BEIGUELMAN, Bernardo. Gêmeos

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  • 2008, dos autores

    Direitos reservados desta edioSociedade Brasileira de Gentica

    Editora SBGSociedade Brasileira de GenticaRibeiro Preto, SP

    Ilustrao de capa: William Smellie, A Sett of Anatomical Tables, 1754.Courtesy of Historical Collections & Services, Claude Moore Health Sciences Library, University of Virginia.

    Capacubo multimidia

    Beiguelman , Bernardo

    O ESTUDO DE GMEOS. / Bernardo Beiguelman - Ribeiro Preto: SBG, 2008.

    90p.

    I. Autor. II. Ttulo.

  • O ESTUDO DE GMEOS

    BERNARDO BEIGUELMAN

    Professor Emrito da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

    Membro Titular da Academia Latinoamericana e da Academia Brasileira de Cincias Membro Titular Fundador da Academia de Cincias do Estado de So Paulo

    Este livro dedicado memria do Dr. Luciano Heitor Beiguelman,

    meu amado filho.

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    Agradecimentos

    Para a preparao deste livro recebi o apoio irrestrito dos Professores Henrique Krieger e Erney Plessmann de Camargo, que me

    proporcionaram um ambiente de grande estmulo intelectual na Unidade de Epidemiologia Gentica do Departamento de Parasitologia do Instituto

    de Cincias Biomdicas da Universidade de So Paulo. Sua edio eletrnica no teria sido possvel sem a colaborao tcnica despreendida

    e generosa do Sr. Cassiano Pereira Nunes, da Dra. Rubiani de Cassia Pagotto e do Sr. Ricardo de Godoi Mattos Ferreira .

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  • O ESTUDO DE GMEOS

    ndice

    INTRODUO ................................................................................................................................................7

    CAPTULO 1. BIOLOGIA DA GEMELARIDADE ...........................................................................................8Ovognese e ovulao ...................................................................................................................................8A fecundao do ovcito ...............................................................................................................................11A formao do embrio .................................................................................................................................14A formao de gmeos .................................................................................................................................19A formao de teratpagos ...........................................................................................................................23Gmeos monozigticos discordantes quanto ao sexo ..................................................................................26Superfecundao heteropaterna ...................................................................................................................27A razo de sexo dos gmeos ........................................................................................................................28Fatores que influenciam o nascimento de gmeos .......................................................................................28O quimerismo nos gmeos dizigticos .........................................................................................................34Durao da gestao ....................................................................................................................................35Peso e estatura ao nascer ............................................................................................................................37ndice de Apgar .............................................................................................................................................38Mortalidade perinatal .....................................................................................................................................40

    CAPTULO 2. O DIAGNSTICO DA ZIGOSIDADE ....................................................................................52Emprego de caracteres monognicos ..........................................................................................................52 a) O gentipo dos gmeos e de seus pais conhecido ...........................................................................53 b) O gentipo dos pais conhecido, mas no o dos gmeos ..................................................................58 c) Somente se conhece o fentipo dos pais e dos gmeos ......................................................................58 d) No se conhece o gentipo ou o fentipo dos genitores dos gmeos .................................................64Impresses dgito-palmares e diagnstico da zigosidade ............................................................................69O mtodo diferencial de Weinberg ................................................................................................................72A organizao de um cadastro de gmeos ...................................................................................................74

    CAPTULO 3. O ESTUDO DE CARACTERES QUANTITATIVOS EM GMEOS .......................................79O coeficiente de correlao intraclasse ........................................................................................................81A comparao de caracteres quantitativos em gmeos ...............................................................................85A investigao da herdabilidade de caracteres quantitativos em gmeos ....................................................87

    CAPTULO 4. O ESTUDO DE CARACTERES QUALITATIVOS EM GMEOS ..........................................95

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    INTRODUO Vinte e cinco anos antes da redescoberta dos trabalhos do pai da Gentica (Gregor

    Johann Mendel,1822-1884), Francis Galton (1822-1911), que lanou as bases da Biometria, j participara Anthropological Society of London que os gmeos podem ser estudados com a finalidade de avaliar a contribuio do que ele chamou de natura e nurtura na determinao dos caracteres quantitativos (Galton, 1876). Esse binmio passou, mais tarde, a ser designado por gentipo e ambiente, mas o princpio lgico estabelecido por Galton para o estudo de gmeos com a finalidade de investigar a participao do gentipo na

    variao fenotpica permaneceu, basicamente, o mesmo. De acordo com esse princpio, os fatores do ambiente que afetam as diferenas

    intrapar dos gmeos monozigticos, oriundos de um nico zigoto, seriam comparveis aos que afetam as diferenas intrapar dos gmeos dizigticos, os quais, do mesmo modo que os pares de irmos nascidos sucessivamente, so oriundos de dois zigotos. Ainda de acordo com ele, o valor das diferenas intrapar nos dois tipos de gmeos poderiam servir para estimar a importncia relativa do gentipo e do ambiente na determinao dos caracteres.

    A partir do trabalho inicial de Galton, o estudo de gmeos cresceu muito e passou a

    constituir uma especialidade, geralmente denominada Gemelologia (do latim, gemellus = gmeo; logus = estudo). Ela , tambm, chamada de Didimologia por alguns autores de lngua inglesa, mas esse termo tem pouca adeso, talvez porque, em grego, ddimos usado, indiferentemente, com o significado de gmeos e de testculos.

    At o presente, o objetivo da maior parte dos trabalhos de pesquisa a respeito de gmeos continua sendo o estabelecido por Galton. Menor nmero de pesquisadores dedicaram-se ao estudo da prpria natureza dos nascimentos gemelares, isto , biologia da gemelaridade, trazendo, desse modo, contribuies importantes inclusive para a compreenso da biologia da reproduo humana. Nas pginas seguintes procurar-se- abordar esses dois campos de estudo dos gmeos.

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    CAPTULO 1. BIOLOGIA DA GEMELARIDADE

    OVOGNESE E OVULAO A gametognese feminina, isto , a ovognese, muito precoce na espcie humana,

    quando comparada poca de incio da gametognese masculina, pois ela se d no perodo fetal, enquanto a espermatognese somente se inicia na puberdade. Assim, por volta do stimo ms de gestao, as clulas sexuais femininas esto no final da prfase I do processo meitico, isto , so todas ovcitos de primeira ordem (Ohno et al., 1962). Cada um dos ovcitos se apresenta rodeado por clulas foliculares, as quais produzem um polipeptdio de baixo peso molecular, que tem a capacidade de inibir a meiose (Tsafriri et al., 1976).

    por isso que se os ovcitos de primeira ordem no estiverem rodeados completamente por clulas foliculares, eles no sofrero a inibio da meiose, terminaro a prfase I e alcanaro a metfase I. Isso, entretanto, os levar degenerescncia, em

    decorrncia da prematuridade desse processo (Jirsek, 1976). A continuao da meiose na ovognese, isto , a maturao do ovcito, somente ter condies de ocorrer em ovcitos de folculos ovarianos maduros, pouco tempo antes de eles sofrerem ruptura. Tais folculos so denominados folculos de Graaf, em homenagem ao mdico holands Regnier de Graaf (1641-1673), que os descreveu pela primeira vez em 1672, pensando que eles eram os vulos. Foi somente em 1827 que, graas sua miopia, Karl Ernst von Baer (1792-1876), um naturalista estoniano, conseguiu visualizar, a olho nu, o ovcito dentro do folculo, onde ele encontrado rodeado por clulas foliculares, as quais constituem a chamada corona

    radiata. Essas clulas tambm costumam ser designadas por clulas do cumulus, por fazerem parte do cumulus oophorus que a estrutura que mantm o ovcito no interior do folculo ovariano (Fig.1.1).

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    Fig. 1.1 Seco histolgica de um ovrio humano. (Desenho esquemtico adaptado de Huettner, 1957). a-antro; co-cumulus oophorus; cr-corona radiata; e-epitlio; fG-folculo de Graaf; fs-folculo secundrio; mg-membrana granulosa; mv-membrana vtrea; o-ovcito de primeira ordem; te-teca externa;

    ti-teca interna; v = vaso sangneo; zp-zona pelcida.

    Durante o intervalo entre o trmino de uma menstruao e o incio de outra (ciclo menstrual) normal que somente um dos folculos de Graaf de um dos ovrios atinja grau de maturidade maior do que os outros. O ovcito de primeira ordem desse folculo passa, ento fase de maturao, isto , termina a prfase I, passando, sucessivamente, pela metfase I, anfase I e telfase I. Por estar com o ncleo muito deslocado para a periferia,

    tem-se que, durante a telfase I, o citoplasma do ovcito de primeira ordem divide-se desigualmente, com a gerao de duas clulas de tamanho bem diferente, o ovcito de

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    segunda ordem, com tamanho semelhante clula original (cerca de 0,14 mm), e uma clula pequena, a ele aderida (primeiro polcito ou primeiro corpsculo polar).

    O ovcito de segunda ordem se apresenta envolvido por uma camada extracelular, denominada zona pelcida (do latim, pellucida = transparente), a qual inclui trs glicoprotenas importantes, designadas por ZP1, ZP2 e ZP3 (Rankin e Dean, 2000).. Durante o crescimento folicular, a zona pelcida, que uma barreira para impedir a entrada de espermatozides de um animal de outra espcie (Rudak et al., 1978), atravessada por finas projees emanadas das clulas do cumulus. Esse complexo cumulus-ovcito serve de comunicao entre o ovcito e o cumulus oophorus, para a passagem de ons e pequenas molculas (Gilula et al., 1978).

