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AVALIAÇÃO E INTERATIVIDADE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA · O projeto Observatório da Educação, Museu Interativo e Educação em Ciências: relações construtivas, vinculado ao Programa

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AVALIAÇÃO E INTERATIVIDADE

NA EDUCAÇÃO BÁSICA EM

CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

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Chanceler

Dom Jaime Spengler

Reitor

Joaquim Clotet

Vice-Reitor

Evilázio Teixeira

Conselho Editorial

Presidente

Jorge Luis Nicolas Audy

Diretor da EDIPUCRS

Gilberto Keller de Andrade

Editor-Chefe

Jorge Campos da Costa

Agemir Bavaresco

Augusto Buchweitz

Carlos Gerbase

Carlos Graeff-Teixeira

Clarice Beatriz da Costa Söhngen

Cláudio Luís C. Frankenberg

Érico João Hammes

Gleny Terezinha Guimarães

Lauro Kopper Filho

Luiz Eduardo Ourique

Luis Humberto de Mello Villwock

Valéria Pinheiro Raymundo

Vera Wannmacher Pereira

Wilson Marchionatti

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AVALIAÇÃO E INTERATIVIDADE

NA EDUCAÇÃO BÁSICA EM

CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

Regina Maria Rabello BorgesJoão Bernardes da Rocha Filho

Nara Regina de Souza Basso

(Organizadores)

porto alegre2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – BrasilFone/fax: (51) 3320 3711E-mail: [email protected]: www.pucrs.br/edipucrs

© EDIPUCRS 2015,

Versão Eletrônica da 1º Edição impressa no anos de 2008;

DESIGN GRÁFICO [CAPA] Vinícius Xavier

DESIGN GRÁFICO [DIAGRAMAÇÃO] VS Digital

PREPARAÇÃO DE [ORIGINAIS] Eurico Saldanha de Lemos

REVISÃO DE TEXTO dos organizadores

A945 Avaliação e interatividade na educação básica em ciências ematemática [recurso eletrônico] / Regina Maria Rabello Borges, João Bernardes da Rocha Filho, Nara Regina de Souza Basso (organizado-res) – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2015.184 p.

Modo de Acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs> ISBN 978-85-397-0787-4

1. Educação. 2. Ciências. 3. Matemática. I. Borges, Regina Maria Rabello. II. Rocha Filho, João Bernardes da.

III. Basso, Regina de Souza. CDD 372.7

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1. APRESENTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO ..................................... 7 Regina Maria Rabello Borges Nara Regina de Souza Basso João Bernardes da Rocha Filho

2. A FÍSICA MODERNA NO ENSINO MÉDIO DO OESTE DE SANTA CATARINA: DIFICULDADES E ENCAMINHAMENTOS ..... 13

Sérgio Luís Kessler João Bernardes da Rocha Filho

3. O ENSINO DE MATEMÁTICA APOIADO EM TECNOLOGIAS DIGITAIS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ........................................ 29

Lucia Maria Martins Giraffa Luciane Oliveira Fortes Patricia Freire

4. ATIVIDADES INTERATIVAS EM SALA DE AULA: UMA EXPERIÊNCIA PARA COMPARTILHAR .................................... 43

Márcia Bárbara Bini Sayonara Salvador Cabral da Costa Elaine Vieira

5. ANÁLISE DO DESEMPENHO EM MATEMÁTICA DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO: A AVALIAÇÃO EXTERNA COMO BASE PARA A REFLEXÃO DOCENTE .................................... 59

Marta Cattani Vargas Maurivan Güntzel Ramos

Sumário

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6. A RECONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DOS ALUNOS SOBRE O CICLO DA ÁGUA POR MEIO DE UNIDADE DE APRENDIZAGEM ............................................................................. 77

Márcio Freschi Maurivan Güntzel Ramos

7. PESQUISAS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PARA UMA CULTURA DE PAZ ............................................................. 99

Circe Mary Silva da Silva Ruth Portanova

8. REPENSANDO AS DIFICULDADES DOS ALUNOS NA APRENDIZAGEM DE ÁLGEBRA ................................................... 115

Kátia Henn Gil Ruth Portanova

9. CRIATIVIDADE E DESAFIOS NAS AULAS DE MATEMÁTICA ...... 127 Fernanda Moser Ruth Portanova

10. PROPONDO SITUAÇÕES COMO ESTRATÉGIA PARA RESGATAR A QUALIDADE DE ENSINO EM GENÉTICA ...... 143

Luis Fernando dos Santos Silveira Regina Maria Rabello Borges Sayonara Salvador Cabral da Costa

11. A TRANSPOSIÇÃO DA FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA PARA O ENSINO MÉDIO: SUPERANDO OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS E DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS ......................... 159

Maurício Pietrocola

12. CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A URGÊNCIA DA REFLEXÃO NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA ............................................................... 181

João Bernardes da Rocha Filho Nara Regina de Souza Basso Regina Maria Rabello Borges

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O projeto Observatório da Educação, Museu Interativo e Educação em Ciências: relações construtivas, vinculado ao Programa do Observa-tório da Educação/CAPES4 e apoiado também pela FAPERGS5, envolveu dois programas de pós-graduação: Educação em Ciências e Matemática/PUCRS e Educação Científica e Tecnológica/UFSC. Em tal contexto está sendo avaliada a evolução da Educação em Ciências e Matemática no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, a partir da qual estão sendo colocadas em prática, acompanhadas e avaliadas propostas educacionais inspiradas na interatividade do Museu de Ciências e Tecnologia (MCT/PUCRS), com ênfase em uma perspectiva interdisciplinar.

1Apresentação e

ContextualizaçãoRegina Maria Rabello Borges1

Nara Regina de Souza Basso2

João Bernardes da Rocha Filho3

1 Regina Maria Rabello Borges é licenciada e bacharelada em História Natural, mestra em Educação e doutorada em Educação. É professora adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, atuando na Faculdade de Biociências e na Faculdade de Física, no Programa de Pós-Graduação em Edu-cação em Ciências e Matemática, do qual é coordenadora. E-mail: [email protected]

2 Nara Regina de Souza Basso é graduada em Química, mestra em Química e doutorada em Química. É professora da Faculdade de Química e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Mate-mática da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

3 João Bernardes da Rocha Filho é doutor em Engenharia, mestre em Educação, especialista em Metodolo-gia do Ensino Superior, especialista em Psicossomática e professor da Faculdade de Física e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. E-mail: [email protected]

4 CAPES: Central de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Recursos para Custeio e bolsas de Mestrado).

5 FAPERGS: Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Bolsa de Iniciação Científica - BIC).

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Regina Maria Rabello Borges • Nara Regina de Souza Basso • João Bernardes da Rocha Filho8

No presente livro6, cada capítulo foi produzido a partir de uma das pesquisas dos mestrandos envolvidos, com a co-autoria de seus orienta-dores. Tais pesquisas embasaram-se em avaliações realizadas pelo INEP sobre a situação educacional no Brasil, na Região Sul e em municípios nos quais foram desenvolvidas as propostas, tendo em vista a melhoria da educação em Ciências e Matemática.

Cada projeto individual, como pesquisa, é independente dos de-mais, mas há expectativa de que, no seu conjunto, seja possível ampliar a compreensão sobre alternativas para a melhoria da Educação Científica e Tecnológica, especialmente na Região Sul do País. Da mesma forma, os capítulos que compõem o livro são relativamente independentes entre si, embora apresentem coerência em seus fundamentos, por vincularem-se, direta ou indiretamente, ao projeto unificado do Núcleo PUCRS/UFSC do Observatório da Educação. Apresentamos a seguir uma síntese dos mes-mos.

O capítulo 2, denominado A Física Moderna no Ensino Médio do Oeste de Santa Catarina: dificuldades e encaminhamentos, apresenta os resultados de uma intervenção realizada em municípios do Oeste de Santa Catarina, por meio da qual os professores de Física daquela área participa-ram de oficinas de Física Moderna. O objetivo da proposta, além de reco-lher informações sobre o encaminhamento que vinha ocorrendo em relação ao tema, foi promover a disseminação de conhecimentos instrumentais, especialmente relacionados à experimentação, visando à inclusão deste conteúdo no programa de Física das 3as séries do Ensino Médio das escolas daquela região. A pesquisa concluiu que há carências materiais nas escolas, em termos de laboratórios, mas que principalmente são os professores que têm receio de abordar um tema para o qual não se sentem preparados.

O capítulo 3, denominado O ensino de Matemática apoiado em tecnologias digitais: desafios e possibilidades, apresenta a questão premen-te do impacto da informatização na Educação Matemática que vem sendo oferecida nas escolas, situando a questão em termos de diferenças entre as gerações de estudantes, denominados nativos digitais porque nasceram já dentro da era informática, e professores chamados imigrantes digitais, porque foram acompanhando o desenvolvimento da era informática, desde os seus primórdios, ou foram apresentados a ela quando já se encontrava relativamente desenvolvida. O capítulo aborda as ferramentas de busca, as

6 Este livro foi produzido com apoio da CAPES, Central de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Supe-rior, entidade do governo brasileiro voltada para a formação de recursos humanos.

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Apresentação e Contextualização 9

ferramentas de simulação de vida e as ferramentas de comunicação, sempre focalizando a questão central do ensino.

No capítulo 4, denominado Atividades interativas em sala de aula: Uma experiência para compartilhar, os autores utilizam as premis-sas da Teoria dos Campos Conceituais, de Vergnaud, e da Teoria Sócio-Interacionista, de Vygotsky, entre outros autores, para desenvolver o tema do baixo desempenho dos estudantes de 6as séries nos conteúdos que envol-vem números inteiros. Como proposta de solução, os autores apresentam uma descrição sobre atividades interativas envolvendo contextualização e jogos educativos, desenvolvidas com o objetivo de melhorar o desempenho desses estudantes na construção de conceitos matemáticos.

O capítulo 5, denominado Análise do desempenho em Matemática dos alunos do Ensino Médio: Avaliação externa como base para reflexão docente, busca responder questões relacionadas ao fraco desempenho dos estudantes do Ensino Médio na resolução de problemas matemáticos. Para isso eles descrevem uma pesquisa-ação que tenta identificar as principais dificuldades de aprendizagem, e como se dá a apropriação do saber ma-temático, com ênfase na qualificação de procedimentos metodológicos empregados na Matemática do Ensino Médio, assim como os problemas identificados nos resultados da avaliação SAEB em 2003, desenvolvido pelo INEP/MEC.

O capítulo 6, denominado A reconstrução do conhecimento dos alu-nos sobre o ciclo da água por meio de unidade de aprendizagem, descreve a aplicação de uma Unidade de Aprendizagem (UA) na qual os alunos fo-ram solicitados a elaborar questionamentos sobre o tema Ciclo da Água, os quais foram analisados e categorizados para que a U.A. pudesse ser orga-nizada. Ao final da mesma os autores aplicaram um questionário, visando identificar a reconstrução de conteúdos pelos estudantes. Por meio desta técnica o texto demonstra como ocorre a transformação do discurso em conhecimento escolar, mais complexo, consistente e científico.

O capítulo 7, denominado Pesquisas em Educação Matemática para uma cultura de paz, utiliza pressupostos da Etnomatemática, de Ubi-ratan D´Ambrósio, da Educação Dialógica, de Paulo Freire, e da Educa-ção para a Paz, de Marcelo Guimarães, para demonstrar como o ensino de Matemática pode desenvolver valores humanos, como o respeito, o amor, a verdade e a justiça. O texto se apóia em pesquisas bibliográficas e etno-gráficas, inclusive entre populações indígenas, concluindo que o processo de aprendizagem em Matemática, que utiliza a interdisciplinaridade numa perspectiva transdisciplinar, tem potencial para desenvolver estes valores.

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Regina Maria Rabello Borges • Nara Regina de Souza Basso • João Bernardes da Rocha Filho10

O capítulo 8, denominado Repensando as dificuldades dos alunos na aprendizagem de álgebra, descreve um estudo sobre as dificuldades de aprendizagem em álgebra, discutindo como o estudo destes concei-tos depende da capacidade de interpretação da linguagem corrente e da linguagem simbólica, assim como da superação da aparente contradição aritmética-álgebra. O capítulo usa dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, e descreve como eles foram apresentados no contexto do Projeto Observatório da Educação.

O capítulo 9, denominado Criatividade e desafios nas aulas de Ma-temática, apresenta uma discussão quanto à importância da promoção da criatividade, demonstrando que a escola tem o papel de despertar o interes-se dos alunos, e que isso é tarefa do professor, nas aulas. Para isso, o texto sugere que podem ser utilizados desafios e charadas matemáticas, e mos-tra que os estudantes que recebem este tipo de incentivo sentem-se mais motivados, valorizados e estimulados a continuar tendo idéias, assumindo riscos e aprendendo mais, com liberdade de pensamento.

O capítulo 10, denominado Propondo situações como estratégia para resgatar a qualidade de ensino em genética, discute a questão da excessiva conceitualização que caracteriza o ensino de Biologia, em geral, o que causa conflito entre os esquemas mentais dos estudantes e as ex-plicações baseadas no senso comum. O texto apresenta o professor como mediador, que deve proporcionar o maior número possível de situações que ampliem o repertório de representações dos estudantes, dando signifi-cado crescente aos diversos conceitos. O capítulo defende que a principal forma de criar estas situações é por meio de interações, e que a resolução mecânica de um problema de genética torna sem efeito a aprendizagem, em oposição à aprendizagem significativa que poderia ocorrer se, ao invés do problema, fossem oferecidas, ao estudante, oportunidades e situações interativas.

O capítulo 11, denominado A transposição da Física Moderna e Contemporânea para o Ensino Médio: Superando obstáculos episte-mológicos e didático-pedagógicos, se apóia nos princípios lançados por Chevallard, descrevendo os processos envolvidos na Transposição Didá-tica aplicada ao Ensino de Física, envolvendo a modificação dos saberes associados ao Saber Sábio, ao Saber a Ensinar, ao Saber Ensinado e o Saber Aprendido. O texto também trata dos tempos relativos: tempo real, tempo lógico, tempo didático e tempo de aprendizagem, relacionando-os com conteúdos históricos da Física Moderna, e sua atualidade moral e biológica.

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Apresentação e Contextualização 11

Todos os capítulos, com exceção deste, do penúltimo e do último, relacionam-se a pesquisas realizadas a partir de dados do INEP. Este capí-tulo e o último se destinam a introduzir e fazer as reflexões finais do livro, respectivamente, e o penúltimo capítulo traz uma contribuição do professor Maurício Pietrocola, que foi convidado a proferir a aula inaugural de 2008 do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS, com o apoio da CAPES ao projeto que deu origem ao livro.

Registramos, então, o nosso agradecimento a todos os que partici-param nesta produção e em outras, como dissertações, artigos e capítulos de outros livros vinculados ao projeto, com a satisfação de compartilhar idéias e vivências.

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Introdução

Nossa vivência no magistério em Física nas escolas do Oeste Cata-rinense, especialmente na cidade de Itapiranga, um município de 15 mil ha-bitantes que conta com 27 escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamen-tal, Especial e Médio (EDUCACENSO, 2007), mostra-nos que é restrita a abordagem dada ao ensino da Física Moderna. Como um encaminhamento para esta questão, promovemos uma investigação sobre a forma com que este conteúdo é abordado, quais dificuldades os professores encontram, e como se poderia melhorar a situação. Como forma de intervenção, promo-vemos a inserção dos professores de Física da região de Itapiranga (São João do Oeste, Tunápolis, Iporã do Oeste e Santa Helena) em um programa de formação continuada, de onde provêm nossos dados, além do mais re-cente censo escolar nacional.

Segundo dados do INEP (2006), válidos para o Estado de Santa Catarina, 92% dos estudantes do Ensino Médio têm entre 15 e 19 anos, e na

2A Física Moderna no Ensino

Médio do Oeste de Santa Catarina: dificuldades e encaminhamentos

Sérgio Luís Kessler1

João Bernardes da Rocha Filho2

1 Sérgio Kessler é graduado em Física, mestre em Educação em Ciências e Matemática e professor de Física na região de Itapiranga, no oeste de Santa Catarina. Seu e-mail é [email protected].

2 João Bernardes da Rocha Filho é doutor em Engenharia, mestre em Educação, especialista em Metodolo-gia do Ensino Superior, especialista em Psicossomática e professor da Faculdade de Física e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. Seu e-mail é [email protected].

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Sérgio Luís Kessler • João Bernardes da Rocha Filho14

3a série a taxa de reprovação é de 4,8% e de abandono é 7,7%. Isso significa que aproximadamente 12 em cada 100 estudantes do último ano do Ensino Básico são impedidos de concluí-lo por uma ou outra razão. Que parcela de responsabilidade cabe aos professores de Física, quanto a este fracasso? Por quais razões a Física Moderna, que tem potencial para ser um agente aglutinador de atenções dos estudantes, freqüentemente sequer é abordada na 3a série? Para tentar compreender este quadro, a pesquisa incluiu ofi-cinas envolvendo conteúdos de Física Moderna, todas com experimentos de fácil realização. Foram envolvidos professores de Física de escolas de Ensino Médio de Itapiranga, e com esse trabalho procuramos identificar as dificuldades e os meios de produzir mudanças positivas no interesse e no rendimento dos estudantes em relação à Física.

Considerações iniciais

Usualmente, os alunos que ingressam no nível escolar médio domi-nam de forma bastante restrita os conceitos básicos da Física, e encontram professores que tentam iniciar um processo de inversão dessa deficiência utilizando o caminho do ensino tradicional, limitado à descrição matemáti-ca de alguns pontos considerados cruciais. Esta abordagem exclui concep-ções e conceitos da Física Moderna, normalmente porque este conteúdo é considerado como tendo pré-requisitos justamente nos conhecimentos básicos que muitos alunos não possuem. Alguma coisa, entretanto, faz com que estes alunos passem imunes por esta revisão, e continuem não sabendo aquele conjunto de conhecimentos tidos como de base. Isso tende a fazer com que os professores seguintes repitam os passos dos primeiros, e as-sim por diante, não sendo raro encontrar alunos que terminaram o Ensino Médio estudando movimentos, sem terem tido contato com qualquer outro tópico de Física.

Sabe-se da importância histórica que a Física do século XX teve para a humanidade, tanto em termos de ampliação do conhecimento so-bre a natureza quanto pelo avanço tecnológico que ela propiciou, porém constata-se também que a Física Clássica domina o currículo e, muito restritamente, a Física Moderna ocupa um espaço mínimo. Assim, mes-mo que a seqüência curricular dos conteúdos de Física do Ensino Médio seja seguida, os alunos terão contato apenas com uma perspectiva linear e determinista dos fenômenos naturais, contestada pelos atuais estudos epis-temológicos associados à teoria quântica, que revelam uma grande com-plexidade na estrutura dos elementos e suas relações. Da mesma forma, se

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A Física Moderna no Ensino Médio do Oeste de Santa Catarina: dificuldades e encaminhamentos 15

revelam complexas as leis que regem os movimentos dos corpos do espaço e as partículas subatômicas.

Diante da constatação das significativas mudanças que ocorreram no conhecimento humano a partir das descobertas da Física do século XX, e sua influência no atual panorama mundial, é importante o ensino da Física Moderna, pelo menos em seus conceitos básicos, ainda no Ensino Médio, levando ao conhecimento dos alunos os modelos teóricos da Física Relativística e Quântica, possibilitando melhor compreensão da realidade científica e tecnológica da humanidade.

Boa parcela das descobertas e dos conhecimentos construídos no século XX não faz parte do currículo da Educação Básica, e não são abor-dados com a atenção que merecem nos livros didáticos. Na maioria das vezes são apresentados como textos ou capítulos complementares, no final dos livros da 3a série do Ensino Médio, o que minimiza sua importância como avanço do conhecimento humano.

Na graduação em Física, por sua vez, os tópicos de Física Moder-na são, em geral, estudados em disciplinas vinculadas aos bacharelados, com ênfase na descrição matemática dos fenômenos, e pouca ou nenhuma atenção é dada às possibilidades metodológicas de ensino do tema ou suas conseqüências epistemológicas e tecnológicas. Essas disciplinas poderiam, também, ampliar a compreensão dos conceitos fundamentais para o en-tendimento do avanço científico do século XX e a realidade tecnológica, porém elas contemplam geralmente apenas a teoria, sem contextualização ou experimentação, tornando o assunto pouco significativo para muitos licenciandos. Assim, embora provavelmente tenham domínio sobre as fer-ramentas matemáticas de descrição da realidade quântica e relativística, os professores podem não estar suficientemente preparados para exercerem a função docente destes mesmos assuntos, pelo limitado conhecimento que alcançaram acerca da transposição didática correspondente. Isso nos leva a perguntar: quais são os conhecimentos de Física Moderna dos professores de Física do Ensino Médio? Quais os conceitos que compartilham com seus alunos nesse nível de formação, e como o fazem?

Os currículos de Física do Ensino Médio contemplam praticamente só a Física Clássica que, via de regra, é o estudo das leis que se aplicam à matéria que conseguimos ver ou podemos mexer. A Física Moderna é restritamente abordada, pois lida com coisas geralmente inacessíveis para os nossos sentidos, de forma direta, como átomos, velocidades extremas e buracos negros. Enquanto a Física newtoniana admite um mundo regular, palpável e determinista, a Física Moderna segue para o complexo, o relati-

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Sérgio Luís Kessler • João Bernardes da Rocha Filho16

vo e o não-linear. Assim, nas últimas décadas do século XX o conhecimen-to científico experimentou grandes avanços teóricos e, simultaneamente, um número sempre crescente de aplicações práticas desses conhecimentos foi sendo desenvolvido. Paralelamente, o Ensino de Ciências passou a ser considerado um novo campo de investigação, com avanços para o trata-mento didático de novos conteúdos e métodos. Apesar disso, as repercus-sões são ainda bastante tímidas na esfera da efetiva prática de ensino; o conhecimento contemporâneo permanece distante dos currículos escolares, do Ensino Fundamental ao Superior.

Com a revolução científica da Física Moderna, a partir do início do século passado, as certezas anteriores foram questionadas. A neutralidade do observador em relação ao objeto observado passou a ser duvidosa, além de que partículas subatômicas revelaram um comportamento dual, compor-tando-se no espaço-tempo ora como matéria, ora como onda. Nessa nova Física, suas localizações passaram a ser associadas difusamente a equações de movimento baseadas em probabilidade, indeterminação e exclusão. Com as novas teorias, passaram a pertencer ao universo das probabilidades também os conceitos outrora precisos de órbita e de trajetória, pondo fim à presunção determinista da absoluticidade do espaço-tempo. As conseqüên-cias das teorias da Relatividade e da Física Quântica atingiram quase todos os campos do conhecimento, em particular a Filosofia, sobretudo a partir dos anos 50 (ANGOTTI, 2005).

Na esfera tecnológica, a Física Quântica contemporânea, que ten-ta incorporar aspectos relativísticos, possibilitou a construção de compu-tadores e todo um conjunto de acessórios concretizados a partir dela. As descobertas na Física também permitiram avanços na Biologia, com uma melhor compreensão de mecanismos moleculares essenciais aos processos biológicos, e da complexidade dos sistemas naturais. A interação entre es-sas áreas poderá trazer avanços, ainda, na Engenharia Genética.

Assim, a necessidade de tratar conhecimentos e teorias mais mo-dernas nos currículos do Ensino Médio, prevista na Proposta Curricular de Santa Catarina, é amplamente aceita, mas está longe de se tornar uma rea-lidade, provavelmente porque existe um grande contingente de professores que não possui conhecimentos suficientes de Física Moderna. A carência de formação nessa área sugere a necessidade de que os professores sejam inse-ridos num programa de formação continuada que contemple este tópico.

Diante disso, o trabalho buscou coletar informações que permitis-sem compreender quais são os empecilhos ao cumprimento das diretrizes educacionais do Estado, e envolveu sete professores de Física do Ensino

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A Física Moderna no Ensino Médio do Oeste de Santa Catarina: dificuldades e encaminhamentos 17

Médio num programa de oficinas pedagógicas que cobriram conteúdos de Física Moderna. Participaram do projeto professores de Física de escolas de Ensino Médio localizadas nos municípios de Itapiranga, São João do Oeste, Tunápolis, Iporã do Oeste e Santa Helena, no Oeste Catarinense. As infor-mações obtidas com a investigação levaram à construção de propostas de atividades envolvendo experimentos de Física Moderna, transformados em oficinas e, posteriormente, aplicados pelos professores em suas respectivas escolas. Ao longo dos estudos iniciais pareceu-nos que o oferecimento das oficinas seria um modo adequado tanto para investigar em profundidade o tema, quanto para avaliar o impacto da abordagem do assunto nos alunos. Assim, além de determinar quais as dificuldades dos professores, pudemos saber também em que medida o ensino da Física Moderna por meio da ex-perimentação pode ampliar o interesse dos alunos pela Física, aumentando índices de aprovação e reduzindo taxas de abandono escolar.

A Metodologia do Ensino de Física no Oeste Catarinense

O ensino de Física na Região Oeste de Santa Catarina tem se re-duzido, freqüentemente, a um treinamento para a aplicação de fórmulas na resolução de problemas artificiais ou abstratos, cujo sentido escapa aos estudantes e, não raro, também aos professores. A Física não deveria ser re-sumida à aprendizagem de conceitos e aplicação de fórmulas descontextu-alizadas, porém esse processo só se efetiva com a incorporação de valores e atitudes construídas em distintas atividades do educando, que incluem dis-cussões, leituras, observações e experimentações. Mas a ação pedagógica correspondente aponta para uma atitude metodológica de realização difícil, pois exige alteração de hábitos consolidados.

No Ensino Médio, em especial, não se trata simplesmente da adoção de novas práticas, o que por si já é difícil e conflituoso, mas de uma alte-ração nas atitudes de alunos e de representantes da instituição, habituados a metodologias passivas de ensino-aprendizagem, nas quais o professor não só coordena, mas também concentra as ações, como lembra a Proposta Curricular de Santa Catarina (1998). Além disso, não raramente a visão vei-culada pelos livros didáticos privilegia a Física como produto, desprezando consideravelmente o seu processo de produção histórica, (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992). Para fazer frente às dificuldades inerentes ao processo, os educadores devem estar atualizados e preparados para enfrentar as di-versas realidades que a sala de aula proporciona, o que pode ser obtido por

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Sérgio Luís Kessler • João Bernardes da Rocha Filho18

meio de um programa de formação continuada mantido operante por todo o período de atividade do professor.

Pesquisa sobre a formação dos professores de Física

A profissionalização é uma transformação estrutural que ninguém pode dominar sozinho. É uma aventura coletiva que se desenrola também nas opções pessoais dos professores, de seus projetos, de suas estratégias de formação. As mudanças sociais são extremamente complexas, e não a simples soma de iniciativas individuais, nem a simples conseqüência de uma política centralizada, (PERRENOUD, 2000).

No trabalho docente está centrada a transformação das relações de-sumanizadas no rumo da tomada de consciência do momento histórico, político e social do homem. Não basta a transmissão ingênua do conheci-mento, nem discursos políticos ou repetição de palavras de ordem em sala de aula. É necessário preparar boas aulas, exercícios, debates, dominar as técnicas didáticas, conhecer o mundo de valores dos alunos. Enfim, as ações dos professores refletem os valores, as ideologias e os princípios estruturais que dão sentido às histórias, à cultura e às subjetividades que definem o que a sociedade espera destes profissionais (TARDIF, 2002; FALSARELLA, 2004). Por isto, a formação continuada dos professores deve ter como ob-jetivo a competência, mas também a criação de uma pessoa ativa e partici-pante, capaz de ações coletivas baseadas na prática reflexiva, na exploração da criatividade e na habilidade de cooperação e trabalho de grupo.

Participantes da PesquisaNeste trabalho foram envolvidos, de forma direta, os professores

de Física das escolas públicas que oferecem Ensino Médio, localizadas no Extremo Oeste do Estado de Santa Catarina, e de forma indireta, os alunos das 3as séries do Ensino Médio dessas escolas.

SondagemNa etapa de sondagem os professores foram contatados por intermé-

dio das direções de suas escolas, apresentados ao tema e convidados a par-ticipar da pesquisa. Inicialmente, responderam um questionário destinado ao levantamento das dificuldades que encontravam na abordagem da Física Moderna, se chegavam a abordar este tema. Nesta sondagem ficou claro que este tópico era deixado para o final do período letivo, e somente era

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trabalhado se sobrasse tempo, o que em termos práticos significava nunca chegar a ele. As dificuldades associadas à formação deficiente e à falta de atualização dos professores também ficaram evidentes nas respostas. A confirmação destas dificuldades indicou a necessidade de oferecer estudo e formação continuada.

OficinasO objetivo das oficinas foi estudar e elaborar atividades no grupo

de professores, para servirem de recurso didático para aulas. Além de pro-mover a investigação, a ação e a reflexão, uma oficina deve transformar reciprocamente os sujeitos participantes e deve construir alternativas para problemas presentes no processo ensino-aprendizagem (VIEIRA e VOL-QUIND, 2002). Detectadas as dificuldades dos professores, planejamos e oferecemos oficinas envolvendo conteúdos de Física Moderna em seus conceitos teóricos e com ênfase na experimentação. Os professores foram convidados para um primeiro encontro, quando foi proposto o cronograma com dez oficinas, cada uma com um tema específico relacionado: 1) Pro-posta Curricular de Santa Catarina, Parâmetros Curriculares Nacionais e Estrutura da Matéria. 2) Fenômenos Ondulatórios e padrões espectrais dos elementos. 3) Efeito Fotoelétrico. 4) Eletroscópio. 5) Sistema de Ilumina-ção Pública: Relé Fotoelétrico. 6) Isolantes, Condutores, Semicondutores e Supercondutores de eletricidade. 7) Resistores e Capacitores. 8) Estrutura do LDR, do Diodo, do LED e do Transistor. 9) Emissão Termoiônica. 10) A Física Quântica e a Realidade.

Foi construída com os professores uma proposta de trabalho para cada um dos temas, objetivando uma ação unificada. Foram revistos e dis-cutidos princípios e conceitos clássicos e modernos, atividades teóricas e atividades experimentais sobre os tópicos que, posteriormente, os profes-sores abordaram nas aulas de Física, com os alunos, nas escolas em que trabalham, procurando seguir as orientações metodológicas da Proposta Curricular de Santa Catarina e os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Coleta de dadosPara responder às questões de pesquisa diferentes atividades foram

realizadas. Além da sondagem inicial, foram observadas as reações, o en-volvimento nas atividades e os comentários falados ou escritos dos parti-cipantes. Após a conclusão das oficinas e aplicação das propostas com os alunos, cada professor foi visitado na respectiva escola e entrevistado em relação aos resultados com seus alunos. Todos os dados coletados com a

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sondagem, observações, colocações verbais, entrevistas e relatórios escri-tos dos professores, foram reunidos e analisados para responder as questões de pesquisa.

Análise dos dadosOs dados coletados foram analisados e categorizados conforme a

metodologia Análise Textual Discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2007) para chegar às respostas das questões de pesquisa. Para melhor compre-ensão dos fenômenos e problemas de investigação eles foram examinados dentro do contexto em que ocorreram. O envolvimento nos fenômenos permitiu reunir informações sobre o tema de pesquisa, depois submetidas à análise, possibilitando a explicitação compreensiva de categorias, resultan-do em descrição, interpretação e teorização. Dessa forma, a coleta e análise dos dados constituem uma pesquisa qualitativa com um tipo especial de análise de conteúdo aplicado sobre os dados recolhidos.

Os experimentos levaram em consideração a experiência dos profes-sores participantes. Desta forma, focalizamos os modos de percepção dos sujeitos envolvidos, trabalhando seus conhecimentos, além dos conheci-mentos, crenças e valores do próprio pesquisador. Os novos conhecimentos emergiram a partir das explanações dos sujeitos participantes. As categorias emergentes surgiram da análise das informações coletadas. Concordamos com Kuhn (1978), quando defende que o conhecimento científico depende do contexto em que se desenvolve, conforme o paradigma adotado pela comunidade científica.

Após alguns meses de envolvimento com as atividades desenvol-vidas pelo grupo de professores, percebemos que estas contribuíram para a melhoria de diferentes aspectos do processo ensino-aprendizagem de Física Moderna, como também o surgimento de novas dificuldades. Os professores de Física da região, em geral, não participaram de cursos de aperfeiçoamento e formação continuada envolvendo temas específicos de Física. Os que participaram, pouco proveito tiraram em termos de melho-rias em suas metodologias de ensino, pois esses cursos eram apenas teóri-cos, sem experimentos que complementassem a aprendizado dos princípios enfocados. Normalmente, nesses cursos se discutia princípios ou estraté-gias didático-pedagógicas, porém sem efetivamente encaminhar propostas que pudessem melhorar suas práticas, adaptando-as aos recursos físicos disponíveis na escola.

A troca de experiências entre os professores foi apontada como muito positiva. Uma das grandes dificuldades que os professores em geral

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enfrentam, e em especial os de Física, é se encontrar para trocar idéias e experiências, o que é uma tarefa fundamental para manter certa sincronia de atividades desenvolvidas nas diferentes escolas, e do currículo que está sendo desenvolvido.

Aplicação dos conhecimentos com os alunosA tarefa dos professores foi aplicar com seus alunos as propostas

experimentais de cada oficina. Cada tema foi estudado conceitualmente e, simultaneamente, foram desenvolvidas atividades experimentais, tornando os assuntos mais atraentes e possibilitando maior compreensão dos mes-mos. Nos depoimentos dos professores ficaram evidentes várias questões que serão analisadas a seguir.

Dificuldades• Falta de material e de estrutura nas escolasOs professores trabalharam de forma parcial com seus alunos os

conteúdos abordados e os experimentos construídos nas oficinas. O motivo é que as escolas estão deficitárias em termos de estrutura de laboratório. Várias escolas sequer possuem uma sala específica para laboratório, como também não possuem material adequado para fazer experimentos. Essa é a realidade de quase todas as escolas envolvidas no trabalho. Algumas possuem sala específica para Física, porém faltam instalações elétrica, hi-dráulica e de ventilação adequadas, assim como o material para fazer as atividades desejadas, que ofereçam condições de segurança e garantia da integridade física dos alunos.

• Falta de conhecimento em FísicaAlém da falta de estrutura para a realização das atividades práti-

cas, outro problema significativo apontado pelos professores foi a falta de conhecimento para trabalharem certos conteúdos de Física. Percebeu-se uma deficiência de conhecimentos, inclusive nos conteúdos relacionados à Física Clássica, mas especialmente o conhecimento de teorias modernas e suas aplicações.

• Falta de tempo para organizar o programaNas escolas públicas do Oeste Catarinense há duas aulas de Física

por semana, previstas em cada uma das séries, como a maioria das demais disciplinas. Essa estrutura exige dos professores uma metodologia e uma redefinição dos conteúdos previstos no currículo, por grau de importância.

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Essa é uma das dificuldades dos professores, que não conseguem definir critérios claros para estabelecer uma hierarquia, por importância, dos con-teúdos previstos na proposta curricular. Assim, trabalham em todas as séries conteúdos clássicos dentro da Física, e quase sempre na mesma seqüência apresentada no livro didático que o professor adota com seus alunos. Essa prática não permite que conteúdos modernos sejam trabalhados em seus conceitos básicos, contrariando a proposta curricular de Santa Catarina.

Selecionar os conteúdos é uma tarefa que os professores não conse-guem administrar adequadamente. É uma ação que necessita ser aprendi-da, por isso os professores seriam beneficiados se estivessem vinculados a programas de formação continuada que contemplassem essa competência. O critério mais adotado para determinar a ordem dos conteúdos a serem trabalhados geralmente envolve o grau de dificuldade para os alunos e o conhecimento dos próprios professores. Assim, cada professor estabelece seus próprios critérios para determinar a seqüência dos conteúdos, e pode acontecer que cada escola, na mesma fase do curso, esteja abordando con-teúdos diferentes, prejudicando os alunos que venham a ser transferidos de uma escola para outra. Além disso, determinados conteúdos nem são previstos no planejamento anual.

Selecionar os conteúdos, deixando de trabalhar apenas temas clás-sicos, e propondo outros, mais modernos e contextualizados, é uma ação que necessita, ainda, um período de discussão e adaptação. Os professores sentem-se acuados e resistem a mudanças. Enquanto, de um lado, as teorias educacionais exigem mudanças, de outro os concursos, incluindo os vesti-bulares, ainda são tradicionais.

• Falta tempo para preparar aulasOs professores envolvidos na pesquisa são efetivos, e trabalham

entre 40 e 60 horas semanais, nos três turnos. Não dispõem de tempo para preparar aulas, embora cumpram as tarefas burocráticas exigidas pelo sis-tema. Geralmente aproveitam o final de semana para corrigir provas e tra-balhos, assim como organizar as atividades da semana, deixando em plano secundário a família e o lazer.

A boa vontade dos professores não é suficiente para desenvolver atividades experimentais de forma satisfatória quando há falta de estrutura na escola, como laboratórios, equipamentos adequados e material humano para auxiliar na organização dos experimentos. Os professores nem sempre dispõem de tempo para providenciar o material, e às vezes gastam do seu salário para comprar determinados itens. Depois de reunidos os materiais,

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ainda preparam os experimentos e reorganizam o ambiente para atividades futuras. O professor usa a boa vontade para superar esses obstáculos.

Quando não se disponibiliza material novo, várias atividades ex-perimentais podem ser desenvolvidas, aproveitando-se material de sucata. Mas determinados experimentos exigem instrumentos mais sofisticados para se garantir o sucesso do programa proposto. Para as atividades nas ofi-cinas contamos com a gentileza de pessoas conhecidas, que emprestaram equipamentos, como multímetros mais sofisticados. Mesmo assim, os itens faltantes foram comprados com a colaboração dos professores do grupo. Toda essa realidade pouco favorável exigiu empenho e tempo dos profes-sores para efetivar as atividades planejadas.

Envolvimento dos alunos nos experimentosÉ desafiador manter a aula num nível dinâmico, atrativo e que man-

tenha a atenção dos alunos voltada para as atividades propostas. O pro-fessor precisa ser flexível em relação às diferenças de seus alunos, pois o acesso à informação fora da escola é amplo para boa parte dos alunos. O professor precisa competir com a televisão, com a Internet, com o celular, fazendo uso de um espírito envolvente para promover a construção do co-nhecimento. O desafio é maior nas escolas pobres e para o contingente de professores que sequer têm acesso doméstico à Internet.

O modo tradicional de dar aula, no qual o professor explica repas-sando o conteúdo como se fosse o detentor do conhecimento, não é atraente para os educandos. Assim, espera-se que use diferentes vias para apresentar a informação e colocar o aluno em contato com ela, para despertar curio-sidade e obter envolvimento. O quadro de escrever, o giz ou o pincel e o livro didático fazem parte do ambiente escolar, e são recursos importantes para o trabalho do professor, porém insuficientes se comparados com os meios modernos de comunicação. Dos professores é exigida criatividade para envolver os alunos no processo de ensino-aprendizagem. Não exis-tem fórmulas prontas. Para cada conteúdo e para cada turma são necessá-rios elementos capazes de gerar momentos significativos, tornando a aula atrativa, com sintonia entre professor e aluno, (BINI, 2005). Sabemos que é atribuída ao professor a responsabilidade de respeitar as diferenças no cotidiano, no sentido de formar cidadãos autônomos, críticos e, acima de tudo, cooperativos. “O perigoso está em exigir atenção, interesse, discipli-na como únicos determinantes da aprendizagem, sem buscar outras razões para as dificuldades dos alunos” (HOFFMANN, 2004, p. 100).

Na fala, os professores demonstraram satisfação com os resultados que obtiveram em relação ao envolvimento dos alunos com as atividades

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que desenvolveram durante as aulas, apesar de várias dificuldades normais com materiais e ambiente.

• Quem se destacou nos experimentosUma das indagações feitas aos professores foi em relação ao en-

volvimento dos alunos nas atividades experimentais. Se os alunos conti-nuavam se destacando, ou se alunos com dificuldades se envolviam mais e se superavam? Um dos objetivos do trabalho foi verificar de que modo os experimentos envolvendo conceitos de Física Moderna modificaram o interesse dos alunos pela Física.

Na opinião da maioria dos professores todos os alunos se envol-vem nas atividades experimentais, tanto os que já são naturalmente des-tacados como também os que geralmente apresentam certa dificuldade, e buscam a superação. Sabe-se que é desafiador para o professor envolver os alunos com dificuldades no processo de aprendizagem. Isso exige dele criatividade e atividades diferenciadas, (BINI, 2005). A aprendizagem com experimentação não envolve necessariamente fazer aquilo que gostamos, mas despertar para aquilo que fazemos e que não conhecíamos. Há coisas que precisamos aprender que divergem dos assuntos que gostamos, porque fazem parte de um sistema estruturado.

Teoria e prática são inseparáveis

Teoria e prática se complementam, são interdependentes (BACHE-LARD, 1987). O que geralmente ocorre no cotidiano escolar é que as ati-vidades experimentais não assumem um espaço significativo no planeja-mento das aulas do professor de Física. Na maioria das vezes trabalha-se somente a parte teórica, com cálculos fictícios. A experimentação, quando é realizada, ocorre como complemento, depois de ter sido estudada a teo-ria. O professor procura mostrar aos seus alunos que a teoria é verdadeira por meio da experimentação. Nos casos em que os resultados dos experi-mentos não são compatíveis com a teoria, geralmente se atribui o erro ao método usado, ou ao material que não tem as características apropriadas para o caso. Os experimentos, porém, podem fazer parte do processo de construção do conhecimento, não como atividades isoladas da teoria. O processo experimental deve ser trabalhado de forma interdependente com estudos, reflexões e questionamentos. A construção de conceitos é mais significativa quando se integra conhecimentos teóricos e experimentação e, paralelamente, procura-se compreender os fenômenos. Na medida em que

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o professor proporciona atividades experimentais, com indagações e con-tribuições conceituais, os alunos conseguem compreender o processo do experimento e a teoria, paralelamente. A teoria pode ser relacionada com a atividade empírica, e o que ocorre posteriormente é uma complexificação da teoria, explorando de forma mais profunda as diferentes possibilidades que permitem ao aluno construir os seus próprios conceitos.

Não é possível efetuar uma atividade experimental sem conheci-mento teórico anterior, ainda que este seja implícito. Ao iniciar os alunos em um determinado assunto do qual desconheçam a teoria científica mais aceita, é importante questioná-los a respeito das suas idéias prévias, para que depois sejam propostas atividades experimentais por meio das quais o professor guie seus alunos na execução de experimentos básicos. O profes-sor deve provocar o aluno ao raciocínio, questionando e solicitando suas opiniões, inserindo-o no processo. O professor, como mediador, deve des-tacar o que é relevante, considerando os objetivos propostos.

