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MUSEU HISTÓRICO DE ANÁPOLIS “ALDERICO BORGES DE CARVALHO” CADERNO DE PESQUISAS ANO 3 / Nº 1 e 2 DEZEMBRO DE 2011

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MUSEU HISTÓRICO DE ANÁPOLIS “ALDERICO BORGES DE CARVALHO”

CADERNO DE PESQUISAS

ANO 3 / Nº 1 e 2

DEZEMBRO DE 2011

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AUGUSTO CÉSAR DE ALMEIDA Secretário Municipal de Cultura

TIZIANO MAMEDE CHIAROTTI Diretor do Museu Histórico de Anápolis

“Alderico Borges de Carvalho”

HERMOGÊNIA ELEUTÉRIO

Revisão de Texto

GEDSON CHRISÓSTOMO Arte & Capa

DIAGRAMAÇÃO & IMPRESSÃO

Editora Kelps

TIRAGEM 1.000 exemplares

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Caderno de Pesquisas – Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho”,

Ano 3, nº. 1 e 2. Anápolis, Go, 2011.

Periodicidade Semestral 1. História – Periódicos.

ISSN 2178-6100

Fotografia da capa: Antigo Fórum / Prefeitura de Anápolis, em 1948

Acervo iconográfico do Museu Histórico “Alderico Borges de Carvalho”

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APRESENTAÇÃO

O Caderno de Pesquisas do Museu Histórico “Alderico Borges de

Carvalho” se consolida como mais um veículo de difusão e formação cultural

em Anápolis. Na medida em que a cidade se afirma como um polo

universitário, o poder público, através da Secretaria de Cultura por meio do

Museu Histórico dá sua contribuição à produção e divulgação da pesquisa que

vem sendo produzida pelos intelectuais ligados a essas instituições.

O Museu Histórico extrapola os limites de suas paredes e objetos. O

papel que essa unidade cultural deve cumprir enquanto espaço de consulta e

fonte de informações históricas se estende para as páginas dessa publicação.

Assim, o Caderno de Pesquisas é mais um instrumento de articulação

daqueles que se propõem a produzir conhecimento sobre aspectos que

contribuem para irmos aprofundando nossos conhecimentos sobre a história de

Anápolis.

Esperamos que ao chegar aos bancos escolares, aos gabinetes dos

pesquisadores e as mãos das pessoas interessadas, essa publicação desperte

novos questionamentos e investigações que nos aproxime, cada vez mais, da

nossa realidade cultural e histórica. Por isso, agradecemos a todos que vem

contribuindo para com esse caderno, todos que vem apresentando seus textos

para publicação. Reafirmamos que esse espaço está aberto a todos aqueles

que querem contribuir para o registro e formação de nossa história e cultura.

Augusto César de Almeida

Secretário Municipal de Cultura

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SUMÁRIO

EDITORIAL

06

Os 140 anos da Igreja Sant‟Ana: o marco histórico oficial de Anápolis (1871-2011)

Miriam Vanessa de Moraes Chiarotti Tiziano Mamede Chiarotti

08

A Assembleia de Deus em Anápolis: 71 anos de amor e dedicação ao Evangelho de Deus

Alexandre Silva Andrade

19

Histórico dos cursos de enfermagem na cidade de Anápolis – Goiás Juscelino Martins Polonial Miriam Esther Oliveira Zorzeto

33

Histórias de bibliotecas: um estudo em construção Keila Matida de Melo Costa

46

Teatro Municipal de Anápolis: uma odisséia no tempo Elizete Cristina França

59

A experiência estética com o cinema no cineclube “Xícara da Silva” Ronaldo Pinto Monteiro

67

Vila Jaiara: primícias da indústria têxtil em Anápolis Daniel Araújo Alves

76

Informações gerais sobre as atividades do Museu Histórico de Anápolis

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EDITORIAL

oltar ao passado é algo que nunca poderemos realizar e isso

decorre, principalmente, pelo avanço inexorável do tempo.

Quanto mais distante o evento do momento presente,

temporalmente falando, mais difícil se torna saber o que realmente aconteceu.

Contudo, na tentativa de evitar a perda desses referenciais, graças à “ciência”

da História o passado é salvaguardado do esquecimento – o trabalho do

historiador ajuda na reconstrução interpretativa do acontecimento ocorrido em

tempos pretéritos, compondo uma explicação plausível amparada nas

denominadas fontes históricas (documentos escritos, fotografias antigas,

construções, entre outras).

Com base nisso, o Caderno de Pesquisas busca compor parte da

história da nossa querida terra, fornecendo aos leitores informações históricas

sobre nosso passado comum, posto ser de todos nós. Assim, essa edição está

estruturada em três grupos a seguir evidenciados.

O primeiro grupo, composto dos artigos “Os 140 anos da Igreja

Sant‟Ana: o marco histórico oficial de Anápolis (1871-2011)”, dos historiadores

Miriam Vanessa de Moraes Chiarotti e Tiziano Mamede Chiarotti, como

também “A Assembleia de Deus em Anápolis: 71 anos de amor e dedicação ao

Evangelho de Deus”, do articulista Alexandre Silva Andrade mostram a

religiosidade presente nos primórdios de nossa história, sendo uma

característica marcante de Anápolis.

O segundo grupo, por sua vez, mostra temporalidades que se articulam

à educação na cidade. O primeiro artigo, de Juscelino Martins Polonial e Miriam

Esther Oliveira Zorzeto, denominado “Histórico dos cursos de enfermagem na

cidade de Anápolis – Goiás” faz uma descrição do primeiro curso superior e o

outro texto, “Histórias de bibliotecas: um estudo em construção”, da professora

Keila Matida de Melo Costa analisa a importância da biblioteca para a

educação e cultura de um povo.

Finalmente, o último grupo de artigos, que se compõem de 03 (três)

ensaios, descreve inúmeros aspectos da cidade, principalmente o cultural, mas

que, também, relata sobre a história de um bairro da cidade. Os títulos e

V

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respectivos autores dos textos são os seguintes: “Teatro Municipal de Anápolis:

uma odisséia no tempo” da historiadora Elizete Cristina França, “A experiência

estética com o cinema no Cineclube Xícara da Silva”, do historiador Ronaldo

Pinto Monteiro e “Vila Jaiara: primícias da indústria têxtil em Anápolis”, do

graduando em História, Daniel Araújo Alves.

Para completar o Caderno, em sua última parte, são descritas

informações sobre as atividades do museu na forma de um relatório, com o

intuito de fornecer aos leitores subsídios para compreender o museu como o

guardião da história do município de Anápolis. Uma boa leitura a todos e a

todas!

Tiziano Mamede Chiarotti

Diretor do Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho”

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OS 140 ANOS DA IGREJA SANT’ANA: O MARCO

HISTÓRICO OFICIAL DE ANÁPOLIS (1871-2011)

MIRIAM VANESSA DE MORAES CHIAROTTI

TIZIANO MAMEDE CHIAROTTI Resumo: O texto apresentado busca relatar a trajetória histórica da Igreja Sant‟Ana, templo religioso que muitos estudiosos da história local elegem como o mito de origem, o marco zero oficial da história do lugar onde hoje se encontra Anápolis. Assim, através de bibliografia especializada e documentos obtidos no Museu Histórico é demonstrada essa trajetória do primeiro edifício público construído nas terras de Sant‟Ana. Palavras-chave: Igreja Sant‟Ana; trajetória histórica; Anápolis.

Introdução

partir de documentos obtidos no Museu Histórico e bibliografia

especializada, procuramos demonstrar a trajetória da Igreja

Sant‟Ana, explicar os motivos para tal templo religioso ser

considerado o primeiro edifício público da localidade de Sant‟Ana das Antas e,

também, antecedentes históricos da sua construção.

A preocupação norteadora do nosso texto consiste, basicamente, em

responder aos seguintes questionamentos: Por que a Capela de Sant‟Ana das

Antas foi considerado o primeiro edifício público do local que se tornaria mais

tarde Anápolis? Ou ainda, por que, tradicionalmente, nossa história oficial

começa com a construção da Capela de Sant‟Ana das Antas? E, finalmente,

quantos foram os templos dedicados a Nossa Senhora Sant‟Ana?

Dessa maneira, para responder a tais indagações e traçar os 140 (cento

e quarenta) anos da construção da Igreja, o artigo está dividido em 04 (quatro)

partes para melhor entendimento da sua importância para a história Anapolina

e que são discriminadas a seguir: Dos Antecedentes Históricos à Capela de

Sant‟Ana: de 1819 a 1871, Da Capela à Paróquia de Sant‟Ana: de 1871 a

Historiadora (UEG) e Pedagoga (UVA), Especialista em Formação Socioeconômica do Brasil

(UNIVERSO), Mestranda em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente (UniEvangélica) e Professora de História da Rede Municipal e Estadual de Ensino de Anápolis.

Historiador (UFG), Mestre em Gestão do Patrimônio Cultural (PUCGoiás) e Diretor do Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho” – MHABC da Secretaria Municipal de Cultura, Prefeitura de Anápolis.

A

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1873, Da Paróquia de Sant‟Ana aos Franciscanos: de 1873 a 1944 e, por fim,

Dos Franciscanos aos dias atuais: de 1944 a 2011.

Dos antecedentes históricos à Capela de Sant‟Ana: de 1819 a 1871

Os primeiros relatos sobre a região em que se localiza Anápolis foram

dados por viajantes que passaram por aqui em tempos pretéritos: Augusto de

Saint-Hilaire, em 1819, Raimundo José da Cunha Matos, em 1824, Francis

Castelnau, em 1844, dentre outros. Todos eles registraram que por aqui existia

uma fazenda destinada ao pouso de tropas de muares que realizavam o

transporte de mercadorias e pessoas entre as Vilas e Cidades mais antigas de

Goiás. Além disso, ainda é demonstrado por documentos antigos e escritos da

chamada historiografia Anapolina que na região moravam fazendeiros, cuja

devoção religiosa a Sant‟Ana era uma característica marcante e que,

posteriormente, em função da movimentação das tropas, formou-se um

pequeno povoado.

Todavia, o mais importante de todos os relatos é dado pela historiadora

e ex-diretora do Museu Histórico, Maria Próttis (gestão 1980-1983), em sua

obra “História de Anápolis”, apostila elaborada em conformidade com a Lei nº.

5.692 / 71 (antiga Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) para

atender alunos e professores do antigo 1º Grau das redes municipal e estadual

de ensino de Anápolis:

Dona Ana das Dores, natural de Jaraguá, perdeu ali uma das alimárias que conduzia uma imagem de Sant‟Ana. Depois que encontraram a alimária, os tropeiros não conseguiram erguer a mala que continha a imagem, o que levou D. Ana a interpretar o fato ocorrido como um desejo da Santa de ali permanecer. Prometeu, então, doá-la à primeira capela que ali se viesse a erguer. Isso em 1859. Em 1870 mudou-se para o lugar um homem de espírito empreendedor, chamado Gomes de Sousa Ramos, filho de D. Ana das Dores. Católico fervoroso decidiu construir a almejada capela e fundar o local. (PRÓTTIS, s/d, p.01)

O que podemos constatar é que, segundo esta autora, o acontecimento

que muitos dizem ser lendário ocorreu em 1859 e que o filho de Dona Ana das

Dores, o Sr. Gomes de Sousa Ramos, veio ao local 11 (onze) anos depois para

cumprir a promessa da mãe. Embora não haja consenso entre historiadores

quanto à data do ocorrido legendário, entre eles João Luiz de Oliveira (1957),

em seu texto “Subsídios à História de Anápolis”, artigo publicado na Revista “A

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Cinqüentenária”, ou Humberto Crispim Borges (1975), em seu livro “História de

Anápolis”, todos apontam que foi no ano de 1870 que o filho de D. Ana obteve

a doação de terras de fazendeiros para o patrimônio de Nossa Senhora

Sant‟Ana, através do documento cartorário denominado “Termo de Doação”,

fato datado em 25 de abril de 1870, com a obtenção da licença para a

construção da capela em local que já possuía povoamento somente no dia 17

de maio de 1870.

De acordo com Haydée Jayme (1979), no ano seguinte à sua chegada,

em 1871, Gomes de Sousa Ramos iniciou a construção da Capela, ficando

logo concluída, pois se tratava de um prédio simples, sem forro, com paredes

de taipa e piso de terra batida, constituindo-se o primeiro templo. Assim,

conforme aponta Humberto Crispim Borges (1975), por força da Portaria

Eclesiástica de 03 de novembro de 1871 a capela estava pronta e acabada,

uma vez que este documento concedeu autorização para o Padre Francisco

Inácio da Luz benzer a Capela de Sant‟Ana das Antas.

Sobre este período, Polonial (2007) escreve ainda que:

A construção da capela foi importante para aglutinar mais pessoas no povoado, pois se, em 1871, existiam apenas sete casas, no ano seguinte, esse número foi para 20 moradias, com uma população estimada em 120 pessoas só no povoado, excluída a população rural, que era de aproximadamente 95% do total de habitantes. (POLONIAL, 2007, p.17)

Com isso, percebemos que existia uma pequena povoação no local que,

inclusive, era anterior à construção da capela, mas que, como observado na

citação, tal construção ajudou enormemente na aglutinação das pessoas.

Tanto é verdade que isso fez aumentar o número de casas, como também o do

quantitativo populacional, levando-nos a levantar a seguinte ideia: a construção

da Capela de Sant‟Ana fez começar a nossa história, pois isto representou a

oficialização do povoado.

Assim sendo, passemos aos argumentos que comprovam a nossa

hipótese, assunto discutido no tópico a seguir.

Da capela à paróquia de Sant‟Ana: de 1871 a 1873 O período que se estende no recorte cronológico efetivado, abarca uma

duração de apenas 03 (três) anos e corresponde à edificação da Capela em

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homenagem a Nossa Senhora Sant‟Ana até a sua elevação a Paróquia. Nesse

pequeno espaço de tempo, a população do lugar denominado Capela de

Sant‟Ana das Antas começa a aumentar, paulatinamente, tendo amparada

suas necessidades espirituais com as atividades do primeiro capelão, o Padre

Francisco Inácio da Luz (Foto 1), cuja designação é dada no Livro nº. 5 do

Clero, Provisões e Cartas de Ordem de 1864/1889, descrita na obra de

Humberto Crispim Borges (1975):

Provisão, provendo o Pe. Francisco Inácio da Luz na ocupação de capelão do curado da Capela de Sant‟Ana das Antas, no distrito de Meia Ponte, procedendo na administração do sacramento do matrimônio, impor de acordo com os Revdos. párocos de Meia Ponte, Bonfim, Corumbá e Campinas, podendo levar a dita ocupação até à distância de quatro léguas a partir da dita Capela para as três primeiras freguesias acima declaradas, e até a divisa para a de Campinas, tudo em quanto não mandar-se o contrário. (BORGES, 1975, p.91)

FOTO 1 – Pároco Francisco Inácio da Luz

Fonte: Acervo Iconográfico do Museu Histórico.

A administração dos sacramentos era uma condição importantíssima,

porque no período histórico do Brasil Colonial (1500-1822) e Imperial (1822-

1889) a Igreja Católica, em vista do Regime do Padroado, de acordo com João

Dornas Filho (1938), é que fazia às vezes do Estado. Em outros termos, o

Estado se misturava com os assuntos da Igreja e vice-versa, daí que, por

aquele regime, a Igreja Católica foi a religião oficial do Estado, que tinha o

dever de pagar salários para padres e bispos, sendo que a estrutura

administrativa civil não era distinta da estrutura eclesiástica e os sacramentos

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significavam viver dentro da normalidade na sociedade da época. Nesse

sentido, para mostrar o que representava a construção da capela, citamos as

claras palavras de Petrônio Braz (2009):

Registre-se, todavia, que a grande maioria das vilas e futuras cidades brasileiras tiveram origem religiosa. Nasceram e cresceram ao redor de uma capela. Em seus “Fundamentos Sociais do Estado”, Oliveira Vianna aponta que no período colonial, com efeito, afora as aglomerações mineradoras e os centros mercantis da costa, a vivência urbana nascia da imposição e do castigo: e era o recrutamento que lhes trazia os moradores. (BRAZ, 2009, p.450)

A construção da capela de Sant‟Ana das Antas simbolizava, então, a

legalidade do povoado vez que, perante aos “olhos” do Estado e da Igreja,

essa edificação reunia as pessoas ao seu derredor por ser a institucionalização

estatal, além de oferecer conforto espiritual aos antenses, antigo gentílico dos

moradores de Sant‟Ana das Antas. Os Padres da Igreja eram considerados

funcionários públicos do Estado brasileiro e o registro civil1 uma prerrogativa da

Igreja Católica, conforme atesta José Tavares Bastos (1909), na obra “Registro

Civil na República: nascimentos, casamentos e óbitos”.

Em função disso, a população da Capela de Sant‟Ana começa a

acalentar o desejo de ser elevada à condição de Freguesia, acontecimento

descrito no próximo tópico.

Da paróquia de Sant‟Ana aos franciscanos: de 1873 a 1944

O período em apreço abarca grandes transformações, do ponto de vista

da trajetória da Igreja Sant‟Ana. De sua institucionalização, com a construção

da capela, até sua elevação a paróquia, que correspondia à freguesia, o povo

antense queria um maior firmamento da organização institucional. Surge por

força da Resolução nº. 514, de 06 de agosto de 1873, a Freguesia de Sant‟Ana

das Antas, no qual descrevemos o seu teor a partir do livro de Borges (1975):

Resolução nº. 514 – de 6 de agosto de 1873.

1 Segundo Faggion (2000), o Decreto nº. 5.604/1874 regulamentou o registro civil no Império

do Brasil, mas somente alguns municípios maiores é que deram início à criação destes ofícios, os chamados “Cartórios do Registro Civil”. De acordo com a autora, apenas a partir de 1888, por força do Decreto nº. 9.886 é que se universaliza o registro civil, tornando-se obrigatório a criação de ofícios do Estado delegados a particulares.

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Cria, no município de Meia Ponte, a paróquia de N. S. Sant‟Ana das Antas. Antero Cícero de Assis, Presidente da Província de Goiás: Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléia Provincial resolveu e eu sanciono a resolução seguinte: Art. 1º - Fica criada no município da cidade de Meia Ponte a paróquia de Nossa Senhora Sant‟Ana das Antas. Art. 2º - O Presidente da Província, depois de construído um bom templo com o necessário para celebração do Culto Divino, marcará, de acordo com o Bispo Diocesano, o respectivo território, alterando os limites das freguesias de Meia Ponte, Corumbá e Campinas. Art. 3º - Ficam revogadas as disposições em contrário. Mando, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução dessa resolução pertencer, que a cumpram e a façam cumprir tão inteiramente como nela se contém. O secretário desta Província a faça imprimir, publicar e correr. Palácio do Governo da Província de Goiás, aos seis dias do mês de agosto de mil oitocentos e setenta e três, qüinquagésimo segundo da Independência e do Império. (BORGES, 1975, p.28)

A criação da freguesia foi uma necessidade para o desenvolvimento da

região, em vista do crescimento populacional, era preciso uma maior

organização administrativa, pois a elevação à condição de freguesia

representava uma preocupação da Igreja com a população como também e,

sobretudo, com o ordenamento territorial. Tal afirmativa é comprovada na

seguinte passagem retirada da Enciclopédia Digital Wikipédia:

As províncias eram divididas em municípios que por sua vez eram divididos em freguesias. As freguesias correspondiam às paróquias, mas também havia curatos para serviços religiosos em povoações pequenas e sem autonomia política. Por sua vez, os bispos comandavam as dioceses, típica organização administrativa religiosa, que abrangiam geralmente diversos municípios, ou seja, diversas freguesias. (Enciclopédia Digital Wikipédia, on line)

Com esta citação, podemos dizer que o termo Freguesia / Paróquia

correspondia à denominação atualmente utilizada de Distrito para a

organização territorial do Município. Dentro dessa concepção, nos dias de hoje,

a sede municipal ou zona urbana é a cidade e a sua zona rural são os

chamados distritos. Dessa maneira, no período abordado, a Freguesia de

Sant‟Ana correspondia à zona rural do município de Meia Ponte, hoje

denominado de Pirenópolis.

