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INTENSIVO I Disciplina: Direito Processual Penal Prof.: Renato Brasileiro Data: 29 e 30.07.2009 Aula n°01 - 1 – MATERIAL DE APOIO – MONITORIA Índice 1. Artigos Correlatos 1.1 Breve estudo acerca do entendimento do supremo tribunal federal sobre a coisa julgada material no inquérito policial 1.2 A importância do inquérito policial para um estado democrático de direito 2. Jurisprudência 2.1 HC 69405 / SP 3. Súmulas Correlatas 3.1 Súmula n° 568 do STF 4. Assista! 4.1 É cabível recurso no inquérito policial? 5. Simulados 1. ARTIGOS CORRELATOS 1.1 BREVE ESTUDO ACERCA DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A COISA JULGADA MATERIAL NO INQUÉRITO POLICIAL Com o julgamento do Habeas Corpus 84.156/MT, ocorrido em 26 de outubro de 2004 e relatado pelo ilustre Ministro Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal sedimenta o entendimento de ser possível a formação de coisa julgada material na decisão judicial que arquiva o inquérito policial. Com efeito, far- se-á necessário observar quais foram os fundamentos alegados pelo Ministério Público, quanto ao requerimento de arquivamento, pois estes irão permitir ou não a formação da coisa julgada material. r Cumpre enfatizar que a ação penal é dirigida pelo princípio da obrigatoriedade (havendo justa causa, o Ministério Público tem o dever de oferecer a denúncia). Assim,o artigo 18 do Código de Processo Penal destinou ao Poder Judiciário o controle sobre o arquivamento do inquérito policial, ressaltando que a reabertura deste somente se procederá mediante novas provas e, também, que não tenha decorrido o respectivo prazo prescricional da infração penal. Corroborando nesse sentido, é importante apontar o teor da súmula 524 do STF, que diz: "Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas". r Destarte, por conta da possibilidade ofertada pelo artigo 18 de que se possa retomar as investigações no caso de surgimento de novas provas que possam alterar substancialmente o conteúdo probatório da investigação, há o entendimento que sustenta que a decisão judicial que defere o arquivamento de um inquérito policial não faz coisa julgada, sendo apenas um mero despacho interlocutório terminativo. Não compartilha desse entendimento, no entanto, a doutrina de Eugênio Pacelli que dispõe: "De se ver então que o arquivamento do inquérito gera direito subjetivo ao investigado, em face da Administração Pública, na medida em que a reabertura das investigações está condicionada ou subordinada à existência de determinado fato ou situação concreta. E se assim é, referido ato do Judiciário não deixa de ser uma decisão, com efeitos jurídicos sobremaneira relevantes. E, mais. Caracteriza-se também como decisão dado que, ao juiz, em tese, caberia providência diversa, ou seja, discordar do requerimento de arquivamento (art. 28, CPP) e submeter a questão ao exame da Chefia da instituição do Ministério Público. Não se trata, pois, de mero despacho de impulso ou de movimentação"[1]. r É vital analisar os fundamentos que possam conduzir um membro do Parquet a requerer o arquivamento do inquérito policial. Em apertada síntese, seriam os seguintes: a) atipicidade da conduta; b) uma causa

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    MATERIAL DE APOIO MONITORIA ndice 1. Artigos Correlatos 1.1 Breve estudo acerca do entendimento do supremo tribunal federal sobre a coisa julgada material no inqurito policial 1.2 A importncia do inqurito policial para um estado democrtico de direito 2. Jurisprudncia 2.1 HC 69405 / SP 3. Smulas Correlatas 3.1 Smula n 568 do STF 4. Assista! 4.1 cabvel recurso no inqurito policial? 5. Simulados 1. ARTIGOS CORRELATOS 1.1 BREVE ESTUDO ACERCA DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A COISA JULGADA MATERIAL NO INQURITO POLICIAL Com o julgamento do Habeas Corpus 84.156/MT, ocorrido em 26 de outubro de 2004 e relatado pelo ilustre Ministro Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal sedimenta o entendimento de ser possvel a formao de coisa julgada material na deciso judicial que arquiva o inqurito policial. Com efeito, far-se- necessrio observar quais foram os fundamentos alegados pelo Ministrio Pblico, quanto ao requerimento de arquivamento, pois estes iro permitir ou no a formao da coisa julgada material. r Cumpre enfatizar que a ao penal dirigida pelo princpio da obrigatoriedade (havendo justa causa, o Ministrio Pblico tem o dever de oferecer a denncia). Assim,o artigo 18 do Cdigo de Processo Penal destinou ao Poder Judicirio o controle sobre o arquivamento do inqurito policial, ressaltando que a reabertura deste somente se proceder mediante novas provas e, tambm, que no tenha decorrido o respectivo prazo prescricional da infrao penal. Corroborando nesse sentido, importante