Os experimentos aumentam a compreensão e o interesse pela Física

Numa visão menos tradicional de educação deve haver constante envolvimento e participação dos estudantes no processo de construção do conhecimento, em todas as etapas. Esse processo se inicia no planejamento dos conteúdos e atividades a serem desenvolvidas, assim como na execu-ção do planejamento e na avaliação do plano. As atividades experimentais por si só, descontextualizadas da realidade na qual os alunos estão inse-ridos, não produzem os efeitos necessários para melhorar a compreensão dos temas em estudo. Por outro lado, se as atividades experimentais estão previstas no planejamento do professor, foram combinadas com os alunos e executadas em um contexto significativo, melhoram o aprendizado dos educandos (RANGEL, 2002). Na fala dos professores percebemos mudan-ças de comportamento dos alunos em relação à Física. Os experimentos serviram de estímulo para a superação das dificuldades e aumento da per-sistência para achar a solução de problemas.

É necessário que a atividade experimental seja planejada para ser desenvolvida e compreendida pelos alunos, no seu nível de conhecimento. A manipulação de materiais, por si só, não representa garantia de avanço no conhecimento. É fundamental que o professor oriente e instigue os alu-nos constantemente às atividades práticas, jamais os deixando abandona-dos à própria sorte (RANGEL, 2002), embora sem centrar nele próprio as

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atividades. Atribuições devem ser delegadas conforme as capacidades e o nível de conhecimento dos envolvidos, para que estes sejam desafiados e chamados à responsabilidade para que o máximo proveito seja tirado das tarefas em andamento.

A superação dos alunos a partir da atividade experimental

Nosso sistema educacional segue uma tradição disciplinar forte e enraizada. Apesar das evoluções percebidas nos últimos anos a favor da interdisciplinaridade, esta é uma prática ainda não efetivada nas escolas. O planejamento ocorre de forma disciplinar, e somente em casos isolados as atividades são planejadas por dois ou mais professores de disciplinas di-ferentes. Os professores geralmente não dispõem de tempo suficiente para planejar e organizar as atividades educativas, o que dificulta a realização da interdisciplinaridade, que exige mais qualidade e detalhamento na orga-nização. Da mesma forma, os professores raramente comentam o desem-penho dos alunos com outros professores. O Conselho de Classe, que tem como principal objetivo avaliar o desempenho dos alunos, não raramente se resume à recitação de notas das diversas disciplinas que compõem o boletim individual.

O trabalho disciplinar e a ausência de diálogo entre professores so-bre o desempenho dos alunos são percebidos nos depoimentos. Quando questionados sobre se algum aluno havia se sobressaído, em Física ou em outras disciplinas, ao se envolverem em atividades experimentais, mui-tas respostas foram parecidas. A falta de tempo, diálogo, planejamento e contato são algumas das alegações dos professores para não saberem do desempenho dos alunos nas outras disciplinas.

Considerações Finais

Este trabalho teve como objetivo determinar quais as deficiências do ensino de Física Moderna nas escolas do Extremo Oeste Catarinense, e utilizou uma metodologia ativa na obtenção dos dados, oferecendo uma proposta de educação continuada para professores de Física. As oficinas oferecidas permitiram o estudo teórico compartilhado e o planejamento de atividades experimentais, de fato realizadas com alunos.

Apesar de o ensino da Física Moderna no Ensino Médio estar se tornando, aos poucos, consenso entre os professores, já que seu entendi-

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mento é visto como elemento-chave para que os educandos compreendam os fenômenos que ocorrem em seu meio, alguns professores não se sentem preparados para realizar um programa que envolva tais conteúdos, por se julgarem despreparados. Os professores alegam falta de oportunidades de formação e falta de acesso às informações sobre as inovações e descobertas científicas. Falta de tempo e estrutura nas escolas também são justificativas alegadas pelos professores para não trabalharem tais assuntos.

Os professores se depararam com inúmeras dificuldades para efe-tivar as atividades planejadas durante a oficina, porém também foram inúmeros os sucessos alcançados. Nas aulas com atividades experimentais o aluno faz parte do processo de construção do conhecimento, e seu com-portamento se caracteriza pela indagação, pela opinião, impossibilitando uma aula silenciosa. A pluralidade e diversidade de alunos é outro desafio do cotidiano escolar. É necessário que o ritmo e a individualidade sejam respeitados, cabendo ao professor o desafio de atender tanto o aluno com dificuldades e poucos conhecimentos prévios, como o aluno proeminente que detém maiores conhecimentos. Assim, parece uma boa prática que os professores se insiram em programas de formação continuada, suprindo as necessidades e as expectativas dos alunos e sabendo lidar com os desafios do cotidiano escolar.

Referências

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Introdução

Nos primórdios da pesquisa em Informática na Educação no Brasil (década de 80 do século XX) a grande questão era informar os professores que a inclusão dos computadores como recurso nas escolas não implicaria em perda de função. Ou seja, o professor não seria substituído pelo com-putador. Passados quase trinta anos o maior questionamento, atualmente, reside no que fazer com o computador e os recursos por ele oferecidos e, agora, incrementados pelo poder da rede mundial, a Internet. As Tec-nologias Digitais (TD) integradas e disseminadas na rede Internet muda-ram a forma como se percebe e selecionam os recursos computacionais. A discussão não é mais centrada na escolha do software a utilizar, mas sim quais dos recursos oferecidos melhor se adaptam e se ajustam aos objetivos pedagógicos que o docente tem.

3O Ensino de Matemática

apoiado em tecnologias digitais: desafios e possibilidades

Lucia Maria Martins Giraffa1

Luciane Oliveira Fortes2

Patricia Freire3

1 Lucia Maria Martins Giraffa é professora titular da FACIN, doutora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Matemática da PUCRS. E-mail: [email protected]

2 Luciane Oliveira Fortes é pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Matemática da PUCRS. E-mail: [email protected]

3 Patricia Freire é pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Matemática da PUCRS. E-mail: [email protected]

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Lucia Maria Martins Giraffa • Luciane Oliveira Fortes • Patricia Freire30

A oferta de recursos é variada. Uma simples pesquisa usando fer-ramentas de busca, como o Google, Yahoo, Cadê e similares, permite-nos encontrar softwares educacionais mais simples (tutorias) até simuladores e micromundos, onde os alunos podem experimentar em ambientes virtuais algumas situações que dificilmente vivenciariam presencialmente.

No entanto, a motivação principal para a modificação da atitude do professor face às possibilidades que as TDs trazem para o cenário edu-cacional se embasa no fato de que os alunos de hoje utilizam formas de construção do conhecimento diferentes das utilizadas pelos seus professo-res (Lévy, 1996). Esta diferença pode ser percebida através do depoimento de colegas professores (em todos os níveis escolares) quando mencionam o desinteresse e as conversas na sala de aula. O aluno de hoje está imerso em um mundo digital, e a tecnologia faz parte do seu dia-a-dia. A escola está ainda muito distante dos demais segmentos da sociedade no que tange à aplicação das TDs como recurso pedagógico.

A sociedade contemporânea está marcada pela mudança de para-digma, pois o processo produtivo está baseado no domínio e produção do conhecimento, fato este que permite que a chamemos de Sociedade do Co-nhecimento. Ela é intimamente influenciada pelos meios de comunicação e pelas tecnologias digitais, as quais permitem a configuração e promoção de novos espaços interativos, nos quais o indivíduo pode aprender e adquirir novas competências. Aretio (2007) salienta que a sociedade contemporânea, na realidade, deve ser denominada de Sociedade da Aprendizagem, uma vez que a produção do conhecimento está tão suportada e acelerada pelas tec-nologias digitais que é imperioso que repensemos urgentemente o papel da escola e, principalmente, as formas de ensinar em face de tantas mudanças.

Os aprendizes deste novo ambiente de aprendizagem devem ser pensados como sujeitos em busca de novas perspectivas e, segundo Bates (2007), devemos nos preocupar em pensar a Educação na perspectiva de uma sociedade do conhecimento, com uma nova economia, onde as pesso-as devem desenvolver habilidades e competências para resolver problemas, possuir pensamento crítico, trabalhar de forma autônoma (aprendizes inde-pendentes), perceber o valor do trabalho coletivo, senso crítico e empre-endedor, e competências relacionadas ao uso da Internet e seus recursos. Este aprendizado através do ciberespaço deverá ter identidade e contexto específicos, desenvolvidos com uma intenção clara para um aprendizado cooperativo.

Segundo Prensky (2005), hoje temos os nativos digitais sendo en-sinados e tutelados por imigrantes digitais. Ou seja, os docentes não nas-

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ceram imersos no contexto de uso massivo de tecnologias, e tiveram de desenvolver competências e habilidades para poder adaptar-se a este novo contexto. Logo, a percepção não é a mesma. O desafio é grande e temos de vencer preconceitos antes de tudo. De acordo com Lévy (1996, p.7): “As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos.” A partir dessas transformações e tecnologias, a Internet está trazendo mais do que uma revolução tecnológica, uma revolução com-portamental, vindo para facilitar a comunicação entre as pessoas e criando uma nova percepção relacionada aos saberes, competências e habilidades. Ao participar ativamente da aquisição desses conhecimentos, o aluno terá a possibilidade de se integrar e assimilar com mais facilidade tudo aquilo que estiver aprendendo. Mas deverá ter cautela e verificar de que maneira irá utilizar tudo o que estará aprendendo, e assim saberá se vale a pena aprender tal informação.

Apesar de reconhecer-se que a inclusão de Tecnologias Digitais mais sofisticadas no ambiente escolar vai requerer investimentos que po-dem conflitar, aparentemente, com questões mais básicas, tais como: es-paço físico, salários, merenda e outros, não podemos deixar de fazer esta reflexão. O conhecimento está ao alcance de todos através da Internet. A grande rede mundial quebrou o paradigma do acesso à informação, outro-ra restrito a escolas, bibliotecas, museus e outros locais públicos. Hoje a informação está ao alcance de todos aqueles que possuem um computador com acesso à rede.

O MSN, ou Microsoft Service Network, é uma coleção de serviços que são oferecidos pela Microsoft que envolvem tecnologias utilizadas para a Internet, onde encontramos o MSN Messenger, que é a ferramen-ta de comunicação síncrona mais utilizada, ou seja, é um programa para comunicação instantânea. As ferramentas de busca, tal como o GOOGLE, criaram até um novo verbo “googlar”, sinônimo de pesquisar na cibercultu-ra. O ORKUT que é uma rede mundial de relacionamentos que oportuniza os seus membros a criação de novas amizades e o cultivo de amizades antigas que estão distantes há muito tempo. Neste contexto de forte apelo tecnológico e realidades tão diversas como a brasileira, emergem alguns desafios importantes: Qual o conjunto de competências que o docente deve possuir para poder utilizar as possibilidades que as TD têm a oferecer? Como selecionar dentre tantas opções a mais adequada?

Diante de tantas possibilidades de uso de TDs como suporte ao pro-cesso de ensino e aprendizagem envolvendo softwares, mídias e recursos

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tecnológicos, escolheram-se como objeto de análise e estudo o universo dos WeBlogs (Blogs e seus correlatos) na Internet, e o ambiente simulado de realidade virtual imersiva denominado Second Life.

A escolha dá-se pela grande utilização deste tipo de ferramenta pe-los alunos internautas e, por serem estes dois recursos aqueles de maior impacto quando comparados aos tradicionais recursos utilizados no ensino em geral e, em especial, nas aulas de Matemática.

Os blogs no ensino de Matemática

A origem o conceito de WeBlog consiste da união das palavras Web (rede) e log (registro), feita por Orihuela (2006). Inicialmente os Blogs eram confundidos com os “diários virtuais”, conforme Schittine (2004), mas hoje podemos encontrar Blogs nos mais variados setores como educação, jornalismo, coorporativo e outros. Já segundo um artigo da revista Famecos, os WeBlogs não foram criados com o fim exclusivo de servirem como “diários eletrônicos”, mas como simplesmente formas de expressão individual, acessíveis a toda comunidade (PRIMO; RE-CUERO, 2003). Independentemente do tipo de conteúdo apresentado, os WeBlogs se transformaram em um veículo de expressão nos mais varia-dos gêneros, conforme Orihuela (2006). Fundamentados no conceito da simplicidade, os Blogs atingiram um rápido crescimento, pois os autores não precisam de praticamente nenhum conhecimento técnico. Mesmo sem conhecer a linguagem HTML os internautas podem publicar textos, fotos e vídeos através dos Blogs. Além de fácil manipulação, permitem rápidas atualizações.

Baseado no princípio de microconteúdo e atualização freqüente, presentes no artigo de Primo e Recuero (2003), o WeBlog é uma página da Web cujas atualizações (chamadas posts) são organizadas cronologi-camente de forma inversa (como um diário). Estes posts podem ou não pertencer ao mesmo gênero de escrita, referir-se ao mesmo assunto ou ter sido escritos pela mesma pessoa. Derivado da palavra inglesa Hypertext Markup Language, que significa Linguagem de Marcação de Hipertexto, o HTML é uma linguagem de marcação (conjuntos de códigos criados para serem lidos por computadores) utilizada para produzir páginas na Inter-net. Documentos HTML podem ser interpretados (lidos) por navegadores, também chamados de Browsers (são programas utilizados para traduzir as páginas em HTML e outras tecnologias desenvolvidas para a Internet). In-ternet Explorer, Fire Fox são exemplos de navegadores.

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O sistema de Blogs permite uma escrita coletiva, pois todos os in-ternautas podem assumir o papel de colaboradores, basta que o visitante escreva comentários sobre os assuntos (posts) publicados no Blog. “Os Blogs são o primeiro passo para que todas as pessoas alfabetizadas tenham sua própria plataforma no mundo“. (AMORIN; VIEIRA, 2006).

Certamente estamos inseridos em um novo meio de comunicação, onde todos podemos ser autores e leitores dos mais diversos assuntos. Segundo Rodrigues (2006), o Blog é uma ferramenta que possibilita o uso de todas as potencialidades que a Internet pode oferecer. Por ser simples na sua utilização, em sala de aula favorece a transmissão de informa-ções entre professores e alunos. Ainda conforme a mesma autora, após verificarmos todas as facilidades que os Blogs nos apresentam podemos dizer que estamos diante de um grande espaço público virtual. E quando falamos em virtual parece ser algo não palpável, algo contrário ao real. Por esse motivo muitas vezes persiste a idéia do que é virtual não é válido, desqualificando seu valor. Segundo Lévy (1996) o virtual não é oposto ao real, mas sim ao atual. Ele apresenta a idéia de que o virtual significa a potência do que poderá ser. Para exemplificar sua idéia ele faz analogia a uma semente. A semente é uma árvore virtual. Potencialmente poderá ser uma árvore, pois possui todas as capacidades para isto. E apoiados nas idéias de Lévy podemos classificar os Blogs como um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Pois neles encontramos todo o potencial para serem um ambiente de aprendizagem. Basta que o utilizemos de maneira adequada. Suportado por uma metodologia criativa, desenvolvida pelo professor.

Verificando as potencialidades dos Blogs para a Educação não podemos deixar de citar Piaget e Vygotsky. Na teoria de Piaget (2001) o crescimento cognitivo se dá entre o sujeito e o meio (intra-individual e interindividual). Já na teoria de Vygotsky (1999) o crescimento se dá entre as trocas interpessoais. E os Blogs permitem a exploração das duas teorias. Para Baltazar (2006) a utilização desta ferramenta permite que o aluno deixe de ser um mero receptor. Ele passa a ter uma função ativa e interventiva, não só na aula, mas em toda a construção do seu saber. Neste contexto podemos verificar que os WeBlogs, se utilizados de forma correta, podem auxiliar o aluno para uma aprendizagem mais autônoma. No entan-to, se eles são ferramentas tão ricas em recursos, de fácil uso e ainda podem proporcionar desenvolvimento cognitivo nos alunos, por que, então, nem todos os professores a utilizam? Ou por que somente alguns são capazes de extrair todas as potencialidades da ferramenta?

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Com o advento das TD, e especialmente os serviços da Web, o pa-pel do professor é cada vez mais fundamental, ao contrário do que muitos supunham nos primórdios da Informática na Educação. As informações podem ser acessadas de qualquer lugar do planeta, a escola deixa de ser o único lugar onde o conhecimento está disponível. Os alunos hoje em dia acessam a Internet para quase tudo, desde lazer até estudo. Como a rede é um espaço aberto, sem censura, os materiais e informações nela disponibilizados variam muito de qualidade. Nem tudo que está na Web é bom ou está correto. Cabendo ao professor orientar, classificar e separar as informações relevantes. Se o professor não sabe usar os recursos, como ele poderá fazer isto? Acredita-se que a formação dos docentes, especial-mente no que tange ao Ensino de Matemática, ainda é muito tradicional. Apesar da inserção de disciplinas que trabalham conceitos relacionados à Informática na Educação, os conteúdos não acompanham a velocidade e as oportunidades oferecidas pela tecnologia.

Com o crescimento da Blogosfera (universo dos blogs existentes na Internet, conforme Cipriani, (2006)) os Blogs formaram diversas cate-gorias, como o Blogsite (híbrido de site e blog. Geralmente são sites que possuem um blog), o Bblooks (união das palavras blog e book. São livros criados com base nos posts de algum blog famoso, onde são inseridos capí-tulos do livro como posts, segundo Cipriani (2006)), os EduBlogs/EBlogs (blog como ferramenta de docência, aprendizagem e investigação, segundo Orihuela (2006)), os FoodBlogs (blogs que apresentam conteúdo sobre gastromonia), os FotoBlogs (nos quais o conteúdo consiste em fotografias ao invés de textos, conforme Orihuela (2006)), os MediaBlogs (nos quais o conteúdo versa sobre meios de comunicação, conforme Orihuela (2006), os MoBlogs (que são blogs mantidos pela transmissão de arquivos via te-lefones móveis), os TechBlogs (cujo conteúdo versa sobre tecnologia) e os VBlogs/VideoBlogs (baseados em vídeos ao invés de textos, segundo Cipriani (2006)).

O tipo de Blog que vamos tratar são os EduBlogs. Justamente por serem uma ferramenta de docência, aprendizagem e investigação, os Edu-Blogs nasceram da junção das palavras Education e Blog. Conforme Lara (2005) as primeiras experiências entre Weblogs e professores surgiram em 2001 no portal britânico Schoolblogs.com, que funciona desde então, e com o grupo Education Bloggers Network, com sede nos Estados Uni-dos. A Universidade de Harvard é identificada como a instituição que mais apoiou os blogs no universo acadêmico. Em 2004 tiveram a iniciativa de criar o concurso internacional Edublog Awards 2004, que serviu para des-

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tacar os Edublogs mais interessantes. Orihuela (2006) cita alguns exemplos de aplicações de WeBlogs no âmbito universitário:

• WeBlogs de grupos de investigação: utilização como ferramenta de gestão de projetos, difusão pública de resultados de investigação. Evolução da Ciência na Comunidade científica.

• WeBlogs de professores: como uma página pessoal, permitem apresentar informações pertinentes aos projetos do professor, como leitura, viagens, agenda e outros.

• WeBlogs de doutorandos: utilizado como um diário de investigação.• WeBlogs de alunos: a fim de desenvolver um conhecimento digital, se-

gundo o autor esta seria uma ótima ferramenta para o desenvolvimento desta capacidade.

• WeBlogs de congressos: as diversas fases que compõem um evento acadê-mico podem ser apresentadas nesta ferramenta de forma distribuída.

Além de todas essas possibilidades educacionais, os Blogs vão muito além da divulgação de informação. Se bem utilizados e explorados podem ser poderosas ferramentas de aprendizado, dentre as diversas pos-sibilidades pedagógicas, podemos citar a facilidade de comunicação entre professores e alunos. Comprovando as suas possibilidades na educação, encontramos diversos projetos que utilizam WeBlogs para este fim.

Para melhor entendimento de como funciona este espaço de intera-ção virtual criou-se um blog para apoiar as discussões entre o professor e seus alunos, bem como, entre os alunos e a monitoria da disciplina de Cál-culo (http://blogdocalculo.blogspot.com/) onde se disponibilizou diversos links sobre os assuntos Matemática e Cálculo. O Blog foi utilizado como elemento adicional de suporte ao processo de ensino e de aprendizagem dos conteúdos desta disciplina.

O Second Life como espaço de aprendizagem de conceitos matemáticos

O Second Life (SL) é uma plataforma virtual de realidade digitaliza-da em 3D (três dimensões), onde o usuário pode ser o que quiser, assumir personalidades, fazer o que desejar e transformar-se naquilo que desejar. Este espaço está em constante atualização e crescimento, pois a cada dia centenas de novos residentes entram e criam seus “Avatares”, que são bone-cos que funcionam como representações virtuais dos usuários, permitindo

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sua inserção dentro do SL. Somente com a criação de um avatar é possível explorar o mundo virtual, interagir com seus elementos.

O SL foi criado pela empresa americana Linden Labs, em 23 de Ju-nho de 2003, contendo 16 servidores e mil usuários. Ele possui subdivisões denominadas de Regiões, as quais são interligadas e contêm terra, água, e céu. Essas regiões são unidades geográficas e administrativas governadas por leis e regulamentos que podem ser diferentes nas diversas partes. Cada uma delas possui uma área de 65.536m2. Existe uma área denominada de Teen, a qual é reservada apenas para residentes que possuam entre 13 e 17 anos. Os membros desta área não podem entrar em uma área que seja reservada para adultos e vice-versa. Este tipo de ambiente é conhecido pela sigla MMORPG (Massive Multiplayer Online Role-Playing Game - Jogo de interpretação on-line massivo para múltiplos jogadores). Apesar de pa-recer um jogo, existe uma diferença entre o SL e um jogo de computador tradicional (game), uma vez que não existem objetivos definidos e não há regras para se jogar/utilizar o software. No entanto, existem regras para a sobrevivência e boa conduta dentro do espaço virtual. A regulação é fei-ta através do manual dos “Seis Pecados Capitais”: intolerância, moléstia, ataque, revelações, indecência e perturbação da paz, por meio das quais seus criadores apostam na transmissão de valores e bons hábitos de senso comum através do estabelecimento de regras de conduta para regular as ações dos avatares.

O principal sustento do SL está nas empresas e marcas que expõem seus produtos de forma diferenciada em relação à publicidade tradicional, também através das assinaturas pagas pelos usuários para obter privilégios (como comprar terras). Em maio de 2008 contabilizou-se mais de quatro mil servidores utilizados, e nove milhões de usuários registrados em todo o mundo. No SL, podemos reproduzir ações do dia-a-dia, voar, mudarmos a aparência e teletransportar-nos com muita facilidade, qualquer pessoa poderá entrar gratuitamente ou poderá comprar um terreno virtual com di-nheiro de verdade. O principal fundamento do ambiente é incentivar que cada pessoa encontre um meio para sobreviver, aprendendo e desenvol-vendo atividades lucrativas, que irão refletir no seu poder aquisitivo. O usuário poderá criar objetos, construir imóveis, desenvolver acessórios e outros. Enfim, o sucesso neste ambiente está associado à criatividade e perspicácia de cada um. O SL possui uma moeda própria, o Linden Dollar (L$), que poderá ser convertida em dólar, respeitando a cotação do dia, a partir da cotação própria de L$250 e L$300 para cada dólar americano do mundo real.

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Para utilizar o SL devemos fazer o cadastro no mundo virtual, além de escolhermos um nome e aparência, teremos que escolher o tipo de assi-natura que utilizaremos, ou seja, se entraremos gratuitamente ou se reco-lheremos um valor mensal. Atualmente, existem dois tipos de assinaturas no SL, a assinatura Básica e a Premium. Com a assinatura básica, pode-remos entrar gratuitamente, participar de atividades, adquirir privilégios, com exceção das terras. A assinatura Premium, permitirá que tenhamos ter-ras, mas com a mesma teremos custos mensais de aproximadamente 9,95 dólares, pelos quais receberemos direitos de propriedade de terras e um prêmio de mil dólares, além de uma remuneração semanal de 400 Linden dólares (sujeitos a mudanças).

O ideal, para o iniciante, é explorar o mundo, experimentar a cons-trução e os scripts e se divertir no SL. Também existem as terras comunitá-rias, que são doadas por outros residentes a comunidades organizadas, ou seja, onde dois ou mais residentes que compartilham os mesmos interesses poderão viver no mesmo local, formando uma comunidade.

Ao criarmos nosso avatar no SL, ele possuirá uma aparência bási-ca, entraremos como rapazes ou moças, e ao longo da segunda vida, para podermos modificar essa aparência, precisamos trabalhar para adquirirmos Lindens para podermos ter a aparência que desejarmos. Com a aparência escolhida, entraremos na “Ilha do Nascimento”, que será onde começará a nossa existência. Na verdade é o ponto de chegada, onde aprenderemos os primeiros passos, e depois partiremos para o “Continente Central”, onde deveremos escolher se teremos algum lugar próprio ou se faremos parte de alguma comunidade específica.

No SL teremos uma Biblioteca (Library), que receberemos de cor-tesia, para iniciarmos a nossa segunda vida, ela é pública e acessível por todo mundo. Ela possui um kit básico, como roupas, carros, brinquedos, itens de paisagismo, texturas, móveis, partes do corpo, ou seja, é o primeiro Inventário do Avatar, que possui objetos úteis por meio dos quais se pode exercitar a construção e aplicação dos mesmos. O Inventário é particu-lar, será apenas do próprio avatar. Tudo que utilizarmos da Biblioteca será copiado para o nosso inventário, ele será único e conterá todas as nossas escolhas realizadas no SL.

O receio da maioria dos educadores em utilizar o SL dá-se pelo desconhecimento de suas potencialidades, e o fato de sua interface ser se-melhante a um jogo. Usar o SL é mais complexo do que usar um blog. O conjunto de requisitos de hardware, software e competências pessoais é bem maior. São ferramentas diferentes, com propósitos diferentes. O blog

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visa organizar, facilitar e sistematizar a informação textual ou em áudio (já existem programas que permitem gravar com facilidade comentários e contribuições em áudio e publicá-los em blogs). O SL permite experenciar e construir conhecimento de forma interativa e imersiva, com o uso de um ambiente 3D com semelhança ao mundo real. Pode-se fazer um experimen-to de Química, Matemática, Física, uma viagem histórica, tudo sem sair de casa, transpondo barreiras de tempo e limitação física. Nunca antes existiu uma ferramenta com tais possibilidades educacionais.

Assim como na vida real, no mundo virtual os educadores terão como objetivo mediar situações que levem seus alunos aos conhecimen-tos essenciais, tentando, ao mesmo tempo, ajustar a utilização das novas tecnologias para a Educação, de uma forma criativa e adequada. Existem várias universidades e instituições de ensino presentes no ambiente do SL. Mas como funciona a questão da transmissão e produção de conhecimento no Second Life? Não sabemos a resposta ainda. Lévy (2000), quando se refere ao ciberespaço, destaca que se trata de um objeto comum, dinâmico, construído, ou pelo menos alimentado, por todos os que o utilizam. O aluno terá uma forma diferente de participação, podendo ver imagens, vivenciar o espaço onde é transmitido o conhecimento.

Vamos imaginar, a partir de um simples exemplo, de acordo com Alvarenga (2007): O ensino da palavra maçã. O aluno visualiza a maçã, aprende seu significado, sua grafia e pronúncia. Assim como na first-life (nossa vida real), por meio do SL este mesmo aluno pode adquirir conheci-mentos sobre a palavra maçã, de formas mais intuitivas, lúdicas e plurais. Este exemplo no SL poderia ser realizado da seguinte forma: o aluno acessa a plataforma, pousa na plantação de maçãs, conhece sua história através de imagens, aprende, através da cenografia do espaço, como nasce a maçã, como ela chega até nossas casas, como podem ser contadas (quilogramas, resmas, dúzias, toneladas, etc.), e como funciona a matemática da venda, e ainda pode aprender as especificidades geográficas do cultivo da maçã, seus significados, suas grafias e pronúncias em diversas línguas. Em cada espaço por onde o aluno passar na fazenda da maçã ele pode escutar sua história e conteúdo pré-programado.

O SL propiciará uma viagem em busca do conhecimento, na qual o aluno vivencia o conhecimento na prática e não somente na teoria, como os projetos de educação presencial e a distância permitem. Assim, o aluno conviverá dentro da realidade virtual com a imagem real da informação, podendo num só momento aliar a imagem ao texto informativo, refletir, questionar e fazer anotações. Essas viagens on-line para conteúdos peda-

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gógicos permitirão em seu retorno inúmeras atividades em salas de aula, com níveis variáveis de dificuldades. Dessa forma, o professor poderá usar um mesmo destino on-line para grupos de estudantes com diferentes níveis e diferentes objetivos didáticos. Neste ambiente, teremos também, a possi-bilidade de participarmos de palestras e seminários sobre diversos temas, através das escolas virtuais.

Para que possamos utilizar o SL para fins educacionais, deveremos descobrir primeiramente qual será a melhor maneira de utilizá-lo, como iremos adequar essa nova tecnologia para a educação. Os estudantes que atualmente estão vivenciando essa era serão navegadores naturais, ou seja, “nativos digitais”, levando essa tecnologia para os seus locais de trabalho, estudo, pesquisa, a mesma se tornará parte integrante do seu futuro. Atual-mente, o SL está sendo utilizado na exploração do aprendizado a distância, em simulações, no estudo de novas tecnologias e para atualização do cam-po profissional.

A plataforma SL oferece possibilidades para utilização na área da Educação da Matemática, mas é importante saber exatamente o que desen-volver para oferecer aos alunos, e continuar atualizando essas atividades e inserindo conteúdos para que a área disponibilizada pela instituição não seja mais um local no SL sem funcionalidade. Cabe ressaltar que a partici-pação do professor da disciplina é fundamental para que ocorra a utilização efetiva do ambiente. Isto é, se as atividades no SL ficarem dissociadas do que acontece na aula presencial, os alunos não realizarão os trabalhos com comprometimento. Eles irão perceber o SL apenas como espaço lúdico e uma alternativa menos efetiva para sua aprendizagem.

Os experimentos já realizados no SL permitiram aos alunos da disciplina de História da Matemática vivenciar questões relacionadas, por exemplo, a teoremas e contexto histórico relacionados a conteúdos que tra-dicionalmente são apenas apresentados em forma algébrica, como o caso do Teorema de Pitágoras.

Considerações finais

As TDs mudaram a forma como percebemos o mundo e nos comu-nicamos. Certamente elas mudam a forma como construímos e processa-mos informação. No entanto, tudo é muito recente e não sabemos o relativo impacto de tudo isto. Sabemos com certeza que esta nova geração processa e constrói conhecimento de maneira diversa daquela de seus pais e pro-fessores, todos imigrantes digitais. A escola tradicionalmente é o último

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reduto a incorporar novidades, especialmente ligadas à tecnologia, que os demais setores da sociedade. Até os dias de hoje isto não foi um fato per-turbador ou interveniente em relação à qualidade do serviço que ela presta à sociedade: educação e formação das pessoas. No entanto, devemos rever nossas crenças acerca da inclusão de ferramentas associadas à Internet no cotidiano de nossas aulas. A rede faz parte das pessoas e não incorporar seus recursos como aliados na ação docente é restringir as possibilidades de se educar criticamente esta geração que a utiliza.

Cabe ao professor criar novas metodologias, explorar os espaços e suas possibilidades. A Matemática é uma das áreas onde se encontra o maior número de softwares disponíveis para auxiliar no processo de ensi-no-aprendizagem, todavia grande variedade não implica, necessariamente, qualidade. Muitos programas possuem conteúdo mal formulado, proble-mas na execução do sistema, interfaces (telas) confusas e assim por diante. Novamente, o papel do professor é fundamental.

O desafio dos docentes que atuam no século XXI é transpor as idéias cristalizadas do conceito tradicional de professor e de universidade para o conceito mais atual e amplificado, preconizado por Cazalis (2007), de acordo com a idéia de que o estudante compreende ao mesmo tempo as razões pelas quais lhe é proposta uma formação teórica, com problemas oriundos da prática profissional, propiciando a vivência do paradigma de auto-aprendizagem, tão importante numa sociedade em que o conhecimen-to aumenta de forma exponencial.

Referências

ALVARENGA, Roberta. Second Life: o nascimento do futuro - Second Life é uma plataforma virtual 3D, de socialização que tende a extrapolar os limites de simu-lação do “mundo real”. [2007]. Disponível em: <http://www.ead.pucrs.br/moodle/mod/resource/view.php?id=13952>. Acesso em: 04 jul 2007.AMORIN, R.; VIEIRA, E. Como fazer de seu blog um campeão de audiência. Épo-ca, São Paulo, 31/07/2006. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0EGD216-5855,00.html>. Acesso em: 03/09/2007.ARETIO. G, L. (coord.); Corbella, M. Ruiz; Fajardo, D. Dominguez. De la educa-ción a distancia a la educación virtual. Barcelona, Ariel, 2007.BALTAZAR, N.; GERMANO, J. Os WeBlogs e a sua apropriação por parte dos jovens universitários. - O caso do curso de Ciências da Comunicação da Universi-dade do Algarve - Escola Superior de Educação – Universidade do Algarve, Revista da Ciência de Informação e Comunicação, outubro 2006. Disponível em: <http://

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4Atividades interativas em sala

de aula: uma experiência para compartilhar1

Márcia Bárbara Bini2

Sayonara Salvador Cabral da Costa3

Elaine Vieira4

1 Trabalho parcialmente financiado pela CAPES.2 Mestre em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS. Professora em escola pública. marciabini@

gmail.com3 Doutora em Física pela UFRGS. Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande

do Sul. [email protected] Doutora em Psicologia pela PUCRS. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul. [email protected]

IntroduçãoDe acordo com avaliações realizadas pelo Instituto Nacional de Es-

tudos e Pesquisas Educacionais (INEP), os dados como os disponíveis no site De Olho na Educação (2007) mostram que o aproveitamento escolar dos alunos deixa a desejar, estando aquém do considerado mediano. Dos alunos que concluem o Ensino Fundamental, por exemplo, apenas 13% dos estudantes conseguiram aprender o que era esperado para sua série, conforme a Tabela 1.

Tabela 1- Percentual de alunos que aprenderam o que era esperado para a sua série

4ª série E.F. 8ª série E.F. 3ª série E.M.

Líng. Port. Matemática Líng.

Port. Matemática Líng. Port. Matemática

BRASIL 29,1% 20,4% 19,4% 13,0% 22,2% 12,8%

Fonte: De Olho na Educação - Saeb/Inep – 2005.

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Márcia Bárbara Bini • Sayonara Salvador Cabral da Costa • Elaine Vieira44

Estes resultados não podem ser considerados surpreendentes, uma vez que, ao longo dos tempos, a Matemática tem sido uma disciplina que amedronta os alunos, por ser considerada difícil de ser aprendida (FELI-CETTI, 2007). Nos últimos anos, com as mudanças ocorridas na legislação educacional, aconteceu um significativo aumento no número de estudantes nas escolas públicas. Em função disso, os motivos que justificam a per-manência dessa clientela na escola não são os mesmos. Parte deles vem em busca de novos conhecimentos, outra parte, permanece na escola por exigência de lei e/ou por programas sociais.

Esse fenômeno da falta de reconhecimento da importância da escola por parte dos próprios sujeitos que a constituem – os alunos - e outros fenômenos, como a pobreza dos recursos disponíveis na escola, a margi-nalização social e os problemas familiares, colaboram para transformar e complexificar o trabalho do professor. Nesse contexto, não basta saber o conteúdo que vai ensinar, é preciso conquistar o interesse dos estudantes, para que possa haver significativa construção dos conceitos. As reflexões sobre o processo de educar, incluindo o papel do professor como agente facilitador da aprendizagem dos alunos, a importância da motivação dos alunos e a consciência de que o processo é feito em parceria com governo, Secretaria de Educação, escola, professores e alunos, parece ser impres-cindível que cada professor possa colaborar para que a escola cumpra sua função, melhorando os resultados que as escolas públicas têm obtido em avaliações como a Prova Brasil, por exemplo.

De acordo com Felicetti e Giraffa (2008, p. 4) “é necessário arqui-tetar ao ensino de Matemática uma diversidade de práticas pedagógicas que têm por perspectivas ajudar quem aprende a compreender um corpo de saberes matemático.” Para isso, o professor necessita se atualizar para acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade, com reflexos na escola. Com essa preocupação, a busca por uma fundamentação teórica que possa subsidiar estratégias de ensino torna-se quase uma obrigação para fortale-cer o trabalho desenvolvido em sala de aula.

A preocupação com a aprendizagem e, particularmente, com as razões que justificam o baixo desempenho dos alunos de 6as séries com relação aos conceitos que envolvem os números inteiros levou-nos a in-vestigar o impacto de situações interativas, como jogos e desafios, sobre o envolvimento dos educandos nas atividades propostas em sala de aula e, conseqüentemente, no seu desempenho na construção dos conceitos matemáticos. Para isso, procuramos subsídios teóricos nos estudos de Vergnaud, na área de Matemática (1993; MOREIRA, 2002), e sua teoria

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Atividades interativas em sala de aula: uma experiência para compartilhar 45

dos Campos Conceituais (TCC), uma vez que seus estudos têm como finalidade “propor uma estrutura que permita compreender as filiações e rupturas entre conhecimentos, em crianças e adolescentes” (VERG-NAUD, 1993, p. 1).

É importante para o professor conhecer as concepções, as atitudes, ou o que Vergnaud denomina de invariantes operatórios ou de conhecimen-tos-em-ação dos estudantes. A identificação desses elementos que consti-tuem o arcabouço cognitivo dos esquemas que os estudantes trazem para enfrentar as situações propostas em sala de aula, permite que os professores possam organizar ações no sentido de ajudar a reverter a lógica inadequada dos processos mentais utilizados.

Para Vergnaud, o conhecimento se encontra organizado em Campos Conceituais. Por Campos Conceituais, Vergnaud entende os conjuntos de fatores, teorias, problemas típicos, situações que fazem com que os con-ceitos sejam trabalhados e que dependem de conceitos e representações inter-relacionados durante o processo cognitivo (MOREIRA, 2002). O campo conceitual dos números inteiros compreende desde conceitos bási-cos, como: o que é número inteiro? O que o diferencia de outros, como os naturais? Relações com o cotidiano, aplicações e teorias subjacentes ao seu uso, entre outros. Um campo conceitual é ao mesmo tempo um domínio amplo e específico da criança, concomitantemente escolar e não-escolar. (VERGNAUD, s.d.).

Um conceito, segundo Vergnaud (op. cit), é resultado da junção de três conjuntos que precisam ser considerados ao mesmo tempo quando se deseja estudar o desenvolvimento da aprendizagem. São eles: Situações, Representações e Invariantes operatórios.

Para que um aluno possa (re)construir um conceito, ele precisa de tempo e estar exposto a situações variadas planejadas pelo professor, que lhe permitam dar significado a esses conceitos. São as situações que darão significado aos conceitos (MOREIRA, 2002). Estes resultados são alcança-dos por meio de suas representações, objetos e frutos de seus esquemas. As representações evidenciadas pelos estudantes nem sempre são aquelas que esperaríamos como resultado do ensino; muitas vezes mostram-se espontâ-neas, provindas da intuição e da aprendizagem ao longo de sua existência. Por exemplo, ensina-se o conceito de número relativo, que vai de encontro a concepções rotineiras como: números é medida de grandeza; adição é aumento; subtração é diminuição.

Segundo Vygotsky (citado por VERGNAUD, s.d.), é necessário investimento em metodologias próprias para integrar conceitos cotidianos

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com conceitos científicos. Vergnaud enfatiza que não há conceito sem que haja a explicitação de significantes. Conceito implícito é meio conceito. Para explicitá-lo, sugere as constantes (invariantes) operatórias que são utilizados pelo sujeito em sua atividade. O estudo do desenvolvimento de um conceito pressupõe uma variedade de situações de referência, uma variedade de significados e significantes. As dificuldades conceituais são superadas à medida que os conhecimentos-em-ação são identificados e en-frentados, o que se constitui em um processo lento, que vai acontecendo aos poucos, e não todo de uma só vez.

Nesta oportunidade, apresentamos um relato de uma abordagem de ensino privilegiando situações-problema contextualizadas e, princi-palmente, interativas, em forma de jogos, com inspiração inicial nas ati-vidades do Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS (MCT/PUCRS), oriunda de uma pesquisa já finalizada (BINI, 2008). Concomitantemente, será apresentada uma análise qualitativa do desempenho dos estudantes com a descrição das ações do professor. Essas ações foram concretiza-das por meio de propostas de novas situações, no sentido de retomar e promover a conceitualização dos temas abordados, tendo como referên-cia a Teoria dos Campos Conceituais, de Vergnaud. Como parceiros da investigação, foram escolhidos 27 alunos de uma 6ª série de uma escola pública.

A opção por jogos é defendida por alguns autores, como Vieira e outros (2007) e Fleming (2003, p. 25), que assim se manifesta: “no caso da Matemática podemos citar a importância dos jogos para entender as ca-racterísticas e propriedades dos objetos matemáticos e, conseqüentemente, entender as estruturas algorítmicas e algébricas usadas na resolução de pro-blemas”; para Groenwald e Timm (2003), além de ampliar as capacidades intelectuais, o jogo facilita a expressão das idéias, contribuindo para que os alunos demonstrem seus esquemas conceituais. Justamente esse aspecto é privilegiado nesse trabalho.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino da Matemática (BRASIL, 1997, p. 47):

[...] os jogos podem contribuir para um trabalho de formação de atitudes – enfrentar desafios, lançar-se à busca de soluções, desenvolvimento da crítica, da intuição, da criação de estratégias e da possibilidade de alterá-las quando o resultado não é satisfatório – necessárias para a aprendizagem Matemática.

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Atividades interativas em sala de aula: uma experiência para compartilhar 47

Desenvolvimento do trabalho

Os elementos referentes ao conjunto numérico dos números intei-ros, que estiveram envolvidos durante o desenvolvimento do trabalho estão ilustrados no mapa conceitual ou Figura 1, no qual a elipse representa as fronteiras desse campo conceitual.

Figura 1 - Representação dos conceitos trabalhados no campo conceitual do Z.

No desenvolvimento das aulas, dois aspectos são enfatizados:• a importância de o professor estar sempre alerta para detectar difi-

culdades e esquemas equivocados dos alunos;• a promoção por parte do professor de atividades (situações) cria-

tivas que motivem, sejam prazerosas, mas que, principalmente, sejam eficazes para a integração do estudante com o grupo na sala de aula e com a escola como um todo.

A hipótese é que jogos e desafios em sala de aula podem promover uma mudança, se forem adequadamente trabalhados.

Para a coleta de dados, foram utilizadas as observações da professo-ra acerca do desempenho dos alunos, em sala de aula, em atividades orais e escritas, em pequenos grupos e individuais. Ao longo do processo, que teve duração de três meses, quatro avaliações formais sucederam-se, na aula seguinte a cada diagnóstico o instrumento era retomado e os estudan-

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Márcia Bárbara Bini • Sayonara Salvador Cabral da Costa • Elaine Vieira48

tes tinham a oportunidade de comentar sobre seus procedimentos e revisar alguns conceitos inadequados.

