Cap1_ a Fotografia

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    CAPTULO 1A FOTOGRAFIA

    A histria do homem sobre a terra sempre foi marcada pelas tentativas de apreenso da

    realidade. Assim surgiram as primeiras pinturas rupestres, como as de Altamira, na Espanha e

    de Lascaux, na Frana, que datam de 50 mil anos atrs. Dessas primeiras tentativas de

    fixao, surgiram dois caminhos diferentes, de um lado a escrita, uma traduo grfica da

    prpria fala e, de outro, todas as artes baseadas na imagem, como a pintura, o desenho e a

    escultura. Embora o desenvolvimento dessas artes no decorrer dos sculos tenha sido enorme,

    nenhuma conseguiu atingir o ponto perseguido desde o incio: reproduzir, o mais fielmente

    possvel, aquilo que era visto pelo olho humano.

    Figura 01 pintura rupestre - Caverna de Lascaux.

    Apenas no incio do sculo XIX que se comeou a fixar, num meio fsico, as

    primeiras imagens reproduzidas mecanicamente, com o auxlio de equipamentos pticos e

    produtos qumicos. At ento, o mximo que se conseguia era captar e exibir uma imagem

    externa, atravs das chamadas cmaras obscuras1, as ancestrais das atuais cmeras

    fotogrficas. A esta tecnologia, capaz no apenas de captar uma imagem, mas tambm de

    1Aceita-se o termo grafado como cmara ou cmera. A cmara obscura (ou escura) um termo do Latim quesignifica: quarto escuro e, que se refere a recinto vedado luz exterior onde se processa/ visualiza as imagens

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    reproduzi-la mecanicamente, denominou-se Fotografia, ou escrever com a luz (do grego

    photo + graphos).

    Enquanto tcnica, a fotografia constituda por dois processos distintos: um processo

    fsico e um processo qumico. O processo fsico que envolve as leis da ptica (as objetivas e

    a caixa escura que permitem a formao e captura da imagem) j estava bastante avanado no

    final do sculo XVIII. Nesse perodo o processo qumico - aquele que permite o registro

    latente da imagem num suporte sensibilizado com cristais de prata que, depois de revelado e

    fixado, produz uma imagem permanente - comeou a amadurecer.

    1.1. O processo ptico2 da fotografia

    O processo ptico da fotografia baseia-se no comportamento da luz visvel. Um dos

    primeiros instrumentos desenvolvidos pelo homem para estudar e aproveitar artisticamente

    esse comportamento, foi a cmara obscura, cujo uso pelos pintores, permitiu a descoberta de

    outras formas de ver a realidade, incorporando novos sistemas e cdigos linguagem visual.

    A cmara obscura consiste numa caixa de paredes retas escurecidas em seu interior.

    Uma delas possui um orifcio no centro enquanto a parede oposta deve ser de cor clara ou

    possuir um vidro despolido ou tela de projeo. Sobre esta tela aparecem as imagens

    invertidas dos objetos colocados em frente ao orifcio.

    Figura 02 - A cmara obscura(George Eastman House International Museum of

    Photography and Film)

    O princpio da cmara obscura conhecido desde a Antigidade. O conhecimento do

    seu princpio ptico atribudo, por alguns historiadores, ao chins Mo Tzu (sculo V a.C.).

    fotogrficas. In FERREIRA, Aurlio Buarque de Hollanda. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa. Rio deJaneiro: Nova Fronteira, 2001.2 ptica ou tica: segundo o Dicionrio Aurlio ( FERREIRA, Aurlio Buarque de Hollanda. DicionrioAurlio da Lngua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001) a parte da fsica que investiga osfenmenos de produo, transmisso e deteco da radiao eletromagntica (luz). O Dicionrio Silveira Bueno(BUENO, Silveira. Dicionrio da Lngua Portuguesa. S. Paulo: F.T.D., 2000), sugere que se mantenha o p

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    Outros, como Ramirez (1997) e Sougez(2001)3, indicam o filsofo grego Aristteles (384 -

    322 a.C.) como o responsvel pelos primeiros comentrios esquemticos da cmara obscura.

    Se diz que Aristteles, durante um eclipse solar, observou o fenmeno de projeo do sol,

    sobre uma superfcie sob as sombras.

    Pollack (1977) lembra que os escritos de Aristteles chegaram at ns, ocidentais,

    graas aos rabes. Por volta do sculo XI, o matemtico rabe, Abu al-Hasan Ibn al-Haytham

    (965-1038) conhecido no Ocidente como Alhazen de Basra, descreveu em uma obra sobre os

    princpios fundamentais da ptica e comportamento da luz, o fenmeno natural da luz solar

    passando por pequeno furo na parede de um quarto escuro (POLLACK, 1977, p.35)4. Essa

    descrio se converteu na principal fonte de informao para sbios como Roger Bacon no

    sculo XIII. Em De Multiplicationes Specierum (1267), Bacon descreve o fenmeno aoestudar um eclipse parcial do sol por meio de um artefato cujos princpios correspondem ao

    da cmara obscura.

    Figura 03 Cmara obscura descrio de Rainer Frisius (1545)

    (George Eastman House International Museum of Photography and Film)

    J nos primeiro anos do sculo XVI, Leonardo da Vinci realiza uma srie de

    experincias com uma cmara obscura e relata a seguinte descrio do que ocorre:

    (...) quando o sol, durante um eclipse, assume a forma de lua crescente,tomando-se uma chapa de metal delgado e fazendo em seu centro umpequeno orifcio e colocando-a de frente ao sol, se mantermos uma folha depapel atrs da chapa, a uma distncia mdia; veremos a imagem do solaparecer sobre a folha em forma de lua crescente, similar em forma e cor a

    antes do t na grafia de ptica e em todas as derivadas que se referem viso, embora no seja pronunciado,para diferenciar de tica, que se refere orelha ou ao ouvido.3 RAMIREZ, Juan Antonio. Medios de Masas e Historia del Arte. Madrid, Ctedra, 1997, p. 289 e SOUGEZ,Marie-Loup. Historia de la fotografia. 5 ed., Madrid, Ctedra, 2001, p.174 POLLACK, Peter. The Picture History of Photography: From the Earliest Beginnings to the Present Day.Concise Edition. New York: Harry N. Abrams, 1977 . P.35

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    sua causa (...) porm, entre a chapa perfurada e o papel no dever outraabertura seno apenas o pequeno orifcio. (DA VINCI, Leonardo. Cerca de1519. Apud POLLACK, 1977 . P.36)5.

    Este texto era parte do Cdex Atlntico e nunca publicado, ficou desconhecido at por voltade 1797. O texto mais antigo que se refere ao artefato construdo como cmara obscura (1520

    - 1521) de um discpulo de Leonardo, Cesare Cesariano.

    A reproduo mais antiga de uma cmara obscura est na obra do fsico e matemtico

    holands Rainer Frisius, de 15456. Nesse sculo, o desenvolvimento da cmera foi

    impressionante. Em 1550, Girolano Gardano instalou uma lente biconvexa em frente ao

    orifcio, para obter uma imagem mais brilhante e com melhor resoluo. Isso corrigia um

    defeito, mas provocava outro: era impossvel se obter imagens ntidas quando dois ou maisobjetos, enquadrados juntos, estavam distantes um do outro. Ou seja, a lente biconvexa no

    conseguia lidar com o conceito deprofundidade de campo7.

    Por volta de 1568, Daniello Barbaro, outro cientista italiano, revelou uma descoberta

    que podia resolver a inconvenincia provocada pela lente biconvexa. Em seu livroA Prtica

    da Perspectiva ele menciona que era possvel melhorar a nitidez das imagens ao se variar o

    dimetro do orifcio de entrada da luz da objetiva. Para tanto, bastava usar um dispositivo

    junto lente para abrir ou fechar a passagem da luz. Quanto mais fechada a abertura, maisqualidade teria a imagem de objetos enquadrados distantes. Assim, outro conceito importante

    para a fotografia estava criado: o do diafragma (sistema de lminas semicirculares destinado a

    ajustar a abertura, o orifcio de entrada de luz em uma cmara fotogrfica (CAMARGO,

    1999, p.234)8.

    Em 1573, Egnatio Danti sugere o uso de lentes cncavas para corrigir as imagens. No

    sculo seguinte, em 1636, Daniel Schwenter descreve um elaborado sistema de lentes, que

    combina trs distncias focais diferentes em um mesmo aparelho, antecedente da moderna

    objetiva zoom (NEWHALL, 1999, p. 30)9.

    No incio, a cmara obscura consistia num recinto de dimenses relativamente

    grandes, s vezes, equiparveis s de uma casa. Posteriormente, se foi desenvolvendo

    5 POLLACK, Peter. Op. Cit., 1977, P36.6 FRISIUS, Rainier Gemma; De Ratio Astronmico et Geomtrico Liber, 1545. In POLLACK, Peter; Op. Cit.,p. 40.7 Profundidade de Campo: uma zona de nitidez em profundidade estendida antes e depois do ponto de focode uma dada objetiva fotogrfica. (Cf. LANGFORD, M. Fotografia Bsica. Lisboa: Dinalivro, 5a edio, 1996.

    Glossrio de termos fotogrficos).8 CAMARGO, Isaac Antonio. Reflexes sobre o pensamento fotogrfico. Londrina: UEL, 1999.9 NEWHALL, Beaumont. Historia de la Fotografa desde sus orgenes a nuestros das. Barcelona:GustavoGili, 1999. P 30.

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    modelos menores e mais fceis de operar. Por volta do sculo XVI, j so descritos modelos

    portteis, de fcil uso. No sculo XVI, Johan Kleper realizava seus desenhos topogrficos

    dentro de uma tenda porttil, cnica e com o dispositivo ptico (lentes biconvexas e espelho

    inclinado em ngulo de 45) colocado na parte superior da tenda, como num periscpio. No

    interior, Kleper desenhava sobre uma mesa que recebia a imagem projetada do alto da tenda.

    Segundo Sougez (2001), a tenda possua um dispositivo que a fazia girar como um moinho

    de vento. Este tipo de cmera foi utilizado at a apario do daguerritipo em 1839.

    Figura 04 A cmara obscura de Johan Kleper

    (Centre National de la Photographie - France)

    Figura 05 A cmara obscura desenvolvida por Johan

    Zahn (Centre National de la Photographie - France)

    Um grande passo se deu quando Johan Zahn, em 1685, colocou um espelho no fundoda cmera, em ngulo de 45 e em posio inversa ao dispositivo de Kleper. Este espelho

    projetava a imagem para cima, contra a superfcie superior da caixa, onde foi colocado um

    vidro despolido, permitindo maior comodidade ao observador. Para reforar a viso, se

    adaptava um capuz de tecido preto, capaz de evitar os reflexos da luz exterior sobre o vidro.

    Este o sistema precursor das cmeras fotogrficas do tipo reflex.