apontar o teor da smula 524 do STF, que diz: "Arquivado o inqurito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justia, no pode a ao penal ser iniciada, sem novas provas". r Destarte, por conta da possibilidade ofertada pelo artigo 18 de que se possa retomar as investigaes no caso de surgimento de novas provas que possam alterar substancialmente o contedo probatrio da investigao, h o entendimento que sustenta que a deciso judicial que defere o arquivamento de um inqurito policial no faz coisa julgada, sendo apenas um mero despacho interlocutrio terminativo. No compartilha desse entendimento, no entanto, a doutrina de Eugnio Pacelli que dispe: "De se ver ento que o arquivamento do inqurito gera direito subjetivo ao investigado, em face da Administrao Pblica, na medida em que a reabertura das investigaes est condicionada ou subordinada existncia de determinado fato ou situao concreta. E se assim , referido ato do Judicirio no deixa de ser uma deciso, com efeitos jurdicos sobremaneira relevantes. E, mais. Caracteriza-se tambm como deciso dado que, ao juiz, em tese, caberia providncia diversa, ou seja, discordar do requerimento de arquivamento (art. 28, CPP) e submeter a questo ao exame da Chefia da instituio do Ministrio Pblico. No se trata, pois, de mero despacho de impulso ou de movimentao"[1]. r vital analisar os fundamentos que possam conduzir um membro do Parquet a requerer o arquivamento do inqurito policial. Em apertada sntese, seriam os seguintes: a) atipicidade da conduta; b) uma causa

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    de excluso da ilicitude; c) uma causa de excluso da culpabilidade; d) uma causa de extino da punibilidade e, por fim e) falta de provas. r Ao analisar o HC 84.156/MT, o Ministro Celso de Mello ressalta que: "Se certo, portanto, que, nas circunstncias previstas no art. 18 do CPP, a deciso no faz coisa julgada, no menos exato, no entanto, que tal ato decisrio obstar novas investigaes penais, se e quando o arquivamento houver sido determinado com apoio na extino da punibilidade do agente ou, como ocorre na espcie, com fundamento em ausncia de tipicidade penal da conduta apurada, configurando-se, nestas duas ltimas hipteses - extino da punibilidade e inexistncia de adequao tpica do fato sob investigao - o carter definitivo e irreversvel da eficcia preclusiva inerente coisa julgada em sentido material". r Nessa esteira de razes, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que possvel a formao de coisa julgada material no inqurito policial, quando o mesmo arquivado sob a fundamentao de atipicidade da conduta ou de alguma causa extintiva da punibilidade. Corrobora com esse entendimento a autorizada doutrina de Pacelli, que afirma que o Ministrio Pblico pode fundamentar seu requerimento de arquivamento pela inexistncia de crime, seja pela atipicidade ou pela falta dos demais elementos que conceituam analiticamente o crime - ilicitude e culpabilidade[2]. De tal forma, conclui-se que se o arquivamento for baseado na falta de provas, nesse caso, no haver formao de coisa julgada material, devendo a investigao ser reaberta com o advento de provas substancialmente novas para o conjunto probatrio da investigao premilinar. 1. OLIVEIRA, Eugnio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 5 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 42-43. 1. Idem, p. 42. VASCONCELLOS, Luciano Campos do Amaral e. Breve estudo acerca do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada material no inqurito policial Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080220155631208 1.2 A IMPORTNCIA DO INQURITO POLICIAL PARA UM ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITO Elaborado em 05.2009. Francisco Sannini Neto Delegado de Polcia Civil em SP, Especialista em Direito Pblico pela Escola Paulista de Direito 1-) Consideraes Gerais O intuito deste artigo ressaltar a importncia do inqurito policial dentro de um Estado Democrtico de Direito. Diferentemente do que muitos defendem, o inqurito policial no est em crise, pelo contrrio, hoje em dia ele se encontra no seu auge, devendo apenas ser compreendido, estudado e utilizado respeitando-se sempre os princpios adotados pela Constituio da Repblica. Antes de adentrarmos especificamente no tema, necessrio que entendamos bem o modo como se realiza a persecuo penal no ordenamento jurdico ptrio. Assim, sempre que se constatar a ocorrncia de uma infrao cabe ao Estado dar incio persecuo penal com o objetivo de, ao final, aplicar uma pena ao criminoso. Desse modo, certo de que a autotutela foi afastada pelo sistema jurdico brasileiro, cabe ao Estado efetivar o seu direito de punir por meio de um processo penal que legitime a aplicao de uma pena. Tal afirmao est inteiramente de acordo com um Estado Democrtico de Direito.