Com o propósito de favorecer o desenvolvimento do campo concei-tual do Conjunto Z (números inteiros), seguindo orientações de Vergnaud (1996), oportunizou-se aos alunos vivenciar situações variadas frente às quais pudessem ampliar e aprofundar os temas estudados, além de explici-tarem os conceitos-em-ação e teoremas-em-ação que utilizavam.

Para iniciar o estudo de cada um dos conceitos envolvidos, partiu-se de uma situação problema, envolvendo os conhecimentos prévios dos estudantes, incentivando a participação. Na seqüência, variadas situações davam prosseguimento ao processo de conceitualização no campo concei-tual dos números inteiros. Foi possível perceber, ao longo do processo, que a variedade de situações era capaz de contemplar um número maior de estudantes na construção dos conceitos.

A disponibilidade dos estudantes, o envolvimento deles com as atividades, principalmente as interativas, favorecia a explicitação de es-quemas inadequados, ou ainda em construção, que dependiam de mais subsídios. As afirmações de Vergnaud a respeito de que um tipo apenas de atividade não é suficiente para a construção significativa dos conceitos foram corroboradas em nosso estudo; foram necessárias muitas e variadas situações para que cada conceito fosse compreendido por um número cada vez maior de alunos.

Para que nossas palavras façam sentido ao leitor, apresentamos a abordagem referente aos conceitos de reta numérica e adição e subtração no conjunto Z ou dos números inteiros.

Ao trabalhar o conceito de reta numérica a professora5 partiu do seguinte questionamento: Como os números naturais se encontram orga-nizados? A intenção era, conforme Vergnaud (s.d.), que o professor tivesse acesso às concepções prévias dos alunos sobre o tema que estava sendo iniciado, a fim de que ele pudesse planejar ações futuras; ao mesmo tempo, os alunos eram incentivados a participar e manifestaram algumas idéias que se contradiziam mutuamente:

• organizam-se da mesma maneira que os outros (positivos), só co-locando o menos na frente de cada número; por exemplo:

1, 2, 3, 4, 5, 6, ...-1, -2, -3, -4, -5, -6, ...

5 A professora em questão é a primeira autora desse capítulo.

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• organizam-se com o positivo e o negativo, um do lado do outro: 1,-1, 2,-2, 3,-3, 4,-4, 5,-5, ...

• não existe ordem para esse tipo de número que tem sinal.

Só então a professora apresentou ao grupo a reta numérica com a organização dos números inteiros. O objetivo não era confrontar conceitos “errados” com “certos”, mas aproveitar suas concepções para dar sentido ao conceito cientificamente aceito. Vergnaud (1993) considera que as ex-plicações verbais do professor têm grande importância para que o educan-do possa compreender tanto conceitos científicos como cotidianos. Elas permeiam todo esse processo de construção e reconstrução do conceito de reta numérica.

Por outro lado, é relativamente comum os professores conside-rarem que a apresentação formal de um conteúdo é suficiente para que os alunos possam gerar esquemas mentais para o entendimento do con-teúdo. Uma vez apresentada a reta numérica, poder-se-ia supor que os alunos teriam condições de ter êxito em outras situações nas quais fos-se requerida a organização dos números inteiros. No entanto, Vergnaud (1993) chama de “ilusão pedagógica” a crença de professores de que a construção do conhecimento se dá por meio de “apresentação organiza-da, clara e rigorosa, das teorias formais” (MOREIRA, 2002, p. 16). O estudante depende das relações que consegue estabelecer entre o conhe-cimento novo e os prévios, nas situações que o professor lhe propuser; esse tem o importante papel de mediador no processo de construção do conhecimento dos seus alunos. Para isso precisa desafiá-los, oferecendo situações que os estimulem, tornando-os hábeis e competentes na tarefa de desenvolver e aplicar os chamados conhecimentos-em-ação em suas interações com situações-problema.

Combinando os argumentos recém expostos, foi proposta uma va-riedade de situações para os alunos. Dentre elas, destacamos a atividade interativa Labirinto Relativo (GRASSESCHI, 1999), Figura 2, que propu-nha o seguinte desafio: cada aluno, dentro dos pequenos grupos nos quais a turma havia sido dividida, deveria percorrer o caminho desde a ENTRADA até a SAÍDA, sempre no sentido crescente dos números. O vencedor seria aquele que chegasse primeiro no final, provavelmente aquele que percor-resse o caminho mais curto.

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Figura 2 – Labirinto Relativo. Fonte: Grasseschi (1999).

A execução da atividade possibilitou que fossem explicitados al-guns conceitos e teoremas-em-ação relacionados ao conceito de ordem dos números inteiros, como os exemplificados a seguir:

• “para ordenar os números, sempre colocamos o menor depois o maior”, generalizado para os casos: 0, 1, 2, 3... e -1, -2, -3..., neste último caso, considerando -3 maior que 2.

• “o zero deve ficar bem no meio e os números iguais, um de cada lado”, teorema baseado no conceito de espelho.

• “se x é maior que y, então –x é maior que – y”.

Os resultados apontavam para a necessidade de situações que per-mitissem aos alunos revisar conceitos mal consolidados. Para Vergnaud, “é preciso, às vezes, desestabilizar profundamente as concepções dos alunos, para fazer com que eles compreendam fenômenos e conceitos novos ou adquiram novas competências” (VERGNAUD, s.d., p.7). Ainda que o in-sucesso de alguns pudesse ser considerado natural, levando em conta que a formação de um conceito depende de muitas situações, era necessário levar em conta que a construção de um conceito pode ser mais lenta para alguns alunos.

O novo desafio foi o “Baralho dos Números Inteiros”, Figura 3, composto por 21 cartas, com números entre -10 e +10. A situação a ser desenvolvida tinha por objetivo mais uma vez, a reconstrução do conceito de reta numérica.

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Figura 3 – Foto do Baralho dos Números Inteiros.

A atividade consistia em organizar as cartas do baralho de acordo com a ordem na reta numérica.

Outras situações foram propostas a partir das vivências dos alunos, e resolvidas em pequenos grupos, duplas ou trios. Por exemplo:

Observe o “espelho” da 6ª série A:

Keila Willian Luiz Pablo

Ana Junia Diane Andersom

Jaqueline Joseane Tairone Roger

Elinton Edson Dara Cleber

Fernanda Marlize Jucelem Marcelo

Mateus Kettlin Jeferson

Everson Allán

Jakson Giovani Tiago

a) Considerando a segunda coluna como uma reta numérica (ver-tical) de números inteiros, e escolhendo a Marlize como ponto zero, que posição o Willian está ocupando nessa coluna?

b) Qual a distância entre o Willian e o Everson?

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Queremos deixar claro que novos conceitos foram sendo agregados ao conceito de organização dos números inteiros, envolvendo conceitos do cotidiano, como localização e distância entre objetos, de forma a validar a importância do estudo que estava sendo feito para a vida dos alunos. O trabalho desenvolvido contribuiu para que a grande maioria dos estudantes conseguisse construir de maneira significativa o conceito de reta numérica. Essa construção continuou quando os estudos referentes à adição e sub-tração de números inteiros foram introduzidos. Novamente, a professora partiu de uma situação-problema:

Dona Maria tinha 70 reais e gastou 94 no mercado do seu Manoel. Quanto foi que Dona Maria ficou devendo?

A resposta deles foi unânime: “Não dá professora. Não se pode tirar 94 de 70”. O fato de muitos deles estarem acostumados a ouvir, du-rante as séries iniciais, que não se pode diminuir um número maior de outro menor, parece ser a causa mais provável do conceito consolidado e aplicado por eles. Na visão de Vergnaud, identifica-se aqui um primeiro conhecimento-em-ação: “não se pode diminuir um número maior de um número menor”.

Foi necessário possibilitar situações visando o rompimento e a su-peração desse conceito. Uma delas foi propor discussão referente a com-prar no crediário, financiar ou comprar fiado. Essa última opção é prática comum para a maioria das famílias dos alunos, e dos próprios alunos, na cantina da escola.

Na seqüência, foi aproveitado o “Baralhos dos números inteiros” anteriormente trabalhado, mas, com nova orientação: Organizar, num de-terminado período de tempo, as cartas em conjuntos de três cartas, de modo que a soma seja zero, excluindo-se a carta zero do baralho.

A professora apresentou um exemplo para a tarefa, escolhendo as cartas: -1 -9 +10 Sugeriu-se que cada grupo anotasse os conjuntos de cartas escolhidas.

Os estudantes se empenharam e conferiram as respostas antes de en-tregar a tarefa. Essa prática de conferir a resposta não é comum em outros tipos de atividades. Percebeu-se que, para formar os conjuntos, os alunos se referiam aos números negativos como dívida, e os positivos como dinheiro no bolso. Essa explicitação dos esquemas permite ao professor acompanhar a construção dos conceitos de adição e subtração.

Atividades interativas parecem provocar nos estudantes signifi-cativa mudança de atitude: ao mesmo tempo em que são realizadas com disposição e participação de praticamente todos os membros, as respostas

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são conferidas antes de serem consideradas “prontas”. A inegável mani-festação de entusiasmo de todos os estudantes apontava para a relevância das situações interativas. E sabendo-se que a construção de um conceito, depende de variadas situações, propôs-se outros desafios. Dentre eles pode-mos citar as pirâmides, Figura 4, com a orientação: Complete as pirâmides, levando em conta que cada compartimento representa a soma dos dois compartimentos de baixo.

Figura 4. Representação do desafio Pirâmides. Fonte: Giovanni (2002).

O desempenho dos grupos para os casos a) e b) foi diferenciado: nesse último, alguns grupos tiveram mais dificuldades para interpretar a tarefa, fato que não aconteceu no primeiro; com a ajuda da professora para essa interpretação, fizeram a tarefa pedida.

Além desse tipo de atividades interativas, foram propostas opera-ções de soma e subtração no formato tradicional, e resolução de problemas envolvendo a regra de sinais. A diferença de motivação era evidente a favor das atividades de jogos ou desafios.

Ao longo de todo o trabalho os estudantes eram incentivados a ex-plicitar os teoremas-em-ação que justificavam seus procedimentos. Dentre os teoremas utilizados, menciona-se:

• “menos com menos dá mais”, generalizado para qualquer opera-ção envolvendo números: 2 – 3; (-2) – (-3); - 5 – (-4).

A experiência de professores que trabalham com Matemática cor-robora que, não raras vezes, esses “teoremas-em-ação” permanecem ativos quando o aluno freqüenta o nível médio, ou mesmo superior. De acordo com Costa (2004, p. 103), “o sujeito constrói determinados esquema e o utiliza para assimilar uma classe de situações, ou seja, usa sempre o mesmo

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esquema para cada situação dessa classe”, podendo este, ser adequado ou não.

A constatação de que alguns estudantes ainda se apoiavam em es-quemas inadequados motivou a utilização de outras atividades interativas, como o quebra-cabeça da Figura 5, cujo propósito, era montar as peças de acordo com o resultado das operações que apresentavam.

Figura 5. Foto do Quebra-cabeça-triangular.

Na seqüência, os estudantes receberam uma lista de tarefas comu-mente encontradas em livros didáticos e avaliações, como a Prova Brasil, por exemplo, as quais dependiam dos conceitos até então discutidos.

Ao final do trabalho com esses temas, os estudantes apresentaram uma evolução significativa no seu desempenho, frente à variedade das si-tuações propostas, nem todas aqui apresentadas para não estendermos de-masiadamente a apresentação. Assim mesmo, estamos conscientes de que esse não é o final do processo de construção desses conceitos. Ela continua ao longo de toda vida do aluno.

Considerações finais

Como mencionado no início, nosso objetivo foi apresentar um re-lato de uma abordagem de ensino de Matemática que viesse a reverter os resultados apontados pelo INEP (2005) sobre a aprendizagem nessa área, bem como o papel do professor como facilitador da aprendizagem. Para esse último aspecto, fundamentamo-nos na teoria dos Campos Conceituais

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Atividades interativas em sala de aula: uma experiência para compartilhar 55

de Vergnaud para justificar as ações e análise do desempenho dos processos de ensino e de aprendizagem.

O fato de priorizarmos atividades interativas também contribuiu para uma formação mais ampla, considerando a socialização e a integração escolar. Para Etcheverria e Moraes (2008, p. 7), “a realização das ativida-des, com envolvimento e prazer, resulta em aprendizagens que provocam a busca por maior fundamentação, pois o interesse despertado estimula para que haja interação, questionamento, discussão de idéias e empenho em fa-zer o seu melhor”.

Foram grandes as dificuldades encontradas pelos alunos durante o processo de conceitualização da reta numérica. Pôde-se constatar que al-guns demonstram um raciocínio que não é exatamente o que o professor es-peraria frente às discussões promovidas em aula. Para a Teoria dos Campos Conceituais, há uma explicação: a lentidão do processo depende da ação do professor em diagnosticar e prover situações que permitam ao aluno a explicitação e eventuais correções de seus conhecimentos-em-ação.

Conhecer o que Vergnaud denomina de invariantes operatórios ou de conhecimentos-em-ação que estão sendo utilizados pelos estudantes, assim como as concepções que fundamentam esses procedimentos, é im-prescindível para que o professor possa propor situações que visem levar o aluno a reconstruir esquemas satisfatórios para um determinado conceito, caso seja necessário. Para isso, é preciso dar voz ao aluno, para que explici-te quais os conceitos-em-ação que utilizou em suas resoluções.

Nesse sentido, podemos afirmar que os jogos e desafios favorecem momentos de interação dos estudantes entre si e dos estudantes com os novos conhecimentos. Ao jogar, o estudante é levado a fazer análises, che-gar a conclusões e tomar decisões. Essas atitudes e habilidades desenvol-vidas pelo sujeito serão importantes em outros momentos de suas vidas. Os estudantes passam a confiar mais neles próprios, a acreditar mais nas próprias capacidades à medida que conseguem ser “sujeitos” nas atividades propostas. Essa melhoria da auto-estima pode ser adquirida por meio do uso de jogos, e é de vital importância para a continuidade da caminhada do estudante.

Comparada com a resolução de problemas de papel e lápis, é notó-ria a preferência dos alunos por jogos e/ou atividades interativas. O jogo se constitui em um meio no qual o indivíduo é impelido a construir e re-construir seus pontos de vista, suas opiniões, e rever suas atitudes. Esse movimento constante de atenção a si próprio e aos outros leva-o ao desen-volvimento da capacidade crítica. De acordo com Haetinger (2006, p.11),

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“o jogo é um elemento essencialmente socializador e, conseqüentemente, algo muito importante para o desenvolvimento humano”.

É importante o professor observar e intervir nos grupos durante os jogos, mediar a construção com perguntas e comparações entre as escolhas dos jogadores, fazer registros, possibilitar a troca de experiências entre os grupos e conhecer o procedimentos-em-ação que estão sendo utilizados, visando planejar e propor situações que colaborem para o rompimento com possíveis concepções errôneas, viabilizando o desenvolvimento de esque-mas satisfatórios.

Resta salientar que o uso e o interesse dos estudantes por situações interativas, como jogos, também contribuiu para que o processo fosse mais envolvente e contasse com a participação efetiva dos estudantes. Depoi-mentos dos próprios alunos reforçam a preferência por condições de estudo dinâmicas e interativas com a supervisão e atenção do professor.

Finalizamos esse relato com a esperança que tenhamos contribuído para ratificar o papel do professor como agente promotor de situações que favoreçam a aprendizagem, esperando incentivar outros professores a bus-car a excelência no ensino de Matemática e, conseqüentemente, melhorar os baixos índices de aprendizagem apresentados no início desse capítulo.

Referências

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Atividades interativas em sala de aula: uma experiência para compartilhar 57

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5Análise do desempenho em

Matemática dos alunos do Ensino Médio: a avaliação externa como

base para a reflexão docenteMarta Cattani Vargas1

Maurivan Güntzel Ramos2

1 Licenciada em Matemática e Mestre em Educação em Ciências e Matemática do Programa de Educação em Ciências e Matemática, da Faculdade de Física da PUCRS. E-mail: [email protected]

2 Licenciado em Química e Químico e Doutor em Educação. Professor do Curso de Licenciatura em Quí-mica da Faculdade de Química e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Faculdade de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

Introdução

A escola, espaço de produção do saber, acompanha um momento so-cial de transformação, modernização e constante evolução. As constatações sobre as transformações sociais e tecnológicas exigem que os educadores assumam uma atitude reflexiva visando a acompanhar e participar das refor-mulações que vêm ocorrendo no cenário educacional brasileiro. A educação é dinâmica, portanto é importante que a escola e seus docentes adaptem-se às necessidades inerentes ao processo de ensino e de aprendizagem.

Nesse espaço de reflexão, os professores de Matemática do nível médio podem buscar respostas às suas indagações quanto à contextuali-zação de suas aulas, ao significado dos conhecimentos desenvolvidos e aos resultados obtidos na construção do saber matemático pelos alunos. Essa reflexão também pode possibilitar a busca de respostas a perguntas como: Quais as prováveis causas do fraco desempenho dos alunos do En-

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Marta Cattani Vargas • Maurivan Güntzel Ramos60

sino Médio na resolução de problemas matemáticos? Quais as principais dificuldades de aprendizagem identificadas nesses alunos? Como se dá a apropriação do saber matemático? Como o contexto escolar influencia o ensino de Matemática? Esses questionamentos são apenas algumas indaga-ções das muitas decorrentes das reflexões que fazem os professores sobre o ensino de Matemática.

A preocupação em identificar as principais causas do fraco de-sempenho dos alunos de Matemática do Ensino Médio estimulou-nos a desenvolver uma pesquisa-ação, tendo por base o seguinte problema: Como qualificar procedimentos metodológicos a serem empregados para a aprendizagem dos alunos, em Matemática, no Ensino Médio, a partir de problemas identificados nos resultados da avaliação externa por meio do SAEB – 2003, desenvolvida pelo o INEP/MEC? (VARGAS, 2006).

Assim, a partir da análise dos resultados da prova proposta pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, na edição de 2003 (BRASIL, 2004 e 2005), um grupo de nove professoras de Matemática do Ensino Médio identificou as principais dificuldades de aprendizagem dos estudantes e propôs alternativas para a melhoria do ensino associadas ao conteúdo das questões analisadas. Cabe destacar que a avaliação exter-na desenvolvida pelo INEP/MEC utiliza amostragem de alunos, em nível nacional, desse nível de ensino (BRASIL, 2001), no entanto, os resultados estão organizados de modo a possibilitar a identificação de desempenhos regionais.

A necessidade e a importância de abordar esse tema surgem da observação atenta da realidade do ensino de Matemática de uma escola pública, contexto da pesquisa, a partir das deficiências e lacunas dos con-teúdos matemáticos dos alunos, obstáculos bem presentes no seu trabalho pedagógico. Cinco professoras de Matemática, docentes da escola, que se identificam com a proposta, foram convidadas para participarem do grupo de estudos constituído.

Como educadores temos o compromisso de acompanhar o aluno em sua trajetória, observando-o atentamente, relacionando o seu pensar e agir. Essa é uma ação investigativa que suscita novas hipóteses e novas ações no processo ensino-aprendizagem. Essas ações promovem constantes re-flexões e a busca de uma prática educativa impregnada de valores cons-truídos pelos sujeitos num projeto de sociedade que atenda aos interesses coletivos.

As mudanças que se fazem necessárias exigem nova atitude da es-cola, pois as transformações só acontecem a partir da insatisfação dos pro-

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Análise do desempenho em Matemática dos alunos do Ensino Médio: a avaliação externa como base 61

fessores e dos alunos, das concepções existentes e da coragem para adotar novos paradigmas.

Com interesse em modificar essa situação, buscamos detectar as principais dificuldades de aprendizagem de Matemática dos alunos de En-sino Médio visando a maximizar os atuais resultados do processo ensino-aprendizagem.

Importância da avaliação institucional e da avaliação externa

A avaliação faz parte da prática docente e é importante que esteja nas reflexões, análises, estudos, debates, contribuindo para a construção de alternativas com vistas a qualificar o processo de ensino e aprendizagem. Essa percepção está de acordo com o que afirma Hoffmann (2001, p. 41): “A finalidade primeira da avaliação é sempre promover a melhoria da re-alidade educacional e não descrevê-la ou classificá-la. Estudos avaliativos destinam-se a construir o futuro e não a descrever ou explicar o presente”.

A avaliação, atualmente, não é utilizada somente na relação entre professor e aluno, mas também, e com muita intensidade, na verificação do desempenho institucional ou de sistemas educacionais.

Uma avaliação institucional tem por finalidade a reconstrução de valores que reafirmem o compromisso filosófico, social e político que rege a vocação da instituição. Contribui tanto para apontar as fragilidades, que inibem o processo, quanto para salientar as potencialidades, que favore-cem o crescimento transformador da instituição. A avaliação institucional visa a contribuir para o processo de gestão, que envolve planejamento e ação, com vistas à reflexão sobre a própria escola por meio dos resultados apontados que são utilizados para a melhoria do processo pedagógico. Isso remete ao que afirma Luckesi (1995, p. 69) “Avaliação é um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de decisão.”. Grinspun (2001, p. 227) também percebe a avaliação como uma tomada de decisão, pois “[...] após os resultados diagnosticados há que se tomar uma decisão sobre os fatos encontrados, a partir de uma melhoria da qualidade consta-tada.” Assim,

Esta tomada de decisão envolve uma teoria, um posicionamento que fun-damentará as decisões a serem tomadas, portanto não se avalia no vazio ou numa neutralidade de ação. Avalia-se com algum objetivo e finalidade (GRINSPUN, 2001, p. 227).

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Essa finalidade é a melhoria da ação docente e das condições que se integram a essa ação. Isso requer reflexão crítica, como refere Freire (2002, p. 43): “Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.”

Podem contribuir para essa reflexão informações originadas de pro-cessos externos de avaliação, que podem se dar na própria comunidade ou partirem de órgãos competentes para a sua execução. Para a avaliação externa, é importante o emprego de instrumentos que contribuam efetiva-mente para a melhoria da realidade, por meio da indicação das fragilidades e das potencialidades. Objetiva, ainda, indicar caminhos para o crescimen-to, aperfeiçoamento da proposta administrativa e pedagógica da institui-ção, reafirmando seu compromisso com a sociedade em que está inserida. É importante que essa avaliação, além de oportunizar avanços da prática docente, contribua para a revisão e aperfeiçoamento do “projeto político-pedagógico da instituição, através da pertinência e relevância das ativida-des desenvolvidas na área pedagógica e administrativa” (KELLAGHAN, 2001, p. 228).

Independentemente da determinação legal, impondo a avaliação externa às instituições de todos os níveis, sobrevivem razões de cunho social e político para a sua exigência, mesmo antes dos de natureza pe-dagógica. Na escola, alimenta-se parte das desigualdades conhecidas ou porque o acesso e permanência foram pouco para muitos ou porque seus produtos resultaram diferentes em densidade qualitativa para outros tantos. Precisamos vencer essa causa primária de desigualdade, porque de pouco adiantará atuar em suas conseqüências.

A avaliação externa é um recurso técnico empregado para a re-construção da qualidade do ensino. Nesse processo, a liberdade individual de ensinar se confronta e se concilia com o interesse coletivo. É importante que os professores contem com as condições necessárias para o bom de-senvolvimento de sua atividade docente, controlando variáveis no sentido de assegurar que o resultado desse trabalho esteja coerente com a qualidade perseguida pela escola e pelo sistema escolar. A avaliação externa pode contribuir, no campo da educação, para a eqüidade que, por direito, deve abranger a todos.

Em relação ao Ensino Médio, um dos processos de avaliação externa ocorre por meio do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, ponto de partida desta investigação, abordado a seguir.

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Análise do desempenho em Matemática dos alunos do Ensino Médio: a avaliação externa como base 63

Considerações sobre o Sistema de Avaliação da Educação Básica do Brasil – SAEB

A necessidade de acesso a informações abrangentes sobre a edu-cação no Brasil fez surgir a avaliação de sistema, cujos procedimentos metodológicos de pesquisa, formais e científicos, buscam garantir sua confiabilidade. Essa avaliação tem o objetivo de subsidiar os gestores dos sistemas de ensino com elementos para administrar as políticas educacio-nais, estabelecer associações, correlações, análise e estudos sobre a rea-lidade da educação brasileira, redirecionando as metas da sua instituição escolar.

Desde 1990, o Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB fornece informações acerca do desempenho dos alunos brasileiros. Esse sistema conserva suas características gerais, no que se refere à concep-ção, estrutura e objetivos. Algumas transformações ocorreram nos aspectos operacionais e metodológicos, com a finalidade de garantir confiabilidade, cientificidade e comparabilidade a seus resultados. Desde 1995, o SAEB utiliza uma metodologia peculiar, tanto para a elaboração dos itens quanto para analisar os resultados da aprendizagem. Ela é baseada na TRI – Teoria da Resposta ao Item. Um dos objetivos é atingir uma maior validade curri-cular envolvendo quantidade de conteúdos e de habilidades, uma vez que os alunos são avaliados com um número abrangente de itens: em torno de 130 a 170 itens por disciplina e por série.

Uma característica importante do SAEB é a obtenção de escalas de proficiências comuns às séries avaliadas, em cada disciplina. Essas es-calas informam o desempenho dos alunos – nos níveis do conhecimento, compreensão e aplicação. Também permitem estabelecer comparações, em cada disciplina, nas séries avaliadas. Cabe destacar que esse sistema de avaliação não tem o propósito de aprovação e/ou seleção dos alunos. Outra característica do SAEB é a possibilidade de comparar os resultados por disciplina avaliada, nos períodos em que é aplicada, fornecendo, a partir da análise do desempenho dos alunos e de variáveis extra e intra-escolares, um sistema de informações consistentes, periódicas – aplicado a cada dois anos – e comparáveis.

As comparações entre os desempenhos obtidos pelos alunos são realizadas para os Estados ou Regiões brasileiras ou para subpopulações definidas por sexo, cor, idade, índices socioeconômicos das famílias, níveis de instrução dos pais entre outros. Comparações e estudos de tendências poderão ser

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realizados ao longo dos anos, visando a identificar possíveis alterações nos resultados e nos progressos do Sistema Educacional (FONTANIVE, 2000, p. 412).

Quando a amostra é formada, as escolas que participaram do Censo Escolar são divididas em subpopulações denominadas estratos. Aos re-sultados de 34 pequenos grupos de alunos com características específicas chamamos de estratos de interesse. Alguns critérios são observados para a seleção das escolas em estratos:

• 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série do Ensino Médio;• escolas públicas (municipal ou estadual) e particulares de cada

unidade da Federação;• localização e tamanho das escolas.Observados esses critérios, são sorteadas escolas e turmas de alu-

nos a realizarem os testes. De cada escola participa no mínimo uma e, no máximo, duas turmas da mesma série a ser avaliada. Com o objetivo de aumentar a abrangência da população de estratos de interesse, aconteceram algumas mudanças.

Participaram dessa edição do SAEB as escolas cadastradas no Censo Escolar de 2002, envolvendo cerca de 300 mil alunos, 17 mil professores e 6 mil diretores de 6.270 escolas das 27 unidades da Federação. É importan-te referir que essa investigação foi realizada a partir do SAEB 2003, pois os dados do SAEB 2005 ainda não estavam disponíveis.

Como ilustração, as médias de desempenho dos alunos no SAEB 2003 em Matemática são apresentadas na Tabela.

Tabela – Médias em Matemática – BrasilDependência administrativa, 3ª série do Ensino Médio

Média Erro Padrão1

BR totalBR estadual/públicoBR particularBR federal

278,68265,90340,54361,31

1,38 1,42 2,8411,13

Fonte: MEC/INEP – SAEB/2003

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Análise do desempenho em Matemática dos alunos do Ensino Médio: a avaliação externa como base 65

A Tabela revela que as médias de desempenho dos alunos, em nível nacional, variam muito em relação à dependência administrativa. As mé-dias dos alunos das escolas federais e particulares são maiores que a dos alunos das escolas estaduais. Esse resultado já é um elemento importante para a reflexão. Na presente pesquisa, o objeto principal de reflexão são os resultados obtidos em cada item da prova, as habilidades exigidas, bem como o conteúdo dos itens propriamente dito.

Metodologia

Para identificar as possíveis causas do fraco desempenho dos alunos de Matemática do Ensino Médio e propor alternativas para a melhoria do ensino, realizou-se estudo com a participação de um grupo de nove profes-soras de uma escola pública de Cachoeira do Sul, RS, utilizando a aborda-gem metodológica da pesquisa-ação, com ênfase na pesquisa cooperativa (REASON, 1988).

As citações a seguir, referidas por Serrano (1990) mostram a im-portância da pesquisa-ação em processos reflexivos:

[...] pesquisa-ação, quer dizer, uma ação em nível realista sempre seguida por uma reflexão autocrítica objetiva e uma evolução dos resultados [...] Não existe ação sem investigação, nem investigação sem ação (K. LEWIN, en BARBIER, 1977, citado por SERRANO, 1990, p. 52).

É um processo de investigação empreendida pelos próprios participantes no âmbito do qual se desenrola e se aceita a responsabilidade da reflexão sobre suas próprias ações a fim de diagnosticar situações problemáticas e implementar ações necessárias para mudanças. A situação problemática para investigar tem de surgir dos participantes que ao mesmo tempo são autores da própria investigação (DONOSO, 1988, citado por SERRANO, 1990, p. 53).

Kemmis (1999), apoiado no estudo de Jô-Anne Reid, afirma que a pesquisa-ação pode ajudar aos indivíduos e aos grupos a compreender o poder de transformação e de emancipação desencadeado pela auto-refle-xão.

Assim, a pesquisa-ação se propõe a uma transformação e con-seqüentemente busca a melhoria da realidade social. Também pretende a melhoria da ação educativa e do próprio pesquisador, com uma visão

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dinâmica da realidade, pois reconhece que os fenômenos educativos estão sempre inter-relacionados, são passíveis de melhora, contribuem para a transformação e a melhoria dessa realidade social e necessitam do compro-metimento de um grupo que opta por uma tarefa de mudança do contexto em que estão inseridas.

O grupo buscou a qualificação da prática docente e conseqüen-temente do processo de ensino e aprendizagem. A pesquisa-ação teve por finalidade a busca coletiva de soluções de problemas, com vistas à transfor-mação da realidade.

Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é conce-bida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes re-presentativos da situação ou problema estão envolvidos de modo coopera-tivo ou participativo. (THIOLLENT, 1986, p. 14).

Serrano (1990) considera a pesquisa cooperativa uma das formas de praticar a pesquisa-ação. Define investigação colaborativa ou pesquisa cooperativa:

A pesquisa cooperativa implica um trabalho de equipe de pesquisadores, técnicos e professores, que juntos, caminham em busca de soluções para um determinado problema. Exige do grupo um processo de comunicação constante, pois a equipe em sua essência está formada de pessoas muito diferentes, [...] num clima de confiança, cooperação e comunicação mútua. (SERRANO, 1990, p. 153).

Por isso, optou-se por essa abordagem de pesquisa, que, para Re-ason (1988, p. 18) “a idéia da pesquisa cooperativa é simples: consiste fun-damentalmente em que pessoas trabalhem juntas, como co-pesquisadoras, explorando e modificando seu mundo” (tradução nossa). Desse modo, a pesquisa cooperativa desenvolveu-se, por iniciativa de algumas professoras que possuíam uma idéia-problema comum. As demais integrantes foram convidadas e aderiram ao grupo, pois se identificaram com o problema, envolvendo-se desde o planejamento do modelo de aplicação.

Os registros ocorreram durante todo o processo, permitindo o acompanhamento da evolução do grupo nesse empreendimento, constituin-do-se num processo democrático no qual prevaleceram as condições para a igualdade de participação e para a busca de consensualização.

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Análise do desempenho em Matemática dos alunos do Ensino Médio: a avaliação externa como base 67

A escola em que foi realizada a pesquisa atende desde a Educa-ção Infantil até o Ensino Médio. O Ensino Médio atinge aproximadamente trezentos alunos, distribuídos nos três turnos de funcionamento da escola e conta com um corpo docente habilitado para esse nível de ensino. Além das nove professoras, envolveram-se na pesquisa a supervisora e a orientadora educacional da escola.

Os procedimentos de pesquisa foram os seguintes: a) constituição do grupo de estudos; b) planejamento coletivo das etapas/ações a serem de-senvolvidas; c) realização de reuniões para análise dos itens que integraram a prova do SAEB-2003 e dos resultados nacionais e regionais explicitados no relatório (BRASIL, 2004), na área de Matemática; d) encontros para a reflexão sobre esses resultados com vistas a identificar as dificuldades de aprendizagem dos estudantes, bem como a propor alternativas para superar essas dificuldades.

As participantes da pesquisa identificam-se com a situação-pro-blema, isto é, com dificuldades de aprendizagem no processo de ensino dos alunos do Ensino Médio, na disciplina de Matemática, em prejuízo da compreensão das demais disciplinas das Ciências Exatas, que necessitam dos fundamentos matemáticos como base estrutural e ferramenta para en-tendimento e aplicação dos fenômenos específicos nessa área.

Resultados

Nos encontros periódicos com o grupo de pesquisa, foram analisados os resultados obtidos pelos alunos nos testes do SAEB-2003 de Matemáti-ca. Destacam-se as escalas de desempenho e alguns níveis escolhidos para interpretar as habilidades desenvolvidas ou não pelos alunos participantes.

No documento da Análise Qualitativa dos Itens – Matemática (BRASIL, 2005), é referido que a interpretação da escala, que se baseia nas respostas dadas pelos alunos aos itens dos testes do SAEB, é cumulativa, isto é, as habilidades apresentadas em um nível são válidas para os níveis mais altos da escala. Essa escala é comum às três séries avaliadas – 4ª e 8ª do ensino fundamental e 3ª série do Ensino Médio, portanto a escala da 3ª série contém as habilidades específicas da sua série e das séries anteriores.

Cada item de Matemática foi analisado pelo grupo de pesquisa, ob-servando as habilidades pretendidas, os resultados obtidos e as possíveis causas para o desempenho apresentado pelos alunos. Cada constatação foi debatida amplamente pelas pesquisadoras por meio de comparações com situações pedagógicas vivenciadas por elas em sala de aula. Alguns itens

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foram aplicados na escola para testar o desempenho dos alunos, compro-vando os resultados da amostragem do SAEB.

Na análise das questões de Matemática, foi identificado pelo gru-po que a grande dificuldade evidenciada na resolução da maioria desses itens é causada por deficiência de aprendizagem nas séries do ensino fun-damental – denominada lacuna de formação – quando os alunos deveriam desenvolver habilidades básicas de leitura e interpretação das situações-problema propostas. Como a aprendizagem em Matemática não acontece de forma linear, a maturidade relativa a determinados conteúdos só ocorre anos depois e é importante que o professor aproveite todas as oportunida-des para revisar os conteúdos que não foram apreendidos na série em que foram trabalhados. As deficiências/dificuldades não devem ser evitadas e/ou ignoradas e sim trabalhadas. Caso contrário corre-se o risco de o aluno entender o conteúdo de forma isolada, o que dificulta utilizá-lo e aplicá-lo em novas situações.

Durante o desenvolvimento da investigação, foram analisados 15 itens de Matemática, da prova do SAEB, aplicada em todo o país. A seguir, é apresentada a análise de três itens, para exemplificar as dificuldades iden-tificadas pelo grupo.

Por exemplo, quando foi analisado o item que aborda número e operações/álgebra e funções, cujo descritor é “identificar a localização de números fracionários negativos na reta numérica”, foi constatado que essas lacunas dificultam o desempenho dos alunos, porque o item exige também a conversão de fração em decimal – um pré-requisito do Ensino Funda-mental.

Consideremos o item 1, apresentado a seguir:

Item 1Na reta abaixo, qual a letra que indica a localização da fração - 2

5 ?

(a) A (b) B (c) C (d) D

Fonte: SAEB 2003 – INEP/MEC

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Ao realizar a Análise Qualitativa dos Itens, o SAEB 2003 conside-rou uma questão muito difícil, com somente 26% de acertos. A alternativa (A) que corresponde ao ponto -2,5 atraiu 61% dos alunos. Uma das expli-cações é que uma quantidade significativa de alunos não sabe converter frações em decimais e vice-versa. Por exemplo, 2/5 foi convertido para 2,5 por muitos estudantes.

Quando o aluno se depara com um item descontextualizado, abs-trato, tem dificuldade na identificação da situação-problema proposta. Não consegue estabelecer parâmetros com algo concreto, fazer analogia e/ou comparação na busca de uma alternativa de solução. Foi o que o grupo identificou como principal dificuldade para os resultados de desempenho apresentado pelos respondentes da questão abaixo:

Consideremos o item 2:

Item 2Observe este gráfico, que representa a função y = f(x) definida de -4 a 9:

Com base nesse gráfico, pode-se afirmar que a função y = f(x)(A) é crescente entre 6 e 9.(B) é crescente de 0 e 9.(C) é decrescente de -4 a -3.(D) é decrescente de -4 a 6.(E) tem quatro raízes e uma delas é x = 0.

Fonte: SAEB 2003 – INEP/MEC

Esse item avalia a habilidade de identificar o crescimento e decres-cimento de um gráfico de uma função. O item foi considerado pelo SAEB como de dificuldade média, com 55% de acertos. Isso mostra que a im-

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possibilidade de associar com fatos do cotidiano dos alunos dificultam o entendimento e conseqüente resolução da questão.

Quando as professoras integrantes da pesquisa analisaram a questão cujo descritor é “resolver problemas envolvendo uma função do 1º grau”, concluíram que a dificuldade evidenciada pelos alunos é relacionar teoria e prática. Mesmo sendo apresentada uma situação do cotidiano, houve dificul-dade para representá-lo sob a forma de função ou expressão matemática.

Analisemos o item 3:

Item 3Em um bar de praia, o aluguel de futebol de mesa é fixado da se-

guinte maneira: paga-se um valor de R$ 5,00, com direito a 5 bolas, e mais R$ 0,50 por bola extra.

A função f(x) que representa o valor, em reais, a ser pago por um jogo, em que foram usadas x bolas extras, é:(A) f(x) = 0,50x.(B) f(x) = 5,50x.(C) f(x) = 0,50x – 2,50.(D) f(x) = 5,00 + 0,50x.(E) f(x) = 0,50x + 2,50.

Fonte: SAEB 2003 – INEP/MEC

Para resolver essa questão, o aluno deveria representar a situação descrita por meio de uma função. A alternativa B foi a preferida dos alunos de pior desempenho, que somam o custo fixo com o custo variável unitário para obter o coeficiente 5,5. Esse item apresentou 51% de acerto conforme o relatório Análise Qualitativa de Itens (BRASIL, 2004, p. 93).

A análise dos resultados da avaliação externa permitiu ao grupo con-cluir que os principais problemas identificados como causas do insuficiente desempenho dos respondentes estavam presentes na análise da maioria dos itens são: lacunas de formação básicas herdadas do ensino fundamental, falta de contextualização dos conteúdos trabalhados e inexistência de inter-disciplinaridade dos temas desenvolvidos. Essas três dificuldades estavam presentes em quase todas as discussões de análise dos itens estudados.

Assim, é possível enfatizar que os alunos apresentam dificuldades associadas à relação teoria-prática, dificultando a identificação da situação-problema descrita com fatos do seu cotidiano, impedindo a interpretação e conseqüentemente o entendimento e a resolução da questão. Pode-se des-

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Análise do desempenho em Matemática dos alunos do Ensino Médio: a avaliação externa como base 71

tacar também o desconhecimento da linguagem matemática, dos termos específicos e dos conceitos envolvidos, que inviabiliza a compreensão do assunto e impede a representação do enunciado descrito sob a forma de função ou expressão matemática.

Foi identificada a inexistência do exercício interdisciplinar quan-do os temas são propostos pelos professores. Essa situação fica agrava-da pela desinformação dos alunos sobre conhecimentos de cultura geral, impossibilitando o reconhecimento e aplicação dos conceitos das demais disciplinas por meio de representação matemática – função ou gráfica. Isso suscitou a discussão pelas professoras sobre a importância da integração dos conteúdos trabalhados em Matemática com os demais componentes curriculares desse nível de ensino, enfatizando as possibilidades de utiliza-ção e/ou aplicação dessa integração.

Foi comentada a necessidade da apresentação de diferentes tipos de representações gráficas, diagramas e tabelas, para que os alunos saibam reconhecer, interpretar e analisar todos os tipos de gráficos nas leituras di-dáticas e em artigos dos mais variados assuntos. Foi ressaltada a importân-cia de os alunos reconhecerem no gráfico o significado das retas e curvas, estabelecendo relações, traçando conexões entre as diferentes disciplinas. Foi percebido também que existe deficiência na construção, leitura e inter-pretação de gráficos, na localização de pontos no plano cartesiano, retira-dos de uma tabela, na utilização de escalas nos diversos eixos observando a proporcionalidade necessária.

O grupo de estudos constatou a grande dificuldade dos alunos para “lembrarem” fórmulas e definições essenciais para o encaminhamento das questões e levantaram a hipótese de que “os alunos não lembram porque não aprenderam, não houve uma aprendizagem significativa”. Essas evi-dências foram importantes para a promoção de debates sobre o ensinar e o aprender e sobre a necessidade do aprofundamento da investigação de como se processa a construção do “saber matemático” dos alunos.

Os resultados da análise indicam que os alunos não aprendem os conteúdos na ordem em que eles são apresentados e que os professores desconhecem as redes para a construção do conhecimento matemático. As professoras reconheceram que, equivocadamente, os alunos são res-ponsabilizados pelo seu desempenho insuficiente, em função da falta de pré-requisitos matemáticos e habilidades específicas que deveriam ser de-senvolvidas no Ensino Fundamental.

No decorrer da pesquisa cooperativa, essa deficiência estava sempre presente e suscitou o seguinte questionamento: “O que acontece com a

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aprendizagem dos conteúdos matemáticos nas séries iniciais e finais desse nível de ensino? Por que são ensinados esses tópicos na época prevista e quando eles se fazem necessários, os alunos não sabem?”

Esse problema de lacuna na formação dos alunos persiste por décadas e o discurso de que “ensinamos, mas os alunos não aprendem” continua. A coordenação pedagógica reconhece o problema, a direção tenta administrar os resultados insatisfatórios na Matemática com estratégias paliativas. Os professores “apontam” os responsáveis pela falta de fundamentação sólida para desenvolver os conteúdos do Ensino Médio, mas ações concretas que produzam resultados efetivos são raras.

