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Fabiano Facó & Taísa Caires MBA GESTÃO AMBIENTAL E PRÁTICAS DE SUSTENTABILIDADE INSTITUTO MAUÁ DE TECNOLOGIA Disciplina: Gerenciamento de Conflitos Ambientais e Negociação Professor: Mauro Ruiz 27/11/2010 GERENCIAMENTO DE CONFLITOS AMBIENTAIS: O CASO RESIDENCIAL BARÃO DE MAUÁ

Caso Barão de Mauá - Gerenciamento de Conflitos Ambientais e Negociação

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Trabalho realizado por Taísa Caires e Fabiano Facó, alunos do curso de MBA de Gestão Ambiental e Práticas de Sustentabilidade do Instituto Mauá de Tecnologia.Disciplina: Gerenciamento de Conflitos Ambientais e Negociação.Professor: Mauro RuizNovembro de 2010

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Fabiano Facó & Taísa Caires

MBA GESTÃO AMBIENTAL E PRÁTICAS DE

SUSTENTABILIDADE

INSTITUTO MAUÁ DE TECNOLOGIA

Disciplina: Gerenciamento de Conflitos

Ambientais e Negociação

Professor: Mauro Ruiz

27/11/2010

GERENCIAMENTO DE CONFLITOS AMBIENTAIS: O CASO RESIDENCIAL

BARÃO DE MAUÁ

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1. Introdução

Entende-se por uma situação de conflito, quando uma ou mais pessoas, possuem pontos de vista,

objetivos e/ou valores diferentes. Estes possuem duas características básicas, uma é a

interdependência das partes, onde cada parte tem necessidade ou exerce algum poder sobre a

outra, e a incompatibilidade, os objetivos das partes são antagônicos, e assim incompatíveis, no

entanto, nem sempre as partes têm plena consciência da incompatibilidade. (Rondeu, 1996)

A situações conflitivas nem sempre são patológicas ou negativas, alguns teóricos consideram que

muitas vezes são provocadoras de mudanças sociais, dependendo de sua evolução, contesto e

forma como que é tratado.

“O conflito tem muitas funções positivas. Ele previne a estagnação decorrente do

equilíbrio constante da concordância, estimula o interesse e a curiosidade pelo

desafio da oposição, descobre problemas e demanda sua resolução. Funciona,

verdadeiramente, como a raiz de mudanças pessoais, grupais e sociais”.

(MOSCOVICI, 1997 – pag. 146)

Para adoção da estratégia adequada para gestão de cada conflito, faz-se necessário conhecer com

profundidade a natureza do conflito, em quais condições desenvolveu-se bem como a dinâmica das

partes neste processo. Segundo Rondeu (1996) “uma análise do conflito, para ser mais completa,

deve ser realizada em três níveis diferentes (...) que colocam em evidência os aspectos distintos do

conflito, que fazem emergir fontes distintas de intervenção a serem explorados.” O primeiro nível

de análise, que propõe uma análise estrutural do conflito, enfatizando as condições preliminares

que levaram a tal e que determinam o comportamento das partes. O segundo nível pressupõe uma

análise dinâmica do conflito, ou seja, estudar os processos de troca e interdependência das partes,

bem como a percepção de cada uma delas, que gerará um comportamento reativo sobre a posição

do outro. E por fim, uma análise diacrônica do conflito, como o comportamento entre as partes se

transforma a media que o conflito progride.

O conflito escolhido para tal análise foi um acidente ambiental acontecido em abril de 2000, em um

condomínio residencial construído em um antigo aterro sanitário industrial e que há dez anos

discute-se uma solução ambiental definitiva para o local bem como uma forma de reparar os danos

causados aos moradores e vítimas do acidente.

2. Caracterização do Conflito

O residencial Barão de Mauá foi parcialmente construído, na década de 1990, foi construído numa

área de 160 mil metros quadrados, no Parque São Vicente, em Mauá. Atualmente, cerca de 1.700

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famílias residem no condomínio. No passado, parte desta área serviu como aterro de lixo industrial

e doméstico. A decomposição destes resíduos proporcionou a formação de vários tipos de gases,

que resultou em uma explosão em abril de 2000, enquanto dois prestadores de serviços faziam a

manutenção em uma caixa de água, uma das pessoas faleceu e outra teve 40% do corpo queimado.

