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BIBLIOTECA Biblioteca SetorlaJ e Educa- ção e de Ci'ncias Huma. nas, LSlras e Arte ENTREVISTA 'rOR DE EDUCAÇÃO o infcio da Biblioteconomia no Brasil, com o primeiro curso apoiado em matérias técnicas, aos moldes da escola america- na, vai ser conhecido pela fala de alguém que viveu esse recor- te histórico: Heloisa de Almeida Prado. Foi aluna da 1~turma desse curso patrocinado pela Prefeitura de São Paulo, em 1936. Tornou-se conhecida por ser autora de dois utilizadfssi- mos manuais de organização de biblioteca e de arquivo e como criadora da Tabela PHA, réplica brasileira da Tabela de Cutter. Interessantes dados sobre sua vida profissional foram obtidos na entrevista, ora divulga da, concedida a Laércio Felício e Ma- ria Arlete Piveti, colaboradores desta seção da RBBo. RBBD - Como ocorreu a .escolha da profissão de bibliotecário? , Heloisa - Como diretora da Seção Feminina do Instituto Mackenzie, fui convidada pela bibliotecária Adelpha Figueiredo (pri- meira bibliotecária formada no Brasil. e minha ex-professo- ra do primário) a integrar a 1~ turma do Curso de Bibliote- conomia da Prefeitura da cidade de São Paulo, em 1936. Foram minhas colegas: Antonieta Ferraz, Noemia Lentino, Afra Lima, Guiomar Carvalho Franco e outros. RBBD - Como surgiu esse curso na Prefeitura de São Paulo? Heloisa - Na época, o Dr. Rubens Borba de Moraes, que era Diretor da Biblioteca Municipal, ao saber da chegada da funcioná- ria do Instituto Mackenzie, Adelpha Silva Rodrigues, dos Estados Unidos da América, que havia sido enviada pelo Diretor William A. Waddell para freqüentar a 1~ Escola de Biblioteconomia naquele país (School of Library Science of Columbia University), convidou-a para dirigir a Seção de Catalogação daquela entidade. Adelpha aceitou o convite. R. bras. Bibliotecon. e Doe., São Paulo, 21(3/4):10 1-6, jul.ldez. 1988 101

BIBLIOTECA Biblioteca SetorlaJ e Educa-...te histórico: Heloisa de Almeida Prado. Foi aluna da 1~turma desse curso patrocinado pela Prefeitura de São Paulo, em 1936. Tornou-se conhecida

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Page 1: BIBLIOTECA Biblioteca SetorlaJ e Educa-...te histórico: Heloisa de Almeida Prado. Foi aluna da 1~turma desse curso patrocinado pela Prefeitura de São Paulo, em 1936. Tornou-se conhecida

BIBLIOTECABiblioteca SetorlaJ e Educa-

ção e de Ci'ncias Huma.nas, LSlras e Arte ENTREVISTA'rOR DE EDUCAÇÃO

o infcio da Biblioteconomia no Brasil, com o primeiro cursoapoiado em matérias técnicas, aos moldes da escola america-na, vai ser conhecido pela fala de alguém que viveu esse recor-te histórico: Heloisa de Almeida Prado. Foi aluna da 1~turmadesse curso patrocinado pela Prefeitura de São Paulo, em1936. Tornou-se conhecida por ser autora de dois utilizadfssi-mos manuais de organização de biblioteca e de arquivo e comocriadora da Tabela PHA, réplica brasileira da Tabela de Cutter.Interessantes dados sobre sua vida profissional foram obtidosna entrevista, ora divulga da, concedida a Laércio Felício e Ma-ria Arlete Piveti, colaboradores desta seção da RBBo.

RBBD - Como ocorreu a .escolha da profissão de bibliotecário?

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Heloisa - Como diretora da Seção Feminina do Instituto Mackenzie,fui convidada pela bibliotecária Adelpha Figueiredo (pri-meira bibliotecária formada no Brasil. e minha ex-professo-ra do primário) a integrar a 1~ turma do Curso de Bibliote-conomia da Prefeitura da cidade de São Paulo, em 1936.Foram minhas colegas: Antonieta Ferraz, Noemia Lentino,Afra Lima, Guiomar Carvalho Franco e outros.

RBBD - Como surgiu esse curso na Prefeitura de São Paulo?

Heloisa - Na época, o Dr. Rubens Borba de Moraes, que era Diretorda Biblioteca Municipal, ao saber da chegada da funcioná-ria do Instituto Mackenzie, Adelpha Silva Rodrigues, dosEstados Unidos da América, que havia sido enviada peloDiretor William A. Waddell para freqüentar a 1~ Escola deBiblioteconomia naquele país (School of Library Science ofColumbia University), convidou-a para dirigir a Seção deCatalogação daquela entidade. Adelpha aceitou o convite.

