56
UMA PUBLICAÇÃO DO Departamento de Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de Medicina - UFMG e da Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas - UFMG Editor Geral Maurício Viotti Daker Diretor Executivo Geraldo Brasileiro Filho Comissão Editorial Alfred Kraus Antônio Márcio Ribeiro Teixeira Betty Liseta de Castro Pires Carlos Roberto Hojaij Carol Sonenreich Cassio Machado de Campos Bottino Cleto Brasileiro Pontes Erikson Felipe Furtado Irismar Reis de Oliveira Delcir Antônio da Costa Eduardo Antônio de Queiroz Eduardo Iacoponi Fábio Lopes Rocha Flávio Kapczinski Francisco Baptista Assumpção Jr. Francisco Lotufo Neto Hélio Durães de Alkmin Helio Elkis Henrique Schützer Del Nero Jarbas Moacir Portela Jerson Laks John Christian Gillin Jorge Paprocki José Alberto Del Porto José Raimundo da Silva Lippi Luis Guilherme Streb Michael Schmidt- Degenhard Marco Antônio Marcolin Maria Elizabeth Uchôa Demichelli Mário Rodrigues Louzã Neto Miguel Chalub Miguel Roberto Jorge Osvaldo Pereira de Almeida Othon Coelho Bastos Filho Paulo Dalgalarrondo Paulo Mattos Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima Pedro Gabriel Delgado Ricardo Alberto Moreno Roberto Piedade Ronaldo Simões Coelho Sérgio Paulo Rigonatti Saulo Castel Sylvio de Magalhães Velloso Talvane Martins de Moraes Tatiana Tcherbakowsky Nunes de Mourão Editora Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda (Coopmed) Capa, projeto gráfico, composição eletrônica e produção Folium Comunicação Ltda Periodicidade: semestral Tiragem: 5.000 exemplares Assinatura e Publicidade Coopmed 0800 315936 Correspondência e artigos Coopmed Casos Clínicos em Psiquiatria Av. Alfredo Balena, 190 30130-100 - Belo Horizonte - MG - Brasil Fone: (31) 3273 1955 Fax: (31) 3226 7955 E-mail: [email protected] Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp Capa: Montagem de auto-retrato de Vincent van Gogh com retrato de seu psiquatra Dr. Gachet. Casos Clínicos em Psiquiatria Sumário Editorial ..................................................................................................1 Auto-relato Quinze delírios ..........................................................................................2 Artigos Originais Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y terapéuticas................................................................................................10 Pilar Sierra San Miguel, Lorenzo Livianos Aldana, Luis Rojo Moreno Discinesia tardia com predomínio de distonia ........................................13 Guilherme Assumpção Dias Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio ...............................18 Yara Azevedo, Cíntia de Azevedo Marques, Eduardo Iacoponi Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine, and paroxetine: case report and literature review...........21 Luiz Renato Gazzola Caso Literário Sales ...........................................................................................................29 Machado de Assis Patografia Patografia de Vincent van Gogh ..............................................................32 Andrés Heerlein Caso Histórico Freud e o uso de cocaína: história e verdade...........................................42 José Antônio Zago Descrição Clássica/Homenagem Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito .....................48 Michael Schmidt-Degenhard Seguimento...........................................................................................53 Index CCP ............................................................................................54 Normas de Publicação ................................................................55 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):1-55

Casos Clinicos Em Psiquiatria

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Casos Clinicos Em Psiquiatria

UMA PUBLICAÇÃO DO Departamento dePsiquiatria e Neurologia da Faculdade deMedicina - UFMG e da Residência de Psiquiatriado Hospital das Clínicas - UFMG

Editor GeralMaurício Viotti Daker

Diretor ExecutivoGeraldo Brasileiro Filho

Comissão EditorialAlfred Kraus • Antônio Márcio Ribeiro Teixeira • BettyLiseta de Castro Pires • Carlos Roberto Hojaij • CarolSonenreich • Cassio Machado de Campos Bottino • CletoBrasileiro Pontes • Erikson Felipe Furtado • Irismar Reisde Oliveira • Delcir Antônio da Costa • Eduardo Antôniode Queiroz • Eduardo Iacoponi • Fábio Lopes Rocha •

Flávio Kapczinski • Francisco Baptista Assumpção Jr. •

Francisco Lotufo Neto • Hélio Durães de Alkmin • HelioElkis • Henrique Schützer Del Nero • Jarbas MoacirPortela • Jerson Laks • John Christian Gillin • JorgePaprocki • José Alberto Del Porto • José Raimundo daSilva Lippi • Luis Guilherme Streb • Michael Schmidt-Degenhard • Marco Antônio Marcolin • Maria ElizabethUchôa Demichelli • Mário Rodrigues Louzã Neto •

Miguel Chalub • Miguel Roberto Jorge • Osvaldo Pereirade Almeida • Othon Coelho Bastos Filho • PauloDalgalarrondo • Paulo Mattos • Pedro Antônio Schmidtdo Prado Lima • Pedro Gabriel Delgado • RicardoAlberto Moreno • Roberto Piedade • Ronaldo SimõesCoelho • Sérgio Paulo Rigonatti • Saulo Castel • Sylviode Magalhães Velloso • Talvane Martins de Moraes •

Tatiana Tcherbakowsky Nunes de Mourão

EditoraCooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda (Coopmed)

Capa, projeto gráfico, composição eletrônica e produçãoFolium Comunicação Ltda

Periodicidade: semestral

Tiragem: 5.000 exemplares

Assinatura e PublicidadeCoopmed 0800 315936

Correspondência e artigosCoopmedCasos Clínicos em PsiquiatriaAv. Alfredo Balena, 19030130-100 - Belo Horizonte - MG - BrasilFone: (31) 3273 1955 Fax: (31) 3226 7955

E-mail: [email protected]

Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp

Capa:Montagem de auto-retrato de Vincent van Gogh comretrato de seu psiquatra Dr. Gachet.

Casos Clínicos em Psiquiatria Sumário

Editorial..................................................................................................1

Auto-relatoQuinze delírios ..........................................................................................2

Artigos Originais

Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas yterapéuticas................................................................................................10Pilar Sierra San Miguel, Lorenzo Livianos Aldana, Luis Rojo Moreno

Discinesia tardia com predomínio de distonia ........................................13Guilherme Assumpção Dias

Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio ...............................18Yara Azevedo, Cíntia de Azevedo Marques, Eduardo Iacoponi

Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels,perphenazine, and paroxetine: case report and literature review...........21Luiz Renato Gazzola

Caso LiterárioSales ...........................................................................................................29Machado de Assis

PatografiaPatografia de Vincent van Gogh ..............................................................32Andrés Heerlein

Caso HistóricoFreud e o uso de cocaína: história e verdade...........................................42José Antônio Zago

Descrição Clássica/HomenagemHeinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito .....................48Michael Schmidt-Degenhard

Seguimento...........................................................................................53

Index CCP ............................................................................................54

Normas de Publicação ................................................................55

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):1-55

Page 2: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Publicar uma revista de Casos Clínicos em Psiquiatria é umainiciativa inspirada. Achamos que devemos nos empenhar para seuêxito. O estudo do caso constituiu sempre a base, o ponto de partida eo campo de desenvolvimento da atividade médica: conhecimento dosfatos, formulação da nosologia, elaboração das teorias, etiologias, desen-volvimento dos tratamentos, ensino profissional. Na Introdução àPsiquiatria Clínica (1990) Kraepelin explica sua intenção: oferecesob forma de aulas escritas as apresentações de casos clínicos realizadoscom seus alunos. O caso observado, descrito, sendo selecionados osaspectos significativos para conceber um quadro clínico, um diagnósti-co. É na medida em que analisa os casos que Kraepelin formula e clas-sifica as doenças. Podemos seguir, com a leitura destas aulas, o nasci-mento das entidades psiquiátricas, conforme Kraepelin.

Para identificar as alterações, lançar hipóteses etiológicas, tentati-vas de entender, explicar, a apresentação do caso clínico é procedimen-to clássico e, devido a sua importância, publicar em livros e revistas oscasos também era procedimento clássico. Indagações, pesquisas de labo-ratório, hipóteses foram sugeridas e debatidas em torno do caso clínico.Sem falar do seu uso para exemplificar, classificar, argumentar a favorde teorias, de propostas terapêuticas. Nomes de certos casos tornaram-se emblemáticos: Ellen West, Suzan Urban. O caso Elliot (retomadopor Damasio em 1994, para ilustrar suas teses) aparece em vários estu-dos neurológicos, neurocirúrgicos. O ensino da medicina interna usoumuitas vezes a publicação de casos em revistas e mesmo em tratados demuitos tomos.

Como exemplo, argumento, o caso clínico continua instrumentoprecioso. Muitas revistas lhe dedicam seções especiais. Na psiquiatria oespaço que lhe é dedicado é evidentemente pequeno. Não se trata aquide uma "pesquisa", mas examinando alguns números de revistas psi-quiátricas recentes, é óbvio: nos cinco primeiros números do ano 2000,o British Journal of Psychiatry não inclui nenhum artigo dedicadoa "caso clínico". Nem o número de abril de 2000 dos Archives ofGeneral Psychiatry. O American Journal of Psychiatry, em cadaum dos números 7 e 8 deste ano, inclui um artigo de "clinical caseconference", um relacionado com terapia cognitivo-comportamental,outro observando características de duas irmãs gêmeas.

A valiosa revista Arquivos de Neuropsiquiatria (SP) dedica àsapresentações de caso uma seção de proporções pouco comuns: no núme-ro de junho de 2000, 60 do total de 200 páginas, e no número de setem-bro 70 entre o total de 200 páginas. Trata-se de casos neurológicos.

Nas revistas psiquiátricas predominam (ou são exclusivos) artigosdedicados à epidemiologia e pesquisas básicas, com amplo uso de esta-tísticas, quantificação. Não podemos afirmar que isto represente o inte-resse dos estudiosos, mas é claro que as revistas exigem tal orientação,e para os autores publicar se tornou quase uma questão de sobrevivên-cia na carreira.

A quantificação, considerada critério de cientificidade, parecepouco aplicável no "caso particular", embora o "caso único" seja reco-mendado como abordagem alternativa (Hersen M, p. 73-105) entre osmétodos de Pesquisa em Psiquiatria (LKG Hsu, Research inPsychiatry, New York: Plenum Medical Book Company, 1992).

Os módulos, o isolamento de elementos mínimos, (moléculas, neu-rotransmissores, receptores) são parte importante das pesquisas atuais.Claro que a apresentação do caso leva a um nível complexo de estudo,pouco compatível com a abstratização estatística que os elementos ou asfunções isoladas constituem. O relacionamento com os outros, as con-dutas da pessoa, objetos da psiquiatria, não podem ser limitadas a regis-tros quantitativos. Para pesquisá-los precisamos de conceitos e métodosque não são os praticados na maioria dos estudos publicados.

Não consideramos que uma revista de casos clínicos pretenda cor-rigir as omissões de outras publicações. Mas com certeza, ela nos evocaa "complementaridade", da qual as ciências humanas e as da naturezatanto falam.

Carol SonenreichDiretor do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do ServidorPúblico Estadual - São Paulo

Publishing a magazine for Clinical Cases in Pschiatry is aninspired enterprise. We think that we should strive for its success. Thecase study is the basis, starting point and the development field of med-ical work: knowledge of facts, formulation of nosology, theory elabora-tion, etiology, treatment development and technical teaching. In hisIntrodução à Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin tells us hisintention: offer the presentation of clinical cases carried on with hisstudents as written lessons. The cases are observed, described and themain aspects are selected to form a clinical nosological picture, a diag-nosis. While Kraepelin analyzes the cases, he formulates and classifiesthe diseases. The reading of those lessons has allowed us to follow thebirth of psychiatric entities as Kraepelin.

It’s a classical procedure the understanding trials and explana-tions of clinical cases, to identify their alterations and to start etiolog-ical hypothesis. Due to its importance, publishing books and maga-zines with cases was also a classical procedure. Questions, laboratori-al researches, hypothesis were suggested and argued based upon clini-cal cases, besides its uses to exemplify, classify and argument in favorof theory and of therapeutical proposals. The names of some casesbecome emblematic: Ellen West, Susan Urban. The Elliot’s case (asdescribed by Damasio in 1994 to enrich his thesis) appears in manyneurological and neurosurgery studies. The internal medicine tookadvantage of published cases in magazines and even in tome booksmany times.

As an exemplification, as an argument the clinical case is still aprecious instrument. Many magazines have special section dedicatedto them. In psychiatry the space dedicated to them is evidently small.This is not a "research" but if we observe few recent editions of psy-chiatric magazines, we will find that in the year 2000 the first five edi-tions of British Journal of Psychiatry have no clinical case. It hap-pens even in the April 2000 edition of Archives of GeneralPsychiatry. The 7th and 8th editions of the American Journal of Psychiatry of this year include one clinical case conference relatedwith cognitive behavioral therapy and another showing the characte-ristics of twin sisters.

The very important magazine Arquivos de Neuropsiquiatria(SP) dedicates an unusual large section to the presentation of cases: inthe June edition, 60 out of a total of 200 pages, and in the Septemberedition, 70 out of a total of 200 pages. They are neurological cases.

In psychiatric magazines, articles about epidemiology and basicresearch predominate (or are exclusive), creating a wide use of statisti-cal and quantifications methods. We cannot affirm that this representsthe interest of the scholars but it is clear that magazines have such ori-entation, and for the authors, publishing is almost a survival problemin their career.

The quantification as a scientific standard is not applicable in the"particular case” although the "single case" is recommended as alter-native approach among methods from research in Psychiatry (LKGHsu, Research in Psychiatry, New York, Plenum Medical BookCompany, 1992)

The modules, the isolation of minimum elements (molecules, neu-rotransmitters, receptors) are important part of nowadays research. Itis known that the explanation of the case leads to a complex level ofstudy that is not compatible with the abstractive statistical dataformed by elements or the single functions. The relationship, thebehavior of people, subject of psychiatry cannot be limited as quantita-tive records. To research them, we need to have concepts and methodsthat are not used in the majority of the published studies.

We do not assume that a magazine for clinical cases will fulfill allthe omissions of other publications. But certainly we can call the ideaof "complementary", which is now widely spread by social and natu-ral sciences.

Carol SonenreichDirector of the Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital doServidor Público Estadual - São Paulo

Editorial

Page 3: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Luiz Ferri Barros

Na verdade não sou um bom contador de delírios. Isto por-que segue-se às minhas crises maníacas uma amnésia a respeitodas crises que vivi.

Apenas com muita concentração e muito esforço de memó-ria, fui capaz de reunir aqui lampejos de lembranças para relataralguns momentos esparsos das grandes fantasias delirantes e alu-cinatórias que já vivi.

Antes de relatá-los, no entanto, acho importante dizer comoo delírio se estabelece. Ele não chega sem avisos.

As crises são precedidas por uma grande inquietação. Ocorreintensa agitação motora e insônia durante dois ou três dias. Nãosei onde ficar, nenhuma posição me acomoda.

Depois, vem aos poucos de início e em seguida velozmente,tomando conta de tudo, uma incontrolável euforia. A euforia éuma sensação de bem estar, de poder, de plenitude. De forçaperante o mundo. A euforia faz com que no meio de toda a des-graça e sofrimento que é a loucura, ainda assim o mundo se apre-sente com inigualável grandiosidade e beleza.

Com a euforia, o pensamento dispara e fica fora de controle.É quando se perde o nexo e idéias disparatadas começam a nosocorrer. Mantém-se concentração absoluta num assunto ou dis-persão total de pensamentos com a mente correndo solta entre osmais variados contextos. Ocorre o que Schreber muito bem defi-niu como “coação a pensar”. “A essência da coação a pensar con-siste no fato de que o homem é forçado a pensar ininterruptamen-te” e em grande velocidade.

Daí o pensamento começa cada vez mais a afastar-se da rea-lidade, criando uma nova realidade delirante em que se acreditafirmemente. Às vezes, esta realidade delirante não nos atinge porcompleto, justapondo-se à realidade de fato. Então, algumas coi-sas são interpretadas pela parte sadia de nosso cérebro, outraspela parte que está em delírio. Às vezes o delírio nos domina porcompleto. É quando perdemos a noção de nossos atos.

Quando se entra em delírio, encasquetando-se que umadeterminada coisa irreal está acontecendo, não é possível com-preender que os outros não percebam a mesma realidade. Omesmo ocorre quando se alucina, ouvindo vozes ou enxergando-se coisas inexistentes.

- 1 -

De repente, uma manhã, achei que iria ser preso imediata-mente. Mas eu não achava que era só a polícia que estava atrás demim e nem que eu seria apenas preso.

Delirei que o próprio governador do Estado estava me per-seguindo por minhas idéias políticas e que eu seria metralhado,minha família também seria morta a tiros e minha casa seria des-truída por bombas.

Então, alucinado, telefonei para o amigo com quem eu haviacomprado maconha em sociedade e disse para ele:

_ “O governador está atrás de mim. Eu vou embora daqui paraele não matar minha família.”

Meu amigo falou-me para eu ficar em casa porque ele ia melevar um médico. Eu disse que não, de jeito nenhum, porquetodos seríamos mortos. Desliguei o telefone, corri até a cômodaonde guardava a maconha, peguei o pacote, joguei na privada edei descarga.

Depois saí correndo, descendo a escada na embalada, fugin-do de casa. Mônica tentou me segurar, eu não deixei. Eu acha-va que se saísse sozinho eu seria metralhado na rua e desta formapouparia Mônica e as crianças.

Mônica tentou segurar-me de todo o jeito e quando saí cor-rendo pelo quintal e fui para a rua, ela saiu atrás de mim. Eu gri-tava:

_ “Vai pra dentro. Fique em casa.”E ela:_ “O que foi? O que está acontecendo?”_ “Fique em casa. Vai para dentro.”Para mim era uma questão de vida ou morte. Se ela viesse

atrás de mim, seria metralhada também. Isto não podia acontecer.Ela não podia morrer. O problema era apenas meu. Então eu gri-tei de novo pra ela, na frente dos vizinhos que já tinham saído àrua, para saber o que estava acontecendo:

_ “Não venha atrás de mim. Eu não gosto de você. Deixe-meem paz. Eu tenho outra mulher. Eu tenho outra mulher, vocênão entende?”

Ela chocou-se e se paralisou. Imediatamente uma vizinhaabraçou-a e ela acabou ficando parada, estupefata.

Eu corri dez, quinze quarteirões, ou mais. Quando minhaforça acabou, fiquei andando ao léu, sem saber mais onde estava.Daí Mônica chegou de carro com meu cunhado, desesperada, eeles me puseram dentro do carro. Eu gritava alucinado:

_ “Deixem-me descer. Eu vou me matar. Eu quero morrer sozi-nho. Eles vão me pegar. Você não pode morrer comigoMônica, você precisa cuidar das crianças.”

Mônica tinha chamado meu pai e ao chegarmos em casa elejá estava me esperando para levar-me ao médico da família -

Auto-relatoQUINZE DELÍRIOSFIFTEEN DELUSIONS

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 2

Mestre e doutorando em Filosofia da Educação pela USPPresidente do Projeto Fênix - Associação Nacional Pró-SaúdeMental

Extrato do livro Anjo Carteiro - A Correspondência da Psicose. Editora Imago,Rio de Janeiro, 1996, ps.297/324 (edição esgotada; no prelo segunda edição peloProjeto Fênix - Associação Nacional Pró-Saúde Mental; reproduzido com autori-zação do autor)

Endereço para correspondência:Projeto FênixTravessa Dornelas França, 59 - Pompéia05023-000 - São Paulo- SP0800 10 9636E-mail: [email protected]

Page 4: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Quinze delírios

naquele tempo eu não tinha psiquiatra. Levei dez dias para sairdo delírio.

Naquele tempo eu e Mônica nos amávamos muito e ela, logodepois do choque, percebeu rápido que eu apenas dissera “Eutenho outra mulher” para impedir que ela me seguisse. Então,desvencilhando-se da vizinha, tomou providências para me acu-dir. Com o passar do tempo o nosso amor sucumbiu às asperezasda vida, até mesmo por causa das constantes situações de xeque-mate em que eu a colocava nos meus delírios e depressões. Umdia, muitos anos depois, ela chegou-se a mim e perguntou:

_ “Luiz, daquela vez que você saiu correndo de casa, lembra-se,era mesmo verdade que você tinha outra mulher?”

Não era verdade e ela sempre soube disto, mas ao relatar ocaso à sua mãe, esta a manteve em eterna dúvida.

- 2 -

Na praia, tive um delírio místico, religioso, em que eu me jul-gava um profeta. Eu estava em estado de beatitude e julgava quetodas as coisas aconteciam porque eu as fazia acontecer.

Se uma folha de árvore caísse ao vento era porque eu estavaolhando para ela e ordenando-lhe que caísse. Se uma pessoaandasse era porque eu queria que andasse e assim por diante...

Logo depois entrei a estrebuchar. Pensei ter tido uma convul-são. Muitos anos depois, meu irmão médico, que estava comigona ocasião, disse que na verdade tive uma crise histérica. Eu bal-buciava sons ininteligíveis e para mim, dentro de mim, eu estavafalando com Deus em uma linguagem arcaica. Durante muitotempo eu julguei ter tido um contato com Deus, até que o tempopassou e essa impressão se dissipou.

Acredito, no entanto, que muitas das experiências místicas,sobrenaturais, possam ser fruto de delírios e alucinações doentias.Assim como acredito que as religiões todas nada mais são do queuma resposta que o homem criou para sua maior dor psicológica:a solidão perante o destino e o universo.

- 3 -

Houve uma ocasião em que passei dias brigando com umcomputador inexistente. Eu me alimentava muito mal. O compu-tador se comunicava comigo em linguagem binária e eu assim res-pondia a ele dentro de meu cérebro. A uma determinada altura,a briga se tornou uma livre associação de palavras. As palavras meocorriam em duplas, uma seguindo-se à outra em uma velocida-de impressionante. Eu estava em Barra do Una e um dia meuirmão médico levou-me até o outro irmão, psicólogo, em Guaecá.Eu me alimentava muito mal. Não sei como foi, comecei o jogode livre associação de palavras com meu irmão psicólogo. Eudizia uma palavra, ele dizia outra. Para mim, cada palavra deviavencer a anterior, ser mais forte, dominá-la. E assim ficamoslongo tempo. A uma determinada altura cheguei à palavra “leite”e ele, sem me propor outra palavra, fixou-se na palavra “leite”.Eu propunha outras palavras e ele repetia: “leite”. Acabei tam-bém por me fixar na palavra leite e dizia: “leite, leite, leite.” Eleme dizia: “Isto, Luiz: leite.” Levantei-me da praia e, com ele aomeu lado, fui até dentro de casa na cozinha, onde encontrei leite.

Bebi mais de um litro de leite enquanto meu irmão dizia: “Isto,Luiz: leite, leite, leite.” (Ele havia encontrado uma forma de mealimentar).

- 4 -

Em meu trabalho eu usava uma calculadora HP 38C, consi-derada na época a melhor calculadora financeira existente e àsvezes eu costumava carregá-la na cintura.

Um dia cismei que minha calculadora era capaz de fazertudo. Não ela sozinha, naturalmente. Julguei que ela estivesseacoplada por radiotransmissão a uma central de computaçãomundial, de espionagem estatal. Ela era um elo do Grande Irmãode Orwell em 1984.

Primeiro falei com minha chefe, no alto escalão de umaSecretaria de Estado:

_ “Sabe, eu tenho participado de reuniões sigilosas e se algumainformação importante vazar, a culpa não é minha, é deminha calculadora.”

Ela era psicóloga, por coincidência, e logo percebeu que euestava delirando. Telefonou para minha mulher e ela veio me bus-car no escritório, tendo já marcado hora no meu psiquiatra. Eufui com ela ao médico e chegando lá, mostrei-lhe a calculadora.Que ele cuidasse dela porque ela é que era perigosa, estava desa-justada; não eu.

Depois saímos do médico e enquanto Mônica dirigia, naAvenida Paulista, eu encaixei a calculadora no lugar do cinzeirodo carro e lhe disse:

_ “Pode largar do volante, de tudo isto de controle mecânico docarro que é obsoleto e desnecessário. Já programei a calcu-ladora e em conexão com as centrais eletrônicas ela vai levarnosso carro até em casa.”

- 5 -

Um delírio que me perseguia sempre, em várias crises subse-qüentes, era o delírio da espionagem eletrônica. Para mim todosos aparelhos eletrônicos, em especial os rádios e as televisões,estavam conectados entre si mandando informações para umacentral nacional, às vezes mundial, de computação. Lá eu eraobservado pelos senhores do mundo, como se eu fosse espionadopelo Grande Irmão de Orwell. Quando eu estava na rua, ou àsvezes à janela de minha casa, onde não havia aparelhos eletrôni-cos, eu estava sendo filmado a grandes altitudes por aviões ousatélites espiões que eu não via, mas tinha certeza que estavam lá.

Nas televisões eu sempre via um botão qualquer ou uma luzque me filmavam. Então, a central de televisão podia me ver eescutar, da mesma forma que eu via e escutava o programa queestavam passando.

Assim, durante dias, eu falava com o rádio ou a televisão,conversando ou com a emissora ou com os participantes do pro-grama.

Já fiquei conversando, por este método delirante, com asgrandes estrelas nacionais e internacionais de TV e também comTatcher, Bush, Gorbatchov...

3 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

Page 5: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Naqueles momentos, então, que o entrevistado, ou o ator,olha para a câmera e fala para os telespectadores, ah, eles estavamfalando diretamente para mim... Eles me olhavam no olho. Então,eu também olhava no olho deles e respondia.

De noite, em meu quarto, eu achava que havia câmaras de fil-magem escondidas, filmando o meu sexo com Mônica.

- 6 -

De tarde, na praia, apareceu-me um relógio em visão. A visãome acompanhou o tempo todo. Não importa o que eu fizesse,para onde olhasse, o relógio _ sempre com a hora certa _ apare-cia no fundo.

Então, à noite, no apartamento de praia que meu irmão alu-gava, veio-me a explicação da visão: “Vou morrer à meia-noite.” Efiquei com a idéia fixa de que ia morrer à meia noite. Mas nãodisse para ninguém.

Às dez horas, por aí, Mônica, eu e as crianças saímos do apar-tamento e fomos para o rancho que tínhamos em Barra do Unaantes de construir nossa casa. Arrumamos as camas e nos deita-mos para dormir. A visão do relógio e a certeza de morrer à meia-noite não me abandonavam, no entanto.

Daí pensei:_ “Eu sou como Matraga, chegou minha hora e minha vez.

Como ele, não vou esperar meu destino passivamente: vouenfrentá-lo.”

Saí do rancho e fui para a rua onde fiquei andando, prontopara brigar pela vida com quem viesse me desafiar. A rua estavavazia e eu não sabia de onde viria o inimigo. Eram onze e meia emmeu “relógio-visão” quando pensei diferente:

_ “Se querem me matar, vão ter de vir à minha toca. Me pegarno meu lugar.”

Voltei para o rancho, afastei a cama das crianças e a daMônica e deitei-me num acolchoado bem em frente da porta.Antes de deitar, no entanto, peguei um facão de cozinha e segu-rei-o na mão direita, firme, pronto para dar o golpe se alguéminvadisse o lar de minha família.

De manhã cedo, Mônica encontrou-me dormindo no chãocom a faca do lado.

Enquanto eu esperava a meia-noite, dormi... E não morri.

- 7 -

Fui a um churrasco no interior, na casa de um tio meu. Euestava de bermuda curta, camiseta leve e um par de chinelos.Chegando lá havia aquela festa toda, todo mundo animado, fes-teiros mesmo, e eu me senti muito mal porque todos estavam ves-tidos muito bem, traje esporte fino e só eu de bermudas e chine-lo.

Como acontecia em outras crises, eu havia emagrecido empoucos dias mais de dez quilos.

Percebi que as pessoas me evitavam na festa e às vezes olha-vam para mim de soslaio. É claro que me olhavam de soslaio eevitavam vir falar comigo porque eu estava em delírio. Devia estarmuito estranho. Mas eu achei que estavam me evitando porqueeu estava com AIDS. Percebendo minha magreza, olhando

minhas pernas finas, logo concluí que de fato eu estava comAIDS.

Chamei a Mônica para irmos embora. Enquanto ela e ascrianças almoçavam rapidamente fui para fora da casa, esperá-losna rua. Minha tia quis me levar de volta para a festa, me dar comi-da e tal e eu nada. Queria ir embora pra casa, deitar na minhacama.