O certo é que, com a elevação a Paróquia, o templo religioso teria que

ser ampliado ou reconstruído para ser bem administrada a celebração ao culto

divino. De modo que podemos inferir a construção de um novo templo,

conforme citação de Humberto Crispim Borges (1975):

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A igreja de Sant‟Ana, com autorização de D. Prudêncio, foi reconstruída no ano de 1909, tendo, na época, as seguintes dimensões: cumprimento: 28 ½ m; largura: 15,90m; altura vertical, até a cumeeira: 9,80m; torre: 3m acima da cumeeira. Em conseqüência da queda de um raio na torre, houve sério estrago. Após a reparação, foi a mesma enriquecida com um pára-raios. (BORGES, 1975, p,95)

De qualquer forma, na fotografia abaixo visualizamos o segundo templo

religioso como, também, após esta, o quadro enumerando os párocos que

administraram a Paróquia de Sant‟Ana até o ano de 1943:

FOTO 2 – Antiga Paróquia de Sant’Ana em 1935

Fonte: Acervo Iconográfico do Museu Histórico.

QUADRO 1 – Párocos da Igreja Sant’Ana até 1943

PÁROCO DATA

Pe. Francisco Inácio da Luz 1871-1875

Pe. Luís Manuel dos Anjos 1876-1891

Pe. Francisco Xavier da Silva 1891-1899

Pe. Francisco da Cunha Leal Peixoto 1899-1902

Pe. João Marques 1902-1907

Pe. Henrique Isquerdo Oliver 1907-1918

Pe. Miguel Soler Diego 1918-1920

Pe. Oscar Ferreira da Silva 1920-1925

Pe. Ângelo Garcia Cordovile 1925-1931

Pe. Abel Ribeiro Camelo 1931-1932

Pe. João Olímpio Pitaluga 1932-1935

Pe. Luís Maria Zeferino 1935-1943 Fonte: Humberto Crispim Borges, “História de Anápolis”, p.104, 1975.

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Os párocos enumerados no quadro eram diocesanos (do clero secular)

pertencentes à Diocese de Goiás ou clérigos salesianos (do clero regular), o

que mostra ser esta estrutura, no início da Igreja, a divisão administrativa do

Estado brasileiro. Posteriormente, após a extinção do Regime do Padroado

com a Proclamação da República (1889), é que vai sendo a Igreja

administrada, aos poucos, por ordens religiosas em função da secularização do

Estado. Desse modo, no tópico que se segue, vamos analisar a Paróquia de

Sant‟Ana sob a tutela dos franciscanos.

Dos franciscanos aos dias atuais: de 1944 a 2011

A ordem franciscana, em Anápolis, por si só já merece uma pesquisa

mais detalhada sobre a influência desta no contexto anapolino, ou seja, é uma

história à parte dada sua grande contribuição para a cidade. Entretanto, para

os fins do nosso artigo, os franciscanos assumem a Paróquia de Sant‟Ana e

realizam profundas transformações, como é o caso da construção de um novo

templo e que é observado nas fotografias adiante:

FOTO 3 – Antiga Paróquia de Sant’Ana defronte à nova construção em 1948

Fonte: Acervo Iconográfico do Museu Histórico.

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FOTO 4 – Nova Paróquia de Sant’Ana na década de 1950

Fonte: Acervo Iconográfico do Museu Histórico.

Com a construção da nova Igreja, na década de 1950, os trabalhos

espirituais tornam-se mais propícios ao desenvolvimento da cidade de

Anápolis, pois com o crescimento populacional, as necessidades paroquianas

se avolumam, justificando a construção desse novo templo. Portanto, só para

ilustrar a enorme contribuição dos franciscanos, pontuamos algumas

informações relevantes:

Contribuição com a educação através da construção do Colégio São Francisco,

a partir de 1944;

Implantação da Rádio Santana (hoje extinta), em 1955;

Contribuição na área de saúde com a construção da Santa Casa de

Misericórdia e Escola Paroquial Santo Antônio, a partir da vinda das Irmãs

franciscanas de Allegany, por intermédio dos frades franciscanos, em 1957;

Implantação da Rádio São Francisco, em 1965.

Os pontos acima pontuam alguns feitos promovidos pelos franciscanos em

Anápolis, apenas para registrarmos os mais conhecidos. Mas, nos objetivos propostos

do nosso texto, a administração paroquiana dos frades pode ser contemplada mais

detalhadamente no quadro abaixo:

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QUADRO 2 – Párocos da Igreja Sant’Ana até 1971

PÁROCO DATA

Frei Jaime A. Schuck, OFM 1944-1945

Frei Connal O. Leary, OFM 1945-1946

Frei Bernardo J. Trainnor, OFM 1946-1949

Frei Celso Hayes, OFM 1951-1953

Frei Domingos Foley, OFM 1954-1956

Frei João Francisco Granahan, OFM 1957-1958

Frei Pedro Schaffner, OFM 1959-1961

Frei Maurício Brick, OFM 1962-1964

Frei Tiago Mc. Geady, OFM 1965-1966

Frei Edmundo Fox, OFM 1966-1967

Frei Francisco V. da Silva, OFM 1968-1970

Frei Carlos Vianney, OFM 1970-1971 Fonte: Humberto Crispim Borges, “História de Anápolis”, p.105, 1975.

Os frades franciscanos mais recentes que administraram a Paróquia

Sant‟Ana, todos eles e sem exceção, trabalharam fielmente na execução da

missão paroquial da Igreja. O atual pároco, o Frei Marco Aurélio da Cruz,

continua com estes planos e procura louvar, ainda mais, a Nossa Senhora

Sant‟Ana nestes 140 anos de história.

Considerações finais Os 140 anos da Igreja Sant‟Ana é o marco divisor da história do lugar

que hoje é Anápolis, pois sua construção indica a institucionalização dessa

localidade. Antes de sua edificação, podemos falar numa “pré-história” da

região e, a partir da Capela, sua legalidade, em face do Regime do Padroado

existente até então, o que responde as indagações formuladas na introdução

do nosso texto.

Nas páginas supracitadas, igualmente, vimos que a trajetória da Igreja

Sant‟Ana é marcada pela existência de três templos: um primeiro, de 1871 até

provavelmente 1909, quando há sua reconstrução, uma vez que sugerimos que

entre estes anos, o templo religioso era composto somente pela nave principal;

um segundo, de 1909 até a construção do novo templo na década de 1950,

quando são acrescidos à nave principal as naves laterais, de acordo com as

Fotos 2 e 3 alhures; e, por fim, um terceiro, que começa a ser construído em

1948 e acabado em fins de 1950, conforme atesta a Foto 4 mostrada no tópico

anterior.

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Em suma, a Paróquia de Sant‟Ana é o marco oficial de Anápolis, porque

de condição relevante para a organização administrativa no tempo do

padroado, ela passa a representar, atualmente, um grande marco social,

educacional, cultural e, acima de tudo, religioso, em face da homenagem à

Nossa Senhora Sant‟Ana, a padroeira da cidade de Anápolis nestes 140 anos

de história.

Referências: Acervo Iconográfico do Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho” – MHABC, 2011. BASTOS, J. T. Registro civil na República: nascimentos, casamentos e óbitos. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1909. BORGES, H. C. História de Anápolis. Goiânia: Editora do Cerne, 1975. BRAZ, P. Tratado de Direito Municipal. Volume 1, Leme/SP: Mundo Jurídico, 2009. DORNAS FILHO, J. Padroado e a Igreja brasileira. São Paulo: Nacional, 1938. FAGGION, M.C.B. O Registro Civil. Belo Horizonte: Água Branca, 2000. FERREIRA, H.J. Anápolis: Sua Vida, Seu Povo. Brasília: Gráfica do Senado Federal, 1979. http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil. Acesso em: 18/06/2011. OLIVEIRA, J. L. Subsídios à história de Anápolis. In: Revista “A CINQUENTENÁRIA”, Edição única em comemoração do jubileu da cidade de Anápolis (1907-1957). Anápolis, 31 de julho de 1957. POLONIAL, J.M. Anápolis: das origens do povoado à revolução de 1930. In: 100 anos: Anápolis em pesquisa. Anápolis: AEE, 2007. PRÓTTIS, M. História de Anápolis. Anápolis (Mimeo.): s/d.

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A ASSEMBLEIA DE DEUS EM ANÁPOLIS: 71 ANOS DE

AMOR E DEDICAÇÃO AO EVANGELHO DE CRISTO

ALEXANDRE SILVA ANDRADE Resumo: O texto apresenta um breve esboço da história da Assembleia de Deus em Anápolis, não tendo a intenção de esgotar o tema, mas mostrando a contribuição de nobres assembleianos pioneiros que ajudaram a construir a cidade de Anápolis. Palavras-chave: Assembleia de Deus; Anápolis; história da chama pentecostal.

Introdução

Assembleia de Deus em Anápolis apresenta-se como parte

integrante da história de Anápolis, cidade que sempre se

destacou no que tange ao aspecto religioso (FERREIRA, 1981).

Os assembleianos apresentam-se como pioneiros do que se denomina “chama

pentecostal”, a mesma que chegou a nosso país em 1910 com os missionários

suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren. Esse novo movimento religioso que

começava a surgir em Anápolis destacava-se, principalmente, por ter

interpretações diferentes sobre os chamados “dons do Espírito Santo” como

aqueles relatados na Bíblia Sagrada no dia de pentecostes, daí a denominação

de chama pentecostal ou movimento pentecostal. As Assembleias de Deus são

uma comunidade protestante, segundo os princípios da Reforma Protestante

pregada por Martinho Lutero no século 16. Creem que qualquer pessoa pode

se dirigir diretamente a Deus, baseada na morte de Cristo na cruz, pois este é

um relacionamento pessoal e significativo com Jesus (IBA, 2002).

Com isso, realizamos um pequeno histórico da Assembleia de Deus

através da divisão em tópicos, conforme segue: Breve comentário sobre os

pioneiros da obra pentecostal em Goiás, Assembleia de Deus chega a

Anápolis, Assembléia de Deus Ministério Madureira e, também, Assembléia de

Deus Ministério de Anápolis.

Graduado em Letras (UniEVANGÉLICA), Pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior

(UniEVANGÉLICA) e em Docência do Ensino Superior (UniEVANGÉLICA) e Curso básico em Teologia (IBA/CBTC).

A

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Breve comentário sobre os pioneiros da obra pentecostal em Goiás

O povo goiano teve seu primeiro contato com a mensagem pentecostal

quando, aproximadamente no ano de 1928, a Missionária norte-americana

Matilde Paulsen chegou ao estado para pregar o Evangelho, iniciando assim os

primeiros passos do avivamento espiritual em Goiás. Dois anos depois, o

estado começava a receber migrantes e trabalhadores que iriam construir a

capital, Goiânia. Por volta de 1931, dentre os que aqui chegaram estava o

pedreiro carioca Antônio Moreira, diácono da Assembleia de Deus de

Madureira - RJ, um homem simples, mas cheio do Espírito Santo. Tão logo ele

chegou, começou a pregar a mensagem pentecostal e solicitou aos seus

superiores autorização para dirigir cultos, à noite, ali mesmo, no canteiro de

obras. Em pouco tempo seu humilde barracão já não comportava mais o

grande número de peões que vinham assistir às reuniões; e as conversões se

sucediam (IBMA, 2011). Na Figura 01 vemos o Pastor Antônio Moreira:

Figura 01 – Pastor Antônio Moreira

Fonte: Acervo de Alexandre Silva Andrade.

Um dia Moreira escreveu uma carta ao seu pastor no Rio de Janeiro,

Paulo Leivas Macalão, contando as maravilhas que o Senhor estava fazendo

naquele lugar. Macalão, com a chama missionária pentecostal ardendo no

coração, deu-lhe a missão de iniciar a igreja na capital goiana. A partir daí as

sementes plantadas pelo diácono Moreira germinou e os frutos foram

abundantes. Logo o trabalho ultrapassou as cercas do canteiro de obras da

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capital, ganharam os bairros e ajuntamentos que iam surgindo e começaram a

se espalhar pelas cidades e lugarejos do estado de Goiás. Foi nesta época que

Antônio Moreira conheceu a Missionária Matilde Paulsen e, juntos, possuídos

pelo mesmo desejo de pregar a mensagem pentecostal, começaram a

evangelizar com grande ardor por onde passavam. Estava plantada assim a

Assembleia de Deus em solo goiano. Quem assistia aos cultos pentecostais

ficava maravilhado com o mover de Deus e o poder da sua Palavra nas

reuniões (IBMA, 2011).

Assembleia de Deus chega a Anápolis

Findava o ano de 1939 quando, em Anápolis, o irmão José Inácio de

Freitas, membro da Igreja Presbiteriana, soube das notícias dos “irmãos da

Assembleia de Deus” e de seus cultos animados, avivados e profundamente

espirituais. Freitas, muito interessado, convidou então para que viessem a

Anápolis celebrar um culto em sua residência.

No dia 14 de janeiro de 1940 chegou a Anápolis a Missionária Matilde

Paulsen, acompanhada dos irmãos assembleianos: Felipe, Maria, Lolou e

Jandira, para dirigir o culto na casa de José Inácio. Matilde Paulsen iniciou o

culto dizendo que ia ler muito e falar pouco, passando a ler muitos trechos

bíblicos sobre a operação sobrenatural do Espírito Santo. Como a reunião era

na residência de um crente, não foi feito nenhum apelo, mas foi marcado outro

culto para o mês seguinte. Na tarde do dia 20 de fevereiro de 1940 o diácono

Antônio Moreira veio pela primeira vez a Anápolis, para celebrar o segundo

culto na casa de José Inácio. Ele estava acompanhado dos irmãos: Manoel

Joaquim, Lolou, Felipe e Maria. No encerramento da reunião Antônio Moreira

convida a família Freitas para participarem de outro culto, que seria realizado à

noite (IBMA, 2011).

Numa sala emprestada na padaria “Pão Nosso”, na noite chuvosa de 20

de fevereiro de 1940, após cânticos e testemunhos, Antônio Moreira pregou

mais uma vez e então fez o apelo. Nove pessoas aceitaram a obra pentecostal:

Antonieta de Freitas, a primeira a levantar as mãos aceitando o apelo, Inácia

Maria de Freitas, Manoel Inácio de Freitas, Firmino Ribeiro dos Santos,

Benedita dos Santos, Sebastiana Ribeiro dos Santos, João Campos da Silva,

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Jerônima da Silva e José Campos da Silva. Estava formado o primeiro grupo

de crentes da Assembleia de Deus em Anápolis. Ao final do culto Antônio

Moreira dá de presente a Antonieta de Freitas, a primeira do grupo a levantar

as mãos, uma Harpa Cristã. Encantada com o presente ela logo perguntou

quando voltariam. Ficou então marcada outra reunião para o dia 05 de março

de 1940 (IBA, 2002).

Os três irmãos Freitas, agora pertencentes à Assembleia de Deus,

voltaram para casa preocupados, com medo de que o pai os reprovasse por

terem aceitado a obra pentecostal. Mas aconteceu o contrário, José Inácio

disse à Antonieta: “Você fez uma coisa muito boa minha filha; quando os

irmãos voltarem a Anápolis eu também vou decidir e vou ser da Assembleia de

Deus” (IBMA, 2011).

Antonieta então contou ao pai que tinha ganhado uma Harpa Cristã e já

tinha aprendido dois hinos. O pai pediu e ela cantou para ele os hinos de

números 3, “Plena Paz e Santo Gozo”, e 121 “Maravilhoso é Jesus”. José

Inácio contaria depois que jamais sentira tanta alegria como naquele momento.

Chegou enfim o dia 05 de março de 1940. José Inácio convidou os vizinhos,

preparou a casa e, às 13 horas, Antônio Moreira iniciou o terceiro culto naquela

casa abençoada. Ao fazer o apelo aceitaram a mensagem pentecostal os

seguintes irmãos: José Inácio de Freitas, a esposa Clarinda de Jesus Freitas,

os outros dois filhos Antônio Inácio de Freitas e Luíza Inácio de Freitas, além

das irmãs Maria de Almeida e Aurelina de Almeida. Somados aos nove crentes

que se converteram no culto anterior, havia um grupo de 15 irmãos, com o qual

Antônio Moreira declarou aberto oficialmente, naquele dia 05 de março de

1940, a Assembleia de Deus em Anápolis.

Os cultos começaram a ser celebrados regularmente na Av. Tiradentes,

nº 612, na casa de José Inácio de Freitas, o qual recebeu a incumbência de

auxiliar os trabalhos da nova igreja. Como em poucos dias a casa ficou

pequena para abrigar os fiéis, a partir do mês de abril até o mês de julho de

1940, as reuniões passaram a ser celebradas na residência da irmã Maria

Damião, na Rua das Flores, atual Rua Firmo de Velasco (IBMA, 2011).

No dia 9 de junho de 1940, o Pastor Antônio Moreira realizou o primeiro

batismo na Igreja em Anápolis. Na piscina de uma chácara emprestada pelo

missionário presbiteriano e pioneiro do Evangelho em Anápolis, James

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Fanstone, desceram às águas quatorze irmãos, que se tornaram os primeiros

membros arrolados na Assembleia de Deus do Ministério de Madureira em

Anápolis: José Inácio de Freitas, Clarinda de Jesus Freitas, Antônio Inácio de

Freitas, Manoel Inácio de Freitas, Maria Inácia de Freitas, Antonieta Inácio de

Freitas, Antônio Coelho, Ourozina Coelho, Firmino Ribeiro dos Santos, Maria

de Almeida, Antônio Machado, Nair Machado, Tibúrcio Alves e Maria Alves

(IBMA, 2011). Na Figura 02 podemos observar esses membros:

Figura 02 – Primeiros membros arrolados em 1940

Fonte: Acervo de Alexandre Silva Andrade.

No mesmo dia 9 de junho Antônio Moreira trouxe consigo, e o designou

para pastorear o pequeno rebanho, o diácono Abílio Alves, que servia na

Assembleia de Deus em Goiânia, para pastorear o grupo de crentes de

Anápolis. Abílio Alves seria então o primeiro dirigente da humilde congregação.

Pensando em estabelecer a Igreja em local próprio, Antônio Moreira autoriza a

José Inácio comprar um terreno e este adquire um lote na Av. Tiradentes, nº

610. Enquanto isso as conversões se sucediam e o rebanho crescia. Em julho

de 1940 os cultos passaram a ser realizados numa sala emprestada na

residência do irmão Antônio Coelho, que se mudara para um imóvel ao lado do

terreno que a Igreja adquirira.

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Figura 03 – Diácono Abílio Alves (primeiro dirigente)

Fonte: Acervo de Alexandre Silva Andrade.

Em agosto de 1940 iniciou-se a construção de um pequeno salão nos

fundos do terreno que a igreja comprara. José Inácio de Freitas passou a dirigir

a pequena Igreja, auxiliado por seu filho Antônio Inácio de Freitas. Em

dezembro de 1940 Antônio Alves Moreira, já ordenado pastor, mudou-se para

Anápolis e assumiu a direção efetiva da Igreja, presidindo-a até dezembro de

1941, quando foi chamado de volta ao Rio de Janeiro, sendo substituído pelo

pastor José Ludovico, que foi designado pastor regional em Goiás. O Pr. José

Ludovico, residindo em Goiânia, vinha a Anápolis para ministrar a Ceia e

realizar os batismos de novos convertidos, ficando os outros serviços sob a

direção de Antônio Inácio de Freitas (IBMA, 2011).

No mês de dezembro de 1941, Antônio Inácio foi consagrado a diácono

e assume efetivamente a direção da Igreja, iniciando a construção de um

pequeno e humilde templo de adobe, que foi terminado no fim do ano de 1942,

e já estava pequeno para comportar os crentes que se multiplicavam. Em 1945,

com a transferência de Antônio Inácio de Freitas a igreja voltou novamente à

direção de seu pai, José Inácio, agora consagrado a presbítero, o qual dirigiu a

igreja até o fim do ano de 1946 (IBMA, 2011).

Do mês de dezembro de 1946 a novembro de 1948, a Assembleia de

Deus em Anápolis esteve sob a presidência interina do Pastor Divino

Gonçalves dos Santos, servindo aqui como vice-presidente do Pastor Antônio

Moreira, que acumulava a presidência das igrejas em Anápolis e Goiânia.

