Calculo Economico Mises

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    1/56

    O CLCULO ECONMICOSOB O SOCIALISMO

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    2/56

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    3/56

    Ludwig von Mises

    O CLCULO ECONMICOSOB O SOCIALISMO

    1 Edio

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    4/56

    Editado por:Instituto Ludwig von Mises Brasil

    R. Iguatemi, 448, cj. 405 Itaim BibiCEP: 01451-010, So Paulo SP

    Tel.: +55 11 3704-3782Email: [email protected]

    Impresso no Brasil/Printed in BrazilISBN 978-85-8119-007-5

    1 Edio

    Traduo de:

    Leandro Augusto Gomes Roque

    Projeto grfico e Capa:Andr Martins

    Ficha Catalogrfica elaborada pelo bibliotecrioSandro Brito CRB8 7577Revisor:Pedro Anizio

    M678c von Mises, Ludwig O clculo econmico sob o socialismo / Ludwig von

    Mises; traduo de Leandro Augusto Gomes Roque.

    So Paulo: Instituto Ludwig von Mises. Brasil, 2012.

    52p

    ISBN 978-85-8119-007-5

    1. Socialismo 2. Economia planifcada 3. Clculo econmico

    4. Comunismo 5. Mercado I. Ttulo.

    CDD 330.01

    300.08

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    5/56

    SUMRIO

    PREFCIODEYURIMALTSEV. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7INTRODUOEDIODE1990 PORJACEKKOCHANOWICZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11INTRODUODELUDWIGVONMISES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    Captulo 1 A DISTRIBUIODEBENSDECONSUMONOSOCIALISMO . . 17

    Captulo 2 A NATUREZADOCLCULOECONMICO. . . . . . . . . . . . . . . 23

    Captulo 3 O CLCULOECONMICONACOMUNIDADESOCIALISTA. . . . 35

    Captulo 4 RESPONSABILIDADEEINICIATIVAEMEMPRESASCOMUNAIS. . 41

    Captulo 5 ASMAISRECENTESDOUTRINASSOCIALISTASEOPROBLEMADOCLCULOECONMICO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47

    CONCLUSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    6/56

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    7/56

    PREFCIODEYURIMALTSEV

    Socialismo2.jpgO sculo XX testemunhou o surgimento, o de-senvolvimento e o colapso do mais trgico experimento da histriahumana: o socialismo. Esse experimento resultou em monstruosasperdas humanas, na destruio de economias potencialmente ricase em colossais desastres ecolgicos. Tal experimento (teoricamente)acabou, mas a devastao continuar afetando a vida e a sade dasinmeras geraes vindouras.

    Mas a verdadeira tragdia desse experimento que Ludwig vonMises e seus seguidores dentre as melhores mentes econmicasdeste sculo j haviam desmascarado e explicitado toda a realidadedo socialismo ainda em 1920. Entretanto, o alerta deles foi comple-tamente ignorado.

    No presente ensaio, O Clculo Econmico sob o Socialismo, Mi-ses examina as alegaes mais fundamentais do marxismo. Ao fazerisso, Mises expe o socialismo como sendo um esquema que, alm de

    utpico, ilgico, antieconmico e impraticvel em sua essncia. Ele impossvel e destinado ao fracasso porque desprovido da funda-mentao lgica da economia; o socialismo no fornece meio algumpara se fazer qualquer clculo econmico objetivo o que, por conse-guinte, impede que os recursos sejam alocados em suas aplicaes maisprodutivas. Em 1920, entretanto, o entusiasmo pelo socialismo era toforte, principalmente entre os intelectuais ocidentais, que esta peque-na e perspicaz obra-prima de Mises no apenas no foi compreendida,como tambm foi deliberadamente distorcida pelos seus crticos.

    Porm, a efetiva implementao do socialismo mostrou a total va-lidade da anlise de Mises. O socialismo tentou substituir bilhes dedecises individuais feitas por consumidores soberanos no mercadopor um planejamento econmico racional feito por uma comissode iluminados investida do poder de determinar tudo o que seria pro-duzido e consumido, e quando, como e por quem se daria a produoe o consumo. Isso gerou escassez generalizada, fome e frustrao emmassa. Quando o governo sovitico decidiu determinar 22 milhes

    de preos, 460.000 salrios e mais de 90 milhes de funes para os110 milhes de funcionrios do governo, o caos e a escassez foram oinevitvel resultado. O estado socialista destruiu a tica inerente aotrabalho, privou as pessoas da oportunidade e da iniciativa de empre-ender, e difundiu amplamente uma mentalidade assistencialista.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    8/56

    8 Ludwig von Mises

    O socialismo produziu monstros como Stalin e Mao Ts-tung, ecometeu crimes at ento sem precedentes contra a humanidade, emtodos os estados comunistas. A destruio da Rssia e do Camboja,bem como a humilhao sofrida pela populao da China e do LesteEuropeu, no foram causadas por distores do socialismo, como osdefensores dessa doutrina gostam de argumentar; elas so, isto sim, aconsequncia inevitvel da destruio do mercado, que comeou coma tentativa de se substituir as decises econmicas de indivduos li-vres pela sabedoria dos planejadores.

    A verdadeira natureza da economia centralmente planejada foibem ilustrada por uma tirada espirituosa feita h alguns anos peloeconomista sovitico Nikolai Fedorenko. Ele disse que, com a ajudados melhores computadores, um plano econmico totalmente deta-lhado, ponderado e examinado, o qual deveria ser implantado j noano seguinte, s poderia ficar pronto em 30.000 anos. Existem mi-lhes de tipos de produtos e centenas de milhares de empresas; sonecessrias bilhes de decises relativas a insumos e produtos, e osplanos devem abranger todas as variveis relativas fora de trabalho, oferta de materiais, aos salrios, aos custos de produo, aos preos,aos lucros planejados, aos investimentos, aos meios de transporte,

    ao armazenamento e distribuio. E mais: essas decises se origi-nam de diferentes partes da hierarquia planejadora. Mas essas partesso, em regra, inconsistentes e contraditrias entre si, uma vez quecada uma reflete os interesses conflitantes de diferentes estratos daburocracia. E como o plano precisa ficar pronto at o incio do anoseguinte, e no em 29.999 anos, ele ser inevitavelmente irracional eassimtrico. E Mises provou que, sem propriedade privada dos meiosde produo, mesmo 30.000 anos de clculos computacionais noconseguiriam fazer o socialismo funcionar.

    Assim que destruram a instituio da propriedade privada, osdefensores do socialismo se viram em um entrave terico e prtico.Consequentemente, eles recorreram criao de esquemas artificiais.Na economia sovitica, o lucro planejado como funo do custo. Osplanejadores centrais fornecem variveis de controle s empresas,que as utilizam para determinar os lucros planejados em termos daporcentagem dos custos. Assim, quanto mais voc gastar, maioressero seus lucros. Sob uma monopolizao de 100%, esse simples ar-

    ranjo arruinou completamente as economias da Unio Sovitica, daEuropa Oriental e de outros estados socialistas em um grau compa-rvel apenas s invases brbaras a Roma.

    Hoje, as consequncias desastrosas da imposio dessa utopia nadesventurada populao dos estados comunistas j esto claras at

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    9/56

    9Prefcio de Yuri Maltsev

    para seus lderes. Como Mises previu em sua introduo, a despeitoda quimera de suas fantasias, os pombos assados acabaram no vo-ando diretamente para dentro das bocas dos camaradas, ao contrriodo que Charles Fourier havia dito que ocorreria. E at mesmo deacordo com as estatsticas oficiais da URSS, 234 dos 277 bens de con-sumo bsico includos pelo Comit Estatal de Estatsticas na cestabsica da populao sovitica esto em falta no sistema de distri-buio do estado.

    Todavia, os defensores ocidentais do socialismo ainda seguemrepetindo a mesma ladainha sobre a necessidade de se restringir osdireitos de propriedade e substituir o mercado pela sabedoria doplanejamento central.

    Em 1920, o mundo negligenciou e rejeitou o alerta misesiano deque o socialismo a abolio da racionalidade econmica. No po-demos nos dar ao luxo de repetir esse erro novamente. Temos de estarsempre alerta a todos os esquemas que porventura possam nos levara uma nova rodada de experimentos estatais sobre as pessoas e sobrea economia.

    A propriedade privada dos fatores materiais de produo, enfa-

    tizou Mises, no representa uma restrio na liberdade de todas asoutras pessoas poderem escolher o que melhor lhes convm. Repre-senta, ao contrrio, o mecanismo que atribui ao homem comum, nacondio de consumidor, a supremacia em todos os campos econmi-cos. o meio pelo qual se estimula os indivduos mais empreende-dores de um pas a empenhar a melhor de suas habilidades a serviode todas as pessoas.

    Que jamais voltemos a ignorar as constataes deste grande pensa-

    dor, pelo bem da liberdade e das geraes futuras.Yuri N. Maltsev1 Abril de 1990

    1Membro Snior doInternational Center for Development Policy e do The Ludwig von Mises Institute;foiPesquisador Snior do Instituto de Economia da Academia de Cincias da URSS (1987-89).

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    10/56

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    11/56

    INTRODUOEDIODE1990

    A refutao seminal da economia socialista, escrita por Ludwigvon Mises h 70 anos e aqui republicada, uma perfeita descriodo socialismo real de hoje ou melhor, de ontem. A tese de Mi-ses que em uma economia socialista impossvel haver um clculoeconmico racional; quaisquer tentativas de se alocar eficientementeos recursos na ausncia de propriedade privada dos meios de produ-o iro necessariamente falhar. A desastrosa experincia do BlocoOriental com o socialismo mostrou ao mundo que Mises estava cor-

    reto desde o incio.

    Nesse artigo, Mises fala sobre o socialismo em sua forma completa,onde o estado o nico proprietrio de todos os meios de produo.Embora escrito h muito tempo, sua descrio um reflexo perfei-to da realidade econmica da Unio Sovitica desde o final dos anos1920, e da Europa Central e Oriental desde o final dos anos 1940 atpraticamente hoje.

    Na economia socialista que Mises descreveu, indivduos com gos-tos diferentes demandam e trocam livremente bens de consumo. Odinheiro pode existir, mas somente dentro da limitada esfera do mer-cado para bens de consumo. Na esfera da produo, entretanto, noh propriedade privada dos meios de produo. Eles os meios deproduo no so comercializados e, como consequncia, impos-svel estabelecer preos que reflitam as condies reais. E se no hpreos, no h um mtodo para se encontrar a combinao mais efeti-va dos fatores de produo.

    Esse ensaio pioneiro de Mises levou a um famoso debate sobre oclculo econmico no socialismo. O economista polons Oskar Lan-ge contestou a posio de Mises e tentou mostrar que um socialismopode funcionar atravs de um mtodo de tentativa e erro.1No mo-delo de Lange, a economia tem um livre mercado apenas para bens deconsumo. A esfera da produo organizada em empresas e filiais, eh um Comit de Planejamento Central. Exige-se que os chefes dasempresas estabeleam planos de produo exatamente da mesma ma-

    neira que empreendedores privados fariam uma maneira que mini-mize os custos e faa com que o custo marginal seja igual ao preo. OComit de Planejamento Central determina a taxa de investimento, o

    1Oskar Lange, On the Economic Theory of Socialism,Review of Economic Studies(1936-37).

