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A REDENÇÃO ROMÂNTICA NA OBRA SENHORA, DE JOSÉ DE ALENCAR ROMANTIC REDEMPTION IN WORK LADY OF JOSEPH ALENCAR Gislaine Sanches Ravagnani Miranda – [email protected] Graduanda do UNISALESIANO Profª. Drª. Adriana Monteiro Piromali Guarizo – UNISALESIANO – [email protected] RESUMO Esta pesquisa investiga o processo de construção da identidade feminina no período romântico da literatura brasileira, a partir da personagem Aurélia (Senhora) de José de Alencar. Considerando que a identidade não surge como algo já pronto, mas está sempre em processo de construção, é preciso não perder de vista o contexto social que a mulher ocupa na segunda metade do século XIX. Assim, Senhora é uma obra que representa a manifestação da força feminina, inserida numa sociedade extremamente voltada para o sexo oposto. Percebe-se, neste estudo, que a personagem feminina ganhou destaque nas narrativas desse período, principalmente as de José de Alencar, uma vez que este escritor foi capaz de ver a mulher estereotipada, segundo o modelo patriarcal de forma submissa e resignada diante do homem. Aurélia é personagem romântica, dominadora, ousada, inteligente, provando a força do poder feminino dentro da sociedade patriarcal. De fato, ela representa a mulher que resgatou a sua identidade romântica, mas consciente de sua posição enquanto sujeito social, enfim, a personagem representa, dentro do Romantismo, a evolução da mulher na literatura brasileira. Palavras-chave: Romantismo. Realismo. Redenção. ABSTRACT This research investigates the process of construction of female identity in the Romantic period of Brazilian literature, from the character Aurelia (Lady) by José de Alencar. Whereas the identity does not appear as something ready, but is always Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 4., n.9, jul/dez de 2013

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A REDENÇÃO ROMÂNTICA NA OBRA SENHORA, DE JOSÉ DE ALENCARROMANTIC REDEMPTION IN WORK LADY OF JOSEPH ALENCAR

Gislaine Sanches Ravagnani Miranda – [email protected] do UNISALESIANO

Profª. Drª. Adriana Monteiro Piromali Guarizo – UNISALESIANO – [email protected] 

RESUMO

Esta pesquisa investiga o processo de construção da identidade feminina no período romântico da literatura brasileira, a partir da personagem Aurélia (Senhora) de José de Alencar. Considerando que a identidade não surge como algo já pronto, mas está sempre em processo de construção, é preciso não perder de vista o contexto social que a mulher ocupa na segunda metade do século XIX. Assim, Senhora é uma obra que representa a manifestação da força feminina, inserida numa sociedade extremamente voltada para o sexo oposto. Percebe-se, neste estudo, que a personagem feminina ganhou destaque nas narrativas desse período, principalmente as de José de Alencar, uma vez que este escritor foi capaz de ver a mulher estereotipada, segundo o modelo patriarcal de forma submissa e resignada diante do homem. Aurélia é personagem romântica, dominadora, ousada, inteligente, provando a força do poder feminino dentro da sociedade patriarcal. De fato, ela representa a mulher que resgatou a sua identidade romântica, mas consciente de sua posição enquanto sujeito social, enfim, a personagem representa, dentro do Romantismo, a evolução da mulher na literatura brasileira.

Palavras-chave: Romantismo. Realismo. Redenção.

ABSTRACT

This research investigates the process of construction of female identity in the Romantic period of Brazilian literature, from the character Aurelia (Lady) by José de Alencar. Whereas the identity does not appear as something ready, but is always under construction, we must not lose sight of the social context that women occupy in the second half of the nineteenth century. So Lady is a work that is the manifestation of the feminine force, set in an extremely focused company to the opposite sex. It can be seen in this study that the female character was highlighted in the narratives of this period, especially by José de Alencar, as this writer was able to see the stereotypical woman, according to the patriarchal model of submissive and resigned way before man. Aurelia is romantic character, domineering, bold, intelligent, proving the strength of female power within the patriarchal society. In fact, it is the woman who rescued his romantic identity, but conscious of its position as a social subject, in short, the character is within the Romanticism, the evolution of women in Brazilian literature.