    No final do sculo XVIII, existia um grande nmero de modelos de cmeras em

    funcionamento, desde aquelas com dimenses gigantescas at as mais pequenas, poucomaiores que caixas de fsforos. Algumas tinham forma de livro, outras se assemelhavam a

    casas. Algumas foram montadas sobre trips, outras foram montadas em carroas, com mesas

    de desenho em seus interiores. A criao de mecanismos que permitiam variar o foco com um

    grau de nitidez considervel, transformou a cmera num instrumento cada vez mais fcil de

    se operar. Esses mecanismos iam desde caixas de tamanhos diferentes que se encaixavam,

    aumentando ou diminuindo a distncia focal, a caixas com foles, que permitiam focar com

    preciso.Todos esses sistemas permitiram reproduzir a realidade e foram usados por um

    longo perodo como auxiliares da realizao da obra de arte. A cmara obscura foi utilizada

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    como auxiliar (tcnico) na realizao de pinturas e desenhos desde o sculo XVI. Se

    Aristteles ou Bacon viam no aparelho, um importante instrumento cientfico simples

    suposio. O que sabemos, com certeza, conforme Sougez (2001)10, que em 1589, Giovanni

    Battista Della Porta11,

    na segunda edio de sua obra, Magiae Naturalis, d cmara obscura umafuno eminentemente artstica ao assinalar os benefcios que esta oferece aodesenhista, especialmente ao realizar retratos, e indicando que se devecolocar o modelo sob a luz solar direta e em frente ao orifcio da cmera.Della Porta, ao escrever Magiae Naturalis, se dirigia aos cientistas,filsofos e artistas de sua poca e, pela grande popularidade que o textoalcanou, provvel que tenha servido de referncia para muitos trabalhosposteriores. (SOUGEZ, 2001. p. 19).

    Os avanos feitos nos sculos posteriores desenvolveram bem as partes ptica emecnica do processo fotogrfico. O caminho para a construo da futura cmera fotogrfica

    estava maduro. Nesta poca, porm, o componente qumico a emulso base de sais de

    prata, os reveladores e, principalmente, os fixadores das imagens - ainda no era totalmente

    conhecido pelos pesquisadores da fotografia.

    1.2. O processo qumico da fotografia

    O caminho para o desenvolvimento de um processo qumico, capaz de fixar umaimagem, foi aberto em 1602, quando o cientista italiano ngelo Sala descobriu que alguns

    sais de prata (no caso, nitrato de prata) escureciam quando expostos luz. Sala chegou a

    reproduzir algumas imagens com o nitrato que desapareciam assim que a reao qumica

    escurecia a prata. A dificuldade enfrentada pelo cientista italiano e por outros que o

    sucederam em pesquisas sobre o assunto, estava em achar um meio de interromper o processo

    de enegrecimento da prata. Isto , em linguagem tcnica fotogrfica, fixar a imagem antes

    que ela se tornasse um borro totalmente negro.Mais de 100 anos depois, um cientista alemo, Johann Heinrich Schulze, percebeu que em

    uma mistura de cido ntrico, prata e p de giz guardada em um frasco de vidro, exposta luz

    solar, a prata ficava imediatamente enegrecida. Ao repetir a experincia, Schulze colou

    pedaos de papel ao redor do vidro e a mistura s escureceu nas partes expostas luz.

    Quando ele sacudiu o frasco, a mistura retornou cor original. Duvidando se era a luz ou o

    10 SOUGEZ, Marie-Loup. Op.Cit. 2001, p.1911

    Giovanni Battista Della Porta (1535- 1615) Natural de Npoles. Filsofo e estudioso das cincias naturais,qumica e alquimia. Trabalhou ainda com a fsica e escreveu para o teatro. Foi contemporneo de Sarpia,Galileu e Peiresc. Construiu mquinas movidas pela fora hidrulica e vrios instrumentos pticos, como um

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    calor que provocava o enegrecimento da prata, o cientista chegou a colocar um frasco dessa

    mistura num forno, mas ela no se alterou. Dessa forma, ele confirmou que a luz que

    provocava uma reao qumica sobre os gros de prata. Schulze produziu vrias imagens,

    mas nenhuma durou o suficiente pois ainda no se podia fixar as imagens obtidas12. O

    cientista alemo no achou utilidade para suas descobertas, mas registrou tudo num ensaio

    chamadoDe como descobri o portador da Escurido ao tentar descobrir o portador da Luz

    (Rio Grfica Editora,1981, p.10)13.

    Em 1802, o ingls Thomas Wedgwood, filho de um fabricante de cermicas, junto

    com Humphrey Davy apresentou um ensaio intitulado Um mtodo de copiar pinturas em

    copos pela ao da luz em nitrato de prata. O trabalho da dupla era quase uma inovao,

    porque eles tinham realizado uma srie do que hoje chamaramos de fotogramas. Porm, elesno conseguiram fixar as imagens, que s podiam ser vistas, por um curto perodo de tempo,

    quando examinadas num quarto escuro, sob a luz de uma vela.

    Figura 06 Prensa usada por Wedgwood e Davy.

    (Fotografia de James Watts - Handsworth Historical

    Society via Digital Handsworth Project

    www.digitalhandsworth.org.uk)

    Wedgwood e Davy chegaram muito perto de obter a primeira fotografia. Eles foram

    uns dos primeiros pesquisadores da fotografia a tentarem reproduzir uma imagem externa,

    colocando uma placa sensibilizada com prata dentro de uma cmara obscura. Se tivessem

    usado como fixador da imagem a amnia14 ou at mesmo em uma soluo de gua com sal de

    dos primeiros telescpios. Acusado de praticar magia, viveu os ltimos anos de sua vida sob controle daInquisio.12 Somente por volta de 1819, segundo Robert Leggat (In http://www.rleggat.com/photohistory/index.html), que, na Inglaterra, o qumico e astrnomo John Herschel, descobriu que os sais de prata podiam reagir com ohipossulfito (tiossulfato)de sdio. Podia-se, pela primeira vez, interromper o processo de escurecimento da prataexposta ao sol, ou seja, o produto era um excelente fixador para fotografias. Herschel continuou suasexperincias porm sem divulg-las at 1839, quando Daguerre apresenta, na Frana, o processo dedaguerreotipia. Foi Herschel que chamou, pela primeira vez, o processo de obter imagens atravs de umprocesso foto-qumico, de fotografia.13 RIO GRFICA E EDITORA. O laboratrio por dentro - Guia completo de fotografia. Rio de Janeiro: RioGrfica e Curt Laboratrios Cinematogrficos, 1981.14 Cujas propriedades fixativas tinham sido descobertas pelo sueco Carl Scheele (1742 1786) duas dcadasantes (nota minha).

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    cozinha, teriam obtido a primeira fotografia da histria (RIO GRFICA EDITORA, 1981, p.

    22).

    Assim, podemos perceber que, embora h muito j se conhecesse as principais

    propriedades dos sais de prata e suas reaes diante da luz, ser nas primeiras dcadas do

    sculo XIX que um nmero muito grande de pesquisadores de diversos pases, contribuir de

    forma decisiva para o desenvolvimento de compostos qumicos e tcnicas de uso dessas

    emulses. Embora a primeira imagem fotogrfica no tenha sido obtida a partir desses

    compostos, o desenvolvimento de processos baseados nos haletos de prata que efetivamente

    tornaria a fotografia possvel.

    1.3. Nipce e a primeira fotografia

    Embora a Histria hoje reconhea a Fotografia no como resultado das experincias

    individuais de um nico homem, mas como a somatria dos esforos de diferentes

    pesquisadores em pocas e pases diferentes que, utilizando tcnicas e produtos diversos

    chegaram a resultados parecidos, tambm reconhece que a imagem que marca o nascimento

    dessa tcnica ou arte15, posteriormente denominada de Fotografia foi obtida entre 1824 e

    1827 pelo francs, Joseph Nicphore Nipce.Filho de um advogado e proprietrio de grfica, Nipce desde cedo se interessara pelo

    processo de litografia16, introduzido na Frana em 1814. Seus primeiros experimentos

    buscavam a reproduo de imagens atravs da impresso direta de originais (desenhos e

    ilustraes) no papel17. Apesar de conhecer a capacidade de reao dos sais de prata luz do

    sol, Nipce no obteve bons resultados18 enquanto utilizou os haletos de prata. Acabou

    utilizando, como emulso fotogrfica, uma soluo base de asfalto, conhecida como betume

    da Judia19

    , que produzia imagens positivas dos objetos.

    15 Embora esse seja um debate recorrente, no iremos aqui discutir se a Fotografia se defina como Tcnica oucomo Arte.16 Processo de gravura em plano, executado sobre pedra calcria e baseado no fenmeno de repulso entresubstncias graxas e a gua, usadas na tiragem, o qual impede a tinta de impresso de aderir s partes queabsorveram a umidade, por no terem sido inicialmente cobertas pelo desenho feito tambm com tinta oleosa.17 Ver http://www.niepce.com : Website mantido pelo SPOS Paris Photografic Intitute que, desde 1999, responsvel pela casa e acervo de Nipce.18 As primeiras experincias de Nipce resultavam em imagens em negativo e, diferentemente de outros

    pesquisadores, como Fox Talbot, ao invs de a partir dessas, obter um positivo, ele as abandonou em busca deum processo que resultasse em imagens j positivadas.19 D-se o nome de betume da Judia ao asfalto natural, substncia de composio semelhante do asfalto queresulta da destilao do petrleo bruto.

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    O processo de Nipce consistia em dissolver o betume em leo de lavanda (um

    solvente de tintas utilizado na poca) e ao obter um composto pastoso, ele espalhava essa

    mistura sobre uma fina chapa de metal (eram utilizadas placas de uma liga de cobre, chumbo

    e estanho). Sobre esta placa, coberta com a mistura betuminosa, era colocado o desenho que

    se queria reproduzir.

    Para deixar o original translcido e permitir a passagem da luz at o betume, o papel

    tambm era mergulhado no leo de lavanda. Em seguida, a placa e a (...) folha com o

    desenho eram expostas ao sol forte (MARINGNIER, 2002)20. Horas depois, o calor

    provocado pela luz solar endurecia as partes do betume que haviam recebido a luz direta do

    sol, enquanto as reas que ficaram em baixo dos traos do desenho continuavam moles.

    Aps fixar a imagem sobre a placa em um banho contendo uma mistura de leo delavanda e terebintina, que agia como solvente, retirando o material que no havia sido exposto

    luz, Nipce tratava a placa com cido num processo idntico ao atualmente utilizado para

    gravar placas de circuitos eletrnicos impressos. O cido corroa a chapa metlica onde o

    betume mole, no reagente com a luz, havia sido retirado, formando sulcos em baixo relevo.

    Depois disso, o betume endurecido era raspado, aplicava-se tinta nos sulcos e

    prensava-se uma folha de papel contra a chapa metlica. Com este mtodo, ele obteve

    diversas imagens impressas, a maior parte com motivos religiosos. A esse mtodo, Nipcechamou de heliogravura (do grego helio, sol, e do francs gravure).

    Figura 07 Primeira fotografia Nipce (1826)

    (Nipce Museum Frana)

    A grande contribuio de Nipce veio em 1826 quando ele utilizou uma placa com

    betume numa cmara obscura. Aps oito horas de exposio, e do processamento com leo

    de lavanda, ele conseguiu uma plida imagem dos telhados que compunham a vista da janela

    20 MARIGNIER, Jean Louis. Principle of the invention of photography. In: http://www.nicephore-niepce.com/pagus/pagus-inv.html. Acessado em 07/07/2004.

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    do seu laboratrio. Essa imagem, obtida mecanicamente sobre uma emulso sensvel luz,

    considerada a primeira fotografia (FREUND, 1994, p. 37)21.

