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CAPELA DE SANTA BÁRBARA EM ARTUR NOGUEIRA: Contradições entre memória e história BÁRBARA GONÇALVES GUAZZELLI 1 JANAINA SILVA XAVIER 2 Resumo: Na cidade de Artur Nogueira há uma capela abandonada e uma imagem de Santa Bárbara de 1663. De acordo com os habitantes, a edificação seria uma das construções mais antigas da região, estando ligada aos seus primeiros moradores. Diversas tradições orais envolvem a capela, entre elas, a de que estaria próxima à estrada bandeirante dos Goiases, de que em uma fazenda na região teria se hospedado Auguste de Saint-Hilaire em sua expedição pelo interior de São Paulo e sobre indígenas e um missionário espanhol no século XVII. A fim de trazer informações históricas que pudessem corroborar com essa memória oral e para compreender a existência da edificação e da imagem sacra foi realizado um estudo pelos cursos de Arquitetura e Urbanismo e História do UNASP. Sem a pretensão de elucidar completamente a questão e sem desconsiderar as tradições orais, o estudo pautou-se no estudo documental, bibliográfico, entrevistas e na análise arquitetônica da capela, tomando como ponto de partida as memórias dos moradores. Poucas foram as fontes encontradas sobre a edificação, porém conseguiu-se avançar em importantes aspectos e trazer novas interpretações para o templo religioso e sua história. Palavras Chaves: Artur Nogueira; Capela; Santa Bárbara; Memória; História. Introdução Na cidade de Artur Nogueira, região metropolitana de Campinas, São Paulo, há uma pequena capela abandonada e que se encontra com sua estrutura física bastante comprometida. A referida Igreja está localizada a 9 km do centro da cidade, em uma zona rural chamada Bairrinho, à beira da Rua Prefeito Azin Lian, que liga a cidade de Artur Nogueira a Holambra. De acordo com relatos dos habitantes, a edificação religiosa seria uma das construções mais antigas da região, estando ligada às origens da cidade e seus primeiros moradores. Diversas tradições orais envolvem a Capela, entre elas, a de que estaria próxima à antiga estrada bandeirante dos Goiases, de que em uma fazenda na região teria se hospedado o 1 Arquiteta e Urbanista, Mestre em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo, Doutoranda em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo (IAU USP). Professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP EC). E-mail: [email protected] 2 Licenciada em Artes Visuais, Especialista em Patrimônio Cultural, Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural (UFPEL), Mestre em Museologia (USP), Doutoranda em Artes Visuais (UNICAMP). Museóloga e Professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo - UNASP EC. E-mail: [email protected]

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CAPELA DE SANTA BÁRBARA EM ARTUR NOGUEIRA:

Contradições entre memória e história

BÁRBARA GONÇALVES GUAZZELLI1

JANAINA SILVA XAVIER2

Resumo: Na cidade de Artur Nogueira há uma capela abandonada e uma imagem de Santa

Bárbara de 1663. De acordo com os habitantes, a edificação seria uma das construções mais

antigas da região, estando ligada aos seus primeiros moradores. Diversas tradições orais

envolvem a capela, entre elas, a de que estaria próxima à estrada bandeirante dos Goiases, de

que em uma fazenda na região teria se hospedado Auguste de Saint-Hilaire em sua expedição

pelo interior de São Paulo e sobre indígenas e um missionário espanhol no século XVII. A fim

de trazer informações históricas que pudessem corroborar com essa memória oral e para

compreender a existência da edificação e da imagem sacra foi realizado um estudo pelos cursos

de Arquitetura e Urbanismo e História do UNASP. Sem a pretensão de elucidar completamente

a questão e sem desconsiderar as tradições orais, o estudo pautou-se no estudo documental,

bibliográfico, entrevistas e na análise arquitetônica da capela, tomando como ponto de partida

as memórias dos moradores. Poucas foram as fontes encontradas sobre a edificação, porém

conseguiu-se avançar em importantes aspectos e trazer novas interpretações para o templo

religioso e sua história.

Palavras Chaves: Artur Nogueira; Capela; Santa Bárbara; Memória; História.

Introdução

Na cidade de Artur Nogueira, região metropolitana de Campinas, São Paulo, há uma

pequena capela abandonada e que se encontra com sua estrutura física bastante comprometida.

A referida Igreja está localizada a 9 km do centro da cidade, em uma zona rural chamada

Bairrinho, à beira da Rua Prefeito Azin Lian, que liga a cidade de Artur Nogueira a Holambra.

De acordo com relatos dos habitantes, a edificação religiosa seria uma das construções mais

antigas da região, estando ligada às origens da cidade e seus primeiros moradores.

