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Universidade de Brasília
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
Departamento de Administração
AYESKA JULIANA DE OLIVEIRA
O CONHECIMENTO EM ADMINISTRAÇÃO E A GESTÃO
CULTURAL
Brasília – DF
2016
AYESKA JULIANA DE OLIVEIRA
O CONHECIMENTO EM ADMINISTRAÇÃO E A GESTÃO
CULTURAL
Projeto de monografia apresentado ao Departamento de Administração como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Administração.
Orientador: Prof. Leonardo S. Conke.
Brasília – DF
2016
Oliveira, Ayeska Juliana. O conhecimento em Administração e a gestão cultural/ Ayeska Juliana de Oliveira. Brasília, 2016. 68 f. Monografia (bacharelado) – Universidade de Brasília, Departamento de Administração, 2016. Orientador: Prof. Leonardo Silveira Conke. Departamento de Administração. 1. Gestão Cultural. 2. Indústria Criativa. 3. Indústria Cultural. 4. Setor Cultural. 5. Economia Criativa. 6. Ensino da Administração. Título.
Dedico este trabalho ao meu pai, e a
todos aqueles que, assim como ele,
acreditam na arte e na cultura como o
caminho para um mundo melhor.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha mãe, meu maior exemplo de mulher, por me ensinar
a razão, me mostrar a força e o potencial que nem eu mesma sabia
possuir. Ao meu pai, minha inspiração, meu herói, e o principal motivo
para que eu esteja aqui: obrigada pela delicadeza, as conversas, e por
me ensinar a emoção. Obrigada aos dois por todas as oportunidades,
pela confiança, e os ensinamentos que me permitem alcançar qualquer
desejo do meu coração.
Minha irmã, Audrey, por dividir a vida, os momentos, o quarto e por
diversas vezes suportar meus momentos de loucura. Minha irmã mais
velha, Daiana, por confiar, acreditar e me presentear com os maiores
tesouros que eu podia imaginar: minhas pequenas Ana Luíza e Lívia.
Obrigada por compreenderem meus motivos e minha ausência, e me
tornarem melhor a cada dia.
Ao meu anjo, namorado e amigo: sei que não foi fácil conviver os
últimos meses, mas você fez isso maravilhosamente bem. Obrigada
pela paciência, o carinho e a compreensão.
Obrigada a Mirinha pelas perguntas diárias sobre a monografia. Sei
que a preocupação era sincera assim como o desejo de me ver bem,
por isso quero registrar aqui o quanto amo você, já que pessoalmente
você não acredita.
Agradeço as meninas da faculdade por tornarem minha vida na UnB
única, inesquecível e cheia de lembranças incríveis. Vocês são
sensacionais. Em especial a Marcella por, além de tudo, compartilhar
comigo a jornada da monografia e me ajudar ao longo da estrada.
Ao meu orientador por ser exemplo de mestre e professor. Obrigada
por nunca limitar, por confiar, por ter paciência, dedicação e pela
preocupação.
A todos aqueles que se disponibilizaram a participar da pesquisa, e
aqueles que mesmo não participando contribuíram de alguma forma:
MUITO OBRIGADA. Apenas continuem o que estão fazendo. O mundo
precisa de vocês.
“Queremos que você entenda / nossa forma de expressão / não temos bombas atômicas / não temos Santa Inquisição / se somos rebeldes / se somos selvagens / não importa / apesar de tudo nós amamos você”
(Elffus)
RESUMO
A Indústria criativa e suas áreas, dentre elas a cultural, são consideradas fontes de geração de renda, e parte da criação de identidade da sociedade. Por serem partes da formação dos indivíduos, e do desenvolvimento social e econômico de um país, a indústria criativa, e o setor ou indústria cultural, são formados por organizações, e como ocorre em outras áreas, também podem se aproveitar de uma administração profissional, para que possam gerar resultados cada vez melhores. O objetivo neste trabalho é avaliar a proximidade que os participantes do setor cultural têm com os conhecimentos em Administração. Para atingir o objetivo proposto foi realizado um estudo de cunho qualitativo caracterizado como exploratório e descritivo. O instrumento utilizado foi a entrevista em profundidade com 21 participantes do setor cultural. Os resultados obtidos mostram que 62% dos entrevistados são formados em áreas diversas, e 66% atuam somente no ramo cultural. Através da pesquisa foi possível concluir que muitos participantes não se consideram (e não gostam de se considerar) parte de uma “indústria”, o que pode atrapalhar a busca por conhecimentos técnicos sobre Administração de Empresas.
Palavras-chave: Gestão cultural, indústria criativa, indústria cultural, setor cultural, economia criativa, ensino da administração.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Círculos concêntricos da classificação da FIRJAN .................................... 19 Figura 2: Classificação da UNCTAD para as indústrias criativas .............................. 20 Figura 3: A cadeia da indústria criativa no Brasil ....................................................... 21 Figura 4: A origem e os benefícios da economia criativa .......................................... 23 Figura 5: A linha de produção de um administrador .................................................. 29 Figura 6: Distribuição dos empregados formais da área criativa de cultura por UF .. 37 Quadro 1 - Perfil dos entrevistados ........................................................................... 38 Gráfico 1 - Participantes graduados .......................................................................... 42 Gráfico 2 - A diversidade das áreas de formação ..................................................... 43 Gráfico 3 - A área de atuação dos participantes ....................................................... 46
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CBO – Classificação Brasileira de Ocupações CNIC – Comissão Nacional de Incentivo á Cultura CODEPLAN – Companhia de Planejamento do Distrito Federal DASP – Departamento Admisnitrativo do Serviço Público DCMS – Departamento de Cultura, Midia e Esporte ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição EI – Empreendedor Individual EUA – Estados Unidos da América FAC – Fundo de Apoio à Cultura FGV – Fundação Getúlio Vargas FIRJAN – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro IATEC – Instituto de Artes e Técnicas em Comuniacação IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRAM – Instituto Brasilia Ambiental LIC – Lei de Incentivo à Cultura MEI – Microempreendedor Individual MinC – Ministério da Cultura OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual PIB – Produto Interno Bruto SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12
2 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................ 15
2.1 INDÚSTRIA CULTURAL E INDÚSTRIA CRIATIVA ..................................... 15
2.1.1 Economia Criativa .................................................................................. 21
2.2 A IMPORTÂNCIA DAS ORGANIZAÇÕES E DA ADMINISTRAÇÃO ........... 24
2.3 O ENSINO DA ADMINISTRAÇÃO ............................................................... 27
2.4 GESTÃO CULTURAL .................................................................................. 30
3 MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA ......................................................... 34
3.1 TIPO E DESCRIÇÃO GERAL DA PESQUISA ............................................. 34
3.2 CARACTERIZAÇÃO DO SETOR ................................................................. 35
3.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO................................................................... 36
3.4 INSTRUMENTOS DE PESQUISA E COLETA DE DADOS ......................... 39
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................... 41
4.1 FORMAÇÃO ................................................................................................ 41
4.2 ATUAÇÃO PROFISSIONAL ........................................................................ 46
4.3 PERCEPÇÃO SOBRE A INDÚSTRIA CULTURAL ...................................... 54
5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ............................................................ 62
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65
APÊNDICES ............................................................................................................. 68
12
1 INTRODUÇÃO
Normalmente, quando se fala de cultura da sociedade, entende-se que ela
significa a forma como ela se estrutura, os conhecimentos, os costumes e hábitos
que a compõe, e consequentemente compõe o indivíduo que dela faz parte.
Entende-se como cultura também tudo aquilo que de alguma forma está ligada à
arte e que carrega forte influência de uma sociedade e sua história. Preservar a
cultura é garantir a continuidade da identidade de uma nação. Valorizar, fomentar e
democratizar a cultura, quando feita de maneira correta, pode vir a ser um dos
instrumentos mais eficazes contra os problemas sociais e econômicos de uma
nação.
A indústria criativa se divide em quatro áreas: mídias, tecnologia, consumo e
cultura. A indústria cultural (área cultural), diz respeito ao sentido artístico da cultura,
e é responsável por geração de renda e de empregos por onde quer que passe, e no
Brasil não é diferente. Em diversos países, em especial a Inglaterra, utiliza-se a
economia criativa como uma estratégia para alavancar a economia e realizar
melhorias internas, inclusive aquelas de cunho social, a partir da promoção de
conhecimento, entretenimento, diversão, inclusão, e desenvolvimento humano.
Faz-se necessário compreender que no momento atual a criatividade
ganhou destaque, e utilizando as palavras de Howkins (2001): “as pessoas
possuidoras de ideias são mais poderosas do que as pessoas que trabalham com as
máquinas e, em muitos casos, mais poderosas do que as pessoas que são donas
das máquinas”. Partindo do princípio de que praticamente todos os indivíduos do
mundo, independentemente de onde estejam, consomem produtos que são frutos da
criatividade, seja no trabalho, no lazer, na roupa, ou no âmbito educacional, fica
mais fácil compreender a importância da criatividade para o ser humano.
A área cultural é uma das que mais resiste em se caracterizar como parte de
uma “indústria” e em tratar o trabalho que realiza como um produto. Lidar com
burocracias, elaborar estratégias de mercado, pensar em divulgação, e outras
tarefas que são necessárias também às empresas do ramo cultural, muitas vezes
não fazem parte do cotidiano dos seus participantes. Mesmo assim, como os
eventos precisam ser produzidos, divulgados, realizados e ainda por cima
possibilitarem a sobrevivência dos seus criadores, os princípios e a base teórica da
13
Administração podem ser importantes para o sucesso dos empreendimentos
culturais.
Os estudos em Administração ajudam a mostrar como os seus princípios
podem ser aplicados na área cultural e como isso pode trazer benefícios para ambos
os campos, o da gestão e o da cultura, agregando conhecimentos e vivências de
ambas as partes. Tal aparato, inclusive, pode agregar novas habilidades aos
gestores que almejam adentrar no campo cultural, que carece de indivíduos
capacitados e dotados de conhecimentos gerenciais.
Dessa forma, o objetivo neste trabalho é analisar a percepção dos
participantes com relação à indústria e a gestão cultural, e como os conhecimentos
em administração influenciam na atuação destes. Para alcançar o objetivo geral do
trabalho é necessário analisar a forma de atuação dos participantes, o grau de
formação e a forma como essa formação afeta no seu desempenho, o conhecimento
administrativo, e a percepção dos mesmos sobre a indústria cultural e a sua gestão.
Apesar dos esforços dos produtores culturais e das classes artísticas ao
promover atrativos para todos os gostos, algumas barreiras parecem ainda
prejudicar o setor. Dificuldades para promover e divulgar eventos, e se adequar ao
mercado, surgem muitas vezes como consequências da falta de formação e
capacitação. O pouco apoio ou incentivo popular, a desvalorização de atividades
culturais e de lazer em detrimento de outros problemas que são colocados como
prioridades são outras barreiras encontradas pelos participantes do setor. Além do
mais, a criação de leis como a Lei Distrital 4092 de 2008, conhecida como a Lei do
Silêncio são aparatos jurídicos que podem dificultar a abertura de empresas, o
crescimento do setor cultural, e o usufruto dos benefícios oriundos do mesmo por
parte da sociedade.
Da mesma forma que uma empresa, um grupo artístico também necessita
de um administrador que gerencie, planeje, organize, dirija, coordene e controle,
enfim, demonstre uma capacidade técnica. Por esse motivo, faz-se imprescindível
que os participantes possuam conhecimentos gerenciais básicos, no mínimo, ou
alguém como um empresário, por exemplo, que auxilie em questões que careçam
de tais conhecimentos para serem solucionadas.
Analisar o conhecimento e a percepção que os atuais participantes já
possuem acerca do tema, e se há adequação das funções que ocupam no setor
cultural com a formação acadêmica dos mesmos, pode contribuir em diversos
14
aspectos. O primeiro aspecto é a criação de iniciativas que desenvolveriam o setor,
o que viria acompanhado, consequentemente, dos benefícios decorrentes do
fortalecimento da cultura e da economia criativa. O segundo aspecto é que a análise
pode permitir àqueles que buscam trabalhar com gestão cultural, acesso a uma
parte dos conhecimentos necessários para desempenhar seu trabalho. O terceiro
aspecto é a possibilidade de analisar a relação existente entre a Administração e o
setor cultural e a forma como podem contribuir de forma mútua gerando melhores
resultados.
Outra justificativa para a realização desta pesquisa é a escassez de estudos
sobre o tema. Considerando a relevância previamente citada da indústria criativa e
suas áreas na sociedade, faz-se necessário desenvolver estudos e pesquisas que
permitam a compreensão do tema, seus impactos e contribuições. Na
Administração, uma forma de estudar e se relacionar com a indústria criativa é
através de pesquisas e disciplinas voltadas para a inovação, a criatividade e a
cultura.
No currículo de Administração constam disciplinas focadas na inovação e na
criatividade, porém disciplinas com foco na cultura ou até mesmo na gestão cultural
não estão presente na grande maioria dos currículos, ou dos estudos do campo
administrativo. Ao pesquisar por “gestão cultural” no título de teses e dissertações na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia, por exemplo, apenas 37 resultados são
encontrados, e dentre eles, poucos estão realmente relacionados à Administração.
15
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Neste tópico são apresentados os principais conceitos e características da
indústria cultural juntamente com a economia criativa e seus impactos no
desenvolvimento econômico e social. Em seguida é abordada a importância das
Organizações e da Administração, do ensino da Administração e das contribuições
mútuas que as duas áreas podem oferecer.
2.1 INDÚSTRIA CULTURAL E INDÚSTRIA CRIATIVA
Por muito tempo, indústria cultural e indústria criativa tinham seus conceitos
confundidos e eram usadas para definir as mesmas atividades que envolviam
criatividade, talento individual, competência e potencial para gerar emprego e
movimentar a economia a partir da exploração da propriedade intelectual (DCMS,
2011). Porém, devido às críticas referentes ao termo “indústria cultural”, e a maior
abrangência do termo indústria criativa – que agrupa os campos da arte, da própria
indústria cultural e as novas tecnologias digitais de informação – este último acabou
tornando-se mais utilizado.
Hanson (2007), baseando-se no estudo patrocinado pela Unesco
(FRONVILLE; ISAR, 2003) diferencia “setor cultural” e “indústria criativa” da seguinte
forma: enquanto o setor cultural não possui fins lucrativos e engloba museus,
galerias, heranças culturais, a indústria criativa visa o lucro e o crescimento
econômico, tendo como algumas de suas atividades a indústria fonográfica, o rádio,
o cinema e a televisão.