    Durante muito tempo porm, a primazia pela inveno da fotografia foi dada a um

    outro francs, Louis Daguerre. Nipce nunca fora um especialista em promover-se ou s suas

    experincias. Em 1827, ao visitar seu irmo em Londres, Nipce foi procurado por John

    Herschel, presidente daRoyal Institution of Great Britain. Herschel, que tambm pesquisava a

    reproduo de imagens, havia se interessado pelos trabalhos desenvolvidos pelo francs e o

    levou academia para que ele explicasse suas descobertas. Aps ouvir seu relato, os

    membros da Real Academia, pediram um relatrio detalhado de seu trabalho. Temendo que

    seu trabalho pudesse ser roubado, ele nunca escreveu o texto, embora tenha deixado algumas

    imagens com oRoyal Institution22. Ao retornar Frana, Nipce foi procurado por Daguerre at ento um artista de sucesso que desenvolvera o Diorama23 e que ouvira falar das

    experincias de Nipce atravs de um fabricante de lentes e cmaras obscuras.

    Daguerre acabou se tornando scio de Nipce numa empreitada para o

    desenvolvimento do processo da heliogravura. Enquanto Nipce continuava a buscar

    desenvolver as emulses baseadas no betume,

    Daguerre concentrou-se no estudo de emulses base de sais de prata,especialmente aquelas feitas a partir do iodeto de prata que se mostravam

    mais sensveis luz. A sociedade nunca rendeu frutos. Nipce morreu pobreem 1833. O reconhecimento de sua contribuio para o desenvolvimento dafotografia s vir em meados do sculo XX (FREUND, 1994. P.38)24.

    1.4. Daguerre e a inveno da fotografia

    Daguerre coube o aperfeioamento do primitivo processo desenvolvido por Nipce.

    Embora soubesse como produzir uma imagem, ele no dominava o processo de fixao25.

    Por volta de 1835, ele acabou fazendo uma descoberta importante de forma quase acidental.

    21 FREUND, Gisele. Fotografia e sociedade. Lisboa: Vega, 1994.22De acordo comMARIGNIER (Op. Cit. 2002) em 1853, as imagens de Nipce foram enviadas pela RoyalInstitution ao Museu Britnico, mas entre 1898 e 1952 foram consideradas perdidas, o que levou muitoshistoriadores a duvidarem da veracidade do seu trabalho. A participao histrica de Nipce s foi reafirmadaaps a localizao de suas primeiras chapas fotogrficas pelo historiador Helmut Gerscheim, na dcada de1950 e hoje pertencem a Coleo Gernsheim, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.23O Diorama era um teatro de iluses impressionantes. Formado por quadros com efeitos de luz variveis epinturas enormes que mediam at 22 X 14 metros. Eram reprodues de paisagens famosas. Daguerre usou umcmara obscura como ajuda para pintar as telas em perspectiva.24 FREUND, Gisele. Op. Cit.25 Embora Herschel tenha descoberto em 1819 que o hipossulfito era um excelente fixador de imagensproduzidas sobre emulses base de haletos de prata, ele no divulgou publicamente suas experincias antes de1839. Assim em 1835-37, o hipossulfito ainda no era conhecido como fixador.

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    Aps expor rapidamente algumas chapas, Daguerre colocou-as em um armrio contendo

    diversos frascos de produtos qumicos. Depois de alguns dias, ao retornar, descobriu que a

    imagem latente26 tinha se desenvolvido.

    Figura 08 primeiro daguerretipo (cerca de 1837)

    (Centre National de la Photographie France)

    Daguerre concluiu que isso havia acontecido devido aos vapores de mercrio de um

    termmetro quebrado. Essa descoberta, de que uma imagem latente poderia ser desenvolvida

    (revelada) permitiu reduzir os tempos de exposio de oito horas para cerca de 30 minutos.

    Aps um perodo de aperfeioamento, principalmente para fixar corretamente a imagem, em

    1839, ele finalmente apresenta sua inveno: a Daguerreotipia.

    Com a apresentao pblica, Daguerre buscava conseguir financiamento

    para continuar trabalhando no desenvolvimento de sua descoberta. Comopoucos pareciam interessados, ele buscou um velho amigo, Franois Arago,cientista e poltico, membro da Assemblia que, imediatamente, viu asimplicaes desse processo. Arago conseguiu levar o caso de Daguerre aogoverno francs que, em agosto de 1839, comprou os direitos do processo eo divulgou publicamente, tornando-o de uso livre (TURAZZI, 1995.p 32 35)27.

    Nas semanas que se seguiram ao anncio da inveno da fotografia, Paris foi tomada

    por fotgrafos que, munidos do pesado equipamento28, invadiam as praas e ruas para

    experimentar a febre da ento chamada daguerreotipia.

    26 As primeiras experincias demandavam exposies muito longas, e os fotgrafos tinham que abrir a cmerapara verificar se a imagem havia aparecido. Na poca pensava-se que se a imagem no aparecesse, nenhumamudana teria acontecido. Foi ento que Daguerre (1837) e Fox Talbot (1839), ambos de modo independente e,parece, acidentalmente, descobriram que exposies curtas no produziam nenhuma imagem visvel, mas estasficam latentes. Se as chapas fossem tratadas com os vapores de mercrio aquecido, uma imagem comearia aaparecer.27 TURAZZI, Maria Inez. Poses e Trejeitos. A fotografia e as exposies na era do espetculo (1839 1889),Rio de Janeiro: Funarte/ Rocco, 1995.28 Alm da cmara e das chapas metlicas, o kit para a produo de daguerretipos inclua (..) um tornomanual, um polidor de couro, uma caixa de madeira para a sensibilizao da emulso, uma outra caixa demadeira para a revelao das placas expostas e vrios produtos qumicos. (Cf. Rio Grfica Editora, 1981). Oconjunto todo podia chegar a pesar mais de 100 quilos, o que exigia meios de transporte e ajudantes para ofotgrafo.

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    A Gazeta de Frana, num texto de setembro de 1839, descreve o processo e afirma

    que a daguerreotipia no requer nenhum conhecimento de desenhar ou pintar (...) e qualquer

    um pode ter sucesso (...) e realizar a reproduo de imagens da mesma forma que o autor da

    inveno. Um outro artigo publicado em 1840, mostrava as limitaes do processo: (..)

    no se pode reproduzir a natureza em movimento, ou pelo menos to s se pode fazer a duras

    penas pois a exposio demasiado longa (...) a imagem lateralmente invertida (como uma

    pessoa no espelho) (GERNSHEIM & ALISON, 1995, p. 32)29.

    Para Freund (1994)30, mesmo com todas as imperfeies tcnicas o processo de

    Daguerre ganhou o mundo, principalmente porque o inventor elaborou um manual ensinando

    os passos necessrios para se obter imagens com a daguerreotipia Para se ter uma idia do

    impacto da inveno, s em Paris foram vendidos dois mil kits para daguerreotipia no ano de1846. Mas segundo Freund, o pas onde a nova tcnica fotogrfica mais se desenvolveu foi

    nos Estados Unidos. L, somente no ano de 1853, nada menos que 10 mil americanos estavam

    envolvidos com a daguerreotipia. Daguerre morreu em 1851. De certo modo, sua morte ,

    simbolicamente, o fim de uma era, pois no mesmo ano uma nova tcnica fotogrfica o

    coldio mido inventada por Scott Archer.

    1.5. A descoberta da Fotografia pelo mundo

    Daguerre no mais considerado o nico responsvel pelo desenvolvimento da

    Fotografia. O processo que ele desenvolveu foi apenas um entre outros tantos desenvolvidos

    no incio do sculo XIX. Se olharmos para a daguerreotipia, que proporcionava uma imagem

    positivada, talvez pudssemos consider-la precursora da fotografia instantnea (como as

    fotografias Polaroid) que no produzem negativos. Outros pesquisadores, porm chegaram a

    resultados diferentes, desenvolvendo processos de reproduo de imagens mais eficientes.

    Em funo da importncia de suas descobertas, podemos destacar dois outros grandes

    pesquisadores que contriburam para o surgimento da fotografia: Henry Fox Talbot

    (Inglaterra) e Hercule Florence (Brasil).

    29 GERNSHEIM, Helmut & ALISON. L.J.M. Daguerre: The History of the Diorama and theDaguerreotype. New York: Dover, 1995.30 FREUND, Gisele. Op. Cit., 1994.

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    1.5.1. Talbot e o processo negativo/positivo

    Embora Talbot no tenha sido o primeiro a produzir fotografias, ele fez uma

    importante contribuio ao processo fotogrfico como ns conhecemos hoje. Ao criar ummtodo de captura e reproduo de imagens baseado no sistema negativo/ positivo ele vai

    lanar as bases da moderna fotografia.

    Descendente de uma tradicional famlia inglesa, estudara matemtica em Cambridge,

    Inglaterra, fazia parte da Real Sociedade de Astronomia e tambm se dedicava pintura.

    Embora, nos quadros que produziu, ele possa ser visto como um pintor com alguma

    qualidade, sua pouca habilidade para o desenho levou-o a experimentar mtodos mecnicos

    para capturar e reter imagens.Talbot primeiro procurou desenhar com auxlio de uma cmara obscura. Os primeiros

    desenhos feitos na Costa da Itlia, onde estava de frias, no o agradaram e ele ento decidiu

    tentar fixar quimicamente as imagens projetadas pela cmera sobre folhas de papel31. O

    negativo de papel mais antigo que Talbot obteve e ainda existente, mostra a janela de Oriel,

    na galeria sul da Abadia de Lacock em Wiltshire, onde ele vivia. Essa imagem foi obtida em

    1835.

    Em 1839, aps o anncio da descoberta de Daguerre, Talbot escreveu a FranoisArago, o homem que havia promovido a inveno de Daguerre, sugerindo que era ele,

    Talbot, e no Daguerre que havia inventado o processo fotogrfico (naquele momento,

    desconhecendo o processo de daguerreotipia, no sabia que seu mtodo era completamente

    diferente). Arago informou que o processo de Daguerre vinha sendo aperfeioado h mais de

    quatorze anos e, portanto, ele no poderia ter crdito (SOUGEZ, 2001. p. 76)32.

    Ao ver a possibilidade de que todas as honras seriam dadas Daguerre, ele

    imediatamente procurou dar publicidade ao seu processo e o apresentou Real Academia no

    fim de 1839, como um mtodo de desenho fotognico. Em 1840, ele descobre a imagem

    latente ao re-sensibilizar papis j expostos. A re-aplicao da emulso fez surgir uma

    imagem at ento invisvel. Isso permitiu a Talbot resolver o problema da exposio

    prolongada. A verso melhorada, ele chamou de caltipo (do grego Kalos, belo).

    31 O processo criado baseava-se em expor finas folhas de papel impregnadas com uma emulso base de haletos

    de prata. Aps a exposio na cmera, essas folhas eram reveladas e processadas. O resultado era uma imagemem negativo. Talbot depois colocava esse negativo sobre outra folha emulsionada e expunha o conjunto luz,obtendo uma imagem positiva.32 SOUGEZ, Marie-Loup. Op. Cit., P.76)

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    Talbot, patenteou sua inveno em 1841 na Inglaterra.. O pedido de patentefoi um ato que paralisou, consideravelmente, o desenvolvimento dafotografia na ilha. Talbot no estendeu a patente dele para a Esccia, e istopermitiu que algumas fotografias excelentes fossem produzidas por Hill eAdamson. Ainda neste ano, Talbot editou um livro intitulado O Lpis daNatureza, o primeiro livro ilustrado com fotografias. Para produzir essasimpresses, ele se associou a N. Henneman para montar o Estabelecimentode Leitura, um estdio fotogrfico perto de Londres (THE BRITISHCOUNCIL, 1989. P 10-11)33.