Diversas tradições orais envolvem a Capela, entre elas, a de que estaria próxima à antiga

estrada bandeirante dos Goiases, de que em uma fazenda na região teria se hospedado o

1 Arquiteta e Urbanista, Mestre em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo, Doutoranda em Teoria e

História da Arquitetura e Urbanismo (IAU USP). Professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo

(UNASP EC). E-mail: [email protected] 2 Licenciada em Artes Visuais, Especialista em Patrimônio Cultural, Mestre em Memória Social e Patrimônio

Cultural (UFPEL), Mestre em Museologia (USP), Doutoranda em Artes Visuais (UNICAMP). Museóloga e

Professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo - UNASP EC. E-mail: [email protected]

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viajante, naturalista e botânico francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) em uma de suas

expedições pelo interior de São Paulo, e ainda há relatos sobre a existência de indígenas e um

missionário espanhol chamado Heitor Rodrigues que teria fundado a igreja em 1663 para

catequisar os índios.

Esta pesquisa foi realizada pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo, campus

Engenheiro Coelho, pelos cursos de Arquitetura e Urbanismo e História3, com o objetivo de

fazer levantamentos históricos e arquitetônicos da Capela a fim de trazer novas informações

que possam ser relevantes para compreender a existência da edificação e a imagem sacra

existente. Sem ter a pretensão de elucidar todos os aspectos que envolvem a questão e sem

desconsiderar a importância das tradições orais, este documento pautou-se no estudo

documental, bibliográfico, entrevistas e na análise técnica da Capela, tomando como ponto de

partida as memórias dos moradores de Artur Nogueira. Poucas foram as fontes encontradas

sobre a referida região e a Capela, porém o estudo consegue avançar em importantes aspectos

e trazer novas hipóteses e interpretações para o templo religioso e sua história.

SÉCULO XVII – A imagem de Santa Bárbara (1663)

Segundo a tradição oral dos moradores de Artur Nogueira, em 1663, um missionário

espanhol teria inaugurado a Capela, erguida com o objetivo de catequisar os índios que viviam

no local. Essa afirmação é feita com base na existência de uma imagem sacra na qual consta a

seguinte inscrição 16 HR 63 na peanha, que na interpretação de um dos proprietários das terras

onde se localiza a Capela, João Santiago Martins4, trata-se do ano de 1663 e das iniciais do

nome do missionário Heitor Rodrigues.

Por se tratar de um suposto missionário espanhol, buscou-se encontrar registros sobre

ele nos estudos de Serafim Leite (1890 – 1969), padre jesuíta, poeta, escritor e historiador

português que viveu muitos anos no Brasil, como pesquisador da atuação dos padres da

Companhia de Jesus, catequisadores e educadores em terras brasileiras, a partir do século XVI.

3 Participaram da pesquisa os acadêmicos: Ariane Regina Bueno da Cunha (Bacharelado em História UFPEL),

Daniel Fernandes Teodoro, Gustavo da Silva Ramos (Licenciatura em História UNASP) e Gabriela Bottan Souza

(Arquitetura e Urbanismo UNASP) 4 Entrevista concedida por João Santiago Martins em sua residência as pesquisadoras, em 04 de setembro de

2017.

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Leite investigou extensamente os arquivos produzidos em Portugal, na Itália e no Brasil,

registrando em seus escritos os nomes e a atuação dos missionários jesuítas no Brasil. Em sua

obra Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil (1549-1760) não se encontrou nenhuma referência

a um missionário com as iniciais HR.

Não há em seus estudos nenhuma alusão à presença de missionários na região próxima

a atual cidade de Artur Nogueira entre os anos de 1549 a 1760. Em outra obra do autor dedicada

ao tema, intitulada Breve história da Companhia de Jesus no Brasil (1549-1760), também não

há referência a ninguém com as iniciais HR. Neste livro, Leite (1965, p. 85) afirmou que os

jesuítas foram expulsos da Capitania de São Vicente (São Paulo) em 1640, mas que

conseguiram retornar em 1653 para o Colégio na capital para serem, finalmente, expulsos de

todo o Brasil, em 1759, pelo Marques de Pombal. Esses dados levam à conclusão de que, em

1663, os jesuítas estavam em menor número e mais concentrados em São Paulo, não sendo

possível confirmar a existência de um missionário espanhol chamado HR, pois nos documentos

pesquisados por Serafim Leite nenhuma menção é feita a ele.