    O ovcito de segunda ordem inicia, ento, a meiose II, enquanto se rompe o folculo de Graaf maduro que o contm, sendo esse ovcito em metfase II, juntamente com o primeiro polcito e a corona radiata, expelido para o pavilho de uma das trompas uterinas. Essas trompas tambm so chamadas de trompas de Falpio, em homenagem a Gabriele Fallopio (1523-1562), anatomista e cirurgio italiano, que foi o primeiro a descrever os ovidutos humanos. Esse fenmeno da expulso do vulo para uma das trompas, denominado ovulao, tem a durao de alguns minutos e no decorre de um aumento da presso hidrosttica dentro do folculo, mas da ao de enzimas proteolticas, que fluem do antro para as tecas do folculo (Channing e Tsafriri, 1977). A supresso da ao do inibidor meitico produzido pelas clulas foliculares est associada regulao hormonal do ciclo menstrual. Ao ter incio um novo ciclo menstrual,

    isto , logo depois que termina uma menstruao, aumenta o nvel de hormnio folculo-estimulante (FSH) produzido pela hipfise. Em resposta ao FSH, um grupo de folculos de Graaf intensifica seu crescimento e aumenta, gradativamente, a produo de estrgenos. Antes da ovulao, porm, o aumento da produo de estrgenos deixa de ser gradativo, para atingir um pico.

    Por existir um mecanismo de retroalimentao negativo entre os nveis de estrgeno e o FSH, tem-se que, medida que aumenta o nvel de estrgenos diminui o nvel de FSH. Um outro hormnio produzido pela hipfise, o hormnio luteinizante (LH) tem, ao contrrio do FSH, uma retroalimentao positiva com os estrgenos, de modo que, medida que aumenta o nvel de estrgenos tambm aumenta o nvel de LH e o aumento

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    acentuado do nvel de LH durante o perodo pr-ovulatrio que elimina o estmulo

    inibitrio da meiose, por determinar a ruptura do complexo ovcito-cumulus e diminuir no ovcito a concentrao do fosfato de adenosina, tambm chamado de cido 5- adenlico ou AMP cclico (Shoham et al., 1993). Se, entretanto, o ovcito for retirado do folculo, juntamente com o cumulus oophorus, a sua maturao ocorrer, apesar da ausncia de LH, porque o processo inibitrio da meiose cessa quando o ovcito est fora do ambiente folicular (Gmez et al., 1993).

    A FECUNDAO DO OVCITO Se o ovcito de segunda ordem, liberado para o pavilho de uma das trompas, no

    for fecundado, ele degenerar, juntamente com o primeiro polcito (Whittingham, 1979). Durante muito tempo acreditou-se que o ovcito permanecia fecundvel por um perodo de apenas 10 a 12 horas, aps as quais perdia essa capacidade. Entretanto, as tcnicas de fertilizao in vitro permitiram constatar que os ovcitos podem ser mantidos por at 36 horas sem perder a capacidade de serem fecundados (Dandekar et al., 1991).

    No caso de ocorrer a fecundao, a penetrao do espermatozide no ovcito se dar enquanto ele est na trompa. Em todos os mamferos estudados so bem poucos os

    espermatozides que, em condies naturais, esto prximos ao ovcito no momento da fertilizao in vivo (Yanagimachi, 1994). Por isso, no mais aceita a explicao de que, para os espermatozides atravessarem a corona radiata, seria necessrio um nmero elevado deles, a fim haver grande liberao de enzimas proteolticas, que propiciariam o

    afastamento das clulas que rodeiam o ovcito. O que se sabe, ao certo, que os espermatozides devem estar ntegros e capacitados para atravessar os espaos intercelulares da corona radiata, a fim de que um deles consiga penetrar no ovcito de segunda ordem.

    At o presente no se conhecem as bases moleculares da capacitao dos espermatozides, isto , das alteraes funcionais que os tornam candidatos a fecundar um ovcito. Sabe-se, entretanto, que ela resulta da remoo ou da alterao de protenas que revestem os espermatozides, e que so oriundas do epiddimo e do fluido seminal. A capacitao dos espermatozides, que tem como principal conseqncia o aumento da sua motilidade, ocorre naturalmente no interior dos dutos femininos, por influncia do muco

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    cervical, mas ela pode ser feita in vitro de modo muito fcil (Yanagimachi, 1994). A capacitao do espermatozide, entretanto, no suficiente para que ele penetre

    no ovcito. Para isso ainda necessrio que o acrossomo, localizado distalmente na cabea do espermatozide e envolvendo parcialmente o ncleo (Fig.2.1), entre em atividade, havendo ruptura das membranas plasmtica e acrossmica, com a liberao de enzimas

    proteolticas de natureza lissmica (reao acrossmica). A reao acrossmica parece ser induzida pela zona pelcida do ovcito e pelas clulas do cumulus (Hoshi et al., 1993).

    A B C Dca

    pi

    pp

    pf

    a

    n

    c

    enr

    mfdax

    m pm p

    fs fs

    pp

    Fig. 2.1 Esquema do espermatozide humano observado ao microscpio comum (A, B) e ao microscpio eletrnico (C, D). Em A e D o espermatozide observado em seco de perfil, e em B e C ele observado de frente. a-acrossomo; axaxonema; ccentrolo; ca-cabea; enrenvoltrio nuclear redundante; fd-fibras densas; fsfibras segmentadas; mmitocndrios; mpmicrotbulos perifricos; n-ncleo; p- pescoo ou pea de conexo; pi-pea intermediria; pf-pea final; pp-pea principal.

    Depois que um espermatozide perfura a zona pelcida e atravessa a membrana do ovcito de segunda ordem, a zona pelcida torna-se impermevel custa de um material produzido na superfcie ovular. Essa impermeabilizao da zona pelcida evita, pois, a

    entrada de outros espermatozides, o que provocaria poliploidia (Dandekar e Talbot, 1992). A cauda do espermatozide somente se desprende quando ele est dentro do citoplasma do

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    ovcito. O ncleo do espermatozide aumenta de volume, passando a ser denominado

    proncleo masculino e seus cromossomos se duplicam, cada qual formando duas cromtides. O ncleo do ovcito, por sua vez, que est deslocado para a periferia, completa a meiose II. Essa localizao assimtrica faz com que da meiose II resulte um vulo e uma clula com pouco citoplasma, que fica entre a zona pelcida e o vulo, a qual denominada

    segundo polcito ou segundo corpsculo polar, porque o primeiro polcito resultado da meiose I. (Fig.3.1). O ncleo do vulo passa, ento, a ser denominado proncleo feminino.

    pp

    zp

    p

    cr

    nf

    nmc

    1 2

    3 4 5

    pp

    e

    Fig.3.1 A fecundao do ovcito na espcie humana. 1. ovcito de segunda ordem em metfase II, no momento em que expelido do folculo, com primeiro polcito (p), zona pelcida (zp) e rodeado de clulas foliculares da corona radiata (cr), que desaparecem uma dois dias depois da ovulao; 2. entrada de um espermatozide (e) no ovcito de segunda ordem e formao do segundo polcito (p); 3. vulo com o proncleo feminino (nf), o proncleo masculino (nm) e a cauda do espermatozide (c ) em seu citoplasma; 4. zigoto em metfase; 5. os dois primeiros blastmeros.

    A singamia, isto , a unio do material dos proncleos masculinos se faz pela migrao desses ncleos para o centro do vulo e, no caso da espcie humana, pela dissoluo das membranas nucleares, sem que elas formem lbulos e os proncleos se interpenetrem, como em outras espcies de mamferos. Na espcie humana as membranas

    simplesmente desagregam (Yanagisawa, 1994), os dois conjuntos haplides (paterno e materno) de cromossomos duplicados e condensados se prendem ao fuso formado entre os

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    centrolos, sendo importante assinalar que as fibras do fuso comeam a irradiar a partir do

    centrolo introduzido no ovcito pelo espermatozide. Aqui parece interessante lembrar que, ao descrever, em 1876, a formao que irradiava da regio do proncleo masculino no momento em que ele ia se unir com o proncleo feminino, Oscar Hertwig (1849-1922) mencionou que, naquela ocasio, surgira, para completar o fenmeno, um sol dentro do

    ovo, indicando, assim, de uma forma potica, o aparecimento de uma fora natural maior que a simples soma de duas clulas (Weidling, 1991).

    A prtica de fertilizao assistida, com injeo intracitoplasmtica do espermatozide, permitiu demonstrar que a capacidade fecundante do espermatozide

    depende, tambm, da condensao do seu material nuclear, porque a integridade do DNA est associada condensao. De fato, nos espermatozides com material nuclear bem condensado, a proporo daqueles com DNA fragmentado significativamente mais alta (25%) do que naqueles em que o DNA est descondensado (6%) (Lopes et al., 1998), sendo interessante assinalar que a compactao do DNA dos espermatozides difere da observada nas clulas somticas. Assim, nos espermatozides o DNA no se apresenta rodeando as histonas e formando solenides, porque, durante a espermatognese, as histonas so substitudas por protaminas, ricas em arginina, serina e cistena, e, em vez de solenides, o

    DNA dos espermatozides se apresenta compactado como se fosse uma rosquinha. Essa compactao se d custa da oxidao dos grupos sulfidrila das protaminas (os grupos SH passam a -S-S-) durante o perodo de maturao dos espermatozides no epiddimo. Depois de fertilizar o ovcito, a descompactao do DNA se faz pelo efeito redutor do glutatio

    sobre os grupos sulfidrila oxidados (Ward, 1993).