Durante sua marcante gestão foi construído o segundo templo, agora uma

construção de tijolos, maior e mais confortável. No final de ano de 1948,

Antônio Moreira mudou-se outra vez para Anápolis, assumindo novamente a

direção efetiva da Igreja, encontrando-a bem maior. Em sua segunda gestão

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Antônio Moreira permaneceu até 1957, por quase nove anos, dando

continuidade ao trabalho de crescimento da Igreja, que a cada dia consolidava

a obra pentecostal que ele ajudara a iniciar há oito anos. Em março de 1957 o

Ministério de Madureira designou o Pr. Antônio Alves Carneiro para presidir a

Igreja em Anápolis. Foi um período de grande prosperidade, pois Antônio

Carneiro era um obreiro carismático e grande evangelista, o que muito

contribuiu para o crescimento da igreja (IBA, 2002).

No próximo tópico, vamos perceber a divisão da igreja em dois

ministérios.

Assembleia de Deus Ministério Madureira

No final de 1960 o Pr. Antônio Alves Carneiro, apoiado pela maioria dos

membros da Igreja, optou por desligar-se do Ministério de Madureira, fundando

o Ministério de Anápolis, ao qual ficou pertencendo todo o patrimônio da Igreja.

Tal fato resultou numa cisão entre os membros, pois alguns se recusaram a

deixar o Ministério de Madureira. Na Figura 04 vemos o símbolo de tal

Ministério:

Figura 04 – Símbolo da Assembleia de Deus Ministério Madureira

Inicialmente dois presbíteros e suas famílias optaram por permanecer

fiéis à Madureira: o pioneiro, José Inácio de Souza e Manoel Policarpo Gomes.

Novamente, como em 1940, voltaram a se reunir na casa de José Inácio,

iniciando ali a reorganização da Assembleia de Deus do Ministério de

Madureira em Anápolis. O Pastor Paulo Leivas Macalão enviou então para

Anápolis o Evangelista Waldemar Nogueira Ramos para presidir a Igreja

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reorganizada. Por quase seis meses os cultos foram realizados da casa do

presbítero José Inácio. Mas em pouco tempo o local já não cabia mais, tantos

eram os que voltavam a se filiar à Igreja e também as inúmeras conversões

que aconteciam. E a Igreja crescia.

Como não havia um local mais amplo para as reuniões, a irmã

Melquíades Gomes, esposa do presbítero Manoel Policarpo, propôs fechar a

pequena frutaria que tinha e ceder o cômodo para abrigar a Igreja que a cada

dia experimentava um novo crescimento.

E assim foi feito, numa manhã de março de 1961 a animada Melquíades

Gomes abriu a frutaria, pôs todas as verduras em caixas na rua e doou todo o

alimento a quem passava, avisando que a partir daquele dia ali seria a

Assembleia de Deus de Madureira. A parede da sala foi demolida e juntada ao

cômodo da frutaria e a família Gomes foi residir nos fundos da casa. Valdemar

Nogueira Ramos, José Inácio e Policarpo Gomes pintaram o salão, encheram-

no de bancos e instalaram a igreja, na Rua Leopoldo de Bulhões (IBMA, 2011).

Figura 05 – Frutaria transformada em igreja, em 1961

Fonte: Acervo de Alexandre Silva Andrade.

Logo começaram a orar a Deus pedindo um imóvel para construírem um

templo. No início do ano seguinte, 1962, adquiriram um lote na Av. Tiradentes,

nº 1299 e construíram um pequeno e lindo templo, instalando definitivamente,

pela segunda vez, a Assembleia de Deus de Madureira em Anápolis, conforme

podemos observar na Figura 06:

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Figura 06 – Nova sede da Assembleia de Deus Madureira de Anápolis

Fonte: Acervo Iconográfico do Museu Histórico.

Em 1962 o Pr. Valdemar Nogueira Ramos adoece gravemente e a

Convenção enviou o Pr. Geraldo da Silva Cardoso como vice-presidente e

presidente interino, para substituir o presidente enfermo. No final do ano o Pr.

Valdemar parte para o descanso eterno e a igreja empossou efetivamente o Pr.

Geraldo Cardoso, que a presidiu por dois anos. Em 1964 a Igreja recebe como

presidente, vindo do Rio de Janeiro, o Pr. Manoel da Penha Ribeiro. Devido ao

pouco número de pastores do Ministério Madureira no Estado de Goiás, Penha

Ribeiro acumulava a presidência das igrejas de Anápolis, Porangatu e Uruaçu.

Por causa das suas muitas atividades, foi enviado o Pr. Joaquim Alves de

Souza para servir como vice-presidente da Igreja (IBMA, 2011).

Em janeiro de 1965 a igreja solicita e a Convenção atende, empossando

o Pr. Joaquim Alves de Souza na presidência da Igreja. Sua administração foi

marcada pelo dinamismo e fervor evangelístico, o que contribuiu para que a

igreja continuasse a caminhada de crescimento. Em 1969, com a transferência

do Pr. Joaquim Alves de Souza para a cidade de Gurupi, a Igreja recebe como

presidente o Pr. Guilson Guilhardi, vindo da Assembleia de Deus do Setor

Fama, em Goiânia. Com a Igreja em franco crescimento, Guilson Guilhardi

lança o desafio de construir um templo maior e em 29 de maio de 1977, com a

presença do presidente do Ministério de Madureira, Pr. Paulo Leivas Macalão,

foi inaugurada a nova sede da Igreja em Anápolis (IBMA, 2011).

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Em outubro de 1978 a Convenção Nacional envia para Anápolis o Pr.

José Brandão Porto. Os frutos do seu ministério comprovam que ele veio na

direção do Senhor, pois em sua gestão a igreja experimentou seu maior

período de crescimento e fortalecimento até então. Extremamente zeloso e fiel,

o ministério do Pr. Brandão Porto se caracterizou não só pela expansão do

campo de trabalho, mas pelos profundos e criteriosos estudos bíblicos e

pregações. Numa época em que havia muitas competições prejudiciais entre

algumas igrejas em Anápolis, seu papel de conciliador foi fundamental para

estabelecer a harmonia entre as igrejas. Em 1991, numa das maiores

realizações de sua gestão, iniciou a construção da Catedral das Assembleias

de Deus em Anápolis, na Av. Tiradentes – um projeto de sonho e audácia,

devido aos poucos recursos materiais que a Igreja possuía (IBMA, 2011) e que

observamos na sequência sua fotografia:

Figura 07 – Catedral de Anápolis, inaugurada em 17 de novembro de 2002

Fonte: Acervo de Alexandre Silva Andrade.

Mas, para a glória de Deus, em 17 de novembro de 2002, o Pr. Brandão

Porto concluiu seu ministério eclesiástico, inaugurando a bela catedral e

solicitou a sua jubilação. A igreja então o elege seu presidente de honra. Na

mesma data a Igreja elegeu como presidente o Pr. Bertiê Adais Magalhães,

que já vinha servindo como 1º vice-presidente há onze anos. O Pr. Bertiê

Magalhães deu continuidade ao vertiginoso crescimento da Igreja, expandido o

trabalho evangelístico e missionário. Em sua administração a igreja tem atuado

com ousadia em todas as áreas e obtido excelentes resultados. Em julho de

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2008, a Igreja adquiriu a mais tradicional emissora de rádio da cidade, A Rádio

Imprensa de Anápolis, para ter mais um instrumento de divulgação do Reino de

Deus na terra, nosso principal objetivo (IBMA, 2011).

Assembléia de Deus Ministério de Anápolis

Em 1957, quando o movimento pentecostal engatinhava a igreja recebeu

como pastor Antônio Carneiro, mineiro, com passagens nas cidades de

Ipameri, Pires do Rio e Brasília. Seu dinamismo e atuação na Assembleia de

Deus de Anápolis foram no sentido de estruturar a igreja juridicamente, criando

estatutos e organizando a convenção de obreiros e estabelecendo a hierarquia

pertinente ao bom andamento da pregação do evangelho (IBA,2002), cujo

símbolo é apresentado na Figura 08 que se segue:

Figura 08 – Símbolo da Assembleia de Deus Ministério de Anápolis

Até o ano de 1986, o Pr. Antônio Alves Carneiro presidiu a igreja

Assembleia de Deus em Anápolis e as igrejas filiadas a esta, porém, por

decisão própria, espontânea, mandou à direção da igreja uma carta solicitando

seu jubilamento em caráter irrevogável. A decisão foi respeitada pela diretoria

da igreja e ele foi, então, jubilado por esta. (MATOS, 2008)

Em consequência disso, foi empossado como presidente, o pastor José

Clarimundo César, nascido a 31/03/1949, em Goianésia-GO, formado em

odontologia pela FOJOP - Faculdade de Odontologia “João Prudente” de

Anápolis; em Direito pela FADA - Faculdade de Direito de Anápolis; e em

teologia pela EETAD - Escola de Ensino Teológico de Assembleia de Deus. De

considerável nível conhecimento bíblico e cultural, sua atuação tem sido

marcante para o aprimoramento e crescimento da igreja. Para o Pr. José

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Clarimundo César (Figura 09), a Assembleia de Deus em Anápolis caminha

buscando integrar novas almas para o reino de Deus (IBA, 2002).

Figura 09 – Pastor José Clarimundo, Presidente da AD Minist. de Anápolis

Fonte: Acervo de Alexandre Silva Andrade.

A igreja Assembleia de Deus Ministério de Anápolis atua fortemente na

área educacional através do IBA – Instituto Bíblico de Anápolis e da Escola

Evangélica Adonai, além de ser mantenedora de diversas instituições e

projetos sociais. Na Figura 10, vemos a grandiosa matriz da Assembléia de

Deus Ministério de Anápolis:

Figura 10 – Matriz da Assembléia de Deus Ministério de Anápolis

Fonte: Acervo de Alexandre Silva Andrade.

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Considerações finais

As igrejas Assembleia de Deus Ministério de Anápolis e Ministério

Madureira foram pioneiras da vertente pentecostal no município de Anápolis. É

oportuno mencionar que o maior templo religioso da cidade e um dos maiores

da América Latina é a matriz da igreja Assembleia de Deus Ministério de

Anápolis, construído para sediar a Convenção Internacional das Assembleias

de Deus (CIAD), em 1985, sendo utilizado inclusive para grandes reuniões

sociais quando necessário.

Consciente de sua missão, as Assembleias de Deus não prevalecem do

fato de ter, segundo dados do IBGE (Censo 2000), mais de oito milhões de

membros. Apesar de sua força e penetração social, optou por agir profética e

sacerdotalmente. Se, por um lado, protesta contra as iniquidades sociais, por

outro, não pode descuidar de suas responsabilidades intercessórias.

Referências:

Acervo Iconográfico do Museu Histórico “Alderico Borges de Carvalho”, 2011. Acervo Partícula de Alexandre Silva Andrade, 2011. BORGES, H. C. História de Anápolis. Goiânia: Editora do Cerne, 1975. FERREIRA, H. J. Anápolis: Sua vida, Seu povo. Brasília: Gráfica do Senado Federal, 1981. FREITAS, R. A. Anápolis: Passado e Presente. Anápolis: Voga, 1995. Instituto Bíblico de Anápolis – IBA, CBTC, Apostila da História da Igreja. Anápolis, Ed.2°. CIAD. 2002. Instituto Bíblico da Assembleia de Deus Madureira em Anápolis, IBMA, 2011. Jornal “O CENTENÁRIO”, Iniciação e história de Anápolis. MATOS, S. C. Evangélicos e cenário político: O papel da elite na cidade de Anápolis. Goiânia. Dissertação (mestrado), UFG, 2008. POLONIAL, J. M. Introdução à história política de Anápolis (1819-2007). Anápolis: Edição do Autor, 2007. ________. Ensaios Sobre a História de Anápolis. Anápolis: AEE, 2000. ROCHA, H. Anápolis – e assim se passaram 100 anos. Goiânia: Kelps, 2007.

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www.adanapolis.com.br.Acesso em 19/09/2011.

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www.ahistoriadeanapolis.com.br.Acesso em 19/09/2011.

www.anapolis.go.gov.br.Acesso em 19/09/2011.

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HISTÓRICO DOS CURSOS DE ENFERMAGEM NA

CIDADE DE ANÁPOLIS-GOIÁS

JUSCELINO MARTINS POLONIAL

MIRIAM ESTHER OLIVEIRA ZORZETO Resumo: Em 1933 foi criada a Escola de Enfermeiras “Florence Nightingale”, vizinha ao recém construído Hospital Evangélico Goiano (HEG) na cidade de Anápolis, Estado de Goiás. Esta escola possuía status de curso superior, sendo desta forma o primeiro de Anápolis. Objetiva-se por meio do presente trabalho realizar um relato histórico dos primórdios da estruturação da enfermagem na cidade de Anápolis, por meio do HEG e da criação da Escola de Enfermagem “Florence Nightingale”, o primeiro centro de formação em enfermagem na cidade de Anápolis e no Estado de Goiás. Palavras-chave: histórico; cursos de enfermagem; Anápolis.

Introdução

esde os tempos mais remotos a preocupação com a saúde e

com a sua manifestação permeou a humanidade. Sociedades

antigas como a assíria e babilônica, a egípcia, a sociedade

chinesa, a indiana, a japonesa, a grega e a romana já possuíam diversas

técnicas de manutenção da saúde e / ou cura de enfermidades.

No Brasil colonial, e depois imperial, as várias doenças trazidas pelos

colonizadores europeus e pelos escravos africanos assolaram a nação em

diversas endemias e epidemias. A repressão a estas doenças acontece

quando o governo, pressionado por países com os quais o Brasil mantinha

relações comerciais, cria organismos e institutos, alguns existentes até a

atualidade.

Nesse contexto surge a necessidade por profissionais devidamente

treinados para trabalharem em hospitais militares e civis. Este processo de

formação de enfermeiros acontece, inicialmente, em escolas profissionalizantes

cujos professores eram médicos. Contudo, apenas em 1949, com a

Cientista Social (UniEvangélica), Mestre em História (UFG) e docente adjunto da

UniAnhanguera.

Graduada em Enfermagem (UniAnhanguera) e em Musicoterapia (UFG) e Pós-graduada em Didática e Metodologia do Ensino Superior (UniAnhanguera).

D

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promulgação da Lei 775, regulamentada pelo decreto nº. 27.426 o ensino de

enfermagem passou a ser centralizado em centros universitários.

A cidade de Anápolis-GO é hoje uma referência em nível nacional. Sede

da Base Aérea, do DAIA (Distrito Agroindustrial) que comporta diversas

indústrias e do Porto Seco, um centro de logística e distribuição de

mercadorias. Na cidade de Anápolis hoje três escolas de curso técnico em

enfermagem e três cursos de enfermagem em nível universitário.

Justifica-se a presente pesquisa, pela necessidade de se relatar o modo

pelo qual aconteceu a implantação destes cursos de enfermagem, na tentativa

de se realizar um resgate cultural e histórico desta temática que nos dias atuais

encontra-se um pouco esquecida.

Breve histórico das práticas de saúde no Brasil

As práticas de saúde no primeiro estágio da civilização humana

baseavam-se em ações que visavam à garantia do homem de sua

subsistência, estando, na maioria das vezes, associadas ao trabalho feminino.

Nesta perspectiva, observa-se que a enfermagem sempre esteve intimamente

relacionada com o cuidar desde as sociedades primitivas (GEOVANINI, 2010).

No Brasil, em um primeiro momento, ocorre a organização da

enfermagem ainda no período colonial até o final do século XIX, sempre sob o

controle de ordens religiosas. Em um momento seguinte, ocorre o

desenvolvimento da educação institucional e das práticas de saúde pública

(período que vai do final do século XIX até o começo da 2ª Guerra Mundial) e

mais recentemente, especialmente após a 2ª Guerra Mundial, o processo de

profissionalização da enfermagem (GEOVANINI, 2010).

A cidade do Rio de Janeiro é o retrato dessa realidade. No início do

século XX, mesmo sendo a capital do país e possuindo muitos casarões e

palacetes, possuía graves problemas de saúde pública. O fornecimento de

água era insuficiente, bem como o sistema de tratamento de esgotos e a coleta

do lixo. Todo este contexto favorecia a proliferação de diversas doenças como

o sarampo, a tuberculose, a hanseníase e o tifo, além de doenças como a

varíola, a peste bubônica e a febre amarela que se manifestavam na forma de

epidemias (REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2010).

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Assim, Oswaldo Cruz, convidado a assumir a Direção Geral da Saúde

Pública, criou as “Brigadas Mata Mosquitos”, grupos de funcionários do Serviço

Sanitário que invadiam as casas para desinfecção e extermínio dos mosquitos

transmissores da febre amarela. Iniciou, também, a campanha de extermínio

de ratos considerados os principais transmissores da peste bubônica,

espalhando raticidas pela cidade e mandando o povo recolher os resíduos

(REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2010):

Tiros, gritaria, engarrafamento de trânsito, comércio fechado, transporte público assaltado e queimado, lampiões quebrados à pedradas, destruição de fachadas dos edifícios públicos e privados, árvores derrubadas: o povo do Rio de Janeiro se revolta contra o projeto de vacinação obrigatório proposto pelo sanitarista Oswaldo Cruz. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 14 de novembro de 1904, In REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2010)

A resistência popular, quase um golpe militar, teve o apoio de

positivistas e dos cadetes da Escola Militar. Os acontecimentos, que tiveram

início no dia 10 de novembro de 1904, com uma manifestação estudantil,

cresceram consideravelmente no dia 12, quando a passeata de manifestantes

dirigia-se ao Palácio do Catete, sede do Governo Federal. A população estava

alarmada. No domingo, dia 13, o centro do Rio de Janeiro transforma-se em

campo de batalha: era a rejeição popular à vacina contra a varíola que ficou

conhecida como a “Revolta da Vacina”, mas que foi muito além do que isto

(REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2010).

Para erradicar a varíola, o sanitarista convenceu o Congresso a aprovar

a Lei da Vacina Obrigatória (31 de Outubro de 1904), que permitia que

brigadas sanitárias, acompanhadas por policiais, entrassem nas casas para

aplicar a vacina à força. A população estava confusa e descontente. A cidade

parecia em ruínas, muitos perdiam suas casas e outros tantos tiveram seus

lares invadidos pelos “mata-mosquitos”, que agiam acompanhados por

policiais. Jornais da oposição criticavam a ação do governo e falavam de

supostos perigos causados pela vacina. Além disso, o boato de que a vacina

teria de ser aplicada nas “partes íntimas” do corpo, de modo que as mulheres

teriam que se despir diante dos vacinadores, agravou a ira da população, que

se rebelou (REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2010).

A aprovação da Lei da Vacina foi o estopim da revolta: no dia 05 de

novembro, a oposição criava a Liga contra a Vacina Obrigatória. Entre os dias

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10 e 16 de novembro, a cidade virou um campo de guerra. A população

exaltada depredou lojas, virou e incendiou bondes, fez barricadas, arrancou

trilhos, quebrou postes e atacou as forças da polícia com pedras, paus e

pedaços de ferro. No dia 14, os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha

também se sublevaram contra as medidas baixadas pelo Governo Federal

(REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2010).

A reação popular levou o governo a suspender a obrigatoriedade da

vacina e a declarar estado de sítio (16 de novembro). A rebelião foi contida,

deixando 50 mortos e 110 feridos. Centenas de pessoas foram presas e,

muitas delas, deportadas para o Acre. Ao reassumir o controle da situação, o

processo de vacinação foi reiniciado, tendo a varíola, em pouco tempo, sido

erradicada da capital (REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2010).

Antes da virada da década de 1920, já era possível observar a falência

da república oligárquica devido a disputas políticas provenientes das próprias

oligarquias. Com o movimento revolucionário da década de 30, a sociedade

brasileira passa por um novo ajuste.

Os problemas relacionados à saúde pública passam a constituir um

problema preocupante, pois as doenças trazidas pelos europeus e pelos

escravos africanos passam a disseminar-se rapidamente, preocupando não

apenas as autoridades brasileiras, mas também as nações com as quais o

Brasil mantinha relações comerciais. Desta forma, por meio de navios estas

endemias ou epidemias poderiam alcançar diversos países (GEOVANINI,

2010).

No porto da cidade do Rio de Janeiro foi instalado o serviço de Inspeção

de Saúde Pública, já que este constituía o local principal de entrada de várias

doenças pestilosas como a malária, a varíola, a febre amarela e a peste

(GEOVANINI, 2010).

