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Ronaldo Mathias e Wildney Feres Contrera Bibliografia Comentada: Os 50 anos da Televisão Brasileira Resumo O presente texto oferece comentários críticos sobre algumas obras recente mente tomadas públicas no âmbito da comunicação social, no Brasil, sobre tudo na oportunidade dos cinqüenta anos da televisão no país. Cinqüentenário televisivo Nos últimos meses de 2001, um volume considerável de publicações de autores, reconhecidos tanto no meio acadêmico quanto no mercado editorial, chegou às prateleiras das livrarias brasileiras. Tais obras tratam, de forma clara, sobre um dos meios de comuni cação mais populares e difundidos no mundo: a televisão. Essas recentes publicações têm como característica principal uma análise que passa pela programação do audiovisual, suas técnicas de produção e por um registro da própria história deste meio. Os cinqüenta anos da televisão brasileira aparecem resgatados na literatura especializada e cobrem um espaço ainda pouco explorado e que já há algum tempo reclamava por títulos inovadores. A linguagem não acadê mica toma-os facilmente compreensíveis e, em parte, é resultado das experiências vividas pelos autores. Algumas dessas obras recupe ram a história da televisão que sobre viveu graças ao depoimento daqueles que participaram do momento inicial da fundação das primeiras redes em caráter nacional; outras, de cunho mais acadê mico, anunciam as pesquisas feitas por docentes das universidades brasileiras tendo como recorte as produções televisivas de algumas das principais emissoras do país. Observa-se desde o início a recorrência a temas que no fundo pri vilegiam as condições da produção televisiva, as peculiaridades tecnoló gicas utilizadas, ou os condicionantes da produção obtida. São raras as indagações envolvendo de forma mais assertiva a comunicação segundo a ótica da recepção. Nesse sentido, são estudos que lembram muitas vezes a perspectiva hegemônica do emissor, as condições de produção e os produtos derivados, tônicas que marcam até agora as perspectivas apoiadas nas posturas teóricas fundadoras em comunicação. Parte desses textos, apesar de utilizar o modelo funcionalista para explicar a tecnologia midiática, adota a Teoria Crítica para apontar o mani- queísmo existente no meio de comu nicação, segundo o qual ele exerce um poder de persuasão, sedução, conven cimento sobre o telespectador. As recentes publicações sobre televisão têm- se caracterizado em propor este veículo como produto de consumo, simbólico ou material, no qual o emissor é o principal responsável. Esse é o sentido que perpassa O Circo Eletrônico - Fazendo TV no Brasil, de Daniel Filho. O autor foi diretor, editor executivo, produtor e ator da Rede Globo de Televisão e a multi plicidade de papéis exercidos por ele conferiu-lhe legitimidade no assunto. Assim, ele se apropriou do título usado anteriormente por Nelson Pereira dos Santos ao referir-se sobre a decadência do cinema, ao mesmo tempo em que faz alusão à diversidade de temas utilizados pelo meio e pela inserção deste junto ao Ronaldo Mathias é doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA - USP e professor da Faculdade de Belas Artes de São Paulo Wildney Feres Contrera é mestre em Ciências da Comunicação e professora junto à Unicsul - SP

Bibliografia e Critica Assinada - Televisão

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RonaldoMathiaseWildneyFeresContreraBibliografia Comentada: Os 50 anos da Televiso BrasileiraResumoOpresentetextooferececomentrios crticossobrealgumasobrasrecentementetomadas pblicas no mbito da comunicao social, no Brasil, sobretudonaoportunidadedoscinqenta anos da televiso no pas.Cinqentenrio televisivoNos ltimos meses de 2001, um volume considervel de publicaes de autores,reconhecidostantonomeio acadmico quanto no mercado editorial, chegousprateleirasdaslivrarias brasileiras. Tais obras tratam, de forma clara, sobre um dos meios de comunicaomaispopulares edifundidosno mundo:ateleviso.Essasrecentes publicaestmcomocaracterstica principalumaanlisequepassapela programaodoaudiovisual,suas tcnicas de produo e por um registro da prpria histria deste meio.Os cinqenta anos da televiso