Também foram investigados os apontamentos dos monges beneditinos em São Paulo

através das pesquisas de Cristina Toledo Carvalho, A presença dos monges beneditinos na São

Paulo colonial (1598 – 1792) e de Jorge Victor de Araújo Souza, Para além do claustro: uma

história social da inserção beneditina na América portuguesa, c. 1580-1690, onde estão

listados todos os abades, com igual resultado, nenhuma nota existente sobre um missionário

HR. Temos ainda o historiador Affonso Taunay (1953), que ao se referir as bandeiras paulistas,

informa que, ao findar do século XVII, a penetração mais distante da costa na Capitania de São

Vicente chegava a Itu, Sorocaba e Jundiaí, portanto ainda não havia nenhuma povoação nos

arredores de Campinas.

Outro pesquisador analisado foi Ricardo Gumbleton Daunt, em seu livro Os primeiros

tempos de Campinas. O autor afirma que a paróquia de Campinas foi criada somente em 1774,

com a chegada do frei franciscano Antônio de Pádua e, em 1797, a localidade foi elevada à vila.

Tanto Daunt (1879) como Taunay (1953) não fazem nenhuma menção sobre a existência de

ninguém chamado HR. Igualmente sem sucesso foram as buscas por HR nos livros dos

historiadores do Brasil Pombo (1953) e Varnhagen (1978), no livro de genealogias Paulistanas

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de Leme (1903-05) e no Dicionário Bandeirante (1954), bem como, em Carvalho e Silva

(1960), Casa Cardona (1928) e Prado (1951), que tratam da história de Mogi Mirim.

Comparando a inscrição da imagem com outras semelhantes encontradas nos estudos

de Eduardo Etzel (1906-2003), profundo estudioso e conhecedor da arte sacra brasileira e

paulista, verificou-se ser mais adequada à hipótese da escritura tratar-se do ano de criação da

imagem e das iniciais do santeiro que a fez. Esse procedimento pode ser observado também em

imagens sacras do escultor português seiscentista Frei Agostinho da Piedade (? – 1661). No

entanto, das vinte e sete imagens atribuídas a ele, todas em barro cozido, apenas quatro estão

assinadas e duas delas datadas, o que indica que mesmo entre os grandes mestres, essa não era

uma prática recorrente.

Deste modo, as letras HR provavelmente referem-se ao artífice que fez a imagem e a

sua data de criação e não o ano de inauguração da Capela. Essas inscrições eram gravadas em

baixo relevo quando o barro ainda estava mole, durante a sua modelagem, não fazendo sentido

a imagem ter sido moldada para a ocasião da abertura da Igreja. Nesse caso, haveria mais lógica

registrar na própria Capela sua data de origem.

Na tentativa de identificar algum santeiro com essas características foram investigados

as obras de Etzel (1971, 1975, 1979 e 1984), Alves (1976), Museu de Arte Sacra de São Paulo

(1971 e 1983), Pequeno Guia do Museu de Arte Sacra de São Paulo (1970), Lody (2003) e

Tirapeli (2005), porém sem nenhum resultado. Mesmo entre os monogramas encontrados por

Etzel não foram descobertos o nome a quem se referem devido à ausência de registros. Em São

Paulo, no século XVIII, essas imagens eram feitas por humildes caboclos, negros, índios e

colonizadores e “poucos eram os santeiros [...], porquanto raros eram os habitantes da Capitania

de São Paulo”, isso explica o anonimato dos artesãos (ETZEL, 1971, p. 20 e 42).

Quanto à presença de índios na região de Mogi Mirim, Carvalho e Silva (1960) faz

referência aos índios Caiapós que foram encontrados pelas bandeiras de Marcos de Azeredo

Coutinho, em 1611, e de Bartolomeu Bueno da Silva Filho, o Anhanguera, em 1722. Prado

(1951) e Jolumá (1969) confirmam essa informação, ao escreverem que quando Mogi Mirim

foi elevada à vila (1769) a região era sertão bruto, onde predominavam animais ferozes e viviam

os índios Caiapós que eram reconhecidos por sua crueldade.

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Os primeiros bandeirantes que estabeleceram um arraial em Mogi Mirim para oferecer

serviços de pouso, criação de animais e comércio para as bandeiras datam de 1719. O povoado

já estava bem constituído quando, em 1747, foram colocados os alicerces da primeira Igreja.

Em 1766, um censo apontou a existência de 22 casas em Mogi Mirim, tendo 645 mulheres e

658 homens habitando (JOLUMÁ, 1969, p. 87). Portanto, os historiadores pesquisados são

unânimes em afirmar que tanto os primeiros moradores, como a fundação das Paróquias de

Mogi Mirim (1751) e de Campinas (1774) são aproximadamente um século posteriores à

suposta origem da Capela do Bairrinho (1663) e os índios residentes nos arredores eram

reconhecidos como hostis à presença do colonizador. Daunt (1879) e Jolumá (1969) também

afirmam que a primeira iniciativa de construção de uma capela na região ocorreu em Campinas,

por volta do ano de 1730, quando se erigiu uma pequena construção feita de barrotes, paus

roliços e cobertura de sapê. Esses dados levam à conclusão de que é pouco provável que

existisse um missionário espanhol vivendo entre os índios, em 1663, na região do Bairrinho e

de que houvesse uma capela no local.