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    Vale lembrar que, com a Constituio de 1988, foi inaugurada uma nova fase na democracia brasileira. Nunca foi dada tanta importncia aos direitos fundamentais no Brasil como no atual modelo constitucional. Nesse contexto, antes de se restringir um dos direitos mais importantes de um indivduo, qual seja, o direito de liberdade, o Estado deve sempre valer-se de um processo, que o instrumento adequado para legitimar a aplicao de uma pena. Nesse diapaso, Aury Lopes Jr. nos ensina que " o processo no pode mais ser visto como um simples instrumento a servio do poder punitivo (direito penal), seno que desempenha o papel limitador do poder e garantidor do indivduo a ele submetido. H que se compreender que o respeito s garantias fundamentais no se confunde com impunidade, e jamais se defendeu isso. O processo penal o caminho necessrio para chegar-se, legitimamente, pena. Da porque somente se admite sua existncia quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias constitucionalmente asseguradas (as regras do devido processo legal)". [01] Em sntese, podemos afirmar que o ordenamento jurdico deve apresentar um total sincronismo, desde o Cdigo Penal que tipifique condutas que ferem aqueles bens jurdicos tidos como os mais importantes, passando por um processo penal que respeite as garantias previstas na Constituio e terminando com a aplicao de uma pena por meio de uma sentena condenatria transitada em julgado. Sem embargo ao todo exposto at aqui, devemos lembrar que, antes de se dar incio fase processual, devemos passar por uma fase preliminar de investigao, fase esta que de curial relevncia para o posterior processo, uma vez que o legitima e fornece fundamentos para a propositura da ao. Da a importncia dessa investigao preliminar, que se formaliza por meio do inqurito policial, instrumento que serve de proteo aos direitos fundamentais, j que protege o indivduo de submeter-se desnecessariamente a um processo, consagrando-se, assim, o Estado Democrtico de Direito. 2-) Investigao Preliminar no Sistema Brasileiro: Inqurito Policial Primeiramente, devemos destacar que o sistema de investigao preliminar essencial posterior fase processual, conforme defendemos alhures. Vale lembrar, outrossim, que, com relao s infraes penais, o Brasil adotou o inqurito policial como meio para se formalizar as investigaes preliminares. Fernando da Costa Tourinho Filho define o inqurito policial como "um conjunto de diligncias realizadas pela Polcia Civil ou Judiciria (como a denomina o CPP), visando a elucidar infraes penais e sua autoria". [02] J o professor Aury Lopes Jr. vai um pouco alm ao definir como investigaes preliminares "o conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por rgos do Estado, a partir de uma notcia crime, com carter prvio e de natureza preparatria com relao ao processo penal, e que pretende averiguar a autoria e as circunstncias de um fato aparentemente delituoso, com o fim de justificar o processo ou o no-processo". [03] Desse modo, podemos afirmar que o inqurito policial no pode ser entendido apenas como um procedimento preparatrio da ao penal, mas, tambm, que ele deve servir como um obstculo a ser superado antes que se possa dar incio fase processual. muito importante que tenhamos em mente que a funo do inqurito policial no apenas constatar a materialidade do crime e os indcios de sua autoria, mas, sobretudo, fornecer elementos para a defesa do sujeito passivo da investigao criminal.