Foi salientado que a primeira dificuldade para que ocorram os avan-ços didático-pedagógicos está na formação dos professores. Os cursos de Licenciatura não enfatizam devidamente os aspectos culturais da Mate-mática, como se constitui a aprendizagem da Matemática, dificultando o fazer matemático dos professores e conseqüentemente o saber dos alunos. Quando iniciam sua ação docente, os professores recebem orientação insu-ficiente no sentido de qualificarem seu trabalho e raramente participam de reuniões pedagógicas para estudarem possíveis modificações curriculares, metodológicas e/ou avaliativas.

É fundamental reconhecer o papel do professor como protagonista da relação de ensino e aprendizagem. É importante a sua função como atu-ante de um projeto pedagógico, construtor de estratégias metodológicas de ensino que contribuam para a ampliação dos saberes dos alunos. Porém, na análise da situação atual das escolas, em geral, e da escola em que foi rea-lizada a pesquisa, em particular, foi inferido que os professores apresentam um desconhecimento do próprio objeto de ensino, do objetivo da discipli-na que ministra, da filosofia da sua escola, dos fundamentos pedagógicos que embasam o processo de ensino. Aliado a essa realidade, o professor é produto de uma formação acadêmica insuficiente e sofre desvalorização no seu trabalho, social e financeira, por parte dos gestores públicos, que se eximem da responsabilidade dos resultados do ensino.

A desinformação, por parte do professor, de como se processa a construção do conhecimento matemático é a principal causa da conformi-dade com os resultados ineficientes na disciplina. A falta de perspectiva de mudança gera acomodação e ao mesmo tempo desconforto devido à impotência para a implantação das inovações necessárias nesse contexto.

Frente a essas constatações, o grupo ressaltou que há a necessida-de, por parte dos gestores públicos em todas as instâncias, de reflexão e redimensionamento imediatos e permanentes em relação ao planejamento

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didático-pedagógico do Ensino Médio para detectar as falhas no processo de ensino e aprendizagem de Matemática, estabelecer metas a curto e longo prazo e definir ações e estratégias, sintonizadas com as novas determina-ções, co-responsabilizando a todos pelos resultados de aprendizagem dos alunos nesse nível de ensino.

Considerações finais

A aprendizagem em Matemática é parte integrante de um processo global na formação do aluno como ser participante de uma sociedade. Con-siderando as dimensões cultural, social, econômica e política, é necessário redesenhar um sistema educativo que busque desenvolver as competências dos alunos. Estamos diante de um grande desafio que é a qualificação do ensino da Matemática, visando a superar as dificuldades de aprendizagem que os alunos apresentam nesse componente curricular, em diferentes níveis de ensino.

As professoras que participaram da pesquisa cooperativa identifica-ram-se com o problema proposto Como qualificar procedimentos metodo-lógicos e avaliativos a serem empregados para a aprendizagem dos alunos, em Matemática, no Ensino Médio, a partir de problemas identificados nos resultados da avaliação externa por meio do SAEB-2003, desenvolvida pelo INEP/MEC? Participaram ativamente das estratégias planejadas para as sessões de estudo, opinando sobre o desenvolvimento sistemático da pesquisa-ação. Essa identificação assegurou a dedicação, a assiduidade e o êxito das reuniões de estudo, que se fortaleceu no decorrer do ano e garan-tiu a continuidade do trabalho, após a pesquisa, a pedido das professoras-pesquisadoras.

A fundamentação teórica e as experiências docentes das professoras sobre diferentes aspectos do ensino da Matemática contribuíram para for-talecer e aprimorar o conhecimento do grupo sobre a Educação Matemática e a situação dessa disciplina no Ensino Médio e o Sistema de Avaliação da Educação Básica do Brasil – uma avaliação externa e também institucional. A socialização dessas teorias possibilitou questionamentos reconstrutivos e a utilização de argumentações na formulação de propostas metodológicas para os alunos desse nível de ensino.

As dificuldades foram identificadas a partir da análise do desem-penho dos respondentes da avaliação externa – SAEB – 2003, levando-se em conta as características dos estudantes brasileiros que participaram das provas. A partir dessa análise, o grupo de pesquisadoras empenhadas em

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modificar o contexto atual de lacunas na formação dos alunos de baixo aproveitamento, fraco desempenho e conseqüentes índices inadequados de rendimento, debateu longamente sobre as possíveis iniciativas de natureza pedagógica que auxiliariam no encaminhamento de solução para o proble-ma apresentado. Entre essas iniciativas, podem ser citadas: o replaneja-mento das ações de ensino; a reorganização do ambiente de aprendizagem; a atenção à linguagem e à comunicação oral e escrita empregada na sala de aula; a valorização das atividades nas quais os alunos tenham participa-ção ativa como nos seminários e na realização de pesquisas (projetos); a reorientação do emprego dos recursos bibliográficos; o emprego de novas tecnologias; a aplicação de jogos na sala de aula; inserção da educação pela pesquisa (DEMO, 2002; MORAES, GALIAZZI, RAMOS, 2004), o investimento na investigação Matemática; a valorização da resolução de problemas matemáticos; a aplicação de modelagem matemática; investir no confronto entre as teorias e os conhecimentos prévios dos alunos; o aperfeiçoamento do acompanhamento sistemático por parte do professor da evolução do conhecimento matemático dos alunos.

A adoção dessas iniciativas, novos métodos, estratégias e propostas curriculares não são suficientes para que ocorram mudanças concretas e significativas no processo de ensino e aprendizagem. É necessária a ado-ção de novos paradigmas, o reestudo da filosofia da escola, a evolução das concepções sobre o aprender e sobre o ensinar, que se manifestarão na mudança efetiva da atitude dos professores que readequarão sua proposta de ensino, buscando uma unidade da ação docente, construindo assim uma identificação pedagógica para a sua instituição escolar.

Finalizando, é imprescindível a promoção de espaços para estudo e planejamento nas instituições escolares voltados à “realimentação peda-gógica” e ao “despertar” dos professores para a complexidade de que é constituída a escola e o processo de formação e educação dos alunos.

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6A reconstrução do

conhecimento dos alunos sobre o ciclo da água por meio de Unidade de Aprendizagem

Márcio Freschi1

Maurivan Güntzel Ramos2

1 Mestre em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS. Professor da Faculdade Concórdia. E-mail: [email protected]

2 Licenciado em Química, Químico e Doutor em Educação. Professor do Curso de Licenciatura em Quími-ca da Faculdade de Química e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Faculdade de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

Introdução

Ensinar Ciências não é apenas transmitir conceitos e “dar” conteú-dos prontos, mas propor situações desafiadoras, para que o aluno recons-trua o seu conhecimento num processo contínuo, que acompanha o sujeito ao longo da vida. O tempo todo e em qualquer lugar aprendemos, desde que estejamos disponíveis a aprender.

Para que haja essa construção, os conhecimentos prévios precisam ser questionados e problematizados. Para tal, é necessário promover crises e reestruturações, possibilitando a revisão dos conceitos existentes. Consi-derando que o papel principal da escola é o de contribuir para o desenvol-vimento da educação dos alunos, é preciso que a instituição educacional se preocupe com o crescimento do aluno como um todo, proporcionando-lhe atividades que envolvam a análise crítica e consciente de vivências rele-vantes no seu ambiente.

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Márcio Freschi • Maurivan Güntzel Ramos78

Nesse sentido, a Unidade de Aprendizagem (UA) é um modo de organização curricular que vem sendo praticada por vários professores da Educação Básica, em especial na área de Ciências. Tem por base a edu-cação pela pesquisa (DEMO, 1997a; MORAES, GALIAZZI e RAMOS, 2004) e visa à superação do planejamento linear proposto por grande parte dos atuais currículos e livros didáticos adotados nas escolas.

No presente trabalho, durante a realização de uma UA sobre o fe-nômeno natural do ciclo da água, com alunos de 5ª série do Ensino Fun-damental de uma escola pública de Erechim, do interior do Rio Grande do Sul, Brasil, foram coletadas informações que dizem respeito ao processo de reconstrução do conhecimento sobre esse tema pelos alunos. Primeiramen-te foi realizada uma consulta aos dados disponíveis no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC). Essa etapa foi importante para compreender a situação atual da Educação nessa Região, em especial na área de Ciências.

No início da UA foi aplicado um questionário e produzido um de-senho para identificar conhecimentos prévios dos alunos. Os alunos elabo-raram perguntas sobre o que gostariam de conhecer em relação ao tema, as quais foram analisadas e categorizadas e serviram de base para a organiza-ção da UA. Após o desenvolvimento da UA, foi aplicado um questionário e produzido um desenho final para identificar os conhecimentos recons-truídos pelos alunos. Também foram realizadas entrevistas gravadas em áudio, para identificar possíveis avanços em relação à aprendizagem pelos estudantes sobre o referido assunto. Com esses procedimentos, pretendeu-se compreender o modo como os alunos transformam o seu discurso em relação ao conhecimento escolar, partindo de narrativas com descrições do senso comum (conhecimento cotidiano) e tornando-as mais complexas, mais consistentes, mais científicas. Assim, norteou a investigação o seguin-te problema: Como ocorre a reconstrução do conhecimento pelos alunos sobre o fenômeno natural do ciclo da água por meio de uma Unidade de Aprendizagem sobre o tema?

O presente trabalho está organizado do seguinte modo. Primeira-mente apresentamos os “Aspectos teóricos sobre a Unidade de Aprendiza-gem no Ensino de Ciências”. Em seguida os “método e instrumentos” desta pesquisa. Na seqüência, apresentamos a “Contextualização e contribuições de dados da realidade para a definição do tema”, em que são relatados al-guns dados oficiais extraídos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC) sobre a realidade do Brasil, do Estado, da Região de abrangência do município de Erechim e da escola

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onde se realizou a pesquisa, mostrando como a Educação, em especial na área de Ciências, tem sido retratada nas avaliações do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), na Avaliação do Rendimento Es-colar (Prova Brasil), indicadas através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Esses dados serviram de base inicial para a pes-quisa. Logo após são expostos os resultados da pesquisa, que encontram-se divididos em quatro partes . A primeira, análise das entrevistas em relação às aprendizagens dos alunos na UA; a segunda, análise das entrevistas em relação aos procedimentos metodológicos empregados na Unidade de Aprendizagem; a terceira, análise dos desenhos elaborados pelos alunos; e a última, análise da visita ao Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS. Por último, nas considerações finais, apresentam-se as principais conclu-sões da presente pesquisa.

A Unidade de Aprendizagem no Ensino de Ciências

A Unidade de Aprendizagem (UA) é um modo alternativo de plane-jamento, elaboração, organização e realização de atividades, sendo consti-tuída dialogicamente no ambiente de sala de aula (GALIAZZI, GARCIA, LINDEMANN, 2004). Visa a superar o planejamento seqüencial derivado dos livros didáticos, contribui para o desenvolvimento de propostas inter-disciplinares, envolve atividades estrategicamente selecionadas, valoriza o conhecimento prévio dos alunos e possibilita a evolução dos conceitos (GONZÁLES, 1999). É, portanto, um conjunto de atividades seleciona-das para o estudo de um tema específico ou interdisciplinar, com vistas à reconstrução do conhecimento dos participantes, bem como ao desenvol-vimento de habilidades e atitudes. Com o propósito de promover apren-dizagens significativas, a UA tem forte relação com as ações de pesquisa, pois se propõe a problematizar o conhecimento inicial dos estudantes, a desenvolver um questionamento dialógico e reconstrutivo, a reconstruir argumentos e a promover a comunicação, em especial a fala e a escrita, valorizando a função epistêmica desses processos (MORAES, GALIAZZI e RAMOS, 2004).

A UA é um processo organizado, porém flexível, que possibilita a reconstrução do conhecimento dos estudantes, considerando seus inte-resses e desejos. Possibilita atingir objetivos educativos relevantes, como promover a capacidade de pensar e de solucionar problemas e desenvolver a autonomia e a autoria. Para isso, professor e alunos são considerados

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ensinantes e aprendentes, como parceiros de trabalho, pesquisando e orga-nizando materiais que permitam a reconstrução do seu conhecimento.

Nesse sentido, é um dos papéis da educação escolar possibilitar aos alunos a compreensão em relação ao que fazem, oportunizando uma formação que permita o desenvolvimento da capacidade de explicação e argumentação. Nessa perspectiva, a UA contribui para uma organização mais clara e objetiva do conhecimento, pois considera o modo como os conteúdos podem ser estudados com os alunos, facilitando a conexão da realidade com o processo de ensino e aprendizagem.

Por meio da UA o professor deixa de ser apenas o replicador da proposta apresentada no livro didático, que passa a ser mais um recurso a ser utilizado na sala de aula. O aluno também deixa de ser mero espec-tador e passa a ser responsável pela qualidade da aprendizagem que está se desenvolvendo na aula (GALIAZZI, GARCIA, LINDEMANN, 2004). Outro aspecto que cabe salientar é que a UA, na medida em que considera o conhecimento prévio do aluno, permite estabelecer importantes e intensas relações com o cotidiano, possibilitando, desse modo, superar esse conhe-cimento de modo contextualizado. Por isso, é necessário que o professor dê sentido à seleção das atividades propostas durante o desenvolvimento da UA, para que o aluno perceba que estão vinculadas à sua realidade e passem a participar dessa aprendizagem.

A elaboração da Unidade de Aprendizagem baseia-se na matriz con-ceitual e no diálogo, na leitura e na escrita, elementos fundamentais para que os alunos desenvolvam a organização do pensamento, a comunicação e a capacidade de argumentação.

No trabalho desenvolvido por meio da UA, o professor deixa de ocupar a posição de “dono do saber” e passa, junto com os alunos, a ser o mediador da aprendizagem, por meio da linguagem, auxiliando-os na reconstrução do conhecimento que possuem sobre o assunto. Isso é dife-rente de um trabalho em que o aluno tem apenas que copiar. No trabalho com UA, o aluno pode “comparar criticamente vários livros didáticos, des-construir apostilas para mostrar o quanto são reprodutivas, procurar dados, teorias, conceitos em livros e outros materiais, inclusive eletrônicos, para que sejam, todos, reconstruídos” (DEMO, 2004b, p. 74).

Considerando o que afirma Demo, acredita-se que, ao buscar as informações de que precisa para responder aos questionamentos que lhe são feitos, ou que ele mesmo faz, o aluno, gradativamente, torne-se mais autônomo no processo de reconstrução do seu conhecimento. Desse modo, a UA contribui para a formação conceitual, para o desenvolvimento de

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competências e habilidades, para criar uma adequada convivência dentro do grupo e para aprender a trabalhar em equipe. Por isso, nesse processo, o aluno aprende a interpretar, a analisar informações, a aceitar críticas e a comunicar-se.

As atividades desenvolvidas por meio da UA proporcionam aos alu-nos o contato com ações constituídas de questionamento, de reconstrução da argumentação e de processos de comunicação, sendo esses elementos fundantes da pesquisa na sala de aula (MORAES, GALIAZZI e RAMOS, 2004). Assim, a pesquisa pode ser considerada como uma atitude cotidiana do professor e do aluno (DEMO, 1997a). Quanto maior o contato com a pesquisa na sala de aula, maior será a capacidade de crítica, criação, dis-cussão, escrita, argumentação, debate, questionamento e comunicação de-senvolvida junto com o aluno.

Procedimentos de pesquisa e instrumentos

A primeira etapa da pesquisa consistiu em um levantamento junto aos bancos de dados do INEP para identificar algumas características rela-cionadas à educação na região de Erechim/RS.

Na seqüência, a pesquisa foi realizada numa abordagem qualitativa e interpretativa (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), pela possibilidade de analisar aspectos associados a representações, crenças e opiniões dos alunos sobre o tema estudado: o fenômeno natural do ciclo da água. Para tanto, a coleta de dados ocorreu antes, durante e após a Unidade de Aprendizagem sobre o ci-clo natural da água. A UA consistiu de um conjunto de atividades realizadas na sala de aula e fora dela. Dentre as atividades, pode-se citar: a elaboração de perguntas pelos alunos sobre o que esperavam saber em relação ao tema, o que contribuiu para a organização de uma matriz conceitual e estrutura da UA; leitura e discussão de textos; pesquisa bibliográfica; projeção de filme com documentários sobre o assunto, seguido de debate e produção textual; aulas experimentais, com produção de relatos escritos; resolução de exer-cícios e de problemas; visita ao MCT/PUCRS (http://www.pucrs.br/mct), seguida de relato escrito e debate; visita à Estação de Tratamento da Água, seguida de elaboração de relato escrito e debate; relatos orais no grande grupo; e exposição pelos alunos das aprendizagens mais significativas. Em todas as atividades a escrita foi sempre muito valorizada.

O grupo que participou da UA era constituído de 20 alunos da 5ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública do interior do Rio Grande do Sul, com idade entre 8 e 14 anos, sendo 11 alunas e nove alunos.

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Márcio Freschi • Maurivan Güntzel Ramos82

Para a designação de cada aluno foi utilizada a primeira letra do nome em formato maiúsculo. Nos casos em que os nomes de dois alunos começam com a mesma letra inicial foi utilizada a primeira e a última letra do nome, ambas em formato maiúsculo.

Para a coleta de dados foi aplicado um questionário e produzido um desenho no início da UA que, além de revelar os conhecimentos prévios dos alunos, mostraram as lacunas desses conhecimentos. Após o desenvol-vimento da UA, que teve duração de dois meses, aplicou-se o questionário e produziu-se um novo desenho final que mostrou os avanços em relação à aprendizagem. Também foram feitas entrevistas gravadas em áudio, com dez alunos, sobre a experiência vivenciada, que possibilitou a compreen-são sobre como evoluem os conceitos e como os alunos perceberam esse processo de aprender. A análise desses materiais foi realizada por meio da Análise Textual Discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2007), que tem por base a unitarização dos textos, categorização das informações obtidas e sua interpretação.

O questionário foi importante, pois permitiu identificar as represen-tações dos alunos em relação ao tema antes do envolvimento na UA, sendo possível, também, identificar dificuldades de aprendizagem derivadas de falhas conceituais. Na mesma oportunidade da aplicação do questionário, foi solicitado aos alunos que formulassem dez perguntas sobre o que gos-tariam de aprender sobre o tema. Essas perguntas expressaram carências efetivas em termos de conhecimento, bem como interesses em aprender os temas apontados.

Optou-se também pela entrevista para conhecer as reconstruções discursivas feitas pelos alunos, bem como as suas avaliações sobre o desen-volvimento da Unidade de Aprendizagem, pois, segundo afirmam Lüdke e André (1986), esse modo de coleta de dados permite a captação imediata e coerente das informações desejadas, permitindo o detalhamento do assunto abordado e a obtenção da resposta exclusivamente individual. Além disso, a entrevista possibilita a obtenção de dados mais aprofundados, o que con-tribui para a clareza e cientificidade do estudo.

Contribuições de dados da realidade para a investigação

Para conhecer o desempenho das escolas públicas locais de Ensino Fundamental do Brasil e da Região, contexto desta pesquisa, foi procedi-da pesquisa documental no banco de dados do INEP, referente ao Saeb, à

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Prova Brasil e ao Ideb, com a finalidade de analisar as informações das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática da 4ª e 8ª série do Ensino Fundamental. Além de conhecer o desempenho escolar dos alunos nessas disciplinas, identificaram-se as questões relacionadas ao tema “água” ou “ciclo da água” nas provas aplicadas no ano de 2005.

Por meio dos dados oficiais da Prova Brasil de 2005, obtivemos os números relativos às médias comparadas de todo o Brasil. A partir desses números, foi possível transformar os dados em gráficos que mostram o desempenho da escola estadual na qual foi realizada a pesquisa em relação às demais escolas estaduais da Região de abrangência do Município de Erechim, do Estado e do Brasil.

A seguir, são apresentados os referidos gráficos e as corresponden-tes análises.

Figura 1 - Desempenho dos alunos na Prova Brasil de Língua Portuguesa 4ª sérieFonte: INEP/MEC, 2005

Figura 2 - Desempenho dos alunos na Prova Brasil de Matemática 4ª sérieFonte: INEP/MEC, 2005

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Márcio Freschi • Maurivan Güntzel Ramos84

A análise dos gráficos referentes às provas de Língua Portuguesa e Matemática da 4ª série do Ensino Fundamental revela que o desempenho dos alunos da escola na qual foi realizada a pesquisa, em ambas as provas, é superior ao desempenho das demais escolas estaduais do Município de Erechim, do Estado do Rio Grande do Sul e do Brasil.

Figura 3 - Desempenho dos alunos na Prova Brasil de Língua Portuguesa 8ª sérieFonte: INEP/MEC, 2005

Figura 4 - Desempenho dos alunos na Prova Brasil de Matemática 8ª sérieFonte: INEP/MEC, 2005

Os gráficos referentes às provas de Língua Portuguesa e Matemática da 8ª série do Ensino Fundamental mostram que o desempenho dos alunos da escola pesquisada, tanto na prova de Língua Portuguesa quanto na prova de Matemática, é menor, quando comparado ao desempenho dos alunos das demais escolas estaduais do Município de Erechim. Porém, o resultado

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é superior ao desempenho obtido pelas demais escolas da rede pública es-tadual do Estado do Rio Grande do Sul e do Brasil.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é um in-dicador da qualidade educacional que combina informações de desempe-nho em exames padronizados, como a Prova Brasil ou Saeb, com taxas de aprovação dos alunos. De acordo com a tabela 1, o desempenho dos alunos de Erechim da 4ª série é menor que o da 8ª série, tanto na prova de Língua Portuguesa como na de Matemática, ambas aplicadas no final de cada etapa de ensino. No entanto, como a aprovação é superior para os alunos da 4ª série, o resultado do Ideb, quando comparado aos resultados obtidos pela 8ª série, apresenta-se superior para os alunos da 4ª série.

A Tabela 1 mostra que os resultados em Matemática e em Língua Portuguesa da 8ª série das escolas da rede estadual são superiores aos da 4ª série, mas nesta a aprovação é menor, o que conduz ao IDEB menor. Esses resultados, muito provavelmente, estão associados ao desempenho dos alu-nos nas demais disciplinas, como na de Ciências. Por isso, contribuem para mostrar que há ainda muito trabalho pela frente em termos de pesquisa e de ação docente mais qualificada.

Tabela 1 – Desempenhos dos alunos da rede estadual de ensino de Erechim na Prova Brasil e no Ideb.

Município

Prova Brasil (2005)Proficiências – EF

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ERECHIM(Código

IBGE 4307005)

209,1 202,4 269,9 253,1 87,9 78,8 5,0 4,2

Fonte: INEP/MEC, 2005

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Márcio Freschi • Maurivan Güntzel Ramos86

A consulta à base de dados do INEP/MEC permitiu também identi-ficar que, em cada versão da Prova Brasil de 2005, pelo menos, uma ques-tão estava relacionada ao tema “água” ou “ciclo da água”. Por todos esses aspectos, decidiu-se desenvolver a pesquisa a partir do tema “água”, tendo em vista a importância da mesma para os seres vivos e a preocupação cres-cente com a sua qualidade e preservação.

Resultados da pesquisa

A seguir são apresentados os resultados em relação à evolução dos discursos dos alunos sobre o tema “ciclo da água” presentes nas narrativas das entrevistas realizadas. Esses resultados são integrados à análise das perguntas elaboradas pelos alunos no início da UA, do questionário apli-cado antes e depois da Unidade de Aprendizagem sobre os conhecimentos prévios e sobre os conhecimentos reconstruídos dos alunos e dos desenhos produzidos.

Análise das entrevistas em relação às aprendizagens dos alunos na UA

Os alunos aprovaram a iniciativa de apresentarem seus interesses, na forma de perguntas, no início da UA. Referiram que ter a oportunidade de fazer perguntas sobre o que gostariam de conhecer contribuiu para au-mentar o interesse pelo estudo e pelas aulas. É um modo de pensar sobre o próprio conhecimento e confrontar-se também com o que não conhecem. Além disso, as questões que os colegas apresentaram também contribuíram para esse confronto. Os depoimentos a seguir tratam desses aspectos:

• Além de apresentarmos as dúvidas, aprendemos com as perguntas dos colegas (Aluno N).

• Foi muito bom, porque pudemos perguntar as dúvidas, aquilo que não sabíamos ao professor e obtivemos as respostas ao longo das aulas (Aluna L).

• Foi interessante, porque em vez do professor perguntar, fomos nós que perguntamos o que tínhamos dúvida e não sabíamos direito (Aluna RA).

O questionamento é um componente importante e necessário do processo de aprender, com ênfase na pesquisa. Moraes, Galiazzi e Ramos

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(2004) apontam o questionamento como um primeiro princípio da pesquisa em sala de aula, afirmando:

Para que algo possa ser aperfeiçoado, é preciso criticá-lo, questioná-lo, per-ceber seus defeitos e limitações. É isso que possibilita pôr em movimento a pesquisa em sala de aula. O questionar se aplica a tudo que constitui o ser, quer sejam conhecimentos, atitudes, valores, comportamentos e modos de agir. (MORAES, GALIAZZI, RAMOS, 2004, p. 12).

Os questionamentos são elementos de interface do conhecimento que os estudantes já possuem com o conhecimento novo, que está por vir. Sobre isso, Borges afirma que, “sendo o conhecimento científico uma construção da mente, possibilitada pela confrontação com a realidade, as concepções prévias dos estudantes não devem ser desconsideradas na edu-cação escolar” (BORGES, 2000, p. 221).

Conhecer os questionamentos dos alunos tem sentido próximo do que Shor aponta para as palavras faladas e escritas dos estudantes para saber o que sabem, o que eles querem, como vivem. Assim, afirma Shor em diálogo com Freire:

[...] A pior coisa que existe é estar dentro de uma sala de aula onde os estu-dantes estão em silêncio [...] Se não ouço ou não leio a autêntica linguagem-pensamento deles, sinto-me prejudicado por não poder começar a pesquisar sobre seus assuntos e seus níveis de desenvolvimento. (FREIRE e SHOR, 1986, p. 20).

As perguntas propostas pelos alunos constituem verdadeiros problemas para eles, pois são reais e estão no seu nível de entendi-mento e relacionam-se com seu conhecimento prévio. Isso pode ser um indicativo de que a dificuldade dos problemas está adequada à compre-ensão dos alunos. Essa localiza-se em suas zonas de desenvolvimento proximal (ZDP), que é a distância entre o que o aprendente pode fazer por si só e o limite superior do que pode fazer com a ajuda e orientação adequada de um adulto ou de colegas mais capacitados. (VYGOTSKY, 1984).

Assim, o fato de os alunos elaborarem perguntas pode influenciar de modo significativo na aprendizagem, pois “parece existir algo muito poderoso em relação ao fato de os próprios alunos assumirem a função de perguntar” (WERTSCH, 1993, p. 129).

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Em relação ao tema de estudo, formulou-se uma pergunta para ava-liar o processo de reconstrução do conhecimento dos alunos sobre o conte-údo desenvolvido durante a UA. Ao ser questionado sobre como pensava que era formada a chuva, um aluno respondeu:

[...] antes de vir para a escola, eu pensava que a nuvem era formada de algodão doce, depois que vim para a escola a professora falou que não era assim, que ela é formada por gotículas de água, mas ela não tinha explicado o que é ciclo da água, só agora, na 5ª série, que entendi direito como se forma a chuva (Aluno M).

O depoimento do aluno mostra que, com a sua participação no tra-balho realizado, houve evolução do conceito referente à chuva. A resposta pode parecer absurda. No entanto, outros alunos referiram representações semelhantes, associando a nuvem à fumaça, ou até afirmaram que pensa-vam que a nuvem era formada de água, mas não sabiam “como chegava lá em cima”. Isso permite depreender que o aluno reelaborou o conceito, tornando-o mais complexo e mais científico, mostrando a importância de o professor perguntar e dialogar com os alunos sobre o conteúdo que está sendo estudado durante cada encontro e, principalmente, possibilitar que os alunos apresentem seus questionamentos.

Quando os alunos foram questionados sobre o que conheciam a res-peito de orvalho, geada e neve, foram obtidas respostas, como:

• Sobre o orvalho eu não sabia como se formava, eu só via a grama molhada, mas não sabia que isso se chama orvalho. Eu chamava de grama molhada. E a geada eu achava que é como se fosse uma chuva bem pequena de gelo, mas fria, se você ficasse embaixo dela se molharia. A neve era formada pelas gotas bem pequeninas de água que estão na nuvem que congelou e devido ao vento caem (Aluno R).

Assim como o aluno R pensava dessa forma, outros alunos pen-savam de outros modos, pois os conhecimentos prévios dos alunos são distintos em virtude das experiências de vida diferentes. Por isso, para o planejamento da UA, foram utilizadas respostas do questionário inicial, na perspectiva de superá-las, tornando-as mais consistentes, complexas e mais próximas dos conceitos científicos, sem o desprezo ao conhecimento que os alunos traziam, mas reconhecendo-o como matéria-prima para as

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novas aprendizagens. Assim, quando o aluno tem oportunidade de analisar e relacionar os novos conhecimentos com os conhecimentos cotidianos, como é o caso desses depoimentos, os saberes passam a fazer mais sentido, incorporando-se à estrutura cognitiva e possibilitando abrir caminhos para a apropriação de outros conhecimentos.

Ressalta-se que o trabalho realizado durante as aulas da UA baseou-se nos exemplos cotidianos vividos pelos alunos. Desse modo, buscou-se contextualizar as atividades propostas nas experiências e na linguagem dos alunos, o que está de acordo com Borges (2000) e muitos outros autores contemporâneos, quando afirmam que é essencial que o conhecimento científico abordado na escola seja contextualizado.

A contextualização, no entanto, não se dá apenas por meio dos ele-mentos externos ao sujeito, como o mundo físico, os objetos, os fenômenos físicos e sociais, o cotidiano, mas, principalmente, pela ação no sentido de construir significados do objeto de estudo com a inclusão dos sujeitos aprendentes-ensinantes. Assim, contextualizar, antes de ser um processo de trazer para o estudo a realidade que está fora do sujeito para que ele se insi-ra nela, consiste em analisar as perguntas dos aprendentes-ensinantes para ver como eles se vêem nessas perguntas e, conseqüentemente, como se vêem nesse mundo problematizado. O trabalho do professor, daí por dian-te, como mediador, vai em direção à zona de desenvolvimento proximal do aluno (VYGOTSKY, 1984). Por isso, contextualizar implica identificar aquilo que tem sentido para os alunos, buscando perceber o que desconhe-cem e propor um trabalho relacionado às lacunas de aprendizagem. Isso justifica a importância da identificação e valorização dos conhecimentos prévios dos alunos.

Desse modo, a aprendizagem está relacionada à ampliação da lin-guagem com significado para o sujeito, por meio da argumentação (RA-MOS, 2004). Isso está presente no seguinte diálogo entre o professor e o aluno R:

• Professor – O que você sabia antes dos encontros sobre o fenôme-no natural do ciclo da água?

• Aluno R - Que a água evapora e chove. Eu sabia também que existia lençol freático por causa da seca que deu há dois anos, eu via e lia nos jornais.

• Professor - O que você não sabia?• Aluno R - Que a água vai para o mar.• Professor - O que aprendeu durante os encontros e que não sabia?

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• Aluno R - Aprendi a resposta da minha pergunta inicial, que era se o sangue evapora. O professor respondeu que não é o sangue que evapora, porque o sangue fica seco, só o líquido que tem no sangue evapora. Eu tinha perguntado também se a “água viva” evapora. Aprendi que somente a água que forma a água viva evapora. O restante, que são os minerais, não. Lembro que o professor explicou que é mais ou menos como ocorre com os ou-tros animais, quando morrem. A água que forma o corpo deles é devolvida para o solo, evapora para o ambiente e forma a nuvem, que volta novamente para a natureza, até que volte a fazer parte de outro organismo. Aprendi como a água se move na natureza e mais muitas outras coisas.

Percebe-se, no diálogo, que o aluno R apresentava um entendimen-to prévio sobre o assunto, mas com algumas lacunas que foram sendo preenchidas. Outros conceitos e princípios foram integrando-se ao seu co-nhecimento, tornando-o mais complexo e consistente. Destaca-se também que o aluno associa conceitos inusitados, de acordo com suas experiências anteriores. Isso é um indicativo de que cada pessoa constrói um conheci-mento diferente, mesmo estando presente em uma mesma aula com outros colegas e vivenciando as mesmas experiências e situações de ensino e aprendizagem. Em situações como a UA, quem responde às questões for-muladas pelos alunos são eles mesmos, com o apoio do professor. Isso proporciona responder às questões que vão sendo formuladas durante o processo em função dos interesses e necessidades dos participantes, com base num passado e numa história. Assim,

A inteligência não se constrói no vazio: ela se nutre da experiência de prazer pela autoria. Por sua vez, nas próprias experiências de aprendizagem, o sujeito vai construindo a autoria de pensamento e o reconhecimento de que é capaz de transformar a realidade e a si mesmo. É sobre a dramática do sujeito, com o suporte das significações, que a inteligência trabalha. (FER-NÁNDEZ, 2001, p. 82).

A construção do pensamento e da inteligência se dá, pois, por meio do diálogo, capaz de promover a reflexão sobre a realidade, na busca de respostas formuladas pelo próprio sujeito, a partir das informações ini-ciais que possui a respeito de um determinado fato ou acontecimento. Isso significa que só se aprende a partir do que já se conhece. É impossível

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aprender sobre algo totalmente desconhecido e desvinculado do conhe-cimento do sujeito, pois aprender é estabelecer relações. Os depoimentos mostram isso claramente. É importante sublinhar também que aprender é transformar o que se conhece, pois, segundo Demo (2004a, p. 61), “não vale a pena estocar conteúdos na cabeça, porque isto seria algo apenas de-corado, passivamente absorvido. O que importa é a habilidade de sempre os renovar, pela via da reconstrução permanente. Aprender é principal-mente isto”.

Análise das entrevistas em relação aos procedimentos metodológicos empregados na Unidade de Aprendizagem

Nas narrativas dos alunos são feitos comentários sobre uso do livro didático, atividades práticas e atividades de produção escrita, elementos importantes da pesquisa na sala de aula.

Os alunos concordam que a aula apoiada apenas na leitura e na resolução de exercícios não é suficiente para o processo de reconstrução do conhecimento e pouco contribui para a problematização do que cada um já conhece e para o estabelecimento de novas relações conceituais. É necessária a ação dos participantes. Isso está presente nos exemplos de comentários dos entrevistados.

• As aulas foram diferentes, não ficamos o tempo inteiro só len-do texto e respondendo a questões. Primeiro, fizemos perguntas; depois descobrimos as respostas. Esse método é mais criativo, facilita, porque conseguimos esclarecer as dúvidas e não ficamos com elas como nas aulas que apenas lemos o livro e respondemos perguntas o tempo todo (Aluno R).

• [...] foi menos chato. Aprendi a chegar à conclusão por mim mesma. O jeito como o professor explicou ajudou a entender o conteúdo. Só lendo e fazendo atividades do livro aprendemos menos (Aluna RA).

Por isso, o livro didático pode ser um importante meio de aprendi-zagem durante as aulas de Ciências, se for utilizado como consulta para a pesquisa de problemas propostos pelos alunos e/ou pelo professor. É necessário e útil, mas precisa ser acompanhado de processos de proble-matização, que dão significado aos temas em estudo. É a diversidade de ações e o envolvimento ativo dos estudantes, tanto físico quanto intelec-

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tual, que torna a aula atrativa, interessante, produtiva e de qualidade. As estratégias usadas para a reconstrução e apropriação transformadora de saberes que valorizam o diálogo são importantes pela função epistêmica dos processos de comunicação, entre os quais se destacam a fala, a leitura e a escrita.

No caso desta investigação, acredita-se que os procedimentos me-todológicos empregados na UA proporcionaram a ampliação e a comple-xificação dos conhecimentos iniciais dos alunos, de modos distintos, sobre o fenômeno natural ciclo da água. Observou-se que, com o passar dos en-contros, houve mais empenho nos estudos e uma melhor organização das informações comunicadas pelos alunos em classe, considerando o incenti-vo e a liberdade proporcionados para que se expressassem em sala de aula. Além disso, era evidente o interesse de cada um e a vontade de mostrar aos colegas os conhecimentos que iam sendo reconstruídos. Isso está de acordo com o que afirma Freire (2002, p. 29):

[...] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se trans-formando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensina-do, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objetivo ensinado é aprendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.

O saber ganha significado à medida que o aluno compreende os con-ceitos e princípios que fazem parte do estudo. Nesse sentido, os procedi-mentos de ensino podem auxiliar o aluno a aprender. No entanto, a simples exposição desses conceitos restringe a possibilidade do desenvolvimento das habilidades e competências. É o questionamento, a possibilidade de reconstruir argumentos e de comunicá-los ao grupo que podem contribuir para aprendizagens significativas.

Também foram importantes as atividades práticas e experimentais realizadas ao longo da Unidade de Aprendizagem. Os alunos apreciaram as aulas desenvolvidas no laboratório e envolveram-se significativamente com esse tipo de atividade, pois antes desenvolviam poucos experimentos na escola. Essas atividades serviram de base para que os alunos pudessem escrever sobre o que foi realizado e sobre o significado que as atividades representaram para eles. O uso da escrita durante os encontros auxiliou na concentração, na organização das idéias e na elaboração do material de pes-quisa. Com o passar dos encontros os alunos sentiram-se mais confiantes e preparados para escrever o que haviam estudado, conforme o comentário

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da aluna J: “As leituras antes e durante a realização dos experimentos aju-dam a responder aos questionamentos, enquanto a escrita final serve para pôr no papel o que aprendemos.”

Para Ramos (2004, p. 46),

[...] se os alunos conseguem colocar adequadamente no papel as suas idéias com clareza e empregando razoavelmente os códigos da língua materna é porque essas idéias estão claras para eles. E não é somente por isso. A competência argumentativa é acompanhada pela competência lingüística. A comunicação escrita, sendo mais complexa que a comunicação oral, en-cerra conhecimentos mais consistentes da língua natural, fundamental para a argumentação e para a constituição do sujeito.

O fato de escrever sobre o que os alunos experienciaram contri-buiu para a reconstrução do seu conhecimento, considerando que é ne-cessário sistematizar e reelaborar os argumentos a partir das novas infor-mações obtidas durantes as atividades experimentais e de pesquisa. Além disso, quando é solicitada do aluno a elaboração escrita, as competências para argumentar e para comunicar-se ganham espaço na constituição do sujeito.

Desse modo, a UA possibilitou aos alunos: a produção de questões iniciais sobre o assunto; a participação na elaboração da rede conceitual a partir da categorização das questões; a realização de pesquisas bibliográ-ficas relacionadas ao tema; a elaboração de textos relativos ao conteúdo, de relatórios de experimentos e visitas e de resumo de um documentário assistido, bem como a resolução de problemas propostos. Todas essas ex-periências e a oportunidade de intensa produção escrita contribuíram para a aprendizagem dos alunos.

Análise dos desenhos elaborados pelos alunos

Com o objetivo de identificar as diferenças em relação ao conhe-cimento prévio e ao conhecimento reconstruído durante a pesquisa, foi solicitado aos alunos que fizessem um desenho acompanhado de legenda sobre o fenômeno natural do ciclo da água, no início e ao final da UA. A seguir apresentamos um dos conjuntos de desenhos, como exemplo, dos vários elaborados.

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Figura 5 - Desenhos elaborados antes e após a Unidade de Aprendizagem pela aluna A

O primeiro desenho sobre o fenômeno natural do ciclo da água da aluna A apresenta processos isolados de evaporação e de formação da chu-va. Além disso, a água só evapora da lagoa, evidenciando um conhecimen-to fragmentado, associado ao senso comum.

No segundo desenho dessa aluna, é possível perceber que a água, além de evaporar dos lagos, evapora dos rios, das poças e dos seres vivos, como é o caso do homem e das árvores presentes no desenho. A aluna tam-bém detalha a formação das nuvens, mostrando-as de vários tamanhos, até que se forme uma nuvem suficientemente grande, que possibilita a chuva que se precipita sobre os rios, lagos, lagoas, etc., formando os mananciais. Assim, a aluna representou o fenômeno natural do ciclo da água de for-ma mais complexa, após o estudo por meio da UA. Isso ficou evidente na maioria dos desenhos elaborados pelos alunos, identificando-se melhor organização e detalhamento dos dados e informações, o que nos permite concluir que houve aprendizado durante o desenvolvimento da Unidade de Aprendizagem, tornando mais complexos os conhecimentos prévios.

A análise conjunta dos desenhos iniciais e finais demonstra que no desenho final os alunos apresentam um novo olhar sobre o fenômeno na-tural do ciclo da água e incluem alguns componentes que não eram repre-

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sentados anteriormente, contribuindo para a conclusão de que houve uma evolução dos conhecimentos dos alunos.

Considerações finais

É necessário identificar o que os alunos conhecem sobre cada as-sunto a ser abordado, para que seja possível realizar um ensino no qual os alunos consigam ressignificar as informações que integram o estudo, bem como para que desenvolvam competências relevantes. Também é importan-te contextualizar o objeto de estudo, envolvendo, se possível, a realidade da comunidade escolar. É sobre esse conhecimento que serão construídos novos significados pelos alunos, com base no trabalho realizado em sala de aula e fora dela. Por isso, partir de perguntas formuladas pelos alunos sobre o que gostariam de aprender é uma iniciativa importante para organizar a Unidade de Aprendizagem e para subsidiar o professor no seu papel de principal mediador do processo.

É importante organizar atividades que contribuam efetivamente para a aprendizagem dos alunos. Quando as atividades são relacionadas à realidade dos alunos, oportuniza-se a reconstrução de significados e a integração teoria-prática, o que possibilita a superação das dificuldades no decorrer das situações-problema apresentadas.

As atividades propostas, entretanto, não garantem o aprendizado, se o desejo de conhecer não partir do aluno. É preciso que haja interação, por meio da necessidade do aluno, entre o seu conhecimento e as novas informações, num processo no qual a mediação do professor e dos próprios colegas contribua para a ampliação e complexificação do saber sobre te-mas de estudo, com significado para a vida dos envolvidos. A mediação do professor e dos colegas se dá por meio do diálogo. Por isso, o professor e os alunos necessitam envolver-se efetivamente em um constante processo de interação.

Durante as atividades de ensino, é importante a participação e en-volvimento dos alunos, no sentido de superarem o conhecimento cotidiano, pela construção de conhecimentos cada vez mais complexos e com carac-terísticas mais científicas. Essa é uma das funções da educação escolar. A tarefa de auxiliar para que o aluno atinja esse conhecimento depende das atividades propostas pelo professor, as quais necessitam ter por base a curiosidade e o interesse pelo tema.

Assim, o professor contribui para que as aprendizagens aconteçam mediando as atividades por meio da linguagem. O aluno, por sua vez,

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aprende, quando consegue comunicar-se e socializar com os colegas e com a comunidade o que aprendeu.

Na análise do questionário inicial aplicado, percebe-se que alguns alunos escreveram palavras e frases sem sentido, na tentativa de acertar a resposta, ou seja, a maioria não construiu frases significativas, que respon-dessem adequadamente às questões propostas. No entanto, no questionário final, responderam com maior complexidade e abrangência, evidenciando a importância de terem vivenciado as atividades da UA sobre o ciclo da água.