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    12/56

    12 Ludwig von Mises

    volume e a estrutura dos bens pblicos, e os preos de todos os insu-mos. A taxa de investimento estabelecida igualando-se a demanda oferta de bens de capital. O Comit aumenta os preos quando ademanda no satisfeita e os diminui quando a oferta muito grande.

    Presumindo-se por um momento que isto funcionaria, surge a per-gunta inevitvel: por que esse mtodo seria melhor do que o mercadoverdadeiro? Para Lange, havia duas vantagens. Primeiro, a rendapoderia ser mais igualmente distribuda. Uma vez que no h rendade capital, as pessoas seriam pagas de acordo com seu trabalho. (Al-gumas pessoas receberiam uma renda adicional, que seria um tipode aluguel por suas habilidades especficas). Segundo, o socialis-mo permitiria um melhor planejamento para investimentos de longoprazo. O investimento no seria guiado por flutuaes de curto prazonas opinies sobre as oportunidades futuras e, por isso, haveria me-nos desperdcio e mais racionalidade. Similarmente ao que pensavaJohn Maynard Keynes e, mais tarde, Paul Samuelson, Lange tambmpensava que, embora o livre mercado de fato pudesse fornecer sinaisadequados quanto s decises de produo no curto prazo, ele nopoderia fornecer sinais de longo prazo em relao ao investimento.

    Lange utilizava terminologia neoclssica ao invs de marxista.Embora fosse um socialista por convico, ele era fascinado pelo ladointelectual da economia marginalista e pela possibilidade de mostraratravs desse aparato que Mises estava errado. Lange pensava que,teoricamente, a possibilidade do clculo econmico sem um genunomercado havia sido mostrada pelo economista italiano Enrico Baroneem 1908.2 Barone referiu-se a um sistema de equilbrio geral dizendoque, se o sistema de equaes pudesse ser resolvido, os equilbriosparciais entre produtores e consumidores poderiam ser estabelecidosex ante. Entretanto, o argumento de Barone era que tal possibili-dade era praticamente impossvel; portanto, assim como Mises, eledefendia a idia de que o socialismo no poderia funcionar de modoeficiente. A inteno de Lange era mostrar que tanto Mises quantoBarone estavam errados (mas Mises em um grau maior) e que, na teo-ria e na prtica, o clculo era de fato possvel.

    Lange pensava ter finalmente resolvido os problemas do clculosocialista demonstrados por Mises em seu ensaio O Clculo Econ-mico sob o Socialismo. E, sobre isso, Lange escreveu em seu artigoSobre a Teoria Econmica do Socialismo:

    2Enrico Barone, Ii zninisterio della produzione nello stato collettivista, Giornale degli Economisti e Re-vista di Statistica, vol 37 (1908).

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    13/56

    13Introduo edio de 1990

    Os socialistas certamente tm boas razes para se mos-trarem gratos ao Professor Mises, o grande advocatusdiabolda causa deles. Pois foi seu poderoso desafio queobrigou os socialistas a reconhecerem a importncia dese ter um adequado sistema de contabilidade econmi-ca para guiar a alocao de recursos em uma economiasocialista. Mais ainda: foi principalmente por causa dodesafio apresentado pelo Professor Mises que muitossocialistas se tornaram cientes da existncia de tal pro-blema... [O] mrito de ter feito com que os socialistasabordassem sistematicamente esse problema pertencetotalmente ao Professor Mises.

    E ento Lange sugeriu o seguinte:

    Tanto como uma forma de expressar reconhecimentopelo grande servio prestado por ele, quanto como umaforma de se lembrar da primordial importncia de se terum slido mtodo de contabilidade econmica, uma est-tua do Professor Mises deveria ocupar um lugar de honrano grande hall do Ministrio da Socializao ou no doComit de Planejamento Central do estado socialista.

    As idias tericas de Lange, bem como sua convico quanto a apli-cabilidade prtica de um mercado simulado dentro da economia socia-lista, foram, por sua vez, questionadas por Friedrich A. Hayek.3 Hayekpercebeu que Lange havia cometido vrios erros. Na verso langeanado socialismo, seria necessrio haver um exrcito de controladores paraverificar os clculos feitos pelos dirigentes das empresas. Porm, o queexatamente iria motivar os dirigentes das empresas e das filiais? O que osimpediria de trapacear? Ademais, os resultados desses clculos teriam de

    ser comparados com clculos contrafatuais que deveriam ser realizadosposteriormente a fim de se determinar se os chefes das empresas haviamde fato escolhido a melhor combinao possvel de fatores de produo.Tudo isso iria exigir um imenso estado burocrtico.

    O lado prtico do socialismo seguiu seu prprio rumo. A econo-mia comunista como a conhecemos foi construda na Unio Soviticano final dos anos 1920 e incio dos anos 1930, e foi ento transplanta-da para a Europa Central e Oriental aps a Segunda Guerra Mundial.

    Durante algum tempo, as coisas pareciam estar indo bem, pelo menosdo ponto de vista das burocracias governantes, que no hesitaram emutilizar medidas totalitrias e terrorismo em massa.

    3Friedrich A. Hayek, Socialist Calculation: the Competitive Solution,Economica, ns., vol. vii, no. 26 (1940).

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    14/56

    14 Ludwig von Mises

    No havia lugar para a propriedade privada e nem para o mercado.O nico mtodo de coordenao da atividade econmica se dava pormeio de ordens governamentais e alocaes burocrticas. O resulta-do foi uma crise prolongada, marcada pela estagnao e at mesmodecrscimo da produo, inflao, desastres ecolgicos (por causa dautilizao desregrada de todos os tipos de recursos energia, gua,florestas etc.), queda no padro de vida, frustraes pblicas e patolo-gias sociais em larga escala. Essa crise, conjuntamente com algumasocorrncias polticas, como a ascenso de uma oposio organizada,trouxe as mudanas revolucionrias que testemunhamos em 1989.

    Nos pases do Leste Europeu, e na Polnia em particular, h hoje umforte desejo de se restabelecer a propriedade privada e o livre mercado.

    Quando isso tiver se consumado, talvez a sugesto de Lange devaser considerada: uma esttua de Mises deveria ser erguida na Polnia em homenagem ao seu derradeiro triunfo intelectual. Pois a suaviso de uma sociedade livre que vai fornecer uma firme base intelec-tual para o surgimento de uma Polnia livre e prspera.

    Jacek Kochanowicz Universidade de Varsvia, PolniaProfessor de Economia Abril de 1990

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    15/56

    INTRODUODELUDWIGVONMISES

    Existem muitos socialistas que jamais estudaram, de uma formaou de outra, os problemas da cincia econmica, e que jamais fize-ram qualquer tentativa de formar claramente algum conceito sobreas condies que determinam a natureza da sociedade humana. Eexistem outros que examinaram profundamente a histria econ-mica do passado e do presente, e se esforaram baseando-se emseus achados para construir uma teoria sobre a economia dasociedade burguesa. Eles criticaram livremente a estrutura eco-nmica da sociedade livre, mas consistentemente se omitiramde aplicar economia do controverso estado socialista o mesmodiscernimento custico que j exibiram em outras anlises, nemsempre com sucesso.

    A economia, em sua forma real, figura de maneira muito espar-sa no cenrio glamouroso pintado pelos utopistas. Na quimera desuas fantasias, eles invariavelmente discorrem sobre como pombosassados iro de alguma forma voar diretamente para dentro das bocasdos camaradas, mas se furtam de mostrar como esse milagre vir aocorrer. Quando eles comeam de fato a ser mais explcitos no m-bito econmico, rapidamente se descobrem completamente perdidos basta lembrarmo-nos, por exemplo, dos devaneios fantsticos deProudhon, que queria criar um banco para emprstimos sem juros ,de modo que no difcil apontar suas falcias lgicas.

    Quando o marxismo probe solenemente que seus partidrios sepreocupem com problemas econmicos que vo alm da expropria-o, ele no est adotando nenhum princpio novo, uma vez que todosos utopistas, em todos os seus devaneios, tambm negligenciam quais-quer consideraes econmicas mais profundas, concentrando-se ex-clusivamente em pintar cenrios lgubres para as atuais condies, ecenrios fulgurantes para a era de ouro que vir como consequncianatural dessa Nova Revelao.

    Quer se considere a chegada do socialismo como sendo um re-sultado inevitvel da evoluo humana, ou que a socializao dosmeios de produo a maior das bnos ou o pior dos desastresque pode acometer a humanidade, ao menos se deve consentir queuma investigao acerca das condies de uma sociedade organizadasobre os princpios socialistas algo que vai um pouco alm de serapenas um bom exerccio mental, e um meio de se promover a cla-

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    16/56

    16 Ludwig von Mises

    reza poltica e a consistncia do pensamento.1 Em uma poca emque estamos nos aproximando cada vez mais do socialismo, e queat mesmo estamos, em um certo sentido, dominados por ele, umainvestigao detalhada acerca dos problemas inerentes ao estado so-cialista adquire uma significncia suplementar para a explicao doque est acontecendo ao nosso redor.

    As anlises anteriormente feitas para a economia de trocas volun-trias no mais so suficientes para um entendimento adequado dosfenmenos sociais ocorrendo na Alemanha e em seus pases vizinhosao leste. Nossa tarefa nesse contexto compreender, de modo amplo,os elementos da sociedade socialista. As tentativas de se obter clarezanesse assunto no precisam de justificativas adicionais.

    1Karl Kautsky, The Social Revolution and On the Morrow of the Social Revolution(London: TwentiethCentury Press, 1907), Parte II, p.1.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    17/56

    CAPTULO1

    A DISTRIBUIODEBENSDE

    CONSUMONOSOCIALISMO

    No socialismo, todos os meios de produo so propriedade dacomunidade. somente a comunidade que pode manuse-los, bemcomo determinar como se dar seu uso em uma determinada produ-o. Desnecessrio dizer que a comunidade s estar apta a empre-gar esses poderes atravs da criao de um corpo especial para estafinalidade. A estrutura deste corpo e a maneira como ele ir articu-lar e representar o desejo da comunidade , para ns, de importn-cia secundria. Pode-se pressupor que esta ltima ir depender daescolha do corpo de funcionrios ou nos casos em que o poderno estiver assentado em uma ditadura do voto majoritrio dosmembros da corporao.