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    O grande problema que quando pensamos em inqurito policial, logo nos vem cabea um procedimento inquisitivo que tem unicamente como objetivo encontrar um culpado pela prtica de uma infrao penal. Todavia, esse entendimento no est correto. A investigao preliminar tem o objetivo de fornecer elementos informativos tanto para a acusao, como para a defesa. Por isso, pode-se dizer que o inqurito policial funciona como um filtro processual, evitando que acusaes infundadas cheguem at a fase do processo. Sem embargo, cedio que o processo configura-se como uma pena em si mesmo, uma vez que causa ao ru inocente um grande descrdito social e uma profunda humilhao, ainda que seja absolvido ao final do processo. Em Criminologia, fala-se na teoria do labeling approach ou teoria do etiquetamento, em que a pessoa processada acaba sendo estigmatizada pela sociedade como uma pessoa criminosa, deixando-se absolutamente de lado o princpio constitucional da presuno de inocncia. Frente ao exposto, incontestvel o fato de que o processo acaba causando severas conseqncias desabonadoras ao ru. Da a importncia do inqurito policial para se evitar processos infundados. Outro ponto que merece destaque com relao certeza da ocorrncia da infrao penal. Para que se instaure o inqurito policial, basta que se vislumbre a possibilidade de ter havido um fato punvel, independentemente do conhecimento de sua autoria, j que uma das funes da investigao preliminar , justamente, descobrir o autor do crime. Por outro lado, para que se possa exercer o direito constitucional de ao e para que esta seja admitida, deve haver um maior grau de certeza com relao autoria do crime. Assim, exige-se a probabilidade de que o acusado seja o autor. Nesse sentido, Aury Lopes Jr. ensina que " o inqurito policial nasce da mera possibilidade, mas almeja a probabilidade". [04] Ainda nessa esteira de raciocnio, pode-se concluir que, para se instaurar o inqurito policial, necessrio que haja a possibilidade de ter ocorrido um fato punvel; os atos de investigao objetivam formar um juzo de probabilidade sobre a acusao e, sendo assim, no esto direcionados sentena. Por tudo isso, o esclio do professor Aury Lopes Jr. no sentido de que a investigao preliminar tem funo endoprocedimental, pois que seus atos tm funes internas, servindo para amparar as decises interlocutrias (priso temporria, busca e apreenso etc.) e tambm a deciso sobre a admissibilidade ou no da acusao. 3-) Investigao Preliminar e Polcia Judiciria Depois de analisarmos a importncia e os objetivos do inqurito policial dentro de um Estado Democrtico de Direito, agora passamos a analisar o rgo responsvel pela sua realizao. Muito se discute na doutrina sobre qual seria o rgo competente para efetuar as investigaes preliminares. Hodiernamente, tem se defendido muito a possibilidade de o Ministrio Pblico realizar essas investigaes, contudo, tal discusso no pode prosperar, uma vez que a Constituio clara no sentido de que cabe a polcia judiciria a realizao desse mister. Antes de qualquer coisa, devemos lembrar que cabe ao Estado junto com a sociedade a responsabilidade pela segurana pblica. Todos ns sabemos a relevncia deste tema, j que a segurana essencial para o bom andamento de um Estado. Sendo assim, por meio das instituies policiais que o Estado efetiva e promove a segurana dos cidados. Ou seja, por intermdio dessas instituies que o Estado manifesta o seu poder de polcia.