    A FORMAO DO EMBRIO Na espcie humana, do mesmo modo que em outros mamferos, a singamia no

    resulta em um novo ncleo, pois o material cromossmico do zigoto entra diretamente na metfase da diviso mittica do zigoto, a qual d como resultado a formao de duas clulas denominadas blastmeros (do grego, blasts = broto; meros = parte), do mesmo tamanho, cerca de um dia depois da fecundao. O processo de celularizao ou segmentao do zigoto, decorrente das divises mitticas sucessivas dos blastmeros, tem continuidade ainda durante sua passagem por uma das trompas de Falpio. At o estgio de

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    dezesseis clulas, a segmentao ou clivagem do zigoto humano pode ser considerada

    como do tipo holoblstico (do grego, hlos = completo) porque, alm de o zigoto se dividir completamente, os blastmeros resultantes so, aproximadamente do mesmo tamanho (Fig. 4.1 a-d). Esse estgio denominado mrula (do latim, morum = amora; ula um diminutivo) e no quarto dia que a mrula chega ao tero, custa dos movimentos peristlticos das trompas e dos batimentos ciliares do epitlio que forra esses dutos.

    a b

    c d

    e f

    M I

    T

    SI

    EC

    P

    C

    G

    B B

    CA

    N

    C

    SI

    AC A

    CE ECEN

    M E

    SI

    AEC

    EEN

    C +M = C O

    hg

    Fig.4.1 Primeiros estgios da segmentao do zigoto e desenvolvimento do blastocisto. a-d segmentao, durante os quatro primeiros dias, para a produo da mrula (d); e blastocisto livre, no quinto dia; f blastocisto no incio de sua implantao, no sexto dia; g,h principais alteraes ocorridas no blastocisto durante a segunda semana. A-mnio; B-blastocele; C-citotrofoblasto; CA-cavidade amnitica; CE-celoma externo; CO-crion; E-esplancnopleura; EC-ectoderme; EN-endoderme; G-gastrocele; M-mesoderme; ME-mesnquima; MI-massa celular interna; N-ndulo embrionrio; P-pedculo embrionrio; S-somatopleura; SI-sinciciotrofoblasto; T-trofoblasto.

    As observaes feitas em mrulas de camundongos e de seres humanos revelam que, normalmente, o DNA dos mitocndrios paternos podem ser detectados, no mximo,

    at a fase de oito clulas, sendo, pois, essa a razo pela qual os mamferos herdam somente os mitocndrios maternos. Na espcie humana, a persistncia do DNA mitocondrial paterno

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    est associada a alteraes que provocam aborto espontneo ou bito precoce (Houshmand et al., 1997; Cummins et al., 1998; St John et al., 2000). curioso que, em cruzamentos interespecficos de camundongos (Mus musculus Mus spretus) o DNA mitocondrial paterno no destrudo, sendo detectado em todos os recm-nascidos. Isso sugere que no citoplasma dos ovcitos existe um mecanismo espcie-especfico que reconhece e elimina os mitocndrios do espermatozide (Kaneda et al., 1995).

    A zona pelcida somente desaparece no quinto dia depois da fertilizao do ovcito, podendo-se dizer, por isso, que, at essa ocasio, no h aumento de volume do zigoto celularizado, isto , a mrula apresenta o mesmo volume que o ovcito, apesar de a superfcie da mrula ficar muito aumentada, em razo das clivagens sucessivas que determinam a produo de blastmeros. O desaparecimento da zona pelcida coincide com

    o incio da diferenciao dos blastmeros, que se apresentam com tamanho menor em uma camada perifrica, a trofectoderme ou trofoblasto (do grego, trof = nutrio), que rodeia o conjunto de blastmeros do interior, a massa celular interna. No interior da massa celular interna, o lquido dos espaos intercelulares acaba por se acumular, formando uma

    cavidade, denominada blastocele (do grego, cilos = oco). Essa fase do desenvolvimento do zigoto, que a blstula, denominada na espcie humana e nos mamferos, blastocisto (Fig. 4.1 e).

    Por volta do stimo ou oitavo dia aps a fertilizao do ovcito tem incio o fenmeno da nidao do blastocisto na mucosa uterina, a partir de sua aderncia. superfcie do endomtrio, rica em uma secreo viscosa produzida sob o estmulo da progesterona. Essa aderncia seguida da proliferao intensa da trofectoderme em contato com a mucosa uterina. Produz-se, assim, um sinccio, denominado sinciciotrofoblasto, com grande atividade citoltica sobre as clulas do endomtrio, resultando dessa atividade o afundamento do blastocisto na mucosa uterina. Ao redor do blastocisto forma-se um meio que lhe serve de nutrio, o embritrofo, o qual rico em detritos celulares, restos de capilares e fibrina.

    O processo de nidao termina quando o epitlio da mucosa uterina cicatriza sobre o blastocisto e, nessa ocasio, o sinciciotrofoblasto j no mais apenas uma formao localizada em um dos polos do blastocisto, mas um grande sinccio lacunoso, que envolve toda trofectoderme celularizada que lhe deu origem, a qual passa a ser denominada

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    citotrofectoderme ou citotrofoblasto (Fig. 4.1 f-h). O sinciciotrofolasto o precursor da placenta, a qual fica bem delimitada somente a partir do terceiro ms de gestao. O esquema da circulao placentria esboado pelo sinciciotrofoblasto quando este, graas sua atividade proteoltica destri os capilares da mucosa uterina, que passam a se abrir em suas lacunas (Fig. 5.1-1,2). Na Fig. 5.1 tambm fica claro que, na placenta, as correntes sangneas materna e fetal so distintas e feitas em vias circulatrias diferentes, de sorte que parece lgico falar em circulao placentria materna e circulao placentria fetal. Ao invadir a mucosa uterina, o sinciciotrofoblasto estabelece, pois, entre o ser em gestao e sua me uma conexo de algum modo semelhante de um enxerto heterlogo em um

    receptor, com a diferena que, durante a gestao, existe uma separao entre a circulao fetal e materna.

    A A

    A A

    M

    M M

    C

    C C

    C

    S S

    S

    U U

    U

    LL

    V

    Vu

    VV

    C I

    1 2

    3 4

    V

    UM

    S C I

    Fig.5.1 Diversos estgios evolutivos das vilosidades placentrias. A-mnio; C-citotrofoblasto; CI-cmara intervilosa; L-lacuna; M-mesnquima; S-sinciotrofoblasto; U-mucosa uterina; V-capilares da mucosa uterina; VU- capilares umblico-alantoideanos.

    A nidao do blastocisto feita, normalmente, na rea mediana ou superior do tero, mas existem situaes de exceo, as quais, dependendo das complicaes que, eventualmente, causam, podem requerer a interrupo da gravidez, pois podem provocar bito materno (Maruri e Azziz, 1993). Quando a nidao do blastocisto se d fora da

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    cavidade uterina, ela denominada gravidez ectpica e, dependendo do local de implantao do blastocisto, ela ser dita tubria, na maioria dos casos (98%) ou abdominal, uterina inferior, plvica ou ovariana, nos casos restantes (Fig. 6.1). A freqncia de internaes por gravidez ectpica da ordem de 1% nos Estados Unidos e da ordem de 2% em So Paulo, mas ela tende a diminuir em conseqncia da vulgarizao do uso de

    aparelhos de ultra-sonografia de boa resoluo, que permitem o diagnstico precoce dessa alterao (Franchi-Pinto, 1996).

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    1

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    Fig.6.1 reas de nidao do blastocisto. Em pontilhado assinalou-se a rea normal. As reas de nidao anmala foram numeradas de 1 a 5. 1-ovrica; 2-tubria; 3-abdominal; 4-plvica; 5-uterina inferior, que pode produzir placenta prvia.

    Quando a primeira semana de gestao termina, o blastocisto apresenta a massa celular interna concentrada em um de seus polos, sendo, por isso, tambm denominada ndulo embrionrio (do grego, embriin = inchar dentro). As clulas que limitam a blastocele se apresentam diferenciadas, constituindo essa camada o primeiro folheto embrionrio, denominado ectoderme ou ectoblasto.

    Durante a segunda semana de gestao a nidao prossegue, enquanto o blastocisto sofre grandes alteraes. De fato, no ndulo embrionrio aparece uma cavidade cheia de

    lquido, a cavidade amnitica, cujo assoalho a ectoderme e cuja abbada, apesar de composta por uma camada de clulas de provvel origem ectodrmica, distinguida pelo nome de mnio. Outra grande alterao a produo do segundo folheto embrionrio, a

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  • 15

    endoderme, a partir da ectoderme, que prolifera no interior da blastocele, onde acaba por produzir uma vescula fechada, a gastrocele ou saco vitelino, que, ao contrrio do que ocorre nos vertebrados inferiores, no contm vitelo. Ao final da segunda semana de gestao tem-se, portanto, que os dois folhetos embrionrios presentes (ectoderme e endoderme) passam a constituir um disco bilaminar, o disco embrionrio, que separa duas cavidades, a gastrocele e a cavidade amnitica.

    A produo do disco embrionrio acompanhada pela proliferao de um mesnquima, denominado mesoderme ou mesoblasto extra-embrionrio, que acaba por se condensar e se separar em duas camadas. Uma delas fica aderida ao citotrofoblasto para

    constituir, junto com ele, o crion, enquanto a outra rodeia a gastrocele e a cavidade amintica. A que rodeia a gastrocele a esplancnopleura (do grego, splancnon = vscera), sendo denominada somatopleura a que envolve a cavidade amnitica. Desse modo fica delimitada uma terceira cavidade, o celoma externo ou celoma extra-embrionrio, cuja continuidade interrompida pelo pedculo embrionrio, que o local onde a mesoderme extra-embrionria no sofre separao em duas camadas (Fig. 4.1 h).

    A formao da gastrocele considerada por alguns embriologistas como uma indicao de que o zigoto celularizado entrou numa terceira fase do desenvolvimento

    embrionrio, a gstrula. Outros, porm, consideram que a gastrulao somente tem incio durante a terceira semana de gestao, quando aparece, como resultado da proliferao de clulas ectodrmicas, o terceiro folheto no disco embrionrio, que mede, na ocasio, aproximadamente, 1,5 mm de comprimento. Com a formao desse terceiro folheto, denominado mesoderme, o disco embrionrio passa a constituir o embrio propriamente dito, desenvolvendo-se, a partir dele, o futuro ser humano.