Quando Mônica veio com as crianças, pegamos o carro efomos embora. Havíamos andado uns vinte quilômetros talvez,sem falarmos nada um ao outro, quando cheguei-me ao ouvidodela e falei baixinho:

_ “Eu estou com AIDS.”Ela me respondeu:_ “Fique quieto. Não fale uma palavra!”Dirigiu até um retorno que havia na pista, onde pode parar o

carro num lugar seguro. Mandou as crianças brincarem numcanto da praça e sentou-se comigo no meio de um gramado.Disse-me, então:

_ “Fala Luiz. O que está acontecendo?”_ “Eu estou com AIDS, Mônica. Peguei AIDS.”_ “Você fez alguma coisa para achar que tenha pego AIDS?

Você saiu com alguém, fez alguma coisa assim?”_ “Não. Eu juro que não fiz nada. Mas veja minha magreza.

Veja como as pessoas me evitaram na festa...”_ “Você está magro porque está em crise, isto sempre acontece.

Quanto às pessoas, foi você quem as evitou. Você quis virembora, não quis falar com ninguém.”

_ “Eu estou com AIDS!”_ “E como você pegou?”_ “Pelos mosquitos, você sabe. Pela picada dos pernilongos.”_ “Luiz, AIDS não se pega assim, você sabe disso. Agora, vou

lhe falar uma coisa e você preste muita atenção senão eu vouficar muito brava com você. Nós estamos no meio da estrada.Faltam duas horas pra chegar em casa. Nós vamos entrar nocarro e ir embora pra casa. Lá nós conversaremos com calma.Mas, por favor, ouça o que estou lhe dizendo; isto é uma coisamuito séria: você não vai falar mais neste assunto até chegar-mos em casa. Nós temos dois filhos pequenos que não podemficar pensando que o pai deles está com AIDS apenas porquevocê está delirando. Entendeu?”

_ “Entendi.”_ “Então vamos embora. Vou chamar as crianças.”Viemos para São Paulo sem conversar uma palavra sequer

durante a viagem. Passei quase uma semana obcecado pela idéiade AIDS e pernilongos. Às noites, eu ficava acordado com umatoalha de rosto na mão matando pernilongos no quarto das crian-ças.

Minha obsessão era evitar o contágio das crianças e paramim, em meu delírio, as formas de contágio foram se multiplican-do. Ao fim de alguns dias eu tinha separado para meu uso exclu-sivo copos, louças e talheres e não deixava ninguém usá-los alémde mim.

Estranhamente, o sexo, a própria forma de contágio daAIDS, não me incomodava. Eu não achava que a Mônica, minhaparceira sexual, estivesse com AIDS. Apenas eu estava. Tinhapego dos pernilongos.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 4

Page 6: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Quinze delírios

Daí ela teve de pegar os livros que tínhamos em casa sobreAIDS e me fazer reler, explicando-me como se pegava a doença,como se eu nunca tivesse sabido. Depois me disse:

_ “Se você está tão preocupado, vá fazer um exame de sangue.Mas eu lhe proponho outro teste. Você sabe que eu não estoucom AIDS. E que sou uma pessoa consciente, lúcida, que nãoquero pegar AIDS. Pois você também não tem, e para vocêter certeza disso eu lhe ofereço o meu corpo. Venha deitarcomigo.”

- 8 -

De uma das vezes em que estive internado, lembro-me deestar amarrado na cama num dos quartos do Bezerra de Menezese pensar que estava enterrado vivo numa espécie de catacumbaque eu imaginava ser vizinha do cemitério do Araçá.

Neste dia eu fiquei, talvez, amarrado das dez horas da manhãaté quatro da tarde. O delírio evoluiu. Após algum tempo eu nãoestava mais enterrado vivo. Eu era um morto sem condições deser enterrado.

A catacumba onde eu estava era uma espécie de purgatóriocom objetivos de purificação. Era um lugar intermediário entre oHospital das Clínicas e o Cemitério do Araçá para onde erammandados os mortos de graves doenças infecciosas. Havia umpessoal burocrata que decidia quem podia ser enterrado, e quempodia subia pelo elevador até o cemitério. Quem não podia, con-tinuava amarrado. (Não havia elevador no local).

Meu corpo estava numa estranha transmutação e de repenteeu não era mais eu. Perdi todas as esperanças de ser solto pois euera, afinal, o vírus da AIDS que tinha sido isolado naquele estra-nho lugar para ser estudado pelos médicos. Eu era um vírus etinha sido capturado. Meu corpo todo tinha sido envolto por umapelícula plástica para que não contaminasse ninguém. Após umtempo, perdi as esperanças de ser solto e parei de gritar. Foiquando, um tempo depois, fui solto da cama.

Andei até a sala de televisão sem ver ninguém e fiquei senta-do num dos bancos de madeira que havia no local. Os bancosestavam postos em L, como devem estar até hoje, e assim pare-ciam delimitar um espaço máximo de ação de cerca de dez metrosquadrados. Daí eu vi ao meu lado, sentado, assistindo televisão,um companheiro paciente. Era um preto gordo, já um senhor,bonacheirão, com um gorro enfiado na cabeça. Eu não sabia queele estava vendo televisão. Nem sabia que ali havia televisão - eunão a via, pendurada alta na parede. Para mim, eu continuavapreso para toda a eternidade naquele quadrado delimitado pelosbancos e o preto era o meu vigia.

- 9 -

O haldol, assim como outros neurolépticos, causa efeitoscolaterais, comumente chamados de “impregnação” e que consis-tem basicamente numa crescente robotização dos movimentospor uma rigidez muscular que se espalha pelo corpo todo. Paradeter a impregnação usam-se outros remédios junto com os neu-rolépticos.

Neste delírio, após ser medicado em São Paulo, fui para apraia com Mônica e as crianças e também com meu irmão médi-co e sua família.

Desta vez tive a maior impregnação de haldol de todas asminhas crises. Aliás, mesmo em minhas internações, nunca vi nin-guém tão impregnado quanto eu fiquei. O akineton não foi sufi-ciente para deter a impregnação.

Primeiro meu corpo ficou todo rígido e eu só me movimen-tava muito lentamente, com o andar estranho dos robôs.

Depois, uma tarde, fui acometido por um repuxamento mus-cular na nuca e no pescoço e eu ficava com o rosto de lado, coma musculatura toda estirada. Meu maxilar se travou e o trismo nãopermitia que eu abrisse a boca.

Minha cunhada deitou-me numa esteira de taboa e me fezmassagens. Assim fiquei sabendo que massagens não adiantamnada para isto.

Meu irmão me pegou pelo braço, pôs-me no carro e levou-me até a farmácia em Boissucanga. No caminho, havia enormesmáquinas de terraplanagem que abriam naquele tempo o novoleito da Rio-Santos.

Durante todo o percurso, eu achava que seríamos esmagadospor aquelas máquinas imensas. Estava certo que elas estavam aliapenas para nos perseguir, triturando-nos entre suas pás e estei-ras. Os barreiros que havia no caminho tinham sido feitos de pro-pósito pelas máquinas para nos fazer atolar. Depois elas viriam enos esmagariam enquanto estivéssemos atolados.

Em Boissucanga, na farmácia, na calçada do lado de fora,lembro-me de uma mulher índia com um facão na mão que olha-va para mim desconfiada. Eu tinha medo que ela me atacasse como facão.

De fato, como eu estava, com a cabeça estirada de lado, omaxilar teso, repuxando músculos faciais e andando feito robô -acho que ela estava me estranhando. Lembro-me até hoje de seuolhar fixo e seu facão enorme seguro pelo braço direito, em posi-ção de alerta.

Na realidade, ela estava mesmo preparada para me atacar,tanto que meu irmão me puxou para dentro da farmácia, dizen-do-me:

_ “Cuidado com a índia. Você não vê o facão dela e que ela estápronta para atacar? Ela está com medo de você. Fique comi-go. Não vá mais lá.”

Daí meu irmão me fez beber meio vidrinho de Fenergan epoucos minutos depois, como por milagre, toda minha muscu-latura se relaxou e eu me livrei da impregnação. O delírio comas máquinas de terraplanagem, no entanto, continuou e eu vivina volta até Barra do Una o mesmo terror de que elas iriam nostriturar.

- 10 -

Uma noite, na praia, fiquei de meia noite até sete horas damanhã condicionando um bagre num balde de água.

Eu estava certo de estar progredindo em meu intento que erao seguinte: cada vez que eu batesse no balde três vezes “toc, toc,toc,” o bagre viria até a superfície falar comigo. Então eu batia

5 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

Page 7: Casos Clinicos Em Psiquiatria

com um pau no balde “toc, toc, toc” e em seguida jogava comidade peixe na água.

De manhã cedo, vendo-me na faina com o balde, depois deeu explicar o que estava fazendo, meu irmão me disse: “Agora éhora de escovar os dentes, olha a pasta para o bagre.” E eu, acredi-tando mesmo no que fazia, peguei um pouco de pasta de dente e“toc, toc, toc,” joguei nágua para ele.

Nesta manhã meu irmão me trouxe para São Paulo paramedicar-me e eu só concordei em vir depois que ensinei o pedrei-ro de minha obra a tomar conta do bagre.

Foi assim: eu fui com ele até o rio, soltei o bagre namargem e ele logo sumiu na água funda. Eu disse para oArmando:

_ “Você não se preocupe. Ele está logo num buraco ali. Detarde você vem até aqui e bate com este pauzinho na beira.Vai fazer toc, toc, toc. Daí ele vem e você dá comida pra ele.Vê se cuida bem do meu bagre enquanto eu estiver em SãoPaulo.”

- 11 -

Estava em transcurso uma revolução separatista. São Paulonovamente lutava contra o Brasil. (Hoje acho engraçada esta ver-são, pois, como paulista, nunca aceitei a expressão “revoluçãoseparatista” e sim “revolução constitucionalista”). Sou paulistaferrenho. Desci a serra, com Mônica e as crianças, para Barra doUna. Minha missão era no litoral.

À noite, antes de deitar, angustiado, eu disse à Mônica senta-do na cama, dentro do rancho:

_ “Se eu morrer, você diz ao Governador que eu morri por SãoPaulo?” Ela disse que sim. Eu insisti:

_ “Você promete?” Ela prometeu.Dormi.Acordei com Mônica vestindo o biquini. Ela estava defronte

à janela aberta, de costas para a cama, amarrando o sutiã dobiquini. Eu comecei a chorar. Eu era um covarde. Minha mulherprecisava ficar mostrando os peitos para o inimigo, pela janela,para que não bombardeassem o meu rancho. (A praia era deser-ta e entre o rancho e a praia havia uma touceira de bambu;Mônica não estava se exibindo, apenas estava à vontade, como olocal permitia).

Saí para levar meus filhos para a praia. Grudei o menor delespara atravessar o rio. (Entre meu terreno e a praia existe o RioUna. Havia chovido muito e o rio estava com grande correnteza).Logo percebi que o inimigo, para me capturar, havia lançado mãode um interessante ardil: ele baixara o nível do mar para o rio cor-rer ligeiro e eu me atrapalhar na correnteza. Vocês acham que istoé impossível porque não conhecem a astúcia e os recursos de meuinimigo: ele fazia isto com gigantescas bombas hidráulicas nabarra do rio, onde o rio encontra o mar, escondido por trás darestinga de areia. Pus o menino no barquinho e saí remando emdiagonal à correnteza. Dei risada. Era a força bruta deles contraa minha habilidade. Deixei o menino na praia e vim buscar ooutro, do lado de cá do rio. (O barco era pequeno; o rio estavaforte: não dava pra levar os dois ao mesmo tempo). No meio dorio o barco começou a afundar. Logo percebi o que houve. O ini-

migo tirara a tampa do barco com sensores remotos. Percebi atempo que o barco estava destampado e voltei a tampá-lo. Sorricomigo mesmo. Eram os sensores remotos deles contra minhapercepção e rapidez. Mudei de lugar no barco e controlei o níveld’água. Remei com vigor e cheguei à margem de casa, muito abai-xo de meu terreno, devido à correnteza. Meu filho chorava, gri-tando do lado de lá do rio, na praia:

_ “Paiê, Paiê, vem me buscar...”_ “Já vai, meu filho. Não sai daí. Não tenha medo, eu já vou

voltar.” (Entre nós havia um rio de 40 m de largura, corren-do em grande correnteza).

Os vizinhos vieram me ajudar a esvaziar o barco. Eles esta-vam de óculos escuros: eram inimigos. Deixei-os fazer força sozi-nhos para esvaziar o barco, não sou besta, vou deixá-los cansados.Eles esvaziaram o barco e levaram-no até em frente a minha casa,no lugar de atravessar de novo. (Perderam a tampa dobarco mas eu sabia que era espionagem, roubaram a minhatampa).

_ “Paiê, Paiê, me tira daqui...”_ “Espera, espera. Não saia do lugar!”Corri até o rancho. Encontrei uma tampa de lata de spray e

peguei a faca. Cortei um pedaço do plástico para ajustar no local,arranquei o pedaço com o dente - meu inimigo me olhando,vendo onde eu ia falhar para ele atacar - tapei o buraco do barcoe atravessei de novo o rio.

Peguei meu filho e voltei para casa. Falei para a Mônica:_ “Não dá pra ir à praia hoje. Os inimigos estão todos por aí.

Fizeram uma correnteza no rio que você precisa ver. Quaseme pegaram.”

- 12 -

Logo após a publicação de Memórias do Delírio, de minhaautoria, uma série de artigos e resenhas sobre o livro foram publi-cados pela imprensa. Para a resenha da revista Veja eu fui entre-vistado. A reportagem que a revista publicou, com uma fotominha, ainda que de costas, deu-me uma sensação incrível de des-conforto pela grande exposição a que eu me submetia e principal-mente pelo fato de que considerei a matéria muito crua e dura,ainda que desse grande destaque ao livro. Logo comecei a deses-tabilizar-me. E em poucos dias eu estava em delírio.

Semanas antes havia sido publicada uma resenha emCuritiba. Por um erro de composição do jornal, a matéria quesaiu sob o título da resenha e ao lado de uma reprodução da capado livro era uma notícia sobre o Cartel de Medellin. No diaseguinte é que o jornal publicou corretamente a resenha. Masfiquei com este fato na cabeça e quando a reportagem da Veja medesestabilizou passei a achar que o jornal de Curitiba estava memandando uma mensagem cifrada. Que como eu falava mal damaconha no livro eu seria alvo dos traficantes do Cartel.

Passei uns quinze dias sendo perseguido pelo Cartel deMedellin. Para cada instante eu esperava um ataque. Minha famí-lia, como de hábito, de início lutou contra minha convicção deli-rante, mas, a partir do momento em que ficou claro que eu esta-va com o delírio estabelecido, em seguida entrou no jogo. Não mecontrariavam e apenas diziam que para que os traficantes pudes-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 6

Page 8: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Quinze delírios

sem me pegar teriam de pegar todo mundo. Em que pese o ligei-ro alívio em termos de segurança que eu sentia, passei a ficarmuito preocupado com todos da família e a sentir-me culpadopela insegurança em que agora todos viviam. Apenas ao final demeu delírio, quando comecei a duvidar de minhas certezas, é quemeus pais e irmãos fizeram força para me convencer de que nin-guém me perseguia.

Há sabedoria no ditado que diz que não se deve contrariar osloucos. Dá conforto ter gente a seu lado que “acredite” nas per-cepções desvairadas. Negar, fazer força contra na hora errada,além de nos tornar mais isolados, às vezes faz com que pensemosque quem está contrariando a evidência do delírio está do outrolado, faz parte dos “inimigos.”

- 13 -

Em 1993, minha instabilidade era tão grande, eu entrando esaindo sucessivamente de crises alternadas de depressão e euforiaque meu médico sugeriu-me e acabou por convencer-me e àminha família de que seria interessante tentar uma nova medica-ção. Havia também a conveniência de se tentar um novo neuro-léptico, pois o uso a longo prazo que eu fazia do haldol estavadando sinais de estabelecimento da discinesia tardia. (A discine-sia é um sintoma colateral da medicação e que se caracteriza poraqueles esgares de lábio tão marcantes da loucura. Em grandeparte dos casos, é efeito de remédio e não sintoma da doença).

Eu concordei, esperançoso, e entrei na “aventura de sersujeito experimental de um medicamento que estava em teste noBrasil, antes de ser lançado no mercado”. Era a risperidona. Oexperimento foi conduzido na USP e na UNICAMP, entre outroscentros de pesquisa, e eu fui inscrito no grupo piloto do Institutode Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Quando iniciei com a medicação eu estava em leve crise, maslogo a seguir entrei em forte delírio. Um tipo novo de delírio queeu ainda não conhecia. Tive meu primeiro delírio cenestésico, quese caracterizava por fortes dores e sensações musculares e corpo-rais.

O que eu sentia era uma tremenda e insuportável dor toráxi-ca e nas costas. Era uma dor aguda e lancinante que me atraves-sa em diagonal desde o peito até a base da coluna, verticalmente.Eu tinha certeza de que havia uma espada enorme, do tipo dasque os cruzados usavam, afiadíssima, atravessada em minhas cos-tas e em meu peito, fincada de baixo para cima. E eu não podiame mexer, pois a cada movimento a espada cortava mais. Ficavahoras sentado, parado numa mesma posição retorcida para tentarevitar a dor.

Neste mesmo delírio eu quase explodi. Literalmente.Mexendo, um dia, com minha binga (aquele tipo de isqueiro anti-go), eu, ao abastecê-la de fluido, derramei grande quantidade delíquido na mesa e sem me aperceber inalei todo o gás que se vola-tilizava. Quando me dei conta do sucedido, passei a ficar apavo-rado, achei que eu iria explodir. Principalmente porque, fumanteinveterado, mesmo diante da minha absoluta convicção do riscode explosão, eu não deixava de acender um cigarro atrás dooutro. Mas eu fumava com uma tremenda preocupação em nãopeidar, porque estava certo de que se eu peidasse ocorreria uma

explosão. Eu me sentia uma bomba ambulante. O único cigarroque fumei tranqüilo, neste dia, foi no consultório de meu médico,que me garantiu que eu podia fumar e peidar o quanto quisesseque não explodiria. Lembro-me até hoje da esdrúxula conversaque tivemos, ele divertido e sério a me explicar que eu não corriao risco de explodir.

A experiência com a risperidona não deu certo para mim;pelo contrário, foi aterradora por deflagrar minha fase de delírioscenestésicos. Tive notícias, no entanto, de que o uso do remédiofoi aprovado e de que alguns doentes têm-se dado bem com ele.Mesmo sem questionar a competência e a ética dos médicos queconduziram este experimento, duvido, entretanto, que o protoco-lo final deste teste discorra sobre a possível interferência destadroga na instalação de delírios cenestésicos. Possivelmente, por-que sou uma irrelevância estatística.

- 14 -

O uso da risperidona, ainda que por pouco tempo, deixou-me de herança os delírios cenestésicos que voltei a ter mesmo semestar mais usando esta droga. Sei lá o que aconteceu, ela deve teraberto algum novo tipo de sinapse patológica no meu repertórioneurológico.

Sei que um dia eu precisava ir a um cartório no centro dacidade para passar a escritura definitiva de um imóvel que euhavia vendido muitos anos antes. Peguei meu carro e fui. Ou,antes, tentei ir.

Não pude lá chegar porque a meio caminho envolvi-me nocentro de uma revolução. Era, para repetir o enredo, algumacoisa de confusão de São Paulo com o resto do país. Mas, derepente, a revolução virou uma guerra e eu de paulista virei bra-sileiro e tudo se tratava de defender o solo pátrio.

Só que as forças armadas não se entendiam e o exército nãose dava com a marinha e nem os dois com a aeronáutica. Eu eraum agente de informações e espionagem da marinha. E quandoestava passando pela Rua Santo Antônio, no Bexiga, em frente aum posto de gasolina, levei um tiro na perna, certamente desferi-do pelas forças da aeronáutica. A dor foi lancinante e tive umatremenda contração. Sorte que o trânsito estava parado e entãoeu coloquei o pé sobre o painel do carro e então pude massageara perna.

O frentista do posto de gasolina me olhava com estranheza eo mesmo fazia um motoqueiro parado a meu lado e assim, logoque o farol abriu, eu saí dirigindo com dificuldade porque eleseram inimigos e eu não podia me expor mais, ainda mais agoraque estava ferido.

Desisti de ir ao cartório e resolvi dirigir-me de volta aoPacaembu, para voltar para casa e buscar socorro. Minha pernadireita doía violentamente e pesava uns quinze quilos. Eu tinhade fazer uma força enorme para não deixar meu pé afundar noacelerador. Observei que não havia sangue no lugar do tiro, masisso não me surpreendeu, pois estava claro que eu havia sido atin-gido por uma arma nova que me introduzira na barriga da pernaum projétil de chumbo líquido, razão pela qual eu também nãolocalizava a bala quando nas paradas do trânsito voltava a massa-gear a perna.

7 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

Page 9: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Na Rua Maria Antônia havia um pedágio de calouros doMackenzie. Perto da Rua Sergipe, com um trânsito novamenteparado, chegou à minha janela um estudante em trote e pediu-meum trocado para o chope dos veteranos. Eu, sem querer e sempoder evitar, talvez passei-lhe o grande trote de sua entrada nafaculdade.

Eu precisava de socorro. Não achava que agüentaria chegarao Pacaembu e, desesperado de dor, contei-lhe do tiro que eulevara, pedi socorro, que ele providenciasse um médico. Meusofrimento e minha dor eram tão autênticos que ele, mesmo sementender nada e mesmo sem o sangue que seria a evidência dotiro, parece de fato ter acreditado na história toda.

Ao mesmo tempo que as manifestações cenestésicas se inten-sificavam, minha cabeça não parava e eu via naquilo tudo, de ocalouro de engenharia do Mackenzie tentando me ajudar, a mim,um ex-estudante de Filosofia da USP, uma amostra de como odestino dá voltas e de como os inimigos de ontem podem ser osaliados de hoje na história das verdadeiras guerras.

Tudo foi, afinal, tão rápido que sequer deu tempo de o rapa-zola sair da estupefação em que o coloquei, posto que em segui-da achei que o melhor mesmo era eu ir até em casa e num atoreflexo, para despistá-lo, apontei com vivacidade para a esquinada frente e disse-lhe que visse... se ele não tinha visto aquele carroassim-assim atropelar a moça que atravessava a rua e ele, ao sevirar para mais esta insuspeita ocorrência, distraiu-se de mim e saíquase cantando pneu em direção à minha casa.

Por rápido que tudo fosse, o tempo ainda foi suficiente paraeu colocá-lo a par de importante mensagem, de cujo teor nãolembro, que ele deveria por questão de vida ou morte fazer che-gar a um alto líder nacional, depois de eu ter-lhe declinado minhapatente, para o caso de eu ser morto no caminho.

Sei dizer que pelo espelho vi o rapaz sair correndo para umgrupinho de estudantes, tão logo meu carro se afastava.

O que ele contou aos outros e o que pensou de mim e destaestranha guerra que eu travava eu não sei. Mas naquele momen-to eu dava de mim o melhor para minha causa e minha causa erao meu país.

Ao chegar em casa, vi que eu estava isolado. Em casa nãohavia ninguém, e trabalhando ao longo dos fios telefônicos deminha rua, bem em frente de onde eu moro, havia muitos homensfazendo reparos nos postes, erguidos por aquelas caçambas auto-máticas dos caminhões de serviço. Tudo aquilo nada mais era doque uma operação para interferir com minha linha telefônica detal forma que eu estava incomunicável.

Tanto isto era verdade que todos os números para os quais eutentava ligar davam ocupado ou eram ligações para o númeroerrado. Só conseguia falar com gente estranha que me desligava otelefone na cara.

Um lampejo de lucidez alucinada me conduziu a procurarmeu médico. Mas não sem antes render-me à dor e deitar-me nacama para não exaurir minhas forças. Minhas preocupações eramtrês, entre outras, durante os minutos em que descansei em meuquarto. Preocupava-me sobretudo a morte que adviria de duasformas certas. A primeira, inexorável se eu não conseguissesocorro médico imediato e não tivesse minha perna amputada,era que o chumbo líquido se solidificaria e causaria uma gangre-na que se estenderia pelo meu corpo todo. A segunda preocupa-

ção com a morte era que eu poderia a qualquer momento ser atin-gido por um tiro de longa distância, disparado pelo vão da janelade meu quarto, razão porque eu precisava ficar deitado sem tra-vesseiro para não deixar minha cabeça à mostra, na linha de tiro.A terceira grande preocupação era com meu seguro de vida paragarantir a educação de meus filhos depois que eu morresse.

Acabei, afinal, localizando meu psiquiatra por telefone, jus-tamente para que ele me providenciasse a urgente remoção queeu necessitava para um centro cirúrgico, a fim de amputar minhaperna. Ele acabou por convencer-me de que meu problema esta-va na cabeça e não na perna e de que eu precisava era de umaconsulta e uma medicação com urgência. E a única alternativarápida que havia para isto era eu ir até o seu consultório na VilaMariana, pois de lá ele não tinha condições de sair naquela hora.

Andei mancando o quarteirão que me separa da avenida etomei um taxi. Para meu azar o motorista era inimigo. Pois aguerra continuava e durante dias ainda se estendeu. Mas eu sabiacomo lidar com este inimigo que estava no volante. Para nãodeixá-lo raciocinar resolvi contar-lhe piadas e assim fui durante ameia hora do trajeto. Não sei de onde minha memória foi sacartanta piada, eu que não sou de contar piada. E as piadas se suce-diam sem cessar, todas com duplo sentido e, ainda, por requinte,tenho a lembrança de que a maioria delas era de política e decaserna. Só que o cara não ria. E eu gargalhava sozinho, mas issonão importava porque cada piada que eu conseguia terminarrepresentava uma vitória minha.

Cheguei salvo ao consultório. E de lá saí, noitinha já, comminhas receitas e a recomendação expressa de meu médico de irdireto para a farmácia e para casa, sem parar em lugar nenhum,sem conversar com pessoa qualquer a respeito de assuntonenhum e principalmente sem contar piadas.

O taxi que eu tomei na volta para casa era dirigido por umvelho veterano da defesa civil, que também participava do esfor-ço de guerra. Com ele não falei nada durante o trajeto, seguindoa orientação de meu médico, mas fiquei alarmado com as muta-ções que seu rosto assumiu durante a corrida, fruto de alucina-ções visuais que comecei a ter naquele instante. Era particular-mente desagradável o fato de durante todo o caminho o velho virpondo e tirando o céu da boca, enquanto dirigia.

Para meu conforto, ao chegar em casa meus pais ali estavame com eles e meus remédios reiniciei minha verdadeira e perma-nente guerra que é a luta contra a loucura.

Ao cartório fui no dia seguinte, de Metrô, amparado porminha mãe que me guiou pelos labirintos das escadarias das esta-ções e através das multidões do centro de São Paulo, porquecompromisso de negócio não pode esperar a guerra acabar e eumesmo, no fundo, sabia que honrar minha palavra numa transa-ção comercial era mais importante do que continuar guerreando.Há anos atrás a venda daquele terreno ajudara a pagar meusremédios. Estes mesmos remédios de que depende a manutençãode minha sanidade, mas que até hoje não conheço nenhum semalgum tipo de efeitozinho colateral. O efeito colateral que a rispe-ridona me deu foi este de me instalar na fase dos delírios cenesté-sicos. Justo ela, cuja vantagem alardeada era a de não ter efeitocolateral algum. Hoje faz tempo que não tenho delírios e alucina-ções cenestésicos, mas justo no lugar em que levei o tiro de chum-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 8

Page 10: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Quinze delírios

bo líquido, na barriga da perna direita, costumo ter, agora, de vezem vez, uma cãibra feroz.

Quando ouço falar de remédio psiquiátrico sem efeito cola-teral, hoje em dia, tenho um medo que me pélo. Penso que sejamefeitos desconhecidos ou não relatados na literatura médica.

- 15 -

Ocorre-me que talvez mais útil seja eu encerrar este texto nãocom o relato de mais um delírio qualquer, mas com a reafirmaçãode que sou amnésico a respeito de meus delírios depois que elesse desfazem.

Imagino que alguém possa achar estranha essa afirmaçãoapós ter lido várias páginas de relatos variados de delírios recen-tes e até bem antigos, alguns com diversos detalhes. Mas o fato éque o relatado corresponde à minha memória mais significativaem cada caso e os detalhes são mínimos comparados à multiplici-dade dos episódios que se desenvolvem em cada momento dodelírio e à complexidade das sensações e emoções que vivo numacrise. Principalmente no que se refere à intensidade das vivências.

Relatar um delírio dando destaque ao lado humorístico dassituações, como fiz em alguns casos, é importante para realçar osurrealismo das experiências e para tentar tornar a leitura maisagradável, mas pode levar à falsa impressão de que tudo nãopassa de uma grande curtição. Nada mais enganoso. A tônica oni-presente em cada uma dessas situações é a de um medo tenebro-so. Um pavor e uma angústia inenarráveis. Nada é vivido pelolado engraçado, exceto nas pequenas tréguas de conversaçõescom pessoas que me conhecem muito bem e sabem me acompa-nhar no desvario.