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    Da leitura do artigo 144 da Constituio da Repblica percebemos nitidamente a existncia de dois tipos de polcia: polcia administrativa e polcia judiciria. A primeira tem funo preventiva, atuando antes da ocorrncia do crime (polcia militar). J a segunda tem funo repressivo-investigativa, atuando aps a prtica de uma infrao penal (polcia civil e federal). Nesta seara, preciosa a lio de Jos Frederico Marques: "O Estado quando pratica atos de investigao, aps a prtica de um fato delituoso, est exercendo o seu poder de polcia. A investigao no passa do exerccio do poder cautelar que o Estado exerce, atravs da polcia, na luta contra o crime, para preparar a ao penal e impedir que se percam os elementos de convico sobre o delito cometido". [05] Sem embargo, a Constituio tambm previu a possibilidade de outros rgos realizarem atos de investigao, tal como ocorre com o Ministrio Pblico nos inquritos civis ou com as Comisses Parlamentares de Inqurito. Todavia, percebe-se no caso uma ntida divergncia com relao ao sujeito e a finalidade de tais atos. Nesse sentido, pode-se afirmar que cabe exclusivamente polcia judiciria a apurao de fatos criminosos e elementos informativos que iro comprovar ou no a necessidade de um processo posterior, meio instrumentalizador do direito de punir do Estado. Assim, esta fase inicial da persecuo penal deve ser realizada por um ente absolutamente imparcial, que no possui ligao direta com o processo, separando-se perfeitamente as funes do Estado-investigador, Estado-acusador e Estado-julgador, preservando-se tambm o sistema acusatrio. Ora, do ponto de vista prtico nos parece absolutamente lgico que a funo de investigar infraes penais seja exclusiva das polcias judicirias. Tal afirmao subsidiada por diversos fatores, quais sejam: a polcia judiciria um rgo especializado na investigao criminal; a polcia, por sua essncia, est muito mais prxima da atividade criminosa; por fim, a polcia o nico rgo estatal que se faz presente em todas as cidades do territrio brasileiro, o que possibilita uma maior interao com os problemas de uma comunidade. No bastassem esses argumentos, devemos lembrar que a Constituio foi clara ao estabelecer as funes da polcia, seja ela civil ou federal, para investigar e servir de rgo auxiliar do Poder Judicirio (da o nome polcia judiciria) na atribuio de investigar infraes penais e sua autoria (art.144 da CF). Dessa forma, no possvel que qualquer legislao infraconstitucional disponha de maneira diversa, caso contrrio configurar-se- uma violao ao princpio da supremacia da Constituio. Sem embargo, ao atribuir poderes investigatrios ao Ministrio Pblico e s CPIs, a Constituio o fez com atribuies diferentes, uma vez que tais procedimentos no objetivam apurar infraes penais. Explicamos: no caso das CPIs, a Constituio lhes conferiu poderes investigatrios similares ao da autoridade judicial (decretar quebra de sigilo bancrio, fiscal etc. ), todavia, tal investigao no objetiva diretamente a apurao de infraes penais, mas sim a comprovao de quebra do decoro parlamentar e a constatao de atos de improbidade administrativa, o que acarreta a aplicao de sanes disciplinares-administrativas. Prova disso o fato de que se, porventura, a CPI constatar a ocorrncia de qualquer crime, os relatrios devero ser enviados Polcia Federal para que se instaure o devido inqurito policial. Da mesma forma, o inqurito civil promovido pelo Ministrio Pblico tem por objetivo a elaborao do termo de ajustamento de conduta, que possui ntida natureza civil e no criminal, tanto que este

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    procedimento no permite que se tomem medidas de cunho investigativo-penal, como prises cautelares, por exemplo. Em sntese, podemos afirmar que, quando se tratar de infraes penais, cabe exclusivamente s policias judicirias dirigidas por Delegados de Polcia de carreira a realizao das investigaes preliminares, uma vez que este um rgo especializado nessa funo, que possui contato direto com o evento criminoso e que absolutamente imparcial, pois est desvinculado do posterior processo. Nesse enfoque, a lio do professor Gulherme de Souza Nucci: "O sistema processual penal foi elaborado para apresentar-se equilibrado e harmnico, no devendo existir qualquer instituio superpoderosa. Note-se que, quando a polcia judiciria elabora e conduz a investigao criminal, supervisionada pelo Ministrio Pblico e pelo Juiz de Direito. Este, ao conduzir a instruo criminal, tem a superviso das partes