O que hoje é conhecido como indústria cultural, na verdade, sempre fez
parte da história da humanidade. É inerente ao homem a necessidade de criar, e a
arte e a cultura são provas e resultados dessa afirmação (NEWBIGIN, 2010). Duarte
(2010) descreve que o tempo livre do trabalho era, e continua sendo, sinônimo de
prazer e entretenimento, que as pessoas buscavam por diversão e lazer, e que na
maioria das vezes estava ligada à música, dança ou outros tipos de arte que
passaram a fazer parte da cultura local, sendo que cada vilarejo criava suas
tradições e festa populares.
16
Como consequência da industrialização, a maioria das pessoas que
trabalhavam em casa com a agricultura e o trabalho artesanal, passou a trabalhar
nas fábricas e ter tempo de expediente diferente do habitual. Os trabalhadores que
antes faziam o próprio horário agora tinham um tempo determinado para folga, e
mesmo não recebendo um salário alto, possuíam um poder aquisitivo maior e
estavam disponíveis a gastar o tempo e o dinheiro com divertimento. Com o
fortalecimento das culturas populares, a interpretação do trabalho como uma
condição de sobrevivência, e a diferenciação entre o tempo de trabalho e o tempo
de lazer, as atividades culturais e o entretenimento também passaram a sofrer
mudanças e a ser tratado como um trabalho rentável, porém marginalizado
(DUARTE, 2010).
O surgimento de invenções que tornaram possíveis a criação do cinema, as
gravações sonoras e a transmissão de rádio foram fundamentais para a propagação
da cultura e a transformação da mesma em uma indústria (DUARTE, 2010). Vale
ressaltar que o termo indústria, no Brasil, diz respeito a um modelo de produção
massificada e em larga escala, enquanto em inglês o mesmo é usado para se referir
a um conjunto de empresas de um setor produtivo. Por esse motivo, no Brasil, o
Ministério da Cultura (BRASIL, 2012) sugere que a melhor forma de denominar essa
área é como setor cultural.
Impressionados com o desenvolvimento da indústria fonográfica e do
cinema, na década de 30, Adorno e Horkheimer criaram o conceito de indústria
cultural. Para os autores, o termo indústria cultural fazia referência à cultura de
massas, e a utilização de meios mecânicos para disseminar a cultura. Esse
processo diminuía o interesse do público pela artista, e limitava a possibilidade de
escolha do consumidor que teria acesso somente ao que era designado
(PUTERMAN, 1994).
O termo causou estranheza quando utilizado pela primeira vez, pois antes
sempre se fez questão de separar indústria e cultura, e isso levou outros autores a
realizarem diversas críticas acerca desse novo setor (DUARTE, 2010). Ainda hoje
existem interpretações diferentes em relação à cultura como uma indústria, pois para
muitos ela traz a ideia de dicotomia entre indústria (no sentido brasileiro da palavra)
versus cultura, esta dizendo respeito à liberdade de expressão, espontaneidade e
emoção (UNCTAD, 2012).
17
Influenciados pela bagagem de vida e o contexto histórico em que se
encontravam, Adorno e Horkheimer (1985) (mas principalmente Adorno que também
era músico e muito envolvido com sua arte) teceram diversas críticas à indústria
cultural e às proporções que a mesma estava tomando, o que fez com que o termo
em si fosse usado para expressar desdém.
A primeira e principal crítica foi com relação ao uso da música e do cinema
como forma de controlar as massas. Outro ponto ressaltado pelos autores é que
como consequência dessa difusão da arte e da criatividade por meios mecânicos,
uma lacuna enorme seria criada entre criadores, artistas e público. Porém, é
importante ressaltar que eles não se opunham à criação cultural voltada para o
divertimento, mas sim à imposição de que a arte deve ser uma forma de
faturamento, abandonando o senso crítico e a espontaneidade em detrimento da
aprovação pelas massas (PUTERMAN, 1994).
A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO) define as indústrias culturais como aquelas que “combinam a criação,
produção e comercialização de conteúdos intangíveis e culturais por natureza”.
Ainda de acordo com a UNESCO, um aspecto importante nas indústrias culturais, é
que elas são “centrais na produção e manutenção da diversidade cultural e na
garantia do acesso democrático à cultura” (UNCTAD, 2012).
A propriedade intelectual é característica básica das indústrias criativas. A lei
de propriedade intelectual é o que converte atividade criativa em indústria criativa,
pois da mesma forma que outras leis garantem direito a bens e imóveis, a lei de
propriedade intelectual garante ao inventor ou criador de um bem, que nem sempre
é tangível, os meios para se beneficiar da sua criatividade e trabalhar com
segurança (NEWBIGIN, 2010, p. 15).
O conceito de indústria criativa possui variações, ganhando maior exposição
em 1997 com ajuda do Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS, na sigla
em inglês) do Reino Unido, mas tendo surgido em 1994 na Austrália no relatório
Nação Criativa. Como forma de facilitar a compreensão sistemática das indústrias
criativas e suas características estruturais foram criados diversos modelos de
análise. Tais modelos visam classificar e dividir a indústria criativa, indicando quais
áreas econômicas fazem parte da mesma. O relatório supracitado analisa quatro
desses modelos, sendo que cada um possui uma lógica específica que depende dos
pressupostos do objetivo e do modo de operação das indústrias. Cada modelo
18
também possui uma base diferente para a classificação em indústrias “centrais” e
“periféricas”, o que reforça a ideia de variação do conceito, e a dificuldade para
defini-lo (UNCTAD, 2012, p.6).
O primeiro modelo analisado foi o Modelo DCMS do Reino Unido, que fez o
termo ganhar maior exposição na década de 90. De acordo como DCMS (2001), 13
indústrias foram classificadas como criativas, sendo que todas podem ser
consideradas “culturais”. Este termo, porém, não foi utilizado com o objetivo de evitar
a conotação de cultura erudita (UNCTAD, 2012).
O segundo é o Modelo de textos simbólicos, que se baseou em
Hesmondhalgh (2002), e aponta as artes “eruditas” como território do
estabelecimento social e político, e por essa razão foca na cultura popular. Neste
modelo, os processos de formação e transmissão da cultura de uma sociedade são
retratados através da produção industrial, disseminação e consumo de mensagens
ou textos simbólicos passados por meio de filmes, rádio e imprensa (UNCTAD,
2012, p. 6).
O Modelo dos círculos concêntricos, terceiro modelo apresentado no
relatório da UNCTAD (2012), se baseou em Throsby (2001) e afirma que ideias
criativas se originam das artes criativas centrais que se apresentam na forma de
som, texto e imagem, e se exteriorizam a partir dessas ideias através de outras
camadas ou círculos concêntricos que diminuem à medida que se afastam do
centro. Esse foi o modelo utilizado com base para a classificação das indústrias
criativas na Europa no estudo da Comissão Europeias (KEA European Affairs,
2006). A Figura 1 é um exemplo do modelo de círculos concêntricos aplicado à
classificação da FIRJAN (2014) que será abordado adiante no estudo.
O último modelo analisado, Modelo de direitos autorais da Organização
Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), tem como base as indústrias que se
envolvem de forma direta ou indireta na fabricação, produção, radiodifusão, e
distribuição de trabalhos que são protegidos por direito autoral (OMPI, 2003). O
modelo, basicamente, divide as indústrias em dois grupos. O primeiro grupo abriga
aquelas indústrias que realmente produzem a propriedade intelectual e aquelas
necessárias para transmitir os produtos e serviços ao consumidor, enquanto o
segundo grupo abriga as que são consideradas indústrias de direitos autorais
“parciais”, ou seja, aquelas em que a propriedade intelectual representa somente
uma parte da sua atividade (UNCTAD, 2012, p. 6).
19
Figura 1: Círculos concêntricos da classificação da FIRJAN
A XI Conferência Ministerial da UNCTAD, que ocorreu em 2004, foi de
extrema importância para a definição de indústria criativa. A abordagem da UNCTAD
se estruturou na ampliação do conceito de criatividade que passou de atividades que
possuem componente artístico sólido para “qualquer atividade econômica que
produza produtos simbólicos intensamente dependentes da propriedade intelectual,
visando o maior mercado possível” (UNCTAD, 2012, p. 7).
Existe uma diferenciação entre atividades culturais tradicionais (artes
cênicas ou visuais, por exemplo) que são chamadas de “atividades upstream” e
aquelas atividades que possuem uma relação maior com o mercado (publicidade e
mídia, por exemplo), sendo essas denominadas como “atividades downstream”.
Observando por essa perspectiva, as indústrias culturais passam a compor um
subconjunto das indústrias criativas (UNCTAD, 2012).
Conforme mostra a Figura 2, devido ao vasto escopo das indústrias criativas,
e as interações de diversos setores com as quais elas lidam, a classificação da
UNCTAD para as indústrias criativas se divide em quatro grupos (patrimônio, artes,
mídia e criações funcionais), que por sua vez, se dividem em nove subgrupos. O
20
objetivo da UNCTAD com essa divisão é facilitar a compreensão das interações que
ocorrem dentro da indústria criativa, pois mesmo diante das variações do conceito, e
da inclusão de várias indústrias à categoria “criativa”, poucas foram as tentativas de
classificar tais indústrias em grupos ou categorias (UNCTAD, 2012).
Figura 2: Classificação da UNCTAD para as indústrias criativas
Fonte: UNCTAD, 2012
A Figura 3 mostra a classificação da FIRJAN que, assim como o modelo
criado pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS), considera 13 setores
como parte da indústria criativa e os agrupa em quatro grandes áreas: tecnologia,
mídias, cultura e consumo.
21
2.1.1 Economia Criativa
O termo economia criativa surgiu em 2001 quando John Howkins escreveu
seu livro sobre a relação entre criatividade e economia. De acordo com Howkins
(2001) “a criatividade não é uma coisa nova e nem a economia o é, mas o que é
nova é a natureza e a extensão da relação entre elas e a forma como combinam
para criar extraordinário valor e riqueza. ” O autor abrange no conceito de economia
criativa 15 indústrias criativas, desde as artes aos campos da ciência e tecnologia.
Independentemente da classificação ou definição, o fato é que as indústrias criativas
são o centro do que se considera a economia criativa (UNCTAD, 2012).
Figura 3: A cadeia da indústria criativa no Brasil
Fonte: FIRJAN, 2014
Já a UNCTAD (2012) apresenta a economia criativa como um conceito em
evolução que se estrutura em ativos criativos que geram crescimento e
desenvolvimento econômico. A economia criativa seria capaz de gerar renda e
empregos, além de promover inclusão social, diversidade cultural e desenvolvimento
humano.
22
A polarização, a globalização e a desigualdade econômica tornaram o
conceito da economia criativa a principal ligação entre a cultura, a economia e a
tecnologia. E é justamente a herança cultural que diferencia a economia criativa dos
demais setores da economia: enquanto na maior parte da história da humanidade o
suor, o trabalho humano, o dinheiro e o capital eram ingredientes fundamentais da
economia, hoje, na era da informação, os principais ingredientes passaram a ser o
talento, a imaginação, habilidade e conhecimento, ou seja, a criatividade
(NEWBIGIN, 2010).
O SEBRAE (2016)1 afirma que economia criativa é o termo criado para
nomear modelos de negócio ou gestão oriundos de atividades, produtos ou serviços
desenvolvidos a partir do conhecimento, criatividade ou capital intelectual de
indivíduos visando a geração de trabalho e renda. O relatório de economia criativa
(UNCTAD, 2012) aponta que este é o setor que mais cresce no mundo econômico e
que a economia criativa acabou por ser tornar uma poderosa força transformadora
do mundo de hoje. A Figura 4 apresenta as raízes e os frutos da economia criativa.
Para Newbigin (2010), a base da economia criativa é o fato de que sempre haverá
pessoas com imaginação e talento para criar coisas, assim como sempre haverá
pessoas dispostas a pagar por essas coisas. Porém, é importante ressaltar que
existem diferenças entre o valor, ou até mesmos valores, entre um produto de
origem criativa, e aqueles que não foram desenvolvidos a partir da criatividade.
Os produtos da indústria criativa possuem valor de troca (estágio final para
que os bens e serviços encontrem seu preço ótimo no mercado), valor funcional
(maneira como se usam no dia a dia) e valor expressivo que é um significado
cultural que pouco ou nada tem a ver com o custo de produção ou utilidade. Esse
valor expressivo pode ter pouca ou muita importância a longo prazo. No caso de um
item de moda, por exemplo, ele pode ser baixo, uma vez que o item pode se tornar
ultrapassado; já quanto a um livro ou obra de arte, são itens que podem desenvolver
grande relevância cultural ao longo do tempo, consequentemente aumentando seu
valor no longo prazo (NEWBIGIN, 2010).
Newbigin (2010) afirma também que fatores como o valor expressivo e o fato
de muitos participantes do setor não acreditarem que fazem parte de uma indústria
tornam difícil a definição e a medição da economia criativa. Os participantes que não
1 Disponível em: http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-e-economia-
criativa,3fbb5edae79e6410VgnVCM2000003c74010aRCRD. Acessado em: 20/05/2016.
23
acreditam fazer parte indústrias criativas preferem ser definidos como criadores,
empreendedores, artistas ou ativistas sociais. Esse pensamento converge com o
pensamento de Adorno e Horkheimer (1985), que fizeram duras críticas à indústria
cultural por ligar cultura, que para eles deveria ser livre e espontânea, à indústria. O
fato é que mesmo que esses participantes não se assumam parte da indústria
criativa, quando agrupados formam uma parte cada vez mais significativa da
economia global.
Figura 4: A origem e os benefícios da economia criativa
Fonte: NEWBIGIN, 2010
24
2.2 A IMPORTÂNCIA DAS ORGANIZAÇÕES E DA ADMINISTRAÇÃO
A importância das organizações está alinhada à importância da
Administração. Não é possível uma organização sem administração, e quase
sempre a administração é exercida dentro de uma organização, geralmente através
da figura de um administrador. Elas atuam como peça chave para a formação da
personalidade de um indivíduo e da sociedade no qual o mesmo está inserido, além
de serem essenciais no desenvolvimento de qualquer país. (MOTTA; BRESSER-
PEREIRA, 2004).