    O processo de Talbot nunca alcanou a popularidade do daguerretipo, em parte

    porque surgiu depois deste, mas em maior parte porque ele exigia os direitos de uso sobre o

    processo. Dessa forma, seu nome ficou manchado pelas vrias tentativas judiciais que ele

    fez para obrigar o pagamento de seus direitos e imposio da patente em outros pases

    (TURAZZI, 1995, p.36)34.

    Figura 09 - Talbot (1841) O estabelecimento de

    Leitura (The British Council/ Fox Talbot Museum)

    Figura 10 - A porta aberta , ap. O lpis da Natureza -

    livro de imagens publicado por Talbot em 1843.

    (The British Council/ Fox Talbot Museum)

    Essas pendncias judiciais se estenderam at 1854, quando ele procurou demonstrar

    que o processo do Coldio tambm estaria coberto pela patente do Caltipo. Existem hoje

    porm, evidncias que houve uma tentativa combinada para desacreditar Talbot e destruir a

    patente. Talvez suas preocupaes fossem por reconhecimento e no em obter lucros com a

    inveno35

    33 THE BRITISH COUNCIL. William Henry Fox Talbot e seu crculo familiar. Londres: 1989. Verso em

    portugus.34 TURAZZI, M. I. Op. Cit., p 36.35 A ROYAL SCHOLL OF PHOTOGRAPHY, mantm um Website com toda a obra de Talbot em:http://www.foxtalbot.arts.gla.ac.uk .

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    1.5.2. O Brasil na rota dos pioneiros

    A Histria tem sempre mltiplas verses. A verso mais aceita ou mais divulgada

    nem sempre a mais correta. No caso da Fotografia, isso tambm no fugiu regra. AEuropa, poca do surgimento da fotografia, reunia todos os requisitos necessrios ao

    desenvolvimento de novas tcnicas e aparelhos. Mas hoje, graas ao trabalho de Boris

    Kossoy36, o Brasil tambm tem direito nessa disputa pela paternidade da fotografia. Entre

    1972 e 1976, Kossoy realizou pesquisas e reconstituies dos mtodos e processos, alm de

    levantar um sem nmero de documentos sobre Hercule Florence, artista e pesquisador, que

    viveu na atual cidade de Campinas.

    Nascido na Frana, em 1804, Florence estudou artes plsticas em Nice. Aos 20 anos,sua natureza inquieta e uma insistente falta de emprego o conduzem a um desconhecido Rio

    de Janeiro, onde passa um ano como modesto caixeiro de uma casa comercial e, depois,

    vendedor de livros. Pelos jornais descobre a vinda do famoso naturalista russo Langsdorff e

    aceito como segundo desenhista daquela que viria a ser uma das maiores e mais importantes

    expedies cientficas realizadas no Brasil dos sculos passados.

    Por mais de trs anos, Hercule Florence viajou pelo interior do pas. Com o fim da

    expedio em 1829, ele se fixa na Vila de So Carlos (atual Campinas) onde se casa ecomea a trabalhar. Na tentativa de produzir rtulos para frascos de remdios e pequenos

    impressos, e no dispondo de uma prensa (prelo), ele cria em 1830, seu prprio mtodo de

    impresso, o Polygrafie. A partir desse mtodo, Florence inicia suas experincias para a

    reproduo de imagens.

    Em 1832 (trs anos portanto antes de Daguerre) ele descobre um mtodo de gravao

    de imagens atravs da luz, que ele denomina Photografie37. Embora fosse to eficiente

    quanto a daguerreotipia, por ter sido realizado numa cidade do interior do Brasil do sculo

    XIX, longe dos principais centros culturais da poca, o experimento de Florence permaneceu

    esquecido por mais de 140 anos at que foi resgatado por Kossoy que reproduziu, na dcada

    de 1970, todas etapas do processo da Photografie de Florence nos laboratrios doRochester

    Institute of Technology.

    36 KOSSOY, Bris. 1833: a descoberta isolada da fotografia no Brasil. So Paulo: duas cidades, 1980.37 Florence utilizava chapas de vidro sensibilizadas com sais de prata que eram expostas numa cmara escura.Essas chapas eram posteriormente reveladas e fixadas com urina (que rica em amnia, outro poderoso fixador).

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    1.6. A Fotografia na segunda metade do Sculo XIX

    A daguerreotipia j nasceu obsoleta. O processo de preparao das chapas era

    complexo e exigia e muito esforo fsico. As longas exposies e o perigo de contaminaodo fotgrafo, principalmente pelos vapores de mercrio, e a impossibilidade de reproduo ou

    copiagem das imagens obtidas condenaram a daguerreotipia morte. A calotipia, baseada em

    folhas de papel empregados com emulso e desenvolvida por Talbot, comeou a enterrar a

    inveno de Daguerre.

    Figura 11 O processo de Daguerreotipia Equipamentos pesados e qumicos muito txicos tornam o processo

    complexo e perigoso. (California Museum of Photography)

    Os daguerretipos ainda foram utilizados por mais uma dcada, principalmente

    porque foram introduzidas algumas modificaes no equipamento, como a introduo de

    objetivas mais luminosas e a reduo do peso das mquinas. Mas, com o uso de chapas de

    vidro e emulses com base de albmen (clara de ovo), que permitiam a produo de cpias a

    partir de uma nica matriz e o surgimento do coldio, estava dado o tiro de misericrdia.

    O processo do Coldio mido surgiu de um impasse. O daguerretipo era melhor do

    que o caltipo em termos de detalhes e qualidade da imagem, mas no podia ser reproduzido;

    caltipos eram reproduzveis mas qualquer impresso deixava mostra todas as imperfeies

    da imagem (matriz).

    A procura ento passou a ser de uma tcnica que combinasse o melhor de ambos os

    processos: a habilidade para reproduzir bons detalhes e a possibilidade da cpia.

    O ideal seria utilizar chapas de vidro, cobertas com material sensvel luz eque, depois de reveladas, fossem suficientemente translcidas a ponto depermitir a cpia. Primeiro, como j vimos, usou-se o Albmen que noproporcionava grandes resultados. As coisas mudaram quando em 1851,Scott Archer se encontrou com o Coldio (LEGATT, 2002)38.

    38 LEGATT, Robert. Op. Cit., 2004.

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    Esse era um lquido viscoso (resultado da dissoluo em lcool e ter do nitrato de

    celulose ou algodo plvora ), que havia sido inventado em 1846 mas que, at a guerra de

    Crimia, no tinha utilidade prtica. Os primeiros a usar o coldio foram os mdicos da

    frente de batalha, que o aplicavam sobre as feridas dos soldados: quando seco, este formava

    um fino filme translcido sobre as feridas, protegendo-as de contaminao.

    O processo possua vrias vantagens. Por ser mais sensvel luz do que os processos

    anteriores, reduzia drasticamente os tempos de exposio (algo em torno de dois ou trs

    segundos) e abria uma nova dimenso para a fotografia: at ento os fotgrafos tinham que

    trabalhar com cenas sem movimento. Como o processo no fora patenteado, seu emprego era

    livre e amplamente utilizado. Alm disso, o custo de uma impresso de papel era um dcimo

    da produo de um daguerretipo (FREUND, 1994)39.Havia porm uma desvantagem: o processo era muito complexo e perigoso. Primeiro a

    emulso tinha que ser espalhada cuidadosamente sobre a placa de vidro. A chapa ento tinha

    que ser mergulhada na soluo de haletos de prata e imediatamente exposta e revelada pois,

    depois de seca, a placa era inutilizada (por isso o processo era chamado de coldio mido).

    Dessa forma, se fosse utilizado em estdio, era um processo complexo mas sem grandes

    problemas. Porm, quando se tratava de fotografias ao ar livre e em locais de calor intenso, a

    preparao das chapas se transformava num empecilho.Do ponto de vista da segurana, o coldio tambm tinha suas limitaes. A mistura

    alm de ser inflamvel, era altamente explosiva40. Existem diversos relatos de fotgrafos que

    demoliram seus equipamentos e estdios, alguns deles perdendo as vidas, como resultado da

    manipulao descuidada da mistura (LEGATT, 2002)41.

    O desenvolvimento do coldio como processo fotogrfico funcionou como uma

    espcie de divisor de guas no desenvolvimento da fotografia. Mas, devido a suas limitaes,

    as buscas por solues mais eficientes, seguras e de baixo custo, continuaram por toda asegunda metade do sculo XIX. Durante vrios anos foram feitas tentativas de descobrir

    modos de manter o coldio mido por mais tempo e assim manter a sensibilidade da chapa.

    Um sucesso relativo foi obtido com uma mistura de brometo e coldio, mas o ideal

    seria um processo no qual, mesmo depois de seca, a chapa permanecesse sensvel e pudesse

    ser exposta. Isso foi o que Richard Maddox obteve em 1871, com a utilizao de gelatina. O

    39 FREUND, Gisele. Op. Cit., 1994.40 Isso porque um dos componentes do coldio era o nitrato de celulose, ou algodo plvora, um explosivoinventado na dcada de 1840 para substituir a plvora negra que produzia muita fumaa na fabricao demunio para canhes e rifles.41 LEGATT, R. In http://www.rlegatt.com/photohistory/process/collodion.htm . acesso em 07/07/2004.

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    emprego da gelatina como base (emulso) para os haletos de prata havia sido sugerido ainda

    em 1850 por Robert Bingham, mas ningum deu ateno a ele. Maddox utilizou gelatina de

    origem animal, que ao secar transparente e muito resistente.

    O processo, embora revolucionrio, estava longe de conseguir o sucesso obtido pelo

    coldio. Passaram-se alguns anos at ser possvel obter uma emulso com uma sensibilidade

    duas vezes mais rpida do que o coldio. Este processo seco permitiu que os fotgrafos

    finalmente pudessem se livrar dos pesados equipamentos extras que precisavam levar para os

    locais onde iriam trabalhar. Agora bastava levar a cmera e as chapas sensibilizadas. Com o

    emprego das chapas com gelatina, os fabricantes comearam a uniformizar os processos de

    fabricao das emulses.

    Figura 12 O processo de chapas secas criado por Richard Maddox, o processo de chapas secas rapidamentetornou-se o mais utilizado. (George Eastman House International Museum of Photography and Film)

    A fotografia comeava a se basear em tcnicas mais refinadas, com as chapas sendo

    produzidas uniformemente42, de forma mais cientfica. Era o incio do fim da fotografia

    artesanal. Foi por essa poca que a sensitometria43 foi introduzida e as primeiras tabelas de

    exposio comearam a surgir.