    No capitalismo, o dono dos bens de produo, que quem manu-faturou os bens de consumo e por isso se tornou o proprietrio deles,tem a opo de ele prprio consumir esses bens de consumo ou deixarque terceiros o faam. Mas no caso em que a comunidade se tornoua proprietria absoluta dos bens de consumo os quais ela adquiriudurante a produo , tal opo no mais existir. E eis que surge ocerne do problema da distribuio socialista: quem ir consumir e oque dever ser consumido por cada um.

    caracterstico do socialismo que a distribuio de bens de con-sumo deve ser independente da produo e de suas condies econ-micas. Mas ocorre que a propriedade comunal dos bens de produo incompatvel com o fato de que sua distribuio ir depender deuma atribuio econmica: o rendimento de determinados fatores deproduo. Assim, uma contradio lgica falar que no socialismo ostrabalhadores iro desfrutar de todo o rendimento de seu trabalho,quando, na verdade, est-se distribuindo distintamente os fatores ma-teriais da produo. Pois, como iremos mostrar, a prpria natureza daproduo socialista impossibilita que a participao de cada fator de

    produo no conjunto de toda a produo nacional seja determinada,alm de ser impossvel medir a relao entre despesa e renda.

    Qual critrio ser escolhido para a distribuio dos bens de consu-mo entre os camaradas , para ns, uma considerao de importnciarelativamente secundria. Se eles sero distribudos de acordo com as

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    18/56

    18 Ludwig von Mises

    necessidades individuais de modo que receber mais aquele maisnecessitado , ou se o homem superior ir receber mais que o infe-rior, ou se uma distribuio estritamente igualitria deve ser contem-plada como o ideal, tudo isso irrelevante se considerarmos o fato deque, em qualquer caso, as pores sero administradas pelo estado.

    Assim, vamos partir de uma proposio simples: a distribuioser determinada de acordo com o princpio de que o estado tratatodos os seus membros de forma absolutamente igual. Para tal, no difcil conceber um nmero de peculiaridades tais como idade, sexo,sade, ocupao etc., de acordo com as quais cada indivduo ser clas-sificado. Desta forma, cada camarada ir receber um punhado decupons que podem ser redimveis, durante um determinado perodode tempo, em uma quantidade definida de bens especficos. Assim,ele poder comer vrias vezes ao dia, encontrar alojamento perma-nente, desfrutar de diverses ocasionais e, de tempos em tempos, ad-quirir uma nova vestimenta. Se a proviso de tais necessidades serampla ou no, isso ir depender da produtividade do trabalho.

    Ademais, no preciso que cada homem consuma a quantidadetotal de sua cota. Ele pode deixar que parte dela perea sem ser consu-mida; ele pode do-la como presente; ele pode at caso a natureza

    dos bens permita estoc-la para uso futuro. Ele tambm pode, poroutro lado, trocar alguns de seus bens com os de outros camaradas.Um beberro, por exemplo, ir alegremente abrir mo das bebidasno alcolicas dadas a ele caso possa troc-las por mais cerveja, aopasso que o abstmio ir prontamente abrir mo de sua cota de bebi-das caso consiga troc-las por outros bens. O amante das artes esta-r disposto a ceder suas entradas de cinema caso possa troc-las pelaoportunidade de ouvir boa msica, ao passo que o filisteu certamenteestar pronto para trocar suas entradas para exposies artsticas pordivertimentos que sejam mais fceis de entender. Todas essas pesso-as iro aceitar de bom grado qualquer troca. Mas o material dessastrocas ser sempre um s: bens de consumo. Bens de produo, emuma comunidade socialista, so exclusivamente comunais; eles sopropriedade inalienvel da comunidade logo, eles sores extra com-mercium(coisas fora do comrcio).

    Portanto, o princpio bsico da troca poder operar livremente emum estado socialista, dentro dos limites permitidos. E a troca nem sem-pre precisar se desenvolver na sua forma direta. As mesmas bases quesempre sustentaram as trocas indiretas continuaro existindo em umestado socialista, trazendo vantagens para aqueles que incorrerem ne-las. Donde se segue que o estado socialista tambm ir permitir o usode um meio de troca universal isto , o dinheiro. Sua funo ser

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    19/56

    19A distribuio de bens de consumo no socialismo

    fundamentalmente a mesma tanto na sociedade socialista quanto nacompetitiva; em ambas, ele serve como meio universal de troca.

    No entanto, a significncia do dinheiro em uma sociedade em que

    os meios de produo so controlados pelo estado ser diferente daque-la em que os meios de produo so propriedade privada. Com efeito,a significncia ser incomparavelmente menor, uma vez que o materialdisponvel para troca ser mais limitado, j que as trocas estaro confi-nadas apenas aos bens de consumo. Ademais, exatamente pelo fato deos bens de produo jamais se tornarem objeto de troca, ser impossveldeterminar seu valor monetrio. Sob esse aspecto, o dinheiro jamaispoder determinar, em um estado socialista, o valor dos bens de produ-o da mesma forma que ele o faz em uma sociedade competitiva. Nosocialismo, portanto, o clculo em termos monetrios ser impossvel.

    A relao resultante desse sistema de trocas entre os camaradas nopoder ser desconsiderada pelos responsveis pela administrao e dis-tribuio dos produtos. Eles tero de se basear nessas relaes quandoforem distribuir bens per capita de acordo com seus valores de troca.Se, por exemplo, 1 charuto passar a valer o mesmo que 5 cigarros, serimpossvel para a administrao fixar arbitrariamente o valor de 1 cha-ruto como sendo igual a 3 cigarros e ento utilizar essa igualdade comobase para uma distribuio equnime de charutos e cigarros. Se oscupons de tabaco no puderem ser redimidos uniformemente para cadaindivduo ou seja, uma parte em charutos e a outra parte em cigarros, e se alguns receberem apenas charutos e outros receberem apenascigarros, seja porque essa a vontade deles ou porque a repartio p-blica que gerencia as trocas nada pode fazer no momento, as condiesdo mercado de troca teriam ento de ser monitoradas. Caso contrrio,as pessoas adquirindo cigarros estariam em desvantagem, pois o indiv-

    duo que obtivesse um charuto poderia troc-lo por cinco cigarros, em-bora este estivesse artificialmente precificado em apenas trs cigarros.

    Logo, variaes nas relaes de troca entre os camaradas tero deacarretar variaes correspondentes nas estimativas da burocraciaquanto ao valor representativo dos diferentes bens de consumo. Sem-pre que houver uma variao porque surgiu uma disparidade entreas necessidades e as satisfaes dos camaradas, o que significa queuma mercadoria est sendo mais fortemente desejada do que outra.

    A administrao ter de se esforar para levar esse ponto em consi-derao tambm no que diz respeito produo. Os bens que estive-rem em maior demanda tero de ser produzidos em maiores quantida-des, ao passo que aqueles menos demandados tero de ter sua produoreduzida. Tal controle pode at ser possvel, mas uma coisa ter de ser

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    20/56

    20 Ludwig von Mises

    especificamente controlada: o indivduo comum no poder pesquisarpor conta prpria quanto vale seu cupom de tabaco tanto em charutosquanto em cigarros. Pois, se ao camarada for dado o direito de escolhero que quer, ento nada impedir que a demanda por charutos e cigarrosexceda a oferta, ou vice versa, isto , que os charutos e os cigarros seacumulem nas reparties distribuidoras porque ningum os quer. Emambos os casos a oferta seria descasada da demanda.

    Se for adotada a perspectiva da teoria do valor-trabalho, ento oproblema admitir uma soluo simples. O camarada ser classifica-do de acordo com cada hora de trabalho, o que lhe habilitar a recebero produto equivalente s horas trabalhadas, menos a quantia dedu-zida para se atender os gastos obrigatrios da comunidade, como osustento do incapaz, a educao etc.

    Considerando-se para fins de exemplo que a quantia dedu-zida para se cobrir os gastos comunais seja o equivalente metadedo produto do trabalho, ento cada hora trabalhada render efetiva-mente ao trabalhador uma quantia do produto equivalente a apenasmeia hora de trabalho. Consequentemente, qualquer um que estejaem condies de oferecer o dobro das horas de trabalho poder entoadquirir esse produto por completo, tirando-o do mercado e utilizan-do-o para consumo prprio. Para deixar nosso problema mais claro,seria melhor se assumssemos que o estado impe efetivamente umimposto sobre a renda dos trabalhadores. Desta forma, cada hora gas-ta a mais de trabalho daria a esse trabalhador o direito de obter para siuma quantia maior do bem produzido.

    Entretanto, essa maneira de regular a distribuio seria obviamen-te impraticvel, uma vez que o trabalho no uma quantidade uni-forme e homognea. H necessariamente uma diferena qualitativaentre os vrios tipos de trabalho, o que leva a uma valorao distintade acordo com a diferena nas condies de demanda e oferta de seusprodutos. Por exemplo, a oferta de obras-de-arte no pode ser aumen-tada,ceteris paribus, sem que haja uma queda na qualidade do produto.Da mesma forma, no se pode permitir que o trabalhador que ofertouuma hora do mais simples tipo de trabalho tenha o direito de recebero produto originado de uma hora de trabalho bem mais qualificado.Assim, torna-se completamente impossvel, em uma comunidade so-

    cialista, postular uma conexo entre a importncia de qualquer tipode trabalho para a comunidade e a maneira como ser feita a distri-buio do produto originado do processo comunal de produo.

    A remunerao da mo-de-obra no pode se dar de outra forma queno seja arbitrria; ela no poder se basear na valorao econmica do

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    21/56

    21A distribuio de bens de consumo no socialismo

    produto, como ocorre em uma sociedade competitiva, onde os meiosde produo esto em mos privadas, pois, como vimos, qualquer valo-rao desse tipo impossvel em uma comunidade socialista. A reali-dade econmica impe limites claros ao poder que a comunidade tempara fixar a remunerao do trabalho arbitrariamente: em nenhumacircunstncia a soma gasta com os salrios poder exceder a renda, emqualquer perodo de tempo.