A realização de experimentos favoreceu a compreensão das palavras difíceis para eles e ajudou a entender o conteúdo, facilitando o aprendizado. Por isso, é preciso conciliar teoria e prática no Ensino de Ciências, tendo em vista que ambas se complementam e precisam ser desenvolvidas juntas, para que sejam obtidos bons resultados no processo de ensino e aprendizagem.

As visitas programadas e orientadas ao Museu de Ciências e Tecno-logia da PUCRS e à Estação de Tratamento da Água da cidade de Erechim foram válidas. Contribuíram para o entendimento do tema e possibilitaram o esclarecimento das dúvidas. Isso também mostra a importância de um currículo com experiências complementares relevantes, fora da escola, em situações que integrem as situações do contexto dos alunos, que, às vezes, lhe passam despercebidas.

A análise das entrevistas permite afirmar que a leitura e a resolução das atividades propostas no livro texto podem não ser suficientes para que ocorra aprendizagem significativa. É necessário que aconteça o diálogo e confronto dos conhecimentos entre o professor e o aluno e desses com os demais integrantes da turma. A vivência com essas experiências de apren-der, associadas à produção escrita, contribui para tornar os alunos autôno-mos em relação ao processo de reconstrução do conhecimento ao longo da vida. O confronto entre saberes e experiências gera novos conhecimentos, contribuindo para a compreensão do contexto físico e social e permitindo a tomada de decisões, frente a situações-problema e desafios.

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7Pesquisas em Educação Matemática para uma

cultura de pazCirce Mary Silva da Silva1

Ruth Portanova2

1 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo). E-mail: [email protected]

2 Professora da Faculdade de Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. E-mail: [email protected]

Introdução

Neste capítulo apresentamos algumas investigações que vinculam a Educação Matemática e a Cultura de Paz, apoiadas, fundamentalmente, nas propostas de Etnomatemática de D´Ambrosio, na Educação Dialógi-ca, de Paulo Freire e nos Fundamentos de uma Educação para a Paz, de Guimarães. Para que a exposição tenha um cunho didático apresentamos, inicialmente, alguns pressupostos teóricos por nós assumidos. Relatamos, a seguir, pesquisas com esse enfoque. Uma das pesquisas, de autoria de Da-nielle Kayser Sauter, é de caráter exploratório e mostra como a Educação Matemática contribui para a Educação para a Paz e o desenvolvimento de valores humanos, tais como: respeito, amor, verdade, justiça. Outra, de-senvolvida pelas autoras, é uma pesquisa bibliográfica que apresenta um olhar da História da Matemática para uma Educação Matemática visando o desenvolvimento de uma Cultura de Paz. Uma terceira pesquisa, de cunho etnográfico, desenvolvida por Circe Mary Silva da Silva com a educação

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indígena no Espírito Santo, evidencia como os educadores indígenas com-preendem uma Educação Matemática que beneficie a paz.

Concluímos a nossa apresentação justificando a nossa percepção de que o conhecimento matemático amplia-se ao ser vinculado aos diversos processos de analisar e responder problemas (interdisciplinares, transdis-ciplinares) de diversas naturezas. E de que educar para a paz também é educar para resolver conflitos, contribuindo para incentivar nossos alunos a serem criativos, a serem persistentes nos seus objetivos, a respeitar a opinião dos outros. O processo de aprendizagem (matemático) desenvolve cada uma dessas competências.

Alguns fundamentos teóricos

Vamos procurar situar nossos leitores nos fundamentos teóricos que deram suporte às pesquisas relatadas, procurando não tornar nosso traba-lho maçante por excesso de citações, mas sem deixar de destacar algumas colocações de D’Ambrosio (s.d.; 2001; 2005; 2006), Freire (1986; 2001) e Guimarães (2005; 2006).

D´Ambrosio (2006, p.42) propõe que, ao se trabalhar segundo os princípios da etnomatemática, é importante uma valorização do indivíduo e de seus conhecimentos, respeitando as diferenças: “não se pretende a homo-geneização da espécie, mas sim a convivência harmoniosa dos diferentes, através de uma ética de respeito mútuo, solidariedade e cooperação”. Nesse intuito, podemos realizar investigações nessa vertente teórica para que a Educação Matemática não se restrinja a conhecimentos científicos, mas que privilegie os valores morais, éticos e culturais que levem educadores e educandos a uma nova postura frente à educação e a sua ação no mundo. Essas investigações de cunho qualitativo não pretendem trazer soluções prontas, mas sim despertar nos educadores a necessidade de uma Educação para a Paz como uma tarefa urgente nesse mundo globalizado.

Na etnomatemática encontramos elementos intelectuais para lidar com situações novas e definir estratégias de ação, respeitando cada con-texto cultural. “Fazer da Matemática uma disciplina que preserve a diver-sidade e elimine a desigualdade discriminatória é a proposta maior de uma Matemática Humanista” (D’AMBROSIO, s.d.). A etnomatemática privi-legia o raciocínio qualitativo e dificilmente se apresenta desvinculada das manifestações culturais, como arte ou religião. O seu enfoque está voltado à natureza ambiental ou de produção, tem uma concepção multicultural e holística da educação (D`AMBROSIO, 2001, 2005) e encontra na transdis-

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ciplinaridade uma forma de integração, respeito e valorização de cada um, e de todos.

Freire e Shor destacam a importância do diálogo como valor es-sencial de respeito ao outro e também para que ocorra a aprendizagem, e a partir daí a transformação de conhecimentos antigos para novos. E, em coerência com os nossos objetivos em contribuir para uma cultura de paz, destacamos Guimarães (2006, p. 19):

No conflito interpretativo que se estabelece na sociedade atual, a linguagem torna-se, por excelência, o caminho para a paz, fazendo da educação para a paz um espaço por excelência do debate, diálogo e negociação para que a comunidade opere um consenso em torno da paz.

A educação, sozinha, não poderá transformar a sociedade, mas sem ela a sociedade também não poderá mudar. (FREIRE, 2001). Nesse senti-do, a UNESCO confere à educação o papel principal para a construção da paz.

É através da educação que a introdução mais ampla possível aos valores, aptidões e conhecimento pode ser viabilizada, os quais formam a base para o respeito aos direitos humanos e princípios democráticos, a rejeição da violência e um espírito de tolerância, compreensão e reconhecimento mú-tuo entre indivíduos, grupos e nações. (UNESCO, 1996-2001, p. 45).

Concluímos nossa fundamentação alertando que a construção de um mundo de paz é tarefa de todos – pais, escola e sociedade em geral – e lutar para uma educação que inclua a Educação para a Paz e para os Valores Humanos é uma tarefa nossa, como educadores.

Uma investigação sobre a Educação Matemática para fomentar uma Cultura de Paz

A pesquisa Educação para a paz nas aulas de matemática, é pos-sível?3 (SAUTER, 2007) teve como objetivo investigar de que forma a Educação Matemática pode contribuir para a paz e para o desenvolvimento de valores humanos, como amor, cooperação, respeito e honestidade. Para

3 Dissertação defendida em 2007 no Programa de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS, orientada pela prof. Ruth Portanova.

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a realização do trabalho, Sauter aplicou três propostas de atividades envol-vendo alunos das 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental buscando a valo-rização do conhecimento dos alunos, de suas famílias e de outros grupos da comunidade. Concluiu que as atividades propostas tiveram repercussão direta na aprendizagem dos alunos, possibilitando refletir a respeito de ati-tudes de cidadania, respeito, amizade, entre outros valores que contribuem para a Educação para a Paz. Ela constatou que a mudança é possível, mas não é simples. Para alcançá-la torna-se necessário buscar caminhos, o que deve ser uma tarefa diária do professor, da escola e de todos que querem uma verdadeira transformação na e para a educação.

Vamos exemplificar as suas propostas. A primeira estava relaciona-da às casas populares que foram construídas no município de Ivoti (RS). As casas, a partir de projetos desenvolvidos pela engenheira da prefeitura municipal, foram construídas em loteamento popular e entregues para as famílias cadastradas na Assistência Social, tendo, cada uma, um custo aces-sível e parcelado para essas famílias.

Em relação aos conteúdos matemáticos, o projeto apresentava di-versos conceitos a serem explorados, entre eles geometria (cálculo de área e perímetros), operações com números decimais e escala. Além disso, o trabalho previa que os alunos pudessem refletir sobre algumas dificuldades que as pessoas encontram em suas vidas nos dias de hoje. Como a proposta também envolveria os sistemas de medidas, as atividades iniciaram com a trena e o metro e a medição de diferentes espaços da escola. As tarefas foram realizadas em grupos, e apenas pelo fato de ter sido possível sair da sala de aula, já houve um grande estímulo para que tudo ocorresse de maneira muito proveitosa.

Em sala de aula, a professora questionou se havia algum conheci-mento, por parte dos alunos, a respeito das casas populares e o que sabiam a respeito desse projeto do município. Os alunos se interessaram em co-nhecer melhor o projeto, optando por aprender um pouco mais sobre essas casas, como eram feitas, quem eram os beneficiados, entre outras coisas. Foi utilizada a planta de uma das casas para que os alunos tivessem o co-nhecimento real do seu tamanho e foram trabalhados os conceitos de área e perímetro de figuras retangulares. Esse material foi utilizado para calcular a área de diferentes espaços da casa e sua área total.

Houve uma visita da engenheira da prefeitura, na escola, para expli-car aos alunos como funcionava o programa das casas populares. Muitas perguntas surgiram e foram esclarecidas. Após as informações, a profes-sora solicitou que os alunos medissem alguns espaços das suas casas e fi-

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zessem “plantas baixas” dos espaços medidos, utilizando uma determinada escala, para comparar com o tamanho dos cômodos das casas populares. Mas somente com a visita às casas foi possível perceber o quanto elas eram pequenas.

Para finalizar, os alunos construíram maquetes das casas visita-das, também utilizando escala. Sauter (2007, p. 44) considerou que “as atividades realizadas atingiram os objetivos, tantos os relacionados com a Educação Matemática, quanto os que envolviam a Educação para a Paz”. Os alunos aprenderam “os cálculos de área e perímetro com números deci-mais, além de terem compreendido a realidade do mundo em que vivem e aprendido a respeitá-la.”

A segunda proposta de Sauter (2007) foi realizada com os alunos da 6ªsérie, a partir do filme A Corrente do Bem4. Nela, o conteúdo explorado foi o conceito de potência.

No filme, uma turma de alunos, também de 6ª série, recebe um pro-fessor novo de Geografia que, no primeiro dia de aula, desafia os alunos a planejar e executar um projeto que cause uma grande mudança no mundo. Um dos alunos, então, cria um modo de todas as pessoas se ajudarem. Ele se propôs a fazer algo significativo para três pessoas e cada uma delas, como retribuição, deveria fazer algo importante para outras três pessoas, e assim por diante.

Após o filme, a professora conversou com os alunos sobre a men-sagem e questionou sobre os elementos da Matemática que eles tinham percebido. Facilmente eles identificaram a corrente do menino como uma multiplicação. Então, foram convidados a desenhar a corrente e a represen-tar essa multiplicação. Eles perceberam que o número de pessoas atingidas pela corrente aumentava de forma muito rápida, e a professora perguntou se eles poderiam imaginar alguma maneira de escrever essa multiplicação de fatores iguais, de uma forma mais simplificada.

Lembrou com eles que se 3 + 3 + 3 + 3 + 3 + 3 pode ser repre-sentado como 5 x 3. Então, como poderia se escrever 3 x 3 x 3 x 3 x 3? Primeiramente, eles sugeriram a multiplicação 5 x 3, como na adição, mas logo perceberam que o resultado não era o mesmo. Partindo dessa primeira idéia, foi apresentada a representação de potência, compreendida por eles. Os nomes corretos dos termos (base e expoente) foram então mostrados aos alunos. Então, com o auxílio direto dos alunos, a nova operação “potencia-ção” foi apresentada e definida. A partir dessa primeira corrente, foram su-

4 Filme com direção de Mimi Leder e Kevin Space, Helen Hunt e Haley Joel Osment no elenco, lançado em 2000.

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geridas outras. A de base dois, partindo do desenho da árvore genealógica de cada aluno, a de base quatro, a de base cinco e assim por diante.

Durante o processo de construção desses conceitos, além de traba-lhar diretamente a Matemática, era discutida com os alunos a importância desse filme e da proposta feita pelo menino, questionando se ela era viável ou não, e de que outras maneiras poderíamos fazer a diferença no mundo em que vivemos. A partir do conceito de potência, foram feitas cartas enig-máticas, nas quais precisavam ser resolvidas potências e expressões numé-ricas com potência, para descobrirem a mensagem, sempre relacionando-a com o filme. Cada mensagem era novamente discutida e trabalhada com os alunos.

Com a finalização da atividade, apareceu a oportunidade de mos-trar esse trabalho aos pais. Foi feito, em todo o trabalho, no seu conjunto, evidenciou que os alunos gostaram de aprender Matemática a partir de um filme, o que favoreceu a aprendizagem.

A terceira proposta foi uma Campanha de Arrecadação de Alimentos para famílias carentes do município. Sauter (2007) pretendia que os alunos percebessem que, mesmo sendo muito pequenos, poderiam exercer o seu papel de cidadãos na sociedade, ajudando muitas pessoas, através de uma ação firme, bem organizada e em conjunto. Com as arrecadações feitas, a professora pretendia trabalhar conteúdos matemáticos como equivalência de frações e construções de gráficos de setor, utilizando conceitos de ângulos e frações e para que os alunos pudessem dar significado ao que estavam apren-dendo nas aulas de Matemática. Assim, o conteúdo ficaria mais próximo da realidade deles. Os alunos aceitaram a proposta e ficaram empolgados com o que estava acontecendo. A idéia inicial era de apenas arrecadar alimentos com as pessoas que integravam a comunidade escolar, mas o projeto cresceu e várias empresas do município acabaram se envolvendo.

Com o auxílio da professora de Língua Portuguesa foram elabo-rados ofícios, através dos quais os alunos entraram em contato com em-presas por eles selecionadas. Durante a aula de Ensino Religioso, essas correspondências foram digitadas na sala de Informática da escola. Cada aluno enviou a correspondência para duas empresas, mas alguns, por conta própria, resolveram entrar em contato com mais empresas. Surgiu a idéia de envolver outras escolas do município, para que elas também pudessem colaborar com a campanha. A professora de Educação Artística, juntamente com os alunos, elaborou cartazes que foram fixados em outros espaços.

A estagiária da Assistência Social (da prefeitura) compareceu na escola para conversar com os alunos sobre o objetivo desta entidade e ex-

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plicar quais os critérios usados para a seleção das famílias que recebem os alimentos, mensalmente. Ela elogiou a iniciativa da turma e salientou a importância do trabalho que estava sendo realizado.

Foi retomada uma frase de Saint-Exupéry (2000, p. 72) que estava escrita nos corredores da escola e havia sido trabalhada com os alunos no início do ano: “O essencial é invisível aos olhos”, destacando que essa atitude dos alunos era essencial para ajudar a construir uma vida digna para todos. A seguir foi realizada, pela escola, uma atividade de Integração da Família, em que foi possível reforçar o pedido de alimentos não perecíveis para a campanha. Além disso, os alunos fizeram desenhos representando atitudes de cidadania, que também foram expostos. No palco, apresentaram um pequeno resumo do relato feito pela Assistente Social, que sensibilizou bastante os pais.

A partir daí, foram reiniciadas as atividades de sala de aula. Os alu-nos separaram o que foi arrecadado por tipo de alimento e, como o assunto dos números decimais ainda não tinha sido trabalhado, escreveram utili-zando gramas e não quilogramas. Foi feita a representação das frações de cada tipo de alimento arrecadado em relação ao total e foi possível reduzi-las, encontrando frações equivalentes.

A partir desses dados, eles verificaram que cada fração poderia ser escrita na forma de porcentagem e o trabalho ficou ainda mais interessante, pois envolveu um novo conceito de Matemática. Usando a definição de ân-gulo e trabalhando com compasso e transferidor, os alunos foram divididos em grupos, construíram gráficos de setor. A partir desses dados, calcularam qual a parte do ângulo central da circunferência (360º) que cada fração representava. Alguns optaram, então, por utilizar a porcentagem; outros, a fração na sua forma reduzida e fizeram o desenho no gráfico, utilizando o transferidor. Também construíram um gráfico de barras, para que fosse possível conhecer diferentes tipos de representações. Esse trabalho durou aproximadamente quatro aulas. A construção desses conceitos matemáticos passou a ser clara, fazendo com que todos pudessem compreender o traba-lho que estava sendo realizado.

Foram selecionadas algumas famílias carentes da própria comuni-dade escolar para receber uma parte da arrecadação, e o restante foi enca-minhado para a Assistência Social. Na aula de Ensino Religioso, foi feita, em conjunto, uma correspondência para todas as famílias que receberiam as doações. No final da campanha, foi recebida mais uma doação, em di-nheiro, de uma das empresas que tinha sido contatada e foi feito um passeio até o supermercado, onde foram comprados mais alimentos para a campa-

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nha. Neste momento, foi possível o desenvolvimento do cálculo mental aproximado, para fazer as contas de quanto havia sido gasto.

Por não haver necessidade de construir novos gráficos, a professora optou por trabalhar com uma ferramenta do computador que constrói os gráficos automaticamente, utilizando planilhas. Os alunos, então, digitaram os novos dados obtidos e utilizaram esta ferramenta para a elaboração dos gráficos. Tanto a escola quanto a imprensa local reconheceram o trabalho feito pelos alunos e publicaram reportagens sobre a campanha realizada. Sauter (2007, p. 56-57) destaca “a realização dos próprios alunos” com a campanha, ao mesmo tempo em que o “conteúdo matemático recebeu atenção especial e a aprendizagem possibilitou a vivência do que estava sendo trabalhado em sala de aula.”

O trabalho contextualizado realizado por Sauter (2007) é coerente com a História da Matemática, que nos revela o quanto é ingênuo pensar na neutralidade da ciência, e em matemáticos como seres que apenas criam conhecimento, sem preocupações com as demandas sociais e exigências de governantes.

Potencialidades e recursos da História da Matemática

No estudo das diversas etapas da história, constatamos relações da Matemática com a guerra, que são relativamente conhecidas, como as construções de Arquimedes. Depois, os estudos sobre fortificação e arte militar mostraram o papel decisivo dos cálculos matemáticos precisos para auxiliar no lançamento de projéteis, na construção dos fortes e nas estra-tégias de luta contra inimigos. Poucas referências são feitas à Matemática com propósitos de auxiliar a evitar o confronto e produzir paz na história da humanidade. Pretendemos discutir como o conhecimento da História da Matemática pode contribuir para o entendimento dessas questões, além de buscar uma visão holística da Matemática como uma componente a mais da cultura contemporânea. A sua tarefa histórica é de descobrir influências, condições e motivações (sociais, políticas, econômicas, científicas) sob as quais os problemas surgem. Um processo interativo entre problemas e so-luções, homem e sociedade, escola e saber, Matemática e vida é o desafio do século XXI.

A integração da navegação e da matemática prática se deu prin-cipalmente com a expansão militar. Com o surgimento de escolas para militares, era preciso investir na produção de livros didáticos com conhe-

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cimentos matemáticos destinados a defesa e ataque, para as estratégias e organizações de batalhas. No século XVIII, os militares necessitavam de uma matemática específica, que pudesse ser aplicada à navegação, fortifi-cação, batalhas e engenharia.

Napoleão contava ao seu lado com a ajuda de matemáticos, inclu-sive Fourier chegou a viajar com o imperador para o Egito. (EVES, 2004). Foi no Egito que ele pode refletir mais profundamente sobre o fenômeno do calor e com êxito chegou a formulação de equações que descreviam esse fenômeno, bem como a teoria para resolver essas equações, denominadas “séries de Fourier” e “transformadas de Fourier”.

No século XVIII, um autor de livros didáticos e professor de es-colas de artilharia na França – Etiènne Bézout – escreveu vários livros textos de Matemática, nos quais mostrou como se aplicam as equações para problemas envolvendo bombas, projéteis e objetos bélicos. A Histó-ria da Matemática desperta uma perspectiva educacional da Matemática levando em conta o desenvolvimento das idéias em diferentes sociedades. Aspectos multiculturais e interdisciplinares tornam-se parte de reflexões epistemológicas sobre Educação Matemática; as relações entre bases filo-sóficas, multiculturais e interdisciplinares fundamentam o ideal do ensino. A História da Matemática, como história de idéias, está ligada à história da humanidade. Comparando momentos recentes do ensino da Matemática, perguntamos - Quem? O quê? Como? Quando? Por quê? – e começamos a investigar sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática.

O conhecimento do desenvolvimento histórico da Matemática e dos seus fundamentos filosóficos pode auxiliar a (re)construção de saberes que nos ajudarão a entender melhor o mundo. A filosofia pode explicar como e por que ensinar Matemática, mas necessita da história: história de documen-tos e história de idéias. A filosofia pode também orientar e explicar escolhas educacionais, colaborando para uma melhor planificação do ensino.

Na escola, a Matemática pode ajudar a elevar (ou não) a auto-estima das crianças. De modo geral, os alunos que são considerados mais inteligen-tes e capazes são os que apresentam um bom desempenho em Matemática. Graças a uma nova visão de educação podemos encontrar, hoje, educadores matemáticos preocupados com o desenvolvimento das potencialidades de cada aluno, com o desenvolvimento integral de suas capacidades, a fim de aprender a aprender, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) indicam uma série de objetivos para o ensino fundamental e explici-tam habilidades e competências específicas para o Ensino:

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[...] a Matemática deve ser compreendida como uma parcela do conheci-mento humano essencial para a formação de todos os jovens, que contribui para a construção de uma visão de mundo, para ler e interpretar a realidade e para desenvolver capacidades que deles serão exigidas ao longo de sua vida social e profissional. (p. 111).

Nossa cultura é de exclusão. Existem excluídos economicamente, excluídos socialmente, moralmente, culturalmente, etc. Se trabalharmos no sentido de minorar essas diferenças, estaremos ajudando a construir um mundo de paz. A Paz é o caminho! Não só o objetivo.

Nossos compromissos educacionais, voltados a um ser humano mais autêntico e feliz, encontram-se em constante conflito com as nossas atitudes e as nossas vivências diárias. Experiências de sala de aula mostram que uma criança ou um adolescente que tem auto-estima elevada é menos agressivo, convive melhor com outras crianças, com os colegas e com a família. A paz social começa com a paz que cada um tem dentro de si. Essa paz interior, que começa na infância e se reflete na adolescência, depende muito da valorização da criança pelas pessoas que com ela convivem. Isto é válido em todas as culturas.

Educação Indígena nas escolas das aldeias do Espírito Santo

A educação indígena tem se constituído nos últimos anos num grande desafio. Que Educação Matemática eles querem? O que eles precisam? O que eles entendem e ensinam de Matemática? Como construir com eles uma Edu-cação Matemática para a paz? A Educação Matemática para a paz deve ser para a inclusão e não para a exclusão, deve promover a tolerância e rejeitar a intolerância, deve ser de respeito para com os diferentes conhecimentos dos seres humanos em oposição a um único conhecimento global, hegemônico.

A investigação com foco na educação indígena é uma proposta que apóia-se na interculturalidade, interdisciplinaridade e bilingüismo, visando a uma educação de qualidade para os povos indígenas, que foram tradi-cionalmente excluídos. Por isto é importante considerar os depoimentos dos educadores indígenas que atuam nas escolas das aldeias Tupinikim e Guarani do Espírito Santo.

Após alcançarem uma formação de Ensino Médio, em 1999, em um curso destinado especificamente para esses sujeitos, vinte destes educado-

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res começaram a lecionar nas aldeias indígenas. Pouco a pouco, foram con-quistando espaços e tornaram-se professores contratados pela Secretaria Municipal de Educação de Aracruz. A partir daí, era necessário construir-se uma proposta curricular diferenciada que respeitasse e valorizasse os elementos culturais das duas etnias. Foram oferecidos cursos de formação continuada a esses educadores e a outros que se incorporaram posterior-mente, com vistas a proporcionar condições para que eles próprios cons-truíssem o currículo para as escolas indígenas e pudessem implementá-lo. Os educadores elegeram algumas problemáticas como apoio para toda a proposta curricular: 1) os povos Tupinikim e Guarani em seus aspectos sociopolítico, econômico, cultural e ambiental; 2) os povos Tupinikim e Guarani em suas relações com outros povos e com as sociedades regionais e nacionais; 3) a luta pela terra.

A fim de determinar o alcance e a pertinência do currículo, desen-volveu-se uma investigação intitulada O cotidiano do ensino-aprendizagem da matemática nas salas de aula das escolas indígenas do Espírito Santo para analisar a prática da sala de aula nas aulas de Matemática, procurando responder a questão: em que medida a formação inicial recebida contribuiu para a apropriação dos conhecimentos da Matemática nos processos de ensi-no-aprendizagem? A metodologia foi fundamentada nos métodos de pesqui-sa visual: leitura e interpretação de imagens de filmagens. Foram filmadas seis semanas de aula, três no início e três no final (do mesmo ano letivo), em cada uma das turmas selecionadas, perfazendo um total de 270 horas de observação. No caso específico desta pesquisa, foram analisados somente os trechos da gravação relativos à área de Matemática. Durante a observação, não houve intervenção por parte dos pesquisadores. As filmagens das aulas nas escolas das aldeias foram feitas por um educador indígena, com a função de monitor de pesquisa, antes do início da pesquisa propriamente dita, ou seja: no segundo semestre do ano de 2003, os monitores que auxiliaram na coleta de dados receberam uma formação específica para este fim. Antes das filmagens, a câmera ficou alguns dias na sala de aula para que as crianças e professores, sujeitos da pesquisa, se familiarizassem com este objeto. Além das filmagens, foram coletados materiais diversos (textos produzidos pe-los alunos e professores, provas, testes, planos de aulas, etc.) utilizados no processo de ensino-aprendizagem, com o objetivo de conhecer melhor esse processo. No final de cada dia de observação, esses materiais foram recolhi-dos, para a constituição de um acervo precioso para a pesquisa.

Constatou-se que os educadores têm trabalhado com problemáticas, por eles sugeridas, que dizem respeito à cultura indígena e procuram inserir

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nelas os conteúdos de Matemática. Assim, os resultados têm sido bastan-te positivos, uma vez que procuram resgatar conhecimentos prévios dos aprendizes indígenas. Esse trabalho ainda não foi completamente internali-zado pelos educadores, mas já houve evidência de êxitos parciais, quando propuseram atividades vinculadas com a problemática de luta pela terra e da história dos povos Tupinikim e Guarani. Os educadores ainda não têm clareza do que significa o trabalho interdisciplinar. Fazem algumas tenta-tivas de trabalhar interdisciplinarmente a Matemática com a linguagem e Ciências Sociais, propondo atividades simples, como, a partir de um texto de conteúdo histórico, extrair os termos que envolvem vocabulário mate-mático, principalmente numérico. As atividades propostas pelos educado-res, conforme os registros dos cadernos e as aulas observadas, ainda não estão proporcionando, de forma eficaz, o desenvolvimento da autonomia nos alunos, devido à tendência de perpetuar o ensino tradicional centrado no professor, sem proporcionar atividades em que os alunos participem na tomada de decisões. Todavia, ao entrevistar alguns desses educadores, per-cebemos que eles se apropriaram não só de conhecimentos matemáticos, mas foram capazes de perceber que a Educação Matemática pode também contribuir para uma educação para a paz. Os depoimentos abaixo ilustram o pensamento desses educadores:

• A Matemática está envolvida em vários sentidos, naquilo que se observa, no que se está usando, a Matemática sempre está no meio. Quando a gente observa a quantidade de famílias, a comunidade que vai crescendo num espaço, aí é também um momento de re-flexão para a paz. Por exemplo, quantas pessoas aquela terra pode atender? Quantas famílias podem viver numa certa comunidade, de acordo com o espaço disponível? Isso é importante para que haja paz. (Depoente Mauro, educador Guarani).

• Os índios tupi são uma organização diferente, muito diferente de outros povos, porque o espaço tem que ser distribuído de acordo com o número de famílias. As famílias precisam de espaço para plantio, espaço para caçar. Então a tribo tupi é uma organização diferente. Hoje, nós temos um espaço muito apertado para as fa-mílias tupinikim e guarani. Nesse espaço muito apertado todos ficam muito aglomerados, dificultando a paz (Depoente Mauro, educador Guarani).

• A partir dos números você leva a pessoa a refletir. Um conflito que está existindo muito hoje, no nosso meio, é a luta pela terra. Isso já

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virou uma inquietação, e nós não temos mais a paz. Discutir, por exemplo, a quantidade de terra que nós tínhamos e temos hoje, a produção da empresa Aracruz, como essa produção é distribuída, não apenas em nível local, mas também mundial. Discutir e refletir sobre a questão da preservação da terra, da natureza (Depoente Leidiane, educadora Tupinikim).

A educadora Leidiane exemplificou como ela trabalharia de forma interdisciplinar as questões sobre a paz com seus alunos das séries iniciais do ensino fundamental:

• Trabalharia com uma proposta de diálogo. Como intensificar esse diálogo dos mais jovens com os mais velhos. Os velhos têm muito a nos ensinar sobre a paz. Essa questão da luta, porque essa luta não é uma luta de armas, não é essa luta corporal, de enfrentamen-to. Ela se baseia nas leis, naquilo que nós temos direito. Precisa ser uma luta através do diálogo. (Depoente Leidiane, educadora Tupinikim).

Outro educador, que trabalha com Matemática na 5ª série, na Aldeia de Comboios, relatou uma experiência com trabalho interdisciplinar sobre saúde e ambiente, em que acredita tenha contribuído para uma educação para a paz:

• Trouxe para a minha aula uma nutricionista e uma pessoa do posto de saúde para dar uma palestra sobre isso. A própria nutricionista falou, que se nós tivéssemos mais cuidado com o meio ambiente, o nosso corpo não sofreria tanto como está acontecendo agora. De-pois, em sala de aula, chamei a atenção para o problema das vermi-noses e pedi permissão para que as crianças fossem fazer pesquisa no posto de saúde. A partir dos dados coletados, trabalhamos com construção de gráficos, tabelas, e acho que ainda poderíamos ter aprofundado mais essa situação, levando em conta os dados histó-ricos. (depoente Jefferson, educador Tupinikim)

A educação das crianças é uma preocupação constante nas tribos Tupinikim e Guarani, que conquistaram o direito de ter em suas aldeias escolas com somente educadores indígenas. Contudo, a educação não é atribuição só da escola, mas sim da comunidade. Eles aspiram a uma edu-

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cação que transmita e respeite os seus valores culturais e ao mesmo tempo oportunize construir os conhecimentos da cultura do não-índio, para que os mesmos possam ter igual poder de força e oportunidade no intercâmbio de suas vivências. Nesse ponto, questionamos: Como tornar possível uma compatibilização desses dois tipos de conhecimento, local e externo, de forma a que o externo não provoque o anulamento do local? Quais os as-pectos desse conhecimento local devem ser evidenciados numa proposta de educação intercultural e qual a sua importância para os envolvidos no pro-cesso? Como avaliar a construção de novos conhecimentos nesse contexto intercultural? Estas questões ainda não foram respondidas satisfatoriamen-te, mas esperamos que com a continuidade da investigação possamos obter maiores esclarecimentos sobre elas.

Considerações finais

Trabalhar as diferenças continua sendo um grande desafio para nós, educadores, e entendemos que no contexto da educação indígena acompa-nhar o progresso dos alunos-educadores é muito mais importante do que simplesmente identificar erros conceituais ou dificuldades de aprendiza-gem. É essencial avaliar continuamente como eles avançam na construção dos conteúdos matemáticos e que atividades desenvolvem junto a seus alunos, na busca da apropriação daqueles conhecimentos globais, oriun-dos da cultura dominante. Visivelmente, a Matemática é encarada pelos educadores indígenas muito mais como uma ferramenta do que pelo valor formativo de auxiliar na formalização de conhecimentos e agilizar o racio-cínio dedutivo. Precisamos auxiliá-los a ampliar seus horizontes, tanto com relação ao conhecimento matemático como também como seres humanos que buscam crescimento intelectual, felicidade e paz.

As pesquisas relatadas neste capítulo, com temáticas e metodolo-gias diferenciadas, possuem um elo em comum: o aporte teórico em que se baseiam. Elas procuram mais do que apresentar soluções prontas para as dificuldades com o ensino e a aprendizagem da Matemática, alternati-vas didáticas para pôr em prática idéias inovadoras e que provoquem no professor o desejo de mudar e no aluno o de aprender. E, como afirma D’Ambrosio, sem esquecer que atingir a PAZ TOTAL deveria ser o subs-trato de todo discurso sobre Educação e em particular o fazer matemático.

Como educadoras de Matemática, acreditamos firmemente que a Matemática também pode contribuir para a discussão e para a prática da paz. Principalmente o professor deve ter esse espírito e querer trabalhar

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essa questão. O simples fato de o professor acreditar no que faz pode torná-lo um educador modelo, alguém em que os alunos se espelham e procuram seguir. Além de usar metodologias de educação que incentivem a paz, o professor pode usar o próprio conteúdo, elaborando problemas matemáti-cos que tenham no seu contexto esse assunto. Pode, por exemplo, trabalhar questões éticas envolvendo a matemática financeira. O professor, no seu agir, deve mostrar uma atitude de paz e respeito, pois os alunos vão per-ceber mais aquilo que o professor faz em sala de aula do que o que ele diz ou o conteúdo. Professores sempre marcam a nossa vida pelo caráter e não tanto por saber muito.

Encerrando, retomamos Guimarães (2005, p.264):

[...] a paz, como construção coletiva, não virá por decreto dos poderosos, nem mesmo virá apenas como conseqüência da audácia dos militantes pacifistas, mas será fruto do estabelecimento de um consenso discutido, conversado e negociado entre as pessoas.

Referências

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacio-nais. Brasília, MEC, 1997, vols 1 -10.D’AMBROSIO, U. A responsabilidade dos matemáticos em busca da paz. S.d. Disponível em: <http://vello.sites.uol.com.br/responsabilidade.htm>. Acesso: nov. 2004._____. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 2001._____. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2005._____. Etnomatemática e Educação. In: KNIJNIK, G.; WANDERER, F.; OLIVEI-RA, C.J. (Org.). Etnomatemática: currículo e formação de professores. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006, p. 39-52.EVES, H. Introdução à história da matemática. Campinas, SP: 2004.FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2001._____; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.GUIMARÃES, M.R. Educação para a paz: sentidos e dilemas. Caxias do Sul: Educs, 2005.

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_____. Aprender a educar para a paz: instrumental para a capacitação de educado-res em educação para a paz. Goiás: Rede da Paz, 2006.HARDY, G. Em defesa de um matemático. São Paulo: Martins Fontes, 2000.SAINT-EXUPÉRY, A. O pequeno príncipe. Trad. Marcos Barbosa. 48. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2000.SAUTER, D. K. Educação para paz nas aulas de matemática, é possível? 2007. 135f. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) Faculdade de Física, PUCRS, Porto Alegre, 2007.UNESCO- Médium-TERM Strategy 1996-2001. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0010/0010250102501e.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2007.

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8Repensando as dificuldades dos alunos na aprendizagem

de ÁlgebraKátia Henn Gil1

Ruth Portanova2

1 Mestre em Educação em Ciências e Matemática – PUCRS. Professora de Matemática do Ensino Médio da Rede Estadual; professora do Ensino Fundamental do Colégio Santa Dorotéia e da Rede Municipal de Viamão. [email protected]

2 Professora do Programa de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. E-mail: [email protected]

Introdução

Nesse artigo apresentamos um estudo sobre as dificuldades na aprendizagem de Álgebra, e algumas causas dessas dificuldades. A re-alização dessa pesquisa foi motivada por inquietações originárias em nosso trabalho na 7ª série do Ensino Fundamental, com relação às di-ficuldades que os alunos apresentam com os procedimentos que fazem parte do contexto algébrico. Observamos que a interpretação de proble-mas algébricos, que exigem uma tradução da linguagem corrente para a linguagem simbólica apresenta obstáculos, assim como, a relação entre a Álgebra e a Aritmética. Esses foram os principais fatores detectados nesse estudo (GIL, 2008). Para a fundamentação dessa pesquisa foram utilizados dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Também fomos convidados a apresentar os resultados no con-texto do projeto Observatório da Educação, Museu Interativo e Educa-ção em Ciências.

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Idéias iniciais

Entendendo a Álgebra como parte da Matemática que trabalha a generalização e abstração, representando quantidades através de símbolos, para Lins e Gimenez (1997, p.137) “A álgebra consiste em um conjunto de afirmações para as quais é possível produzir significado em termos de números e operações aritméticas, possivelmente envolvendo igualdade e desigualdade”. Como essas afirmações, citadas por Lins, são resultados de simplificações e generalizações, exigem um desenvolvimento do pensa-mento abstrato mais desenvolvido do que aquele utilizado para o pensa-mento aritmético.

A Álgebra tem muitas aplicações, mostrando-se útil como estratégia de resolução de problemas, mas assim como os outros campos da Matemáti-ca, a sua aprendizagem apresenta dificuldades. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs de Matemática), “a ênfase que os professo-res dão a esse ensino não garante o sucesso dos alunos, a julgar tanto pelas pesquisas em Educação Matemática como pelo desempenho dos alunos nas avaliações que têm ocorrido em muitas escolas. Nos resultados do SAEB, por exemplo, os itens referentes à álgebra raramente atingem um índice de 40 % de acertos em muitas regiões do país” (BRASIL, 1998, p.115-116).

O formalismo e a dificuldade de abstração não são os únicos culpa-dos das dificuldades que nossos alunos encontram no estudo da Álgebra. Devemos considerar outros fatores que também podem estar concorrendo para este fracasso. A forma como se desenvolve o conteúdo, e até proble-mas sociais e culturais podem contribuir para esta problemática.

Um dos objetivos do estudo da Álgebra é que o aluno, tendo a com-preensão dos seus conceitos, seja capaz de utilizá-los em outras situações. Enfim, que o aluno perceba a Álgebra como uma aliada na resolução de problemas em diferentes contextos.

Outro aspecto preocupante, que está estritamente ligado às dificul-dades apresentadas, é o fato de o aluno detestar a Matemática. A Matemá-tica traz consigo um formalismo que, aliado à dificuldade de abstração, faz com que o aluno se distancie de seu estudo, até porque diversas vezes os conceitos e procedimentos apresentados não são entendidos de imediato, e talvez nem em uma segunda explicação, fazendo com que o aluno se desmotive para seu estudo. Essa preocupação com aprendizagem de Mate-mática é mundial, já que se procura por alternativas de solução para o baixo aproveitamento em Matemática em vários países. Existe um cuidado para que o ensino de Matemática seja eficaz e mostre resultados melhores dos

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que são apresentados hoje. De acordo com essa idéia, Onuchic e Allevato (2004) afirmam que

[...] gente de todo o mundo está trabalhando na reestruturação da Educação Matemática. Ensinar bem Matemática é um empenho complexo e não há receitas fáceis para isso. Não há um caminho único para se ensinar e apren-der Matemática (p. 214).

Com a intenção de compreender as dificuldades encontradas pe-los alunos de 7ª série no entendimento dos conceitos e procedimentos que envolvem o estudo da Álgebra, realizamos uma pesquisa em uma escola da rede privada de ensino, em Porto Alegre- RS. Foram sujeitos da pesquisa 32 alunos e quatro professores de 7ª série do Ensino Fundamental, pois nesta série há uma ênfase em Álgebra. Dos professores entrevistados, um é professor da turma observada, e três são professores de 7ª série de outras escolas de Porto Alegre.

Em um primeiro momento, a turma foi acompanhada durante pouco mais de dois meses, semanalmente. Durante esse tempo, os alunos responde-ram um instrumento contendo questões algébricas, as quais foram elaboradas com a finalidade de analisar as dificuldades apresentadas na utilização da linguagem simbólica e na sistematização das propriedades envolvidas na aprendizagem de Álgebra, para verificar como se dá a passagem da lingua-gem corrente para a algébrica e relacionar as dificuldades encontradas na linguagem algébrica com a aritmética. Para finalizar a coleta de dados com os alunos, alguns foram entrevistados após a testagem, para obter entendimen-to melhor das dificuldades percebidas. Os professores participaram de uma entrevista com o objetivo de analisar a visão docente sobre a problemática estudada. A pesquisa foi realizada com uma abordagem qualitativa.

A partir das concepções de Álgebra e educação algébrica, trata-mos da linguagem algébrica como parte da linguagem matemática para, com apoio nessa fundamentação, fazermos a análise dos dados coletados. Estudamos também a relação entre Álgebra e Aritmética e implicações desta relação nas dificuldades encontradas. Esses fundamentos foram im-portantes na interpretação dos dados.

A prática pedagógica no ensino da Álgebra

Durante o acompanhamento da turma pesquisada, observando

a prática pedagógica da professora, pudemos analisar a postura dos alu-

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Kátia Henn Gil • Ruth Portanova118

nos frente a esta. Com uma aula dinâmica e atividades investigativas, e utilizando-se da geometria para contextualizar a ação, a professora tem o hábito de questionar as respostas, dando tempo para que o aluno pense e se posicione quanto ao resultado obtido, muitas vezes explicitando para a turma qual foi a sua linha de raciocínio.

Segundo Moysés (2006), o questionamento e a correção por parte de quem ensina desempenham relevante papel na aprendizagem. Questio-namentos que provocam o desequilíbrio na estrutura cognitiva do aluno, fazendo-o avançar para uma nova e mais elaborada reestruturação.

Esse tipo de intervenção não é apenas produtivo para o aluno, que explica como fez e estabelece relações, mas também para os seus colegas, que irão comparar a sua linha de raciocínio com a que acabaram de ouvir, e ainda fazer questionamentos sobre esta.

A professora traz para aos alunos atividades que propiciam a refle-xão e o desenvolvimento do pensamento algébrico. Muitas foram as ati-vidades com situações-problema nas quais os alunos foram questionados, tornando o ambiente desafiador e investigativo, e sempre proporcionando um diálogo no qual o aluno expôs o que pensa. Essa interlocução é rica, tanto para professor-aluno como aluno-aluno. É assim que se pode com-partilhar idéias, aprimorá-las, pensar sobre o que o colega pensa, e que até então não se tinha pensado. Schwantes (2004, p 501) incentiva essa discus-são, que “contribui para o desenvolvimento e elaboração do pensamento algébrico”

Creio que nesta busca por um entendimento da situação apresenta-da, e na tentativa de traduzi-la, como diz o autor, há um desenvolvimento e amadurecimento do pensamento generalizante, e este desenvolvimento propicia um melhor aprendizado de Álgebra e que a linguagem tem um papel fundamental.