    Outras grandes inovaes surgiram na dcada de 1880, como as introduzidas por

    George Eastman. Eastman, um antigo funcionrio de banco, se interessara pela fotografia

    ainda muito jovem. Entre 1878 e 1880, ele montou uma fbrica de chapas secas. Logo

    depois, em 1884, aproveitando uma novidade recm-lanada, e comea a produzir filmes

    42 As primeiras chapas de gelatina foram aos poucos sendo substitudas por um novo processo, chamado de dry-plate (chapas secas) que foi inventado por Charles Bennett em 1878, a partir dos trabalhos de Maddox. Esteprocesso novo era revolucionrio: de agora em diante cmaras escuras portteis j no seriam necessrias; oprocesso era muito mais sensvel luz, e ento as velocidades de obturao tornaram-se mais rpidas. Almdisso, o sistema conduziu a um processo ainda maior de uniformizao dos mtodos de fabricao e qualidade.Uma gama nova de mquinas fotogrficas (muito prximas s modernas cmeras) comeou a aparecer. (In

    LEGATT, R. Op. Cit.).43 a cincia que estabelece a sensibilidade das emulses fotogrficas e dos tempos mais convenientes pararevelao. Tambm se encarrega de estudar a resposta dos materiais fotogrficos exposio e revelao. Cf.:http://www.fotocultura.com./guia/diccionario.php.

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    flexveis, em base de celulide44. Quatro anos depois, Eastman provoca uma verdadeira

    revoluo: lana uma cmera fotogrfica que incorpora o filme flexvel em rolo e o slogan

    voc aperta o boto, ns fazemos o resto. A fotografia finalmente deixava de ser uma

    tcnica exclusiva de um pequeno grupo de iniciados e finalmente, chegava s massas.

    Figura 13 A cmera Kodak n. 1 (George Eastman House International Museum of Photography and Film)

    A mquina fotogrfica de Eastman, chamada de Kodak n. 1

    45

    , era uma caixapequena, com uma lente simples que focalizava de 2, 5 metros ao infinito. Dentro dela ia um

    rolo de filme capaz de produzir 100 imagens, todas em forma circular. A mquina fotogrfica

    era enviada para a fbrica onde o filme era processado e o equipamento recarregado e

    devolvido ao usurio. O custo dessa operao era de apenas 25 dlares. As fotografias

    mediam cerca de 6,5cm de dimetro e abriram um mundo novo para a fotografia, agora

    popular.

    A contribuio de Eastman no s tornou a fotografia disponvel para todos e

    ampliou o leque de aplicaes da tcnica - mas tambm resultou em uma mudana gradual no

    que poderamos chamar de fotografia aceitvel. Paul Martin46, um fotodocumentarista do final

    44 O primeiro filme fotogrfico creditado a John Corbutt, um ingls que trabalhava na Filadlfia e produziu,em 1883 folhas de celulide cobertas com emulso fotogrfica. George Eastman s vai apresentar seu filmeflexvel em 1884. (Cf. LANGFORD, Michael. The Story of Photography. Focal Press, 1980)45 George Eastman dizia que a adoo do nome KODAK, como marca surgiu da necessidade de um nomefacilmente pronuncivel em qualquer lngua. Alm disso, a palavra lembra o barulho feito pelo obturador dacmera fotogrfica quando do disparo (Cf. depoimento em filme datado de 1926, quando George Eastmanestava com 76 anos. Obra existente no acervo do National Museum of Photography, Film and Television,

    Bradford, Inglaterra. Esse filme foi exibido em parte no documentrio Histria da fotografia, produzido peloThe History Channel. (A&E Television Networks), 2002 .46Paul Martin (1864 1944) Nascido na Alscia-Lorena. Aps a guerra franco-prussiana e a comuna de Paris,sua famlia fugiu para a Inglaterra. Seu contato com a fotografia se deu ainda aos dez anos de idade, mas apenas

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    do sculo XIX, que trabalhou inicialmente com as grandes cmeras fotogrficas e

    posteriormente com uma mquina fotogrfica porttil, dizia que quando a cmera era grande e

    pesada, era difcil realizar fotografias informais. As fotografias tinham que ser tambm

    grandiosas, como imagens de montanhas, grandes monumentos,... e isso mudou com a

    pequena mquina da Kodak. Agora, os instantneos e imagens da vida comum podiam ser

    realizadas (NEWHALL, 1999. p. 178)47.

    Para facilitar o entendimento de como a fotografia se desenvolveu na segunda metade

    do sculo XIX, estabelecemos um quadro cronolgico, com base nos trabalhos de Freund

    (1994) e de Turazzi (1995).

    Fotografia desenvolvimento e principais fotgrafos no perodo de 1850 - 1900

    1850 Louis Dsir Blanquart-vrard concebe o uso do papel base de albmen para arealizao de cpias positivas. Este processo seria empregado at o final do sculo XIXGustave Le Gray inventa o processo do negativo sobre papel encerado, obtendo maiornitidez da imagem.Scott Archer inventa o negativo base de coldio mido sobre chapa de vidro para serexposta ainda molhada.

    1851

    Em Paris fundada a Sociedade Heliogrfica que edita o jornal La Lumire.Maxime Du Champ edita um lbum com 125 fotos de sua viagem ao Oriente.Surge o ferrtipo, processo fotogrfico sobre placa metlica , de baixo custo e rapidez deoperao.

    1853

    Surge a Sociedade Fotogrfica de Londres.

    Andr Disdri, cria a carte de visite, fotografias no formato de 6x 9,5cm. O preo de umretrato fotogrfico reduzindo em 5 vezes. Milhares de fotografias so vendidas nesseprocesso.1854

    Surge em Paris a Sociedade Francesa de Fotografia, em atividade at os dias de hoje.1855 Roger Fenton documenta a Guerra da Crimia, sob o patrocnio do editor Thomas Agnew.1858 Flix Nadar sobrevoa Paris e realiza as primeiras fotografias areas do mundo.

    Durante a Guerra Civil Americana, uma legio de fotgrafos, liderados por MathewBrady, registra o conflito.1861Alexander Parkes, qumico ingls, inventa a celulide.

    1866Alexander Gardner, publica em dois volumes o Gardners photographic sketch book ofthe war, com uma seleo de 100 fotografias (dos mais de trs mil negativos produzidos),da Guerra Civil dos EUA.

    1868Max Gemoser, um litgrafo de Munique, aperfeioa o processo de fotolitografia(impresso de imagens fotogrficas) pela aplicao de coldio pedra litogrfica.

    1869 publicado, por Henry P. Robinson, o livro Pictorial effect in photography conceituandoa fotografia artstica.Fotografias da Comuna de Paris so utilizadas com fins repressivos pela polcia parisiense.

    1871Maddox cria as primeiras placas secas base de gelatina.

    1878Muybridge, com o uso de diversas cmeras e da cronofotografia, registra o galope de umcavalo numa seqncia que se tornaria famosa.

    aos 19 anos que a fotografia se tornou profisso. Em 1892, ele adquiriu uma mquina fotogrfica chamadafcil, que no era maior do que uma caixa de charutos. Martin andava pelas ruas com a mquina embaixo do

    brao, como se fosse um pacote. Isso lhe rendeu raras oportunidades de capturar imagens instantneas da vidaurbana da Londres do sculo 19. Martin foi um dos primeiros fotgrafos documentaristas (Cf. LEGATT, R. Op.Cit.).47 NEWHALL, Beaumont. Op. Cit. P.178.

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    1879George Eastman e J.W. Swan, lanam, simultaneamente, mquinas de fabricar chapasemulsionadas com gelatina.

    1880 O New York Daily Graphic publica o primeiro clich impresso em meio-tom.So lanados os primeiros papis de gelatina para a produo de cpias, reduzindo

    drasticamente o trabalho de laboratrio.1881 criada a Eastman Dry Plate Company depois Eastman Kodak Company.

    1884 George Eastman comea a produzir os primeiros negativos flexveis.1888 lanada a cmera KODAK n. 1, com um rolo de filme para 100 fotografias.

    1890F. Hurten e Vero C. Driffied lanam as bases da sensitometria com a publicao de suaspesquisas sobre as caractersticas das emulses fotogrficas.

    2004 Jorge Felz (fontes: FREUND, Gisele (1994) e TURAZZI, Maria Inez (1995)

    1.7. O desenvolvimento tecnolgico e a banalizao da fotografia

    Resultado do desenvolvimento de processos, mtodos e tcnicas em diferentes campos

    do conhecimento, a fotografia surge, no incio do sculo XIX, provocando uma crise entre

    algumas das tcnicas artsticas mais comuns no perodo. Resultado dos esforos de artistas,

    fsicos e qumicos, a fotografia a princpio vai substituir todos os mtodos empregados para a

    reproduo de retratos. Segundo Freund (1994), o incio do sculo XIX reunia todos os

    fatores necessrios para o desenvolvimento da Fotografia enquanto processo tcnico e meio

    de expresso.

    Para a autora, cada momento da histria v nascer modos de expresso artstica

    particulares, correspondendo ao carter poltico, s maneiras de pensar e aos gostos da poca

    (FREUND, 1994, p19)48. O sculo da mquina e do capitalismo, com seu progresso

    mecnico, e as modificaes na estrutura social permitiram o surgimento de processos

    artsticos, como a litografia49, que viriam a ter influncia direta no desenvolvimento da

    Fotografia nos anos seguintes.

    Alm de obscurecer os mtodos tradicionais de produo/ reproduo de retratos,como o desenho, a gravao e a pintura a leo, ser entre os profissionais desses gneros de

    arte, que a fotografia recrutar os primeiros a se envolverem na nova profisso. Muitos dos

    que inicialmente atacavam a fotografia, como se esta fosse um ofcio sem alma, aos poucos

    48 FREUND, Gisele. Op. Cit. 1994, p19.49 Do grego Lithos (pedra), a litografia surgiu na pr-histria, com desenhos feitos diretamente sobre a pedra dascavernas. Coube a Alois Senefelder, no ano de 1796, em Munique, o mrito de ter equacionado e sistematizadoos princpios bsicos da impresso em papel a partir da pedra e produtos qumicos. Autor de teatro de sucesso

    discutvel, foi na procura de meios de impresso para seus textos e partituras. No encontrando entusiasmo porparte dos editores, ele acabou por inventar um processo qumico revolucionrio, que permitia uma impressoeconmica e menos morosa que os procedimentos grficos da poca. A inveno abriu novos caminhos para aproduo artstica e tambm significou um enorme passo na evoluo da impresso de carter comercial.

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    se renderam nova tcnica, transpondo para a fotografia no apenas suas qualidades de

    artistas mas tambm suas qualidades de artesos. Sero estes fatores os responsveis pela

    alta qualidade das primeiras produes fotogrficas (BENJAMIN, 1985)50. Nos primeiros

    anos, embora ainda fosse uma tcnica rstica, a fotografia apresenta uma acabamento esttico

    excepcional. medida que a fotografia se desenvolve, constata-se uma espcie de

    decadncia esttica (FREUND, 1994, p.47-49)51.

    Em meados da dcada de 1850, a tcnica da fotografia estava desenvolvida a ponto de

    no ser mais necessrio a seus profissionais, conhecimentos especiais. A fotografia que, ao

    nascer se aproximava da experincia cientfica, agora era resultado de processos industriais.

    Nesse percurso, de alteraes estticas, alguns fotgrafos podem ser destacados: Flix Nadar,

    Le Gray e Disdri.Flix Nadar, iniciou seus estudos na Escola de Medicina, mas em 1840, quando seu

    pai faliu, abandonou os estudos e se dedicou literatura e caricatura. Por quase uma

    dcada, Nadar sofreu para manter-se no meio literrio, produzindo desenhos para diversas

    revistas e jornais, mas sempre com dificuldades de conseguir algum sossego financeiro. Em

    1853, um amigo, o escritor Chavette, aps ouvir as lamentaes de Nadar, oferece a ele um

    conjunto de equipamentos fotogrficos e prope que se estabelea como fotgrafo.

