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Márcia Oliveira Santos e Castro CARTOGRAFIAS DA REDE DE SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA VOLTADA À SAÚDE MENTAL E SEUS EFEITOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DO MONTE-MG Divinópolis FUNEDI/UEMG 2008

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Márcia Oliveira Santos e Castro

CARTOGRAFIAS DA REDE DE SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA VOLTADA À SAÚDE

MENTAL E SEUS EFEITOS

NO MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DO MONTE-MG

Divinópolis

FUNEDI/UEMG

2008

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Márcia Oliveira Santos e Castro

CARTOGRAFIAS DA REDE DE SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA VOLTADA À SAÚDE

MENTAL E SEUS EFEITOS

NO MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DO MONTE-MG

Dissertação apresentada ao Curso de mestrado da

Universidade do Estado de Minas Gerais e a Fundação

Educacional de Divinópolis, como requisito parcial à

obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e

Organizações Sociais.

Área de concentração: Estudos Contemporâneos

Linha de pesquisa: Saúde Coletiva

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Simões Ribeiro

Divinópolis

Fundação Educacional de Divinópolis

2008

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Castro, Márcia Oliveira Santos e C355c Cartografias da rede de saúde: um estudo sobre uma Instituição pública voltada à saúde mental e seus efeitos no município de Santo Antônio do Monte - MG [manuscrito] / Márcia Oliveira Santos e Castro. – 2008. 196 f., enc. il . Orientador : Alexandre Simões Ribeiro Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 189-196

1. Saúde mental coletiva. 2. SUS – Centro de atenção psicossocial. 3. Saúde mental coletiva – Rede. 4. Saúde mental – Santo Antônio do Monte.

6. Nicácio, M. F. de S., 2003 . – Tese. I. Ribeiro, Alexandre Simões. III. Universidade do Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. IV. Título.

CDD: 362.2

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Dissertação defendida e APROVADA pela Banca Examinadora constituída

pelos Professores:

__________________________________________________

Prof. Dr. Alexandre Simões Ribeiro

FUNEDI/UEMG

__________________________________________________

Prof. Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira

FUNEDI/UEMG

__________________________________________________

Prof. Dr. Walter Melo Júnior

UFSJ

Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais

Fundação Educacional de Divinópolis

Universidade do Estado de Minas Gerais

Divinópolis, 25 de Abril de 2008.

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AUTORIZAÇÃO

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou

parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente,

autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da

FUNEDI – UEMG.

Divinópolis, 25 de abril de 2008.

Márcia Oliveira Santos e Castro

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DEDICATÓRIA

Para meu marido, minhas filhas e minha neta, que

suportaram a minha “ausente” presença, durante

estes anos aos quais me dediquei a estes estudos de

forma sistemática e que me afastaram do convívio

efetivo com eles e com a minha família extensa.

Para meus pacientes, que me ensinaram que a dor

e o sofrimento não são impossíveis de serem

superados e que para cada um existem formas

diversas e interessantes de fazê-lo.

Para meus professores, que me apontaram os

caminhos, os meandros, as ciladas do saber.

Para meus pais que me ajudaram de seu jeito a

percorrer este caminho.

Para meu orientador, que me ajudou a levar este e

outros trabalhos a bom termo.

Para minha amiga Paula, que me ajudou com sua

presteza e disponibilidade a realizar os trabalhos

de pesquisa.

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Agradeço a Deus por me permitir a vida.

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Fica entendido: só o ferido cura. Na fábula de

Quíron, metade homem, metade cavalo, a metade

humana brota feito flor do dorso do cavalo. Nesta

forma ambígua, se apresenta aquele que divino e

imortal, origina-se do Olimpo, filho de Crono e

Fílira. Entretanto, é ele um centauro diferente,

condenado à sociedade e a ser o cavaleiro

perfeito, o auto-cavaleiro. Conhece a dor da

ferida humana; sabe que ela somente é apaziguada

pela finitude e pelo sentido que adquire o

crescimento na dor. É Quiron, o imortal que ferido

de forma incurável, dedica seu conhecimento a

curar e ensinar a cura. No entanto, não podendo

curar a si mesmo, troca a imortalidade pela

plenitude. O curador-ferido.1

1 Baseado na versão Fábula de Quíron de Antônio Brasileiro. (Disponível em www.tanto.com.br/ antoniobrasileirofabulas.htm acessado em 12/10/2006.)

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RESUMO

Esta pesquisa almejou elaborar, desde uma propensão transdisciplinar, uma cartografia da rede de saúde no município de Santo Antônio do Monte (MG) em sua integração com a saúde mental. Para a elaboração desta cartografia foram realizadas demarcações sobre os conceitos de território, subjetividade e rede, com o auxilio de autores de referência como Milton Santos, Paulo Amarante, Eduardo Mourão Vasconcelos, Abílio da Costa-Rosa, Guattari e Suely Rolnik. O Território foi considerado enquanto espaço humano, instância social e, principalmente, como espaço onde se verificam as possibilidades de resistência a ações verticais do sistema. A subjetividade foi entendida como processo produzido social e culturalmente, mudando através das formas de subjetivação que ocorrem ora em beneficio de uma singularização ou em função de categorias eleitas pelo capitalismo. Verificou-se que o conceito de rede se amplia, desde as malhas fixas e homogêneas (tais como as da rede do pescador), passando pela rede de comunicação até a idéia difusa de articulações e relações, que veiculam o poder as macro e micropolíticas. A etapa do trabalho de campo foi realizada sob a perspectiva da história de vida. Delineou-se alguns meandros da rede de saúde, através da escuta dos diversos atores sociais pertinentes à cena da saúde em interface com a saúde mental. Para estruturar esta escuta foram utilizados instrumentos metodológicos como as entrevistas semi-estruturadas e entrevistas prolongadas, quando se examinou a hipótese de que o CAPS existente em Santo Antônio do Monte (nomeado CAPS Vida) estaria funcionando como um agente articulador, fundamental à edificação da saúde mental coletiva e dos princípios do SUS no município. A pesquisa foi realizada atentando-se para formas de sensibilidade e ação propostas pela reforma psiquiátrica no Brasil e também para os critérios atuais de avaliação deste tipo de serviço (CAPS). Palavras chave: Saúde mental coletiva, rede, território, SUS, centro de atenção psicossocial.

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ABSTRACT This research aimed to elaborate, from a propensity transdisciplinar, a cartography of health net in Santo Antonio do Monte (MG) in its integration with mental health. For the elaboration of this cartography demarcations were accomplished on the territory concepts, subjectivity and net, with authors' reference aid as Milton Santos, Paulo Amarante, Eduardo Mourão Vasconcelos, Abílio da Costa-Rosa, Guattari and Suely Rolnik. The territory was considered while human space, social instance and, mainly, as space where the resistance possibilities are verified to vertical actions of the system. The subjectivity was understood as process produced social and culturally, changing through the subjetivation forms that happen for now in benefit of a singularization or in function of elect categories for the capitalism. It was verified that the net concept is enlarged, from the fixed and homogeneous meshes (such as the one of the fish net), going through the communication net to the diffuse idea of articulations and relationships, that transmit the power the macro and micropolitics. The stage of the field work was accomplished under the perspective of the life history. It was delineated some intrigues of the health net in interface with the mental health. For structuring this listens methodological instruments it was used as the interviews semistructured and lingering interviews, when the hypothesis was examined that recently existent CAPS in Santo Antonio do Monte (called CAPS Vida) would be working as an articulator agent, fundamental to the construction of collective mental health and the beginnings of SUS in the municipal district. The research was accomplished being looked at sensibility forms and actions proposed by the psychiatric reform in Brazil and also for current criteria of evaluation of this type of service (CAPS). Key Words: Collective Mental Health, net, territory, SUS, psychosocial center attention.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................12

CAPÍTULO I DEMARCAÇÕES CONCEITUAIS

1.1 O território e suas delimitações.................................................................................18

1.2 Rede: dos dispositivos de poder aos modos de resistência........................................26

1.3 Subjetividade: Produção de subjetividade, processos de subjetivação e

empowerment.............................................................................................................39

CAPÍTULO II CARTOGRAFIAS DA SAÚDE EM SANTO ANTÔNIO DO MONTE

2.1 Santo Antônio do Monte, “Doces namoradas, Políticos famosos”...........................60

2.2 A saúde em Santo Antônio do Monte – um recorte.................................................68

2.3 Desdobramentos da rede de saúde em Santo Antônio do Monte: a abertura do

CAPS........................................................................................................................84

CAPÍTULO III DA SAÚDE COLETIVA À SAÚDE MENTAL COLETIVA: A

REDE E SEUS EFEITOS.

3.1 Saúde mental coletiva: cartografias da constituição de um campo.........................103

3.2 Da quebra de paradigmas, às dificuldades com as frequentações transdisciplinares...

.................................................................................................................................114

3.3 Rede em saúde e rede social: construções para a saúde mental coletiva.................177

CONCLUSÃO..............................................................................................................186

REFERÊNCIAS...........................................................................................................190

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INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO

A dissertação Cartografias da rede de saúde: um estudo sobre uma instituição

pública voltada à saúde mental e seus efeitos no município de Santo Antônio do Monte -

MG, indaga sobre os efeitos da implantação e funcionamento de um equipamento

institucional de saúde mental na rede de saúde pública, através do centro de atenção

psicossocial (CAPS). Trabalhou-se com a hipótese de que o CAPS, por suas

características de atendimento e organização, causa impacto na rede social e de saúde do

município. Essas características de atendimento fogem ao modelo hegemônico,

hospitalocêntrico, médico-centrado e partem de uma perspectiva transdisciplinar,

multiprofissional, aberta a frequentações de paradigmas diversos, como o modo

psicossocial, a psicanálise, a saúde coletiva, a sociologia e a filosofia entre outros,

balizada pelos princípios norteadores do SUS.

Para responder a esta questão, se fizeram necessárias demarcações conceituais

que possibilitassem esta investigação. Foram privilegiados os conceitos de território,

rede e subjetivação, entre outros que julgamos necessários para a melhor compreensão

do tema. Também se fez necessário um maior conhecimento do campo da pesquisa, a

saúde no município de Santo Antônio do Monte e mais especificamente a entrada de um

serviço especialmente voltado à saúde mental na rede de saúde, através do CAPS.

Procurou-se compreender os efeitos dos princípios norteadores do SUS na

formação da rede em saúde mental coletiva; as relações entre os saberes dentro das

instituições que compõem a rede e perceber as possíveis novas cartografias para os

processos de subjetivação.

Ao longo de nossa pesquisa, mantivemos também uma atenção especial dirigido

ao:

surgimento de novas cartografias no campo da saúde coletiva;

recrudescimento da resistência de modelos hegemônicos à implantação de

modelos menos hierárquicos e mais solidários de saúde;

aparecimento de lideranças dentro de grupos minoritários dadas as políticas

de empowerment;

processo de mudança de comportamento, que sugere modificações

subjetivas em decorrência do discurso psicossocial, da clínica ampliada e da

horizontalização das relações.

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Levantou-se a seguinte hipótese: O CAPS I – VIDA1 de Santo Antônio do Monte

estaria funcionando como um agente articulador, fundamental à edificação da saúde

mental coletiva e dos princípios do SUS no município.

Para lidar com a complexidade do campo da saúde mental em interface com a

saúde coletiva, entende-se que é preciso dialogar com diversos autores; autores híbridos

e representantes de paradigmas diversos. Isto é necessário dado que o objeto da

pesquisa, pelo que compreendemos, põe em xeque as disciplinas, as especificidades

isoladas, assim como tem uma natureza transdisciplinar.

Entende-se que transitar, frequentar diversas disciplinas não se trata de ecletismo

ou relativismo, mas sim de uma tentativa de viabilizar o que Amarante (2003), junto de

outros autores, chama de uma “nova aliança” (p. 54) entre os diversos paradigmas das

ciências naturais e humanas, numa atitude epistemológica que é um esforço de se reabrir

à complexidade dos fenômenos.

Transita-se, portanto, entre referenciais teóricos diversos2, que dialogam entre si

e tentam dar conta do que seria a rede3. Intenta-se analisar quais os efeitos da rede num

campo delimitado como a Saúde Coletiva no município de Santo Antônio do Monte.

Constata-se a dificuldade de lidar com campos fronteiriços, tais como interfaces

que se situam complexamente entre territórios e surgem literalmente como campo

minado. É na fronteira, no lugar de exceção, que as teorias têm realçadas suas

inconsistências e sua caducidade frente ao que é complexo, frente a perguntas que estão

fora de seu paradigma, mas que têm na prática de serem respondidas. De acordo com

Amarante ( 2003):

(...) a noção de complexidade teria como objetivo pôr em cena e problematizar a posição do sujeito que coloca as questões nas ciências. Os mitos de neutralidade, do distanciamento crítico, da autonomia da ciência, são colocados em discussão no questionamento das relações entre ciência e poder, na medida em que, a impressão de que as ciências têm uma identidade é, em si mesma,

1 Este é o nome do CAPS que está registrado como CAPS I. No transcorrer do trabalho, maiores detalhes serão considerados sobre os CAPS em geral e o CAPS VIDA em especial. 2 O diálogo inclui autores com referenciais teóricos, que vão desde a Psicanálise, o modo Psicossocial, a Sociologia, a Filosofia e áreas mais específicas, como a Saúde Pública e a Saúde Coletiva que ajudam a configurar conceitos que se ampliam e são importantes para o entendimento a que se propõe. Estes referenciais teóricos têm em comum, um olhar complexo sobre o psiquismo e a sociedade. 3 Rede, aqui entendida como um conceito que se amplia e expõe seus paradoxos, pois pode apresentar-se como dispositivo de poder (segundo Foucault, o surgimento dos saberes e as suas relações formando uma rede conceitual, possibilita dentro de alguns campos a radicalização de processos de dominação a partir da tematização do homem como objeto e como sujeito concomitantemente) e também como dispositivo de empowerment: “aumento do poder e autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de opressão, dominação e discriminação social.” (VASCONCELOS, 2003, p.20)

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um efeito de poder, assim como é um efeito de poder a aceitação do fato de que as ciências sejam uma construção neutra não associada à história. (p.5).

A possibilidade de revisão ou superação dos dualismos modernos de causa e

efeito, mente e corpo, saúde e doença e tantos outros, apresenta-se cotidianamente numa

rede que lida com equipes multiprofissionais e questões multifacetadas. São problemas

com os quais os saberes disponíveis tendem a lidar tradicionalmente de forma

fragmentária, mas que se apresentam em sua integridade no elemento humano.

Quais os efeitos da rede de saúde coletiva em expansão no município de Santo

Antônio do Monte?

Hipotetizou-se que a saída para o viés transdisciplinar, contemplada no

engendramento da rede de saúde, e na possível aliança entre as ciências naturais e

humanas, propicie o surgimento de uma nova cartografia. Esta cartografia seria a saúde

mental coletiva, de funcionamento interdisciplinar e que objetiva respeitar os princípios

doutrinários4 do Sistema Único de Saúde5 (SUS): universalidade na atenção, equidade e

integralidade – princípios estes que contemplam a transdisciplinaridade ao lidar com os

aspectos bio-psico-sociais do homem.

Como analisar os efeitos da rede? Que metodologia deve-se usar para abranger

interfaces movediças, situadas entre fragmentações do que é humano, como o psíquico,

o biológico, o social, o econômico e o político entre outras? Como analisar efeitos que

se apresentem numa integralidade composta por múltiplos fatores?

Optou-se, pela história de vida, método que busca estudar e analisar

cuidadosamente o que se apresenta: os desdobramentos e efeitos de uma abordagem em

rede.

4 A universalidade da atenção é a possibilidade de acesso de todas as pessoas às ações e serviços; a equidade consiste em alocar mais recursos onde as necessidades são maiores; a integralidade da atenção consiste na visão do homem como um ser integral bio-psico-social, que deve ser, portanto, atendido sob esta lógica. 5 O SUS é uma construção de políticas de saúde pública, resultado de um processo político e histórico. Teve sua implantação legal a partir da Constituição Federal de 1988 que em seu título VIII regulamenta a saúde no país. Reza o artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado (...)”. Dessa forma, as ações e serviços públicos em saúde, constituem um sistema único, organizado segundo diretrizes como: a descentralização, a regionalização e a participação popular. A lei 8080 promulgada em 19/09/1990 é a lei orgânica da saúde que organiza o funcionamento dos serviços de saúde e também dispõe sobre a promoção, recuperação e proteção da mesma. A lei 8142 promulgada em 28/12/1990, dispõe sobre a participação popular no SUS, e sobre as transferências de recursos financeiros.

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De acordo com Minayo (2004), a história de vida é uma estratégia de

compreensão da realidade e pode ser realizada acerca de pessoas, grupos ou instituições.

Uma das fases do trabalho constituiu-se, no campo da técnica (condizente com a

mencionada metodologia), na realização de entrevistas semi-estruturadas com os

diversos atores sociais da rede: profissionais, gestores, usuários e familiares envolvidos

nesta interface.

Para a efetivação deste trabalho buscou-se também, através de entrevistas

prolongadas6, conhecer os efeitos da rede em expansão na saúde coletiva de Santo

Antônio do Monte. Os roteiros das entrevistas centraram-se, portanto, nos efeitos da

articulação em rede, assim como nas observações e nos relatos dos atores desta rede,

valorizados em sua relevância para a resposta ao problema que se propõe.

Minayo (2004), afirma que a história de vida é um

instrumento privilegiado para se interpretar o processo social a partir das pessoas envolvidas, na medida em que se consideram as experiências subjetivas como dados importante que falam através delas (MINAYO, 2004, p.127).

Este método pode ser usado para avaliar teorias, hipóteses e pressuposições à

medida que se desvela a subjetividade de determinados lugares sociais. Ocorre, assim, a

produção de dados qualitativos importantes que podem ajudar no estudo de processos e

relações. A história de vida através das verbalizações de diversos atores pode revelar,

segundo a autora, o ambiente inatingível dos acontecimentos através de seus

protagonistas.

O material utilizado foram gravações, documentos escritos, história das

instituições, dados quantitativos acerca do número de suicídios ocorridos no município,

que foram complementados pela perspectiva de vários atores sociais para que o estudo

adquirisse consistência e lançasse luzes sobre o comportamento dos grupos, indivíduos

e suas relações.

Esses representantes foram escolhidos a partir de vários seguimentos da saúde e

de alguns seguimentos da rede social (Secretaria de Saúde, Centro de Especialidades,

Programa de Saúde Família, Centro de Atenção Psicossocial, Pronto Atendimento, 6 De acordo com Minayo (2004) a entrevista prolongada ocorre quando o pesquisador constantemente interage com o entrevistado.

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Secretaria de Assistência Social, Sociedade São Vicente de Paula, pacientes do CAPS e

familiares, gestores da saúde, trabalhadores da saúde mental, políticos). Realizou-se

uma tentativa de, numa amostra tão diversificada quanto a rede, se obter um suporte

para a análise dos efeitos da mesma (uma realidade complexa, dificilmente

quantificável), para que se possa compreender a evolução/ampliação das conexões e

relações entre os nós da rede de saúde de Santo Antônio do Monte (pessoas e coletivos)

e seus efeitos.

O critério para a escolha da amostra foi, portanto, a pertinência dos atores à cena

da saúde coletiva no município de Santo Antônio do Monte e sua representatividade

para o conhecimento dos efeitos do engendramento da rede de saúde mental coletiva. O

número de atores da mostra foi considerado a fim de permitir, de acordo com Minayo

(2004), que houvesse certa reincidência das informações.

No capítulo I foram focalizados conceitos considerados importantes para o

desenvolvimento da pesquisa. Os conceitos privilegiados foram, território, rede e

subjetividade.

No capítulo II foram feitas aproximações ao campo pesquisado. Partiu-se do

conhecimento da cidade de Santo Antônio do Monte em seus vários aspectos, para a

rede de saúde do município e por fim à saúde mental no mesmo.

Na pesquisa, os efeitos da rede foram investigados com maior ênfase no Centro

de Atenção Psicossocial, CAPS VIDA. Justifica-se essa ênfase, dada a

interdisciplinaridade e a posição conferida a esta instituição dentro da rede pelo SUS,

enquanto dispositivo estratégico e dinamizador da rede de saúde. De acordo com o que

preconiza o SUS: “Os CAPS, dentro da atual política de saúde mental do Ministério da

Saúde, são considerados dispositivos estratégicos para a organização da rede de atenção

em saúde mental.” (BRASIL, 2003, p.2).

O capítulo III foi utilizado para detalhar a pesquisa de campo e análise dos

resultados.

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CAPÍTULO I DEMARCAÇÕES CONCEITUAIS

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1.1 O território e suas delimitações

Há uma cidade em ti, que não sabemos

Carlos Drummod Andrade1

De acordo com Ferreira (2004, p. 1941) território define: extensão considerável

de terra, torrão. Área de um país, ou estado, ou província, ou estado.

Para que serve o entendimento de território? De acordo com o geógrafo Milton

Santos2 a noção de território, herdada da modernidade atravessou séculos, intocada. O

território, como define o verbete, não passaria de formas. Entretanto o território usado

pelas pessoas e pelos coletivos, é sinônimo de espaço humano, de espaço habitado, de

objetos contíguos e ações. Esta ampliação do conceito traz um entendimento crítico. Faz

do objeto da geografia, do espaço geográfico, do território, uma elaboração. O território

como uma “forma impura e híbrida” (SANTOS, 2007, p.255), uma noção em constante

revisão histórica. Isto muda o estatuto teórico do conceito ao entendê-lo como instância

social indispensável para a compreensão do funcionamento do mundo e de possibilidade

de diálogo com outros saberes. Essa é a colocação de Milton Santos:

O território em si, para mim, não é um conceito. Ele só se torna um conceito utilizável para a análise social, quando o consideramos a partir do seu uso, a partir do momento em que o pensamos juntamente com aqueles atores que dele se utilizam. (CARVALHO3 et al, 2004, p. 22).

É o uso do território que faz dele objeto de análise social. Milton Santos refina o

conceito de território, como norma; como território abrigo de todos, mas distingue-o de

lugar.

O lugar é a categoria real e concreta, espaço do acontecer solidário –

solidariedade esta que pressupõe coexistências e logo pressupõe o espaço geográfico. O

lugar é o espaço da existência. O lugar é o tangível, o que é transformado pelo mundo

ao ser controlado remotamente por ele. Entretanto, no lugar, reside a única possibilidade 1 ANDRADE, 2002, p. 192. 2 (Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros Acessado em 02/10/2007). 3 Carvalho et al. (2004) sistematizaram em livro, entrevista concedida por Milton Santos.

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de resistência, dado a possibilidade efetiva da comunicação, da troca de informações e

da construção política.

O uso dos territórios se dá pela dinâmica dos lugares. Espaço geográfico ou

território usado seriam sinônimos e categoria de análise social: o território usado, além

de território abrigo de todos os homens, abriga também todas as instituições e de todas

as organizações. O território usado, o espaço habitado, fazendo mediação entre o mundo

(enquanto conjunto de possibilidades) e a sociedade nacional e local. É também uma

categoria de integração entre os lugares, dado a contigüidade e a coexistência dos

mesmos. Estas características o tornam categoria importante para a elaboração do

futuro.

Desde o empenho do planejador social, de acordo com Milton Santos4, o

conceito de território termina com falsas premissas da possibilidade da gestão

intersetorial, a partir da justaposição dos setores, na elaboração de planos. Há uma

evidência da impossibilidade teórica, técnica e política da intersetorialidade ao assumir-

se que lidar com o território é o que possibilita lidar com uma unidade em suas

múltiplas totalizações dinâmicas. O território é processo e está exposto ao processo

histórico. O território mostra-se permanente apenas enquanto nosso quadro de vida.

Pensar uma nova ordem mundial é possível, ao relacionar o global com o local.

Ainda segundo Milton Santos, a ordem global produz verticalidades, pois estabelece

uma lei única para objetos esparsos, constituindo-os como sistema, (território das

empresas: espaço internacional de interesses). A ordem local produziria

horizontalidades, pois diz respeito a uma população de objetos regidos pela interação e

contigüidade. Os sistemas produzidos pela ordem global, em suas conexões e

articulações de objetos esparsos constituem, portanto, novas realidades que para Milton

Santos justificam a idéia de verticalidade, pois constituem apenas uma parte do espaço -

o espaço de alguns. Exemplifica com a verticalidade das apropriações dos lugares no

Brasil, quando

as grandes empresas escolhem os lugares que lhes interessam, deixam o resto para as outras, que vão na respectiva ordem, escolhendo outros lugares. E o Estado não deseja participar do processo de condenar disciplinamento do território. Bom, há nessa desordem a oportunidade intelectual e política de nos deixar ver como o território revela o drama da nação, porque ele é, creio, muito

4 (Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros Acessado em 02/10/2007.)

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mais visível através de território do que por intermédio de qualquer outra instância da sociedade. (CARVALHO et al, 2004, p.21).

Existe uma contradição acerca dos lugares nos territórios, pois estes podem ser

formados por lugares contíguos e lugares coordenados, em conexão. Os mesmos lugares

constituindo relações de contigüidade ou relações de conexão, enquanto partes de um

sistema. A horizontalidade dos domínios da contigüidade e dos lugares vizinhos por

contigüidade territorial e a verticalidade formada por pontos distantes uns dos outros,

ligados de diversas formas e processos sociais. O mundo e o lugar – o conjunto de

possibilidades, indissociável do espaço do acontecer solidário e coexistente.

Há, portanto uma nova realidade para o território, um novo recorte, uma nova

construção para os espaços onde convivem objetos de fluidez virtual e objetos de

fluidez real - fluidez real que vem das ações humanas, das ações informadas, das ações

normatizadas. É o território formado simultaneamente de lugares contíguos, solidários e

lugares articulados, parte de um sistema esparso – os mesmos lugares, de acordo com

Milton Santos com funcionalidades diferentes, às vezes divergentes ou opostas:

(...) há lugares mais apropriados para aumentar o lucro de alguns em detrimento de outros. E isso só é possível porque os lugares e o mundo tornaram-se conhecidos, porque a informação circula rapidamente e porque, para subsistir validamente, é preciso competir por uma pequena faixa de mercado, o que não existia antes. Hoje, se uma pequena fatia de mercado escapa a uma grande empresa isso a desequilibra, porque é transferida para outra grande empresa e aumenta o seu poder. Então os lugares, tornam-se um dado essencial do processo produtivo, em todas as suas instâncias, e passa a ter um papel que não tinham antes. (CARVALHO et al, 2004, p. 22).

Antes, o Estado definia os lugares, eram Estados territoriais. Hoje ocorre a

transnacionalização do território. Antes o território era estatizado, agora ele não é

estritamente transnacionalizado, pois cria sinergias que impõe ao mundo. Nisto consiste

o poder dos lugares, pois de acordo com Milton Santos, é através dos territórios e dos

lugares que são gestados: o acontecer solidário, compartilhamento através de atividades

similares e de relações complementares. No território e nos lugares acontecem a

solidariedade e os processos de resistência.

O acontecer simultâneo, em conexão com sistemas e em contigüidade no mesmo

território, pode criar novas solidariedades apesar de todas as diferenças entre as pessoas

e lugares.

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De acordo com Milton Santos5 podem ocorre três tipos de acontecer solidário: o

acontecer homólogo, o acontecer complementar e o acontecer hierárquico.

O acontecer homólogo se realiza quando ocorre a similitude das atividades; o

acontecer complementar, quando as relações são complementares (ex: cidade e campo).

Esses dois aconteceres, têm em comum, a primazia das formas, a relevância das técnicas

e o cotidiano compartilhado. Ao contrário do que ocorre com o acontecer hierárquico,

que é uma racionalização das atividades. No acontecer hierárquico, temos a primazia

das normas, feitas através de um controle remoto da parcela política da produção e não a

relevância nas técnicas. Este acontecer hierárquico pode produzir um cotidiano

alienado, importado de fora, comandado por informações privilegiadas pelo segredo e

pelo poder, articulados por um sistema onde os lugares encontram-se articulados, em

conexão, mas não contíguos e possivelmente menos solidários. Ressalta Santos que:

como vemos, há um uso privilegiado do território em função das forças hegemônicas. Estas, por meio de suas ordens, comandam verticalmente o território e a vida social, relegando o Estado a uma posição de coadjuvante (...) (...) Então sob o jogo de interesses individualistas e conflitantes das empresas, o território acaba sendo fragmentado. (CARVALHO et al, 2004, p. 23).

Assim, no território humano dos objetos e ações, se produz o controle local das

técnicas da produção. O controle remoto seria principalmente da parcela política da

produção ocorrendo de forma global, acelerando a alienação dos espaços e dos homens.

Um dos componentes atuais da alienação é a mobilidade atual das pessoas, e é

necessária uma reflexão sobre o viver e o produzir dentro das formas arcaicas de

regulação que não permitem o direito de intervir na vida política do lugar, quando não é

de origem.

Quem produz as conexões entre os lugares, os sistemas, é o mundo, enquanto

um mercado universal. A globalização em seu aspecto perverso, chamada por Milton

Santos de globaritarismo, atravessa tudo, inclusive a forma de pensar e a consciência

das pessoas. De acordo com Milton Santos (CARVALHO et al,2004), os ataques ao

Estado territorial, favorecendo idéias como o neoliberalismo e a democracia de

mercado, reduzem as formas de solidariedade baseadas na contigüidade e no território

5 (Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/osal16/D16Santos.pdf. Acessado em 02/10/2007.)

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compartilhado e há uma dificuldade “para reconhecer o território socialmente utilizado

como o principal elo social em um país”. (CARVALHO et al, 2004, p.24).

Vive-se, portanto o conflito entre o espaço local, espaço de todos e o espaço

global com seus conteúdos ideológicos de origem distante onde se inserem os sistemas

enquanto noção de formas e normas a serviços de alguns. É uma arena de oposição entre

mercado e sociedade civil com a prevalência do lugar como sede de sua resistência.

Contrapõe-se, portanto, o território usado, espaço de todos e os sistemas, formas e

normas a serviço de alguns – o território todo e algumas de suas partes ou pontos que

participam simultaneamente do território e dos sistemas com funcionalidades

diferenciadas.

Insiste Milton Santos6 num conhecimento sistemático da realidade para um

tratamento analítico do território, uma revisão de sua realidade interna. Vetores verticais

como os sistemas trazem desordem às regiões onde se instalam: aumentam a coesão

horizontal a serviço do mercado, mas corroem a coesão horizontal a serviço da

solidariedade. Entretanto esta verticalização sobrevive à custa de normas rígidas que são

colocadas em jogo. Explicita que:

(...) o discurso de ‘menos Estado’ é o discurso de ‘mais firma’, de ‘mais empresa’. A retirada do Estado do processo de regulação da economia, dada como sendo benefício para a sociedade, está de fato, relacionada com a possibilidade de a empresa comandar a sociedade, porque é ela que acaba comandando a vida social, com o apoio das instituições internacionais (...) (CARVALHO et al, 2004, p. 30).

È preciso, de acordo com Milton Santos, fazer falar o território. Isto é necessário

para que mesmo com o processo de fragmentação do espaço humano ocorrido em parte

pela omissão do Estado nacional, permita que se produza um discurso novo, que

reconstitua como um todo nacional um liame que produza solidariedade. Esta mesma

solidariedade que vem se perdendo ao se permitir que o comando do território, naquilo

que é hegemônico, seja entregue a um espaço global, que impõe relações hierárquicas e

submissão camuflada nas relações de poder.

6 (Disponível em http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros Acessado em 02/10/2007.)

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Há neste funcionamento um paradoxo, já que pela tecnologia e pela informação

as forças que desagregam podem servir para o efeito oposto e trazer a solidariedade. É

também sobre as formas solidárias de rede7 que trataremos adiante, ainda neste capítulo.

Em economia a definição de território, para além de espaço, de proximidade ou

justaposição, refere-se a uma coordenação de atores com representações comuns, o que

facilitaria de forma real à coordenação e formação do mesmo. Isto ocorreria por estas

representações comuns funcionarem como um filtro, como uma cultura comum. É,

portanto a conjunção entre a proximidade com o que é intrínseco a um dado território

(sua cultura), que possui a qualidade de repelir aquilo que não está em seus limites. O

físico, o geográfico, o topográfico, funcionariam como suporte para uma inscrição

territorial característica e em contexto com representações comuns.

A questão espacial interfere em alguns fatores como a proximidade geográfica,

funcionando como facilitadora da coordenação dentro do território, ao facilitar as trocas,

os encontros, o estabelecimento de relações e de pertença a uma instituição – o que

favorece a imersão em um território, que mesmo não promovendo a proximidade física,

promove a proximidade dentro de uma organização. Portanto, o território para além dos

atributos geográficos e espaciais, refere-se a uma possibilidade de coordenação e

conjunção com formas não espaciais de relações.

E no que se refere à saúde mental, campo de reflexão desta pesquisa, como se

apresentam as dimensões territoriais e suas complexidades?

O território da saúde mental compõe-se das instituições, pessoas, redes e

cenários que dele participam (Cf. BRASIL, 2005a, p.28). Portanto, vai além do espaço

físico da comunidade, pois trabalha os “componentes, saberes e forças” (BRASIL,

2005a, p.28) da mesma para a construção de soluções e objetivos de forma coletiva.

Dessa forma, ocorre a multiplicação das trocas entre as pessoas e é ressaltado o papel do

território como o organizador da atenção à saúde mental. Faz parte desta função a

articulação e orientação dos equipamentos de saúde.

Entende-se que a saúde estrutura-se em um território em construção contínua

com tensões e congruências somente possíveis em um território que funcione como um

sistema aberto às desconstruções e reconstruções contínuas, o que desafia a convivência

7 Milton Santos utiliza os termos rede e sistema, como sinônimos. Utilizamos preferencialmente o termo sistema, para maior clareza do texto, porque, ao que percebemos, os termos rede e sistema não são compreendidos de forma unívoca pelos diversos autores que balizaram este estudo.

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de saberes situados em paradigmas diversos e que convivem cotidianamente na prática.

De forma ideal estes paradigmas se permitindo frequentações entre si.

Referindo-se à proposta difundida pela OMS e pela OPAS, Merhy et al (2004)

apontam os princípios da proposta de distritalização como a descentralização e o

planejamento local, a autonomia na solução dos problemas e no estabelecimento de

prioridades de intervenção com base territorial. O objetivo é fundar novas relações que

favoreçam a responsabilização da equipe, a participação popular, a co-responsabilização

entre a população e os serviços na hierarquização dos mesmos:

O território-processo é concebido enquanto espaço de permanente construção, fruto da disputa dos sujeitos sociais, numa determinada arena política. Ele retrata as desigualdades sociais. O reconhecimento do território permite a identificação dos problemas de saúde ali contidos, permitindo-se assim aos atores portadores de um determinado projeto de saúde, articular um conjunto de operações interdisciplinares, para solucioná-los (MERHY et al. 2004, p.54).

Uma instituição pode ser entendida como um lugar, que guarda facilidades de

conexões, conjunções e tensões oriundas dos diversos saberes e campos que a compõe e

que as tomam com um processo de construção e desconstrução. É uma dinâmica tensa e

ao mesmo tempo necessária para seu reordenamento a partir das contínuas demandas

internas e externas, territorializadas ou em rede.

Na saúde a construção e desconstrução dos territórios com seus modelos de

atenção e produção, marcam tensões entre si. A lógica de atenção centrada no usuário

produz tensões com relação à saída de uma lógica hospitalocêntrica, medicocentrada.

Entretanto, pode-se facilmente caminhar para atos centrados no que é chamado de

produtividade, uma relação entre o serviço prestado à comunidade e a remuneração do

mesmo pelo Estado. A autonomia ou o controle de usuários e funcionários geram suas

tensões assim como as opções entre um governo normatizado ou auto-governo, de jogos

políticos e econômicos entre outros jogos de saber. Assim,

pensamos que os sistemas ou serviços de saúde, e em cada um de seus estabelecimentos, como um território, constituem uma cartografia de vários possíveis mapas, desenhados pelas características próprias destes terrenos minados que tornam campo próprio da saúde e não outra coisa qualquer, e pelo modo como os vários sujeitos que o habitam, caminham por ele. (MERHY et al.2004, p.69).

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Segundo Guattari e Rolnik (2005) o conceito de território no campo da

subjetividade é definido por um conjunto de idéias que incluem a desterritorialização e a

reterritorialização.

A noção de território passa, portanto, a ter um sentido muito mais amplo. A

delimitação de territórios organizados pelos seres, de onde se articulam a outros seres,

parte da percepção do território como um espaço que sofre uma apropriação e é fechado

em si mesmo. O fechamento se dá em múltiplos aspectos, tanto espaciais, físicos,

quanto psíquicos como a subjetividade, as representações, os comportamentos e

investimentos “nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos e cognitivos”

(GUATTARI, ROLNIK, 2005, p.388).

O processo de desterritorialização ocorre quando este território se abre e

permitindo o engajamento destes seres em linhas de fuga, que podem levar a outras

configurações, assim como à destruição do mesmo. A humanidade está em contínua

desterritorialização desde que seus múltiplos territórios se desfazem e se reconfiguram

em estratificações diversas ao longo do tempo. Territórios sociais, religiosos, políticos,

materiais, mentais, laborais, que se abrem em novas cartografias e disrupções.

A reterritorialização é o processo que ocorre na recomposição de um território

que se abrira a um processo e a novos engajamentos. Ocorre principalmente no sistema

capitalista que recupera os territórios que se abriram a novas ordens e a novas relações,

domando as “pulsões processuais que trabalham a sociedade” (GUATTARI, ROLNIK,

2005, p.388), através da construção de novos vínculos no lugar dos vínculos perdidos.

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1.2 Rede: dos dispositivos de poder aos modos de resistência

O Movimento Antimanicomial é um exemplo

de invenção política contemporânea que articula

ação política à subjetividade

Ana Marta Lobosque8

Para se falar sobre redes e como se articulam à produção de subjetividade é

necessário que se demarque o conceito de rede. Este conceito, vindo de diversos

campos, como o da produção artesanal ou industrial de tecidos e da informática,

migrando para o campo da saúde em geral e da saúde mental em particular, sofre

diversas dobras ao metaforizar o cruzamento e os desfiladeiros dos discursos em vias

que se entrelaçam e agenciam9 produções de subjetividade. Nestas relações e

articulações surgem os enredos cujo estofo, ponto de encontro, de enlace, são tecidos,

desfeitos, amortecidos e urdidos na tessitura do discurso cotidiano.

A rede conspira, projeta, intenta, prepara, articula e sustenta. A rede é o que

dispõe e arranja as relações; o que comunica movimentos. A rede é a tecedura, produto

inacabado da trama10, que provoca e propõe o movimento de cruzar-se transversalmente

com a urdidura, entretanto, sem começo nem fim, entrada ou saída, promove o

emaranhado, o intrincado, a diferença.

Rede é, de acordo com o dicionário Aurélio

entrelaçamento de fios, cordas, cordéis, arames, etc., com aberturas regulares, fixadas por malhas, formando uma espécie de tecido. P. ext. Qualquer dos dispositivos feitos de rede, utilizados para apanhar peixes, pássaros, insetos, etc. P. ext. Fig. Cilada, armadilha.11 (FERREIRA, 2004, p. 1973).

8 LOBOSQUE, 2001, p. 24. 9 Entende-se por agenciamentos, mecanismos ou meios que promovam mudanças ou efeitos. Baremblitt (2003) fala de agenciamentos complexos, compostos por diferentes saberes, diferentes materialidades, formas, inclusive agenciamentos estranhos e bizarros. Guattari e Rolnik (2005) referem-se a agenciamento como uma noção mais ampla que estrutura, sistema, forma, processo ou montagem, comportando componentes de diferentes naturezas, como os de origem biológica, social, imaginária, de conhecimento, maquínica e outras. 10 De acordo com Ferreira (2004) a trama é o conjunto de fios passados no tear de forma transversal através dos fios dispostos da urdidura. 11 Ainda de acordo com Ferreira (2004) a rede pode ser qualquer conjunto que por sua disposição lembre um sistema reticulado, como as ruas de uma cidade, os meios de comunicação e de transporte. São também consideradas redes, conjuntos de estabelecimentos, indivíduos ou objetos, destinados a prestação de um tipo de serviço, como a rede bancária e as canalizações de uma localidade. Designa também o entrelaçamento de artérias e veias, redes de computadores e de emissoras de TV com programação comum.

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Esta é uma definição de rede, no entanto um conceito que é transformado,

oriundo de outros campos deve ser conhecido em seus desdobramentos para que se

entenda como ocorrem estas novas relações que resultam nesta ampliação.

Rede é um conceito que migra contemporaneamente, do campo da informática,

para outras áreas, tais como a saúde, por exemplo. A informática, técnica do tratamento

automático de informações tem capacidade de interconexão que a aproxima de um ideal

de rede, com as possibilidades de um sistema que quebre o isolamento dos usuários

favorecendo a aproximação ainda que no espaço virtual. Na informática, os sistemas,

também chamados redes, se acoplam e fazem troca e compartilhamento de mensagens,

memória, recursos e cooperação.

Segundo Colcher, Lemos e Soares:

Uma Rede de Computadores também é formada por um número ilimitado mas finito de módulos autônomos de processamento interconectados, no entanto a independência dos vários módulos de processamento é preservada na sua tarefa de compartilhamento de recursos e troca de informações. Não existe nesses sistemas a necessidade de um sistema operacional único, mas sim a cooperação entre os vários sistemas operacionais na realização das tarefas de compartilhamento de recursos e troca de informações. (1995, p.10).

A rede informática sustenta-se, num arranjo de espaço-tempo virtual e o

ordenamento das relações ocorre apenas no nível dos enlaces físicos de processadores e

nas regras de comunicação. As informações, no entanto, situam-se nos entroncamentos

e encruzilhadas das infovias e são acessadas de forma singular e arbitrária pelos

internautas e é dessa forma que:

o sistema de comunicação vai se constituir de um arranjo topológico interligando os vários módulos processadores através de enlaces físicos (meios de transmissão) e de um conjunto de regras com o fim de organizar a comunicação (protocolos). (COLCHER et al., 1995, p.10,11).

As redes organizam-se e ramificam-se de formas distintas, com tantas entradas e

saídas quantas as necessidades dos usuários dispersos geograficamente. Conforme tais

configurações e,

por terem um custo de comunicação bastante elevado (circuito para satélites e enlaces de microondas), tais redes são em geral públicas, isto é, o sistema de comunicação, chamado de sub-rede de comunicação, é mantido, gerenciado e

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de propriedade de grandes operadoras (públicas ou privadas) e seu acesso é público. (COLCHER et al., 1995, p.12).

A topologia da rede informática caracteriza-se por enlaces entre módulos que

definirão sua eficiência e velocidade, dependendo de como estão organizados,

“determinado os caminhos físicos existentes e utilizáveis entre quaisquer pares de

estações conectadas a essa rede” (COLCHER et al., 1995, p.17).

O hipertexto12, modelo de comunicação da rede, conjura em si diversas

linguagens e pode ser acessado e percorrido, através de várias entradas e contextos. Isto

torna único o caminho percorrido pelos usuários, as conexões e as sub-redes que

atravessam em diferentes acessos e buscas.

O WWW13 foi desenvolvido para permitir o acesso a informações organizadas na forma de um hipertexto, (no modelo conceitual de www, um hipertexto é um documento composto por um conjunto de nós, fragmentos de informações em diversas mídias, por exemplo imagem, texto e etc.) que engloba documentos armazenados em servidores espalhados por toda a inter-rede. (COLCHER et al., 1995, p.416).

Uma rede informática, portanto, dá suporte ao tráfego de informações de

naturezas diversas, de transmissão, de discursos, mídias e linguagens. É a rede como

integração de diversas mídias e serviços. De acordo com Colcher et al., fugindo a forma

tradicional de organização dos sistemas de comunicação, que transportam tipos

específicos de informação, como a voz no telefone, dados textuais, vídeos, TV, ou

rádio, a internet integra todos esses serviços.

Configura-se, assim, a modelização do conceito de rede através da informática,

como o exemplo mundial de rede. A internet tornou-se um modelo de rede, a super-

rede, capaz de ligar uma imensa teia de nós, mundialmente espalhados.