A imagem sacra de Santa Bárbara

Registros sobre a veneração da mártir Bárbara no Brasil aparecem no século XVII,

espalhando-se por todo o país, sendo uma das santas mais conhecidas e admiradas entre os

católicos e também na umbanda. Sobre as imagens sacras no Brasil, Etzel (1971) indica que

trazer peças de Portugal para a colônia custava muito caro. A solução, então, era reproduzir os

santos com a mão de obra e os materiais locais. Durante os séculos XVI, XVII, e grande parte

do XVIII, as imagens eram fabricadas em tamanhos maiores, para o culto coletivo nas capelas

e igrejas. As primeiras imagens eram feitas em barro cozido, tradição que os índios já

conheciam.

Entre as esculturas sacras encontradas, a partir do século XVII, destacam-se as imagens

populares de barro branco ou branco acinzentado e mais raramente em barro rosa ou vermelho,

ocas, mas que dependendo do processo de queima podiam ficar na cor escura e até preta. Em

São Paulo, as peças, conhecidas como paulistinhas, eram montadas sobre uma base redonda ou

facetada irregularmente, com tamanhos que variavam entre 15 a 50 cm (FIGURA 9). Esse tem

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sido o tipo mais comum encontrado na região com cerca de 35% das peças identificadas. Das

347 paulistinhas localizadas nos estudos realizados pelo pesquisador Eduardo Etzel, quatro

eram de Santa Bárbara (ETZEL, 1971, p. 104).

O autor ainda apresenta a hipótese do escultor Frei Agostinho de Jesus ter desenvolvido

o ensino da arte escultórica em barro, depois de 1640, em São Paulo: “A dedução possível,

embora sem provas, é que a partir da década de 40 do seiscentos, iniciou-se em São Paulo uma

atividade escultórica encabeçada por Frei Agostinho de Jesus, que teve seus discípulos e

seguidores” (ETZEL, 1984, p. 87).

A Santa Bárbara da Capela do Bairrinho não se assemelha a imaginária portuguesa, que

segundo Etzel (1984), é feita em barro vermelho; ela corresponde mais às características das

esculturas seiscentistas paulistinhas. Trata-se de uma peça de oratório popular, rústica, mas bem

proporcionada, em barro cozido e policromado, de aproximadamente 50 cm de altura, com o

interior oco para facilitar a queima, peanha lisa e quadrada e com o registro do ano de criação

(1663) e a identificação do santeiro (HR) na face posterior. Os cabelos longos da santa cobrem

as orelhas e descem em caracóis sobre os ombros, atingindo até a metade das costas. As feições

da santa são pouco expressivas. Os vestidos têm pregas amplas e são compostos de manto e

túnica. As bordas do manto são arrematadas com frisos e da túnica, com pregas irregulares que

cobrem os pés, na cintura há um laço com pingentes de borlas nas pontas. Os braços da santa

estão junto ao corpo, suas mãos são pouco acabadas, uma delas segura a palma e a outra a

pequena torre (FIGURAS 1 e 2).

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Figuras 1 e 2 – Imagem sacra de Santa Bárbara. Na peanha na parte posterior se encontra a inscrição 16 HR 63.

Fotos: Janaina Xavier, 2017.

De acordo com os estudos de Fabrino (2012) as imagens sacras brasileiras dos séculos

XVI e XVII foram elaboradas em barro da cor esbranquiçada ao vermelho e tratam-se de peças

pesadas, ocas, sem gestos significativos, com os membros colados no corpo, a cabeça

descoberta e os cabelos soltos, caídos sobre os ombros e as costas, rostos rechonchudos e

estáticos, vestes lisas, caídas, com poucas dobras e pregas e a base, nesse período, era simples.

Todas essas características conferem com a imagem de Santa Bárbara. O autor afirma ainda

que a Capitania de São Vicente (São Paulo) foi uma das primeiras zonas produtoras de imagens

sacras, já no final do século XVI e durante o século XVII.