Key word: Romanticism. Realism. Redemption.

Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 4., n.9, jul/dez de 2013

INTRODUÇÃO

O trabalho em referência surgiu da observação feita acerca da postura da

personagem feminina Aurélia, inserida em uma das grandes obras da literatura

brasileira, do ano de 1875, denominada Senhora, de autoria de José de Alencar, a

qual pertencia ao período romântico, embora possuísse traços realistas. Apesar de a

narrativa ter sido produzida na segunda metade do século XIX, a personagem se

configura como uma mulher de personalidade forte, de presença definida e

marcante, olhar diferenciado diante da realidade representada.

O objetivo desta pesquisa é o de demonstrar que a redenção de Aurélia, ao

amor, ao sentimento que sustenta as bases do romantismo, em Senhora, evidenciou

a vitória do amor sobre a convenção social.

Para atingir o objetivo desejado, foi elaborada uma pesquisa bibliográfica.

1 UM OLHAR SOBRE O UNIVERSO ROMÂNTICO DE SENHORA

Este capítulo objetiva descrever, brevemente, o período literário conhecido

como Romantismo, em virtude de a obra em foco, Senhora, do autor José de

Alencar, pertencer a este movimento.

De acordo com Coutinho (2002), a partir dos apontamentos de Hibbard, o

Romantismo promoveu uma transformação estética e poética, surgindo como uma

contraposição ao estilo anterior, o Neoclassicismo.

Esse movimento “[...] cultivou principalmente a poesia lírica, o drama e o

romance social e de costumes, psicológico e sentimental, gótico e de aventuras, e

histórico, de tema medieval ou nacional” (COUTINHO, 2002, p.13).

Para Moysés (2001), o Romantismo filosófico surgiu na França, com o apoio

de Hegel, Schelling e Fichte, adeptos ao idealismo clássico.

Moysés (2001) e Coutinho (2002) apontam que, com a Independência do

Brasil em 1822, os autores ganharam fonte de inspiração, por se encontrarem em

um novo cenário sociocultural, o que os impelia a escrever sobre a natureza e as

questões políticas e sociais, do dia a dia da população. Nesse contexto cultural, o

Romantismo ganhou expressão, até os dias atuais.

Para os autores, o movimento literário Romântico deu-se para comunicar os

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pequenos grupos de interesses pessoais favoráveis ao rei, ou seja, a Monarquia.

Portanto, o romantismo e a elevação dos burgueses se aliaram, pois tinham os

mesmos propósitos e conquistaram prestígio, na mesma época. No momento em

que os ricos pensavam em ter fama socialmente, fazendo protestos perante a

sociedade, o movimento literário ganhava força para escrever sobre os

acontecimentos que favoreciam a classe da burguesia, pois eram eles que os

mantinham. Foi desse movimento que os escritores se tornaram profissionais, pois,

ao escrever assuntos que eram de interesse da classe média, conseguiam, cada vez

mais, meios para a subsistência, posto que a classe se via retratada por meio da

escrita, conscientizando seus valores morais e éticos (MOYSES, 2001, COUTINHO,

2002).

Moysés (2001) aponta ainda que, nessa época, os escritores brasileiros

lutavam para que o Romantismo europeu se moldasse às suas satisfações

doutrinárias, encenadas na natureza e na forma brasileira de escrever. O autor

também preceituou que o romantismo sentimental, que emociona com facilidade,

teve sua representação no livro Os Maias, de Éça de Queiroz.

No Brasil, há três tipos de romances escritos, os indianistas, os regionalistas e

urbanos ou de costumes.

José de Alencar é considerado o maior romancista do Romantismo brasileiro,

por ter abrangido em sua obra, de acordo com Fernandes (2009, p. 28), “o perfil da

cultura brasileira, na busca de uma identidade nacional que transcorresse os seus

aspectos sociais, geográficos e temáticos, numa linguagem mais brasileira, tropical,

sem o estilo português, que até então rodeava os livros de outros romancistas”.