    Apesar dos preconceitos em relao fotografia, Nadar estabelece-se nocentro de Paris e seu estdio rapidamente torna-se ponto de encontro da eliteintelectual francesa: (...) Delacroix, o desenhista Gustav Dor, o compositorGiacomo Meyerbeer (...) o poeta Bauldelaire e o revolucionrio Bakunin emuitas outras grandes personagens vm posar em seu estdio. O maisimportante porm, o olho artstico , a sensibilidade para a fotografia muito bem exemplificados pelos inmeros trabalhos de Nadar . Pode-seafirmar que Nadar viveu a poca certa (Segundo Imprio), no lugar certo(Frana), conheceu as pessoas certas e, sobretudo, soube transmitir traos dapersonalidade, emoes, momentos e sensaes atravs de seus famososretratos (FREUND, 1994. p. 52)52.

    Ao olharmos para um retrato de Nadar, vemos de imediato a pessoa e sentimo-nospenetrar em seu ntimo. Pierre Bonhomme, diretor do Patrimnio Fotogrfico Francs,

    declara: Seus retratos... no so caras (BONHOMME, 2003)53. Talvez toda essa sua

    capacidade de observao e de percepo psicolgica tenha sido fruto de seus primeiros

    desenhos e caricaturas. Nadar produziu ainda as primeiras fotos areas, tomadas de um balo.

    50 BENJAMIN, W. Pequena histria da fotografia. In Obras Escolhidas, magia e tcnica, arte e poltica; So

    Paulo: Brasiliense; 1985.51 FREUND, Gisele. Op. Cit. 1994. P 47-49.52 Idem, p.52.53 ver: http://www.patrimoine-photo.org/index.html.

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    Figura 14 George Sand por Flix Nadar(J. Paul Getty Museum)

    Figura 15 Charles Baudelaire por Flix Nadar(J. Paul Getty Museum)

    De ideal socialista, ele desafiou a sociedade de seu tempo ousando criar e desenvolver

    suas fotos areas e seus retratos que no somente esbanjam beleza, como tambm expressam

    o desgosto e a tristeza das guerras do Terceiro Imprio. Seu grande mrito no meramente

    tcnico, uma vez que um estdio com condies apropriadas de sombra e luz e uma objetiva

    no garantem o sucesso do trabalho. A cada retrato perceptvel a admirvel capacidade de

    Nadar de captar a realidade do ser humano.Para Benjamin (1995)54, embora os instrumentos utilizados na primeira fase da

    fotografia fossem rsticos, os artistas fotgrafos alm de contar com uma sensibilidade

    esttica apurada pelas tcnicas trazidas do desenho e da pintura, ainda possuam uma relao

    diferenciada com seus modelos. Assim como Nadar, os artistas fotgrafos lidavam com

    personagens muitos prximos, membros de seus crculos de amizade, e as relaes entre

    modelo/ fotgrafo ainda no eram afetadas pelo preo, pois a fotografia no era ainda

    considerada uma mercadoria. Alm disso, pode-se creditar parte do seu sucesso ao esforodas prprias personagens, num tempo onde ainda se fotografava com exposies longas. O

    poder sinttico da expresso arrancada ao modelo pela longa pose a razo principal que faz

    destas imagens, luminosas na sua modstia, obras de encanto profundo e durvel, tal como o

    de um retrato bem desenhado ou bem pintado, e que as fotografias recentes no possuem

    (BENJAMIN, 1985)55.

    As fotografias de Nadar so representativas dessa primeira fase onde a arte, o fazer

    fotogrfico, assim como as outras artes verdadeiras so desinteressadas (FREUND, 1994.

    54 BENJAMIN, W. Op. Cit.

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    p.53)56. Embora conscientes do ofcio, os artistas fotgrafos no se carregavam com falsas

    pretenses.

    Para Freund (1994) se Nadar representa a evoluo do trabalhos dos artistas

    fotgrafos, Le Gray pode ser considerado o marco final dessa fase. Embora fosse pintor, Le

    Gray viu na fotografia a possibilidade de obter uma vida mais tranqila.

    Com financiamento obtido junto a um rico comerciante, alugou o andar superior de

    uma casa no lado oeste de Paris, ento ainda pouco habitado. Quase na mesma poca, outros

    fotgrafos, os irmos Bisson, abriram seus estdios no trreo da mesma edificao. Por um

    longo perodo, muitos procuraram o prdio para visitar as obras dos irmos Bisson e Le Gray.

    Figura 16 Brig upon the water - Gustave Le Gray 1856 ( J. Paul Getty Museum)

    Le Gray causou furor em 1856 quando a fotografia "Brig upon the water" (seu

    brigue57 na gua) foi exibido Sociedade Fotogrfica na exposio anual de Londres. Ataquele ano, os materiais fotogrficos no eram sensveis para o vermelho e altamente

    sensveis ao azul. As fotografias de paisagem tendiam a apresentar o cu como um branco

    intenso. Le Gray obteve uma onde o cu e o mar apresentavam uma impresso agradvel e

    equilibrada em meios-tons. Alguns afirmam que isso foi obtido com o uso de um nico

    negativo, outros que o autor empregou dois negativos distintos e que este foi o primeiro

    exemplo de montagem para impresso.

    55 BENJAMIN, W. Op. Cit., 199556 Cf.: FREUND, Gisele. Op. Cit. P.5357 Antigo navio vela, com dois mastros e gurups, com vela latina (quadrangular).

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    Apesar da qualidade de suas fotografias, Le Gray e muitos outros fotgrafos, como os

    irmos Bisson, representantes da primeira fase, no foram capazes de resistir aos altos custos

    para produzir fotografia e mais ainda, no foram capazes de acompanhar as inovaes

    tecnolgicas.

    Figura 17 Cartes de visite de Disdri (George Eastman House

    International Museum of Photography and Film

    O golpe fatal veio com a carte de visite, inventada por Disdri. Homem de pouca

    instruo mas com uma enorme capacidade de criao prtica, percebeu rapidamente que a

    fotografia precisava adequar-se, reduzindo custos e tornando-se acessvel maioria dapopulao. Assim, ele reduziu as imagens a um modelo ideal de 6 x 9 cm ( carte de visite),

    substituiu a placa metlica por um negativo em vidro e permitiu a produo de cpias. Disdri

    oferecia at uma dzia de cpias por at um quinto do valor de uma fotografia nica,

    produzida no sistema anterior.

    Graas aos avanos criados por Disdri, a fotografia tornou-se popular e caiu de vez

    no gosto da populao parisiense que, segundo Freund (1994),

    (...) um pblico sem educao (...) influenciada em seus gostos por umainstituio do Estado que , ela prpria, a expresso das tendncias desteltimo (...) o fotgrafo tambm faz parte dessa massa sem cultura e a eleno cabe outra coisa seno imitar os gneros artsticos anteriores,transportando para a arte fotogrfica os hbitos estticos que so vistos poressa grande maioria da populao como perfeitos (FREUND, 1994. p 73)58.

    O valor de Disdri reside em como ele foi capaz de adaptar, no apenas sua produo

    s condies econmicas da maioria da populao, mas tambm, s condies intelectuais

    dessa clientela. As imagens produzidas so esteretipos. Se os artistas fotgrafos se

    58 FREUND, Gisele. Op. Cit. 1994. P.73.

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    preocupavam com a personalidade, os fotgrafos dessa segunda fase trabalham com tipos

    caractersticos onde o indivduo deve encaixar-se.

    Disdri tambm foi o primeiro a escrever um tratado esttico sobre a fotografia de

    retrato. Para ele, uma boa fotografia poderia ser definida a partir dos seguintes elementos: (..)

    fisionomia agradvel; nitidez geral; sombras, meios-tons e os claros bem pronunciados, estes

    ltimos brilhantes; propores naturais; detalhes nos negros; beleza (FREUND, 1994)59. Tais

    elementos eram adaptaes dos conceitos estticos j adotados pelos pintores do sculo XIX.

    Com o desenvolvimento tecnolgico, o nmero de profissionais dedicados atividade

    fotogrfica cresceu a ponto de, em 1864, existirem mais de 25 revistas especializadas no

    assunto. Trinta anos depois, j no final do sculo XIX, o uso da fotografia assume

    propores ainda maiores, seja na Europa ou na Amrica.Mas a evoluo tcnica que permite o sucesso e massificao da fotografia,

    especialmente do retrato fotogrfico, tambm vai provocar, lenta e progressivamente, sua

    decadncia. A fotografia caracteriza-se pela possibilidade de reproduo mecnica e, com a

    mquina assumindo cada vez mais importncia entre os meios de produo, os princpios

    iniciais da fotografia: o trabalho manual e o esprito individual, do lugar a um ofcio cada vez

    mais impessoal.

    Com o aparecimento de mquinas como as Kodak, fabricadas por George Eastman, afotografia deixa de ser um ofcio exclusivo dos profissionais e passa a ser tambm praticada

    por milhares de amadores60. Aqueles que antes recorriam ao fotgrafo para serem

    fotografados passaram a fotografarem a si mesmos. O fotgrafo profissional s requisitado

    em ocasies especiais: nascimentos, casamentos e funerais61.

    59 Idem. P 76.60 Embora no desejando entrar na discusso, interessante destacar a produo desenvolvida pelos fotgrafos

    amadores no final do sculo XIX e incio do sculo XX. Alm das discusses acerca do valor / domnio a quepertencia a fotografia, parece-nos ter ocorrido uma acirrada disputa entre fotgrafos profissionais e amadores,com uma viso preconceituosa, algumas vezes, sendo claramente demonstrada pelos profissionais, como HenryEmerson que afirmava ser o fotgrafo amador (...) uma aficcionado sem pontaria e conhecimento (...). JAlfred Stieglitz em 1899, buscou enterrar tal discusso pois, para ele, esse era (...) um dos enganos maispopulares que tm a ver com a fotografia, o de classificar trabalhos supostamente excelentes como profissionais,usando o termo amador para carregar uma idia de produes imaturas e desculpar fotografias ruins ouesteticamente pobres. De fato, a maioria das boas fotografias est sendo, e sempre foi feita, por esses quefotografam por amor tcnica e no somente por razes financeiras. Amador aquele que trabalha por amor fotografia, ver a uma classificao do que imperfeito somente uma viso popular. Inhttp://www.rleggat.com/photohistory/index.html - Amateur photographers. Acessado em 12 de agosto de 2004.61 Durante o sculo XIX era bastante comum uma tradio cultivada em famlia: a de fotografar mortos emcaixes durante os velrios. Na Europa, os mortos eram fotografados junto a objetos pessoais, ou em cenrios

    que retratassem o ambiente em que viveram. No final do sculo XIX, tal prtica foi proibida em diversos pasespor questes sanitrias. Entretanto, esse secular ritual de despedida, comum em culturas diversas, aindasobrevive na regio Nordeste do Brasil, em particular no Cariri cearense.In http://www.noolhar.com/opovo/vidaearte/195940.html .

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    Se nos primeiros anos a fotografia, em funo da complexidade dos processos, era

    exercida por um nmero restrito de especialistas e parecia envolta pelos mistrios da criao,

    com a simplificao da tcnica, ela perdeu sua aura e prestgio. Alm disso, essa evoluo foi

    acompanhada por uma clara decadncia esttica das imagens, decorrncia direta da

    dependncia do fotgrafo em relao ao gosto de sua clientela e aos preos baixos que devia

    praticar.