Na tentativa de barrar estas diversas enfermidades que ameaçavam o

crescimento do Brasil, o governo cedendo a pressões externas assume a

assistência à saúde com a criação de serviços públicos, passa a realizar a

vigilância e o controle mais eficaz dos portos, instituindo inclusive a quarentena

(GEOVANINI, 2010).

Nesse mesmo período ocorre a revitalização da Diretoria-Geral de

Saúde Pública que é incorporada ao Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, a

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Inspetoria de Isolamento e Desinfecção e o Instituto Soroterápico que

posteriormente transforma-se em Instituto Oswaldo Cruz (GEOVANINI, 2010).

Nesse contexto, os hospitais civis e militares necessitavam de

profissionais qualificados para atender a demanda crescente nos serviços de

saúde. O governo brasileiro cria, então, por meio do Decreto 791, de 27 de

setembro de 1890, a primeira escola de enfermagem do país. Esta escola

localizava-se na cidade do Rio de Janeiro, junto ao Hospital Nacional de

Alienados do Ministério dos Negócios do Interior. A escola foi batizada com o

nome de Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras (GEOVANNI,

2010).

A primeira escola de enfermagem do Brasil, atualmente é chamada de

EEAP – Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, pertencendo à Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). A formação profissional desta escola era

baseada nas Escolas de Salpêtreière na França. O curso tinha duração de dois

anos e o currículo era baseado na assistência curativa no contexto hospitalar

(GEOVANINI, 2010).

Com a iminência e posterior confirmação da 1ª Guerra Mundial em 1914

devido a lutas pela hegemonia imperialista, a Cruz Vermelha Brasileira, em

comum acordo com o movimento internacional de auxílio aos feridos de guerra,

começa a preparar voluntárias para o trabalho de enfermagem (GEOVANINI,

2010).

Na maioria dos cursos as aulas foram por muito tempo ministradas por

médicos, estando a direção destes cursos nas mãos destes profissionais, de

modo que apenas mais recentemente estas posições passaram a ser

ocupadas por enfermeiros (GEOVANINI, 2010).

Histórico das práticas de saúde e do ensino de saúde no Estado de Goiás

Em Goiás, foi nomeado para ocupar o poder executivo, o médico Pedro

Ludovico Teixeira, conhecedor da problemática sanitária do estado visto que

havia exercido sua profissão na cidade de Goiás (na época, capital do estado)

bem como em Rio Verde, onde exercia grande liderança política.

Durante seu governo, três escolas de enfermagem foram implantadas no

estado: uma em Anápolis (1933), criada pelo médico e missionário protestante,

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Dr. James Fanstone; outra em Rio Verde (1937), também fundada por um

médico e missionário protestante, Dr. Donald C. Gordon; e a terceira, em

Goiânia, a nova capital, criada em 1942 pelo Arcebispo de Goiás, D. Emanuel

Gomes de Oliveira, sob os auspícios da primeira dama do estado – Dona

Gercina Borges Teixeira (GUIMARÃES e CARVALHO, 2005).

Os trabalhadores de enfermagem, contratados para cuidar dos internos,

recebiam salários diferenciados. O enfermeiro recebia 80 mil réis anuais; os

ajudantes do sexo masculino, 40 mil réis anuais. As mulheres, enfermeiras e

ajudantes, 36 mil réis anuais. Os enfermeiros tinham um papel mais importante

que as enfermeiras, podendo, às vezes, substituir o médico do hospital; por

isso seu salário era bem mais elevado que o das mulheres (GUIMARÃES e

CARVALHO, 2005).

Histórico das práticas de saúde e do ensino de enfermagem na cidade de

Anápolis – Goiás

Até o início da década de 20 do século passado, a cidade de Anápolis

não possuía médicos que moravam na cidade. Em alguns momentos

apareciam médicos que depois de algum tempo iam embora. Nos primórdios

da cidade de Anápolis, José da Silva Batista e Antônio Crispim possuíam

conhecimentos intuitivos de medicina. Ambos forneciam remédios para os

doentes, principalmente chás caseiros (FERREIRA, 1981).

José da Silva Batista faleceu em 1910 e Antônio Crispim de Sousa em

1916. Ambos foram substituídos por Faustino Plácido do Nascimento que era

farmacêutico formado. Neste período além do médico, os farmacêuticos

também podiam receitar remédios, tanto os práticos como os formados. Eram

vários os farmacêuticos em Anápolis, dentre eles podemos citar: Baldomero

Fernandes, Carlos Augusto Vila Rica, Anfilófio de Alencar, Francisco Lopes de

Azeredo Filho, Floriano Caramuru Maio de Azeredo, José Honório Ferreira Fritz

Burguer, entre outros (FERREIRA, 1981).

Em 1922, Genserico Gonzaga Jayme fixou residência em Anápolis.

Formado pela Universidade de Medicina do Rio de Janeiro, foi o primeiro

médico a fixar residência em Anápolis.

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Em 1933 foi criada a Escola de Enfermeiras “Florence Nightingale” que

possuía status de curso superior, sendo desta forma o primeiro de Anápolis. A

escola foi reconhecida oficialmente pelo interventor federal em Goiás, Pedro

Ludovico Teixeira (VAZ e TAVARES, 2005).

Em 15 de dezembro de 1947, o presidente Eurico Gaspar Dutra

equipara a Escola de Enfermeiras “Florence Nightingale” aos outros cursos de

formação de enfermeiras do Brasil, com as alunas recebendo diploma de

enfermeiras depois que as disciplinas foram integralizadas. Contudo, no final

da década de 1960, a escola passa à condição de instituição formadora de

profissionais em nível técnico (VAZ e TAVARES, 2005).

Na cidade de Anápolis já na primeira metade da década de 1970, havia

83 médicos, 45 dentistas, 27 farmacêuticos, 14 hospitais, 986 números de

leitos, 1 pronto socorro e um posto de saúde denominado OSEGO (BORGES,

1975).

Breve histórico do primeiro hospital da cidade de Anápolis – Goiás

Ferreira (1981, p.189) relata um texto de João Friedmann, o qual

transcorre sobre a história, começo, dificuldades e grandioso coroamento do

Hospital Evangélico Goiano (HEG), o primeiro hospital da cidade de Anápolis

que serviu e continua servindo até os dias de hoje de campo de estágio da

Escola de Enfermeiras “Florence Nightingale”. Segue-se, portanto, o relato de

Friedmann:

O Dr. James Fanstone, em seu modesto consultório, na rua Desembargador Jayme, despachou o último cliente, tirou o avental e se deixou cair numa rústica poltrona. Ele estava cansado. O dia havia sido de intenso trabalho. Grande número de pacientes, portadores das mais diversas enfermidades, havia passado pelo seu consultório, em busca de alívio para os seus males. A clínica já se havia tornado volumosa e o número de clientes aumentava de dia para dia. Mas não era o esforço físico que abatia o Dr. Fanstone. Homem dotado de extraordinária capacidade de trabalho, alimentada por um admirável entusiasmo, o médico, ainda jovem, possuía energia de sobra para atender a todos os seus clientes. O que preocupava o Dr. Fanstone era um grande e clamoroso problema, que exigia solução. Sentiu pesar em seus ombros uma tremenda responsabilidade. O seu grande sonho, certamente inspirado por Deus, de construir um hospital, já não podia ficar em projeto, para ser concretizado em um futuro mais ou menos remoto. Urgia em transformá-lo em realidade sem mais delongas. Mas como fazer? Onde estavam os recursos materiais? Onde estavam os auxiliares? Uma infinidade de problemas e uma avalanche de dificuldades se desenharam na mente do Dr. Fanstone e turvaram, por alguns instantes, a maravilhosa visão do futuro hospital. A tarefa

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era grande demais para ser realizada por um homem só. Impossível! Humanamente impossível. (FERREIRA, 1981, p.189)

Apesar de todas as dificuldades existentes, a necessidade de se

construir um hospital era maior. Neste período, início da década de 20 do

século XX, a região de Anápolis contava com apenas seis médicos, de modo

que cada um possuía apenas seus conhecimentos científicos e um bloco de

receitas grosseiramente falando. Contudo, estes profissionais tentavam vencer

a escassez de recursos que levava a perda de inúmeras vidas que por falta de

assistência adequada, inclusive intervenções cirúrgicas e tratamentos mais

intensivos, poderiam ser salvas (FERREIRA, 1981).

A mesma autora relata que o Dr. Fanstone lembrou-se de seus diversos

clientes que o procuravam na esperança de encontrar cura para os males que

os afligiam, objetivando assim, viver mais alguns anos. Nesse período, o

hospital mais próximo de Anápolis encontrava-se na cidade de Araguari-MG.

Desta forma, o Dr. Fanstone não se deixou abater pelas dificuldades. Pelo

contrário, ele determinou que nenhum obstáculo o distanciaria do seu sonho.

O terreno onde se encontra atualmente o Hospital Evangélico Goiano –

HEG foi comprado no ano de 1927 por onze contos de réis (11:000$000),

quantia considerável na época. Na esquina existente entre as ruas

Desembargador Jayme e Travessa João Aires havia uma velha casa de adobe,

com esteio de aroeira. Esta casa passou por adaptações para tornar-se o

pavilhão provisório do futuro hospital.

Ferreira (1981) faz referência a Mary Hamilton que em seu Diário de

uma Enfermeira relata de modo minucioso este pavilhão do novo hospital:

O hospital é simplesmente uma casa brasileira, com três grandes salas, que haviam sido transformadas em enfermarias. Uma sala menor é a sala de operações, com paredes caiadas de branco e assoalho de madeira, cheio de buracos. Um outro cômodo pequeno é usado como consultório. As camas são bastante agradáveis, cobertas com colchas tecidas em casa e os criados-mudos são caixotes. Tudo isso tem um delicioso aspecto primitivo e simples. (Mary Hamilton em seu Diário de uma Enfermeira in: FERREIRA, 1981, p.190)

A mesa de operações, atualmente parte do acervo do Museu Histórico

de Anápolis, também era rústica, de madeira e foi construída pelo próprio Dr.

Fanstone, em 1926. Os primeiros auxiliares de James Fanstone foram Mary

Hamilton, Cícero Tupy Verano e Bessie Fanstone.

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Em relação à construção do prédio, Dr. Fanstone dirigia pessoalmente o

trabalho dos pedreiros. Apesar de muitas adversidades, o primeiro pavilhão do

hospital foi construído, contando, com duas enfermarias, uma masculina e uma

feminina com oito camas cada uma, quatro quartos particulares e uma sala de

operações. Atualmente, este pavilhão encontra-se na parte térrea, onde fica o

Centro Cirúrgico e o Pronto Socorro (FERREIRA, 1981).

Figura 01 – Construção do pavilhão da parte térrea em meados da década de

1940

Fonte: Acervo Iconográfico do Museu Histórico.

No ano de 1937, Ralf Colemann a pedido do Dr. Fanstone, dirigiu-se à

Alemanha para aquisição de um aparelho de Raios-X naquele país. O aparelho

comprado, hoje arcaico e em desuso, deu trabalho para ficar em boas

condições de funcionamento, contudo prestou muitos serviços ao Hospital

Evangélico Goiano (HEG), pois ajudou a detectar fraturas, pacientes com

tuberculose pulmonar e localização de projéteis de armas de fogo (FERREIRA,

1981).

De acordo com Vaz e Tavares (2005), em artigo publicado no Jornal “O

Centenário”, uma publicação em homenagem ao centenário da cidade de

Anápolis, a Escola de Enfermeiras “Florence Nightingale” iniciou seus trabalhos

na cidade de Anápolis no ano de 1933, tendo status de curso superior,

portanto, sendo o primeiro de Anápolis. A Escola “Florence Nightingale” foi

reconhecida oficialmente pelo interventor federal em Goiás, Pedro Ludovico

Teixeira em 1937.

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Em 15 de dezembro de 1947, a promulgação da Lei 24.199, assinada

pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra concedeu à escola a equiparação

em relação aos outros cursos de formação de enfermeiras do Brasil. Nesse

período, as alunas recebiam o diploma de enfermeira após a integralização das

disciplinas. Contudo, no final da década de 1960, a escola não podendo

cumprir com exigências legais, passou à condição de escola de formação

técnica em enfermagem (VAZ e TAVARES, 2005).

Figura 02 – Escola de Enfermeira “Florence Nightingale” em 1948

Fonte: Acervo Iconográfico do Museu Histórico.

Assim, Guimarães, Andrade e Santos (2005) afirmam que apenas entre

os anos de 1956 e 1957 é que o Dr. James Fanstone juntamente com as

enfermeiras Mary Louise Norman Hamilton, Bessie Baird Fanstone, Alice

Gertrude Gallear e Dóris Wilson fundaram a Escola de Enfermeiras “Florence

Nightingale” (EEFN). Algum tempo depois a goiana Isabel Colghum Macyntire,

formada na Escócia, realizou a revalidação e equiparação de seu diploma na

Escola Ana Nery, tornado-se então, diretora da Escola de Enfermagem

“Florence Nightingale”, substituindo o Dr. Fanstone que exercia esta função.

Isabel Macyntire ingressou na Fundação Serviço Especial de Saúde

Pública, onde realizou atividades ligadas à enfermagem com os trabalhadores

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que contribuíram com a construção de Brasília. Após a saída de Isabel da

diretoria da EEFN, esta passou a ser dirigida por Elza Amaral da Silva, no

período compreendido entre os anos de 1953-1956. Cidadã Anapolina, Elza

Amaral dedicou a maior parte de sua vida ao trabalho de enfermagem em

Anápolis, bem como ao desenvolvimento deste trabalho (GUIMARÃES,

ANDRADE e SANTOS, 2005).

Durante os anos de 1956 a 1959 a EEFN foi dirigido por Janet Grahan.

No ano de 1960, Maria Gouveia assumiu interinamente o cargo. No ano de

1961, Maria Lúcia Oliveira assumiu a direção da EEFN também em caráter

interino (GUIMARÃES, ANDRADE e SANTOS, 2005).

Em um período de 30 anos de funcionamento, a EEFN diplomou 220

enfermeiras. Como exemplo de alunas formadas pela EEFN que se tornaram

professoras na própria escola podemos citar: Felismina Machado, Maria

Cândida Pereira Wiederheker, Violeta de Souza, Rosedalia Matos, Isabel

Sakai, Rosa Azarias. Todas as enfermeiras citadas atuaram também no

Hospital Evangélico Goiano (HEG). Dentre as ex-alunas da EEFN houve

também quem se destacasse na política como Lídia Quinan (GUIMARÃES,

ANDRADE e SANTOS, 2005).

Pouco tempo após a fundação da EEFN, outra instituição semelhante foi

fundada na cidade de Rio Verde, também no Estado de Goiás. A Escola de

Enfermeiras “Casa de Saúde Evangélica” (EECSE) também foi fundada por um

médico missionário, o Dr. Donald Gordon.

De acordo com Guimarães, Andrade e Santos (2005), apesar das

dificuldade econômicas em Goiás e do isolamento do estado em relação aos

grandes centros urbanos do país no início do século XX, esses aspectos não

impediram a criação da Escola de Enfermeiras “Florence Nightingale”. A

fundação desta escola é muito importante para Anápolis, pois foi a precursora

do ensino de enfermagem na cidade.

A partir da década de 1970, outras escolas técnicas de enfermagem

foram surgindo de modo que, atualmente, na cidade, esta modalidade é

oferecida por pelo menos 03 (três) escolas ou centros de formação em nível

técnico. Além da Escola de Enfermeiras “Florence Nightingale”, o curso técnico

de enfermagem é oferecido no SENAC da cidade e no Colégio Êxito. A

graduação em enfermagem é oferecida em 03 (três) faculdades /

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universidades: UniEVANGÉLICA, que oferece a graduação em enfermagem

desde o ano 2000, a UniANHANGUERA, inicialmente conhecida como

Faculdade Latino Americana (FLA), instituição que oferece tal curso desde o

ano de 2004 e a Faculdade do Instituto Brasil – FIBRA, que oferece o curso

desde o ano 2008.

Considerações Finais

As práticas de saúde no primeiro estágio da civilização humana

baseavam-se em ações que visavam à garantia do homem de sua

subsistência, estando na maioria das vezes associadas ao trabalho feminino.

Nessa perspectiva, observa-se que a enfermagem sempre esteve intimamente

relacionada com o cuidar desde as sociedades primitivas (GEOVANINI, 2010).

No Brasil, em um primeiro momento ocorre a organização da

enfermagem ainda no período colonial até o final do século XIX, sempre sob o

controle de ordens religiosas. Em um momento seguinte ocorre o

desenvolvimento da educação institucional e das práticas de saúde pública

(período que vai do final do século XIX até o começo da 2ª Guerra Mundial) e

mais recentemente, especialmente após a 2ª Guerra Mundial, o processo de

profissionalização da enfermagem (GEOVANINI, 2010).

Até o início da década de 20 do século passado, a cidade de Anápolis

não possuía médicos que moravam na cidade, quanto mais enfermeiras. Em

alguns momentos apareciam médicos na cidade que depois iam embora.

Nesse tempo e até mais antigamente no município de Anápolis, José da Silva

Batista e Antônio Crispim possuíam conhecimentos intuitivos de medicina.

Ambos forneciam remédios para os doentes, principalmente chás caseiros

(FERREIRA, 1981).

De acordo com Vaz e Tavares (2005), a Escola de Enfermeiras

“Florence Nightingale” iniciou seus trabalhos na cidade de Anápolis no ano de

1933, tendo status de curso superior, portanto, sendo considerado o primeiro

em Anápolis. A EEFN foi reconhecida oficialmente pelo interventor federal em

Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, em 1937.

Destarte, é possível perceber a importância da construção do Hospital

Evangélico Goiano – HEG, para a estruturação da enfermagem na cidade de

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Anápolis. Não podemos nos esquecer de que a construção deste hospital foi

fruto da visão e dedicação do médico e missionário James Fanstone, que em

meio às dificuldades econômicas e estruturais da cidade de Anápolis ainda no

século XX, rompeu todas as dificuldades e colocou em prática algo que parecia

completamente utópico.

A construção do Hospital Evangélico Goiano – HEG foi e continua sendo

de grande importância para a cidade de Anápolis, pois além de suprir as

necessidades de saúde da população local servia também vários municípios do

Estado de Goiás e também de outros Estados. Além de todos estes aspectos,

o HEG serviu de base para criação e fundamentação da Escola de Enfermeiras

“Florence Nightingale”. Esse fato é relevante, pois serviu de incentivo para que

os “caminhos” em enfermagem começassem a ser trilhados na cidade de

Anápolis, abrindo portas para essa profissão tão importante na sociedade.

Referências:

BERBETTA, P. A. Estatística aplicada às Ciências Sociais. 7ª. Ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 2007, pp. 37-45. BORGES, H. C. História de Anápolis. Anápolis: CERNE, 1975. FERREIRA, H. J. Anápolis: sua vida, seu povo. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1981. GEOVANINI, T. e col. Histórica da Enfermagem: versões e interpretações. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. GUIMARÃES, C.; CARVALHO, V. L. S. Entidades representativas da enfermagem no Estado de Goiás: um relato histórico. REVISTA BRASILEIRA DE ENFERMAGEM, jan/fev. 2005, v.58, nº.1, Brasília. GUIMARÃES, C.; ANDRADE, I. M.; SANTOS, E. A. Gênese do trabalho em enfermagem em Goiás: um resgate histórico de suas precursoras. In: CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE A MULHER, GÊNERO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO, nº. 1, 2005, Goiânia, Anais... Goiânia, 2005. HOSPITAL EVANGÉLICO GOIANO (HEG). Histórico. Disponível em http://www.heg.com.br. Acesso em: 15/01/2011. REVISTA SUPERINTERESSANTE. A Revolta da Vacina. Disponível em: http://www.super.abril.com.br. Acesso em: 10/10/2010. VAZ, N. M. F.; TAVARES, G. G. Jornal O Centenário: Curiosidades. Ano 1 – nº. 2; Maio-2005, Anápolis-GO.

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HISTÓRIAS DE BIBLIOTECAS: ESTUDO EM

CONSTRUÇÃO

KEILA MATIDA DE MELO COSTA

Resumo: Este texto apresenta uma proposta de pesquisa a qual resultará em minha tese de doutorado a ser defendida na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Tendo como objeto de discussão os espaços formais de leitura, como as bibliotecas públicas, busca provocar uma reflexão sobre as construções de sentido desses espaços em Anápolis, Goiás, em um tempo histórico determinado, em que passado e presente são rememorados em certos acontecimentos tais quais o aniversário de cinquenta anos e de cem anos do município. A tentativa é, neste momento, promover um pensar acerca da vinculação biblioteca pública e desenvolvimento cultural de um município a partir do diálogo com pesquisas já efetivadas. Palavras-chave: biblioteca; leitor; leitura; história.