Hoje, mais do que nunca, o homem vive dentro de uma sociedade
organizacional. Mesmo existindo antes do período industrial na forma de famílias,
feudos ou outros sistemas sociais, as organizações hoje estão presentes de tal
forma na vida das pessoas que tudo, desde o trabalho até a forma de se divertir, é
dependente de alguma organização. Elas possuem caráter econômico, religioso,
cultural, político e apresentam relações de cooperação e conflito, dependência e
interdependência (MOTTA; BRESSER-PEREIRA, 2004).
As organizações, de acordo com Hall (1984), podem desempenhar diversos
papéis em uma sociedade, e um dos papéis desempenhados é o de estratificador.
Ao empregar o termo “estratificador”, o que o autor deseja é mostrar que as
organizações separam a sociedade em grupos e reforça a existência de tal divisão.
De acordo com o autor, um exemplo desse papel ocorre quando, um grupo de
jovens com nível superior de educação é menos afetado em momento de crise no
mercado, do que um grupo de indivíduos com meia idade também com nível
superior de educação. No caso as organizações separam dois grupos de acordo
com a faixa etária e reforça a divisão demonstrando preferência pelo que é
composto por jovens.
Outros papéis muito interpretados pelas organizações são o de agente de
mudança, e o de agente resistente à mudança. Os dois papéis têm em comum que o
que vai definir qual ela vai desempenhar é o interesse e o objetivo da organização.
Quando são agentes de mudança, as organizações podem trazer mudanças
internas e externas, sendo que ambas afetam a sociedade. As mudanças internas
podem ocorrer, por exemplo, quando uma organização muda sua posição com
relação a grupos minoritários como mulheres e negros, o que, inclusive, tem ocorrido
25
com frequência atualmente. As mudanças externas são vistas em arenas políticas
quando uma organização luta por normas e leis que podem ser favoráveis aos seus
planos (HALL,1984).
Hall (1984) explica que, ao mesmo tempo que buscam mudanças que
podem contribuir para sua manutenção e crescimento, as organizações são
conservadoras e tentam se proteger de medidas externas que podem, de alguma
maneira, prejudicar seus objetivos, e são esses os momentos em que ela atua como
agente resistente à mudança. Esse conservadorismo, porém, dura somente até o
momento em que os desejos e interesses dos grupos para quem atua mudam. As
organizações necessitam da aceitação do público para sobreviver, por isso se
moldam e se adequam a ele (HALL,1984).
Assim como as organizações são impactadas pela sociedade afim de obter
apoio, uma sociedade também pode sofrer fortes impactos, positivos ou negativos,
dependendo da forma como a organização é administrada, e por quem desempenha
o papel de administrador. Um exemplo forte disso pode ser visto no documentário
“Roger e eu”, de Michael Moore (1989).
O documentário mostra as tentativas de Michael de se encontrar com o
presidente da General Motors (GM), Roger Smith, que visando aumentar o lucro e
reduzir os gastos da GM, decide montar fábricas em outro país, onde a mão-de-obra
é mais barata, fechando 11 fábricas da marca localizadas na cidade de Flint, em
Michigan, o que acarretou no desemprego de 30.000 pessoas. Ao longo da
narrativa, Michael mostra os diversos problemas que a cidade passou a enfrentar
depois da decisão de Roger, dentre eles, pessoas perderam suas casas, foram
realizados cortes nos orçamentos, lojas faliram e houve o aumento da criminalidade
e da violência gerando a necessidade de uma nova penitenciária (MOORE, 1989).
O exemplo do documentário serve também para mostrar a relevância de um
bom administrador; ter um administrador consciente, que vise o lucro da organização
juntamente com o bem-estar da sociedade da qual faz parte é um enorme
diferencial. E assim como ocorre com profissionais da cultura, faz-se necessário
profissionalizar e valorizar o administrador e a administração que, por diversas
vezes, não é tratada como uma profissão (BRESSER-PEREIRA, 1966).
Antes de 1850, o que se via eram muitos negócios de família, mas poucos
administradores. Assim como aconteceu com as indústrias culturais, a profissão de
administrador só se popularizou com o surgimento das grandes indústrias e a
26
separação entre propriedade e administração (LODI, 1993). Somente depois da I
Guerra Mundial desenvolveu-se um curso de administração nos moldes atuais
(MOTTA, 1983).
O administrador profissional possui uma posição estratégica em uma
sociedade industrial moderna, e isso se deve ao fato dele possuir poder econômico,
poder político e um papel essencial no desenvolvimento econômico. Da mesma
forma que as organizações podem trabalhar como agentes de mudança externa, o
poder político dos administradores profissionais permite que eles se organizem em
grupos de pressão exercendo influência direta sobre órgãos do Legislativo e
Executivo, e indireta sobre a opinião pública através de meios de comunicação como
a imprensa, por exemplo (BRESSER-PEREIRA, 1966).
Segundo Bresser-Pereira (1966) a troca dos administradores patrimoniais
(proprietários) nos EUA, e dos administradores vermelhos (governo) na União
Soviética pelos administradores profissionais foram de muita relevância para o
desenvolvimento econômico de ambas as potências, e mostra o poder econômico
que eles possuem. No Brasil também houve a transição entre empresas familiares e
fechadas para o mercado externo, para empresas ainda fechadas para o mercado
externo, porém abertas para os administradores profissionais.
O fato é que todos têm necessidade de noções administrativas, alguns em
maior, outros em menor grau. Embora a capacidade técnica seja muito importante,
são os elementos da capacidade administrativa que tornam um candidato apto a um
cargo de chefia quando as capacidades técnicas entre os candidatos são
semelhantes (FAYOL,1970). Baseando-se em Bresser-Pereira (1966),
profissionalizar o administrador, torná-lo consciente da importância e
responsabilidade do seu papel, valorizar a profissão e enxergar espaço para ela nas
mais diversas áreas que compõe uma sociedade são fundamentais para o
desenvolvimento social e econômico da mesma.
Analisando os papéis desempenhados pelas organizações citados por Hall
(1984), é possível classificar a indústria criativa e suas áreas como organizações. Ao
fazer esta análise, conclui-se que a criatividade, e consequentemente a cultura,
necessitam da Administração e também são espaços para se exercer a profissão de
administrador. O argumento é reforçado quando se leva em consideração a
relevância atual da indústria criativa na economia e na sociedade.
27
2.3 O ENSINO DA ADMINISTRAÇÃO
No livro Administração Geral e Industrial, Henri Fayol questionava o motivo
de os programas das escolas superiores não incluírem o ensino de Administração.
Considerando que a capacidade administrativa seria a mais necessária aos
chamados “agentes superiores das grandes empresas”, e que uma educação
exclusivamente técnica não corresponde às necessidades gerais de nenhum tipo de
empresa, o autor afirmava que o ensino administrativo devia fazer parte da vida do
indivíduo desde a primeira escola, quando a criança deveria aprender noções
básicas de finanças e de organizações.
O único motivo, segundo Fayol (1970), para não incluir a administração nos
programas de ensino superior, é a inexistência de uma doutrina consagrada surgida
a partir de uma discussão pública, sendo que o que existia eram apenas doutrinas
pessoais acerca da administração. Uma doutrina consagrada seria um conjunto de
princípios, regras, métodos e procedimentos que, aliados à prática, trariam eficácia
no ato de administrar.
No Brasil, os primeiros cursos de Administração foram ministrados em duas
escolas no Rio de Janeiro em 1902, porém esses cursos só passaram a ser
regulamentados em 1931 após a criação do Ministério da Educação. Em 1944, com
a criação do Departamento de Administração do Setor Público (DASP), objetivando
preparar e especializar pessoas para a administração pública e privada, foi instituída
a Fundação Getúlio Vargas (FGV) (NICOLINI, 2003).
No ano de 1954 surgiu no país a primeira escola no modelo chamado
business schools, a EAESP, que era um centro de treinamento e intercâmbio na
área de negócios, e que se tornou referência no Brasil por ser uma escola baseada
nos moldes dos Estados Unidos. Isso ocorreu após um grupo de professores, que
fazia parte dessa instituição e que foi enviado para um programa de mestrado nos
EUA, retornar e passar a lecionar em áreas como contabilidade e finanças,
administração geral, administração de produção e mercadologia, se preocupando
também em dar aos alunos uma base em sociologia, direito, economia, política e
psicologia (MOTTA, 1983).
A EAESP foi responsável pelo primeiro currículo especializado em
Administração de Empresas do país. A partir da Faculdade de Economia e
28
Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), e da EBAP, ambas
criadas em 1964, o ensino de graduação em administração se desenvolveu
(NICOLINI, 2003).
De acordo com o MEC, em 1967 existiam 31 cursos, e em 1998 já existiam
no país 549 escolas de Administração, sendo que 52,4% delas eram instituições
universitárias (NICOLINI, 2003). Alguns fatores foram responsáveis pelo crescimento
acelerado dos cursos de graduação em Administração. Por não exigir laboratórios
sofisticados e muita tecnologia, eram necessários poucos investimentos financeiros
para abrir um curso. Além disso, a maioria do pessoal contratado era mal preparado
e, sequer recebia o suficiente para se aprimorar (MOTTA, 1983).
De acordo com Motta (1983), nos programas brasileiros é visível a quase
total falta de tópicos que estejam ligados à dimensão internacional da administração,
em contrapartida a realidade do Brasil é uma economia extremamente
internacionalizada. A lacuna em relação à gestão de micro e pequenas empresas
que não condiz com o discurso oficial que diz valorizá-las. Outro problema seria os
professores pouco acessíveis e que não se atualizam, passando visões e teorias
que não servem para a realidade atual ou as próximas que poderão vir.
A ausência de tradição de pesquisa que também ocorre como consequência
dos baixos salários e a falta de recursos são fatores que levam a qualidade dos
cursos a ser baixa em comparação aos demais, e fazem com que aconteça um
“envelhecimento” do curso tornando os alunos preparados “nem mesmo para hoje,
mas sim para ontem” (MOTTA, 1983). A falta de estudos em Administração,
juntamente com os indivíduos, que apesar de não serem formados querem
administrar, pode atrapalhar a sobrevivência e causar a mortalidade infantil das
empresas. Um estudo realizado pelo SEBRAE2 em 2013 constatou que, as
empresas constituídas em 2005 obtiveram uma taxa de sobrevivência de 73,6%, em
2006 e 2007 os resultados aumentaram para 75,1% e 75,6% respectivamente.
Nicolini (2003) reafirma a baixa produção científica, seja em forma de artigos
ou de livros, sobre a formação de administração. O autor ressalta também que a
quantidade de pareceres analíticos, que podem ser considerados parte de uma
doutrina consagrada referindo-se a Fayol (1970), sobre o ensino de Administração
2 Disponível em:
https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/Sobrevivencia_das_empresas_no_Brasil=2013.pdf. Acessado em: 12/11/2016.
29
significa o mínimo necessário no Brasil. A documentação que contém a história e os
dados dos acordos que tornaram propícios o estudo da Administração no país são
escassos e carente de sistematização, o que dificulta um estudo mais aprofundado e
sólido sobre o tema (NICOLINI, 2003).
Comparando o aluno à matéria prima e o currículo mínimo desenvolvido pelo
Conselho Federal de Educação (1993) a uma linha de montagem, Nicolini (2003),
questiona a forma como o conteúdo dos cursos de Administração, que é um tema
extremamente amplo, é transmitido aos alunos sem considerar a vocação e
preferências de cada um. A Figura 5 mostra como é dividido o currículo elaborado
pelo Conselho Federal de Educação para o curso de Administração.
Figura 5: A linha de produção de um administrador
Fonte: NICOLINI, 2003
São consideradas disciplinas de formação básica e instrumental aquelas que
estão ligadas ao Direito, Economia, Matemática, Informática, Contabilidade,
Filosofia, Psicologia, Sociologia, e por serem base para a próxima fase são
lecionadas nos primeiros semestres. As disciplinas de formação profissional são
aquelas que preparam o aluno para atuar na área de administração, portanto
incluem assuntos mais específicos como Teoria da Administração, Gestão de
Pessoas, Finanças, Administração da Produção, Marketing, Sistemas e Métodos
(NICOLINI, 2003).
As disciplinas eletivas e complementares não possuem formato definido e é
basicamente o único momento em que o aluno pode buscar suas próprias
preferências, desde que dentro das áreas disponíveis. Na última etapa, o estágio
supervisionado, o aluno pode realmente colocar em prática aquilo que aprendeu,
visto que nas demais disciplinas nem sempre há a possiblidade de unir a teoria e a
prática, porém ao longo do tempo esta etapa perdeu o foco e a forma original
(NICOLINI, 2003). Disciplinas voltadas para gestão cultural poderiam se encaixar
30
como uma disciplina complementar, por este motivo é interessante ressaltar como o
currículo do curso está estruturado atualmente.
Muitas são as divergências em relação as características e os
conhecimentos que um indivíduo deve possuir para estar apto ao cargo de
administrador. Lodi (1993) apresenta em seu livro o parecer de diversos teóricos
sobre o que é ser um administrador. Alfred Chandler Jr. considera que a missão
histórica do administrador é o planejamento dos recursos a fim de suprir flutuações,
a curto e longo prazo, do mercado.
De acordo com Clausewitz, administrar requer planejamento cuidadoso,
onde todas as decisões devem se apoiar na probabilidade, e não na necessidade
lógica. O administrador deve aceitar a incerteza e planejar de modo a minimizá-la, e
isso deve ser feito a partir de decisões científicas e não intuitivas (LODI, 1993).
Fayol (1970) lista seis funções essenciais de um administrador que devem ter
estreita interdependência, sendo elas técnicas, comerciais, financeiras, segurança,
contabilidade, administrativas.
Adam Smith afirma que um bom administrador possui características como
ordem, economia e atenção, para John Stuart Mill as características básicas são
fidelidade e zelo, para Alfred Marshal autoconfiança e prontidão, enquanto Samuel
P. Newman (1835) um bom empreendedor devia ter um conjunto de qualidades que
raramente são encontradas em um só indivíduo: previsão e cálculo, perseverança e
constância, discrição e decisão de caráter, e por último conhecimento de mundo e
dos empreendimentos particulares.
2.4 GESTÃO CULTURAL
De acordo com Avelar (2010), o crescimento que o setor cultural brasileiro
tem apresentado mudanças na forma de trabalho e na postura dos participantes do
processo produtivo cultural. Para o autor, o mercado exige cada vez mais qualidade
no produto cultural que é oferecido, eliminando o espaço de amadores ou de
pessoas com pouca qualificação e abrindo espaço e demanda para aqueles que
buscam se especializar e se capacitar para oferecer um trabalho que atenda aos
31
consumidores. Seria a administração uma ferramenta para a capacitação desses
participantes?