    Andr Rouill (1988) destaca em um artigo todos os campos em que a fotografia j

    perdeu sua hegemonia. No que a fotografia tenha chegado ao fim, mas que a fotografia ter

    que aceitar esse espao reduzido que agora lhe cabe. Como se sabe, a histria parece

    caracterizar-se pela ingratido e, exatamente aqueles meios que nos parecem como

    descendentes diretos da fotografia, parecem tambm terem nascido para suplantar aquelasfunes que desde o incio se imaginou como funes da fotografia.

    Nos novos sistemas de informao, grande parte das funes informativasque podem ter a fotografia, desaparecem em favor de outras mais simblicas.Ante a obscenidade da televiso ao vivo, a fotografia chega sempre com umcerto atraso, produto de uma imagem fixa e sempre recortada, relegada emtodo caso, imprensa escrita; nas atividades cientficas, na biologia emedicina sobretudo, frente ao grande desenvolvimento das ecografias, dosscanners e das imagens de ressonncia magntica, a fotografia fica relegadaa imagens de arquivo; e a indstria parece relega-la a atividades menores

    diante da nova gerao de imagens de sntese (ROUILL, 1988)

    62

    .

    Para o autor, resta fotografia refugiar-se na arte e no entretenimento onde ainda est

    melhor assentada (alis, tais espaos so os mesmos onde os gravadores, no sculo XIX, se

    refugiaram quando ameaados pela fotografia). E se h algum movimento de resistncia

    frente o avano das novas tecnologias devido a um grave erro de concepo: de que as

    imagens eletrnicas e a fotografia mantm com a realidade o mesmo tipo de relaes.

    Benjamin estava certo quando afirmava que a fotografia vinha no para acabar com a pintura,

    mas liber-la das amarras a que esta havia se prendido. Talvez, nesse momento, a fotografiacomo conhecemos, de base fotoqumica, esteja sendo finalmente liberada, pelas imagens

    eletrnicas, de suas amarras.

    1.8. Sobre os domnios da fotografia

    Apesar das primeiras tentativas de dotar a fotografia de um cdigo esttico, a maioria

    dos artistas recusaram a esta o carter de obra de arte. Paul Delaroche foi um dos poucos

    pintores a enxergar a fotografia como um meio de capturar e reproduzir imagens capaz de

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    auxiliar as outras artes da representao. A ele creditada uma frase clebre: a pintura est

    morta!, embora no se tenha qualquer confirmao positiva de que ele tenha realmente dito

    isso63.

    Gustav Coubert64, tambm reconhecia a fotografia como uma poderosa ferramenta

    auxiliar. Entretanto, as pinturas dele parecem ilustrar, pela densidade das cores, que ele

    visualizou na fotografia apenas uma tcnica de copiar a realidade enquanto a pintura ia muito

    alm, adicionando sua leitura pessoal ao que era visto.

    Ainda nos primeiros anos da fotografia, o poeta francs Charles Baudelaire escreveu

    um texto criticando a natureza desta enquanto arte, aps notar a influncia da fotografia na

    arte exibida no Salo de 1859, sob o patrocnio da Academia Nacional de Paris. Para o poeta,

    a imensa aceitao da fotografia refletia o gosto exclusivo pela verdade que oprime e sufocao gosto pelo belo e que a desprezvel sociedade correu, como Narciso, a contemplar sua

    imagem trivial na placa metlica. Ele considerava que a fotografia se tornou o refgio de

    pintores falidos, com pouco talento ou muito preguiosos, e que se for permitido que a

    fotografia passe por arte em algumas de suas atividades, no demorar muito para que tenha

    superado ou corrompido toda a arte graas estupidez das massas, sua aliada natural

    (BAUDELAIRE apud TRACHTENBERG, 1981, pp. 85-88)65. Essa afirmao, de que a

    fotografia tinha se tornado o refgio de pintores falidos ou com muito pouco talento erabastante injusta, embora seja verdade que um grande nmero de artistas tenham visto na

    fotografia a possibilidade de melhorar de vida.

    J para Benjamin (2000), a fotografia liberou a mo do artista de tarefas, ligadas

    reproduo das imagens, agora fixadas pela objetiva da cmera fotogrfica. Para Benjamin, a

    polmica entre pintores e fotgrafos sobre o valor da fotografia como arte, d-nos hoje a

    impresso de responder a um falso problema e de fundar-se numa confuso. Para ele essa

    polmica era apenas a parte visvel de uma subverso histrica onde as partes no viam o querealmente acontecia. Libertada de suas bases cultuais pelas tcnicas fotogrficas de

    reproduo, a arte j no podia sustentar suas pretenses de independncia. Segundo ele, na

    62ROUILLE, Andr: Le monde des images, les territoires de la photographie. La Recherche Photographique,Noviembre 1988. Paris.63Delaroche era um defensor da fotografia. A ele coube o primeiro relatrio sobre a daguerreotipia (1839) aogoverno francs onde afirma que: O processo de Daguerre satisfaz todas as demandas de arte essencial,levando tais princpios essenciais a tal perfeio que deve tornar-se assunto de observao e estudo at mesmopara os pintores mais experientes. (...) O pintor descobrir neste processo um meio fcil de colecionar estudos eimagens que ele s poderia obter com muito trabalho e tempo. Alm disso, por mais talentoso que for, seutrabalho no ser to perfeito. In http://www.rleggat.com/photohistory/index.html . Acessado em 03 de agostode 2004.64Gustav Coubert (1819-1877) pintor da escola realista.

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    verdade, gastou-se muito tempo discutindo se a fotografia era ou no arte e no se

    perguntaram, preliminarmente, se essa descoberta no transformava a natureza geral da

    arte(..) (BENJAMIN,2000. p.221-254)66.

    Villiers de LIsle-Adam (1984), em um tom mais otimista, falava das possibilidades

    da fotografia no campo da publicidade, do uso policial da fotografia e suas aplicaes na

    poltica. Para o autor, era preciso ver as mltiplas possibilidades artsticas e industriais que a

    fotografia podia oferecer:

    (...) combinando a fotografia sobre vidro com o Lampascope67 eaumentando 100 mil vezes sua potncia graas a eletricidade, possvelconverter estreis paredes brancas em frutferos espetculos (...) serpossvel desenhar gigantescos anncios que simplificaro os mtodos depropaganda, oferecendo aos grandes e pequenos industriais uma publicidade

    absoluta. Na poltica, a fotografia poderia mostrar aos eleitores o rostosorridente dos candidatos (...) esse invento ser capaz de universalizar de talmaneira as eleies que sem ele o sufrgio universal seria uma espcie deburla (...) No uso policial, fcil imaginar as fotografias de bandidos emfuga afixadas pelos vages dos trens ( DE LISLE-ADAM, 1984) 68.

    Os fotgrafos segundo Freund (1994), relacionavam sempre a fotografia com a arte e

    no com a indstria, processo meramente tcnico. Essa posio porm balanou de um lado

    para outro na medida em que cresceu a concorrncia interna. Em 1865, Claudet69, j um

    fotgrafo respeitado, defendia a fotografia como arte:

    (...) no podemos deixar de reconhecer que h artes que j estavam caminhodo desaparecimento e que a fotografia apenas d a estas o golpe final (...)reclamam da fotografia porque esta capaz de produzir retratos muito maisprecisos, onde forma e expresso esto representadas em perfeita proporo, eque agradam muito mais ao corao e satisfazem plenamente a memria(CLAUDET, apud LEGGAT, R., 2002)70

    O pintor e fotgrafo norte-americano Man Ray (1890 - 1976), embora tenha vivido

    numa poca posterior a essa controvrsia, teceu alguns comentrios que puseram este assunto

    65TRACHTENBERG, Alan. Classic Essays on Photography. N. York: Island Books, 1981, p 85-88.66 BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica In LIMA, Luiz Costa. Teoria dacultura de massa. 5a edio. So Paulo: Paz e Terra, 2000. Pp221 254.67Trata-se de uma espcie de lanterna mgica panormica, circular, que permite uma projeo em 360 medianteuma luz central.68L'ISLE-ADAM, Villiers de: "La cartelera celeste" In LLAMOSA, Enrique Prez (ed.): Cuentos crueles.Madrid: Ctedra/ Letras Universales, 1984. A primeira publicao desse conto tinha o ttulo de "La dcouvertede M. Grave", e apareceu na revista La Renaissance Littraire, de 30 de Novembro de 1873.69CLAUDET, Jean Franois Antoine (1797 - 1867): Claudet foi um dos primeiros fotgrafos comerciais.Aprendeu a daguerreotipia com seu inventor, e comprou dele uma licena para operar na Inglaterra. Em 1841

    montou um estdio no telhado da Adelaide Gallery (agora o Centro de Nuffield) onde trabalhou por muitos anos.Tambm contribuiu para o desenvolvimento de novas tcnicas e equipamentos fotogrficos.70In: http://www.rleggat.com/photohistory/index.html artists and photography. Acessado em 04 de agosto de2004.

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    em perspectiva. Para ele, havia fotgrafos que defendiam que esse meio no tem nenhuma

    relao com a pintura, assim como havia pintores que menosprezavam a fotografia.

    Para Man Ray, os puristas existem em todas as formas de expresso e tais atitudes so

    o resultado de um medo em ser substitudo pelo novo. Eu no vejo ningum tentando abolir

    o automvel porque ns temos o avio. Em entrevista a Paul Hill e Thomas Cooper em abril

    de 1974, Man Ray conta porque se dedicou fotografia:

    Fui pintor durante muitos anos antes de me tornar fotgrafo. Um dia compreiuma cmera s porque no gostava das reprodues que os fotgrafosprofissionais faziam de minhas obras. Nos primeiros confrontos com amquina fotogrfica, me sentia limitado e intimidado. Assim, eu decidiestudar e em poucos meses me tornei um expert. Mas eu mantive aaproximao de um pintor a um tal grau que fui acusado de tentar fazer uma

    fotografia parecer uma pintura. Isso acontecia, acho, por meu passado etreinamento como pintor. Muitos anos atrs eu tinha concebido a idia defazer um olhar de pintura como uma fotografia! Havia uma razo vlida paraisto. Eu desejei distrair a ateno de qualquer destreza manual, de forma quea idia bsica se salientasse. Claro que sempre haver os que olham para ostrabalhos com uma lupa e tentam ver "como", em vez de usar os crebrosdeles e entender por que. H pouco, vi um livro com 20 fotografias, domesmo modelo, feitas por 20 fotgrafos diferentes. Elas eram to diferentesquanto vinte pinturas do mesmo modelo. Essas fotografias so provas daflexibilidade da mquina fotogrfica e sua validade como um instrumento deexpresso. H muitas pinturas e edifcios que no so obras de arte. ohomem atrs de qualquer instrumento que determina a obra de arte (HILL &

    COOPER, 1979)71

    .