O hipertexto, linguagem da internet, é uma escrita/ leitura não seqüencial, não

linear que podemos chamar de labiríntica. No labirinto associativo o leitor cifra o

sentido. É a rede, o rizoma14, o que não admite autor para a escritura do texto lido, dado

que, aquele que lê é também quem faz as associações, que permitem passagens 12 De acordo com Ferreira (2004), o hipertexto é uma forma não linear de encadeamento de blocos de texto articulados por remissões que permitem passagem direta para elementos associados. Essa forma de organização e apresentação de informações geralmente é implementada em meio computadorizado. 13 Word Web Wide - Grande teia mundial 14 É o rizoma, de acordo com Baremblitt (2003), uma raiz que cresce de forma subterrânea mas superficial à terra. Essa raiz cresce e atinge grandes proporções, dificultando a separação entre uma planta e outra que se integram numa rede radicular.

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inusitadas e singulares para outros blocos de informações, forjando novas significações.

A interface promove assim, a errância, a deriva, dado que os mapas não se apresentam

fixos, únicos, mas sobrepostos, manipuláveis, alteráveis, mutáveis.

Conforme Lara (2007)15, desde a década de 90, as comunidades mediadas por

computadores, parte da Word Wide Web, utilizando a programação hipertextual, o

HTML, desenvolvida pelo Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, objetivando maior

interação.

Na biologia, o modelo botânico ilustrativo de rede refere-se a um tipo particular

de planta que se reproduz a partir de sua raiz. A raiz desta planta lança raízes

subterrâneas ou aéreas, projetando brotos que se tornam novas plantas, ligadas entre si

como uma grande teia radicular, potencialmente infinita, sem um centro definível que

demarque uma origem – que se torna uma conjectura. O rizoma é, conforme Lara

(2007)16, o espaço da suposição:

O rizoma é feito de modo que cada caminho possa ligar-se com qualquer outro. Não tem centro, não tem periferia, não tem saída, porque é potencialmente infinito. O espaço da conjectura é um espaço de rizoma. (LARA, 2007).

A Teoria Crítica Literária também faz uma torção no conceito de rede, ao elegê-

lo como texto ideal, a rede como um texto formado de blocos de significados, sem

conteúdo fixo, sem hierarquia, sem começo nem fim, sem bordas definidas, que

favorece interconexões e autorias. Dessa forma

(...) Roland Barthes (1974) descreve o texto ideal como um texto composto de blocos de palavras (ou imagens), perpetuamente ‘não finalizado, descrito a partir de termos como, nós, networks (réseaux), redes e caminhos’. Para ele o ‘texto ideal’ seria formado de réseaux, networks, capazes de interagir, sem que nenhum pudesse ser mais importante que o outro. (LARA, 2007, on-line).

O novo texto se assemelha a uma rede ou teia o que faz com que o conceito de

rede se dilate cada vez mais e acolha novos significados na profusão de mídias que

15LARA, I. Hipertexto: O universo em expansão. Dissertação de mestrado, Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. (Disponível em: www.unb.br/fac/ncint/site Acessado em: 14 de janeiro de 2007.) 16 (Disponível em: www.unb.br/fac/ncint/site Acessado em: 14 de janeiro de 2007.)

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povoam as infinitas possibilidades de interconexão, as múltiplas entradas e saídas os

muitos caminhos, remissíveis e acessáveis de variadas formas e em diversos contextos:

Derrida (1975) vê o texto ideal como composto por unidades que, apesar de separadas, podem se complementar na construção do sentido. Cada unidade pode “quebrar”, modificar o contexto e abrir para uma infinidade de novos contextos. Qualquer semelhança com uma rede, com a Web, não é mera coincidência. (LARA, 2007).

Guattari e Rolnik (2005) utilizam a idéia de rizoma para definir as possibilidades

de uma rede enquanto dispositivo, enquanto meio planejadamente disposto para que

seus desdobramentos ocorram de forma única, pela auto-organização e auto-

gerenciamento, de forma que favoreçam a singularidade. A rede permitindo tais

desdobramentos peculiares torna-se exemplo de dispositivo que em suas articulações,

aberturas, conexões, contatos diversos, saídas do isolamento, relações complementares,

oferecem simultaneamente estruturas de defesa e ofensivas na manutenção do singular.

Rede é também um conceito interessante a ser utilizado em saúde coletiva, em

saúde mental, enfim em saúde mental coletiva - áreas que transitam em campos diversos

e se tornam ricas em perspectivas, saindo da hegemonia das especialidades, para a

cooperação, interação e interconexão. Adquirem, assim, características rizomáticas,

transdisciplinares17, posto que nos cruzamentos dos discursos, as relações podem se

tornar mais simétricas, as verdades podem se relativizar e o poder também se equaliza:

O termo rede reúne significados cruciais nos tempos atuais. Interação, conexão, interconexão estão na ordem do dia. A própria idéia de organização, nós a pensamos em termos de rede – em sua horizontalidade - em contraposição a organograma, sua verticalidade e especialização. “Equipes em rede”, dizem os técnicos em organização, garantem cooperação. ...Só a rede é capaz de absorver as reestruturações que anunciam como prováveis e freqüentes em períodos de mudanças aceleradas. (GARCIA, 2002, p.103).

A proposta de funcionamento em rede no campo da saúde mental e da saúde

coletiva, ocorre com a culminância do processo de lutas do Movimento da Reforma 17 Entende-se por transdisciplinaridade, de acordo com Domingues (2004), situações de conhecimento que conduzem a transmutação das disciplinas “a custa de suas aproximações e frequentações” (DOMINGUES, 2004, p.18). Permite pensar em movimento, em quebra de barreiras, em cruzamento de especialidades, em interfaces, em superações de barreiras e migrações de conceitos. Reitera Domingues (2004) que não se trata simplesmente da divisão do objeto por várias disciplinas em seus recortes específicos e sim de uma interação dinâmica, com processos de auto-regulação e de retro alimentação.

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Sanitário, em 1988. Esses campos têm origem comum no Movimento Antimanicomial

e na efervecência política dos anos 70. A vitória da oposição nas eleições parlamentares

promove a eclosão dos movimentos em favor de modelos de atenção às práticas de

saúde e gestão, em defesa da saúde coletiva, equidade e protagonismo dos

trabalhadores.

A constituição cidadã, promulgada em 1988 favorece o debate na área social

com seu conceito ampliado de saúde e com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Explica que:

uma rede se conforma na medida em que são permanentemente articuladas outras instituições, associações cooperativas e variados espaços das cidades. A rede de atenção à saúde mental do SUS define-se como de base comunitária. É, portanto, fundamento para a construção desta rede a presença de um movimento permanente, direcionado para os outros espaços da cidade, em busca da emancipação das pessoas com transtornos mentais. (BRASIL, 2005a, p.28).

A busca de articulação entre os vários serviços são metas, marcos conceituais na

saúde, adquirindo o conceito de rede de serviços articulados, uma nova dimensão. Os

Sistemas Locais de Saúde, SILOS (OMS/OPAS-1986) propõem novo modelo de

atenção articulado com a meta de democratização dos serviços, equidade e eficiência.

Dessa forma,

os SILOS se inserem dentro do processo de democratização da sociedade, através da criação de mecanismos que permitam a participação da sociedade no processo de planejamento, execução e avaliação. Preconizam a ênfase na intersetorialidade, em atividades no nível local e em todas as esferas do governo. Os conhecimentos devem ser integrados, empregando-se as tecnologias disponíveis, adequando o financiamento e dotando-se de recursos necessários para a garantia da atenção integral à saúde e ao financiamento. O modelo busca a maior articulação da rede de serviços, racionalizando os gastos e esforços. (MERHY et al. 2004, p. 54).

A rede, se pensada como uma cidade pode se ampliar ao conceito de cidades

saudáveis como pontos ou nós, de um entorno físico interligado, que promova políticas

públicas de equidade. Exemplifica-se com a proposta de Cidades Saudáveis que

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nasceu em Toronto Canadá, em 1984, como parte de uma conferência sobre políticas públicas saudáveis, numa tentativa de dar conseqüência à doutrina de promoção à saúde, formulada na Carta de Ottawa. A carta define os compromissos que uma cidade assume, ao entra numa rede que seriam: formular políticas saudáveis nos distintos setores; - criar entorno físicos e sociais saudáveis; - estimular a participação popular; - desenvolver a habilidade das pessoas em manter e melhorar a saúde; - trocar informações; - desenvolver políticas públicas referidas pela equidade. (MERHY et al.2004, p.55).

A rede como possibilidade de superação de modelos hegemônicos, como o

médico-centrado, através da promoção de relações simétricas, possibilitadas pela

disseminação das informações e do saber, que permitem novas entradas em campos

hegemônicos,

(...) em particular, quando o que se deseja é a superação de modelos hegemônicos muito fortalecidos como os centrados no poder político e técnico das corporações profissionais, que têm se distanciado cada vez mais de suas finalidades: a defesa radical da vida individual e coletiva, em troca de projetos privados e particulares. (MERHY et al. 2004, p.64).

Também a rede de saúde como preconiza o SUS tem função de articulação entre

os diversos atores das diversas redes de que faz parte usuário e profissional,

dinamizando e potencializando os recursos, o apoio e as contribuições possíveis, sociais

e em conjunto com a clínica, percebendo e valorizando a importância e a potência das

conexões em rede, sejam elas pessoais, sociais, informatizadas ou outras. Pode-se,

portanto, vislumbrar as diferenças de uma perspectiva em rede, da rede pessoal, a

segurança advinda deste sistema de nós e relações que proporcionam estabilidade e

pertença.

Quando a rede social pessoal falta, é a rede de saúde coletiva que pode suprir

esta lacuna, reativando-a e reconstruindo-a. A intervenção no social a partir de uma

clínica ampliada, reativando os vínculos, reforçando-os através do reconhecimento dos

mesmos. É a participação das redes de saúde e das redes assistenciais que remetem aos

princípios doutrinários preconizados pelo SUS.

Á rede de saúde coletiva compete também para além da interpelação ao entorno

social, articular os serviços e profissionais que garantam os recursos necessários ao

cuidado e atenção necessários, na sua integralidade.

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As diversas articulações das redes são multideterminadas: redes culturais, redes

políticas, de cidadania, trabalho e atividades, redes de solidariedade, redes familiar-

afetivas e de apoio – sem que haja obrigatoriamente uma ordem ou hierarquia nestas

articulações.

A internet propicia uma experiência de conexão com aspectos do conhecimento,

que agora se situam numa esfera pública com fronteiras diferentes e com características

virtuais, proporcionando a possibilidade de um arbítrio na busca do esclarecimento e no

enriquecimento de experiências privadas:

Esclarecimento e emancipação referem-se a processos nos quais, a gente experimenta em si mesma com os quais se transforma quando aprende a se comportar racionalmente sob pontos de vista formais. Esclarecimento é um reflexo da auto-experiência no decurso de processos de aprendizagem. Emancipação tem a ver com libertação em relação a parcialidades. (LARA, 2007).

Essa nova possibilidade de esclarecimento pode dissolver parte do poder

exercido pelas mídias, a partir da não manipulação dos conteúdos veiculados:

Na realidade social existem dois tipos de relações: as de dominação e as relativas ao sistema e a vida comum. A primeira é responsável pela criação de ações comunicativas estratégicas, onde uma das partes desenvolve o seu discurso, visando um objetivo pessoal, em detrimento de um entendimento comum entre as partes. (...) Para os gregos, a opinião pública estava inserida no âmbito da phonesis, do conhecimento prático, que era gerado a partir de insights e teorias práticas acumuladas pela ação cotidiana, no espaço público. Para Habermas, a esfera pública é o espaço para o debate engajado e crítico. Para que se compreenda o que seria essa esfera é necessário observar a íntima conexão existente entre os conceitos de deliberação, opinião e política. (LARA, 2007).

De acordo com Kern (2005) as relações de poder produzem efeitos num plano

amplo da vida social, cotidianamente. Podem se inserir em relações pré-estabelecidas,

que impõem comportamentos e atitudes que contrariam os interesses de uns e outros. È

preciso, portanto, atentar para as macro-relações sociais, situar os contextos, reconhecer

a perspectiva histórica em que se construiu tal protagonismo.

Thompson (1995) relaciona a acessibilidade e audiência dispersa no tempo e no

espaço, propiciados pelos novos meios de comunicação a uma nova reconstituição do

público e do privado, já que a vida privada pode se tornar pública ao ser veiculada nos

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meios de massa e os acontecimentos públicos são vistos ou lidos na privacidade de casa.

“Os termos ‘público’ e ‘privado’ adquiriram uma variedade ampla de sentidos no

moderno discurso social e político...” (THOMPSON, 1995, p. 311). Portanto,

(...) as redes de comunicação podem oferecer caminhos. Elas dispõem de um “potencial democratizante”, um “potencial participativo”, porém depende, para concretizá-los, de que se observem como elas se relacionam com a sociedade. (LARA, 2007).

A infovia da comunicação é, possibilidade de acesso irrestrito a um número

relevante de informações:

...mas a utilização de uma tecnologia não é inócua de repercussões sociais, culturais, emocionais, mentais. As implicações sociais, por exemplo, são inúmeras. A partir da descentralização do controle da informação e do potencial para a participação igualitária das pessoas, independentemente de sua raça, cultura, moral, aparência física, cria-se um espaço, ao mesmo tempo, polifônico, anárquico e democrático. (LARA, 2007).

Castells (2001), fala de uma sociedade em rede, baseada em fluxos e trocas

instantâneas; conceitua rede de forma bastante ampliada, como conexões interativas de

nós que trocam informações e podem ser de naturezas diversas. A rede para Castells é

“um conjunto de nós interconectados” (2001, p.498), onde se entende que o nó é o

ponto de cruzamento onde a curva se entrecorta e pode ser de natureza diversa.

Assim, eventos e cadeias associativas entre os mesmos, sistemas de produção,

equipes, são nós de uma rede ou a própria rede, onde a distância entre dois pontos ou

nós é menor se dentro de uma mesma rede. A arquitetura das relações entre redes opera

em velocidade extrema em seus processos de inclusão e exclusão.

Uma das características mais interessantes das redes enumeradas por Castells, é

a capacidade de flexibilidade e adaptabilidade, para construção e desconstrução

contínuas. Esta característica se assemelha muito à idéia de transdisciplinaridade

apresentada por Domingues (2004) que diz de uma “destruição/recomposição dos

antigos padrões de conhecimento” e da geração de “uma nova articulação horizontal,

porém orgânica capaz de abrigar a diversidade de pontos de vista” (2004, p. 24). Está

também bastante próximo do que Domingues propõe como “inteligência coletiva”

(2004, p. 25). Castells em sua definição ampliada de rede continua:

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Redes são instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada na inovação, globalização e concentração descentralizada; para o trabalho, trabalhadores e empresas voltadas para a flexibilidade e adaptabilidade; para uma cultura de desconstrução e reconstrução contínua; para uma política destinada ao processamento instantâneo de novos valores e humores públicos; e para uma organização social que vise a suplantação do espaço e invalidação do tempo. (CASTELLS, 2001, p. 498).

Reitera assim Castells o aspecto dinâmico da rede que suplanta o tempo/espaço e

absorve rápido, inclusive novos valores. Ressalta também a rede como reorganizadora

das questões e das relações de poder. A tecnologia da informação propiciou uma nova

“base material para o desempenho de atividades em toda estrutura social” (2001, p. 498)

que funda novas relações de poder, localizadas nos conectores que detêm os códigos

interoperacionais, dando nova forma à estrutura social.

Thompson, também define a rede como um dispositivo do poder, na medida em

que articula também o capital simbólico; salienta que o poder público é somente uma

“forma especializada de poder” (THOMPSON,1998, p. 22), os indivíduos exercem

poder em contextos que nada têm a ver com o Estado e tornam desta forma estáveis as

redes de poder e dominação, as relações de poder entre si e entre os grupos.

O poder está, portanto, situado numa intrincada rede de relações que permeiam o

Estado, mas vai além dele. Esta é segundo Roberto Machado18 a idéia a que chega

Foucault ao investigar o surgimento dos saberes e suas relações, formando uma rede

conceitual que possibilita dentro de alguns campos a radicalização de processos de

dominação a partir da tematização do homem como objeto e sujeito concomitantemente.

O poder é imanente à rede, e surge do saber nela veiculado. A rede como dispositivo

político que veicula o saber na relação entre os diversos campos e o saber como peça do

dispositivo rede, nas relações de poder.

O poder surge como efeito das relações em constante transformação, efeito de

práticas sociais de naturezas diversas, mas principalmente da ordem da estratégia e de

natureza política. A rede, historicamente construída com seu poder imanente, efeito das

relações construídas através de hierarquias e saberes, tal como um dispositivo de

dominação e suas peças. À rede cumpre sustentar e articular tais discursos exercendo

assim o poder de forma inequívoca, mas variável – micro e macro poderes que segundo

18 FOUCAULT, 2006, p. XI.

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Foulcault (2006) se exercem sobre o corpo concreto ou social, sobre o que se entende

por nós, coletivos ou não, da rede social de forma cotidiana e infinitesimal.

A rede é, portanto, o que veicula os saberes e o poder lhe é imanente. O poder

funcionando em rede, através das relações autônomas das quais, segundo Foucault

(2006) ninguém escapa, já que é exercido como práticas e relações.

Destacando os tipos de poderes, Thompson (1998) enumera: o econômico,

político, coercivo e o poder simbólico que aqui citaremos já que enseja o conceito que

estudaremos a seguir - a subjetividade. De acordo com o autor, o poder cultural ou

simbólico é característica fundamental da vida social, pois os indivíduos estão em

constante troca de informações simbólicas uns com os outros.

Para o estabelecimento de relações de poder simbólico e sua expressão, utilizam-

se os meios de comunicação, as habilidades, o prestígio e o conhecimento. As ações

simbólicas têm efeitos e conseqüências diversas nos acontecimentos e os indivíduos

servem-se delas para afetar a realidade. Thompson caracteriza as redes simbólicas como

fundamento da vida social e, portanto, importantes articulações na vida das pessoas. As

redes simbólicas juntamente com outras dimensões de rede, como a política e a

dimensão econômica, formam uma rede ampla que poderia ser chamada de rede social.

O conceito de rede social começa a delinear-se com as pesquisas de Kurt Lewin

e sua teoria de campo. Esta teoria defende o comportamento como função de um campo

que é a totalidade de fatos existentes em interdependência.

Durkheim (1978) foi um dos primeiros estudiosos das redes sociais ao atribuir

em seu estudo sobre o suicídio, a importância devida ao entorno social e ao isolamento.

Ressalta que tais atos ocorrem dependendo de forças exteriores aos indivíduos, forças

sociais.

O conceito refina ainda mais, ao considerar-se as pessoas como os nós de uma

rede de importância crucial na vida das mesmas, as pessoas e seus vínculos familiares,

de amizade, laborais, de estudo ou sociais.

A família em seu relacionamento externo, considera Both (1975), não está

isolada, ligando-se a indivíduos e grupos através dos indivíduos que a compõem ou

através do casal – o que caracteriza a conexão da família com a rede social, com

indivíduos ou grupos externos à sua formação. Entende também Both, que a relação

com esta rede repercute na organização dos papeis dentro do grupo familiar.

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O apoio social oferecido pelas redes sociais também é valorizado, tanto pessoalmente,

como no trabalho de profissionais que atuam na saúde coletiva – o profissional de saúde

deve lançar mão do apoio da rede e constituir ele mesmo, um nó desta rede social.

A rede pode ser tomada também como o coletivo e a conexão entre os diversos

coletivos que tomados como nós, revelam sua importância social, dado que na

contemporaneidade a vida é cada vez mais atravessada por organizações e instituições,

portanto, por estes coletivos. As instituições como nós; a família, o entorno social, o

hospital, a escola, integrantes de uma rede de coletivos que se complementam na

interação, enriquecendo as contribuições entre si.

Pensar a complexidade das relações entre as pessoas e entre os coletivos a partir

de uma idéia de rede, enseja a saída de relações predominantemente hierárquicas. Esta

saída permite perceber que estas relações podem incluir componentes complexos, não

somente racionais, mas também da ordem das afetações mútuas, dos vínculos e das

percepções.

A complexidade da concepção de rede tendo os indivíduos como os nós e

focando as relações e o modo relacional. A percepção das organizações sociais

enquanto redes sociais - imbricação de redes e interconexões de naturezas diversas, e

não menos importantes, permitem ampliar o entendimento das mesmas.

A rede de indivíduos, os relacionamentos entre as pessoas, a rede social, é fonte

de pertença, de apoio, de segurança, informações, de novos relacionamentos e

afinidades e é considerada capital social – o modo de relacionar, a simetria ou a

assimetria das relações, os interesses e os processos de dominação – o poder e sua

topografia, situam-se na hierarquia que pode se estabelecer a partir das conexões

assimétricas, das ordenações e articulações entre as pessoas e grupos enquanto nós de

uma rede extensa de relações. Estas relações revelam-se sempre móveis e cambiantes

em suas interações, traçando entre os nós e ponto a ponto, cartogramas de

movimentação contínua e a partir destes pontos desde sempre interligados, combinações

diversas, conexões estáveis, contínuas, situações particulares, mobilidades físicas,

sociais e culturais.

Entende-se, portanto, que a rede é um dispositivo que pode privilegiar o poder e

a dominação, assim como formas de resistência como a singularização e o

empowerment (termo que se privilegia nesta pesquisa por ser considerado mais

abrangente, tal como ainda veremos).

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A resistência social aos processos de serialização, é tentativa de originalidade, de

viver o desejo, de afirmar a criação, de manter o sujeito em sua divisão. Em que

consiste a singularização?

A singularização conforme Guattari e Rolnik (2005) é um “devir diferencial que

recusa a subjetivação capitalística”(p. 56). Reflete-se no modo de existência, no amor,

nas relações e nos vínculos, na criatividade e pode advir de microprocessos, de relações

do indivíduo – para além do social – com a arte, trazendo sensibilidade e percepções

renovadas. É a resistência à instrumentalização do desejo a favor do consumo e da

produção num entendimento ético da nossa posição frente ao estranho, ao trágico, ao

disruptivo e ao inesperado da vida e de nós mesmos.

A singularidade é, portanto, um ponto de resistência à nivelação ou a subjunção

a identidades prontas e ela é possível onde se privilegie a ética do sujeito e o desejo que

o move. Entretanto, o mesmo ponto que singulariza, pode ser usado para estratificar,

com efeitos de anulação da singularidade ou pode tornar-se o ponto inicial de um

processo micropolítico. Evidencia-se assim a fragilidade do singular, do desejo, dos

processos fora da consciência, que se expõem a diversos vetores e correm sempre, de

acordo com Guattari e Rolnik (2005), o “risco de serem recuperados”(p.62) por uma

subjetividade capitalística - reterritorializados.

É nesta dimensão de recuperação que trabalha a cultura de massa, “muro de

linguagem” (GUATTARI, ROLNIK, 2005, p.68), que fornece modelos para

categorizar, diluir e reduzir as singularidades. Paradoxalmente, é preciso articular as

singularidades aos modos dominantes para atingir certo poder.

De modo furtivo, o que nos chega através de instituições como a família, as

organizações e da mídia, superam modelos ou padrões – são antes, sistemas para além

das representações, que conectam o controle social “às instâncias psíquicas” e “maneira

de perceber o mundo” (GUATTARI, ROLNIK,2005, p. 78).

Já a singularidade é um “conceito existencial” (GUATTARI, ROLNIK, 2005, p.

80) de um processo de criação, criação da vida, que ocorre no cruzamento único

(singular) que se faz entre as dimensões que pertencem a todos, tal como a língua, as

trocas econômicas e o que é serializado. É o mergulho no social e na cultura e a emersão

do que é ali subjetivado de forma única e singular.

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1.3 Subjetividade: Produção de subjetividade, processos de subjetivação e

empowerment

Não há subjetividade sem uma cartografia cultural que lhe sirva de guia

Suely Rolnik19

A subjetividade pode ser entendida como aquilo que constantemente se produz

em meio à cultura e às redes sociais. Uma figura diagramada a partir das relações de

forças e fluxos que permeiam a cultura em suas relações subordinadas às linhas de

tempo (portanto históricas) e guiadas por cartografias20, mapas e cartas. Estas

considerações sugerem que se faça tal como Rolnik (2007)21: uma fantástica geografia

da subjetividade em suas fronteiras com a ética e com a cultura. Como pensar a

subjetividade, senão como reflexo de cartografias culturais? Ponto a ponto a figura da

subjetividade é desenhada, orientada pela produção e pelos fluxos da cultura. Entretanto

essa figura, que se delineia, aparentemente de forma fixa, é tensionada por novos pontos

que se integram ao diagrama no jogo de forças atuantes.

A subjetividade, superfície configurada apresenta-se muitas vezes tal como um

origami22 - em torções que sugerem interiores e exteriores distintos. Entretanto, ao

desdobrar-se sobre si mesma, em suas sucessivas apresentações, percebe-se que essa

figura é mutável e tal como uma superfície na qual se realiza sucessivas dobras, simula

interiores. Surgem então figuras de identidade com interior e exterior indissociáveis,

torções da mesma superfície que se fixam temporária ou provisoriamente. A fixação em

identidades é temporária quando a permanente atuação das forças faz emergir nova 19 (Disponível em: http://caosmose.net/suelyrolnik/pdf.html Acessado em: 20 de abril de 2007.) 20 Falando de cartografias, Baremblit (2003, p 59) diz que “(...) estes mundos podem ser relatados por espécies de ‘diários de bordo’ teóricos, que não são exatamente ‘mapas’ melhor dito são ‘cartografias’. É sabido que uma carta de navegação é um ‘mapa relato’, não apenas um ‘objetivo’, mas também um ‘subjetivo’, ‘político’, etc, que só serve para uma viagem, que só expressa a singularidade irrepetível dessa viagem, o que não impede que outros viajantes dele se sirvam para construir sua própria trajetória, sempre experimental, sempre aventureira”. 21 (Disponível em: http://caosmose.net/suelyrolnik/pdf.html Acesso em: 20 de abril de 2007.) 22 A arte do origami é uma metáfora interessante para o entendimento do processo de subjetivação. De acordo com A’Court e Jackson (1996) para fazer um modelo em origami é necessário apenas um quadrado liso de papel. Em qualquer tempo ou espaço, através de sucessivas dobras, esta superfície poderá transformar-se em figuras tridimensionais numa magia inesperada. O origami foi transmitido culturalmente para diversas partes do mundo e tem sua origem no Japão onde foi criado com propostas simbólicas ou religiosas.

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figura, figura esta que sairá da superfície mesma num “sempre outro do dentro”

(ROLNIK, 2007), expressão do devir23.

Entretanto, algumas subjetividades deixam de ser processuais – o que é

respaldado pelo social. Esse afastamento do turbilhão dos fluxos e das forças sociais

permite que se mantenha a subjetividade cristalizada numa identificação, produto de

construções edípicas ou de referências culturais, o que Rolnik chama de identidades

prêt-à-porter, ou identidades prontas para usar.

Segundo Freud (1969), a identificação pode surgir da percepção de uma

qualidade comum entre uma pessoa e outra, pela qual se nutre um laço emocional. É em

relação ao que foi escolhido como modelo que o eu vai esforçar-se por moldar-se,

principalmente no aspecto que foi percebido como compartilhado. A identificação em

Freud, começa a ser teorizada em 1900, em A interpretação dos sonhos, como a

produção de uma figura composta de traços peculiares a uma ou outra pessoa em causa.

Trata-se de uma pessoa compósita, que como nos sonhos, ocorre quando uma pessoa

representa uma totalidade ou pluralidade de pessoas psíquicas.

A identificação pode surgir também a partir do complexo de Édipo24, quando o

desejo do menino de ser como o pai se torna ambivalente e hostil ao tornar-se desejo de

ocupar o lugar do pai – em relação à mãe. A identificação é por estes motivos,

considerada a mais arcaica expressão de um laço social e dessa forma, surge onde houve

antes uma escolha amorosa - como seu sucedâneo.

A identidade, de acordo com Roudinesco e Plon (1998), é transformação e

constituição do sujeito, dependendo do momento em que ocorre, através de assimilação

ou apropriação de aspectos ou traços dos seres humanos que o cercam. Ocorre em

momentos chave da evolução do sujeito, constituindo-o ou transformando-o. É

constitutiva, quando se baseia no modelo parental (pais ou substitutos), constituindo

23 De acordo com o Dicionário de Filosofia de Ferrater Mora, devir não tem um significado unívoco, mas “dentro desta multiplicidade de significados parece haver, contudo, um núcleo invariável do vocábulo devir: é o que destaca o processo de sê-lo, se quizer, o ser como processo” (MORA, 1982, p. 435). O devir é considerado como um dos pontos capitais da especulação filosófica: “o devir enquanto tal resultava inapreensível para a razão – porque ele requeria descobrir a existência do ser que devem” ( MORA, 1982,p.435). Tradução nossa. Lalande (1999) resume o termo em “a mudança considerada enquanto mudança, quer dizer, enquanto passagem de um estado a outro.” (p. 253). 24 Segundo Roudinesco e Plon (1998), no Dicionário de psicanálise, “o complexo de Édipo é a representação inconsciente pela qual se exprime o desejo sexual ou amoroso da criação pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade para com o genitor do mesmo sexo.” (ROUDINESCO, PLON, 1998, p.166).

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uma instância psíquica do sujeito – o supereu25. Transforma o sujeito, quando este

identifica-se com aspectos inconscientes de outra pessoa e assimila traços da mesma.

Ocorre também por idealização, quando se efetua na ausência de investimento amoroso

ou sexual, por vontade de colocar-se em situação idêntica à do outro, outros, grupo ou

coletividade, tendo o condutor ou líder do grupo, instalado num ideal do eu26.

A identidade, portanto, fala do que é fixo, cristalizado, e que pode ser

reconhecível. È uma figura avessa aos fluxos.

Quando a subjetividade depois de constituída, se transforma baseada numa

identificação, ela pode se fixar aí por algum tempo. Entretanto as forças e fluxos

culturais continuam atuando e marcando novos pontos no diagrama, até chegarmos à

fronteira, à margem, às bordas da subjetividade e na mobilização do desejo: as

cartografias se abrem em possibilidades. A subjetividade, se processual, extrapola em

novas configurações, na invenção da vida e entra no desestabilizante processo de

subjetivação, que dissolve uma figura e engendra outra a partir dela mesma. Caso se

imobilize e se torne fixa, acontece a cristalização na identificação, em algo

reconhecível, identificável, no território seguro do que é conhecido, posto que

delimitado. È no vazio de sentido, quando a figura se desestabiliza, que a subjetivação é

vivida como esvaziamento, e não como mobilização de desejo e extrapolação da

subjetividade. No limiar da clínica, a subjetividade pulverizada se dissolve e se

patologiza no niilismo, no vácuo, na dissolução. O esvaziamento de sentido que ocorre

ao sujeito coagido pela cultura de uma instituição totalitária, tal como a psiquiátrica, é

um exemplo de dissolução da subjetividade:

o complexo de ‘danos’ derivados de uma longa permanência coagida como aquela no hospital psiquiátrico, quando a instituição baseia-se em princípios de autoritarismo e coerção. Tais princípios, dos quais as regras que o doente deve submeter-se incondicionalmente são expressão, determinam nele uma progressiva perda de interesse que, através de um processo de regressão e de restrição do Eu, o induz a um vazio emocional (BASÁGLIA, 1981, p 259 apud NICÁCIO, 2003, p.108).

25 De acordo com Roudinesco e Plon (1998), o supereu é o conceito de uma das três instâncias psíquicas (supereu, eu e o isso) criadas por Freud para explicar o psiquismo. O supereu é herdeiro direto do complexo de Édipo, pois é a internalização das proibições externas (feitas pelos pais), substituindo-as por intermédio de uma identificação com a instância parental. Assim a transmissão dos valores se perpetua, pois o supereu é o portador do ideal do eu ao qual o eu se compara. 26 Segundo Roudinesco e Plon (1998), é o modelo de referência do eu, produto de identificação com as figuras parentais e seus substitutos sociais.

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Se a nova configuração subjetiva não é funcional, isto é, se não responde bem às

injunções da realidade, a subjetividade fragilizada, lança mão da medicalização,

drogadicção, ou de referências identitárias para se manter a mesma e não se haver com

as fronteiras e as bordas que promovem a dissolução de sua figura.

A subjetivação é, portanto, um processo que se produz quando uma figura de

subjetividade acrescida de novas pontuações da cultura, extrapola, desestabiliza um

perfil e se reconfigura em nova identidade, provisória e sucessivamente. A cultura como

espelho para modos de subjetivação.

Subjetividade e subjetivação: é no campo da ética que se estabelece uma relação

entre a finitude dos territórios e mundos das figuras de subjetividade em sua transitória

fixidez e o trágico da desestabilização e desterritorialização do engendramento de si, do

devir e do que advém do processo de subjetivação. A afetação pelo ambiente

sociocultural mobiliza desejos, dissolvendo as figuras, mundos e territórios ao mesmo

tempo que cria novos cenários e mundos finitos, novos territórios impermanentes para

as novas manifestações do desejo.

Portanto, a subjetividade, que a princípio sugere um perfil imutável, se dilui e

torna-se processo de subjetivação - enquanto outro que se esboça - sempre que o devir

surge a partir de um plano de forças ilimitado para se concretizar novamente em

territórios de existência. A disrupção, a desestabilização se materializa no corpo ou num

diagrama que é a obra ambientada em micro universos culturais e artísticos: são as

cartografias - que podem ser do campo da música, da arte, do cinema, da filosofia e

outros mais e ficam a disposição do coletivo afetado por estes fluxos, servindo de guias

para novos cenários. O processo de subjetivação em confluência com a cultura; as

territorializações correspondendo a criações de mundos, a partir de cartografias

sócioculturais que servem de guia para a subjetividade. Entende-se que

a complexidade e riqueza da ‘existência sofrimento’ abrem um novo campo de possibilidades e, ao mesmo tempo, de indagações e incertezas: o novo objeto, ‘não é mais um objeto em equilíbrio, mas está, por definição, em estado de não equilíbrio’ (ROTELLI, 1990ª, p.91). Essa profunda transformação significa que não se está mais diante de um problema dado, ao qual corresponde um percurso linear e uma solução ideal, isto é, requer a problematização e o redimensionamento das concepções do trabalho terapêutico e do próprio sentido de processo. (NICÁCIO, 2003, p. 95).

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Entretanto, a disrupção, é insuportável para muitos. O enquadramento em

categorias e identidades, como interrupção do processo de subjetivação, é a escolha na

maior parte das vezes.

A profusão cultural, a densidade dos fluxos e forças sociais afetam as

subjetividades rapidamente, tornando-as efêmeras, transitórias e fugazes; para além

disso: frágeis, precárias, no limiar da clínica. Ao mesmo tempo considera-se que manter

a miragem da identidade tem um preço, assim como o tem, o seu desmantelamento.

A identidade imutável, estanque ou estável tanto idealmente, quanto em suas

figuras, perde contemporaneamente a estabilidade. Não há uma idéia que identifique ou

que nos dê a idéia de nós mesmos. Esta pode ser uma desesperadora constatação,

mediante a insuportabilidade do imprevisto de ser outro – ou da convivência com o

trágico do movimento inquietante da vida que constrói e destrói mundos e territórios.

De acordo com Stuart Hall (1999), a crise de identidade na pós-modernidade, faz

parte de um processo amplo. Esse processo abrange desde mudanças no conceito de

identidade e aspectos da identidade que se ligam ao pertencimento a um grupo e ao

descentramento das identidades modernas. De acordo com Hall, é no século XX que as

identidades entram em colapso pela mudança das estruturas das sociedades modernas e

ocorre a perda da localização sólida, como indivíduos sociais. Ocorrem

concomitantemente, uma perda do sentido de si e um deslocamento. O descentramento

de algo que se considerava fixo e um pós essencialismo: o fim de uma essência que

fundamentava a existência.

Segundo Hall, esquematicamente, são três as concepções de identidade. Essas

concepções têm no sujeito do Iluminismo, o indivíduo totalmente unificado, racional,

consciente de suas ações e tendo no eu o centro da pessoa. Este conceito se relativiza

com a noção de sujeito sociológico. A idéia de sujeito sociológico fundamenta a

identidade formada na relação com as pessoas consideradas importantes, que medeiam

seus valores, sentidos e símbolos. Esta é uma concepção interativa entre o eu e a

sociedade, entre o eu e a cultura, que divide o espaço em pessoal e público, em interior e

exterior. É uma identidade que sutura o sujeito e a estrutura, e que é estável como a

cultura que habita, assim como é unificada e predizível em reciprocidade com a mesma.

Entretanto, as mudanças estruturais e institucionais levam ao colapso a

identidade estável e ocorrem mudanças no processo de identificação. Este se torna

provisório, variável e problemático de acordo com Hall (1999). São as mudanças da

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modernidade tardia, onde “tudo que é sólido se desmancha no ar...” (MARX e

ENGELS, 1973 apud HALL, 1999, p.14).

Nas sociedades modernas de mudança constante onde as práticas sociais são

constantemente revisadas e alteradas, a interconexão e globalização transformam

socialmente a terra. Transformam todo tipo de relações, sejam sociais, econômicas, de

espaço-tempo, deslocando contextos, rompendo continuidades. Estas sociedades

caracterizam-se pela pluralidade de centros de poder, deslocadas que estão por forças

externas e produzindo diferentes posições de sujeito, diferentes identidades, indivíduos

descentrados, identidades fragmentadas, mutantes, que se articulam apenas de forma

parcial.

À subjetividade, entretanto, é contemporaneamente atribuído um lugar central

pelas forças capitalísticas. Estas se dirigem a instrumentalização o desejo, operando

com as forças de criação no lugar da força mecânica do trabalho, modo contemporâneo

de exploração da mais-valia27, segundo Guattarri e Rolnik (2005). A possibilidade de

ações e articulações em diferentes níveis como o da micro e da macropolítica são

inerentes e indissociáveis a possibilidades de resistência, de criação e de construção de

novos entornos e recortes da realidade. Precisa-se para tanto, compreender as relações

entre o capitalismo, as políticas, micropolíticas, a industrialização e outros fatores que

constroem a subjetividade de um indivíduo despersonalizado, que só conta como força

de trabalho.

A tomada da subjetividade está na essência da sujeição ao modo de produção

capitalista e esta se dá fundamentalmente através da cultura, principalmente da cultura

de massa, que produz normalização e articulação entre sistemas hierárquicos e de

valores, submetendo de forma implícita e dissimulada. A cultura como modelização,

como instrumento de sujeição a um discurso prévio, mercado e dispositivo do poder.

O indivíduo dessa forma assujeitado vive uma subjetividade com perda de

potência crítica, ao mesmo tempo em que ocorrem a destruição, desvalorização e

depreciação de modos de existência que não sejam reflexos da cultura hegemônica.

Precisa-se desta potência crítica para que se perceba as articulações entre

subjetividade, políticas e micropolíticas, para que ocorra a resistência à

instrumentalização do desejo e da subjetividade, sem, entretanto, isolar-se em

27 De acordo com Ferreira (2004), a mais-valia é o valor que o trabalhador produz menos o valor de seu próprio trabalho, medindo a exploração dos assalariados pelos capitalistas e sendo a fonte de lucro dos mesmos.

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territórios que apesar de singulares percam a potência ao se situarem fora da teia de

relações, de forma marginal e segregada. Para exercer a resistência, há que ser numa

relação de forças, dentro da teia das mesmas relações, de forma estratégica, através da

potência crítica e não no isolamento ou controlados por uma subjetividade colonizada,

modelizada . A revisão da idéia de uma identidade destacada do coletivo, como essência

individual originada na tradição filosófica ocidental, pode permitir a volta de uma

potência crítica.

Como promover a singularização, o processual, a produção do novo, suportando a

diferença e as resistências aos dispositivos de poder, sem submetê-la a categorias

marginais e segregadas?

A práxis de produção de subjetidades articuláveis entre si e entre diversos

campos, principalmente os artísticos, que promovam a criação em dimensões diversas

de macro e micropolíticas é o que sugerem Guattari e Rolnik (2005). Essa produção em

transversalidade possibilitaria não confinar as criações em categorias e minorias

esquadrinháveis e segregáveis pelo poder, além de oprimidas em uma esfera semiótica

única. Articular as especialidades, gerando transversalidade e diferentes composições,

fora da fixidez em territórios cada vez mais caducos, talvez seja a solução.

As forças capitalísticas, apropriam-se das produções culturais e sociais, pois já

perceberam que produção de subjetividade engendra modos de percepção que se

adequam aos modos de produção e consumo, tornando-se perspectiva importante dos

esquemas dominantes. Trabalha-se, portanto, com processos de subjetivação. Tanto as

elites quanto os Estados dominantes. A produção de subjetividade como instrumento do

capital é percebida principalmente pelas elites:

(...) as forças sociais que administram o capitalismo hoje. Elas entenderam que a produção de subjetividade talvez seja mais importante do que qualquer outro tipo de produção, mais essencial até do que o petróleo e as energias. (GUATTARI, ROLNIK, 2005. p. 35).

A dissimulação do processo é tal que foge ao nível da representação, passando

não somente pelos discurso mas principalmente por níveis semióticos heterogêneos28.

28 De acordo com Peirce (2000), a semiótica enquanto teoria geral dos signos, define signo, de forma específica, como um processo que relaciona um primeiro, um segundo e um terceiro. Define assim, diferentes níveis semióticos, sempre em relação (uns aos outros). No primeiro nível ou primeiridade, atua o signo, lembrando que signo é o que substitui o objeto. No segundo nível ou segundidade, está o objeto

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Isto quer dizer, que trabalha-se em níveis que muitas vezes não atingem a cognição, a

razão ou uma interpretação. É a criação de relações entre signo e objeto, numa relação

que não chega a ser interpretada. O que dito de outra forma e por uma perspectiva

psicanalítica pode ser entendido como um trabalho dirigido ao inconsciente, através de

um discurso lacunar.

A subversão da subjetividade, a elucidação da mesma e os novos agenciamentos

devem ser investidos no cerne da subjetividade dominante, isto é, na relação de forças

dentro da teia, da rede mesma: revelando antes que denunciando no espaço teatral da

vida como arte. Isto porque a denúncia ou enunciado não agencia subjetivação, mas é a

enunciação, o jogo de forças disruptivo que desdobra a figura de si mesma e a faz outra

de si – a partir dela mesma.

A micropolítica pode construir singularidades e se encontra na práxis

construindo novos modos de subjetivação que segundo Guattari e Rolnik (2005),

elucidam o campo de subjetivação e intervêm em suas relações internas e externas.

O agenciamento de uma nova configuração ocorre, portanto a partir de novos

pontos no diagrama da cultura: arte, a poesia, o jogo da cultura em suas relações de

força, a política, as micropolíticas. É preciso estar no jogo, articulado a ele, conectado,

fazer parte da rede, tecer a teia, para que através das vias de passagem, através de

simples pontos, estrategicamente colocados: a figura de subjetividade se desestabilize.

O engendramento subjetivo é agenciado a partir do que Guattari e Rolnik (2005)

chamam de níveis semióticos heterogêneos. As mudanças históricas, a ascensão do

capitalismo, varreram modos de subjetivação e submeteram modos de vida às leis

capitalísticas. Entretanto, a criação seja artística ou científica não se submetem

totalmente a esse controle, já que a singularizarão associa em si dimensões diferentes e

toda criação traz em si a subversão de configurações estáveis.

Entretanto, as forças capitalísticas tendem a unificar tudo em grandes categorias

que reduzem e recuperam (reterritorializam) todo processo criativo. A busca de um

enquadramento em uma categoria ou etiqueta torna consistentes as elites dominantes,

assim como reduz posições criativas alcançadas pelo coletivo. Dessa forma

o modo pelo qual os indivíduos vivem essa subjetividade oscila entre dois extremos: uma relação de alienação e opressão, na qual o indivíduo se submete à subjetividade tal como a recebe, ou uma relação de expressão e criação, na

que é representado pelo signo ou substituído por ele, é a experiência direta no mundo real. Na terceiridade tem-se o nível da razão, da representação, da interpretação.

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qual o indivíduo se reapropria dos componentes da subjetividade, produzindo um processo que eu chamaria de singularização. (GUATTARI, ROLNIK, 2005, p. 42).

A vida assim reduzida à alienação, é desconhecida em sua essência trágica e em

suas afetações – a morte, o tempo, a dor, a raiva, tudo que sai de uma generalização, de

um enquadramento ou modelo, escandaliza. Todo devir, inesperado ou não, tal como a

doença, a velhice ou a morte, causam perplexidade e necessidade de negação. Dessa

forma todos os afetos e toda disrupção, devem encaixar-se em referências dominantes,

sejam da ordem da angústia, da dor, do amor, da tristeza ou do medo. Devem

conformar-se aos limites de uma categoria para não ficar às margens. Também o tempo

é enquadrado, rebatendo todos os ritmos, sejam eles, de dança, de sonho, de melancolia

ou mania.