Ministrio Pblico e advogados. Logo, a permitir-se que o Ministrio Pblico, por mais bem intencionado que esteja, produza de per si investigao criminal, isolado de qualquer fiscalizao, sem a participao do indiciado, que nem ouvido precisaria ser, significaria quebrar a harmnica e garantista investigao de uma infrao penal" [06]. Ademais, devemos lembrar tambm de outro argumento usado por aqueles que defendem o poder investigatrio do Ministrio Pblico, qual seja: a teoria dos poderes implcitos. Segundo esta teoria, aquele que pode o mais tambm pode o menos. Ou seja, o representante do parquet, como titular da ao penal, tambm poderia realizar as investigaes necessrias para a propositura da ao. Contudo, a teoria mencionada no tem cabimento quando se trata de matria na qual se verifique a atribuio de poderes explcitos. Nesse contexto, conforme j expusemos alhures, o artigo 144 da CF expresso no sentido de dar atribuio exclusiva s polcias judicirias para a apurao de infraes penais. Assim, pode-se afirmar que a explicitude exclui em absoluto a implicitude, no sobrando espao para qualquer interpretao em sentido contrrio. Ainda com relao teoria dos poderes implcitos, caso seja aceito tal argumento, tambm os magistrados poderiam realizar as investigaes preliminares, uma vez que quem pode o mais (julgar) tambm pode o menos (investigar). Nesse ponto, no podemos olvidar algumas crticas feitas ao trabalho de investigao efetuado pela polcia judiciria. Entre tantas crticas, destacamos as seguintes: a polcia possui muita discricionariedade para selecionar as condutas a serem perseguidas, da porque (segundo os crticos) seus atos devem ser fiscalizados pelo MP e pelo judicirio; a polcia est muito mais suscetvel a influncias polticas. Destacadas estas crticas, passamos agora a desmistific-las. Primeiramente, o argumento de que a polcia possui uma demasiada discricionariedade na sua atuao no prospera. Ora, uma polcia sria se pauta pelo princpio da legalidade e, dessa forma, sempre que se verificar a ocorrncia de uma infrao que esteja sujeita a ao penal pblica incondicionada cabe ao delegado instaurar o procedimento cabvel. Claro que na conduo das investigaes a autoridade policial possui certa discricionariedade, mas sempre pautada pela lei, agindo sempre de modo impessoal e preservando o interesse pblico. Portando, no vislumbramos a necessidade de um controle externo sobre a atividade policial, j que esta funo j exercida pela prpria polcia por meio da Corregedoria. J com relao ingerncia poltica sofrida pela polcia, ns somos obrigados a concordar. Todavia, a soluo para este problema muito fcil. Para tanto, basta que se reconhea aos Delegados de Polcia a carreira jurdica.

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    Como cedio, a polcia est diretamente vinculada ao Poder Executivo, o que acaba dando margem a algumas influncias polticas. Contudo, a partir do momento que se reconhecer o status jurdico da carreira de Delegado de polcia, reconhecendo-se tambm algumas prerrogativas como a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, as famigeradas ingerncias polticas no mais tero espao. Dessa forma, a atividade policial poder se desenvolver de uma maneira muito mais justa, eficaz e consentnea com um Estado Democrtico de Direito. Em linhas gerais, preciso se reformular a viso sobre a carreira do Delegado de Polcia. Por que adotarmos a figura do juiz-garantidor [07] ou do promotor-investigador se ns, diferentemente de outros pases que adotam estes sistemas, contamos com a figura do Delegado de Polcia? Vale lembrar que no Brasil o cargo de Delegado de Polcia composto por pessoas com excelente formao jurdica (bacharis em direito) e que se submeteram a concursos pblicos extremamente qualificados, assim como Promotores de Justia, Juzes de direito, Defensores Pblicos, Procuradores do Estado etc. O Delegado de Polcia aquele que tem o primeiro contato com o crime e que, portanto, apresenta as melhores condies para efetivar a investigao. Temos de enxergar a figura da autoridade policial como a de um juiz da fase pr-processual. O Delegado um sujeito imparcial e que deve atuar como um garantidor dos direitos fundamentais dos sujeitos passivos da investigao. No podemos mais olhar para a autoridade policial como um inquisidor, que objetiva exclusivamente a condenao do suspeito. Seu papel outro, cabe a ele a funo de fornecer elementos informativos tanto para a acusao, como para a defesa, atuando de maneira imparcial e preservando os direitos envolvidos na investigao criminal. Neste