    Essa reflexo sobre o domnio a que pertence a fotografia, enquanto meio de

    expresso, leva-nos, inevitavelmente, a discutir a relao especfica entre o referente externo

    (objeto fotografado) e a mensagem produzida (imagem obtida). Isto , preciso discutir como

    o meio representa o real. Para Dubois (1994)72, existe uma espcie de consenso de que a

    fotografia d conta do mundo com fidelidade. Tal virtude testemunhal, de valor de verdade,

    decorre do prprio processo mecnico de produo da imagem fotogrfica. A foto , senso

    comum, percebida como prova de verdade, necessria e suficiente .Para o autor, essa relao da imagem fotogrfica com seus referentes passou por trs

    posies diferentes, cada uma relacionada com diferentes momentos histricos. A fotografia

    vista, primeiro, como um espelho do real, onde o efeito de realidade atribudo

    semelhana entre a foto e seu referente; no segundo momento a fotografia ser entendida

    como transformao do real, onde se tenta demonstrar que a fotografia no um espelho

    neutro, mas um instrumento de transposio, de anlise e interpretao e mesmo de

    71HILL, Paul & COOPER, Thomas. Dilogo con la Fotografia. Barcelona: Gustavo Gili, 1979.72 DUBOIS, Philippe. O ato fotogrfico. Campinas (SP): 1994.

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    transformao do real; e por fim, mais recentemente, a fotografia passa a ser vista por alguns

    como um trao do real, uma referncia.

    Assim, nos discursos iniciais, a fotografia aparece como o espelho do real porque

    considerada como a imitao mais perfeita da realidade. Nesses discursos essa

    capacidade advm da prpria natureza tcnica da fotografia, baseada em procedimentos

    mecnicos, capaz de permitir o surgimento de uma imagem natural e objetiva de forma

    automtica, a partir apenas dos princpios da fsica (ptica) e da qumica, sem que a mo do

    artista intervenha (diferente do que ocorre com a pintura).

    Assiste-se a uma clara diviso na qual a fotografia se ope arte, especialmente

    pintura, produto do trabalho e talento manual do artista. Os discursos embora balancem entre

    a denncia e o elogio, se baseiam na mesma concepo de uma separao entre arte efotografia e utilizam a mesma lgica, pois consideram a fotografia uma tcnica muito mais

    adaptada para a reproduo. De um lado havia o grupo liderado por Baudelaire, que sentia a

    necessidade de que cada prtica se reservasse ao seu campo:

    (...) necessrio que ela (fotografia) volte a seu verdadeiro dever, que o deservir s cincias e artes, mas de maneira humilde, como a tipografia (...) queela enriquea rapidamente o lbum do viajante e devolva a seus olhos apreciso que falta sua memria (...) que seja finalmente a secretria e ocaderno de notas de algum que tenha necessidade em sua profisso de uma

    exatido material absoluta (...) (BAUDELAIRE apud DUBOIS, 1994, p. 29)

    O poeta estabelece aqui uma diferena vigorosa entre a fotografia como instrumento

    de memria documental e a arte como criao imaginria. O papel da fotografia conservar

    o trao do passado ou auxiliar as cincias em seu esforo para uma melhor apreenso da

    realidade do mundo (BAUDELAIRE apud DUBOIS, 1994)73. Essa viso de Baudelaire

    decorre, segundo Dubois, da percepo de forte influncia do naturalismo sobre as imagens

    fotogrficas produzidas na poca.

    No outro extremo, situam-se aqueles discursos que vem a fotografia como apossibilidade da libertao da arte pela fotografia, como o caso de Walter Benjamin (2000)74

    e Andr Bazin (1983)75. Desse modo, competiriam fotografia todas as funes sociais e

    utilitrias at aqui exercidas pela arte pictural. Isto , fotografia compete a funo

    documental, a referncia, o concreto, o contedo: pintura, a busca formal, a arte, o

    imaginrio (DUBOIS, 1994)76.

    73 Baudelaire, Charles Apud DUBOIS, P. Op. Cit., 194, p. 30.74 BENJAMIN, W. Op. Cit. 2000.75 BAZIN, Andr. A Ontologia da imagem fotogrfica. In: A Experincia do cinema: antologia. Org.: IsmailXavier. Rio de Janeiro: Graal/ Embrafilme, 1983. p.121-128.76 DUBOIS, P. Op. Cit., 1994, p. 32- 34.

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    Essa viso vai aos poucos sendo substituda por um discurso onde a fotografia aparece

    como possibilidade de transformao do real. Os primeiros vestgios dessa viso surgem,

    segundo Dubois, por volta da dcada de 1850. Uma das primeiras pessoas a discutir essas

    possibilidades de transformao do mundo a partir da fotografia foi Lady Elizabeth

    Eastlake77.

    Posteriormente, esse discurso vai ser ampliado com os textos de Rudolph Arnheim

    (teorias da imagem e da percepo) . Para este, as diferenas entre a imagem e o real so

    claras na medida em que a fotografia oferece uma imagem determinada, no apenas pelo

    ngulo de viso escolhido (ou possvel), mas tambm por sua distncia do objeto e pelo

    enquadramento selecionado. Alm disso, a tridimensionalidade do objeto reduzida a uma

    imagem bidimensional, isolada no espao e no tempo.Ainda segundo Dubois, outros autores como Bourdieu (1989)78, vo contestar, com

    discursos de carter ideolgico, a

    pretensa neutralidade da cmera escura e a pseudo-objetividade da imagemfotogrfica, uma vez que a fotografia sempre o resultado de uma seleoarbitrria, onde as qualidades do objeto so transcritas de acordo com as leisde uma perspectiva(BOURDIEU apud DUBOIS, 1994)79.

    Para Bourdieu, a fotografia considerada um registro realista e objetivo porque a ela

    foram designados usos sociais baseados numa perspectiva, numa viso de mundo impostadesde o Renascimento.

    Tanto a viso da fotografia como espelho do real como a concepo da imagem

    fotogrfica como intrprete do objeto, partem do pressuposto de que a fotografia sempre

    dotada de um valor absoluto. Dubois vai destacar que outras teorias vo considerar a

    fotografia como dotada de um valor no mais absoluto, mas de um valor singular ou

    particular, determinado unicamente por seu referente e s por este: um trao do real

    (DUBOIS, 1994), ou como Peirce vai afirmar, as fotografias procedem da ordem do ndice,isto , a fotografia seria apenas uma representao por contiguidade fsica do signo com o seu

    referente.

    Essa viso tambm aparece em Barthes (1984) quando observa como o referente se

    impregna na imagem e como se mostra por meio dessa:

    77Lady Elizabeth Rigby Eastlake (1809-1903) Britnica, crtica de arte e modelo. Uma das primeiras queescreveram a srio sobre fotografia. Numa edio no assinada da revista Edinburgh's Quarterly de 1857, eladefendeu que a fotografia deveria expressar-se por si mesma, e resistir imitao da pintura ou do desenho

    Antes de seu casamento em 1849 com Charles Eastlake, ela posava freqentemente para Hill e Adamson, e foi otema de 16 retratos. Por M. Alinder, em Focal Encyclopedia of Photography. London: Focal Press, 1992.78 Ver: Bourdieu, Pierre. La fotografa, un arte intermedio. Cidade do Mexico: Nueva Imagen, 1989.79 BOURDIEU, Pierre. Apud DUBOIS, P. 1994. Pp 38-41.

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    De incio, era-me necessrio conceber bem e, portanto, se possvel, dizer(mesmo que seja coisa simples) em que o referente da fotografia no omesmo que o dos outros sistemas de representao. Chamo ele de referentefotogrfico, no a coisa facultativamente real a que remete uma imagem ousigno, mas a coisa necessariamente real que foi colocada diante da objetiva,sem a qual no haveria fotografia. A pintura pode simular a realidade semt-la visto (...) na fotografia jamais posso negar que a coisa esteve l. Hdupla posio conjunta: de realidade e de passado. E j que essa coero sexiste para ela, devemos t-la, por reduo, como a prpria essncia, onoema da fotografia (BARTHES, 1984. p.14-15)80.

    A viso que Barthes (2000) traa sobre a mensagem fotogrfica permite que seja o

    primeiro a perceber que a fotografia perpassada por uma srie de tipos de cdigos. No artigo

    A mensagem fotogrfica, isso fica claro quando ele define os cdigos conotativos para a

    fotografia: trucagem, pose, objeto, fotogenia, esttica e sintaxe. Mas Barthes, prende-se aum referencialismo exagerado, declarando que do objeto sua imagem, h uma reduo, de

    proporo, de perspectiva e de cor, mas que tal reduo no em nenhum momento uma

    transformao, onde no necessrio fragmentar o real em unidades e constituir essas

    unidades em signos substancialmente diferentes do objeto que oferecem leitura. Para

    Barthes, a imagem no evidentemente o real, mas sua perfeita analogia e seria a que

    surgiria o estatuto prprio da imagem fotogrfica: uma mensagem sem cdigo; proposio

    de que necessrio extrair imediatamente um corolrio importante: a mensagem fotogrfica uma mensagem contnua (BARTHES, 2000)81.

    Se questionarmos a existncia de outras mensagens sem cdigo, Barthes dir que,

    primeira vista, todas as formas de reproduo analgica da realidade (cinema, teatro,

    desenho,...) so mensagens sem cdigo. Entretanto, todas essas artes imitativas comportam

    duas mensagens: uma mensagem denotada, que a prpria analogia e uma mensagem

    conotada, que a maneira que a sociedade d a ler, em certa medida, o que ela pensa

    (BARTHES, 2000)82.

    Temendo incorrer numa armadilha, Dubois prefere relativizar ainda mais o domnio

    da referncia a partir dos escritos de C. S. Peirce que, dentro de sua classificao dos signos,

    assinalou a fotografia como um ndice. Para Peirce e Dubois, a imagem fotogrfica se parece

    exatamente com o objeto que representa porque foi produzida de forma a efetivamente

    corresponder a cada detalhe do objeto a que se refere. O ponto de partida para essa viso

    80 BARTHES, Roland. A cmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, P 14-15.81 BARTHES, Roland.. A Mensagem Fotogrfica. In LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. 5a edio.So Paulo: Paz e Terra, 2000. P 325 338.82 Idem. P 328.

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    a natureza tcnica do processo fotogrfico, o princpio elementar daimpresso luminosa regida pelas leis da fsica e da qumica. Em primeirolugar, o trao, a marca (...) isso significa que a fotografia aparenta-se com acategoria dos signos (..) todos esses sinais tm em comum o fato de seremrealmente afetados por seu objeto (DUBOIS, 1994. p. 50)83.

    Tambm possvel observar que esse trao indicial, marca apenas um momento do

    processo fotogrfico. Para Dubois, antes e depois desse momento de impresso da imagem

    sobre a superfcie, existem

    gestos completamente culturais, codificados, que dependem inteiramente deescolhas e de decises humanas. Antes, entram a escolha do sujeito, o tipode equipamento usado, o tipo de filme, a exposio escolhida (relaoabertura/ velocidade), o ngulo de viso... Depois, vamos desde a formacom que o material revelado e copiado at como entra e circula nos

    circuitos de difuso. Assim, somente entre uma srie de cdigos, apenasno instante da exposio propriamente dita, que a foto pode ser consideradacomo uma mensagem sem cdigo um trao (DUBOIS, 1994. p. 51)84.

    Dessa forma, retomando Barthes (1984), uma fotografia ser sempre um indicativo da

    existncia de algo. Sempre estar dizendo olhe, isso, est aqui. A fotografia ser

    sempre um testemunho (um atestado de presena) da existncia de uma da realidade, embora

    jamais o seja de seu sentido.