Subjetividade e indivíduo são conceitos que devem ser dissociados de acordo

com Guattari e Rolnik (2005), entendendo que o indivíduo é produzido em série, em

massa. A subjetividade não é toda no indivíduo, individual, é fabricada no registro

social e está em “todos os campos da produção social e material” (p. 41), circulando em

conjuntos sociais e “assumidos e vividos pelos indivíduos em sua existência particular”

(p. 42).

A subjetividade cartografada pelos fluxos da cultura fala de uma topografia29

que vai além de territórios delimitados fisicamente, pelos mapas que fragmentam o

espaço geográfico – é a topografia do poder a que se refere Gupta e Ferguson (2000),

topografia esta cambiante, nômade, viajante, traçada por linhas de forças e de tempo que

não se limitam por acidentes geográficos, ou pelo colorido dos mapas em sua suposta

divisão política. A topografia do poder se constitui por cartogramas provisórios, de

figuras efêmeras que se consubstanciam e se desfazem muitas vezes, sem nomeação,

mas com efeitos que transbordam nos modos de vida e nas subjetividades. Esta

topografia guarda coordenadas inesperadas, fruto das interações e conexões entre os

interesses dominantes, forjando alinhamentos inesperados, distanciamentos

aparentemente gratuitos e causam inúmeros efeitos nas relações. Qual o poder da

topografia? Alijar-nos da cambiante paisagem do poder em suas mudanças; apresentar-

se com a ilusória premissa da descontinuidade natural e não problemática dos espaços;

forjar mapas cheios de fronteiras francamente demarcadas; fazer crer que as culturas

29 De acordo com Ferreira (2004) topografia é a arte de representar no papel a configuração de um terreno com todos seus acidentes naturais.

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estão inscritas, enraizadas e identificadas aos territórios delimitados por uma linha feita

no papel; eliminar o espaço problemático da fronteira enquanto transição. Um efeito

cosmético30.

Entretanto na fronteira, transita o devir, o utópico, o lugar da cultura se

desenhando como nenhures31, os modos de vida, as culturas se desligando dos espaços e

os lugares deixando de ser um espaço concreto com significado para ser um lugar

imaginado, unicamente simbólico.

A superação da idéia de cultura enquanto relação com a natureza32 – agricultura

- revela que os espaços são neutros e que a cultura, desprendida da terra, viaja

articulando-se e conectando-se, sem se fixar em uma nostalgia do que Gupta e Ferguson

(2000) chamam de uma “autonomia da comunidade primeva” (p.34 ). Entende-se que o

desligamento do espaço simbólico chamado lugar, autonomizou a cultura para

interfaces mais fluidas e enfatizou os deslocamentos que distinguiram os conceitos de

espaço e lugar.

A dinâmica e a rapidez com que a cultura se desloca no tempo e no espaço, tem

mudado e retirado do lugar sua identidade e hierarquia em relação a outros espaços. A

desrealização do lugar desafia a pertença e as comunidades ao tornar obsoleta a idéia de

“comunidade localizada e estrita” ( GUPTA e FERGUSON, 2000, p. 34). Entretanto a

de idéia de lugar não se tornou irrelevante, foi segundo Gupta e Ferguson (2000)

reterritorializada, não se conformando mais a experiência de espaço enquanto lugar – o

lugar é muito mais “uma âncora simbólica de gente dispersa” (p.36), e a identidade das

sociedades também está questionada. Entende-se, portanto, que a diferença cultural

ligada a espaço é produzida e mantida num campo de relações de poder sociopolítico

onde diferenças são impostas para efeito de dominação.

A identidade é definida como referência, padrão, “a identidade é aquilo que faz

passar a singularidade de diferentes maneiras de existir por um só e mesmo quadro de

referência identificável” (GUATTARI, ROLNIK,2005, p.80). O entrelaçamento entre o

político e o inconsciente, escapa à identidade, podendo ser de diversas ordens:

semióticas, sintomáticas ou sociais.

30 Um efeito de maquiagem, de máscara ou disfarce. 31 Em nenhuma parte, palavra formada, de acordo com Ferreira (2004), à semelhança com algures e alhures. 32 De acordo com Chauí (1997) o verbo latino colere que tem o sentido de cultivar, originou o significado de cultura, na “Antiguidade romana, como o cuidado do homem com a natureza – donde agricultura” (CHAUÍ, 1997, p. 245).

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A cultura produz subjetividade, portanto, a partir de diversas vias, o poder da

topografia em sua visibilidade, impede a percepção da topografia do poder, através de

vias que atingem a consciência, mas também de vias que delineiam o sujeito:

A partir do caminho empreendido por Freud, a subjetividade deixa de ser entendida como um todo unitário, identificado com a consciência e sob o domínio da razão, pois a produção do conceito de inconsciente resultará numa clivagem da subjetividade: realidade dividida em dois grandes sistemas – o inconsciente e o consciente – dominada por uma luta interna, sem tréguas. Fazendo nossa a afirmativa de Lacan, segundo o qual o pilar de toda a psicologia é a unidade do sujeito, diremos com ele que a revolução freudiana consiste precisamente na demonstração árdua e difícil do caráter imaginário desta unidade. Assim como estabelece a clivagem da subjetividade em consciente e inconsciente, Freud vai operar o descentramento do sujeito, desqualificando-o como a referência privilegiada a partir da qual a verdade aparece, produzindo uma ruptura entre o enunciado e a enunciação, entre o dizer e o ser, o que implica admitir-se uma duplicidade de sujeitos na mesma pessoa. (TUNDIS e COSTA, 2001, p.209).

Para Guattari existe nas sociedades capitalistas um axioma de segregação

subjetiva, segregação que se manifesta no paradoxo entre as declarações, as tomadas de

posição conscientes e a economia inconsciente em relação às minorias. Vai mais além

ao afirmar, que para além de uma característica cultural e local, as segregações,

enquanto axioma subjetivo, articulam-se por vias de passagem inconscientes e

promovem a construção, a produção de subjetividades. Esta produção oscila entre

dicotomias, relações de semiótica, fantasmas coletivos, enfim, enquadramentos da

alteridade em referências segregadoras. Esse

é o nível da projeção de todos esses fantasmas coletivos da periculosidade dos chamados marginais ( “os loucos são pessoas perigosas”, “os negros têm uma sexualidade extraordinária”, os “homossexuais são perversos polimorfos”, e assim por diante). É essa maneira de captar os processos de singularização e enquadra-los imediatamente em referências - referências afetivas, referências teóricas por parte dos especialistas, referências de equipamentos coletivos e segregadores. É nesses devires que se dá a articulação entre o nível molecular da integração subjetiva e todos os problemas políticos e sociais que hoje perpassam pelo planeta. (GUATTARI, ROLNIK, 2005, p. 91).

Existem, entretanto, passagens que atravessam diferentes campos e configuram

um certo tipo de universo que afeta todos os sistemas de alteridade. Tais passagens,

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como um roteiro, modulam cartografias, não de singularidades, mas de processos de

singularização que se articulam a outros processos de singularização, apoiando-se e

intensificando-se mutuamente.

Ocorre, porém, a possibilidade do processo de singularização ser capturado por

referências a identidades e assim ser devastado em seu aspecto criativo. O devir pode se

ligar a possibilidades de abrir-se em processo de singularização ou não. Depende da

relação que estabelece: ocorre a singularização se o devir articula-se ao processo criador

entrando através das “vias de passagem”(GUATTARI, ROLNIK, 2005, p.87) em

comunicação inconsciente entre devires diversos. Ocorre a identificação se o devir

articula-se a quadros de referências, que levem a reterritorializações.

Como não se deixar capturar e qualificar em estruturas que bloqueiam esses

processos? Como criar formas de existência a partir da configuração das experiências?

“Joguemos tudo isso fora e consideremos que não há corpo, não há identidade, pois

tudo isto está categorizado num determinado modo de representação.” (GUATTARI,

ROLNIK, 2005, p. 96) No entanto, “há objetos singulares, envolvidos num processo

geral de desterritorialização, objetos poéticos enquanto rupturas de percepção”(p.96).

Isso não quer dizer que se deva assumir um papel defensivo quanto ao instituído

(segregar-se em território clandestino) e sim que abrir-se ao instituinte e criar linhas de

resistência.

Entende-se que na medida em que ocorre a identificação e consequente

categorização, vemos reificar o homem, enquanto um padrão, forma, modelo, uma

subjetividade dada a priori. Essas são as identidades prêt-à-porter a que se refere

Rolnik ( 2007), que tal como drogas são oferecidas pela mídia na forma de figuras

glamourizadas e imunes a abalos, efeitos de imagem, consumidos e mistificados na

esperança vã de se manterem no mercado.

A abertura para o novo requer flexibilidade, mas isto não inclui abrir-se ao

estranho, ao singular, cartografado pelos ventos repletos de desassossego. O vazio de

sentido insuportável é resultado da desestabilização e assim é vivido como o terror, o

enlouquecimento, em contraponto com a segurança da referência a identidades já dadas.

È bem vinda qualquer coisa que impeça a desestabilização, que anestesie: droga ilícita

ou farmacêutica, qualquer anestesia para a finitude e a contínua sustentação da

identidade. Pode ser a identidade pronta para uso, largamente oferecidas pela cultura de

massa, que funcione como prótese glamourosa, mas que torna os indivíduos clones.

Lança-se mão de recursos da auto-ajuda, esotéricos, dietas que mantenham o corpo

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padrão, o corpo-top-módel33, corpo modelo, suporte ideal para as identidades prontas

para usar.

O paradoxo se instala, no meio do caos, a rigidez identitária ou a pulverização

no insuportável das dissoluções subjetivas. Como se não fosse possível viver processos

singulares de subjetivação e de invenção da vida. O pânico descrito como síndrome, é a

desestabilização para além do sustentável pelo corpo, quando surge a taquicardia, a

hiperventilação. Neste momento lança-se então o recurso à simbiose: o corpo do outro

como prótese, continente da desestabilização, com o objetivo de domesticar as forças,

parar os processos, resistir ao contemporâneo, deixar o impensável, e os possíveis para a

vida. Não ter que se haver com os vazios das dissoluções subjetivas.

Como se posicionar diante do caos e das mutações contemporâneas da

subjetividade? O ambiente sócio-cultural composto de um conjunto diverso de

universos que afetam as subjetividades, as afetações que se traduzem como sensações

que mobilizam o desejo em intensidades cambiantes, a figura da subjetividade

delineando os mapas de sensações correspondentes e o acúmulo de mudanças

desestabilizando o perfil da figura e esta, diluindo-se e tornando-se outra existência.

Vive-se o tempo da desestabilização, da diversidade, da densificação das

sensações e o caos convoca à reconfiguração constante, precarizando a subjetividade e

trazendo pavor a esta experiência. Se, não configurar-se segundo o mapa da

normalidade foi associado à doença mental na modernidade, a loucura como

subjetividade fora de cartografia cultural; contemporaneamente a intensificação e

freqüências dos processos situa-se no âmbito da normalidade e há também uma

multiplicidade de cartas e mapas. O perigo agora é não se reconfigurar de forma eficaz,

principalmente em relação a uma adaptação ao trabalho.

Na desestabilização constante da contemporaneidade, a concepção de ordem

tende a se transformar, desassociando-se de equilíbrio. A subjetividade se complexifica

e sai das dicotomias; equilíbrio/desequilíbrio, caos/ ordem e caos passa a ser entendido

positivamente como a ambiência para a formação de novas figuras de subjetividade.

Estas novas figuras passam a ser considerada em seus limiares caóticos e a se

produzirem sucessivamente, processualmente: em devir, potência de mudança e

transfiguração no outro de si, no seu estranho, em outras linguagens, estruturas e

territórios.

33 LINS, 1997, p. 21

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Entretanto ocorre contra esta complexificação, o combate ao que Rolnik (2007)

chama de identidades globalizadas e flexíveis. Ora este combate se manifesta como

apego a identidades locais e fixas, ora o combate do que é local e fixo em benefício de

identidades ideais, assim como a pulverização da identidade é a bandeira niilista

daquele que se coloca ao lado do que entende como negativo no caos. Variações de

posicionamento entre o caos e a ordem onde se esquece que a revisão das polaridades

modernas é possibilidade de singularidade. Resistências à singularização, dificuldades

de resgate de um corpo que responda ao subjetivo, que escute o caótico, que conte com

o imprevisível, com virtualidades. A difícil escolha ética de viver a vida como arte,

como criação de formas de existência.

A possibilidade de ações e articulações em diferentes níveis como o da micro e

da macropolítica de acordo com Guattari e Rolnik (2005) são inerentes e indissociáveis

a possibilidades de resistência, de criação e de construção de novos entornos e recortes

da realidade.

Entende-se que na medida em que ocorre a identificação e consequente

categorização, vemos reificar o homem, enquanto um padrão, forma, modelo e sua

reterritorialização, sua volta ao território, ao estritamente delimitado, onde as

representações comuns e as identidades fixas paralizam os processo de criação de

modos de existência.

As possibilidades criativas da vida passam por deixar germinar o desconhecido e

suportar o desassossego advindo, permitindo outro começo. As figuras de subjetividade

que surgirão deste processo trazem em si a morte e vida entrelaçados, na vivência do

trágico, na tensão do novo, na surpresa do estranho, da diferença, das novas formas de

existência. A vida e a morte – íntimos no modo artista de subjetivação (ROLNIK,

2007)34.

Entretanto na contemporaneidade o mercado surge como o principal dispositivo

de reconhecimento social, submetendo inclusive a arte a um território delimitado.

Atravessados por intensidade intermitente de fluxos, no entanto não há escuta para os

processos. A potência de experimentação é percebida como aniquilamento com a

consequente esterilização de novas possibilidades de existência.

Neste contexto a arte como possibilidade de experimentação pode ser a aposta

para o desconfinamento, para a saída de identidades sufocantes. A arte como dispositivo

34 (Disponível em: http://caosmose.net/suelyrolnik/pdf.html Acesso em: 20 de abril de 2007.)

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de transmutação da subjetividade, de desmantelamento de um contorno, como processo

de diferenciação de nós mesmos. O artista convida a conviver com a posição fronteiriça,

o objeto, a obra, como condição de meio de disrupção, a obra saindo da condição de fim

para a condição de meio. Meio também de escuta, daquilo que para além do visível e do

representável, revolve, desassossega, inquieta, superando estados que poderiam se

tornar clínicos, mas que rompendo com a resistência à ruptura e se abrindo para o que

Rolnik (2007) chama de “dimensão experimental da vida”35, se reconfigura em criação

da vida e de novos territórios. Esta dimensão que faz da vida uma arte, e que consiste

em se manter nas bordas, equilibrista - entre a adicção a estratégias de anestesia, a

identificação cristalizada, a permanente disruptura, ou a fuga de qualquer

desestabilização e mudança – equilibrista, na dimensão fluida que não se realiza sem

riscos, ao expor-se às forças que favorecem aos desmanchamento das figuras de

subjetividade.

A invenção da vida enquanto arte pode ser também uma atitude ética.

Possibilitar, através de micropolíticas, o surgimento de uma cidadania inventada, uma

cidadania construída a partir do empowerment de grupos tradicionalmente

discriminados, é uma postura ética.

De acordo com Eduardo Mourão Vasconcelos (2003) o termo empowerment é de

tradução insatisfatória para a língua portuguesa. Optamos por manter, portanto, o termo

empowerment, e entendê-lo como “a perspectiva de fortalecimento do poder coletivo de

pessoas e grupos submetidos a longo processo de dor, opressão e/ou discriminação.”

(VASCONCELOS, 2003, p. 11). Ou, de forma mais ampla, o

aumento do poder e autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de opressão, dominação e discriminação social.” (VASCONCELOS, 2003, p.20)

Ao falar sobre empowerment, Vasconcelos (2003) compara a realidade latino-

americana e brasileira de uma subjetividade marcada pela hierarquia e pela submissão, à

subjetividade fortemente individualizada e autônoma presente nos cidadãos de países

europeus. Essa autonomia característica da subjetividade européia foi fortalecida pelo 35 (Disponível em: http://caosmose.net/suelyrolnik/pdf.html Acesso em: 20 de abril de 2007.)

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estado de bem-estar, o welfare. Este estado de bem-estar permitiu trocar a dependência

e a submissão, pela provisão de cuidado social promovida pelo Estado.

Vasconcelos (2003) fala do sofrimento psíquico e das perguntas que levantam

em seu enfrentamento cotidiano, nas estratégias necessárias para seu enfrentamento.

Além da surpresa do imprevisto que faz perguntar, por quê? O que se pode fazer? Frisa

Vasconcelos que se deve perguntar pelo sentido/significado pessoal que possa surgir do

sofrimento pessoal, assim como o valor desses desafios e vivências para outros que

também passam por eles. Como acrescentar mais dificuldades a um contexto que já

apresenta pressões o bastante como o da contemporaneidade?

Como estas questões são resolvidas, entende Vasconcelos, que muito mais

através de sistemas particulares de crenças culturais, que de filosofias, métodos e

psicoterapias. É exigido um acúmulo de experiências, aprendizagem, de dicas informais

e principalmente da “rede de apoio, suporte e solidariedade disponível para cada pessoa

ou grupo de pessoas” (2003. p. 25).

As estratégias e práticas de empowerment sejam individuais ou coletivas são

entendidas através de conceitos como recovery36, cuidado de si37, ajuda mútua38, suporte

mútuo39, advocacy40, transformação do estigma41, participação do sistema de saúde42e

narrativas pessoais de pessoas com transtornos43.

O empowerment tem suas formulações teóricas inicialmente feitas no campo da

deficiência mental, na década de 50, nos países escandinavos e ingleses, tendo suas

perspectivas ampliadas histórico e teoricamente em diversas áreas. 36 O conceito de recuperação ou recovery não quer dizer, segundo Vasconcelos ( 2003) que a doença ou deficiência física desapareceram e sim que apesar das limitações e dependendo do suporte material, social, cultural e ambiental, a pessoa possa retormar uma vida relativamente ativa. 37 Dispositivos e abordagens que incentivem a vontade individual da pessoa em seu processo de recuperação , o que de acordo com Vasconcelos (2003), chama-se de cuidado de si. Este cuidado aumenta o poder de contratualidade social. 38 É, de acordo com Vasconcelos (2003), a reunião de grupos para troca de vivências, ajuda emocional e criação de estratégias para lidar com problemas comuns. 39 Trata-se de atividade concretas de iniciativas de cuidados, que vão desde passeios, lazer e cultura, ao cuidado informal daquele que se encontra em dificuldades, conforme Vasconcelos (2003). 40 Capacita-se o indivíduo para defender-se por si próprio ou com ajuda de companheiros em situações concretas, de defesa de direitos, de recebimento de benefícios ou de resolução de problemas. Constitui o que Vasconcelos (2003), chama de advocacy. 41 Estratégias e iniciativas com o objetivo de mudar atitudes discriminatórias com relação ao louco em suas relações cotidianas e sociais, na mídia e na sociedade, conforme Vasconcelos (2003). 42 Participação dos conselhos de saúde, saúde mental e de políticas sociais pelos usuários e familiares, desenvolvendo projetos de pesquisa, planejamento, avaliação dos serviços e capacitação dos profissionais de acordo com Vasconcelos (2003). 43 Incentivo aos usuários dos serviços e seus familiares através de narrativas pessoais de pessoas com transtornos que se encontram de acordo com Vasconcelos (2003) em estágio mais avançado de recuperação. Essas narrativas devem contar na primeira pessoa as dificuldades durante a crise e tratamento, assim como as estratégias de recuperação.

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O empowerment, portanto, enfrenta desafios político-ideológicos. No Brasil, os

primeiros grupos foram ligados ao AA44 e somente nos anos 70, 80 e 90 se ampliam

para o campo da Saúde Mental.

A partir dos anos 80, assistimos ao início de uma reestruturação dos movimentos

sociais que se formaliza no campo da saúde mental, com o surgimento de associações

em defesa dos direitos dos portadores de sofrimento mental.

De acordo com Marta Elizabeth (2002), foi no I Encontro Nacional da Luta

Antimanicomial, realizado em Salvador (BA), que a reunião nacional de usuários e

familiares se consolidaram como movimento. Esta consolidação teve como efeito a

criação de núcleos e associações por todo Brasil. No III Encontro Nacional de Usuários

e Familiares, elaborou-se a Carta de Direitos dos Usuários e Familiares dos Serviços de

Saúde Mental, “que significou um ato político na busca de cidadania” (SOUZA, 2002.

p. 52).

Segundo Vasconcelos (2003), as associações familiares são as que mostram-se

mais vulneráveis à ideologias médicas e psiquiátricas com sua estratégia de

desculpabilização da família e repasse integral da responsabilidade para a psiquiatria. O

financiamento destas instituições por hospitais psiquiátricos ajuda a manter o paradigma

médico-psiquiátrico.

A maioria das associações é composta também por trabalhadores em Saúde

Mental, o que tende a manter um posicionamento de apoio aos princípios da reforma

psiquiátrica.

Existem também, organizações que se definem a partir de diagnósticos

psiquiátricos o que as torna excludentes e simbolicamente dominadas por um discurso.

Ocorre assim a dominação pelos interesses corporativos de forma à-crítica e com grupos

rotulados em detrimento do caráter psicossocial do sofrimento mental. Compromete-se

assim, o cuidado de si, como processo criativo, de ajuda, suporte e desafio para além do

saber médico. Estas são considerações sobre hegemonia do saber médico, sem

entretanto, negar sua contribuição.

As associações que não fazem referência a um diagnóstico têm caráter inclusivo

e podem optar por rejeitar as abordagens terapêuticas tradicionais. Essas associações

evitam dessa forma o que Vasconcelos (2003) chama de autodefinição em termos

médicos. A independência de referências a diagnósticos médicos, favorece a uma crítica

44 Alcoólicos Anônimos.

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e alternativa a modelos hegemônicos, tratando os associados num paradigma mais

amplo como o psicossocial. O paradigma psicossocial lida com pessoas e suas

necessidades reais de insersão, renda, moradia e respeito. Evita assim catalogar as

pessoas em categorias nosológicas e a aplicação de noções clínicas pré-concebidas, em

favor de formas terapêuticas mais criativas e experienciais.

As associações que optam por uma autodefinição médica, fortalecem o saber

psiquiátrico convencional, e acabam dominadas pelos interesses concretos da

corporação médica, fixando limites demarcados pela psiquiatria e pelo estigma

associado à doença mental.

Vasconcelos (2003) entende que a nossa sociedade, marcada pela hierarquia com

forte desigualdade social, faz com que os segmentos subalternizados invistam em

estratégias assentadas em redes pessoais e de suporte pessoal mútuo o que reforça as

estruturas hierárquicas da sociedade. Dessa forma incentivam-se comportamentos

elitistas e segregadores da loucura, aumentando a dificuldade em assumir a identidade

de usuário de serviços de saúde mental, relegando às camadas menos favorecidas e

menos informadas da população o papel de representantes dessas associações.

As políticas sociais do país são predominantemente estatais, com recente

participação do terceiro setor. Isto faz com que os profissionais de saúde, tendam a uma

cultura terapêutica que enfatiza o papel do profissional no processo de cura e não

centrados no empowerment, na auto-gestão.

Os serviços de atenção psicossocial são o contexto onde tende a emergir

lideranças mais ativas de usuários, pela apropriação e difusão do empowerment entre os

profissionais de saúde.

Esta possibilidade se abre pelas práticas do modo psicossocial, como preconiza o

relacionamento entre os técnicos e entre estes e os usuários. Estes relacionamentos

ocorrem fundamentalmente de modo horizontal. Este modo relacional permite o que

Costa-Rosa (AMARANTE, 2003) chama de possibilidades de recriar as formas das

relações sociais e subjetivas. Afirma Costa-Rosa:

Um excedente que tema que ser designado como subjetividade singularizada que é, no ato mesmo de sua produção, apropriado pelos usuários e demais beneficiários dos interesses subordinados na instituição. (AMARANTE, 2003, p. 147).

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Ao considerar os fatores biopsicossocioculturais como determinantes caso a caso

do sofrimento psíquico, o modo psicossocial, abre para o sujeito, o gerenciamento de si

mesmo. A implicação subjetiva, produzindo um reposicionamento do sujeito perante

seus conflitos e contradições e o reconhecimento de si próprio como agente de

mudanças, favorecem ao empowerment, e ao “exercício estético de experimentação de

novas possibilidades de ser” (AMARANTE, 2003, p.156). O empowerment vai ao

encontro da cena principal do modo psicossocial, que enfoca o simbólico, o psíquico e o

sociocultural. Concorda-se, portanto, com Costa-Rosa: “O ambiente sociocultural é

considerado determinante. Aqui a palavra e a ação do homem procuram ganhar a cena:

o que se visa é que ele se administre.” (AMARANTE, 2003, p.155).

Uma questão polêmica surge contemporaneamente, acerca da participação do

Terceiro Setor. A questão refere-se à crescente desresponsabilização do Estado em

relação às políticas públicas, onde o Terceiro Setor é chamado a suprir e prover o

recurso que o Estado omite com as políticas neoliberais. Estas políticas superestimam o

potencial dos dispositivos e das alternativas individuais, desestimulando as políticas de

bem estar social.

Entende-se que o dispositivo de empowerment deve estabelecer uma relação

complexa com a rede pública e estatal que deve prover estímulos e oferecer infra-

estrutura assim como recursos materiais para apoiar os grupos. Esta relação supõe a

saída do imaginário proposto pelas sociedades neoliberais, de ideologias

individualizantes e de mobilidade, mas que funcionam sobre um real de imobilidade,

que de acordo com Costa-Rosa (AMARANTE, 2003) obstaculiza as relações

intersubjetivas horizontais.

Entende-se, entretanto, que as linhas, entre a oferta de incentivos e apoio e a

cooptação política dos movimentos sociais, são tênues:

O importante, em minha opinião é que essas formas de apoio e suporte não interfiram naquelas atividades mais autônomas dos movimentos dos usuários e familiares, nem que os serviços busquem cooptar esse novo tipo de trabalhadores para gerar interferência política nos movimentos sociais. (VASCONCELOS, 2003, p.51).

O empowerment, não pode ser entendido, portanto, como uma visão ingênua que

promova a desresponsabilização do Estado em relação ás políticas públicas. O

empowerment insere-se nas relações de poder com micropolíticas subjetivas e também

macropolíticas, enfrentando os desafios colocados pelas relações de poder, em sua

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complexidade, assegurando o direito á diferença a despeito de condições físicas,

existenciais ou subjetivas quaisquer.

Entende-se que o conceito de empowerment tem sido usado em perspectivas as

mais diversas na área de política social e bem-estar. De forma ideológica e com

interesses diversos, ocorre uma tentativa de reterritorialização do conceito dentro de

uma política neoliberal, que se apropria de uma parte do mesmo, para tornar factível a

menor participação do estado nas políticas sociais. Isto ocorre de forma aparentemente

justificada por uma espécie de deslocamento:

Dessa forma, a luta ideológica constitui uma tentativa permanente de absorver experiências existenciais e simbólicas relevantes para um estrato social específico, por meio da incorporação no discurso político e na prática social, de suas interpelações mais significativas – ou, em outras palavras, daqueles elementos capazes de chamar a atenção e condensar os seus principais valores e práticas culturais, políticas, religiosas e familiares. (...) o objetivo é afirmar que as experiências históricas de empowerment constituem importantes interpelações que têm sido apropriadas por atores sociais contemporâneos para a construção de diferentes projetos políticos econômicos e ideológicos. (VASCONCELOS, 2003, p.58).

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CAPÍTULO II

CARTOGRAFIAS DA SAÚDE EM

SANTO ANTÔNIO DO MONTE

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2.1 Santo Antônio do Monte, “Doces namoradas, Políticos famosos”1

Uma namorada em cada município,

os municípios mineiros são duzentos e quinze,

mas o verdadeiro amor onde se esconderá:

em Varginha, Espinosa ou Caratinga?

Estradas de ferro distribuem a correspondência,

a esperança é verde como os telegramas,

uma carta para cada uma das namoradas

e o amor vence a divisão administrativa.

Para Teófilo Otoni o beijo vai por via aérea,

os carinhos do sul pulam sobre a Mantiqueira,

mas as melhores, mais doces namoradas

são as de Santo Antônio do Monte e Santa Rita.

Enquanto na Capital um homem indiferente,

frio, desdobrando mapas sobre a mesa,

põe o amor escrevendo no mimeógrafo

a mesma carta para todas as namoradas.

Carlos Drummond de Andrade2

1 Com o mesmo título desta parte, Santo Antônio do Monte: doces namoradas políticos famosos foi escrito em 1983, por Dilma Morais, o primeiro livro sobre a memória histórica da cidade de Santo Antônio do Monte, a história das famílias e, consequentemente, sobre as questões pertinentes a este trabalho, sejam políticas, econômicas ou de saúde. A historiadora e escritora Dilma Morais, nasceu em Santo Antônio do Monte e construiu sua carreira na educação, onde atuou como professora, supervisora pedagógica, diretora e inspetora escolar, nesta cidade e em Divinópolis, cidade situada a 65 Km deSanto Antônio do Monte. Depois de aposentar-se dedicou-se a escrever livros sobre a história de sua cidade e das famílias. No momento atua como Secretária Municipal de Cultura e Turismo. 2 Neste poema, As namoradas mineiras, Carlos Drummod de Andrade homenageia com delicada lembrança, os municípios mineiros. Ao mesmo tempo fala do homem, dividido e descentrado, que da capital coloca em rede o amor, grafando a mesma carta, mímesis de uma letra fria. Este poema encontra-se no livro Fazendeiro do ar & Poesia até agora (1955, p.101) na divisão Brejo das Almas 1931- 1934. Na dedicatória, o autor recomenda ao leitor que “passe o fim de semana nesta fazendinha do ar”, antecipando já em 1956 o descentramento e a desterritorialização que como artista, cartografa com precocidade.

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A cidade de Santo Antônio do Monte localiza-se no Centro-oeste mineiro, mais

precisamente na região do Alto São Francisco, que fica no Vale do Itapecerica. Fica

próxima aos municípios de Divinópolis (68 km), Lagoa da Prata (28 km) e Pedra do

Indaiá (25 km). Com uma área de 1.129 km² e uma altitude de 950 metros, dista 180 km

da capital do Estado, Belo Horizonte, pelas rodovias MG-50 e MG-164.

O município contava em 2000 com 23.473 habitantes e o IDH estava em torno

de 0,779, possuindo um dos melhores níveis de qualidade de vida da região:

De acordo com o Censo Demográfico de 2000, o município de Santo Antônio do Monte apresenta uma população de 23.473 habitantes, tendo crescido a uma taxa de aproximadamente 3,5% ao ano desde 1996. Desse total, 81,12% está localizada na zona urbana e 18,88% na zona rural. A população economicamente ativa era da ordem de 11.225 pessoas em 1998. Santo Antônio do Monte apresenta um índice de desenvolvimento humano (IDH) maior que a média do Estado, que é de 0,71. No período 1991-2000, o IDH municipal de Santo Antônio do Monte cresceu 11,66%, passando de 0,698 em 1991 para 0,779 em 2000. Segundo a classificação do PNUN (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o município está entre as regiões consideradas de médio desenvolvimento (IDH entre 0,5 e 0,8).3 (DIAGNÓSTICO DAS INDÚSTRIAS DE FOGOS DE ARTIFÍCIO DE SANTO ANTÔNIO DO MONTE, 2003, p.33).

Santo Antônio do Monte é uma cidade constituída predominantemente por

descendentes de portugueses, principalmente os açorianos, de acordo com a historiadora

Dilma Morais (1997).

Situada na rota dos bandeirantes seus primeiros habitantes chegaram através de

Pitangui (105 km). A cidade formou-se em torno da Capela do Alto Santo Antônio do

Monte, existente desde 1758 e que guardava uma imagem de Santo Antônio, vinda de

Portugal. A cidade desenvolveu-se a partir da construção das primeiras casas, engenhos

e canaviais pelos pioneiros portugueses que ocuparam as terras “férteis do Diamante”

(MORAIS, 1997, p.15) e pelos escravos africanos que com eles vieram.

Foi instalada como vila em 1862 e elevada à cidade em 16/ 11 de 1875, data em

que se comemora a emancipação política da cidade, portanto seu aniversário.

Não existem muitos dados sobre o início das ações de saúde mental no

município, eles se misturam aos primórdios da saúde coletiva em geral. Entretanto,

3 Dados de acordo com a Fundação João Pinheiro (FJP) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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conseguiu-se um relato interessante, através de um informante4 que participou dessa

história.

Esse informante declara que foi criado como filho pelo Padre Paulo, um

imigrante alemão que se instalou em Santo Antônio do Monte e deu início a instituições

de saúde que permanecem até hoje na cidade. Referindo-se ao Padre Paulo, afirma que

esse padre tinha diversas profissões. Ele era advogado. Ele era

cônego, teve as passagens de chegar a bispo, cardeal...teve as

passagens . Então ele me criou com as maiores mordomias. A

família dele era rica. Ele veio fugido da segunda guerra pro

Brasil. Veio ele, as irmãs dele, o pai dele com a mãe. O pai dele

morreu num navio na transferência pra cá. Ficou ele as irmãs e a

mãe. Ai a mãe voltou pra Alemanha com as irmãs e ele ficou. Ai

ele instalou aqui em Santo Antonio do Monte. Era uma pessoa

maravilhosa, muito inteligente. Quando ele chegou aqui era a

maior dificuldade. Era um arraialzinho essa cidade. Então ele

vendo a saúde daqui, não tinha um hospital, não tinha nada, as

pessoas tinham que ir a outra cidade, então ele começou. Ele

trouxe primeiramente o Dr. Vilmar. E começou a construir a

parte de baixo da Santa Casa. A Santa Casa velha que eles falam.

Todo mundo ajudou. Entravam com mantimento. Mandavam dez

sacos de feijão, ele vendia e pegava o dinheiro. Quando a pessoa

não podia dar dinheiro, entrava com a mão de obra. Mas antes

disso ele teve um alto forno. Ele era padre, mas era jornalista

também. Fazia reportagens pra um jornal da Alemanha então ele

ganhava pra esse tipo de coisa.

De acordo com o relato do informante, o início das ações em saúde no município

se misturam a ações humanitárias e assistencialistas. Relata que

4 Esse informante trabalha hoje como cuidador de idosos em Santo Antônio do Monte.

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Então esse padre fez a santa casa. O inicio da Casa da Criança

foi o seguinte: como ele estava na Santa Casa, a fama dele

cresceu e sempre aparecia gente. Ele fazia as coisas pros outros

sem interesse, sem nada, entendeu? Então foi crescendo a

quantidade de meninos. Eles deixavam e geralmente não

buscavam mais. Ai ele construiu a Casa da Criança e fez um

convenio com o governo estadual. Nessa época eu tinha de treze

anos pra cima. (...) o padre pegava as crianças e levava pra

Santa Casa. Ai depois ele construiu o colégio Alvaro Brandão. Lá

ele montou um laboratório, que nem Divinópolis tinha. Era coisa

de outro mundo, com materiais, microscópicos, produtos

químicos.

Conforme recorda o informante, o conjunto formado pela Santa Casa, o Asilo e a

Casa da Criança era administrado pelo Padre Paulo. Através deste relato, constatou-se

que estas instituições recebiam e assistiam quem buscasse ajuda ou estivesse

incapacitado de se cuidar, ainda que provisoriamente. De acordo com ele

(...) Na casa da Criança tinha 480 crianças. Eram crianças

abandonadas. Ai os políticos cresceram em cima dele. Porque

eles não admitiam o bem que ele estava fazendo não só pras

crianças abandonadas. Ele matou a fome de muita gente aqui em

Santo Antonio do Monte. Vinha caminhão carregado de leite me

pó, fazia feira e distribuía pras pessoas e isso foi anos e anos. Na

Casa da Criança era só criança. Na Santa Casa, moravam outras

pessoas alem de mim. Não tinha doentes mentais5. Quem morava

mesmo dentro da santa casa era eu, minha mãe, as cozinheiras.

Às vezes chegava uma mãe solteira, colocava a criança na casa

da criança e trabalhava na Santa Casa. Não me lembro de casos

de doença mental. As crianças que moravam lá eram crianças

5 No final da entrevista nosso informante afirma que havia um casal de irmãos com doença mental que moravam na Santa Casa. Esses dois irmãos ainda moram na Santa Casa, hoje.

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pobres. Mas tinha uma pessoa que tinha um problema, que era a

mãe do Francisco, a Dona Julia. Só que a Dona Julia não

morava lá, morava no asilo.

Percebe-se que o conceito de sofrimento mental, para o informante não equivale

a loucura, ou doença mental. Portanto, relata que

o tratamento dessas pessoas com sofrimento mental, eu sei de um

caso que teve aqui. Foi lá na santa casa. Ele foi pra

internamento. Foi mordido por um cachorro. Ficou internado lá

uns 15 dias e morreu. Ele ficava gritando lá em cima. Pra você

ver, chegava gente que perdeu pai, perdeu mãe. Você tem que ter

um bom psicológico.6

A produção pirotécnica é a principal atividade econômica do município e

também a mais tradicional. Desde o século XIX, portanto, há mais de cem anos os fogos

de artifício eram conhecidos em Santo Antônio do Monte. É uma arte, uma atividade

econômica e uma manifestação da cidade em sua singularidade. Desde 1859, ainda

enquanto vila, os primeiros habitantes já conheciam e dominavam a arte da pirotecnia.

Com o correr dos anos, os aperfeiçoamentos da técnica foram passados aos

descendentes, geração por geração e assim foram se aperfeiçoando, contando também

com pirotécnicos7 que vieram para a cidade atraídos por estas características.

Sendo a pirotecnia um tipo de produção artesanal, de difícil industrialização,

somente em 1945, foi criada a primeira fábrica de fogos. Foi o início de uma atividade

industrial que ainda hoje caracteriza a cidade. Santo Antônio do Monte é hoje, segundo

a FIEMG8 (INDÚSTRIAS DE MINAS, 2004), no que se refere à pirotecnia, o maior

pólo produtor das Américas, a segunda maior produtora de fogos de artifício do mundo,

depois apenas da China. Santo Antônio do Monte e região produzem 90% dos artefatos

6 De acordo com o Manual para normalização de publicações técnico-científicas (FRANÇA; VASCONCELOS, 2008), as citações longas devem ser apresentadas com tamanho de letra menor que o utilizado no texto geral e com espaçamento 1 nas entrelinhas. Entretanto, o texto das entrevistas nesse formato recomendado, tornou-se ilegível ao aplicarmos o itálico. Optou-se então, para maior clareza, por manter o espaçamento 1,5 e o tamanho 12 nas citações de entrevistas. 7 Fabricante de fogos de artifício. 8 Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais

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pirotécnicos do país. Ao todo, são 65 empresas que faturam cerca de R$55 milhões por

ano, vendendo seus produtos para todo o Brasil e exportando para diversos países. Estes

fatos justificam o empenho no desenvolvimento de estudos realizados pelo Instituto

Euvaldo Lodi (IEL-MG) em conjunto com o Sindicato das Indústrias de Explosivo de

Minas Gerais (SINDIEMG) que detalha as potencialidades e os gargalos da produção de

fogos da região, que resultariam em Arranjos Produtivos Locais9 (APL) da FIEMG.

Estes arranjos constituiriam encadeamentos de sucessivos elos da cadeia produtiva,

concentrados geograficamente, o que contribuiria para a comercialização, pesquisa e

desenvolvimento dos produtos, seja na melhoria do processo produtivo, de pesquisa, de

vendas, estratégia, logística e controle. Atualmente, de acordo com a FIEMG (2004),

são gerados cerca de 4.000 empregos diretos e 10.000 indiretos pelo setor. São 61

empresas que respondem pelo emprego direto de 13% da população e por cerca de 50%

do PIB municipal de acordo com o SINDIEMG (2003).

O estudo revelou que o relacionamento entre os empresários da indústria

pirotécnica é altamente cooperativo, com troca de informações técnicas sobre resultados

de testes e sobre os materiais.

Entretanto com a globalização e a aceleração dos transportes e da comunicação,

o setor está passando por uma reestruturação, e por uma nova configuração

mercadológica e política, para fazer frente e adequar-se ao mercado internacional. A

concorrência principal atualmente não se dá entre as entre as empresas do setor (é

preciso que se mude o foco da concorrência interna para a cooperação) que estão quase

todas no município e sim, de acordo com o presidente do SINDIEMG (REVISTA

VERDADE, 2007), com o produto importado. Isto ocorre porque o produto importado

não segue as mesmas regras e normas do Exército brasileiro, não sofre as mesmas

taxações, nem as mesmas exigências de qualidade (o que torna seu preço, extremamente

competitivo).

Todo estudo levou à idéia de maior cooperação entre os empresários, através de

uma Central de Negócios, que viabilizaria a concorrência do setor com os produtos

internacionais, ao diminuir os custos.

A questão da taxação do produto nacional, com a exclusão da pirotecnia da lei

geral da micro e pequena empresa, levou os fabricantes de fogos do município a se

9 De acordo com Folder distribuido pelo SINDIEMG em 2003, um arranjo produtivo local é uma concentração de empresas de um mesmo setor, em uma mesma região, reunidas para fomentar o crescimento sustentado das mesmas e o desenvolvimento econômico e social da região.

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articularem e se posicionarem politicamente. Este posicionamento em defesa da

indústria pirotécnica, ocorre pela ameaça causada pela política brasileira de abertura

irrestrita do país aos produtos internacionais. Esta política, que somada a uma taxação

intensiva por parte do governo, ameaça transformar o maior pólo das Américas em

fabricação e vendas de fogos, em ponto de venda dos produtos chineses, já que para

manter a tradição, a solução talvez seja a importação. Lembrando que a importação

talvez não gere a mesma prosperidade e estabilização do nível de empregos que a

indústria de fogos gera para o município.

A tradicional festa do foguete acontece na cidade para demonstrar à clientela

nacional e internacional o desenvolvimento do setor. Nesta festa, que ocorre sempre no

mês de setembro, são potencializados negócios e apresentados os espetáculos

pirotécnicos. Nestes eventos, são mostrados os novos produtos e as novas formas de

apresentação dos mesmos.

A saúde é hoje um setor de destaque no município. Santo Antônio do Monte é

uma cidade que tem boa infra-estrutura sanitária, água tratada e rede coletora de

esgotos. A cidade é caracterizada pela alta qualidade da limpeza urbana e boa estrutura

habitacional. É privilegiada com uma cobertura completa pelo Programa de Saúde

Família, atendimento médico-hospitalar, atendimento odontológico, entre outros. Este

assunto, será melhor detalhado no próximo item deste capítulo.

O município apresenta importante setor agropecuário. Em decorrência disto, é

também tradicional a exposição agropecuária, quando durante cinco dias o melhor do

setor é exposto, ocorrendo também um torneio leiteiro.

Na área da educação o município também tem boa cobertura da rede municipal,

contando também com creches e na rede privada, conta com uma escola da Rede

Pitágoras e uma Faculdade de Administração de Empresas.

A cidade tem uma religiosidade forte e um folclore rico. No dia 13 de junho, dia

de Santo Antônio, padroeiro da cidade, ocorre o desfile de carros de bois, o reinado ou

folia de reis, a festa religiosa da igreja católica se misturando às festas e quadrilhas

juninas.

A festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito é um acontecimento na

cidade. Os cortes de reinado percorrem a cidade, a corte portuguesa se reproduz nas ruas

dada a profusão de reis e rainhas. Cada detalhe tem sua significação. A manifestação da

fé e o folclore se misturam e têm as ruas como cenário. O povo invade a rua, os cortes,

as cortes, as cores, as músicas e os dançadores.

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As atrações turísticas da cidade são principalmente as festas do foguete, a

exposição agropecuária, a festa de Reinado ou Congado, o carnaval de rua, as

cavalgadas, a festa de Santo Antônio (padroeiro) e sítios históricos como a Capela Cruz

do Monte, a Chácara dos Brandões, assim como o Chalé onde nasceu Magalhães Pinto,

a casa do Padrinho Vigário, além de cachoeiras e sítios para aluguel.