ponto, devemos destacar inclusive a possibilidade do contraditrio e da ampla defesa no inqurito policial. A doutrina de forma majoritria [08] aponta no sentido da sua impossibilidade do referido procedimento. Com a devida vnia, tal afirmao est equivocada. Aury Lopes Jr. [09] afirma que a ampla defesa no inqurito policial existe desde 1941. Para tanto, o autor cita como exemplo a possibilidade de o indiciado exercer sua autodefesa positiva (dando sua verso dos fatos) e tambm sua autodefesa negativa (exercendo seu direito de silncio). Ademais, o indiciado poder juntar documentos, requerer diligncias e tambm fazer uso dos remdios constitucionais (hbeas corpus e mandado de segurana). J com relao ao contraditrio, tambm este princpio deve ser observado pela autoridade policial sempre que possvel e que no for prejudicial ao andamento das investigaes. O prprio artigo 5, LV, da Constituio da Repblica garante o referido princpio aos acusados em geral, o que acaba por abranger a figura do inqurito policial. Vale lembrar, outrossim, que, com relao aos direitos fundamentais, a interpretao da norma deve ser sempre ampliativa e no restritiva, o que ratifica a aplicao do contraditrio no procedimento em questo, desde que, claro, no inviabilize as investigaes. Devemos ressaltar que quando falamos em contraditrio no inqurito policial, nos referimos ao seu primeiro momento, qual seja: a informao. Isto porque no se pode vislumbrar a plenitude do contraditrio numa fase pr-processual. Assim, destaca-se uma vez mais a importncia do Delegado de Polcia e do inqurito policial para um Estado Democrtico de Direito. Nesse sentido, cabe autoridade policial, sempre que possvel, garantir o contraditrio e a ampla defesa aos envolvidos na investigao criminal, o que legitima ainda mais os elementos colhidos nesta fase pr-processual.

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    Ratificando esse entendimento veio a reforma processual que alterou o artigo 155 do CPP. Segundo este artigo "o juiz formar sua convico pela livre apreciao da prova produzida em contraditrio judicial, no podendo fundamentar sua deciso exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigao, ressalvada as provas cautelares, no repetveis e antecipadas"(grifos nossos). Assim sendo, legalizou-se a possibilidade de o juiz se influenciar pelas provas produzidas durante as investigaes preliminares. Nesse contexto, valoriza-se ainda mais a figura do inqurito policial, j que ele constitui elemento essencial para a sentena posterior. Cabe autoridade policial agir de maneira absolutamente transparente e imparcial (atuando como juiz da fase pr-processual), fornecendo, sempre que possvel, a possibilidade do contraditrio e da ampla defesa, principalmente quando se tratar de provas no-repetveis, que no se sujeitaro ao contraditrio judicial. Frente ao exposto, impossvel negar a importncia do inqurito policial e do Delegado de Polcia para a persecuo penal e para o Estado Democrtico de Direito. Dessa forma, fundamental que se prestigie a figura da autoridade policial, concedendo-lhe garantias como a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos para que ela melhor possa desenvolver seu mister. Em concluso, preciso que ns no nos prendamos em discusses e rivalidades inteis. O sistema penal ptrio funciona de modo interligado, e as funes exercidas pelos rgos que compem a persecuo penal so todas de curial importncia para o resultado final. Mais importante do que brigar para ver qual instituio a mais relevante e a que possui mais atribuies, ver todo aparato do Estado funcionando de maneira integrada e eficiente, garantido-se, assim, uma melhor prestao do servio pblico em prol da sociedade. Referncias Bibliogrficas: BARBOSA, Manoel Messias. Inqurito Policial. 5 edio. Editora Mtodo, 2006 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10 edio. Editora Saraiva, 2003. ESTEFAM, Andr. Provas e Procedimentos do Processo Penal. Editora Damsio de Jesus, 2008. FILHO, Fernando da costa. Manual de Processo Penal. 10 edio. Editora Saraiva, 2008. LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade com a Constituio. 3 edio. Editora Lmen Jris, 2008. MARQUES, Jos Frederico. Apontamentos sobre Processo Criminal Brasileiro. Revista dos Tribunais, 1959. NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Processo Penal e Execuo Penal. 4 edio. Ed. Revista dos Tribunais, 2007. Notas Lopes Jr. , Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Pg.9 Filho, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. Pg. 64. Lopes Jr. , Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Pg. 212 Lopes Jr. , Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Pg. 250. Marques, Jos Frederico. Apontamentos sobre Processo Criminal. Pg. 76 Nucci, Guilherme de Sousa. Manual de Processo Penal e Execuo Penal. Pg. 139 Nesse ponto, importante mencionar o fato de estar tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei que reforma o Cdigo de Processo Penal, sendo que um dos seus pontos mais polmicos ,