Para Barbosa (2012), no romance indianista, a figura do índio é exaltada

como herói puro e inocente, pois este não faz parte da comunidade podre,

exprimindo os costumes e a linguagem. E esta forma de escrita proporcionou a

certos romances como documentos históricos.

Já o romance regionalista, segundo Barbosa (2012), engrandece o Brasil,

atuando em cada região com a cultura de sua população e individualidade.

Evidencia as diferenças raciais, linguísticas, social e cultural. Para Fernandes,

Ainda de acordo com Barbosa (2012), o ambiente do romance urbano é

retratado na vida da capital do Rio de Janeiro, protagonizados por personagens

femininos, relatando, com detalhes, a vida diária da burguesia, revelando o luxo e o

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esplendor das atividades sociais, bem como o seu caráter capitalista, na qual os

membros se identificam com os personagens.

De acordo com Gonzaga e Mercado (1985), o movimento Romântico se

manteve no Brasil, até a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, por

Machado de Assis, em 1981, que já estava em transição para o período realista.

Mas o romance que fundou o Romantismo foi aquele intitulado Suspiros Poéticos e

Saudades, de Domingos José Gonçalves de Magalhães, em 1936. O movimento

Romântico perdurou por longos 45 anos.

O momento histórico literário, no Brasil, ocorreu na década de 50. Este foi um

período muito produtivo, levando-se em consideração as várias publicações de

obras.

Ribeiro (2014) afirma que, nessa época, o romance sofre competição com os

mais diferentes veículos de comunicação, como o rádio, a televisão, o cinema e,

também, com o desenvolvimento do jornalismo. No entanto, os rivais acabam se

tornando aliados do romance, posto que a imprensa escrita exerceu influência e

divulgou a literatura e o cinema. Nos dias atuais, além dos meios de comunicaçao

que já existiam, encontram-se também os computadores e a internet, com forte

influência, dentre outros.

Ensina Ribeiro (2014) que, devido a tantas transformações na sociedade, faz-

se necessário que ocorra novas adequações no romance, pois a sociedade está

cada vez mais dinâmica, com um senso histórico pós-moderno. O que deixa de

existir no romance é a antiga estrutura, marcada para subtrair o sentido da narrativa,

fim das ideologias e à falência da sociedade burguesa.

Para Fernandes (2009) o romance brasileiro tem como marco principal José

de Alencar, pois, antes dele, os romances eram urbanos, sempre citando os

mesmos ambientes e mostrando com poucos detalhes os hábitos e comportamentos

da sociedade burguesa. Após José de Alencar ter inovado com novos estilos de

prosa romântica, como os romances regionalistas, históricos e indianistas, o

romance tornou-se crítico e realista.

2 O RETRATO ROMÂNTICO DE AURÉLIA

Ao realizar a apresentação descritiva, de forma resumida, da protagonista

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Aurélia Camargo, no que diz respeito aos aspectos românticos, é relevante retomar

os traços do Romantismo literário, o qual é um movimento cheio de imaginação,

poesia, subjetividade, mistério, nostalgia, pessimismo, sonho, fé, exageros

pitorescos, individualismo, ilogismos, divinização da mulher, além de ser movido

pela emoção e reflexão, não se atem as regras estruturais. (AGUIAR; COSTA, 2011)

Devido a esses valores sobre o Romantismo, sobre o estilo de vida, além de

acontecimentos na vida de José de Alencar que marcaram sua trajetória, “[...] pode-

se encontrar em Alencar, além da sociologia da vida urbana, sugestões psicológicas

muito acentuadas no sentido de pesquisa profunda [...]” (CANDIDO, 2000, p. 193).

O autor, em suas obras literárias, trabalha intensamente com personagens

extremamente sensíveis, densas, as quais evidenciam a força criadora do escritor.