brasileiraaparecemresgatadosna literaturaespecializadaecobremum espao ainda pouco explorado e que j h algum tempo reclamava por ttulos inovadores.Alinguagemnoacadmica toma-os facilmente compreensveis e, em parte, resultado das experincias vividas pelos autores.Algumasdessasobras recuperam a histria da televiso que sobreviveugraasaodepoimentodaqueles que participaram do momento inicial da fundao das primeiras redes em carter nacional; outras, de cunho mais acadmico, anunciam as pesquisas feitas por docentesdas universidades brasileiras tendocomorecorteasprodues televisivas de algumas das principaisemissoras do pas.Observa-sedesdeoincioa recorrncia a temas que no fundo privilegiamascondiesdaproduo televisiva,aspeculiaridadestecnolgicasutilizadas,ouoscondicionantes daproduoobtida.Sorarasas indagaes envolvendo de forma mais assertivaacomunicaosegundoa ticadarecepo.Nessesentido,so estudosquelembrammuitasvezesa perspectiva hegemnica do emissor, as condiesdeproduoeosprodutos derivados, tnicas que marcam at agora asperspectivasapoiadasnasposturas tericas fundadoras em comunicao.Partedessestextos,apesarde utilizaromodelofuncionalistapara explicar a tecnologia miditica, adota a TeoriaCrticaparaapontaromani- quesmoexistentenomeiodecomunicao, segundo o qual ele exerce um poder de persuaso, seduo, convencimentosobreotelespectador.As recentespublicaessobreteleviso tm-secaracterizadoemproporeste veculocomoprodutodeconsumo, simblico ou material, no qual o emissor o principal responsvel.Esse o sentido que perpassa O CircoEletrnico-FazendoTVno Brasil,deDanielFilho.Oautorfoi diretor, editor executivo, produtor e ator da Rede Globo de Televiso e a multiplicidadedepapisexercidosporele conferiu-lhelegitimidadenoassunto. Assim, ele se apropriou do ttulo usado anteriormenteporNelsonPereirados Santos ao referir-se sobre a decadncia do cinema, ao mesmo tempo em que faz aluso diversidade de temas utilizados pelo meio e pela insero deste junto aoRonaldoMathiasdoutorandoem Cincias da Comunicao pela ECA - USPeprofessordaFaculdadede Belas Artes de So Paulo Wildney Feres Contrera mestre em CinciasdaComunicaoe professora junto Unicsul - SP(1) MARTIN-BARBERO y GERMAN REYS. Los ejercicios del ver - Hegemonia, audiovisual y ficcin televisiva. Espanha, Editorial Gedisa, outubro de 1999.grandepblicoquelhedumcarter popular.Filho narra a histria da televiso emseusprimrdioseasdificuldades enfrentadas por aqueles que, de forma amadorista,souberamaproveitaro melhor do rdio e do cinema para criar asprimeirasproduestelevisivas.A tica do produtor de TV, que prevalece na obra, preocupa-se em trazer ao leitor comosefazumaudiovisualecomo momentosdahistriadopasforam retomadoscomogeradoresdessas produes.AlgumasdasobrasregistradasporFilhorepresentamuma releituradacinematografiabrasileira, com caractersticas bem populares.Nesteaspecto,apopularidade de tais obras vai ao encontro do que se refereMartn-Barberoquandoeste mencionaocarternacionalista,por exemplo,dasteledramaturgiaslatino- americanas. Para Barbero (...) la telenovela ocupa un lugar determinante en lacapacidadnacionaldeproduccin televisiva,estoeslaconsolidacinde laindustriatelevisiva,enlamodemi- zacin,desusprocesoseinfraestruc- turas - tanto tcnicas como financieras- y en la especializacin de sus recursos: libretistas,directores,camargrafos, sonidistas,escenogrfos,editores.La produccindetelenovelassignifica su vez una cierta apropiacin del gnero por cada pas: su nacionalizacin 1. A afirmao de Daniel Filho ao dizer que a centralizao da produo, a padronizaoesistemasdeadministrao operada pela Rede Globo abriu espao para a criao de um produto televisivo puramentenacional,atestaopensamento de Barbero.Osgrandesclssicosdatelevisobrasileira,comoVudeNoiva, Irmos Coragem, Roque Santeiro e O Bem Amado, surgem retratados no livro ondeaparecemdetalhestantoda produo quanto da vida e dificuldade dos artistas na realizao dessas peas. O livro de Daniel Filho, alm de ter o olhar do produtor sobre o meio de comunicao mais sedutor do pas, traz com eleostakesdessasproduesricamenteilustradasequeofazfontede refernciaparaconsultaaosinteressados no tema.Aondacomemorativados50 anos da TV no parou com a edio do livrodeDanielFilhoqueretratoua produo da Rede Globo, cone