    Dentro desses limites observados, a comunidade poder procedercomo quiser. Ela poder determinar que toda a mo-de-obra seja ava-liada igualmente, de forma que cada hora de trabalho, independente-mente de sua qualidade, acarrete a mesma remunerao; da mesma ma-neira, ela poder levar em considerao apenas a qualidade do trabalhofeito. Entretanto, em ambas as situaes ela dever reservar a si prpriao poder de controlar a distribuio especfica do produto do trabalho.Jamais ser possvel fazer com que aquele indivduo que colocou umahora de seu trabalho na produo tambm tenha o direito de consumiro produto de uma hora de trabalho (mesmo deixando de lado a questoda diferena na qualidade da mo-de-obra e dos produtos, e assumindoque seja possvel medir a quantidade de trabalho despendida na fabri-cao de um determinado bem). Pois, alm da mo-de-obra emprega-da, a produo de todos os bens econmicos impe tambm custos ma-teriais. Um bem que utilizou mais matria-prima do que outro jamaispoder ser estimado como tendo o mesmo valor que este.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    22/56

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    23/56

    CAPTULO2

    A NATUREZADOCLCULOECONMICO

    Todo homem que, no decorrer de sua vida econmica, faz uma es-colha entre satisfazer uma necessidade em detrimento de outra, est,por definio, fazendo um juzo de valor. Tais juzos de valor, assimque formulados, incluem inicialmente apenas a satisfao da neces-sidade em si; e, s aps isso, que o indivduo ir recuar e comeara refletir mais objetivamente nos meios para se atingir tal objetivo,

    comeando com os bens de ordem mais baixa e ento indo em direoaos bens de ordem mais alta.1

    Em geral, o homem que conhece sua prpria mente est em posi-o de avaliar quaisquer bens de ordens mais baixas. E sob condiessimples, tambm possvel que ele forme algum julgamento sobre aimportncia para ele de alguns bens de ordem mais alta. Mas nas situ-aes em que o cenrio mais complexo e h mais interconexes queno so facilmente discernveis, meios mais sutis devem ser utiliza-dos para se obter uma avaliao correta2dos meios de produo. Porexemplo, no seria difcil para um agricultor em isolamento econ-mico fazer uma distino entre a expanso de seu pasto e a expansode sua atividade de caa. Nesse caso, os processos de produo en-volvidos so relativamente pequenos, e os custos e a renda inerentesa cada processo podem ser facilmente mensurados. Mas a situao setorna bem diferente quando a escolha passa a ser entre a utilizao deum rio para a obteno de eletricidade ou a ampliao de uma minade carvo ou a formulao de quaisquer outros planos para o melhor

    emprego da energia latente no carvo bruto. Nesse caso, o processo deproduo maior e mais indireto, sendo que cada etapa mais longa;consequentemente, as condies necessrias para um empreendimen-to ter sucesso so diversas, o que significa que no se pode incorrer emavaliaes vagas. Passa a ser necessrio ter estimativas mais exatas,bem como algum julgamento das questes econmicas envolvidas.

    Avaliaes e valoraes s podem ocorrer em termos de algumaunidade. Entretanto, impossvel haver alguma unidade que mea o

    valor subjetivo de cada bem. A utilidade marginal no postula qual-1Por ordem mais baixa, Mises se refere aos bens de consumo final, e por ordem mais alta, queles

    utilizados na produo.

    2Aplicando-se esse termo, claro, apenas no sentido do agente que avalia, e no em um sentido objetivo

    e universalmente aplicvel.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    24/56

    24 Ludwig von Mises

    quer unidade de valor, uma vez que bvio que o valor de duas unida-des de um determinado bem necessariamente maior mas menosque o dobro do que o valor de apenas uma unidade. Juzos de valorno mensuram; eles meramente estabelecem graduaes e escalas.3Mesmo Robinson Cruso que tem de tomar uma deciso em umambiente onde no h um juzo de valor pr-definido, o que significaque ele tem de construir um baseando-se em estimativas pouco exatas no pode operar utilizando unicamente seus valores subjetivos;antes, ele precisa levar em considerao a capacidade intersubstituti-va dos bens para ento formar suas estimativas.

    Nessas circunstncias, ser impossvel para ele avaliar todos osbens de acordo com uma unidade j pr-estabelecida. Ele tem deavaliar todos os elementos que devem ser levados em considerao naformao de suas estimativas baseando-se naqueles bens econmicosque podem ser analisados por um juzo de valor mais bvio ou seja,os bens de ordens mais baixas, alm do prprio custo do trabalho.Que isso s seja possvel em condies muito simples algo bvio.Para o caso de processos de produo mais complicados e mais longos,tal procedimento no trar respostas.

    Em uma economia de trocas voluntrias, a unidade comum de cl-

    culo econmico representada pelo valor objetivode troca das mer-cadorias. Isso gera uma vantagem tripla. Em primeiro lugar, passa aser possvel basear o clculo econmico de acordo com as valoraesde todos os participantes da troca. O valor subjetivo que um dadobem tem para uma pessoa um fenmeno puramente individual e,portanto, no pode ser imediatamente comparado ao valor subjetivoque esse mesmo bem tem para as outras pessoas. Isso s se tornapossvel quando se utiliza valores de troca, os quais surgem natural-mente da interao das valoraes subjetivas de todos os indivduosque participam da troca. Nesse caso, o clculo baseado nos valores detroca fornece um controle sobre o mtodo mais apropriado de se em-pregar os bens. Qualquer um que deseje fazer clculos relacionados aalgum complicado processo de produo ir imediatamente perceberse ele est agindo de maneira mais econmica que os concorrentes ouno; se ele descobrir por meio das relaes de troca predominantesno mercado que no ser capaz de produzir lucrativamente, issosignifica que outros esto sabendo melhor como fazer um uso mais

    adequado desses bens de ordem alta. Por ltimo, utilizar os valoresde troca para se fazer clculos econmicos o que possibilita avaliaros bens de acordo com uma unidade de conta definida. E para esse

    3 Franz Cuhel, Zur Lehre von den Bedrfnissen (Innsbruck: Wagnerssche Universitt-Buchhandlung,1907), pp.198 f.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    25/56

    25A natureza do clculo econmico

    propsito dado que os bens so mutuamente substituveis de acor-do com as relaes de troca predominantes no mercado , qualquerbem existente pode ser escolhido. Em uma economia monetria, essebem escolhido o dinheiro.

    O clculo monetrio tem seus limites. O dinheiro no um pa-rmetro de valor, tampouco de preo. Nem o valor e nem o preoso mensurados em dinheiro. Valores e preos so meramente repre-sentados pelo dinheiro. O dinheiro transmite o valor, mas ele nomensura o valor. No h uma medida para um valor econmico. Noh uma maneira objetiva de se medir um valor subjetivo. O dinheiro um bem econmico e, como tal, no possui um valor estvel, comotem sido ingnua e erroneamente assumido. A relao de troca queh entre o dinheiro e outros bens est sujeita a constantes quandono muito violentas flutuaes, que podem se originar no s dolado dos bens econmicos, mas tambm do lado do dinheiro. Entre-tanto, essas flutuaes perturbam apenas minimamente os clculos devalor, uma vez que, por causa das incessantes alteraes que ocorremnas outras variveis econmicas, esses clculos iro se referir a pero-dos de tempo comparativamente pequenos perodos nos quais umamoeda forte ir sofrer apenas flutuaes relativamente triviais em

    seu poder de compra.A causa principal da inaptido do clculo monetrio do valor no

    est no fato de o valor ser calculado em termos de um meio universalde troca, o dinheiro. Mas, sim, no fato de que, nesse sistema, o clculose baseia no valor de troca e no no valor subjetivo que o uso de talbem traz para um indivduo. O clculo monetrio nunca poder serutilizado como medida para calcular o valor daqueles elementos queesto alm do domnio das trocas. Se, por exemplo, um homem tives-se de calcular a lucratividade de se construir uma usina hidrulica, eleno seria capaz de incluir em seus clculos os danos que tal esquemairia trazer beleza das cachoeiras; o que ele poderia fazer seria prestarateno diminuio que poderia haver no fluxo de turistas ou coisassimilares, os quais poderiam ser avaliados em termos monetrios. Eessas consideraes poderiam acabar sendo um dos fatores que irodecidir se a construo dever ser feita ou no.

    Convencionou-se denominar tais elementos como extra-econ-micos. Isso talvez seja apropriado; no estamos preocupados comdisputas acerca de terminologias. No obstante, as consideraes fei-tas dificilmente podem ser consideradas irracionais. Em qualquerlugar em que o homem considere significante a beleza de uma vizi-nhana ou de um prdio, a sade, a felicidade e a satisfao da huma-nidade, a honra de indivduos ou de naes, estas coisas, tanto quanto

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    26/56

    26 Ludwig von Mises

    os fatores econmicos, so foras que motivam a conduta racional,mesmo onde elas no so substituveis entre si no mercado, o quesignifica que elas no entram, portanto, nas relaes de troca.

    Que o clculo monetrio no possa abranger esses fatores algoinerente sua prpria natureza; mas, para os propsitos de nossa vidaeconmica diria, isso no reduz a importncia do clculo monetrio.Pois todos esses bens ideais so bens de ordens mais baixas, e podemportanto ser includos diretamente no mbito de nossos julgamentosde valor. Assim, no h qualquer dificuldade em lev-los em conside-rao, ainda que eles tenham de permanecer fora da esfera dos valoresmonetrios. O fato de eles no admitirem tal cmputo faz com queseja mais fcil e no mais difcil consider-los nos aspectos di-rios de nossa vida. Assim que percebemos claramente o tanto quevalorizamos a beleza, a sade e o orgulho, certamente nada pode nosimpedir de ter a devida considerao por eles. Aos espritos sensveis,pode parecer doloroso ter de equilibrar os bens espirituais com os ma-teriais. Mas isso no culpa do clculo monetrio; algo totalmenteinerente s coisas em si. Mesmo nos casos em que os juzos de valorpodem ser estabelecidos diretamente sem qualquer clculo monet-rio, a necessidade de escolher entre satisfao material ou espiritual

    no pode ser esquivada. Robinson Cruso e o estado socialista tm amesma obrigao de fazer essa escolha.

    Qualquer indivduo que tenha uma noo genuna dos valores mo-rais no padece qualquer dificuldade em se decidir entre a honra e osustento. Ele sabe muito bem qual a sua obrigao. Se um homemno pode honrar seu po, ele pode ao menos renunciar a seu po emnome da honra. Somente aqueles que preferem estar livres da ago-nia dessa deciso porque no conseguem renunciar ao confortomaterial em nome da vantagem espiritual veem na escolha umaprofanao dos valores verdadeiros.

    O clculo monetrio tem sentido apenas dentro da esfera da organi-zao econmica. Trata-se de um sistema por meio do qual as regras daeconomia podem ser aplicadas para o arranjo e a distribuio dos benseconmicos. Os bens econmicos apenas participam desse sistema emproporo ao grau em que podem ser trocados por dinheiro. Qualqueramplificao da esfera do clculo monetrio ir provocar equvocos. Oclculo monetrio no pode ser considerado um padro de medida paraa avaliao de bens, e no pode ser tratado em investigaes histricassobre o desenvolvimento das relaes sociais; ele no pode ser utilizadocomo um critrio para a riqueza e a renda nacional e tampouco comoum meio de mensurar o valor dos bens que esto fora da esfera de troca.Afinal, quem seria capaz de estimar o grau de perdas humanas, em ter-

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    27/56

    27A natureza do clculo econmico

    mos monetrios, ocorridas por causa das emigraes ou guerras?4 Isso uma mera tolice travestida de erudio, por mais que tal mtodo sejautilizado por economistas normalmente perspicazes.

    Apesar disso, dentro desses limites, os quais nunca so ultrapas-sados dentro da vida econmica, o clculo monetrio preenche todosos requisitos do clculo econmico. ele quem nos guia atravs daplenitude opressiva das potencialidades econmicas. Ele nos permiteimputar a todos os bens de ordem mais alta o nosso juzo de valor, ju-zo esse que est estreitamente ligado aos bens que esto prontos parao consumo final, ou que so, na melhor das hipteses, bens de pro-duo da mais baixa ordem. O clculo faz com que os valores dessesbens possam ser computados, o que consequentemente nos fornece asbases para todas as operaes econmicas com os bens de ordens maisaltas. Sem a possibilidade do clculo, todos os processos de produoque duram vrios anos, bem como todos os processos longos e indi-retos, inerentes produo capitalista, seriam como tatear no escuro.