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2.2 A saúde em Santo Antônio do Monte – um recorte

E veja alguns sítios antigos, outros inéditos

Carlos Drummond Andrade10

De acordo com o Plano Diretor de Regionalização (PDR/MG)11, Santo Antônio

do Monte faz parte da macro-região Oeste (Divinópolis), uma das 13 macrorregiões em

que foi dividido’’ o Estado de Minas Gerais. Santo Antônio do Monte forma juntamente

com Divinópolis uma das 75 micro-regiões12 que estruturam esta regionalização. Este

Plano Diretor de Regionalização de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde de

Minas Gerais, promove ações que estruturam, organizam e implementam serviços de

saúde, de acordo com os princípios do SUS, cumprindo a Norma Operacional de

Assistência à Saúde (NOAS)13 de 2002. Visa melhorar o atendimento e adequar a

melhor aplicação dos recursos. Objetiva o acesso dos cidadãos aos diversos níveis de

atendimentos o mais próximo de sua residência. Deve o cidadão encontrar serviços de

atenção primária14 em seu município, de atenção secundária15 na microrregião e de alta

complexidade16 nos pólos macrorregionais.

10 ANDRADE, 2002, p. 180. 11 Este plano consiste numa série de ações com o objetivo de organizar e implementar os serviços de saúde, de acordo com os princípios doutrinários e organizativos do SUS, cumprindo as exigências da Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS). Estas ações visam a qualidade do atendimento e a adequação da aplicação dos recursos financeiros. (Disponível em www.saúde.mg.gov.br acessado em 26/10/07). 12 À microrregião Divinópolis/ Santo Antônio do Monte estão adstritos os municípios de Araújos, Arcos, Carmo do Cajuru, Cláudio, Divinópolis, Itapecerica, Japaraíba, Lagoa da Prata, Pedra do Indaiá, Perdigão, Santo Antônio do Monte, São Gonçalo do Pará e São Sebastião do Oeste. 13 A Norma Operacional de Assistência à Saúde, foi fruto de um consenso mínimo sobre os desafios enfrentados pelos gestores e tenta superar o que a NOB 96 já não contempla. A NOAS/01/01 de acordo como Ministério da Saúde (2001) tem como objetivo “ promover maior equilíbrio na alocação de recursos e no acesso da população as ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção” (MS, 2001). 14 A modalidade de atenção básica ou primária é parte do Sistema Único de Saúde e tem como finalidade ser a porta de entrada deste sistema, pois, é o primeiro nível de contato dos indivíduos com o mesmo. Estes serviços devem estar próximos ao domicílio ou ao trabalho do usuário, pois objetiva a continuidade da atenção ao longo do tempo, de forma integral, efetuando encaminhamentos a outros níveis de atendimento e coordenando a atenção ao usuário de forma geral. 15 São os atendimentos de especialistas com tecnologia de média complexidade. 16 Os procedimentos de alta complexidade, são um subgrupo dos procedimentos especializados, mais caros e portanto, com uma política de autorização e remuneração diferenciados. (MS, 2004, p. 68)

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As políticas de saúde pública do Estado, objetivam a municipalização da saúde.

Santo Antônio do Monte conta com diversos programas, instituições e ações

municipalizados.

Para detalhar as informações deste item, utilizamos de entrevistas realizadas com

alguns atores da saúde do município.

Quadro 1: Identificação e localização de atores da rede de saúde

Identificação Profissão Serviço em que trabalha

Função municipal de saúde

Tempo na função

Gestor Farmacêutico Secretaria da Saúde

Secretário da Saúde 2 anos e meio

Técnico 1 Funcionário Público

Secretaria da Saúde

Coordenador municipal de endemias; referência técnica do SUS Fácil

9 anos

Técnico 2 Funcionário Público

Secretaria da Saúde

Revisor administrativo dos serviços de controle e avaliação, regulação e auditoria

2 anos

Conforme o Gestor, a saúde é muito ampla, pois cada procedimento novo gerado

requer novos procedimentos, novos exames complementares e uma resolutividade.

Quanto mais serviços são colocados no município e oferecidos à população, mais

dificuldades surgem para oferecer um tratamento 100%. Exemplifica o que ocorre no

Centro de Especialidades: o atendimento em fonoaudiologia obteve a colocação de 83

próteses auditivas através do SUS. O mesmo não ocorre com a ortopedia, pois isto

implicaria ter o raios-x, a tomografia e às vezes o SUS não consegue proporcionar o que

é necessário. Entende então que as dificuldades do município decorrem do SUS e do

principio da hierarquia dos serviços.

Acredita o gestor, que com o pacto que assinado, em 2007, essas lacunas

venham em parte a serem solucionadas. De acordo com ele, o município pactuou o que

vai ser realizado para a população. O Estado pactuou com o município o que o

município precisa e vai pactuar com o Governo Federal, as verbas e fornecimento,

proporcionando o dinheiro para promover as ações em saúde. É o respaldo que estava

faltando, pois o executivo já investe 25% do orçamento em saúde (o mesmo percentual

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investido na educação), onde normalmente se investes 15%. Frisa o secretário que a

articulação com a Secretaria do Estado e com o Ministério da Saúde é muito boa e busca

oferecer qualidade de vida aos munícipes.

Relata, entretanto, que quando a saúde não tem a terceirização de um serviço, a

pactuação dele, a PPI17 pelo Estado, ou não teve há oportunidade pelo SUS, é

disponibilizado através da secretaria e do serviço social uma ajuda de custo, para os

pacientes que realmente não conseguem estar pagando:

Hoje por exemplo, nós temos uma ressonância por ano, pela

nossa população. E quantas ressonâncias nós fazemos no nosso

município? Talvez cinco por mês. Como é feito? Através do

auxílio financeiro. O SUS não proporciona, mas nós estamos

sempre ajudando as pessoas de uma forma ou de outra.

A Secretaria municipal de saúde de Santo Antônio do Monte é responsável pela

gestão e coordenação de todos os serviços e programas e pela prevalência dos princípios

do SUS. De acordo com o Técnico 1 da Secretaria:

No setor público, a Secretaria de saúde administra diversos

programas e serviços, em áreas diversificadas, procurando

atender aos princípios do SUS. A secretaria procura implementar

o modelo centrado na pessoa, e não na doença, no usuário dos

serviços e não no médico. Entretanto de acordo com os técnicos a

cultura dos médicos ainda não mudou por vários motivos.

Na saúde existe o setor público e privado. Tem certas coisas que

o setor público não tem, aí ele compra do privado, em ambas as

esferas, seja estadual, municipal ou federal. Alguns serviços não

temos ou temos mas não é suficiente pra atender, nós compramos

parte do setor privado através de associações.

17 A Programação Pactuada e Integrada, de acordo com o Ministério da Saúde, é um processo instituído no Sistema Único de Saúde (SUS). A partir deste processo serão definidas as ações de saúde para a população do território e os pactos intergestores que garantirão o fluxo de acesso aos serviços de saúde, pactuados para servir à população do território e as referencias de outros municípios. Esse fluxo deve conformar-se a determinados parâmetros, como os limites financeiros. (Disponível em www.saude.gov.br acessado em 29/03/2008.)

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1. O Programa Saúde em Casa

Este programa visa ampliar e fortalecer o Programa de Saúde Família (PSF),

formado por equipes que atuam de forma multiprofissional nas Unidades Básicas de

Saúde (UBS).

O Programa de Saúde Família tem no município cobertura total, inclusive na

zona rural. São seis Unidades de Básicas de Saúde na zona urbana e uma na zona rural.

Cada unidade tem uma equipe permanente que consta de um médico clínico geral, uma

enfermeira, uma auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários de saúde. Este

programa tem como prioridade a promoção de saúde e prevenção de doenças. Tem

como meta a redução das internações hospitalares, redução da mortalidade materna e

infantil, e a cobertura vacinal.

Santo Antônio do Monte é um dos municípios que tem maior zona rural do

Centro-oeste mineiro, o que dificulta a organização do atendimento e o acesso ao

mesmo, pois existem inúmeras comunidades na zona rural. Estas comunidades muitas

vezes, ficam mais próximas de municípios vizinhos que da área urbana de Santo

Antônio do Monte. Exemplificando, o Técnico 1cita que

tem uma comunidade por exemplo aqui: o Doce. Ela fica a 35 km

daqui da zona urbana, e é território de Santo Antônio. Aí

complica porque o pessoal de lá não vai rodar isso tudo pra

chegar até aqui, ele vai para o município vizinho. Outras vezes

atravessa a Av. aqui, anda dois ou três km e você está em outro

município. Isso atrapalhou, mas nas unidades rurais nós temos as

agentes situalizadas. Por ex: a unidade física está na localidade

São José dos Rosas mas, no Fundão, tem uma agente de saúde

que, mora lá. Então ela supre o básico lá. Quando é uma coisa

mais séria, ela contata a unidade de São José dos Rosas, e a

enfermeira e o médico vão lá. Em muitas dessas unidades tem

agente. Antigamente tinha os mini-postos. Alguns destes, ao invés

da saúde desativar totalmente, organizou mais ou menos - a cada

15 dias o médico vai naquela unidade, nesse mini-posto

consultar. A agente vai na casa avisando, especialmente idosos.

Funciona assim na zona rural.

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O município está tentando construir uma nova unidade básica de saúde no Bairro

Dom Bosco, mas é um processo complexo e bastante oneroso. A valorização da atenção

básica diminui a necessidade dos serviços especializados, ficando estes reservados para

casos mais graves. O Técnico 1 argumenta que

se você valoriza a saúde básica, se ela for bem feita, a

possibilidade de você gastar com aquela especialização é menor.

A mesma coisa contra diabetes. O PSF paga esse controle.

Todas as pessoas que usam insulina têm um cadastro. No máximo

a cada dois meses a agente de saúde vai visitar. (você está

tomando? Já foi no médico verificar se aumentou ou diminuiu,

você está controlando?) Por quê? Fica mais barato você cuidar

dessa pessoa dessa forma do que você colocar um médico para

atendê-la todo mês, contratar um especialista. Então, nesse

sentido você está valorizando a especialização. Você vai gastar

uma pequena fortuna. Aí você tenta adicionar mais pra essa área

social. Isso quer dizer o que? É você acompanhar a pessoa que

está com problema e auxiliá-la nisso. Temos isso funcionando. É

função dos agentes de saúde. Acompanham os idosos também.

Olham se estão tomando os remédios, se está faltando algum.

Trabalham no PSF, no setor público. O município está

direcionado para a causa básica. A especialidade é positiva,

reduz os casos sérios. Você tratar longe é bem pior. Nós temos

uma van que praticamente todo dia leva o pessoal pra BH. É

cirurgia, transplante, particular, as vezes, privado. Os custos são

altíssimos. Por isso colocamos tantos especialistas aqui. Reduziu

os custos.

De acordo com informações da Secretaria de Saúde um dos principais problemas

de saúde enfrentados é a hipertensão, sendo atendidas na farmácia básica mais ou menos

100 pessoas ao dia somente para medicamentos anti-hipertensivos. As cardiopatias, em

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conseqüência estão também freqüentes e vêem aumentando muito, inclusive o número

de óbitos tem aumentado em função disto.

As mortes violentas, em função de acidentes automobilísticos, tiveram um

aumento expressivo em função das atividades de vendas autônomas desenvolvidas no

município.

A doença mental, chamada de forma generalizada de depressão pelos usuários e

pelos funcionários da Secretaria de Saúde, teve uma demanda aumentada nos últimos

tempos. Mas existem outros problemas:

através das DO ( declaração de óbitos) dá para termos uma idéia

geral. Agora, uma das que posso falar de imediato é o n° de

acidentes de trânsito. Teve um aumento muito grande nesses três,

quatro anos. Parte disso é justificado porque a grande maioria da

população trabalha com vendas. São os rifeiros. Esta é uma

expressão que o pessoal daqui e Lagoa usa para falar daqueles

vendedores autônomos que pegam mercadoria, põe no carro e

sai. Aqui tem muita gente que mexe como isso. Tem uma renda

financeira muito boa no município. Eles estão entrando muito

jovens. Nos últimos anos aumentou bastante a quantidade de

jovens e pelo que eu vejo nas cidades, a maioria é abaixo de 35

anos. É raro alguém acima dessa idade morrer de acidente.

Falamos de uma causa externa. Os outros tipos de morte são

doenças cardíacas, o stress é um problema sério e a depressão

também. Temos muitos casos de depressão. Mesmo que sejam

outras causas, você vai ver na pessoa sinais de depressão.

Problemas na família, às vezes mães em que os filhos trabalham

em indústrias, cedo ou tarde acontecem acidentes. (Técnico 1).

2. O Centro de especialidades

O Centro de especialidades médicas é um local onde atendem diversas

especialidades da área de saúde como: fisioterapia, cardiologia, nutrição, ginecologia,

urologia, fonoaudiologia, oftalmologia, psicologia, clínica médica e odontologia.

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Anteriormente os encaminhamentos para especialistas eram feitos para fora do

município. O atendimento não era bom e ficava mais oneroso.

O Centro de especialidades médicas e fisioterapia, quando

colocamos estava bom. Só que a quantidade de pessoas foi

aumentando os profissionais que fomos contratando... Hoje temos

uma estrutura pequena. A saúde tem intenção de alugar outro

imóvel maior para atender melhor o pessoal. Quando você

oferece o serviço, clientes vão aparecer. Parece que realmente

precisa. As vezes acompanhamento. Igual à visão. A saúde

comprava consultas do oftalmologista. Agora a saúde tem um

acordo com o oftalmologista, só que não é bom. Fica muito caro

você montar um consultório. Os equipamentos ficam caros. Então

nós fizemos um acordo para usar o consultório da médica, só que

coloca uma van... Toda semana leva o pessoal, pega na porta se

for necessário.

Mas vão continuar tendo esses envios. Por ex., nós não temos um

bloco cirúrgico, mesmo que tivesse não teríamos profissionais.

Aqui são dois hospitais e um hospital dia. Não é qualquer

médico, por exemplo, que vai fazer uma cirurgia de próstata.

Alguma unidade, aqui acho que é a Santa Casa, tem autorização

para fazer. Mesmo assim, pelo setor público fica difícil. Tem que

ser através do setor de marcação do Estado. Mas mesmo assim a

redução foi imensa da quantidade de pessoas que vão pra fora

por esses motivos. Os encaminhamentos são mais locais, de

unidade para unidade. (Técnico1)

O número de profissionais da rede de saúde pública não é suficiente para o

atendimento e as contratações de especialistas às vezes não funciona bem. Quanto à

saúde mental, antes do CAPS, o tratamento ficava bem restrito, com atendimentos

ambulatoriais de um psiquiatra e duas psicólogas no Centro de Especialidades, como

podemos constatar na fala do técnico:

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Eu sei é que tinha duas psicólogas. O psiquiatra era por acordos

do instituto com o serviço. Comprava certa quantia por mês. Aí

através do psicólogo ou até daqui encaminhava aquele paciente

com mais urgência, com mais necessidade. O psiquiatra era

privado. Tinha no caso psicólogo, auxiliar de enfermagem e

alguém na marcação, recepção, um auxílio a eles. (Técnico1).

3. Farmácia Municipal

Este programa possibilita o acesso a medicamentos básicos pela população. A

Farmácia Municipal recebe através do programa Estadual Farmácia de Minas, uma cesta

de medicamentos que possibilita o acesso da população de forma gratuita, à

medicamentos básicos como analgésicos, antibacterianos, antianêmicos, anti-

inflamatórios, antiepiléticos, ansiolíticos, brocodilatadores, antidepressivos, sedativos,

antiácidos e antiparasitários.

As unidades básicas de saúde recebem medicamentos básicos que são

distribuídos pelo médico e a enfermeira. Os medicamentos de saúde mental somente são

distribuídos pelo CAPS. A farmácia fornece medicamentos mediante receita médica e o

farmacêutico é responsável pelo levantamento dos medicamentos e dos usuários.

Na farmácia, basta apresentar a receita e obviamente ela tem

que ter prazo de validade e não é toda receita que ela vai

atender. Ela tem que ser analisada. Qualquer medicamento tem

que ter a receita. Insulina tem que estar cadastrado na farmácia.

Tem que ter a solicitação do médico. Às vezes o farmacêutico até

exige um relatório do médico. Tem que ter o controle, quanto

mais complicado o medicamento for. E esse controle nós estamos

melhorando ele a cada dia. A farmácia é básica. Não tem tudo.

Na área da saúde mental não tem nenhum. Primeiro porque ele

exige um tratamento. Só o serviço pode fornecer, quando tem,

porque lá que estão os profissionais que entendem. A saúde aqui

está muito bem estruturada. Mas por mais que você faça a

população sempre vai questionar. (Técnico 1)

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4. Vigilância Sanitária

A Vigilância Sanitária é um conjunto de medidas que têm o objetivo de elaborar,

fiscalizar e controlar o cumprimento de normas e padrões sanitários. Estas medidas se

aplicam a medicamentos, alimentos, cosméticos, saneantes, alimentos, equipamentos e

serviços de assistência à saúde. Refere-se também a substâncias, materiais, serviços e

situações que possam, representar risco à saúde da população,como por exemplo,o

controle de endemias.

O trabalho por setores foi definido pela lei 808018, que dispõe entre outras

coisas, sobre as condições para promoção e recuperação da saúde, a organização e o

funcionamento dos serviços correspondentes de acordo com os princípios e diretrizes do

SUS:

Quando o Ministério criou a lei 8080, ele dividiu as obrigações

dentro da saúde. Antigamente todo mundo fazia tudo. Aí começou

a dividir: tipos de doenças, os setores, a administração. Uma das

áreas que foi criada além da epidemiologia e diversas outras, foi

a de endemias – que são as doenças de cunho popular, ou seja,

dengue, febre amarela, leishimaniose, malária, cólera, peste e

estas doenças que a OMS classificou como doença de pobre. E

você só encontra em excesso em países pouco desenvolvidos, em

áreas sem estrutura sanitária, este tipo de coisa. Mas aqui em

Santo Antônio a vantagem é que tem estrutura, apesar de ser

pequena em comparação com as grandes cidades.

Meu trabalho é todo ligado a esta área de prevenção e combate

dessas doenças, qualquer foco que surgir, está na minha área de

responsabilidade. Combater e evitar que surja de novo. São

18 Apesar do SUS ter sido oficializado pela Constituição de 1988, sua regulamentação ocorreu em 19 de setembro de 1990 através da Lei 8080. É esta lei, que define o modelo operacional, a organização e o funcionamento do SUS, assim como prevê a origem dos recursos destinados ao SUS (Orçamento da Seguridade Social). Além disso, estabelece os repasses de recursos para os estados e municípios de acordo com o perfil demográfico, epidemiológico, da rede de serviços estabelecida e desempennho técnico. Entretanto, as Normas Operacionais Básicas (NOB) alteraram a forma de repasse automático para um sistema de pagamento por produção de serviços. Isto alterou não só o repasse como também toda a organização do SUS. Terá este fato alterado também seus princípios?

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processos totalmente diferentes, o combate que faz para uma, é

diferente para outra. (Técnico 1).

5. Saúde Bucal

A Saúde Bucal garante a prevenção, informação, educação e o tratamento

odontológico básico às populações adstritas às unidades básicas de saúde. Encaminha

também para o Centro de especialidades para atendimentos de tratamentos mais

específicos.

Na zona urbana, no caso odontologia já marca mais próximo da

casa da pessoa. Nós temos consultórios odontológicos espalhados

por toda a cidade e tem um lá na fundação. A área física da

fundação é área pública. Raio X dentário por ex., só lá que faz.

Qualquer dentista público do Município pode indicar pra lá.

(Técnico 1).

A inserção da saúde bucal no serviço de saúde, como programa territorial,

vinculado às equipes dos PSFs, demanda uma equipe que se relacione com a população

adstrita, respondendo às suas demandas.

6. Laboratório municipal

A saúde pública da cidade conta com um laboratório onde se realizam exames

gratuitos por indicação dos médicos da rede de saúde. A estrutura física do laboratório e

a aparelhagem são boas e a demanda é crescente. Quando o investimento em

equipamento não se justifica em relação à demanda, os exames são terceirizados e feitos

através de convênios.

Aqui nós conseguimos o laboratório. Compramos mais de cem

mil reais só em equipamentos para aumentar a quantidade de

exames e acrescentar outros e ainda temos um convênio,

contrato, com o Hermes Pardini em BH. (Técnico 1).

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7. Política de Saúde Mental

Com o objetivo de acessar um tratamento digno aos portadores de sofrimento

mental com a oferta de serviços em atenção à saúde mental, foi implementado no

município o projeto de um Centro de atenção psicossocial (CAPS I).

O CAPS I - VIDA, foi inaugurado no dia 06/10/2006 e encontra-se credenciado

pelo SUS. É um serviço substitutivo das internações em hospitais psiquiátricos que visa

acolher aquele que apresenta sofrimento mental, cuidar e integrar socialmente.

A equipe do serviço é formada por um psiquiatra, quatro psicólogas, um

enfermeiro, três auxiliares de enfermagem, uma terapeuta ocupacional, uma assistente

social, um secretária, dois auxiliares administrativos, uma pedagoga e artista plástica,

uma monitora de oficinas, um motorista e uma funcionária para serviços gerais.

O crescimento da rede de saúde coletiva, com a entrada na rede de uma nova

interface - a saúde mental coletiva será detalhado no próximo item deste capítulo.

De acordo com técnico da Secretaria de saúde a abertura do CAPS melhorou

muito o atendimento à saúde mental do município que já apresentava grande demanda:

A demanda por psicólogos era mais por crianças, vinha da

escola. Não tem psicólogo nos postos. Só no serviço

especializado. A secretaria de educação tem psicólogo próprio.

Sempre teve. Então a demanda da saúde era pouca. Agora, de

uns anos pra cá é que começou a aumentar a demanda. Aí junto

com esse aumento da demanda a saúde foi aumentando a

estrutura. O SUS tenta focar seu olhar mais para o sujeito do que

a doença, mas os profissionais ainda não estão bem engajados

nisso.

Com relação à saúde mental em si, drogas e álcool. É um

problema que está crescendo no país inteiro inclusive aqui.

Sobre a questão do suicídio a coordenação estadual da área

básica me disse que o índice daqui é um dos mais altos da região

centro e sul de Minas. E realmente estava ligado a depressão.

Alguns casos a epidemiologia até estudou. Nós temos o sistema

de estágios de nutrição, enfermagem e medicina. Não lembro o

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ano, teve um n° maior. Os estagiários foram chamados para irem

até as famílias analisá-las historicamente em termos de saúde.

Descobriu que estava ligado a depressão, angústia interna.

(Técnico 1).

De acordo com o mesmo técnico da Secretaria de saúde, a saúde mental no

município se resumia em alguns atendimentos feitos na Secretaria da Educação e

atendimentos no Centro de especialidades feitos por um psiquiatra e duas psicólogas

como relata:

A Secretaria de Educação tinha, acho, duas psicóloga. A saúde

tinha uma e contratava uma por convênio. Eram quatro

psicólogas no total geral. Ela te avaliaria, encaminhava as vezes

para o psiquiatra. É caro demais o serviço de um psiquiatra,

principalmente particular. (Técnico 1).

De acordo com o Gestor o CAPS, financeiramente, pesou bastante para o

município, ao ser montado. Segundo o secretário, o CAPS foi mantido inicialmente com

a contrapartida do município, mas entende que hoje ele dá retorno ao município em

vários sentidos. Retorno em produção de saúde, financeiro e retorno político.

O município está com três anos de credenciamento e a produção

do CAPS é quase igual à dele. Então nós temos uma produção

muito boa, onde os recursos a gente tenta direcionar para a

saúde mental pra gente poder estar crescendo. O CAPS

aumentando, melhorando. Nós estamos com intenção de fazer

quadras, melhorar o lazer dos pacientes. Então o retorno, vem da

gratificação dos pacientes e dos familiares quanto à ampliação

do CAPS.

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8. Programa Viva a Vida

Este programa é o resultado do avanço da regionalização e melhoria da

assistência neonatal, infantil e obstétrica, em diversos níveis de complexidade. O

Programa Viva Vida, foi lançado em 2003 e seu objetivo é reduzir a mortalidade

materna e infantil no Estado. O programa articula ações com este objetivo, e é

implantado de acordo com o princípio da equidade, isto é privilegiando as microrregiões

onde ocorrem as maiores taxas de mortalidade. Busca a mobilização social para a defesa

da vida.

Atua em vários níveis de complexidade na assistência ao pré-natal, parto,

puerpério, planejamento familiar, acompanhamento de crianças e 0 a 1 ano.

A estratégia do Viva a vida é atuar através da mobilização de diversas

instituições governamentais e civis, assim como atuar em conjunto com os PSFs. No

município, foi credenciado junto a Fundação Dr. José Maria dos Mares Guia.

9. SUS fácil

Software de Regulação Assistencial que busca agilizar a comunicação entre as

unidades administrativas e executoras de serviços de saúde do Estado. O SUS fácil,

Sistema Estadual de Regulação Assistencial, encontra-se em fase de implantação no

município, mas já mostra coordenação importante das internações que se fazem

necessárias, dando uma resposta mais ampla para o problema assistencial.

O SUS fácil tem o objetivo de ligar as instituições a uma central de regulação

que estabelece um fluxo viável para as internações. Ao registrar a necessidade de

internação, a instituição deve comunicar o quadro do paciente de 12 em 12 horas para

sem manter o pedido de vaga.

10. Pronto Atendimento (PA)

A Secretaria de Saúde mantém ainda convênio com a Fundação Pedro Henrique

Costa Brasil de Souza onde funciona o Pronto Atendimento (PA). O Pronto

Atendimento é um serviço extremamente problemático, tanto em relação aos usuários,

quanto em relação à rede de saúde. Em relação à saúde mental, a articulação é

extremamente difícil, devido à negligência no atendimento de usuários de álcool e

drogas e aos portadores de sofrimento psíquico, a recusa de atendimento ou internação

dos mesmos, as altas precoces, enfim, a saúde mental não tem no PA a devida

retaguarda. É o PA o serviço de saúde que mais gera queixas na rede.

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Dependendo do problema. Por exemplo., nessa época, suspeita de

dengue está sendo altíssimo, tanto aqui como no pronto

atendimento. A saúde fez um acordo com a Santa Casa que é

privada e sem fins lucrativos. No início do ano que é mais frio,

crianças com problemas respiratórios, precisando de inalação,

com baixa resistência, então a procura é alta.

Idoso- na época de frio a procura é muita. Reduziu muito com a

vacina de gripe. Só que é complicado. Os idosos não gostam de

vacinar. Falam que quando vacinam, ficam doentes. Mas é caso a

caso. (Técnico 1).

A partir das questões de controle dos atendimentos do SUS regulamentados pela

lei 8080 foram criados os cargos de revisor do serviço de controle e avaliação, assim

como o de médico auditor:

Esse cargo é uma das exigências da lei federal 8080. Essa lei é

como se fosse a Constituição da saúde. E esse serviço é montado

por uma equipe que tem um médico auditor, o revisor

administrativo e dois técnicos em planejamento aqui na nossa

secretaria. Lógico que é muito mais abrangente, mas dentro da

realidade do nosso município, o serviço é estruturado dessa

forma. Pra esse serviço existir, o prefeito baixa uma portaria

criando o serviço decreto 116.

Foi criado em 01/08/2006 na nossa secretaria e após o decreto,

foi feito a portaria de nomeação dos membros. O médico não é de

Santo Antônio do Monte, porque ele não pode ter vínculo com

nenhum estabelecimento, porque ele não pode auditar ele mesmo.

Nosso médico é o Dr. Alessandro, mora na cidade de Itapecerica

e ele vem para Santo Antônio para exercer essa função. A função

específica do revisor é estar auxiliando o Dr. Alessandro no que

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compete ao serviço de controle, avaliação e regulação como por

exemplo a identificação dos usuários do SUS, monitorar as ações

de vigilância em saúde dentro do município de Santo Antônio.

Procurando trazer sempre atualizado o sistema nacional de

cadastro do estabelecimento e os protocolos clínicos com as

diretrizes terapêuticas que permitem que a gente avalie a

solicitação de exames, que é gerado tanto pelos PSFs quanto

pelos nossos prestadores de serviços. Tudo passa pelo crivo do

Dr. Alessandro e de acordo com as nossas cotas a gente vai

liberando, pra que as pessoas possam realizar tanto seus exames

como suas consultas dentro e fora do município. (Técnico 2).

A cidade conta, além dos serviços públicos citados, com uma Santa Casa, um

hospital particular (Hospital Santo Antônio), a Fundação Pedro Henrique Costa Brasil

onde funciona o Pronto Atendimento conveniado com a prefeitura municipal.

A Fundação Dr. José Maria dos Mares Guia é a sede do projeto “Viva a Vida” e

também do Instituto Regional da Saúde Mulher que oferece tratamentos e exames de

alta complexidade, encontrados quase sempre, somente em grandes centros, e é onde

funciona também o recentemente inaugurado Hospital dia São Pedro.

Há princípio foi criado o Instituto da Mulher19, que era órgão pertencente à

prefeitura. Com a mudança da gestão o Instituto foi transformado em fundação privada,

sem fins lucrativos e agora filantrópica. A fundação Dr. José Maria dos Mares Guia,

engloba o Instituto da Mulher que é especializado na saúde da mulher.

O Instituto da Mulher trabalhava com ginecologia, mamografia, mastologia, mas

depois foi abrangendo outras áreas. Ao tornar-se fundação, entrou para área dos exames

de imagem, tomografia, raios-x. Hoje o leque de exames é bem amplo. Trabalha focado

na prevenção do câncer de colo de útero, de próstata, de mama, doenças sexualmente

transmissíveis e controle de natalidade. Trabalha também com diversas clínicas, como

urologia, cardiologia, nutricionista, fisioterapia, obstetrícia e psicologia. Uma equipe

multidisciplinar.

19 Estas informações foram prestadas pela assistente de planejamento do Centro Viva a Vida.

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Depois de trabalhar durante 11 anos com a saúde da mulher, e de longa parceria

com o SUS, o Governo do Estado colocou o projeto piloto do Programa Viva a Vida, na

Fundação Dr. José Maria dos Mares Guia. O Centro Viva a Vida, trabalha com a

prevenção da morte neonatal, gestação de alto risco, criança prematura, com baixo peso

ao nascer, criança com asma, diarréia e desnutrição. Trabalha-se também com gestante

que não quer tratamento (a gestante menor de idade, que usa drogas, portadoras de HIV,

gestante garota de programa). De acordo com a assistente de planejamento do Centro

Viva a Vida, o programa visa fortalecer a saúde pública, pois é todo referenciado pelos

PSFs.

O Hospital dia São Pedro, em fase de credenciamento pelo SUS, fecha o ciclo,

realizando as cirurgias necessárias, a partir das análises e dos exames, dando suporte

para o Viva a Vida. Os serviços da Fundação são realizados via SUS.

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2.3 Desdobramentos da rede de saúde em Santo Antônio do Monte: a

abertura do CAPS

...a instituição é concomitantemente negada e gerida; a doença é simultaneamente

posta entre parênteses e curada; a ação terapêutica é

ao mesmo tempo refutada e executada.

Franco Baságlia20

O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é uma instituição de democratização

do acesso em saúde mental. É destinado ao acolhimento de pessoas com transtornos

mentais, com dificuldades psicossociais (sofrimento mental e baixa contratualidade

social) para buscar integrá-los ao meio social e familiar, incentivando sua autonomia,

oferecendo para isto tratamento psicológico e psiquiátrico, além de funcionar como uma

referência para o paciente em diversas situações21.

O CAPS insere-se num território, marcado fundamentalmente pelas pessoas e

coletivos que nele habitam e atuam. Para além do espaço geográfico é a partir desta

noção de território, que o CAPS atua na construção de uma rede de atenção às pessoas

que apresentem sofrimento psíquico e sua rede social.

Para constituir essa rede, todos os recursos afetivos (relações pessoais, familiares, amigos etc.), sanitários (serviços de saúde), sociais (moradia, trabalho, escola, esporte, etc.), econômicos ( dinheiro, previdência etc.), culturais, religiosos e de lazer estão convocados para potencializar as equipes de saúde nos esforços de cuidado e reabilitação psicossocial. ( BRASIL, 2004 b, p.11).

20 BASÁGLIA, 2001, p. 316. 21 Os trabalhadores do CAPS, ao fazerem vínculo com os pacientes, e a própria instituição ao se tornar um lugar de acolhimento para os mesmos, torna-se um lugar para onde ir nos momentos de crise, um lugar para onde ir nos momentos de disrupção, de enfraquecimento dos laços sociais e familiares. Assim, como a confiança desenvolvida através do vínculo, faz da Instituição e dos profissionais, referência para a resolução das situações imprevistas que surgem na vida dos usuários.

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O CAPS apresenta-se como importante dispositivo substitutivo do hospital

psiquiátrico e do modelo hospitalocêntrico e médico-centrado de atendimento aos

portadores de sofrimento mental grave. Apresenta-se como dispositivo com vocação

para ser um articulador da rede de saúde, da rede social e da rede de saúde mental, em

torno do tratamento dos que são excluídos do convívio social por apresentarem

transtornos mentais.

Essas redes, por apresentarem múltiplos e diferenciados nós, têm como eixo as

pessoas que sofrem. Essas redes têm como articulador o Centro de Atenção psicossocial

em seu papel de tecimento destas teias relacionais, tanto no atendimento cotidiano

destas pessoas quanto no entrelaçamento com outros coletivos, da rede de saúde, da

rede social e da vida comunitária.

O primeiro Centro de Atenção Psicossocial do Brasil foi inaugurado em 1986.

Seu surgimento deveu-se ao movimento dos trabalhadores em saúde mental que

buscavam alternativas para uma melhor assistência aos pacientes. Os CAPS são

regulamentados pela Portaria nº 336/GM22, de 19 de fevereiro de 2002 e integram o

SUS.

O CAPS é um serviço do SUS, aberto, referência no tratamento de pessoas com

sofrimento mental grave23. Objetiva oferecer tratamento e evitar a internação em

hospitais psiquiátricos, assim como facilitar a reinserção social, laborativa, de lazer e de

cidadania. Favorece também a reconstituição dos laços familiares e comunitários. Isto é

22 A Portaria nº 336/GM define questões como as modalidades dos CAPS, sua especificidade e independência de estrutura de serviço hospitalar, suas funções, atividades e modo de funcionamento. 23 De acordo com a Linha Guia de atenção em saúde mental, Saúde em casa (2006), a CID-9 (Classificação Internacional de Doenças) fazia uma interessante distinção entre os quadros de neurose grave e psicose, quadros designados como específicos para o atendimento nos CAPS, I, II e III. De acordo com a CID-9, as psicoses seriam os quadros de sofrimento mental severos e persistentes, como a esquizofrenia, a paranóia e os transtornos graves de humor com suas vivências psíquicas bizarras (como os delírios e alterações de consciência do eu). As neuroses seriam os quadros de vivências psíquicas que poderiam se exacerbar em algumas pessoas, mas que em maior ou menor grau são experimentados por todos nós (ansiedade, tristeza, medo, manias e etc.). Entretanto a CID-10 que é a classificação utilizada pela linha guia citada, deixa de lado a distinção entre psicose e neurose, elegendo um quadro geral de diferentes transtornos, a saber: 1- quadros psiquiátricos orgânicos, que trazem prejuízos cognitivos e têm causa orgânica constatável, (demências e delirium). 2- As psicoses consideradas (por Jarpers) como psicologicamente incompreensíveis em suas vivências bizarras, mas sem comprometimento da memória, inteligência e nível de consciência (Esquizofrenia, transtorno delirante persistente, [antiga paranóia], o episódio maníaco, o episódio depressivo grave e o transtorno bipolar [os antigos transtornos graves de humor e psicose maníaco-depressiva] ). 3- Os transtornos fóbicos-ansiosos (neurose de ansiedade), os transtornos somatomorfos e dissociativos (neurose histérica) e episódios depressivos leves e moderados (episódios depressivos em neuróticos). Transtornos psicologicamente compreensíveis, mas que apresentam em grau exacerbado, vivências experimentadas pelo psiquismo normal (ansiedade, medo, idéias obsessivas). Os transtornos do item 3 são os quadros que na CID-9 seriam descritos como neuroses e na CID-10 são descritos também como transtornos. A CID-10, portanto, em sua pretensão de ser a-teórica, apaga a diferença entre neurose e psicose (que é cara à teoria psicanálitica).

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feito através do oferecimento de atendimento em regime diário, projetos terapêuticos e

cuidado clínico personalizado, oferecimento de suporte e supervisão à atenção a saúde

mental na rede básica, controle da medicação.

OS CAPS devem ter espaço próprio com determinadas características físicas.

Deve ter no mínimo espaço para consultórios e atividades individuais, salas para

atividades grupais, espaço de convivência, oficinas, refeitório, sanitários e área externa

para recreação, oficinas e esportes.

Nos CAPS são atendidas as pessoas que apresentem intenso sofrimento psíquico,

e pertençam àquele território onde ele está inserido. Pode-se ser encaminhado aos CAPS

ou ir diretamente a ele. Ao chegar, a pessoa será acolhida e integrada ao serviço da

melhor forma e de acordo com um projeto que será esboçado e posteriormente

aperfeiçoado. O atendimento também pode ser domiciliar se necessário.

O profissional que faz este acolhimento será a referência do usuário no serviço, e

será responsável pelo seu projeto terapêutico e por determinar a freqüência do

atendimento, se intensivo (atendimento diário), semi-intensivo (até 12 vezes ao mês) ou

não intensivo (até três dias no mês).

O serviço oferece atividades terapêuticas de diferentes tipos e se caracteriza pelo

atendimento na forma de uma clínica ampliada. Esta clínica é uma forma de

atendimento que não negligencia aspectos sociais e da história do paciente, exigindo um

compromisso radical com o mesmo em sua singularidade, assumindo responsabilidade

em relação ao mesmo, buscando ajuda em outros setores e áreas do conhecimento,

enfim, uma postura ética de compromisso e produção de vida. De acordo com Cunha

(2005) a Clínica ampliada pode ser considerada uma tecnologia de cuidado humanizado,

que contrasta com uma cultura que, verticalizada, ignora os marcos de poder e a

necessidade de promoção de um ambiente afetivo, propício à criatividade e que encare

com seriedade os sujeitos envolvidos na situação clínica. Ainda de acordo com Cunha

(2005), a construção do protagonismo dos sujeitos trabalhadores, cuidadores e cuidados

têm na clínica ampliada grande relevância. O conceito de clínica ampliada através de

aproximações de diversos campos teóricos, coloca em operação, ações que não se

furtam a acessar perspectivas várias, (como combinar intervenções em diversos planos

como o biológico e o subjetivo), no disparo de produções que abram caminhos

terapêuticos para o sujeito doente.

O tratamento e o funcionamento do serviço é feito através de: atendimento

individual, atendimento em grupo, atendimento à família, atividades comunitárias,

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assembléias, reuniões de organização do serviço e outras. Além da distribuição de

medicamentos básicos da saúde mental.

O CAPS VIDA de Santo Antônio do Monte, enquadra-se na modalidade CAPS

I24, isto é, dos CAPS implantados em municípios com população entre 20.000 e 70.000

habitantes, funcionando de segunda a sexta feira de 8 às 18 horas.

Em março de 2006 ficou pronto o projeto do CAPS VIDA e logo foram

iniciadas as obras de adequação do prédio25 às normas do SUS. Os primeiros

atendimentos em nível ambulatorial, ocorreram em junho de 2006. Ao término das

reformas e contratações necessárias o CAPS VIDA foi inaugurado em seis de outubro

de 2006.

O CAPS VIDA situa-se em um imóvel de dois pavimentos, extremamente bem

construído e confortável, adequado ao seu funcionamento. É composto por uma sala de

recepção mobiliada com balcão de atendimento e bancos onde os pacientes são

recebidos e encaminhados às terapias. Ao lado da porta de entrada localiza-se a sala de

oficinas terapêuticas, que se comunica com o jardim interno e onde são realizadas as

diversas oficinas de artesanato. No centro do primeiro piso, tem-se a sala multiuso, que

tem seu funcionamento coordenado de acordo com a agenda de atividades, e é

mobiliada com uma grande mesa onde são realizadas as refeições. Ainda na sala

multiuso fica a televisão, bancos acolchoados, um armário de aço e bebedouro. Neste

piso encontra-se a cozinha, que também tem acesso ao jardim interno, sanitários,

depósito de material de limpeza, dispensa e área de serviço.

No piso superior, acessado através de uma rampa, temos uma grande sala de

espera que dá acesso a quatro amplos consultórios, uma copa, sanitários, sala de

administração, dispensação de medicamentos e enfermaria.

De acordo com Técnico 1 da Secretaria de saúde:

O CAPS foi um avanço. São profissionais caros, a estrutura física

é complexa. Tanto que no CAPS tem um jardim. Não existia 24 O CAPS II é modalidade para municípios entre 70.000 e 200.000 e pode ter um terceito turno até as 21:00. O CAPS III, para municípios com mais de 200.000 funciona diariamente inclusive feriados e fins de semana por 24:00. O CAPSi para municípios com mais de 200.000, atende crianças e adolescentes e funciona de 8:00 às 18:00, de segunda a sextas-feiras. O CAPSad, para municípios acima de 100.000 habitantes, atende usuários de droga e álcool e funciona de 8:00 às 18:00, de segunda a sexta-feira, podendo ter mais um turno até às 21:00. 25 O imóvel onde funciona o CAPS VIDA, foi cedido em comodato pela Sociedade São Vicente de Paulo à prefeitura municipal.

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aquilo. A área lá era vaga. E vai abrir mais. Só que lá ficou

muito caro. Não é do setor público. Pertence a sociedade São

Vicente de Paulo. Toda aquela área é da sociedade em comodato

com a prefeitura, ou seja, o uso. A sociedade deu para a

prefeitura, ela pode usar, enquanto for uma coisa da saúde e de

graça para a população. Enquanto for para atendimento público,

de graça, a secretaria de saúde pode utilizar..

Um serviço de saúde coletiva, que ofereça atenção à saúde mental coletiva, é

idealmente um exemplo de possibilidade e oportunidade de interação e interconexão,

dado a sua vocação para colocar-se em rede com as diversas instituições da

comunidade. Instituições de saúde, de educação, sociais. Beneficiando e articulando

desde o individuo, a família, a escola, a igreja, as associações de bairro, a comunidade, a

municipalidade, os PSFs (Programas de Saúde da Família), os pequenos grupos e

lideres que garantam uma cooperação e absorção dos problemas em níveis individuais e

de grupo, tornando a clínica mais dinâmica em sua formação e possibilidades.

A demanda por um serviço especializado em Saúde Mental Coletiva no

município de Santo Antônio do Monte, foi justificada através do propósito de diminuir

os casos de auto-extermínio na cidade.

De acordo com informações estatísticas fornecidas pela Secretaria municipal de

saúde, na tabela de Óbitos por causa, do ano de 2006, o número de mortes por suicídio

(7,6% dos óbitos ao ano), somente foi superado pelo de mortes por infarto agudo do

miocárdio (11,4% dos óbitos), sendo que na referida tabela o número de mortes mal

definidas respondem por 16,45% dos óbitos. Segundo Botega (2007)26 estima-se que o

número de tentativas de suicídio supere o de suicídios em pelo menos 10 vezes.

Seguindo esta estimativa teríamos a probabilidade de haverem ocorrido em 2006, pelo

menos 70 tentativas de suicídio no município. Os Programas de Saúde da Família,

encontravam-se impossibilitados de fazer frente a estes fatos, já que não contavam em 26 De acordo com Botega (2007) o coeficiente de mortalidade por suicídio no Brasil é de 4,5 por 100.000 habitantes ao longo de um ano, número que é considerado relativamente baixo numa escala mundial. (Disponível em http://www.rbpbrasil.org.br/portal/artigo-no-prelo/suicidio-saindo-da-sombra-em-direcao-a-um-plano-nacional-de-prevencao acessado em 02/12/2007.) Entretanto, ao transportarmos esta relação para uma população de 24.000 habitantes, que é a população de Santo Antônio do Monte, encontramos o valor de 1,08. Portanto conclui-se que o número de suicídios no município ao ano (seis óbitos) encontrava-se em 2006 bem acima dos níveis gerais do país.

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suas equipes com técnicos em saúde mental ou com uma instituição a nível municipal

que atuasse de forma coletiva nesta área, a qual pudessem referenciar.

A atenção em saúde mental no município de acordo com Técnico 1 da Secretaria

de saúde era feita de forma precária:

A maioria dos pacientes eram transferidos para fora, faziam o

tratamento fora. Muitos eram particular. Daqui da região não

tinha absolutamente nada que cuidasse da saúde mental. Na

região de Divinópolis eram três ou quatro CAPS há uns três anos

atrás. Encaminhava para hospitais, alcoólatras iam quase todos

para o Gedor. Eles não aceitam mais porque agora o tratamento

é químico mesmo. O alcoolismo, eu acho que eles não estão

aceitando, porque isso está virando quase uma doença domicílio,

quer dizer que a doença tem que ser tratada no lugar que a

pessoa mora. Não adianta enfiar para fora, depois volta a mesma

vida, o mesmo sistema de cultura. Não tinha nada aqui, não.