Vários autores buscam compreender e, talvez, solucionar o que os mesmos
chamam de amadorismo em administração da cultura. Durand (1996) afirma ser
possível profissionalizar níveis técnicos intermediários da administração pública da
cultura. Considerando que a maioria dos países possui uma boa quantidade de
escolas de administração pública e de negócios, além de faculdades como
comunicação e artes que podem qualificar indivíduos para a gestão cultural,
desenvolver programas como reciclagem, ajustes e complementação em currículos
universitários já seria uma alternativa para sanar o problema.
Alguns fatores importantes e que devem, de acordo com Saravia (2008), ser
considerados na formação, sensibilização e capacitação de administradores
culturais são: a cultura é decisiva no progresso social, fundamental na atividade
governamental, e base na aplicação de critérios de governança e governabilidade. O
autor acredita que o despreparo de administradores culturais se dá ao fato de que, a
maioria que ocupa tal cargo se divide em dois grupos bem distintos. O primeiro
grupo é formado por administradores tradicionais que dispõe do conhecimento da
máquina governamental, porém são pouco sensíveis às manifestações culturais; o
segundo grupo é composto por pessoas sensíveis às manifestações culturais, mas
não conhecem os métodos e as técnicas administrativas que podem contribuir com
um melhor desempenho. Para Saravia (2008), a melhor opção para reverter a
situação seria promover aos indivíduos sensíveis ao fenômeno cultural maneiras de
adquirir os conhecimentos administrativos, permitindo a realização de planos e
projetos de maneira mais fácil e eficaz.
Evrard e Colbert (2000) propuseram a gestão cultural como um ramo
independente, ou uma nova disciplina nos cursos de gestão tradicional. Tal proposta
também se assemelha ao objetivo do Fórum de Produtores Culturais da
Universidade de Brasília (UnB) que busca a criação de uma disciplina voltada para a
produção cultural ou uma extensão da graduação que ofereça especialização na
área. De acordo com os autores, as contribuições entre os tipos de gestão seriam
mútuas e inclusive, a gestão tradicional seria ainda mais beneficiada.
Hanson (2007) relata as contribuições da gestão cultural para as diversas
áreas da administração. Para o autor o fato do mundo das artes lidar com uma
gestão de descontinuidade, orientada para projetos e consequentemente uma
32
gestão de trabalhadores intermitentes, e lidar também com o que ele chama de
dupla gestão entre as competências artísticas e gerenciais, que pode ser tanto
conflituosa quanto sinérgica, são de grande auxílio para o campo de gestão de
pessoas.
A área de finanças e contabilidade é beneficiada devido as particularidades
que estas áreas apresentam no mundo das artes. Por lidar com um produto ou
serviço oriundo de uma propriedade intelectual, faz-se necessário saber lidar com a
imaterialidade e saber trabalhar com valores flutuantes e valores de ativos que
variam de acordo com o gosto do mercado. Lidar com produtos ou serviços na
maioria das vezes impalpáveis deu aos gestores do setor uma maior experiência no
ato de desenvolver práticas de um marketing mais proativo, que estão ligadas ao
marketing no lado da oferta, além de também contribuir nos campos pesquisa
relacionadas ao comportamento do consumidor (HANSON, 2007).
De acordo com Summerton (2004), em geral busca-se adaptar para as artes
os conceitos de gestão empresarial utilizado principalmente em grandes empresas,
o que na maioria das vezes é um erro. A autora destaca que o campo das artes
possui singularidades, muitas já citadas, que tornam tais modelos de gestão pouco
relevantes. O meio da arte e da cultura é em sua maioria formado por
empreendimentos de pequeno porte, pequenos projetos, e indivíduos que entram e
saem das estruturas organizacionais ligadas a este campo, sendo muitas delas,
inclusive, não exploradas por teóricos da gestão.
O IBGE (2003) desenvolveu um estudo que buscou listar as principais
características de gestão das Micro e Pequenas empresas do Brasil: baixo volume
de capital empregado, altas taxas de natalidade e mortalidade, não distinção da
pessoa física com a pessoa jurídica, registros contábeis pouco adequados,
dificuldade de acesso a financiamento de capital de giro, dificuldade de definição dos
custos fixos e utilização intensa de mão-de-obra não qualificada são algumas das
características que também podem ser atribuídas à maioria dos empreendimentos
do setor cultural e artístico. Tal conclusão reafirma o erro ao aplicar conceitos
utilizados em grandes empresas a empresas de cunho artístico e cultural.
Conforme exposto, muitos participantes da indústria cultural não se
consideram parte de uma indústria e um artista, por exemplo, dificilmente verá o seu
trabalho como um produto ou serviço. Por essa razão, conhecimentos gerenciais por
parte dos participantes, ou em alguns casos, a presença de um empresário faz-se
33
tão importante. Além das características e as funções que já foram listadas como
necessárias ao administrador, aqueles que estão ligados ao setor cultural devem
desenvolver outras habilidades e conhecimentos, como o papel de mediador entre o
artista, sua arte, e seu público (HANSON, 2007).
Neste trabalho foram citadas as características que alguns autores
consideram importantes em um administrador, porém, ao se tratar de um gestor
cultural outros pontos devem ser considerados. Summerton, Kay e Hutchins (2006)
consideram que um gestor cultural eficiente deve possuir os seguintes atributos:
visão crítica sobre a teoria da cultura e questões de política cultural; envolvimento
ativo com o meio artístico e cultural como participante, observador ou consumidor;
orientação para o futuro; valorizar a mudança e apreciar a complexidade, a
flexibilidade e adaptabilidade; habilidades bem desenvolvidas de comunicação e de
gestão de relacionamentos diversificados; tendência para autorreflexão, aprendizado
e desenvolvimento profissional; capacidade para exercer julgamentos de valor sobre
as artes e atividades culturais.
Após todo o exposto ao longo do referencial teórico, espera-se que tenha
ficado clara a importância da aproximação da Administração e da Cultura. As
contribuições mútuas, e aplicabilidade de métodos e conhecimentos administrativos
no setor cultural são fundamentais para o desenvolvimento e o sucesso do mesmo.
34
3 MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA
Toda e qualquer pesquisa busca descobrir e interpretar os fatos de uma
determinada realidade, e para atingir tal objetivo faz uso de procedimentos
sistemáticos e intensivos (LEHFELD, 1991). Neste tópico são tratados os métodos e
as técnicas de pesquisa empregados para alcançar os objetivos propostos no início
do trabalho. A descrição e o tipo da pesquisa, a caracterização do setor e da
população, os participantes do estudo, os instrumentos de pesquisa, a coleta e
análise de dados, foram definidos de forma a viabilizar a pesquisa, e são expostos
de forma detalhada visando facilitar a compreensão dos resultados obtidos.
3.1 TIPO E DESCRIÇÃO GERAL DA PESQUISA
A forma como o objetivo de uma pesquisa é fundamentado, e a finalidade da
mesma, permite classificá-la como exploratória, descritiva ou explicativa (GIL, 2010).
Considerando as leituras realizadas acerca dos métodos científicos, e o objetivo que
busca ser alcançado neste trabalho, é possível classificar o mesmo como uma
pesquisa exploratória e descritiva.
As pesquisas de caráter descritivo têm como principal objetivo a descrição
das características de uma determinada população ou fenômeno. Dentro das
pesquisas descritivas existem aquelas que, além de estudar as características de
um grupo, também permitem uma visão nova de um problema, o que as aproxima
de uma pesquisa exploratória. A pesquisa exploratória permite uma visão mais
ampla de um determinado tema e, quando este é pouco explorado, ela torna mais
fácil a formulação de hipóteses mais precisas e operacionalizáveis (GIL, 2010).
Partindo do princípio de que um dos focos nesta pesquisa é identificar a
percepção que os participantes da indústria cultural têm sobre a Administração,
pôde-se classificar a pesquisa como descritiva, ou seja, com o intuito de relatar as
opiniões desse grupo. Ainda, pelo fato de a aproximação entre Administração e
cultura não ser a mais comum em pesquisas acadêmicas, a característica
exploratória pôde ser adicionada, a fim de melhorar a compreensão que se tem da
indústria criativa, no sentido de uso das ideias de Administração.
35
Os procedimentos técnicos empregados na realização da pesquisa, e o fato
como os participantes do setor cultural terem sido indagados de forma direta acerca
das questões levantadas no objetivo, permite classificá-la como um levantamento. O
levantamento, de acordo com Ribas (1999), é mais utilizado em estudos descritivos
e ocorre a partir de interrogações feitas diretamente àqueles a quem se busca
compreender. Ainda segundo a autora, uma das vantagens do levantamento é que,
por ser mais direto, não há tanto espaço para subjetivismo dos pesquisadores;
porém, uma das desvantagens é que alguns participantes tendem a não dizer
realmente o que sentem.
Segundo Silverman (2009) a pesquisa qualitativa possui quatro principais
métodos, e dois deles foram empregados na pesquisa visando conseguir os dados
necessários: entrevista, e análise de textos e documentos. Considerando nos
métodos escolhidos para a obtenção dos dados, e a forma como serão avaliados,
pode-se concluir que a pesquisa é de cunho qualitativo.
3.2 CARACTERIZAÇÃO DO SETOR
Como mostrado, a indústria criativa é o centro do que se considera a
economia criativa (UNCTAD, 2012), e é dividida pela FIRJAN (2014) em quatro
áreas: mídia, tecnologia e consumo. O Relatório de Economia Criativa 2013 afirma
que, em 2011, o comércio mundial de bens e serviços ligados à criatividade totalizou
US$ 624 bilhões. Ainda de acordo com a publicação, as atividades culturais, (que
conforme Newbigin (2010) são aquelas atividades nas quais as pessoas pensavam
quando não estavam trabalhando, mas não fazia parte a vida laboral, privadas e
formais representam) em média, 5,2% do PIB em 40 países segundo a UNESCO.
A FIRJAN (2014), aponta que em 2011 a contribuição do setor criativo – que
é como o MinC nomeia a indústria criativa no Brasil – para o PIB do país foi de 2,7%.
A pesquisa também aponta que o Brasil se encontra entre os maiores produtores
criativos do mundo, superando países como Holanda e Espanha. Contudo, ainda
falta muito para alcançar países como o Reino Unido ou os Estados Unidos que
possuem maior compreensão acerca da importância do setor e com isso
36
apresentam políticas e estratégias que valorizam e incentivam participantes do
mesmo.
O MinC, com o objetivo de tornar a cultura um eixo estratégico nas políticas
públicas, criou em 2012 a Secretaria de Economia Criativa, e a partir de um
mapeamento realizado no mesmo ano verificou que de 2005 a 2010 houve um
aumento de 6,13% ao ano no PIB cultural, o que é superior à média anual do PIB
total brasileiro que foi de 4,3% (MinC 2012). O setor criativo, além de importante
atualmente para a economia e o quadro social dos países, também representa uma
fonte importantíssima para a geração de renda e de empregos (UNCTAD, 2012). O
MinC, em 2004, identificou mais de 320.000 negócios culturais gerando 1,6 milhões
de empregos (UNCTAD, 2012).
É importante ressaltar novamente a dificuldade em mensurar o mercado
cultural do país. Além do fato de muitos participantes não se considerarem parte de
uma “indústria”, outros tantos são trabalhadores informais no setor. Mesmo a taxa de
informalidade no setor criativo tendo acompanhado a média geral entre 2002 e 2008,
alcançando 48,51%, ela continua superior comparada à média nacional de 45,58%
(SILVA, 2012).
Apesar de ser a menor área no quesito de trabalhadores formais (62,1 mil
profissionais que representam 7,0% do total), e possuir os menores salários médio
em comparação as demais (R$ 2.527), a cultura foi a área criativa que mais
avançou, superando em 22% a renda média do trabalhador no Brasil que é de
R$2.073 (FIRJAN, 2014). A Figura 6 mostra a população e a distribuição dos
trabalhadores formais da área cultural da Indústria Criativa.
3.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO
Para que a pesquisa empírica fosse realizada da melhor maneira possível, o
objetivo, ao selecionar os participantes, foi abranger as mais diversas áreas e
funções do setor cultural. Participaram do estudo 21 integrantes do setor
pertencentes da área de expressões culturais, música, patrimônio e artes e cênicas.
Os entrevistados tinham idade entre 25 e 61 anos. Apenas 4 eram do sexo feminino.
37
Figura 6: Distribuição dos empregados formais da área criativa de cultura por UF
Fonte: FIRJAN, 2014
O quadro 1 contém o perfil dos entrevistados apresentando a formação e a
área de atuação de cada um. O quadro tem o propósito de mostrar as diferenças e a
diversidade dos participantes do estudo, e servirá para um melhor embasamento
dos resultados, permitindo comparar as respostas e os trechos da entrevista ao perfil
do entrevistado em questão.
A amostragem foi intencional. A opção por esse tipo de amostragem não
probabilística se deu pela escolha de obter uma amostra mais diversa possível,
visando abranger várias áreas do setor e vários perfis de participantes. Além de
buscar participantes nas quatro áreas do setor cultural, outro critério para selecionar
a amostra foi usar integrantes de diversas funções e que atuavam de forma
dependente ou independente de um empresário ou produtor (buscando, novamente
de forma intencional, abranger uma gama maior do setor), portanto, artistas cênicos,
dançarinos, músicos, produtores, diretores, entre outros fizeram parte do estudo
sendo que muitos deles atuavam em várias funções ao mesmo tempo.
A maioria dos participantes ou faziam parte do Fórum de Produtores
Culturais da UnB, (que é um grupo que se encontra semanalmente para palestras
gratuitas e abertas ao público de gestores ou participantes do setor, gratuitas e
abertas ao público afim de criar, principalmente nos alunos dos cursos de artes da
UnB, o interesse pelos temas debatidos), ou foram indicados por participantes do
mesmo. Alguns são conhecidos em Brasília e tinham o contato disponível na
internet. Tal fato permitiu contato com pessoas diferentes no modo de atuar no setor,
visto que alguns atuavam de forma independente outras de forma dependente tanto
38
de um produtor quanto do apoio governamental, no modo de ver o setor cultural
principalmente de Brasília, que é o local de atuação da grande maioria, e no modo
de fazer cultura, visando a arte, o lucro ou ambos.
Quadro 1 - Perfil dos entrevistados
PARTICIPANTE FORMAÇÃO ATUAÇÃO
Entrevistado 1 Graduada em Relações Públicas; especialização e capacitação na área cultural.