R. bras. Bibliotecon. e Doe., São Paulo, 21(3/4):10 1-6, jul.ldez. 1988 101

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ENTREVISTA

Mais tarde criou-se a Escola de Biblioteconomia, na Prefei-tura de São Paulo.

RBBD - Por que o Instituto Mackenzie enviou uma funcionária aosEstados Unidos da América?

Heloisa - Porque este Diretor tomou a iniciativa de construir umprédio próprio (1923 - 1926) para abrigar a Biblioteca da-quela instituição. Sendo a Profa. Adelpha encarregada daorganização e direção, embora pessoa culta, reconheceuque lhe faltavam conhecimentos específicos para que pu-desse realizar com eficiência a tarefa que estava ao seucargo. Providenciaram, também, a vinda de uma biblio-tecária americana, Miss Dorothy Muriel Gueddes (hoje Mrs.Arthur Gropp), que participou da organização da bibliote-ca e criou um curso elementar' de biblioteconomia para osfuncionários da biblioteca.

RBBD - Como a sociedade da época via tais acontecimentos?

Heloisa - Como o gosto pela leitura e a importância do livro já as-sumiam um caráter relevante naquela época, situação quecrescia em ritmo progressivo de ano para ano, uma vezque aumentava em grandes proporções a produção do li-vro e do acervo documentário. Ou melhor, dobrava rapi-damente o acervo das bibliotecas.Estes fatos ocorridos no Mackenzie, constituíram umagrande novidade e foram comentados por um conceituadojornal da época, com a seguinte observação: "Será que pa-ra se colocarem livros nas prateleiras há necessidade de seimportar uma técnica americana?" Por aí, bem podemosavaliar o quanto era desconhecido o verdadeiro trabalhodo bibliotecário. É importante lembrar que a BibliotecaGeorge Alexander, do Instituto Mackenzie, foi a primeira apermitir o livre acesso dos leitores ao depósito de livros ea abrir uma seção circulante para empréstimo.

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ENTREVISTA

RBBD - Quais as matérias desse 1<? Curso de Biblioteconomia pau-lista?

Heloisa - O Prof. Rubens Borba de Moraes, lecionava História do Li-vro e Bibliografia (e Referência), enquanto a Prof9 Adel-pha Figueiredo lecionava Classificação, Catalogação e Or-ganização de Biblioteca. Foi talo interesse despertado pe-la escola que, em 1937 (29 Turma), o número de matrículaatingia a 215 (duzentos e quinze) alunos. Vê-se, claramen-te, por este número, que o Ensino da Biblioteconomia, jánaquela época, era uma necessidade social. Na verdade,foi o 1<? curso que ofereceu matérias técnicas da área. Ocurso da Biblioteca Nacional era de outro teor.

RBBD - Como surgiu o Curso de Biblioteconomia na Fundação deSociologia e Política de São Paulo?

Heloisa - Em 1939, com a mudança do Prefeito, era o Curso da Bi-blioteca Municipal suprimido e cancelada a subvenção. Ocurso foi abrigado pela Escola de Comércio Álvares Pen-teado, mas não durou muito tempo. Não desanimados seusfundadores, obtiveram amparo da FESP e, em 1940, com180 (cento e oitenta) alunos, teve início o curso. Cuidou-sede ampliar o programa, incluindo matérias que faltavam.Cogitou-se da organização de uma biblioteca especializadap.ara pesquisa de professores e alunos. Desejava-setambém conceder bolsas de estudos a candidatos de ou-tros estados. Esse objetivo foi alcançado entre 1943 -1948, com a ajuda da Fundação Rockfeller. O programa foiampliado, tornando-se equivalente ao das "LibrarySchools" americanas. Estudantes que residiam fora de SãoPaulo cursaram a Escola, com todas as despesas pagas.Alguns deles retornaram aos seus Estados e fundaram ou-tras escolas de Biblioteconomia (Campinas, São Carlos.Recife, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre).Com o fim de proteger os direitos dos alunos que se torna-

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ENTREVISTA

ram Bibliotecários e também visando disciplinar o seu en-sino, procurou a Escola o necessário apoio legal à novacarreira. Isto foi possível, finalmente, em 1947, com o de-creto·17.104, desse mesmo ano, que reçonheceu a escolacomo padrão pelo Governo de São Paulo. A partir dessaépoca, o Poder Público passou a exigir o diploma de Bi-bliotecário para o exercício desta profissão.