A fase de bem estar nas crises corresponde, para mim, ao iní-cio do descontrole eufórico. Seria, como se diz, a fase pré-manía-ca. Quando o delírio se estabelece em plenitude, a vivência é ater-rorizante. O sofrimento é superlativo.

Cada delírio destes, de que relatei passagens, durou muitosdias, às vezes até duas ou três semanas, e cada minuto desses diasfoi um momento de pânico, de urgência, de situação emergencial,onde alguma ameaça fatal me assolava de forma acachapante. Omedo de vir a morrer numa explosão causada por um peido degases inflamáveis não é menor do que o de vir a ser esmagado poruma motoniveladora no canteiro de obras de uma estrada emconstrução. Nem a angústia é menor.

Diante das situações intensa e ininterruptamente vividas aolongo de vários dias e noites, aquilo que minha memória retémnão passa de fragmentos. De dezenas ou mesmo centenas de delí-rios não guardo a menor recordação. E de muitas das crises cujosfragmentos eu relatei, minha ex-mulher ou meus pais e irmãos tal-vez tenham melhor memória do que eu.

Por isso não sou um bom contador de delírios. O que delesme lembro e o que consigo transmitir numa narrativa nem delonge se assemelham à reconstituição das situações que vivi.

A única forma de saber o que é um delírio ou uma alucina-ção é passando pela própria experiência. Não desejo isso a nin-guém, e que ninguém pense que esta é uma experiência que valea pena. Não vale. O surrealismo vivido é a pior das realidadesexistentes.

Conheço pessoas, no entanto, que admiram minha vivência.Creio que imaginam que me enriqueci espiritual ou existencial-mente com ela. É ao contrário. Esse “enriquecimento” a que sereferem, algum tipo de crescimento, só se dá ao nível da expan-são da consciência, não com o contato patológico com o incons-ciente. Se algum crescimento a doença me trouxe, este é referen-te a ela mesma e se constitui no desenvolvimento da consciênciade minha fragilidade e no reforço de meu lado sadio para darconta de suportar e conviver com as crises, tentando não destruirminha vida a cada novo episódio delirante.

O contato com o sublime e com o tenebroso que existe noinconsciente é, de fato, uma fonte de crescimento e energia, etanto mais quando nos apropriamos conscientemente de seusconteúdos. Mas com limites. Qualquer um pode fazer isso inten-sa e proficuamente se souber curtir seus sonhos. O lado tenebro-so do inconsciente à solta na vida, dominando em delírio todas asações e sensações, é literalmente uma loucura. É patológico e emqualquer instante, sem mais aviso, pode levar à morte num atoqualquer desvairado durante uma crise. Por isso nenhum delírioé engraçado, a despeito das situações hilariantes que possa criar.

Quem quiser se aproximar da compreensão do que vem a serum delírio, tome contato profundo com os seus próprios sonhos.Principalmente com os pesadelos. Experimente imaginar o queviria a ser o seu pior pesadelo e imagine o que seria de você viven-do este pesadelo ininterruptamente durante duas ou três sema-nas, acordado, enquanto tenta continuar dando conta da suavida, trabalhando, cuidando dos filhos, se relacionando com aspessoas e com os fatos do mundo real. Misture as vicissitudes deseu cotidiano com o lado mais tenebroso de seu inconsciente edepois me diga que minha experiência ou a de qualquer outropsicótico é enriquecedora.

Verdade é que, em momentos meus de desalento e desespe-rança perante o mundo e as pessoas, eu às vezes já fantasiei queseria muito instrutivo para alguns experimentar uma crisezinhapsiquiátrica para largar mão de tanta onipotência ou de tantochorar de barriga cheia. Mas isso não passa de meus rancores. Naverdade, volto a dizer que não desejo a experiência a ninguém,nem mesmo a meus desafetos.

Quanto a meu próprio destino, acalanta-me a esperança deque Deus seja sábio. Talvez ele dê o frio conforme o cobertor.

Comentários deste e de outro auto-relato de delírios por OthonBastos no próximo número de CPP.

9 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9

Page 11: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Pilar Sierra San Miguel*Lorenzo Livianos Aldana**Luis Rojo Moreno**

Resumen

El síndrome de Kleine-Levin es un síndrome caracterizado por latriada clásica de hipersomnia periódica, trastornos de la alimentaciónen forma de megafagia y diversos síntomas neuropsiquiátricos. Setrata de un trastorno de difícil diagnóstico, que puede iniciarse consintomatología muy inespecífica. Hasta el momento, se han descritounos 100 casos. El presente artículo expone el caso de un hombrede 22 años inicialmente diagnosticado de trastorno de somatizacióny que finalmente lo fue de síndrome de Kleine-Levin, tras perfilarsela sintomalogía clásica de somnolencia excesiva, hiperfagia e hiperse-xualidad. En este trabajo, los autores exponen el cuadro clínico insis-tiendo en los tratamientos utilizados y resultados obtenidos.

Palabras-claves: Síndrome de Kleine-Levin; Hipersomno-lencia;Hiperfagia; Sexualidad

Satterley describió por primera vez en 1815 un caso con unperfil similar a lo que actualmente denominamos síndrome deKleine-Levin. Posteriormente, Dana (1884), Anfimot (1898),Kleine (1925)1 y Levin2 (1929) aportaron casos con una sintoma-tología coincidente. El término de “síndrome de Kleine-Levin”, sedebe a Critchley y Hoffmann3,4 quienes lo propusieron en 1942.

Aparece de forma más frecuente en varones, en la últimaetapa de la adolescencia y a partir de la segunda década de la vida,posteriormente se observa una disminución gradual tanto en lafrecuencia como en la duración de los episodios.5 También exis-ten casos descritos con una clínica muy similar en mujeres, enrelación con el periodo menstrual pudiendo ejercer un impor-tante papel etiopatogénico la progesterona.6

En cuanto a la hipersomnia, puede instaurarse de formabrusca o gradualmente, tiene un carácter recurrente y unaduración variable, desde un día hasta seis semanas como casoextremo.7

Billiar,8 uno de los autores que más ha publicado en torno aeste tema, escogió el término “sobrealimentación”, a la hora dedescribir los trastornos alimentarios, ya que incluyen megafagia,

polifagia e hiperfagia. Orlosky9 en una revisión de 33 casos,encontró como alteración más frecuente la confusión (73%), irri-tabilidad (58%), amnesia (39%), ilusiones (30%), letargia (24%),depresión (21%) y desinhibición sexual (18%).10

La diversidad etiológica es notable. Por una parte, se ha pos-tulado un trastorno funcional del sistema mesencéfalo-hipotála-mo-límbico, al encontrar diferentes altera-ciones hormonaleshipotálamo-hipofisarias y de neurotransmisores. Ademas, confrecuencia existen antecedentes de infecciones víricas o gripaleslos días previos al primer episodio, encontrando infiltrados delinfocitos que evocarían una encefalitis viral localizada.11 Inclusose han descrito casos en los que los síntomas aparecieron des-pues de experiencias psicológicas estresantes o traumatismoscraneoencefálicos.12 Por otra parte, anomalías neuroendocrino-lógicas comunes podrían explicar la coexistencia entre el síndro-me de Kleine-Levin y la enfermedad de Parkinson en algunospacientes.13

Caso clínico

Paciente varón de 22 años que acude al Centro de SaludMental, derivado por su médico de familia refiriendo somnolen-cia excesiva y estado de ánimo depresivo.

Embarazo, parto y desarrollo psico-motor normal. Sinantecedentes médicos, ni psiquiátricos propios o familiares. Encuanto a su biografía, segundo de tres hermanos, soltero, convivecon sus padres. Obtuvo el Graduado Escolar y actualmente tra-baja como taxista. Personalidad dependiente con tendencia a laintroversión y retraimiento social.

En el momento de la primera consulta, se mostraba empáti-co y con conciencia de enfermedad. Según relataba, la enfer-medad actual se había iniciado hacía dos años. En un principio,definía unos síntomas vagos consistentes en “sensación demareo”, inestabilidad y parestesias en zona frontal y temporalderecha, de presentación matutina. La inespecificidad de estossíntomas, motivó un diagnóstico inicial de trastorno de somati-zación. Progresivamente el cuadro se fue agravando, llegando ainterferir notablemente en su vida diaria, especialmente en elplano laboral, dada la imposibilidad de acudir a su trabajo comotaxista en los turnos matutinos. El paciente refería episodios dehipersomnia matutina, despertándose solo mediante estímulosintensos, con amnesia posterior y sensación de extrañeza. La

Artigos OriginaisSÍNDROME DE KLEINE-LEVIN: CONSIDERACIONES DIAGNÓSTICAS YTERAPÉUTICASKLEINE-LEVIN SYNDROME: DIAGNOSTIC AND THERAPEUTIC CONSIDERATIONS

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12 10

* Médico Interno Residente de Psiquiatría, Hospital La Fe.** Prof. Titular de Psiquiatría, Universidad de Valencia y HospitalLa Fe.

Endereço para correspondência:Lorenzo Livianos AldanaDpto. Medicina, U.D. PsiquiatríaAvd. Blasco Ibañez, 17E-46010 ValenciaEspaña

Page 12: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y terapéuticas

evolución seguía un curso cíclico, pero sin relación con el perio-do estacional.

Al mismo tiempo, presentaba aumento del apetito con acce-sos compulsivos de hiperfagia, aumento de la líbido e hipersexu-alidad (traducidos en episodios de masturbación muy frecuentes)

Según sus familiares, las fases en las que se reagudizaba laclínica se acompañaban de sintomatología afectiva, consistente enánimo triste, pobre control emocional y apatía. En ningúnmomento se evidenciaron alteraciones psicopatológicas de otraíndole.

Exploraciones complementarias:• hemograma y bioquímica sin hallazgos patológicos;• función tiroidea dentro de valores normales;• electroencefalograma anodino;• registro poligráfico del sueño: Ha sido imposible su real-

ización por la dificultad del paciente en acudir al hospital enlos horarios previstos.

Tratamiento

Ante la inespecificidad inicial del cuadro, instauramos trata-miento con antidepresivos inhibidores de la recaptación de sero-tonina, junto con sulpiride. Posteriormente, añadimos un antide-presivo dopaminérgico con marcado efecto estimulante como elamineptino. En ambos casos, no obtuvimos respuesta positiva.

Una vez perfilado el diagnóstico, utilizamos carbonato delitio hasta llegar a niveles terapeúticos. Sin embargo, pese a con-siderarse el tratamiento de primera elección en la actualidad, ennuestro caso seguimos sin obtener el efecto previsto.Posteriormente, añadimos un psicoestimulante como el metil-fenidato, los resultados fueron esperanzadores en un principio,mejorando el conjunto de la sintomatología de forma global y másespecíficamente la somnolencia matutina y la hiperfagia. Noobstante, tras un periodo de cuatro meses, la clínica se reinstaurócon las mismas características del principio. Por último, se añadióreboxetina a dosis de 4 mg al día, logrando una sustancial mejoríadel cuadro clínico con una notable disminución del número deepisodios hipersomnes, si bien no se ha logrado el blanqueo abso-luto. Por medio de los registros diarios que lleva a cabo elpaciente, observamos que la frecuencia de los episodios se hareducido a un 10% de la original, no así la intensidad que per-manece inalterable. Esta mejoría se mantiene desde hace unosseis meses, lo que permite abrigar unas ciertas esperanzas.

Discursión

El diagnóstico del síndrome de Kleine-Levin puede verseoscurecido debido a la presencia de cambios comportamentales ypsicológicos.14 Con gran frecuencia, dada la gran variedad dealteraciones neuropsiquiátricas posibles, los pacientes consultanpor sintomatología afectiva, letargia, amnesia e incluso por tras-tornos psicóticos. Consecuentemente, los diagnósticos inicialespueden ser trastorno de somatización, depresión, histeria, esqui-zofrenia15… lo que nos puede conducir a un tratamiento inade-cuado. Ademas no debemos olvidar, que antecedentes de infec-ciones respiratorias de vías altas, encefalitis, accidentes cerebro-

vasculares, traumatismos craneoencefálicos, tumores de afecta-ción supraselar,16 síndromes de apnea-sueño, fármacos sedantes oanticomiciales, pueden estar presentes. Es decir, la etiología mul-tifactorial puede retrasar un diagnóstico certero.

Por lo que respecta al tratamiento, Hart17,18 en 1985 desta-có el papel del carbonato de litio debido a su acción sobre elmetabolismo de la serotonina, que se encuentra aumentada en ellíquido cefalorraquídeo de estos pacientes, con una renovaciónaumentada, al igual que la dopamina. Desde entonces, numero-sos autores hecho notar su efecto beneficioso,19 de modo que enla actualidad, el litio se considera la mejor opción terapeúticapudiendo resultar efectivo en la fase aguda y especialmente en la prevención de recaídas. Las dosis recomendadas son de 800 mg/d, hasta llegar a litemias estables de 0,4 mEq/l. Tras un periodo asintomático no concreto y con la normalización enel estudio polisomnográfico, la medicación puede ser retiradapara evitar efectos secundarios, aunque con frecuencia se ha dereinstaurar.

Se ha defencido el uso de eutimizantes del tipo de la carba-macepina20 o el ácido valpróico. Otra posibilidad terapeútica laconstituyen los psicoestimulantes del tipo de la efedrina, anfeta-minas o metilfenidato, que actúan sobre la hipersomnolencia,pero no sobre el resto de la sintomatología y que en ocasionespueden servir para prevenir la recurrencia.

Pese a que el acento se ha marcado, como hemos visto, en laparticipación de la serotonina y dopamina, los fármacos activosen estos sistemas no lograron efecto alguno en nuestro paciente.La respuesta ha aparecido única y exclusivamente con psicofár-macos activos en la vía noradrenérgica. Así pues, conviene consi-derar esta vía como una alternativa terapeútica.

Summary

Kleine-Levin’s syndrome is characterised by the classic triad of peri-odic hypersomnia, hyperphagia and hypersexuality along with otherneuropsychiatric symptoms. The diagnosis is often difficult as it canbegin with very vague simptomatology. About a hundred cases havebeen described worldwide.The present work exposes the case of a22 year-old man initially diagnosed of somatization dysfunction and,after the classic triad of excessive drowsiness, hyperphagia andhypersexuality has been profiled, finally received the diagnose ofKleine-Levin syndrome. In this work, the authors expose the clinicalpicture stressing the treatments used and the results obtained.

Key-words: Kleine-Levin Syndrome; Hypersomnia; Hyperphagia;Sex Behavior

Bibliografía

1. Kleine W. Periodisch Schlafsucht. Monatsschur PsychiatryNeurol 1925; 57:285-320.

2. Levin M. Periodic somnolence and morbid hunger: a newsyndrome. Brain 1936; 59:494-504.

11 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12

Page 13: Casos Clinicos Em Psiquiatria

3. Critchley M, Hoffmann HL. The syndrome of periodic som-nolence and morbid hunger, Kleine-Levin syndrome. BMJ1942; 1:137-139.

4. Critchley M. Periodic hypersomnia and megaphagia in ado-lescent males. Brain 1962; 85:627-656.

5. Talbot JA, Hales R. Tratado de Psiquiatría Segunda Edición.Ed Ancora, 1996.

6. Billiard M, Guilleminault, Dement. A menstruation-linkedperiodic hypersomnia Kleine-Levin syndrome or new clinicalentity? Neurology 1975; 25:436-443.

7. Espinar J, Vela A. Las hipersomnias recurrentes: propuestade clasificación. Psiquis 1987; 8(5):184-193.

8. Billiard M. The Kleine-Levin Syndrome. Sleep 1980. 5th Eur.Congr. Sleep Res. Amsterdam 1980:133-137.

9. Orlosky MJ. The Kleine-Levin Syndrome: A review.Psychosomatics 1982; 23:609-621.

10. De Burgos R, Cañadillas F. Síndrome de Kleine-Levin:revisión a propósito de un caso. Psiquiatría Biológica 1997;4:127-129.

11. Doyle L. A case of fever, attended with inordinate appetite. JR Coll Physicians Lond 1994; 28:172-173.

12. Will R, Young J. Kleine-Levin syndrome: report of two caseswith onset of symptoms precipitated by head trauma. B JPsychiatry 1988; 152:410-412.

13. Muller T, Kuhn W, Bornke C, Bullner T, Przuntek H. Kleine-Levin syndrome and Parkinsonian symtoms. A case report. JNeurol Sci 1998; 157:214-216.

14. Mukaddes NM, Alyanak B, Kora ME, Polvan O. The psy-chiatric symptomatology in Kleine-Levin syndrome. ChildPsychiatry Human Development 1999; 29:253-258.

15. Bonnet F. Kleine-Levin syndrome misdiagnosed as schizo-phrenia. European Psychiatry 1996; 11:104-105.

16. Jungheim K, Badenhoop K, Ottmann OG, Usadel KH.Kleine-Levin and Munchausen in a patient with recurrentacromegaly 1999; 40:140-142.

17. Hart EJ. Kleine-Levin syndrome: normal CSF monoaminesand response to lithium therapy. Neurology 1985; 35:1395-1396.

18. Marcos A, Espinar J. Síndrome de Kleine-Levin. Presentaciónde tres casos y revisión de los aspectos etiopatogénicos, clíni-cos y terapéuticos. Arch Neurol 1993; 56:333-339.

19. Billiard M. Lithium carbonate: effects on sleep patterns ofnormal and depressed subjects and its use in sleep wakepathology. Pharmacopsychiatry 1987; 20:195-196.

20. Mukaddes NM. Carbamazepine for Kleine-Levin syndrome.J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1999; 38:791-792.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12 12

resumobula

Efexor

Page 14: Casos Clinicos Em Psiquiatria

13 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17

Guilherme Assumpção Dias

Resumo

A discinesia tardia é uma complicação do uso de antipsicóticos queainda desafia os especialistas. É apresentado, após breve introduçãoao tema, o caso de um paciente de 42 anos, sexo masculino, quedepois de oito anos de uso de antipsicóticos desenvolveu formagrave de discinesia tardia com predomínio de sintomatologia distô-nica. Analisa-se a conduta terapêutica adotada e as diretrizes atuaispara o tratamento da discinesia tardia, bem como as principaishipóteses fisiopatológicas.

Palavras-chaves: Discinesia Tardia; Distonia Tardia; Patologia,Terapêutica; Agentes Antipsicóticos

A discinesia tardia (DT) é um efeito colateral decorrente douso prolongado de drogas bloqueadoras de receptores dopami-nérgicos centrais, como os antipsicóticos e a metoclopramida. Asíndrome caracteriza-se por movimentos repetitivos, involuntá-rios, hipercinéticos, mais comumente afetando a região orofacial,manifestos como protusão da língua, movimento de beijar, masti-gar, franzir. Esses movimentos são usualmente denominados decoreiformes na psiquiatria1 e de estereotipias na neurologia.2

Além de movimentos propriamente coréicos e de estereotipias,são descritos distonia, acatisia, mioclonias, tremores e tics.Embora freqüentemente coexistam, vários autores separam a DTem subformas correspondentes a esses movimentos, avaliandopara cada uma delas os fatores de risco, a epidemiologia e a res-posta a tratamentos. O termo geral discinesia tardia pode sersubstituído pelos termos estereotipia tardia, distonia tardia,coréia tardia, etc. Conforme os critérios diagnósticos do DSM-IV,é necessário que os sinais e os sintomas se desenvolvam dentro dequatro semanas após a abstinência de um neuroléptico oral (oitosemanas no caso de medicações de depósito) e que haja um perío-do de exposição ao medicamento de pelo menos três meses (ummês se o indivíduo tem 60 anos ou mais).3

Na população psiquiátrica que usa antipsicóticos típicos, aprevalência média gira em torno de 15% a 25% para a DT clás-sica; 1,5% a 13,4% para a distonia tardia. A acatisia tardia4 pos-sui a maior prevalência, de até 48%.1 Em idosos, a prevalência

pode chegar a 50%.3 Em geral, a DT instala-se lentamente, seucurso é bastante variado e freqüentemente estabiliza-se ao longodos anos. Pode, em alguns casos, melhorar gradualmente, mesmocom o uso continuado de antipsicóticos.5 Quando o antipsicóticoé descontinuado, estima-se que 5% a 40% dos casos em geral, e50% a 90% dos casos leves, regridam, 30% deles em três mesese mais de 50% em 12 a 18 meses.3

Devido à presença de sintomas semelhantes em populaçõesesquizofrênicas não tratadas,6 e muitas vezes com taxa de inci-dência semelhante à dos pacientes que receberam antipsicóticos,alguns autores sugerem que a DT possa ser mais um sintoma tar-dio da esquizofrenia ao invés de um efeito de drogas.7 Essas dis-cinesias espontâneas, na verdade, assim como outros distúrbiosde movimento, constituem importante diagnóstico diferencial daDT. Discinesias orais leves, por exemplo, podem ser observadasem idosos com próteses dentárias mal fixadas, que nunca recebe-ram antipsicóticos.5 O DSM-IV cita como principais diagnósticosdiferenciais as seguintes condições: doença de Huntington, doen-ça de Wilson, coréia de Sydenham, lupus eritematoso sistêmico,tireotoxicose, envenenamento por metais pesados, próteses den-tárias mal fixadas, discinesias devidas a outros medicamentos, taiscomo L-dopa, bromocriptina ou amantadina, discinesias espontâ-neas e outros transtornos de movimento induzidos por neurolép-ticos (p.ex. distonia aguda e acatisia aguda).3

São fatores de risco para DT: a idade,8 o sexo feminino quan-do acima de 65 anos,9 fatores genéticos possivelmente ligados aometabolismo de drogas,1 o uso de álcool, de drogas ilícitas e defumo,10 o diabetes mellitus,11 os transtornos de humor,12 os trans-tornos mentais orgânicos, a presença de alterações neurológicasou estruturais13 e, dentre os quadros esquizofrênicos, aquelescom predomínio de sintomas negativos.14 O risco aumenta com aduração e gravidade da doença1 e com a dose acumulada deantipsicóticos,15 embora faltem mais dados empíricos elucidati-vos.9 A presença de sintomas extrapiramidais agudos é forte fatorpreditor de risco.9 O tratamento intermitente parece aumentar orisco de DT.9 O emprego de eletroconvulsoterapia não predispõeà DT, ao contrário do que alguns estudos da década de 60 indi-cam.1 Embora alguns autores tenham sugerido um papel para osanticolinérgicos como fator de risco para DT, a maioria dos estu-dos encontrou ausência de relação causal.1 Ghandirian et al(1996) mostraram que o uso de lítio com antipsicóticos aumentao risco de DT.13

DISCINESIA TARDIA COM PREDOMÍNIO DE DISTONIATARDIVE DYSKINESIA WITH PREDOMINANT DYSTONIA

Residente do segundo ano da Residência de Psiquiatria do HC-UFMG

Endereço para correspondência:Residência de PsiquiatriaHospital das Clínicas - UFMGAv. Prof. Alfredo Balena, 11030130-100 - Belo Horizonte - MG

Page 15: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17 14

Caso Clínico

Identificação

P.P.M., sexo masculino, 42 anos, leucoderma, solteiro, natu-ral e procedente da grande Belo Horizonte, MG. Reside com amãe. Há 10 anos afastado do trabalho (trabalhava com pintura deequipamentos).

História da Moléstia Atual

O paciente foi atendido pela primeira vez no AmbulatórioBias Fortes do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG) em14/06/99, onde chegou acompanhado do irmão, com a queixaprincipal de “agitação”.

Referia-se a uma série de movimentos involuntários queapresentava na cabeça, no tronco e nos membros, e que já sabiaserem decorrentes do uso prévio de certos medicamentos. Taismovimentos se iniciaram há sete meses e eram generalizados econtínuos, embora de intensidade variável, apresentando dimi-nuição com o decúbito. Interferiam com o sono e com a habilida-de para execução de tarefas corriqueiras, posto que predomina-vam no membro superior dominante (direito). Produziam grandesofrimento, além de cansaço físico, pois lhe consumiam muitaenergia.

Na época estava em uso de olanzapina (5 mg/d), clonazepam(2 mg à noite), flurazepam (30 mg à noite), biperideno (4 mg/d),prometazina e vitamina E (800 mg/d). A olanzapina fora introdu-zida há quatro meses, sem melhora do quadro.

Sua história psiquiátrica se iniciou em 1990. Segundo oirmão, começou a apresentar tendência ao isolamento, dificulda-de para dormir e absenteísmo ao emprego. Sempre fora trabalha-dor, responsável e tinha bom relacionamento, tanto em casaquanto no trabalho, apesar de mais reservado. Na época, foi lheprescrito bromazepam para dormir. Em pouco tempo (algumassemanas), passou a “cismar” com as pessoas. Dizia que colegas detrabalho o estavam perseguindo, “pegando no seu pé”, “zomban-do” dele. Tinha medo de que os próprios familiares estivessemcolocando veneno em sua comida. Ouvia vozes que identificavacomo de vizinhos ou de familiares, as quais “falavam mal” dele.Era comum baixar a cabeça, angustiado, tampando os ouvidoscom as mãos. Mostrava-se extremamente incomodado com sonsexternos. Tornou-se recluso, relapso com cuidados pessoais, nãose barbeava. Comia apenas arroz puro. De 1990 a 1997 fez con-trole ambulatorial, com o diagnóstico de esquizofrenia paranóide,apresentando períodos de exacerbação dos sintomas psicóticos(duas vezes por ano, em média) e períodos de melhora, nos quaischamava a atenção dos familiares sua falta de iniciativa e hipoati-vidade (conseguia ter cuidados básicos de higiene, apresentavaboa interação com familiares, mas passava a maior parte do diaocioso). Em nenhum momento conseguiu retornar ao trabalho.Nunca foi internado em hospitais psiquiátricos, pois possui bomsuporte familiar e em suas crises não se tornava fisicamente agres-sivo. Seu último surto psicótico ocorreu em 1997. Desde entãoseu quadro psiquiátrico se encontra bem controlado.

No período de 1990 a 1997 fez uso de diversas medicaçõespsiquiátricas, conforme pôde ser observado em receitas antigastrazidas à consulta:

• antipsicóticos: 1990 tioridazina, depois haloperidol(5 mg/d); 1991 haloperidol + clorpromazina (50 a100 mg/d); 1992 propericiazina (10 gotas/d), pimozida; 1993propericiazina (10 gotas/d), depois trifluoperazina (5 mg/d);1994 trifluorperazina (5 mg) + flufenazina IM, depois halope-ridol (10 mg/d); 1995 tioridazina, depois risperidona (3 mg/d); 1996-1997 risperidona (3 mg/d), haloperidol;

• antidepressivos: 1990 fluoxetina (20 mg/d); 1991 amineptina,clormipramina (150 mg/d); 1992 nortriptilina, clormipramina(150 mg/d); 1993 maprotilina, moclobemida (300 mg/d),clormipramina, imipramina; 1994-95 imipramina (150 mg/d);

• benzodiazepínicos: 1990 bromazepam; 1991 diazepam; 1992-1993 nitrazepam; 1994-1999 flurazepam;

• estabilizadores do humor: 1992-94 carbonato de lítio (900 mg/d);

• anticolinérgico: 1990-99 biperideno.

História Pregressa

Nega outras doenças ou cirurgias prévias.

História Familiar

Negativa para doenças psiquiátricas. Pai falecido com silico-se pulmonar. Irmão coronariopata.

Exame Psíquico

Paciente cooperativo, higienizado, bem vestido. Usava suablusa aberta até a metade devido a intensa transpiração. Bomcontato interpessoal. Apresentava postura distônica acentuada detronco, pescoço e membros superiores e movimentos involuntá-rios coreiformes de membros superiores.

Consciência clara. Orientado no tempo, no espaço e autopsi-quicamente. Normovigil, normotenaz. Sem alteração da cons-ciência do eu. Memória preservada. Pensamento de curso nor-mal, organizado. Sem alteração do juízo de realidade. Sem altera-ção da sensopercepção. Sem alteração do humor. Afeto síntone.Angustiado com seus movimentos anormais. Hipobúlico.Inteligência normal.

Hipóteses Diagnósticas

Esquizofrenia paranóide – remissão incompleta, CID10 –F20.04.

Discinesia tardia, com predomínio de distonia (distonia tar-dia), CID10 – G24.8.