Produtora cultura, parecerista cultural pelo MinC, instrutora de cursos de produção executiva.
Entrevistado 2 Não graduado; especialização em fotografia, direção e cinema.
Diretor publicitário, documentarista, diretor de fotografia, sócio fundador de empresa de Produção Cultural.
Entrevistado 3 Graduado em Administração; sem cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Sócio fundador de uma empresa de Produção Cultural, responsável pela parte administrativa da empresa.
Entrevistado 4 Graduado, especialista e pós-graduado em Psicologia.
Psicólogo, músico e coprodutor de um evento cultural.
Entrevistado 5 Graduada em Administração; Pós-graduação em Gestão Cultural; especialização e capacitação na área cultural;
Sócia/proprietária de uma empresa de Produção Cultural.
Entrevistado 6 Não graduado; sem cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Produtor cultural e fundador de um centro cultural.
Entrevistado 7 Não graduado; sem cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Engajado em causas sociais, voluntário em um centro cultural, coprodutor em eventos culturais.
Entrevistado 8 Graduada em Relações Públicas; realizou cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Produtora cultural.
Entrevistado 9 Graduado em Marketing; sem cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Proprietário de uma empresa de segurança terceirizada, músico, produtor cultural.
Entrevistado 10 Não graduado; sem cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Ator, diretor e fundador de um centro cultural;
Entrevistado 11
Graduado em Gestão de Eventos; Pós-graduação em Gestão Cultural; realizou cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Produtor cultural.
Entrevistado 12 Graduado em Biologia; realizou cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Proprietário de uma Produtora de áudio e selo musical, técnico de som.
Entrevistado 13
Graduado em Cinema, Comunicação Social e graduação incompleta em Engenharia Florestal; realizou cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Músico, produtor musical, engenheiro de som.
Entrevistado 14 Graduado em Comunicação Social; realizou cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Professor, produtor cultural.
Entrevistado 15 Graduação incompleta em Direito; realizou cursos de especialização e capacitação na
Ator, escritor, radialista, produtor cultural.
39
área cultural.
Entrevistado 16 Não graduado; sem cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Músico, produtor cultural.
Entrevistado 17 Graduado em Administração e Comunicação Digital; realizou cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Produtor cultural, parecerista de cultural, consultor/gestor cultural, assessor de comunicação e imprensa.
Entrevistado 18 Não graduado; realizou cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Músico, produtor rural, assessor jurídico em questões fundiárias.
Entrevistado 19 Graduado em Administração; sem cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Produtor cultural e de eventos.
Entrevistado 20 Não graduado; realizou cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Músico, produtor cultural, proprietário de lojas de artigos e vestuários para o público do rock.
Entrevistado 21 Graduada em Dança; realizou cursos de especialização e capacitação na área cultural.
Dançarina, produtora cultural, sócia de uma marca de brechó.
3.4 INSTRUMENTOS DE PESQUISA E COLETA DE DADOS
Considerando o objetivo do estudo, o tipo de pesquisa e os seus
participantes, observou-se que o instrumento mais apropriado seria a entrevista. Ela
é uma opção técnica de coleta de dados quando, além de textos e documentos, faz-
se necessário respostas mais profundas para alcançar resultados mais fiéis e que
são de conhecimento apenas de conhecedores do tema ou participantes do setor
(ROSA; ARNOLDI, 2008). Os dados obtidos nas entrevistas foram comparados com
outros documentos do setor, de modo a confirmar as respostas dadas pelos
entrevistados.
O modelo de entrevista escolhido foi o de entrevista semiestruturada.
Segundo Triviños (1987) a entrevista semiestruturada é baseada em um roteiro
desenvolvido previamente, permite que o entrevistado discorra sobre outros
assuntos ligados ao tema proposto pelo entrevistador de forma mais aberta e
espontânea. No presente estudo, a entrevista semiestruturada possibilitou que
informações extras fossem absorvidas, e que as dúvidas que surgiram ao longo da
conversa fossem esclarecidas dando espaço a novos assuntos e novas indagações.
O roteiro foi desenvolvido baseando-se no objetivo da pesquisa, na literatura
40
exposta no referencial teórico e em outras mais específicas sobre o tema. O roteiro,
inicialmente com 22 questões, foi corrigido e aperfeiçoado juntamente com o
orientador para garantir que a linguagem utilizada permitia a correta compreensão
das perguntas. Após a correção o roteiro foi composto por 15 questões divididas
entre os temas: formação, atuação e percepção da indústria e da gestão cultural (ver
Apêndice).
No total, 14 entrevistas foram realizadas pessoalmente durante todo o mês
de setembro de 2016, porém, devido a imprevistos e desencontro de horários, as
demais entrevistas foram realizadas via e-mail. As entrevistas realizadas
pessoalmente tiveram uma média de duração de 40 minutos, a mais longa chegando
a alcançar 1 hora e 30 minutos. Foram realizadas em horários variados durante e
após o expediente devido aos horários conturbados dos participantes do setor,
inclusive algumas precisaram ser remarcadas diversas vezes também em
decorrência da rotina dos participantes.
As conversas foram gravadas com o auxílio de um celular objetivando
facilitar a análise e a transcrição das partes mais relevantes das respostas. Algumas
perguntas proporcionaram respostas adequadas para o cálculo de estatísticas
descritivas básicas, como frequências e proporções. As outras respostas, mais
qualitativas, não foram objeto de métodos formais de análise, como análise de
conteúdo e/ou do discurso, mas serviram para o aprofundamento do assunto.
41
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste tópico serão apresentados os principais resultados da pesquisa de
campo e as discussões que surgiram a partir das entrevistas. Seguindo o padrão da
análise, os resultados e a discussão foram separados entre os três grupos,
formação, atuação e percepção, a fim de facilitar a compreensão acerca dos fatos.
Vale ressaltar que alguns pontos da discussão são interdependentes, e o fato de
estarem apresentados em uma das seções é somente didático.
Para realizar a análise das respostas as perguntas foram divididas em três
grupos: formação, atuação profissional e percepção da indústria.
a) Formação: perguntas relacionadas à formação acadêmica do
entrevistado, a área de formação, como ela influencia na atuação dentro
do campo cultural, se fez outros cursos ou aulas que ajudam no
desempenho administrativo, se conhece e tem interesse em fazer cursos
voltados para gestão;
b) Atuação profissional: perguntas relacionadas à área em que atua no
setor cultural e se atua em outras além da cultural, quais dificuldades
enfrenta, se apresenta aptidões administrativas e as coloca em prática
no setor cultural;
c) Percepção da Indústria: perguntas relacionadas à visão dos
participantes sobre a indústria cultural, se eles se consideram parte de
uma indústria, como enxergam a gestão cultural do país, como eles
podem contribuir para o desenvolvimento do setor, o que entendem por
Administração;
4.1 FORMAÇÃO
A área de formação dos participantes pode ser bastante relevante e de
grande influência para começar a compreender a forma e os possíveis problemas de
atuação dos mesmos. Em teoria, o que se acredita é que cursos de Administração,
ou aqueles que de alguma forma estão relacionados à gestão podem colaborar
significativamente para o bom desempenho no campo cultural. Observando tais
42
argumentos, acreditou-se ser necessário questionar os participantes acerca da sua
área de formação, e se for o caso, como ela influencia no seu campo de atuação.
Conforme mostrado no Gráfico 1, 62% dos entrevistados possuem curso
superior sendo que 15% é formado em mais de um curso. O entrevistado 15, que
não possui curso superior, chegou a iniciar uma graduação em Direito na UnB. Além
dele, o entrevistado 13 possui mais de uma graduação, sendo uma delas no exterior,
também começou o curso de engenharia na UnB, mas não o concluiu. Ambos
afirmam que o motivo para a não conclusão dos cursos se deu pelo fato de não
perceberem relação entre o curso e o campo cultural, e por não se identificarem com
os mesmos.
No Gráfico 2 foram incluídas as áreas nas quais os entrevistados não
chegaram a se formar, e aquelas em que são graduados. Colocar os cursos de
Direito e Engenharia tem como objetivo mostrar a variedade de áreas, e a
compatibilidade entre elas e a forma de atuação dos participantes dentro do setor
cultural. Ainda que os entrevistados não tenham concluído os cursos, acredita-se
que eles possam ser influenciados ou possam fazer uso dos conhecimentos
adquiridos nos mesmos.
Gráfico 1 - Participantes graduados
43
De acordo com o gráfico, 4 participantes são graduados em cursos de
Administração ou que possuem disciplinas similares e voltadas para a gestão, sendo
eles o curso de Marketing e Gestão de Eventos. Observando superficialmente o
gráfico percebe-se que somente a entrevistada formada em dança, e o formado em
cinema possuem graduação em áreas diretamente ligadas ao campo cultural.
Porém, de acordo com alguns dos entrevistados, mesmo que de forma indireta, a
atuação no campo cultural é influenciada pela formação acadêmica.
Mesmo que a faculdade tenha influenciado no modo de atuar dos
participantes, todos afirmam que somente ela não seria suficiente e, por este e
outros motivos, 61% possuem pós-graduação, mas apenas 25% deste total são
voltados para a gestão cultural.
Gráfico 2 - A diversidade das áreas de formação
Do total de participantes da pesquisa, aproximadamente 71% fizeram cursos
de capacitação ou especialização que colaboram para a atuação no campo cultural.
Dentre eles 42% são graduados, e 28% fizeram cursos de gestão cultural, e
acreditam que o mesmo foi de grande influência no modo de atuar e de enxergar o
campo cultural. 33% dos participantes conhecem cursos ligados à gestão cultural e
possuem interesse em fazê-los por julgar necessário o conhecimento por eles
proporcionado. Outros 19% afirmam não conhecer tais cursos e dentre eles, apenas
metade demonstrou interesse em cursá-los. Os participantes restantes conhecem,
porém não demonstraram interesse por não julgarem necessários.
Conforme exposto anteriormente por Avelar (2010), o mercado cultural exige
cada vez mais do produto final apresentado. Não há mais espaço para pessoas com
baixa qualificação. De acordo com Britto e Fontes (2002) a produção cultural deve
planejar, programar, executar e monitorar diversas atividades considerando o local e
44
o público. Além disso, a produção de um evento cultural deve levar em consideração
o fato de que o evento é uma atividade econômica, social e que gera benefícios para
o local onde está sendo realizado e sua comunidade. São tais fatos que reforçam a
importância de gestores e produtores culturais capacitados, especializados e
dotados de conhecimentos técnicos sobre o campo em que atuam.
Os cursos de Gestão Cultural mais mencionados pelos entrevistados foi o do
SENAC, e um que foi oferecido pelo MinC e que também contava como Pós-
Graduação. Também foram citados o curso de Gestão e Políticas Culturais oferecido
pelo Itaú Cultural e o curso de Gestão e Produção Cultural da Universidade da
Bahia.
De acordo com Pedroso (2014) o produtor e o gestor cultural exercem
funções complementares, e por ser um mercado em expansão e com uma demanda
crescente, diversas universidades no Brasil estão investindo em cursos de
graduação em Produção Cultural que também incrementa disciplinas de gestão:
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/Universidade Cândido
Mendes; Universidade Federal Fluminense; Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia; Universidade dos Pampas; Universidade Federal da Bahia, que foi
citada por um entrevistado conforme exposto anteriormente. A autora informa em
seu artigo que no total existem 5 cursos a nível de bacharelado,9 de mestrado
acadêmico, 4 de mestrado profissional e 2 de doutorado.
Observando a Sinopse da Educação superior, no ano de 2001 existia 1
curso de Produção Cultural, e em 2015 o número aumentou para um total de 9
cursos. O que se percebe com esses dados é que o crescimento foi pequeno, o que
pode dar indícios do pouco investimento na área considerando o crescimento, e a
relevância do setor cultural.
Todos os participantes do estudo afirmam buscar melhorar e se aprimorar no
ramo em que atua. Eles disseram buscar cursos, aulas, palestras, leituras, ou
simplesmente dedicam algumas horas de treino ao instrumento ou a arte. Alguns
foram mais específicos quanto aos pontos que precisam melhorar como gestores do
campo cultural e citaram organização, disciplina e controle financeiro como
características que precisam ser mais trabalhadas para alcançar os objetivos.
Apesar de afirmarem que estão sempre se aprimorando e se atualizando,
muitos acreditam que buscar capacitação para o campo de atuação ainda é um
ponto a ser trabalhado pelos participantes do setor, de modo geral. Segundo os
45
entrevistados o setor carece de pessoal capacitado em partes técnicas como
iluminação, áudio entre outros. A carência de profissionais desse tipo pode ser
considerada como uma falha grave. Para que ocorram eventos, shows, festivais e
considerando o crescimento do setor como um todo, é necessária a presença de
iluminadores, roadies, figurinistas, maquiadores, profissionais de áudio (edição,
mixagem e masterização), entre outros profissionais, e por isso a cultura movimenta
uma enorme cadeia produtiva.
Muitos dos profissionais que atuam em áreas técnicas adquiriram e
repassam tais conhecimentos sozinhos ou de maneira “informal”, ou seja,
aprenderam com outros que já estão no mercado, e não possuem certificado.
Existem escolas técnicas, e instituições como o Instituto de Artes e Técnicas em
Comunicações (IATEC) que oferecem cursos técnicos em áreas do entretenimento,
porém algumas vezes o investimento tem um custo relativamente elevado.
Com relação à capacitação em áreas de gestão, o que se percebe é que
criar disciplinas sobre gestão cultural dentro dos cursos de graduação, não só de
Administração, mas principalmente nos cursos ligados diretamente à cultura como
os de artes e música, seria uma melhor alternativa pois, o que se percebe através da
pesquisa é que a procura por cursos com esse teor tende a diminuir após a
graduação.
Baseando-se nas Diretrizes Curriculares do curso de Administração3,
especificamente no Art. 4º onde são descritas as competências e habilidades do
profissional da Administração, é possível aproveitar e associar aos participantes do
setor cultural praticamente todas as competências. Reconhecer e definir problemas,
pensar estrategicamente, refletir e atuar criticamente, ter iniciativa, criatividade e
determinação, transferir conhecimentos da vida e de experiências cotidianas para o
trabalho, elaborar, implementar e consolidar projetos são alguns exemplos de
competências e habilidades presentes nas Diretrizes e que também podem ser
aplicadas ao setor cultural.
3 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ces-0134.pdf. Acessado em: 12/11/2016.