SÉCULO XVIII - O Caminho dos Goiases

Outra tradição oral que envolve o Bairrinho é a sua proximidade com o Caminho dos

Goiases. Segundo o que Couto (2012) apresenta, o estado de São Paulo se originou a partir das

capitanias de São Vicente e Santo Amaro, estas estavam sobre o controle dos irmãos Martim

Afonso de Souza e Pero Lopes de Souza, o limite dessas capitanias respeitava o Tratado de

Tordesilhas firmado em 1494, entre Portugal e Espanha. Inicialmente os lusitanos fundaram

vilas no litoral, tais como a de São Vicente, Santos, Itanhaém e Cananéia. Essas vilas foram

criadas para que nelas fossem feitos fortes para a defesa da nova Colônia. Posteriormente, foram

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estabelecidos os povoados no planalto, Santo André o primeiro e, subsequentemente, o de São

Paulo de Piratininga.

Nesse contexto, foram organizadas expedições em São Paulo que tinham à frente um

estandarte, por conseguinte essas caravanas eram chamadas de Bandeiras e seus chefes de

Bandeirantes. Essas empreitadas eram feitas com o objetivo de encontrar pedras preciosas e

riquezas naturais para fazer de Portugal um reino mais poderoso economicamente (RIBEIRO,

2008).

Rossetto (2006) relata que a Estrada dos Goiases surgiu como resultado dessas

bandeiras. O registro oficial de sua abertura foi o ano de 1722, sob a liderança do bandeirante

Bartolomeu Bueno da Silva Filho, o segundo Anhanguera, que atingiu a região do Rio

Vermelho (Goiás), em 1725. Todavia, este caminho já era usado antes mesmo desta data, e sua

exploração precursora se deve aos indígenas, que já faziam seu uso despretensioso (BRAGA,

2008). Em relação ao percurso em que passava Taunay (1926, p. 330), apresenta as distâncias

do percurso:

Distâncias de pouso a pouso desde a cidade de São Paulo até Goiás. A referida

estrada, que foi um portento de audácia, cobria as seguintes distâncias no

território da Capitania de São Paulo: [...] Rio Atibaia ao rio Jaguari – 1 légua; Rio Jaguari ao Rio Pirapitingui – 2,5 léguas; rio Pirapitingui ao rio Moji-

Mirim – 3 léguas [...].

Essa estrada era apenas uma trilha, com difíceis condições de tráfego. Com a

necessidade de criar uma estrutura para os viajantes que seguiam para Goiás, o oficial português

Martinho Mendonça de Proença, governante de D. João V no Brasil Colônia, distribuiu várias

sesmarias (lotes de terra) ao longo das margens da estrada. Assim, começaram a serem

plantadas pequenas roças, que deram lugar aos primeiros pontos de pouso e vendas de

alimentos, como já vimos ser este o caso de Mogi Mirim, em 1719. A partir do fluxo de mineiros

pela estrada, estas pequenas estruturas deram início a uma pecuária extensiva e significativa,

sendo uma das principais formas de sustento das localidades (BONIFÁCIO, 2012).

Segundo Carvalho e Silva (1960, p. 15) os lugares de pouso eram: “De São Paulo,

passava por Jundiaí, Campinas, Moji-Mirim, Moji-Guaçu, Casa Branca, Franca, tomava a

direção do Triângulo Mineiro, em demanda, de Goiás”. Sobre trecho entre Jundiaí e Mogi

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Mirim, Jolumá (1969, p. 32) registra que: “[...] havia espessas matas entre Jundiaí e Mogi

Mirim, tendo os bandeirantes levado quatro dias para atravessá-las”.

Daunt (1896) apresenta que ranchos de taipa e fazendas foram sendo estabelecidos ao

longo da estrada dos Goiases para o pouso dos viajantes e venda de suprimentos, no entanto, as

grandes jazidas de ouro da capitania situada no Polígono do Ouro e do Sangue (Minas Gerais)

se esgotaram em sua maioria no fim do século XVIII. É nesse contexto que temos os primeiros

registros da fundação da Fazenda Santa Cruz da Boa Vista, datados de 1850, no Bairrinho, em

Artur Nogueira. Em seus estudos sobre a localização geográfica da Estrada dos Goiases, Santos

(2002) apresenta alguns mapas, onde podemos identificar que o Bairrinho, onde se encontra a

pequena Capela, está, de fato, muito próximo de onde passava o antigo caminho bandeirante

(FIGURA 3):

FIGURA 3 – Mapa da Estrada dos Goiases (1725). Trecho Campinas – Mogi Mirim. Reconstituição feita por

sensoriamento remoto e geoprocessamento. Fonte: SANTOS, 2002, p. 95.

Percebe-se então a ligação do Bairrinho, em Artur Nogueira, com o surgimento dos

primeiros povoadores da cidade e de que a região distava aproximadamente 9 km da antiga

Estrada dos Goiases. No entanto, quando dos primeiros registros da Fazenda Boa Vista, em

1850, as expedições em busca do ouro já estavam se esgotando e outros percursos já haviam

sido estabelecidos, ligando o interior diretamente ao Rio de Janeiro, capital do Império.

