Bouger Cohen 2001

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  • 7/25/2019 Bouger Cohen 2001

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    Em entrevista concedida por e-mail, Renato Cohen - encenador, pesquisador daperformance e autor de Work in Progress na Cena Contempornea -, fala sobre as opesestticas na criao da iluminao de seus espetculos e discute a utilizao de uma luzque transcenda o nvel do significado.

    entrevistacom renatocohen

    Cristiane Bouger - Quando falamos em teatro contemporneo, falamos em polifonias,justaposies, sobreposies, colagens, transculturalismos. As reformulaes conceituais eprticas que a cincia, a histria e a filosofia nos trouxeram, influenciaram diretamente as

    manifestaes sgnicas no teatro, e isso se faz notar no uso da sonoplastia, cenrios,figurinos, esttica de interpretao e dramaturgia. No entanto, qual lhe parece ser o lugar dailuminao dentro deste contexto contemporneo, seja no teatro ou na performance?

    Renato Cohen- Penso que a luz, evidentemente, no contorno do espetculo e sim umdos focos da criao. Voc pode ter uma luz que estetiza o espetculo (no acho bom) ouuma luz que seja vital para o espetculo, uma luz, interna, orgnica, que pulse conforme ofenmeno em estudo. Vrias experincias de performance e teatro contemporneo foramfeitas buscando o escuro, as camadas de luz, a luz no artificial, uma luz que vem dosprprios aparelhos de TV - em Nan June Paik -, basicamente uma luz que no se preocupeem iluminar, revelar, mas que seja sincrnica e orgnica com o evento. Eu, pessoalmente,tenho tentado focos de luz, que escapem aos PCs, e spots teatrais, muito marcados a essecontexto, buscando luzes brancas, da fotografia, rebatimentos, etc.

    C. Bouger - Como se dava o uso da iluminao emMagritte- O Espelho Vivo?

    R.Cohen- Seria legal eu te mandar o vdeo da pea, que fala por si mesma. Estvamostrabalhando surrealismo, silent theatree vrias mdias: transitvamos de iluminao de museu

    (pois l acontecia) para holografias, idia da cmera escura, e muita luz de slidese da chamadalow technology. Trabalhava muito com uma base de luz branca, quase publicitria, e fiz, napoca uns experimentos com banhos de luz verde, que acho, colocava as pessoas em outrafaixa de percepo. Mas, usvamos, principalmente (isso em 1987) um incio das luzeshalogneas, modulares, etc.

    C. Bouger -Adesestabilizao hierrquica entre texto e os demais signos da linguagemcnica bastante clara em Work in Progress. Voc consegue conceber o uso da iluminao deforma mais autnoma ? Quero dizer, claro que a transcendncia de uma hierarquia noimplica necessariamente na aleatoriedade na utilizao dos recursos cnicos... Mas

    pensando nos referenciais mticos e de carter ritualstico que voc utiliza em seu trabalho,como voc percebe a questo de uma iluminao que no v apenas ao encontro dafigurao de um texto ou representao de determinado ambiente, por exemplo?

    por Cristiane Bouger

  • 7/25/2019 Bouger Cohen 2001

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    R. Cohen- Tenho imagens de umperformer americano, que concebe toda sua criao a partirda luz: prismao, refrao, saturao... Acho que se pensarmos num contexto de arte

    cintica, onde luz movimento, isso acontece naturalmente. Para alguns criadores comoRobert Wilson - e tambm Gerald Thomas-, a luz partitura o espetculo (Gerald Thomas emCena, da Slvia Fernandes). Acho legal a diluio entre as artes, por exemplo, propondo umaluz cinematogrfica na cena. Como disse antes, tenho trabalhado em dois extremos: buscade uma luz orgnica, mtica ento, quase naf, que sai do prprio fenmeno e implicaria osmovimentos naturais do dia: claro, escuro, penumbra, etc., com pouca nfase na"teatralizao". Ou seja, deixa o que verdadeiro e no fica "iluminando" o ator.Desmanchemos um pouco a representao!

    Num outro extremo, tenho usado uma luz "tecnolgica", que busca a luminescncia dasnovas mdias. A luz do espetculo Ddalus, feito em Curitiba, era mais "espetaculosa", com

    concepo mais dirigida por Srgio Penna. Eu fiz a luz do Tempestade e mpeto, que algumaspessoas a viram, que tinha muitas penumbras (foi feito no bosque) e luzes jogadas no rostodo espectador.

    C. Bouger - Sei que talvez parea estar andando em crculos, mas fazendo um paralelo entresonoplastia (poderia ser qualquer outro signo) e iluminao, focado na questo da recepodo pblico: a sonoplastia pode comunicar atravs do ritmo, harmonia - e consequentemente,da ambientao que cria a partir destes dois fatores - e da palavra... Isso j nos leva ao contatodireto com uma profuso de referenciais que comunicam e com os quais dialogamosinstantaneamente. Como a iluminao trabalha com o sensorial tico, nossos referenciais

    esto calcados em fatores muito ligados a ambientao ou na simbologia das cores queconvencionamos relacionar a determinados estados psicolgicos e fsicos. Qual a suaconcepo sobre a criao de uma "fton-metfora" menos restrita, mas que possa serpercebida e que dialogue com a platia? Voc compactua com essa necessidade?

    R. Cohen -Voc est falando de uma luz quntica? Acho que podemos pensar a luz comomaterialidade mesmo, como um corpo lumnico, que pode ser saturado, prismado, etc. Nodeve ser s evidenciada como simbologia de cores ou como partitura de espetculo. Emoutras palavras, uma luz que trabalhe no nvel do significante (das letras) e no s do

    significado (produo de sentido). Experincias assim tm sido feitas nas artes plsticas, eminstalaes, vdeo- performances, principalmente (veja as produes de Bill Viola, PeterGreenaway por exemplo), nas que no so tributrias do texto e andam numa linha maisformalista. importante pensar a luz como tempo. A propsito, fiz uma pea da GertrudeStein que se chama Dr. Faustus Lights the Light, onde fizemos experincias entre a luz eltrica,citada no texto, e a luz computacional dos 3-D animator.

    C. Bouger - As/os profissionais responsveis pela criao de luz de suas encenaes eperformances acompanham o work in processdo seu grupo? A partir de algum momentoespecfico ?

    R. Cohen - Esto desde o comeo. NoMagritte, foi uma fotgrafa que deu todos os passospara a luz e eu como diretor tambm assumia a concepo de luz. No espetculo Ka, decarter xamnico, as luzes vieram de nossas experincias em "viagens xamnicas".

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  • 7/25/2019 Bouger Cohen 2001

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    C. Bouger - Gostaria que voc comentasse um trabalho no qual a iluminao tenharealmente se aproximado do que voc queria comunicar enquanto diretor.

    R.Cohen - Dos meus, alguns que te citei:Magritte,Tempestade e mpeto, Ka, Dr. Faustus. Gostoda luz do Gerald Thomas, da luz da igreja no espetculo do Antnio Arajo, e de muitasperformances que trabalham com a luz naf, orgnica. Uma referncia para mim o cinemade Tarkovski (Veja o livro dele, Esculpir o tempo). Sou inspirado tambm nos projetosexpressionistas, na Bauhaus, etc...

    Entrevista realizada por e-mail, por Cristiane Bouger, no ms de Abril/2001 para o Mdulo deIluminao, da Prof. Ndia Luciani, pela Faculdade de Artes do Paran - FAP.

    Sobre Cristiane Bouger, visite www.cristianebouger.ato.br

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