A tradução de situações diversas para a linguagem algébrica

Simultaneamente às observações da turma, foi realizada uma testa-gem em três etapas, sendo aplicados blocos de atividades que se diferen-ciavam pelo seu grau de dificuldade. A partir dessa testagem foi analisado o tipo de dificuldade encontrada pelo aluno no estudo algébrico. Com o objetivo de verificar como os alunos faziam a tradução de uma situação na qual podiam visualizar os objetos que estavam sendo representados para a linguagem algébrica, foi proposta a atividade que segue:

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Repensando as dificuldades dos alunos na aprendizagem de Álgebra 119

Observe as figuras abaixo e o símbolo que representa cada uma de-las e faça o que se pede:

g d a

1- Represente simbolicamente cada uma das situações abaixo.

2- Escreva estas representações na forma reduzida, se possível.

a)

b)

c)

Na questão 1: representar simbolicamente cada uma das situações, foi resolvida facilmente pelos alunos, sendo obtido 100% de acertos. A questão 2: escreva estas representações na forma reduzida, se possível, já apresentou um resultado inferior em relação à primeira questão, sendo obtido 97% de acertos. Percebe-se que a redução de uma expressão al-gébrica traz dificuldades, já que nem sempre esta representação terá um fechamento.

Uma segunda atividade buscou analisar a tradução de uma si-tuação para a linguagem algébrica, na qual o aluno não tinha os objetos representados para visualização. A idéia era perceber se o fato de ser pos-

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Kátia Henn Gil • Ruth Portanova120

sível visualizar os objetos representados trouxe facilidade para a resolução correta da atividade.

3 - Represente simbolicamente cada uma das situações abaixo:

a) Simoni comprou duas calças neste fim de semana. b) Fábio comprou três calças e duas camisetas. c) A compra de Fábio mais a compra de Simoni.

A questão 3, com o mesmo objetivo das atividades propostas na questão anterior, diferencia-se apenas na visualização, que não está dis-ponível. Apesar de o desempenho da turma ser considerado bom, este foi inferior à questão 2. Nos itens a e b o aproveitamento foi de 91%, e no item c, 75%. Visualizar objetos representados algebricamente pode ter tornado o processo mais fácil.

O maior índice de erro foi no item c: A compra de Fábio mais a compra de Simoni, em que o aluno deve fazer uma redução das expres-sões encontradas anteriormente. Um dos fatores influentes na dificuldade dessa questão é o fato de a representação não ter fechamento. De acordo com Booth, um erro bastante comum entre os alunos é simplificar uma expressão como 2a + 5b para 7ab. Percebe-se que o aluno não aceita 2a + 5b como resposta válida, existindo a dificuldade em “aceitar a ausência de fechamento” (COLLINS3, 1975 citado por BOOTH, 1995, p. 27).

O aluno evidencia dificuldade de entender a “ausência de fecha-mento”, tendo em vista que, quando chega à 7ª série, passou por anos de estudo no contexto aritmético, no qual esta propriedade procedia. A Aritmética busca respostas numéricas, já a Álgebra é diferente, pois es-tabelece relações e as representa de forma geral e simplificada. Parte das dificuldades podem ser atribuídas à interpretação dos símbolos operató-rios.

Outro fator relevante percebido na questão é a dificuldade de in-terpretação. O aluno não consegue entender o que está sendo solicitado. Não sendo capaz de interpretar, não consegue representar formalmente a situação.

Na questão 4, que segue, foi proposta a tradução de uma situação-problema com figura geométrica.

3 COLLINS, Kevin F. A study of Concrete and Formal Operations in School Mathematics: A Piagetian Viewpoint. Melbourne: Australian Council for Educational Research, 1975.

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Repensando as dificuldades dos alunos na aprendizagem de Álgebra 121

4 - Qual a expressão algébrica que representa o períme-tro desta figura?

Essa atividade, que também exige o conceito de perímetro, mos-trou, como na questão 2, as dificuldades com a ausência de fechamento, com 19% de erro, e na interpretação, já que 13% dos alunos deixaram-na em branco. A maior parte dos alunos respondeu corretamente a questão, representando 66% dos alunos, e 3% interpretaram-na corretamente, mas erraram ao realizar o cálculo.

Figura 1 – Dificuldade na ausência de fechamento

A figura 1 mostra a dificuldade de aceitar 34 + m + n como respos-ta válida.

Na atividade que segue, a qual possuía o objetivo de verificar se o aluno conseguiria identificar a regularidade, o padrão existente em uma seqüência, fazer a generalização desta regularidade e, por fim, representá-la algebricamente.

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5 - Observe a seqüência de triângulos.

Número de

triângulos1 2 3 4 5 6

Número de

triângulos3

Quantos palitos seriam necessários para fazer 10 triângulos?

Todos os alunos da turma tentaram resolver essa questão, mostran-do habilidade em organizar as informações em tabelas. A habilidade dos alunos em organizar os dados em tabelas se deve ao fato de a professora propor em aula atividades desse tipo. Do total de alunos, 59% identificaram a regularidade existente na seqüência, ao representá-la com a expressão algébrica n + 2, como mostra a figura 2.

Número de triângulos 1 2 3 4 5 n

Quantidade de Palitos 3

Figura 2 – Dificuldade de generalização

Dessa forma, houve a percepção de que a cada triângulo são ne-cessários mais dois palitos. Dos alunos que tentaram resolver a questão, 22% não representaram essa situação através de uma expressão algébrica, somente organizaram os dados na tabela, e 19% conseguiram representá-la corretamente em linguagem algébrica, 2n + 1, que generaliza a situação apresentada. Há dificuldade no que se refere à abstração das regularidades implícitas nas seqüências. O fato de não abstrair a regularidade presente impossibilita ao aluno fazer a representação da mesma através da lingua-gem algébrica.

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Repensando as dificuldades dos alunos na aprendizagem de Álgebra 123

A visão do professor sobre a problemática pesquisada

Além de observações em aula e da aplicação da testagem com os alunos, procuramos saber, desde o ponto de vista do professor, sua impres-são sobre a problemática pesquisada, realizando uma pesquisa com quatro professores. Foram incluídos no texto fragmentos da nossa conversa, pois, conforme Flick (2004, p. 229),

[...] as interpretações na pesquisa qualitativa, bem como os resultados dessa pesquisa, tornam-se transparentes e compreensíveis para o leitor somente através do entrelaçamento de citações “ilustrativas”4 extraídas das entrevis-tas ou de protocolos de observação (p. 229).

Para identificar os professores, foram usadas as letras A, B, C e D. A professora C, além da entrevista, propiciou observações em sua sala de aula.

A idéia de trabalhar com a Geometria se destaca na entrevista com a professora A, que parece preocupar-se bastante com o significado dentro do conteúdo de Álgebra. Essa professora mostra o quanto a Matemática é uma aliada, presente nas mais diversas situações, e defende o uso da Geometria. Para ela, um dos fatores, talvez o principal, de os alunos possuírem muitas dificuldades em Álgebra, é escolas trabalharem pouco com Geometria.

Para Castro (2003), “[...] a Geometria, desde os tempos dos gre-gos, desenvolveu aspectos da Álgebra, e hoje, nas atividades escolares, a Geometria está impregnada de Álgebra, não podendo prescindir dela”. O uso da Geometria propiciará um estudo em que se produz significado e es-tas atividades de Geometria podem desenvolver o pensamento algébrico.

A professora B parece não perceber dificuldades na aprendizagem de Álgebra, dando ênfase à explicação e quantidade de exercícios. Essa professora utiliza questões de múltipla escolha, jogos, cruzadinhas para diversificar os exercícios, mas este trabalho se dá sem produção de signifi-cado, é outra maneira de propor exercícios. Diz que não trabalha de forma contextualizada ou com problematização porque não se sente preparada. Quando questionada sobre a contextualização e problematização no ensino da álgebra, a professora diz: Até já vi alguma coisa desse tipo em um livro, mas nunca trabalhei assim. Primeiro eu teria que fazer para ter segurança em trabalhar assim com o meu aluno.

4 Grifo do autor.

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Para ela, o estudo de Álgebra não possui maiores dificuldades, basta que o conteúdo seja bem explicado e que se desenvolva uma quantidade grande de exercícios. Entretanto, para Castro (2003), “A mecanização de procedimentos na educação algébrica gera a sensação de que não existem dificuldades em seu aprendizado, o que determina problemas maiores nos últimos ciclos da escola básica”.

Na fala da professora D aparece uma questão bastante importante, não mencionada pelas outras entrevistadas. Ela aponta o uso de uma lingua-gem clara utilizada pelo professor como um dos fatores fundamentais para construção de conceitos. Concordamos que a utilização de uma linguagem clara e objetiva facilite o recolhimento de conceitos. De acordo com Zuffi (2000), o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM) tem uma preocupação em preparar os professores de Matemática, no que diz respeito ao uso da linguagem de forma mais clara e significativa.

Uma questão unânime nas falas de todas as professoras entrevis-tadas é a falta de pré-requisitos, conceitos que foram estudados em séries anteriores e não foram efetivamente compreendidos pelos alunos. Estas dificuldades de outros contextos acabam interferindo no aprendizado de Álgebra. De acordo com essa idéia, Oliveira (2002) diz que algumas bar-reiras encontradas no estudo de Álgebra acontecem pelo fato de o aluno trazer para o contexto algébrico dificuldades remanescentes do trabalho no contexto aritmético. As professoras entrevistadas enfatizam que, quando estas dificuldades começam a aparecer, é necessário retomar esses concei-tos, esclarecê-los para que se possa ir adiante.

Considerações finais

Muitos são os pontos que devem ser avaliados sobre as dificuldades que temos no ensino de Álgebra nos dias atuais. Os resultados da testa-gem mostram que as dificuldades apresentadas pelos alunos na tradução de situações-problema para a linguagem formal residem na interpretação. Não conseguindo formalizar as informações, o aluno não resolverá o problema. Grande parte da dificuldade de interpretação está relacionada com o fato do aluno ter uma deficiência na linguagem escrita. Talvez falte propiciarmos um espaço para que nossos alunos expliquem as suas formas de raciocínio. Explicitando-as, terão de organizar as idéias para que possam ser enten-didos, desenvolvendo, assim, a linguagem. Malta (2002, p.216) ilumina essa discussão quando afirma que desenvolver a capacidade de expressar o raciocínio “promove o desenvolvimento da capacidade de compreensão

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Repensando as dificuldades dos alunos na aprendizagem de Álgebra 125

matemática. O desenvolvimento da capacidade de expressão está acoplado ao desenvolvimento da capacidade de leitura [...].”

Desta forma, a explicação contribuirá para a construção do conhe-cimento e ainda tornará a aula mais rica com essa troca de idéias. Além da tradução da linguagem corrente para a linguagem algébrica, a resolução de um problema vai exigir que o aluno utilize os conhecimentos que fazem parte dos procedimentos algébricos. O estudo algébrico, que tem início na 6ª série do Ensino Fundamental, e aprofunda-se na 7ª série, constitui uma nova fase na aprendizagem do aluno. É nesse momento que o educando se depara com um cenário totalmente novo e algumas vezes contraditório aos procedimen-tos aritméticos aos quais estava acostumado. De acordo com essa idéia, Lins e Gimenez (1997, p.11) afirmam que “[...] a introdução da álgebra é o grande momento de corte na Educação Matemática escolar, e que a reação usual é deixar para depois, ao invés de antecipar essa introdução”. Além do estudo algébrico ser iniciado já nas séries iniciais, talvez devêssemos explorar as diferenças existentes entre esses dois campos matemáticos no que se refere aos procedimentos, assim como os diferentes significados de uma letra. Des-sa forma podemos clarificar para o aluno essas diferenças, minimizando as dificuldades encontradas.

Na averiguação das dificuldades do ensino de Álgebra na visão dos professores, um fator que aparece em todas as falas é a falta de pré-requisi-tos. Nesta passagem entre Álgebra e Aritmética, quando existe a continui-dade, procedimentos aritméticos que procedem no contexto algébrico, os alunos trazem consigo as dificuldades da Aritmética. E também de acordo com as professoras entrevistadas, quando estas dificuldades aparecem, tor-nando-se barreiras para o sucesso no estudo de outros tópicos matemáticos, é hora de rever essas dificuldades.

Entendemos que o professor precisa ter uma postura crítica e refle-xiva para decidir o tipo de atividade e as intervenções mais adequadas para o estudo de Álgebra, sempre objetivando uma produção de significados, e não simplesmente a reprodução de um modelo. Pois o que não tem sentido acaba no esquecimento. Segundo Alves (2003, p.24),

Dentro de pouco tempo quase tudo aquilo que lhes foi aparentemente en-sinado terá sido esquecido. Não por burrice. Mas por inteligência. O corpo não suporta carregar o peso de um conhecimento morto que ele não conse-gue integrar com a vida.

Essa é uma questão que requer reflexão, estudo individual ou coleti-vo, sendo capaz de mostrar que muitas vezes o uso apenas do livro didático

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pode ser limitador. Não acreditamos em receitas prontas e, sim, que deve-mos estar constantemente avaliando a nossa prática pedagógica.

Referências

ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. Campinas: Papirus, 2003.BOOTH, Lesley R. Dificuldades das crianças que se iniciam em álgebra. In: COX-FORD, Arthur F.; SHULTE, Albert P. As idéias da Álgebra. São Paulo: Atual, 1995.BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática. Secretaria da Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.CASTRO, Mônica Rabelo de. Educação Algébrica e Resolução de problemas. 2003. Disponível em: <http://tvebrasil.com.br/salto/boletins2003/eda/index.htm>. Acesso em: 23 maio 2007.FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman, 2004.GIL, Katia H. Reflexões sobre as dificuldades dos alunos na aprendizagem de Álge-bra. 2008. 117f. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) Faculdade de Física, PUCRS, Porto Alegre, 2008.LINS, Rômulo Campos; GIMENEZ, Joaquim. Perspectivas em aritmética a álge-bra para o século XXI. Campinas: Papirus, 1997.MALTA, Iaci. Sobre um Método não Tradicional para Aprender Cálculo. In: CAR-VALHO, L. M.; GUIMARÃES, L. C. (org.). História e Tecnologia no Ensino de Matemática, vol 1. Rio de Janeiro: IME - UERJ, 2002.MOYSÉS, Lucia. Aplicações de Vygotsky à Educação Matemática. Campinas, SP: Papirus, 2006.OLIVEIRA, Ana Teresa de C. C. Reflexões sobre a aprendizagem da álgebra. Educa-ção Matemática em Revista, São Paulo: SBEM, ano 9, n. 12, p. (35 – 39), jun. 2002.ONUCHIC, l.; ALLEVATO, N. S. Novas reflexões sobre o ensino-aprendizagem de matemática através da resolução de problemas. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA, M. C. (orgs.). Educação Matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p. (213 – 231).SCHWANTES, Vilson. Uma Reflexão sobre o Desenvolvimento do Pensamento Algébrico Discente no Ensino Fundamental. In: SANTIAGO, Anna Rosa Fontella (org.). Educação Nas Ciências: Pesquisas discentes 2003. Ijuí: Editora Ijuí, 2004. p. 497-518ZUFFI, Edna; Pacca, Jesuína. Sobre Funções e a Linguagem Matemática de Pro-fessores do Ensino Médio. ZETETIKÉ – CEPEM – FE/ UNICAMP – v.8, n.13/14, p.7-26, jan./dez. 2000.

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9Criatividade e desafios

nas aulas de MatemáticaFernanda Moser1

Ruth Portanova2

1 Mestre em Educação em Ciências e Matemática (PUCRS). Professora da Prefeitura de Canoas (RS). E-mail: [email protected]

2 Professora do Programa de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. E-mail: [email protected]

IntroduçãoEste capítulo tem como objetivo compartilhar impressões quanto

à importância de promover a criatividade de nossos alunos, derivadas da experiência de realizar uma pesquisa e dos resultados obtidos. Chegamos à conclusão que despertar nos alunos o interesse em aprender é uma das fun-ções da escola, pois alunos motivados e criativos aumentam seu rendimen-to nas aulas. A questão que apresentamos é “o que posso fazer para tornar minhas aulas mais atrativas e tornar meus alunos mais motivados?”.

Um caminho eficaz para motivar os alunos à aprendizagem, aprimo-rar seu raciocínio lógico e desenvolver sua criatividade é o uso de desafios nas aulas, pois percebemos o interesse dos alunos ao participar de desafios matemáticos propostos no Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS. Pensando nisso, incluímos alguns momentos de atividades diferenciadas em nossas aulas, do tipo charadas matemáticas ou questões que poderiam ser resolvidas utilizando a lógica matemática. O motivo para utilizar desa-fios é sacudir o aluno, tirá-lo do posicionamento de quem tudo aceita, para uma atitude mais ativa, interessada em encontrar soluções e descobrir fatos

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novos. Assim, começamos a acrescentar cada vez mais, no decorrer das aulas, atividades com este caráter, favorecendo desenvolvimento do racio-cínio. Posteriormente, acrescentamos etapas nas quais os próprios alunos criaram desafios para seus colegas. Percebemos a importância de oferecer oportunidades para os alunos mostrarem em sala de aula suas habilidades, bem como iniciá-los à pesquisa. Descobrimos que, quando a opinião do aluno é levada em consideração, ele se sente mais valorizado e estimulado a continuar tendo idéias. Do contrário, há a falta de motivação e sentimento de inutilidade. As pessoas criativas assumem riscos, são confiantes e bus-cam liberdade de pensamento.

Neste texto descrevemos a metodologia utilizada, alguns desafios propostos e conclusões obtidas. Apresentamos também alguns dados do IDEB, que mostram a média das escolas em cada nível de ensino e as pro-jeções para o futuro, numa espécie de recorte que destaca a criatividade, os desafios, o educar pela pesquisa, o relacionamento professor-aluno, a prática de sala de aula, bem como alguns desafios criados pelos próprios alunos.

Criatividade

A criatividade é um tema fundamental a ser tratado, visto que uma das principais intenções do educador é preparar profissionais qualificados para o enfrentamento de uma realidade sempre mutante, e essa caracterís-tica mostra-se como uma das mais relevantes, pois se apresenta como um diferencial na disputa profissional.

De acordo com Soares (2005), a criatividade pode ser definida como pensar o novo e agir sobre o novo. Seu processo de desenvolvi-mento começa na infância, mas muitas pessoas não têm a oportunidade de desenvolvê-la. Felizmente, como a criatividade faz parte da natureza hu-mana, se for estimulada, pode ser desenvolvida. Segundo Roberto Menna Barreto (apud SOARES, 2005), “criatividade é uma função psicológica. Tem apenas de ser reativada, reanimada, treinada.” Já para Nachmano-vitch (1993), trabalhar a criatividade não é fazer surgir algo novo, mas sim desbloquear os obstáculos que impedem que ela se desenvolva. Além disso, uma pessoa pode ter fortes aptidões criativas, elevadas inspirações e sentimentos, mas sem criações concretas não há criatividade. Para Ster-nberg (2000), criatividade é um processo cognitivo que leva à produção de algo que seja original e valioso. Não se cria a partir do nada e, sim, a partir de um contexto.

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Antunes (2003, p.11) questiona “se a criatividade pode ser estimu-lada” e “quais as maneiras para incorporá-la ao ensino”. Fato importante a ser considerado é que, quanto mais cedo o indivíduo tem oportunidade de usar a sua criatividade, mais capacidade criativa terá, sendo esta uma capacidade essencial para seu futuro desenvolvimento. A experiência de criatividade que se tem na infância é que será responsável por atitudes e realizações na fase adulta. Infelizmente, a educação nem sempre dá a me-recida atenção para a criatividade. Cabe aqui um questionamento: quantas escolas possuem atividades destinadas a provocá-la e exercitá-la? (Ibid.). Penso ser de extrema valia que a escola propicie momentos e oportuni-dades para os alunos se mostrarem criativos, além de também promover espaço para estimulá-la.

Lowenfeld e Brittain (1977) destacam que, para a criança, é mais importante adquirir liberdade de expressão do que reunir informações, pois ela expressa seus sentimentos e interesses através de suas expressões cria-doras Em um sistema educacional equilibrado, em que o desenvolvimento do ser é levado em consideração, devem ser trabalhados o pensamento, o sentimento e a percepção, a fim de que se possa realçar a capacidade criadora dos alunos. O professor deve incentivar o entusiasmo e o interesse das crianças, bem como apoiar o aluno, para que este desenvolva seu pró-prio modo de expressão. Criatividade só se aprende tentando, praticando. “Provavelmente, o melhor preparo para criar seja o próprio ato de criação.” (LOWENFELD e BRITTAIN, 1977, p.16). Em se tratando da criatividade, a prática constante é essencial para que haja aperfeiçoamento, e essa práti-ca é possível em qualquer disciplina escolar.

Segundo Soares (2005), algumas características prejudicam o pro-cesso criativo, como a baixa auto-estima, a insegurança, o medo de errar e a timidez. As crianças, antes da fase escolar, desenvolvem bem a criati-vidade porque elas não têm nenhum tipo de bloqueio e nem estão presas a paradigmas. Elas não estão preocupadas com a opinião dos outros, nem têm medo de perguntar e de errar. São bastante curiosas, adoram novidades e resolvem problemas se divertindo. Segundo Flemming e Mello (2003), são características das pessoas criativas: pensamento original e inovador, alta motivação e curiosidade, espontaneidade, confiança em si mesmo e flexibilidade de idéias.

Quando uma pessoa estiver frente ao novo, ao inesperado e ao des-conhecido, o que a auxiliará a superar os obstáculos será sua capacidade criativa. Se a criatividade não for trabalhada, as pessoas serão adultos com dificuldades na resolução de problemas, ou seja, profissionais “mornos”.

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“Os mornos não constroem, não tentam, não erram, não produzem. Ser morno é o inverso de ser criativo. As crianças nascem criativas, só que nem sempre as sementes da criatividade encontram o melhor terreno para crescer e florescer.” (SOARES, 2005). Para que haja profissionais com fa-cilidade em enfrentar as dificuldades que ocorrem no dia-a-dia, que sejam ágeis e capazes, deve haver a prática e o desenvolvimento de qualidades es-senciais, entre elas, a criatividade. De acordo com Menezes (2006, p.20),

Os cidadãos que sonhamos formar não devem ter unicamente qualidades técnicas e práticas, mas também ser solidários, responsáveis e criativos, saber se expressar com clareza, interpretar e produzir textos, compreender situações usando conhecimentos humanísticos e científicos, assim como precisam ser capazes de aprender sempre.

A natureza criativa do homem se desenvolve no contexto cultural. Como citam Flemming e Mello (2003, p.9), “a sala de aula é um local adequado para que a criatividade seja estimulada e para que ocorra sem pressão”. Além disso, não adianta só ter idéias, é preciso ter oportunida-des de mostrá-las aos amigos, professores, família, não só para motivar, mas também para que, com a troca de idéias, se conheçam novas opiniões. Nesse sentido, os trabalhos em grupo são válidos, pois o aluno aprende a explicar e a ouvir seus colegas, havendo uma considerável troca de infor-mações, o que colabora para a criatividade.

A educação nos padrões convencionais, através de cópias e exer-cícios de repetição, impede a originalidade e desestimula a capacidade de criação do aluno. O pensamento criador necessita de inovação e explora-ção, pois o aluno é atraído pelo desconhecido. No processo de resolução de problemas o pensar e a criatividade são fundamentais. Normalmente, a pessoa criativa produz mais idéias do que uma pessoa que não estimula sua criatividade. Costuma ser mais flexível que a maioria, tem a capacidade de produzir idéias raras, resolver problemas com facilidade e de maneira dife-renciada. O desenvolvimento do intelecto e a imaginação irão desenvolver-se conjuntamente. “A oportunidade de usar os conceitos matemáticos no seu dia-a-dia favorece o desenvolvimento de uma atitude positiva do aluno em relação à Matemática.” (DANTE, 2000, p.13).

É preciso que ações e estratégias didáticas provoquem oportunida-des para que os alunos possam vivenciar processos criativos. Uma alter-nativa é colocá-los diante de problemas para serem resolvidos. Na Mate-mática, várias estratégias didáticas podem ser usadas em diferentes níveis

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de ensino, entre elas: projetos de estudos, resolução de problemas, jogos didáticos e desafios. Segundo Gardner (1996, p.19), “... criatividade não é o mesmo que inteligência. Embora esses dois traços estejam correlacionados, um indivíduo pode ser muito mais criativo do que inteligente, ou muito mais inteligente do que criativo.” Na prática educativa é possível perceber claramente essa diferença.

O ato criativo ocorre no contato com o outro, com a análise de um determinado objeto ou produto, basta que se tenha um olhar diferente sobre o que já existe. A criatividade não é uma coisa que se pode aprender na teo-ria, mas é uma atitude, se aprende tentando, fazendo, praticando. Predebon (2003, p.32 e p.62) diz: “o raciocínio criativo, se praticado, desenvolve-se; esquecido, atrofia-se”. Afirma também que “motivação é uma grande mola para a criatividade”. Também a comunicação das descobertas e criações precisa ocorrer livremente, para viabilizar a cooperação e a complementa-ridade entre colegas. A didática eficaz para estimular a criatividade deve ser imprevisível, ter poucas regras, ser informal, ter bom humor e interativi-dade. Se a turma tem boa vontade e curiosidade, o professor pode aprovei-tar essa boa vontade, essa disposição favorável, assim a atividade terá um ótimo rendimento. O saber aproveitar baseia-se numa boa comunicação. O professor deve cultivar uma relação de integração de sua experiência com a dos alunos, não apenas uma relação de transmissão de conhecimento.

Antunes (2003) questiona: estamos acostumados a fazer exercícios físicos, mas e os exercícios dos neurônios? “Será que o pensar pelo pensar, o criar pelo criar, não são tão valiosos para a saúde quanto os exercícios físicos? Será que a escola que estimula a criatividade em seus alunos não está dando um passo além”? (Ibid., p.8). Segundo o autor, a criatividade resulta da ação cerebral e, sendo assim, a melhor maneira de estimular a criatividade é cuidando da saúde do cérebro. É importante que o professor reúna a racionalidade à criatividade e ao entusiasmo, pois quando o cérebro é usado integralmente leva à maior clareza de idéias e criatividade. A sala de aula é um ambiente em que a criatividade do aluno pode fluir mais na-turalmente, pois a partir do momento em que os alunos percebem que são capazes de serem criativos, querem sê-lo cada vez mais.

Segundo Flemming e Mello (2003), uma atividade criativa, na edu-cação, envolve dinamicamente professor e alunos. Ouve-se falar que os professores, muitas vezes, têm medo de situações novas, pois podem pro-vocar mudanças na sala de aula. Mas não se pode esquecer que a função do professor é dar condições para que o aluno aprenda, alimentando sua curiosidade. A sala de aula não é um local de transmissão de conteúdos

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e, sim, de construção de conhecimentos. Ensinar é dar oportunidade ao aluno de desvendar um mundo novo. “Num mundo em mudança, deve ser dada importância especial à imaginação e à criatividade.” (KULLOK, 2002, p.19). Na mesma obra, afirma: “O encontro entre o que foi ensinado e a subjetividade de cada um é que torna possível o pensamento renova-do, a criação, a geração de novos conhecimentos.” (KUPFER, 1992, apud KULLOK, 2002, p.67). O professor pode fornecer alternativas para que o aluno realize suas descobertas e criações, e é através de tentativas e realiza-ções que ocorrerá uma aprendizagem significativa.

O processo de ensino, para ser criativo, deve instigar a curiosidade do aluno, chamando sua atenção por meio da utilização de assuntos rela-cionados com sua realidade. Esse contexto mais próximo do aluno favore-ce a compreensão e envolvimento no conteúdo. No mundo profissional, a diferença será pelo talento e idéias diferenciadas. Assim, a educação pela decoreba pode dar lugar à educação que promova a criatividade. Por isto as atividades diferenciadas em sala de aula, entre elas os desafios mate-máticos podem, de alguma forma, motivar e auxiliar na estimulação da criatividade.

DesafiosO uso dos desafios em sala de aula pode motivar os alunos à apren-

dizagem, bem como auxiliar no desenvolvimento da criatividade. Assim, buscamos nesta seção esclarecer o que entendemos por desafios, e o que alguns autores colocam a esse respeito, pois os desafios, como uma ativi-dade diferenciada, auxiliam na motivação dos alunos e na estimulação da criatividade. Assim, os desafios são atividades diferenciadas nas aulas de Matemática, podendo aparecer sob a forma de charadas (qual o próximo número, quadrado mágico, quem é o mais velho, etc.) e também sob a forma de problemas. O nome desafio é utilizado para chamar a atenção do aluno, como o próprio nome diz, para desafiá-lo. Essas atividades são realizadas com o objetivo de motivar os alunos à aprendizagem, bem como incentivar a criatividade e a diversidade de estratégias de solução, podendo haver vários acertadores, sendo valorizada a competição saudável entre os alunos. Não necessariamente precisam envolver o conteúdo que está sendo trabalhado na sala de aula, podendo relacionar-se com assuntos trabalhados anteriormente.

Uma aula é muito mais interessante quando se mostra atualizada, próxima da realidade do aluno, e a disputa saudável entre alunos propor-ciona um clima de envolvimento coletivo, o que valoriza a atividade. A

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competitividade existe no dia-a-dia de cada um, e se pode trazê-la para o ambiente escolar, aumentando a rentabilidade na sala de aula. Em deter-minados momentos, no decorrer das atividades, o professor pode propor algumas situações desafiadoras, com o intuito de motivar e, também, enco-rajar os demais alunos, pois quando alguém é bem-sucedido em uma tarefa a turma inteira fica mais disposta a participar. Os desafios surgem, assim, como tarefas significativas aliadas à busca de um ensino eficaz, podendo motivar os alunos a construir seus conceitos matemáticos. O objetivo é tornar o aluno curioso e capaz de explorar sua criatividade.

Segundo Portanova (2005, p.80),

É consenso entre os educadores matemáticos que a capacidade de pensar, raciocinar e resolver problemas deve constituir um dos principais objeti-vos de estudo da Matemática. Para isso, é importante apresentar ao alu-no situações-problema que o envolvam, o desafiem e o motivem a querer resolvê-las.

O confronto entre os diferentes pontos de vista dos alunos é essen-cial ao desenvolvimento do pensamento lógico. Saber escutar e considerar as opiniões dos outros são aprendizagens essenciais para um bom convívio em sala de aula. A capacidade investigativa passa a se desenvolver quando se tem uma prática voltada ao uso de desafios, permitindo que se desenvol-vam várias inteligências, entre elas, a lógico-matemática. Durante o desafio o aluno desenvolve-se cognitivamente, pois é obrigado a pensar e a estabe-lecer estratégias, desenvolvendo o pensamento lógico e a autonomia.

Segundo Charlot (2006), o trabalho do professor é fazer crescer no aluno o interesse pela escola. “O que faz o aluno aprender é sua própria atividade intelectual, não a do mestre. O trabalho do educador é despertar e promover essa atividade.” (p.16). Para isso, o professor deve ter clareza dos potenciais dos desafios e de que tipo de aluno deseja formar. Deve servir como orientador, buscando situações que sejam significativas para o aluno, uma vez que este construirá seu conhecimento a partir de seus interesses e das motivações proporcionadas.

Para Cassol (1999), uma maneira de fazer com que o aluno tenha uma maior dedicação para a aprendizagem é a provocação através de de-safios. “É esta provocação que pode colocar em atividade as potencialida-des de aprendizagem.” (p.18). Um desafio deve levar o aluno a formular perguntas e, com isso, querer procurar as respostas. O autor também cita que as pessoas que aceitam o desafio necessitam contar aos colegas, pais

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e professores suas descobertas. Falar sobre o desafio e propor soluções é um benefício ao processo de ensino-aprendizagem, pois deixa de ser um ato individual para ser compartilhado com outras pessoas. Esse diferencial enriquece o processo e, assim, há uma maior qualidade na aprendizagem, além de desenvolver potencialidades, como a capacidade de trabalhar em equipe. A utilização dos desafios em sala de aula, juntamente com o edu-car pela pesquisa, têm se mostrado ações eficazes para ensinar e aprender Matemática misturada com diversão, mantendo o aluno interessado e pro-piciando novas idéias e pensamentos criativos.

Educar pela pesquisa

Para que realmente o aluno fosse sujeito de sua aprendizagem, em nossa pesquisa eles foram encorajados a criarem seus próprios desafios, e isso foi feito por meio do educar pela pesquisa. Segundo Moraes e Lima (2004), as atividades de sala de aula devem oferecer condições mais efe-tivas para o desenvolvimento da autonomia dos alunos, transformando-os em sujeitos ativos. O professor, na condição de orientador, desempenha um papel importante, pois a aprendizagem precisa da motivação humana e conseqüente avaliação do trabalho realizado. Ao praticar o hábito do ques-tionamento e da inovação na teoria e na prática, o aluno desenvolve seu intelecto, e a ação do professor em sala de aula pode despertar e ampliar as habilidades dos alunos, construindo competências. É importante envolver os alunos em atividades de pesquisa, nas quais o aluno seja responsável por sua aprendizagem. Na educação pela pesquisa, que parece estar presente quando os alunos são solicitados a construírem seus desafios, muitos pro-curam trazer assuntos interessantes e motivadores para apresentarem aos colegas. Dessa forma estivemos desenvolvendo a criatividade e autonomia dos alunos, o que trouxe bons resultados para a sala de aula.

Assim, educar pela pesquisa tem como objetivo incentivar o ques-tionamento, que leva à produção de um conhecimento inovador. Mas não basta questionar, é preciso reconstruir, unindo teoria e prática, sendo crítico em relação à realidade, envolvendo o saber formular e o tornar-se autor. Dessa maneira, partindo do que já se conhece, há um processo de recons-trução do conhecimento (MORAES e LIMA, 2004).

A construção dos conhecimentos se dá por meio de uma prática participativa e comprometida, na qual se aprende através de tentativas e criações. Após estudos sobre motivação, criatividade e a importância de atividades diferenciadas em sala de aula, ficou claro serem os desafios ma-

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temáticos uma alternativa eficaz para serem trabalhados com os alunos, tanto no contexto escolar como em tarefas extraclasse. A experiência mos-tra, também, que é fundamental o bom relacionamento entre professores e alunos, pois só assim eles podem tornar-se parceiros de trabalho.

Relacionamento professor-aluno

É essencial que haja um bom relacionamento entre os sujeitos para que a aprendizagem seja realmente significativa. Segundo Vasconcellos (1999), na sala de aula há um processo de interação entre os sujeitos (professor-aluno, aluno-professor, aluno-aluno), os objetos de conheci-mento (temas, assuntos) e o contexto em que estão inseridos (sala de aula, escola, comunidade). Para que o professor possa desenvolver um bom trabalho é indispensável conhecer a matéria que ensina, mas também é necessário dar bons exemplos de atitudes e valores humanos. O tipo de relação que é estabelecida com os alunos pode gerar confiança e aumento de atenção, que são úteis para a aprendizagem. As crianças só aprendem aquilo que lhes dá prazer, assim, o desenvolvimento da criatividade de-pende também dos educadores, pois eles podem auxiliar a estimular o potencial do aluno.

Na escola, o professor é o principal responsável por motivar o aluno a buscar, a pesquisar e a construir conhecimentos, tornando a aprendiza-gem diferenciada e dinâmica. Em uma sala de aula, existem pessoas com necessidades diversas e de diferentes níveis de conhecimento e, então, o professor precisa estar ciente de que uma influência em uma determinada direção pode mudar a perspectiva do aluno.

Uma das metodologias que pode contribuir para um bom relaciona-mento professor-aluno é a aprendizagem pela pesquisa, processo produtivo em que os alunos demonstram os resultados de suas pesquisas tanto para o professor como para os colegas, e a crítica que resulta dessa interação ajuda a qualificar os trabalhos. É normal uma insegurança inicial, mas tanto o aluno quanto o professor vão construindo a autonomia na medida em que superam esse sentimento. Ocorre uma aproximação entre professor e aluno (MORAES e LIMA, 2004).

Rogers (1985) afirma que os alunos aprendem mais, são mais criati-vos e capazes de solucionar problemas quando o professor é um facilitador da aprendizagem.

Com base nestas premissas realizamos experiências em sala de aula, das quais trazemos os seguintes resultados.

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A prática em sala de aula

O trabalho foi realizado em uma Escola Municipal de Ensino Fun-damental em Canoas/RS, com alunos das mais variadas classes e acesso à cultura e tecnologia. Em 2006 foram envolvidos 62 alunos da 8ª série e, em 2007, 78 alunos da 6ª série e 27 da 5ª série. A intenção foi responder algumas perguntas como: “Será que com desafios as aulas se tornam mais interes-santes?”; “É possível auxiliar no desenvolvimento da criatividade do aluno trabalhando com desafios?” Para isso, foram utilizados questionários com os alunos e observações e anotações no diário de classe. Essas observações foram realizadas durante as aulas, enquanto resolviam os desafios, quando criavam seus desafios e suas manifestações durante e após a atividade.

Utilizamos questionário porque este representa um instrumento efi-ciente para a coleta de dados, tendo como vantagem a rápida captação da informação que se deseja. Este foi aplicado no início do ano letivo, após os alunos terem trabalhado com desafios algumas vezes, emitindo suas opiniões a respeito. O questionário utilizado foi o de múltipla escolha, e o aluno deveria marcar a alternativa que se aproximasse mais da sua opinião. A seguir, como instrumento de avaliação do trimestre, foi solicitado que os alunos, usando de sua criatividade, preparassem desafios envolvendo qualquer conteúdo matemático, em duplas ou individualmente.

Segundo Dante (2000), “É interessante fornecer respostas para que os alunos inventem problemas correspondentes” (p.61) e, também, “As crianças podem inventar seus próprios problemas. Isso as motivará a ler, compreender e resolver problemas.” (p.62). Ainda sobre a resolução de problemas, o autor cita: “Outro modo, ainda, é dar um tema aos alunos. Eles criam problemas baseados nesse tema, ilustram com desenhos e os resolvem.” (p.64). Em 2007 sugerimos que, para a realização da tarefa de criação de desafios, os alunos utilizassem assuntos de suas preferências, como esporte, música, e até mesmo recortes de jornais e revistas. Para este autor (Ibid.), “a motivação é um dos fatores mais importantes para o en-volvimento do aluno com o problema. Essa motivação é interior e natural quando os dados e as perguntas do problema fazem parte do dia-a-dia do aluno (esportes, televisão, música popular, etc.).” (p.46).

Após a correção dos trabalhos, cada grupo de alunos recebeu um retorno visando mostrar-lhes o que havia ficado bom, o que poderiam me-lhorar, e outros comentários pertinentes, pois a avaliação torna-se signifi-cativa quando, com as orientações do professor, serve para uma reflexão, tornando-se uma etapa da aprendizagem. No término da atividade, após os

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desafios, foi realizado um outro questionário, também de múltipla escolha, no qual os alunos colocaram suas opiniões a respeito da tarefa e de seus sentimentos em relação a ela. Alguns desafios criados pelos alunos foram utilizados em outras turmas, durante as aulas ou em provas, e também no blog criado para a disciplina.

De acordo com Portanova (2006), experiências de sala de aula mos-tram que um aluno que tem sua auto-estima elevada convive melhor com os colegas e a família, colaborando para diminuir a agressividade. O bom convívio social começa com o equilíbrio das pessoas. Esse equilíbrio de-pende muito do tratamento e valorização da criança pelas pessoas que com elas convivem. O desejo de ser prestigiado pela família e pelos amigos, de ser apreciado ou recompensado é uma das mais eficazes motivações.

Dar oportunidade aos próprios alunos de prepararem desafios para os colegas faz com que eles tenham um papel ativo na aprendizagem. É uma oportunidade de mostrarem suas diversas competências. Para que o aluno aprenda, é preciso pesquisa, elaboração própria. Segundo Rogers (1985), muitas vezes não é necessário ensinar as crianças, mas sim fornecer recursos que possam chamar sua atenção para determinado assunto.

A análise dos questionários e os resultados obtidos na elaboração dos desafios nos estimularam a utilizar esse material em outras turmas e, posteriormente, também no blog.

É interessante e importante discutir com os alunos as idéias apresen-tadas, pois assim tornam-se parceiros no trabalho. Segundo Veiga (1992), os diferentes caminhos utilizados para o ensino objetivam motivar e orientar o aluno para a assimilação do saber. O processo metodológico é traçado a partir da integração do educador e do educando. É por meio das respostas dos alu-nos que obtemos a confirmação da eficácia da metodologia utilizada. Além disso, a metodologia utilizada contribui para que o professor compreenda melhor e até valorize mais o uso dos desafios no trabalho de sala de aula.

Alguns desafios criados pelos alunos

Para destacar o envolvimento dos alunos no processo de criação de desafios, destacamos alguns exemplos:

1 - Paulo é dono de uma papelaria e quer distribuir 75 cartões de Natal entre seus três funcionários: Taís, Júlio e Luís. Se Paulo der a Júlio e a Luís o dobro de cartões que a Taís, quantos car-tões cada um irá receber? (Alunos da 6ª série)

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2 - Observe a seqüência e complete os espaços:

0 – 2 – 4 – 7 – 21 – 25 – 100 - _____ - _____ - _____ - _____ (Alunos da 6ª série)

3 - Marcos tirou 84 no primeiro bimestre, no segundo tirou 79 e no terceiro tirou 62 pontos (em uma determinada disciplina). Quanto ele deve tirar no quarto bimestre para ficar com 74 na média final? (Alunos da 6ª série)

4 - Paulo quer sair para a balada mas antes precisa resolver o enigma, completando com os números que faltam. (Alunos da 6ª série)

256 625

9 36

2 7

5 - No município de Cambé foram registrados 32 casos de dengue, mas lá só tem dois médicos para atender os pacientes e cada um deles só pode atender duas pessoas por dia. Quanto tempo irá demorar para os médicos atenderem os 32 pacientes?

(Aluno da 5ª série)

A pesquisa em sala de aula e o trabalho com os desafios podem, de alguma forma, contribuir para um melhor resultado da avaliação dos alunos em testes que são realizados nas redes escolares.

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB

Com o intuito de verificar como está a média da escola onde traba-

lhamos, buscamos no INEP um índice que pudesse representar essa média, mostrando qual a situação da escola em relação à média nacional, estadual e municipal. Assim, escolhemos o IDEB, que é um indicador de qualidade educacional que combina informações de desempenho em exames padro-nizados (Prova Brasil ou SAEB) – obtido pelos estudantes ao final das

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etapas de ensino (4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio) – com informações sobre rendimento escolar (BRASIL, 2007).