da mdiaeletrnicabrasileira.Outrasobras como A Deusa Ferida, organizada por Silvia Borelli e Gabriel Priolli, tambm trilharam pela historiografia da televiso e teve como tema a mesma rede televisiva,eque,apoiadanosestudosde audincia,tentaramcompreendere entender a crise que a emissora registra nos ltimos anos.Osautoresrecorreramauma anlise dos fatos que envolvem a Rede Globonabuscadeumarespostaque no fosse o resultado das variaes de humoresdosseuscrticos,masque fosse,antesdetudo,assentadana produocientfica-dadosforam mensuradoseobtidospormeiode pesquisa,resultadosdeaudinciaque envolvemaGlobodapocadoseu nascimento at meados de 1970.A pesquisa realizada entre maio e julho de 1999 por professores das - reas de Cincias Sociais e Comunicao da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo voltou-se para os receptores das mensagens da Rede Globo, adotando,paraisso,umaanlisequalitativa dos dados obtidos que foram comparados com comportamentos do pblico receptor. Esse estudo centrou-se no padro de qualidade, tido como caracterstica principal da emissora, e representado, principalmente, pelas telenovelas e o jornalismo, o prime time da Globo.Paraalcanaressesresultados foiutilizadoomodelodepesquisa qualititativa-Quali,quetemcomo estratgiaaformaodegruposde discussoparaavaliaodocomportamentodopblicoreceptornaatualidade(p.14).Foramusadosoito grupos,emdoisstiosprincipais:So Paulo e Rio de Janeiro.Dessa forma, o livro se divide em dois blocos: no primeiro, analisa a oscilao de audincia nas telenovelas e jornalismoefazumareflexosobreo padro de qualidade da Rede Globo. No segundo bloco, analisa os fatores externos da perda de audincia: concorrncia,segmentaonatelevisoaberta (VHF e UHF), as especificidades da regionalizao, a concorrncia com a televiso paga, transformaes scio econmicas, e a influncia das novas tecnologias no cotidiano do receptor e a anlise dos principais programas que concorrem com a emissora. Nesta ltima fase, a anlise se deteve na televiso aberta.O livro toma o caminho da historiografiadatelevisobrasileiraeos avanosobtidoscomousodeuma tecnologiadepontaeaformaode quadrosprofissionaisespecficospara essa nova etapa dos media no pas.Por outro lado, para que a anlise pudesse ser feita, a histria da televiso brasileiracontadacomriquezade detalhese,nesseaspecto,noacrescenta ao que j foi descrito por Daniel Filho em Circo Eletrnico.Esseresgatedahistriada televisonosremeteretomadado processodainstauraodomeiono pas,tendocomosuportetericoa discussodasindstriasculturais2,a culturasubordinadasimultaneamente aos interesses do Estado de exceo dos anos60aofinaldosanos80eaos interessescomerciais.Essesfatores, entreoutros,soapontadospelos autorescomoosdesencadeadoresdo crescimento de uma indstria televisiva apoiada na idia de um padro global, queenvolveuatecnologiaese aproveitoudoaparecimentodo videoteipecomumapropostade desenvolveroprojetoprime-time. Esseprojetocondensadoteveum objetivo: monoplio da audincia.O objetivo do livro , portanto, um estudo sobre audincia cujo enfoque repousa nos Estudos Culturais, a exemplo de David Morley, pesquisador ingls, da Escola de Birminghan que foi pioneironessareacomseuestudo sobre a Nationwide Audience.Aocontrriodoquesepossa pensar,olivroADeusaFeridano um estudo sobre a pseudoqueda, ou o dbaque da Rede Globo, como podem pensar os mais pessimistas. Ele mostra a trajetria de uma rede televisiva que aindadetmopoder,masqueaos poucos se fragmenta em detrimento dediferentesinteressesdopblico,quer seja na grade de programao, quer seja naidentificaodopblicocomessa programao,napossibilidadedeter novasopesquenorestrinjamo telespectador a uma ou duas emissoras.Soapenasfatores,dadoa existncia de novas opes, como novas emissoras de pay per view, a existncia denovosmediascomoainternet,ou ainda porque, depois de tantos anos no ar, os programas se desgastam e perdem o encantamento inicial.Destoando do caminho adotado por Daniel Filho, Borelli e Priolli no livro 50 Anos de TV coordenado por Eugnio Bucci retoma trabalhos acadmicos de vrios pesquisadores e os condensa emumanicaobracujapropostado organizador sintetizada (...) criticar a televiso tem sido fundamental, um e- xercciodeutilidadepblica.Um exerccio urgente e