    A FORMAO DE GMEOS Se no momento da ovulao forem expelidos dois ovcitos, ao invs de um, e se

    ambos forem fecundados, os zigotos resultantes daro origem a gmeos dizigticos (DZ). Esses gmeos, em mdia, no apresentam maior similaridade gentica entre si do que pares de irmos gerados sucessivamente porque, tanto os pares DZ quanto os pares de irmos sucessivos so oriundos de pares de zigotos distintos. Os pares DZ so, por isso, considerados como irmos da mesma idade e, em conseqncia, tambm denominados

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  • 16

    gmeos fraternos (do latim, frater = irmo). Por terem origem biovular, os pares DZ podem ter o mesmo sexo, isto , serem

    ambos do sexo masculino (MM) ou ambos do sexo feminino (FF) ou, ainda, discordantes quanto ao sexo (MF). Nem sempre, porm, os pares DZ apresentam duas placentas distintas, pois, em decorrncia de uma eventual proximidade excessiva dos locais de

    implantao dos blastocistos que do origem aos gmeos DZ, as placentas podem, aparentemente, fundir-se em uma nica. Quando isso acontece, somente o exame microscpico na regio de unio das placentas mostrar a presena da chamada zona T, composta de quatro lminas (um mnio de cada lado e dois crions no meio). Entre os dois crions ser possvel observar a presena do trofoblasto e vilosidades corinicas atrofiadas (Benirschke, 1994).

    Um outro tipo de gmeos, os pares monozigticos (MZ), formado no perodo entre um e 14 dias depois da fertilizao, quando um nico zigoto sofre desenvolvimento irregular, dando origem a dois indivduos que so considerados idnticos do ponto de vista gentico, pois possuem o mesmo patrimnio gentico, visto que so oriundos de uma nica clula-ovo ou zigoto. Os gmeos MZ so do mesmo sexo, isto MZMM ou MZFF, e, freqentemente so denominados gmeos idnticos, apesar de essa denominao no ser muito apropriada, visto que a identidade, aqui, se refere ao gentipo e no ao fentipo, havendo casos em que os pares MZ apresentam grandes diferenas fenotpicas.

    Segundo Benirschke (1994), cerca de 30% dos pares MZ se originam da separao dos blastmeros num perodo muito precoce, isto , at o terceiro dia aps a fecundao,

    quando o zigoto segmentado ainda est no estado de mrula. Em conseqncia disso, formam-se dois blastocistos e os gmeos resultantes mostraro, ao nascer, dois crions, dois mnios (diamniticos dicorinicos) e, dependendo da proximidade dos locais em que estavam implantados no tero, duas placentas bem separadas ou unidas (Fig. 7.1- 1).

    Os outros 70% de pares MZ so o resultado de alteraes que ocorrem entre o quarto at o 14o dia aps a fecundao do ovcito. Essas alteraes podem provocar a diviso da massa celular interna (Fig. 7.1-2), o que propicia o nascimento de gmeos com dois mnios e um crion (diamniticos monocorinicos) e uma placenta. No caso de essas alteraes serem mais tardias, elas provocam a diviso do disco embrionrio (Fig. 7.1-3), disso resultando o nascimento de gmeos com um nico mnio e um nico crion

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  • 17

    (monoamniticos monocorinicos) e placenta nica. Essas alteraes tardias tambm podem provocar uma repartio desigual do material embrionrio e, por conseguinte, a produo de maiores diferenas entre os pares MZ.

    1 2 3

    C

    C

    C

    C

    C

    C

    C

    C

    C

    C

    C

    C

    M

    A

    A A

    PP

    A

    E

    E

    E

    E E

    E

    E

    EE

    E

    E

    A AAAG GGGG

    G G GG G

    MM M M

    PP

    Fig.7.1 Formao de gmeos monozigticos: 1. por produo de dois blastocistos, em conseqncia da separao precoce dos blastmeros; 2. por diviso da massa celular interna; 3. por diviso do disco embrionrio. A-cavidade amnitica; C-crion; E-disco embrionrio; G-gastrocele; M-massa celular interna; P- placenta.

    As maiores diferenas entre os elementos de um par MZ, entretanto, parecem decorrer, primordialmente, do fenmeno conhecido como sndrome da transfuso entre gmeos idnticos, que consiste na passagem preferencial de sangue de um gmeo para outro. Isso ocorre em cerca de 22% dos pares MZ, que mostram, por isso, uma diferena de

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  • 18

    35% ou mais de hemoglobina. Se o gmeo que recebe menos hemoglobina nascer com uma diferena de peso igual ou superior a 300 g em relao ao gmeo mais pesado, ele, freqentemente, ter quociente de inteligncia (QI) inferior ao que nasceu com mais peso (Munsinger, 1977). A hiptese de que a sndrome da transfuso entre gmeos idnticos a responsvel pela diferena de QI entre os pares MZ encontra apoio no fato de tal diferena no ocorrer entre os gmeos DZ, mesmo quando o peso ao nascer desses gmeos diferiu em 300 g ou mais, porque nesses gmeos as circulaes fetais quase nunca esto conectadas.

    Dos comentrios feitos a respeito da placenta pode-se concluir que ela tem pouco valor para o diagnstico da zigosidade ao nascimento, pois as placentas dos gmeos DZ

    podem se apresentar aparentemente unidas, alm do que, os pares MZ diamniticos dicorinicos (cerca de 30%) apresentam duas placentas. J a presena de um nico mnio ou de um nico crion serve para rejeitar a hiptese de dizigosidade, apesar de a presena de dois crions ou de dois mnios no servirem para excluir a hiptese de monozigosidade.

    Dentre os partos mltiplos, os de trigmeos so menos freqentes que os de gmeos, sendo mais raros, ainda, os de quadrigmeos e de quntuplos. Muito esporadicamente assinala-se o nascimento de um nmero de gmeos superior a cinco, mas no h registro confivel de que tenham sobrevivido. A exemplo do que ocorre com os pares de gmeos,

    tem-se que a origem dos trigmeos, tetragmeos e quntuplos pode ser monozigtica ou resultar de mais de uma clula-ovo. Assim, por exemplo, no caso de trigmeos, eles podem ser trizigticos, dizigticos ou monozigticos se oriundos, respectivamente, de trs zigotos, dois zigotos ou de um nico zigoto. A Fig. 8.1 mostra, esquematicamente, os vrios tipos

    de trigmeos e tetragmeos quanto sua zigosidade.

    TRIZIGTIC OS

    DIZ IGTIC OS

    MO NO ZIG TICO S

    TETRAZIG TICO S TRIZIGTIC OS DIZ IGTIC OS

    DIZ IGTIC OS

    MO NO ZIG TICO S

    Z I G O TO S

    Z I G O TO S

    T R IG M E O S

    T E T R A G M E O S

    Fig.8.1 Representao esquemtica dos vrios tipos possveis de trigmeos e tetragmeos quanto sua zigosidade.

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  • 19

    A FORMAO DE TERATPAGOS Se a separao do material embrionrio for incompleta durante a formao de um

    par MZ, os gmeos resultantes podero apresentar-se ligados por intermdio de uma estrutura comum, que permitir a comunicao de seus sistemas circulatrios. Tais tipos de gmeos so denominados teratpagos, o que no um termo muito apropriado pois, em

    grego, tras = monstro; pagos = unido, mas a designao mais freqentemente utilizada para indicar a unio fsica de gmeos, que j foi notada inclusive em trigmeos e em quadrigmeos (Schinzel et al., 1979).

    Dentre os fatores associados formao de teratpagos, destaca-se a histria de

    tireoideopatia e de tratamento para infertilidade das gestantes. Na Hungria notou-se tambm uma associao entre o nascimento de teratpagos e o uso freqente de esterides sexuais no incio da gestao (International Clearinghouse for Birth Defects Monitoring Systems, 1991).

    Na imprensa leiga os teratpagos so, geralmente, chamados de irmos siameses, em aluso a um caso que ganhou repercusso mundial no sculo dezenove, e que dizia respeito a um par de gmeos ligados entre si por uma ponte que ia da cartilagem ensiforme at o umbigo comum a ambos. Esses gmeos nasceram no Sio (atual Tailndia), em 1811, e faleceram nos Estados Unidos da Amrica do Norte, em 1874, onde residiram a partir de 1829. O bito de um desses gmeos (Chang) foi conseqncia de pneumonia. O outro (Eng), de acordo com o relato de parentes, faleceu vtima de violento terror, algumas horas depois da morte do irmo, enquanto aguardava a vinda do mdico que deveria proceder a

    separao cirrgica dos corpos. A autpsia desses irmos revelou que a ligao entre eles continha tecido heptico, que unia o fgado de Chang ao de Eng.

    Na literatura sobre gmeos que nascem unidos existem abundantes exemplos de pares ligados por outras partes do corpo, com duplicao total ou parcial dos rgos. Tais gmeos so classificados em trs grandes grupos, conforme a ligao entre eles seja feita pela parte inferior do corpo (teratpagos cataddimos, do grego, cata = para baixo), por uma parte superior (teratpagos anaddimos, do grego, ana = para cima), ou apenas por uma regio mediana do corpo (teratpagos anacataddimos) (Fig. 9.1). Nem sempre, porm, os gmeos teratpagos constituem um par com o mesmo desenvolvimento, pois um dos gmeos pode apresentar desenvolvimento rudimentar. Nesse caso, o menos

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  • 20

    desenvolvido recebe a denominao de parasitrio.

    Cada um desses grupos admite subclassificaes, de acordo com o tipo de unio dos gmeos. Assim, dentre os teratpagos cataddimos, aqueles que apresentam duas faces em uma cabea ligada a um nico corpo so denominados diprsopos (do grego, prsopon = rosto) ou com cabea de Janus, em aluso divindade romana simbolizada em portes e arcos por uma cabea com duas faces, uma das quais, geralmente, barbada e a outra glabra.

    E

    A B C D

    G

    H

    F

    I J

    Fig. 9.1 Teratpagos cataddimos (A-D), anaddimos (E-G) e anacataddimos (H-J). A-diprsopos; B-dicfalos; C-isquipagos; D-pigpagos; E-cranipagos; F-sincfalos; G-dpigos; H-teratpagos; I-onfalpagos; J-raqupagos.