Introdução

ma pesquisa sempre aponta outras possibilidades de

compreensão da realidade, outros percursos a serem seguidos

e conhecidos. Essa experiência tem se concretizado em meu

caminhar enquanto pesquisadora e professora. Em minha dissertação de

mestrado intitulada “Literatura em Minha Casa: entre representações e práticas

de leitura”, defendida no ano de 2007, busquei conhecer não somente um

programa de formação do leitor, instituído pelo Ministério da Educação (MEC),

o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), juntamente com um dos

objetivos desse programa, a constituição de bibliotecas escolares, como

também conhecer histórias de leitores - 22 alunos de duas escolas municipais

em Anápolis, cidade próxima a Goiânia, capital de Goiás. Histórias que em

meio à ficção e à realidade expuseram diferentes espaços de acesso ao livro

para além do espaço escolar. Desses “lugares praticados” de leitura, a

Biblioteca Municipal Zeca Batista e a Biblioteca do Serviço Social do Comércio

(SESC), chamada Biblioteca José de Alencar, foram citadas.

Os protagonistas de minha pesquisa de mestrado evidenciaram esses

espaços como reais, utilitários para eles, crianças que não têm a posse do

livro; evidenciaram inclusive a liberdade de acesso ao livro, de escolhas livres,

atitudes que muitas vezes não se efetivam no interior das escolas já que eles

Doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás

(UFG). Professora da Faculdade de Educação da UFG.

U

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faziam referências também às bibliotecas escolares. Todavia, outros sujeitos,

alunos do curso de graduação em Pedagogia da Universidade Estadual de

Goiás (UEG), revelaram com saudades o tempo em que essas mesmas

bibliotecas públicas de Anápolis formavam leitores.

De acordo com uma das alunas, a Biblioteca Municipal Zeca Batista foi

essencial para a formação de seus filhos enquanto leitores: era atrativa e os

leitores infantis tinham acervos atualizados e espaços delimitados para eles,

espaço específico para crianças. Além disso, várias funcionárias atendiam aos

diferentes setores dessa biblioteca, os quais abrangiam andares diversos. A

Biblioteca Municipal Zeca Batista em décadas anteriores era “capaz de seduzir

o leitor” a ponto de fazer com que os filhos dessa aluna permanecessem todos

os dias depois da aula lá, buscando novas leituras e novos livros. No mesmo

sentido, outra aluna afirma ter se constituído leitora na Biblioteca do SESC,

lugar de visitas constantes. Tanto para uma quanto para outra esses espaços

de leitura não “existem” mais. Não existem como antes, não são mais “capazes

de atrair leitores”, como elas afirmam.

A partir dessa situação, fiquei indagando a forma como uma biblioteca

sobrevive no imaginário de determinados grupos a ponto de ser considerada

“extinta”, de perder “a sua importância” no sentido de seduzir e formar leitores

mesmo ainda se fazendo presente na realidade. Estaria essa ausência

associada ao não cumprimento do papel da escola como estimuladora das

práticas de leitura para além de seu espaço delimitado? Estaria essa ausência

vinculada a outras perspectivas de acesso à cultura, como os meios de

comunicação de massa, não materializadas no texto impresso? Ou ainda seria

ela fruto de um contexto histórico de não valorização da formação do leitor

crítico? As bibliotecas – Biblioteca Municipal Zeca Batista e Biblioteca do Sesc

– foram consideradas extintas para uns e significativas para outros leitores.

Olhares diferentes em tempos históricos diferentes marcaram essas

caracterizações2.

Os mesmos referenciais de espaços de leituras foram evocados por

diferentes leitores, em tempos históricos também diferenciados. É Certeau

2 As alunas dos cursos mencionados apontam a história dessas bibliotecas principalmente nas

décadas de 1970 e de 1980; as crianças que participaram de minha pesquisa de mestrado expõem a relação delas com essas bibliotecas nos tempos atuais.

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quem aponta a diferenciação entre espaço e lugar. Segundo ele, “o espaço é

um lugar praticado. Assim a rua definida por um urbanista é transformada em

espaço pelos pedestres” (CERTEAU, 1994, p. 202). De maneira mais

detalhada, esse autor, em outro texto, afirma que as maneiras de utilização do

espaço fogem à planificação urbanística, pois o arquiteto pensa e fabrica uma

cidade vazia. Essa racionalidade é incapaz de articular o que de concreto

acontece nesse lugar enquanto espaço de produção de cultura. Rigidez e

flexibilidade marcam o campo da disputa dessa produção. As práticas

constituídas pela relação dos sujeitos com os signos pré-fabricados, com os

lugares estabelecidos, devem ser analisados, diz Certeau.

A partir desse embasamento, fiquei indagando a forma como uma

biblioteca sobrevive no imaginário de determinados grupos a ponto de ser

considerada “extinta”, de perder “a sua importância” no sentido de seduzir e

formar leitores mesmo ainda se fazendo presente na realidade. Práticas aí se

revelam! Memórias resgatadas, maneiras de viver os tempos e os lugares que

não coincidem com as das crianças/alunos em suas fases escolares

(protagonistas de minha dissertação de mestrado). Esse contraposto estaria

vinculado ao papel da escola, lugar legitimado para a formação de leitores e

escritores? A presença como ausência de bibliotecas, entre o rígido e o flexível,

estaria associada ao avanço dos meios de comunicação de massa como

outros acessos à cultura? Seria ela resultado de contextos históricos

determinados? Quais sentidos de biblioteca então se constituíram e se

constituem no decorrer da história de Anápolis? Quais fatores levaram a essas

constituições?

Entender a constituição histórica do que se compreende por biblioteca

tanto no âmbito das instituições quanto nos programas associados às políticas

de leitura reforça talvez o que Silva (1991) já denunciava na década de 1990 –

o descaso com a constituição e com o funcionamento desses espaços.

Passados mais de dez anos desse estudo e de outros, o que de fato mudou em

relação à biblioteca? Essas discussões trouxeram ou têm trazido melhorias

para se pensar sua constituição e seu funcionamento? Em busca dessas e de

outras respostas, destaco a importância de se reconstruir histórias de

bibliotecas, entendendo o percurso dessas constituições, os papéis delegados

a elas, os sentidos criados por esses lugares, as práticas e representações dali

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decorrentes, os alcances e os desdobramentos sociais que elas foram

atingindo no decorrer dos tempos, a relação desses espaços com outros (a

escola, a cidade, a economia, a questão cultural etc.), com leitores

diferenciados. Nos “discursos circulantes”, como apreendeu Melo (2007) em

sua pesquisa sobre leitores na cidade projetada sob preceitos de modernização

e civilidade – Goiânia -, talvez seja possível constituir as histórias das

bibliotecas citadas.

Bibliotecas nos meandros de uma história

A Biblioteca Municipal Zeca Batista teve sua lei de criação instituída em

19563 e a Biblioteca José de Alencar em 1952, são elas alguns dos espaços

legitimados de leitura no município de Anápolis. No arquivo da Biblioteca

Municipal Zeca Batista, juntamente com o histórico desse espaço, há

descrições das maiores bibliotecas do mundo (Biblioteca Nacional da França,

Biblioteca do Vaticano, Biblioteca do Congresso de Washington, entre outras),

das maiores bibliotecas do Brasil (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,

Biblioteca Mário de Andrade, entre outras) e de algumas bibliotecas de Goiás

(Biblioteca Central da Universidade Federal de Goiás, Biblioteca Pública

Estadual). Há também reportagens que expõem as melhores Catedrais de

papel do mundo e manchetes que refletem um dos problemas desses espaços

tal qual o fato de que as Bibliotecas não atraem estudantes4. A biblioteca

encontra-se, nesse sentido, marcada pela dualidade: grandeza e precariedade.

Os anos de 1950 em Anápolis marcam, por um lado, a criação da

primeira banca de jornal pertencente ao escritor Paulo Nunes Batista, cuja

venda de produtos não se limitava a jornais e revistas, mas também a livros

novos e usados; por outro, a publicação das primeiras revistas e o aumento da

criação de jornais no município, com bem evidenciou Borges (1975).

Anhanguera, Sinfonia, Pindorama, Santana, Manchester e Informativo da

Associação Comercial foram os títulos das revistas criadas. O avanço

jornalístico se caracterizou pela circulação de 13 jornais entre as décadas de

3 Por meio da Lei Municipal nº. 275, de 30 de novembro de 1956.

4Catedrais de papel: uma viagem por algumas das melhores bibliotecas do mundo ajuda a

entender por que o livro é a criação mais valiosa do homem. Revista Superinteressante. Doenças de concreto e vidro. Edição 53, ano 05, fevereiro de 1992.

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1920 a 1940 e do acréscimo de mais 16 na década de 1950. Nesse contexto

de avanço cultural, a idealização de um espaço de leitura era proclamada como

necessidade no estado de Goiás. Fato observável por meio da crônica Oxalá

não tarde do escritor goiano Ursilino Leão, escrita em 1952:

Uma biblioteca situada em ponto central e calmo, sistematizada e organizada, com instalações convidativas, possuindo obras variadas e atraentes, consumiria em breve, nossa absurda resistência à leitura, aos livros, ao estudo. Oxalá não tarde essa biblioteca, que vem forçando a própria existência [...]. O século XX descobriu que só mesmo bibliotecas públicas, inúmeras e perfeitas, trarão ao povo a cultura de que necessitam para se guiar, neste mundo, revolto por antagonismos, demagogias e maus profetas. Século do homem do povo, lhe é imprescindível à colaboração das bibliotecas públicas (Jornal do Estado,

seção Cidades, de 6 a 12 de janeiro de 2007).

A crônica de Ursilino Leão expõe a urgência da criação de um espaço

de cultura público, um espaço de formação crítica para atuação também crítica

dos sujeitos na realidade desvelando antagonismos, demagogias e falsos

profetas. O século do povo e para o povo necessitava ser composto de

bibliotecas inúmeras e perfeitas proclamadas a partir de um ideal em termos de

localização, estrutura e acervo. Com elas, a resistência aos estudos e à leitura

poderia ser substituída pela adesão e pela participação política promovida pelo

pensar acerca da cultura materializada em livros e outros impressos. A

proposta de avanço cultural no estado de Goiás atingiu Anápolis no mesmo

período (década 1950). Uma perspectiva promissora de futuro, de idealização

foi anunciada, como expôs Freitas (2007, p. 35-36), na Revista A

Cinqüentenária, publicada em 19575:

Daqui a cinqüenta anos... os anapolinos do futuro, por certo, serão milhões. Grandes jornais, grandes revistas, com monumentais oficinas montadas em gigantescos edifícios, iluminados com a energia do átomo, farão por certo uma extraordinária festa para comemorar o centenário de Anápolis, com aparelhos de velocidade super-sônica cortando os céus citadinos, veículos atômicos e objetos estranhos circulando por ruas calçadas com pisos plásticos,

imprensadas entre aranha-céus que atingirão as nuvens. (FREIRAS, 2007, pp.

35-36)

Para o autor citado, a história desse município abrange duas fases. A

primeira, que compreende o período de 1957 até o final dos anos de 1970,

revela o crescimento contínuo da cidade, com a ampliação da urbanização em

razão de investimentos públicos visando esse desenvolvimento. A segunda,

5 A Revista A cinqüentenária foi uma produção feita em homenagem aos 50 anos de Anápolis.

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manifestada a partir dos anos de 1980, aponta o declínio do crescimento

populacional do município e a priorização de investimentos e incentivos fiscais

à iniciativa privada. Fator que privilegia apenas grupos sociais detentores de

capital econômico. No âmbito cultural, as décadas de 1970 e 1980 são

marcadas pelo auge do cinema e do teatro.

Um dos aspectos percebido na comemoração dos cem anos de Anápolis

foi o binômio: passado glorioso e presente precário em relação ao

desenvolvimento cultural e político do município. Cidade que completou cem

anos de elevação como cidade em 2007 e, em razão disso, muitos aspectos de

sua história foram revividos, (re) constituídos. A efervescência cultural do

município compreendeu o período de 1920 a 1980. De acordo com o jornal O

Centenário, entre as décadas de 1920 a 1940, Anápolis tinha pelo menos sete

grupos de jazz, seis bandas musicais, uma grande quantidade de maestros,

compositores e cantores6. Essa rica cultura envolvia também outros eventos:

teatro, cinema, saraus etc. Para o escritor Paulo Nunes Batista, a cultura

anapolina antes de 1964 era rica: “A cidade tinha até três jornais, sendo um

diário. Aconteciam reuniões da AGI (Associação Goiana de Imprensa), com

jantares culturais, com espaço para a poesia e a prosa. Era muito dinâmico”.

Esse mesmo escritor, assim como o médico e poeta Jarbas de Oliveira,

lamenta o declínio cultural do município.

Passado glorioso e presente precário foram também expostos em

relação às bibliotecas. Na tentativa de reconstruir ou constituir a história dos

espaços de leitura, a partir de um caminhar que se fundamenta nas origens

dessas instituições, ou mesmo no período anterior a elas, pois o tempo em que

um espaço é criado se difere do tempo em que ele foi idealizado, busca-se

entender qual o papel da biblioteca (o espaço reservado a ela) na sociedade.

Os sentidos, as representações sobre ele construídas podem ser capazes de

promover discussões acerca da escrita na sociedade, consequentemente da

responsabilidade da escola em relação à formação de leitores críticos. Não

somente isso, é necessário verificar que o ato de ler na biblioteca pública, de

ter acesso aos bens culturais que lá se instalam, não se limita aos leitores

6 O jornal O Centenário é resultado de um projeto idealizado como ensejo às comemorações

dos 100 anos da cidade. Ao todo são 14 números com temáticas variadas. A notícia mencionada foi retirada do jornal O Centenário. Aspectos históricos da cultura Anapolina. Ano 1, nº 4, setembro, 2007.

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escolarizados, se expande para além deles. A biblioteca deve ser pensada a

partir de seu lugar na cidade, de sua importância para os próprios citadinos. Na

Figura 01 vemos a Biblioteca Municipal “Zeca Batista”:

Figura 01 – Biblioteca Municipal “Zeca Batista”

Fonte: Acervo de Taw Ranon.

Nesse sentido, as seguintes indagações surgem: Quais sentidos de

bibliotecas foram construídos na cidade de Anápolis? Como tempos históricos

diferentes idealizaram suas bibliotecas? Quais e de que forma representações

sobre elas foram construídas? De que forma as políticas de formação do leitor

promoveram ações significativas para a formação e o funcionamento dessas

bibliotecas? Quais as funções a elas delegadas tendo em vista as

caracterizações que as delineiam? Qual o alcance dessas bibliotecas na

sociedade, na vida e na formação de leitores?

Percurso teórico e metodológico

A História Cultural será capaz de fornecer os subsídios para a

constituição desta pesquisa. Vinculada ao movimento da Escola dos Annales,

difundido a partir de 1929 na França, teve como representantes Le Goff, Lucien

Febvre, Marc Bloc entre outros. Esse outro modo de compreender a história

enquanto disciplina legitimada propõe um diferenciado olhar acerca do fazer

histórico, ou seja, apresenta um confronto, de certo modo, com o paradigma

tradicional em que a realidade social era reconstruída pelos grandes feitos

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históricos e pelas grandes personalidades. A história vista “de baixo” põe em

cena temas cotidianos e práticas de sujeitos comuns. Assim, toda atividade

humana torna-se possível de ser contada. Daí os estudos acerca de novos

temas como a história das mulheres, da infância, do além-mar, do vestuário, da

leitura, da loucura etc., e de novos objetos como a pintura, o livro, a fotografia,

as cartas entre outros.

Tendo em vista essa amplitude, a nova história se propõe a dialogar

com outras áreas do conhecimento tais quais a sociologia, a antropologia, a

arte, a literatura, a economia etc., ocasionando com isso um olhar múltiplo para

o objeto a ser pesquisado, uma vez que, de acordo com Burke (1992), a

realidade é social e culturalmente construída. Por esse caminhar, a História

Cultural passa a ter como propósito, a partir dos estudos da terceira geração

que a integra, “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma

determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER,

1990, p. 15-16). Reconstrução que parte da premissa de que as

representações do mundo social são determinadas pelos grupos que as forjam.

Para Chartier (1990):

As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação. (CHARTIER, 1990, p. 17)

Poder e dominação que tentam delinear a partir da imposição de certos

grupos a concepção do mundo social. Caracterização da realidade tal como o

grupo pensa que ela é ou gostaria que fosse. Em função disso, dá-se

importância, como afirma Chartier (1990), aos discursos proferidos com a

posição de quem os profere. Por esse percurso, é necessário compreender de

que forma as representações de uma biblioteca vem sendo reconstruídas no

decorrer dos tempos, de que maneira essas representações estão vinculadas

ao avanço ou ao “declínio” cultural da cidade de Anápolis. O estudo das

representações, como expôs o autor citado, têm tanta importância quanto as

lutas econômicas. Junto a ele se alia o estudo sobre as práticas e as

apropriações de leitura.

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O sonho de uma biblioteca universal, por exemplo, sempre excitou as

imaginações ocidentais (CHARTIER, 1999). Uma biblioteca capaz de abarcar

todos os saberes produzidos pela humanidade, uma forma de poder que

acabou sendo, no decorrer dos tempos, idealizada também por príncipes,

bibliófilos e particulares. O mito de Alexandria foi reconstruído por uma das

protagonistas da pesquisa de Melo (2007) ao reviver a história da Biblioteca

Pública Municipal de Goiânia. História marcada por deslocamento, entendido

como ausência de um lugar determinado para o espaço de leitura da biblioteca.

Segundo a autora citada, as andanças da Biblioteca Pública Municipal de

Goiânia expõem:

Ao mesmo tempo, a fragilidade dos discursos populistas do poder sobre a criação de espaços de leitura e sua incapacidade de dotá-los de políticas públicas consistentes de formação de leitores e também a tolerância dos leitores, que, cansados dos lugares adaptados, esperam um espaço de prazer e adequação para suas leituras. (MELO, 2007, p. 89)

Na tentativa da efetivação do lugar da biblioteca como espaço praticado

de leitura, a recomposição da memória dos protagonistas da pesquisa de Melo

(2007) ora se apresentaram como aceitação do passado, ora como

reconceituação de um passado que se faz presente. Para Halbwachs (2004), o

passado não é conservado, é reconstruído com os olhos no presente. A

memória não emerge na íntegra como em um espelho, é influenciada e se

apóia na memória coletiva do grupo de pertencimento do indivíduo, e é

constantemente alimentada por esse processo. O grupo é o suporte da

memória coletiva, cujos elementos são as memórias individuais. O ser só torna

público suas lembranças quando essas são aceitas. Em razão disso, apenas é

lembrado ou expresso o que tem significado para o grupo, o que tem

significado em um determinado momento histórico. Por isso a memória é

seletiva. Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir com imagens e idéias

de hoje as experiências anteriores. A memória não é sonho, devaneio, pois o

limite entre o sonho e a realidade é muito tênue. A memória é, pois, objetiva e

subjetiva ao mesmo tempo, num movimento contínuo de transformação, em

que o tempo modifica a releitura do que foi vivido.

O entendimento da memória supõe entender a construção de uma

realidade plural, em que diferentes perspectivas abarcam um objeto de estudo,

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no caso, a própria biblioteca. Uma apreensão que revela a importância da

escrita da história não apenas a partir de documentos impressos, mas também

por meio de narrativas. Na pesquisa de Melo (2007: 88), o espaço da Biblioteca

Pública Municipal de Goiânia emergiu enquanto diferenciação: de um lado, ela

foi percebida / retratada como uma grande e suntuosa biblioteca, discurso

expresso por Dona Julieta; de outro, como um depósito inerte de livros, “um

mero depósito de livros empoeirados”, como expôs Sr. Gesco.