Tinha psicóloga que atendia para nós, lá no Instituto. Um

convênio que tinha antigamente. Psiquiatria, alguns casos mais

complicados iam todos para Divinópolis. Crianças acho que

tinham que ir para BH, porque não é qualquer psiquiatra que

atende. Isso antes do CAPS. Aí já melhorou nesse sentido.

Antigamente não dava pra atender metade das pessoas que

procuravam. Não tinha condições de auxílio. A vantagem no

CAPS está nisso aí. O tratamento é aqui, a pessoa não tem

desculpa de distância, não tem gastos com transporte, sem contar

que são profissionais. Lá está de fora, não sabemos, não

conhecemos as instituições direito. (Técnico 1)

Nota-se que a vocação para escuta e a clínica num serviço deste porte marca

certas singularidades, ao confrontar o profissional com problemas que para além do

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psíquico, envolvam a saúde geral num grau que simulem a própria loucura, assim como

problemas sociais que promovam a mesma.

Criar e acionar os dispositivos clínicos e sociais para o clareamento de um caso,

para que se tornem possíveis as condições para que se inicie um tratamento, através da

escuta, da atenção e da oferta de um espaço social de inserção, de uma referência. Estas

necessidades justificaram a criação de um Centro de Atenção Psicossocial, o CAPS

VIDA, que coordena as ações em saúde mental coletiva do município, assim como

intenta colocar em rede as instituições de saúde coletiva já existentes.

As pessoas têm assim um local de referência e acolhimento:

O acolhimento institucional não está limitado no tempo, nem a uma só pessoa. Quem acolhe, acolhe um sujeito, um discurso. Trata-se, nesse momento, da presentificação de um outro, de uma recusa de uma relação dual. Esse é um lugar de aprendizagem, ocupa uma posição de escuta em relação a clínica, ocupa uma posição de um Outro que também está submetido a uma lei. (MOTTA, 2005, p.48).

Esta oferta da saúde mental coletiva, como um lócus onde o sujeito possa

referenciar-se e amparar-se nos momentos de sofrimento psíquico, de solidão e

desamparo, é uma das possibilidades e singularidades do CAPS VIDA, que convive

com usuários em momentos de conflito, de angústia, quando a presentificação de um

outro, é uma possibilidade de manutenção do desejo e de invenção da vida. É a

possibilidade de acender o desejo pela vida:

A medida que cada um é sempre mais só, que ele é sempre mais e mais responsável de desejar, é sempre mais desesperante não desejar. Não é mais o ideal que nos aniquila, desde que o ideal é o desejar; é a pobreza mesma de desejar que aniquila. A depressão se torna, um significante no qual muitos se reconhecem, sem que se tenha nada a lhes explicar. (LAURENT, 2000, p. 80).

O centro de Atenção à Saúde Mental, CAPS VIDA funciona das 08:00 às 18:00

horas, de segunda à sexta-feira, para o atendimento de adultos, (a partir de 18 anos)27

27 A faixa etária até 18 anos é atendida por um pequeno número de profissionais da área pública (três psicólogas: duas na Secretaria da Educação e uma no Centro de especialidades). Espera-se que em 2008 esta defasagem seja solucionada através do Plano municipal de Saúde Mental que esta sendo elaborado.

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portadores de sofrimento mental, oriundos de encaminhamentos da rede pública, ou de

demanda espontânea. São feitos em média 1.300 procedimentos/mês que compreendem:

o acolhimento, atendimento individual (psiquiátrico e psicológico), atendimento

familiar, grupos terapêuticos, oficinas profissionalizantes, oficinas temáticas, oficinas de

arte, reuniões com familiares, visitas domiciliares, eventos festivos (juntamente com a

comunidade), criação de um espaço de convivência, acompanhamentos terapêuticos,

reuniões com as equipes dos PSF, reuniões de equipe, para capacitação em saúde mental

coletiva. Busca-se também a integração com as Secretaria de Assistência Social,

Secretárias de Cultura, o serviço de pronto atendimento do Hospital Geral do município

e com a rede de apoio social.

O referencial transdisciplinar da abordagem psicossocial, com o respaldo da

psicanálise, obedece a princípios que resguardam uma ética, mas que não estabelece

regras rígidas para o atendimento. Entende-se que num contexto especifico como o da

saúde mental coletiva, deve-se pensar em ações que sem prejuízo de uma práxis, se

insira num ambiente multiprofissional. A interlocução com outros saberes e práticas,

potencializa as possibilidades materiais e humanas presentes no contexto do serviço e

leva em conta a demanda e a premência por um tratamento. Evita também o

reducionismo do campo da saúde mental, como tem ocorrido na saúde e na educação,

quando a aplicação de determinados modelos da administração científica, fragmentam

todo processo, tornando-o incompreensível e desresponsabilizando seus agentes.

Santomé (2007), em seu livro Globalização e interdisciplinaridade, faz uma

interessante reflexão sobre a possibilidade de redução de interessantes discursos sobre a

organização curricular, portanto de inserção de conteúdos transversais, a slogans ou

conceitos sem conteúdo. O referido autor demonstra isto através de analogias entre o

mundo empresarial com seus modelos de administração científicas e seus reflexos ou

influências na esfera da educação. Começa a analogia, comparando: as semelhanças dos

modelos Fordista e Taylorista de trabalho (com sua linha de montagem que

desapropriou o trabalhador do conhecimento, através da fragmentação do processo de

trabalho), a montagem de currículos por disciplinas, que de forma semelhante

compartimentou a cultura escolar, atomizando as tarefas e deixando-as

incompreensíveis para a realidade cotidiana. O resultado em ambos os casos foi bastante

semelhante: a despersonalização, a criação de um contingente obediente de pessoas,

sem possibilidades de iniciativa ou propostas.

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Sua analogia continua ao comparar o modelo Toyotista, que surge para satisfazer

uma necessidade de flexibilidade, competitividade e produção do mundo globalizado, às

novas propostas curriculares de flexibilidade organizativa, e de exaltação do

trabalhador, no caso o professor. Dessa forma abrem-se reais possibilidades de intervir,

pelos grupos comprometidos com a sociedade e educação. Entretanto, entende Santomé,

que ao amarrar esta flexibilização curricular a sistemas de indicadores, o que se faz é

novamente reduzir a liberdade de muitos, à escolha dos métodos para consecução de

fins determinados por uma macroestrutura. Esta estrutura promove novamente o engodo

de uma educação que se trai ao produzir obediência ao invés de pessoas capazes de

julgar, compreender e intervir de forma justa e solidária. 28

A clinica ampliada e o modo psicossocial, tem na saúde mental coletiva um

lócus privilegiado, pois a possível interação com a comunidade, através dos

dispositivos29 e profissionais dos serviços, permite ações que seriam impossibilitadas na

prática, sem essa proximidade, sem esta infiltração, que permite a construção da

cidadania.

Essa proximidade retira o sujeito do anonimato de uma política manicomial, que

o isolaria em comunidades distantes, nas quais não seria visto em sua singularidade e

sim como mais um, um a mais sobre quem nada se poderia fazer (além da

medicalização). Em sua própria comunidade, no entanto, a rede social, pode ser

acionada. Ocorre dessa forma uma possibilidade de mudança na cultura:

Está em processo de mudança a imagem da loucura e de louco, a imagem da instituição e da relação com os usuários e a população com ela (desinstitucionalização). Nessas transformações merecem destaque a imagem da instituição que se formula como espaço de circulação ( não mais espaço depositário) e pólo de exercício estético, e a imagem do “louco” como cidadão que deve almejar poder de contratualidade social. (COSTA-ROSA, 2003, p. 33).

28 (Disponível em http://www.uniesc.com.br/esp/etxt/CURRICULOS.rtf acessado dia 02/12/2007.) 29 De acordo com Regina D. B. de Barros a característica de um dispositivo é seu caráter ativo. Citando Foucault, apud Deleuze, afirma que qualquer dispositivo se caracteriza por quatro tipos de linhas: a visibilidade, que os torna máquinas de fazer ver e falar; a enunciação, que faz com que o sujeito se descentre ao ser falado e visto pelas condições do estrato e não por falar e ver as coisas. Comporta também linhas de força, onde se destaca o poder-saber, a luta incessante entre as palavras e as coisas para sua afirmação. Nestas linhas as identidades só se sustentam provisoriamente, pois o discurso se bifurca em divergências que se abrem ao que se complexifica e multiplica. Há ainda as linhas de subjetivação, que são as de invenção da existência e tais como um processo, se situam nas bordas do dispositivo, de forma intensa, franqueando limiares e repudiando os universais em direção ao novo. Para Barros, pensar dispositivos é também pensar efeitos, é articulação de heterogêneos e o acionar de funcionamentos. (CADERNOS DE SUBJETIVIDADE, 1993).

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Os agentes sociais, acionados pelos profissionais do Centro de Atenção

Psicossocial CAPS VIDA, bem orientados, acionam uma rede invisível de relações, que

vão desde a família, aos vizinhos, as unidades básicas de saúde com seus agentes

comunitários, que também acionam quem estiver mais próximo, ou mais capacitado,

para atuar junto a este paciente no momento de crise ou de impossibilidade.

Promovendo um meio social mais propício, para que o paciente se aproprie e se

responsabilize por sua condição, para uma busca de tratamento ou seu encaminhamento

através da rede de saúde ou social, quando necessário.

A integração entre os profissionais, da enfermagem, psicólogos, assistentes

sociais, psicanalistas, médicos generalistas e psiquiatras, na atenção em saúde mental

coletiva, torna-se um preventivo da hospitalização. As ofertas de oficinas terapêuticas,

de articulação entre o CAPS e as unidades básicas de saúde, assim como de leitos em

hospitais gerais da comunidade, favorecem uma outra lógica, uma outra fundamentação

teórica, técnica e ética, um modelo substitutivo para o modo manicomial. Apesar de

problemática, pela recusa de atendimento integral a portadores de sofrimento mental,

essa interação com os hospitais gerais e pronto atendimento, é crucial para evitar a

internação psiquiátrica e vem sendo equacionada. A resolução deste problema de

retaguarda para os CAPS, foi colocada como meta pela Secretaria Estadual de Saúde de

Minas Gerais, através da Coordenação de Saúde Mental ainda para 2007, no documento

Saúde Mental em Minas Gerais: Relatório de Gestão – coordenação Estadual de Saúde

Mental 2003/2006 à página 21. Considera-se assim que o CAPS como dispositivo de

cidadania, fica fora de rota. Nesse ínterim a responsabilização daquele que dá alta para

um paciente prematuramente, por ser também um doente mental, tem sido feita através

do pedido de relatório de alta ou de boletim policial (BO).

Esta aglutinação de atenção aos aspectos psíquico, sociais, com possibilidade de

recuperação, física e mental, através do apoio social, do amparo e da atenção em saúde

mental coletiva, através principalmente de uma escuta atenta da subjetividade é um

modelo alternativo que confere (mantém) a cidadania daquele que singularmente se

manifesta em sua diferença.

A clínica, a clínica ampliada no CAPS:

Aqui, também, não se trata mais de uma clínica do olhar, mas da escuta, ou do “olhar que vê mais além do sintoma. A clínica como encontro, capaz de

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produzir senso, sentidos, no lugar de reprodução; como lugar onde identidades do participantes já não estão predefinidas. (COSTA-ROSA, 2006, p.30).

Essa forma, do indivíduo ser visto como uma totalidade bio-psico-social, faz

frente a uma crise da psiquiatria que em seu modelo asilar, propiciava altos índices de

cronificação em seu caráter iatrogênico e institucionalizante. Estas situações são

relatadas por pacientes do CAPS que estiveram internados em hospitais psiquiátricos e

viveram ali o pavor de não ser ouvido, a precariedade da destituição de direitos e do

estigma social que ainda trazem.

A participação de diversos profissionais nestes campos da saúde mental coletiva

permite o desenvolvimento de ações, que orientadas por um projeto transdiciplinar,

multiplica as experiências dentro de uma práxis mais ampla. Por uma clínica ampliada,

em que o atendimento se diversifica na forma integrada de oficinas de arte, oficinas

temáticas, oficinas terapêuticas, psicodinâmica de grupo, atendimentos individuais

psicológicos, psiquiátricos, neurológicos, atendimentos pela assistência social ou em

rede com a Secretaria de Assistência Social, terapia ocupacional, atendimentos em

enfermagem, busca ativa de pacientes, assim como a criação de espaço para a

configuração de um grupo com os profissionais do serviço, favorecendo a construção de

um espaço de referência, de acolhimento, um lugar para onde ir com oferecimento de

transporte para os pacientes que não conseguem se dirigir ao serviço.

Entre os profissionais do serviço ocorre a troca de informações, a discussão dos

casos em sua integralidade, realizando a vocação (de diversidade de saber e formação de

rede) da saúde mental coletiva.

Esta postura dos profissionais, de respeito recíproco e de troca, de empatia é

justificada por Costa-Rosa:

É necessária uma atitude clínica capaz de por em foco não apenas o sofrimento, mas também a postura de quem acolhe. Clínica como clinamem; ato de divergir, bifurcar (Barros &Passos, 2000); de frenquentar outros setores do campo: Psicanálise, Psicoterapia Institucional, Materialismo Histórico, Alternativas à Psiquiatria, Filosofias da Existência, Esquizoanálise. Nesta postura poderá residir a atitude radical de exercitar o que começa a ser designado por alguns autores como Clínica Ampliada (GOLDBERG, 1994; BEZERRA, 1996; CAMPOS, 2001 apud COSTA-ROSA, 2003, p. 31).

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A integração dos profissionais do serviço, que permita e promova além do

encaminhamento recíproco, frequentações a outros saberes, assim como uma discussão

mais ampla das ações necessárias, acionamento e encaminhamento a outros

profissionais, ao se esgotarem os recursos do Centro de atenção psicossocial, o

acompanhamento da recepção do paciente por profissionais (de outras instituições)

assim como um retorno destes sobre as questões levantadas sobre sua saúde, não

somente psíquica, mas também clínica e necessidades sociais promovem uma visão

ímpar das possibilidades dos serviços em rede. Essa mudança promove a confiança no

CAPS pois:

Diz-se que a nossa era é de ansiedade, alienação e anomia. Os pacientes e as famílias que vemos são prova disso. Basta olhar nos olhos do homem da rua para ver que isso não acontece somente nos nossos consultórios. O que estou sugerindo é que mudanças no nosso mundo produz mudanças em nossas famílias, que produzem mudanças na pessoa como indivíduo. A psicoterapia de redes sociais é uma tentativa inicial para produzir mudanças num nível de organização acima da família. Uma meta na terapia de rede é criar maior compreensão nas relações entre as pessoas e a rede. (SPECK, apud TUNDIS e COSTA, p. 22, 2001).

O trabalho de equipe em saúde mental coletiva pode ser aperfeiçoado, na

questão do encaminhado pelos profissionais e não pela busca isolada e solitária do

paciente de instituição em instituição. Está sendo forjada uma cultura e o trabalho no

serviço que propicie “uma vinculação de saber, uma “des-hierarquização”” (MOTTA,

2005, p.47), onde integralizar as ações no atendimento do paciente, pautando-se pela

ética do sujeito, deva ser o objetivo a ser atingido, assim como a responsabilização da

equipe pela saúde da população que atende, buscando a implicação desta mesma

população com seu próprio cuidado e da rede de saúde e social, na construção de uma

ética de solidariedade.

A valorização da contribuição de diversas linhas teóricas é um acréscimo na

visão de Laurent:

Nas questões institucionais extremamente complicadas sobre as quais como psicanalistas, é preciso se orientar, fazer nossas escolhas, tentar construir um certo número de instrumentos, não devemos recuar. Isso não deve nos impedir de sermos inseridos em todos os níveis do sistema de distribuição de

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atendimentos, de fazermos escutar nossos próprios critérios de avaliação e a maneira que julgamos adequada, ou não ao seu projeto, uma sociedade, segundo o preço que ela dá ao desejo. Ao escutar essa voz, todos ganham, aí compreendidos os princípios de avaliação em termos de abonos de recursos. (LAURENT, 2000a, p. 85).

Dessa forma pode-se criar, como uma peça importante do serviço, um espaço

para integração mais ampla que dinamiza o funcionamento, ao oferecer um espaço de

escuta e integração, também entre os profissionais do serviço que movimentam as

ofertas deste Serviço de Saúde Coletiva de forma partilhada, pactuada e responsável –

ganha assim o CAPS, uma autonomia e interação, e um espaço que favoreça uma ética.

Como explica Stevens, a resposta para ser ética deve ser dada caso a caso:

Vemos que nossa resposta à saúde mental passa pelo uso dos nossos conceitos, os quais possibilitam uma nova clínica diferencial. Porém isso não basta. A consideração do sujeito, que ele seja formulado como um “querer dizer” ou como um “querer gozar”, implica uma posição ética a ser introduzida, sustentada nas instituições de saúde mental. O texto de Lacan O lugar da psicanálise na medicina, é na verdade, um texto sobre essa posição ética, pois ele problematiza a demanda do paciente e suspende, assim a resposta a ser dada. Para além de uma clínica diferencial, nossa ética deve ser a de uma clínica de cada caso. (STEVENS, 2000, p.48).

A introdução de oficinas de Arte, oficinas terapêuticas e de grupos temáticos

(aspectos psíquicos, da hipertensão, diabetes, ansiedade, gravidez, obesidade,

depressão) em apoio ou em conjunto aos atendimentos individuais e conjuntos na

atenção básica ocorre com objetivo de constituir parte de uma rede de saúde, como

estratégia diante da demanda excessiva, como possibilidade de ressocialização e

ampliação da abrangência da saúde mental coletiva e de sua multiplicação em rede.

Assim, a intervenção na

(...) Atenção Psicossocial vai se definindo por uma série de transformações do paradigma Asilar Psiquiátrico, valendo-se de ações nas esferas político-ideológica e teórico-técnica. (...) Suas ações teórico-técnico referem-se à produção de novas formas de intervenção que possibilitem a construção de novos dispositivos que trabalham pela transformação radical dos modelos institucionalizados e da ética em que se pautam. (COSTA-ROZA, 2003, p. 34).

Essas intervenções, também promovem um rompimento como o modelo asilar

de atendimento aos portadores de sofrimentos psíquico, abrindo novos espaços de

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integração que possibilitam que as demandas se configurem e possam ser trabalhadas de

diversas formas, assim como integram as ações das redes, aumentando sua

resolutividade e um saber fazer com o sintoma:

O discurso do psicanalista vai contemplar, no seu labor clínico, o retorno de um saber-viver, um desejo que faz viver e não uma prática clínica moralizadora de desidentificação do sujeito com seu gozo e sua conseqüente culpa. ( MOTTA, 2005, p. 46).

Na direção da clinica, em sua ação mais ampla num contexto social, como

acontece no CAPS é imprescindível um estudo teórico que possibilite uma práxis

coerente e responsável num campo tão amplo e complexo como a atenção em saúde

mental, em sua interlocução com outros campos e saberes. O desafio no CAPS é talvez

conjugar as possibilidades da clínica ampliada, com a premência e a diversidade do que

se apresenta, com muita inventividade. Isto implica privilegiar o sujeito e seu desejo,

impulsionando-o à invenção e ao cuidado de si.

A integração das equipes nos serviços de forma interdisciplinar, aumenta sua

resolutividade e eficácia, constituindo o espaço para a clinica ampliada, práxis

responsável, que referencia a saúde mental coletiva em suas ofertas diversas. A

promoção da inclusão, o acolhimento das demandas, a possibilidade de ocorrência de

processos de subjetivação, abrindo espaços para a construção de vínculos e produção

simbólica, assim como a possibilidade de implicação e responsabilização do sujeito

pelos seus atos, são objetivos da saúde mental.

Ocorre a possibilidade de reinvenção da vida quando:

Tem-se construído uma rede de novos serviços: espaços de sociabilidade, de trocas, em que se enfatiza a produção de saúde como a produção de subjetividade. Isto tem significado colocar a doença entre parênteses e propiciar contato com o sujeito, rompendo com as práticas disciplinares; aumentando a possibilidade de recuperação do seu estatuto de sujeito de direitos. ( COSTA-ROSA, 2003, p. 32).

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Paralelamente, a sociedade e seus discursos, o indivíduo e suas relações, assim

como as pulsões que o impelem, constroem o individual e o coletivo dialeticamente,

produzindo o sujeito em suas aparições e possibilidades.

A clinica ampliada nos Serviços de Saúde Mental Coletiva, particularmente no

CAPS, instituições que dialogam em diversos níveis com a sociedade, pode ser possível

e privilegiada em suas ações. Na medida em que num mesmo contexto encontram-se a

possibilidade de diversificação e intensificação de atendimentos, utilizando um serviço

de saúde que, bem estruturado e em profunda relação com a sociedade que atende,

facilita o tratamento psíquico. A formação de grupos, a abertura de espaços para que a

clinica ampliada se coloque de forma criativa e dinâmica na busca pela Saúde Mental no

espaço coletivo.

O funcionamento do CAPS VIDA, compreende um conjunto de ações que são

conduzidas pelos seus trabalhadores. Os profissionais especializados realizam as

seguintes ações apoiados pelos demais componentes do quadro de profissionais do

serviço:

1. Treinamento do acolhimento do usuário;

2. Realização de palestras, para a atenção básica e comunidade sobre os

atendimentos no CAPS e sobre temas relevantes;

3. Treinamento em Saúde Mental dos profissionais do CAPS e dos

profissionais da rede básica de saúde;

4. Contato com a rede social de apoio (Associação São Vicente de Paulo,

Asilo, Assistência Social, pessoas da comunidade, juiz e promotoria,

familiares e vizinhos dos usuários, Associação dos usuários, familiares e

amigos do CAPS) e estabelecimento de uma agenda, de eventos sociais;

5. Contato e estabelecimento de uma rede em Saúde e estabelecimento de

uma agenda para os possíveis encaminhamentos;

6. Acolhimento do usuário;

7. Elaboração do projeto terapêutico30 do usuário;

8. Encaminhamentos dentro das ofertas do CAPS e fora dele, nos diversos

setores da saúde;

9. Atendimento psicoterapêutico individual;

30 O projeto terapêutico pretende indicar uma direção para o tratamento do paciente, caso a caso, em acordo com o mesmo, quanto a diversos aspectos do tratamento, às oficinas a frequentar, aos dias que permanecerá no serviço e etc.

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10. Atendimento psiquiátrico;

11. Atendimento em grupo;

12. Atendimento e orientação familiar;

13. Realização de oficinas terapêuticas;

14. Realização de oficinas temáticas31;

15. Realização de busca ativa de usuários;

16. Realização de acompanhamento terapêutico;

17. Reuniões de equipe pra discussão do projeto terapêutico;

18. Preenchimento de prontuários que facilitem o acompanhamento

multidisciplinar;

19. Análise epidemiológica dos dados colhidos no serviço;

20. Acompanhamento do usuário e contra- referencia ao Serviço de Saúde

que o referenciou ao CAPS;

21. Transporte de usuários pelo CAPS.

Equipe Responsável:

1. Coordenação

2. Assistente Social

3. Auxiliar Administrativo

4. Auxiliar de Enfermagem

5. Auxiliar de Oficina

6. Enfermeiro

7. Motorista

8. Psicólogos

9. Psiquiatra

10. Serviços Gerais

11. Terapeuta Ocupacional

Os critérios para o tipo de cuidado prestado, são definidos pela equipe de técnicos

do CAPS, a partir de parâmetros dados pela condição de vulnerabilidade pessoal, (em

função da sintomatologia) e da vulnerabilidade social (situação social do paciente em

relação à família, a comunidade, e cidadania). São levados em conta o perfil definido

31 As oficinas terapêuticas comportam inúmeras ações como pintura, mosaico, desenho, teatro e etc, enquanto as oficinas temáticas, elegem temas que serão elaborados pelo grupo.

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para o usuário do CAPS I, assim como as normas e diretrizes apontadas pela Portaria/

SAS n◦ 189, de 20 de março de 2002, que definem através dos códigos da CID-10, os

atendimentos relativos ao CAPS I.

A partir dos parâmetros anteriores, os projetos terapêuticos definidos com a

concordância do usuário e discussão de cada caso, o tipo de cuidado prestado. Os

cuidados podem ser intensivo, semi-intensivo ou não intensivo, dependendo do grau de

persistência e severidade dos transtornos, e da necessidade de aumentar a vinculação do

paciente aos profissionais do serviço e à própria instituição. A tentativa é de superação

da crise sem a necessidade de internação psiquiátrica, com o oferecimento de

atendimento mais freqüente e multiprofissional e aumento da permanência do paciente

no CAPS e nas Oficinas.

A modalidade de cuidado intensivo é estabelecido para o paciente em crise, com

vulnerabilidade social, e que corra riscos e faça outros correrem riscos caso não receba

o tratamento mais freqüente e multiprofissional, que pode ser realizado diariamente.

A forma semi-intensiva é estabelecida de acordo com o estudo da equipe técnica,

numa freqüência, que se justifique tanto na tentativa de evitar uma internação, quanto na

tentativa de manter ou criar uma estabilidade para o paciente egresso do hospital

psiquiátrico ou em outras situações críticas

O não intensivo é estabelecido quando o paciente estiver caminhando para uma

(re) insersão familiar e social e portar um saber-fazer sobre seus sintomas, juntamente

com seus familiares.

Os desligamentos ocorrem por:

1. Abandono do tratamento (apesar de serem realizadas buscas dos

pacientes que não comparecerem);

2. Intercorrências clínicas/cirúrgicas;

3. Transferência para região de outros CAPS;

4. Transferência para internação ou por intercorrências;

5. Óbito;

6. Contra-referência para a rede de saúde primária com os procedimentos

adequados;

7. Contra-referência para a rede de saúde primária com mudanças nos

procedimentos;

8. Alta por conclusão do tratamento: paciente reintegrado socialmente,

culturalmente, com um fortalecimento dos laços familiares e portando

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um saber fazer sobre seus sintomas – mantendo também um saber sobre

seus direitos de ser atendido na rede articulada de serviços de saúde

mental, de saúde coletiva e de serviços sociais, se apropriando dessa

forma de seu projeto terapêutico e da possibilidade de exercer sua

cidadania.

A avaliação do trabalho interno realizado no CAPS VIDA, é feita através das

reuniões semanais da equipe (técnica), quando se faz uma avaliação das metas traçadas;

dos projetos terapêuticos, com uma redefinição apropriada e uma constante revisão das

hipóteses diagnósticas; do tipo de cuidado prestado; das possibilidades de desligamento

ou intensificação do tratamento, dependendo da circunstância de cada paciente.

A avaliação se estende às discussões do serviço em rede, aos projetos de

capacitação, aos treinamentos para o acolhimento, às reuniões para estudo de caso e

grupos de estudo e atualização.

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CAPÍTULO III

DA SAÚDE COLETIVA À

SAÚDE MENTAL COLETIVA:

A REDE E SEUS EFEITOS

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3.1 Saúde mental coletiva: cartografias da constituição de um campo

Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena.

Fernando Pessoa1

O funcionamento em interface do campo da saúde mental e da saúde coletiva2,

começa a se delinear com a culminância do processo pela reforma sanitária, em 1988 e

com a criação do SUS, Sistema Único de Saúde, sistema este que significa construção e

transformação de algo que demanda prática e processo político contínuos. Essas práticas

e processos políticos partem de uma idéia de horizontalidade, de conexão entre os

diversos serviços de saúde com diversos campos de saber. É interessante compreender

como se estabeleceram estas possibilidades de saída de relações hierárquicas,

particularmente de lógicas centradas no bio-poder3 e na suposta neutralidade científica4.

1 (Disponível em ww.pensador.info/autor/Fernando_Pessoa/6/ acessado em 10/04/2008). 2 O campo da saúde coletiva tem seus limites imprecisos, o que, de acordo com Campos (2008), tende a confundir-se com o campo da saúde em geral. De acordo com o autor, a saúde coletiva tem como noção central a produção social de saúde. É um campo que integra o social como categoria analítica (em sua orientação teórica, metodológica e política), empreende severas críticas ao positivismo (em seu reforço da polaridade do objeto) tendendo a rever a relação sujeito-objeto. A saúde coletiva parte de pressupostos epidemiológicos e oriundos das ciências sociais, apoiando práticas de distintas categorias e distintos atores sociais. Neste campo, onde se afirma uma relação dialética de co-produção entre pensar e agir, o pensamento é entendido como movimento e a contradição não significa necessariamente engano. Ainda segundo Campos (2008), a saúde coletiva busca combinar diversas disciplinas e questões como a política, gestão, epidemiologia, clínica, psicanálise, pedagogia, análise institucional, construção sócio-histórica do sujeito. Apresenta, portanto, uma perspectiva dinâmica que acolhe em si conflitos, lógicas diferentes, intersubjetividade e a inseparabilidade de sujeito e objeto. Objetiva o fortalecimento do sujeito ou de uma coletividade específica, aumentando seu potencial de autonomia em relação a seus determinantes e sua capacidade de crítica, de pensar, refletir e analisar. Assim como fortalece as relações entre desejos, interesses e necessidades sociais dos mesmos. (Disponível em www.scielosp.org/scielophp acessado em 09/02/2008.) 3 De acordo com Foucault (1979) o controle da sociedade começa no corpo, no controle da sexualidade e dos comportamentos. Este controle corre também nas relações produtivas, não operando através da consciência. 4 De acordo com Marilena Chauí (2004), a neutralidade científica é ilusória. Os procedimentos científicos de experimentação e observação, aparentemente buscam alcançar o objeto real. Dependem, entretanto, da escolha do cientista que faz a definição de seu objeto, a determinação do método. Não é, portanto, imparcial. A maior parte dos resultados científicos são oriundos de investigações militares e estratégicas, que incluem competições entre empresas transnacionais e dependem de financiamento de grupos hegemônicos.

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A saúde, o interesse para com a qualidade de vida nas cidades, é demonstrado

por intermédio das políticas públicas5 definidas como intervenção governamental que

visa solucionar uma situação problemática na vida social. No entanto, o Estado

brasileiro e suas políticas sociais até o final dos anos 80, de acordo com Roncalli

(2003), caracterizava-se como meritocrático e corporativo6, abrangendo categorias de

trabalhadores e os direitos sociais, dependentes de vínculo com o sistema

previdenciário. Uma cidadania relativa. Dessa forma,

A distribuição dos benefícios sociais por cooptação sucessiva de categorias de trabalhadores para dentro do sindicalismo corporativo achou terreno fértil em que se enraizar. Os benefícios sociais não eram tratados como direitos de todos, mas como fruto de negociações de cada categoria com o governo. (CARVALHO, 2001, p.222).

A implantação de sistemas de proteção social e de saúde no Brasil ligava-se

tradicionalmente a questões econômicas e estavam referenciados, em grande parte, a

ideologias européias. A preocupação principal em sanear os corredores de agro-

exportação, remonta ao século XIX, com o saneamento dos portos, a eugenia passiva

que favoreceu os imigrantes europeus (transformada, no caso do Brasil, em nova mão

de obra cafeeira), em detrimento dos negros, como constata Chalhoub:

Para encurtar uma longa história, o que estava ocorrendo na década de 1870, era que a febre amarela com os infalíveis estragos que provocava entre os imigrantes recentes, passou a ser percebida como um empecilho à idéia dos cafeicultores de “suavizar” –por assim dizer – a transição do trabalho escravo para o trabalho “livre” por meio da imigração européia. (CHALHOUB, 1996, p. 89).

5 A saúde pública tradicional de acordo com Campos (2008) é um estruturalismo que delega ao Estado toda responsabilidade e ônus pelo aparato técnico usado na produção de saúde. Tem ênfase atual no combate a certos estilos de vida. Esta ênfase pode torná-la moralista e normativa, se considerarmos o direito ao desejo e à escolha ao modo de vida de cada um. (Disponível em www.scielosp.org/scielophp acessado em 09/02/2008.) 6 O corporativismo é uma pratica social que visa defender os interesses principalmente de organizações e categorias profissionais, em detrimento do interesse público.

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Ideologias que negavam a política em função de verdades científicas e neutras,

no campo da saúde, vêm desde então (há mais de dois séculos, portanto) legitimando

decisões e casuísticas que se atrelam ao capital e ao interesse econômico:

(...) pressupostos da Higiene como ideologia: ou seja, como um conjunto de princípios que, estando destinados a conduzir o país ao “verdadeiro”, à “civilização”, implicam a despolitização da realidade histórica, a legitimação apriorística das decisões quanto às políticas públicas a serem aplicadas no meio urbano. (...) O que se declara, literalmente, é o desejo de fazer a civilização europeia nos trópicos; o que se procura na prática é fazer política deslegitimando o lugar da política na história. (CHALHOUB, 1996, p. 35).

Analisando os marcos políticos e institucionais da saúde pública e da saúde

mental (apesar de estarem na origem comum do Movimento pela Reforma Sanitária e

do Movimento Antimanicomial), verifica-se que se desenvolveram paralelamente e de

modo desigual. Percebe-se a herança e influência do pensamento cartesiano, onde um

cogito metafísico que separa mente e corpo, continua ainda, mais de 500 anos depois, a

separar aspectos orgânicos e psíquicos acerca da saúde (um empecilho para se pensar a

integralidade). De acordo com Motta:

Descartes forneceu argumentos metafísicos que fundaram o universo da razão, expulsando simbolicamente o universo da desrazão. A desrazão é colocada na exterioridade do sujeito, tendo como oposição a hegemonia da razão na constituição do sujeito, assim inscrito como centro do mundo a partir de uma interioridade radical constituída pela consciência. O que advém ao longo de séculos, constitui uma hegemonia da razão, um inventário de práticas e idéias representantes do discurso da ciência e da ação tecnológica. (Motta, 2005, p.43)

Numa tentativa de compreender a constituição do campo da saúde mental no

Brasil, em sua trajetória divorciada das ações em saúde pública, remonta-se aos

principais marcos e acontecimentos nestes dois campos.

O marco institucional da assistência psiquiátrica no Brasil é a fundação, em

1852, do Hospício Pedro II no Rio de Janeiro. Nesta circunstância, pode-se notar que os

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discursos médico e psiquiátrico seguem os moldes europeus e o hospício já nasce no

Brasil com vocação para a repressão e a reclusão.

Em 1923, nasce a previdência social no país e seu marco político é a Lei Eloy

Chaves e a legislação trabalhista. Neste período, temos o surgimento das CAPS7, que

propiciavam assistência médica com serviços próprios aos associados. Na saúde pública

temos o sanitarismo campanhista (ainda no combate à febre amarela). Neste ínterim

ocorrem na saúde mental, na década de 20 e, portanto, 70 anos depois da fundação do

primeiro hospício, os primeiros relatos de abusos a pacientes e as primeiras

preocupações em diminuir os meios coercivos do tratamento moral8.

Entre 1930 e 1945, com a ascensão ao governo de Getúlio Vargas, ocorrem

propostas de contenção de gastos e ações centralizadas da saúde pública assim como a

criação do Ministério do Trabalho e da CLT9. É o auge do sanitarismo, com a criação do

Serviço Nacional de Febre Amarela e Serviço de Malária do Nordeste. As políticas

públicas são de cunho populista, mas ocorre uma mudança de foco - do saneamento dos

espaços de circulação de mercadorias para o corpo do trabalhador - posto que o declínio

da produção de café e o início de um modelo industrial o tornavam o foco mais coerente

economicamente. Na saúde mental parece ter se repetido no Brasil o que na Europa

Foucault chamou de a grande internação, pois, para além da reclusão de doentes

mentais os hospícios se tornaram depósitos de sifilíticos, tuberculosos, deficientes e

marginalizados. Carvalho lembra que: “Apesar de tudo, porém, não se pode negar que

o período de 1930 a 1945 foi a era dos direitos sociais. Nele foi implantado o grosso da

legislação trabalhista e previdenciária.” (CARVALHO, 2001, p.123).

No período de 1945 a 1966 temos uma nova Constituição (promulgada em 1946)

e o Golpe Militar (1964). Em 1966, foi criado o INPS10, mas a crise da capitalização de

recursos, o crescimento dos gastos com a incorporação da assistência sanitária à

previdência e a uniformização dos direitos dos segurados tem como conseqüência o

esgotamento de reservas. O Estado, como o grande gerenciador dos recursos, privilegia

a compra de serviços das corporações médicas e privadas e dos fabricantes de

medicamentos. É o estabelecimento do “complexo previdenciário médico-industrial”

que segundo Roncalli (2003) conjugou perversamente a intervenção do Estado, com o 7 Caixas de Aposentadoria e Pensões 8 O tratamento moral, construção de Pinel, de acordo com Amarante (1996) tem como princípio terapêutico fundamental, o isolamento. O asilo é a instituição onde ocorre o tratamento moral e, através do isolamento, é o próprio tratamento moral. 9 Consolidação das leis trabalhistas. 10 Instituto Nacional de Previdência Social

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privatismo. No campo da saúde mental, em 1955 surgem os primeiros psicofármacos11 e

com as primeiras denúncias na imprensa dos maus tratos e da situação de vida

animalesca dos internos nos hospícios, é possibilitada a entrada da iniciativa privada no

empreendimento dos hospitais psiquiátricos, onde o lucro fácil e a psiquiatrização dos

problemas sociais possibilitou o que foi chamado de “indústria da loucura”12.

De acordo com Garcia (2002) o Estado Liberal, propunha a segurança na

insegurança. A segurança de ter os direitos absolutos respeitados (cidadania) na

insegurança natural de cada um. A ordem jurídica é que garantiria a estabilidade. Sabia-

se da desigualdade diante da doença e da morte, mas esta era considerada natural

mesmo com causas sociais e o máximo que se admitia é que a ordem social contribuía

para a manutenção dessa diferença. Entretanto, ao louco a cidadania constituiu-se desde

sempre como paradoxo: a loucura, ao ser elevada ao estatuto de doença mental no

século XIX, reduziu o louco à sua enfermidade, com o direito de assistência e

tratamento sob a proteção do Estado (BEZERRA JÚNIOR e AMARANTE, 1992, p.

73). Isto significou sua exclusão social, aprisionamento e destituição de direitos civis e

políticos, baseados no estatuto da doença mental como sinônimo de déficit,

periculosidade e desrazão e nos princípios do tratamento moral, que preconizavam o

isolamento.

Surge neste estado liberal a Previdência Social que instituiu obrigações sociais

frente à doença que se tornaram ilimitadas gerando a necessidade de reconhecer

mecanismos de decisão, responsabilização e gestão para que se impusesse um limite.

No entanto, novamente a escolha feita pelo bem estar social, passa para o âmbito

político e econômico.

Entre 1966 e 1980, com o modelo acima estabelecido, o constante desrespeito

aos direitos civis e políticos, a crescente insatisfação, pressão social e internacional, o

governo Geisel foi forçado a minimizar os efeitos da política excludente. A pressão

internacional foi decisiva: “Em 1970, o próprio Papa denunciou a tortura no Brasil. A

hierarquia católica moveu-se com firmeza na direção dos direitos humanos e da

oposição ao regime militar.” (CARVALHO, 2001, p. 182).

Ocorrem concomitantemente o processo de abertura política dos anos 70 e os

movimentos dos profissionais da saúde mental. A vitória da oposição nas eleições

11 TUNDIS e COSTA, 2001, p. 58. 12 MINAS GERAIS, 2006, p. 30.

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parlamentares promove a eclosão do Movimento pela Reforma Sanitária em favor de

mudanças dos modelos de atenção das práticas de saúde e gestão, em defesa da saúde

coletiva, equidade e protagonismo dos trabalhadores.

Em 1979 é realizado o I Simpósio Nacional de Política de Saúde, um momento

estratégico para a organização do Movimento pela reforma sanitária. Este simpósio foi

realizado pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados e teve como documento

aprovado: Questão Democrática na Área da Saúde, apresentado pela diretoria nacional

do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES). De acordo com Cordeiro (2008)13,

este documento traz uma crítica ao regime autoritário e suas conseqüências para a

saúde, estabelecendo princípios que seriam adotados pela Reforma Sanitária. Uma das

propostas é a criação de um Sistema Único de Saúde, o SUS, de forma descentralizada

evitando corporativismos e manipulações – uma rede nacional, regionalizada e

descentralizada.

Ainda na década de 70 é mostrado pela imprensa, o Hospital de Barbacena, com

sua falência terapêutica, com a desumanidade do tratamento aos internos, que chegaram

a presenciar nos pátios do hospício, o cozimento de cadáveres para fornecimento às

faculdades de medicina. Inserido num contexto nacional e numa luta internacional,

inicia-se o processo pela Reforma Psiquiátrica no Brasil: é o Movimento dos

trabalhadores em Saúde Mental que impulsiona o Movimento Nacional pela Luta

Antimanicomial, contando em 1979, com a visita ao Brasil, de atores de peso no

movimento internacional, como Baságlia, Foucault e Castel.

De acordo com Souza (2002), foi no final dos anos oitenta, em 1987, que

aconteceu o II Congresso Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, em Bauru - São

Paulo. Neste congresso ocorreu a radicalização do movimento de trabalhadores, a partir

do entendimento que a humanização dos hospitais e a criação de programas

ambulatoriais, não produziram uma relação diferenciada entre o social e a loucura. As

internações continuaram a ocorrer, assim como a segregação social. De acordo com

Souza, esse movimento ampliou-se e passou a chamar-se Movimento da Luta

Antimanicomial – um interlocutor importante para o Estado em sua implementação de

políticas públicas e de inclusão social dos que apresentam sofrimento mental.

Entre 1980 a 1992 temos a exacerbação do discurso neoliberal com seu

receituário excludente. Na contramão deste processo, em 1987 é implantado o primeiro

13 CORDEIRO, Hésio. O Instituto de Medicina Social e a luta pela Reforma Sanitária: Contribuições à história do SUS. (Disponível em www.scielo.br/scielo.php , acessado em 03/03/2008.)

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Centro de Atenção Psicossocial do Brasil, em São Paulo e os primeiros Núcleos de

Atenção Psicossocial em Santos.

A Constituição promulgada em 1988 favorece o debate na área social, com seu

conceito ampliado de saúde14 e as diretrizes do Sistema Único de Saúde, como a

descentralização, integralidade e a seguridade social (LIMA, 2005). Entende-se que

A Constituição de 1988 ampliou também, mais do que qualquer de suas antecedentes, os direitos sociais. (...) O principal problema está nos benefícios previdenciários, sobretudo nos valores das aposentadorias. A necessidade de reduzir o déficit nesta área foi usada para justificar reformas que atingem negativamente, sobretudo o funcionalismo público. (CARVALHO, 2001,p. 206).

Em 1989, o deputado federal pelo Partido Trabalhista de Minas Gerais, Paulo

Delgado, propõe um projeto de lei regulamentando os direitos da pessoa com

transtornos mentais e a progressiva extinção dos manicômios no país (BRASIL, 2005,

p.6).

Em 1990, é promulgada a Lei 8080 que estabelece o controle social na saúde e

em 1991 a Norma Operacional Básica e a LOS, Lei Orgânica de Saúde.

Em 1992 vários movimentos inspirados no Projeto de Lei de Paulo Delgado

conseguem aprovar as primeiras leis que determinam a progressiva substituição dos

leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental (BRASIL, 2005-a.

p. 7). Mas somente em 2001, após doze anos de tramitação no congresso, é aprovada a

Lei Federal 10.216 a partir do mencionado projeto de lei.

Na Saúde Mental ocorrera a redução dos leitos psiquiátricos e a III Conferência

Nacional de Saúde Mental (BRASIL, 2002), que consolidou o novo modelo de

assistência e os centros de atenção psicossocial (CAPS) como articuladores da rede em

saúde mental – como objetivo a ser conquistado.

Entende-se, pelo desenvolvimento das políticas públicas da Reforma Sanitária e

da Reforma Psiquiátrica no Brasil, que as questões de Saúde Mental, circularam

paralelas às questões de saúde coletiva, como se delas não fizessem parte.

14 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 2005-b, p. 56).