Conduta

Avaliação conjunta com ambulatório de movimentos anor-mais da neurologia (HC-UFMG), o que se realizou no dia seguin-

Page 16: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Discinesia tardia com predomínio de distonia

15 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17

te (15/06/99), sendo adotadas, em comum acordo, as seguintesestratégias:• suspensão da olanzapina;• introdução de clozapina (dose inicial de 12,5 mg, duas vezes

ao dia);• introdução de reserpina (dose inicial de 0,25 mg/d);• aumento do biperideno para 6 mg/d;• redução lenta e progressiva do flurazepam;• manutenção do clonazepam 2 mg/d e vitamina E

400 mg duas vezes/dia.Escala Fahn-Marsden de Avaliação de Distonia (Burke et al,

1985)16 – 15/06/99:• I - escala de movimento (pontuação total de 0 a 120): olhos

(0), boca (6), fala/deglutição (3), pescoço (6), MSD (12), MSE(8), tronco (8), MID (0), MIE (0), total (43);

• II – escala de incapacidade (pontuação total de 0 a 28): fala(2), escrita (2), alimentação (1), engolir (0), higiene (1), vestir-se (1), andar (1), total (8).

Retornos

• 24/06/99: hemograma de base sem alterações.• 02/07/99: iniciada clozapina. • 12/07/99: fazendo uso diário de 50 mg clozapina, 1 mg de

reserpina, 6 mg de biperideno, 2 mg de clonazepam, 15 mg deflurazepam, 800 mg de vitamina E. Relata certa redução dosmovimentos anormais (de 20% em sua avaliação subjetiva).Queixa desânimo e “corpo ruim” desde o início do uso dareserpina. Ao exame observa-se certa diminuição dos movi-mentos coreiformes, mantendo-se postura distônica.Conduta: suspensão gradual da reserpina, aumento gradualda clozapina. Restante mantido. Leucograma semanal.

• 05/08/99: em uso de 75 mg/d de clozapina.• 19/08/99: em uso de 150 mg/d de clozapina. Relata desâni-

mo, apatia.• 24/08/99: escala de Fahn-Marsden sem qualquer alteração

com relação à primeira consulta.• 06/09/99: clozapina aumentada para 200 mg/d, divididos em

duas tomadas diárias.• 04/11/99: não houve melhora substancial após o aumento

para 200 mg/d. Sem sintomas psicóticos positivos. Boa intera-ção com familiares. Angustiado com a movimentação.Hipobúlico, hipoativo. Sono preservado. Ao exame: posturadistônica, poucos movimentos coreiformes. Conduta: dosemantida. Suspenso flurazepam.

• 04/01/00: escala de Fahn-Marsden, subescala de movimento41. Aumentado clonazepam para 4 mg/d.

• 03/02/00 e 02/03/00: quadro mantido.• 03/04/00: relata melhora da movimentação não superior a

20% a 30%, com relação ao início do uso da clozapina. Passagrande parte do dia deitado, corpo cansado. Prescrito aumen-to de dose para 250 mg/d e, após uma semana, 300 mg/d (100mg às 8:00 + 200 mg às 20:00).

• 11/04/00: escala de Fahn-Marsden 37/8.• 02/05/00: houve redução da movimentação em decúbito.

• 02/06/00: seu irmão tem observado melhora lenta mas pro-gressiva desde o início do tratamento.

Discussão

O paciente apresenta quadro grave de DT, manifesto pormovimentos distônicos e coreiformes, mas com predomínio dosprimeiros, podendo, assim, ser denominado distonia tardia. Estacaracterização traz implicações terapêuticas e prognósticas, con-forme se evidenciará adiante.

Do ponto de vista terminológico, notamos a tendência empsiquiatria de designar-se movimentos neurológicos estereotipa-dos de “coreiformes”. Estereotipia:

“is an involuntary, patterned, repetitive, continuous, coordi-nated, purposeless, or ritualistic movement, posture, or utte-rance. Stereotypy may be simple, as exemplified by a repeti-tive tongue protusion or body-rocking movements, or com-plex, such as self-caressing, crossing and uncrossing of legs,marching in place, and pacing... Chorea consists of conti-nuous, abrupt, brief, irregular movement that flow ran-domly from one body part to another”.2

A estereotipia tardia seria o tipo mais comum – 78% – dediscinesia tardia na clínica de movimentos anormais do HC-UFMG, seguida de distonia, acatisia, tremor, coréia – apenas 3%com base na definição acima – e mioclonos tardios.2 Parece queno caso da discinesia tardia os psiquiatras preferem o termo“coreiforme” em vez de estereotipia devido a sua conotação niti-damente neurológica, enquanto que estereotipia nos remete aquadros endógenos ou funcionais e a descrições clássicas comoestereotipias posturais, estereotipias do movimento ou maneiris-mo, além da estereotipia da fala (verbigeração), peculiares à cata-tonia. No caso do nosso paciente, predomina a distonia:

“sustained and patterned contractions of muscles producingabnormal postures or repetitive twisting (eg, torticollis) orsqueezing (eg, blepharospasm) movements”.2

Durante um período de oito anos, P. fez uso de vários tiposde antipsicóticos típicos, antes de desenvolver DT – haloperidol,tioridazina, propericiazina, clorpromazina, trifluoperazina, pimo-zida, flufenazina – além da risperidona. Apresentou, segundoseus relatos, parkinsonismo farmacológico com o uso de halope-ridol, trifluoperazina e risperidona. Até onde se pôde observarpelas receitas trazidas, este efeito ocorreu com apenas 3 mg/d derisperidona, o que indicaria uma maior susceptibilidade indivi-dual a sintomas extrapiramidais e, portanto, maior risco paraDT.9 Desenvolveu acatisia com pimozida. Também fez uso asso-ciado de carbonato de lítio durante alguns meses, o que é consi-derado fator de risco para DT.13

P. foi diagnosticado como portador de esquizofrenia paranói-de. Alguns dados, no entanto, podem sugerir um componente defundo afetivo, como a presença freqüente de sintomas depressi-vos associados a retraimento social; o uso freqüente de antide-pressivos variados e de lítio; a certa ciclicidade de períodos deexacerbação e remissão de seus sintomas psicóticos; a grande pre-servação da personalidade e da afetividade; e a ausência atual de

Page 17: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17 16

sintomas psicóticos. Não apresentou sintomas de exaltação dohumor, aceleração do pensamento, aumento da fluência do dis-curso ou realização excessiva de atividades. Este possível compo-nente afetivo poderia influenciar, por um lado, na evoluçãomenos deteriorante de sua esquizofrenia e, por outro, numamaior susceptibilidade para o desenvolvimento de DT.12 Durantediscussão do caso em apresentação clínica na Residência dePsiquiatria do HC-UFMG, aventou-se a hipótese de acometi-mento orgânico, por solvente ou metal pesado, decorrente de suaatividade como pintor, o que também o predisporia à DT. Aausência de história familiar para transtornos mentais e seu qua-dro clínico até certo ponto incaracterístico falam a favor de talacometimento. Esta hipótese está sendo avaliada (dados signi-ficativos, se existentes, serão comunicados nessa revista na seção“Seguimento”).

Uma das estratégias para o manejo da DT grave é a substitui-ção dos neurolépticos típicos por um atípico diferente da cloza-pina num primeiro momento e, posteriormente, em caso de res-posta insatisfatória, pela própria clozapina.9 Optou-se por substi-tuir a olanzapina pela clozapina.

Estudos têm mostrado que o desbalanço das vias dopaminér-gicas estriatais está relacionado à gênese da DT. Os neurôniosgabaérgicos estriatais de projeção se distribuem em duas vias. Navia direta, que desinibe o tálamo quando estimulada, predomi-nam os receptores D1, enquanto na via indireta, que inibe o tála-mo, predomina o tipo D2. Os movimentos discinéticos se dariampela predominância da supersensibilidade de D1.9 Drogas comoa clozapina, que bloqueiam de modo balanceado receptores D1 eD2, teriam menor propensão para causar DT. Outra vantagemfarmacodinâmica da clozapina seria o bloqueio de heterorrecep-tores pré-sinápticos 5-HT2 em neurônios dopaminérgicosnigrais, o que aumenta a liberação de dopamina na fenda sinápti-ca por desinibição.17

Jeste e Wyatt (1982), revisando oito estudos publicados comclozapina, encontraram melhora estatisticamente significativa em51% dos pacientes.18 Tem sido considerada melhora significativaa redução de pelo menos 50% na intensidade dos movimentosinvoluntários, medido por escalas apropriadas. Esta consideraçãoé imprescindível posto que pode haver flutuação espontânea daintensidade dos sintomas de até 30% ao longo do tempo.18 Emestudo duplo-cego mais recente (1994), Tamminga et al encontra-ram melhora significativa em comparação com grupo-controle.9

As taxas de melhora com placebo podem alcançar 37,3% dospacientes.19 Quando possível a diminuição ou retirada do antip-sicótico verifica-se fase inicial de exacerbação da sintomatologia,após a qual foram encontradas taxas de melhora de 37%18 e55%20 dos casos. Por outro lado, com o aumento da dose doantipsicótico típico, encontrou-se melhora inicial em 66,9%18 e44%20 dos pacientes, com o risco de agravamento subseqüentedo quadro por aumento adicional da população de receptoresdopaminérgicos.

As terapêuticas coadjuvantes instituídas no presente casoforam a reserpina, a vitamina E, o clonazepam e o biperideno. Areserpina foi posteriormente suspensa em função de efeitos cola-terais, descritos por P. como desânimo, apatia, sensação de“corpo ruim”. A partir da hipótese da supersensibilidade dopa-minérgica, os depletores de dopamina passaram a ser avaliadosno tratamento da DT. Jeste e Wyatt, em revisão de 1982, observa-

ram melhora em 64% dos pacientes com a reserpina, 68% com atetrabenazina, 55% com a metildopa e 59% com a oxpertina.18

Em estudo de 1992 da American Psychiatric Association encon-trou-se menos de 40% de melhora.1

Evidências têm apontado efeito neurotóxico dos antipsicóti-cos, que, através de vários mecanismos, podem levar a aumentode radicais livres, o que estaria associado ao risco para DT. A vita-mina E tem sido recomendada, pois, além de seu efeito antioxi-dante, poderia reduzir a supersensibilidade de D221 ou alterar ometabolismo de monoaminas.9 É geralmente segura e produzpoucos efeitos colaterais.9 Não há nos pacientes com DT níveisséricos baixos de vitamina E.22 As taxas de melhora em estudoscontrolados variaram de 18,5% a 43% dos pacientes, sendo maisefetiva em casos com menos de cinco anos de evolução e com oemprego da dose de 1.600 mg/d, por um período de pelo menosoito semanas.9 É uma promessa também na profilaxia da DT.23

O GABA é o neurotransmissor mais encontrado nos núcleosda base e tem íntimas relações com os sistemas dopaminérgicos.Foram encontradas evidências de diminuição da atividade dasvias gabaérgicas estriatais na DT. Em 19 estudos com benzodia-zepínicos e valproato, encontrou-se melhora em 54% dos pacien-tes.18 Em 1988, outra revisão mostrou melhora em 35% e altastaxas de tolerância farmacológica.20 Soares, em metanálise, nãoencontrou utilidade para benzodiazepínicos e achou muitos efei-tos colaterais com os demais agonistas.19 Sintomas distônicospodem responder mais ao clonazepam do que movimentoscoreoatetóicos.24

O biperideno foi utilizado por estar indicado nos casos dedistonia tardia. Nas demais formas de DT os anticolinérgicos ten-dem a piorar o quadro, pois o bloqueio colinérgico nos núcleosda base aumenta a liberação de dopamina.1,9

Para o manejo de casos com predomínio de distonia, Egan etal propuseram como seqüência a adição de anticolinérgicos, vita-mina E e clonazepam ao antipsicótico em uso, seguida de mudan-ça para antipsicótico de nova geração e, depois, para clozapina seo tratamento não for efetivo.9 Os próximos passos seriam blo-queadores de canal de cálcio e depletores de dopamina. Comomedidas finais, sugerem o uso da toxina botulínica (para casosmais localizados) ou o aumento da dose de antipsicótico típicoaté se obter a supressão dos sintomas, seguido de redução bemgradual.9 Os bloqueadores de cálcio parecem mais efetivos emdoses altas e principalmente para idosos com quadros graves.25

Apesar de esses movimentos involuntários ainda serem fontede grande angústia para o paciente, seu irmão e sua mãe têmobservado melhora lenta, mas progressiva, proporcionando dife-rença significativa em relação a seu estado pré-tratamento. P. temdormido melhor, pois sua movimentação diminuiu consideravel-mente com o decúbito, tem conseguido pegar ônibus e ir às con-sultas sozinho e mostra grau ligeiramente maior de independên-cia em tarefas diárias. Seu irmão relata, por exemplo, que P. sem-pre deixava seus óculos quebrarem ao caírem no chão, o que nãotem acontecido mais. Quanto à pontuação na escala de Fahn-Marsden, de junho/99 a abril/00, houve redução de 43 para 37 nasubescala de movimento e persistência dos valores na subescalade incapacidade.

A resposta à terapêutica instituída tem sido, de qualquerforma, ainda insatisfatória. Esta constatação encontra suporte naliteratura, posto que o processo de remissão é lento, podendo

Page 18: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Discinesia tardia com predomínio de distonia

17 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17

demorar até três anos1 e não atinge todos os pacientes. Alémdisto, os casos de distonia parecem ter menor taxa de remissão,com ou sem a retirada do antipsicótico.26 Deveremos divulgar aevolução do quadro clínico nas próximas edições dessa revista.

A falta de tratamento comprovadamente efetivo para a DT ea sua origem essencialmente iatrogênica reforçam a importânciada sua prevenção, através do uso criterioso de antipsicóticos e doemprego das menores doses necessárias. Os antipsicóticos denova geração despontam como grande promessa para se diminuira incidência desta complicação.12,27

Summary

Tardive dyskinesia is a complication due to the use of antipsychoticsand still represents a challenge to specialists. After a brief introduc-tion to the theme, the author relates a case of a 42 year old malepatient presenting a severe form of tardive dyskinesia with predomi-nant dystonic symptomatology acquired eight years after the use ofantipsychotics. A discussion about the treatment of this patient andthe current guidance for treatment of tardive dyskinesia is devel-oped, as well as about itts physiopathologic bases.

Key-words: Tardive, Dyskinesia; Tardive Dystonia; Pathology;Therapeutics; Antipsychotics Agents

Agradecimentos

O autor e CCP agradecem ao Prof. Dr. Francisco Cardoso,Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Neurologia da FM-UFMG, pela contribuição na revisão do artigo.

Referências Bibliográficas

1. Bassit DP, Louzã Neto MR. eds. Discinesia tardia. São Paulo:Casa do Psicólogo, 1999.

2. Stacy M, Cardoso F, Jankovic J. Tardive stereotypy and othermovement disorders in tardive dyskinesias. Neurology 1993;43:937-941.

3. American Psychiatric Association. eds. Diagnostic and statis-tical manual of mental disorders. 4th ed. Washington DC:American Psychiatric Association, 1994.

4. Dech H, Daker MV. Acatisia: enfoque clínico-descritivo eaprofundamento diagnóstico. J Bras Psiquiatria 1996;45(12):685-688.

5. Kaplan HI, Sadock BJ. eds. Comprehensive textbook ofpsychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1995.

6. Krapelin E. A dementia praecox. Tradução de Daker MV.Demência precoce. Casos Clin Psiquiatria 1999; 1:59-67.

7. Bazire S. Psychotropic drug directory - the professio-nals’pocket handbook and aide memorie. Quay Books, 1999.

8. Jeste DV, Lacro JP, Palmer B, Rockwell E, Harris MJ,Caligiuri MP. Incidence of tardive dyskinesia in early stagesof low-dose treatment with typical neuroleptics in olderpatients. Am J Psychiatry 1999; 156(2):309-311.

9. Egan MF, Apud J, Wyatt RJ. Treatment of tardive dyskinesia.Schizoph Bull 1997; 23(4):583-609.

10. Duke PJ, Pantelis C, Barnes TRE. South Westminster schi-zophrenia survey: alcohol use and its relationship tosymptoms, tardive dyskinesia and illness onset. B J Psychiatry1994; 164:630-636.

11. Woerner MG, Saltz BL, Kane JM, Lieberman JA, Alvir JMJ.Diabetes and development of tardive dyskinesia. Am JPsychiatry 1993; 150:966-968.

12. Kane JM. Tardive dyskinesia in affective disorder. J ClinPsychiatry 1999; 60(5):43-47.

13. Ghadirian AM, Annable L, Bélanger MC, Chouinard G. Across-sectional study of parkinsonism and tardive dyskinesiain lithium-treated affective disordered patients. J ClinPsychiatry 1996; 57:22-28.

14. Liddle PF, Barnes TR, Speller J, Kibel D. Negative symptomsas a risck factor for tardive dyskinesia in schizophrenia. B JPsychiatry 1993; 163:776-780.

15. Sweet RA, Mulsant BN, Gupta B et al. Duration of neurolep-tic treatment and prevalence of tardive dyskinesia in late life.Arch Gen Psychiatry 1995; 52:478-486.

16. Burke RE, Fahn S, Marsden CD, Bressman SB, MoskowitzC, Friedman J. Validity and reliability of a rating scale for theprimary torsion dystonias. Neurology 1985; 35(1):73-7.

17. Stahl SM. Essencial psychopharmacology-neuroscientificbasis and clinical applications. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1996.

18. Jeste DV, Wyatt RJ. Therapeutic strategies against tardivediskinesia. Arch Gen Psychiatry 1999; 39:803-816.

19. Soares KV, McGrath JJ. A systematic review and meta-analy-sis. Schizophr Res 1999; 39(1):1-16.

20. Jeste DV, Lohr JB, Clark K, Wyatt RJ. Pharmacological treat-ments of tardive dyskinesia in the 1980s. J ClinPsychopharmacol 1988; 8(suppl):38S-48S.

21. Gattaz WF, Emrich A, Behrens S. Vitamin E attenuates thedevelopment of haloperidol induced dopaminergic hyper-sensitivity in rats: possible implications for tardive dyskine-sia. J Neural Trams 1993; 92:197-201.

22. McCreadie R, MacDonald E, Wiles D, Campbell G,Paterson JR. The nithsdale schizophrenia surveys: plasmalipid peroxide and serum vitamin E levels in patients withand without tardive diskinesia, and normal subjects. B JPsychiatry 1995; 167:610-617.

23. Gupta S, Mosnik D, Black DW, Berry S, Masand PS. Tardivedyskinesia: review of treatments past, present and future.Ann Clin Psychiatry 1999; 11(4):257-266.

24. Thaker GK, Nguyen JA, Strauss ME, Jacobson R, Kaup BA,Tamminga CA. Clonazepam treatment of tardive dyskinesia:a practical GABAmimetic strategy. Am J Psychiatry 1990;147:445-451.

25. Cates M, Lusk K, Wells BG. Are calcium channel blockerseffective in the treatment of tardive dyskinesia? AnnPharmacother 1993; 27(2):191-196.

26. Shaplesky J, McKay AP, McKena PJ. Successful treatment oftardive dystonia with clozapine and clonazepan. Br JPsychiatry 1996; 168:516-518.

27. Jeste DV, Rockwell E, Harris MJ, Lohr JB, Lacro J.Conventional vs newer antipsychotics in elderly patients. AmJ Geriatr 1999; 7(1):70-76.

Page 19: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20 18

Yara Azevedo*Cíntia de Azevedo Marques**Eduardo Iacoponi***

Resumo

Relatado um caso de paciente portadora de transtorno afetivo bipo-lar tipo I que após quadro de intoxicação por lítio apresentou ataxiaprolongada. Embora as complicações neurológicas na intoxicaçãopelo lítio sejam comuns e conhecidas na prática clínica, as seqüelasneurológicas permanentes são raras e desconhecidas da maioria dospsiquiatras. Foi realizada revisão dos relatos de casos publicados deseqüelas neurológicas associadas ao uso de lítio e seus fatores derisco aventados.

Palavras-chaves: Ataxia; Distúrbio Bipolar; Intoxicação porLítio

Há quase 30 anos o lítio foi aprovado nos Estados Unidospela Food and Drug Administration (FDA) como estabilizador dehumor e para o tratamento da mania. Embora seja uma drogamuito estudada, os seus mecanismos de ação não são totalmenteconhecidos. No uso terapêutico do lítio, dentre as dificuldadesencontradas, talvez a principal seja o manejo dos efeitos adversos,sendo que a maioria desses efeitos estão associados a doses eleva-das e são de natureza transitória. Dentre os diversos sistemas sus-ceptíveis aos efeitos colaterais, o sistema nervoso, justamenteaquele onde se dá a ação terapêutica do lítio, é que é particular-mente predisposto. Dos efeitos colaterais neurológicos mais notá-veis no início do tratamento, tremor fino das mãos pode ocorrerem até 65% dos pacientes, associado à redução da coordenaçãomotora, nistagmo e fraqueza muscular. São descritos também dis-foria e perda da espontaneidade.1

A neurotoxicidade manifesta-se precocemente por disartria,ataxia e tremores grosseiros. Acompanhando o quadro de confu-são metal aguda, pode haver mais freqüentemente fasciculaçõesmusculares e mioclonias, mas são descritos também blefaroespas-mo e apraxia de abertura de pálpebras.2 Estes quadros podemprogredir para convulsões, coma e morte. A taxa de morte entrepacientes que tomam lítio é estimada em uma morte para cada 14mil pacientes.3

Após uso prolongado do lítio, podem aparecer distúrbioscognitivos, como diminuição da atenção e memória e rigidezmuscular.4

Alguns efeitos neurológicos decorrentes do uso de lítiopodem ser permanentes. Entre esses, são descritos seqüelas cog-nitivas, incluindo prejuízo da memória, da atenção, do controledas funções executivas e déficits visuo-espaciais, sintomas essescompatíveis com a demência subcortical.5 Tem sido raramenteassociado também à ataxia, o distúrbio neuromuscular bilateral,a polineuropatia periférica, uma síndrome semelhante à miasteniagravis, a rabdomiólise e a hipertensão intracraniana benigna.6,7

Os efeitos neurotóxicos do lítio geralmente ocorrem em con-centrações séricas altas ou em pacientes que apresentam algunsfatores de risco.8 Os fatores de risco que predispõem a efeitoscolaterais e toxicidade são diminuição da função renal, associadaà idade avançada ou à doença renal, delirium, demência, doençafísica com vômitos e/ou diarréia, uso de diuréticos e/ou outro far-macoterápico, baixa ingestão de sódio e/ou aumento da excreçãodo sódio e gravidez.4,9

Apresentaremos a seguir o relato de uma paciente portadorade transtorno bipolar I, segundo a quarta edição do Diagnosticand Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV),10 que apósum quadro de intoxicação por lítio apresentou ataxia prolonga-da, efeito comum durante quadros de intoxicação, porém poucoconhecido e potencialmente irreversível.

Descrição do Caso

M.J.A.P. é uma paciente de 46 anos, do sexo feminino, comprimeiro grau incompleto, casada, dona de casa, natural doCeará, que mora em São Paulo há 25 anos. Em fevereiro de 1999foi trazida ao serviço de emergência por familiares, pois apresen-tava há duas semanas sintomas compatíveis com mania psicótica.Ela fazia na época uso regular de 600 mg/dia de carbonato delítio, 400 mg/dia de carbamazepina e 200 mg/dia de tioridazina.

A paciente apresentara quadro semelhante de mania psicóti-ca há 14 meses, quando foi tratada com 900 mg/dia de carbona-to de lítio, 400 mg/dia de carbamazepina e dose não especificadade tioridazina, sendo que há 10 meses o lítio foi diminuído para600 mg/dia. Dois meses antes dessa primeira consulta a pacienteapresentou sonolência excessiva por um dia e, por isso, foi enca-minhada a um pronto-socorro geral. Ao exame apresentava dimi-nuição do nível de consciência, nistagmo e ataxia, com litemia de

ATAXIA PROLONGADA ASSOCIADA À INTOXICAÇÃO POR LÍTIOLASTING ATAXIA ASSOCIATED WITH LITHIUM INTOXICATION

* Coordenadora da Residência Médica do Departamento de SaúdeMental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.** Médica Residente de Segundo Ano do Departamento de SaúdeMental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.*** Professor Adjunto do Departamento de Saúde Mental daIrmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Endereço para correspondência:Yara AzevedoCentro de Atenção Integrada à Saúde MentalDepartamento de Saúde Mental da Santa Casa de São PauloRua Major Maragliano, 24104017-030 - São Paulo - SPE-mail: [email protected]: (11) 5087-7036

Page 20: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio

19 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20

4,1 mEq/l, o que fez com que recebesse uma hipótese diagnósti-ca de delirium (intoxicação grave por lítio). M.J.A.P. recebeu altamelhorada após duas semanas em uso de lítio 600 mg/dia e tam-bém com os demais medicamentos já citados, embora mantendodificuldade de deambulação por fracasso da coordenação muscu-lar dos membros inferiores (marcha atáxica).

No seu passado a paciente teve dois episódios depressivosmaiores, um há 20 anos e outro há quatro anos, tendo sido trata-da em ambas ocasiões com imipramina. Não tem antecedentesfamiliares de episódios depressivos ou maníacos, de suicídio, nemmesmo de dependência de álcool.

Na primeira consulta a paciente apresentava-se com humorirritável, pensamento acelerado e idéias deliróides de conteúdograndioso e religioso. Ao exame físico apresentava instabilidadeda marcha com incoordenação dos movimentos dos membrosinferiores. Foram feitas hipóteses diagnósticas de transtornobipolar I, atual episódio de mania psicótica e ataxia cerebelar aesclarecer. Havendo possibilidade de ser cuidada pelos familia-res, a paciente não foi internada e foi orientada a suspender a car-bamazepina, aumentar o lítio para 900 mg/dia e aumentar a tiori-dazina para 400 mg/dia.

Após alguns dias em casa apresentou quadro de início súbi-to de confusão mental, discurso mais acelerado, humor irritável ealucinações auditivas. Ao exame neurológico apresentava dimi-nuição do nível de consciência, com força muscular normal nosquatro membros, mas com acentuação da marcha atáxica. Seusreflexos estavam vivos globalmente e não apresentava alteraçõesna sensibilidade. Apresentava nistagmo vertical, fundo de olhosem edema de papila e não apresentava sinais meningeorradicu-lares. Feita hipótese diagnóstica de delirium (intoxicação porlítio?), a paciente fora internada, e todas medicações suspensas.Em seus exames evidenciou-se litemia de 0,7 mE/l, anemia nor-mocítica e normocrômica, TGO e TGP discretamente aumenta-dos, função renal normal, T3 e T4 normais com TSH discreta-mente diminuído (0,2 mg/ml), anticorpos antitireóide negativos etomografia computadorizada do encéfalo normal. Este quadroremitiu após duas semanas e a paciente recebeu alta hospitalarmelhorada, eutímica, tomando clonazepam, 4 mg/dia, mas man-tendo a mesma ataxia.

Em março de 1999 voltou a ficar insone, com humor irritá-vel, afeto lábil, choro fácil e idéias deliróides místicas. Feita hipó-tese de novo episódio de mania psicótica e optou-se por manterapenas o clonazepam e este quadro remitiu após uma semana.

Para elucidação da causa da ataxia foi encaminhada parauma avaliação neurológica. Feitos estudo doppler-color do siste-ma carotídeo vertebral, ultra-som de carótida e nova tomografiade crânio normais. A ressonância magnética foi inconclusiva, poispaciente permaneceu agitada durante o exame. Assim, a causa dacerebelopatia não foi esclarecida, sendo aventados acidente vas-cular cerebral, degeneração subaguda da medula por déficit deB12 e doença aterosclerótica. Diagnosticou-se também hiperten-são arterial sistêmica.

Em abril de 1999 a paciente estava eutímica e o carbonato delítio foi reintroduzido como estabilizador do humor na dose de900 mg/dia. Após um mês, teve outro quadro semelhante de deli-rium com duração de dois dias, acompanhado de piora evidenteda ataxia. Seus exames laboratoriais evidenciaram litemia de 0,8

mEq/l e restante sem alterações. Por isso, o estabilizador dohumor foi trocado para valproato de sódio, na dose de 1.000mg/dia. Desde então está eutímica e não teve mais quadros dedelirium. Sua ataxia persiste há 11 meses.

Discussão

As complicações neurológicas na intoxicação pelo lítio sãocomuns e conhecidas na prática clínica. Entretanto, as seqüelasneurológicas permanentes são raras e desconhecidas pela maioriados psiquiatras e, embora existam relatos de casos há mais de 25anos, não há descrições nos livros texto mais usados em nossomeio1,4,11 ou no Physician's Desk References.