46
4.2 ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Durante a pesquisa, quando indagados sobre as atividades com as quais
trabalhavam, o que foi percebido é que, viver exclusivamente do campo cultural é
por vezes, inviável. Conforme mostra o Gráfico 3, 66% dos entrevistados afirmaram
atuar somente no campo cultural. Contudo, para “viver de cultura”, como foi
explicado por dois dos entrevistados, na maioria das vezes é preciso ser
“multitarefas”. Segundo eles, não basta ser somente artista - a menos que já se
tenha fama e um bom empresário - é preciso ser artista em mais de um grupo,
empresário e agente ou então escritor, produtor, e radialista, como é possível
observar no quadro com o perfil dos participantes.
Gráfico 3 - A área de atuação dos participantes
Estão incluídas em “outras atividades” as atuações como psicólogo,
professor universitário, proprietários de empresas nos ramos de varejo, vestuário e
segurança. Tais atuações estão condizentes, na maioria das vezes, com a área de
formação dos entrevistados. Outro ponto importante que foi percebido a partir da
pesquisa é o fato de que, aqueles que trabalham em áreas completamente
diferentes da cultural, como a de psicologia, são em sua grande maioria artistas, ou
47
seja, os produtores aparentam ser os que mais conseguem se manter somente com
a cultura.
Ainda tratando sobre o ramo de atuação, o entrevistado 9 narrou o dia em
que foi visitar um cliente, atuando pela empresa em que trabalha além das
atividades como músico, e teve que ouvir o pai do cliente usá-lo como exemplo para
o filho: “Vê meu filho? Ele toca rock, mas também trabalha”. O que se pode concluir
a partir de narrativas como a exposta acima, e das demais entrevistas é que a
profissão de artista parece ainda não ser valorizada, e tal fato pode ser considerado
como mais um fator que dificulta para o artista se manter somente com as atividades
culturais.
Pode-se dizer que a pouca valorização da classe artística citada acima é
algo cultural no país, e possibilita traçar um paralelo entre a forma como boa parte
dos artistas são tratados no Brasil, e como os artistas são tratados em países como
a Inglaterra que, conforme exposto anteriormente no trabalho, foi um dos primeiros
países se aprofundar no estudo da indústria criativa. No Brasil não é comum
presenciar artistas de rua, enquanto em Londres4 proprietários públicos e privados
são incentivados a criar oportunidades para que os artistas de rua possam aparecer,
melhorar seu desempenho e tornar a cidade mais atrativa para moradores e
visitantes.
Em 2015 o prefeito de Londres, em parceria com artistas, autoridades, polícia,
rede de transportes, empresas, União dos músicos entre outros, foi criado o evento
conhecido como “Busk in London Festival”. O festival ocorre no verão e reúne
artistas plásticos, circenses, músicos, performances de teatro, workshops, entre
outras atrações, todas gratuitas, mas deixando o público livre para contribuir
financeiramente com os artistas. A iniciativa também visou encorajar outras cidades
ao redor do mundo a se unirem em prol do “International Busking Day”.
Quando indagados sobre a forma como definem o valor a ser pago pelo
produto ou serviço que oferecem, a maioria dos produtores entrevistados, hoje, não
enxerga dificuldade para valorar seu trabalho. Entretanto, no início da carreira,
devido a inexperiência, eles disseram ter dificuldade nesse sentido, como
exemplificou o entrevistado 15: “a dificuldade maior não é dar o meu preço, é fazer o
4 Disponível em: http://buskinlondon.com/. Acessado em: 20/10/2016.
48
cliente entender o quanto valho”. O que se percebe é que os que mais apresentam
dificuldade nesse sentido são os artistas quando comparados aos produtores.
Ao contrário dos produtores que podem fazer uma pesquisa de mercado, o
artista trabalha com um produto mais abstrato e precisa entender a realidade
socioeconômica e o tipo de evento ou projeto em que vai expor seu trabalho, pois o
preço de cachê depende destes fatores. O entrevistado 18 relatou: “temos um cachê
fixo, mas em casos especiais, dependendo do interesse profissional na
apresentação em termos de divulgação para a banda, ou da intimidade, do carinho e
da consideração que temos pelo contratante podemos negociar e às vezes até abrir
mão do cachê cobrando apenas os custos operacionais como estadia, logística,
alimentação e pagamento da equipe que acompanha a banda, como já aconteceu”.
A entrevistada 5 também se mostrou ciente do problema dos artistas para
valorar o trabalho. De acordo com ela, não conseguir definir um valor a ser pago
pelo próprio trabalho desvaloriza a profissão e prejudica a manutenção de um
cenário sólido e rentável para a cultura, pois enquanto os artistas não valorizarem
sua função na sociedade e seu trabalho, o público também não o fará.
Conforme exposto por Hanson (2007) lidar com a imaterialidade dos produtos
oriundos de propriedade intelectual, e com os valores flutuantes que variam de
acordo com o mercado é uma das características da gestão cultural que podem
beneficiar a gestão tradicional. Além desses benefícios, presença de algum
profissional dotado dos conhecimentos da gestão cultural pode contribuir com
aqueles que ainda demonstram dificuldades para valorar o seu serviço.
A pergunta referente à existência de dificuldades para obter apoio e captar
recursos teve unanimidade nas respostas: “sim”. Todos os entrevistados afirmam ter
muitas dificuldades para obter apoio e captar recursos, especialmente na área
privada. Ao mesmo tempo, apesar dos diversos problemas enfrentados para
conseguir recursos da área pública, dentre eles a burocracia, o governo,
especialmente em Brasília, dispõe de várias ferramentas para incentivar o setor
como o Fundo de Apoio à Cultura (FAC), a Lei Federal de Incentivo à Cultura (nº
8.313/91), conhecida como Leio Rouanet, Lei de Incentivo à Cultura (LIC),
Secretaria de Cultura, Secretaria de Turismo, entre outras.
A análise da resposta dos entrevistados com relação as dificuldades para
obter apoio da iniciativa privada permite duas linhas de raciocínio para encontrar
uma solução: a primeira seria trabalhar nas empresas a necessidade e a importância
49
de investir em pequenos projetos e artistas independentes e emergentes pois,
segundo as respostas, a dificuldade se dá pelo fato de as grandes empresas que
incentivam a cultura darem preferência aos projetos grandes, ou aos artistas que já
possuem fama e que podem assim gerar uma maior visibilidade para a própria
organização, como aconteceu com o Bradesco e o Cirque du Soleil, ao invés de
investir em pequenos projetos ou artistas independentes e emergentes.
A segunda linha de raciocínio considera as respostas de alguns entrevistados
que afirmam que os editais lançados por empresas privadas são menos burocráticos
e mais acessíveis que os do governo. Assim sendo, o problema pode não estar nas
empresas, mas sim no projeto ou produto apresentado pelos artistas ou produtores.
A solução então pode ser a contratação de pessoal mais qualificado para a
elaboração dos projetos, ou a capacitação e especialização dos próprios
participantes.
Itaú Cultural, Porto Seguro, Oi e Volvo são algumas das empresas que
investem em projetos culturais, sendo que a Volvo por exemplo, em 2012 chegou a
investir R$ 6.606.967,82 a partir da Lei Federal de Incentivo à Cultura, portanto a
segunda solução pode ser preparar os produtores e artistas para “vender” o seu
projeto ou sua arte de forma a atrair a atenção dessas empresas.
Com relação a pergunta relacionada aos problemas enfrentados para obter
apoio e recurso do governo, muitos estão direta ou indiretamente ligados à gestão.
O primeiro problema é a burocracia que, de acordo com a maioria dos participantes
que lidam com o governo, atrapalha bastante o acontecimento da cultura. Para eles
a burocracia diz respeito aos processos de elaboração e aprovação de projetos, a
documentação para realização de eventos e todas as etapas relacionadas à
realização de eventos culturais em locais públicos. Os entrevistados reconhecem
que é necessário um processo burocrático dentro dos órgãos que lidam com a
cultura e que liberam verba para projetos culturais visto que esse dinheiro é público
e que deve haver uma prestação de contas e uma contrapartida para a sociedade,
porém acreditam que não funciona como deveria.
Boa parte dos entrevistados afirma que ou não sabem ou não gostam de
atuar na parte burocrática do setor, e aqueles que sabem, dizem que o aprenderam
a fazer devido à vivência. Os que não sabem ou não gostam buscam sempre
delegar as tarefas às empresas ou pessoas capacitadas, muitas vezes da área de
50
administração, evitando assim que haja erro durante o processo, e
consequentemente a não aprovação dos projetos.
O entrevistado 16 chegou a afirmar que a burocracia é tamanha que parou de
utilizar o Fundo de Apoio à Cultura (FAC), pois não aguentava mais ter que recorrer
às etapas, refazer os projetos e buscar atender todos os critérios necessários do
processo. Isso pode demonstrar certo despreparo, o qual poderia ser amenizado
com a ajuda da Administração. Em contrapartida, algumas experiências na esfera
privada parecem ter agradado mais aos artistas, em especial no quesito burocracia.
Um dos exemplos citados foi o do programa Itaú Rumos5, tido como modelo de fácil
acesso e entendimento.
Com relação às ferramentas disponibilizadas pelo governo para apoiar a
cultura, de acordo com os entrevistados, o FAC foi considerado uma das maiores e
melhores ferramentas do DF. Alguns acreditam ser insuficiente pois, permite que o
artista produza um DVD, mas não colabora no momento de divulgar o mesmo como
bem apontaram os entrevistados 12 e 13. Segundo eles, o ideal seria que o governo
promovesse oportunidades como shows, para que os artistas que produziram DVD
através do Fundo de Apoio à Cultura mostrassem o seu trabalho e vendessem o
material produzido. Nesses eventos as bandas tocariam gratuitamente em diversas
regiões do Distrito Federal promovendo a banda e mostrando ao público onde o
dinheiro foi aplicado.
A internet e as redes sociais são utilizadas no momento de divulgar eventos,
promover a união de grupos com ideologias parecidas e para vender o
produto/serviço cultural que se produz. Não se tem certeza, contudo, se redes como
o Facebook, por exemplo, são benéficas ou prejudiciais. De acordo com alguns
entrevistados, ao mesmo tempo que é bom ter um espaço para mostrar seu
trabalho, visto que é inerente ao artista ser visto, o excesso de informação e de
conteúdo, e a forma como isso se propaga torna cada vez mais difícil fazer algo
memorável e que seja lembrado ou notado.
O entrevistado 9 acredita nas redes sociais como positivas para a banda e
afirma que em 20 anos de existência ele nunca tentou “vendê-la”, ou seja, nunca
tentou contratos com gravadoras ou para shows. Todas as vezes que tocaram foi
por convite de pessoas que ouviram as músicas e gostaram do trabalho da banda
5 Disponível em: https://www.rumositaucultural.org.br/como-funciona. Acessado em: 18/10/2016.
51
sem precisar de divulgação forte e voltada para isso. Tal afirmação ressalta duas
ideias apresentadas nesta pesquisa: a primeira é a qualidade e o potencial artístico
de Brasília, e a segunda é sobre a falta de visão de negócio da classe cultural, e o
erro que os artistas comentem ao não enxergar a arte como um produto.
Após enxergar a arte como um produto, e buscar compreender e aplicar
alguns conhecimentos básicos da Administração sobre marketing, por exemplo, os
participantes do setor podem encontrar novas formas mais eficientes e eficazes de
divulgar o próprio trabalho. Ser criativo e inovador, estudar o consumidor, e realizar
um marketing proativo como bem colocou Hanson (2007), são algumas maneiras de
criar uma divulgação que pode ir além das redes sociais.
Quando questionados sobre o entendimento sobre incentivos fiscais,
conforme exposto anteriormente, no geral os participantes conhecem bem sobre
incentivos fiscais, fazem uso de tais incentivos e procuram empresas que
disponibilizam recursos para a cultura. Apenas o entrevistado 4 realmente não faz
uso de incentivos fiscais ou das ferramentas de apoio que o governo oferece.
Segundo ele, suas ideologias são diferentes dos demais e acredita que por
colaborar somente com evento pequeno não vê a necessidade de buscar apoio,
preferindo assim se unir a outros que pensam da mesma forma e estão dispostos a
criar uma cena própria onde aqueles que produzem, são os mesmos que se
apresentam, e que prestigiam o evento. A ideologia a qual se refere um dos
entrevistados é a do “do it yourself”.
Utilizado como slogan pelo movimento punk que ocorreu no final da década
de 70, na Inglaterra, o “faça você mesmo” incentivou muitos indivíduos a adotarem
um modelo de vida alternativo, e impulsionou bandas, gravadoras e imprensa
independentes ao sucesso (MORAN, 2010). Em Brasília existem adeptos dessa
forma de pensar e que, inclusive, atuam no setor cultural realizando eventos ao
modelo “do it yourself”, como é o caso do entrevistado citado anteriormente.
Assim como houve o caso do entrevistado que se diferenciou por preferir não
recorrer ao poder público para realizar suas atividades culturais, existem aqueles
que dependem muitas vezes da verba pública para realizar suas atividades, mas
que também se diferenciam dos demais. O primeiro (será chamado de “X”) deles
trata-se de um centro cultural e de um festival que começou em Brasília na década
de 80 buscando promover o lado social da cultura. O segundo (será chamado de
“Y”) é um grupo de cultura popular que começou em 2004 trazendo para Brasília
52
algo que ainda não se tinha: um identificador cultural e um mito. O que os diferencia
dos demais de forma positiva, mas que ao mesmo tempo não permite que eles
cresçam e alcancem uma parte maior da sociedade é o posicionamento deles como
resistência, e a maneira de ver a cultura como um caminho, e não um produto final.
Ambos possuem projetos incríveis, promovem oficinas e trabalham com
voluntários ou pessoas que vivem exclusivamente pela cultura. O X tem cunho
extremamente social, busca afetar positivamente a região que adotou para atuar
através de eventos educativos, ecológicos, culturais entre outros, porém enfrenta
diversos problemas para obter apoio financeiro e para se enxergar como algo
rentável e comercial, o que inclusive os leva a não se caracterizar como parte de
uma indústria cultural. O Y também oferece oficinas e busca estender a cultura
popular para a população, o que dificulta a sua atuação é o pouco reconhecimento,
o preconceito e a desvalorização da cultura popular em função do que vem de fora.