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Entretanto, a atenção psicossocial inaugura um campo com frequentações ao

individual e ao coletivo que poderá se constituir como o campo da Saúde Mental

Coletiva – dimensão complexa, híbrida e às vezes paradoxal, que articula o psíquico e o

social, mas não prescinde, entretanto das benesses da clínica, de uma clínica ampliada

nem das questões políticas15 em seu sentido da conquista de cidadania e de processos de

subjetivação. Essas frequentações podem ser pensadas como rede:

Uma rede de redes seria a matriz para se pensar uma nova estrutura de atendimento. Uma rede de redes seria a dimensão que convém ao espaço público destinado ao atendimento e cuidados que acolhem uma faixa da população. (GARCIA, 2002, p.108).

A saúde em sua dimensão micro-política, da relação cotidiana entre os serviços e

sua contraposição a uma política que privilegie a estatística. A microfísica de relações

em rede de redes:

A rede de redes a partir do acontecimento e da singularidade faz contraponto à dimensão macro, própria do planejador, técnico, burocrata. Rede de redes não pretende ser uma metodologia geral, ela é uma organização local para uma experiência única, singular, é genérica à medida que se forma a partir de um ponto; contém várias entradas e não conhece centro nem periferia. (GARCIA, 2002, p.111 e 113).

De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2005) a Saúde Mental deve

funcionar em rede com a atenção básica. Assim se daria a formação de rede:

... Uma rede se conforma na medida em que são permanentemente articuladas outras instituições, associações cooperativas e variados espaços das cidades. A rede de atenção à saúde mental do SUS define-se assim como de base comunitária. É, portanto, fundamento para a construção desta rede a presença de um movimento permanente, direcionado para os outros espaços da cidade,

15 Pensando tal com Marilena Chauí (1997), no uso geral da palavra política, como as direções dos grupos sociais que envolvam poder, administração e organização – pública ou privada.

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em busca da emancipação das pessoas com transtornos mentais. (BRASIL, 2005 p. 28)

Dentro da rede de Saúde Mental cabe, portanto a rede social com a qual os

profissionais devem se articular, na construção das conexões e vínculos possíveis. Do

que tratam essas conexões e vínculos?

Vínculo e responsabilização englobariam terapêuticas e a responsabilidade do profissional ou da equipe em articular ações e encaminhamentos aos outros recursos disponíveis para resolução dos problemas de saúde da população. (ALVES et al. 2006, p.63).

A constatação da parcialidade de cada saber faz com que se conclua que nenhum

deles dispõe de todos os recursos e que a interdependência, a transdisciplinaridade, é

mais eficaz que o isolamento em especificidades que não se comunicam, na resolução

de problemas em saúde coletiva, saúde mental coletiva e de gestão das mesmas.

Portanto o

Mecanismo de cooperação e coordenação próprio de uma gestão eficiente e responsável dos recursos coletivos, a qual responda às necessidades de saúde individuais em âmbitos local e regional, fazem-se necessários.

Silva e Júnior, Alves e Alves (2005) sistematizaram a discussão sobre redes de cuidado e integralidade como eixo estruturante. Destacaram a organização das malhas de cuidado ininterrupto e progressivo, bem como a necessidade de negociações e pactuações no âmbito da gestão e do cuidado, para garantir fluxos efetivos dos pacientes na busca de recursos para solução de seus problemas nos diversos níveis de atenção. (ALVES et al. 2006, p.69).

A saúde mental coletiva, interface entre saúde coletiva e saúde mental, revela-se,

portanto, possível e nascente, num fazer diário e numa tentativa de construção e

reconstrução – não se contentando com o já dado – na criatividade da invenção diária,

no desejo de seus trabalhadores e na potencia de sua complexidade. De forma que

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Essas inovações são construídas cotidianamente com permanentes interações democráticas dos sujeitos nós e entre os serviços de saúde, sempre pautadas por valores emancipatórios. Valores como garantia de autonomia, exercício de solidariedade, reconhecimento da liberdade de escolha do cuidado e da saúde que se deseja obter. Os serviços de saúde são compreendidos como espaços públicos onde vivem sujeitos coletivos (“resultantes da intersubjetividade que somos”) ainda carentes de um agir político, compartilhado e socializado (AYRES, 2001). (ALVES et al 2006, p.66).

De acordo com Costa-Rosa (2000), o modo psicossocial, paradigma das práticas

substitutivas ao modo asilar16, surge como uma elaboração complexa, tributária de

diferentes movimentos sociais e científicos17, assim como de vários campos teóricos.

Busca criar alternativas teóricas e políticas ao modelo hospitalocêntrico, e

contribuir para o aprimoramento dos dispositivos institucionais18 elucidando o

paradigma para as práticas contemporâneas. Para tanto reúne duas esferas importantes

para esta busca, a político-ideológica e a teórico-técnica.

Na tentativa de elucidar o modo psicossocial Costa-Rosa (2000) define alguns

parâmetros: considera que os fatores biopsicossociais são determinantes caso a caso. Os

meios de atuação são as psicoterapias, laborterapias, socioterapias e dispositivos de

reintegração sócio-cultural. Destaca as cooperativas de trabalho e está para além da

medicação, dando ênfase à pertença do indivíduo ao grupo ao contexto social e ao

trabalho com o grupo familiar. No modo psicossocial:

A loucura e o sofrimento psíquico não têm mais de ser removidos a qualquer custo, eles são integrados como partes da existência, como elementos componentes do patrimônio inalienável do sujeito. Os conflitos são considerados constitutivos e designam o posicionamento do sujeito e o lugar sociocultural do homem. O ambiente sociocultural é considerado determinante. Aqui a palavra e a ação do homem procuram ganhar a cena: o que se visa é que ele se administre. (COSTA-ROSA, 2000, p.155).

16 O modo asilar tem ênfase nas determinações orgânicas, desconsideração pelo sujeito, concepção de saúde-doença-cura e meio básico de atuação medicamentoso. Tem equipe mulitprofissional atuando como linha de montagem e como instituição típica o hospital psiquiátrico fechado. 17 De acordo com Costa-Rosa o modo psicossocial tem inspiração no Modelo Comunitário Americano, nas idéias do Modelo da Comunidade Terapêutica, no Modelo de Setor e no Modelo Italiano. Tem também, contribuições aproveitadas e metabolizadas vindas da psicanálise, do materialismo histórico, da esquizoanálise e de alguns híbridos destes campos 18 Os dispositivos institucionais, de acordo com Costa-Rosa (2000), têm uma função positiva que é explicita no discurso da instituição e uma dimensão negativa que diz respeito aos interesses socialmente subordinados (que se alojam nas lacunas do mesmo discurso).

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No que se refere aos meios de tratamento, a mudança fundamental é quanto ao

reposicionamento do sujeito em relação aos conflitos e contradições. Trabalha-se com

diferentes possibilidades de ação, desde a continência do sujeito em crise até a

implicação familiar, dando ênfase à reinsersão social e recuperação da cidadania. A

equipe é interprofissional, buscando intercâmbio e a superação do modelo linha de

montagem.

Os dispositivos típicos do modo psicossocial, são os Centros de atenção

psicossocial (CAPS), os Núcleos de atenção psicossocial (NAPS), o hospital dia, os

centros de convivência e cultura e as residências terapêuticas.

O aspecto mais difícil é o ético (abertura à singularização), segundo Costa-Rosa

(2000), já que em sociedades liberais (atravessadas por ideologias individualizantes) as

relações horizontais e intersubjetivas são obstaculizadas por ideologias de mobilidade,

enquanto funciona-se sobre um real de imobilidade.

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3.2 Da quebra de paradigmas, às dificuldades com as frequentações

transdisciplinares

Que é loucura: ser cavaleiro andante ou segui-lo

como escudeiro?

De nós dois, quem é o louco verdadeiro?

Carlos Drummond de Andrade19

De acordo com Vasconcelos (2006) com a proposta de desinstitucionalização

que se iniciou principalmente na Itália em 1970, há uma mudança completa do

paradigma em saúde mental. Este novo saber parte da constatação de que “o hospital

psiquiátrico tradicional é definitivamente antiterapêutico.” (VASCONCELOS, 2006,

p.39). O autor em questão nos indica os elementos básicos do que chama de paradigma

da desinstitucionalização:

A abordagem inspiradora da Psiquiatria Democrática Italiana, e outras matrizes

como a da normalização, do empowerment, abordagens grupalistas e

institucionalistas em países com forte difusão da psicanálise;

superação de alguns limites do sanitarismo20;

viés de desconstrução do saber psiquiátrico e de estruturas institucionais como

o hospital psiquiátrico;

inserção da saúde mental na busca de uma reinvenção de cidadania;

eleição da clientela de cuidado contínuo como clientela alvo;

estratégia de mobilização de atores envolvidos, através de modelos

organizacionais participativos;

transformação das relações de poder entre a instituição e clientela;

desafio da atenção à clientela de cuidado contínuo pela rede social;

responsabilização do serviço pela população do território;

mudança cultural profunda da sociedade. 19 ANDRADE, 1974, p. {?}. 20 São citados por Vasconcelos (2006) as concepções sanitaristas a serem superadas. Concepções acentuadamente estruturais, que consideram apenas as mudanças nas macroestruturas. A concepção tecnicista/burocrática e as concepções fordistas de produção de serviços de forma padronizada.

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A partir desta descrição, Vasconcelos (2006) se coloca de forma assertiva:

Na minha opinião, não tenho dúvidas de que neste novo paradigma termos de necessariamente recolocar a questão da interdisciplinaridade, ou mais radicalmente, da transdisciplinaridade. (VASCONCELOS, 2006, p.43).

Esses elementos básicos da desinstitucionalização foram usados como critérios

nas análise das entrevistas feitas durante a pesquisa.

Para a apresentação das entrevistas, documentos e das análises feitas, é

necessário apresentarmos mais alguns sujeitos que participaram desta pesquisa, isto é,

os atores do campo da saúde, profissionais, usuários, familiares, dentre outros. Estes

atores foram escolhidos por serem representativos da rede social e de saúde e/ou

gerenciarem os serviços coletivos que dela fazem parte.

Os profissionais envolvidos nesta parte da pesquisa foram identificados da

seguinte maneira: Gerente1, Gerente2, Gerente3, Psicóloga 1, Psicóloga 2, Médica,

Pedagoga e Enfermeiro.

Quadro 2: localização dos profissionais entrevistados

Identificação Profissão Serviço em que trabalha

Função Tempo na função

Gerente 1 Enfermeira Centro Viva a Vida Gerência 6 meses Gerente 2 Enfermeira PSF Gerência 3 anos Gerente 3 Fisioterapeuta Centro de

Especialidades Gerência 2 anos

Psicóloga 1 Psicóloga CAPS I – VIDA Psicóloga 2 anos e 2 meses21

Psicóloga 2 Psicóloga Pronto Atendimento RH/Psicóloga 7 meses Médica 1 Pediatra PSF Clínica Geral 2 anos Pedagoga Professora CAPS I - VIDA Artes

Plásticas 1 ano

Enfermeiro Enfermeiro CAPS I – VIDA Enfermeiro 1 ano e 2 meses

21 Esta psicóloga trabalha no CAPS VIDA desde sua implantação.

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Os usuários foram identificados por Usuária1, Usuária 2.

Quadro 3: identificação dos usuários (do CAPS) entrevistados.

Identificação Escolaridade Ocupação Encaminhamento Usuária 1 7 ª série Não tem PSF Usuária 2 2º grau Não tem PSF

Os familiares dos pacientes do CAPS foram identificados por Familiar 1 e

Familiar 2.

Quadro 4: identificação dos familiares (dos usuários do CAPS) entrevistados.

Identificação Profissão Parentesco Encaminhamento/UsuárioFamiliar 1 Professora Mãe Demanda espontânea Familiar 2 Serviços Gerais Mãe Psiquiatra

Os políticos entrevistados serão identificados por Político 1 e Político 2.

O quadro 5: identificação dos políticos entrevistados.

Identificação Profissão Cargo político Função Tempo na função

Político 1 Técnico em contabilidade

Vereador Vereador 3 anos e 2 meses

Político 2 Fiscal do INSS Vice-prefeito Vice-prefeito e Secretário da Assistência S.

3 anos e 2 meses

Cada ator entrevistado tem subjetividade e características próprias que serão

apresentadas, conforme foram vislumbradas através das entrevistas. Isto foi feito através

de citação direta e indireta da entrevista realizada com cada um:

Usuária 1:

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(...) registrar tempo e datas, mas deve ter um ano. Quem sabe até

mais de quatro anos. Eu não me tratava. (...) Eu passei dois anos

e meio na cama, dois anos sem falar, quase um ano muda

chorando.

Usuária 2:

Quando era pequena, também eu tinha problema neurológico,

sentia muita falta da minha mãe. Eu lembrava que eu chorava,

por não ter uma mulher dentro de casa, por ter só eu de mulher

(...) eu chorava e punha sangue no nariz.

A Familiar 1 é professora e tem dois filhos com sofrimento mental, um deles

considerado grave.

A Familiar 2 trabalha em uma creche, tem três filhos sendo o mais novo portador

de sofrimento mental grave.

A Gerente1 é enfermeira responsável pela coordenação do Centro Viva a Vida

em sua integração com os treze municípios da microrregião que atende.

A Gerente 2 é enfermeira com especialização em saúde pública e gerente de

PSF.

A Gerente 3 é fisioterapeuta e coordena o Centro de Especialidades do

município. Atende enquanto fisioterapeuta principalmente a demandas ortopédicas.

Afirma que o Centro de Especialidades reúne espaço físico, equipamentos e recursos

materiais e humanos para um bom atendimento.

O Gestor fala de sua trajetória no serviço público. Explica que entrou para a

administração para mudar, já que percebeu que

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as pessoas, ao mesmo tempo em que querem proporcionar saúde,

elas querem ter um benefício em troca. E muita das vezes fala-se

que vai proporcionar saúde, criam-se programas. (...) No início

ele (o governo) te dá todo apoio e o município abraça aquilo ali

com tanto fervor, com tanto carinho, porque vai distribuir, vai

melhorar, vai ajudar muita gente e abraça o serviço e às vezes ele

abraçou um problema. (...) Eu senti que o município é muito

pressionado(...) Com o pacto, acredito que o Governo Federal, o

Governo Estadual vão dar um suporte maior. Agora as

responsabilidades foram divididas.

(...) Fazem 2 anos e meio que estou na gestão. São 4 anos. Já

passaram dois secretários por aqui. Tem treze anos que eu sou

funcionário efetivo da prefeitura. (...) Se o povo tem saúde, está

sendo pago pelo que eles usaram em termos de serviços, há uma

transparência. (...) (Gestor)

O Enfermeiro formou-se recentemente e trabalha no CAPS. De acordo com sua

fala, seu interesse por saúde mental começou

na época da faculdade, no 1° período na disciplina Psicologia

aplicada à saúde, num trabalho sobre psicóticos feito numa

clínica psiquiátrica.(...) O 2º momento foi já no período de

estágio. Fiz um estagio extracurricular numa clínica psiquiátrica

que aumentou mais o meu interesse e sempre gostei de estudar

psiquiatria.

O interesse da Psicóloga 1 pela saúde mental começou enquanto estudante.

Começou os estágios em saúde pública no hospital e no pronto socorro de Divinópolis.

Em Santo Antônio do Monte, foi para o PSF e Fundação onde fazia levantamentos

sobre a demanda de saúde mental no município, já com o propósito de montar um

projeto de saúde mental. Portanto, relata que:

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Fazendo estágio eu fiz pesquisa, fiz a monografia com a

possibilidade de implantação do serviço de saúde mental, na

atenção básica, no PSF, e aí fiz o projeto.

A Psicóloga 2 é psicóloga do Pronto Atendimento e responsável pela seleção de

recursos humanos da Fundação Pedro Henrique da Costa Brasil de Souza.

O Técnico 1 é funcionário público há nove anos, como coordenador municipal

de endemias e agora é referência técnica do SUS fácil.

O Técnico 2 é técnico em contabilidade e trabalha há dois anos na Secretaria de

Saúde como Revisor administrativo dos serviços de controle de avaliação, regulação e

auditoria.

A Médica tem formação em pediatria, mas atende no PSF como Clínica Geral.

A Pedagoga é também artista plástica e trabalha no CAPS nas oficinas de arte. A

artista tem muitos planos para o CAPS. Relata que brevemente será construída uma

quadra e uma oficina de restauração de móveis, na qual coloca muitas expectativas.

Acredita que esta oficina será muito boa para a profissionalização dos pacientes, e a

quadra vai aumentar a adesão ao tratamento, através do lazer.

O Político 1 é vereador em primeiro mandato e tem uma história de participação

em trabalhos sociais na cidade. De acordo com ele, há 20 anos participa de um trabalho

social voluntário na Sociedade São Vicente de Paulo. Sua profissão é na área de

contabilidade e administração, entretanto, pela sua facilidade de entrar em contato com

as pessoas foi convidado a entrar na vida pública. Aceitou o convite por perceber que

estaria numa posição melhor para ajudar as pessoas dentro de um trabalho profissional e

direcionado.

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Na prefeitura, gosta de participar de todas as secretarias, é chamado a participar

de diversos conselhos, pois se dedica integralmente ao cargo de vereador que ocupa.

Assim faz jus aos votos que obteve, pois trabalha com competência e tem credibilidade.

O Político 2 é vice-prefeito e também Secretário de Assistência Social22 da atual

gestão. Iniciou sua vida política como vereador em 1997, sendo reeleito em 2000/2004.

Sua entrada na política se deve ao seu envolvimento com o meio social e com as

entidades sociais da cidade. Participante da Sociedade São Vicente de Paulo, sempre

buscou ajudar as pessoas carentes e os necessitados. Foi presidente do Conselho Central

desta sociedade e entende que o vicentino é um intermediário entre aqueles que

necessitam e aqueles que podem doar recursos para diminuir a miséria. Participou

também durante 10 anos como ministro extraordinário da eucaristia. É membro da

comissão pastoral para assuntos econômicos da paróquia de Santo Antônio do Monte.

Iniciou sua vida trabalhando em fábrica de fogos, primeiro na produção e depois

na administração. Trabalhou como representante do INSS e também em supermercado.

Eleito vereador mais votado em 1987, se dedicou exclusivamente ao mandato. Na sua

segunda candidatura a vereador foi eleito novamente com o maior número de votos, e

com mais votos do que da primeira vez. Considera isto uma obra de Deus em sua vida.

Candidato à vice-prefeito foi juntamente com o prefeito eleito em 2004 com 22 De acordo com o vice-prefeito, a Secretaria de assistência social promove uma entrega domiciliar de cestas básicas para pessoas que estão passando por necessidades. Promove também o Programa Bolsa Família, que é acompanhado pelas assistentes sociais. Todas as questões são resolvidas através de um conselho gestor, que é o Conselho municipal de assistência social que acompanha essas famílias, os beneficiários. A secretaria criou o auxilio moradia, auxílio em dinheiro para compra de material para construir uma pequena moradia. Auxílio natalidade, auxílio funeral, para quem está nessa linha de pobreza, utilizando o cadastro do Bolsa família. A secretaria auxilia também a fazer documentos, tem o auxílio migrante, tem também o Programa Agente Jovem, e o Programa de erradicação do trabalho infantil (PETI). Em 2006 foi implantado o CRAS (Centro de referência de assistência social), que é chamado de Casa da Família, por atender ás famílias em vulnerabilidade social. Neste programa são atendidos 11 bairros, num território mais vulnerável socialmente. No CRAS, a pessoa é encaminhada para o CAPS, PSF, creche ou escola, conforme a necessidade. O CRAS mantém grupos de convivência, de adolescentes, de jovens, de crianças e grupo de famílias. Mantém curso permanente de artesanato, de caixas, embalagens, biscuit, tapeçaria; curso de dança para crianças, jovens e adolescentes. O CRAS é a porta de entrada para o SUAS. Foi reativado o SINE (Sistema nacional de empregos), para intermediar a mão de obra e neste local também são promovidos cursos de capacitação em técnico de vendas, cabeleireiro, curso de cuidadores de idosos, doceiras, salgadeiras, manicure/pedicure, garçom, costura, entre outros que são necessário para promover a pessoa do subemprego para uma nova oportunidade e autonomia. A secretaria conta com o Conselho municipal especial, o Conselho municipal da criança e adolescente, Conselho do idoso, Conselho anti-drogas, Conselho de segurança alimentar e tem o CONAC (Companhia nacional de consumo e abastecimento), que compra De 15 pequenos produtores que esta cadastrado e fornece para as creches , asilo, APAE. A secretaria trabalha com o idoso em grupos de convivência, comemorações festivas, viagens, trabalho e lazer. O trabalho da secretaria é extenso e as pessoas demonstram muita satisfação como retorno.

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79% dos votos. Entretanto, identificou-se mais com o cargo de Secretário de Assistência

Social, ficando mais disponível nesta secretaria e ligado ao trabalho social. Participa

também como fundador e tesoureiro de uma casa de recuperação do dependente

químico.

Na seqüência, exposto este quadro inicial, passaremos à apresentação e análise

dos resultados da pesquisa.

Para a apresentação dos resultados, procurou-se analisar frente a cada variável

escolhida como guia, as falas dos entrevistados. Verificou-se se as falas confirmavam

ou não a variável, se houve consenso ou dissenso entre os entrevistados, quais os

conflitos e paradoxos surgidos através das informações colhidas.

Lembrando que os elementos básicos relacionados por Vasconcelos (2006, p.

39) acerca da desinstitucionalização foram utilizados como guias nesta pesquisa para

analisar a assistência em saúde mental no município de Santo Antônio do Monte:

Em relação à matriz do empowerment referida por Vasconcelos (2006), nota-se

na fala da Usuária 1 o início de reivindicações, ao questionar as atividades das quintas e

sextas-feiras no CAPS:

O atendimento é bom, só que, eu acho que não devo falar sobre

isso, mas acho que nas quintas e sextas feiras não têm atividade

direito.

Questiona também sobre as necessidades e sobre os materiais das oficinas:

São adequados. Carência tem né. Por exemplo, tinta, pinceis,

folhas chamex pra esse pessoal que não pinta, desenhar. Panos

pra gente pintar. Agora a gente precisa muito de uma máquina de

costura (...). Quem sabe naquela associação a gente consegue...

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Estas falas denotam adesão ao tratamento e algum nível de empowerment. A

Usuária 1 reivindica material que está faltando nas oficinas, mas entende que este pode

ser conseguido pelos próprios usuários através da Associação Renascer23.

A reivindicação por atividades, fala da existência de um projeto terapêutico que

segundo Cabral et al. (2000): “compromete-se em construir diversas estratégias

possibilitadoras de autonomia das pessoas mediante uma combinação de técnicas de

apoio individual com outras mais sócio-culturais” (CABRAL et al. 2000 apud FIDELIS

2003)24.

Através da fala da Usuária 2 pode-se notar sinais de empowerment. Ela fala

sobre suas dificuldades e suas resoluções:

Eu to desempregada, não tenho pai, não tenho mãe, tenho o meu

irmão que me ajuda com dinheiro, mas eu tenho dó dele, porque

ele também tem a vida dele, ele tem a mulher dele, a mulher dele

tem problema. Então eu sei que eu tenho que enfrentar que lutar,

pra ver se a prefeitura, o governo me ajuda nesse sentido, eu

tenho que fazer por onde a entender, pra mim conseguir resolver

o meu problema.

Reivindicar direitos de acordo com Fidelis (2003) faz parte da dimensão

autonomia do questionário elaborado para a avaliação do CAPS/IRAJÁ no Rio de

Janeiro e foi o quesito mais valorizado dessa dimensão.

A questão da autonomia, apesar de controversa é compreendida por Fidelis

(2003) como possibilidade de gerar normas para o cotidiano e tornar-se dependente do

maior número de instituições possível, podendo transitar entre elas.

Na fala do Político 1 nota-se uma postura que favorece o empowerment na

medida em que, através de sua narrativa pessoal e de seu envolvimento, valoriza aquele

23 A constituição da Associação Renascer, foi detalhada pela Pedagoga na página 125. 24 No texto, O desafio da produção de indicadores para avaliação de Serviços de Saúde Mental: um estudo de caso do Centro de Atenção Psicossocial Rubens Corrêa, RJ, Fidelis (2003) busca novas possibilidades de avaliação que superem os instrumentos e indicadores utilizados pela clínica psiquiátrica. Estes indicadores (número de consultas, internações, remissão de sintomas, número de altas e diagnósticos entre outros) são considerados pela autora insuficientes para a avaliação dos serviços criados a partir da Reforma Psiquiátrica.

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que sofre. De acordo com ele, tinha-se uma visão de que o CAPS era para tratar doido,

mas depois que o trabalho foi acontecendo, a demanda foi chegando, as pessoas foram

sendo bem atendidas, bem acolhidas percebeu-se um trabalho diferenciado dentro da

saúde,

até porque quando as pessoas chegam com esse processo

depressivo forte, abaladas psicologicamente, arrasadas, porque

realmente é a verdade, elas precisam e têm que ser tratadas com

carinho.(...) Olha, só quem passou e eu passei, é que sabe o que

é. (...). Eu perdi todas as minhas funções ao ponto de achar que

eu estava me tornando inútil e que eu não voltaria a fazer nada

de útil a sociedade.

O vereador acompanha de perto o tratamento das pessoas que o procuram,

encaminha para o atendimento, apóia e motiva:

(...) Tem muitos que me procuram e perguntam: Você acha que eu

devo tomar a medicação? Eu falo, deve porque eu tomei. Eu

tomei o medicamento do jeito que me foi mandado. Fiz as minhas

sessões com o psicólogo, e fiz as minhas sessões com o psiquiatra

e cumpri todo o tratamento que ele me passou (...)

Dessa forma o Político 1 oferece caminhos para a resolução do problema e dá

respaldo para as estratégias do CAPS. Conforme Vasconcelos (2003),

narrativas pessoais de doenças são reconhecidas como uma maneira muito sensível de integrar as experiências de uma pessoa, de expressar essa vivência a partir da perspectiva pessoal, social e política do movimento de usuários, e, portanto constituindo uma importante ferramenta ao mesmo tempo existencial e política (...) (VASCONCELOS, 2003, p. 33).

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Apostando no potencial de cada um, o Político 1 ajuda a reinserir as pessoas no

convívio com a comunidade, na volta às suas atividades. Aconselha e coloca-se como

exemplo a ser seguido numa estratégia de empowerment.

Vasconcelos (2003) afirma que existem práticas fundamentais que podem ser

desenvolvidas no processo de enfrentamento pessoal, familiar e coletivo do sofrimento

psíquico. Entre estas estratégias ressalta formas de apropriação das experiências

catastróficas, de aceitação dos transtornos como radicalidade. Isto é dar um novo

sentido para acontecimentos a partir de um aprendizado e de um contato com o outro da

experiência subjetiva humana em detrimento de diagnósticos impessoais.

Essas narrativas, de acordo com Vasconcelos (2003, p 35), são os “elementos-

chave” das estratégias de recuperação e empowerment. Entretanto, para ocorrer esse

empowerment é necessário todo um processo de recuperação e reelaboração das

experiências. A recuperação da auto-estima passa pela mobilização da iniciativa, do

cuidado de si e da aceitação do cuidado proporcionado pelo outro.

A Psicóloga 1 fala do acolhimento e do auto-cuidado como estratégicos para a

promoção do vínculo e auto-estima. A apresentação da pessoa fala muito de sua

condição:

(...) Mas se você pega um paciente que está mal vestido, não está

bem aparentemente, fisicamente, você vai fazer uma psico

educação. (...) Você tem que olhar todas as questões. Se tem

alguma doença você leva na rede, as vezes leva no médico,

encaminha pro dentista, tudo nesse sentido.

O que deve ocorrer no acolhimento é, de acordo com a fala da Psicóloga 1, da

ordem de uma ética de inclusão, da produção de cuidado positivo e da produção de vida

e de autonomia. Essas relações positivas, quando cotidianas num serviço de saúde

mental, conferem valor e respeito àquele que sofre.

O Político 2 comenta que encontrou uma usuária do CAPS num leilão da festa

de São Sebastião:

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(...) Então na festa de São Sebastião a gente estava lá no leilão e

ela levou uma toalhinha de bandeja, bordada, muito bonita e ela

deu em leilão e rendeu 30 reais. Então ela ficou muito satisfeita

né, porque é um trabalho que ela produziu.

A usuária descrita pelo Político2 demonstra com sua participação numa festa

popular, a sua insersão social e contratualidade. De acordo com Fidelis,

a convivência com os demais membros da rede social também foi considerada como um importante traçador para demonstrar o papel do CAPS como estimulador da construção de novas redes de sociabilidade (FIDELIS, 2003, p.103).

A formação da associação de usuários com participação mais ativa nas questões

do serviço e na promoção de atividades pode produzir empowerment e uma maior

insersão na comunidade.

A Pedagoga fala da Associação Renascer, de amigos e usuários do CAPS. A

Associação nasceu da necessidade de agrupar, de reunir, tanto os pacientes com

sofrimento mental, como também os funcionários com um objetivo, de fortalecer essa

instituição que é o CAPS. Entende que a Associação poderá comprar mais materiais

para as oficinas, promover viagens, excursões, auxiliar os pacientes que necessitarem e

poderá ser uma entidade com poder de ajudar as pessoas que tem sofrimento mental. “A

minha meta pra 2008 é fazer valer a associação dos usuários e amigos do CAPS”

(Pedagoga).

A superação dos limites do sanitarismo: superação de concepções tecnicistas

burocráticas, assim como de concepções fordistas de produção padronizada de serviços,

reflete-se na fala do Técnico 1. Este ao referir-se ao modelo centrado no médico entende

que

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na verdade, a maioria dos médicos não trata o paciente, trata a

doença. O SUS prega o contrário desde o dia que nasceu. Se você

pegar a 1ª lei que alguém falou no SUS ele fala isso.

A Psicóloga 1 também refere-se a uma necessidade de superação da burocracia e

de modelos tecnicistas em favor de novos processo de produção de saúde de forma mais

resolutiva. Fala sobre o que muda e o que ainda permanece no CAPS:

Então a atuação técnica tende a mudar, mas ainda tem esse

pezinho lá atrás nesse modelo médico centrado. Então a clínica

ampliada também é processo (...)

Muita burocracia fica sem resolutividade (...) Às vezes, uma

facilidade, uma autonomia do serviço fica mais fácil de resolver

esse problema.

Entretanto, de acordo com a fala da Gerente 3 e da Médica do PSF, nota-se que

o modelo fordista de produção ainda é comum e hegemônico na rede de saúde.

Conforme a Gerente 3, no Pronto Atendimento foi feita uma lista do que é urgência, do

que é emergência, do que tem que ser atendido, do que não tem. Entretanto acredita que

a emergência de um não é a emergência de outro e, portanto, esta lista não resolve. Eles

deixam de atender muita urgência e muita emergência que depois têm que ser atendidas

no Centro de Especialidades, de 17:00 às 21:00 horas.

Conforme a Médica, do PSF ocorrem trocas entre os profissionais, dentista,

médico, nutricionista, enfermeira, fisioterapeuta. De acordo com ela o PSF trabalha com

os protocolos. Por exemplo, protocolo de hipertensão. O paciente

chega, tem todo um direcionamento do paciente do que ele vai

fazer, do que não vai fazer. O PSF trabalha em cima de

protocolo. Temos protocolos pra determinadas situações. Temos

pra gestantes, pra hipertensos, diabéticos. É tudo direcionado.

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Até onde o PSF vai. Depois dali é pra Fundação, pro Viva Vida,

pro Centro de Especialidades.

Entende-se que as ações em saúde mental, ao lidarem com o imprevisto, sem um

protocolo pré-determinado, mas sim, baseadas numa ética do sujeito, trazem efeitos

diferenciados. As micropolíticas advindas da responsabilização pela população do

território, da procura de proporcionar um atendimento caso a caso que vise à

singularidade, tendem a produzir efeitos diferenciados dos resultados obtidos a partir de

mudanças na macroestrutura.

No viés da desconstrução do saber psiquiátrico e de estruturas institucionais

como o hospital psiquiátrico, a Psicóloga 1 entende que é algo que ainda está para ser

alcançado. De acordo com ela, apesar das tentativas do CAPS de desconstrução da

atenção à doença, de atenção fora do manicômio, o modelo, às vezes, ainda se mantém

centrado no médico e na medicação. Isso ocorre por diversos motivos, inclusive por

uma subjetividade conformada ao modelo médico. Afirma:

Eu não vejo com muita clareza isso acontecer não. Porque o

modelo ainda em algum sentido fica tecnicista, fica médico

centrado. O PSF muda muito esse conceito, mas os usuários

aprenderam, ate aqui conosco né? Eles aprenderam que chegam

pra ir no médico e não pra conversar com a psicóloga. “Você vai

ser avaliado por uma psicóloga? Mas você precisa é do

psiquiatra, precisa do remédio.

De acordo com Vasconcelos (2003), no mundo ocidental, existe no campo das

relações profissionais, uma tradição de corporativismo e poder da medicina. No setor da

saúde mental essa tradição, impõe ao psiquiatra, poderes e responsabilidades em

detrimento de outras profissões, que são vistas como paramédicas e subordinadas.

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A constituição dos saberes como estratégia de poder, construída historicamente

na divisão social do trabalho, é explicada por VASCONCELOS (2003). Conforme o

autor as profissões foram inserindo-se no mercado de trabalho e delimitando áreas de

atuação, saberes métodos. Com isto passaram a reivindicar saberes e práticas exclusivas,

defendendo nichos de mercado e interesses diversos, políticos, econômicos e éticos. As

corporações sofrem influências diretas da economia. Para Vasconcelos: “No campo da

saúde mental no Brasil, assistimos a várias tentativas de “usurpar” competências e de

“imperialismo” entre as profissões” (...) (VASCONCELOS, 2003, p.53).

Para Merhy (2004) a produção de cuidado pode trazer promoção de saúde,

proteção, cura ou até matar as pessoas. Entende que

aliás, isto é uma possibilidade muito forte em modelos centrados em procedimentos profissionais, sem compromisso com o mundo mais amplo das necessidades de saúde, como é o caso do modelo centrado em procedimentos médicos, muito hegemônico e atual. Pois, como tal, ele é um arranjo que pode gerar certos resultados positivos de cura e proteção e promoção da saúde, mas sem dúvida a sua principal marca é a inefetividade, por na maioria das vezes ser pouco eficaz e bastante ineficiente (MERHY et al. 2004, p.70).

O Político 2, reconhece a necessidade de um dispositivo de atenção à saúde

mental no município, substitutivo ao hospital psiquiátrico. Entende que O CAPS recebe

as pessoas que o PSF e o SUS não tinham antes a quem referenciar na cidade. De

acordo com ele,

os PSFs ou o Sistema Único de Saúde não sabiam pra onde

encaminhar os problemas de saúde mental, eles não sabiam

muito o que fazer e as pessoas retornavam e recaiam naquela

angustia, depressão. É onde eu fiquei muito satisfeito. É uma

lacuna que tinha. Então o CAPS veio numa hora oportuna.

Comenta que as pessoas ficam satisfeitas com o atendimento dos profissionais,

com os resultados do tratamento e por saberem que podem contar com a atenção e a

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valorização pela equipe do serviço. O Político 2 enxerga o CAPS como uma alternativa

de tratamento que preenche uma lacuna na rede de saúde do município. Entretanto, de

acordo com Fidelis,

ainda não se dispõe de uma atenção territorializada, individualizada, no sentido singular e ao mesmo tempo, coletivizada, que possa promover saúde. Ainda assim, os CAPS, NAPS e demais serviços construídos a partir da Reforma psiquiátrica vêm construindo uma nova forma de enfrentamento da doença em busca de saúde. Em um contexto de prática médica tradicional, os serviços substitutivos em Saúde Mental representam uma inovação (FIDELIS, 2003, p. 117).

A inserção da saúde mental na busca de uma reinvenção de cidadania é o espaço

de encontro entre conceitos como cidadania e universalidade que convergem, mas se

atritam com as idéias de sujeito e singularidade.

A Usuária 1 bem define o que é cidadania:

Cidadão somos nós né?A gente, a cidade é Santo Antonio do

Monte. Cidadania é tudo que tem numa cidade? Tudo que tem

numa cidade que é a favor das pessoas. (...) tenho colaborado

comigo mesma vindo aqui, lutando, tentando, mesmo quando eu

acordo algumas vezes totalmente desanimada, sem vontade ate de

pentear o cabelo.

Fala sobre coletividade, ao comentar sobre a associação fundada pelos usuários e

trabalhadores do CAPS:

(...) Ah... A associação que a gente criou... Bom como surgiu não

sei, mas que ela veio a calhar veio. Ela vai ser excelente. Precisa

é ficar de pé. Tem que colocar um alicerce bem firme. De repente

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a gente pode estar conseguindo dinheiro pra passear, investir,

mesmo que seja uma roça aqui perto, ver a água correr, ver os

pássaros voar e cantar, já está bom demais. (Usuária 1).

Ao relatar sobre suas atividades, fala sobre uma reinvenção da vida:

(...) A escrita em si melhorou um pouquinho. Por exemplo, eu fui

ate a sétima série, eu era ótima em português. Então eu sabia

pontuação, acentuar. Esqueci. Apagou, entendeu. E eu adoro

escrever. E o fato de eu estar vindo de minha casa pra cá é bom

porque eu não tinha muita companheira, eu não tinha com quem

conversar. Agora eu tenho, troco idéias. Ate mesmo sobre livros.

Alem do CAPS, vou na casa da minha sogra, vou na casa da D.

Maria, ela está com 76 anos, é muito boazinha. (...) Mudou os

relacionamentos. Ficou mais fácil. Também descobri aqui que

não é só eu que tenho problema. Muita gente tem problema e ate

pior do que o meu e conseguem superar, entendeu? Tem calma,

tomas os remédios direitinho, freqüenta o CAPS direitinho.

(Usuária 1).

A usuária 2 entende que cidadania é,

respeitar o outro, é, como se fala, não ficar é, assim, brigando

por causa de política, fazendo politicagem e respeitando o ser

humano, ajudando, colaborando no que pode, não destruindo(...)

Fala também sobre o resgate de seus desejos e sobre as mudanças que tem feito

em sua vida:

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Só assim de ter aprendido aquelas coisas, o bordado, pintar,

igual na aula das artes plásticas, resgatou aquelas coisas que eu

tinha vontade de aprender pintar, modificou sim, modificou muita

coisa. Nossa! (Usuária 2).

De acordo com Célio Garcia (apud GUERRA, 1997), o sujeito não é cidadão.

Sujeito e cidadão têm sentidos diferentes. O cidadão é o universalizado, o sujeito é

singularidade que se manifesta. Argumenta que o cidadão se faz sujeito quando se

apresenta o acontecimento, isto é, quando ocorre a inscrição no animal humano, a partir

de um trabalho psíquico que possibilita sua passagem da condição animal para a

condição de sujeito. Entretanto, a Psicóloga 1, fala sobre a promoção do

sujeito/cidadão, talvez como uma mudança política. Enfatiza que CAPS é psicossocial e

faz parte disso o laço, o vínculo, o processo de mudança técnica, mudança política:

Você trabalha aqui com o sujeito cidadão, e não com um doente,

com um excluído, ou com uma pessoa que está precisando só de

assistência e nada mais. Não. Você tenta promover o sujeito

cidadão. Dentro da luta antimanicomial, o sujeito cidadão é o

sujeito ter voz, ter direitos, ter cidadania, coisa que os doentes

mentais estavam excluídos. Agora não. Os que sofrem, eles são

sujeitos cidadãos. Tem atuação política, tem voto, tem direitos,

deveres, que os usuários têm deveres. A gente tenta trabalhar

essa reinserçao, esse crescimento pessoal de cidadania com o

serviço (Psicóloga 1).

Conforme Motta (2005) no texto da reforma a pergunta fundamental é: “que tipo

de cidadão é o louco?” (MOTTA, 2005, p.43). Sublinha que a partir desta pergunta

ocorre uma ruptura conceitual: O paradoxo surge a partir dos fundamentos do Sistema

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Único de Saúde (SUS) que preconiza um modelo onde possa surgir o

SUJEITO/CIDADÃO plenamente – no campo da práxis.

O Enfermeiro em sua fala exemplifica uma forma de lidar com o sujeito e com o

cidadão ao mesmo tempo:

A singularidade é respeitada até pela questão de formação

profissional. Talvez não compreendamos (ao) ouvir o paciente em

sua singularidade, mas é visto que quando se ouve na

singularidade do paciente você consegue propor um tratamento

diferenciado. É, quando a singularidade é respeitada o

tratamento proposto é bem aceito.

Ao paradoxo entre sujeito e cidadão/ universalidade e singularidade, responde a

uma nova abordagem que de acordo com Vasconcelos (2006) insere a saúde mental no

campo da conquista e reinvenção da cidadania, com sua luta pelos direitos civis,

políticos, sociais e busca de reconhecimento de direitos particulares dos usuários, de

seus familiares. A responder sobre esse paradoxo Vasconcelos (2006) explica que:

em última instância, trata-se de uma cidadania “especial” a ser inventada, marcada pela diferença colocada pela experiência da loucura e da desrazão, e que portanto não pode ser identificada com a concepção convencional associada ao indivíduo racional, livre e autônomo (VASCONCELOS, 2006, p. 40).

Para Vasconcelos (2006), concretamente, esta cidadania especial é uma busca

por revisão de conceitos e dispositivos jurídicos e legais. Ao que se pode acrescentar

conforme Garcia (apud GUERRA, 1997), que o sujeito se faz cidadão quando a

coletividade desdobra e expande suas potencialidades.

É o que parece notar a Familiar 1, ao relatar indícios de aceitação social

(coletividade) e de melhora da auto-estima (singularidade) dos filhos:

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Noto e muitas pessoas da família também notam. Falam que eles

estão mais tranqüilos, que eles estão conversando que eles estão

colocando melhor as coisas. Eu noto, assim, também, que a auto-

estima deles melhorou muito com o CAPS.

Concorda-se com Fidelis (2003), que reabilitar exige articulação entre ações e

efeitos concretos na vida do usuário assistidos, como o reingresso no trabalho, escola,

lazer e na vida comunitária. Compreende-se, portanto, o reabilitar como (...) “um

processo pleno de cidadania, e também de uma plena contratualidade nos 3 grandes

cenários: habitar, rede social e trabalho com valor” (SARACENO, 1996, p.16 apud

FIDELIS, 2003, p.101).

Dessa forma percebe-se uma atuação no CAPS I – VIDA no sentido de conferir

cidadania ao sujeito, através da forma como é acolhido singularmente e das tentativas de

reinseri-lo no mundo dos direitos.

A eleição da clientela de cuidado contínuo com clientela alvo é uma das metas

do CAPS, quando escolhe como preferenciais os pacientes com psicose ou neurose

grave.

Os fragmentos das entrevistas relatam a diversidade de sofrimentos e as

dificuldades que se impõem aos que adoecem e seus familiares. O cuidado contínuo é

necessário, portanto, enquanto um suporte e empréstimo de contratualidade.

A Usuária 1, em sua fala, demonstra sua dificuldade cotidiana em suas relações

familiares, o que atribui às dificuldades impostas pelas crises e pela doença: Referindo-

se a uma crise pós-parto, pergunta:

Você quer saber a verdade?Passou na minha cabeça “eu não vou

dar conta de cuidar dessa criança, eu não serei capaz de dar

banho nela, eu não serei capaz de lavar a roupinha dela, eu não

serei capaz de fazer a mamadeira dela”, isso passou na minha

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cabeça, não sei por que. Hoje eu não dou conta também não,

entendeu?

A Usuária 2 fala sobre o que sentia, e como se sente hoje. Relata que

no início eu ficava assim e como eu fico alguns dias ainda, é, a

minha depressão como eu já falei vai mais é para o lado da dor e

por ficar na cama. Eu fico na cama, eu não como, eu não bebo,

eu só quero dormir.

A Familiar 1 relata sobre a limitação dos filhos e responde se estão trabalhando

no momento:

Não, infelizmente não por que, nem é por preconceito assim da

sociedade. Não, é por falta de interesse deles mesmo. À Maria25

já foi proposto para ela inúmeras atividades e ela tem uma

dificuldade pra desenvolver um trabalho. E o Lessa também já

tentou, já até arrumou emprego no supermercado, mas por conta

dos medicamentos que ele toma, são muito fortes e mexem muito

com o organismo dele, então ele não se sente disposto a

trabalhar. Então os dois ficam sem ocupação.

De acordo com documento final apresentado à Conferência Regional de

Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas da OPAS, Reforma

psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil (BRASIL, 2005a), cabe ao CAPS

acolher e atender pessoas com transtornos mentais graves e buscar fortalecer os laços

sociais desse usuário no território. É o CAPS convidando o usuário, através de uma

nova clínica (ampliada), a uma responsabilização e protagonismo em relação ao seu

próprio tratamento.