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SÉCULO XIX – Hilaire, o Engenho Pirapitanga e a Fazenda Boa Vista

Temos ainda no século XIX o registro da passagem exploratória do botânico e

naturalista francês Auguste François César Prouvençal de Saint Hilaire (1779-1853), em 1819,

pelo interior de São Paulo. Hilaire chegou ao Brasil em 1816, percorrendo os estados do Rio de

Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,

viajando a cavalo ou em lombo de burro, enfrentando os sertões e as matas, hospedando-se nos

ranchos por onde passava.

Dentre as muitas cidades que Hilaire perpassou no estado de São Paulo, em 1819, nove

foram destacadas. O circuito da viagem feita pelo francês começou pela cidade de Franca e de

lá partiu para Mogi-Mirim. Em seguida, foi para Campinas, passou por Jundiaí e então chegou

à capital do estado. Depois de conhecer a província que se tornaria a maior cidade do país,

visitou as cidades de Itu, Sorocaba, Itapetininga e, por fim, seus escritos terminam tomando

notas sobre a cidade de Itapeva (SAINT-HILAIRE, 1972) (FIGURA 4).

FIGURA 4 – Itinerário da viagem de Auguste de Saint Hilaire em São Paulo. Fonte: HILAIRE, 1972.

Sobre a segunda parada de Hilaire, na cidade de Mogi-Mirim, antes de relatar sobre a

sua estadia, descreveu suas características históricas e econômicas. Apontou ainda, sua

emancipação em 1769, definindo-a como pequena devido às excessivas moléstias, porém

dotada de um solo muito fértil para o cultivo da cana de açúcar. Nesse raciocínio, Hilaire

comentou sobre os numerosos engenhos de açúcar presentes na região e ainda discorreu sobre

a comercialização do respectivo produto entre as cidades do Rio de Janeiro, Santos e São Paulo

(SAINT-HILAIRE, 1972). Em suas anotações, Hilaire registrou que nas cercanias de Mogi

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Mirim havia uma imensa floresta virgem, de grande extensão. Em outro comentário,

acrescentou que de Jundiaí até Mogi Mirim os campos eram pouco habitados e quase sem

culturas (SAINT HILAIRE, 1972).

Durante essa viagem, ele descreve sua hospedagem em um engenho no Rio Pirapitingui

e registra sua localização:

A cinco léguas de Mogi, pousei no engenho de cana de Parapitingui ou

Pirapitinguí (do guarani pirapitagi — peixe quase vermelho), estabelecimento

de alguma importância. O engenho é muito grande e belo; mas a casa de residência do seu proprietário, se bem que de dois andares, é excessivamente

pequena (1819), em nada se aproximando, sob esse aspecto, das fazendas da

província de Minas Gerais. Fomos muito bem recebidos pelo proprietário, que nos alojou no engenho. Itinerário, aproximado da cidade de Mogi-Mirim à de

Jundiaí:

De Mogi-Mirim a Parapitingui (fazenda) 3 léguas (12 km); De Parapitingui à

margem do rio Tibaia 4 léguas; Do rio Tibaia a Campinas (cidade) 3 léguas;

A essa propriedade foi dado o nome de Pirapitanga, na bela carta topográfica de São

Paulo, editada no Rio de Janeiro, em 1847. Disponível na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

(SAINT HILAIRE, 1979, p. 126). Consultando a mencionada carta topográfica de São Paulo

(1847), disponível na Biblioteca Nacional, identifica-se que a Fazenda Pirapitanga, ficava entre

Mogi Mirim e Campinas, próxima do atual distrito de Martim Francisco, em Mogi Mirim, junto

ao Rio Pirapitingui.

A partir da localização do Engenho Pirapitanga, podemos calcular que este distava cerca

de 14 km do Bairrinho, em Artur Nogueira. Visto que Saint Hilaire afirma que “além de

Pirapitingui, [...] caminhara apenas uma légua (4 km) [...] quando vi a vegetação mudar

inteiramente, e ingressei numa floresta virgem, de grande extensão” e de que seu próximo pouso

foi somente em um rancho construído no meio da mata, às margens do rio Atibaia, conclui-se

que, em 1819, a região próxima ao Bairrinho ainda não era habitada (SAINT HILAIRE, 1972,

p. 127).