Analisando os dados fornecidos pelo IDEB, tem-se uma média brasileira muito baixa nas séries finais do ensino fundamental (3,5), e na dependência municipal a média é ainda menor (3,1). No Rio Grande do Sul a média continua baixa também na cidade de Canoas (3,6), porém na E.M.E.F. Arthur Pereira de Vargas essa média sobe um pouco (4,0). No IDEB as notas são de 0 a 10 (BRASIL, 2007). Não associamos diretamente a média obtida pela nossa escola com o trabalho realizado, mas algumas comparações podem ser realizadas. Apresentamos a seguir alguns dados obtidos, assim como a previsão para 2021 (BRASIL, 2007):

2005 2007 2009 2021

Brasil 3,5 5,5

RS 3,5 3,5 3,7 5,5

Canoas 3,6 3,7 3,8 5,6

APV 4,0 4,0 4,2 5,9

Não tivemos intenção de fazer comparações com outras instituições, nem mesmo com anos anteriores, apenas destacamos que a escola na qual trabalhamos possui, nas séries finais, média superior ao país, ao estado e ao seu município. Se a pretensão de todos é que essas médias sejam superio-res, como a projeção dada pelo IDEB, é cada vez mais necessário qualificar a educação, preparando os alunos com aulas diversificadas, motivando-os a aprender cada vez mais e tornando-os ativos e responsáveis por sua apren-dizagem. Os desafios são atividades eficazes para alcançar esse objetivo.

Considerações finais

Depois do trabalho realizado, voltamos a nos perguntar: “o que podemos fazer para tornar nossas aulas mais atrativas e os alunos mais motivados?” Gostaríamos de ter uma única resposta, mas as leituras que realizamos e as vivências de sala de aula ajudaram-nos a entender melhor alguns aspectos relacionados com a motivação e a criatividade.

Quanto à criatividade, observamos que esta não é sinônimo de in-teligência e, aquele aluno que apresenta dificuldade em um determinado conteúdo pode mostrar uma habilidade escondida, que aparece com a cria-

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ção de um desafio. Aprende-se a vê-lo com outro olhar e a estimulá-lo a ser cada vez mais criativo, pois a criatividade pode ser útil na vida profissional. A pessoa criativa tem capacidade de encontrar alternativas para atingir um determinado objetivo. Quanto mais criativa a pessoa for, maiores serão as chances de escolhas acertadas, pois são curiosas, persistentes e hábeis. O medo de errar, a preguiça e a falta de atualização são fatores que impedem o desenvolvimento da criatividade.

Cada professor deve “descobrir” o que motiva seus alunos, qual a melhor tarefa a realizar com o grupo que tem, procurando caminhos que atinjam um número significativo de alunos, que despertem a curiosidade e o prazer dos alunos em aprender.

Com este trabalho, confirmamos que as aulas de Matemática po-dem, sim, abrir espaço para a criatividade dos alunos. Além disso, quando as atividades realizadas estão em um contexto, quando fazem parte da rea-lidade dos alunos, a atividade tem mais sentido, sendo mais bem aprovei-tada e realizada. Alcançamos nosso objetivo e confirmamos que o uso de desafios em sala de aula auxilia para que o aluno aprenda os conteúdos de uma forma prazerosa.

Para finalizar, aprendemos que o reconhecimento do trabalho do aluno traz um retorno enorme. Assim, citamos as palavras de Paulo Freire (2000, p.47): “Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contri-buição à do educando por si mesmo.” 3

Referências

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3 O trabalho completo encontra-se na dissertação de Mestrado intitulada O uso de desafios: motivação e criatividade nas aulas de Matemática (MOSER, 2008).

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qualidade de ensino em GenéticaLuis Fernando dos Santos Silveira1

Regina Maria Rabello Borges2

Sayonara Salvador Cabral da Costa3

1 Luis Fernando dos Santos Silveira é Mestre em Educação em Ciências e Matemática. E-mail: [email protected]

2 Regina Maria Rabello Borges é doutora em Educação e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. E-mail: [email protected]

3 Sayonara Salvador Cabral da Costa é Doutora em Ensino de Física e coordenadora da Licenciatura em Física da Faculdade de Física da PUCRS. E-mail: [email protected]

Introdução

Uma pesquisa aos bancos de dados do Instituto Nacional de Pes-quisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2006), referente ao censo da Educação Básica de 2005, permite-nos identificar as características, o de-sempenho dos alunos e as condições de oferta da educação brasileira nesta última década. É importante ressaltar que a base de dados do INEP mostra que, apesar de ter aumentado a oferta da educação, no Brasil, em todos os níveis, infelizmente o incremento das oportunidades educacionais não contemplou a qualidade do ensino.

Nos dados do INEP é possível identificar a insuficiência de recursos humanos e materiais na rede pública e privada de educação. Há carência de laboratórios de ciências, bibliotecas, laboratórios de informática e docentes habilitados para lecionarem as disciplinas científicas. No Ensino Médio, 21% dos docentes não possuem habilitação específica para as disciplinas

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em que atuam, apenas 54,9% das escolas públicas possuem bibliotecas e 25,9% têm laboratórios de informática.

Os índices de evasão escolar, reprovação e desempenho dos alunos são indicadores importantes que refletem a necessidade de não apenas uni-versalizar a educação, mas oferecer ensino de qualidade.

As disciplinas de Ciências são importantes constituintes do Ensino Médio, mas não existem dados específicos sobre o desempenho dos estu-dantes em Biologia, Física e Química, ainda que elas sejam disciplinas que contribuem também para os baixos índices de rendimento dos alunos. Entre estas disciplinas, a Biologia insere-se com importância crescente na Educa-ção Básica, pois, como ciência, assumiu inegável papel no terceiro milênio, na ecologia, no desenvolvimento sustentável, na medicina e na qualidade de vida em geral. Sua compreensão de forma crítica, para o aluno, é tão fundamental quanto aprender os conteúdos de Matemática e Língua Portu-guesa, numa sociedade tão permeável aos recursos tecnológicos.

Uma das principais dificuldades dos alunos nas aulas de Biologia está relacionada à compreensão dos conceitos de genética. A genética está inserida no contexto tecnológico, com vários avanços científicos na área de biologia molecular. Entretanto, os livros didáticos utilizados pela maioria dos professores não esclarecem a rede de conceitos na área de genética. Com freqüência, o aluno é solicitado a repetir o que leu nos livros ou o discurso do professor. Isso não significa entender os conceitos (ROCHA et al., 2005).

Um conceito mal interpretado pode ser fator decisivo para o insu-cesso do aluno em tarefas que lhe são solicitadas, como, por exemplo, a resolução de problemas (COSTA, 1997; 2005). É papel do professor iden-tificar deficiências na formalização de conceitos, a partir das concepções prévias dos estudantes, proporcionando-lhes condições de aprendizagem condizentes com essas constatações.

Vergnaud (1993, 1996) aposta na proposta de situações-problema elaboradas pelos professores que contemplem a formalização concreta do conhecimento; essa proposta, inicialmente trabalhada na área da Educação Matemática, também se mostra atraente para o caso do ensino e apren-dizagem em genética. Nesse sentido, justifica-se a busca por atividades alternativas para reforço da prática pedagógica, direcionada para uma aprendizagem significativa, na visão de Ausubel (AUSUBEL et al., 1980; MOREIRA, 2006).

Segue a descrição de uma revisão bibliográfica sobre as dificuldades enfrentadas no ensino e aprendizagem de genética, seguida pela apresenta-

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Propondo situações como estratégia para resgatar a qualidade de ensino em Genética 145

ção da teoria dos campos conceituais de Vergnaud, e finalmente, pelo re-sultado de uma pesquisa de situações interativas para o ensino de genética, realizada quase que exclusivamente na Internet.

O ensino de genética

O ensino de genética, segundo Leite (2002), é desenvolvido através de abordagens fragmentadas, a-históricas e lineares. Os estudantes, apesar de mostrarem interesse por temas ligados à genética humana, apresentam pouca compreensão sobre os mesmos. Isto é justificado pelo uso abusivo de livros didáticos que enfatizam a terminologia específica, conceitos e defi-nições, fragmentando conteúdos, sem relacioná-los, quase sem referência à história do desenvolvimento do conhecimento científico nessa área.

Com relação aos exercícios de genética propostos, Ayuso (1996) alerta que os livros didáticos, na sua maioria, apresentam problemas com soluções fechadas (únicas), com conteúdos ligados a situações que fogem do cotidiano do estudante.

Bugallo (1995), em didática da genética, também o indica como obstáculo o uso de uma terminologia superficial e ambígua encontrada nos livros didáticos. Há falta de esclarecimento e relações específicas sobre os conceitos de gene, alelo, zigoto e gameta, entre outros, que, além de proporcionar uma fragmentação no aprendizado, geram concepções alter-nativas sobre o tema.

As dificuldades dos alunos com a linguagem da genética são, em particular, recorrentemente referidas e atribuídas ao fato de ser a genética uma área caracterizada por um vasto e complexo vocabulário, onde os alunos mos-tram muitas vezes dificuldades em compreender e diferenciar os conceitos envolvidos, como é o caso dos associados a termos como alelo, gene ou homólogo. (CID e NETO, 2005, p. 2).

Quanto às atividades de resolução dos problemas de genética, re-feridas na revisão de literatura promovida por Bugallo (1995), apesar dos alunos resolverem os problemas com êxito, não são capazes de desenvolver a relação do algoritmo de resolução com o contexto genético. Este proble-ma pode ser atribuído à não-compreensão significativa dos conceitos de genética.

No que diz respeito às pesquisas sobre o ensino de genética realiza-das nas décadas de 80 e 90, Leite (2002) cita, como temas preferenciais, in-

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vestigações sobre concepções alternativas e resolução de problemas, sendo mais recentes as voltadas para a aprendizagem significativa. Um número significativo de pesquisas mostra que nem mesmo os conceitos básicos da genética, como a relação gene/cromossomo e a finalidade dos processos de mitose e meiose, são compreendidos pelos estudantes no final dos anos de escolaridade obrigatória (SCHED e FERRARI, 2006 p. 17).

Alguns dos problemas encontrados por Sched e Ferrari (2006) referem-se à vinculação da idéia de ciência como verdade inquestionável. Esta concepção de ciência desestimula o interesse dos estudantes e inibe a participação dos mesmos na construção do conhecimento, além de impor uma racionalidade técnica ao conteúdo, fazendo dos professores os deten-tores de verdades definitivas que deverão ser transmitidas aos alunos (op. cit., p. 17).

A abordagem de Leite (2002) para o ensino de genética leva-nos a refletir sobre a importância de uma educação problematizadora, que incite o desenvolvimento do pensamento crítico sobre os avanços da ciência. Para os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 1999), não é mais possível ensinar Biologia numa perspectiva acumulativa, a-histórica e dissociável da tecnologia, como a apresenta a maioria dos livros de textos didáticos. É preciso que o aluno adquira compreensão crítica do avanço da ciência e esteja capacitado a participar como agente da história.

Há grande destaque nos PCNs (1999) para o ensino dos avanços da genética, referindo que o aprendizado deve abordar temas como: i) des-crição do material genético em sua estrutura e composição; ii) explicação do processo da síntese protéica; iii) relação entre o conjunto protéico e a estrutura de dupla hélice. Segundo os PCNs (1999), não é possível tratar, no Ensino Médio, de todo o conhecimento biológico ou de todo o conhe-cimento tecnológico a ele associado. O mais importante é tratar esses co-nhecimentos de forma contextualizada, revelando como e porque foram produzidos, e em que época as idéias vingaram.

A análise realizada por Xavier et al. (2006, p. 287), quanto a con-teúdos de Biologia moderna e genética nos livros didáticos de Biologia, indica que esses precisam de reformulação, atualização, ampliação de conteúdos, lançamento de textos mais contextualizados e reestruturação de capítulos, a fim de promover novas formas de inserir os temas mo-dernos. Sugere que os temas atuais da Biologia possam ser inseridos e abordados de forma adequada para consolidar o aprendizado. É o caso de incluir temas como células-tronco, Projeto Genoma, teste de paternidade por DNA, entre outros.

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Propondo situações como estratégia para resgatar a qualidade de ensino em Genética 147

Não é possível ignorar a importância de uma base conceitual para o ensino de Genética, mas, ao mesmo tempo, não podemos oferecer para o aluno processos de ensino e de aprendizagem que privilegiem a construção de um arcabouço de conhecimentos fora da sua realidade, fragmentado, com conteúdos apenas importantes para exames escolares e restritos aos muros internos à escola.

Cid e Neto (2005, p. 4) sugerem ações para orientar o ensino de genética:

• Diagnóstico das idéias prévias dos alunos e discussões em prol da utilização de esquemas para a resolução de problemas que explici-tem os mecanismos de resolução e a sua relação com conceitos.

• Apresentação dos princípios e dos conceitos da genética de forma a serem óbvias as relações entre os conceitos, nomeadamente entre as estruturas básicas – célula, núcleo, cromossomo, gene, DNA.

• Explicitação da relação entre os processos – mitose – meiose e fecundação – os ciclos da vida e continuidade da informação ge-nética.

• Abordagem dos conceitos, do simples ao complexo: à medida que os alunos vão dominando os conteúdos, a sua formulação deve tornar-se mais complexa, apresentando problema divergentes, pro-porcionando a formulação de hipóteses alternativas.

• Iniciação dos problemas com situações simples e de interesse para os alunos, promovendo coleta de dados.

• Proposta diferenciada de “problemas”: desde os exercícios, para usar algoritmos, mas também problemas autênticos, que impli-quem, entre outras tarefas, analisar dados, emitir hipóteses expli-cativas ou interpretar resultados.

• Clarificação da passagem do macronível para o micronível, de tal forma que os alunos sejam capazes de ver os conceitos como parte de um todo.

A teoria dos campos conceituais (VERNAUGD, 1993), que será apresentada a seguir, vem ao encontro das orientações de Cid e Neto (2005) para o ensino de genética. Configura-se como uma alternativa para supe-rar a fragmentação entre o estudo dos conceitos científicos e os conceitos cotidianos. Esta teoria pode ser vista, nas próprias palavras de seu autor, como uma teoria de conceitualização da realidade. O ser humano enfrenta as situações de vida sob a perspectiva de suas representações, ou seja, com

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conhecimentos e conceitualizações presentes no seu contexto. (GROSSI, 2001, p. 15).

Ao construir processos de ensino e de aprendizagem a partir de nú-cleos de situações, conforme propõe Vergnaud, buscamos atribuir signifi-cados aos conteúdos, de acordo com Ausubel (et al., 1980): aprender não é se informar, aprender é construir conceitos e, para construí-los, é essencial saber selecionar informações . Nesse sentido são aprendidos, junto à apren-dizagem dos conceitos, procedimentos e valores socioculturais.

A Teoria dos Campos Conceituais de Gérard Vergnaud no Ensino de Genética

Segundo Moreira (2006), a teoria dos campos conceituais de Gérard Vergnaud é uma teoria cognitivista, propiciando uma estrutura coerente e alguns princípios básicos ao estudo do desenvolvimento e das competên-cias complexas, sobretudo as que dependem da ciência e da técnica. Busca fornecer uma estrutura à aprendizagem, mas não é, em si, uma teoria didá-tica. Apesar de ser mais conhecida como referencial teórico em pesquisas em Matemática, como já foi citado, não é uma teoria específica dessa área (MOREIRA, 2006, p.1). Atualmente, a teoria dos campos conceituais tem produzido resultados esclarecedores para o processo de aquisição da arit-mética e da álgebra elementar, da geometria, da física elementar, da Bio-logia, assim como de diferentes domínios tecnológicos (FRANCHI, 1999, p.160).

A teoria de Vergnaud reorienta e amplia o foco piagetiano em duas direções complementares. A primeira afirma que o enfoque mais frutífero para o desenvolvimento cognitivo é obtido utilizando-se um sistema que usa por referência o próprio conteúdo do conhecimento, uma análise con-ceitual do domínio desse conhecimento. A segunda desloca o interesse das pesquisas do estudo das estruturas gerais de pensamento para o estudo do funcionamento cognitivo do sujeito-em-situação, considerando, por exem-plo, as variáveis da situação, as informações que o sujeito possui, as ope-rações necessárias para a resolução da situação-problema, a especificidade dessas variáveis e dessas operações, tendo em vista o conteúdo envolvido (FRANCHI, 1999; MOREIRA, 2006; VERGNAUD, 1996).

A principal finalidade dessa teoria é propor uma estrutura que per-mita compreender as filiações e rupturas entre conhecimentos, em crianças e em adolescentes, entendendo-se por conhecimentos tanto as habilidades quanto as formações expressas. Assim, o conhecimento deve ser desmem-

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brado não em áreas focalizadas, mas ao contrário, em áreas amplas, corres-pondendo cada uma a um espaço de situações-problemas cujo tratamento implica conceitos e procedimentos interligados (ASTOLFI, 2001).

O campo conceitual é definido por Vergnaud (1993) como um con-junto informal e heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações mentais interligados durante o processo de aquisição. Seu domínio não é imediato. Ao contrário, novos problemas devem ser estudados ao longo de vários anos se quisermos que os alunos progressivamente os dominem. As dificuldades conceituais podem ser su-peradas na medida em que são encontradas e enfrentadas, mas isso não ocorre de uma só vez. (FRANCHI, 1999).

Os processos cognitivos são entendidos por Vergnaud como aqueles que organizam a conduta, a representação e a percepção, assim como o desenvolvimento de competências. As competências são definidas como ações julgadas adequadas para tratar uma determinada situação.

Então, o que se entende por conceito na teoria dos campos con-ceituais? Vergnaud os define como um tripleto de três conjuntos (VERG-NAUD, 1993, p.8), representado por C = (S, I, R), onde S é um conjunto de situações que dão sentido ao conceito. Tais situações formam o referente do conceito; I é um conjunto de invariantes (objetos, propriedades e rela-ções) que podem ser reconhecidos pelos sujeitos para analisar e dominar as situações do primeiro conjunto. Constitui o significado do conceito; R é um conjunto de representações simbólicas (linguagem natural, gráficos, diagramas, sentenças formais, entre outros) que servem para representar de forma explícita o significado do conceito. Estas representações são o significante do conceito.

Outros conceitos-chave na teoria dos campos conceituais são os conceitos de situação, esquema e invariante operatório.

Nesta teoria, situação não é uma situação didática, mas sim uma tarefa, sendo que toda situação complexa pode ser entendida como uma combinação de tarefas para as quais é importante conhecer suas naturezas e dificuldades próprias (VERGNAUD, 1993, p. 9).

Como já foi citado, as situações é que dão sentido ao conceito (BA-RAIS e VERGNAUD, 1990, p. 78): um conceito torna-se significativo por meio de uma variedade de situações, mas o sentido não está nas situações em si, nem nas palavras, nem nos símbolos; o sentido é uma relação do sujeito com a situação e com os significantes (VERGNAUD, 1993). São os esquemas, ou seja, os comportamentos e sua organização, evocados no sujeito por uma situação ou por um significante (representação simbólica),

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que constituem o sentido dessa situação ou desse significante para o indi-víduo (op. cit., p.18).

Vergnaud chama de esquema a organização do comportamento para uma determinada classe de situações (VERGNAUD, 1996). Em sua teoria, ainda que tenha sido influenciado pelos esquemas de Piaget, os es-quemas, necessariamente, se referem a situações. Desta forma a interação sujeito-objeto de Piaget seria substituída pela interação esquema-situação (op. cit., 1996).

Dependendo da classe de situações, o conceito de esquema é diferen-ciado: para aquelas em que o sujeito dispõe das competências necessárias para o tratamento imediato da situação, há condutas automatizadas e organizadas por um só esquema; nas situações em que o sujeito não dispõe delas, o que o leva a um tempo de reflexão e hesitações, que podem resultar em sucesso ou fracasso, ocorre a sucessiva utilização de vários esquemas que devem ser acomodados, descombinados e recombinados (MOREIRA, 2002).

Do ponto de vista teórico, são os esquemas que proporcionam o indispensável vínculo entre a conduta e a representação: a relação entre situações e esquemas é a fonte primária da representação e, portanto, da conceitualização. Por outro lado, são os invariantes operatórios que fazem a articulação essencial entre teoria e prática, pois a percepção, a busca e a seleção de informação baseiam-se inteiramente no sistema de conceitos-em-ação e teoremas-em-ação subjacentes a sua conduta (VERGNAUD, 1996).

O que se desenvolve entre os indivíduos, não só entre as crianças, mas entre os adultos, para Vergnaud (1996), são as formas de organização da atividade e essa forma engloba variados registros. Por exemplo, o gesto en-tre os bebês. O desenvolvimento do gesto nos desportistas e nos dançarinos é muito importante, assim como para cada um de nós em várias atividades, incluindo aí atividades matemáticas. Também é ressaltada por Vergnaud (1996) a forma de interação com o outro, tanto no aspecto racional como no afetivo e nas formas de organização lingüística. O problema do ensino seria, segundo Vergnaud (1996), levar o indivíduo a desenvolver suas competên-cias e contextualizar os conteúdos com situações significativas.

Subsídios para o Ensino de Genética

Com o intuito de promover atividades para constituir as situações na ótica de Vergnaud e colaborar para uma aprendizagem significativa, foi desenvolvida uma pesquisa de recursos interativos em sites idôneos de uni-versidades (UFRJ, UNESP, UFV, entre outras) e em periódicos da área de

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Biologia, especialmente de genética. O objetivo foi combater os obstáculos citados na revisão da literatura e, principalmente, libertar-se de livros didáti-cos que não ajudavam a conceitualização adequada, conforme já foi citado.

A busca de recursos foi realizada no Google a partir das palavras-chave: genética, ensino, interatividade. Foi encontrado um expressivo nú-mero de páginas eletrônicas destinadas a estes termos.

Dentre os sites encontrados, muitos não eram confiáveis. Foram es-colhidos aqueles atrelados a universidades e ensino formal. Mas este sim-ples exercício mostra que há vasta informação e exploração da genética, que encontra importância na construção de uma alfabetização científica, que permite o indivíduo orientar-se no contexto da sociedade da informação. As palavras utilizadas para a pesquisa e os respectivos resultados foram: trans-gênico 1.220.000, Clonagem 839.000, DNA 229.000, Genoma 3.340.000, Eugenia, 13.600.000, bioética, 3.150.000 e teste de paternidade 218.000.

Entre os recursos compilados para este fim podemos citar alguns envolvendo jogos, dramatização, vídeos, atividades de “mão na massa”, entre outros recursos. As atividades envolvem a construção de jogos pe-los alunos a partir de recursos simples como: cola, cartolina, canudinhos, sucatas entre outros. É possível trabalhar vários conteúdos de Genética, entre eles, a estrutura da molécula de DNA, conceitos de gene, alelo, lócus gênico, entre outros. As atividades encontradas são idéias para o professor construir situações em genética que possam integrar os alunos na efetiva construção do conhecimento.

Destacamos, na nossa busca, a revista Genética na Escola, da So-ciedade Brasileira de Genética; nos seus dois primeiros volumes, lançados em 2006 e no primeiro volume de 2007, são encontradas atividades prá-ticas, que, com poucos recursos, podem contribuir de forma significativa para qualificação do ensino.

No departamento de genética do Instituto de Genética da UFRJ também encontramos alternativas didáticas de ensino e aprendizagem so-bre vários tópicos estudados no Ensino Médio. Para Justiniano (2006, p. 51), por meio de atividades lúdicas pedagógicas, é possível desenvolver o senso de organização, o espírito crítico e competitivo, o respeito mútuo e a aprendizagem de conteúdos com maior facilidade. A utilização de jogos como ferramenta pedagógica é uma forte alternativa para auxiliar a aborda-gem em sala de aula de diversos assuntos, às vezes abstratos, e não deve ser descartada como uma opção motivadora para o ensino de genética.

Para organizar o material encontrado, apresentamos, a seguir, uma lista contendo algumas das estratégias para o ensino de genética. Salienta-

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mos que foi frutífera a busca de alternativas para facilitar a compreensão do conhecimento genético, no entanto, não encontramos significativamente números de artigos avaliando o uso dessas alternativas em sala de aula. A lista apresenta jogos, filmes e outras propostas didáticas para o ensino de Genética. Fizemos uma breve descrição das propostas, citamos o autor e o endereço eletrônico para o acesso. O critério para a inclusão das propostas foi a factibilidade e a idoneidade da fonte de cada atividade proposta.

Genética revisando e fixando conceitos (Jogo da memória) - (JUS-TINIANO et al., 2006) - www.sbg.org.br

Jogo da memória. Podem participar cinco alunos, quatro jogam e o quinto, que será o avaliador, fica com um cartão com as perguntas e respostas. A turma e o avaliador discutem sobre os acertos e erros ocorridos durante o jogo. Vence quem no final apresentar o maior nú-mero de pares com perguntas e conceitos correspondentes corretos.

Bingo dos tipos sangüíneos (MASUDA et al., 2005) - www.ufrj.br Jogo sobre as proporções esperadas e observadas em cruzamentos genéticos, usando o sistema ABO, mostrando que na determinação dos fenótipos sangüíneos humanos do sistema ABO atuam, pelo menos, três alelos diferentes, mas em cada indivíduo existirão ape-nas dois. Os alunos devem organizar um bingo onde sortearão os possíveis genótipos sangüíneos utilizando bolas de isopor coloridas e saquinhos de TNT.

Maneira lúdica de se entender a deriva alélica (SOUZA, 2006) - www.sbg.org.br

Proposta para mostrar como ocorre a freqüência dos alelos de um mesmo gene durante as gerações, evidenciando que a evolução é aleatória e acontece por acaso. Cada participante do jogo é repre-sentado por um alelo, entre cinco variantes de um mesmo gene, con-tando com a sorte para chegar até a décima geração, que significa o fim do jogo.

Cada lócus por si mesmo: por onde andam estes genes (ROCHA et al.., 2005) - www.ufrj.br

Atividade didática para trabalhar conceitos relacionados à estrutura e dinâmica celular dos cromossomos durante o ciclo celular - lócus gênico, cromossomos homólogos, heterozigose, variação posicional

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do centrômero (cromossomo metacêntrico, submetacêntrico, acro-cêntrico). Permite relacionar os alelos de um gene e as letras dos cruzamentos em Genética. Utiliza-se palitos de churrasco e canudi-nhos coloridos. Pedaços de canudinhos são introduzidos nos palitos, representando os alelos.

O baralho como ferramenta no ensino de genética (SALIM et al., 2007) - www.sbg.org.br

Atividade usando um baralho de cartas convencionais para repre-sentar as fases do ciclo celular. Proporciona o entendimento dos conteúdos de meiose e mitose.

Estrutura do DNA em origami – possibilidades didáticas (SEPEL et al., 2007) - www.sbg.org.br; www.dnai.org; http://www.odnavaiaescola.com

Modelo didático - construção de um origami que, por manipulação tridimensional, facilita a aprendizagem das estruturas da molécula do DNA. Permite compreender o antiparalelismo das fitas do DNA, a existência dos sulcos e as possibilidades de mudanças relaciona-das à torção da molécula.

Extração de DNA de bife de fígado - Dolan DNA Learning Center - http://www.odnavaiaescola.com

Atividade para extrair DNA a partir de um pedaço de bife de fígado.

Estrutura de uma molécula de DNA (LIMA et al.., 2005) - www.ufrj.br Construção de um modelo tridimensional do DNA com sucata. Pro-porciona compreender a estrutura tridimensional do DNA, os nucle-otídeos e seus componentes, açúcar, fosfato e base nitrogenada.

Dramatização como complemento didático para o estudo de cro-mossomo e cromatina (MELLO et al., 2006) - www.sbg.org.br

Proposta de apresentação teatral voltada à compreensão e fixação de conhecimentos sobre os componentes da cromatina, seus níveis crescentes de organização e sua funcionalidade.

O DNA desde o começo - Dolan DNA Learning Center - http://www.odna-vaiaescola.com

Recurso multimídia sobre as bases do DNA, da genética e da heredi-tariedade. A história do desenvolvimento desta ciência é explicada através

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de conceitos, animações, problemas, galeria de fotos, cartas, documentos, biografias e bibliografias.

GBOL (Genética Básica On Line) - Universidade Federal de Viçosa - http://www.ufv.br

Programa de genética on-line dirigido a alunos de graduação de áre-as que envolvam o conhecimento genético. Pode ser utilizado no Ensino Médio e fundamental, como ferramenta de atualização. Está disponível livremente para download.

Projeto Genoma Humano - Dolan DNA Learning Center - http://www.od-navaiaescola.com

Dois vídeos de divulgação sobre o projeto genoma humano. O pri-meiro traz animações sobre a molécula do DNA e o processo de síntese protéica. O segundo faz considerações éticas sobre o projeto genoma e a informação genética.

Repórter Eco - Projeto Genográfico - TVE – Brasil - www.tvebrasil.com.br

Vídeo sobre o projeto que visou desvendar as migrações da huma-nidade por exames de DNA. O projeto genográfico estudou o DNA mitocondrial de povos nativos dos cinco continentes e construiu mapas interativos das migrações. O Vídeo é uma oportunidade para discutir com os alunos conceitos como o de raça e questões éticas.

Evoluindo Genética: um jogo educativo (PAVAN et al., 1998) - www.edi-tora.unicamp.br

Jogo de tabuleiro com perguntas e respostas. O objetivo é cami-nhar pelas bases nitrogenadas de um RNA, com pinos e dados, respondendo corretamente as perguntas. O jogo é destinado para estudantes do ensino fundamental, médio e superior. Não pode ser caracterizado como uma atividade final, mas como estímulo para pesquisar e aprender.

Ajudando a fixar os conceitos de genética (Dominó) - (RAMALHO, 2006) - www.sbg.org.br

Jogo semelhante a um dominó, mas, ao invés de possuir números, suas peças são compostas por perguntas e respostas de genética. Os

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participantes do jogo deverão procurar as peças que correspondem à pergunta ou a resposta.

Ajudando a fixar os conceitos de genética (Baralho) - (RAMALHO, 2006) - www.sbg.org.br

Jogo que envolve a construção de um baralho de perguntas e outro de respostas de genética. O baralho de respostas deve ser dividido entre os participantes. Uma pessoa que não esteja participando do jogo fica com as cartas de perguntas, essa pessoa deve ler a pergunta em voz alta para que o participante que tiver a resposta forme o par. O responsável pelo baralho de perguntas tem um “tira dúvidas” para conferir se a resposta está certa. Quem acertar mais respostas vence o jogo.

Considerações Finais

O ensino de Biologia é extremamente conceitual e são vastos os conflitos entre os conceitos biológicos, os esquemas mentais construídos pelos alunos e as explicações elaboradas pelo senso comum sobre os fe-nômenos biológicos. As situações são fundamentais para os processos de ensino e aprendizagem, pois são elas que vão dar sentido aos conceitos. Quanto maior o número de situações que o professor proporcionar ao alu-no, mais significativo será determinado conceito.

O conceito de esquema e o domínio gradual de um campo concei-tual remetem às teorias de Vergnaud, Piaget e Vygotsky. Para Vygotsky (1994), o desenvolvimento intelectual resulta da relação com o mundo, que se compõe do processo de interações e fornece condições para a atividade do pensamento. Dentre as atividades que ocorrem no espaço escolar, as mais favoráveis para as aprendizagens significativas são as interações. O domínio de um campo conceitual está relacionado com o amadurecimento de funções mentais, ou seja, da zona proximal de desenvolvimento (ZDP). O conceito de esquema referenciado na teoria de Vergnaud é originário dos estudos de Piaget.

O ensino da genética necessita que o aluno tenha formalizado uma rede de conceitos que envolvem a biologia molecular, a bioquímica, cálcu-los elementares de probabilidade, e uma série de exceções relacionadas à produção e aplicabilidade do conhecimento biológico. Para resolver e en-tender de forma significativa um simples problema de genética relacionado à primeira lei de Mendel é necessário que o aluno tenha formalizado os

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conceitos de dominância, recessividade, F1, F2, freqüência, alelo, fração, hibridismo, cálculos de percentuais simples, meiose, haplóidia, diplóidia, meiose, fenótipo, genótipo, entre tantos outros. Os enunciados dos proble-mas de genética são construídos pressupondo que o aluno tenha formali-zado esses conceitos ou, pelo menos, parte deles, mas, muitas vezes, na resolução de um problema de genética, faltam alguns desses conceitos, o que pode tornar insolúvel determinado problema ou levar a uma resolução mecânica, por aproximação.

A resolução mecânica de um problema de genética obstrui a aplica-bilidade do conhecimento no contexto cotidiano e torna sem efeito a apren-dizagem. A contextualização através de situações, defendida por Vergnaud, auxilia a construção significativa dos conceitos, o que poderia possibilitar a sua aplicabilidade. As estratégias interativas têm a função de ajudar a construir conceitos de genética a partir da contextualização dos conteúdos, contribuindo para uma aprendizagem significativa.

Referências

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Luis Fernando dos Santos Silveira • Regina Maria Rabello Borges • Sayonara Salvador Cabral da Costa158

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11A transposição da Física Moderna e Contemporânea para o Ensino Médio: superando obstáculos

epistemológicos e didático-pedagógicos1

Maurício Pietrocola2

1 Este capítulo se apóia no artigo de Brockington e Pietrocola, 2005 e Pietrocola, 2005.2 Maurício Pietrocola é graduado em Física, mestre em Ensino de Ciências, doutor em Epistemologie Et

Histoire Des Sciences; é professor associado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, membro correspondente da equipe RESHEIS/CNRS-Univ. Paris VII e vice-chair da International Com-mission on Physics Education (IUPAP). Seu e-mail é [email protected].

Introdução

A Ciência exerce uma influência cada vez maior no cotidiano das pessoas. Vivemos inseridos em uma sociedade tecnológica, fruto de uma industrialização que no século XX fez crescer em quantidade e variedade as práticas, os produtos e os objetos não-naturais. Por conta da expansão da tecnologia em nossas vidas, é comum o uso do termo tecno-natureza para definir o ambiente modificado pela tecnologia. As modernas e contempo-râneas teorias científicas estão na base de muitas das tecnologias que mo-dificaram nossos hábitos e modos de produção. Novos campos de conheci-mento foram criados, como a bioengenharia e a cibernética, traçando rumos inesperados nas pesquisas científicas de outrora e gerando cenários que até pouco tempo figuravam apenas em filmes de ficção científica. Os artefatos tecnológicos que surgiram em decorrência desse desenvolvimento científico mudaram comportamentos, ditaram regras e também criaram expectativas e dúvidas a respeito do papel da ciência na sociedade em que vivemos.

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A invasão da tecnologia no cotidiano atual gerou uma demanda de entendimento de objetos, noções e conceitos muito diferentes daqueles que podem ser aprendidos informalmente. A Física do Estado Sólido, a Mecânica Quântica, a Óptica não-linear, entre outras áreas do conhecimento, aliadas ao engenho e criatividade dos engenheiros/cientistas aplicados permitiram o de-senvolvimento de polímeros condutores de eletricidade, de cristais líquidos para produção de imagem, dos sistemas de transmissão por fibras ópticas, etc. Com eles, nosso vocabulário foi invadido por nomes como discos óp-ticos, organismos geneticamente modificados, memória virtual, cujos signi-ficados precisam de contextos teóricos específicos para serem construídos. Se, por um lado, sentimo-nos cada vez mais seduzidos pelas maravilhas da Ciência e da Tecnologia, por outro lado somos cada vez mais dependentes da tecnocracia que dita padrões e regras de comportamento. Poucos são os indivíduos que conseguem ultrapassar a impressão imediata de admiração e ter um posicionamento crítico em relação às inovações tecno-científicas.

Um cidadão pouco alfabetizado cientificamente dificilmente acessa um grau de compreensão que lhe permita oferecer resistência ao apelo cres-cente da mídia por novos produtos tecnológicos. Mesmo vivendo no século XXI, muitos de nós se portam diante da realidade cotidiana como nativos do neolítico diante de utensílios metálicos. Sem acesso ao conhecimento especializado não há como fazer uma leitura crítica do mundo tecnologi-zado. Assim, o conhecimento científico permanece à margem da sociedade, mesmo que dele derivem procedimentos e produtos amplamente presentes no cotidiano. A ciência, seus resultados e dinâmica interna de funciona-mento permanecem desconhecidos da maior parte da população.

Os argumentos acima definem um contexto prático de influência dos conhecimentos técnico-científicos modernos e contemporâneos no mundo atual. Mas não é apenas como uma ferramenta técnica que esses conhecimentos geraram mudanças no mundo atual. A ciência e a tecnolo-gia modernas modificaram também nossa concepção metafísica de mundo. Hoje temos certeza que a Terra não é o único planeta a orbitar uma estrela no Cosmos. Temos certeza também que o átomo não é a menor partícula do Universo. Massa e energia são faces de uma mesma moeda. O tempo não transcorre da mesma maneira para todos os observadores e, no mundo microscópico, identidade é algo que não se reduz às formas conhecidas do mundo macroscópico. Esse novo contexto cultural define uma concepção de mundo tributária de conceitos forjados no interior de teorias científicas modernas e contemporâneas.

Para Zanetic (1989, p. 22),

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[...] o desenvolvimento da Física (ciências) é parte integrante da história social; é um produto da vida social, estando assim condicionada põe uma imensa gama de fatores e interesses, que são cambiantes dependendo da época em que determinadas teorias e concepções sobre o mundo foram de-senvolvidas.

Ou seja, existe uma mútua referência entre a ciência e a sociedade, de forma que o mundo em que vivemos é em parte definido pelos conheci-mentos científicos mais avançados, e vice-versa. Isso pode ser percebido de forma marcante pelas informações disponibilizadas na mídia, seja ela es-crita, televisionada ou disponível na Internet. Revistas como Ciência Hoje, emissoras como Canal Futura e sites diversos veiculam matérias destina-das ao público não-especializado, informando sobre avanços, descobertas, impasses e potencialidades da tecnociência atual.

Hoje já é possível detectar concepções espontâneas sobre conceitos da ciência moderna e contemporânea (PAULO, 1997). A produção dessas concepções alternativas provém da interação das pessoas com o mundo modificado pela ciência. Este fato serve de indicativo sobre o grau de pe-netração da ciência e da tecnologia modernas no cotidiano, gerando, no entanto, uma compreensão conceitual nem sempre útil e poucas vezes cor-reta.

Nesse contexto de modificações produzidas pelas ciências, a Física tem papel de destaque. Neste último século, a quantidade de inovações e rupturas teóricas tem alcançado um número muito grande se comparado ao de outros períodos de sua história. A Física é considerada “a represen-tante da Ciência” (EMTER 1994) por excelência; e a Física Moderna, por sua vez, representa não somente a mais bem-sucedida descrição Física da natureza até hoje elaborada pela Ciência, como também é a base filosófica para muitas reflexões sobre o Conhecimento em geral. O espectro do co-nhecimento físico, tanto no sentido do Microcosmo quanto no sentido do Macrocosmo, foi ampliado em decorrência de rupturas com conceitos e significados clássicos. Teorias como a Relatividade Geral e Restrita e a Me-cânica Quântica têm servido de suporte para a produção de conhecimentos em um novo panorama científico.

A Física escolar, enquanto parte do projeto formativo da Educação Básica, deve, portanto, ser pensada como um elemento importante para a compreensão e ação no mundo atual. O entendimento do mundo da Física Moderna e Contemporânea (FMC) é fundamental neste contexto, seja em relação à dimensão prática, seja em relação à dimensão cultural do mundo

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de hoje. Em relação a isso, pode se encontrar nos “PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais”, apoio a esta afirmação:

A presença do conhecimento de Física na escola média ganhou um novo sentido a partir das diretrizes apresentadas nos PCNEM. Trata-se de cons-truir uma visão da Física voltada para a formação de um cidadão contem-porâneo, atuante e solidário, com instrumentos para compreender, intervir e participar na realidade. (BRASIL, 2002, p.1)

A educação científica deve proporcionar o desenvolvimento tec-nológico de nossa sociedade, mas deve também encontrar aplicações na formação geral do cidadão, garantindo uma cidadania plena e, conseqüen-temente, o estabelecimento de uma sociedade democrática e o desenvolvi-mento e a autonomia econômica de uma nação. Hoje é fácil perceber que os alunos participam desse cotidiano modificado pela ciência e tecnologia, seja usufruindo das comodidades tecnológicas, seja se deparando com no-mes e figuras da ciência veiculadas pelas mídias. A ficção científica, por exemplo, estimula a imaginação do adolescente – e não só do adolescente – instigando a busca pelo novo, pelo virtual ou pelo extraordinário (PIASSI e PIETROCOLA, 2005 e 2007).

A necessidade de formar o cidadão para ter domínio sobre os artefactos científico-tecnológicos do cotidiano, sejam eles materiais ou culturais, concretos ou virtuais, implica garantir acesso aos conteúdos presentes nas modernas teorias físicas, desenvolvidas ao longo do sécu-lo XX. No entanto, a escola não tem conseguido lidar adequadamente com o conhecimento dessas teorias. A Física no Ensino Médio tem sido traduzida por conhecimentos relacionados às teorias dos séculos XVII, XVIII e XIX. A partir dos índices de livros didáticos ou dos programas dos cursos de Física depreende-se uma estrutura que segue, de maneira aproximada, as etapas de seu desenvolvimento histórico: inicia-se pelo estudo da cinemática (final do século XVII), avançando pela Dinâmica, Hidrostática, Termologia (séculos XVIII), e atingindo a Termodinâmica e o Eletromagnetismo (séculos XIX) nas etapas finais. Esta organização curricular reflete uma estrutura conceitual linear e hierárquica, pois con-sidera o mais “antigo” como preliminar. Admite, implicitamente, que é necessário ao aluno percorrer a trajetória histórica de construção do conhecimento enquanto área de pesquisa científica. Dentro dessa concep-ção, só é possível ensinar campo eletromagnético (conteúdo de terceiro

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ano do Ensino Médio) àquele que foi capaz de aprender as leis de Newton (conteúdo do primeiro ano).

Esta forma de conceber o currículo tem impedido que o ensino avance para além das fronteiras das ditas teorias clássicas (produzidas até meados do século XIX), pois o curto período de três anos do Ensino Médio é insuficiente para abarcar a longa trajetória histórica da Física enquanto área de conhecimento. A imagem da ciência construída pelos estudantes do Ensino Médio não se coaduna com as atividades produzidas nos centros de pesquisa. Ao se restringir aos conhecimentos clássicos, a Física escolar dificulta o pleno exercício da cidadania.

Dessa maneira, como suprir as necessidades atuais do cidadão com o atual currículo escolar de Física? Em outras palavras, como garantir uma formação escolar adequada para o mundo atual se conhecimentos da Física Moderna não são contemplados no contexto escolar?

Física Moderna e Contemporânea no Ensino Médio

A necessidade de uma atualização curricular no sentido de englo-bar conhecimentos de Física Moderna e Contemporânea (FMC) no Ensino Médio já vem sendo sentida no meio acadêmico há quase duas décadas (OSTERMANN e MOREIRA, 2000). Desde meados da década de 1980, a necessidade de uma atualização curricular que passe a englobar conheci-mentos de Física Moderna e Contemporânea (FMC) vem sendo amplamen-te discutida (GIL et al., 1987; BAROJAS, 1988). A necessidade de inserção desses temas nos programas escolares parece consolidada e, pelo que indi-cam as pesquisas em Ensino de Física, parece também haver um consenso quanto à importância de uma mudança curricular (GIL e SOLBES, 1993; FISCHLER e LICHTFELDT, 1991 e 1992; CUPPARI et alii, 1997).