25 Os usuários tiveram seus nomes transformados, por questão de zelo quanto ao sigilo.

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Conforme Fidelis (2003), o cuidado intensivo e personalizado transforma e

produz espaços de referência para aqueles que apresentam sofrimento psíquico grave e

seus familiares, uma referência de assistência em qualquer circunstância. Entendendo

que o núcleo familiar também precisa de apoio e tem função relevante no

desenvolvimento do tratamento traçado para o usuário através do projeto terapêutico.

A estratégia de mobilização de atores envolvidos na atenção à saúde mental,

através de modelos organizacionais participativos, refere-se a uma valorização dos

mesmos através de relações menos hierárquicas. Estas relações horizontalizadas,

favorecem à coesão da equipe e satisfação dos profissionais.

A Psicóloga 1 fala da forma como entende a circulação dos técnicos dentro do

CAPS, de uma forma participativa. Sobre as trocas de saberes refere que entre

a equipe que fica mais tempo aqui, o enfermeiro, as psicólogas,

as auxiliares, os técnicos, a TO, tem havido. A gente sempre tem

trocas, a gente sempre tem liberdade. É mais interdisciplinar

mesmo. De ter discussões, de falar o que um precisa, ainda vejo

bloqueio com relação a questão médica. Ainda é complicado.

De acordo com FIDELIS (2003), no território da saúde mental, os recursos de

última geração são os técnicos, os profissionais, o que “exige um engajamento ético

capaz de enfrentar as limitações afins ao trabalho” (FIDELIS, 2003, p. 117).

Entende-se, portanto, que uma estrutura organizacional, mais horizontal que

permita a participação de diversos atores, de diferentes técnicos, dos familiares e

usuários “permite a superação de modelos inspirados em inter-relações burocráticas e

protocolares” (FIDELIS, 2003 p. 117).

A Psicóloga 1 fala sobre as reuniões administrativas e de pequena equipe, que

ocorrem semanalmente no serviço:

(...) Nós temos na reunião, a pauta que é muito importante, que

eu ate tinha reivindicado mais atenção a isso da reunião de

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pequena equipe, com o médico também, vamos mudar o

paradigma e vamos incluir o médico né. Igual, marca e no dia ele

não pode, tem que sair. E às vezes ate reunião de pequena equipe

é muito corrida. Às vezes é uma hora e meia pra discutir aquele

tanto de caso.

As reuniões de equipe realizadas semanalmente, promovem uma coesão da

equipe multiprofissional, favorecendo as trocas e a co-responsabilização pela população

do território. Conforme Fidelis, “O fato de tornar parte da rotina, de fazer das discussões

e, equipe um hábito, um espaço instituído para uma prática instituinte, não é pouco”

(FIDELIS, 2003, p.117).

Essa reuniões de equipe de nível superior, com estudos de casos, funcionam

como supervisão mútua. Nessa ocasião são reavaliados os casos e os projetos

terapêuticos abrindo possibilidade de reflexão sobre o serviço. Podem ser reavaliadas

também as relações entre os diversos atores da instituição e fora dela – uma construção

de soluções para os impasses e dilemas diários e os problemas na assistência ou na rede.

O Enfermeiro coloca em palavras a participação e o respeito à singularidade dos

profissionais:

As equipes estão organizadas de forma a atender a demanda do

usuário. É composta de psicólogo, médico, enfermeiro e

auxiliares. O trabalho é dividido por afinidade, a administração

vê sempre qual área o profissional é afim e se o trabalho

desenvolvido esta surtindo efeito.

Ocorre, portanto, o compartilhamento de informações sobre o serviço, os

objetivos traçados, as condutas e observações acerca da evolução dos usuários. É o

compartilhamento de informações e de afetividade aumentando a efetividade e

resolutividade de um serviço que funciona sem protocolos para suas ações com vistas à

singularidade.

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A transformação das relações de poder entre a instituição e clientela, reflete-se

na tendência de avaliação dos serviços sob o prisma dos usuários. Conforme Fidelis

(2003) essa forma de avaliação ganhou ênfase nos EUA e na Inglaterra, nas últimas

décadas. “Os indicadores de satisfação dos usuários constitui uma das mais recentes

contribuições dos estudos de avaliação dos efeitos da atenção em saúde (...)” (FIDELIS,

2003, P. 112).

A Usuária 1 fala de sua satisfação em ser recebida no CAPS e da mudança que

percebe no lugar que ocupa no mundo:

Eu adoro aqui. Chega de manha eu já levanto pegando as coisas

pra arrumar pra vir. Pra quem vivia como um pedaço de pano

qualquer jogado no canto. Acho aqui um paraíso. Eu me dou

muito bem com a minha psicóloga. Ela é legal demais.

Refere-se a uma nova implicação com o outro, na percepção que o cuidado de si

traz para as relações e como isto passa a ser valorizado. Diz:

(...) Mas o CAPS foi bom pra mim sim. Porque hoje eu tenho

entusiasmo com a vida. Arrumar a unha, fazer sobrancelha...

Antes não. Eu simplesmente tomava um banho, custava tomar

banho. Trocava de roupa e pronto. Agora não. Lavo o cabelo,

passo um creme no corpo, arrumo minhas unhas, sabe? Eu já

tenho entusiasmo. Isso já é bom.

A satisfação da Usuária 1 com o serviço pode ser entendida como índice de

qualidade das relações entre a instituição e os usuários. Relata que se dá bem com todos

“por incrível que pareça”, o que denota uma transformação nas relações que traz uma

nova resposta da usuária. Talvez uma relação de respeito com ofertas de cuidado e de

convivência que impliquem a usuária com suas próprias respostas.

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A Usuária 2 comenta os cuidados que recebe. Revela que:

Quando é para mim vim pro CAPS, se eu estou bem, venho bem.

Igual assim, com o passar do tempo vai diminuindo as sessões, o

dia da gente vir, é, eu sou do tipo de pessoa, eu sou assim uma

pessoa que não consigo disfarçar o que eu sinto por dentro. Igual

aqui a gente tem os “autos e cuidados” muitas pessoas falam

assim: Olha, você é bonita, mas se você se arrumar, é diferente,

as pessoas te vêem com outros olhos.

A Familiar 1 fala do relacionamento de seus filhos com os profissionais e com o

serviço. Relata que

antes do CAPS, a vida deles era muito ruim, eles ficavam dentro

de casa sem perspectiva de vida, tristes, depressivos, angustiados.

Agora com o CAPS eles têm uma perspectiva de vida, porque eles

têm um lugar para ir, eles têm um lugar aonde eles são acolhidos.

Quando não estão bem eles mesmos falam que querem vir aqui,

conversar com a psicóloga ou com o psiquiatra.

O Enfermeiro relata sobre a efetividade do serviço, apesar das dificuldades de

sair do modelo hegemônico centrado no médico. Comenta como as propostas de

tratamento são feitas ao usuário através do projeto terapêutico:

È uma proposta feita ao paciente, é um conjunto de propostas

terapêuticas, com fins terapêuticos e com prazo determinado. É

feita uma reavaliação para ver a evolução do paciente. É

dinâmico, é um processo dinâmico com objetivo principal de cura

ou melhora.

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Todo serviço que é efetivo de certa forma atrai o usuário porque

ele é de qualidade. Se o serviço fosse ruim, o usuário não criaria

vinculo.

O Político 1, refere-se ao CAPS com muita alegria, pois foi a partir de um

tratamento que fez para depressão, que germinou a idéia que se concretizou no CAPS

VIDA. Candidato a vereador, levou a idéia adiante ao eleger-se.

Então eu entrei em 2005 como vereador municipal e como

presidente da sociedade são Vicente de Paulo. Ai trabalhei com o

conselho de forma democrática, não quis impor, mas lógico,

colocando a minha visão e mostrando a utilidade que seria esse

programa e a necessidade de nós fazermos uma parceria daquela

estrutura física que é da sociedade, com o município pra

instituição do CAPS..

O político 1 com sua trajetória pessoal, fala de sua doença e de sua passagem de

paciente a agente de transformação social, proporcionando o surgimento do CAPS, e

sujeito de diversas situações de construção coletiva e social. Seu relato ilustra bem o

que

de acordo com Pitta (1996), vem agudizando a crise sujeito/objeto da epidemiologia clássica. As metodologias de avaliação utilizadas buscam captar as opiniões dos beneficiários da assistência como potencial contribuição para a melhoria dos serviços, e não mais distinguem indivíduos doentes e sãos ( PITTA, 1996 apud FIDELIS, 2003,p. 112).

A Psicóloga 1, afirma que nota diferenças nos modo de atenção aos usuários do

CAPS em relação aos outros serviços de saúde onde trabalhou ou estagiou:

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Noto porque eu já fui estagiária, do PSF, do hospital, na

fundação, na fundação de saúde, e a gente nota a diferença pelo

tipo de tratamento que se dá ao paciente. Pelo tipo de atenção.

Não é comum você chegar ao hospital ou na fundação e ser

atendido imediatamente. Tem uma fila de espera, tem um

agendamento. A porta de entrada é diferente. A pessoa é mais

acolhida aqui. O principal aqui, a porta de entrada é o

acolhimento. A porta de entrada do CAPS é o acolhimento. Quem

entra aqui não sai sem uma resposta, não sai sem uma orientação

com relação á rede mesmo de serviço. (Psicóloga 1).

O projeto terapêutico, explica, é uma construção que dá direcionamento ao

tratamento do paciente no CAPS. De acordo com a Psicóloga 1 é interessante quando a

família vem pra saber o que está se passando, ajudando o paciente nessa negociação,

lembrando o que a pessoa gosta de fazer e participando do tratamento.

A psicóloga 1 relata a diferença no modo de atenção aos usuários do CAPS em

relação a outras instituições que se mantêm centradas na atuação do médico.

Isto pode confirmar que a avaliação dos serviços passa pela intersubjetividade. A

construção de projetos terapêuticos negociados com o usuário é considerada índice de

mudança e superam os instrumentos de avaliação psiquiátrica ao falarem da qualidade

das relações dentro das instituições. De acordo com Fidelis (2003) deve-se observar na

avaliação de serviços de saúde mental a ocorrência de “eventos sentinela” (p.91) que

são ocorrências inadmissíveis no contexto de um serviço dessa natureza. A ausência de

projeto terapêutico seria um evento que sinaliza um funcionamento cronificador e

institucionalizante.

Para melhor entendimento do caminho percorrido no CAPS pelo usuário de

acordo com as ofertas feitas no acolhimento, construiu-se o seguinte fluxograma:

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FLUXOGRAMA DO ATENDIMENTO NO CAPS

Entrada: O CAPS – I – VIDA funciona de 8:00 às 18:00 horas, de segunda a

sexta-feira e recebe pacientes através de referência e demanda espontânea.

Recepção: A pessoa é recebida pela recepcionista que preenche uma ficha de

controle de atendimentos e indica o profissional da equipe que fará o acolhimento.

Acolhimento: No acolhimento é feita uma anamnese ampla quando são

verificadas as necessidades da pessoa e é realizada uma escuta cuidadosa da queixa. Se

for um atendimento para o CAPS (verificar território, idade, complexidade), é

negociada uma modalidade de atendimento.

Ofertas: Através do cronograma de atividades do serviço são feitas as ofertas de

atividades ao usuário que decide em conjunto com o profissional.

Projeto terapêutico: A partir das decisões acerca das atividades e da necessidade

de freqüência ao serviço é esboçado um projeto terapêutico singular. Também são feitos

agendamentos para outras clínicas que se percebe como necessárias.

Reunião de Equipe: A partir de relato de casos, são realizadas trocas

interdisciplinares, que resultarão num estudo e adequação do projeto terapêutico.

Saída: Se não é um atendimento para o CAPS, a pessoa será referenciada para o

atendimento que necessita. Se é um atendimento para o CAPS, o desligamento será feito

Entrada Recepção Acolhimento

Ofertas

Projeto Terapêutico

Reunião da Equipe

Saída

Estudo e adequação do Projeto Terapêutico

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de acordo com o tempo e singularidade do usuário e através de encaminhamentos para a

rede de saúde e para a rede social.

Conforme Fidelis (2003) os CAPS e NAPS funcionariam como espaços

intermediários, local de passagem e não de permanência, na medida em que emprestam

sua contratualidade e aumentam a contratualidade do usuário. Preconiza também o

oferecimento de ações integradoras e promotoras de inclusão, que diminuam a

necessidade do usuário de utilização dos serviços, respeitando a singularidade e

temporalidade de cada um. Como as usuárias e familiares de usuários relataram

satisfação, sentimento de acolhida e suporte em relação ao CAPS, entende-se que houve

mudança qualitativa nas relações.

O desafio da atenção à clientela de cuidado contínuo na perspectiva da

assistência na comunidade, refere-se à tentativa de oferecer um serviço substitutivo ao

hospital psiquiátrico, próximo ao domicílio do usuário.

De acordo com o Gestor o CAPS é visto como um serviço que oferece um

tratamento diferenciado para pessoas que requerem um atendimento especial, no sentido

de acolhimento. Para o Gestor o CAPS não é mais um atendimento médico, “tomou o

remédio e é só isso”, é um serviço diferenciado no sentido de dar seqüência ao

tratamento do paciente. A Familiar 1 declara que

(...) antes de ter o CAPS, em Santo Antônio do Monte, era com

muita dificuldade que agente tratava né? Porque eu tenho uma

filha que ficou com problema mental já tem 7 anos, então era

muito difícil e eu tenho um filho também que tem esquizofrenia e

depois que eles começaram a fazer tratamento aqui no CAPS, a

melhora dos dois é assim, a olhos vistos

O Enfermeiro comenta sobre a importância do atendimento na comunidade, de

acordo com ele o

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CAPS veio para substituir as internações psiquiátricas. É um

serviço que tem uma proposta excelente visto que traz o

atendimento para perto da comunidade.

O Político 1 fala da humanidade necessária para lutar contra as políticas públicas

que favorecem a exclusão e sobre a necessidade de trabalhar a estrutura da comunidade:

Tem que ter mais humanidade e lutar contra políticas públicas

que deixam esse pensamento de lado, e que realmente faça

acontecer o que precisa ser feito, sem desvio, sem nada que possa

atrapalhar o processo. Eu acho que a sensibilidade, a gente ser

mais humano, mais solidário, mais fraterno, eu acho que o ser

humano está precisando disso. Na política pública então tem

muitas pessoas que nem fazem menção disso.

Conforme Vasconcelos (2003) é necessário o debate sobre a solidariedade e os

cuidados na sociedade contemporânea que prima pela competição, individualismo,

consumismo e desprezo pelos grupos sociais dependentes. Questiona a dificuldade dos

cuidados ao usuário pela família contemporânea que tem se desestruturado em sua

capacidade de produzi-los.

O Político 2 entende que o sistema capitalista valoriza as pessoas apenas como

“máquina de produção”:

(...) O capitalismo naquela idéia de conseguir mais lucro e menos

custo, às vezes exclui muito as pessoas. Hoje a pessoa tem uma

capacidade pra produzir e às vezes depois fica excluída porque

tem um problema, porque aconteceu talvez um erro na vida,

algum distúrbio de comportamento (...) Porque às vezes a pessoa

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não é valorizada como pessoa humana, mas como uma máquina

de produção mesmo.

De acordo com Fidelis (2003) a portaria 224 de 1992 aponta para a função do

CAPS de desenvolvimento de atividades comunitárias de insersão na comunidade, pois

“a permanência no interior do manicômio seria a antítese de uma atenção que pretende

superar a correlação instituída entre assistência ao louco e exclusão social” (FIDELIS,

2003, p.101).

Sluzki (1997) comenta que a presença de uma doença prolongada deteriora a

interação, reduzindo o acesso à rede social. Entretanto,

a presença de uma doença ou incapacidade crônica não só provoca a erosão na rede social habitual como às vezes pode gerar novas redes, tais como as que correspondem aos serviços sociais e de saúde. Essas redes de serviço adquirem um caráter, às vezes, central não só por seus atributos instrumentais, mas também por sua capacidade de apoio instrumental e emocional substantivo (SLUZKI, 1997, p.80).

Entende-se, então a importância da participação dos serviços substitutivos ao

criar uma rede de atenção para a clientela de cuidado contínuo dentro da comunidade, a

partir da constatação da facilitação das perdas na rede social, em função do agravamento

da doença. Exemplificando isto, a Usuária 1 fala das dificuldades de um tratamento que

é complexo, que depende de muitos especialistas e de medicação. Relata também suas

dificuldades relacionais que ficam maiores nos momentos em que os sintomas se

tornam agudos:

Tomo diazepan, carbolítio, de 12 em 12 horas. O Dr. Guilherme,

a última vez que eu conversei com ele tirou a nortriptilina que é

antidepressivo. E eu estava estranha, chorando muito e o meu

marido me deu nortriptilina de novo. Não sei quanto tempo faz,

meu marido sabe. Eu nem sei qual foi a causa que ele tirou esse

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remédio. Quando eu voltei a tomar, eu voltei a conversar, porque

eu estava só no cantinho, sabe? Querendo ficar sozinha,não

querendo conversar com ninguém.

A Psicóloga 1 entende que o trabalho feito no CAPS, aumenta a contratualidade

e o vínculo social do paciente, assim como tem efeitos de mudança:

Aqui você começa a auxiliar a pessoa a produzir novos jeitos de

pensar, um novo jeito de viver. O CAPS vem pra aquela pessoa

não se ver como doente mental, mas como uma pessoa que está

conquistando uma saúde mental, que pode se integrar na

comunidade, que tenta auxiliar a integração da família, que as

vezes é complexa (...) Agora tem a reinserção, que é auxiliar no

desenvolvimento das potencialidades que a pessoa tem. Como

você auxilia isso? Num atendimento psicológico? A pessoa tem

pontos da personalidade a resolver (...) O que as oficinas

produzem? Produzem crescimento pessoal, satisfação, produz

auto estima, a pessoa se vê mais segura, mais capaz (...)

(Psicóloga 1).

È dessa forma que os CAPS e NAPS dentro da política de saúde são

considerados dispositivos estratégicos. Devem resgatar (BRASIL, 2003) as

potencialidades dos recursos comunitários. Portanto, “a reinsersão social pode se dar a

partir do CAPS, mas sempre em direção à comunidade” (BRASIL, 2003, p.2).

A responsabilização do CAPS pela população do território é notada pela

Psicóloga 1 que percebe uma abordagem diferente do paciente, um atendimento mais

humano e maior responsabilização pelos profissionais

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do que você observa em geral na rede de saúde. Os profissionais

acompanham o paciente aos outros serviços, vão a casa dele,

levam o paciente em algum lugar, acompanham numa consulta.

Percebe que essa diferença, gera um desconforto, cria uma

interrogação, nos demais profissionais (Psicóloga 1).

Ela entende que existe uma visão de poder nas profissões, do que pode ser feito

ou não. A psicóloga acredita que se você é o servidor, você precisa do paciente.

Entretanto, a lógica do sistema ainda não é essa e o prestador de serviço não se ocupa

com o bem estar do paciente. Percebe que

então você ir acompanhar o paciente fica quase que absurdo.

Você ir na casa da pessoa, ou leva-la em algum lugar, ou

acompanha-la numa consulta. Então existe essa diferença, um

desconforto, como eu te falei no inicio. Cria uma interrogação.

Porque que esse age assim e eu não...

A Psicóloga 2, do Pronto Atendimento, relata conhecimento de ações que

denotam a responsabilização do CAPS pela população do território:

A forma de abordagem do paciente do CAPS é interessante desde

a implantação da reforma psiquiátrica.

(...) Então o trabalho que eles fazem, o acolhimento, vão à casa

desses pacientes que precisam do atendimento é bem interessante

pra cidade e quebra este estigma de que é só louco que precisa de

atendimento especializado e na verdade não é.

A responsabilização do serviço pela população do território, é uma ação que

traduz o discurso da instituição. É de acordo com Merhy et al (2004),

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portanto, o que marca um estabelecimento de saúde como tal, o que dá sua alma, o que estabelece qual o jogo institucional que se joga, e o seu objeto de investimento, o seu alvo institucional, que é a produção de cuidado individual e/ou coletivo, sob qualquer modelagem, independente se isto implica ou não na produção de cura, da promoção, da proteção da saúde, ou mesmo, se isto está matando as pessoas. (MERHY et al 2004, p. 69).

Através das ações do CAPS, percebe-se seu discurso de responsabilidade pela

população.

Uma mudança cultural profunda da sociedade, com relação à loucura e a

diferença é necessária para a insersão do portador de sofrimento psíquico na

comunidade.

De acordo com o Gestor, na saúde mental com o surgimento do CAPS, estão

sendo feitos trabalhos com as famílias através de reuniões com os pais e familiares dos

usuários, para que se entenda que a discriminação pode começar aí. Relata que

hoje se fala que o CAPS tem uma demanda grande e antes não se

tinha isso. Mas isso é porque às vezes as pessoas ficavam todas

dentro de casa, não sabiam. A população, a sociedade não sabia,

que aquele paciente ali era um paciente que estava com

depressão. Então o CAPS veio mostrar, tirar das gavetas aquelas

pessoas, aqueles pacientes que eram ocultados pela sociedade.

(Gestor).

Entretanto, quanto a trabalhos com a sociedade em geral na luta contra o estigma

da doença mental, o gestor relata que ainda não foi padronizada nenhuma ação. Por

enquanto, o trabalho tem sido feito com os familiares no CAPS e no PSF através do

grupo operativo onde se pretende incluir um trabalho de cidadania.

Apesar desta realidade, a Familiar 1 comenta sobre a mudança dos filhos e de

uma maior aceitação social. Afirma que

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a convivência melhorou muito. Antes o Lessa ficava só fechado

dentro do quarto dele, já teve época dele passar seis meses

fechado dentro do quarto e a Maria ficava só dentro de casa,

ouvindo música, assistindo televisão. E agora eles conversam

com os vizinhos, eles sentam na porta à tarde para bater papo,

pra trocar idéias.

De acordo com a Gerente 2 os pacientes que chegam no PSF, na maioria das

vezes não estão precisando de atendimento médico e sim de uma escuta. Entretanto,

nota que as pessoas têm preconceito em buscar o serviço de saúde mental:

A busca no nosso município, principalmente na nossa equipe é

pra atendimento psicológico mesmo. O diferencial de fazer o

acolhimento, de ter uma boa escuta (...) Outra coisa que nós

temos enfrentado e que eu já ouvi - ás vezes você vai encaminhar

um paciente pro CAPS e eles falam, “lá é lugar de doido”. O

próprio preconceito, por mais que seja um serviço novo, mas já

existe. “Eu não vou pra lá porque você está me encaminhando

pra um lugar que só tem louco”.

A Gerente 3 acha o atendimento do CAPS muito bom, assim como o tratamento

e a satisfação dos pacientes que estão ali. No entanto, sabe que alguns se revoltam com

o modo como são vistos: “minha mulher acha que eu sou um louco porque eu estou lá

no CAPS”, foi o que ouviu de um paciente comum ao CAPS e ao Centro de

Especialidades.

De acordo com a Psicóloga 1 o trabalho com a comunidade e com a família do

usuário, está no projeto inicial do CAPS, mas o serviço não conseguiu realizar tudo o

que propôs. No momento, quando é necessário o apoio da família ou uma orientação,

cada profissional tenta seguir um projeto com a família. Isto ocorre

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por que o paciente de saúde mental ele é ainda estigmatizado ou

então ele é excluído. Ou então é o paciente chato que vai ao PSF,

também é estigmatizado. Então eles acreditam que esse paciente

é daqui, eles mandam pra cá, e às vezes o paciente tem que

continuar no PSF. Então eu vejo isso como falha porque ainda é

nesse modelo que a gente falou agora, tecnicista, que a pessoa

tem um lugar pra estar, ela não tem que circular não, não é um

todo, um coletivo, ela tem algum lugar pra estar. (Psicóloga 1).

A Psicóloga 1 entende que há uma medicalização, isto é, uma tentativa de

resolver os problemas só com medicação. Os medicamentos tornaram-se um problema

de saúde pública, porque as pessoas estão sendo drogadas e

(...) pra mudar esse estigma da pessoa com sofrimento mental,

pra mudar esse conceito, o CAPS é processo. Você vê ainda

pessoas chegarem aqui bem sofridas pelo modo como são

tratadas, como são vistas, isso tem que mudar, com relação ao

paradigma social também, forte.

A Psicóloga 2, também percebe o preconceito quanto a saúde mental e ao CAPS:

Tem um ano que o CAPS está aberto. Então as pessoas ainda têm

muito preconceito com relação à saúde mental Eu noto essa

tentativa de rede, mas os estabelecimentos, as outras instituições

tem esse preconceito em relação a saúde mental. Pensam, “não

sou doido”, o que o CAPS está querendo? Então só numa

urgência psiquiátrica eles têm consciência de que eles precisam

ser atendidos.

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Para o Político 1, o CAPS está trazendo uma conscientização da necessidade de

tratamento dos problemas psíquicos, que estão ocorrendo com muita freqüência.

O Técnico 1 entende que a forma de tratamento e a boa estruturação do serviço,

ajudam a diminuir o pré-conceito quanto ao tratamento em saúde mental. Relata que

paradoxalmente

com a criação do CAPS aumentou o n° de pessoas com

transtorno psíquico. Parecia que estava tudo embutido nas

famílias, elas não procuravam, às vezes por receio de estar

expondo o seu ente... Um pré-conceito. E como está bem

estruturado o serviço, este pessoal apareceu em n° significativo.

(Técnico 1).

De acordo com Fidelis (2003) o objetivo da reabilitação, envolve articulações

dos serviços com a comunidade no intuito de reverter o preconceito quanto à doença

mental, “de modo que os CAPS possam integrar-se no cotidiano do território e

tornarem-se produtores de uma nova cultura de convivência e solidariedade com a

diferença” (FIDELIS, 2003, p.102).

Vasconcelos (2003) fala do que é necessário para a transformação do estigma

em relação à loucura na sociedade. Propõe o desenvolvimento de iniciativas coletivas e

individuais, cotidianas ou permanentes, de caráter social, cultural e artístico. Isto deve

acontecer nas relações, na comunidade, na mídia e na sociedade mais ampla.

As variáveis analisadas neste ponto estão relacionadas com a hipótese geral

desta pesquisa:

O CAPS I – VIDA de Santo Antônio do Monte estaria funcionando como um

agente articulador, fundamental à edificação da saúde mental coletiva e dos princípios

do SUS no município.

150

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Para efeitos de clareza a hipótese foi desmembrada em duas partes, o CAPS I –

VIDA, de Santo Antônio do Monte estaria funcionando como:

• Agente articulador fundamental à edificação da saúde

mental coletiva no município.

• Agente articulador dos princípios do SUS no

município.

Verificou-se inicialmente a primeira parte da hipótese: O CAPS I – VIDA de

Santo Antônio do Monte estaria funcionando como um agente articulador, fundamental

à edificação da saúde mental coletiva no município.

De acordo com Gestor, sentiu-se na administração, a necessidade de voltar a

atenção para o psicossocial e o CAPS foi implantado com qualidade, tanto em termos de

estrutura física, quanto profissional. Esta preocupação surgiu pelo aumento dos casos de

depressão e auto-extermínio. Entende que “todos os serviços de saúde são muito bem

conduzidos, mas eu acho que o CAPS, tem sido assim, uma inovação em Santo Antônio

do Monte (Gestor).

Entende que ainda existam problemas na articulação entre o CAPS e outros

serviços. Afirma que há uma boa articulação com os PSFs, com os agentes de saúde,

mas em relação ao serviço de Pronto Atendimento ainda existem muitos problemas.

Declara que:

(...) Nós conseguimos uma integração maior com os agentes,

porque eles podem dizer como está o paciente, se está tomando a

medicação correta, se está sendo administrada pelo caps. Então

está tendo uma integração maior entre o CAPS e os PSFs.

Quanto ao CAPS e o Pronto Atendimento, nós ainda estamos com

muito problema. Às vezes nós precisamos fazer uma solicitação,

paciente surtado, no atendimento do pronto socorro nós estamos

tendo uma resistência maior, de receber o paciente, porque o

paciente surtado, às vezes se torna um paciente de

urgência/emergência e nós estamos tendo uma resistência,

porque o paciente chega lá e eles falam que é problema do CAPS.

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(...) na verdade nós temos problemas com o Pronto Atendimento,

mas é com o município todo, com todos os serviços de saúde.

(Gestor).

Nota que o CAPS está sempre articulando um funcionamento em rede com os

outros equipamentos da saúde. Acha que há uma boa coordenação, e integração com os

demais serviços como a farmácia, com a vigilância sanitária, com os PSFs, a saúde

bucal. Afirma inclusive que a saúde bucal está sendo introduzida no CAPS através de

um consultório odontológico para atendimento especial dos pacientes. “Vejo o

funcionamento em rede e vejo o interesse da coordenação em estar buscando melhorar a

rede” (Gestor). O Gestor percebe que

as pessoas têm um acesso melhor no CAPS, porque são vários

serviços e o atendimento é resolutivo, o acolhimento é resolutivo,

é diferente, entendeu?

Entende que a rede articulada pelo CAPS é diferente, é a rede de saúde mesmo,

uma integração do CAPS com os PSFs, com o pronto socorro, com outros CAPS.

Conforme o Gestor existem conflitos e antagonismos quando os serviços são colocados

em rede. O CAPS, exemplificou, buscou integração como o agente comunitário e como

o agente não fazia este serviço antes, surgiram atritos, mas são pequenos conflitos

solucionados com conversas, explicações e mostrando a necessidade do serviço para

que a rede funcione.

O Enfermeiro explica porque o CAPS tem essa característica de articular os

serviços. De acordo com ele é o

olhar holístico que temos que ter com o ser humano que faz com

que nos articulemos com todos os equipamentos disponíveis no

município. E isto de certa forma muda os outros serviços também

porque visa a melhora de qualidade para os usuários.

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De acordo com a Gerente 1, não existe contato entre o CAPS e o Centro Viva a

Vida:

Aqui no Viva Vida a gente trabalha com a pediatria. Na

pediatria a gente atende criança de risco. Criança prematura,

abaixo de trinta semanas, crianças com baixo peso, com água

persistente, com alteração no teste do pezinho, então são crianças

que se enquadram no quadro de risco. Depois a gente tem as

gestantes de risco também. Têm muitos diagnósticos aqui de

gestantes de risco, inclusive social e a prevenção do câncer de

mama e de colo do útero. Seria a saúde da mulher. Então aqui é

exclusivo pra mulher e pra criança.

Mais é alta complexidade mesmo. O paciente aqui já vem

selecionado, então não sei dos problemas que ele enfrentou pra

chegar aqui. (...) Mas não há contato com o CAPS de forma

alguma.26

A Gerente 2, enfermeira e coordenadora de PSF relata que percebe a tentativa do

CAPS de funcionamento em rede:

Quantas vezes já liguei pro Leandro dizendo, por exemplo:

Leandro, nós estamos com um quadro aqui que aparentemente é

depressão, você pode avaliar? Mas a gente orienta: Pode ir ao

CAPS porque lá você vai ter um acolhimento, você vai precisar

de uma avaliação e lá vai ser feito. E se precisar de uma

resposta, a gente liga.

26 Num segundo contato, a Gerente 1 relatou ter encontrado registro de consultas de usuários do CAPS no Centro Viva a Vida.

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Entretanto, ela acredita que seria bom receber uma contra-referência por escrito,

vinda do CAPS. Para a referência não tem um formulário específico como era feito para

o psiquiatra no Centro de Especialidades. O CAPS atende por livre demanda, mas é um

serviço de referência.

Se você tem vários setores pro paciente circular, na rede básica

você consegue muito bem, no nível secundário e terciário a gente

tem dificuldades. Em relação ao atendimento do CAPS a gente

tem uma resposta muito rápida (Gerente 2).

A Gerente 3 entende que o CAPS , as Unidades de Saúde e o Centro de

Especialidades fazem parte de uma rede. Acredita que o CAPS articula serviços e

aciona funcionamentos diferenciados, mas no caso específico do Centro de

Especialidades, o contato é pequeno. Afirma perceber que há um funcionamento em

rede na saúde, mas não há tanta divulgação quanto deveria. Os pacientes são o meio de

comunicação, já que não tem uma contra referencia do CAPS. Afirma que

o Centro de Especialidades não encaminha pra nenhum lugar

aqui a não ser o CAPS, ou pra alguma clínica que não temos na

cidade.

A Médica confirma a percepção de que o CAPS tenta agenciar um

funcionamento em rede com o PSF e responde se ficou mais fácil o atendimento em

saúde mental:

Sim, com certeza. É uma rede mesmo eles estarem mandando pra

gente e a gente estar mandando pra eles e tendo a referencia. Há

um atendimento diferenciado, acredito que há. Melhorou

bastante. Agora não é um atendimento só com o medicamento.

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Agora tem um atendimento mais individual, então achei que

melhorou. Os próprios pacientes, que a gente tem conversado e

que fazem acompanhamento, acham que melhorou.

A Psicóloga 1 responde se através do CAPS, ocorram articulações entre

heterogêneos, isto é, entre os dispositivos, serviços e equipamentos diferentes, e se

estas articulações acionam funcionamentos diferenciados:

Sim. Articulador, porque ele tem mais abertura com relação a

referencia e contra referencia. Então ele não toca muito em

questões muito complexas não. Não é comum você encaminhar

daqui pra uma tomografia, que é um procedimento complexo.

Você tem uma articulação entre a consulta, a questão de exames,

essa questão de encaminhar a pessoa nesse sentido. Não, não é

um serviço complexo no sentido de aparato. Aqui não tem muito

aparato. Aqui você não vê aparelho, aqui não é um hospital.

Aqui é um serviço substitutivo. (...)Ligar, marcar consulta, a

gente faz um papel meio de secretário também.

O percurso na saúde mental começa com o encaminhamento para o serviço, ou

através da demanda espontânea. O cadastramento é feito através do cartão nacional do

SUS, que é um novo sistema de informação, sobre o fluxo do paciente na rede de saúde,

que fornece a informação de onde o paciente está sendo tratado. O paciente é cadastrado

e dentro do projeto terapêutico é feito o laudo pra emissão de APAC. O laudo constata o

diagnóstico e a necessidade de tratamento no CAPS. Frisa:

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é a partir da queixa, que vou saber o que aquela pessoa precisa.

Se ela precisa daqui, se ela precisa de outro lugar, se ela precisa

de um encaminhamento pra outra instituição. Se ela precisa

daqui, como é o percurso dela: primeiro você faz o projeto

terapêutico, o que ela precisa, precisa de medicação, dos

psicólogos, dos grupos, precisa de assistente social, precisa de

encaminhamento pra médico, dentista e estando aqui após esse

processo, ela inicia o tratamento, que seria o tratamento em

saúde mental. O percurso pode ser longo. Não tem tempo

determinado pra fechar. (Psicóloga 1).

Relata que são diversos os atendimentos do CAPS e que há atendimentos por

demanda do poder judiciário, de presidiários que não estão bem, de questões de

delinqüência, avaliação psicológica dos que cometeram atos anti-sociais, álcool, drogas,

uma clientela quase paralela com um tratamento diferenciado dependendo da gravidade.

Explica que a partir de agora para haver internação psiquiátrica, tem que passar

pelo CAPS, não poderá ser feita diretamente do PSF, como antes. Explica que na

regional de saúde já esta em implantação o projeto do SUS fácil: o CAPS vai coordenar

a internação durante o dia e a noite e nos finais de semana vai ser através do Pronto

Atendimento.

Percebe que o CAPS, veio e mudou a configuração da rede:

Ele não veio pra ser mais um não. Não tem como ser mais um.

Porque muda. Muda a configuração. É rede mesmo. Vai tecendo

situações diferentes. Também se amplia. A gente aprende com as

trocas. Aprende como se deve e como não se deve ser, e em que

ponto você tem que melhorar, pra poder melhorar o atendimento

ao usuário, que é a importância maior da gente estar aqui

(Psicóloga 1).

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Relata que através do CAPS são feitas visitas domiciliares, o que gosta muito de

fazer. Entende que a visita quando é feita junto com um profissional de nível superior

em saúde mental, tem uma abordagem mais ampla.

De acordo com a Psicóloga 2 que atende no Pronto Atendimento,

antes do CAPS abrir você chegava aqui na santa casa, você tinha

que mandar os casos graves, que precisavam de internação pra

fora. Você tem o médico lá no CAPS, no dia que ele teve a crise

ele poderia estar mandando né, porque o psiquiatra avaliaria,

diagnosticaria, se ele precisasse de uma internação, fica até mais

fácil.

Para o Político 1 o CAPS é um articulador dos equipamentos de saúde e da rede

social no atendimento da saúde mental:

Eu acho que seria até o ponto de partida dessa rede. Pela

quantidade de atendimentos que a gente está tendo lá, (...) pelo

que a gente fica sabendo do volume de demanda, eu acredito que

sim (...) Eu acredito que o CAPS, hoje, tem feito, está cumprindo

realmente seu verdadeiro papel.

De acordo com Merhy (1994) as mudanças no processo de reordenamento das

práticas de gestão, podem ser acompanhadas de uma quebra de controles tradicionais.

Merhy refere-se a uma gestão de organograma horizontal, quebrando estruturas

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hegemônicas e piramidais. Assim, o surgimento de novas práticas de gestão são

acompanhados

por uma quebra de mecanismos de controle mais centralizados e tradicionais, que existiam no interior dos serviços, com liberação de processos instituintes baseados em atos voluntários de alguns atores institucionais, muitos deles, grupos instituídos, como corporações profissionais, ou mesmo baseados em atos isolados de grupos de interesses que atuam fortemente em benefício próprio (...) ( MERHY, 1994, p.{?}).

De acordo com os dados colhidos a hipótese de que o CAPS I – VIDA de Santo

Antônio do Monte estaria funcionando como um agente articulador, fundamental à

edificação da saúde mental coletiva, se confirma, dentro de algumas limitações.

Ocorreram articulações entre os diversos atores sociais pesquisados e o CAPS.

Algumas articulações foram mais freqüentes, algumas foram mais fáceis, outras mais

conflituosas, mas entende-se que o CAPS, em seu trabalho com a atenção à saúde

mental, dinamizou as articulações e o relacionamento geral da rede de serviços.

Passamos agora à verificação da segunda parte da hipótese: O CAPS I – VIDA

de Santo Antônio do Monte estaria funcionando como um agente articulador dos

princípios do SUS no município.

O Gestor refere-se ao princípio do SUS e à lei 8080 que é muito clara ao

preconizar que a universalidade. Lembra que de acordo com a Constituição, a saúde é

direito de todos e dever do Estado. Entende que no CAPS todo paciente é acolhido.

Entretanto, como o CAPS VIDA é um CAPS I, só trabalha com pacientes acima de 18

anos. Afirma que

Nós temos dificuldades sérias com pacientes abaixo de 18 anos.

Nós solucionamos o problema que pode ser solucionado através

da psicologia, que pode encaminhar pra psiquiatria, mas nós não

temos resolutividade com os pacientes abaixo de 18 anos.

(Gestor).

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A Psicóloga 1 entende que existe uma limitação na universalidade do serviço,

por não atender menores de 18 anos. Entretanto, argumenta que essa limitação é que vai

possibilitar a condução do tratamento.

A questão da universalidade e da integralidade dos atendimentos do CAPS,

questionados pelo não atendimento de menores de 18 anos, talvez seja clareada com o

que preconiza o Ministério da Saúde acerca do princípio da integralidade: “a

integralidade das ações num conjunto articulado e contínuo em todos os níveis de

complexidade do sistema” (BRASIL, 2005, p 27). Assim explicado, entende-se que a

integralidade do atendimento se daria no conjunto articulado da saúde e não nas

instituições isoladamente. Entende-se, portanto, que ocorrem lacunas no conjunto, no

que se refere a saúde mental em Santo Antônio do Monte e não o descumprimento do

CAPS em relação ao princípio da integralidade.

O Gestor entende que o CAPS enquanto equipamento síntese que responde por

um atendimento complexo, subverte sim, a questão da hierarquização dos serviços. De

acordo com o Gestor:

Antes, todo paciente que chegava, ia pro PSF, do PSF mandava

pro CAPS, do CAPS mandava pro Pronto Socorro e o hospital

que tinha que mandar encaminhar o paciente. Tinha uma

hierarquia nesse sentido. Agora não. Já está tendo uma inversão.

O CAPS já está tendo uma autonomia pra estar encaminhando o

paciente. Isso já vem da rede estadual, pra que a gente possa

fazer isso na rede de saúde. Então nosso paciente não precisa ser

encaminhado pra um setor, outro setor. Nesse sentido existe uma

inversão e já está acontecendo. O CAPS já está tendo uma

autonomia neste sentido.

O Enfermeiro tem um entendimento diferenciado acerca do que ocorre com o

princípio da hierarquia. De acordo com ele,

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visto que o CAPS é considerado de alta complexidade o usuário

já chega direto na alta complexidade e a falha está na atenção

básica que não está preparada ou melhor, bem preparada para

acolher pacientes com problemas mentais.

De acordo com a Psicóloga 1 na saúde há um conjunto hierarquizado. A porta de

entrada é PSF, daí para o CAPS e depois para um atendimento mais complexo.

Entretanto, com o acolhimento pelo CAPS da demanda espontânea, entende que a

hierarquia é alterada. Entretanto, entende essa quebra de hierarquia como fator de

resolutividade.

De acordo com documento do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), a atenção

em saúde mental é parte do Sistema Único de Saúde (SUS). O documento explica que:

o SUS regula e organiza em todo território nacional as ações e serviços de saúde de forma regionalizada e hierarquizada, em níveis de complexidade crescente, tendo direção única em cada esfera do governo: federal, municipal e estadual. (BRASIL, 2005, p.27).

Pode-se entender a partir do que preconiza o SUS que realmente ocorre uma

quebra da hierarquização dos serviços.

Quanto à equidade, a Psicóloga1 entende que o serviço é psicossocial, então tem

que observar a necessidade daquele que precisa mais. Entende que é muito importante

estar in lócus, ir à casa da pessoa, participar mais, saber das condições de vida. É um

desafio. A psicóloga coloca que todos os princípios que o SUS preconiza, equidade,

descentralização, a participação da comunidade, igualdade de acesso são desafios,

porque em alguns momentos as soluções são paliativas.

Ir lá, ver como a pessoa está. Ai às vezes em algum sentido você

fica atrasado, porque nem sempre você pode estar saindo daqui,

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puxando aquela pessoa, vendo a casa dela, conversando com a

família, tentando acionar até a vigilância sanitária, ou a

assistente social. Em algum sentido você fica bloqueado. Mas

sempre tem que se pensar nesses princípios. A equidade é a

possibilidade de acesso, de dar a quem precisa, sem ser

paternalista, assistencialista, sem fazer aquilo por fazer. Você

tem que causar uma mudança de vida, uma mudança de processo.

(Psicóloga 1).

Entende que o princípio do SUS, da participação popular nos processos

decisórios, começa no CAPS com o projeto terapêutico, construção que o profissional

orienta e o paciente participa. Fica aberto para o paciente questionar o que acha que será

bom para ele, se algo ficou incômodo, o que está gostando. Com a associação dos

usuários e amigos do CAPS, entende que vai ficar mais visível, tendo mais voz e mais

próximo, esse vínculo entre família, comunidade e CAPS, essa participação social.

A partir deste momento, buscaremos verificar quais são os efeitos das práticas

no território do CAPS I – VIDA e da saúde mental no campo da saúde coletiva do

município de Santo Antônio do Monte – MG.

De acordo com as entrevistas perceberam-se alguns efeitos do CAPS como

dinamizador e articulador da rede de saúde.

O Gestor acredita que o CAPS esteja exercendo uma influência positiva na rede

de saúde, fazendo com que a rede funcione, suprindo uma lacuna nos atendimentos que

não eram contemplados no PSF ou no Pronto Atendimento. Relata que esses casos são

encaminhados hoje, do PSF para o CAPS, do Pronto Socorro para o CAPS. Quando o

paciente volta para o CAPS do Pronto Socorro para acompanhamento, é encaminhado

para as clinicas de tratamento que se fazem necessárias. Percebe hoje, portanto, uma

agilidade, um funcionamento melhor na rede. Nas palavras do Gestor: “O CAPS tem

mais resolutividade”.