    H duas condies que governam a possibilidade de se calcular ovalor em termos de dinheiro. Primeiramente, no so apenas os bensde ordem mais baixa que devem estar dentro do mbito da troca; os deordem mais alta tambm tm de estar. Se eles no fossem includos,as relaes de troca no surgiriam. As consideraes que predominamno caso em que Robinson Cruso, em seus domnios e por meio de suaprpria produo, pretende trocar trabalho e farinha por po, so indis-tinguveis daquelas que predominam quando ele est preparado paratrocar po por roupas no mercado aberto. Portanto, de certa formacorreto dizer que cada ao econmica, incluindo a prpria produode Robinson Cruso, pode ser denominada de troca.5

    Ademais, a mente de um s homem, por mais brilhante que seja,

    incapaz de compreender a importncia de qualquer um dos inme-ros bens de ordem mais alta. Nenhum homem pode jamais dominartodas as possibilidades de produo que so inmeras de modoa estar apto a fazer juzos de valor diretamente evidentes, sem a aju-da de algum sistema de computao. Se distribussemos para algunsindivduos os controles administrativos sobre os bens de toda umacomunidade cujos homens que trabalham na produo desses bensesto tambm economicamente interessados neles teramos de ter

    4Cf. Friedrich von Wieser, ber den Ursprung und die Hauptgesetze des wirtschaftlichen Eertes (Viena: A.Hlder, 1884), pp. 185 f.

    5Cf. Mises, Theorie des Geldes und der Umlaufsmittel (Munich and Leipzig: Duncker & Humblot, 1912), p.16, com as referncias ali fornecidas. [Ver a traduo de H.E. Batson, The Theory of Money and Credit

    (Indianapolis: Liberty Classics, 1980), p. 52.]

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    28/56

    28 Ludwig von Mises

    algum tipo de diviso intelectual do trabalho, algo que no seria pos-svel sem algum sistema que calculasse a produo.

    A segunda condio que existe de fato um meio de troca univer-

    salmente empregado a saber, o dinheiro que tambm executa amesma funo de meio de troca para os bens de produo. Se esse nofosse o caso, no seria possvel reduzir todas as relaes de troca a umdenominador comum.

    Somente sob condies muito simples que a economia pode dis-pensar o clculo monetrio. Dentro dos limites estreitos de uma eco-nomia domstica, por exemplo, na qual o pai pode supervisionar todaa conduta econmica, possvel determinar, mesmo sem fazer uso de

    auxlios avanados, qual a importncia de algumas mudanas no pro-cesso de produo e, ainda assim, obter razovel preciso. Nesse caso,todo o processo se desenvolve sob um uso relativamente limitado docapital. Os processos indiretos de produo, tpicos do capitalismo, quese encaixam neste modelo so muito poucos: nesse caso, o que estariasendo manufaturando seriam bens de consumo, ou, no mximo, bensde uma ordem mais alta que esto muito prximos dos bens de consu-mo. A diviso do trabalho est em seus estgios mais rudimentares: umnico trabalhador controla a mo-de-obra daquilo que , na realidade,

    um processo de produo completo de bens prontos para o consumo,do incio ao fim. Tudo isso diferente, entretanto, nas produes co-munais. As experincias de um perodo remoto e antigo de produosimples no fornecem qualquer tipo de argumento para se estabelecer apossibilidade de um sistema econmico sem clculo monetrio.

    Nos limites estreitos de uma economia domstica fechada, poss-vel analisar completamente o processo de produo desde o incio ato fim, e julgar durante todo o tempo qual procedimento vai produzir

    mais bens de consumo. Isso, entretanto, deixa de ser possvel nascircunstncias incomparavelmente mais intrincadas de nossa econo-mia social. Assim, evidente que, mesmo em uma sociedade socia-lista, 100.000 litros de vinho so preferveis a 80.000; e no difcilse decidir entre 100.000 litros de vinho ou 500 de azeite. No ne-cessrio sistema algum de clculo para se estabelecer o seguinte fato:o elemento determinante a mera vontade dos agentes econmicosenvolvidos. Porm, uma vez que essa deciso tenha sido tomada, averdadeira tarefa da orientao econmica racional est apenas come-ando isto , como colocar economicamente os meios a servio dosfins. Isso s pode ser feito com algum tipo de clculo econmico. Amente humana no capaz de se orientar a si prpria adequadamenteao longo de toda a atordoante massa de produtos intermedirios, bemcomo dentre todas as potencialidades de produo, sem tal ajuda. Ela

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    29/56

    29A natureza do clculo econmico

    simplesmente se quedaria perplexa ante os problemas de gerencia-mento e ambientao.6

    uma iluso imaginar que, em um estado socialista, o clculo innaturapode substituir o clculo monetrio. O clculoin natura, emuma economia sem trocas, pode abranger somente os bens de con-sumo; ele fracassa completamente quando tem de lidar com bens deordem mais alta. E to logo se abandone a idia de preos monetrioslivremente estabelecidos para os bens de ordem mais alta, a raciona-lidade na produo se torna completamente impossvel. Qualquermedida que nos afaste da propriedade privada dos meios de produoe do uso do dinheiro, tambm nos afasta da racionalidade econmica.

    fcil negligenciar este fato quando consideramos que o grau desocialismo genuno nossa volta constitui apenas uma ilha de socia-lismo em meio a uma sociedade com trocas monetrias e que ain-da uma sociedade livre, at certo ponto. De certo modo, podemosconcordar com a afirmao dos socialistas afirmao essa que, emoutros contextos, totalmente insustentvel e defendida apenas pormotivos demaggicos de que a estatizao de empresas no repre-senta de fato o socialismo, uma vez que essas empresas so to depen-dentes do sistema econmico e do livre comrcio que as cercam, que

    no se poderia dizer que elas representam uma economia essencial-mente socialista.

    Aperfeioamentos tcnicos esto sendo introduzidos em empresasestatais porque tais aperfeioamentos foram adotados por empresasprivadas similares domsticas ou estrangeiras com bons resul-tados, e tambm porque as indstrias privadas que produzem os ma-teriais para esses aperfeioamentos fomentam sua introduo. Nessasempresas, as vantagens da reorganizao podem ser verificadas por-

    que elas operam dentro da esfera de uma sociedade baseada na pro-priedade privada dos meios de produo e no sistema monetrio detrocas, sendo assim capazes de calcular e contabilizar. Essa situao,entretanto, no seria predominante no caso de empresas socialistasoperando em um ambiente puramente socialista.

    Sem o clculo econmico no pode existir uma economia. Portan-to, em um estado socialista no qual o clculo econmico impossvel,no pode existir no nosso sentido do termo qualquer economia.

    Em questes triviais e secundrias, a conduta racional poderia aindaser possvel, mas em termos gerais seria impossvel falar de produo

    6Friedrich von Gottl-Ottlilienfeld, Wirtschaft und technik (Grundriss der Sozialkonomik, Seo II; T-bingen: J.C.B. Mohr, 1914), p. 216.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    30/56

    30 Ludwig von Mises

    racional. No haveria meios de se determinar o que seria racional;e, sendo assim, bvio que a produo jamais poderia ser guiada pormeras consideraes econmicas. O que isso significa alm dosefeitos sobre a oferta de mercadorias est muito claro: a condutaracional estaria completamente divorciada de seu mbito apropriado.Mas ser que de fato existe algo como conduta racional, ou, maisainda, algo como racionalidade e lgica dentro de nossas noes ereflexes? Historicamente, a racionalidade humana um desenvol-vimento da vida econmica. Poderia aquela prevalecer se divorciadadesta? Se tal evento acontecesse, como seria?

    Por algum tempo, a memria da experincia adquirida com aeconomia competitiva que, afinal, o sistema dominante halguns milhares de anos poderia adiar um pouco o completocolapso da economia. Os antigos mtodos de procedimento pode-riam ser mantidos, no por causa de sua racionalidade, mas porqueaparentariam j estarem consagrados pela tradio. Aps algumtempo, esses mtodos se tornariam irracionais, pois no mais se-riam compatveis com as novas condies. Eventualmente, porcausa da reconstruo generalizada do pensamento econmico,eles sofreriam alteraes que os tornariam de fato antieconmicos.A oferta de bens no mais prosseguiria anarquicamente por si s,como atualmente. Todas as transaes com o propsito nico desatisfazer as necessidades mtuas estariam sujeitas ao controle deuma autoridade suprema. Assim, em lugar de haver um mtodoanrquico de produo, todos os recursos estariam entregues produo irracional de maquinarias despropositais. As engrena-gens iriam girar, mas sem efeito algum.

    Pode-se antecipar qual ser a natureza da futura sociedade socia-lista. Haver centenas de milhares de fbricas em operao. Poucas

    estaro produzindo bens prontos para seu uso final; na maioria doscasos, o que ser manufaturado sero bens inacabados e bens de pro-duo. Todas essas empresas sero inter-relacionadas. Cada bem pas-sar por uma srie de estgios de produo antes de estar pronto parauso. Entretanto, nesse ininterrupto, montono e repetitivo processo,a administrao estar sem quaisquer meios de avaliar a eficcia desua produo. Ela nunca poder determinar se um dado bem ficouou no por um tempo desnecessariamente longo em sua linha de pro-duo, ou se houve desperdcio de trabalho e materiais durante a ma-nufatura. Ademais, como poder ela determinar qual dos inmerosmtodos de produo o mais lucrativo? Na melhor das hipteses,ela poder apenas comparar a qualidade e a quantidade do produtofinal produzido, mas, somente em casos extremamente raros podercomparar as despesas acarretadas pela produo.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    31/56

    31A natureza do clculo econmico

    Ela saber, ou pensar que sabe, os fins a serem alcanados pelaorganizao econmica, e ter de regular suas atividades correspon-dentemente isto , ela ter de atingir esses fins com o menor gastopossvel. Ela ter de fazer suas estimativas na esperana de encontraro mtodo mais barato. Essa estimativa ter naturalmente de ser umaestimativa de valor. E a esta altura j est eminentemente claro eno se faz necessrio qualquer prova adicional que tal estimativano tem como ser de carter tcnico e tampouco pode se basear novalor objetivo do uso de bens e servios.