Após laudo apresentado pela CETESB, que apontou a existência de 44 gases tóxicos, o caso foi

entregue ao Ministério Público, que propôs uma Ação Civil Pública em 2001. A sentença em

primeira instância, expedida em setembro de 2006, foi suspensa a pedido do MP diante do

comprometimento das cinco rés envolvidas no caso em apresentar uma proposta de recuperação

ambiental definitiva para a área.

As rés citadas foram a Cofap, indústria que utilizou a área como depósito de lixo, as construtoras

Soma e SQG, construíram o condomínio, a empresa Paulicoop que comprou o terreno e a

prefeitura de Mauá, que não deveria ter autorizado a obra.

Em 2006, a juíza Maria Lucinda Costa, da 3.ª Vara Civil de Mauá, declarou como culpadas a fábrica

Cofap, as construtoras Soma e SQG e a prefeitura de Mauá. Entre danos materiais e morais, a

sentença definiu que cada família deveria ser indenizada em até quatro vezes o que pagou pelo

apartamento - valor que varia entre cerca de R$ 500 mil e R$ 1,7 milhão. Além disso, determinou a

total evacuação do condomínio, a demolição de todos os prédios e a recuperação do solo. As rés

recorreram da decisão.

Na impossibilidade de evacuar os prédios, visto que as famílias não tinham para onde ir, várias

ações de remediação do solo foram adotadas, dentre elas, o monitoramento de índices de

explosividade, ventilação forçada dos espaços fechados, monitoramento da qualidade do ar na

área do condomínio, proibição do uso das águas subterrâneas; realização de investigação

detalhada, para delimitação, caracterização e quantificação dos resíduos depositados e da

contaminação do solo e das águas subterrâneas, avaliação de risco à saúde, adequação dos

playgrounds, posicionando-os sobre uma camada de argila compactada, etc...

Além das ações de caráter emergencial implementadas em resposta às exigências da CETESB, as

secretarias estadual e municipal de Saúde e o Ministério da Saúde têm desenvolvido ações

destinadas à caracterização dos eventuais danos à saúde da população exposta aos contaminantes

existentes no local.

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3. Atores e seus papéis

Ministério Público do Estado de São Paulo – Promoção da Ação Civil Pública

Movimento Brasileiro Universitates Personarum JC & JC (Juventude, Comunidade, Justiça

e Cidadania) – Promoção da Ação Civil Pública

Instituto de Defesa da Cidadania – Promoção da Ação Civil Pública

Moradores / Proprietários – vítima de dano material (imóvel desvalorizado) risco de

problemas de saúde e novos acidentes.

Colaboradores – uma vítima fatal e uma pessoa com 40% do corpo queimado em

explosão. Riscos de problemas de saúde e novos acidentes.

Parlamentares - acompanhar o trabalho realizado pelo MP e pela Comissão Legislativa, e

agilizar o cumprimento da lei.

COFAP (Grupo Fiat) – Causadora do dano: disposição de resíduos industriais no terreno,

entre 1972 e 1993.

Administradora e Construtora Soma Ltda. - Construção do condomínio.

SQG Empreendimentos e Construções Ltda. - Construção do condomínio.

CEF (Caixa Econômica Federal) – Conceção do financiamento para aquisição das unidades.

Foi questionada sobre o financiamento dos imóveis em área contaminada. Esta afirmou

que "a escolha dos apartamentos não foi da Caixa, mas dos mutuários, sob o ponto de

vista documental não há vícios quanto ao imóvel e a área não é irregular.

Paulicoop Planejamento e Assessoria a Cooperativas S/C Ltda. – comprou o terreno para

instalação do condomínio.

Fazenda Pública do Município de Mauá (Prefeitura) - era ré por ter emitido o alvará de

autorização para a obra em terreno irregular, porém foi retirada do processo porque as

acusações prescreveram.