Anos depois da viagem de Saint Hilaire, J. C. R. Milliet de Saint-Adolphe, militar

francês que chegou ao Brasil em 1816 e escreveu o Dicionário Geográfico Histórico e

Descritivo do Império do Brasil, apontou que, em 1845, havia aproximadamente seis mil

habitantes em Campinas e outros seis mil em Mogi Mirim. Em outra nota informou que em

1849, em Mogi Mirim, haviam aproximadamente 100 casas feitas de pau a pique (SAINT-

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ADOLPHE, 1845, v. 1, p. 213; v. 2, p. 114). Esses dois registros revelam que na primeira

metade do século XIX as regiões de Mogi Mirim e Campinas constituíam pequenos povoados

e entre as duas vilas existia uma floresta.

A Fazenda Boa Vista

Certidões e assentos de batismo revelam que, em 07 de setembro de 1788, os

representantes de Portugal na Colônia e na Capitania de São Paulo concederam uma sesmaria

ao guarda-mor da Freguesia de Campinas Domingos de Góes Maciel, encontrado nos registros

também como Domingos da Costa Maciel, em comunhão com outros dois donatários. Em 30

de março de 1796, ele recebeu outra sesmaria localizada no bairro Anhumas, entre os rios

Atibaia e Jaguari, juntamente com outros cinco sesmeiros. Essas sesmarias mediam áreas de até

54 mil alqueires (130 mil hectares) e Pupo (1983, p. 123) assinala que essa última porção de

terra recebida foi vendida por Domingos para Albano de Almeida Lima que, em 1798, já era

proprietário de um engenho de açúcar na região (JOLUMA, 1969, p. 43, 44, 49 e 52).

O guarda-mor Domingos de Góes Maciel, filho de Antônio de Góes Maciel e Maria

Ribeiro de Alvarenga, casou-se com Izabel Maria do Prado, filha de Domingos Leme do Prado

e Rosa Maria de Oliveira. Domingos e Izabel tiveram 13 filhos, Inácio, Antônio, José Antônio,

Francisco, Gabriel, Maria Joana, Leonor, Maria, Gertrudes, Manoela, Joaquina, Ana e

Custódia. A filha Custódia Maria do Prado, casou-se em 1804, na Vila de São Carlos, com

Francisco Manoel de Almeida, filho de João Manoel de Almeida e Francisca Rodrigues

(LEME, 1903-05, p. 355-356).

O filho de Custódia e Francisco Manoel, Benedito Antônio de Almeida, casou-se na

igreja matriz de Mogi Mirim com Maria da Luz, filha de Joaquim José e Maria de Freitas, em

26 de fevereiro de 1840. Benedito e Maria, ao que tudo indica, após o casamento estabeleceram-

se no Bairrinho, constituindo a Fazenda Santa Cruz da Boa Vista. Os primeiros registros da

região são de 06 de março de 1850, quando o casal foi citado pelo escrivão José Francisco

Malachias Coelho. Na fazenda Boa Vista eles plantavam cana, cereais, criavam gado, cavalos

e porcos, fabricavam cachaça, carne-seca, toucinho e linguiça. O fazendeiro morava em uma

casa de 40 cômodos, assoalhados e forrados, possuía uma oficina, 50 escravos adquiridos em

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Santos e uma tropa com 300 mulas de carga. Além da casa sede da fazenda, havia ainda a

senzala e o cemitério. Benedito e Maria tiveram uma filha chamada Maria Carlota que se casou

com o italiano Luis Filippini, em 1875, permanecendo também no Bairrinho, onde abriram um

comércio e uma oficina de armaria e ferraria. Os Almeida e Filippini passaram a receber e a

empregar outras famílias que foram chegando à região (FERREIRA e FERREIRA, 2000).

Posteriormente, no final do século XIX, os territórios paulistas começaram a ser

colonizados pela Secretaria Estadual de Agricultura. Aos imigrantes foi oferecido um lote de

terra para a agricultura ou agropecuária e certa assistência durante o estabelecimento . Neste

contexto, foi criado o Núcleo Colonial Campos Salles, na região onde atualmente se localiza as

cidades de Cosmópolis e Artur Nogueira (FIGURA 23). O núcleo foi dividido em 200 lotes e,

na sua constituição, em 1897, contava com 32 famílias. Em setembro de 1899, foi inaugurada

a Companhia Carril Funilense para atender a Fazenda Funil (hoje Cosmópolis), próximo ao

Núcleo Campos Salles. Em 1906, a estrada de ferro chegou à região da Lagoa Seca, onde foi

erguida a Estação Artur Nogueira, em homenagem ao Major Artur Nogueira, proprietário da

Usina Ester, que interviu junto à Prefeitura de Campinas para o prolongamento da ferrovia,

comprometendo-se a doar parte de suas terras para formação de uma colônia (FERREIRA e

FERREIRA, 2000) (FIGURA 24). O distrito surgiu em torno da Estação, impulsionado pela

chegada de imigrantes italianos, alemães e holandeses que se dedicaram ao cultivo do café,

arroz e algodão.