Alguns fatores de risco são aventados para desenvolvimentoda seqüela neurológica. Schou6 revisou mais de 40 relatos decasos de seqüelas neurológicas após quadros de intoxicação porlítio que foram publicados desde 1972, e encontrou doença clíni-ca com febre (em 11 casos), uso concomitante de dieta hipossó-dica e diuréticos (em um caso), cirurgia (em um caso), baixaingestão alimentar (em dois casos), início recente de lítio em dosealta (em quatro casos), superdosagem por suicídio (em quatrocasos) ou acidental (em seis casos) e uso concomitante de dosealta de haloperidol e febre (quatro casos). Além desses, outrosfatores de risco descritos são: idade avançada, sexo feminino,transtorno mental orgânico, uso crônico do lítio, litemia acima dafaixa terapêutica, disfunção renal, febre e desidratação.9,12-14

Dos psicotrópicos, os neurolépticos, a carbamazepina, osbloqueadores do canal de cálcio, os diuréticos e a metildopa são,especialmente, relacionados à neurotoxicidade do lítio.15

A paciente descrita era do sexo feminino e usava, na ocasiãodo início da ataxia, dose baixa de carbamazepina e neuroléptico.A combinação do lítio com a carbamazepina é geralmente bemtolerada e o mecanismo do aumento da neurotoxicidade deambas as drogas quando associadas é desconhecido.16

O lítio parece ter afinidade especial pelo cerebelo e a ataxiaé uma das seqüelas neurológicas mais freqüentemente relatada naliteratura. Nagajara et al12 relataram seis casos de seqüelas neuro-lógicas entre 965 pacientes com diagnóstico de transtorno afetivobipolar acompanhados por 10 anos, tomando lítio em doses tera-pêuticas. A ataxia teve início súbito em quatro casos e estavaacompanhada de quadro confusional e tremores. Em dois pacien-tes, o início da ataxia foi insidioso. Todos mantiveram a ataxiapós-interrupção do uso de lítio. A observação desses casos suge-re uma freqüência de 1,2% casos de ataxia em pacientes toman-do lítio, entretanto este dado necessita de confirmação por outrosestudos.

Nos exames de diagnóstico por imagem pode-se evidenciaratrofia cortical e cerebelar em alguns casos e em outros a tomo-grafia de crânio é normal. É difícil precisar se a alteração radioló-gica é devido à lesão ou pela idade dos pacientes estudados,12

porém há relatos de pacientes jovens tomando lítio que após into-xicação apresentaram atrofia cerebelar grave.14

O mecanismo exato de lesão neurológica é desconhecido,porém em biópsia post mortem mais comumente descreve-selesões das células de Purkinje cerebelares, gliose no núcleo den-tado e desmielinização de axônios.17

Page 21: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20 20

Conclusões

Os efeitos colaterais do lítio, embora sejam de difícil manejo,não tiram sua posição como tratamento de escolha para os trans-tornos bipolares em todas faixas etárias. Como a maioria dessesefeitos é dependente da dose, deve-se averiguar periodicamentesua concentração plasmática e se servir dela para ajustar as dosa-gens.

Na presença de fatores de risco, o lítio está associado aseqüelas neurológicas incapacitantes e permanentes. Por isso,deve-se minimizar o uso concomitante de outras drogas e, sempreque um fator de risco for identificado (p.ex. febre, desidratação,infecção, etc), sua dose deve ser apropriadamente reduzida oususpensa.

Summary

This paper presents a case of a patient with type I bipolar mood dis-order who developed lasting ataxia following lithium intoxication.Although neurological complications due to lithium intoxication arecommon and well knownin clinical practice, permanent neurologicalsequelae are rareand remain unknown to most psychiatrists. Wereview case reports concerning lithium-related neurological seque-lae and risk factors associated with this clinical picture.

Key-words: Ataxia; Bipolar Disorder; Lithium, Intoxication

Referências Bibliográficas

1. Jeffreson JW, Greist JH. Lithium. In: Kaplan HI, Sadock BJ.eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 2nd ed.Maryland: Williams & Wilkins, 1995:2022-2030.

2. Micheli F, Cersosimo G, Scorticati MC, Ledesma D, MolinosJ. Blepharospasm and apraxia of eyelid opening in lithiumintoxication. Clin Neuropharmacol 1999; 22(3):176-179.

3. Cassidy S, Henry J. Fatal toxicity of antidepressant drugs inoverdose. BMJ 1987; 295:1021-1024.

4. Lenox RH, Manji HK. Lithium. In: Schatzberg AF,Nemeroff CB. eds Textbook of Psychopharmaco-logy. 2nd

ed. Washington, DC: American Psychia-tric Press, 1998:379-430.

5. Brumm VL, van Gorp WG, Wirshing W. Chronic neuropsy-chological sequelae in a case of severe lithium intoxication.Neuropsychiatry Neuropsychol Behav Neurol 1998;11(4):245-249.

6. Schou M. Long-lasting neurological sequelae after lithiumintoxication. Acta Psychiatr Scand 1984; 70: 594-602.

7. Su KP, Lee YJ, Lee MB. Severe peripheral polyneuropathyand rhabdomyolysis in lithium intoxication: a case report.Gen Hosp Psychiatry 1999; 21(2):136-137.

8. Moncrief J. Lithium: evidence reconsidered. B J Psychiatry1997; 171:113-119.

9. Timmer RT, Sands JM. Lithium intoxication. J Am SocNephrol 1999;10 (3):666-674.

10. American Psychiatric Association. Diagnostic and StatisticalManual of Mental Disorders. 4th ed. Washington: AmericanPsychiatric Association, 1994.

11. Loudon FB. Drug treatments. In: Kendell RE, Zealley AK.eds. Companion to Psychiatric Studies. 5th ed. London:Churchill Livingstone, 1995:817-847.

12. Nagaraja D, Taly AB, Sahu RN, Channabasavanna SM,Narayanan HS. Permanent neurological sequelae due tolithium toxicity. Clin Neuro Neurosurg 1987; 89(1):31-34.

13. Cookson J. Lithium: balancing risks and benefits. B JPsychiatry 1997; 171:120-124.

14. Roy M, Stip E, Black D, Lew V, Langlois R. Cerebellar dege-neration following acute lithium intoxication. Rev Neurol1998; 154(6-7):546-548.

15. Janinack PG, Davis JM, Prekorn SH, Ayd Jr JF. Principlesand Practice of Psychopharmacotherapy. Baltimore:Williams & Wilkins, 1993:398.

16. Ciraulo DA, Slattery M. Anticonvulsants. In: Ciraulo DA,Shader RI, Greenblatt DJ, Creelman WL. eds. DrugInteractions in Psychiatry. Baltimore: Williams & Wilkins,1995:252-267.

17. Naramoto A, Koizumi N, Itoh N, Shigematsu H. An autopsycase of cerebellar degeneration following lithium intoxica-tion with neuroleptic malignant syndrome. Acta PathologicaJaponica 1993; 43:55-58.

Page 22: Casos Clinicos Em Psiquiatria

21 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

CORTICAL ATROPHY DURING TREATMENT WITH LITHIUM INTHERAPEUTIC LEVELS, PERPHENAZINE AND PAROXETINE: CASEREPORT AND LITERATURE REVIEWATROFIA CORTICAL DURANTE TRATAMENTO COM LÍTIO EM NÍVEIS TERAPÊUTICOS,PERFENAZINA E PAROXETINA: RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA

Luiz Renato Gazzola

Summary

We present, in clinical case conference format, a case in which deli-rium developed and rapidly progressed to mild dementia in a pre-viously healthy (from the neurological standpoint) 40 years oldwoman being treated with lithium, paroxetine, and perphenazine forbipolar disorder I with psychotic features.The unusual aspect of thecase is the fact that it was associated with de novo cortical and cere-bellar atrophy, as evidenced by two MRIs performed six monthsapart.We present our possible explanation for the findings as medi-cation-induced toxic dementia, as well as the differential diagnosis(including a detailed discussion of the possible causes of dementia inthis age group).We discuss some unusual drug interactions, and offera review of the pertinent literature.

Key-words: Cortex, Cerebral; Cerebellar Cortex; Atrophy;Dementia; Delirium; Drug Interactions, Drug Toxicity;Lithium; Perphenazine; Paroxetine

We will present a clinical case and its differential diagnosis,followed by discussion and literature review. The format adoptedfor this article will be similar to a clinical case conference. It isimportant to clarify that we directly cared for Ms. A during herthird hospitalization only, when she was admitted to a university-affiliated hospital. The information included here concerning thefirst two hospitalizations and the outpatient follow-up wasobtained through medical records and through the reports of herprior and subsequent physicians, who were not linked to thesame university-affiliated practice. The patient whom we calledMs. A gave written consent to this publication. Some minordetails were changed to protect confidentiality.

Case Presentation

Ms. A was a 40 years old, single, white female, living alone,with no prior psychiatric history. She was said to be a brightwoman holding a post-graduate degree and was functioning at ahigh level in a professional career until she was 39 years old. The

patient had no family history of psychiatric illness, except for agreat uncle with an unknown mental illness. She had a history ofparental emotional neglect during her childhood. She was a quietand shy adolescent, did not date during her teens, and had veryfew romantic relationships as an adult. She was described as themodel of strength and stability for her family. A boyfriend ofthree years died in an accident, one year before the onset of thepatient's psychiatric illness. Past medical history was unremark-able except for mild head injury, without loss of consciousness,sustained in a car accident when she was seven years old. Thepatient did not drink alcohol or abused substances but did smoke1.5 packs a day.

At age 39, she developed without apparent precipitant theerotomaniac delusion that her cousin loved her and wished tomarry and have a child with her. She believed that he was com-municating these thoughts through “subliminal messages.” Shesaw the bedcovers turned down in his home and interpreted thisas a sign of his decision to become intimate with her. The severi-ty of her delusional thinking became apparent that same night,when she entered her cousin's bedroom by breaking through awindow, convinced that he had sent her messages to join him fora romantic encounter. Her cousin, amazed at her bizarre behav-ior and frightened, ordered her to leave at gunpoint. Ms. A wentto a nearby bar from which she called her aunt to tell her that shewas receiving a message from the radio explaining that her cousinwanted to meet her at the bar. Her aunt became appropriatelyalarmed and persuaded Ms. A to come to her house. Ms. A fellasleep at her aunt's house, but she awoke at 4 AM feeling ener-getic and refreshed, and she left. Later that day Ms. A showed upat a yard sale and took off all of her clothing, explaining that shewanted to sell it as part of the yard sale. Her aunt took her to anemergency room, but Ms. A eloped before she could be evaluat-ed. She was subsequently found showering at the maternity ward,where she explained that her cousin had instructed her to do soin preparation for her giving birth to their baby. The patientseemed calm and objective and said that she was convinced thatshe was behaving rationally in an attempt to cope with what shecalled the upcoming changes in her life.

Ms. A was then involuntarily admitted to a psychiatric hos-pital. She was alert and oriented, but in addition to her erotoma-nia, had grandiose delusions that she was a superior person withmany ideas ahead of her time, and that her picture had appearedon the front cover of several major magazines. She additionally

Visiting Professor at Universidade Federal de Minas Gerais.Written at the Department of Psychiatry of the College ofPhysicians and Surgeons of Columbia University, New York, NY,U.S.A.

Endereço para correspondência:Luiz Renato GazzolaFafich - Sala 4036 - Campus UFMG PampulhaAv. Antônio Carlos, 662731270-901 - Belo Horizonte - MG

Page 23: Casos Clinicos Em Psiquiatria

reported that people were using telepathy to control herthoughts and behavior, as well as that when she was alone, shewas convinced of the strong presence of someone nearby whowas not visible.

While in the hospital, Ms. A inserted two pieces of metal intoan electrical outlet in response to a subliminal message from hercousin. Her neurological examination at the time was entirelynormal. A neuropsychological test battery reportedly revealedthat she was very bright and had no signs of cognitive impair-ment. Projective personality tests were consistent with the diag-nosis of bipolar disorder, manic, with psychotic features. Ms. Awas treated with 8 mg/day of perphenazine, and up to 1,500 mg/day of lithium carbonate (level 0.9 mEq/L). She beganto show clinical improvement, and after 15 days on this dose oflithium she was discharged.

Ms. A continued to report feeling intense pressure, “justbarely able to hang on,” and fear that she would never regain con-trol of her mind. She felt unable to return to work and subse-quently never did. Around two months after discharge she appea-red stable to her outpatient psychiatrist who discontinued perphe-nazine while maintaining her on lithium carbonate, 1,500 mg/day.Several days later Ms. A began to complain of increasing anxietyand racing thoughts focused on her finances. She felt unable tomake even simple decisions, e.g., where to place a chair in herroom, and saw distorted faces on television. She heard her ownvoice carrying on a debate inside her head. Perphenazine was res-tarted but she did not improve. Shortly after her 40th birthday shewas readmitted to the same facility from which she had been dis-charged two and an half months before.

At the time of her second hospitalization, she was anxiousand dysphoric, distractible, and experiencing thought blocking.She was alert and oriented, and neurological examination did notshow tremors or ataxia. All laboratory values, including thyroidfunction tests, were normal. Shortly after admission nursing staffduring the evening reported that she appeared confused and nee-ded help finding her room. A MRI was ordered but was unremar-kable; revealing only a few small areas of scattered foci of increa-sed signal in the central semiovale bilaterally on T2 weighted ima-ges, interpreted as representing only small ischemic gliotic chan-ges, a normal finding for her age group. Medication at that timeincluded lorazepam 3 mg/day perphenazine, 8 mg/day benztro-pine, 2 mg/day and lithium carbonate 1,500 mg/day (level 1.1 mEq/L). Ms. A was said to have depressed mood and cons-tricted affect and paroxetine was started and increased to20 mg/day. Ms. A showed “some improvement in mood”(clinical details such as time frame and specific mental status fin-dings were not available to us – the patient was being treated inanother service at the time and we only had access to a dischargesummary). Although she complained of ongoing confusion anddisorientation, she was discharged, and her mood symptoms anddistractibility were attributed to a possible diagnosis of “chronic,delayed PTSD”, related to her childhood experiences and to theloss of her boyfriend.

Ms. A continued to experience episodes of confusion anddisorientation. She felt unable to leave alone any longer and, twomonths after discharge, relocated to another state so that shecould live with her older sister. Another two months later a local

psychiatrist found her to be mildly depressed, with excessivesomnolence in the afternoons, but without evidence of psychosisor gross cognitive impairment. Her sister, however, voiced con-cern that Ms. A was increasingly having memory problems andwas “less sharp” than before the hospitalizations. Perphenazinewas decreased to 2 mg/day. When thyroid function tests revealeda TSH elevation of less than two folds the upper range, Ms. A wasstarted on 0.1 mg/day of levothyroxine. Her lithium level was 1.4 mEq/L, and her psychiatrist accordingly lowered her lithiumto 1,200 mg/day.

A month later, Ms. A presented to the evaluation service ofa university-affiliated hospital where we met her for the first time.She requested hospitalization because of her concerns aboutongoing difficulty concentrating, disorientation, memory pro-blems, and low energy. She said that on occasion she did notknow what she was doing and could only remember “pieces ofthings”. Her sister confirmed that she was confused and unableto remember where she had left her belongings during the day,and that she stayed up at night, pacing. Ms. A exhibited markedtongue and hand tremor and was found to have slow speech,depressed mood, impaired memory (0/3 in five minutes), andinability to perform even simple calculations, and to tell howmany quarters make a dollar. At the time, she was receiving paro-xetine 40 mg/day, perphenazine 2 mg/day, levothyroxine 0.1 mg/day, and lithium carbonate 1,200 mg/day, with a serumlithium level of 1.1 mEq/L. She was admitted to the psychiatricservice where she showed activity varying from passivity to mildagitation, dysphoric mood, irritable affect, latency to answer andcircumstantial speech, thought blocking, nonsensical conversa-tion. She was quick to fatigue and easily dropped objects, wasoriented only to name, repeatedly attempted to leave the unit andhad an unstable gait. Her confusion appeared to be increasedfrom day to day.

A dementia work-up was performed. Routine laboratorytests of blood count and chemistry, HIV test, RPR, ESR,PT/PTT, folate, B12, fasting and post-prandial glucose, thyroidfunction tests, antinuclear antibodies, chest X-ray, EKG, andanalysis of cerebrospinal fluid (CSF) including VDRL andcryptococcal antigens were all normal or negative.

A repeat MRI was performed and compared with the origi-nal MRI from six months earlier (which was obtained from herformer psychiatrist, by mail). The most recent exam revealed thepresence of mild generalized cerebellar and cortical atrophy thatwere not apparent before. On volumetric calculation, the cortexhad decreased from 1,200 cc to 1,025 cc (a drop of about 15%),and the cerebellum had decreased from 154 cc to 137 cc. Bothsets of films were seen at our university-affiliated RadiologyDepartment, and the original reading of the first set was conside-red to be accurate.

Very sensitive to medication, Ms. A developed deep confu-sional state after 1 mg of lorazepam used as pre-medication toMRI. She appeared to have marked EPS. All medications exceptfor lithium were held for 48 hours, but this seemed to have noeffect on the delirium, which continued to increase steadily.

An EEG was then performed and showed abnormal inter-mittent diffuse theta-delta waves, slowing at times, rhythmic, withfrontal predominance. Lithium was then discontinued. Within

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 22

Page 24: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review

two days the patient began to partially recover her cognitive func-tions. Her behavior became less intrusive, with improved sociabi-lity and better eye contact. Her mood was brighter and her affectmore appropriate. Her thought process was clearer and lessdisorganized. She became oriented to person, place and time andshowed better attention span. While her psychotic and affectivesymptoms did not reoccur, some of Ms. A's cognitive deficits (e.g., impaired short-term memory) persisted. She was discharged toher sister's care on no medication.

A repeat EEG shortly after discharge (about two weeks afterlithium was discontinued) was found to be normal. Ms. A's bloodand her water supply were tested for lead with negative results.Heavy metal screens in blood and hair were also negative. Oneyear later, although Ms. A was oriented to person, place, andtime, she continued to complain of memory problems and of “notbeing able to think efficiently.” Her sister similarly reported thatMs. A's thinking was not as clear as it had been prior to her ill-ness, and that she exhibited difficulties with memory and sustai-ned concentration. At a two-year follow-up, despite the absenceof psychotic and affective symptoms, she was still unable to resu-me her previous professional career due to subtle but persistentcognitive deficits, consistent with mild dementia. She was able toobtain employment in a less demanding position. During the fol-lowing year Ms. A experienced a two-month episode of majordepression without psychotic features, which responded to out-patient treatment with fluvoxamine and valproate. She has beenkept on these drugs to date (little more than three years after thethird hospitalization) and remains stable both psychiatrically andneurologically, although with a persistent but stable cognitivedeficit. For various external reasons, a third MRI and serial neu-ropsychological tests were not obtained.

Discussion

We will now address our proposed diagnosis for this patient,as well as its limitations and possible alternatives.

This patient came to us with a previous diagnosis of bipolardisorder with psychotic features. We do not entirely accept thisdiagnosis. The onset of the illness in Ms. A was not typical: 75%of women with bipolar I have a depressive episode first, and mostof them have already had clear episodes by age 30. Late onsetalways suggests organic pathology or other causes, but still, Ms.A's onset is not unheard of: a good 20% of patients have theirfirst episode in their late 30’s or early 40’s. There is also the pos-sibility of mild to moderate undiagnosed earlier depressive episo-des, which are often less spectacular to exterior observers than afull-blown mania. Ms. A's onset is also somewhat atypical forbipolar disorder in terms of the nature and intensity of herpsychotic features, e.g., the marked erotomania, the commandauditory hallucinations, the ideas of influence and the delusionalinterpretations that are all more commonly seen in other psycho-ses, but again, these symptoms do not exclude the diagnosis ofbipolar I with psychotic features. It is hard to judge the nature ofthe first episode by discharge summary only, especially in regardto the actual degree of mania. She did have grandiose delusions,hypersexuality and manic behavior (e.g., taking off her clothing,

increased energy) but these, on the other hand, are not exclusiveto manic patients. Criterion D-2 of the DSM-IV in both schi-zophrenia and schizophreniform disorder is consistent withmood episodes during the course of these illnesses, as long as theyhave occurred during active phases and their total duration hasbeen brief relative to the duration of the active and residualperiods. Some descriptions of the patient's behavior, e.g., hercalm and objective report of her delusional reasons for going tothe maternity ward, do not strike us as particularly consistentwith mania. She was described at one point as having racingthoughts, although these were also said to be focused on onetheme only (her finances), and to have occurred at the same timeas she was considered to be anxious and dysphoric. Diagnoseslike brief psychotic disorder without marked stressors, or schi-zophreniform disorder, cannot be ruled out for Ms. A's first epi-sode. That was the rationale to discharge her from our service onno psychiatric medication with recommendation for a close out-patient follow-up. We had no proof of the recurrent nature of herillness. We were faced to a case that could be explained by a briefpsychosis followed by an organic syndrome. However, the latestinformation that we have now about Ms. A's course including amajor depressive episode during the third year and the absence ofpsychotic relapse in spite of a long period without neurolepticsrescues the possibility of a diagnosis of bipolar I disorder. Longerobservation of her future course is needed to tell exactly what thelong-term diagnosis is. In any case, however, it appears fairly clear_ and this is important to our line of thought _ that in spite of therelatively late onset, Ms. A's first episode did not have any neuro-logical features and she had intact memory, orientation, and gene-ral cognition at that time.

If we take a detailed look into the second and third admis-sions, including the period between these two hospitalizations,we cannot really be certain that she subsequently presented clearsymptoms of a so-called functional psychosis or even of a mooddisorder. Granted that she appeared depressed on occasion, andhad symptoms suggestive of psychosis such as the distorted faceson television and the impression of having her own voice in aconstant debate in her mind, right at the beginning of the secondhospitalization. However, what started to show very shortly the-reafter, into the first few days of the second hospital stay, was aconfusional state. One cannot rule out that her dysphoric,anxious mood, her experiences of being “just barely able to hangon”, her fear of losing control, her inability to decide where toplace a chair in a room, her easy distractibility and even somehints of derealization, could fit perfectly the prodromic phases ofa very insidious delirium. What was read at the time as a thoughtprocess disorder with blocking could be the result of incipientcognitive impairment, and even the symptoms that motivatedparoxetine to be started could have been due to mild confusionand not to depression. The “sundowning” and inability to findher way to her room in the ward without being escorted arehighly indicative of delirium. From this point on, while she conti-nued to be seen as showing symptoms of a mood disorder, thepatient persistently complained of having periods of confusionand disorientation and of not being able to think clearly, to thepoint of abandoning her career. She was in our view rather func-tionally impaired (and significantly so) than depressed.

23 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

Page 25: Casos Clinicos Em Psiquiatria

On presentation to our service, other than low energy anddisturbed night sleep, which can both be explained by mild chro-nic delirium, mood symptoms cannot be clearly identified. Shewas at that point progressing to frank delirium. The longitudinalcourse of the memory disturbance called for a full dementiawork-up, and most of the major causes were ruled out, either bylack of any of the associated symptoms of these disorders1 or bynegative tests.

Chronic infections of the central nervous system are usuallyassociated with systemic manifestations, meningeal involvement,abnormal CSF, and abnormalities on MRI, which were all absent.Syphilis and both HIV and cryptococcus infections were scree-ned out. Subacute sclerosing panencephalites by persistent repli-cation of the measles virus virtually does not occur in the patient'sage group. Other rare slow viruses and prions (papovavirus,Creutzfeldt-Jakob disease) could not be ruled out at the time butthe subsequent course is incompatible with the one seen in thesediseases. Curiously, Creutzfeldt-Jakob disease could have had thetime line of Ms. A's rapidly progressive dementia, if it were notfor the three-year follow-up. Some other features of this diseaseare missing, including myoclonus and the so-called periodic com-plexes in EEG, although these are not present in all cases.Interestingly enough, Finelli2 proposes a diagnosis of drug-indu-ced Creutzfeldt-Jakob-like syndrome to describe eight patientsthat presented several characteristics of this disease (their caseswere in various ways very similar to Ms. A’s) but who were finallydiagnosed with delirium and dementia secondary to drug intoxi-cation. Lithium alone or in combination with other medications(levodopa, nortriptyline and “polypharmacy”) was the drug con-sidered responsible for the syndrome in six out of the eightpatients. Serum drug levels were below the usual toxic range inhalf of these patients. Unfortunately neuroimaging studies werenot carried out.

Dementia secondary to underlying neurologic conditionssuch as Parkinson's disease and other movement disorders,amyotrophic lateral sclerosis and multiple sclerosis are unlikelydue to the lack of the typical findings in our patient's neurologi-cal exam. Dementia in these cases is usually a late manifestation.The exception to that rule is that very occasionally dementia maybe the presentation feature of Huntington's chorea, but in vir-tually all cases that come to the attention of a physician there isfamily history of the disease. Other secondary dementias relatedto mass lesions are promptly ruled out by MRI. Obstructivehydrocephalus by acqueductal stenosis may present occasionallyin late adulthood with headaches, dementia and incontinence butthe MRI will usually show an enlarged third ventricle with normalfourth ventricle. Communicating hydrocephalus in which intra-cranial hypertension is either absent or not recognized presentswith a subacute onset over weeks or months of progressive intel-lectual deterioration. This syndrome can occur after meningitis,head injury or subarachnoid hemorrhage, but the majority ofpatients gives no history of such an illness and the hydrocephaluscan be delayed. This diagnosis was in the realm of possibilities forMs. A, but several clinical features were missing. It is usuallyaccompanied by slowness and restriction of movements.Hyperreflexia in the legs and extensor plantar responses may befound, as well as urinary incontinence in one-half of the patients.

The gait disturbance resembles that seen in apraxia from frontallobe diseases, with small, shuffling steps.

In dementias secondary to diffuse brain damage the cause(such as head injury, anoxia, hypoglycemia or encephalitis) isusually obvious from the history. Most of the endocrine disordersand vitamin deficiencies as causes of dementia were equally ruledout by normal physical exam and laboratory values. Of these,hypothyroidism is the most common, but the slight, transientTSH elevation that our patient presented was far from enough towarrant any consideration of this possibility.

Tuberous sclerosis, progressive myoclonic epilepsy and meta-bolic diseases such as leukodystrophies, mitochondrial cytopathy,storage diseases, homocystinuria, etc, manifest much earlier inthe life cycle. However, late presentation of Wilson's disease canoccur in patients under the age of 40. Hepatic involvementoccurs in only half of the patients, but virtually all patients thatshow psychiatric and neurologic disturbances as the first sign ofthe disease do present the Kayser-Fleisher rings. The vasculitisgroup (lupus, polyarteritis nodosa, granulomatous angiitis,Behcet's disease) is accompanied by laboratorial evidence ofinflammatory phenomena and specific antibodies, which wereabsent in our patient, as well as numerous other clinical signs andsymptoms.

More difficult to rule out in our patient are the primary andvascular dementias. Pick's disease is highly unlikely due to herage and to the absence of circumscribed atrophy (anterior por-tions of the frontal and temporal lobes). The patient is also youngfor Alzheimer's disease, but this diagnosis, although very rare inher age group, is not unprecedented even in the absence of riskfactors such as Down's syndrome. The fact that these dementiasare inexorably progressive, however, seems inconsistent with Ms.A's course of cognitive stabilization for the last three years. As forthe vascular dementias, it is true that our patient showed some ofthe relevant MRI characteristics. Some of these dementias invol-ve areas of low attenuation or abnormal signal in the deep whitematter, particularly in the periventricular regions and centrumsemiovale, referred to by the term “leukoaraiosis”. They are morecharacteristic of Biswanger's disease (subcortical arterioscleroticencephalophaty), but are not at all specific, and are also seen innormal subjects (specially when they are not numerous, whichwas Ms. A's case), in Alzheimer's disease, and in other vasculardementias. Ms. A lacked as well other neuroimaging signs ofthese conditions and had no risk factors except for smoking. Hercourse was not consistent with multi-infarct dementia, whichusually shows abrupt onset and subsequent fluctuation withperiods of improvement and stepwise deterioration, togetherwith focal neurologic signs. It is true that nocturnal confusion,relative preservation of personality, emotional lability, anddepression are common features of small-vessel disease, but it isunusual to find this condition at age 40 in the absence of hyper-tension, diabetes or vasculitis.