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  • 21

    Os que apresentam duas cabeas ligadas a um nico corpo so denominados dicfalos (do grego, kefal = cabea). Atualmente, porm existe a tendncia de no considerar os dicfalos como resultantes de separao incompleta de gmeos MZ, mas de uma diviso da regio que forma a cabea do embrio, o que daria origem a dois plos ceflicos em um nico corpo (International Cliearinghouse for Birth Defects Monitoring Systems, 1991). Os isquipagos (do grego, squion = quadril), por sua vez, so os gmeos ligados pelas margens inferiores da regio sacrococcigeana, mantendo as colunas vertebrais em sentidos opostos, segundo um mesmo eixo. Quando os gmeos esto ligados pela superfcie pstero-lateral da regio sacro-coccigeana, eles so denominados pigpagos (do grego, pig = ndega).(Fig. 9.1 A-D).

    Os teratpagos anaddimos congregam os cranipagos, que so ligados por uma regio da abbada craniana, os sincfalos, ligados pela face, e os dpigos, que apresentam duas cinturas plvicas e quatro membros inferiores ligados a um tronco e cabea nicos (Fig. 9.1 E-G).

    Finalmente, os teratpagos anacataddimos incluem os gmeos toracpagos, que apresentam parte da regio torcica em comum, os onfalpagos (do grego, onfals = umbigo) que, como os irmos siameses Cheng e Eng, mencionados acima, so unidos por uma ponte de tecido que vai desde o umbigo at a cartilagem xifide, e os raqupagos, que so unidos pela coluna vertebral em qualquer rea acima da regio sacro-coccigena. (Fig. 9.1 H-J). Os toracpagos e os onfalpagos so, tambm, freqentemente denominados de irmos xifpagos em aluso ao esterno e apndice xifide (do grego, xfos = espada). As estatsticas internacionais a respeito dos teratpagos mostram que 51% desses gmeos so do tipo anacataddimo, a maioria (72%) toracpagos. Os teratpagos cataddimos correspondem a 32% e mostram maioria de dicfalos (61%), enquanto os anaddimos constuem 12% dos casos, sendo os 5% restantes parasitrios (International Clearinghouse for Birth Defects Monitoring Systems, 1991). Esses levantamentos mostram, ainda, que a natimortalidade bastante alta entre os teratpagos (47%), mas importante assinalar, aqui, que a definio de natimorto , infelizmente, muito varivel, pois nem todos os pases consideram como natimortos os bitos de recm-nascidos com mais de 500g, o que corresponde a uma idade gestacional entre 20 e 22 semanas. Assim, por exemplo, na Noruega j so considerados como natimortos os conceptos cujo bito ocorreu aps a 16a

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  • 22

    semana. Muitos desses bitos, portanto, seriam classificados como abortos no Brasil.

    Na Amrica Latina, a incidncia de teratpagos foram obtidas por Castilla e colaboradores (1988), com base em observaes feitas a respeito de 1.714.952 recm-nascidos no perodo entre 1967 a 1986 em 95 maternidades de 11 pases (Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Colmbia, Costa Rica, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e

    Venezuela). De acordo com esses autores, a incidncia de teratpagos nas populaes latinomaericanas pode ser estimada em 1:75.000, j que, entre os recm-nascidos estudados, eles detectaram 23 desses gmeos (1 diprsopo, 3 dicfalos, 1 isquipago, 5 pigpagos, 3 sincfalos, 9 toracpagos e 1 onfalpago).

    A separao cirrgica dos toracpagos, que so os teratpagos mais freqentes e melhor estudados do ponto de vista clnico-cirrgico e radiolgico, tem suscitado grandes debates entre mdicos e telogos de diversas religies, tendo em vista os problemas ticos implicados em grande nmero de casos. De fato, uma alta proporo desses gmeos apresenta um corao muito complexo (62%) ou apenas duplicao dos ventrculos (13%). Em conseqncia disso, somente nos casos em que h dois coraes independentes (25%), uma interveno cirrgica para separar os toracpagos pode dar esperana de sobrevida aos dois elementos do par. Nos casos restantes, tal interveno significa, obrigatoriamente, a

    morte de um desses gmeos para que o outro, eventualmente, se salve.

    GMEOS MONOZIGTICOS DISCORDANTES QUANTO AO SEXO Os gmeos MZ so sempre do mesmo sexo, mas existem casos muito excepcionais

    que, por isso, mereceram registro na literatura pertinente. Assim, Turpin et al. (1961) e Dallapiccola et al. (1985) descreveram gmeos MZ heterocariticos, isto , gmeos MZ com caritipos diferentes, que eram discordantes quanto ao sexo, porque compostos por um indivduo do sexo masculino com caritipo normal (46,XY) e por outro, do sexo feminino, com sndrome de Turner (45,X), em conseqncia de perda de um cromossomo Y no incio do desenvolvimento embrionrio. Tambm j foram descritos pares MZ heterocariticos discordantes quanto ao sexo, em que o gmeo do sexo masculino tinha caritipo normal 46,XY, ao passo que o do sexo feminino era um mosaico 45,X/46,XY (Schmidt et al., 1976; Arizawa et al., 1988). O caso mais curioso foi relatado por Edwards et al. (1966) a respeito de um par MZ heterocaritico em que o gmeo do sexo feminino era um mosaico

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  • 23

    45,X/46,XY e o masculino tinha caritipo 45,X. Sabendo-se, entretanto, que, para o desenvolvimento de testculos, essencial a presena de um cromossomo Y no cartipo, pode-se supor que, na realidade, pelo menos no incio de seu desenvolvimento, o gmeo do sexo masculino teria sido, igualmente, mosaico 45,X/46,XY.

    Casos mais raros, de gmeos MZ que, apesar de apresentarem caritipo idntico,

    isto de serem isocariticos, eram discordantes quanto ao sexo, foram descritos por alguns autores. Assim, Karp et al. (1975) e Reindollar et al. (1987) descreveram discordncia em relao ao sexo em pares MZ com mosaicismo 45,X/46,XY. Fujimoto et al. (1991), por sua vez, assinalaram um caso de gmeos MZ discordantes quanto ao sexo que eram mosaicos

    45,X/46,X,idic(Y), ao passo que Kurosawa et al. (1992) descreveram essa discordncia em um par MZ com mosaicismo 45,X/47,XYY. Nesses casos, a explicao mais plausvel para a discordncia quanto ao sexo a de distribuio desigual na linhagem germinativa de clulas com caritipo 45,X e daquelas exibindo pelo menos um cromossomo Y, indutor do desenvolvimento de testculos.

    SUPERFECUNDAO HETEROPATERNA Um parto mltiplo pode ser o resultado da fertilizao de dois ou mais ovcitos

    expelidos simultaneamente, mas pode resultar, tambm, de superfecundao, isto , da fecundao de ovcitos emitidos em ovulaes sucessivas durante um nico ciclo menstrual. No caso de mulheres monogmicas impossvel saber se um parto mltiplo resultou de poliovulao ou de superfecundao. Sabe-se, porm, que a superfecundao

    existe, em decorrncia de observaes sobre superfecundao heteropaterna, isto , casos de mulheres com mais de um parceiro sexual, as quais geraram gmeos com pais diferentes, isto , gmeos dizigticos que eram, de fato, meio-irmos. Apesar de esses casos serem pouco mencionados na literatura pertinente (Sorgo, 1973; Terasaki et al., 1978; Spielmann & Khnl, 1980; Phelan et al., 1982; Wenk et al., 1986, 1992), possvel que sua freqncia esteja em asceno nas sociedades modernas, que propiciam aumento da freqncia de parceria sexual mltipla e concomitante, com conseqente aumento da freqncia de coitos, que parecem induzir ovulao secundria (James, 1984; Forrest e Singh, 1990).

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  • 24

    A RAZO DE SEXO DOS GMEOS As observaes de alguns autores favoreceram a concluso de que a razo de sexo

    dos gmeos menor do que a dos recm-nascidos de parto nico, isto , nasceriam menos gmeos do sexo masculino (Stocks, 1952; Barr e Stevenson, 1961; Susanne e Corbisier, 1969; Czeizel, 1974; Araujo e Salzano, 1975: James, 1975; Bertranpetit e Marin, 1988; Beiguelman e Villarroel-Herrera, 1992). Essa concluso no , entretanto, apoiada por dados de outros autores (Pedreira et al.,1959; Rola-Janicki, 1974).

    Um amplo estudo a respeito da razo de sexo em gmeos, realizado por Beiguelman, Franchi-Pinto, Dal Colletto e Krieger (1995), levando em conta 1385 pares nascidos durante o perodo entre 1984 a 1993, alm de mostrar que a diferena entre a razo de sexo dos gmeos (101,7 meninos: 100 meninas) e a observada nos recm-nascidos de parto nico (104,5 meninos: 100 meninas) foi pequena, serviu para realar um aspecto bastante curioso a respeito da variao anual da razo de sexo.

    De fato, esse estudo conseguiu demonstrar que, ao contrrio da pequena variao anual da razo de sexo dos recm-nascidos de parto nico, a variao observada nos gmeos foi muito grande, talvez por causa da proporo varivel de pares MZ. Por causa de sua identidade gentica, que lhes confere o mesmo sexo, os pares MZ poderiam distorcer os

    resultados em pequenas amostras de gmeos, j que uma variao aleatria poderia provocar um excesso de meninos ou, ao contrrio, de meninas. Esses resultados sugerem, pois, que os estudos sobre a razo de sexo de gmeos, mormente os que se referem a amostras pequenas, levem sempre em conta a possibilidade de os dados estarem distorcidos

    por causa dos gmeos MZ.

    FATORES QUE INFLUENCIAM O NASCIMENTO DE GMEOS O nascimento de gmeos DZ depende, evidentemente, da ocorrncia de

    poliovulao, a qual, por sua vez, depende do nvel de hormnio folculo-estimulante (FSH). O nvel de FSH, por sua vez, depende de causas genticas, sendo mais alto em mulheres negrides do que em caucasides, alm do que as mes de gmeos possuem, em mdia, nvel mais elevado de FSH do que as de parto nico (Nylander, 1981). A produo de FSH est, ainda, correlacionada ao tamanho da hipfise, cujo peso mximo atingido aos 40 anos de idade (Milham, 1964).