CETESB (Cia Ambiental do Estado de São Paulo) – Atua no caso à partir de 2000 (quando

houve a explosão), e aplica multa na responsável pela construção (SQG

Empreendimentos), exigiu ações de monitoramento, identificação, caracterização e

remediação do solo e águas subterrâneas, bem como acompanhamento e análise do

diagnóstico de contaminação realizado pela Geoklock.

IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) – acompanhamento e avaliação do diagnóstico

das áreas de contaminação feito pela empresa Geoklock.

Geoklock – empresa contratada pela Cofap p/ realização de diagnóstico para investigar a

localização, quantidade ou concentração e a composição dos resíduos do solo, avaliar seu

potencial para fazer mal à saúde e as vias de exposição.

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4. O Cenário Atual

Após dez anos, o caso Barão de Mauá teve um desfecho no dia 30 de setembro de 2010. A Câmara

de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença da juíza Maria Lucinda

Costa, que condena as rés Cofap, Paulicoop, construtoras Soma e STG por danos ambientais, que

terão de pagar R$ 51 mil como indenização para as mais de 1,7 famílias, entre moradores que já

deixaram o local e moradores que ainda residem no condomínio, mas ainda não definiu se o valor

será pago por apartamento ou por pessoa residente.

Com a decisão, os proprietários poderão revender seus imóveis aos empreendedores responsáveis,

após a publicação da decisão por escrito, o que deve acontecer dentro de dez dias. O valor dos

apartamentos ainda não foi definido e deve ser avaliado caso por caso.

A ação ainda cabe recurso nas instâncias superiores da Justiça. Representantes da Soma afirmam

que recorrerão da decisão, uma vez que segundo eles não há responsabilidade da construtora no

caso. Já a Cofap, afirmou que aguardará decisão por escrito para decidir se vai recorrer. Porém,

lembrou das medidas que a empresa vem tomando para extrair os gases do solo, a partir de uma

usina instalada no local, com o monitoramento da CETESB.

A Prefeitura de Mauá, que era ré por ter emitido o alvará de autorização para a obra em terreno

irregular, foi retirada do processo porque as acusações prescreveram.

5. Considerações Finais

Identificando e isolando os elementos críticos deste conflito, conforme proposto por Rondeau na

análise estrutural do conflito, as partes deste em questão, agiram segundo suas forças na

negociação e pressões sobre as partes de acordo com o cenário em evidência, ou seja, podemos

dizer que a parte “A” do conflito são os moradores e demais vítimas do conflito, e a parte “B” os

réus (construtoras, indústria, prefeitura, etc...) a condição de cada parte correspondem às suas

predisposições e previsões, já que enquanto moradores exercem uma condição de direito sobre

seu patrimônio, saúde e vida, enquanto os réus possuem suas características próprias e interesses

comerciais, também legais.

Diante da situação, estas predisposições influenciaram o comportamento das partes frente ao

conflito. Havendo uma relação de total desconforto entre elas, bem como sentimento de

adversidade completa, que provavelmente seria diferente caso o acidente e conflito gerado pela

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identificação dos riscos ambientais existentes no condomínio, além das forças em jogo de cada

parte que serão usadas para defender o objeto de desejo das mesmas, neste caso, de um lado a a

legislação brasileira, vítimas do acidente, dano ambiental, articulação social e desvalorização do

imóvel, por outro lado a isenção da responsabilidade das partes no dano e poder político

econômico. Os demais atores exercem forte pressão neste cenário, favoráveis ou contra as partes,

mas que impactam diretamente o desenvolvimento do conflito. Estes quatro parâmetros

identificados na análise estrutural evidenciam as variáveis que determinaram o comportamento

das partes, onde há maior tendência para satisfação dos interesses de cada parte e menor

sentimento de cooperação.

Passando para a segunda etapa, a análise dinâmica do conflito, além dos parâmetros identificados,

observação que o conflito de fato é uma um processo interativo, onde a ação de cada uma das

partes foi diretamente determinada em função da reação da outra e da percepção que cada parte

teve. Se, por exemplo, a parte B tivesse sido mais acolhedora e assumido suas responsabilidades

logo no início da situação conflitiva, no caso o acidente, ou ainda, tivesse identificado e mitigado os

riscos de construção de um condomínio numa área contaminada, o comportamento da parte A

teria sido diferente, já que ou não existiria o condomínio, ou o mesmo teria sido construído apenas

após a reparação do dano ou ainda haveria uma etapa de diálogo preliminar a ação movida pelo

Ministério Público. A este cenário, acrescenta-se ainda, a necessidade e importância de um

mediador, que neste caso foi a justiça brasileira, tendo em vista a gravidade do caso e de seus

danos.

