS são negociadas e pactuadas na CIT – Comissão Intergestores Tripartite (composta por representantes do Ministério da Saúde, das secretarias municipais de saúde e das secretarias estaduais de saúde).

9. Os medicamentos básicos são adquiridos pelas secretarias estaduais e municipais de saú-de, dependendo do pacto feito na região. A insulina humana e os chamados medicamentos estratégicos - incluídos em programas específicos, como Saúde da Mulher, Tabagismo e Alimentação e Nutrição - são obtidos pelo Ministério da Saúde. Já os medicamentos ex-cepcionais (aqueles considerados de alto custo ou para tratamento continuado, como para pós-transplantados, síndromes – como Doença de Gaucher – e insuficiência renal crôni-ca) são comprados pelas secretarias de saúde e o ressarcimento a elas é feito mediante comprovação de entrega ao paciente. Em média, o governo federal repassa 80% do valor dos medicamentos excepcionais, dependendo dos preços conseguidos pelas secretarias de saúde nos processos licitatórios. Os medicamentos para DST/Aids são comprados pelo mi-nistério e distribuídos para as secretarias de saúde.

10. Com o Pacto pela Saúde (2006), os estados e municípios poderão receber os recursos fede-rais por meio de cinco blocos de financiamento: 1 – Atenção Básica; 2 – Atenção de Média e Alta Complexidade; 3 – Vigilância em Saúde; 4 – Assistência Farmacêutica; e 5 – Gestão do SUS. Antes do pacto, havia mais de 100 formas de repasses de recursos financeiros, o que trazia algumas dificuldades para sua aplicação.