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  • 25

    Essas informaes explicam, pois, o fato de o nascimento de gmeos DZ ser

    influenciado pela raa, sendo as mulheres negrides as mais predispostas ao nascimento de DZ, seguidas das caucasides e das mongolides, nessa ordem. Tambm deve ser, por isso, que o nascimento de gmeos DZ depende da idade materna e, antes do advento de mtodos anticoncepcionais eficientes, era mais comum em mulheres muito fecundas, ou seja, com maior paridade. Essas mulheres no davam luz gmeos DZ por uma questo probabilstica, isto , no era porque o maior nmero de filhos aumentava a probabilidade de nascimento de gmeos, e sim porque a poliovulao est associada a maior fecundidade. Nessa poca, as mes de gmeos DZ mostravam vantagem reprodutiva em relao s outras

    mes por necessitarem menos tempo de acasalamento para a concepo do que as outras mulheres (Allen e Schachter, 1971). Antes do uso de anovulatrios orais, essas mulheres seriam responsveis pelo aumento da incidncia de gmeos em perodos de aumento da freqncia de coitos, como foram os perodos de ps-guerra (Jeanneret e MacMahon, 1962; Elwood, 1973; Brackenridge, 1977; Parisi e Caperna, 1982).

    Por estar a idade materna correlacionada ao nmero de filhos, poder-se-ia supor que a correlao entre a incidncia de gmeos DZ e a paridade fosse, na realidade, conseqncia da correlao entre a incidncia desses gmeos e a idade materna. Entretanto,

    j se demonstrou que a incidncia de gmeos DZ est correlacionada positivamente com a paridade, independentemente da idade das mes (Bulmer, 1959; Nylander, 1981; Chen et al., 1987; Picard et al., 1989; Allen e Parisi, 1990).

    Em um estudo feito por Franchi-Pinto (1996), que incluiu 763 mes de gmeos nascidos no perodo entre 1984 e 1993, em Campinas, SP, foi possvel constatar que a proporo de pares DZ gerados por aquelas que tinham paridade inferior a 4 (52,1%), isto , mulheres que antes do parto tiveram 0, 1, 2 ou 3 filhos era significativamente menor do que a de pares DZ gerados por mes de gmeos com paridade igual ou superior a 4 (68,4%). A Tabela 1.1, por sua vez, demonstra que a incidncia de pares DZ aumenta com a idade materna e que nas mulheres negrides essa incidncia maior do que nas caucasides, qualquer que seja o grupo etrio tomado para comparao.

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  • 26

    Tabela 1.1 Incidncia do total de gmeos e dos pares DZ por mil partos e segundo o grupo etrio entre os filhos de 25.932 parturientes caucasides e 4.962 negrides atendidas na Maternidade de Campinas (Campinas, SP).

    Grupo C a u c a s i d e s N e g r i d e s Etrio Partos Gmeos DZ Partos Gmeos DZ

  • 27

    intermdio das mes e que ela seria provavelmente recessiva. Um estudo genealgico feito

    em mrmons falou a favor da hiptese de transmisso recessiva (Wyshak e White, 1965), enquanto que, em oposio, o estudo de ocorrncia espontnea de gmeos DZ em genealogias feito por Meulemans et al. (1996) falou a favor de herana dominante monognica.

    O trabalho de Busjahn et al. (2000), entretanto, foi contrrio possibilidade de existncia de efeito materno e, segundo esses autores, a dizigosidade dependeria de um gene do cromossomo 3 (PPARG), que codifica o receptor ativado do proliferador de peroxisoma (PPAR), o qual influencia efeitos relacionados insulina, ao metabolismo de lipdios e massa corporal, que so importantes para o processo de crescimento. De acordo com Busjan et al. (2000) esse gene contribuiria para a sobrevivncia intrauterina dos gmeos DZ, entre os quais a perda fetal sabidamente alta. De fato, estima-se que cerca de 40% das gestaes de gmeos DZ resultam em parto nico (Landy e Keith, 1998) e, em casos de fertilizao assistida, cerca de 30% das implantaes mltiplas de embries resultam em parto nico (Kelly et al., 1991).

    Outra demonstrao da participao de fatores genticos no nascimento de gmeos DZ foi dada por Hasbargen et al. (2000), os quais demonstraram que as mulheres que possuem o alelo determinador da deficincia de redutase de metilenotetra-hidrofolato (MTHFR) tm menor probabilidade de gerar gmeos DZ. Nas gestaes gemelares a demanda de cido flico fica muito aumentada. Por ser a deficincia de MTHFR responsvel pela pouca produo de 5-metiltetra-hidrofolato e elevao da concentrao plasmtica de homocistena, o alelo que a causa essa deficincia diminui a probabilidade de gestao gemelar. De acordo com Hasbargen et al. (2000), a freqncia desse alelo em parturientes de recm-nascidos nicos foi 30%, enquanto que em mes de gmeos essa freqncia foi, praticamente, a metade (16%).

    O emprego de tcnicas de fertilizao assistida, para ajudar casais com problemas de esterilidade, tem aumentado a freqncia de nascimento de gmeos DZ porque, essas

    tcnicas incluem tratamento que estimula a sper-ovulao. Considerando que, regra geral, no Brasil, somente as camadas economicamente mais favorecidas da populao tm acesso fertilizao assistida, a qual ainda muito cara, evidente que a freqncia de partos gemelares na populao no sofre muita influncia dessa prtica. Entretanto, em

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    maternidades que atendem a mulheres daquelas camadas sociais mais favorecidas, a

    freqncia de nascimento de pares DZ altssima, chegando nos ltimos anos notvel incidncia de 19,5 por mil partos, quando na maior parte da populao ela no ultrapassa 5,5 por mil. Do mesmo modo, a incidncia de trigmeos nessas maternidades (2,13 por mil partos) extraordinariamente alta, quando se sabe que, em geral, essa incidncia no ultrapassa 0,2 por mil partos (Colleto, Segre e Beiguelman, 2001).

    Bem mais difcil do que detectar os fatores que determinam a poliovulao, que a condio sine qua non para o nascimento de gmeos DZ, o reconhecimento de fatores que influenciam a gestao de pares MZ. A hiptese mais plausvel para explicar o nascimento

    de pares MZ a diminuio da motilidade tubria e(ou) as alteraes da mucosa do endomtrio e(ou) do epitlio tubrio, que so fatores capazes de retardar a implantao do embrio na mucosa uterina. De fato, o retardamento experimental da ovulao em coelhos, entre os quais no ocorre monozigosidade, foi capaz de induz-la (Bomsel-Helmreich e Papiernik-Berkhauer, 1976). Alm disso, as fmeas dos tatus da famlia Dasypodidae, nas quais o retardamento da implantao do embrio uma caracterstica constitucional, sempre do origem, em cada ninhada, de 4 a 6 pares de gmeos do mesmo sexo, por serem todos MZ. A popularidade dessa observao foi, inclusive, registrada pelo grande zologo

    brasileiro Rodolfo von Ihering (1953), ao recolher a seguinte quadra originria do Rio Grande do Sul:

    O tatu mais a mulita a lei da sua criao: Sendo macho no pode ter irm, Quando fmea no pode ter irmo. Essa hiptese para justificar o nascimento de gmeos MZ tambm encontra apoio

    numa observao epidemiolgica a respeito da incidncia desses gmeos, que era constante em todas populaes, variando entre 3 e 4 por mil, e que passou a aumentar naquelas em que o uso de anovulatrios orais foi vulgarizado (Bressers et al., 1987; Beiguelman, Franchi-Pinto, Krieger e Magna, 1996). As indicaes que permitem supor serem os anovulatrios orais os responsveis pelo aumento da incidncia de pares MZ decorrem do conhecimento de que a depresso da motilidade tubria, bem como as alteraes das mucosas do endomtrio e tubria, esto includas entre os efeitos residuais do uso desses

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    anticoncepcionais (Bressers et al., 1987). Por outro lado, tambm freqente o retardamento da ovulao no primeiro ciclo menstrual aps a suspenso do uso de anovulatrios orais (Pinkerton, 1976). O uso desses anticoncepcionais poderia, pois, ser responsabilizado pelo aumento da incidncia de pares MZ, pois eles contribuiriam para o retardamento da implantao do embrio, o que, como foi demonstrado experimentalmente,

    um fator importante da monozigosidade. A predominncia de pares MZ entre as mes muito jovens que do luz gmeos (Tabelas 1.1 e 2.1) encontraria uma explicao na irregularidade do ciclo menstrual entre elas.

    Tabela 2.1 Porcentagem de pares MZ em 1306 partos gemelares segundo o grupo etrio das mes (Beiguelman, Franchi-Pinto, Dal Colletto & Krieger, 1995).

    Idade No. de gmeos MZ < 20 77 66,2

    20 25 289 55,7 25 30 444 43,7 30 35 339 39,2 35 40 123 38,2

    40 34 41,1

    No concernente a influncias genticas na induo de predisposio ao nascimento de gmeos MZ, existem evidncias de que mulheres gmeas MZ tm maior probabilidade de gerar esse tipo gmeos, mas a investigao de um efeito paterno semelhante em favor do

    nascimento desses gmeos mostrou resultado negativo (Lichtenstein et al., 1998). Em outras palavras, se existir um componente gentico que favorece a diviso do embrio para a produo de gmeos MZ, esse componente se expressa apenas nas mes e no nos zigotos.

    A fertilizao assistida tambm tem favorecido o aumento da incidncia de gmeos MZ por razes que ainda no so claras. Esse fenmeno foi atribudo principalmente delgadeza e(ou) micromanipulao da zona pelcida (Alikani et al., 1994). Entretanto, Sills et al. (2000) no observaram diferena na proporo de gmeos MZ nascidos de fertilizao in vitro sem o emprego e com o emprego dessa manipulao. Alm disso, deve-se lembrar que Derom et al. (1987) j haviam notado aumento da taxa de nascimento de gmeos MZ por simples induo da ovulao.