Por fim, numa análise diacrônica, percebe-se que houve uma evolução na dinâmica do conflito,

onde na relação com alguns atores sofreram melhoria, como no caso da prefeitura, que apesar de

sair de cena, estrategicamente, como réu, passou a manter uma postura pró-ativa frente aos

moradores, buscando melhorar a qualidade de vida e segurança dos mesmos.

Outros atores mantiveram um comportamento reativo e contrário a chegar a uma equação positiva

para os dois lados, como é o caso das construtoras que declaram recorrer da decisão até última

instância, passando do estágio de deteriorização da percepção do outro, com a quebra de

comunicação com a outra parte, para o de acentuação da coerção em direção do outro, rumo ao

estágio de incompatibilidade, onde a percepção de solução do conflito não pode incluir a satisfação

da parte oposta.

Quanto a postura da indústria, também lado B do cenário, adotou medidas para minimizar os

impactos do dano na vida das famílias residentes no condomínio, mesmo alegando que tão é

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totalmente culpado e que não tinha conhecimento da disposição inadequada daqueles resíduos,

chegando ao estágio de equilíbrio das perdas, passando a acreditar que os resultados do conflito

são tão ou mais prejudiciais para ela. Por outro lado, os moradores, também evoluem para o

estágio de acentuação da coerção em relação ao outro e incompatibilidade, onde o conflito passa a

ter caráter ideológico, onde sua vitória é uma questão de honra.

Partindo para um olhar distanciado, este conflito apresentado representa mais um marco na

história ambiental do país, onde a “solução” servirá de modelo para outros casos similares, que

possivelmente surgirão. Talvez, tal solução não será considerada justa pelos demandantes (lado A),

mas apenas sua existência e desenvolvimento já são benéficos à sociedade como um todo, já que

proporcionou discussões das questões ambientais deste século, gerando gerou precedente para

outros casos, além de ser fortalecer a articulação social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLOG RESIDENCIAL BARÃO DE MAUÁ - http://carlostrupel.blogspot.com/

CETESB - 17/11/2010 – “Condomínio Residencial Barão de Mauá” -

http://www.cetesb.sp.gov.br/Solo/areas_contaminadas/areas_criticas/barao_maua/barao_maua.asp

DIÁRIO DO GRANDE ABC – 03/07/2010 “Condomínio Barão de Mauá pede intervenção do TJ-SP”

- http://www.dgabc.com.br/News/5819296/condominio-barao-de-maua-pede-in.aspx

ESTADÃO – 16/09/2010 “TJ decide hoje caso de condomínio em Mauá”

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100916/not_imp610493,0.php

JORNAL ABCD MAIOR – 22/10/2010 “Barão de Mauá: indenização deve sair até dezembro de 2010” - http://www.abcdmaior.com.br/noticia_exibir.php?noticia=24735

JORNAL ABCD MAIOR – 12/09/2007 “MP faz seminário para moradores do Barão de Mauá” HTTP://WWW.ABCDMAIOR.COM.BR/NOTICIA_EXIBIR.PHP?NOTICIA=3330

LICITAMAIS CONDOMÍNIOS – 20/04/2010 “Condomínio Barão de Mauá desvalorizou até 40%” - http://www.licitamais.com.br/noticias/Meio-Ambiente/condominio_barao_de_maua_desvalorizou_ate.html

MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal: treinamento em grupo. 7. ed. – Rio de Janeiro:

José Olympio, 1997.

RONDEAU, Alain. A Gestão dos Conflitos nas Organizações. In: CHANLAT, Jean-François (org.) O

Indivíduo na Organização: Dimensões Esquecidas. Vol. III. São Paulo: Atlas, 1996.