    Por outro lado, no sistema econmico de propriedade privada dosmeios de produo, o sistema de estimativa se d pelo clculo de valor,e este necessariamente empregado por cada membro independentede uma sociedade. Todos participam desse processo em uma via demo dupla: de um lado, como consumidor; do outro, como produtor.Como consumidor, o indivduo estabelece uma escala de valoraopara os bens que esto prontos para o consumo final. Como produtor,ele arranja os bens de ordem mais alta de modo a gerarem o maior re-torno possvel na produo destes bens que os consumidores querem.Dessa forma, todos os bens de ordem mais alta so posicionados na es-cala de valoraes de acordo com o estado atual das condies de pro-duo e de acordo tambm com as necessidades sociais. Atravs dainterao desses dois processos de valorao, os meios sero capazesde reger tanto o consumo como a produo, por todo o sistema eco-nmico. Todo o sistema de precificao um sistema de graduaes, etal sistema deriva do fato de que os homens sempre harmonizaram, esempre harmonizaro, suas prprias necessidades com suas estimati-vas acerca dos fatos econmicos.

    Tudo isso est necessariamente ausente em um estado socialista.A administrao pode at saber exatamente quais bens so os mais

    urgentemente necessitados, mas esse somente um dos dois pr-re-quisitos necessrios para o clculo econmico. E, pela natureza do so-cialismo, a administrao ter de renunciar a esse outro pr-requisito a valorao dos meios de produo. Ela pode chegar a estabeleceralgum valor para a totalidade dos meios de produo; este valor serobviamente idntico ao valor dado a todas as necessidades satisfeitas.Ela tambm poder calcular o valor de qualquer meio de produoestimando quais sero as consequncias para a satisfao das neces-sidades caso esses meios sejam retirados. Todavia, a administraono poder fazer com que esse valor seja expresso uniformemente naforma de um preo monetrio, como o faz uma economia competitiva,onde todos os preos podem ser representados por meio de uma ex-presso comum em termos de dinheiro. Em uma sociedade socialista,embora ela no tenha por necessidade que abolir todo o dinheiro, se-

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    32/56

    32 Ludwig von Mises

    ria impossvel utiliz-lo para expressar os preos dos fatores de pro-duo (incluindo a mo-de-obra). O dinheiro no ter funo algumano clculo econmico.7

    Imagine a construo de uma nova ferrovia. O primeiro passo se-ria responder s seguintes questes: ser que ela deve ser construdae, em caso positivo, quantas, dentre um nmero de trechos conceb-veis, deveriam ser construdas? Em uma economia monetria e com-petitiva, essas dvidas seriam resolvidas pelo clculo monetrio. Anova ferrovia iria baratear o transporte de alguns bens e seria possvelcalcular se tal reduo de custos de transporte supera os custos envol-vidos na construo e manuteno de uma outra ferrovia. Tudo issos pode ser calculado em termos monetrios. No possvel chegara alguma concluso simplesmente contrabalanceando o consumo deequipamentos e o estoque de equipamentos. Quando passa a no serpossvel expressar ferro, carvo, horas de trabalho e todos os tipos demateriais de construo, de mquinas e outras coisas necessrias paraa construo e manuteno da ferrovia em termos de alguma unidadecomum, ento no mais possvel fazer qualquer tipo de clculo. Acontabilizao de despesas, em termos econmicos, somente poss-vel quando todos os bens e servios podem ser aludidos em termos

    monetrios. fato que o clculo monetrio tem suas inconvenincias,bem como srios defeitos, mas certamente no temos nada melhorpara colocar em seu lugar; e, para os propsitos prticos da vida, oclculo monetrio como o conhecemos, em um sistema monetrio s-lido, sempre ser suficiente. Tivssemos de aboli-lo, qualquer sistemaeconmico baseado no clculo se tornaria absolutamente impossvel.

    A sociedade socialista saberia como se virar. Assim, provavelmen-te ela iria emitir algum decreto decidindo se tal construo deveria ouno ser realizada. Entretanto, essa deciso iria, na melhor das hipte-ses, depender de estimativas vagas; ela jamais seria fundamentada emalgum clculo exato de valor.

    O estado esttico pode dispensar o clculo econmico porque neleos mesmos eventos da vida econmica ocorrem repetidamente; e sepressupormos que o primeiro arranjo de uma economia socialista es-ttica ser baseado no estado final em que se encontrava a economiacompetitiva, podemos at conceber de um ponto de vista econmi-

    7Esse fato tambm reconhecido por Otto Neurath (Durch die Kriegswirtschaft zur Naturalwirtschaft[Mu-nique: G.D.W. Callwey, 1919], pp. 216 f.). Ele defende a idia de que toda economia completamente ad-

    ministrativa , em ltima instncia, uma economia natural. A socializao, diz ele, portanto a busca

    pela economia natural. Neurath meramente ignora as insuperveis dificuldades que seriam inerentes ao

    clculo econmico em uma sociedade socialista.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    33/56

    33A natureza do clculo econmico

    co um sistema de produo socialista racionalmente controlado.Mas isso possvel apenas conceitualmente. Por ora, deixaremos delado o fato de que um estado esttico algo impossvel na vida real,uma vez que os dados econmicos esto em constante mudana. (Anatureza esttica da atividade econmica apenas uma suposio te-rica que no corresponde a nenhuma situao real, por mais necess-ria que possa ser para o nosso raciocnio e para o aperfeioamento donosso conhecimento econmico).

    Ainda assim, correto supor que a transio para o socialismo ir como consequncia do nivelamento das diferenas de renda e dosreajustes no consumo, e consequentemente da produo alterar to-dos os dados econmicos de tal modo que um elo com o estado final emque se encontrava a economia competitiva seria algo impossvel. Masa ento teramos o espetculo de uma ordem econmica socialista sema bssola do clculo econmico, o que a faria se debater em meio a umvasto oceano de combinaes econmicas possveis e concebveis.

    Portanto, em um estado socialista, cada mudana econmica se tor-na um empreendimento cujo sucesso no pode nem ser estimado ante-cipadamente e nem ser determinado retroativamente. H apenas mo-vimentos cegos. O socialismo a abolio da racionalidade econmica.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    34/56

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    35/56

    CAPTULO3

    O CLCULOECONMICONA

    COMUNIDADESOCIALISTA

    Mas ser que estamos realmente abordando as inevitveis conse-quncias da propriedade comunal dos meios de produo? No hum meio atravs do qual algum tipo de clculo econmico possa serassociado a um sistema socialista?

    Em todas as grandes empresas, cada seo possui, de certa forma,uma independncia em sua contabilidade. Cada seo capaz de cal-cular e comparar os custos da mo-de-obra com os custos dos mate-riais, o que torna possvel que cada grupo individual atinja um deter-minado equilbrio e classifique, por meio de uma abordagem cont-bil, os resultados econmicos de sua atividade. Pode-se assim apurarqual foi o sucesso que cada seo em particular obteve, bem comotirar concluses quanto necessidade de haver reorganizaes, cortesde despesas, abolio ou expanso de grupos existentes, ou at mesmo

    a criao de novos. Reconhecidamente, alguns erros so inevitveisem tais clculos. Eles surgem parcialmente em decorrncia das di-ficuldades de se alocar as despesas gerais. J outros erros surgem danecessidade de se calcular aquilo que, sob vrios pontos de vista, noconstitui dados rigorosamente determinveis por exemplo, quan-do, ao se avaliar a lucratividade de um dado mtodo de produo,calcula-se a depreciao das mquinas baseando-se na hiptese deelas terem uma durabilidade j pr-determinada. Ainda assim, todosesses erros podem ser considerados nfimos, de modo que eles noatrapalham o resultado lquido do clculo. O que restar de incerto vaientrar no clculo da incerteza das condies futuras, que afinal umacaracterstica inevitvel da natureza dinmica da vida econmica.

    Seguindo-se essa lgica, pode ser tentador querer fazer por meiode analogias estimativas e valoraes individuais para determina-dos grupos de produo no estado socialista. Mas isso seria totalmenteimpossvel, pois cada clculo econmico para cada seo individual damesma empresa s pode ser feito se houver um livre mercado de forma-o de preos. exatamente nas transaes de mercado que os preosde mercado a serem tomados como base para todos os clculos so formados para todos os tipos de bens e mo-de-obra empregados.Onde no h um livre mercado, no h mecanismo de preos; e sem ummecanismo de preos, impossvel haver clculo econmico.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    36/56

    36 Ludwig von Mises

    Alguns podem imaginar que possvel uma situao na qual a tro-ca entre determinados ramos de negcios seja permitida a fim de seobter o mecanismo que determina as relaes de troca (preos) e, comisso, criar uma base para o clculo econmico, mesmo na comuni-dade socialista. Dentro da estrutura de uma economia uniforme, naqual no h propriedade privada dos meios de produo, cada gru-po trabalhista constitudo de maneira independente, porm todoscontinuam subjugados e tendo de se comportar de acordo com as di-retivas expedidas pelo supremo conselho econmico. No obstante,cada grupo trabalhista iria ofertar servios e bens materiais ao outrogrupo somente em troca de algum pagamento, que teria de ser feitoutilizando-se o meio geral de troca. Grosso modo, quando se fala

    da completa socializao da economia, dessa maneira que algumaspessoas imaginam como seria a organizao da gerncia socialistados negcios. Mas ainda no chegamos ao ponto crucial. Relaesde troca entre bens de produo somente podem ser estabelecidas seestiverem baseadas na propriedade privada dos meios de produo.Quando o sindicato dos carvoeiros fornece carvo ao sindicato dosmetalrgicos, nenhum preo pode ser formado, exceto se ambos ossindicatos forem os donos dos meios de produo empregados emseus respectivos negcios. Isso no seria um socialismo, mas, sim,

    um sindicalismo ou um capitalismo trabalhista.Para aqueles tericos socialistas que se fundamentam na teoria do

    valor trabalho, o problema, obviamente, realmente muito simples.Segundo Engels,

    To logo a sociedade se aposse dos meios de produo eponha-os a produzir em sua forma diretamente socializa-da, o trabalho de cada indivduo, por mais diferente quesua utilidade especfica possa ser, se transforma a priori e

    diretamente em trabalho social. A quantidade de traba-lho social investida em um produto no precisar, a par-tir de ento, ser estabelecida indiretamente; a experinciadiria imediatamente nos dir quanto ser necessrio, namdia. A sociedade poder simplesmente calcular quan-tas horas de trabalho so empregadas em uma mquina avapor, na colheita de um determinado volume de cereaise em 100 jardas de linho de uma dada qualidade... Certa-mente a sociedade tambm ter de saber quanto trabalhoser necessrio para produzir qualquer bem de consumo.Ela ter de arranjar seu plano de produo de acordo coma disponibilidade de seus meios de produo e, claro,a fora de trabalho cai nessa categoria. As utilidades dosvrios bens de consumo, ponderadas entre si e em rela-

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    37/56

    37O clculo econmico na comunidade socialista

    o quantidade de trabalho requerida para produzi-las,iro em ltima instncia determinar o plano. O povo irsimplificar tudo, sem a mediao do famigerado valor1

    No nossa tarefa aqui reafirmar as objees crticas teoria dovalor-trabalho. Neste ponto, elas podem nos interessar apenas na me-dida em que nos permitem julgar a possibilidade de fazer do trabalhoa base dos clculos econmicos em uma comunidade socialista.

    primeira vista, o clculo em termos do trabalho tambm levaem considerao as condies naturais isto , no humanas daproduo. A lei dos retornos decrescentes j est includa no concei-to marxista do tempo de trabalho socialmente necessrio, uma vez

    que a variao das condies naturais de produo altera o clculo dotrabalho. Por exemplo, se a demanda por uma mercadoria aumentar,e isso consequentemente fizer com que recursos naturais piores te-nham de ser explorados, ento o tempo mdio do trabalho socialmen-te necessrio para a produo de uma unidade ir aumentar tambm.Se recursos naturais mais favorveis forem descobertos, a quantidadede trabalho socialmente necessrio ir diminuir.2 Essa consideraoacerca das condies naturais de produo somente ser vlida se pu-der ser refletida na quantidade de trabalho socialmente necessrio.