Assim, pode-se comparar Aurélia às qualidades de uma vilã romântica do século

XIX, enquanto a conduta modesta e submissa da mulher era honrada.

Aurélia era uma mulher independente e de princípios religiosos, guarda em si

um jeito muito fácil de resolver os problemas; sua compreensão e inteligência, era

um mérito que a sociedade não aceitava, em relação às mulheres, posto que esse

título era dado somente aos homens. Aurélia, por sua vez, não aceitava o

comportamento da sociedade, em vários aspectos, considerava-a como adulterada.

Conservava em si os valores morais, mas quebrava as regras da modéstia feminina,

muito simples, porém autônoma, rompendo com os moldes femininos tradicionais.

Apaixonou-se por Fernando Seixas, um homem ambicioso, e logo deu início

ao namoro, tornando-se noivos. Tempo depois, o rapaz desfaz a relação, “movido

pela vontade de se casar com uma moça rica, Adelaide Amaral, e pelo dote ao qual

teria direito de receber”. (ALENCAR, 2004, p. 76)

Nesta época Aurélia conheceu o seu avô paterno, o qual se afeiçoou por ela,

fazendo um testamento, passando toda a sua herança para a neta. Após a morte do

avô e da mãe de Aurélia, ela tornou-se rica. Logo depois foi abandonada por Seixas,

que queria se casar com Adelaide, por um dote de trinta contos de réis.

Assim Aurélia procurou o senhor Lemos, seu tio, tutor e negociante, para que

ele fizesse uma proposta de casamento ao Fernando Seixas, por um dote de cem

contos de réis. O negócio realizado abrange um item que, em uma das cláusulas,

não poderia revelar a identidade da noiva por parte do contratado, até as vésperas

do casamento. Ao descobrir que sua noiva era Aurélia, Fernando ficou muito feliz,

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pois, na verdade, nunca deixou de amá-la.

Fernando Seixas era um jovem estudante de Direito, muito fino, elegante,

educado, inteligente e, também, muito carinhoso com as irmãs. A situação financeira

de Fernando conduzia-o a acreditar que a única saída para evitar a ruína total era

casar-se com um bom dote. Ao ser procurado pelo senhor Lemos, Fernando se

nega a aceitar o acordo; entretanto, dias mais tarde, vai encontrá-lo para aceitar a

proposta, desde que lhe sejam adiantados vinte contos de réis, sem dizer em que os

aplicará. A proposta é aceita. Seixas, então, se decide pelo acordo, porque gastou

as economias maternas e agora tem de dar à irmã um dote para seu casamento.

Sente-se aflito ao descobrir que Aurélia sabe sobre a mudança do casamento com

Adelaide. Aborrecido e afrontado, mas temeroso, acima de tudo, a pobreza, decide-

se, confirmando seu propósito com Lemos.

Fernando é envolvido pelo amor de Aurélia, pensa em desistir dos hábitos

caros, mas nao consegue se desvincular da sociedade em que estava acostumado a

frequentar. Após a transação comercial entre Seixas e Lemos, este último passa os

vinte contos de réis a Seixas e é apresentado à futura noiva. Seixas sentiu-se

humilhado. Lemos tranquilizou-o, dizendo que a noiva não sabia de nada sobre a

negociação. E, em poucos dias, oficializou o pedido de casamento, que foi aceito por

Aurélia Camargo.

A sociedade ficou estarrecida com a notícia de que uma moça rica escolhera

um moço pobre para se casar, em meio a tantos moços ricos que a admiravam.

Entre a moça humilde do bairro de Santa Teresa e a moça afortunada do bairro das

Laranjeiras ainda há a modéstia, com valor atribuído ao amor.

No primeiro encontro de Seixas e Aurélia, ela conduz a busca dele em direção

a si própria, apresentando-se a ele, como na primeira fase, demonstrando ter a

plenitude. A celebração do casamento é modesta, com poucos convidados e os

noivos se sentem felizes. Reuniu-se, na casa de Aurélia, ao convite da mesma, uma

sociedade escolhida, para assistir ao casamento. E, logo após, os convidados se

retiraram e o casal encontra-se sozinho. Nesse momento Aurélia se revela, com seu

plano de vingança, mostrando-lhe a reprovaçao e comunicando a negociação feita

pelos cem contos de réis.