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    O QUIMERISMO NOS GMEOS DIZIGTICOS Durante a vida intra-uterina dos pares DZ possvel a ocorrncia de anastomoses

    placentrias devido proximidade das placentas, e, assim, haver trocas de clulas circulatrias nucleadas entre os gmeos. Por ser essa troca de clulas feita antes do

    desenvolvimento da imunocompetncia, cria-se entre os gmeos um estado de tolerncia imunolgica permanente, de modo que eles se desenvolvem como quimeras, isto , como indivduos nos quais coexistem populaes celulares geneticamente diferentes, pois so originrias de zigotos distintos. Em conseqncia dessa tolerncia imunolgica, em tais

    tipos de gmeos no ocorrer rejeio de enxertos recprocos eventualmente feitos neles. Em macacos bugios que, freqentemente, do origem a gmeos DZ, demonstrou-se tolerncia de enxertos recprocos de pele por mais de um ano (Porter, 1968), em decorrncia de seu quimerismo. Em gmeos DZ bovinos a tolerncia desses enxertos tambm a regra (Rogers e Allen, 1955). Essas observaes abalaram profundamente a idia, divulgada por muito tempo, de que a aceitao de enxerto recproco de pele em gmeos humanos serviria para rejeitar a hiptese de que eles seriam DZ.

    A existncia de quimerismo em gmeos DZ j vinha sendo demonstrada desde a dcada de 50, com a constatao, em alguns deles, de uma heterogeneidade na populao de hemcias quanto aos grupos sangneos (Race e Sanger, 1975). Assim, verificou-se a existncia de casos em que um dos indivduos do par, ou ambos, apresentavam uma populao de hemcias do grupo O e outra do grupo A ou B, ou ainda, populaes

    diferentes de hemcias quanto aos grupos sangneos do sistema Rh. Entretanto, a demonstrao citogentica da existncia desse fenmeno foi feita, pela primeira vez, em 1963, por Chown e colaboradores, que constataram nas culturas de leuccitos de um par DZ em que os gmeos eram discordantes quanto ao sexo, que 30% das clulas da menina apresentavam caritipo masculino (46,XY), enquanto que 22% das clulas do menino mostravam caritipo feminino (46,XX).

    At o presente no existe uma explicao para o fato de que, tanto nos humanos quanto nos macacos bugios, os gmeos DZ discordantes quanto ao sexo e com placenta aparentemente nica e, portanto, com possibilidade de trocas celulares durante a vida intra-uterina, no apresentam um fenmeno semelhante ao que se observa no gado bovino, em

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    carneiros, cabras e porcos, isto , que as gmeas de machos possam desenvolver-se como

    fmeas maninhas (do latim ibrico, manan = estril). Tais fmeas que, em ingls, so denominadas freemartins, possuem genitais externos femininos, mas so estreis por possurem ovrios atrofiados, sem crtex, alm do que, o tero e as trompas so pouco desenvolvidos.

    Durante muitos anos, a maninhez foi interpretada como sendo uma conseqncia de influncias hormonais do feto masculino sobre o feminino. Entretanto, tal explicao foi derrubada pela demonstrao de que a testosterona injetada nos fetos incapaz de reduzir os derivados dos dutos de Mller, que do origem s trompas, tero e parte superior da

    vagina, e no afeta o desenvolvimento dos ovrios (Jost et al., 1963). Passou-se, por isso, a pensar que a mistura de clulas masculinas e femininas pudesse condicionar o efeito que era atribudo, anteriormente, aos hormnios (Goodfellow et al., 1965; Herschler e Fechheimer, 1967). Essa hiptese, contudo, tambm teve que ser rejeitada quando se verificou no ser possvel demonstrar, de modo regular, o encontro de clulas com cromossomos sexuais XY nem nas gnadas, nem em outros tecidos slidos de fmeas maninhas. Alm disso, essa hiptese no explica o fato de, nos seres humanos e nos bugios, as clulas com cromossomos XY no terem atuao nas gmeas que apresentam

    quimerismo.

    Outra hiptese que teve de ser afastada foi a de que, nos seres humanos e nos bugios, a fuso das vilosidades corinicas nos gmeos dizigticos com placenta aparentemente nica poderia ocorrer mais tardiamente do que no gado bovino, o que

    livraria os primeiros da atuao precoce de agentes exteriores sobre suas gnadas. Entretanto, de acordo com Benirschke (1972), a fuso das vilosidades nos bugios ocorre antes da angiognese e, poca da diferenciao genital, as anastomoses interplacentrias j esto bem estabelecidas. O problema, portanto, continua sem soluo.

    DURAO DA GESTAO Os gmeos nascem com menos semanas de gestao que os recm-nascidos de parto

    nico. Num estudo feito em Campinas, SP, com 640 pares de gmeos (504 nascidos de mes caucasides e 136 de mes negrides) e 1119 recm-nascidos de parto nico (924 de mes caucasides e 195 de mes negrides) Beiguelman, Franchi-Pinto e Magna (1997)

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    verificaram que o grupo racial das mes no teve influncia sobre a idade gestacional dos

    recm-nascidos, o que tambm j havia sido observado por Luke et al. (1991) nos Estados Unidos. Essa similaridade permitiu estudar os gmeos e os nascidos de parto nico sem distino de raa e constatar que, em mdia, os gmeos tiveram idade gestacional de 36,6 semanas, ao passo que a idade gestacional dos nascidos de parto nico foi de 39,5 semanas, o que d uma diferena mdia de trs semanas a menos para os partos gemelares. Esses valores so muito semelhantes s estimativas obtidas na Europa em diferentes pocas e pases (McKewon e Record, 1952; Powers, 1973; Gedda et al., 1981; Bonnelykke et al., 1987).

    A durao das gestaes nicas considerada normal quando o nascimento se d no perodo entre 37 e 42 semanas completas de amenorria, isto , de ausncia de menstruao (recm-nascidos a termo). Quando esse tempo de gestao inferior a 37 semanas completas de amenorria, os recm-nascidos so considerados prematuros ou recm-nascidos pr-termo. Se a durao da gestao for igual ou superior a 42 semanas completas de amenorria, o recm-nascido ser dito ps-termo.

    Se esse critrio, consagrado para os partos nicos, for estendido aos partos gemelares, a proporo de gmeos classificados como prematuros passa a ser altssima. De

    fato, nos gmeos brasileiros a proporo de partos gemelares com menos de 37 semanas completas de amenorria foi de 45%, enquanto que nos partos nicos a porporo de prematuros no atingiu 10%. Nos gmeos brasileiros a proporo de partos a termo (37 a 42 semanas) foi de 53%, enquanto entre os partos nicos essa proporo atingiu 81%. A proporo de ps-maturidade (42 semanas ou mais) entre os gmeos foi de apenas 2%, enquanto entre os partos nicos foi de 9,5%. Aqui interessante assinalar que essas propores so muito semelhantes s observadas nos Estados Unidos (Keith, 1994) e na Gr Bretanha (Buckler e Buckler, 1987).

    Papiernik et al. (1985), conseguiu diminuir a proporo de gmeos pr-termo para 34%, aps submeter as gestantes a um programa especial de cuidados pr-natais. Entretanto, no so poucos os que consideram que a prematuridade dos gmeos no um fenmeno patolgico, mas mera conseqncia mecnica da distenso excessiva e eretismo da musculatura uterina, e do aumento da mobilidade fetal (Benirschke e Kim, 1973; Gedda et al., 1981). Gedda et al. (1981) consideraram provvel que as gestaes gemelares

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    estejam associados com o aumento da produo fetal de protenas com efeito oxitcicomimtico.

    Um trabalho realizado por Beiguelman, Dal Colletto, Franchi-Pinto e Krieger (1998), levando em conta o desenvolvimento intra-uterino de 1.158 pares de gmeos nascidos em trs maternidades brasileiras, mostrou que, em comparao com a taxa de

    crescimento de fetos nicos, a taxa de crescimento fetal dos gmeos retardada, independentemente do nvel scio-econmico da populao examinada. Entretanto, a idade gestacional em que comea esse atraso parece estar relacionada ao nvel econmico das mes, pois entre as mais pobres o atraso do crescimento fetal comea mais cedo. Em

    qualquer situao, porm, depois de 28 semanas de gestao, o crescimento dos fetos femininos foi levemente, mas consistentemente, inferior aos dos fetos masculinos.

    PESO E ESTATURA AO NASCER Em decorrncia do menor tempo mdio de gestao, os gmeos apresentam menor peso e menos estatura ao nascer que os recm-nascidos de parto nico. Assim, por exemplo, um estudo feito em Campinas, SP, por Beiguelman e Franchi-Pinto (2000) permitiu constatar em recm-nascidos vivos do sexo masculino, que 711 gmeos mostraram

    peso mdio de 2331 616 g, enquanto 750 nascidos de parto nico pesaram, em mdia,

    3212 527. Entre os recm-nascidos do sexo feminino a diferena foi da mesma ordem de

    grandeza, pois 728 gmeas pesaram, em mdia, 2246 611 g, enquanto as nascidas de

    parto nico tiveram peso mdio de 3127 477 g. Quando esses recm-nascidos foram distribudos em apenas duas classes de peso (menos de 2500 g, o que considerado peso baixo ao nascer, e com 2500 g ou mais), constatou-se que a proporo de crianas com menos de 2500 g foi impressionantemente mais alta nos gmeos (61%) do que nos recm-nascidos de parto nico (7,9%). Ao promover a distribuio dos recm-nascidos em uma classe inferior a 1500 g (peso muito baixo ao nascer) e com 1500 g ou mais, praticamente 10% dos gmeos foram classificados na primeira classe, enquanto que, praticamente, apenas 1% dos recm-nascidos de parto nico foram includos entre os recm-nascidos de peso muito baixo.