    Mas nesse aspecto que a valorao em termos do trabalho semostra inadequada. Ela no leva em conta o emprego dos fatoresmateriais de produo. Suponhamos que a quantidade de tempo detrabalho socialmente necessrio requerido para a produo de duasmercadorias, P e Q, seja de 10 horas cada. Alm disso, alm do tra-balho requerido, a produo tanto de P quanto de Q exige o uso damatria-prima A, sendo que uma unidade desta produzida em umahora de trabalho socialmente necessrio; 2 unidades de A e 8 horas

    de trabalho so utilizadas na produo da P, e uma unidade de A e 9horas de trabalho so utilizadas na produo de Q. Em termos detrabalho, P e Q parecem ser equivalentes, mas no so. Em termos devalor, P vale mais do que Q. Somente essa ltima desigualdade cor-responde essncia e ao propsito do clculo econmico. verdadeque este excedente o fato de P valer mais do que Q, de acordo como clculo de valor um substrato material fornecido pela naturezasem qualquer adio humana.3 Ainda assim, o fato de tal bem existir

    1Friedrich Engels,Herrn Eugen Dhrings Umwlzung des Wissenschaft, 7th ed., pp. 335 f. [Traduzido porEmile Burns como A Revoluo Cientfica deHerr Eugen Dhring - Anti-Dring (Londres: Lawrence &Wishart, 1943).]

    2Karl Marx, Capital, traduzido por Eden e Cedar Paul (Londres: Allen & Unwin, 1928), p. 9.3Karl Marx, Capital, traduzido por Eden e Cedar Paul (Londres: Allen & Unwin, 1928), p. 12.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    38/56

    38 Ludwig von Mises

    apenas em quantidades no-abundantes, o que necessariamente obri-ga um uso mais frugal, tem de ser levado em conta, de uma forma oude outra, no clculo do valor.

    O segundo defeito do clculo em termos de trabalho que tal m-todo ignora as diferentes qualidades do trabalho. Para Marx, todo tra-balho humano economicamente do mesmo tipo, pois ele sempreo dispndio produtivo do crebro, dos msculos, dos nervos e dasmos humanas.4

    O trabalho qualificado nada mais do que um trabalhosimples que foi intensificado ou mesmo multiplicado.Destarte, uma quantidade pequena de trabalho qualifica-

    do igual a uma quantidade grande de trabalho simples.A experincia mostra que o trabalho qualificado semprepoder ser traduzido em termos de trabalho simples.No importa que uma dada mercadoria seja o produto dotrabalho mais altamente capacitado seu valor semprepoder ser equiparado ao valor daquela que produto deum trabalho simples, de modo que ela representa mera-mente uma quantia definida de trabalho simples.

    Bhm-Bawerk no est muito errado quando diz que esse argumen-to um truque terico espantosamente ingnuo.5 Para julgarmos aviso de Marx nem preciso averiguarmos se existe uma medida fisio-lgica uniforme para todo o trabalho humano, seja ela fsica ou men-tal. Pois certo que existe entre os homens graus variveis de capa-cidade e destreza, o que faz com que os produtos do trabalho tenhamqualidades variveis. Ao decidirmos se vlido fazer clculos em ter-mos de trabalho, o que deve ser verificado se possvel ou no colocardiferentes tipos de trabalho sob um mesmo denominador comum sem

    que os consumidores faam qualquer valorao dos produtos geradospor cada trabalho. Porm, a prova que Marx tenta apresentar no lograxito. A experincia na verdade mostra que os bens so consumidosem relaes de troca sem que se considere se foram produzidos portrabalho simples ou complexo. E apenas se fosse possvel mostrar queo trabalho a fonte do valor de troca desses bens que se poderia dizerque certas quantidades de trabalho simples so diretamente iguais acertas quantidades de trabalho complexo. Essa homogeneidade noapenas no demonstrada, como na verdade ela exatamente o que

    Marx estava tentando demonstrar atravs desses mesmos argumentos.

    4Karl Marx, Capital, traduzido por Eden e Cedar Paul (Londres: Allen & Unwin, 1928), p. 13 et seq.5Cf. Eugen von Bhm-Bawerk, Capital and Interest, traduzido por William Smart (Londres e Nova York:Macmillan, 1890), p. 384.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    39/56

    39O clculo econmico na comunidade socialista

    O fato de que, em uma economia de troca, as taxas de substituioentre trabalho simples e complexo se manifestam em termos de sal-rio em nada ajuda na tentativa de se comprovar essa homogeneidade um fato ao qual Marx no faz qualquer aluso nesse contexto. Esseprocesso de comparao o resultado das transaes de mercado; eleno as antecede, ele advm delas. O clculo em termos do trabalho,para funcionar igualmente bem, teria de criar uma proporo arbi-trria que fizesse essa substituio entre o trabalho simples e o com-plexo. Mas isso o tornaria intil como instrumento de organizaoeconmica dos recursos.

    H muito se supunha que a teoria do valor-trabalho era indispen-svel ao socialismo, e que ela fornecia uma necessria base tica para

    a exigncia da socializao dos meios de produo. Agora j sabemoso erro que isso representa. Embora a maioria dos defensores do so-cialismo tenha empregado essa concepo errnea inclusive Marx,que, conquanto tenha adotado fundamentalmente outra viso, noestava completamente livre daquela , j est claro que os clamo-res polticos pela implantao da produo socializada no requereme nem podem obter o suporte da teoria do valor-trabalho. Outraspessoas que tenham idias diferentes quanto natureza e origem dovalor econmico tambm podem ser socialistas em seus sentimentos;entretanto, a teoria do valor-trabalho inerentemente necessria aosdefensores do modo socialista de produo de uma maneira que no exatamente a imaginada: em uma economia socialista, a produo spoder parecer racionalmente realizvel se fizer uso de uma unidadede valor objetivamente reconhecvel, a qual iria permitir o clculoeconmico em uma economia em que nem o dinheiro e nem as trocasestariam presentes. E apenas o trabalho pode concebivelmente serconsiderado essa unidade de valor.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    40/56

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    41/56

    CAPTULO4

    RESPONSABILIDADEEINICIATIVA

    EMEMPRESASCOMUNAIS

    O problema da responsabilidade e da iniciativa em empresas socia-listas estritamente ligado ao problema do clculo econmico. Trata--se de um fato universalmente aceito que, a excluso da livre inicia-tiva e da responsabilidade individual, das quais depende o sucessodas empresas privadas, constitui a mais sria ameaa organizaoeconmica socialista.1

    Grande parte dos socialistas silenciosamente ignora esse problema.J outros acreditam que podem responder a este desafio fazendo umaaluso aos diretores-executivos das empresas. No obstante o fato deeles, os diretores-executivos, no serem realmente os proprietrios dosmeios de produo, as empresas sob seu comando prosperam. Logo,argumentam os socialistas, se a sociedade, em vez de os acionistas daempresa, se tornar a proprietria dos meios de produo, ento nada

    ter se alterado. Os diretores-executivos no trabalhariam menos sa-tisfatoriamente para a sociedade do que trabalham para os acionistas.

    necessrio aqui se fazer um comparativo entre dois grupos deempresas de sociedade annima. No primeiro grupo, que consisteprimordialmente de pequenas empresas, alguns poucos indivduos seunem em um empreendimento comum que assume a forma jurdicade uma empresa. Normalmente, eles so os herdeiros dos fundadoresda empresa, ou so ex-concorrentes que decidiram se fundir. Neste

    exemplo, o controle e a administrao da empresa est nas mos dosprprios acionistas ou de pelo menos alguns dos acionistas, que co-mandam a empresa de acordo com seus prprios interesses; ou nasmos de acionistas intimamente relacionados, como esposas, filhosetc. So os prprios diretores, na condio de membros do conselhode administrao, que exercem a influncia decisiva na conduta dosnegcios. Tal arranjo no alterado caso parte do capital social estejanas mos de um consrcio financeiro ou de um banco. Neste caso,com efeito, a empresa s se diferencia de uma empresa comercial decapital aberto em sua forma jurdica.

    1Cf. Vorlufiger Bericht der Sozialisierungskommission ber die Fragse der Sozialisierung des Kohlen-

    bergbaues, concludo em 15 de fevereiro de 1919 (Berlin, 1919), p. 13.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    42/56

    42 Ludwig von Mises

    A situao se torna bastante diferente para o caso de grandes em-presas, nas quais apenas uma fatia dos acionistas isto , os grandesacionistas participa do controle efetivo da empresa. E eles normal-mente possuem tanto interesse na prosperidade da empresa quantoqualquer proprietrio. Ainda assim, perfeitamente possvel que osinteresses deles sejam diferentes dos interesses da vasta maioria dospequenos acionistas, que so excludos da administrao, mesmo pos-suindo a maior fatia do capital social. Vrios conflitos de interessepodem ocorrer entre acionistas e diretores, principalmente quando osnegcios da empresa so geridos em prol destes ltimos. Seja comofor, est claro que os verdadeiros detentores do poder nas empresasgerem os negcios de acordo com seus prprios interesses, indepen-

    dentemente de se tais interesses coincidem com os dos acionistas ouno. No entanto, no longo prazo, do interesse do administradorsrio, que deseja uma carreira slida e que no est meramenteempenhado em obter um lucro passageiro , representar os interes-ses de seus acionistas em todas as situaes e evitar manipulaes quepossam trazer-lhes prejuzos. Logo, o sucesso de uma empresa nodepende meramente da adoo de motivos ticos. Os interesses eco-nmicos so tambm essenciais.

    A situao se altera por completo quando uma empresa estatiza-da. A motivao desaparece com a excluso dos interesses materiaisdos empreendedores privados; e se de algum modo as estatais pros-perarem, isso se deve ao fato de elas estarem copiando prticas deadministrao de empresas privadas, ou ao fato de estarem constan-temente sendo foradas a adotar reformas e inovaes pelos empreen-dedores privados de quem elas compram instrumentos de produo ematria-prima.