Outro estudo trouxe a discussão dos deslocamentos das bibliotecas

públicas. Assim como acontece no histórico da Biblioteca Municipal Zeca

Batista em Anápolis. Caracterização que marca a história das bibliotecas e dos

gabinetes de leitura do Rio de Janeiro no século XIX, de acordo com

Schapochnik (2005), e continua marcando novas histórias. A

constituição/reconstituição de algumas das bibliotecas públicas no Brasil

expressa o descaso com a concretização dos espaços legitimados de leitura. A

ausência de um lugar determinado, fixo, dificulta a possibilidade de a biblioteca

se constituir como tal. Constituir-se como uma instituição de acesso à cultura,

de formação do leitor crítico.

No período de 1810 a 1900, havia 191 bibliotecas espalhadas pelos

territórios brasileiros. As décadas de 1861 a 1880 marcam o boom da criação

desses espaços, 108 bibliotecas, uma delas presente no estado de Goiás.

Schapochnik (2005) as caracteriza pelas seguintes modalidades: bibliotecas

públicas, bibliotecas associativas e bibliotecas populares. Dois modelos

biblioteconômicos definiam as bibliotecas públicas naquele momento criadas,

primeiro modalidade de biblioteca: o modelo anglo-saxônico, vinculado ao

espírito associativo, favorecia uma rede de bibliotecas com objetivos

determinados (religiosos, morais, filantrópicos) e o modelo francês

caracterizava a biblioteca como um lugar aberto ao público de forma gratuita e

com horário fixado. Tanto o horário quanto as instruções normativas desses

espaços refiguravam o público a eles destinado. Essa primeira modalidade de

biblioteca era de responsabilidade do estado que atribuía a essas instituições

“a função de conservação do acervo e a difusão do saber acumulado quase

que exclusivamente a uma audiência constituída por eruditos e estudiosos

locais” (SHAPOCHNIK, 2005, p. 234).

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A segunda modalidade era constituída pelos gabinetes de leitura ou

bibliotecas associativas. Lugares de caráter privado e, em muitos casos,

custeados por comunidades estrangeiras radicadas em terras brasileiras.

Essas bibliotecas e gabinetes constituíam-se em espaços masculinos de

sociabilidade. Todavia o empréstimo de livros favorecia as práticas de leitura

domésticas, as práticas de leituras femininas. E, por fim, a terceira modalidade

implantada no Brasil a partir de 1870 foi chamada de biblioteca popular.

Instituição pública, aberta a todo tipo de leitor. Entretanto esse espaço

legitimado de leitura era muitas vezes visto como moralizador e civilizador, uma

vez que o acervo que o constituía estava vinculado à complementação da

instrução elementar. A biblioteca popular acabava, nesse caso, reforçando “o

papel delegado” à escola. Esse espaço de leitura era mantido por iniciativa de

particulares (lojas maçônicas, letrados, negociantes, simpatizantes do

abolicionismo, grupos políticos) com auxílios municipais e provinciais.

Lopes (2008) descreve também a trajetória da biblioteca pública

percorrendo a constituição desse espaço na Europa, América e, em especial,

no Brasil. Segundo ele, apoiando-se em outros autores, a biblioteca pública

atualmente se assemelha às primeiras bibliotecas européias, mantidas por

doação e contribuição pública, sendo elas gerenciadas pelos administradores

municipais. A preocupação com leitores populares fez com que coleções

específicas fossem criadas, adaptando leituras clássicas para que a

“compreensão” da leitura fosse efetivada. No Reino Unido, criaram-se impostos

para manutenção desses espaços. Espaços que se constituíram marcados por

punições, censuras, controle de livros e de leitores. A influência da escrita, o

poder que ela exercia (exerce) fazia com que as publicações (aceitas para

circulação) veiculassem a ideologia do poder. Isso, no Brasil, era controlado

por órgãos do governo como o Instituto Nacional do Livro (surgido em 1937) e

o Serviço Nacional de Biblioteca (criado em 1961). Ter a posse do livro

significava ter um discurso legitimado, controlado; leis, para isso, foram criadas.

Portanto, entender histórias de bibliotecas pressupõem analisar o poder da

escrita e do livro na sociedade.

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Considerações Finais

A pesquisa de Shapochnik (2005) comprova a existência de uma rede

de bibliotecas no Brasil no período anterior ao século XX, período marcado

pelo alto índice de analfabetismo. Evidencia inclusive ideologias de constituição

desses espaços, da mesma forma como ocorre em outros estudos que

envolvem a discussão dos livros e das bibliotecas, tais quais de Lopes (2008) e

de Melo (2007). O século XX, em determinado momento da história de

Anápolis, caracteriza-se pela constituição de uma cultura rica que é

evidenciada com nostalgia no século XXI. Com certeza essa rica cultura se

encontra entremeada por acontecidos nacionais ou internacionais, haja vista a

Marcha para o Oeste, o avanço da industrialização, as épocas de grande

censura etc. Reviver a história das bibliotecas públicas supõe tentar apreender

esse espaço como “„lugar praticado‟ por „operações‟ do sujeito histórico nos

„tempos‟ construídos pelo imprevisto, pelo descontínuo, pela falha, pelo

lacunar”, assim como fez Melo (2007, p. 20).

Na busca por essa “história parcial”, de uma percepção de um

“presente-passado”, esta pesquisa tem a pretensão de dialogar com diferentes

protagonistas, os quais participaram não apenas da composição dos espaços

de leituras, mas também viveram tempos marcados por certas riquezas. O

diálogo com essas narrativas será feito a partir de documentos históricos,

notícias veiculadas em jornais e períodos, produções decorrentes de

acontecimentos importantes em Anápolis como o aniversário de cinquenta e de

cem anos do município, além de pesquisas resultantes de teses e dissertações.

Enfim, a intenção é não apenas reconstruir histórias, mas sobretudo

conhecer como essas construções se efetivaram e se efetivam como

resquícios de um passado a partir de um presente que se repete, por exemplo,

no descaso ou não com as bibliotecas. Os laços que unem presente e passado

apontam a necessidade da superação ou não de um discurso que insiste em

permanecer! Para entender o papel da biblioteca é preciso percorrer a trajetória

de sua constituição, as realidades que a constituíram (e a constituem), as

representações e os sentidos criados, a efetivação dos lugares em espaços

praticados de leitura. É preciso ainda entender a biblioteca na cidade, para os

citadinos, com todas as implicações daí decorrentes, tanto as que envolvem as

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discussões acerca do leitor e da leitura, das políticas de leitura, como as que

definem a constituição da biblioteca em contextos urbanizados, sob preceitos

de modernidade e civilização.

Referências:

BORGES, H. C. História de Anápolis. Goiânia: Cerne, 1975. CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. CHARTIER, R. A história cultural, entre práticas e representações. Rio de Janeiro, RJ: Editora Bertrand Brasil, S.A., 1990. ______. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora UNESP/Imprensa Oficial do Estado, 1999. FREITAS, R. A. Anápolis, fundos públicos e expansão urbana; 1957 – 1997. In: TOSCHI, Mirza Seabra (Org.). 100 anos: Anápolis em pesquisa. Anápolis: [s.n.], 2007 (Goiânia: E.V.). HALBWACHS, M. A memória coletiva. Tradução Laís Teles Benoir. São Paulo: Centauro, 2004. LOPES, L. M. Biblioteca Pública Municipal Rosulino Campos: memória, história e leitura. Goiânia, Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, UFG, Goiânia, 2008. MELO, O. M. F. A invenção da cidade: leitura e leitores. Goiânia: Editora da UFG, 2007. SCHAPOCHNIK, N. A leitura no espaço e o espaço na leitura. In: ABREU, M. & SCHAPOCHNIK, N. (Orgs.). Cultura letrada no Brasil: objetos e práticas. Campinas, SP: Mercado das Letras, Associação de Leitura do Brasil (ALB); São Paulo, SP: Fapesp, 2005. SILVA, E. T. Biblioteca escolar: da gênese à gestão. In: ZILBERMAN, R. (Org.). Leitura em crise na escola. 10. ed. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1991.

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TEATRO MUNICIPAL DE ANÁPOLIS: UMA ODISSÉIA

NO TEMPO

ELIZETE CRISTINA FRANÇA Resumo: O texto apresentado relata a trajetória do Teatro Municipal de Anápolis, desde as primeiras manifestações para a sua construção até a sua efetiva inauguração. Basicamente, procurou-se realizar, com base em documentos do Museu Histórico, a historicidade daquela edificação considerada como o “lugar aonde se vai para ver”. Palavras-chave: teatro municipal; histórico; Anápolis.

Introdução

vocábulo grego Théatron estabelece o lugar físico do

espectador, “lugar aonde se vai para ver” e onde,

simultaneamente, acontece o drama com seu complemento

visto, real e imaginário. Assim, o representado no palco é imaginado de outras

formas pela plateia. Toda reflexão que tenha o drama como objeto precisa se

apoiar numa tríade teatral: quem vê, o que se vê e o imaginado. O teatro é um

fenômeno que existe nos espaços do presente e do imaginário, nos tempos

individuais e coletivos que se formam neste espaço.

Sendo assim, desde a Grécia Antiga existia espaço para encenações e

no Brasil, o Teatro Municipal de Ouro Preto (MG) foi construído nos anos de

1746 a 1770, tornando-se o mais antigo teatro existente do continente sul

americano.

Em Goiás, o Cine Teatro “São Joaquim” é considerado o mais antigo e o

primeiro teatro do Centro-Oeste. Foi inaugurado em 1857, no Beco da Lapa, na

cidade de Goiás. Desse modo, após estas breves considerações, vamos ver

como surgiu o espaço físico teatro em Anápolis.

Espaços alternativos do teatro em Anápolis

De acordo com os relatos encontrados sobre a história da cidade, as

primeiras peças encenadas foram em homenagem à padroeira do município da

Historiadora (UFUMG), Especialista em Metodologia do Ensino de História (IBPEX-PR) e

Assessora Técnica do Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho” – MHABC da Secretaria Municipal de Cultura / Prefeitura de Anápolis.

O

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Vila de Santana das Antas, em 1893. Nesse período as apresentações

aconteciam nas residências dos festeiros responsáveis pela organização do

evento, já que ainda não existia um espaço físico adequado para tais

apresentações artísticas.

No decorrer dos anos, as encenações continuaram e na última metade

da década de 1920, o então Intendente Municipal, Adalberto Pereira da Silva,

resolveu destinar um local para se construir um edifício com palco, camarins e

assim receber com dignidade os artistas locais, que apesar de seus palcos

improvisados, continuavam seu trabalho artístico. O local destinado era situado

entre o Paço Municipal e a propriedade de Miguel Filho e sobrinhos, na Rua

Comercial, atualmente Manoel D‟Abadia, seria ali então o teatro da cidade.

Porém, tal intento não pode ser realizado, pois com a chegada da

Revolução de 1930, o Intendente Municipal foi deposto e, a partir daí, os seus

sucessores não tiveram o mesmo interesse na classe artística e o tão sonhado

espaço definitivo ficaria apenas na imaginação de muitos, mas, mesmo com

isso, as representações continuaram a acontecer nas residências de famílias

mais abastadas, onde as casas possuíam certo espaço e aconteceram depois

também nos cinemas, clubes, igrejas e praças, na medida que a cidade ia

crescendo e novos lugares iam surgindo como opção para as encenações

teatrais.

Com a chegada da estrada de ferro nos anos de 1935, a cidade

alcançou grande desenvolvimento econômico e social e, assim, os clubes

foram surgindo, os grandes colégios com palcos, todos esses espaços foram

de fundamental importância para que o teatro em Anápolis não desaparecesse

e vários grupos foram surgindo com o passar dos anos.

Em meados dos anos de 1960, foi criada em Anápolis a Sociedade

Artística Teatral de Anápolis – SATAN, e esse grupo estava sempre encenando

peças e precisava de um lugar adequado para os seus ensaios e

apresentações, foi então que, como relata a Professora Natalina Fernandes de

Cunha, em sua Dissertação de Mestrado (A História do Teatro em Anápolis):

Numa conversa com o Professor Brasil, o mesmo disse possuir uma edificação no terreno de sua residência na Rua Benjamin Constant onde funcionava uma oficina mecânica e se dispôs a transformá-la num espaço teatral. Do seu próprio bolso reformou o galpão e numa noite inesquecível para os artistas anapolinos foi inaugurado o Teatro de Bolso Oliveira Brasil (TBOB), em

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homenagem ao seu benfeitor, contando com a presença de pessoas ilustres da cidade inclusive o prefeito Sr. Jonas Duarte. (CUNHA, 2007, p.63)

Durante a década de 1960, muitos movimentos teatrais e a criação de

vários grupos de teatro na cidade movimentaram o Teatro de Bolso, e o espaço

se tornou pequeno, e os frequentadores começaram a reclamar do desconforto

das cadeiras, sua localização geográfica, apesar das promessas políticas o

incentivo não veio e não teve como reformá-lo ou melhorá-lo, e apenas depois

de várias movimentações e luta dos artistas só no início dos anos 1970, um

fato novo iria encher de esperanças a classe artística Anapolina, de acordo

com o texto de Cunha (2007):

O vereador Valmir Bastos veio alegrar os artistas. Foi pedida a inclusão no orçamento para o ano de 1971, de uma verba especial para a construção do Palácio da Cultura de Anápolis, onde funcionaria o Teatro Municipal. Tal requerimento, apoiado também pelo prefeito Henrique Santillo, seria o início da redenção do teatro local. (CUNHA, 2007, p.71)

Nos anos de 1970, apesar de todos os transtornos relacionados a

espaço para ensaio e apresentações, dificuldades financeiras para produzir, e

ainda a liberação da censura pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e

Social) a classe teatral Anapolina fez história, realizando vários espetáculos e

ainda criando outros, como o Festival Independente de Teatro de Anápolis

(FITA), o Festival de Tetro de Amador de Anápolis e movimentou, também, o

cenário artístico cultural não só de Anápolis, mas os de Goiânia e Brasília, e o

espaço cedido para tais apresentações foi o auditório do Colégio Estadual

“José Ludovico de Almeida”.

Com isso, os artistas anapolinos vão ter que esperar ainda alguns anos

para a concretização de um espaço específico para suas atividades culturais,

assunto debatido a seguir.

Consolidação do Teatro Municipal de Anápolis

Diante de tal movimentação artística e cultural os governantes voltaram

a falar na criação de um espaço cultural e sempre com a promessa de um

teatro adequado para as encenações e, assim, todos estavam ansiosos,

aguardando o aniversário da cidade no dia 31 de julho de 1976, quando seria

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inaugurado o esperado espaço, o que não aconteceu. Esse fato deixou os

artistas descrentes por muitos anos, mas havia uma obra em construção, como

relata o Jornal “Correio do Planalto”, de 26 de junho de 1981: “a cultura não

será prejudicada, pois se conservará o anfiteatro para as apresentações

teatrais, principalmente das grandes companhias”. Ainda nesse mesmo jornal,

de 25 de dezembro de 1981, podemos perceber que:

Em virtude da transformação do Espaço Cultural em Centro Administrativo a cultura da cidade, artista de todos os níveis e estilos, continuarão marginalizados da ebulição natural do município como um todo e sem um local adequado para suas apresentações, exposições e reuniões. Segundo define o nosso projeto em execução apenas o anfiteatro será conservado segundo o original e, mesmo assim, liberado somente para apresentações de gala e especiais. (Jornal “Correio do Planalto, de 25 de dezembro de 1981)

O Centro Administrativo foi inaugurado em 1982 e todos os órgãos da

Prefeitura foram transferidos para aquele local, situado entre a Avenida

Senador “José Lourenço Dias” e a Avenida Brasil, e dentro do edifício foi

construído uma espécie de auditório que era chamado de “Anfiteatro do Centro

Administrativo”, e somente em julho de 1984 esse anfiteatro foi inaugurado

para os artistas realizarem a II Mostra de Teatro.

Entretanto, o auditório não possuía todos os recursos técnicos e

dimensões adequadas para grandes espetáculos, assim em fevereiro de 1985

passou por uma grande reforma e transformação e o anfiteatro do Centro

Administrativo se tornou o Teatro Municipal de Anápolis, inaugurado em julho

de 1985 (Figura 01), pelo então Prefeito Anapolino de Faria, o grande

responsável pela construção do Teatro Municipal, que foi inaugurado

recebendo a III Mostra de Teatro.

Os artistas estavam em êxtase, uma luta de décadas chegara ao fim e a

felicidade era coletiva entre a classe, e que isso é percebido nos dizeres de

Cunha (2007):

O teatro novinho, belas cortinas, aparelhagem de som, os camarins iluminados para nós que nos maquiamos muitas vezes olhando em pedaços de espelhos fixadas na parede ali nas dependências de anfiteatro, aquilo era um sonho. (CUNHA, 2007, p.79)

Assim os anos de 1980 foram de glória para os artistas locais, um teatro

maravilhoso construído em estilo italiano e elogiado por artistas regionais e

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nacionais e que, na Figura 01 e 02 abaixo, percebe-se sua grandiosidade. As

mostras continuaram acontecendo e não só grupos de Anápolis, mas todo o

estado também participava, além das atrações em espetáculos fora da mostra.

Figura 01 – Teatro Municipal de Anápolis em 1985

Fonte: Acervo do “Biola”.

Figura 02 – Camarim do Teatro Municipal de Anápolis em 1985

Fonte: Acervo do “Biola”.

Nos anos 1990, o prédio do Teatro Municipal de Anápolis lindo,

imponente passou por alguns reparos básicos para sua manutenção, mas o

movimento artístico continuou e não só teatro, como também apresentações de

corais tinham seu momento de glória naquele espaço.

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Na virada do século XX, uma proposta de nova gestão do município iria

revolucionar toda a sociedade e, em 2001, o antigo Centro Administrativo deu

lugar ao tão sonhado espaço cultural, agora com a denominação de “Palácio

de Cultura”, abrigando as escolas culturais (dança, artes, música e teatro) e os

órgãos da Prefeitura foram espalhados pela cidade.

Contudo, o que não se esperava era que, apesar da existência do

Palácio da Cultura, os incentivos culturais não foram suficientes para manter

uma produção artística intensiva. Os grupos teatrais locais foram

desaparecendo e o Teatro Municipal foi também deteriorando e ficando cada

vez mais precário.

Em 2004, o Palácio da Cultura foi transformado novamente em Centro

Administrativo e as escolas culturais espalhadas pela cidade. Apenas o Teatro

permaneceu, mas bem sucateado e ficou assim até começar sua reforma em

2006.

Em dezembro de 2008 o Teatro Municipal, depois de passar por uma

reforma geral, abriu suas portas para receber novamente a cultura local, pois

enquanto o espaço estava sendo reformado, os eventos aconteciam no

auditório do SESC, da UEG e da UniEVANGÉLICA e, uma vez mais, os artistas

tiveram seu espaço digno de volta, o que se constata na citação sobre a

reforma e nas Figuras 03 e 04 a seguir:

De acordo com a diretora do teatro, Maria Zildene Guimarães Ferreira, tudo foi feito com muito cuidado, para preservar a arquitetura original do prédio. Na verdade fizemos uma restauração do prédio, que foi inaugurado em 1985, fomos fiéis a sua estrutura original. (Jornal “Saber +”, dezembro de 2008)

Figura 03 – Teatro Municipal em 2008

Fonte: Acervo do “Biola”.

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Figura 04 – Teatro Municipal em 2008

Fonte: Acervo do “Biola”.

A partir de 2009, uma nova gestão começou a trazer de volta para a

cidade a cultura tão esquecida nos últimos anos. Foi retomada a Mostra de

Teatro, o encontro de corais continuou, os espetáculos de dança e grandes

nomes nacionais visitaram o Teatro Municipal, como em setembro de 2009, a

apresentação do Grupo Jovem de Ballet “Bolshoi” no Brasil, e artistas e público

agradecem aos grandes eventos que vêm fazendo parte da agenda cultural do

município.

Em 2010 e 2011, o Teatro Municipal foi palco das mais diversas

atividades, inclusive o 1º Anápolis Festival de Cinema, em abril de 2011, e que

continuem as mostras, festivais e apresentações de todos os estilos artísticos,

pois o povo anapolino merece tais eventos e o nosso Teatro Municipal contribui

para a construção de parte da história cultural desse município.

Considerações finais

Esse breve texto mostrou um relato sobre a trajetória histórica do Teatro

Municipal de Anápolis – uma odisséia nos meandros da história teatral

Anapolina, mas temos a consciência de que, em função da grande

efervescência cultural que a cidade atravessa esse edifício, apesar de ser

confortável e adequado para as realizações dos eventos artísticos e culturais

de pequeno e médio porte, já se torna inadequado para o atendimento ao

grande público e maiores produções que atualmente prestigiam a nossa

querida Anápolis.