RBBD - Como se deu a evolução do curso?

Heloisa - Até 1953, vinha a escola mantendo o seu curso com apenasum ano de duração. Exigia-se do candidato, como prova dehabilitação: exame de inglês, francês, conhecimentos ge-rais e datilografia, além do ginásio e mais um ano de estu-do. Em 1954, o curso passa a ter duração de dois anos,com maiores exigências para admissão: certificado se-cundário e as matéria antes exigidas no exame de habili-tação com as seguintes alterações: suprimiam datilografia,e acrescentaram português. Em 1960, o curso foi reestru-turado, enquadrando-se nas exigências da lei referentes acurso superior, com a extensão de dois para três anos.

RBBD - E as outras Escolas que foram criadas na Capital?

Heloisa - Além da FESP, houve em São Paulo outras, que após al-gum tempo suspenderam suas atividades, tais como: Esco-la de Biblioteconomia da Faculdade "Sedes Sapientiae",da PUC, existente entre 1944 a 1960. Curso de Biblioteco-nomia do Colégio Sion, com pouca duração. Hoje São Pau-lo conta com 8 escolas.

RBBD - Em que época a Sra. foi professora da FESP?

Heloisa - Entre 1962 a 1973, lecionando disciplinas relacionadas comorganização de bibliotecas e de arquivos.

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ENTREVISTA

RBBD - Como surgiram seus livros?

Heloisa - Surgiram pela necessidade de se ter, em Língua Portugue-sa, um instrumento teórico de biblioteconomia. Quandoem 1951, foi editada, a obra era denominada Como se or-ganiza uma Biblioteca. Foi revisada e posteriormente edita-da com os títulos de Organize sua Biblioteca e, atualmente,Organização e Administração de Biblioteca, com a últimaedição no prelo (1989).

RBBD - O que tem a nos dizer sobre a Tabela PHA?

Heloisa - A Tabela de Cutter foi feita, visando os sobrenomes norte-americanos, causando problemas para o catalogador brasi-leiro. Após pesquisas em catálogos de três bibliotecas,e não me preocupando somente com a identidade do autorbrasileiro e, sim, com a freqüência em que as letras ocor-riam, criei uma Tabela em que a ordem numérica acompa-nhava o aparecimento (alfabeticamente falando) das letrasdo sobrenome do autor. Portanto, foi criado um instru-metno de ordenação dos livros brasileiros, a ser utilizado,pertinentemente, quando se adota o arranjo relativo doslivros nas estantes. A Tabela PHA teve esse nome (PHA)porque integra as três primeiras letras do meu nome: Pra-

do, Heloisa de Almeida.

RBBD - E qual é sua contribuição na área de arquivo?

Heloisa _ Tenho dois livros publicados nesta área, que são: Técnicasde Arquivos e A Técnica de Arquivar. Lecionei a matéria Or-ganização de Arquivos no Curso de Secretariado do Mac-kenzie por longa data e até hoje sou professora no Curso

do IDORT.

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ENTREVISTA

RBBD - Como foi sua participação no movimento associativo?

Heloisa - Pertenço ao quadro de socia fundadora da AssociaçãoPaulista de Bibliotecários, onde por várias gestões fiz par-te da diretoria como vice-presidente. Por ser Almeida Pra-do, me vali dos parentes para conseguir facilidades naaquisição de um imóvel na Avenida Ipiranga para que aAssociação se instalasse, em sede própria, pois se encon-trava com ordem de despejo. Para a possível compra dasede foi feita uma campanha de sócios remidos. Mais tar-de, não mais pertencente à Diretoria da Associação, fuiprocurada por um grupo de bibliotecários, que tinha a in-tenção de mudar a Associação para um espaço mais amplo,pois a sala da Avenida Ipiranga já se tornara pequena enão estava atendendo às necessidades. Juntamente comZenóbia Pereira da Silva Morais Bastos e Antônio Gabriel(então Presidente da APBj, conseguimos comprar um apar-tamento que estava sendo vendido para fins comerciais, naRua 13 de Maio, o qual funciona até o presente a atual se-de da APB - Associação Paulista de Bibliotecários. Para acompra, utilizamos o dinheiro da venda da sala da AvenidaIpiranga, do caixa, e novamente foi feita uma Campanhade sócios remidos. Sócio remido é um grande recurso, pa-ra possíveis aquisições, mas tem que ser usado com gran-de critério. Participei de quase todos os Congressos Na-cionais de Biblioteconomia e ministrei muitas aulas emcursos realizados pelas Associações de classes brasileiras.

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