This leaves us with the toxic dementias. Heavy metals andalcohol were not in the picture. The list of drugs that can lead toacute delirium (and some of them, when used chronically, todementia) is extensive, including, other than the drugs of abuse,barbiturates, hypnotics, antidepressants, levodopa, anticholiner-gics, and anticonvulsants. Lithium carbonate is, of course, widely

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 24

Page 26: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review

known to be associated with neurotoxicity at levels above1.5 mEq/L. Levels above 3.0 are often associated with severe neu-rotoxicity with permanent neurological sequelae including cogni-tive dysfunction secondary to brain damage,3-5 if not promptlytreated as a medical emergency. Marked toxicity with deliriumand ataxia ordinarily starts at least above 2.0 mEq/L, and theinterval between 1.5 and 2.0 is usually filled with other signs ofmilder toxicity such as gross tremors and diarrhea. It is lesswidely recognized that lithium can lead to neurotoxicity, deli-rium, and dementia even at levels below 1.5 mEq/L, and even inthe absence of other signs of lithium toxicity. The highest docu-mented level that we have for Ms. A was 1.4, which can be quiteexcessive for some patients, but is not particularly striking. All ofher other levels in several measurements throughout her treat-ment in different hospitals and clinics were always between 0.9and 1.1 mEq/L.

Numerous cases of lithium-induced delirium have beenreported.6,7 Furthermore, there is an extensive literature on thequestion of the toxicity of lithium and neuroleptics in combina-tion, starting with early reports in the mid and early 70's invol-ving haloperidol and thioridazine, followed by numerous papersin the 80's and early 90's expressing either skepticism (such ascomments on the difficulty to distinguish a combined toxicitysyndrome from the toxicity to either agent alone) or confirmation(studies pointing to either higher frequency of NMS and EPS orto delirium and brain damage _ our patient in her third admis-sion did have a degree of EPS that she had not experienced befo-re). We refer the interested reader to a collection of these stu-dies.8-23 Several neuroleptics have been implicated, including,most recently, risperidone.24 An extensive review by Goldman25

in 1996 identified 237 reported cases of toxicity, both withlithium/haloperidol and lithium/non-haloperidol neuroleptics.This number seems impressive, but when paired to the likelyhundreds of thousands of patients on this kind of combinationaround the world, one can understand why some studies failed todemonstrate a toxic interaction:26 this occurrence appears to beat least infrequent if not rare, although it may be dramatic whenit does happen.

Lithium neurotoxicity is poorly understood. In regard to riskfactors, West and Meltzer5 reported five cases of lithium toxicitywith levels between 0.75 and 1.7 mEq/L, and made a point thatpatients who developed neurotoxicity had markedly higherratings on psychosis and on anxiety in the pre-toxic period com-pared to patients who never developed neurotoxicity. However,rather than increased vulnerability to the development of severeneurotoxicity, this may be associated with the fact that suchpatients are more likely to have neuroleptics added to theirlithium regimen. Brown and Rosen7 note that possible risk factorsfor the development of lithium-induced delirium include conco-mitant administration of neuroleptics, advanced age, and relapseof an acute psychotic or depressive illness. For our patient, whodeveloped TSH elevation after being on lithium for a relativelyshort period of time, one can speculate that this too, may indica-te that she was particularly prone to adverse effects of lithium.Her history of head trauma, which in certain cases increases sen-sitivity to psychoactive drugs, does not appear to have been signi-ficant enough.

It is known that lithium has a diuretic effect, presumably byinterfering with vasopressin-stimulated adenyl- cyclase, leading tolithium-induced polyuria and at times the development of neph-rogenic diabetes insipidus.27 Perhaps one mechanism underlyinglithium delirium and dementia may result from changes in eithersecretion or absorption of CSF, leading to cortical atrophy. Barkaiand Nelson28 reported that the formation of CSF in rats signifi-cantly decreased by 19% after chronic treatment with lithium.On the other hand, Ehle and Uebelhack29 reported the occurren-ce of hydrocephalus in a case of lithium-haloperidol combinedtherapy, speculating on the role of the influence of lithium onNa+-K+ stimulated ATPase, on active transport and on adenylcyclase as the basic mechanism for the findings. It is interesting toask whether the drop in cortical volume on MRI in our patient isa consequence of hydrocephalus. On occasion it may be difficultto distinguish hydrocephalus due to abnormal CSF dynamicsfrom hydrocephalus ex-vacuo secondary to atrophy, but usuallyeven in normal pressure communicating hydrocephalus the ven-tricles rather than the subaracnoid spaces are enlarged, unlikeour patient's case. Unfortunately we do not dispose of a thirdMRI to help clarify this point. Another mechanism that has beenproposed for lithium-neuroleptic toxicity is increased lipid pero-xidation in the cerebral cortex as seen in rats put on both drugs,which was higher than the peroxidation induced by haloperidolalone and lithium alone.30

One very interesting finding is the fact that phenothiazinesseem to induce intracellular elevations of lithium and higher tis-sular distribution of Li+ both in vitro and in vivo. Pandey, Goeland Davis suggested that this might explain neurotoxic sideeffects of lithium in these combinations.31 This could account forthe fact that even in the presence of therapeutic levels, more toxi-city may occur (our patient was on a phenothiazine). Piperazinephenothiazines produced the most marked elevations of intracel-lular lithium, doubling the red cell:plasma lithium ratio (LR) invitro. The aminoalkyl phenothiazines and thioxanthenes weresomewhat less active in this regard, while the non-phenothiazineantipsychotics, such as loxapine, haloperidol and molindone,produced only minor increases in the LR. Tricyclic antidepres-sants produced a 20% to 30% increase, while other antidepres-sants and benzodiazepines did not show any activity on the LR.32

Anecdotal reports have linked numerous other medicationswith the development of neurotoxicity without an apparent effecton the pharmacokinetic disposition of lithium. Anticonvulsantsand calcium antagonists have all been implicated in a sufficientnumber of case reports to warrant concern.33 As these medica-tions have all been commonly coadministered with lithium, therelative risk of serious interactions appears to be quite low, butcaution is advised.

Our patient was on other drugs as well, including lorazepam,paroxetine and levothyroxine. It is unclear if these drugs playeda role in the development of neurotoxicity. The literature in thisregard is scattered. Reports on paroxetine-lithium toxicity werenot found in our literature search, however interactions withother SSRIs have been addressed in some papers. Initial studiesindicated that the combination of lithium and fluoxetine34 fails todemonstrate any detrimental interaction, but some subsequentcase reports contradict this. Austin, Arana and Melvin reported

25 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

Page 27: Casos Clinicos Em Psiquiatria

two cases in which significant neurotoxicity developed in geria-tric patients on lithium augmentation of antidepressant treat-ment, one involving nortriptyline and the other fluoxetine, despi-te therapeutic doses of all drugs.35 One striking case of acute neu-rotoxicity in many aspects similar to our patient's state waspublished by Noveske, Hahn and Flynn.36 The symptoms startedwithin 48 hours of the addition of fluoxetine to a regimen oflithium and lorazepam. Isolated reports of other kinds of appa-rently detrimental interaction of lithium and fluoxetine haveappeared in the literature as well.37-39 In spite of the fact that ourpatient was already showing some mild signs of neurotoxicitybefore paroxetine was introduced, and despite the absence of for-mal reports of paroxetine-lithium toxicity at this point, the manysimilarities between SSRIs warrant that we at least consider thatthis drug may have participated in aggravating our patient's clini-cal picture. As for benzodiazepines and lithium, no major toxicityhas been demonstrated, although the interaction with alprazolamcarries a small rise in serum lithium concentrations.40 We mentio-ned above another case in which lithium, a SSRI and lorazepamresulted in toxicity - the same benzodiazepine that our patientwas taking - but no data support that this last drug played any sig-nificant role. Levothyroxine as well does not appear to interferewith lithium in our literature search. Much the opposite: wefound a report of delirium associated with lithium-inducedhypothyroidism that seemed to have responded to levothyroxi-ne.41 In this patient the TSH was eight times more elevated thanthe upper normal limit. Severe hypothyroidism is in itself enoughto produce psychiatric manifestations. She was also briefly onthioridazine, which confounds the picture, although the peak ofthe delirium occurred five to seven days after this drug was dis-continued.

Although our patient denied the use of other medications(including over-the-counter drugs), we should mention to theinterested reader other potentially dangerous lithium interac-tions, related to pharmacokinetic changes rather than to directneurotoxicity. In a good review such as the one proposed byFinley, Warner and Peabody in 1995,42 we can be reminded thatany medication that alters glomerular filtration rates or affectselectrolyte exchange in the nephron may influence the pharmaco-kinetic disposition of lithium. Concomitant use of diuretics haslong been associated with the development of lithium toxicity,but the risk of significant interactions vary with the site of phar-macological action of the diuretic in the renal tubule. Thiazidediuretics have demonstrated the greatest potential to increaselithium concentrations, with a 25% to 40% increase in concen-trations often evident after initiation of therapy. Osmotic diure-tics and methyl xanthines appear to have the opposite effect onlithium clearance and have been advocated historically as antido-tes for lithium toxicity. Loop diuretics and potassium-sparingagents have minor variable effects. Nonsteroid anti-inflammatorydrugs (NSAIDs) have also been associated with lithium toxicity,although the relative interactive potential of specific NSAIDs isdifficult to determine. Small prospective studies have demonstra-ted large interindividual differences in lithium clearance valuesassociated with different NSAIDs. A growing body of evidencealso suggests that ACE inhibitors may impair lithium elimination,but further investigations are needed to identify patients at risk.

Conclusion

At the time of her third discharge, our diagnosis for this case,which needs to be considered as tentative and provisional sincewe have no formal confirmation for the causal relationship, wasthe following:

Axis I - Delirium due to lithium (and other drugs) intoxica-tion. Dementia due to lithium (and other drugs) intoxication,mild. On the basis of previous discharge summaries from otherservices, probably bipolar I disorder with psychotic features, cur-rently in remission, but other conditions such as schizophreni-form disorder or brief psychotic disorder without marked stres-sors cannot be ruled out.

Axis II - None.Axis III - Mild generalized cortical and cerebellar atrophy -

status post lithium (and other drugs) toxicity.Axis IV- Moderate psychosocial stressors - declining health,

loss of job, death of boyfriend.Axis V - GAF score of 35 on admission and 65 on discharge.Does our case really document the causal relationship bet-

ween lithium intoxication in Ms. A and her mild dementia withcortical and cerebellar atrophy? No, this would be too strong toaffirm. Granted that the normalization of the EEG and the par-tial recovery of the cognition after lithium discontinuation arevery suggestive. Agreed that we may say that we have a relativelylong follow up of three years (six times longer than the durationof Ms. A's lithium use) showing neither further progression norfull recovery of the dementia. The rapid decline of cognitive func-tioning during the six months of lithium treatment, including denovo atrophy documented by two MRI readings, followed bypartial recovery then complete cognitive stability for three yearsis not consistent with the natural course of a dementia of neuro-logic rather than toxic etiology. Still, we have no third MRI toconfirm the stability of the atrophy (as opposed to further dete-rioration due to an unrelated process or some degree of recoverydue to possible changes in the dynamic of the CSF after lithiumwas discontinued) and no serial and objective neuropsychiatricassessment of the dementia. Ms. A could have an insidiousdementia process that was either missed or was not yet apparentin her first MRI (some small ischemic changes were noticed),which might have accounted as well for her late and atypicalonset of a mood disorder. Her current course does not favor thispossibility, but the question is far from settled.

Our report does not intend to deny the incontestable valueof lithium in the management of bipolar disorder. Our findingsare certainly rare in the large majority of successful lithium treat-ments. What this case argues for is the need to assess lithium-trea-ted patients for changes in cognition, especially when other medi-cations are prescribed simultaneously. In this era in whichpsychiatric treatments have moved from classical monotherapy tomore complex multidrug regimens, this awareness seems particu-larly important. Another fundamental lesson of this case is theneed for close monitoring of subtle cognitive signs even whenthey appear to be explained or masked by the common symptomsof psychoses and mood disorders. In our patient signs of cogniti-ve impairment were apparently already present during the secondhospitalization, but a long time passed by before they were ack-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 26

Page 28: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review

nowledged as such. This case, to a certain extent, also argues formore attention to the possibility of interactions between paroxe-tine (and other SSRIs) and lithium as risk factors for enhancedneurotoxicity, and for further research involving neuroimagingstudies in patients with documented lithium neurotoxicity.

Resumo

Apresenta-se caso de delirium que progrediu rapidamente parademência leve, em uma mulher de 40 anos previamente saudáveldo ponto de vista neurológico, em tratamento com lítio, paroxetinae perfenazina para transtorno bipolar tipo I, com manifestações psi-cóticas. A originalidade do caso é o fato de estar associado com osurgimento de atrofia cortical e cerebelar, conforme evidenciadopor dois exames de ressonância magnética realizados com seismeses de intervalo. Apresenta-se explicações possíveis para osachados como sendo devidos a demência tóxica induzida por medi-camentos, bem como diagnóstico diferencial, incluindo uma discus-são detalhada sobre as possíveis causas de demência nessa faixaetária. Discute-se algumas interações medicamentosas não habituaiscom a revisão da literatura pertinente.

Palavras-chaves: Córtex Cerebral; Córtex Cerebelar; Atrofia;Demência; Delírio; Interações de Drogas; Toxicidade de Drogas;Lítio, Perfenazina; Paroxetina

Agradecimentos

The author thanks Lewis A. Opler, M.D., Ph.D., for his contri-bution to the section regarding the mechanisms of lithium toxicity;Jack Gorman, M.D., and Peter Bookstein, M.D., for reviewing themanuscript; and Sarah Lisanby, M.D., for calculating the corticalvolumes through MRI films.

References

1. Brown, MM, Hachinski, VC. Dementia. In: Isselbacher KJ,Braunwald E, Wilson JD, Martin JB, Fauci AS, Kasper DL.eds. Harrison's Principles of Internal Medicine. McGraw-Hill, New York, 1994:142-145.

2. Finelli PF. Drug-induced Creutzfeldt-Jakob like syndrome. JPsychiatry Neurosci 1992; 17(3):103-105.

3. Shopsin D, Johnson G, Gershon S. Neurotoxicity with lithi-um: differential drug responsiveness. Int Pharmacopsychia-try 1970; 5:170-182.

4. Cohen WJ, Cohen NH. Lithium carbonate, haloperidol andirreversible brain damage. JAMA 1974; 230:1283-1287.

5. West AP, Meltzer HY. Paradoxical lithium neurotoxicity: Areport of five cases and a hypothesis about risk for neuro-toxicity. Am J Psychiatry 1979; 136:963-966.

6. Ghadirian AM, Lehmann HE. Neurological side effects oflithium: Organic brain syndrome, seizures, extrapyramidalside effects, and EEG changes. Compr Psychiatry 1980;21:327-336.

7. Brown AS, Rosen J. Lithium-induced delirium with thera-peutic serum lithium levels: A case report. J GeriatrPsychiatry Neurol 1992; 5:53-55.

8. Harvey NS, Merriman S. Review of clinically important druginteractions with lithium. Drug Safety 1994; 10(6):455-463.

9. Habib M, Khalil R, le Pensec-Bertrand D, Ali-Cherif A,Bongrand MC, Crevat A. Persistent neurological syndromeafter treatment with lithium salts. Toxicity of the lithium-neuroleptic combination? Revue Neurolo-gique 1986;142(1):61-64.

10. Baptista T. Lithium-neuroleptics combination and irre-versible brain damage. Act Psychiatrica Scand 1986;73(1):111.

11. Miller F, Menninger J. Correlation of neuroleptic dose andneurotoxicity in patients given lithium and a neuroleptic.Hosp Community Psychiatry 1987; 38(11):1219-1221.

12. Bailine SH, Doft M. Neurotoxicity induced by combinedlithium-thioridazine treatment. Biol Psychiatry 1986; 21(8-9):834-837.

13. Yassa R. A case of lithium-chlorpromazine interaction. J ClinPsychiatry 1986; 47(2):90-91.

14. Jeffries J, Remington G, Wilkins J. The question of lithi-um/neuroleptic toxicity. Can J Psychiatry 1984; 29:601-604.

15. Prakash R. Lithium-haloperidol combination and brain dam-age. Lancet 1982; 1:1468-1469.

16. Serup J, Brun C. Interaction of lithium and neuroleptics.Ugeskrift for Laeger 1980; 142:2643-2644.

17. Boudouresques G, Poncet M, Ali Cherif A, Tafani B,Boudouresques J. Acute encephalopathy during combinedphenothiazine and lithium treatment. A new case with lowblood lithium. Nouvelle Presse Medicale 1980; 9:2580.

18. Puhringer W, Kocher R, Gastpar M. Incompatibility of lithi-um therapy with neuroleptics. a case report. Nervenarzt1979; 50:124-127.

19. Loudon JB, Waring H. Toxic reactions to lithium andhaloperidol. Lancet 1976; 2:1088.

20. Miller F, Menninger J, Whitcup SM. Lithium-neurolepticneurotoxicity in the elderly bipolar patient. J ClinPsychopharmacol 1986; 6:176-178.

21. Spring GK. Neurotoxicity with combined use of lithium andthioridazine. J Clin Psychiatry 1979; 40(3):135-138.

22. Spring GK. Delirium associated with lithium and thiori-dazine. Am J Psychiatry 1983; 140(9):1257-1258.

23. Fuller MA, Sajatovic M. Neurotoxicity resulting from a com-bination of lithium and loxapine. J Clin Psychiatry 1989;50:187.

24. Chen B, Cardasis W. Delirium induced by lithium andrisperidone combination. Am J Psychiatry 1996; 153:1233-1234.

25. Goldman SA. Lithium and neuroleptics in combination: thespectrum of neurotoxicity. Psychopharmacol Bull 1996;32(3):299-309.

26. Goldney RD, Spence ND. Safety of the combination of lithi-um and neuroleptic drugs. Am J Psychiatry, 1986;143(7):882-884.

27. Pandey GN, Davis JM. Cyclic-amp and adenylate cyclase inpsychiatric. In: Palmer GC. Neuropharma-cology of Cyclic

27 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28

Page 29: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Nucleotides. Baltimore: Urban & Scharzenberg, 1979:112-151.

28. Barkai AI, Nelson HD. Alterations by antidepressants ofcerebrospinal fluid formation and calcium distributiondynamics in the intact rat brain. Biol Psychiatry 1987;22:892-898.

29. Ehle G, Uebelhack R. Dangerous side effects oflithium therapy. Psychiatrie, Neurologie und Medizi-nischePsychologie - Beihefte 1977; 22-23:177-182.

30. Sawas AH, Gilbert JC. Lipid peroxidation as a possiblemechanism for the neurotoxic and nephrotoxic effects of acombination of lithium carbonate and haloperidol. ArchIntern Pharacodynamt Therap 1985; 276:301-312.

31. Pandey GN, Goel I, Davis JM. Effect of neuroleptic drugson lithium uptake by the human erythrocyte. Clin PharmacolTherap 1979; 26:96-102.

32. Ostrow DG, Southam AS, Davis JM. Lithium-drug interac-tions altering the intracellular lithium level: an in vitro study.Biol Psychiatry 1980; 15:723-739.

33. Shukla S, Godwin CD, Long LE, Miller MG. Lithium-car-bamazepine neurotoxicity and risk factors. Am J Psychiatry1984; 141:1604-1606.

34. Breuel HP, Muller-Oerlinghausen B, Nickelsen T, Heine PR.Pharmacokinetic interactions between lithium and fluoxe-tine after single and repeated fluoxetine administration in

young healthy volunteers. Int J Clin Pharmacol Therap 1995;33:415-419.

35. Austin LS, Arana GW, Melvin JA. Toxicity resulting fromlithium augmentation of antidepressant treatment in elderlypatients. J Clin Psychiatry 1990; 51(8):344-345.

36. A Noveske FG, Hahn KR, Flynn RJ. Possible toxicity ofcombined fluoxetine and lithium. Am J Psychiatry 1989;146(11):1515.

37. Ohman R, Spigset O. Serotonin syndrome induced by flu-voxamine-lithium interaction. Pharmacopsychiatry 1993;26(6):263-264.

38. Hadley A, Cason MP. Mania resulting from lithium-fluoxe-tine combination. Am J Psychiatry 1989; 146(12):1637-1638.

39. Sacristan JA, Iglesias C, Arellano F, Lequerica J. Absenceseizures induced by lithium: possible interaction with fluox-etine [letter]. Am J Psychiatry 1991 Jan;148(1):146-7.

40. Evans RL, Nelson MV, Melethil S, Townsend R, HornstraRK, Smith RB. Evaluation of the interaction of lithium andalprazolam. J Clin Psychopharmacol 1990; 10(5):355-359.

41. Norris MS, Mathew RJ, Webb WW. Delirium associated withlithium-induced hypothyroidism: a case report. Am JPsychiatry 1983; 140:355-356.

42. Finley PR, Warner MD, Peabody CA. Clinical relevance ofdrug interactions with lithium. Clin Pharmacokinetics 1995;29(3):172-191.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 28

Page 30: Casos Clinicos Em Psiquiatria

29 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31

Machado de Assis*

Ao certo, não se pode saber em que data teve Sales a sua pri-meira idéia. Sabe-se que, aos dezenove anos, em 1854, planeoutransferir a capital do Brasil para o interior, e formulou algumacousa a tal respeito; mas não se pode afirmar, com segurança, quetal fosse a primeira nem a segunda idéia do nosso homem.Atribuíram-lhe meia dúzia antes dessa, algumas evidentementeapócrifas, por desmentirem dos anos em flor, mas outras possíveise engenhosas. Geralmente eram concepções vastas, brilhantes,inopináveis ou só complicadas. Cortava largo, sem poupar panonem tesoura; e, quaisquer que fossem as objeções práticas, a ima-ginação estendia-lhe sempre um véu magnífico sobre o áspero e oaspérrimo. Ousaria tudo: pegaria de uma enxada ou de um cetro,se preciso fosse, para pôr qualquer idéia a caminho. Não digocumpri-la, que é outra cousa.

Casou aos vinte e cinco anos, em 1859, com a filha de umsenhor de engenho de Pernambuco, chamado Melchior. O pai damoça ficara entusiasmado, ouvindo ao futuro genro certo planode produção de açúcar, por meio de uma união de engenhos e deum mecanismo simplíssimo. Foi no Teatro de Santa Isabel, noRecife, que Melchior lhe ouviu expor os lineamentos principaisda idéia.

_ “Havemos de falar nisso outra vez, disse Melchior; por quenão vai ao nosso engenho?”

Sales foi ao engenho, conversou, escreveu, calculou, fascinouo homem. Uma vez acordados na idéia, saiu o moço a propagá-lapor toda a comarca; achou tímidos, achou recalcitrantes, mas foianimando a uns e persuadindo a outros. Estudou a produção dazona, comparou a real à provável, e mostrou a diferença. Vivia nomeio de mapas, cotações de preços, estatísticas, livros, cartas,muitas cartas. Ao cabo de quatro meses, adoeceu; o médicoachou que a moléstia era filha do excesso de trabalho cerebral, eprescreveu-lhe grandes cautelas.

Foi por esse tempo que a filha do senhor do engenho e umairmã deste regressaram da Europa, aonde tinham ido nos meadosde 1858. Es liegen einige gute Ideen in diesen Rock, dizia uma vezo alfaiate de Heine, mirando-lhe a sobrecasaca. Sales não desce-ria a achar semelhantes cousas numa sobrecasaca; mas, numalinda moça, por que não? Há nesta pequena algumas idéias boas,pensou ele olhando para Olegária, _ ou Legazinha, como se diziano engenho. A moça era baixota, delgada, rosto alegre e bom. Ainfluição foi recíproca e súbita. Melchior, não menos namorado

do rapaz que a filha, não hesitou em casá-los; ligá-lo à família eraassegurar a persistência de Sales na execução do plano.

O casamento fez-se em agosto, indo os noivos passar a lua-de-mel no Recife. No fim de dous meses, não voltando eles aoengenho, e acumulando-se ali uma infinidade de respostas aoquestionário que Sales organizara, e muitos outros papéis e opús-culos, Melchior escreveu ao genro que viesse; Sales respondeuque sim, mas que antes disso precisava dar uma chegadinha aoRio de Janeiro, cousa de poucas semanas, dous meses, no máxi-mo. Melchior correu ao Recife para impedir a viagem; em últimocaso, prometeu que, se esperassem até maio, ele viria também.Tudo foi inútil; Sales não podia esperar; tinha isto, tinha aquilo,era indispensável.

_ “Se houver necessidade de apressar a volta, escreva-me; masdescanse, a boa semente frutificará. Caiu em boa terra, con-cluiu enfaticamente.”

Ênfase não exclui sinceridade. Sales era sincero, mas umacousa é sê-lo de espírito, outra de vontade. A vontade estavaagora na jovem consorte. Entrando no mar, esqueceu-lhe a terra;descendo à terra, olvidou as águas. A ocupação única do seu serera amar esta moça, que ele nem sabia que existisse, quando foipara o engenho do sogro cuidar do açúcar. Meteram-se na Tijuca,em casa que era juntamente ninho e fortaleza; - ninho para eles,fortaleza para os estranhos, aliás inimigos. Vinham abaixo algu-mas vezes, _ ou a passeio, ou ao teatro; visitas raras e de cartão.Durou essa reclusão oito meses. Melchior escrevia ao genro quevoltasse, que era tempo; ele respondia que sim, e ia ficando;começou a responder tarde, e acabou falando de outras cousas.Um dia, o sogro mandou-lhe dizer que todos os apalavradostinham desistido da empresa. Sales leu a carta ao pé deLegazinha, e ficou longo tempo a olhar para ela.

_ “Que mais? perguntou Legazinha.”Sales afirmou a vista; acabava de descobrir-lhe um cabelinho

branco. Cãs aos vinte anos! Inclinou-se, e deu no cabelo um beijode boas-vindas. Não cuidou de outra cousa em todo o dia.Chamava-lhe “minha velha.” Falava em comprar uma medalhi-nha de prata para guardar o cabelo, com a data, e só a abririamquando fizessem vinte e cinco anos de casados. Era uma idéianova esse cabelo. Bem dizia ele que a moça tinha em si algumasidéias boas, como a sobrecasaca de Heine; não só as tinha boas,mas inesperadas.

Um dia, reparou Legazinha que os olhos do marido andavamdispersos no ar, ou recolhidos em si. Nos dias seguintes observoua mesma cousa. Note-se que não eram olhos de qualquer. Tinhama cor indefinível, entre castanho e ouro; _ grandes, luminosos e

Caso LiterárioSALESSALES

* Contos/Outros ContosObra Completa Vol. II pp. 1072-7[GN. 30 mai. 1887.]

Page 31: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31 30

até quentes. Viviam em geral como os de toda a gente; e, para ela,como os de nenhuma pessoa, mas o fenômeno daqueles dias eranovo e singular. Iam da profunda imobilidade à mobilidade súbi-ta e quase demente. Legazinha falava-lhe, sem que ele a ouvisse;pega-va-lhe dos ombros ou das mãos, e ele acordava.

_ “Hem? que foi?”Legazinha a princípio ria-se._ “Este meu marido! Este meu marido! Onde anda você?”Sales ria também, levantava-se, acendia um charuto, e entra-

va a andar e a pensar; daí a pouco mergulhava outra vez em si. Ofenômeno foi-se agravando. Sales passou a escrever horas e horas;às vezes, deixava a cama, alta noite, para ir tomar alguma nota.Legazinha supôs que era o negócio dos engenhos, e disse-lho,pendurando-se graciosamente do ombro:

_ “Os engenhos? repetiu ele. E voltando a si: _ Ah! os engen-hos...”

Legazinha temia algum transtorno mental, e procurava dis-traí-lo. Já saíam a visitas, recebiam outras; Sales consentiu em ir aum baile, na Praia do Flamengo. Foi aí que ele teve um princípiode reputação epigramática, por uma resposta que deu distraida-mente:

_ “Que idade terá aquela feiosa, que vai casar? perguntou-lheuma senhora com malignidade.”

_ “Perto de duzentos contos, respondeu Sales.”Era um cálculo que estava fazendo; mas o dito foi tomado à

má parte, andou de boca em boca, e muita gente redobrou oscarinhos com um homem capaz de dizer cousas tão perversas.

Um dia, o estado dos olhos foi cedendo inteiramente da imo-bilidade para a mobilidade; entraram a rir, a derramarem-se-lhepelo corpo todo, e a boca ria, as mãos riam, todo ele ria a espá-duas despregadas. Não tardou, porém, o equilíbrio: Sales voltouao ponto central, mas - ai dela! - trazia uma idéia nova.

Consistia esta em obter de cada habitante da capital umacontribuição de quarenta réis por mês, - ou, anualmente, quatro-centos e oitenta réis. Em troca desta pensão tão módica, recebe-ria o contribuinte durante a semana santa uma cousa que nãoposso dizer sem grandes refolhos de linguagem. Que ele há pes-soas neste mundo que acham mais delicado comer peixe cozido,que lê-lo impresso. Pois era o pescado necessário à abstinência,que cada contribuinte receberia em casa durante a semana santa,a troco de quatrocentos e oitenta réis por ano. O corretor, a quemSales confiou o plano, não o entendeu logo; mas o inventor expli-cou-lhe.