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Sendo assim, um novo espaço poderia ser construído para oferecer,

juntamente com o Teatro Municipal, uma opção a mais para a realização dos

eventos culturais.

Referências:

CUNHA, N. F. A História do Teatro em Anápolis. Goiânia, Dissertação (Mestrado em Gestão do Patrimônio Cultural) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, PUCGoiás, Goiânia, 2007. Jornal “Correio do Planalto”, de 26 de julho e de 25 de dezembro de 1981. Jornal “Saber +”, Edição nº. 005, Ano 01, dezembro de 2008.

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A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA COM O CINEMA NO

CINECLUBE “XÍCARA DA SILVA”

RONALDO PINTO MONTEIRO Resumo: O ensaio apresenta um breve relato da experiência cineclubista em Anápolis, a partir das atividades desenvolvidas pelo Cineclube “Xícara da Silva”. O movimento cineclubista vem enriquecer os debates sobre o cinema e as conseqüentes projeções dos seus filmes, trazendo aos anapolinos um local de fundamental discussão da sétima arte. Palavras-chave: movimento cineclubista; Anápolis; cineclube “Xícara da Silva”.

Introdução

ivemos atualmente em um mundo mediado pela presença das

imagens, e isto se deve principalmente ao surgimento das

novas mídias veiculadoras de imagens. As grandes

transformações que proporcionaram estas inovações começaram no século

XIX e se prolongaram por todo o século XX, como a fotografia, o cinema,

dentre outras, modificando profundamente a paisagem do mundo e o modo de

viver das pessoas.

O cinema com imagens em movimento passou a despertar sonhos,

paixões, ilusões e a interferir no modo de agir e de se comportar das pessoas,

estruturando-se como um novo agente de socialização. A televisão atingiu o

cotidiano das pessoas como nenhum outro meio de comunicação, tornou-se o

maior entretenimento doméstico do planeta, e agora se encontra em todos os

espaços públicos, determinando por meio de imagens a maioria dos assuntos e

informações que as pessoas dialogam diariamente.

Neste cenário de grande difusão e circulação das imagens, as pessoas

estão modificando a sua forma de compreender as coisas e de interagir com o

mundo, porque as imagens hoje estão presentes nas relações humanas, no

convívio social, estruturando um novo modo de percepção.

Assim, após essa pequena introdução, veremos um “local” de circulação

das imagens no mundo contemporâneo, o denominado cineclube, através de

discussão em dois tópicos: Definição e breve histórico do cineclubismo e O

Clube “Xícara da Silva” e sua análise fílmica.

Historiador (PUCGoiás), Pós-graduado em Filosofia (PUCGoiás) e em Cinema e Educação

(UEG) e Professor de ensino médio e universitário em Anápolis.

V

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Definição e breve histórico do cineclubismo

Quando se trata de definir no que consiste um cineclube, a concepção

mais geral e comum é que todo cineclube representa um espaço público onde

as pessoas se encontram para apreciar filmes, com o intuito de desenvolver um

olhar crítico sobre a cultura cinematográfica. Mas é importante ressaltar que o

cineclube não é apenas um lugar onde se exibem gratuitamente filmes para um

público, pois o cineclube proporciona uma multiplicidade de experiências com o

cinema.

De qualquer modo, entende-se que Cineclube é um movimento social e

cultural que contribui para a formação de um público crítico de cinema, e em

alguns casos para a formação de jovens cineastas, estimulando a produção de

filmes. Logo, cineclube é mais que um clube de cinema que reúne cinéfilos. Ao

debater filmes em um cineclube, realizam-se estudos da história do cinema, da

linguagem cinematográfica, dos temas dos filmes, e assiste-se a filmes das

mais variadas escolas cinematográficas, formando concepções plurais de

cinema, o que consiste em uma experiência enriquecedora. Mas como surgiu a

idéia de cineclube?

As primeiras exibições de filmes foram realizadas utilizando instrumentos

como os quinetoscópios, máquinas que mostravam fotografias em movimento,

criadas pela equipe de Thomas A. Edson, nos Estados Unidos. Outras

exibições aconteceram em Vaudeviles, teatro de variedades e nos Cafés em

Paris, que reuniam diversas pessoas. Só mais tarde surgiram as salas para a

exibição exclusiva de filmes, as salas de cinema.

Os clubes de cinema começaram a ser criados no início do século XX,

quando o cinema só possuía duas cores – o preto e o branco – , não conhecia

o som e não havia consolidado a capacidade técnica de contar uma história a

partir de uma sólida estrutura narrativa.

Em seu artigo intitulado Cineclubes e Clubes, Laurent Mannoni (1994)

ressalta que o primeiro cineclube foi criado no ano de 1907, em Paris, por

Benoit-Lévy, e, inicialmente, sua estrutura era composta por sala de reunião,

sala de projeção, biblioteca e boletim oficial do cineclube. Foi uma experiência

de curta duração, mas, a partir de 1920, as atividades cineclubistas foram

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retomadas e, logo depois, começam a surgir por toda a França os clubes de

cinema, oferecendo importantes contribuições para as vanguardas

cinematográficas francesas.

Em 14 de Abril de 1907, Edmond Benoit-Lévy, diretor da revista “Phono-

Ciné-Gazette”, anuncia a fundação do primeiro ciné-club, instalado na

Boulevard Montmartre, nº 5, em Paris, na sede do cinema Pathé e da futura

sociedade Omnia. Este cineclube oferecia aos seus membros, um lugar de

reunião, uma sala de projeção, uma biblioteca e um Boletim Oficial do

Cineclube. Tinha por finalidade “trabalhar no desenvolvimento e no progresso

do cinematógrafo de todos os pontos de vista”, mas “interditando toda

discussão religiosa ou política” (MANONNI, 1994).

A experiência com o cineclubismo no Brasil começou dentro dos

cinemas comerciais, porque no Rio de Janeiro, no início do século XX, algumas

pessoas debatiam os filmes ao final das exibições. Nasciam ali as reflexões

críticas, juntamente com uma tomada de atitude social diante de uma prática

cultural.

Em 1917 – antes, portanto dos cineclubes de Delluc e Canuto – já existia uma atividade típica, mas não formalmente cineclubista: o grupo do Paredão de Adhemar Gonzaga, Álvaro Rocha, Paulo Vanderley, Pedro Lima, entre outros que se reunia para ver e debater filmes, nos cinemas Íris e Pátria, no Rio de Janeiro. (Trajetória do Movimento Cineclubista Brasileiro)

Mas o marco inicial da história do cineclubismo brasileiro se dá com a

criação do “Chaplim Club”, no Rio de Janeiro, em 1928. Promovendo uma

discussão estética sobre o cinema, o “Chaplim Club” contribuiu para a

formação da cultura cinematográfica brasileira e para a estimulação da

produção de filmes. O clube de cinema de São Paulo foi fundado em 1946 e

passou a funcionar no Museu de Arte deste estado, onde foi criada “A

Fundação Cinemateca Brasileira”, que contribui para a preservação da

memória do cinema.

Neste período ocorreu a expansão do cineclubismo para várias outras

regiões do país e a Igreja Católica exerceu um importante papel neste

processo, oferecendo cursos e seminários para a formação de cineclubistas

através do OCIC – Ofício Católico Internacional do Cinema.

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A partir da década de 1950 começou a organização dos cineclubes

como um movimento social, através da criação das federações estaduais, da

criação do conselho nacional de cineclubes em 1961, e das jornadas nacionais

de cineclubes. Mas com a implantação do regime militar, muitos cineclubistas

foram perseguidos e cineclubes fechados. Esta ação fazia parte do

cerceamento das liberdades, prática adotada pelos militares que controlaram o

poder no Brasil.

A redemocratização do país na década de 1980 colaborou para que

muitos cineclubistas migrassem para outros movimentos sociais,

enfraquecendo o movimento cineclubista. “E a progressiva democratização da

vida nacional passa a atrair as lideranças dos cineclubes para os movimentos

sociais, políticos e partidários” (Trajetória do Movimento Cineclubista

Brasileiro).

Atualmente o movimento foi retomado, visando a uma maior organização

dos cineclubes. Em 2004 foi realizada a 24ª. Jornada em Brasília, e sua

representatividade está sendo fortalecida pelo Conselho Nacional de

Cineclubes, que vem retomando o diálogo com o governo federal através do

Ministério da Cultura (MinC), onde o objetivo é reivindicar políticas públicas que

garantam mais direitos para as pessoas em relação ao cinema, iniciativas que

podem contribuir para fortalecer a cultura do cinema no Brasil.

O Cineclube “Xícara da Silva” e sua análise fílmica

O cineclube “Xícara da Silva” foi fundado no dia 12 de dezembro de

2009, por um grupo de amigos que reúnem pessoas que atuam em diversas

áreas, como educação, cultura, direito, psicologia e estudantes do ensino

médio. Como são servidos chá e café em algumas sessões, o nome nasceu de

um jogo de palavras entre uma importante personagem da História do Brasil,

Chica da Silva, escrava que se transformou em dama da sociedade colonial ao

se casar com um rico nobre português, e a xícara de servir chá ou café.

As sessões são realizadas a cada 15 dias, aos sábados, às 17 horas no

SESC de Anápolis-GO, localizado no bairro Jundiaí. Em um dos sábados, o

segundo de cada mês, os filmes vistos são clássicos do cinema mundial e, por

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meio deles, procuramos conhecer o tema do filme, a linguagem do cinema

(recursos técnicos) e sua inserção na história do cinema.

No outro sábado, que corresponde ao quarto sábado do mês, sempre

são vistos filmes atuais. Neste caso, o estudo do tema se sobrepõe aos outros

aspectos, e, frequentemente o conteúdo do filme é confrontado com aspectos

da vida real, com situações vivenciadas pelas pessoas.

Apesar de saber dos problemas que os filmes nacionais enfrentam

quanto à produção, exibição e consumo, devido à concorrência da produção

internacional, os membros do cineclube optaram por não se fechar em ver

apenas uma linha de produção cinematográfica. Desta forma, no cineclube

“Xícara da Silva” são exibidos filmes dos mais diferentes lugares e

nacionalidades, inclusive filmes norte-americanos, que são julgados de boa

qualidade. A posição tomada é a de que a abertura para a diversidade

enriquece mais que o fechamento.

Quanto aos métodos de análise, adotamos os seguintes procedimentos:

quem indicou o filme começa a sessão fazendo uma breve apresentação do

mesmo; em seguida, o filme é exibido na íntegra; a mesma pessoa que fez a

apresentação provoca o debate, convocando a platéia a destacar os aspectos

que acharam relevantes no filme, segundo sua leitura particular; e por fim,

inicia-se o debate, atribuindo-se sentido às imagens e a construção de

imagens.

No cineclube “Xícara da Silva”, as pessoas que ali se encontram iniciam,

ao final de cada exibição, uma reflexão por meio de depoimentos de suas

percepções, compartilhando suas experiências estéticas, atestando o poder de

comunicação e de conhecimento do cinema, ou seja, compartilham os

significados dos filmes, criados individualmente, a partir de suas interpretações

pessoais. Assim, a reflexão revela-se, neste espaço, um processo de múltiplas

subjetividades, constituindo-se em uma prática educativa socializada.

No processo de reflexão, alguns aspectos são privilegiados, porque foi

definido em consenso entre os membros do cineclube, que era necessário

trilhar um caminho a partir de alguns referenciais como: imagem fotográfica,

papel do diretor, evolução da narrativa, temas propostos, contexto histórico,

interpretação dos atores e problemas existenciais do ser humano.

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Após um ano de participação no cineclube “Xícara da Silva”, é possível

avaliarmos o modo como interpretamos as imagens cinematográficas,

procurando confrontar estas experiências com as propostas de interpretação

do campo da cultura visual.

Em uma das reuniões que acontecem mensalmente, ainda quando

tratávamos dos rumos que deveria seguir o cineclube, um dos integrantes, Caio

Ribeiro, informou que seu objetivo no cineclube era: “compreender como os

filmes foram feitos, o que um diretor fez de criativo em seu filme, para que ele

possa aprimorar sua prática de produzir filmes”. Para ele, os grandes cineastas

oferecem lições de cinema.

Na mesma reunião, o estudante de direito Mário Henrique Alarcão

expressou sua opinião dizendo: “Acredito que no cineclube eu possa ver outros

filmes, filmes de outros países, filmes franceses, argentinos e japoneses. É

difícil ver esses filmes fora do cineclube”. Para ele, o cineclube oferece uma

maior diversidade de filmes, que não são vistos frequentemente pelo grande

público. Sua exposição confirma a máxima cineclubista de que o cineclube,

muitas vezes, exibe filmes que se encontram fora do grande circuito comercial

de cinema, mas também revela seu interesse por ampliar sua cultura sobre

cinema.

Outro registro interessante que deve ser mencionado é a fala do artista

plástico Rondinelli Linhares de Oliveira, pois o cinema pode contribuir com seu

trabalho na medida em que ele pode aprender muita coisa a partir de vários

aspectos que o filme oferece. Segundo ele: “Nos filmes eu gosto de observar

os diferentes enquadramentos, as cores, os detalhes de uma cena. É isso que

me atrai muito nos filmes, não me interesso muito pelo assunto do filme”.

Estes registros, coletados em alguns encontros dos membros do

cineclube “Xícara da Silva”, demonstram as diversas razões do porquê as

pessoas frequentam o cineclube e as motivações pelas quais elas se

relacionam com o cinema – são motivadas pela possibilidade de aprender com

os filmes, lendo imagens. O processo de interpretação tem finalidades pessoais

e, nesse caso, o cinema tem um papel social na vida de cada um deles.

O cineclubista Rodrigo Queiroz Dias, ao ser questionado sobre a razão

pela qual frequenta o cineclube, respondeu: “Para ter a oportunidade de

dialogar com outras pessoas sobre cinema e ver filmes que estão fora das

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exibições comerciais”. E quando foi interrogado sobre um filme importante visto

no cineclube este ano ele destacou: “Acredito que tenha sido: Morangos

Silvestres, devido a seu valor histórico para o cinema, e a interessante

mensagem que passa, bem como a relação com a condição humana”.

Suas afirmações ressaltam a importância do diálogo como um

procedimento que possibilita a elaboração de significados, neste procedimento

o entrelaçamento de ideias e posições de várias pessoas contribuem para a

construção coletiva do sentido dos filmes no cineclube “Xícara da Silva”.

O filme “Morangos Silvestres”, do diretor Ingmar Bergman, como tantos

outros para Rodrigo Queiroz trata da vida humana, e a partir da interação com

sua mensagem construímos saberes acerca dos problemas ou desafios que a

vida nos impõe, confrontando filme e vida, numa relação em que se parte do

cotidiano para compreender o filme, e do filme para se compreender o

cotidiano, o filme aborda aspectos da condição humana, enquanto os

indivíduos vivenciam tais condições, realidade e reconstrução da realidade se

confrontam e determinam o modo como olhamos e interpretamos as imagens.

Em seu depoimento, Mário Henrique Alarcão demonstra que uma de

suas preocupações é o cinema nacional, ou seja, a cultura cinematográfica de

seu país deve ser valorizada, para que esta possa oferecer resistência ao

domínio do cinema norte-americano no Brasil. Sua expressão acerca do

cinema brasileiro foi descrita da seguinte forma: “Penso que foi „Deus e o diabo

na terra do sol‟ o filme mais importante a que assisti no cineclube, e gosto dele

porque me faz querer lutar pelo cinema nacional”.

Na concepção do estudante de direito Mário, o que mais lhe chama

atenção em um filme é: “A temática pessimista ou „pesada‟, porque faz parte da

minha formação filosófica”. Além de sua formação intelectual, seus valores

acabam influenciando o seu gosto pelos filmes e sua prioridade por narrativas

que tratam do comportamento.

Ao interpretar o filme “Invasões bárbaras”, Mário mencionou: “Gosto de

pensar que no filme temos uma metáfora do conflito entre gerações e sobre a

queda do sistema socialista”. Imagens fílmicas que tratam da vida humana são

as que interessam a este estudante, que procura compreender os filmes que

abordam as relações entre as pessoas. O cinema que retrata o modo como

vivemos em sociedade é considerado importante para ele.

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Nas figuras que se seguem, vemos a exibição de um filme no I Encontro

em Anápolis de Cineclubistas do Centro-Oeste, evento realizado em 17 de abril

de 2011:

Figura 01 – Abertura doProjeção de filme no I Encontro em Anápolis de

Cineclubistas do Centro-Oeste

Fonte: Acervo de Ronaldo Pinto Monteiro.

Figura 02 – Projeção de filme no I Encontro em Anápolis de Cineclubistas

do Centro-Oeste

Fonte: Acervo de Ronaldo Pinto Monteiro.

O cineclube, portanto, é um espaço de problematização de imagens,

espaço onde se vivem experiências de decifrar imagens por meio de um

processo estético dialógico compartilhado. A relação que as pessoas

estabelecem com o filme é mediada pela reflexão, que se configura em uma

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ação de estar pensando o cinema, e todo o processo ocorre através de olhares

múltiplos e saberes compartilhados na experiência de ver filmes.

Considerações finais

Pelos registros e depoimentos mencionados anteriormente, podemos

perceber que os membros do cineclube “Xícara da Silva”, se relacionam com o

conteúdo das imagens fílmicas, procurando problematizar as interpretações

construídas a partir das imagens, o que torna a experiência com o cinema no

cineclube, uma prática social de aprendizagem enriquecedora.

A atitude humana de interpretar filmes corresponde a um novo modo de

ver imagens, significa tomar o filme como uma fonte de conhecimento,

superando a concepção de que o cinema é apenas um instrumento de

entretenimento. A partir dos filmes podemos aprender valores, vivenciar outras

experiências, pesquisar informações sobre diversos assuntos, recordar

acontecimentos passados, denunciar as injustiças sociais, refletir sobre os

problemas existenciais do ser humano, conhecer outras culturas, preservar a

história e a memória de um povo, relativizar nossas concepções de tempo e

espaço, ou seja, a partir do cinema podemos ampliar nossos conhecimentos e

modificar nossa visão de mundo.

Referências:

MANONNI, L. Cineclubes e Clubes. In: Dictionnarie du cinéma mondial: mouvements, écoles, courants, tendences et genres (Éditons du Rocher. Jean-Paul Bertrand Éditeur. 1994. P.170-175). Disponível em: http://preservacaoaudiovisual.blogspot.com/2008/12/cineclubes-e-clubes.html. Acesso em 28 de novembro de 2010. Trajetória do movimento cineclubista brasileiro. Movimento cineclubista no Brasil / Conselho Nacional de Cineclubes. Disponível em:http://cineclubes.org.br/tiki/TRAJET%C3%93RIA+DO+MOVIMENTO+CINECLUBISTA+BRASILEIRO. Acesso em 24 de novembro de 2010. Registros colhidos em reuniões do grupo local do Cineclube “Xícara da Silva”, em 27/11/2010 – números 1, 2 e 3.

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VILA JAIARA: PRIMÍCIAS DA INDÚSTRIA TÊXTIL EM

ANÁPOLIS

DANIEL ARAÚJO ALVES

Resumo: O texto descreve o histórico da Vila Jaiara, um dos primeiros bairros da cidade de Anápolis, relacionando o seu surgimento com a expectativa da instalação da indústria têxtil no município. Além disso, mostra um breve comentário sobre a percepção do processo histórico de concretização do bairro dentro da historiografia Anapolina. Palavras-chave: indústria têxtil; Vila Jaiara; Anápolis.

Introdução

omo decorrência natural do boom econômico gerado pela

Estrada de Ferro Goyaz – EFG, Anápolis entrava na década de

1940 sob os auspícios da “fartura”. A cidade se desenvolveu ao

embalo de um significativo progresso industrial e comercial. Dentro desse

processo, a primeira grande fábrica de Anápolis se estabeleceu na Vila Jaiara,

junto à Rodovia Anápolis – Colônia Agrícola, atual cidade de Ceres. O

loteamento do bairro se dá anteriormente à construção da fábrica de tecidos,

mas como conseqüência da futura instalação desta.