    Dado que hoje estamos em uma posio que nos permite pesquisar

    dcadas de empreendimentos estatais e socialistas, algo amplamentereconhecido que no h meios de se adotar mecanismos de estmulopara reformar e aprimorar a produo em empresas socialistas, queelas no so capazes de se ajustar s constantes alteraes na deman-da, e que, em suma, elas so um membro morto em um organismoeconmico. Todas as tentativas de dar vida a elas at hoje tm sidoem vo. Supunha-se que uma reforma no sistema de remuneraopoderia alcanar o objetivo desejado. Se os administradores destasempresas estivessem interessados nos seus rendimentos, imaginava--se que eles ento estariam em uma posio comparvel quela doadministrador de grandes empresas. Esse foi um erro fatal. Os ad-ministradores de grandes empresas esto ligados aos interesses dasempresas que eles administram de uma maneira totalmente diferentedaquela que impera em empresas estatais. Eles ou j so proprietrios

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    43/56

    43Responsabilidade e iniciativa em empresas comunais

    de uma considervel fatia das aes da empresa ou esperam se tornarno devido tempo. Ademais, eles esto na posio de obter lucros pormeio de especulao das aes da empresa. Eles tm a perspectiva delegar seus cargos ou ao menos garantir parte de sua influncia para seus herdeiros. O tipo de administrador responsvel pelo suces-so de empresas de sociedade annima no se assemelha em nada aode um complacente diretor-executivo semelhante a um funcionriopblico em sua mentalidade e experincia; ao contrrio, tal adminis-trador necessariamente um gerente profissional, um empreendedore homem de negcios que est ele prprio, na condio de acionista,interessado no bem da empresa. E exatamente esse tipo de adminis-trador que toda a estatizao tem o objetivo de excluir.

    Em um contexto socialista, de nada adianta recorrer a estes ar-gumentos para garantir que uma ordem econmica construda sobrefundamentos socialistas ter sucesso. Todos os sistemas socialistas,inclusive aquele de Karl Marx e seus apoiadores ortodoxos, partemda suposio de que, em uma sociedade socialista, um conflito entreos interesses do indivduo e do coletivo jamais poder surgir. Todosiro agir com total interesse em dar o seu melhor, pois ele participada produo de toda a atividade economia. A bvia objeo de que

    o indivduo est muito pouco preocupado em determinar se ele pr-prio diligente e entusistico, e que da maior importncia para eleque todos os outros o sejam, algo completamente ignorado por eles.Quando muito, insuficientemente abordado. Eles acreditam quepodem construir uma economia socialista tendo por base apenas oImperativo Categrico. O quo suave a inteno deles em procederdesta maneira foi bem explicitado por Kautsky quando ele diz, Seo socialismo uma necessidade social, ento a natureza humana, eno o socialismo, quem deve se reajustar s necessidades caso os dois

    venham a colidir.2

    Isso nada mais do que uma absoluta quimera.Porm, mesmo se por um momento concedermos que tais expec-

    tativas utpicas possam realmente se materializar, que cada indivduoem uma sociedade socialista ir se empenhar com o mesmo fervorcom que se empenha hoje em uma sociedade na qual ele est sujeito presso da livre concorrncia, ainda h o problema de se mensurar oresultado da atividade econmica em uma economia que no permitequalquer tipo de clculo econmico. No podemos agir de maneira

    racionalmente econmica se estamos em uma situao que no nospermite entender o que agir de modo economicamente racional.

    2Cf. Karl Kautsky, Prefcio de Atlanticus[Gustav Jaeckh],Produktion und Konsum im Sozialstaat(Stut-tgart: J.H.W. Dietz, 1898), p. 14.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    44/56

    44 Ludwig von Mises

    Uma frase popular afirma que, se os trabalhadores de empresasestatais pensarem menos burocraticamente e mais comercialmente,tais empresas iro funcionar to bem quanto empresas privadas. Seos principais cargos forem ocupados por mercadores, a renda cresceraceleradamente. O problema que mentalidade comercial no algo externo, algo que pode ser arbitrariamente transferido. As qua-lidades de um comerciante no dependem de aptides inatas e nemso adquiridas por meio de estudos em uma escola de comrcio ou pormeio do trabalho em um estabelecimento comercial. Tampouco de-pendem de ele j ter sido um homem de negcios durante algum tem-po. A atitude e a vivacidade comercial de um empreendedor surge desua posio no processo econmico; porm, ela perdida quando ele

    sai desse ramo.Quando um homem de negcios bem sucedido nomeado gerente

    de uma empresa estatal, ele ainda pode trazer consigo alguma experi-ncia de sua atividade anterior e, com isso, ser capaz de fazer provei-toso uso dela por algum tempo. No entanto, com sua entrada na ativi-dade estatal, ele deixa de ser um comerciante e se torna uma burocrataigual a qualquer outro funcionrio pblico que ganhou uma sinecurano setor estatal. No o conhecimento de regras de contabilidade, de

    organizao empresarial ou do estilo de comunicao comercial quefazem de um indivduo um bom comerciante, mas sim sua posiorepresentativa no processo de produo, o qual permite a identifica-o entre seus interesses e os da empresa. Otto Bauer [proeminentepensador marxista e lder Partido Social-Democrata Austraco] no estapresentando nenhuma soluo quando prope, em sua mais recenteobra publicada, que os diretores do Banco Central Nacional, para osquais ser concedido o comando do processo econmico, sejam no-meados por um conselho diretor, do qual tambm participariam re-

    presentantes do sindicato dos professores do ensino mdio.3

    Assimcomo os filsofos de Plato, os diretores nomeados podem at ser osmais brilhantes e sbios de sua categoria, mas eles no podem se por-tar como mercadores ocupando cargos de comando de uma sociedadesocialista, mesmo que eles j tenham sido mercadores anteriormente.

    Trata-se de uma reclamao geral o fato de que a administrao deempresas estatais no possui iniciativa. Os socialistas creem que issopode ser remediado por meio de mudanas na organizao. Trata-se

    de outro erro atroz. A administrao de uma empresa socialista nopode ser inteiramente colocada nas mos de um nico indivduo, poissempre haver uma constante suspeita de que ele ir tirar proveito de

    3Cf. Otto Bauer,Der Weg zum Sozialismus(Vienna: Ignaz Brand, 1919), p. 25.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    45/56

    45Responsabilidade e iniciativa em empresas comunais

    tal situao e, com isso, permitir que seus erros que inflijam pesadosdanos sociedade. Por outro lado, se as decises importantes torna-rem-se dependentes dos votos de comits, ou do consentimento deimportantes funcionrios do governo, ento se est impondo limita-es na iniciativa deste indivduo. Comits raramente so propensosa introduzir inovaes ousadas.

    A ausncia de livre iniciativa nas empresas estatais decorre node uma ausncia de organizao, mas sim do fato de isso ser algo ine-rente natureza desse tipo de organizao. No se pode permitir queum empregado tenha a liberdade de organizar livremente os fatoresde produo, por mais alto que ele esteja no escalo da burocracia. Atentao para tirar vantagem da situao ser enorme. Quanto maisacentuado for o seu interesse material na consecuo de suas atribui-es, menor ser a possibilidade de a ele ser designada tal tarefa. Pois,na prtica, ele poder no mximo ser moralmente responsabilizadopelas perdas geradas. Ele no ter como restituir seus erros. Portan-to, no socialismo, as fraquezas ticas so justapostas s oportunidadesde ganhos materiais.

    J sob um arranjo liberal, o dono da propriedade arcar ele prpriocom a responsabilidade, pois ele ser o principal atingido pelo preju-zo de ter conduzido seus negcios imprudentemente. precisamenteneste quesito que existe uma percuciente diferena entre o modo deproduo liberal e o modo de produo socialista.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    46/56

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    47/56

    CAPTULO5

    ASMAISRECENTESDOUTRINASSOCIALISTAS

    EOPROBLEMADOCLCULOECONMICO

    Desde que os recentes eventos ajudaram os partidos socialistasa obterem poder na Rssia, na Hungria, na Alemanha e na ustria,e consequente fizeram com que a implementao de um programasocialista de estatizao se tornasse uma questo atual,1escritoresmarxistas comearam eles prprios a abordar com mais detalhesos problemas da regulao da economia socialista. Porm, mes-mo hoje eles ainda evitam a questo crucial, deixando que ela sejaresolvida pelos utopistas. Eles prprios preferem confinar suaateno a tudo o que deve ser feito no futuro imediato. E issoque eles sempre fizeram: esto eternamente elaborando programassobre o caminho para o socialismo e no sobre o socialismo emsi prprio. A nica concluso possvel a ser obtida destes escri-tos que tais escritores no esto sequer conscientes do problema

    maior, que exatamente o problema do clculo econmico em umasociedade socialista.

    Para Otto Bauer, a estatizao dos bancos o ltimo e decisivopasso rumo ao programa socialista de estatizao. Se todos os bancosforem estatizados e amalgamados em um nico banco central, entoseu conselho administrativo passar a ser a suprema autoridade eco-nmica, o principal rgo administrativo de toda a economia. So-mente por meio da estatizao dos bancos ter a sociedade o poder deregular sua mo-de-obra de acordo com um plano, e de distribuir seusrecursos racionalmente entre os vrios setores da produo de modo aadapt-los s necessidades da nao.2

    Bauer no est discutindo os arranjos monetrios que iro prevale-cer na economia socialista aps a concluso da estatizao dos bancos.Assim como outros marxistas, ele est tentando mostrar quo sim-ples e bvio ser o processo de transio das atuais condies vigentesem uma economia capitalista para a futura ordem socialista. Bastatransferir para os representantes da nao o poder que hoje exercidopelos acionistas dos bancos por meio dos Conselhos Administrativos

    1O leitor deve ser lembrar que Mises est escrevendo em 1920

    2Cf. Otto Bauer,Der Weg zum Sozialismus(Vienna: Ignaz Brand, 1919), p. 26 f.

  • 7/22/2019 Calculo Economico Mises

    48/56

    48 Ludwig von Mises

    que eles elegem3para que se possa estatizar os bancos e, com isso,assentar o ltimo tijolo na construo do socialismo.

    Bauer deixa seus leitores completamente ignorantes do fato de que

    a natureza dos bancos totalmente alterada nesse processo de esta-tizao e fuso em um nico banco central. Assim que os bancos sefundirem em um nico Banco, toda a sua essncia ser inteiramentetransformada; eles passaro a poder emitir crdito sem qualquer res-trio.4 Consequentemente, o sistema monetrio como o conhecemoshoje desaparecer por completo. Quando, no mais, o nico bancocentral de uma sociedade a qual j est completamente socializada for estatizado, as transaes de mercado iro desaparecer e todasas trocas comerciais por meio da moeda sero abolidas. Ao mesmotempo, o Banco deixa de ser um banco e suas funes especficas soextintas, pois no mais h lugar para ele nesta sociedade. Pode atser que o nome Banco seja mantido, que o Supremo Conselho Eco-nmico da economia socialista passe a ser chamado de Conselho deDiretores do Banco, e que eles faam suas reunies em um edifcioanteriormente ocupado por um banco. Mas ele no mais um banco,ele no cumpre nenhuma daquelas funes que um banco realiza emum sis