    Em outro estudo, tambm realizado em Campinas, SP (Beiguelman, Franchi-Pinto e Magna, 1997), pde-se observar que a estatura mdia entre os recm-nascidos do sexo

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    masculino foi de 45,1 3,3 cm para os 671 gmeos analisados e 48,6 2,2 cm para os 750

    nascidos de parto nico. Entre os do sexo feminino, verificou-se que 712 gmeas mediram

    44,6 3,2 cm, ao passo que as 765 nascidas de parto nico tiveram 47,9 2,4 cm de

    estatura. Ao serem distribudos em duas classes de estatura (menos de 44 cm e com 44 cm ou mais), a proporo de crianas com menos de 44 cm tambm foi significativamente mais alta nos gmeos (28%) do que nos recm-nascidos de parto nico (3%). Os dados a respeito do peso de recm-nascidos em Campinas, SP, so semelhantes aos verificados em outras populaes brasileiras (Arajo e Salzano, 1975) ou na frica do Sul (Essel e Opai-Tetteh, 1994). Entretanto, tanto o peso quanto a estatura dos recm-nascidos brasileiros, gmeos ou no, foram menores do que os constatados em recm-nascidos da Europa, Estados Unidos e Israel (Armitage et al., 1967; Gedda et al., 1981; Alfieri et al., 1987; Ramos-Arroyo et al., 1988; Blickstein e Weissman, 1990; Voorhorst et al., 1993).

    De acordo com Luke (1996), o menor peso ao nascer associado menor idade gestacional dos gmeos resulta em efeito benfico para eles. Assim, nos Estados Unidos, a menor taxa de bitos fetais em gmeos foi observada naqueles com 2500 a 2800 g ao nascimento e idade gestacional de 36 a 37 semanas, enquanto a menor taxa de bito entre os recm-nascidos de parto nico ocorreu entre aqueles que apresentaram 3700 a 4000 g ao nascimento e idade gestacional de 40 a 41 semanas. As observaes de Luke (1996) concordam com as anteriores de Gedda et al. (1981), que afirmaram ser o peso baixo de gmeos ao nascer uma entidade distinta do peso de recm-nascidos de parto nico, por afetarem diferentemente o crescimento e a sobrevivncia das crianas. Gedda et al. (1981) tambm recomendaram que, na anlise da relao entre o peso ao nascer e a mortalidade perinatal, os dados a respeito dos gmeos e dos nascidos de parto nico deveriam ser

    avaliados separadamente e no em conjunto, como, geralmente, se faz.

    NDICE DE APGAR Em 1953, Virginia Apgar props um mtodo para avaliar o estado clnico dos recm-nascidos por intermdio de um ndice, que representa a soma de vrios achados. Esse mtodo foi idealizado, originalmente, para ser empregado um minuto aps o

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    nascimento (Apgar de 1 min.). Posteriormente, porm, passou-se a empreg-lo pelo menos mais uma vez, cinco minutos aps o nascimento (Apgar de 5 min.). O ndice de Apgar leva em conta cinco sinais que podem ser facilmente determinados e que no interferem com os cuidados que o recm-nascido necessita (freqncia cardaca, esforo respiratrio, irritabilidade reflexa, tnus muscular e cor da pele). Cada um desses sinais subclassificado em trs resultados que recebem nota zero, um ou dois, de modo que a soma dessas notas d um total (ndice de Apgar), que pode variar de zero a 10. As notas so as seguintes:

    1) Freqncia cardaca: 0 = nenhum batimento pode ser visto, sentido ou ouvido; 1 = menos de 100 batimentos por minuto; 2 = mais de 100 batimentos por minuto.

    2) Esforo respiratrio: 0 = apnia aps o nascimento; 1 = todos os tipos de esforos respiratrios; 2 = choro forte.

    3) Irritabilidade reflexa : 0 = ausncia de resposta; 1 = movimentos faciais; 2 = caretas, tosse e espirro.

    4) Tnus muscular: 0 = flacidez muscular completa; 1 = alguns movimentos de flexo de membros; 2 = movimentao ativa dos membros e resistncia extenso.

    5) Cor da pele: 0 = cianose; 1 = cianose somente das extremidades; 2 = cor da pele rosada. O ndice 10 indica que o estado clnico do recm-nascido considerado excelente,

    mas os ndices de Apgar de 7 a 9 tambm so aceitos como bom prognstico de baixo risco de complicaes respiratrias ou do desenvolvimento neuropsicomotor. ndices de 4 a 6 indicam asfixia moderada, o que requer algum tipo de ressuscitao para o recm-nascido. ndices entre 3 e zero indicam estado grave e esto associados a alto risco de bito e paralisia cerebral (Fanaroff e Martin, 1992).

    Se o ndice de Apgar de 5 min for menor do que 7, o recm-nascido passa a ser reavaliado em intervalos de 5 minutos at que haja normalizao clnica (Fanaroff e Martin, 1992), porque a correlao entre o desenvolvimento neurolgico e o ndice de Apgar aumenta medida que aumenta o tempo decorrido entre o nascimento e o exame do recm-nascido (Grothe e Rtgers, 1985; Committee on Fetus and Newborn, 1986).

    Um estudo feito em Campinas, SP, por Franchi-Pinto, Dal Colletto, Krieger e Beiguelman (1999) a respeito do ndice de Apgar de 604 pares de gmeos mostrou que

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    aqueles que nascem em primeiro lugar apresentam, em mdia, melhor estado clnico do que

    os gmeos que nascem em segundo lugar. De fato, entre os primeiros a proporo de ndices de Apgar de 1 min inferiores a 7 (17,5%) foi significativamente menor do que aquela observada entre os gmeos nascidos em segundo lugar (29,8%). Em qualquer caso, a proporo de ndices de Apgar de 1 min. inferior a 7 foi significativamente maior nos

    gmeos do que em 1522 conceptos nicos nascidos na mesma maternidade (9,2%).

    MORTALIDADE PERINATAL Os bitos perinatais incluem os natimortos, isto , os conceptos com peso superior

    a 500 g ou com mais de 22 semanas completas de gestao que, ao nascimento, no manifestam qualquer sinal vital, e os bitos neonatais precoces, isto , os conceptos que nascem com vida, mas que vo a bito na primeira semana aps o nascimento (Belitzky et al., 1978). Em decorrncia dos avanos teraputicos, as causas de natimortalidade de origem materna, como diabetes mellitus, pr-eclmpsia e isoimunizao, tendem a ser menos freqentes, dando lugar ao predomnio da natimortalidade de origem fetal, geralmente decorrente da prematuridade.

    Em todas as populaes humanas estudadas, a taxa de mortalidade perinatal de

    gmeos maior do que a de nascidos de parto nico (Lumme e Saarikoski, 1988; Chen et al., 1992; Keith, 1994). No Brasil, essa situao no diferente. De fato, ao analisar dados a respeito de 116.699 partos (1.062 gemelares e 115.637 nicos) ocorridos no perodo entre 1984 e 1996 na maior maternidade da cidade de Campinas, SP, Beiguelman e Franchi-Pinto (2000) constataram que, a despeito da baixa incidncia de nascimentos gemelares (9 por mil partos), as taxas de bitos neonatais precoces (55 por mil recm-nascidos) e de natimortos (19 por mil recm-nascidos) entre os gmeos foram responsveis por 10,7% dos bitos neonatais precoces e 3,5% dos natimortos. Em relao aos recm-nascidos de parto nico (8,4 bitos neotatais precoces e 10 natimortos por mil nascimentos), as probabilidades de mortalidade neonatal precoce e de natimortalidade foram, respectivamente, 6,5 e 1,9 vezes maior. A taxa de bitos perinatais dos recm-nascidos do sexo masculino foi mais alta do que a dos recm-nascidos do sexo feminino tanto entre os gmeos quanto entre os nascidos de parto nico.

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    No concernente ao perodo crtico para os bitos perinatais precoces, os dados desse

    trabalho contradisseram observaes feitas em outras populaes, nas quais se considera que esse perodo est limitado ao primeiro dia aps o nascimento (Barr e Stevenson, 1961; Doherty, 1988), visto que, em Campinas, tal perodo crtico abrangeu os trs primeiros dias aps o nascimento tanto no caso dos gmeos quanto no dos recm-nascidos de parto nico

    (Beiguelman e Franchi-Pinto, 2000). Alm disso, ficou claro que a mortalidade perinatal incidiu mais freqentemente nos pares masculinos (MM), os quais foram seguidos pelos pares femininos (FF), sendo menos freqentes nos pares discordantes quanto ao sexo (MF).

    No fcil explicar essa distribuio. Assim, se a maior vulnerabilidade dos

    conceptos masculinos fosse a causa do maior nmero de bitos nos gmeos MM, dever-se-ia esperar que os pares MF tivessem mais bitos do que os FF, o que no ocorreu. Por outro lado, se os pares MZ, que so, reconhecidamente, mais vulnerveis do que os DZ (Chen et al., 1992), fossem a causa de maior mortalidade, dever-se-ia esperar equivalncia da taxa de bitos entre os pares MM e FF, o que tambm no ocorreu. Em vista disso, parece plausvel supor que o gradiente de bitos perinatais na seqncia MM>FF>MF decorra de uma associao de trs fatores, a saber: maior vulnerabilidade dos conceptos masculinos, monozigosidade e concordncia de bitos perinatais, isto , o bito de um dos elementos

    do par poderia facilitar a ocorrncia do bito do outro elemento. Outra constatao feita nesse trabalho que a taxa de bitos perinatais vem decrescendo em Campinas, tanto nos gmeos quanto nos nascidos de parto nico, podendo essa tendncia ser atribuda melhoria da assistncia pr- e perinatal nessa cidade, que

    conta com duas Faculdades de Medicina de alto nvel. curioso, porm, que o decrscimo de bitos perinatais est sendo feito de modo mais acentuado nos recm-nascidos do sexo feminino.

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    REFERNCIAS

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