_ “Nem todos pagarão só os quarenta réis; uma terça parte,para receber maior porção e melhor peixe, pagará cem réis.Quantos habitantes haverá no Rio de Janeiro? Descontandoos judeus, os protestantes, os mendigos, os vagabundos, etc.,contemos trezentos mil. Dous terços, ou duzentos mil, a qua-renta réis, são noventa e seis contos anuais. Os cem mil res-tantes, a cem réis, dão cento e vinte. Total: duzentos e dezes-seis contos de réis. Compreendeu agora?”

_ “Sim, mas...”Sales explicou o resto. O juro do capital, o preço das ações

da companhia, porque era uma companhia anônima, número dasações, entradas, dividendo provável, fundo de reserva, tudo esta-va calculado, somado. Os algarismos caíam-lhe da boca, lúcidos egrossos, como uma chuva de diamantes; outros saltavam-lhe dos

olhos, à guisa de lágrimas, mas lágrimas de gozo único. Eram cen-tenas de contos, que ele sacolejava nas algibeiras, passava às mãose atirava ao tecto. Contos sobre contos; dava com eles na cara docorretor, em cheio; repelia-os de si, a pontapés; depois recolhia-os com amor. Já não eram lágrimas nem diamantes, mas uma ven-tania de algarismos, que torcia todas as idéias do corretor, pormais rijas e arraigadas que estivessem.

_ “E as despesas?” disse este.Estavam previstas as despesas. As do primeiro ano é que

seriam grandes. A companhia teria virtualmente o privilégio dapescaria, com pessoal seu, canoas suas, estações de paróquias,carroças de distribuição, impressos, licenças, escritório, diretoria,tudo. Deduzia as despesas, e mostrava lucro positivo, claro,numeroso. Vasto negócio, vasto e humano; arrancava a populaçãoaos preços fabulosos daqueles dias de preceito.

Trataram do negócio; apalavraram algumas pessoas. Salesnão olhava a despesa para pôr a idéia a caminho. Não tinha maisque o dote da mulher, uns oitenta contos, já muito cerceados; masnão olhava a nada. São despesas produtivas, dizia a si mesmo. Erapreciso escritório; alugou casa na Rua da Alfândega, dando gros-sas luvas, e meteu lá um empregado de escrita e um porteiro far-dado. Os botões da farda do porteiro eram de metal branco, etinham, em relevo, um anzol e uma rede, emblema da companhia;na frente do bonet via-se o mesmo emblema, feito de galão deprata. Essa particularidade, tão estranha ao comércio, causoualgum pasmo, e recolheu boa soma de acionistas.

_ “Lá vai o negócio a caminho!” dizia ele à mulher, esfregan-do as mãos.”

Legazinha padecia calada. A orelha da necessidade começa-va a aparecer por trás da porta; não tardaria a ver-lhe o carão chu-pado e lívido, e o corpo em frangalhos. O dote, capital único, ia-se indo com o necessário e o hipotético. Sales, entretanto, nãoparava, acudia a tudo, à praça e à imprensa, onde escreveu algunsartigos longos, muito longos, pecuniariamente longos, recheadosde Cobden e Bastiat, para demonstrar que a companhia, trazianas mãos “o lábaro da liberdade.”

A doença de um conselheiro de Estado fez demorar os esta-tutos. Sales, impaciente nos primeiros dias, entrou a conformar-se com as circunstâncias, e até a sair menos. Às vezes vestia-separa dar uma vista ao escritório; mas, apertado o colete, rumina-va outra cousa e deixava-se ficar. Crendice do amor, a mulhertambém esperava os estatutos, rezava uma ave-maria, todas asnoites, para que eles viessem, que se não demorassem muito.Vieram; ela leu, um dia de manhã, o despacho de indeferimento.Correu atônita ao marido.

_ “Não entendem disto, respondeu Sales, tranqüilamente.Descansa; não me abato assim com duas razões.”

Legazinha enxugou os olhos._ “Vais requerer outra vez?” perguntou-lhe._ “Qual requerer!”Sales atirou a folha ao chão, levantou-se da rede em que esta-

va, foi à mulher; pegou-lhe nas mãos, disse-lhe que nem cemgovernos o fariam desfalecer. A mulher, abanando a cabeça:

_ “Você não acaba nada. Cansa-se à toa... No princípio tudosão prodígios; depois... Olha o negócio dos engenhos quepapai me contou...”

_ “Mas fui eu que me indeferi?”

Page 32: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Sales

31 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31

_ “Não foi; mas há que tempos anda você pensando em outracousa!”

_ “Pois sim, e digo-te...”_ “Não digas nada, não quero saber nada”, atalhou ela.Sales, rindo, disse-lhe que ainda havia de arrepender-se, mas

que ele lhe daria um perdão “de rendas,” nova espécie de perdão,mais eficaz que nenhum outro. Desfez-se do escritório e dosempregados, sem tristeza; chegou a esquecer-se de pedir luvas aonovo inquilino da casa. Pensava em cousa diferente. Cálculos pas-sados, esperanças ainda recentes, eram cousas em que parecia nãohaver cuidado nunca. Debruçava-se-lhe do olho luminoso umaidéia nova. Uma noite, estando em passeio com a mulher, con-fiou-lhe que era indispensável ir à Europa, viagem de seis mesesapenas. Iriam ambos, com economia... Legazinha ficou fulmina-da. Em casa respondeu-lhe, que nem ela iria, nem consentiria queele fosse. Para quê? Algum novo sonho. Sales afirmou-lhe que erauma simples viagem de estudo, França, Inglaterra, Bélgica, aindústria das rendas. Uma grande fábrica de rendas; o Brasildando malinas e bruxelas.

Não houve força que o detivesse, nem súplicas, nem lágri-mas, nem ameaças de separação. As ameaças eram de boca.Melchior estava, desde muito, brigado com ambos; ela não aban-donaria o marido. Sales embarcou, e não sem custo, porqueamava deveras a mulher; mas era preciso, e embarcou. Em vez deseis meses, demorou-se sete; mas, em compensação, quando che-gou, trazia o olhar seguro e radiante. A saudade, grande miseri-cordiosa, fez com que a mulher esquecesse tantas desconsolações,e lhe perdoasse _ tudo.

Poucos dias depois alcançou ele uma audiência do Ministrodo Império. Levou-lhe um plano soberbo, nada menos que arra-sar os prédios do Campo da Aclamação e substituí-los por edifí-cios públicos, de mármore. Onde está o quartel, ficaria o palácioda Assembléia Geral; na face oposta, em toda a extensão, o palá-cio do imperador. David cum Sibyla. Nas outras duas faces late-rais ficariam os palácios dos sete ministérios, um para a CâmaraMunicipal e outro para o Diocesano.

_ “Repare V. Exa. que é toda a Constituição reunida, dizia elerindo, para fazer rir o ministro; falta só o Ato Adicional. Asprovíncias que façam o mesmo.”

Mas o ministro não se ria. Olhava para os planos desenrola-dos na mesa, feitos por um engenheiro belga, pedia explicaçõespara dizer alguma cousa, e mais nada. Afinal disse-lhe que ogoverno não tinha recursos para obras tão gigantescas.

_ “Nem eu lhos peço,” acudiu Sales. “Não preciso mais que dealgumas concessões importantes. E o que não concederá ogoverno para ver executar este primor?”

Durou seis meses esta idéia. Veio outra, que durou oito; foium colégio, em que pôs à prova certo plano de estudos. Depoisvieram outras, mais outras... Em todas elas gastava alguma cousa,

e o dote da mulher desapareceu. Legazinha suportou com alma asnecessidades; fazia balas e compotas para manter a casa. Entreduas idéias, Sales comovia-se, pedia perdão à consorte, e tentavaajudá-la na indústria doméstica. Chegou a arranjar um empregoínfimo, no comércio; mas a imaginação vinha muita vez arrancá-lo ao solo triste e nu para as regiões magníficas, ao som dos gui-zos de algarismos e do tambor da celebridade.

Assim correram os primeiros seis anos de casamento.Começando o sétimo, foi nosso amigo acometido de uma lesãocardíaca e de uma idéia. Cuidou logo desta, que era uma máqui-na de guerra para destruir Humaitá; mas a doença, máquina eter-na, destruiu-o primeiro a ele. Sales caiu de cama, a morte veiovindo; a mulher, desenganada, tratou de o persuadir a que sesacramentasse.

_ “Faço o que quiseres”, respondeu ele ofegante.Confessou-se, recebeu o viático e foi ungido. Para o fim, o

aparelho eclesiástico, as cerimônias, as pessoas ajoelhadas, aindalhe deram rebate à imaginação. A idéia de fundar uma igreja,quando sarasse, encheu-lhe o semblante de uma luz extraordiná-ria. Os olhos reviveram. Vagamente, inventou um culto, sacerdo-te, milhares de fiéis. Teve reminiscências de Robespierre; faria umculto deísta, com cerimônias e festas originais, risonhas como onosso céu... Murmurava palavras pias.

_ “Que é?” Dizia Legazinha, ao pé da cama, com uma dasmãos presa entre as suas, exausta de trabalho.

Sales não via nem ouvia a mulher. Via um campo vastíssimo,um grande altar ao longe, de mármore, coberto de folhagens eflores. O sol batia em cheio na congregação religiosa. Ao pé doaltar via-se a si mesmo, magno sacerdote, com uma túnica delinho e cabeção de púrpura. Diante dele, ajoelhadas, milhares emilhares de criaturas humanas, com os braços erguidos ao ar,esperando o pão da verdade e da justiça... que ele ia... distribuir...

Agradecimento e breve consideração diagnóstica

CCP agradece a Ramon M. Cosenza, professor sênior e dou-tor do Departamento de Morfologia do Instituto de CiênciasBiológicas da UFMG e atual membro da Residência dePsiquiatria do Hospital das Clínicas da UFMG, pelo envio desseconto a um tempo humano e trágico. Do ponto de vista psicopa-tológico, dada a disfunção ocupacional e social de Sales e seuquadro clínico, pode-se pensar em transtorno do espectro bipo-lar com traços narcísicos de personalidade. Indicação bibliográfi-ca digna de nota é o livro de J. Leme Lopes “A Psiquiatria deMachado de Assis”; São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte:Agir, 1974.

Page 33: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Andrés Heerlein

Resumen

Mediante un análisis histórico-biográfico y psicopatológico de la viday obra de Vincent van Gogh, el presente estudio intenta una aproxi-mación longitudinal a los principales diagnósticos médicos y psiquiá-tricos rotulados en este caso. Basado en múltiples estudios biográfi-cos y psiquiátricos, se describen las principales etapas de la vida delpintor y su personalidad premórbida. Se analiza su producción pic-tórica y su correspondencia con Theo van Gogh, poniendo especialatención a las interrogantes diagnósticas asociadas. Se describe elpródromo de su trastorno psicótico, la psicopatología y el trágicodesenlace. Finalmente se discuten los aspectos diferenciales de losprincipales diagnósticos planteados, cuales son neurolúes, epilepsia opsicósis endógena, intentando poner especial énfasis en los aspectoslongitudinales de su desarrollo biográfico y psicopatológico.

Palabras-claves: Desorden Mentales; Psicopatología; Historia;Neurosífilis; Epilepsia; Desorden Afectiva, Psicósis

El estudio de la compleja vida de Vincent van Gogh y de sudramático desenlace constituyen uno de los desafíos mas intere-santes y difíciles que un especialista proveniente de la medicinapueda emprender. Desde luego contamos con importantespatografías legadas por connotados psicopatólogos de la talla deKarl Jaspers, que casi hacen innecesaria una revisión del tema.Luego está la enorme cantidad de interpretaciones que se le hanotorgado a cada una de las fases mórbidas de su existencia, asícomo un sinnúmero de teorías explicativas acerca de su enfer-medad. Finalmente queda el problema mas complejo, cual es, elintentar analizar la patografía de un genio que modificara signi-ficativamente el destino del arte y la pintura occidental. Porque alhablar de un genio nos referimos a una persona que, en diferentesdimensiones, escapa a los patrones de normalidad y adecuaciónque acostumbramos a usar en medicina y psicología. ¿Es acasoposible efectuar una exploración psicopatológica y aventurar udiagnóstico cuando se trata de un genio?

Como podemos ver, el compenetrarse con este tema consti-tuye un verdadero desafío, que no sólo exige la mayor concen-tración e ilustración posible sino que nos sitúa frente a preguntasinsolubles. No obstante, creo que es importante asumir este estu-

dio, tanto por la importancia del connotado paciente como porsus eventuales consecuencias para la mejor comprensión de loslímites y fronteras de las posibilidades creativas de nuestros enfer-mos. Porque si bien van Gogh era un genio, a la vez se trataba deun paciente con un padecimiento muy similar al de múltiples per-sonas que enfrentamos en nuestro diario vivir como psiquiatras.

Y es por ello que la psiquiatría no puede quedar ajena alanálisis y la comprensión de las complejas interacciones quepuedan existir entre la anormalidad psíquica y el fenómeno de lagenialidad.

El presente estudio se basa en las revisiones histórico-biográ-ficas de Tralbaut,1 de Walther y Metzger2 y de Nágera,3 como asítambién en los estudios psicopatológicos de Karl Jaspers4 y deLemcke,5 apoyados ambos en la correspondencia de Vincent aTheo van Gogh y a sus otros familiares. Se intenta además con-siderar los aspectos hereditarios, clínicos y diagnósticos postula-dos hasta ahora, efectuando un breve diagnóstico diferencial.Finalmente se discuten los principales argumentos sobre los quese debieran apoyar las teorías diagnósticas acerca del mal queafectara a Vincent van Gogh.

Biografía

La extensión del tema no nos permite adentrarnos en cadauno de los eventos conocidos de la vida de Vincent van Gogh, porlo que tendremos que concentrarnos en los aspectos mas rele-vantes o bien, los eventualmente asociados a su nosología. LaTabla 1 ordena en el tiempo las principales etapas de su vida.

Podemos observar diferencias significativas en los distintosperíodos de la vida de van Gogh. En honor al espacio, nos limi-taremos a destacar los períodos mas relevantes del artista en rela-ción a su desarrollo psicopatológico. Su infancia estuvo marcadapor el duelo del primogénito y mortinato Vincent, fallecido unaño antes del nacimiento del pintor. La muerte del primogénitoVincent afectó fuertemente a la pareja van Gogh-Carbentus, losque dejaron un recuerdo lapidario enfrente de la iglesia. Vincent,el pintor, tuvo en sus primeros años de vida frecuente contactocon esta lápida y la tumba de su hermano mayor, enfrentándoseasí precozmente al tema de la muerte.

La adolescencia y juventud transcurren en una aparente nor-malidad y tranquilidad, destacando la extremada seriedad con quese describe al joven van Gogh desde sus inicios. Su buena adapta-ción inicial al rol profesional en al comercio artístico, particular-mente en el período de La Haya, no permiten sospechar el dolo-

PatografiaPATOGRAFIA DE VINCENT VAN GOGHVINCENT VAN GOGH’ S PATHOGRAPHY

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 32

Departamento de Psiquiatría y Salud Mental, Facultad deMedicina, Campus Norte. Universidad de Chile.

Endereço para correspondência:Dept. de Psiquiatría y Salud Mental, Facultad de Medicina,Campus Norte.Universidad de Chile.Av. La paz 1.003 - Santiago de Chile - Chile

Page 34: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Patografia de Vincent van Gogh

roso camino que le deparaba el destino a Vincent. La estabilidady adaptación laboral dura casi cinco años, desmoronándose enInglaterra en relación a un amor no correspondido. Luego de sudesilusión amorosa en Londres surge un cambio muy notorio enla vida del pintor, caracterizado por el inicio de los problemaslaborales, la desorientación vocacional, el despido de parte de laGalería Goupil, el creciente interés religioso, la desadaptaciónsocial y la necesidad de desarrollar una actividad predicadora.

Entre 1876 y 1880 Vincent intenta estructurar sin resultadoun destino religioso, primero como estudiante de teología y luegocomo pastor improvisado en la región del Borinage, regresando alhogar paterno en condiciones deplorables.

A partir de 1880 van Gogh se distancia de la religión, regre-sando a sus inquietudes pictóricas. Intenta estructurar una carre-ra artística, lo que va ocurriendo sin un orden establecido. En elinterin, surgen nuevas desilusiones amorosas e importantes dife-rencias familiares. El estrecho vínculo e irrestricto apoyo de suhermano Theo comienza a ser cada vez mas central en su biogra-fía. Aunque mejor adaptado, en esta etapa van Gogh continúacaracterizandose por una tendencia al aislamiento, por los rasgosintrovertidos, por sus evidentes dificultades en el relacionamien-to social y cotidiano, por su desadaptación y por una probableinestabilidad emocional.

Los estudios de Lemcke nos revelan la totalidad de las cartasde Vincent a Theo van Gogh, destacandose las cartas que presen-tan alteraciones psicopatológicas.5 Podemos observar que en esteperíodo (1882-1884) surge un número considerable de cartas quepresentan alteraciones psicopatológicas, si bien leves.

En 1886 Vincent se traslada a Paris, disminuyendo significa-tivamente la correspondencia con Theo. Por ende, desconocemosgran parte de la situación interna del pintor durante esta fase. Apartir de Febrero de 1888 hay un repunte anímico evidente en lavida del pintor, evidenciado tanto por las cartas como por la pro-ductividad pictórica.

Este período corresponde a la fase provenzal, donde Vincentintenta organizar una comunidad de artistas en la colorida ciudadde Arles. A mediados de 1888 aparecen los primeros signos psi-copatológicos, relatados por el propio pintor, culminando en laprimera crísis psicótica evidente a fines (Navidad) de 1888. Esteperíodo coincide con la visita y posterior distanciamiento de PaulGaugin, con quién comparte casa, productividad y devenir porcasi dos meses. Desde su llegada a Arles, Vincent trabaja en fun-ción de consolidar la comunidad de artistas. La visita de Gaugines esperada largamente y con gran exitación. Gaugin no compar-te las visiones artísticas y personales de Vincent, produciendoseun desencuentro creciente. El 23 de Diciembre de 1888 se desen-cadena un primer episodio psicótico, el que coincide con el dis-tanciamineto de Gaugin, la desilusión y el fracaso del proyectocomunitario en la Provence. A partir de este momento Vincentpresenta múltiples crísis psicóticas intermitentes que ameritanrehospitalización.

Los hallazgos psicopatológicos en sus cartas a Theo se hacenmas evidentes, requiriendo una estrecha vigilancia por parte de suhermano. A pesar de su reclusión voluntaria en el asilo de Saint-Rémy, cerca de Arles, la productividad pictórica se mantiene inal-terada.

En Mayo de 1890 se traslada a Auvers-sur-Oise para recibirun tratamiento de parte del doctor Gachet, donde mantiene suritmo de gran producción pictórica.

Fallece a fines de julio de 1890, sin un anuncio previo, expli-cación ni un signo de premeditación suicidal. Pocos días antes deltrágico desenlace pinta sus últimas obras, manteniendo en líneasgenerales el estilo y las caracteristicas centrales de su obra.Durante este período, Vincent mantiene la correspondencia con

33 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

Nacimiento (mortinato) del hermano mayor del pintor Vincent vanGogh, bautizado con el nombre de Vincent.Nacimiento de Vincent Willelm van Gogh, en Groot Zundert,Holanda.Nacimiento de Theo van Gogh.Primeros dibujos, apoyado por su madre.Estudios en el colegio-internado de Jan Provily en Zevenbergen.Estudios en Tilburg por 18 meses.Dependiente en la galería de arte Goupil, La Haya y Bruselas.Traslado a Londres por Goupil; desilusión amorosa con Ursula(Eugénie) Loyer; cambio psicopatológico y preocupaciones religiosas.Destinado a Goupil en Paris; conflictos laborales e inclinaciones bíblicas.Regreso a Londres. Despedido en Goupil, trabaja en Inglaterra comomaestro de escuela en Ramsgate. Camina 110 km, de Ramsgate aLondres. “Ayudante” del reverendo de Isleworth. Primera prédica.Vuelta a la casa paterna a Etten, Holanda.Marcha a Amsterdam para ingresar al seminario de Teología.Abandono de sus estudios.Vuelta al hogar e inscripción en una escueevangelista en Bruselas. En Noviembre es enviado como evangelistavoluntario a la región minera de Borinage.Pastor provisional en Wasmes (Borinage) hasta Julio; fervor desme-dido, regala su ropa, cuida a los enfermos, duerme sobre tablas; lotildan de “loco”; fracaso global en la misión; nuevo cambio psicopa-tológico.Vagabundea por los caminos. Continúa como misionero, por su cuen-ta. En Julio decide hacerse pintor y comienza sus estuidos deanatomía y perspectiva. Comienza ayuda económica de Theo.Nuevo drama sentimental con su prima Kee. Cambio a La Haya,donde el pintor Mauve.Relación sentimental con prostituta (Clasina) con quien convive por20 meses; hospitalizado por infección gonocósica; intento serio deoficializar el vínculo y adoptar el hijo de Clasina; conflicto y rechazofamiliar.Ruptura “forzada” con Clasina, vuelve con sus padres.Muerte de su padre; marcha a Amberes a estudiar a Rubens. Sífilis?Ingresa a regañadientes a una academia bajo la dirección de Sieberty Verlat, en Amberes; en marzo, cambio a Paris con la familia de Theo,inicio de contacto con pintores vanguardistas.Contacto con Toulouse-Lautrec, Pissarro, Degas, Serat, Signac yGauguin. Inicio de etapa productiva.En Febrero, cambio a Arles (Provence); proyecto de una colonia deartistas. Intensa productividad; en Octubre llega Gauguin; el 24 deDiciembre intenta agredir a Gauguin, ruptura, mutilación y ofrenda desu hemioreja inferior; primera reclusión hospitalaria, por dos semanas.Alucinaciones intermitentes.Rehospitalización en Marzo, por un mes.Visita de Signac. Traslado al asilo de Saint-Rémy, cerca de Arles.Períodos de lucidez alternados con violentas crisis. Gran productivi-dad pictórica.Nace el primer hijo de Theo; en Mayo traslado a Paris y luego aAuvers con el Doctor Gachet; continúa productivo, pero en crisis.Continúa escribiendo, pintando y leyendo literatura seria. El 27 dejulio se dispara un tiro en el pecho, muriendo a los dos días. Ultimaspalabras:“La misére ne finira jamais”.Internación a un asilo psiquiátrico y fallecimiento de Theo.

1852

1853

185718641865186718691873

18751876

18771878

1879

1880

1881

1882

188318851886

1887

1888

1889

1890

1891

Tabla 1 - Hitos biográficos en la vida de Vincent van Gogh

Page 35: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Theo y continúa leyendo a autores complejos como Voltaire yZolá, entre otros.

Aspectos Médicos

Antecedentes Familiares

La Tabla 2 revela en forma cronológica los antecedentesmédico-psiquiátricos relacionados con la vida de Vincent vanGogh y su familia nuclear. Cabe destacar aquí el antecedente pro-porcionado por el propio pintor acerca de su familia materna(Carbentus), donde se sostiene que una tía habría sido epilépticay que habrían habido múltiples desordenes mentales en su familia.

En la historia familiar nuclear destaca el muy probable suici-dio del hermano menor, Cornelius o ‘Cor’, acontecido enSudáfrica, la psicosis crónica de Wilhelmine, su hermana predi-lecta y la enfermedad de Theo, quién fallece en un hospital psi-quiátrico en Utrecht un año después del suicidio de Vincent. Sedesconocen los detalles de la patología de Theo, pero se ha pos-tulado un cuadro psicótico progresivo. Algunos autores han pos-tulado una neurosífilis, la que también ha sido rotulada para sudestacado protegido.6,7 No obstante, no hay suficientes elemen-tos probatorios que apoyen la teoría de una neurolúes comparti-da por ambos hermanos, lo que será discutido posteriormente.

Personalidad Premórbida

Las escasas descripciones existentes en relación al niñoVincent van Gogh coinciden en describirlo como un ‘niño-adulto’, serio, retraído, solitario, disciplinado, observador, inteli-gente y amante de la naturaleza. No hay antecedentes de la exis-tencia de conflictos familiares gravitantes, pero podemos suponerque la muerte del primogénito Vincent y el constante recuerdo, através de la visita ineludible a la tumba de su hermano, tuvieronuna influencia considerable en el desarrollo temprano del artista.7Según su cuñada Johanna, ya en la infancia Vincent tenía uncarácter difícil, pendenciero y obstinado. Se apasionaba por la

naturaleza, los animales, las flores, y coleccionaba toda clase deobjetos. El contacto con los escolares de la aldea lo habría vueltoaún mas intranquilo, por lo que los van Gogh contratan una niñe-ra. Esta describiría mas tarde al niño Vincent como extraño, dife-rente a los demás. “Su comportamiento era raro y excéntrico, lo quele valía muchos castigos”. Vincent era para ella el menos agradablede los hijos. La descripción de la viuda de Bie-van Aalst, detalla-das en el libro de Tralbaut, coinciden en señalar que, a diferenciade Theo. Vincent era un niño serio. Según su hermana Elizabeth,Vincent era un niño solitario y apartado.1

No encontramos mayor información sobre la pubertad y laadolescencia de Vincent, pero nos parece probable que no hayadiferido mucho de su infancia. A los 12 años es enviado al inter-nado de Zevenbergen, donde no se habría adaptado bien.Tiempo despues Vincent le relata a Theo la gran nostalgia delhogar que sintiera durante este período, esperando con ansias lasvisitas de sus padres y añorando las escasas visitas al seno familiar.Segun Nágera, esta separación del hogar habría tenido gravitan-tes consecuencias para el desarrollo de van Gogh. El carácter soli-tario e introvertido se habría acentuado gracias a la vivencia sub-jetiva de separación del hogar, la que nunca habría sido resuelta.3

Posteriormente, en el período de La Haya, Vincent habríaalcanzado un mejor nivel de adaptación social y laboral, revelan-do cierta estabilidad. No obstante, no contamos con informaciónconfiable acerca de su personalidad y sus vivencias en este perío-do. Suponemos que el traslado a Londres, determinado por lagalería Goupil, no fue bien recibido por Vincent, quien se alejabaaún mas del hogar. Sin embargo, no hay antecedentes que sugie-ran graves alteraciones durante el primer período de su estadía enInglaterra. A los 20 años de edad, Vincent vive como pensionistaen la casa de la señora Loyer, donde se enamora de su hija.

Luego de la desilusión amorosa en Londres se produce unimportante cambio de la personalidad de van Gogh, donde se evi-dencian rasgos de creciente excentricidad, introversión, tenden-cias proselitistas, rasgos fanáticos, desadapatación y tendencias alaislamiento. Estas características se mantendrán a lo largo de lavida del pintor. Vincent es descrito como excéntrico, individualis-ta, romántico y contradictorio. En numerosas oportunidades lodescriben como un ‘loco’, en particular durante el período reli-gioso. No obstante, la excentricidad no aparece reflejada en laconducta general, sino en la forma de emprender sus proyectos.A los 24 años Vincent trabaja brevemente como librero enDordrecht, donde un colega lo describe de la siguiente forma: “Esun muchacho poco atractivo, mas bien insociable y que rara vezhabla con alguien en la tienda”.3 Se toma la vida muy en serio, lavive siempre en forma intensa y sin eludir los desafíos. Es unapersona muy alejada de los intereses materiales y desde muy tem-prano tiene que ser apoyado económicamente por su familia.Solitario, sensible e introvertido, van Gogh no pierde tiempo enadaptaciones al orden establecido, manteniendo siempre unacuriosa relación con un orden moral o estético superior. Las esca-sas descripciones de su relacionamiento social dejan entrever unaclara inseguridad personal, particularmente en sus vínculos con elsexo opuesto. Simpatizante de los niños, de los pobres y débilesen general, Vincent no logra dar concreción a estos impulsos ensu vida cotidiana, manteniéndose en un plano de soledad masabstracto. La extrema sensibilidad, su introversión y la falta de

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 34

Vincent es hospitalizado três semanas por una infección gonocósica.Eventual tratamiento de Vincent con yoduro de potasio: lúes?Eventual tratamiento de Theo con yoduro de potasio por lúes secun-daria.Primera hospitalización en Arles. Mutilación de hemioreja inferior.Múltiples hospitalizaciones por episodios psicóticos transitorios.Intento de suicidio.Vincent declara que la hermana de su madre era epiléptica y quehabía muchos casos de desordenes mentales en la familia.Traslado a Auvers-sur-Oise; tratamiento por el Dr. Gachet.Posible suicidio de ‘Cor’, el hermano menor de Vincent, en Sudáfrica.Suicidio de Vincent.Muerte de Theo en Utrecht, en un sanatorio psiquiátrico.Ingreso de Willhelmien, la hermana preferida, a un asilo psiquiátrico,donde permanecerá recluida hasta su muerte, en 1941. Intentos desuicidio que requerirán contención ocasional.