Sendo assim, apresentamos um breve histórico da Vila Jaiara,

contextualizando o processo histórico de efetivação da indústria têxtil no

município, através dos seguintes tópicos: A Vila Jaiara na historiografia

Anapolina e, também, Entre fios e teares nasce um bairro.

A Vila Jaiara na historiografia Anapolina

A historiografia Anapolina é muito limitada no que tange à história do

loteamento da Vila Jaiara e a construção da fábrica de tecidos “Companhia

Goiana de Tecelagem e Fiação de Algodão”, sendo este um dos primeiros

bairros de Anápolis e também tendo a fábrica como o primeiro estabelecimento

Graduando em História (UEG), Coordenador dos projetos “Jaiara um Bairro de Amor” e

“Nossas Raízes Familiares”. Pesquisador do Projeto “Anápolis Resgate Histórico Fotográfico” da Prefeitura de Anápolis em parceria com a empresa Midiacom e Assessor Técnico do Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho” da Secretaria Municipal de Cultura, Prefeitura de Anápolis.

C

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a fabricar tecidos em Goiás. A memorialista Haydée Jayme Ferreira (1979), em

sua obra Anápolis sua vida, seu povo, pouco discorre sobre essa história,

apresentando falas sobre os anúncios propagandísticos de jornais acerca da

Vila Jaiara. No texto desta autora, também é mostrada uma pequena inserção

da origem do nome do bairro e a relação com o seu fundador. Na obra de

Amador de Arimathéa (2007), Anápolis suas ruas – seus vultos – nossa

história, a menção sobre o bairro não passa de uma descrição rápida,

caracterizando-se na mesma linha de análise do processo histórico da autora

retrocitada. Os outros autores da chamada historiografia Anapolina, de igual

forma, sequer fazem referência mais detalhada sobre a história da Vila Jaiara.

Ou seja, não há nenhuma obra que analise cientificamente a história deste

bairro, com uma interpretação de sua historicidade focada entre a vila operária

e a indústria têxtil.

Entretanto, existe uma farta documentação histórica da Vila Jaiara, que

pode ser encontrada em jornais, revistas e em outros documentos oficiais.

Dentre esses podemos citar o Jornal “O Anápolis”, Revista “Imagem Atual”,

Revista “A Noite Ilustrada” – edição narrando à inauguração de fábrica de

tecidos em 1951, e o arquivo documental de Luiz de Godoy, que hoje está sob

responsabilidade de sua filha, Yara de Pina Godoy. Porém, como já dissemos

praticamente não foram explorados pelos autores anapolinos, pouca

importância se deu à história da indústria têxtil em Anápolis, que foi a primeira

fábrica têxtil do Estado.

Outro fator a levar em consideração é compreender a história da Vila

Jaiara como bairro operário, dependente da fábrica de tecidos, pois é

impossível querer separar esses dois pontos, ambos estão completamente

relacionados.

Entre fios e teares nasce um bairro

Em 18 de julho de 1946, uma publicação propagandística no jornal “O

Anápolis” descrevia o novo loteamento da seguinte forma:

Vila Jaya‟ra. Um bairro novo e diferente que está seguindo no alto da Reboleira. 1.100 metros de altitude. Panorama deslumbrante. Ótima aguada. Junto ao quilômetro 4 da Rodovia para a Colônia Agrícola. Lotes para

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residências e chácaras. Vendas a dinheiro e a prestações. Reserve desde já o seu lote. Vendas e informações. Escritório Godoy – Rua 15 de Dezembro – 2 – Fone 72. Antenor Silva – Rua 14 de Julho – 15. Anápolis – Estado de Goiaz. (O Anápolis, Ano XII, nº 597. 18 de julho de 1946)

O bairro foi planejado no início de 1946 e começou a ser habitado em

1948, isso se deu pelo empreendedorismo do engenheiro Luiz Caiado de

Godoy, que loteou e fundou a vila. O nome surgiu da junção do nome de dois

de seus filhos, Jairo e Yara, formando então, Jayara. A grafia oficial do bairro é

Jayara, aparecendo até mesmo nos mapas urbanos da Prefeitura, porém a

forma utilizada hoje é Jaiara, trocando o “y” pelo “i”, desconhece-se o motivo de

tal alteração, podendo ser ocasionadas pelas reformas ortográficas efetuadas

na Língua Portuguesa.

As primeiras atividades desenvolvidas na Jaiara conferiram-lhe desde o

início feições de bairro operário, atraindo inúmeras pessoas que iam para

trabalhar e aí residir. Em sua origem, vemos que a Vila Jaiara teve o seu uso

destinado ao comércio local, e residências de pessoas menos abastadas,

principalmente os operários da fábrica de tecidos.

Luiz de Godoy nasceu na cidade de Goiás em 21 de agosto de 1898,

filho de família influente, chegou a Anápolis na década de 1920. Foi chefe por

muitos anos do “Campo Experimental do Trigo”, inclusive desenvolvendo uma

pesquisa comprovativa que Anápolis tinha um clima excelente para a cultura do

cereal. Trabalhou no programa “Marcha para o Oeste” e na construção da

“Colônia Agrícola Nacional de Goiás” (Ceres). Também foi chefe do

“Departamento Nacional do Café – DNC” em Goiás, embora pertencendo à

família Caiado, este se colocou ao lado do Golpe de 1930, liderado por Getúlio

Vargas, que teve em Goiás como liderança a pessoa de Pedro Ludovico

Teixeira, o qual foi o primeiro interventor federal no Estado.

Casou-se com Maria de Pina, natural de Pirenópolis, morando o casal

sempre em Anápolis. Luiz de Godoy era um “getulista fervoroso”, tanto que um

dos logradouros da Vila Jaiara, recebeu posteriormente o nome de Avenida 24

de Agosto, data da morte do presidente Getúlio Vargas.

Na Figura 01, vemos a construção da fábrica de tecidos em 1949:

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Figura 01 – Construção da fábrica de tecidos em 1949

Fonte: Acervo Onofre Rezende, em destaque a pedra fundamental ao fundo e a Av.

Fernando Costa à direita.

Sabendo da construção da fábrica de tecidos na região, até mesmo por

que sua esposa era familiar dos industriais, loteou parte de suas terras que

ficavam junto a Rodovia Anápolis – Colônia Agrícola, saída para a região Norte

do Estado. Tendo inclusive, um posto fiscal na entrada do bairro, no qual os

veículos que transportavam mercadorias deveriam parar obrigatoriamente, de

acordo com a figura:

Figura 02 – Posto de arrecadação fiscal, Av. Fernando Costa esquina com

a Rua Goiânia.

Fonte: Acervo de Saulo Sardinha, Em destaque o precário posto fiscal com sua cancela e o posto de combustíveis Atlantic ao fundo.

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A fábrica distava cinco quilômetros da cidade de Anápolis, nesse

sentido ficaria muito difícil a locomoção dos operários para o trabalho, foi

quando entrou o interesse imobiliário. De acordo com Revista “Imagem Atual”

(1986), a ocupação do bairro se deu inicialmente pela:

(...) parte direita da Avenida Fernando Costa, cuja área pertencia ás fazendas Gomes e Reboleira. Entretanto, o progresso efetivo ficou retardado até o dia 15 de agosto de 1946, quando foi lançado o manifesto de fundação da Companhia Goiana de Tecelagem, a conhecida tradicionalmente “Vicunha S/A – Indústrias Reunidas. (Revista “Imagem Atual”, 1986)

Já em 1947, o marketing propagandístico no jornal “O Anápolis” ficou

mais intenso e convidativo, inclusive com a promessa breve de instalação de

“escola, hospital, igreja, praça de esportes e linha de ônibus ligando ao centro

de Anápolis” (O Anápolis, Ano XIII, nº 688. 19/06/1947). No entanto, partes das

promessas começaram a ser efetivadas cinco anos após, outras depois de

décadas, visto que a legislação que obriga os empreendedores imobiliários a

dotar os bairros de uma estrutura básica é recente. Ou seja, não havia

nenhuma obrigação que trouxesse tais benefícios, sobrando então para a

administração municipal, que arrastava a situação por vários anos. Isso será

incorporado no discurso dos políticos que apareciam somente na época das

eleições, quando comícios eram feitos em cima de caminhões, com a

apresentação de duplas sertanejas, sendo a única atração da localidade.

Nessa época, tais políticos utilizavam da barganha e prometiam resolver os

problemas estruturais para ganhar os votos da população do bairro.

Figura 03 – Av. Fernando Costa, destacando-se a fábrica de tecidos em

1951

Fonte: Acervo de Yara de Pina Godoy.

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No início do século XX, quando a industrialização brasileira toma

impulso, havia uma deficiência de mão-de-obra especializada para o trabalho

industrial, o que levou os empresários a construírem vilas operárias próximas

aos complexos industriais, para alojarem de forma estável seus operários.

Como podemos ver pela seguinte reportagem:

Procurando facilitar a vida do operário e a sua convivência com a família, a Companhia Goiana de Fiação e Tecelagem de Algodão constrói uma vila operária em seus terrenos. Encontram-se prontas 32 casas de diversos tamanhos, todas dotadas de água encanada, luz, aparelhamento sanitário, etc., ficando assegurado ao operário e à sua família o necessário confôrto e higiene. A construção de novas casas prossegue ativamente – inclusive a de uma escola de alfabetização, já funcionando – para o que a Companhia dispõe do aparelhamento próprio. (A NOITE ILUSTRADA: 1951)

A primeira casa da vila foi construída em 1948, e também servindo como

mercearia chamada “Casa do Povo”. Ficava logo na entrada do bairro,

pertencendo ao senhor Antenor Silva, um dos responsáveis pela venda dos

lotes. Nesse mesmo período várias casas de comércio e pequenos armazéns

foram surgindo ao longo da Rodovia, que acabou recebendo um pouco depois

o nome de Av. Fernando Costa, este foi ministro da Agricultura no Governo

Vargas e amigo de Luiz de Godoy. A Rodovia era muito movimentada,

sobretudo, pelos caminhões que vinham diariamente abarrotados de arroz,

feijão e café produzidos no Centro-Norte goiano, com destino aos armazéns e

o consequente despacho por via-férrea em Anápolis. Já em 1951, inaugura-se

a fábrica de tecidos, e o movimento aumenta ainda mais.

O lançamento da segunda etapa do loteamento da Vila Jaiara, se dá em

1950, só que agora sob as mãos da fábrica de tecidos, que adquiriu todo o

terreno a margem esquerda da Av. Fernando Costa, fazendo então um grande

empreendimento imobiliário como se nota:

(...) Na área de 30 alqueires pertencente à Cia. Goiana de Fiação e Tecelagem de Algodão e onde se situa a Vila Jayára, está o futuro parque industrial de Anápolis. Realizando um loteamento, a Companhia vendeu imediatamente 560 dos 1.850 lotes que o compõem, verificando-se um interesse crescente pelo negócio, não só em face do brilhante futuro reservado ao local, como também pela modicidade dos preços e facilidade de pagamento. (Idem)

A Cia. Goiana de Fiação e Tecelagem de Algodão funcionou até 1958,

quando a fábrica foi adquirida por um grupo de empresários chineses,

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denominando-se então “Anatex Indústria Têxtil”. Nesse período as atividades

fabris se expandem, levando a ampliação da fábrica. Porém, em 1972 a

situação complicou-se e se desfechou num decreto de falência da empresa.

Com isso, assume a direção da mesma, o capitão Waldir O‟Dwyer como

síndico da massa falida. Logo depois, um grupo de empresários paulistas

adquiriu a fábrica, e a mesma passou a se chamar Vicunha Indústrias

Reunidas S/A. A partir desse momento a fábrica reconsolida-se e cresce ainda

mais, chegando a ter mais de 1.500 operários, e no qual vai funcionar por mais

de 20 anos ininterruptamente. Isso, sem contar a segunda unidade industrial

que ficava na BR 414, chamada de V7.

Em meados de 1999, devido a impasses políticos e econômicos, a

Vicunha encerra as suas atividades e seu parque industrial é transferido para o

Estado do Ceará.

Figura 04 – Ampliação da fábrica de tecidos na década de 1960

Fonte: Acervo de Jorge Avelino.

Na atualidade, esse local compreende a entrada da Faculdade FAMA e

a agência da Caixa Econômica Federal. No Quadro 01 a seguir, para completar

as informações históricas sobre o bairro, estabelece-se uma pequena

cronologia, de forma a explicitar os fatos marcantes:

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Quadro 01 – Cronologia da Vila Jaiara

DATA FATOS MARCANTES

1946

Manifesto de fundação da fábrica de tecidos em 15 de agosto;

Planejamento do bairro.

Primeiros anúncios publicitários no Jornal “O Anápolis” a respeito do setor.

1948

Primeira casa construída, pertencente ao escultor Antenor Silva.

1950

Loteamento da margem esquerda da Av. Fernando Costa pela fábrica de tecidos

1951

Muda-se no mês de março para a região o Sr. Homero Ferreira da Cunha, abrindo sua casa comercial e sendo também o primeiro vereador do bairro, exercendo dois mandatos;

Em 26 de julho é inaugurada a Fábrica de Tecidos “Cia. Goiana de Fiação e Tecelagem de Algodão” (primeira fábrica de tecidos do Estado de Goiás), conhecida posteriormente como Vicunha S/A,

Surge o primeiro posto de combustíveis, pertencia a Alfredo Galdino.

1952 Em 15 de abril é entregue à população o então Grupo Escolar

“Gomes de Sousa Ramos”, a primeira escola da Jaiara,

1954

Em 15 de março frei Domingos Folley, OFM, recebe a doação de Ítalo Naghettini de um terreno para construção da primeira igreja – hoje Paróquia Nossa Srª de Fátima. Nessa época as missas eram realizadas num Armazém de Máquina de Arroz.

1958

A fábrica de tecidos é vendida a um grupo de empresários chineses, passando a se chamar ANATEX Indústria Têxtil;

Em 31 de outubro é fundado o Anatex Esporte Clube, agremiação esportiva que teve origem no Fiação Esporte Clube, criado em 1949.

1972

A fábrica de tecidos entra em crise e é decretada sua falência três anos depois, após esse fato a fábrica foi adquirida pelo Grupo paulista Vicunha.

1982

Duplicação e urbanização da Avenida Fernando Costa na gestão do ex-prefeito Wolney Martins.

1999

Encerramento das atividades fabris da Vicunha S/A, trazendo sérias consequências econômicas para a cidade.

2008

Sancionamento da Lei nº. 3.307/08, que institui o Dia Municipal da Jaiara. Tal lei foi resultante do projeto apresentado pelo vereador Sírio Miguel na Câmara Municipal;

Em 21 de Agosto a Jaiara comemorou o seu aniversário de 60 anos, ocorrendo diversas atividades culturais e de lazer na comunidade;

O dia 21 de Agosto utilizado para celebrar o aniversário da Jaiara é devido à data de nascimento de seu fundador – Luiz Caiado de Godoy.

2011

Em 12 de julho o prefeito Antônio Gomide entrega a revitalização da Avenida Fernando Costa à população, tornando-se uma das mais bonitas avenidas da cidade.

Fonte: Dados trabalhados pelos historiadores Daniel Araújo Alves e Tiziano Mamede Chiarotti a partir de documentos.

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Considerações finais

A Jaiara foi se constituindo, gradativamente, em um bairro de periferia

fabril e manteve essa característica até 1999, quando se deu o fechamento do

parque industrial da Vicunha S/A que atendia a demanda local e regional.

Acompanhando esse processo histórico, vemos que no decorrer de mais de 60

anos, a Vila Jaiara passou de um pobre bairro operário a um dos maiores

bairros de Anápolis, tendo essa região à maior densidade demográfica da

cidade. Com o fechamento da fábrica, o bairro passou por uma séria crise

econômica, mas que com o avanço e o surgimento de “sub-centros” em

Anápolis, o bairro passou a ter um forte comércio e também atividades de

serviços, trazendo também a especulação imobiliária, que fez com que os

preços dos imóveis do setor se elevassem.

Nos dias atuais a Vila Jaiara é base de apoio para mais de 20 bairros

adjacentes, que surgiram ao seu redor. É por isso que vem à expressão

“Grande Jaiara”, usada para denominar toda essa região.

Referências:

ARIMATHÉA, Amador de. Anápolis suas ruas – seus vultos – nossa história. Goiânia: Papillon Gráfica e Editora, 2007. FERREIRA, H. Jayme. Anápolis sua vida, seu povo. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1979. FERREIRA, M, L. M. Quando o apito da fábrica de tecido: memória publica e memória coletiva - Fábrica Rheingantz, Rio Grande, 1950-70. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2002. Jornal “O ANÁPOLIS” – Ano XII – nº 597. 18/07/1946. ____________. Ano XIII – nº 688. 19/07/1947. Jornal “FOLHA DE ANÁPOLIS” – nº 33. 29/11/1971. Jornal “CONTEXTO” – nº 164. 09/05/2008. LOPES, J. S. L. A Tecelagem dos conflitos da classe na “cidade das chaminés”. São Paulo/ Brasília: Marco Zero/Editora da UNB, 1988. Revista “A NOITE ILUSTRADA” – Ed. Especial. Agosto de 1951. Revista “IMAGEM ATUAL” - Ano I – nº1. Abril de 1986.

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INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE AS ATIVIDADES

DO MUSEU HISTÓRICO DE ANÁPOLIS

ara finalizar o presente “Caderno de Pesquisas”, essa última

parte mostra informações sobre as atividades do Museu

Histórico ao longo de 2011.

Logo abaixo, descrevemos nossas atividades, numa espécie de

“prestação de contas” à comunidade Anapolina:

I. Projetos:

Abril / 2011:

- Abertura da Exposição “Filme Hollywood no Cerrado”, no 1º Anápolis

Festival de Cinema, entre os dias 12 a 18/04 de 2011 no Hall do Teatro

Municipal de Anápolis.

- Abertura da Exposição “III Semana do Ferroviário”, entre os dias 29/04 a

06/05 na Galeria de Artes “Antônio Sibasolly”.

Maio / 2011:

- Exibição e Palestra sobre o filme “Hollywood no Cerrado” no Colégio São

Francisco de Assis, no dia 12/05 de 2011.

Julho / 2011:

- Sarau Cultural – Anápolis 104 anos, inauguração da sala “Dr.

Anapolino de Faria” e lançamento do 3º número do “Caderno de

Pesquisas”, no dia 26 de julho de 2011.

- Colaboração no Projeto “Anápolis Resgate Histórico Fotográfico”,

realizado pela empresa Mídiacom em parceria com a Secretaria

Municipal de Cultura / Prefeitura de Anápolis.

Agosto / 2011:

- Parceria com a Diretoria de Turismo nos festejos do 63º Aniversário da

Vila Jaiara.

P

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Setembro / 2011:

- Participação na oficina “Memória do Cinema: desafios, perspectivas da

era digital na recuperação, preservação e difusão do acervo”, realizada

no Seminário “Festival de Brasília do Cinema Brasileiro”, como apoio

para a elaboração do projeto de construção do Museu da Imagem e do

Som de Anápolis, entre os dias 30/09 e 01/10.

- Discussão e elaboração do Projeto “Hino do Bairro Jundiaí”, em

parceria com o Prof. Tiziano Mamede (letra do hino) e músicos Roberto

Brenner e Giovani Tronconi (música e arranjos do hino), que culminou

da promulgação da Lei Municipal nº. 3.603, de 19 dezembro de 2011,

apresentado como Projeto de Lei pela Vereadora Dinamélia Rabelo.

II. Visitas Guiadas (de estudantes da rede municipal, estadual e particular

de ensino, bem como, de visitantes):

Parceria, a partir de fevereiro de 2011, entre a Secretaria Municipal de

Educação (que disponibilizou ônibus para as escolas municipais para

visitas ao museu) e Diretoria de Turismo (que criou o “Roteiro Cultural”,

no projeto “City Tour”) com o Museu Histórico para dinamizar o seu

público visitante.

MÊS NÚMERO DE VISITANTES

Janeiro 445

Fevereiro 556

Março 821

Abril 722

Maio 644

Junho 506

Julho 601

Agosto 533

Setembro 604

Outubro 563

Novembro 560

Dezembro 493

Total 7048

Observação: o museu também contou com a visita de 07 pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior – IES como a UEG, UniEvangélica e UFG.

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III. Publicações:

Lançamento do 3° Caderno de Pesquisas do Museu Histórico de

Anápolis “Alderico Borges de Carvalho”, em 26 de julho de 2011.