Nesses dois casos, o que se percebeu é certa negligência dos participantes
com a parte administrativa dos centros culturais. O idealizador do X é o único dentro
do grupo que trabalha exclusivamente com cultura e com o festival, já que o restante
é composto por voluntários, enfrenta todas as dificuldades citadas anteriormente e
há 30 anos espera ver o centro cultural crescer. Ele reconhece os erros cometidos
ao visar somente o social e se esquecer da parte administrativa e comercial que o
projeto demanda desde o início e afirma que agora estão tentando mudar isso
transformando-o em uma marca forte e consolidada. Para alcançar o objetivo,
segundo ele, os voluntários buscam alternativas para arrecadar verbas que não
sejam oriundas somente do poder público como ocorreu até agora, e para isso
precisam adquirir visão de negócios.
Questionados sobre conhecimentos acerca dos direitos culturais e a
propriedade intelectual, nem todos mostraram domínio do assunto, já que o tema é
realmente complexo e assim como diversos pontos do setor, apresenta problemas.
Um dos músicos entrevistados afirma que o Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição (ECAD) cobra taxas abusivas e nunca apresenta retorno. Machado
(2013) mostra as diversas ilegalidades apresentadas nas cobranças e na forma de
atuação do ECAD que, de acordo com a autora por não ter concorrência e por se
tratar de uma associação privada, age de forma arbitrária e monopolista,
pretendendo ter uma soberania e criar normas que nem o Estado possui ou permite.
53
Ao serem indagados sobre estarem ou não aptos a realizar as funções
administrativas, as respostas foram variadas e merecem uma análise mais delicada.
Apenas 38% dos entrevistados se consideram aptos a realizar funções como
formulação de objetivos, controle financeiro e divulgação, apesar de acreditarem que
a ajuda de um administrador seria bem-vinda. Outros 38% não realizam todas as
funções sozinhos e preferem ou dividir as tarefas entre integrantes do grupo ou para
outras empresas específicas como de assessoria de imprensa ou de comunicação.
De acordo com eles isso é feito ou por não possuírem todas as
competências necessárias, ou para que possam focar na produção e na criação.
Ainda assim, 50% dos que não realizam as funções sozinhos também gostariam do
auxílio de profissionais com os conhecimentos da área administrativa, e um, o
entrevistado 14, já realizou trabalho em parceria com a Empresa Júnior de
Administração da UnB. Os 24% restantes não se consideram aptos, sendo que mais
da metade deles fazem parte do grupo que afirma não ter interesse em cursos
voltados para gestão cultural além disso, conforme será exposto adiante, boa parte
destes demonstraram uma certa aversão à administração.
A Administração, infelizmente, é vista por alguns com preconceito e desdém.
Na visão destes, a maioria artistas ou aqueles diretamente ligados com a parte de
criação, administrar está única e diretamente ligada ao financeiro, ao lucro e ao freio
para a criatividade, o que para eles, nada tem a ver com a arte. Quando questionado
sobre o que entendia por administração a resposta do entrevistado 2 foi curta e
direta: “não quero nem pensar sobre isso. Quero criar! Quem vai ver quanto custa e
tornar viável é ele” disse apontando para o sócio e administrador da produtora
(entrevistado 3). Ao ser entrevistado, o sócio e administrador da produtora afirmou
as dificuldades de lidar com os participantes do meio criativo: “eles querem criar sem
saber quanto custa, trazem as ideias e querem que eu as torne realidade, mas não é
assim que funciona. Preciso manter o controle para conseguir manter a produtora,
então dou duas alternativas: produzir da forma que vocês querem e falir a empresa,
ou manter o pé no chão, fazer algo viável com qualidade e conseguir pagar as
contas no fim do mês”.
Por outro lado, alguns participantes, a maioria formada em áreas voltadas
para a administração, demonstraram reverência à Administração e reconheceram
sua importância não só no meio cultural como na própria vida cotidiana.
“Administração é tudo, é a base para sobreviver ao dia-a-dia, é a forma como você
54
lida com a sua casa, sua família, seu emprego, seu salário, suas relações
interpessoais”, de acordo com o entrevistado 19.
Outros três (entrevistados 9, 11 e 14) entendem a Administração como o
acompanhamento do início ao fim, comparando ao meio cultural seria desde a
concepção de uma ideia, passando pela elaboração e aprovação de um projeto até
o fim da prestação de contas. A entrevistada 5 afirma que administrar é um conjunto
de organização, etapas bem geridas e métodos, sendo que tais métodos quando
aplicados podem facilitar e muito a atuação no campo cultural no momento de lidar
com burocracias ou na gestão de grupos e empresas culturais.
4.3 PERCEPÇÃO SOBRE A INDÚSTRIA CULTURAL
O termo Indústria Cultural foi adotado nas entrevistas justamente para
avaliar a reação dos participantes com relação a ele, a forma que o enxergam e o
contexto ao qual aplicam. Alguns afirmaram achar o termo correto e nada pejorativo,
entendendo que realmente é uma indústria pois tem uma cadeia produtiva enorme,
gera renda, emprego e oportunidade, ou seja, não fizeram distinção entre os termos
“indústria” e “setor”. Por outro lado, outros se referiram a ela como “indústria negra”
que quer “ditar o que se deve consumir e visa o lado lucrativo”.
O entrevistado 4 diz que assim como o próprio país, a Indústria Cultural
brasileira também tem como marca registrada a desigualdade: “enquanto poucos
ganham muito dinheiro com a cultura, muitos ganham pouco ou nenhum dinheiro”.
Houve aqueles que consideram que Brasília, por exemplo, não tem Indústria
Cultural, e que esse termo só pode ser aplicado para o Rio de Janeiro e São Paulo,
onde realmente se vê uma forte movimentação de verba gerada e aplicada pela
cultura. Estes acreditam que Brasília ainda vai levar um tempo para se desenvolver
e por isso não se consideram parte de uma indústria, mas que gostariam de ver isso
acontecendo. Os demais se consideram parte de uma indústria ou setor, mas acham
que Brasília tem potencial para alcançar patamares mais altos.
O mapeamento realizado pela FIRJAN (2014) indica que Rio de Janeiro e
São Paulo realmente apresentam o maior número de trabalhadores formais e os
melhores salários da área cultural. Porém, ainda de acordo com o mapeamento,
55
estados do Nordeste como Ceará, Piauí e Paraíba demonstraram participação
considerável na área da cultura da indústria criativa.
A pergunta sobre considerarem, ou não, o próprio trabalho como produto ou
serviço teve resposta positiva para todos, exceto um. Porém, acredita-se que nem
todos os entrevistados tenha respondido realmente de acordo com o que pensam.
De acordo com Magnani (1986), o entrevistado pode simular conceitos e palavras
para elaborar uma resposta que agrade o entrevistador, por esse motivo deve-se
estar atento às expressões do entrevistado e analisar o discurso usando como
referência os conceitos utilizados na pesquisa, e o os demais entrevistados.
As respostas a respeito da percepção dos entrevistados quanto a gestão
cultural do país divide a gestão cultural do país em pública e privada, com
características bem distintas uma da outra. Enquanto a privada diz respeito àquela
de empresas privadas que investem em projetos culturais, a pública se refere à
gestão cultural exercida por órgãos públicos ligados ao setor cultural.
A gestão cultural privada vem tentando acompanhar o ritmo de crescimento
do setor cultural que, nos últimos anos, se desenvolveu e se reinventou para atender
os anseios da sociedade e do mundo. Mesmo com essa tentativa, a gestão precisa
melhorar, e precisa passar a investir em “pesquisa de campo, estudo da diversidade
cultural e da importância das manifestações artísticas e culturais para o
desenvolvimento da sociedade” como bem colocou o entrevistado 17. Para alguns
como a entrevistada 21 o campo cultural é considerado como frutífero e cheio de
oportunidades, porém, de acordo com os entrevistados 11 e 14, falta capacitação e
métodos mais concretos, o que se vê é uma gestão aprendida “na marra” e que usa
como método a “tentativa e erro”.
De acordo com os entrevistados 10, 15 e 19 a última década foi de muitos
avanços, nos dois tipos de gestão, mas caso não haja uma mudança de
pensamento sobre a gestão pode haver retrocesso em tudo o que foi conquistado.
Observando a Figura 6 é possível perceber o aumento de trabalhadores formais,
que no DF foi de 88,6% de acordo com a FIRJAN (2014). O aumento no número de
empregos formais pode indicar aumento no mercado, e consequentemente mostrar
que realmente a última década trouxe avanços para o setor.
Para descrever a gestão cultural pública algumas das palavras utilizadas
foram “caos”, “fiasco” e “péssima”. O que os entrevistados alegam é que os
investimentos em cultura não são geridos corretamente valorizando algumas regiões
56
do país e áreas da indústria em detrimento de outras. Para eles, ocorre uma
descontinuidade muito grande no modelo de gestão que é afetado a cada troca de
governo ou mudança no Ministério da Cultura (MinC) e na Secretaria de Cultura,
quando etapas são puladas e falta profissionalismo na gestão das políticas culturais
para que se permita o desenvolvimento de estratégias públicas mais efetivas,
abrangentes e eficazes.
No início de 2016 a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC)
aprovou um total de 255 projetos, dentre os quais, 69,3% são de origem da região
Sudeste do país (BERBERT, 2016). Infelizmente não foi possível avaliar o mérito e a
quantidade de projetos enviados para verificar se há proporcionalidade. Os dados
são somente uma constatação de que realmente existe uma quantidade realmente
concentrada, conforme afirma o próprio ministério. Não se pode excluir também a
possibilidade dessa desigualdade ser resultado de falhas na gestão.
As opiniões sobre o questionamento a respeito da necessidade de um
empresário ou produtor para o sucesso de um artista ou grupo foram bastante
variadas. Os entrevistados acreditam que existem diferenças entre um grupo
independente e um grupo com empresário, mas nem todos concordam que o
empresário seja determinante para o sucesso. De acordo com alguns a presença de
um empresário ajuda quando o mesmo se identifica com o grupo empresariado e
possui a sensibilidade exigida pelo setor cultural, e não somente os conhecimentos
tradicionais da Administração, o que lembra a opinião de Saravia (2008) com relação
a capacitação daqueles já sensibilizados ao fenômeno cultural. De acordo com o
autor é preciso haver um meio termo entre os administradores tradicionais, que
conhecem bem as teorias, mas não são sensibilizados pelo fator cultural, e aqueles
que possuem a sensibilidade ao fenômeno cultural, mas não são dotados do
conhecimento administrativo.
Um grupo de entrevistados acredita na importância do empresário para que
o artista possa se dedicar somente à criação e aprimoramento do seu trabalho
principalmente quando se considera o fato de muitos não trabalharem
exclusivamente com arte e precisarem dividir o tempo entre trabalho, família, arte e
gestão da arte. Outro grupo, que se opõe completamente ao primeiro, afirma que
existem artistas capazes de se produzir tão bem ou até melhor que um empresário.
Um exemplo dado pelo entrevistado 18 foi a recusa de um contrato com
gravadora que foi negociado por um membro da banda, mas negado pelo
57
empresário da mesma que, apesar da competência e sucesso em outras atividades
comerciais não ligadas à cultura, não tinha conhecimentos sobre o funcionamento
da indústria fonográfica e muito menos sobre os percentuais pagos pelas gravadoras
aos artistas contratados, entre outras cláusulas que ele considerou abusivas.
Os entrevistados foram questionados sobre o que faltava para melhorar o
desenvolvimento da cultura, e como os participantes podem contribuir para essa
melhoria. A grande maioria dos entrevistados acredita que o que mais falta para
melhorar o desenvolvimento do setor cultural é o entendimento por parte dos
participantes como uma classe e a união entre eles. O que acontece é que os
produtores muitas vezes não ajudam na divulgação de outros eventos além dos que
eles mesmos produzem, e os artistas se enxergam como concorrentes quando o
que deveria ser feito de fato é exatamente o contrário: eles devem se unir para criar
uma cena cultural forte que abra espaço para todos, inclusive para novos
participantes. Para que isso ocorra é preciso que eles se enxerguem como uma
cadeia produtiva e uma classe, que promovam fóruns, debates, conversas, e cobrem
coletivamente medidas concretas para o desenvolvimento da cultura.
Outro ponto que foi percebido e que pode ter relação com a falta de
entendimento como classe, é que os participantes não se consideram representados
por um sindicato e muitos sequer acreditam que um sindicato seja uma boa opção
para os trabalhadores do setor. Ao tentar entrar em contato com o Senalba DF
(Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais), várias são as dificuldades
encontradas: o telefone de contato que consta na internet está desatualizado; o
horário de funcionamento é somente de segunda a sexta entre 9h da manhã e 13h
da tarde; os funcionários não são bem instruídos para passar informações, e quando
as informações dizem respeito aos empregados das entidades culturais, apenas
uma funcionária está apta a responder, e ela comparece à sede do sindicato uma
vez na semana.
Independência também foi um fator citado como pouco presente dentro do
setor cultural de Brasília. De acordo com os participantes os artistas e produtores
estão quase sempre à mercê do governo, ou de grandes empresas para conseguir
realizar um projeto. Aqueles capazes de “fazer acontecer com dinheiro do próprio
bolso”, geralmente produzem eventos de proporções menores que atingem um
público também mais restrito como ocorre com os adeptos do “do it yourself”.
58
Outros entrevistados apostam na visão administrativa e na criação de
espaços para as atividades culturais como forma de melhorar o desenvolvimento
cultural. Brasília possuía mais locais para promoção de cultura como o Teatro
Garagem, de acordo com o entrevistado 4, que era ponto de referência para
encontro dos jovens que buscavam por música durante os finais de semana há
alguns anos na capital. Hoje espaços como Teatro Dulcina, Conic, Mercado Sul
entre outros pontos do DF passam por dificuldades para se manterem funcionando e
fomentando a cultura.
A maioria das dificuldades para criar ou manter espaços para cultura são
decorrentes da intolerância que muitas vezes vem acompanhada de aparatos
jurídicos como a Lei do Silêncio6. Citada por 3 entrevistados, a lei regulamenta a
emissão de sons que podem ser nocivos ou ofensivos à saúde, bem-estar e
segurança da coletividade. A lei limita a intensidade da emissão dos sons oriundos
de atividades urbanas e rurais no DF, e levou músicos e produtores culturais a se
manifestarem em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a readequação
das normas e dos níveis de decibéis. Atualmente, de acordo com o Instituto Brasília
Ambiental (Ibram) os níveis são de 65 decibéis em área mista durante o dia e 55
durante a noite.