Fernando Seixas não imaginava que Aurélia havia planejado a vingança,

pensando no que ocorreu no passado, pois reservou a noite nupcial para concluir

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seu plano obsessivo de vingança, impôs as regras conjugais. Seriam dois estranhos

dentro da mesma casa, mas, perante a sociedade e os criados, seria um casal

perfeito.

As palavras de Aurélia fazem com que Fernando Seixas se sinta traído,

ofendido, levando-o a dizer a ela que não a amava. “[...] Penetrado da

impossibilidade de retribuir o ultraje à senhora a quem havia amado, escutava

imóvel, cogitando no que lhe cumpria fazer; se matá-la a ela, matar-se a si, ou matar

a ambos” (ALENCAR, 2004, p. 75).

Na situação em que se encontrara, Fernando se regenera, é um esposo

dedicado, sendo submetido às determinações de sua senhora, apegou- se às coisas

simples, tornando-se um trabalhador disciplinado na repartição para conseguir o

montante em dinheiro para seu resgate, já que fora comprado, precisava obter seu

resgate.

D. Firmina, a mãe de encomenda, morava com Aurélia, então, todas as tardes

que Aurélia e Fernando saíam para o jardim, não davam denotações à D. Firmina

nem aos demais criados que mantinham um casamento de aparências; e os mais

singelos gestos de Aurélia demonstravam afeição e amor por Fernando Seixas, mas,

no momento em que ele a observava, ela relutava para não transparecer esse amor

e se crispava com ele.

Uma prova de amor de Aurélia para com Fernando, é quando ela chama um

pintor para fazer o retrato do marido, que desejava pôr na sala, ao lado do seu. A

obra não agradou Aurélia, pois a feição do marido ficou abatida, assim, ela pediu ao

artista para voltar outro dia. Aurélia, então, manipula a situação com o marido,

porque o quer com um semblante sereno. Fernando se ilude com as seduções da

mulher, perde a dureza da expressão. Sendo assim, o artista volta para continuar a

obra e, desta vez, consegue visualizar um semblante sereno e suave de Fernando e,

sob as ordens de Aurélia, pinta-o com roupas da época de quando se conheceram,

em Santa Tereza. O retrato com expressões duras foi colocado na sala de visitas e o

de expressões suaves, em seu quarto.

Certo dia, Aurélia leva Fernando em seu quarto e mostra-lhe o retrato,

dizendo que ali estava o homem que ela ainda amava; o artista, assim, conseguira

captar a alma desse homem e, quando ele resgatasse essa pureza, ela tornaria a

amá-lo.

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Aurélia não consegue esconder seus sentimentos e desejos. Ela tem um

orgasmo involuntário diante da obra, deixando Fernando perplexo: “Seixas estava

atônito. Sentindo-se ludíbrio dessa mulher, que o subjugava a seu pesar, escutava-

lhe as palavras, observava-lhe os movimentos e não a compreendia. Chamava a

razão, e ela fugia-lhe, deixando-o estático” (ALENCAR, 2004, p. 137). Entre essas e

outras cenas, Aurélia, declara seu amor por Fernando Seixas, dando sempre a

impressão de que ela era a senhora, dona de suas razões. No entanto, Aurélia

deixava extravasar toda a onda de sentimento que ainda tinha por Fernando,

quando ficavam próximos um do outro. Na obra, há inclusive um anticlímax, uma

expectativa do leitor quanto à entrega de Aurélia em relação aos sentimentos por

Fernando. Em um dos bailes de que participam, por exemplo, no momento em que

dançam uma valsa, diante da aproximação dos corpos e de seus rostos, tem-se a

impressão de que acontecerá um beijo. Infelizmente, há uma vertigem, sensação de

desmaio em Aurélia e, tornando-se mole, deixa seu corpo cair sobre os braços de

Fernando. Ele a pega no colo, leva-a para um lugar mais calmo, até que a moça

retoma a consciência. Os dois olhares se cruzam, eles se tratam com carinho e, ali,

vemos que os dois nutrem uma grande paixão, embora esta fique asfixiada pelo

orgulho de ambos.