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O efeito de dinamizar a rede de saúde pode ser entendido a partir do

conhecimento de que cada dispositivo do Sistema Único de Saúde vem completar um

conjunto articulado. Assim

a qualidade da atenção à saúde pressupõe a referência de um modelo idealizado que leva em conta um conjunto articulado de ações, com efetividade comprovada em determinadas situações de saúde e doença, desenvolvida dentro de uma relação humanizada entre equipe e os usuários, sendo percebida satisfatoriamente por estes últimos em termos de suas expectativas ( SILVA JÚNIOR; MASCARENHAS, 2004 apud ALVES et al 2006, p. 66).

Através da fala da Gerente 2 percebeu-se como efeito, o realce dessas lacunas da

rede de saúde, no campo da saúde mental. Levanta o problema grave que enfrentam no

PSF, que é a falta de atendimento em saúde mental para os menores de 18 anos:

(...) Estou com uma mulher de 14 anos, que acabou de ganhar o

bebê. Ela está com depressão pós-parto, com sérios problemas e

ela não se enquadra no CAPS. Ela é menor de 18 anos. Mas é

menor e tem um bebê. Onde vamos acolher essa mulher? Não tem

espaço. Não tem lugar. Precisa entrar com uma medicação

urgente pra ela porque ela está tendo um comportamento

totalmente alterado, de rejeição completa do bebê. Então eu tive

que ligar na Secretaria de Saúde pra eles tentarem uma vaga pra

essa adolescente fora do município, porque aqui a gente não tem

referencia.

A Psicóloga 2, do Pronto Atendimento relata situação similar:

O que eu sinto falta aqui é a contra referencia pra criança e

adolescente. A gente fica de mão atada, porque a quantidade de

adolescentes que vem tentando o auto-extermínio (...).

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Percebeu-se que a resolutividade do CAPS, lança luzes sobre as lacunas da rede

de saúde no campo da saúde mental. Dessa forma, é perceptível que uma parcela da

população tem que ser referenciada para outros municípios. De acordo com publicação

do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005a) a rede de atenção à saúde mental é

composta por Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centro de Convivência, Ambulatório de Saúde Mental e Hospitais Gerais, caracteriza-se por ser essencialmente pública, de base municipal e com controle fiscalizador e gestor no processo de consolidação, produtora de autonomia que convida o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda trajetória de seu tratamento (BRASIL, 2005a, p.30).

A constatação da necessidade de ampliação da saúde mental na rede de saúde,

corresponde a que

a idéia fundamental aqui é que somente a organização em rede e não apenas um serviço ou equipamento é capaz de fazer face à complexidade das demandas de inclusão de pessoas secularmente estigmatizadas, em um país de acentuadas desigualdades sociais ( BRASIL, 2005a, p.28).

O documento do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005a) reafirma que a

articulação em rede de diversos equipamentos da cidade, equipamentos de saúde ou não,

é que garantem resolutividade, autonomia e cidadania.

As dificuldades com as frequentações transdisciplinares, traduzem dificuldades

de articulação e de funcionamento da rede.

De acordo com a Gerente 2 o PSF tem boa estrutura física e em termos de

material não há problemas. Quanto a um trabalho transdisciplinar, ela entende que o

mesmo acontece, mas em decorrência de alguns conflitos acredita que ele ainda pode

melhorar.

A Gerente 3 relata que são poucos os contatos do Centro de Especialidades com

os outros equipamentos de saúde, pela sua forma de funcionamento:

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Os encaminhamentos quando vem pra cá, alguns são

encaminhamentos de contra referencia. Esses que são de contra

referencia são devolvidos pro posto. ( Gerente 3).

Fala sobre as mudanças e dificuldades no campo da saúde mental no município:

Vamos supor: a gente tem muito encaminhamento de adulto aqui,

que às vezes não é daqui. Mas a pessoa deixa de ir pra lá pelo

bloqueio. Mas também, aqui dentro do centro, ate que a

psicóloga atual não, mas a psicóloga que era antes, ela tinha

muita queixa em relação ao CAPS por ele não aceitar

determinados pacientes que ela achava que se enquadrava no

CAPS.

De acordo com a coordenadora os pacientes se mostram satisfeitos, mas crê que

o serviço ainda pode melhorar. Melhorar a relação médico paciente, as relações entre o

serviço de recepção e o paciente. Gostaria que houvesse um treinamento para isto.

A Médica relata que o PSF tem referências e contra-referências para a Fundação

e para o centro de especialidades, mas não tem recebido contra referência do CAPS por

escrito, o que tem dificultado saber quais os pacientes do PSF encontram-se também em

tratamento no CAPS – seria uma questão a melhorar. Entretanto, percebe o processo de

atendimento no CAPS como diferenciado. Acredita que o serviço é bem organizado,

mas entende que é necessária maior integração entre as unidades de saúde e o mesmo,

principalmente no que tange á psiquiatria, como uma forma de troca de informações e

saberes:

(...) esse mundo de pacientes tomando remédio controlado há anos a

gente sente uma necessidade de estar fazendo algum trabalho, quando

não tem como mandar pro CAPS. A vontade que a gente tem é de fazer

um trabalho no PSF, que a gente tivesse um suporte pra estar resolvendo

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esses assuntos e tentando separar aquele que realmente tem que fazer o

acompanhamento no CAPS e aquele que pode ser atendido aqui.

De acordo com a médica, a rede está funcionando. O paciente está sendo

atendido, referenciado e contra-referenciado. Isto ocorre em relação ao centro de

especialidades e a Fundação. Do CAPS não tem contra-referência por escrito, o que ele

tem e o que está tomando de medicamento, é ouvido através do paciente. A referência é

feita por telefone, para o Pronto Atendimento, o CAPS e para a Secretaria de Saúde.

A Psicóloga 1, do CAPS, percebe, que ocorrem trocas de saberes entre os

profissionais da equipe de saúde mental:

A equipe que fica mais tempo aqui, o enfermeiro, as psicólogas,

as auxiliares, os técnicos, a TO, tem havido. A gente sempre tem

trocas, a gente sempre tem liberdade. É mais interdisciplinar

mesmo. De ter discussões, de falar o que um precisa, ainda vejo

bloqueio com relação a questão médica. Ainda é complicado. O

médico não circula igual nós circulamos aqui, que seria a

proposta do CAPS.

Relata que existem trocas com profissionais de outros equipamentos, mas não

são freqüentes. Acontecem sob a forma de uma contra referencia, um encaminhamento.

Aquela troca, de vamos sentar e discutir, afirma não existir entre os serviços.

A psicóloga avalia que o funcionamento do CAPS tem alguns problemas em

relação à rede social. Outra questão que nota é a carência de uma maior integração e

articulação em relação aos médicos do serviço, pois, esta interação daria mais respaldo à

atuação da equipe. Reflete que a

transdisciplinaridade se você for pensar, ela também é processo.

Eu penso numa gelatina que você pode passar , deixar uma

marca, mas não mudar a fórmula. Você tem uma fórmula, você

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tem um aprendizado, mas você pode aprender dos outros. Eu

acho interessante aprender do que os outros fazem, do que o

outro tem a acrescentar, isso é importante. Ë bom pro serviço, é

bom pro usuário (Psicóloga 1).

A Psicóloga 2 entende que precisa haver trocas: “ Acho que precisaria ter essa

troca. Eu busco né. Ligo pro CAPS, ligo pro psicólogo lá do centro de especialidades”.

Para o Político 2 a contribuição da saúde mental no atendimento é que as

pessoas vão encontrar no CAPS uma equipe interdisciplinar, multidisciplinar, que

poderá realizar o tratamento necessário.

O Enfermeiro entende que “ocorrem as trocas de saberes (entre os serviços)

porém pouca troca eu acho, deveria acontecer mais, né? E não são satisfatórias as trocas

de saberes, poderia acontecer mais um trabalho em equipe, um trabalho

transdisciplinar.” Afirma que a melhor forma de fazer o tratamento dos pacientes é com

o trabalho transdisciplinar. “Quem ganha é o paciente, além de fazer com que a equipe

de trabalho seja mais unida e eficiente: aprendendo e trocando experiências entre si.”

Para Vasconcelos (2003) a busca por conviver com outras disciplinas não

interfere na autonomia das mesmas, mas reconhece a necessidade de outros olhares para

o objeto. Reconhece, no entanto, que

a proposta de interdisciplinaridade convive com a sombra espessa de um conjunto de estratégias do saber/poder, de competição intra e intercorporativa e de processo de institucionais e socioculturais muito fortes, que impõem barreiras profundas à troca de saberes e as práticas interprofissionais colaborativas e flexíveis (VASCONCELOS, 2006, p. 53).

De acordo com Vasconcelos, (2006) as práticas interdisciplinares autênticas

tendem a criar novos campos de saber teóricos ou aplicados. A proposta de

transdisciplinaridade poderia ser a radicalização da interdisciplinaridade.

É possível perceber que transdisciplinaridade e rede não se fazem unicamente

com referência e contra referência escrita, com prontuários ou com prontuário único, é

muito mais que troca de informações e vai além do que uma facilidade de comunicação.

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No CAPS ocorre uma interdisciplinaridade relativa, posto que os médicos estão

isolados em seu saber, não circulam, têm poucas trocas de saberes como componentes

da equipe, é algo do que permanece do modelo bio-médico. Entretanto,

a estrutura organizacional que conforma estes serviços (CAPS, NAPS) possibilita a participação de diversos atores, sejam das diferentes categorias de técnicos e ainda em menor escala, usuários e familiares, na gestão dos mesmos, o que permite a superação de modelos inspirados em interrelações burocráticas e protocolares (...) sendo esta uma das principais vantagens para a incorporação de metodologias (FIDELIS, 2000, p. 117).

Fidelis (2003) frisa que apesar da luta pela saúde e pela construção dos SUS, a

estrutura hegemônica “não permitiu a produção de mudanças significativas no

paradigma médico de assistência” (FIDELIS, 2003, p. 117).

A Psicóloga 1 acredita que esteja havendo agora uma mobilização e um

questionamento entre os profissionais de saúde, sobre a receptividade dos um serviços.

Acredita que tenha surgido um questionamento, pois

nós temos a resposta de, por exemplo, ir pra Santa Casa e

acompanhar o paciente e ficar segurando a mão do paciente se

ele está mal. Então aquilo já causa uma interrogação e de algum

modo é importante isso porque se causa interrogação, se causa

dúvidas sobre sua atuação você tem um parâmetro melhor. Não

tem como não haver um desencadeamento.

O Enfermeiro relata o conflito entre o modo de atendimento entre os serviços. O

conflito “existe porque é um serviço novo e diferente. Tudo que é novo traz

divergências, antagonismos. A diferença estaria no acolhimento, na escuta e no

tratamento de qualidade”.

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Efeito de aumento do vínculo social e do auto-cuidado entre os usuários. A

Usuária 1 relata que:

Por exemplo, chega sexta. Ai eu penso, mas sábado e domingo eu

posso ouvir uma música, tocar um violão, que eu estou

aprendendo, leio livro, escrevo um poema que eu gosto, e vai

passando o dia e eu nem vejo. Passa rápido. Chega domingo

também, passa rápido. De vez em quando a gente vai passear a

noite, à tarde. Então passa rápido. E segunda feira que é legal,

eu vou encontrar com todos eles. Entende? É bom saber disso.

Parece que não, mas o calor humano ele aquece a alma,

entendeu? A gente abraça uns aos outros, da beijinho de um lado

e de outro. E mesmo vendo os funcionários, as psicólogas, o

pessoal, é bom. Isso ai é bom. É uma motivação pra mim

melhorar mais a minha imagem.

O aumento do vínculo e do cuidado de si, verificados na fala da Usuária 1, falam

da construção de autonomia, o que para Amarante e Carvalho (1996) fortalece a

construção de parâmetros de avaliação de serviços de saúde mental, oriundos do interior

dos mesmos.

O restabelecimento de vínculos, de laços sociais pela usuária, a convivência

com os vizinhos e com a comunidade também são índices de autonomia. De acordo com

Fidelis (2003)

na pesquisa realizada por Pitta et al (1997) como parte de um estudo multicêntrico desenvolvido pela OMS no Brasil, a inserção em grupos sociais foi considerada como a área mais prejudicada no item relativo a inserção na rede social, que envolvia também a inserção em grupos de amigos e familiares (FIDELIS, 2003, p.103).

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Relata que se relaciona com os vizinhos apesar de haver muito pouco tempo pra

conversar, eles trabalham, ela vai para o CAPS. Mas sábado e domingo eles conversam,

colocam as fofocas em dia.

A Familiar 1 fala dos efeitos das atividades do CAPS para a melhora de seu

filho, são os efeitos de escritura:

Bom, o Lessa, depois que veio para o CAPS, ele colocou as idéias

dele, os pensamentos dele, as angústias em um livro. Ele escreveu

um livro com 20 capítulos, onde ele colocou o pensamento dele, a

angústia, as coisas que ele trazia dentro dele e isso foi uma coisa

que ajudou ele demais a elaborar os problemas da esquizofrenia.

(Familiar 1).

A produção de formas de escritura, como a pintura, o desenho ou como a escrita,

relatado pela Familiar 1 é um dos efeitos mais interessantes que podem ser alcançados

através das oficinas. Esses encontros têm, muitas vezes, efeito estabilizador como pode

ter ocorrido.

Percebeu-se o surgimento de resistência dos modelos hegemônicos. De acordo

com o Técnico 1, ocorrem resistências que dificultam a implantação das políticas do

SUS. O que ocorre é que é difícil

a humanização, ou seja, deixar de se preocupar muito com a

doença e tratar a pessoa. Só que infelizmente, a medicina de

maneira geral não é de concordância com isso (Técnico 1).

O efeito de mudanças no campo da saúde mental no município e de diminuição

das internações nos hospitais psiquiátricos é claro de acordo com a fala da Gerente 1 e

da Médica. Em sua fala nota-se que acredita que esteja ocorrendo uma abordagem

diferente para as pessoas que apresentam problemas mentais graves:

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Em relação aos pacientes psiquiátricos que estão sendo

acompanhados no CAPS, tem nos ajudado bastante. O paciente

se mantém estável, não está tendo problemas (Médica).

A Gerente 2 relata que não há mais internações psiquiátricas no território do PSF

que gerencia e considera que isto é um indício de que o CAPS tem feito um bom

suporte. Acredita que a diminuição das internações é um fato importante que denota

isto:

Tem três anos que eu estou aqui no PSF. Devem ter sido feitos

que eu me lembre uns três, quadro encaminhamentos. Aqui eu

vejo o CAPS como solução.

O Técnico 1 relata os efeitos a nível financeiro da diminuição das internações.

De acordo com ele

de imediato, a melhora financeira foi muito boa. Os custos de

enviar pacientes para fora, manter eles lá, isso praticamente

sumiu e sem contar que agora você pode tratar pessoas com

distúrbios leves.

A mudança da clientela de internação psiquiátrica é um efeito constatado pela

Médica. Geralmente as internações que o serviço tem feito são por alcoolismo, uso de

drogas, não por problemas mentais mais graves.

Quanto ao efeito de diminuição da internação, enquanto objetivo de um serviço

substitutivo, o CAPS tem sido bem sucedido. A Psicóloga 1 relata que pesquisando os

dados e elaborando gráficos percebeu que: pacientes que tinham sete internações

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hospitalares, antes do tratamento no CAPS, não têm mais internações. Entende que o

CAPS é, portanto, um serviço substitutivo.

A não internação do paciente grave, com a opção de tratamento da crise na

comunidade é constatada a partir da fala da Psicóloga 2:

Como a gente não tinha então o paciente ia, a gente ligava pro

Galba ou pro Bento Meni, se tivesse a vaga ele era transferido.

Hoje não, a gente tem a opção do CAPS, em que é feito uma

contenção com ele, ele é caminhado pro CAPS, ou é notificado

por telefone com o Leandro, com a Margaret. Mas antes não

existia. Era bem difícil.

O Enfermeiro relata sobre o que mudou na questão das internações. De acordo

com ele

as internações psiquiátricas são realizadas com mais critério e

avaliação. Tem sido reduzidas pelo trabalho feito nos serviços de

saúde mental com os CAPS. Somente se solicita internação de um

paciente quando todas as possibilidades de tratamento no CAPS

foram esgotadas.

Também no entendimento do Técnico 1 o critério para internação foi

modificado:

Depois do CAPS as internações foram purificadas. Porque

antigamente as internações eram por solicitação às vezes, por um

psiquiatra de fora. Hoje já temos um psiquiatra aqui que

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acompanha a pessoa em duas ou três consultas. Antigamente, na

1ª consulta o paciente já era encaminhado. (Técnico 1).

Assim também pensa o Político 2:

Na verdade, muitas pessoas que são atendidas no CAPS hoje,

eram atendidas no Bento Meni, um tratamento mais forte, mais

químico, ou em São Sebastião do Paraíso.

O número de internações é de acordo com Fidelis (2003) parte de instrumentos e

indicadores de avaliação psiquiátrica. Entretanto, estes indicadores “analisados de forma

isolada não é um bom traçador da qualidade do serviço” (FIDELIS, 2003, p. 100).

De acordo com os relatos anteriores da Usuária 1 pode-se perceber que “há casos

que em determinado momento exigem uma maior necessidade de contenção”

(FIDELIS, 2003, p.100). É preciso, portanto, considerar o contexto onde se insere o

CAPS, se funciona 24 horas, no caso de funcionar somente durante o dia, se há respaldo

através do hospital geral. Se não há, é possível internar no hospital psiquiátrico quando

há indicação? Portanto

a autora aponta que não são os números absolutos que importam nesse tipo de trabalho, embora tenham o papel de dar visibilidade ao serviço, mas o cuidado intensivo e reflexivo que deve ser oferecido a toda clientela (FIDELIS, 2003, p 100).

Apesar da afirmação de alguns atores da rede de saúde (Gerente2, Médica,

Psicóloga1 e outros) de que a internação psiquiátrica diminuiu, não foi possível uma

totalização quantitativa, pois diversos serviços efetuaram internações

independentemente e não fizeram levantamentos a respeito.

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O que é possível constatar a partir de levantamento do CAPS é que diminuíram

as internações dos pacientes que passaram a ser atendidos na instituição. Constatou-se

também a mudança da clientela de internação a partir do PSF, para uma maioria de

alcoolistas e usuários de drogas.

De acordo com o Gestor a questão do suicídio está minimizada depois da

abertura do CAPS: Houve uma redução.

Entende que a qualidade de vida, os problemas sociais, psicossociais, os

problemas de trabalho, questões financeiras, risco de desemprego, o tipo de trabalho,

são fatores que influenciam de forma multifatorial o número de suicídios. Entretanto é

irrefletido dizer que um dos fatores é determinante. Essa é uma situação complexa, que

ocorre em outras cidades com características bastante diferenciadas, como por exemplo,

a cidade de Passos. Entende que é necessário que se tenha no município a atenção à

saúde mental, para que os problemas como a depressão, que apresentam altos índices,

possam ser tratados.

Entretanto, de acordo com a Médica, no ano passado as tentativas de suicídio

aumentaram:

No ano passado teve um aumento muito grande de tentativas de

suicídio. Então está precisando que a gente tenha um trabalho a

mais, a gente vê o problema, mas não está tendo como resolver.

Às vezes, a gente vai a casa daquele paciente que está com aquele

problema, é um paciente que tem que acompanhar, e não tem o

que a gente estar fazendo. Não precisa só do psicólogo, precisa

do psiquiatra.

Para a Psicóloga 1 em relação ao auto-extermínio, entende que há um excesso de

ideação suicida, de tentativa de suicídio e de confirmação. Percebe que o índice no ano

passado (2007) diminuiu em relação aos anos anteriores. Relata inúmeras variáveis em

relação à cidade, a cultura, o trabalho estressante, pouco lazer, pouca projeção da pessoa

com a família, acredita que tudo influencia. Em sua percepção o CAPS tem contido

muito.

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De acordo com pesquisa realizada na secretaria de saúde, o número de suicídios

no ano de 2006, no município de Santo Antônio do Monte, foi totalizado em seis. Um

suicídio por auto-intoxicação intencional com pesticidas, quatro por lesão intencional

auto-provocada por enforcamento e uma lesão intencional auto-provocada por arma de

fogo.

Em pesquisa realizada na delegacia, aferiram-se os seguintes números: Em 2005

ocorreram quatro suicídios, em 2006 ocorreram seis suicídios e em 2007 foram três

suicídios efetivos. Estas informações foram fornecidas pelo escrivão da Polícia, Bel.

Lázaro Rezende.

Nota-se que houve uma diminuição significativa de 50% no número de auto-

extermínios e a reversão da tendência de aumento do mesmo. Essa diminuição e

reversão coincidem com a abertura do CAPS I - VIDA e responde às expectativas dos

administradores e gestores do município. Entretanto, o relato da Médica sobre o

aumento das tentativas de auto-extermínio é paradoxal em relação à diminuição dos

suicídios efetivos. Para compreender este paradoxo, podem-se levantar questões como:

Terão sido computadas todas as mortes por auto-extermínio? È um pergunta pertinente

dado que diversas formas de auto-extermínio precisam de um estudo bem mais detido

para ser corretamente constatadas.

A avaliação da satisfação de usuários e técnicos nos serviços de saúde mental,

atualmente está valorizada e de acordo com Fidelis (2003), a satisfação e adesão dos

usuários ao tratamento, “fazem referência à percepção subjetiva do indivíduo sobre o

cuidado que recebe” (FIDELIS, 2003, p.111).

Essa percepção subjetiva de acordo com Fidelis (2003) varia em função das relações

entre profissionais e usuários, da ambiência, da infra-estrutura, da existência de

materiais adequados assim como das representações sobre saúde e doença.

A Usuária 1 fala de sua satisfação com o serviço:

Depois, graças a Deus abriu o caps. Foi bom pra mim, foi

sim. Porque eu não via motivação nenhuma. Ficava em

casa com os familiares. Às vezes, eles não entendem a

gente, entende como que é? (Usuária 1).

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A Familiar 1 manifesta sua satisfação:

To muito satisfeita, eu acho, assim, que o CAPS é o meu chão,

porque eu sou mãe de dois filhos, né? Com doença mental, então

eu falo que primeiro é Deus e depois é o CAPS. Porque aqui eu

encontrei um porto seguro, pros meus filhos e pra mim.

A Usuária 2 fala sobre o tratamento que recebe no CAPS, afirma que

Aqui é bem diferente o tratamento, as pessoas tratam a gente com

carinho e com amor, não tem discriminação de raça, de cor, de

sexo, então eu vejo tudo isso.

A Familiar 2 ao ser perguntada sobre com é o atendimento no CAPS, responde

que é

muito bom, é bom demais. Eu sonhava com isso porque meu filho

não tinha onde ficar. Porque ele não pode ficar mais na APAE,

né? Porque lá, não tinha mais jeito dele ficar lá. Aí, foi bom

demais, nossa... Não sei nem como falar. Eu sonhava com isso.

Os técnicos de acordo com Fidelis (2003) devem participar do processo

avaliativo dos serviços, como protagonistas das ações no campo psicossocial: “(...) a

satisfação e sobrecarga sentidos pelos profissionais da equipe, embora menos estudadas,

exercem grande influência na qualidade da atenção prestada” (FIDELIS, 2003, p. 112).

A Psicóloga 1 revela estar muito satisfeita em trabalhar no CAPS:

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Olha, eu tenho muita satisfação de estar aqui. Ontem inclusive,

eu vendo a melhora dos pacientes, você tem vontade de fazer

mais do que você pode fazer. Ë mais interessante. Você fica

satisfeito quando você vê as coisas acontecendo. Tem dia que eu

agradeço, “obrigada meu Deus por estar aqui”, mas tem dia que

é pesado e eu penso “não gostaria de estar aqui hoje”. Mas no

fim, o fechamento de tudo é que eu acho ótimo. (Psicóloga 1)

Ressalta, Fidelis (2003) que o que importa numa avaliação é a leitura qualitativa.

Fidelis afirma que “para Pitta (1996) a satisfação/motivação dos técnicos no que se

refere ao capital humano envolvido na assistência, é a variável com maior potencial de

influência nos resultados da atenção” (PITTA, 1996 apud FIDELIS, 2003, p. 113).

O Político 1 manifesta satisfação e certeza do bom atendimento:

Estou muito satisfeito(...) A quantidade de pessoas que estão

realmente sendo atendidas, que ali estão sendo tratadas e o que

realmente me chama a atenção é a acolhida que acontece no

CAPS hoje, eu nunca tive uma reclamação de nenhum cidadão ou

uma família que foi levar um parente lá pra ser acolhido, que

fosse mal atendido, mal tratado. (Político 1)

O Político 2 demonstra satisfação: o CAPS como novidade:

O CAPS é a melhor coisa que aconteceu nos últimos tempos. A

cidade estava carente, não tinha esse atendimento.

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3.3 Rede de saúde e rede social: construções para a saúde mental coletiva

“Para começo de conversa”, disse o Gato,

“um cachorro não é louco. Admite esse fato?”

“Acho que sim”, disse Alice.

“Bem, então”, continuou o Gato, “veja o seguinte:

Um cachorro rosna, quando está brabo, e

abana o rabo, quando está satisfeito.

Ora, eu rosno, quando estou satisfeito, e

abano o rabo, quando estou brabo.

Portanto, sou louco”

Lewis Carroll27

De acordo com Nicácio (2003), ao se referir aos projetos e produções de

serviços de atenção em saúde mental, ocorre uma questão que lhe parece instigante: “as

práticas em desenvolvimento mostram-se, muitas vezes, mais complexas e articuladas

que os modelos de referência” (p.87). A autora entende que a potencialidade é maior no

agir cotidiano, enquanto que há uma dificuldade em comunicar ou denominar o que se

faz. Isto faz com que haja a suspeita de que essas inovações não tenham sido articuladas

de forma satisfatória do ponto de vista teórico.

Estas idéias fazem refletir sobre em quais níveis semióticos essas práticas

diferenciadas são apreendidas pelos usuários e trabalhadores de saúde no serviço de

saúde mental.

De acordo com Teixeira (2008), as transformações do sujeito no campo da saúde

passam por condições objetivas que são produzidas no trabalho. A questão colocada por

Teixeira (2008), é entender como o trabalho em saúde traz transformações no sujeito, o

trabalho como processo cultural, enquanto tecnologia. Entende-se que a subjetividade

não é centrada no indivíduo, não é universal, não se separa com precisão dos objetos,

não se prende a ontologia particular e nem é passível de totalização, produzindo-se em

processos múltiplos e heterogêneos que ocorrem em níveis e escalas diferentes. 27 CARROLL, 2002, p.85.

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Para Teixeira (2008), a subjetividade é coisa. É coisa produzida, fabricada por

processos coletivos ou sociais, que não se dão no indivíduo, mas o atravessam. Pode ser

produzida por diversas instâncias, sem que alguma seja entendida como dominante:

instâncias individuais, coletivas e institucionais. Situa-se no paradigma da

complexidade, não mantendo relações hierárquicas e sim contextuais. O autor entende

que assim há o acoplamento do sujeito/objeto e os objetos são sujeitos ou atores em

movimento, produzindo diferença e efeitos indissociáveis de uma dinâmica social e de

produção de subjetividade.

Um objeto técnico de trabalho, tal como o acolhimento, objeto que opera através

das relações, na vida coletiva, catalizando as relações sociais, é caracterizado como algo

imaterial, uma mensagem, uma informação, conhecimento, algo construído. O

acolhimento enquanto um objeto técnico de trabalho que faz agenciamentos compósitos

e aciona redes técnicas heteróclitas. Agencia verdadeiras interatividades ao provocar

mudanças e efeitos. Para Teixeira (2008), os agenciamentos tecnosemiológicos28

operam através de atores e agentes com uma técnica associada aos signos e em

dimensões que obstam a nossa consciência. Esses agenciamentos, têm como

peculiaridade operarem em planos com características de interface.29 O acolhimento

enquanto agenciamento que opera passagens por níveis semióticos, pode promover

tradução e transmissão entre elementos heterogêneos com propriedades de condução.

Operando nestes níveis pode conduzir processos de subjetivação.

O acolhimento acontece através dos dispositivos30 trabalhando as interfaces que

imbricam o que é da ordem da tradução31 e negociando nestas fronteiras as dimensões

pragmáticas do encontro. A demanda de saúde é afetada, portanto, pelo encontro, pela

forma dessa relação, dessa interface, dessa deformação da mensagem que muda de

identidade ao mudar de suporte.

O CAPS enquanto dispositivo, agencia os diversos coletivos e nós da rede, com

mensagens e informações que se deformam de acordo com as potencialidades

perceptivas, com os diferentes encontros e se coloca nos dizeres de Teixeira (2008), ao

28 dos objetos técnicos e, portanto, do acolhimento. 29 A interface é entendida como uma captura de informação, oferecida através dos atores da comunicação, que se abre ou fecha orientando os domínios de significação e ação, emoções e linguagem. 30 Dispositivos podem ser entendidos como estruturas compostas e complexas que operam na realidade como uma rede de interface. 31 A tradução pode ocorrer entre módulos cognitivos, circuitos sensoriais, porções de anatomia, artefatos em múltiplos agenciamentos de trabalho, entre outros.

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acolher, como espaço primordial de investigação, elaboração, negociação das

necessidades que possam vir a ser satisfeitas.

A rede de interfaces operada pelo CAPS enquanto dispositivo, agencia discursos

na dimensão pragmática do encontro de línguas e normas diferentes. Está o

acolhimento, em alguns aspectos, ao nível do signo, enquanto ícone e afetação sem

interpretação, promovendo efeitos e mudanças sem uma interpretação que poderia ser

chamada de teoria.

O acolhimento é uma das interfaces feitas no interior do dispositivo, do CAPS e

talvez, nesta disposição de acolhida, de atenção esteja a dificuldade a que Nicácio

(2003) se refere, ao falar em potencialidades da prática e dificuldades de nomeação.

Podem ser os agenciamentos tecnosemiológicos, com suas mudanças e efeitos em níveis

que operam passagens, vias fora da consciência.

Para Fidelis (2003), como citou-se no capítulo anterior, “a satisfação e adesão ao

tratamento pelos usuários fazem referência à percepção subjetiva do indivíduo sobre o

cuidado que recebe” (FIDELIS, 2003,p. 111). Do que se fala aqui senão da

subjetividade, de processos de subjetivação? O acolhimento institucional como

possibilidade de enunciação de uma mensagem, em que aquele que sofre se percebe

enquanto sujeito.

Entende-se que o que se percebe como necessário e ideal seria um acolhimento

social. Para explicar o que seria o acolhimento social, lança-se mão da interessante

fábula sobre o homem e a serpente:

Uma fábula oriental conta a história de um homem em cuja boca, enquanto ele dormia, entrou uma serpente. A serpente chegou ao seu estômago, onde se alojou e de onde passou a impor ao homem a sua vontade, privando-o assim da liberdade. O homem estava à mercê da serpente: já não se pertencia. Até que uma manhã o homem sente que a serpente havia partido e que era livre de novo. Então se dá conta de que não sabe o que fazer de sua liberdade:’ no longo período de domínio absoluto da serpente, ele se habituara de tal maneira a submeter à vontade dela a sua vontade, aos desejos dela os seus desejos e aos impulsos dela os seus impulsos, que havia perdido a capacidade de desejar, de tender para qualquer coisa e de agir autonomamente’. ‘Em vez de liberdade ele encontrava o vazio’, porque ‘ junto com a serpente saíra a sua essência, adquirida no cativeiro’, e não lhe restava mais que reconquistar pouco a pouco o antigo conteúdo humano de sua vida (DAVYDOV, 1966 apud BASÁGLIA, 2001, p.132).

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Esta fábula que nos chega através de Baságlia (2001) comenta a condição do

doente mental na instituição manicomial:

A analogia entre esta fábula e a condição institucional do doente mental é surpreendente, pois parece a parábola fantástica da incorporação, por parte do doente de um inimigo que o destrói com a mesma arbitrariedade e violência com que o homem da fábula foi dominado e destruído pela serpente (BASÁGLIA, 2001, p. 133).

Entretanto, o que se percebeu com o decorrer desta pesquisa, foi uma insidiosa

subjetividade produzida pelo social e pela cultura, constituída de preconceitos, de

exclusão e que se fecha à experiência da loucura.

Estamos conformados a uma subjetividade preconceituosa em relação à loucura.

De que serviria então, instituições que ajudam na melhora do quadro clínico do usuário,

que o acolhem, se o que o espera fora da instituição são homens e serpentes? A isto

responde Baságlia:

(...) nosso encontro com o doente mental também nos mostrou que, nesta sociedade, somos todos escravos da serpente, e que se não tentamos destruí-la ou vomita-la, nunca veremos o tempo da reconquista do conteúdo humano de nossa vida (BASÁGLIA, 2001, p.133).

Está o louco acorrentado e preso, não somente por manicômios e hospitais, mas

por verdadeiros muros de palavras, os muros de linguagem a que se refere Guattari,

construídos socialmente e que o confinam em casa, em um quarto ou mesmo numa

instituição que mantém suas portas abertas. Transcreveu-se partes da entrevista da

Familiar 2, que demonstram claramente como a sociedade ainda se mostra fechada à

experiência da loucura. Fala sobre a dificuldade de seu filho circular pela cidade e

conviver com as pessoas:

Essa coisa dele ir nos lugares, ele vai, as meninas, eu tenho duas

filhas, uma casada e uma solteira, elas levam ele onde pode

levar, que elas acham que deve de levar, ele não se diverte,

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porque? Por causa da cisma dele. Todo mundo ta olhando pra

ele, todo mundo ta falando dele, que ele tem cabeça ruim, essas

coisas.

Relata como seu filho, em um ambiente acolhedor, diminui sua descofiança em

relação às pessoas:

(...) Ele, como eu to te falando, por causa da cisma dele ele tem

dificuldade de relacionar com as pessoas. Mas ele vai, acontece

dele se divertir, depois do CAPS, depois que entrou para cá,

porque aqui, principalmente aqui, nas festas que tem aqui,

quando acontece de ter festa, eu vejo que ele se sente igualzinho á

todo mundo, sabe, eu falo aqui. Agora, nas outras, as meninas

falam, porque é elas que levam, que elas falam que ele diz que

quer ir embora, mas aqui, as vezes que eu vim, todas as vezes eu

venho, as meninas também vêm, participam, ele ta mais sociável,

porque eu acho que ele acha que essas pessoas são iguais a ele.

Aí, eu acho que depois do CAPS, dentro do CAPS, ele ta bem.

Entende que, pelas diversas situações em que o apontam como diferente, Sandro

potencializa sua desconfiança e vigilância em situações sociais. Relata que:

(...) O Sandro ele é muito amoroso. Ele gosta demais das pessoas.

É, mas ao mesmo tempo em que é amoroso, ele sente muito fácil

que a pessoa, por exemplo, uma piscadinha que a pessoa dá uma

para a outra, se tiver três pessoas e ele tiver entre essas três

pessoas e uma olhar para a outra, ele acha que já ta falando

alguma coisa, que ta falando com os olhos contra ele.

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Relembra que as situações de discriminação e exclusão, em relação a seu filho,

começaram na infância. Recorda que

(...) quem levava ele para brincar quando era pequeno, na rua,

era a minha filha. Ela levava ele para brincar, às vezes ela nem

tinha vontade de estar brincando, mas para eles deixarem ele

brincar. Então a minha filha que ajudou. Quando a minha filha

não pode mais fazer isso, ele ficou sozinho. Então como ele ficou

sozinho, teve um dia que eu cheguei na porta da rua e ele tava

pedindo para uns meninos lá, deve que ele tinha uns 8 anos, ele

tava pedindo para uns meninos que deixassem ele brincar. Pra

baixo da minha casa, um local que hoje é aterrado, tinha jeito de

fazer umas caverninhas, umas coisas. Eu vi o menino pegar ele

pelo braço e dizer: Você não vai! Eu não quero! Você não sabe

brincar! Aí, quando ele saía assim, eu ficava receosa dele sair lá

fora, pedir e voltar chorando. Sempre que ele saía e pedia ele

voltava chorando: “O fulano de tal não deixou”. Então o

relacionamento dele com os vizinhos, com as pessoas mais

velhas, porque a pessoa mais velha compreende, mas com jovem

da idade dele não tem nenhum, nenhum relacionamento. A não

ser para eles agredirem ele com alguma fala. Alguma coisa que

agrida.

Em situações onde não ocorre a discriminação, seu filho se sente bem, se alegra

e diverte. Comenta que

(...) outro dia: o meu genro falou assim: a gente vai acampar. E

levou ele. Ele ficou naquela ansiedade e adorou lá, gostou demais

da conta. Porque tinha gente lá, mais velha que ele, ou então

criancinha bem pequenininha. As criancinhas não se incomodam,

não entende quando a pessoa é da cabeça certa ou não é. Os

grandes entendem. Então ele ficou beleza lá. Adorou, sabe.

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Entretanto, seu filho parece perceber, que em situações sociais, muitos fazem

questão de ignorar sua presença:

(...)Ele às vezes vai na esquina, fica na esquina lá e aonde eu

moro, depois dessa esquina é uma rua muito movimentada que

tem bar, tem 3 bares. Então tem gente sentada na rua, aquele

monte de gente. Ele nunca chegou e falou que alguém sentou pra

conversar com ele. Sabe, então não existe essa coisa. Lá fora, é

muito difícil isso.

A Familiar 2 relata sua busca por ajuda e por um ambiente que acolha Sandro

em sua diferença. Afirma que

(...) O que ele precisa é isso. E é o que eu to buscando pra ele e

eu tento ver se consegue, consegue ficar sossegado aqui. Não é

que eu queira me ver livre dele, mas é porque vai fazer bem tanto

para ele quanto para mim. Porque aqui é o lugar dele. É o lugar

certo. Porque, olha, eu vejo aqui, ó, ninguém bota apelido uns

nos outros, porque todo mundo é igual, não é? Assim sente igual.

Então é melhor. Nossa Senhora! Bom demais da conta. O meu

sonho era colocar o CAPS e agora o meu sonho é dele sossegar

no CAPS. Meu sonho é dele sossegar aqui. Não para me ver livre

dele, porque eu adoro ele. Gosto demais dele. Mas cansa, não é?

E eu preciso de ajuda. Pra quê que eu vou falar que não? Não

dou conta sozinha, ninguém dá conta de fazer uma coisa assim.

Para Fidelis (2003) a principal conquista da saúde mental e seus programas, seria

conseguir alguma mudança cultural, sobre a experiência da loucura. Entende que assim,

à melhora do quadro clínico se juntaria ao benefício de uma intervenção na realidade

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social que melhorasse a qualidade dos relacionamentos e dos laços sociais daquele que

apresenta sofrimento psíquico.

Este é o desafio.

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CONCLUSÃO

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CONCLUSÃO

(...) considerei em geral o que é necessário a

uma proposição para ser verdadeira e certa;

pois como acabara de encontrar uma que eu sabia

ser exatamente assim, pensei que devia saber também

em que consiste esta certeza.

Descartes1

Depois de breve percurso no território da saúde, e de alguma experiência no

território da saúde mental, tenta-se elaborar uma cartografia da saúde em Santo Antônio

do Monte. Esta cartografia é, ao mesmo tempo, pesquisa, tentativa de elaboração e

entendimento das mudanças e dos efeitos da entrada do CAPS e da saúde mental, na

rede de saúde.

O caminho foi longo: deixar os passos no território da saúde onde se imiscui o

território da saúde mental. Construir o entendimento de que do território do CAPS é

distinto (mas em intersecção) do território do conhecimento. Entende-se que é um

território que tem também uma concretude e materialidade, constituindo-se numa

totalidade multidimensional. Estudar estas características torna-se útil para compreensão

da utilidade das divisões territoriais planejadas para dirigir o funcionamento dos

serviços de saúde.

Delimitado o território da saúde e o território do CAPS, é preciso conhecer este

território em seu uso pelas pessoas, pelas articulações, por seus coletivos, seus objetos

contíguos, as ações que se desenvolvem ali. É conhecer a dimensão social do mesmo,

com suas possibilidades de comunicação, transformação política, sinergias com outros

territórios e resistência aos processos verticais que o atravessam. É fazer falar o

território.

A partir do território é possível viajar pela rede. A rede é fluida, não pertence à

terra firme. Entretanto, a rede obstina-se de forma aquosa e imiscui-se no espaço

incerto, formado pelas ligações, articulações, fluxos e refluxos – deixando atrás de si

apenas o que foi lavado por ela, sem marcar fronteiras ou limites. A rede líquida e 1 DESCARTES, 1979, p. 47. Fragmento do Discurso do Método em que Descartes refere-se ao enunciado cogito ergo sum.

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sempre provisória deixa apenas indícios voláteis de suas ligações, de suas interfaces – a

fina película de contato entre o que a absorve ou repele, entre as faces – interfaces.

A rede é uma rede de relações. A rede de saúde é uma rede de relações, com o

objetivo declarado de promover a saúde e o cuidado. Entretanto sabendo que o poder é

imanente à rede e que este é exercido como prática e relações autônomas ás quais não se

escapa - é preciso atentar-se para o funcionamento das redes. Estes funcionamentos

podem servir a diversos poderes, ao poder hegemônico, mas também ao poderes

pulverizados das micropolíticas. A rede interessa-nos ao articular o território, em seus

usos contíguos ou não, em seus coletivos, em sua totalidade e para além dela. A rede

agenciando as ações, articulando os nós através do território contínuo e em

descontinuidade e para além dele. A rede como dispositivo para interfaces de

dominação ou de fortalecimento de coletivos, da saúde coletiva, da saúde mental

coletiva.

Entendido o território, seu atravessamento pela rede, já nos encontramos no

plano social, das relações, das articulações, das trocas, das pessoas e coletivos. Em meio

ao social e a cultura, a subjetividade se produz e adquire configurações diversas. São

nestas configurações, nos modos de subjetivação alheios à produção e, portanto,

excluídos dos circuitos de poder, que o território da saúde mental fixou seus nós mais

frágeis. É no estudo deste território, na interação com seus diversos coletivos e atores,

que se intentou perceber os efeitos da criação de uma instituição pública, do CAPS,

dispositivo de saúde mental territorializado, na saúde coletiva de Santo Antônio do

Monte.

Para cartografar essa rede, percorreu-se os coletivos através de seus nós, de seus

atores que relataram sobre suas relações dentro do território. Percebe-se, então o pulsar

da rede.

Através das falas do território, constatou-se que a hipótese central desta pesquisa

se confirma: O CAPS está funcionando como agente articulador, fundamental à

edificação da saúde mental coletiva e dos princípios do SUS, no município de Santo

Antônio do Monte. Para isto, tem agenciado com suas ações, efeitos inesperados e às

vezes paradoxais, como a implicação dos serviços com uma forma diferente de atenção.

Tem construído também uma cultura de respeito aos princípios do SUS.

Entretanto, percebeu-se que o CAPS, apesar de estabelecer um espaço próprio

para o surgimento do sujeito, não consegue, ainda, de modo satisfatório, que este sujeito

circule. Não consegue ainda uma atuação sobre o discurso acerca da loucura. O

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empenho cotidiano e imediato exigido pela complexidade do serviço, talvez obstaculize

ações com vistas à mudança cultural em relação à mesma. Estas ações seriam realizadas

para a consecução de objetivos a longo prazo, objetivos como a inserção e inclusão, que

apesar de serem difíceis de alcançar, seriam mais eficientes e duradouros - a

convivência com a experiência da loucura.

Porquanto seja um serviço recente, entende-se que poderá efetivar ações e

articulações, que produzam uma cartografia, um guia para um novo processo social.

Mais que uma conclusão, fica uma questão. Quais seriam as formas de

enunciação que agenciariam os novos fluxos que favorecessem a aceitação da

diferença?

Percebeu-se uma subjetividade tomada, sujeitada. Como diria Baságlia, é preciso

uma enunciação que expulse esta serpente.

Numa breve retrospectiva sobre o percurso realizado durante esta pesquisa, revê-

se que no capítulo I foram demarcados os conceitos de território, rede e subjetividade

necessários à compreensão e a elaboração desta cartografia da rede de saúde.

No capítulo II realizou-se uma aproximação do campo de pesquisa. Da cidade de

Santo Antônio do Monte, sua rede de saúde, até focalizar a saúde mental no município

através do CAPS VIDA.

No capítulo III, foi analisada a possibilidade da constituição de um novo campo:

o da saúde mental coletiva. Foram também analisados os resultados da pesquisa em

relação às hipóteses levantadas e aos efeitos da complexificação da rede de saúde do

município com a criação do CAPS. No item 3.3 deste capítulo, foram feitas construções

a partir do que se constatou na pesquisa, a guisa de uma contribuir para a superação dos

obstáculos à constituição da saúde mental coletiva.

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