As pesquisas que tratam da inserção da FMC no Ensino Médio cres-ceram nos últimos anos e levantaram inúmeras razões que justificam sua in-trodução. Estas justificativas se estendem desde o reconhecimento da Física como uma construção humana (ZANETIC, 1989), passando pelo interesse de atrair jovens para a carreira científica (STANNARD, 1990; WILSON, 1992), até a contribuição para uma mudança em nossa “visão de mundo” (FREIRE Jr. et al, 1995). Deve-se também deixar clara a insatisfação manifesta de pro-fessores e alunos que perdem o entusiasmo ao não poder participar do entendi-mento das pesquisas atuais em Física (BAROJAS, 1988). “Neste sentido é im-portante que o currículo busque incorporar os desenvolvimentos da Física que

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ocorreram neste século, trazendo a Física do segundo grau para mais próximo da Física que os físicos fazem atualmente”. (BORGES et al., 1997, p.215).

Algumas pesquisas procuraram avaliar estratégias de ensino de conteúdos Modernos e Contemporâneos na Educação Básica e produziram resultados preliminares. Ostermann et al. (1999) descrevem o processo de introdução e análise de um tópico contemporâneo de Física – partículas elementares e interações fundamentais - em uma escola de Porto Alegre. Nesse trabalho, descreve-se o período de aplicação na escola e os resulta-dos obtidos, para finalmente concluir pela necessidade de se modificar a formação do professor.

Costa e Santos (1999) chegam a resultados semelhantes, dedicando-se à formação continuada de professores no Estado do Rio de Janeiro. Eles apontam para a necessidade de superar a falta de preparo dos docentes atuantes no Ensino Médio e a escassez de material relacionados aos tópicos de FMC. Tais autores sugerem a exploração de artefatos do cotidiano para que, a posteriori, pudessem ser desenvolvidos temas como laser, hologra-fia, caos e fractais, relatividade e radiação.

Cavalcante (1999) utiliza a mídia para apresentar o tema Raios Cós-micos através de um tratamento histórico da evolução das idéias e dos ex-perimentos na Física. Pinto e Zanetic (1999) fazem um levantamento, um estudo e a elaboração de materiais didáticos associados à inserção da Física Quântica no Ensino Médio. Este autor aponta certas dificuldades presentes no ensino deste conteúdo, como o formalismo matemático, sugerindo que isso poderia ser “contornado” pela utilização da História da Ciência por meio de um estudo mais qualitativo e menos formal.

Apesar da existência de muitas atividades de ensino aplicando a FMC no Ensino Médio, algumas delas em contextos de pesquisa, os resul-tados produzidos até o momento não permitem a formulação de um modelo de ensino eficiente na transposição desses conteúdos.

A ausência de critérios para produzir um conhecimento escolar em tópicos de Física Moderna e Contemporânea pode ser apontada como uma das principais responsáveis pela limitação dos currículos de Física a conteúdos clássicos. E dessa forma, se concretizou a profecia lançada por Zanetic de se “... ensinar a Física do século XX antes que ele acabe” (apud Terrazzan, 1994). O Século XX terminou e os estudantes de Física de todo o mundo continuam a conviver com um ensino de Física que raramente ultrapassa o século XIX.

A idéia central deste capítulo é, de um lado, analisar as dificulda-des de ensinar FMC no Ensino Médio a partir da perspectiva do sistema

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didático3. De outro lado, pretendemos apresentar algumas experiências de pesquisas recentes, que parecem trazer soluções a esse problema. Para tanto, iremos a seguir apresentar, sinteticamente4, a perspectiva da Trans-posição Didática, que serve de referencial teórico a este trabalho.

A Transposição Didática

A idéia de Transposição Didática foi formulada originalmente pelo sociólogo Michel Verret, em 1975. Porém, o matemático Yves Chevallard retoma essa idéia e a insere num contexto mais específico, tornando-a uma teoria didática e com ela analisando questões importantes no domí-nio da Didática da Matemática. Num trabalho de 1982 (CHEVALLARD e JOSHUA, 1982) Chevallard analisou como o conceito de “distância” nasce no campo da pesquisa em Matemática pura e reaparece modificado nos programas e livros de Matemática da Educação Básica. Ele define a noção de Transposição Didática como um instrumento eficiente para analisar o processo por meio do qual um saber produzido pelos cientistas (o Saber Sábio) se transforma naquele que está contido nos programas e livros didáticos (o Saber a Ensinar) e, em seguida, naquele que real-mente aparece nas salas de aula (o Saber Ensinado). O esquema a seguir busca representar o processo de transposição didática, os patamares dos saberes e a zona de influência (noosfera).

Produção de saberes na Transposição Didática

NoosferaSaber Sábio: Textos Científicos

Saber a Ensinar: Manuais, Livros Didáticos e Programas

Saber Ensinado: Aula

Saber Aprendido:

3 O sistema didático é entendido no contexto da Teoria da Transposição Didática como o espaço simbólico de relações didáticas, envolvendo Professor, alunos e saber.

4 A abordagem aqui apresentada sobre a Transposição Didática poderá ser complementada com as seguintes referências: Alves-Filho (2000), Brockington, 2005, Brockington e Pietrocola, 2005, Siqueira, 2006.

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Chevallard analisa as modificações que o saber produzido pelo “sá-bio” (o cientista) sofre até ser transformado em um objeto de ensino. Se-gundo essa teoria, um conceito ao ser “transposto” de um contexto a outro, passa por profundas modificações. A noosfera traduz a zona de influência dessas modificações, sendo entendida como o campo de ação do conjunto de atores participantes do processo de Transposição Didática. Ao ser trans-posto didaticamente, todo conteúdo retém características de seu contexto epistemológico original de pesquisa, porém adquire outras, próprias do ambiente escolar no qual será alojado. Esse processo de transposição trans-forma o saber, conferindo-lhe um novo estatuto epistemológico.

De maneira geral, a Transposição Didática considera que os conheci-mentos (saberes) presentes no ensino não são meras simplificações de obje-tos oriundos do contexto de pesquisas com o objetivo de permitir sua apre-ensão pelos jovens. Trata-se, pois, de “novos” conhecimentos tributários de dois domínios epistemológicos diferentes: a ciência e o ambiente escolar.

Em cada época, é necessário que a Física escolar esteja referenciada no conhecimento produzido pelos físicos e visto por eles como o reflexo de consensos internos ao coletivo de pesquisadores. Ou seja, o Saber Escolar é visto como a própria imagem e semelhança do Saber Sábio de onde ele se origina. Idéias, conceitos, teorias são, então, o ponto de partida para os programas escolares e materiais didáticos. No entanto, deve-se proceder a uma “adaptação” do Saber Escolar ao sistema didático. O desejo de manter intacta a “ecologia conceitual”5 dos saberes transpostos se traduz na con-fortável ilusão de que esse processo se resume a uma mera simplificação de ordem conceitual e formal. No entanto, nos processos de Transposição Didática, tanto o Saber a Ensinar, quanto o Saber Ensinado tornam-se mui-to diferentes de suas fontes de referência Sábia, como mostrou Chevallard para o caso do conceito de distância6 em Matemática. Se, por um lado, há simplificação e mesmo perda de algumas características, por outro lado, há complexificações e adições que tornam os Saberes Escolares diferentes, e não apenas mais simples que os Saberes de Referência.

Esta visão ingênua do processo de produção de Saberes escolares é equivocada, revelando menosprezo pelos condicionantes do sistema didáti-co e de seu entorno. Além de inevitável, é desejável que a transposição gere um saber escolar adaptado ao sistema de ensino. As motivações e objetivos

5 Ver Toulmin, 19726 É importante não confundir o conceito de distância, em Matemática, com o de distância comumente

utilizado em cinemática. Em Matemática, tal conceito, definido no início do século XX, traduz grau de diferença entre duas funções.

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de ensinar e aprender Física são extremamente diferentes daqueles presen-tes no contexto profissional do cientista. A mudança de ecologia conceitual implica numa inevitável transformação do conhecimento. Por isso, o Saber Ensinado e o Saber Sábio, embora relacionados, são diferentes.

A existência de atividades/objetos de estudo exclusivamente presen-tes no contexto de ensino, sem equivalentes na área de pesquisa, tais como “as transformações de escalas termométricas”, “os movimentos uniforme-mente variados” e “o estudo dos circuitos elétricos série e paralelo” serve como forma de atestar que não se trata de meras simplificações conceituais, mas da criação de saberes destinados ao ambiente escolar. As simplificações existem localmente no processo de Transposição Didática. Ou seja, muitas vezes é uma opção didático-pedagógica limitar a profundidade conceitual e o formalismo empregados em algumas situações de aprendizagem. Um dos motivos que justificam essa simplificação é decorrente, por exemplo, das habilidades cognitivas dos alunos. Assim, simplificações “existem” como reflexos particulares de criações recheadas de intenções didáticas.

Mas é no gerenciamento do tempo disponível para o ensino que a seleção e a adaptação se mostram mais claramente. Elas são as únicas saídas quando se deve fazer caber três ou quatro séculos de Física em duas ou três aulas semanais ao longo de três anos. Nesse sentido, Chevallard avança as noções de tempo real, tempo lógico, tempo didático e tempo de aprendizagem. No caso dos saberes da Física, tempo real está relacionado ao tempo histórico no qual determinado saber se desenvolveu. No caso do conceito moderno de elétron, o tempo real seria algo em torno de 30 anos, entre as primeiras manifestações sobre a quantização da carga elétrica no contexto do eletromagnetismo do terceiro quarto do século XIX, até as medidas de relação carga/massa com Thomson, no final do século XX, e finalmente a determinação da carga elementar com Millikan, no anos 1910. O tempo lógico relaciona-se à maneira de encadear a apresentação desse conhecimento para fins de ensino. Ao se organizar uma seqüência didática de atividades de ensino-aprendizagem, define-se um tempo específico para tratar esse conceito. Por exemplo, um autor de livro didático considerará certo número de aulas para o tratamento das propriedades da carga elétrica nos capítulos iniciais da Eletrostática. Isso pode variar muito de autor para autor, mas é comum encontrarmos cerca de cinco aulas destinadas ao con-ceito de carga elétrica e sua localização na matéria, com a apresentação de elétrons e prótons. Já o tempo didático vincula-se àquilo que de fato poderá ser feito na sala de aula. Um professor ao adequar o ensino do elétron em sua programação anual poderá utilizar mais do que as cinco aulas pro-

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postas pelo livro didático, ou, ao contrário, menos do que isso (a maioria dos casos). Finalmente, o tempo de aprendizagem variará muito de aluno para aluno. Alguns aprendem durante as próprias aulas, e nesse caso tempo didático e tempo de aprendizagem serão iguais. Outros poderão aprender algumas semanas depois, ao relacionar o conceito de carga com aqueles de força e campo. Para alguns, talvez a aprendizagem nunca ocorrerá, sendo então o tempo de aprendizagem infinito!

A produção de Saberes Escolares envolve riscos e dilemas que são próprios do processo de Transposição Didática. O principal dilema se origina quando da tentativa de satisfazer as exigências dos contextos epistemológicos da ciência e da sala de aula. Pela perspectiva científica, parece claro que o Saber Escolar deveria se manter próximo dos Saberes Científicos, ou seja, fiel aos processos reais da pesquisa. No entanto, pela perspectiva educacional, os saberes escolares precisam perseguir objetivos contidos no projeto formativo em curso. Isso pode implicar no abandono do contexto científico original, mais ligado ao cotidiano sociocultural ou mesmo tecnológico. Como atender a essas duas exigências que se excluem mutuamente? Dessa forma, o dilema se constitui a partir da certeza que não há como contemplar integralmente ambas as exigências. A Transposição Didática será sempre um compromisso entre esses dois pólos, envolvendo uma negociação entre as exigências provenientes do contexto científico e do contexto de escolar. Essa negociação é determinada geográfica e his-toricamente, podendo ser revista e modificada a todo o momento, face às necessidades que se originam em um dos contextos, ou em ambos.

A negociação dos dilemas envolve, inevitavelmente, riscos. Uma tentativa de contemplar exaustivamente os conteúdos científicos pode gerar seqüências didáticas impossíveis de serem gerenciadas em sala de aula (tempo lógico muito maior do que o tempo didático). O mesmo pode acontecer com o grau de profundidade no tratamento dos conceitos a serem ensinados. Será acessível a discussão sobre ordens de simetria no estudo das partículas elementares, para um adolescente? Da mesma forma, uma valorização excessiva do papel social do conhecimento pode tornar a Fí-sica, aos olhos dos alunos, uma área de pesquisa a reboque das necessida-des da sociedade. Ou ainda, a busca por um ensino interdisciplinar pode mascarar as especificidades da Física, enquanto área de conhecimento com um contexto epistemológico próprio. Em casos como estes, os Saberes a Ensinar estão descaracterizados em relação ao Saber Sábio, de referência.

Analisar a evolução do saber que se encontra na sala de aula por meio da Transposição Didática possibilita uma fundamentação teórica para uma

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prática pedagógica mais reflexiva e crítica. Para Chevallard, isso equivale à necessidade constante do professor exercer uma vigilância epistemológica em sua ação educativa. A Transposição Didática é, para o professor,

[...]uma ferramenta que permite recapacitar, tomar distância, interrogar as evidências, pôr em questão as idéias simples, desprender-se da familiarida-de enganosa de seu objeto de estudo. Em uma palavra, é o que lhe permite exercer sua vigilância epistemológica. (CHEVALLARD, 1991, p.16)

A vigilância epistemológica, mencionada na citação de Chevallard, nos remete às discussões que visam justificar, na formação dos professores, conhecimentos de outras áreas correlacionadas, no caso da Física, a Histó-ria e a Epistemologia das Ciências.

Sobrevivência dos saberes

É importante afirmar que nem todos os saberes do domínio do Saber Sábio serão parte do cotidiano escolar. A seleção e adequação de saberes é imprescindível no processo de Transposição Didática. Devem ser levados em conta os múltiplos fatores que influenciam as escolhas e as adaptações. Fatores que vão desde interesses políticos e comerciais, passando pelos anseios de uma sociedade que acredita na escola, até os interesses pedagó-gicos inerentes ao magistério e à docência.

O principal objetivo da noosfera é otimizar a negociação dos dile-mas e riscos do processo de Transposição Didática, buscando uma forma eficiente de conduzir o processo de ensino e aprendizagem. Sendo assim, a Transposição Didática também fornece indícios relevantes de um saber escolar, isso é daqueles presentes nos programas oficiais, livros didáticos e salas de aula. Ou seja, a partir da Transposição Didática podem-se inferir as características que tornam um saber “ensinável”.

Chevallard avança em algumas dessas características. A primeira delas consiste em afirmar que um Saber a Ensinar deve envolver conteúdo tido como consensual. Ao se ensinar Física, cientistas, professores, pais e alunos não devem ter dúvida sobre o “valor” daquilo que é ensinado. As-sim, este conteúdo deve ter um status de “verdade” contemporânea, ou ao menos histórica. Isso indica o porquê de temas mais antigos e tradicionais serem preferidos àqueles ditos de fronteira. No Ensino de Física, isso pode ser relacionado ao fato de temas como as teorias de cordas ou de “matéria escura” terem pouca (ou nenhuma) presença nos programas de livros didá-

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ticos, em detrimento de outros, como a cinemática, estática e conteúdos de mecânica clássica em geral.

Além disso, um Saber Sábio para ser transposto deve estar de acor-do com dois “tipos” de Atualidade:

i) Atualidade Moral: Esse saber deve estar adequado à sociedade. A atualidade moral diz respeito a um tipo de conhecimento que possa ser avaliado como importante pela sociedade e necessário à composição curricular. Caso ocorra uma inadequação desse saber, corre-se o risco de a sociedade não o ver como necessário nas escolas. Deve ficar claro que a questão aqui é de pertinência e não de valoração per si.

ii) Atualidade Biológica: O saber deve possuir uma atualidade em relação à ciência de referência. Assim, ensinar ondas eletromag-néticas utilizando-se o éter como suporte material, ou termologia usando o calórico como fluido térmico, exceto em uma perspecti-va histórica, configura-se como uma inadequação biológica. Em Física Atômica, o modelo de Thomson, Rutherford ou mesmo o modelo de Bohr poderiam sofrer o mesmo tipo de crítica em relação à atualidade. Estes seriam conhecimentos inadequados, pois constituem modelos ultrapassados.

Outra característica importante para atingir o status de Saber Esco-lar é a Operacionalidade: O Saber a Ensinar deve ser Operacional. Um sa-ber que é capaz de ser apresentado em exercícios, produzindo atividades e tarefas que possibilitem uma avaliação mais objetiva, tem grandes chances de ser transposto. Conteúdos que não conseguem gerar atividades possíveis de serem avaliadas estão fadados a não serem transpostos. Uma seqüência didática considerada boa, (com conteúdos e atividades tidas como inte-ressantes) porém não-operacionalizável, não será adequada à gestão do cotidiano escolar, pois não será capaz de colocar os estudantes em situação ativa. Sendo de difícil operacionalização, terão menos chances de serem objeto de avaliação e, portanto, descartáveis por professores e alunos por conterem, implicitamente, menor “valor didático”8.

7 A atualidade, assim como as demais características do Saber Escolar, não deve ser vista de maneira isola-da, nem absoluta. Isso porque, uma certa dose de desatualidade pode ser aceita face a benefícios em termos de entendimento por parte dos alunos. Assim, o modelo de Thomson pode ser apresentado como modelo aproximado, mas adequado a tratar certos aspectos da matéria.

8 A noção de contrato didático, proposta por Brousseaux, explicita as regras implícitas presentes na medi-ção didática entre professor, aluno e saber. Para mais informações sobre o contrato didático, ver Ricardo, Slongo e Pietrocola, 2003.

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Finalmente, no processo de transposição deve haver Criatividade Didática: um Saber Sábio deve incorporar criatividade em termos de acei-tação e incorporação dos condicionantes do sistema de ensino ao qual se destina. Isso implica na criação de um saber com identidade própria ao con-texto escolar. Existem muitas atividades e áreas de estudo que são produzi-das para o ensino, mas que não têm equivalente na área de pesquisa, como mencionado anteriormente. Os exercícios de associação de resistores em circuitos elétricos, as transformações de escalas termométricas e os vasos comunicantes são exemplos de objetos de ensino que se notabilizaram no ensino tradicional por incorporar de maneira magistral os condicionantes do processo de ensino-aprendizagem. Em situações como essas negocia-se, de maneira equilibrada, características conceituais importantes do saber sábio com aspectos fundamentais da sala de aula. Cria-se, assim, um objeto de ensino de Física com “identidade didática”. Ele “existe” somente no contexto do ensino configurando-se, assim, como resultado de uma criati-vidade didática superior.

As características acima definidas não devem ser entendidas de ma-neira isolada e absoluta. Eles se assemelham mais a atributos que em con-junto aumentam as chances de sobrevivência de um saber no ambiente de ensino. De outra maneira, um Saber a Ensinar tradicional, presente no con-texto escolar, pode ser visto como portador desse conjunto de atributos.

No entanto, é ilusório pensar que a avaliação sobre a “ensinabi-lidade” de um saber se dê de maneira teórica. Um Saber a Ensinar deve ser submetido aos testes empíricos in loco, adquirindo, por assim dizer, em última instância, uma validação da sala da aula. Isso é definido por Chevallard como a Terapêutica. Ela se constitui como a peça fundamental para a sobrevivência dos saberes: os resultados obtidos com a aplicação em sala de aula devem informar sobre os limites e possibilidades didático-pedagógicas. A “experiência”, em termos de uma avaliação a posteriori e coletiva da área envolvida, é fundamental para a manutenção (ou não) dos saberes introduzidos no domínio do ensino. Desse ponto de vista, o con-junto de Saberes a Ensinar presente nos programas escolares é, em deter-minado momento histórico, a somatória dos sucessos alcançados pela área no processo de transposição. Em poucas palavras, o que dá certo, dentro das características que ressaltamos, se mantém na escola, o que dá errado acaba sendo descartado.

O ensino da Cinemática em geral, presente na escola tradicional, pode ser visto sob esse ponto de vista. Fruto de uma criatividade didática superior, resultante de um longo e bem-sucedido processo de transposição

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didática, incorpora aspectos valorizados no processo de ensino: é consen-sual; possui uma alta operacionalidade e capacidade de avaliação, tendo sido aprovado nos diversos testes de aplicação em sala de aula.

A Física Moderna sob o olhar da Transposição Didática

As categorias acima permitem entender porque as inovações curri-culares são difíceis de serem concretizadas em curtos períodos de tempo. Os conteúdos tradicionais são frutos de processos de Transposição Didática que ao longo do tempo deram “certo”, e dessa forma estão muito bem insta-lados na sala de aula. Ou seja, eles estão adaptados às características e ne-cessidades do Sistema de Ensino em voga. A discussão sobre a concretiza-ção de atualizações aos programas e currículos de Física pode ser discutida a partir dos elementos oferecidos pela Transposição Didática. As propostas de ensino de conteúdos ligados à Física Moderna e Contemporânea podem ser analisadas a partir da sobrevivência dos saberes acima expostos.

Utilizamos as categorias propostas por Chevallard na análise dos conteúdos da Teoria Quântica como forma de exemplificar o potencial da abordagem teórica. Embora possa haver debate sobre a melhor forma de interpretar o que ocorre no mundo microscópico, não há dúvida de que essa teoria é consensual no seio da comunidade científica. O problema das várias interpretações possíveis na descrição do mundo microscópico tem sido palco para debates acalorados no domínio da filosofia, nos últimos 80 anos, mas tais debates são cada vez menos presentes no domínio da ciência ela mesma (PESSOA JUNIOR, 2000). Mantendo-se a seleção de conteú-dos restrita aos aspectos puramente conceitual e formal da Teoria Quântica, não há motivos para não considerá-la consensual. Embora possa se discutir sobre a pertinência ou não de manter a discussão restrita a esses aspectos.

Em relação aos demais critérios, é indiscutível que ela possui uma atualidade biológica (é a teoria que melhor representa a gama de dados em-píricos obtidos nas pesquisas sobre o mundo microscópico) e, certamente, tem atualidade moral (está na base de todo o progresso científico-tecnoló-gico presente na sociedade moderna). No entanto, o maior problema surge de sua baixa operacionalidade em termos de produção de atividades de ensino adaptadas ao Ensino Básico. A baixa operacionalidade acaba tendo reflexo na ausência de criatividade didática específica da Teoria Quântica e na terapêutica, pois as experiências aplicadas sobre a introdução desses conteúdos no sistema de ensino ainda são recentes.

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Em relação à produção de atividades, é importante notar que um saber que “sobreviveu” no ensino tradicional de Física foi, em geral, aquele que pôde ser transformado em uma série de exercícios semelhantes, como os que aparecem nos livros didáticos e outros materiais de ensino. Segun-do a Transposição Didática, a operacionalidade deve ser vista em conexão estrita com os processos de desenvolvimento das atividades e de avaliação. As atividades devem ser pensadas de forma que fiquem claras para profes-sor e aluno as tarefas de cada um em relação às atividades propostas: pro-por e avaliar, ao primeiro; executar e fornecer os resultados, ao segundo. Quando a realização e a avaliação de atividades parecerem “normais” para ambos, configura-se uma situação de pertinência da atividade para com as exigências didático-pedagógicas da sala de aula. Em termos gerais,

Este procedimento desenvolve uma avaliação “neutra”, pois não há discus-são sobre a resposta numérica. A resposta está certa ou errada, não havendo margem para discussões. Além de eliminar dúvidas de julgamento este tipo de exercício é de fácil correção, diminuindo a carga de tarefas do professor. (ALVES-FILHO, 2000, p.238)

A tarefa de gerar compreensão dos conceitos e leis associados à Te-oria Quântica é das mais difíceis. Por um lado, boa parte do entendimento desta teoria está relacionada ao domínio de uma linguagem matemática muito sofisticada. As equações de onda, números imaginários, funções de probabilidade, matrizes, etc., não são dominadas amplamente pelos estudantes do Ensino Médio. Por outro lado, a incerteza e a interpreta-ção probabilística são recursos imprescindíveis para representar o mundo microscópico, e nem sempre são instrumentos fáceis de serem utilizados pelos mesmos estudantes.

Nos últimos quatro anos (2003-2007) temos desenvolvido várias pesquisas9 sobre os limites e possibilidades na introdução de conteúdos de Física Moderna no Ensino Médio. Em todas elas, as análises são realiza-das na perspectiva teórica da Transposição Didática. Os resultados obtidos permitem avançar a pertinência de utilizar a Transposição Didática como referencial teórico para o estudo de situações de ensino-aprendizagem que envolvem a introdução de novos conhecimentos no ambiente escolar. Em

9 Essas pesquisas foram desenvolvidas na Faculdade de Educação da USP, no contexto do Programa FA-PESP “Ensino Público”, envolvendo pesquisadores, pós-graduandos, graduandos e professores do Ensino Médio da rede pública do Estado de São Paulo. O material produzido nesse projeto pode ser obtido em http://nupic.incubadora.fapesp.br/portal/projetos-1.

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particular, os critérios de “sobrevivência” dos saberes se mostraram ca-tegorias de análise para estudo de situações de sala de aula, envolvendo atividades de ensino inovadoras.

Dois conteúdos de Física Moderna foram privilegiados nessas pes-quisas, a natureza dual da luz e a Física das Partículas Elementares. Essas pesquisas foram conduzidas, respectivamente, por de Brockington (BRO-CKINGTON, 2005; BROCKINGTON e PIETROCOLA, 2005) e Siqueira (SIQUEIRA, 2006; SIQUEIRA e PIETROCOLA, 2005 e 2006). Nelas foram propostas e analisadas seqüências didáticas para a 3ª série do Ensino Médio de Física (AZEVEDO, ANDRADE e PIETROCOLA, 2006). Em ambas as pesquisas, a Transposição Didática foi utilizada como referencial teórico-me-todológico. As análises das atividades propostas e aplicadas em situações re-ais de sala de aula são feitas a partir do critério de sobrevivência dos saberes.

Mais recentemente, temos investido em outros dois temas: Teoria da Relatividade10 e Radiações. Embora os cursos estejam em versão piloto, a abordagem das pesquisas utilizou da mesma estratégia teórico-metodoló-gica baseada na Transposição Didática.

Considerações finais: superando obstáculos epistemológicos e didático-epistemológicos

Os resultados obtidos até o momento permitem avançar algumas conclusões sobre as dificuldades a serem enfrentadas na transposição de conteúdos de Física Moderna e Contemporânea para o Ensino Médio. Os problemas enfrentados podem ser entendidos em termos de obstáculos de dois tipos: epistemológicos e didático-pedagógicos. A noção de obstáculo epistemológico foi introduzida por Bachelard (1938) ao tratar a formação do espírito científico. Os obstáculos propostos por Bachelard são limitados a uns poucos tipos, e adequados para interpretar a superação do pensa-mento científico em relação ao nascimento e desenvolvimento da ciência moderna. Inspirados na abordagem bachelardiana, buscamos associar as dificuldades presentes no processo de ensino/aprendizagem ligadas à es-truturação/desenvolvimento do conhecimento das Teorias Modernas e Contemporâneas como obstáculos epistemológicos. Da mesma forma, as dificuldades ligadas à inserção de tais conhecimentos no Sistema do Ensino Médio serão tratadas como obstáculos didático-pedagógicos.

A idéia de propor a existência de obstáculos epistemológicos espe-cialmente ligados à Transposição Didática da Física Moderna, e que dife-10 Sobre essa temática, ver OGBORN, J., 2005..

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rem daqueles eventualmente ligados à Física Clássica, parte da hipótese de que a Física Clássica assume idéias forjadas a partir do cotidiano, enquanto a Física Moderna é resultante da exaustão de idéias clássicas.

Os obstáculos epistemológicos seriam de quatro tipos: Fenome-nologia, Linguagem/formalização, Estruturação conceitual, Ontologia de base. De maneira sucinta, cada um desses obstáculos se fundamenta nas dificuldades observadas na construção de Saberes a Ensinar, destinados ao ensino-aprendizagem em Nível Médio. Abaixo, descreveremos de maneira sucinta cada um destes obstáculos.

Fenomenologia – A grande maioria dos fenômenos sobre os quais estão alicerçados os conteúdos da Física Clássica estão acessíveis no coti-diano e/ou em laboratórios didáticos na forma de atividades experimentais simples. Os fenômenos sobre os quais se fundamentam as Teorias Mo-dernas e Contemporâneas pertencem a um mundo para além dos limites do cotidiano: do muito pequeno, do muito rápido, do muito antigo, etc. Tais fenômenos não são acessíveis no cotidiano, nem passíveis de serem apresentados por meio de experimentos simples em laboratórios didáticos. Apenas para ilustrar essas afirmações, enquanto um gotejar que gera uma onda circular num lago ou numa cuba de ondas pode ser utilizado para iniciar uma discussão sobre o conceito de onda mecânica, qual fenômeno pode ser utilizado para se discutir a natureza dual da luz?

Linguagem/formalização – Grande parte dos conteúdos de Física Clássica pôde ser transposto para o ambiente escolar por meio de um forma-lismo matemático simplificado, composto por Álgebra e Geometria básicas. Em contrapartida, as Teorias Modernas e Contemporâneas estão estruturadas sobre Matemáticas complexas, como as funções de probabilidade, os tenso-res, etc. Não estão disponíveis transposições didáticas destinadas ao Ensino Médio que diminuam a exigência em termos de linguagem matemática para esses conteúdos. Esse tipo de problema tem sido tratado na literatura de duas formas: uma em termos de exigência de pré-requisitos instrumentais (por exemplo, MÜLLER, R. e WIESNER, H. 2002, que pesquisa o ensino/aprendizagem de estudantes de classes avançadas de Física); outro, optando por uma Física mais conceitual e qualitativa. O trabalho de Brockington (2005) e Brockington e Pietrocola (2005) enfrentam esse obstáculo por meio de uma abordagem epistemológica sobre o tema dualidade onda-partícula.

Estruturação conceitual – Os Conceitos científicos clássicos po-dem ser entendidos como extensão de conceitos presentes no conhecimen-to de senso comum, mantendo compromissos deterministas: força, tempe-ratura calor, energia, tempo e espaço absoluto são exemplos de conceitos

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que encontram equivalentes no contexto do conhecimento intuitivo sobre o mundo. Tais conceitos foram/são objetos de pesquisas sobre concepções alternativas11, processos e desenvolvimento cognitivo12. Os conceitos pre-sentes na Física Moderna e Contemporânea rompem com idéias cotidianas e, mais do que isso, necessitam de idéias contra-intuitivas que rompem com a base do entendimento humano, como o determinismo probabilístico: posição, orbital, spin, massa reduzida, tempo e espaço relativos são nomes passíveis de associação com conceitos intuitivos; no entanto, devem ser entendidos como “cemitérios de linguagem anterior”.

Ontologia de base – As entidades clássicas são construídas a partir de objetos presentes no mundo perceptível: partículas, onda, espaço, tem-po, energia etc. As entidades presentes nas teorias modernas e contempo-râneas são construídas contra o senso comum: massa reduzida, quantum de energia, partículas virtuais, espaço curvo são entidades que gozam de características particulares e encerram propriedades e comportamento mui-to distintos dos objetos que povoam o mundo cotidiano13.

Os obstáculos didático-pedagógicos são aqueles tratados por Brous-seau (1986) e oriundos de práticas de ensino, hábitos e enfoques didáticos presentes no sistema de ensino. Da mesma forma, usaremos a noção de Obstáculos Didático-pedagógicos de forma a definir os condicionantes do sistema de ensino que dificultam/impedem a introdução dos conteúdos de Física Moderna e Contemporânea. Os condicionantes foram forjados ao longo de mais de 200 anos de história de ensino de Física e colaboram para que a Física Clássica esteja tão bem estabelecida nas salas de aula.

A idéia de que existem obstáculos didático-epistemológicos parte da hipótese de que o Ensino de Física Clássica é fruto de um processo de Transposição Didática validado historicamente. Erros e acertos seleciona-ram conteúdos, definiram atividades, aperfeiçoaram formas de avaliação, gerando um saber escolar adaptado ao sistema de ensino, por isso altamen-te estável.

Os obstáculos didático-pedagógicos para a introdução das Teorias modernas e Contemporâneas no Ensino Médio são: Hierarquia conceitual de pré-requisitos; Didática intuitiva dos professores, Seleção de conteúdos, Tipos de atividades propostas, Avaliação.

Cada um desses obstáculos se fundamenta nas dificuldades obser-vadas na construção dos Saberes Ensinados destinados ao ensino-aprendi-

11 Tradição do Movimento das Concepções Alternativas.12 Tradição Piagetiana.13 Sobre as entidades da ciência e sua função nas explicações e modelos da ciência, ver OGBORN et al., 1996.

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zagem em Nível Médio. Abaixo, descreveremos de maneira sucinta cada um destes obstáculos.

Hierarquia conceitual de pré-requisitos – indica que os concei-tos mais simples devem anteceder os mais complexos Essa crença liga-da a uma concepção de que a história da Física evidencia uma seqüência conceitual crescente impede que se tomem as teorias do século XX como fontes para uma Transposição Didática. Nessa perspectiva, o mais velho é conceitualmente dependente do mais novo, e não pode ser ensinado sem o ensino do primeiro.

Didática intuitiva dos professores – existe uma forma intuitiva de ensinar Física, que se manifesta na prática e na fala de professores e alunos. Essa prática sugere que o ensino de Física contém, por exemplo, problemas e exercícios fechados. Também indica o que não se configura como ensino de Física, como por exemplo a leitura de textos ou as questões conceituais.

Seleção de conteúdos – Os programas tradicionais de Física agru-pam conteúdos que se pretendem historicamente validados como saberes ensináveis. Inovar, buscando outros conteúdos, é assumir riscos, muitas vezes desnecessários.

Tipos de atividades propostas – Assim como os conteúdos, exis-tem atividades exemplares que “funcionam” no ensino/aprendizagem de Física. Por exemplo, a resolução de problemas fechados, amplamente estu-dados e pesquisados na área, são a maneira exemplar de desenvolver ativi-dades nas aulas de Física. Isso fica claro quando se tenta alterar o cotidiano escolar com atividades diferentes, como, por exemplo, o desenvolvimento de projetos, etc.

Avaliação – Finalmente, a avaliação é um dos pontos mais sensíveis no gerenciamento do sistema de ensino14. Na Física há um consenso sobre como e o que avaliar, e muitas vezes mudanças nos saberes escolares invia-bilizam as formas tradicionais de avaliação, produzindo resistência.

A Transposição da Física Moderna para a sala de aula do Ensino Médio deve ser vista como uma tarefa das mais complexas. De um lado têm-se as exigências epistemológicas inerentes ao campo de conhecimento produzido pela Física Moderna, muito distantes dos padrões de entendi-mento forjados no mundo cotidiano. Por outro lado, as exigências do domí-nio escolar não são menores; Ideologia, necessidades de natureza didática e tradição se entrelaçam na constituição de um domínio particular. Tem-se

14 Ver o papel desempenhado pela avaliação na consolidação do que Brousseau definiu como “contrato didático” (RICARDO; SLONGO; PIETROCOLA, 2003).

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de fato um problema complexo e com solução não óbvia: como satisfazer ambos os domínios? Será possível manter o rigor conceitual e ao mesmo tempo satisfazer as exigências do sistema didático? Questões como esta precisam ser respondidas em termos de pesquisa aplicada, na forma de pro-postas e análises de atividades de sala de aula. Somente a sala de aula será capaz de fornecer elementos capazes de guiar os processos de atualização dos currículos de Física da Educação Básica.

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12Considerações finais sobre a urgência da reflexão na

educação científicaJoão Bernardes da Rocha Filho1

Nara Regina de Souza Basso2

Regina Maria Rabello Borges3

1 João Bernardes da Rocha Filho é doutor em Engenharia, mestre em Educação, especialista em Metodolo-gia do Ensino Superior, especialista em Psicossomática e professor da Faculdade de Física e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da PUCRS. E-mail: [email protected]

2 Nara Regina de Souza Basso é graduada em Química, mestra em Química e doutorada em Química. É professora da Faculdade de Química e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Mate-mática da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

3 Regina Maria Rabello Borges é licenciada e bacharelada em História Natural, mestra em Educação e doutorada em Educação. É professora adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, atuando na Faculdade de Biociências e na Faculdade de Física, no Programa de Pós-Graduação em Edu-cação em Ciências e Matemática, do qual é coordenadora. E-mail: [email protected]

A melhoria da educação científica, imprescindível à manutenção do crescimento econômico que o País necessita para manter sua economia emergente, implica mecanismos de retroação que ofereçam, aos atores deste campo, meios para a correção de falhas e realinhamentos do proces-so educativo. Em uma sociedade em complexificação, a rapidez com que surgem novas necessidades nos sistemas educacionais exige mecanismos dinâmicos de ajuste que incluam acesso rápido e reflexão aprofundada sobre informações atualizadas e extensas. A diversidade de condições e culturas com a qual convivemos em um país continental acarreta, tam-bém, diferenças substanciais entre as situações que se apresentam aos educadores de diferentes regiões, e principalmente aí reside a validade desta publicação.

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João Bernardes da Rocha Filho • Nara Regina de Souza Basso • Regina Maria Rabello Borges182

Associamo-nos aos autores de cada capítulo, dedicando este li-vro aos professores de Ciências e Matemática da Região Sul do Brasil, convidando-os a estabelecerem diálogos com as reflexões de mestrandos e pesquisadores que utilizaram dados educacionais quantitativos atualizados, disponibilizados pelo INEP, considerados no contexto do Núcleo PUCRS/UFSC do Observatório da Educação, envolvendo também ações interativas e interdisciplinares que incluíram o Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS. Esse diálogo pode ser o primeiro contato de alguns professores com as estatísticas educacionais oficiais, e muitas novas proposições po-dem daí advir.

Para que obtivéssemos sucesso no objetivo de fazer com que esta obra abrangesse a problemática complexa da educação científica, apresen-tamos temas variados, originários de pesquisas e reflexões envolvendo as diferentes disciplinas. Em todos os capítulos o ensino das ciências foi ex-posto à investigação e à análise.

Em Física, a transposição didática, a experimentação e o uso de tecnologias na educação científica ocuparam um lugar de destaque nes-sa reflexão, com ênfase para os estudos relacionados à Física Moderna e Contemporânea. Apresentamos dados oriundos de pesquisa realizada nos municípios do Extremo Oeste Catarinense, por meio da qual detectamos falhas nas estruturas de suporte ao ensino laboratorial de Física nas escolas de Ensino Médio. Nesta mesma pesquisa afloraram sinais de deficiências na preparação que os professores de Física têm recebido em seus cursos de graduação, especialmente no tocante aos aspectos experimentais da in-tervenção educativa. Também discutimos os diferentes saberes associados à aprendizagem em Física, assim como os vários tempos relativos a esta aprendizagem, segundo as proposições de Chevallard.

Em Matemática, incentivamos os professores-leitores a refletir sobre como podem ser utilizados os recursos computacionais disponíveis em re-lativa abundância nas escolas, no desenvolvimento de atividades interativas e interdisciplinares unindo a Matemática à Biologia e à Comunicação, com exemplos de simulação de vida e formação de comunidades virtuais. Nesta mesma linha de ação, utilizamos aportes teóricos de Vergnaud e Vygotsky com o objetivo de oferecer soluções metodológicas para a superação do baixo desempenho, em Matemática, de estudantes do ensino fundamental, especificamente em relação aos números inteiros. As atividades interativas propostas abrangem amplo espectro de competências e construção de con-ceitos matemáticos a serem alcançados por estudantes deste nível. Comple-mentamos estes estudos com dados relativos a outra pesquisa, que detectou

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Considerações finais sobre a urgência da reflexão na educação científica 183

baixo desempenho na resolução de problemas matemáticos em alunos do Ensino Médio, correlacionando-o com dados oriundos do SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica).

Apresentamos e discutimos, no contexto da Educação Matemática, a intensa correlação que mantêm as capacidades de interpretação e abstra-ção simbólica com a aprendizagem em álgebra. Também mostramos que o uso de metodologias interativas é uma alternativa eficaz para a supe-ração das dificuldades de aprendizagem e para a melhoria dos índices de aproveitamento escolar no ensino básico. Além disso, exploramos o ensino das disciplinas científicas como uma ação que pode contribuir significati-vamente para a instalação de uma cultura de paz, como se depreende da argumentação transdisciplinar trazida no livro, envolvendo a Etnomatemá-tica, a Educação Dialógica e a Educação Para a Paz. Ainda no contexto da Educação Matemática, propomos uma reflexão sobre o papel da escola e do professor na promoção da criatividade, com exemplos relacionados ao uso de desafios matemáticos e os ganhos motivacionais que podem propor-cionar aos estudantes.

Em Biologia, por fim, apresentamos o ciclo da água e a Genética como núcleos em torno dos quais se organizaram professores e estudantes por meio de Unidades de Aprendizagem e envolvimento em atividades in-terativas. Mostramos que o uso dessas práticas resultou em discursos mais complexos e consistentes, com ampliação do repertório de representações e significação dos conteúdos, e os professores desta disciplina foram con-vidados a inovar também em suas práticas individuais.

Em cada um dos capítulos deste livro procuramos contemplar, prioritariamente, a reflexão sobre o ensino de Ciências, pois acreditamos na eficácia deste mecanismo interno ao professor e aos grupos envolvidos com a educação. A educação científica necessita reflexão tanto quanto o ensino das Ciências Humanas, e não podemos abdicar dela em favor da suposição equivocada de que a objetividade dos fatos e a coerência interna das teorias preencheriam o espaço ocupado pela interpretação e pela subje-tividade.

Além disso, o desafio que os professores das ciências enfrentam na contemporaneidade é substancialmente maior do que o que se apresen-tava há poucas décadas, quando o conhecimento escolar podia se apro-ximar mais das exigências que a sociedade, relativamente incipiente em tecnologia, tinha a fazer aos jovens que ingressavam no mercado de tra-balho oriundos dos bancos escolares. Em nossa sociedade tecnologizada, isto é, na qual a Ciência é valorizada mais pela sua capacidade de gerar

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tecnologias do que pelo seu significado como busca de compreensão da natureza, o distanciamento entre o conhecimento escolar e o conhecimento tecnológico é um fator que pode reduzir o interesse dos estudantes. Por isso, somente a reflexão contínua, associada a uma permanente disposição em aprender e aplicar novos conhecimentos pode garantir uma educação científica satisfatória. Contribuir para isso foi nossa intenção fundamental ao organizar este livro.