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    justamente, a criao da figura do juiz garantidor. Segundo o projeto, haver um juiz que atuar especificamente na fase de investigao (Inqurito Policial), mas este no poder julgar o processo, que ser da competncia de outro magistrado. Fernando Capez, Damsio de Jesus, Mirabete etc. Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Pg.301 Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12998 2. JURISPRUDNCIA CORRELATA 2.1 HC 69405 / SP HABEAS CORPUS 2006/0240511-4 Inqurito policial (natureza). Diligncias (requerimento/possibilidade). Habeas corpus (cabimento). 1. Embora seja o inqurito policial procedimento preparatrio da ao penal (HCs 36.813, de 2005, e 44.305, de 2006), ele garantia "contra apressados e errneos juzos" (Exposio de motivos de 1941). 2. Se bem que, tecnicamente, ainda no haja processo da que no haveriam de vir a plo princpios segundo os quais ningum ser privado de liberdade sem processo legal e a todos so assegurados o contraditrio e a ampla defesa , lcito admitir possa haver, no curso do inqurito, momentos de violncia ou de coao ilegal (HC-44.165, de 2007). 3. A lei processual, alis, permite o requerimento de diligncias. Decerto fica a diligncia a juzo da autoridade policial, mas isso, obviamente, no impede possa o indiciado bater a outras portas. 4. Se, tecnicamente, inexiste processo, tal no haver de constituir empeo a que se garantam direitos sensveis do ofendido, do indiciado, etc. 5. Cabimento do habeas corpus (Constituio, art. 105, I, c). 6. Ordem concedida a fim de se determinar autoridade policial que atenda as diligncias requeridas. (HC 69405/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJ 25/02/2008 p. 362) 3. SMULA CORRELATA 3.1 Smula 568 do STF A identificao criminal no constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado j tenha sido identificado civilmente. 4. ASSISTA! 4.1 cabvel recurso no inqurito policial? Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080611091357902

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    5. SIMULADOS 1. Assinale a afirmao correta. (A) A autoridade policial pode indeferir a instaurao de inqurito policial por entender de difcil apurao o fato criminoso noticiado. (B) O juiz deve arquivar o inqurito policial, de ofcio, quando se convena da falta de justa causa para a persecuo penal. (C) O Delegado de Polcia deve arquivar o inqurito policial quando as investigaes tornem patente a inexistncia de crime. (D) A requisio de inqurito pelo Ministrio Pblico modalidade de delao postulatria. (E) Nos crimes de ao penal pblica incondicionada o inqurito policial dispensvel quando o Ministrio Pblico dispe de elementos informativos idneos para embasar a denncia. Resp: E 2. Como responsvel pela instaurao do inqurito policial, a Autoridade Policial deve agir (A) em qualquer hiptese, somente por requisio de Membro do Ministrio Pblico, de quem subordinada. (B) de ofcio, mediante provocao de qualquer pessoa; por requisio de Membro do Ministrio Pblico ou do Poder Judicirio; por requisio do Ministro da Justia; por requerimento do ofendido ou seu representante legal. (C) em qualquer hiptese, apenas por requisio de rgo do Poder Judicirio ou do Ministro da Justia. (D) nos crimes de ao pblica, somente por provocao do ofendido. (E) nos crimes de ao privada, por provocao de qualquer pessoa. Resp: B 3. O inqurito policial, nos crimes de ao penal pblica, ser iniciado (A) apenas mediante requisio do Ministrio Pblico, detentor da legitimidade exclusiva para a propositura da ao penal pblica. (B) apenas de ofcio ou mediante requisio da autoridade judiciria ou do Ministrio Pblico. (C) apenas mediante requisio da autoridade judiciria ou do Ministrio Pblico ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para represent-lo. (D) apenas de ofcio ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para represent-lo. (E) de ofcio; mediante requisio da autoridade judiciria ou do Ministrio Pblico, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para represent- lo. Resp: E