A Capela do Bairrinho

A pequena Capela de Santa Bárbara no Bairrinho, segundo Ferreira e Ferreira (2000, p.

225), foi construída por Luis Filippini (1842-1924). Sendo que Luis e Maria Carlota Filippini

casaram-se e se estabeleceram no Bairrinho em 1875, a edificação religiosa provavelmente é

posterior a essa data. No Almanaque da Província de São Paulo de 1873, temos listados todos

os serviços de culto, irmandades e igrejas existentes nos municípios de Campinas e Mogi Mirim

e não há nenhuma referência à existência de uma capela na região do Bairrinho (LUNÉ;

FONSECA, 1985).

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A única imagem antiga encontrada da Capela de Santa Bárbara é de 15 de outubro de

1902, registrando a celebração de uma missa e crisma. No centro da foto, de terno preto junto

ao cruzeiro, está Luís Filippini. Há ainda um padre e um grande número de homens, mulheres

e crianças. Nota-se que a arquitetura era bastante simples, com a porta principal com a verga

reta e o telhado em duas águas com beiral (FIGURA 5). Na atual da Capela de Santa Bárbara

ainda podem-se observar as mesmas características arquitetônicas e na fachada ainda lê-se a

inscrição Boa Vista, nome da antiga fazenda da família Almeida (FIGURA 6).

FIGURA 5 - Encontro religioso no Bairrinho em

15 de outubro de 1902. Acervo: Olinda Filippini

Chiste.

FIGURA 26 – Capela do Bairrinho, 2014. Foto: Janaina Xavier, 2017.

Nos livros da Diocese de Amparo, São Paulo, o engenheiro civil Helton Bassi Filippini

encontrou ainda o assentamento do batismo de Carlota, nascida em 20 de abril de 1917, filha

de José Filippini e Brazilia Maria Bueno, realizado pelo padre Antônio Caravella, na capela da

Fazenda Boa Vista, no dia 18 de abril de 1918, tendo como padrinhos Luiz Filippini e Carlota

Filippini. Segundo Carvalho e Silva (1960, p. 30), o padre português Antônio Caravella estava

ligado à paróquia de Mogi Mirim entre 1914 a 1918.

Sobre as técnicas e os materiais empregados para as construções religiosas erigidas

pelos jesuítas no século XVI e XVII, estavam a taipa, a pedra e o cal. O tijolo e as telhas só irão

aparecer no final do século XVIII (LEITE, 1965, p. 169, 196 e 209). Daunt (1879, p. 12)

também afirma que em Campinas no início do século XIX não se empregava tijolo e pedras nas

casas. Esses dados reforçam a ideia de que a atual capela de Santa Bárbara, no Bairrinho, se

trata de uma construção do século XX, pois suas paredes são feitas de tijolos e barro.

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Provavelmente a edificação original, apresentada na foto de 1902, era de taipa, sendo depois

reconstruída com tijolos.

Considerações Finais

Chegamos ao final deste estudo com algumas importantes conclusões. A primeira delas

é a de que entre os jesuítas e beneditinos que estiveram no Brasil no século XVII não há

registros de um missionário chamado Heitor Rodrigues e nem mesmo outro nome com as

iniciais HR. O monograma HR encontrado na imagem de Santa Bárbara trata-se provavelmente

do artífice que moldou a escultura, porém não foi possível identificá-lo, e os números 1663, são

o ano da criação da obra. A imagem, que deve ter sido trazida pelos primeiros habitantes do

Bairrinho, no final do século XIX, é, portanto, uma importante e rara peça sacra do período

seiscentista, com características muito próximas das imagens populares paulistinhas dessa

mesma época.

Sobre a existência de índios no Bairrinho foi possível determinar a presença dos Caiapós

nesta região, no século XVII, mas que eram resistentes à presença do colonizador. Já o século

XVIII foi marcado pela abertura da Estrada dos Goiases que passava aproximadamente há 9

km de distância do Bairrinho. No século seguinte, temos a passagem do botânico Saint Hilaire,

hospedando-se na Fazenda Pirapitanga, há 14 km do Bairrinho e relatando que a localidade era

constituída de uma densa floresta virgem, ou seja, ainda inabitada. Finalmente temos, em

meados do século XIX, o primeiro registro encontrado do estabelecimento da família Almeida

no Bairrinho e a construção da Capela pelo casal Luis e Maria Carlota Filipini, que

provavelmente ocorreu após o seu casamento em 1875. Não foi encontrada nenhuma evidência

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