Certa vez, no momento em que Fernando chega à sua casa, encontra Aurélia

e Eduardo Abreu (ex-namorado dela) conversando. Sentiu-se enciumado. E Aurélia

achava que ainda existia relacionamento entre o marido e Adelaide, pois encontrara

um antigo objeto dado pela moça junto aos pertences de Fernando.

Pela desconfiança, começaram as brigas e ambos passaram a ser ofenderem

mutuamente. Fernando pede a separação e Aurélia se justifica, para evita-la.

Porém, antes que a separação acontecesse, Aurélia ajoelha-se aos pés de

Fernando e suplica por seu amor, implorando por seu perdão.

Fernando ergue-a em seus braços e a beija com paixão. Mas, possuído por

um pensamento desanimador, afasta o seu rosto do rosto de Aurélia, olha-a com

profundo pesar e diz: "Não Aurélia! Tua riqueza separou-nos para sempre. Aurélia,

então, afasta-se de Fernando, vai até o toucador e volta com um envelope contendo

seu testamento” (ALENCAR, 2004, p. 176).

O romance termina com a confissão de amor por parte de Aurélia a Seixas e

“as cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio das flores,

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cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal” (ALENCAR, 2004, p. 176).

Após o retrato descritivo-analítico de Aurélia, no que concerne aos seus

traços românticos, passa-se à apresentação da protagonista, desta vez descrita e

analisada com um novo olhar: o de um leitor que a vê com a postura de uma mulher

racional, calculista, fria, determinada, decidida. No próximo capítulo, serão

mostrados os traços realistas na composição da personagem Aurélia.

3 O RETRATO REALISTA NA OBRA SENHORA

De acordo com Jesus e Silva Neto (2011), o Realismo é um movimento

literário contrário ao Romantismo, que contempla a arte e a literatura, que surgiu no

século XIX, na França. Os participantes do movimento não aceitavam os ideais dos

demais movimentos do período Neoclássico e Romântico, sentiam o dever de

mostrar a vida como ela é, os problemas e costumes das classes sociais que não

foram idealizadas no passado. O movimento também se destacou na arte escultural

e arquitetônica.

E, na literatura, o Realismo tem o estilo de transpor para a escrita a criação

artística, portanto, dá-se o nome de Realismo Literário. Desta forma, o realismo

pode ser encontrado em texto de qualquer época, mas com um arranjo diferente na

escrita, com contradição ou não ao sentimento romântico.

O realismo foi moldado como grande relevância para a escola literária e para

a literatura, pois os realistas estampavam temas e situações do contexto cotidiano,

expondo sobre os indivíduos de todas as classes sociais. A fantasia clássica, o

sentimento romântico e o drama foram evitados e toda a realidade foi mostrada sem

mascarar ou omitir fatos. O heroísmo sentimental também foi rejeitado.

Desta forma, a teoria realista motivava os escritores a retratarem o homem e

a sociedade em sua essência. Não convinha mostrar os sonhos e ideais da vida,

como os românticos, mas desejavam mostrar o cotidiano sofrido, o adultério

amoroso, a falsidade e o egoísmo encontrado nas pessoas, e a fraqueza do homem

frente aos poderosos.

A característica do romance realista é o seu poder de crítica, de forma

objetiva, descrevendo o que está errado de maneira natural, criticando a realidade

sem distorções. Assim, os realistas apontam falhas, estimulam as mudanças na

sociedade e no comportamento humano. Em vez de heróis, surgem pessoas

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comuns, com seus problemas e suas limitações.