Em 2015, em decorrência da lei, o total de 392 estabelecimentos receberam
atuações, 64 foram multados, 11 interditados parcialmente e 3 totalmente. O grande
problema é que a intolerância da população tem tornado, além do acontecimento da
cultura, o comércio e o funcionamento de bares e restaurantes ainda mais
complicados em tempos de crise7. Mesmo aqueles que não colocam música ao vivo
sofrem advertências e chegaram ao ponto de utilizar placas pedindo que os clientes
não façam uso de instrumentos musicais.
Outro ponto citado pelos produtores como empecilho para o
desenvolvimento do setor cultural é a informalidade. Conforme exposto
anteriormente neste trabalho, o setor cultural é o que mais apresenta trabalhadores
informais o que dificulta medir a sua extensão e, além disso, por ser uma profissão
6 Disponível em: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil/lei-do-silencio. Acessado em:
19/10/2016. 7 Disponível em:
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2016/09/28/interna_cidadesdf,550777/lei-do-silencio-agrava-crise-nos-bares-da-cidade.shtml. Acessado em: 19/10/2016.
59
com regulamentação legal e de natureza intelectual, o produtor cultural fica
impossibilitado de se caracterizar como um Micro Empreendedor Individual (MEI) ou
Empresa Individual (EI) visto que para se legalizar como MEI ou EI o indivíduo deve
exercer atividades de comércio, indústria e serviços de natureza não intelectual e
sem regulamentação legal (PEDROSO, 2014). Mudanças na Classificação Brasileira
de Ocupações (CBO) também foram citadas como necessárias para aquelas
ocupações ligadas ao setor cultural.
Através do Festival Móveis Convida um dos produtores entrevistados trouxe
à capital um dos organizadores e idealizadores do Primavera Sound8, que é um
festival de música alternativa que ocorre em Barcelona, na Espanha desde 2001.
Durante uma palestra o organizador pôde mostrar todo o trajeto que fez com que o
festival se tornasse o que é hoje. Utilizando-se disso, o entrevistado 14 traçou
durante a entrevista uma interessante analogia mostrando a diferença de cenário e
ideologias entre Brasília e outras cidades fora do país.
Comparando o Primavera Sound e o Porão do Rock, que acontece em
Brasília desde 1998 trazendo atrações do Rock da cidade e de outras localidades, o
produtor afirma que o que falta para Brasília se desenvolver culturalmente é a
maturidade e mais uma vez a tolerância por parte da sociedade. Não adianta tentar
fazer um festival se não se tem uma casa de show que funcione e mostre os artistas
da cidade como ocorre em outros lugares. Tanto o Brasil quanto a Espanha
passaram por crises e possuem problemas sociais, mesmo sendo um país da
Europa as semelhanças com o Brasil são muitas, o que difere é que lá se tem uma
consciência maior com relação a importância da cultura e as suas contribuições para
a economia e a sociedade. Os produtores do festival demonstraram um pensamento
mais avançado com relação à gestão do festival e os processos necessários para
fazê-lo alcançar um patamar mais elevado, enquanto em Brasília o Porão do Rock,
mesmo sendo mais antigo, já teve edições com maiores proporções que as atuais.
“Crise” também foi uma das palavras muito utilizadas ao longo das
entrevistas. Os participantes se mostraram realmente preocupados com relação ao
momento político e econômico do país e acreditam que isso é mais um fator que
afeta a gestão cultural. Realmente o atual momento tem afetado todos os setores, e
o cultural com certeza é um dos mais afetados pois, como já exposto anteriormente,
8 Disponível em: https://www.primaverasound.com/. Acessado em: 18/10/2016.
60
a cultura nunca é tratado como prioridade e sempre tem os orçamentos cortados
para que sejam feitos investimentos em outros setores. O entrevistado 15 chegou a
dizer que “a cultura nunca foi é prioridade em governo de direita”, e isso se mostrou
verdade com a quase extinção do Ministério da Cultura na mudança de governo.
Como também afirmaram muitos entrevistados, entre 2003 e 2014 foi
possível perceber melhorias e crescimento no setor cultural. A Figura 6, e o fato da
participação da indústria criativa no PIB do país ter aumentado de 2,09% em 2004
para 2,6% em 2013 podem ser considerados indícios da melhoria a qual se referem
os participantes.
Embora alguns acreditem que a crise política e econômica é também um
momento de mudanças positivas e de oportunidades para se reinventar e criar
novos caminhos, a cultura vem sofrendo bastante com o corte de gastos públicos e
privados, o desemprego, e a queda do consumo de cultura. De acordo com
pesquisas realizadas pelo jornal Folha de São Paulo9, o corte de gastos com
investimento em cultura tanto pelo setor público quanto pelo privado chegou a 30%
em 2015, e isso levou ao aumento do desemprego no setor visto que a maioria dos
cortes são feitos com a demissão de funcionários. A entrevistada 5, inclusive, citou a
crise e falou que por conta do momento econômico atual precisou demitir uma
funcionária que cuidava da parte administrativa da produtora o que afetou
significativamente a empresa.
O público, assim como o governo, também não enxerga a cultura como
prioridade, de acordo com os entrevistados. Em uma pesquisa feita pela Codeplan
constatou-se que quanto menor o poder aquisitivo, e quanto maior a distância do
centro de Brasília, menor o consumo de cultura10. Porém, o que se percebe é que
mesmo em momentos de crise aqueles setores mais voltados para o entretenimento,
como o cinema por exemplo, não são tão penalizados e conseguem manter o
crescimento11.
O que ocorre é que com a diminuição dos gastos com cultura por parte da
população, quem sofre são os artistas pequenos e independentes, uma vez que o
9 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/03/1607658-com-crise-setores-da-
cultura-se-preparam-para-ate-30-de-cortes.shtml. Acessado em 19/10/2016. 10
Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2015/03/16/interna_diversao_arte,475592/pesquisa-revela-que-brasilienses-nao-consomem-cultura.shtml. Acessado em: 19/10/2016. 11
Disponível em: http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2015/07/17/mercado-de-cinema-no-pais-tem-maior-crescimento-dos-ultimos-4-anos-entenda.htm. Acessado em 19/10/2016.
61
público prefere gastar com o cinema ou atrações vindas de outros lugares ao invés
de pagar o valor do ingresso para prestigiar grupos locais. Este é um problema
principalmente em Brasília pois o público está acostumado a receber grandes nomes
como Nando Reis e Skank, por exemplo, de forma “gratuita” através de iniciativas
como o Green Move Festival12 ou outras promovidas pelo SESC, CAIXA Cultural,
Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), entre outros.
12
Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2016/08/31/interna_diversao_arte,546740/nando-reis-paralamas-do-sucesso-e-skank-estarao-no-green-move-em-bras.shtml. Acessado em: 20/10/2016.
62
5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
O objetivo da pesquisa era analisar a percepção dos participantes com
relação à indústria e a gestão cultural, e como os conhecimentos em administração
influenciam na atuação destes. Para que fosse possível alcançar o objetivo proposto
foi realizado um levantamento bibliográfico sobre assuntos relacionados ao tema
criando uma base sólida para a análise dos resultados que seriam obtidos a partir da
pesquisa de campo. A pesquisa possibilitou a obtenção dos dados necessários
acerca da formação, da atuação e da percepção dos participantes sobre o tema.
Entender a relação existente permitiu compreender uma parte do atual cenário da
cultura, principalmente do Distrito Federal, onde o estudo foi aplicado.
Um dos resultados encontrados a partir da pesquisa foi a aparente falta de
união entre os participantes do setor. Além de ter sido um ponto reforçado por
muitos entrevistados, a experiência durante o período das entrevistas mostrou que
existem aqueles que ao invés valorizarem todas as iniciativas a favor da cultura,
discriminam e ignoram ações diferentes das suas sem observar a vivência, a história
e as intenções do outro. A falta de união e de entendimento como classe por parte
dos participantes não beneficia o setor e reforça ainda mais a intolerância, que
também foi discutido ao longo da pesquisa.
Exercer a tolerância, mudar o senso comum e deixar a população e algumas
vezes os próprios participantes do setor mais informados sobre a importância e os
benefícios das atividades culturais também é um fator a ser trabalhado. É preciso
entender que leis de incentivo como a Lei Rouanet (mesmo com suas falhas, que
precisam sim ser revisadas com urgência) são essenciais para o acontecimento da
cultura, e que a arte e a cultura são profissões e não hobby.
Outro resultado obtido através da pesquisa foi um certo preconceito por parte
dos participantes com a Administração e o termo indústria. O que se percebe é que
alguns entrevistados ainda percebem a relação entre cultura e indústria da mesma
forma que Adorno, e enxergam a Administração como um reforço para a visão da
cultura como fonte exclusiva de lucro. Porém, o fato de não haver disciplinas com
foco na cultura e na gestão cultural nos currículos de Administração, e a escassez
de estudos voltados para o tema demonstrando pouco interesse dos estudantes da
63
área pelo tema também podem demonstrar um preconceito por parte da
Administração com o setor cultural.
Além da capacitação de administradores, a capacitação dos participantes é
um ponto que deve ser trabalhado com urgência. Conforme apresentado nos
resultados poucos participantes realizaram cursos de gestão cultural, e alguns
atuam no setor utilizando-se apenas do conhecimento adquirido com a prática, sem
cursos de capacitação ou especialização.
Muitos são os impactos gerados pela falta de capacitação, e os dois principais
são: o primeiro é a falta de pessoas qualificadas para funções técnicas fundamentais
para o setor como sonorização, iluminação, montagem de cenário, entre outros; o
segundo é o crescimento de um mercado carente de gestores ou participantes com
conhecimento administrativo capacitados para o setor cultural, o que pode acarretar
em outros problemas como dificuldade para lidar com burocracias, planejar, elaborar
projetos, entre outros citados ao longo do trabalho.
A cultura brasileira é extremamente rica graças à diversidade existente no
país. Talento e potencial em todas as áreas da indústria criativa podem ser
encontrados com facilidade, e são muitas vezes desperdiçados por não encontrarem
a oportunidade de se desenvolver, e a valorização que merecem. Enxergar a cultura
como prioridade, caminhando lado a lado com a educação e o esporte, por exemplo,
é uma nova visão que vale a pena ser analisada e aplicada. Ao fazer isso, conforme
já foi reforçado ao longo do trabalho, novos empregos serão gerados a partir das
enormes cadeias produtivas que são a cultura e a criatividade. Crianças e
adolescentes podem se ocupar e descobrir novos espaços para diversão,
aprendizado e novas oportunidades, consequentemente setores que hoje são
priorizados como saúde e segurança seriam automaticamente beneficiados e terão
seus problemas parcialmente solucionados.
É função do poder público e da iniciativa privada apoiar e fomentar cultura; do
público pagar e se dispor a prestigiar a cultura local e; da classe cultural promover
benefícios à sociedade através da cultura. Contudo, para que isso ocorra, muros e
preconceitos devem ser destruídos deixando novas visões livres de paradigmas e
restrições surgirem.
O estudo pode apresentar como contribuição aos participantes do setor
cultural um aprofundamento no tema, e uma autoanálise sobre a forma de atuação.
Permite uma avaliação sobre necessidade de conscientização da população, do
64
governo e da iniciativa privada sobre a importância da indústria e da economia
criativa, e seus benefícios para a sociedade e a economia. Por fim, a pesquisa
contribui com as propostas de desenvolvimento de disciplinas voltadas para a
gestão cultural e economia criativa, uma vez que, considerando o valor de ambas
para o desenvolvimento social e econômico, pode servir de base para novas
pesquisas e para aqueles que também se interessam pelo tema.
A principal limitação do estudo é a proximidade e o envolvimento da
pesquisadora com o tema, tal fator pode interferir na forma como o trabalho foi
escrito tornando-o menos didático ou contendo fragmentos da visão da autora em
alguns pontos. Como sugestão para pesquisas futuras seria interessante repetir o
estudo em outras localidades do país considerando as diferenças culturais, de
renda, de investimento e o tamanho do setor em cada região e assim tentar verificar
se os resultados obtidos nesta pesquisa se repetem ou se há diferença entre a
percepção da indústria e da gestão dos participantes do Distrito Federal, e os do Rio
de Janeiro e São Paulo, por exemplo, onde alguns entrevistados afirmam existir
realmente uma indústria cultural. Outra sugestão para pesquisas futuras é avaliar o
ponto de vista de estudantes, especialmente aqueles que cursam artes ou música,
com relação à existência de disciplinas de gestão cultural no currículo do curso.
65
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68
APÊNDICES
Apêndice A – Roteiro de Entrevista
1. Como você vê a Indústria Cultural? Você se enxerga como parte de uma
indústria? Enxerga seu trabalho como um produto ou serviço?
2. Como você vê a gestão cultural no país? E no seu campo de atuação?
3. Você acredita que existem diferenças entre um grupo que atua com a
presença de um empresário e um que atua por conta própria? Quais?
4. O que falta para melhorar o desenvolvimento da cultura? Como os
participantes do setor podem contribuir para essa melhoria?
5. O que você entende por Administração / Gestão?
6. Trabalha com outras atividades além das culturais? As atividades culturais
seriam suficientes para se sustentar?
7. Como define o valor a ser pago pelo seu produto/serviço?
8. Você enfrenta algum tipo de problema para captar recursos e obter apoio?
Quais?
9. Você enfrenta problemas para vender seu trabalho/espetáculo? Quais?
10. Você entende bem a questão de direitos culturais e propriedade intelectual?
Conhece bem sobre incentivos fiscais à cultura? Faz uso desses incentivos?
Busca empresas para isso?
11. Seu ramo de atuação é muito burocrático? Pode me dar um exemplo? Como
essa burocracia interfere no seu trabalho? Sabe lidar com ela? Como
aprendeu? Quem faz essa parte?
12. No seu trabalho/grupo, quem formula objetivos, cuida do financeiro, da
publicidade e outras funções administrativas? Se considera apto a fazer isso?
Gostaria do auxílio de um administrador? Por quê? Quais as dificuldades?
13. Cursou alguma faculdade?
SIM: Concluiu o curso? Qual curso? Faculdade pública ou privada? Como ela
influencia na sua atuação no campo cultural? É suficiente?
NÃO: Fez algum curso ou aula que te ajude a atuar no campo cultural? Algum
deles te ajuda na parte administrativa?
14. Você conhece algum curso de capacitação voltados para a gestão cultural? Tem interesse? Acha necessário?
15. Em que você poderia melhorar como gestor/administrador cultural?