inadivel.Dentrodessaperspectiva,os textos foram pensados no s em funo de uma data, mas de datas comemorativasnaqual a comemorao dos 500 anosdeBrasilestincluda.Nesse sentido, os artigos pensam o meio em funo de como o pas cresceu e desenvolveu suas polticas comunicacionais e como a televiso tem contribudo para a reconfigurao do espao pblico na integrao do povo brasileiro.Os textos includos na obra so crticos da produo televisiva, porm a leitura que se faz deles que ainda se concentramnaconhecidafrmulada teoria crtica, no qual o meio no visto peloolhardoreceptor,mascomoum instrumento de cooptao e induo ao consumo pelo pblico.O artigo de Bucci o melhor e- xemplo da afirmao acima, a narrativa adotadaempenha-sepordemonstrar que a identidade do povo brasileiro foi forjadaapartirdeinteressespolticos ideolgicoseeconmicos,eimposta verticalmente. H mais para ser dito: a cloaca, ou o arremedo de uma antropofagia transfigurada em indstria a que chegamos, no recicla o que nos seria estrangeiro e o que nos seria reprimido emnossoprpriopassado,oquenos seria indito, mas apropria-se de tudo(2) A indstria cultural, para Adorno, um processo verticalizado para manipular e determinar s massas populares o que elas devem consumir trao tpico do mundo industrializado, e capitalista sedimentado na tcnica e na cincia, e que priva os sujeitos de seus desejos mais bsicos. Ao mesmo tempo, essa indstria os incita a consumir cada vez mais.Esse pensamento no foi abandonado. Ao contrrio, quanto mais a sociedade se transforma em consumidora de bens simblicos ou materiais, mais a teoria crtica ganha novos adeptos. (N.A.A.)indistintamente,indodapilhagem pasteurizaonumnicosegundo, (p.127).A estticadateleviso e sua glamourizao servem como catalisador e venda aos olhos, alm de promover o distanciamentodopovoparacomos problemas reais vividos no cotidiano.Como o livro foi organizado, ele permite que se conhea a historiografia da televiso brasileira porque, ao critic- la os autores retomam fatos ocorridos e os inserem em um determinado momento histrico: fatos e gneros televisivos se confundem.Contrape-se a essa corrente de pensamento o livro A televiso levada srio,deArlindoMachado,que, segundo o posfcio, a primeira obra brasileira a analisar a televiso com foco noseucontedo(...)colocandoa qualidadecomoaquestoprincipala ser avaliada.Machado apresenta outras possibilidades ao meio e retoma a necessidadedetorn-ladialgicajuntoao espectador. O conceito de ideologia para o autor toma a forma de idia, segundo pensamentosocrtico,quetempor sustentaoaoralidadequeest presente no rdio e na TV. Assim, para ele, a televiso um meio que estimula o debate e se apresenta como nova possibilidadeparadesenvolveropensamento da sociedade, assim como permiteque sejam afloradas outras formas discursivas e mais antigas que residem na cultura de um povo. Contudo, o dilogo ocorridonaTVemerge sobapresso dotempoquerestringeaautonomia discursiva necessria ao telespectador.Paraoautor,pesaaqualidade daqueles que produzem, apresentam e participam nesses dilogos miditicos, oqueconfereaindaTVopapelde protagonistaeotelespectadorapenas comocoadjuvantedoprocessode recepo.A televiso levada a srio exploraaindaaquestodosgneros,suas linguagensetecnologias,umaabordagemcaraaMachadoquandose pretendeanalisaraqualidadeneste meio.Oautorapresentaaconstruo dosgnerosnoBrasilenomundo, estabelecendo uma comparao entre a produo existente nos diversos pases que adotam temas semelhantes.Esses ttulos apontam na direo deumahistriadatelevisoqueest sendo construda sob ticas diferentes neste momento comemorativo dos seus cinqenta anos. Percebe-se que existem novaspesquisassobreosestudosde televisoapoiadasemteoriasde comunicaobemcomooresgate histricodomeio,ambosservindode refernciasparapesquisadores, estudantes e interessados no assunto.Bibliografia do ArtigoBORELLI, Silvia, e PRIOLLI, Gabriel (org). A deusa ferida: por que a Rede Globo no mais campe absoluta de audincia. SP:Summus, 2000BUCCI, Eugnio(org). A TV aos 50 - Criticando a Televiso BrasileiranoseuCinqentenrio.SP:EditoraFundaoPerseu Abramo, 2000.FILHO, Daniel. O circo eletrnico - Fazendo TV no Brasil. RJ:Ed. Jorge Zahar, 2000.MACHADO, Arlindo. A televiso levada a srio. So Paulo: Editora Senac, 2000.