Para Aguiar e Costa (2011) os traços presentes que merecem destaque na

obra Senhora são o romance além do romantismo, a existência da feminilidade, o

jeito autoritário de ser, de Aurélia, a maneira pela qual o ser humano se submete ao

poder de compra e a decadência do Romantismo. Além de o elemento realista ser

um instrumento de análise psíquica da personagem Aurélia, ele é revelador do

casamento por interesse.

Acerca do realismo identificado no romance, Oliveira e Pires (2011, p. 61)

percebem que “esses traços não são da natureza da mulher romântica, que era

passiva, submissa. Era idealizada e vista como deusa, ou seja, incapaz de se

revelar e emitir sentimentos e ideais”.

Nesta obra, identifica-se uma sociedade com preceitos burgueses; a diferença

do poder econômico e a ambição financeira, através do casamento por interesse. Os

aspectos relevantes em Aurélia eram seu jeito de fazer as coisas e de refletir, era

tão bela e especial quanto era em suas ordens e como queria opor-se ás regras

impostas pela sociedade, que em nada lhe agradavam. A autonomia e a riqueza de

Aurélia lhe renderam poder, o qual está diretamente relacionado ao título da obra

Senhora. E, naquela época, este termo não era utilizado para as mulheres que não

desfrutavam do poder.

Aurélia tem um caráter determinado, com domínio e imposição de seus

desejos em relação às pessoas. A pessoa autoritária que é tem relação a sua vida

pobre e a fase rica, a qual ela revelou a Lemos, durante a conversa a respeito de

seu casamento. Era uma mulher diferente, “não satisfazia aos costumes e

exigências da época, que não aceitava a emancipação feminina. O conflito que

organiza a obra é um choque entre amor ideal, o invencível e o mundo social que

decepciona”. (OLIVEIRA; PIRES, 2011, p. 67)

Fernando Seixas, por ser um moço pobre, portanto, sem recursos financeiros,

acabou por aceitar o dote de Adelaide Amaral, mas jamais imaginava que o destino

lhe preparava uma peça: Aurélia se tornaria rica, devido à herança recebida do avô,

bem como seria a moça mais disputada do Rio de Janeiro.

A obra Senhora, em muitos trechos, mostra que o dinheiro exercia certa

influência na sociedade da época, utilizando-o para construir a sua personagem

principal. A intenção do autor era mostrar como o dinheiro mexia com as pessoas da

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alta sociedade e as rebaixava se não possuíam dinheiro. Este fato é mostrado na

vida de Aurélia, quando ela ainda era pobre e depois, quando ficou rica, por ter

recebido a herança do seu avô paterno. Há trechos que mostram as mazelas

morais, que são frutos do capitalismo. Aurélia, uma mulher que rompe barreiras,

mesmo que tenha que pagar pelos seus erros mais tarde, e Seixas, um rapaz pobre

que se vende. Entretanto, Alencar os apresenta como personagens típicos do

realismo em determinados acontecimentos, esmiuçando os desvios de

comportamento.

Com estas denúncias dos moldes da sociedade da época, no mundo

capitalista, onde o casamento também pode ser por interesse financeiro, revela o

poder de compra a que o ser humano se submete. De um modo peculiar, José de

Alencar traz à tona temas reais, tentando colocar o Romantismo em decadência.

CONCLUSÃO

A referida obra sempre obteve destaque entre as grandes obras-primas da

Literatura Brasileira, pois mesmo que pertença ao período romântico, ela chama a

atenção por antecipar traços realistas. É curioso observar que, sendo obra

pertencente ao Romantismo, tanto pelo aspecto cronológico (a publicação da obra

ocorre em 1875), quanto pelas peculiaridades românticas nela contidas, o seu traço

diferencial é por apresentar traços realistas.

A presença da redenção romântica na protagonista Aurélia, motivo que

suscitou este trabalho, revela a importância de uma obra que conscientiza o leitor a

cultivar sentimentos sinceros em detrimento de falsas atitudes que o desumanizam.

REFERÊNCIAS

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Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 4., n.9, jul/dez de 2013