188218851886

18881889

1889

18901890189018911892

Tabla 2 - Antecedentes médico-psiquátricos de Vincent van Gogh y dela familia van Gogh - Carbentus

Page 36: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Patografia de Vincent van Gogh

sentido realista le impiden establecer puentes sociales, quedandosiempre en una profunda soledad. Como bien señalara Jaspers,van Gogh presenta una clara inclinación a la soledad y al ensimis-mamiento, aunque “está siempre suspirando por la amistad y eltrato de las gentes que tan obstinadamente rehuye”.4

En síntesis, los escritos permiten definir con cierta certeza lapersonalidad premórbida de van Gogh como sigue: introvertido,sensible, profundo, excéntrico, solitario, con rasgos fanáticos,amante de la naturaleza, con poca capacidad para tolerar frustra-ciones y una clara desadaptación social. Su funcionamiento cog-nitivo se caracteriza por una intensa emocionalidad, generalmen-te incierta e incongruente, con tendencias holísticas, rigidez y laescasa tolerancia a las frustraciones, en el marco de rasgos de neu-roticismo e inestabilidad crecientes.

Ocasionalmente se desprenden de su conducta y de sus car-tas rasgos de psicoticismo, de depresividad, de tendencias auto-destructivas y una evidente incapacidad de adecuación a la reali-dad social y económica.

Pródromo del primer episodio psicótico

En Febrero de 1888 Vincent llega a Arles con la esperanza deconstituir una comunidad de artistas. Desde un comienzo el pin-tor comienza a alabar las virtudes de esta soleada región del surde Francia, mostrando en su productividad pictórica y en sus car-tas una creciente satisfacción. Con la ayuda de Theo, Vincent seconcentra plenamente en su obra y su proyecto, logrando conso-lidar un notable registro pictórico. A mediados de 1888 fallece eltío Vincent (Cent), quién originalmente favorecía y protegía alpintor, pero ahora lo deshereda. No obstante, desde su llegada aArles, van Gogh se muestra optimista, productivo, creativo yesperanzado. Es posible pensar en la presencia de una alteraciónhipomaniacal, como veremos posteriormente. En Agosto de1888, Vincent comienza a especular con la llegada de Gaugin,quién finalmente llega a regañadienetes en Octubre. Durante elperíodo de espera, van Gogh se dedica a remozar la casa amaril-la, pintando varios lienzos (Girasoles) con fines decorativos.Segun Jaspers, ya en ésta época se visualizan los primeros signosde una alteración psicopatológica.4 Las espectativas de la llegadade Gaugin son poco realistas y surgen de la visión romantica delartista. Semanas antes de la llegada de Gaugin Vincent le escribea su hermano Theo: “Si, es cierto me avergüenzo de ello, pero qui-siera impresionar a Gauguin con mi trabajo...; su venida va a alte-rar mi manera de pintar...”.1 Pocos dias antes de la llegada deGauguin, Vincent escribe: “He intentado presionar mi propio tra-bajo lo máximo posible, en mi deseo de poder mostrarle algo nove-doso, de no ser objeto de su influencia antes de poder mostrarle mipropia individualidad...”. Durante este período, trabaja en formafebril, descuidando su alimentación, sueño y necesidad de repo-so. En forma profética anuncia su devenir en su última carta antesde la ansiada llegada de Gauguin:

“No estoy enfermo, pero sin duda pronto lo estaré si no con-sumo bastante alimento y dejo de pintar por algunos días.De hecho, estoy muy próximo al estado de locura de Hugovan der Goes en el cuadro de Emil Wauters. Y si no fueraporque yo tengo una doble naturaleza, una de monje y otra

de pintor, ya hace mucho tiempo que debería estar reducidocompleta e irremediablemente a la condición antes mencio-nada. No obstante, no pienso que mi locura tomaría laforma de manía de persecución, ya que en los estados de exi-tación mis sentimientos me conducen mas bien a la contem-plación de la eternidad, y de la vida eterna. En todo caso,debo estar muy atento con mis nervios, etc...”.1

La excitación que Vincent siente con la llegada de Gauginrápidamente se compromete con una compleja convivencia deambos artistas. Sus visiones del arte y del mundo son enteramen-te disímiles, logrando sólo un encuentro superficial. Gaugin ame-naza con irse, mientras van Gogh entra en un estado de crecien-te inestabilidad. De acuerdo con Gaugin, Vincent se torna irrita-ble, agresivo, impulsivo, mutista e impredecible. Padece insom-nio de continuación, y ocasionalmente lo habría espiado duranteel sueño. Luego de una disputa van Gogh sigue a Gaugin por lascalles de Arles con una navaja de afeitar, quien lo confronta.

Dejemos que el mejor testigo del pródromo de la psicosis deVincent, Paul Gauguin, nos relate los hechos:

“Cuando llegué a Arles, Vincent estaba intentando encon-trar su camino, mientras que yo, que era mucho mayor, yaera un hombre maduro... Durante el último período de miestancia, Vincent se convirtió en excesivamente brusco y rui-doso, y de repente silencioso. varias noches descubrí que,habiéndose despertado, estaba al pie de mi cama...Invariablemente era suficiente que yo le dijera en tonograve: ’Vincent ¿te pasa algo?’, para que volviera a la camasin decir palabra y cayera en un sueño profundo. Tuve laidea de pintar su retrato mientras estaba pintando su bode-gón favorito, girasoles. Y una vez terminado el retrato medijo: ’Si que soy yo, pero me he vuelto loco’. La misma nochefuimos al café, donde tomó un ajenjo ligero. De repente metiró el vaso y su contenido a la cabeza. Eludí el golpe ytomándolo con fuerza en mis brazos, salí del café; pocosminutos después Vincent se encontraba en cama, donde dur-mió hasta la mañana siguiente. Al despertarse me dijo:‘Querido Gauguin, me parece recordar vagamente que ano-che te ofendí’ a lo que le contesté: ‘Con ganas te perdono,pero el incidente de anoche podría repetirse, y si me alcanzaun golpe podría perder los estribos y estrangularte.Permíteme pues, que le escriba a tu hermano y le anunciemi regreso’. Al atardecer, y después de haber comido rápida-mente mi cena, sentí la necesidad de salir solo y tomar aire.Había cruzado ya la plaza de Victor Hugo, cuando oí detrásmío un paso rápido e irregular, muy familiar. Di la vueltajusto en el momento en que Vincent se abalanzaba hacia mícon una navaja de afeitar abierta en la mano. Mi mirada enese momento tiene que haber sido verdaderamente muypoderosa, porque se paró y bajando la cabeza, se fue corrien-do en dirección a nuestra casa...”8

Al día siguiente, el 24 de Diciembre de 1888, la policía loencuentra inconsciente en su habitación. De acuerdo al reportede un diario local, en la misma noche de la confrontación conGauguin, Vincent vuelve a la casa amarilla y se mutila la hemio-reja izquierda, entregando la pieza envuelta en un paño a una

35 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

Page 37: Casos Clinicos Em Psiquiatria

conocida (Rachel) de un burdel vecino. A partir de este episodio,Vincent se convierte en paciente hospitalario recurrente, lo queno obsta que mantenga una febril productividad pictórica, hastasu muerte, ocurrida 18 meses después.

Psicopatología y evolución

Lamentablemente, las descripciones clínicas de los diferentesepiodios psicóticos de Vincent van Gogh son muy escasas. EnNavidad de 1888, después del episodio de automutilación de suhemioreja inferior, Theo viaja a Arles, donde describe el estadode su hermano como sigue: “Por momentos aparece lúcido, peroluego, subrepticiamente cae en una divagación filosófica o teológi-ca. A veces, toda la miseria de su pasado resurge en el; el quiere llo-rar, pero no puede hacerlo”.1 El 1. de Enero de 1889 Vincent apa-rece mas recuperado, escribiendo a Theo: “Espero que Gauguin tereembolse completamente, también un poco en el negocio de la pin-tura. Espero comenzar pronto con mi trabajo”. Luego añade:“Escríbele una línea a mama por mi, para que nadie se preocupe”.

En el reverso de dicha carta le envía un mensaje de amistad aGauguin, hablando de “alta fiebre” y de “debilidad comparable”.El 2 de Enero su médico tratante, el Dr. Rey le escribe a Theoseñalando que Vincent se recupera rápidamente y que el estadode sobreexcitación solo será temporal.1 El 7 de Enero es dado dealta, con su cabeza aun vendada. Al regreso a la casa amarilla,Vincent le asegura a su hermana y su madre estar recuperado yque durante un buen tiempo estará libre de problemas. En esteperíodo, van Gogh pintó dos memorables cuadros, el Retrato delDr. Rey y Los Jardines del Hospital de Arles. Durante el mes deEnero, Vincent continúa pintando en forma solitaria. La gente deArles se muestra hostil y agresiva contra el artista, y ya el 9 deFebrero es rehospitalizado, esta vez sin la espectacularidad ante-rior. A petición ciudadana, Vincent es confinado y la casa amaril-la es clausurada. En su soledad, Vincent le escribe a Theo: “Si nocuento con tu amistad, me veré irremediablemente conducido alsuicidio, y, cobarde como soy, lo debiera cometer finalmente”.3Cabe destacar aquí que Theo recientemente había contraído nup-cias con Johanna. En el mes de Marzo Vincent se resigna a sucondición de confinamiento. Theo relaciona su enfermedad conlas malas condiciones materiales de la vida previa de Vincent,favoreciendo su reclusión. Mientras el Director del Hospital deArles, el Dr. Urpar, le diagnostica una “manía aguda con deliriumgeneralizado”, el Dr. Rey habla de “crisis epilépticas”.1 En Mayo,Vincent es trasladado voluntariamente al hospicio del puebloprovenzal de Saint-Rémy, manifestando que un hombre en sucondición tal vez debiera decidirse por la legión extranjera.

La ficha clínica de Saint-Rémy describe en sus inicios un esta-do de “manía aguda, con alucinaciones visuales y auditivas, siendonecesario su observaciones por un período prolongado”. En Saint-Rémy se lo trata con una terapia hidropática, con baños dos vecesa la semana. Van Gogh parece complacido con el tratamiento,reportando los pormenores de su condición en forma regular a sufamilia. En las cartas se habla de “ataques”, refiriéndose a las cri-sis psicóticas. Un día después de arribar al hospicio reinicia lapintura, teniendo a su disposición una segunda habitación paratrabajar. Obviando las rejas, el artista desarrolla múltiples temas

que logra captar desde la breve ventana de su celda, consiguién-dolo con gran precisión. Es justamente desde esta situación queVincent pinta su segunda noche estrellada (Starry night), notable-mente distinta a la del año anterior, fundiendo realidad y fantasía.Para muchos autores la presencia de las alucinaciones visuales,entre otros factores, permitieron dar el paso para el origen dedicho cuadro. La obra de van Gogh sufre, desde su celda del asilode Saint-Rémy, un nuevo cambio, caracterizado por una granliberación interna y una irrestricta expresión de su interioridad.

En Mayo y Junio, van Gogh se adapta bien al asilo, pintandoimportantes obras. No obstante, tras una breve y frustrante visitaa Arles a comienzos de Julio, donde no encuentra a un pastoramigo ni al Dr. Rey, vuelve a desencadenarse uno de los “ataques”,con clara sintomatología productiva y que durara hasta Agosto.De las cartas a Theo se desprenden tres fases psicóticas en Arles,del 24 de Diciembre de 1888 al 19 de Enero de 1889 la primera,del 4 al 18 de Febrero la segunda y del 26 de Febrero a mediadosde Abril. En Saint-Rémy se describen cuatro episodios: del 9 deJulio a mediados de Agosto, nueva y curiosamente del 24 deDiciembre de 1889 al 1. de Enero de 1890, del 23 al 30 de Eneroy de mediados de Febrero a mediados de Abril. En algunos casos,la fase aguda duraba sólo unos días, en otros, varias semanas, que-dando siempre una lenta remisión posterior. Durante la mayoríade las crisis se observa un delirio paranoídeo con elementos mís-tico-religiosos. Se describen alucinaciones auditivas y visuales,con ocasionales momentos de confusión. En algunas ocasiones,van Gogh describe una amnesia posterior a las crisis. En otras,hay claros indicios de su plena lucidez durante las crísis psicóti-cas y los desajustes conductuales. Así, por ejemplo, estando enSaint-Rémy, van Gogh obtiene permiso para salir a pintar alcampo, siempre en compañía de un gentil auxiliar, de nombrePoulet. En una oportunidad, estando en el camino de regreso ysin aviso, se da vuelta y golpea a Poulet en el abdómen. Alsiguiente día, Vincent espontáneamente lamenta haberlo golpea-do y le pide disculpas, señalando además que “me sentía persegui-do por la policía de Arles”.1,3 En otra oportunidad lo encontraronintentando comerse sus pinturas, habiendo ingerido tres tubos deellas.1 En el reporte de alta del Dr. Peyron se mencionan nume-rosos intentos de envenenamiento. Luego de un nuevo períodode crisis en Diciembre de 1889, esta vez mas breve, van Goghcomienza a recuperar su impulso. En Enero de 1890 se ve opti-mista y productivo en sus cartas. No obstante, en estrecha rela-ción con la noticia del nacimiento del primer hijo de Theo, seproduce una recaída. En esta oportunidad Vincent habla de unamelancolía. De hecho, muchas crisis estuvieron en relación a loscambios en la vida de su hermano, como el anuncio del compro-miso (el mismo día de la primera crísis), el matrimonio y el naci-miento del hijo de Theo.

El nuevo episodio le dura hasta Abril de 1890, a pesar que esjustamente en este período cuando consigue el tan anheladodeseo de vender su segundo cuadro. Se describe a si mismo comoabatido, angustiado, desganado, triste. Habla de los“Antropófagos de Arles” y deja entrever una clara nostalgia por elnorte.1,3 Theo, a través de Pissarro, establece un contacto con elDr. Gachet, quien venía originalmente de Flandes y quien semuestra dispuesto a recibir al paciente.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 36

Page 38: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Patografia de Vincent van Gogh

Gachet no solo hablaba la lengua materna de Vincent, sinoque era un profundo conocedor de la pintura y sus creadores,como Cézanne, Courbet y Monet. Tenía conocimientos artísticosy practicaba una medicina alternativa, incluyendo el uso de lahomeopatía y la corriente eléctrica.

Luego de una tensa espera, Vincent pasa por Paris en cami-no a Auvers-sur-Oise, donde reside el Dr. Gachet. Johanna, laesposa de Theo, escribe estar muy impresionada por la saludabley fornida apariencia de Vincent, quien esta perfectamente recupe-rado de su problema nervioso. Su seguridad, su autoestima y suconfianza se habrían recuperado notablemente, y la manía de per-secución se habría desvanecido, escribe Johanna.1 Estamos ahoraa mediados de mayo, dos meses antes del suicidio. Luego de unabreve y tranquila estadía en Paris Vincent se traslada a Auvers,desde donde le escribe a Theo que el Dr. Gachet le impresionacomo un buen sujeto, aunque tanto o mas excentrico que elmismo. No obstante, en pocas semanas Vincent cambia su opi-nion sobre Gachet, cenando juntos y hablando en varias oportu-nidades sobre arte. En cuanto llega a Auvers, Vincent retoma sutrabajo, buscando locaciones apropiadas, aumentando sus aven-turas expresionistas. Trabajaba con mayor intensidad que antes,duerme de 9 P.M. a 5 A.M. y parece estar recuperado. No obstan-te, en algunas cartas deja entrever gran preocupación económica,frustración y desesperanza. Tras la visita de Theo y su familia,Vincent pasa un breve período de bienestar, volviendo a eviden-ciar signos depresivos a comienzos de Julio, viajando a Paris el 6de Julio de 1890. Theo le prepara una abultada agenda social, queincluye a su antiguo amigo Toulouse- Lautrec y a su hermana que-rida Wilhelmien. No obstante, y antes de la llegada de su herma-na, bruscamente y sin explicaciones interrumpe su visita y regre-sa a Auvers. En estos días, Vincent presenta una explosión agre-siva en casa del Dr. Gachet, sin una causa justificada ni explica-ción posterior.

El domingo 27 de Julio Vincent almuerza como de costum-bre y sale luego a caminar (cazar cuervos?). Regresa mas tarde delo común, inestable, y afirma que se atrasó porque estaba herido,restándole gravedad al hecho. Al visitarlo en su pieza, van Goghle exhibe la herida al arrendatario diciendo: “me he disparado...sólo espero no haber fallado”. En presencia del Dr. Gachet, elmoribundo se fuma una pipa y le afirma que en caso de salvarselo va a repetir una y otra vez. Al llegar Theo Vincent le dice: “nollores, lo hice por todos nosotros”. Luego le pregunta a Theo acer-ca de su condición médica, quién le responde que puede ser favo-rable, a lo que Vincent responde: “De nada sirve... la miseria noterminará jamás”. Estas fueron sus últimas palabras, muriendo el29 de Julio en la madrugada, a los 37 años. Los motivos del suici-dio nunca se aclaran del todo. Se postulan las razones económi-cas, la inestabilidad emocional, una creciente conciencia de ladeclinación artística, el temor a otra crisis o una nueva desilusiónamorosa, esta vez con la hija del Dr. Gachet, Marguerite.7 En ellecho de muerte, Vincent no explica a nadie su conducta y se limi-ta a fumar sin interrupciones su pipa.

Seis meses después fallece su hermano Theo, en un asilo psi-quiátrico de Utrecht.

Diagnóstico

Ya desde la primera hospitalización de Vincent van Gogh enArles, a fines de 1888, las teorías en torno al diagnóstico de su

enfermedad han proliferado en progresión geométrica. La Tabla3 nos resume los principales diagnósticos planteados hasta hoy.

Si bien es posible afirmar que la influencia de algunos fac-tores tóxicos como el alcohol y el absinto,5 la terpentina o el dig-ital,5,9 sumados a la crónica desnutrición y al tabaquismodesmesurado, pudieran haber afectado el equilibrio psíquico delartista, no cabe duda que estos factores son sólo circunstancialesy no explican la totalidad del cuadro clínico. Incluso hay autoresque han planteado la posibilidad de una porfiria.10 Sin embargo,el estudio de sus cartas, de la personalidad premórbida y de subiografía (Tabla 1) nos ha demostrado que las manifestacionesiniciales de su trastorno hicieron su aparición mucho antes delconsumo de dichas substancias. A su vez, el estudio del pródro-mo y de la mayoría de las manifestaciones clínicas nos revela quela psicopatología del cuadro psicótico no coincide con el diag-nóstico de una psicosis exógena. Si bien hay períodos de con-fusión, van Gogh mantiene sus sunciones cognitivas intactashasta su muerte, sin signos de deterioro. A su vez, en muchospasajes de sus crisis psicóticas se describe una clara conciencia desus actos.

El diagnóstico de un síndrome de Méniere5,18 tampocoparece muy probable, considerando al desarrollo longitudinal y lamayoría de los síntomas expuestos.

En honor al tiempo, nos deberemos remitir aqui sólamente alos diagnósticos que parecen como los mas probables:• parálisis general (neurolúes encefálica);• epilepsia parcial compleja o psicomotora;• psicósis endógena.

Neurolúes: la mayoría de los expertos en la biografía de V.van Gogh coinciden en documentar una hospitalización de dossemanas, en 1885, por una infección gonocósica.1,3,6,7

Posteriormente, de acuerdo con Wilkie, Vincent habría tenido uncuadro lúetico por el que habría recibido tratamiento con yodurode potasio.7 La infección se podría haber originado en su discuti-da relación con Classina, en La Haya, o bien, posteriormente, en1985. Wilkie, entre otros, sostiene que no sólo Vincent sino tam-bien Theo habría padecido de una lúes, tal vez adquirida enParis.7 La irregular vida llevada por el pintor y la alta prevalenciade dicha enfermedad en la Europa de fin de siglo hacen bastante

37 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

Arenberg,1 Yasuda5

Lee9

Bonkowsky,10 Gachet5

Evensen,11 Navratil,12 Doiteau1

Birnbaum,5 Meige,5 Minkowska5

Müller,13 Gastaut1,14

Riese,15 Steiner5

Perry16

Jaspers,4 Schilder,1 Westermann-Holstijn,17

Kerschbaumer,1 Rose,1 Bychowsky1

Springer,6 Wilkie7

Fels,1 Uhde5

Bolten1

Bader1

Síndrome de MéniereIntoxicación digitálicaOleo (terpentina) y luz solarEpilepsiaPsicosis epilépticaEpilepsia temporalEstado crepuscularPsicosis maníaco-depresivaEsquizofrenia

LúesNeurasteniaPsicopatíaTumor cerebral

Tabla 3 - Vincent van Gogh: patologías neuro-psiquiátricas postuladas

Page 39: Casos Clinicos Em Psiquiatria

probable este diagnóstico, especialmente si consideramos la bas-tante bien documentada y segura infección gonocósica, la que fre-cuentemente se asocia a la entrada del Treponema pallidum. Noobstante, cabe preguntarse si la enfermedad psiquiátrica deVincent van Gogh puede explicarse sólo a través de una sífilis, ysi cabe plantearse el diagnóstico de una parálisis general. No obs-tante, el cuadro psicótico iniciado en Diciembre de 1888 tras ladisputa con Gauguin no parece estar relacionado con dicha enfer-medad. Para demostrar esta afirmación deberemos considerar lapersonalidad premórbida (antes de 1888), la psicopatología, losantecedentes genéticos y la evolución. Como hemos demostradopreviamente, Vincent van Gogh tuvo siempre una personalidadmuy particular, caracterizada principalmente por introversión,escasa sociabilidad, seriedad extrema, neuroticismo, sensibilidad,fanatismo y problemas de identidad. En el período religioso, en1880, mucho antes de sus contactos sexuales, el pintor evidencióconductas muy excéntricas, durmiendo en el piso, regalando suropa e incluso vagabundeando, por lo que los mineros lo llama-ban “el loco”. Vincent regresa a su casa en un estado lamentable,teniendo que ser recuperado y luego ser mantenido por su fami-lia. Todo esto ocurre antes de la eventual infección venérea.Debemos considerar además que el tiempo que transcurre entrela infección gonocósica (eventuál contagio luético) y la primerafase psicóticas es de 1882 a 1888, osea, breve para la instalaciónde una parálisis general. En este lapso no se vislumbran indiciosde la infección, ya sea en sus fases primaria o secundaria.Recordemos además que el pintor ya evidenciaba algunas altera-ciones psicopatológicas en sus cartas iniciales, sugiriendo así uncuadro de inicio muy solapado, justo después de su primera desi-lusión amorosa en Londres (1873). El cambio experimentado porvan Gogh tras esta desilusión fue muy marcado e irreversible. Deser un empleado relativamente exitoso e independiente, con unfuturo promisorio en Goupil, van Gogh pasa a ser un sujeto desa-daptado, incapaz de mantenerse y bastante marginal.

Posteriormente, las descripciones psicopatológicas de laenfermedad de Vincent, a partir de 1888, y las cartas a Theo, seña-lan la presencia de una clara conciencia de enfermedad, de luci-dez y de una inteligencia intacta, hasta su muerte. Vincent escri-be normalmente, discute y lee sobre filosofía unas pocas semanasantes de su muerte. No hay ningún signo de deterioro cognitivo,como tampoco se registra alguna alteración neurológica. Lo masllamativo de sus cartas continúa siendo la mantención de un esti-lo riguroso y preciso, con buena capacidad de memoria, pero conciertas alteraciones psicopatológicas del tipo de la descripción dealucinaciones mixtas o delirios de persecución, de referencia, reli-giosos o de grandeza. Resulta difícil sostener la hipótesis de unaparálisis general ante esta evidencia clínica. Al contrario, la granproductividad pictórica y epistolar, generalmente muy lúcida,tienden a rebatir fuertemente esta hipótesis.

En síntesis, podemos afirmar que si bien van Gogh pudopadecer una infección luética, es muy poco probable que hayasido ésta la causa de su trastorno psiquiátrico. Si bien aceptamosla necesidad de encontrar una unidad diagnóstica, nos parecedemasiado forzado intentar explicar todo el proceso psicóticodel pintor a través de una neurolúes, que, como sabemos, evolu-ciona en etapas y con un cuadro clínico bastante diferente.Finalmente, no debemos olvidar los antecedentes psiquátricos

familiares, que nos alejan aún mas de la posibilidad exclusiva deuna parálisis general, y nos orientan claramente a las dos posibi-lidades mas probables, cuales son, la de una epilepsia o de unapsicósis endógena.

Epilepsia: el diagnóstico de una epilépsia ha sido planteadopor varios connotados especialistas.11,13,19 Si bien este diagnósti-co fue planteado inicialmente por Rey durante su hospitalizaciónen Arles, no hay una descripción clínica clara de crísis tónico-cló-nicas, de algún tipo de crisis motora o sensitiva o de episodiosictales aislados. Si bien existirían algunos elementos sugerentes deeste tipo de mal en los períodos finales de su enfermedad, quedanmuchas preguntas pendientes. De acuerdo con Gastaut, existi-rían evidencias de crísis convulsivas durante la hospitalización enSaint-Rémy, donde por lo demás, dicho diagnóstico fue plantea-do por el Dr. Peyron, quién escribe lo siguiente: “Yo considero queel Sr. van Gogh es objeto de ataques de epilepsia”. Por lo mismo, sele trata con bromuros, muy usados en esa época para dicho mal.La eventual confusión descrita durante alguna de las crísis, la dis-cutible amnesia posterior, las alucinaciones visuales y los deliriosparanoídeos y religiosos han sido esgrimidos como evidencias cla-ras de la presencia de un trastorno epiléptico. A su vez, se handescrito fenómenos de hipergrafia y de religiosidad, lo que seconstituiría en un síndrome de Geschwind.

En este caso, deberíamos inclinarnos mas bien por el diag-nóstico de una epilepsia psicomotora, el que resulta muy contro-vertido dadas las características tanto de la biografía como de lapsicopatología del pintor. Los registros de las fases psicóticasrevelan que éstas cursaban muchas veces con lucidez y plena con-ciencia de enfermedad. No hay diferencias nítidas entre los perío-dos críticos y los intervalos asintomáticos, como tampoco unpatrón sugerente de actividad ictal, ya sea breve o prolongado.Varios episodios guardan íntima relación con los acontecimientosbiográficos, que alteran la vida del pintor, como son los conflic-tos con Gauguin, con la familia de Theo, con los ciudadanos deArles, etc. Hay claros trastornos conductuales e impulsos agresi-vos subrepticios, inexplicables, y con demostrada conciencia pos-terior. Algunos se producen en plena actividad laboral. Aún den-tro de las fases psicóticas, la mayoría de los síntomas y trastornosconductuales son experimentados concientemente y con claroregistro mnésico. Si bien Vincent habla ocasionalemente de con-fusión y de amnesia posterior, no hay evidencias claras que apo-yen este hecho. Al contrario, en la mayoría de los desajustes con-ductuales que involucran a terceras personas, como Gauguin,Poulet, Johanna o Theo, queda registrada nítidamente una con-ciencia lúcida, aún en presencia de alucinaciones o de ideas deli-rantes. Llama la atención el interés de Vincent en apoyar el diag-nóstico de una epilepsia, lo que de acuerdo a sus cartas a Theo,parece complacerle. En algunas cartas Vincent habla de amnesiaposterior, de total inconciencia, lo que no es siempre concordan-te con la descripción de terceros. No olvidemos el episodio des-crito por el auxiliar de Saint-Rémy, Poulet, quien señalara aTralbaut que Vincent lo habría atacado impulsivamente para dis-culparse al día siguiente, argumentando que “me sentía persegui-do por la gente de Arles”. Queda claro que este episodio psicóticoocurrió con absoluta lucidez, y con claro recuerdo posterior. Almenos en este episodio, no nos parece apropiado hablar de epi-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 38

Page 40: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Patografia de Vincent van Gogh

lepsia. Debemos recordar tambien que en 1889 no existían aúnlas categorías diagnósticas de Kraepelin y Bleuler.

Es importante discutir aquí el problema de la personalidadpremorbida. Creemos que sería un error basar el diagnóstico deVincent van Gogh sólo en el corte transversal de sus últimos 18meses de vida. Hemos visto claros signos de alteración psicopato-lógica mucho antes de la eclosión psicótica de 1888, por lo que nopodemos evitar un análisis longitudinal de la vida y la personali-dad premórbida del artista.

La mayoría de los autores interesados en describir una tipo-logía particular asociada a la epilepsia, hablan de personalidad ocomportamiento enequético, que se caracterizaría por un biotipodisplásico, cuyo psiquismo se muestra perseverante, viscoso ehipersocial.14 El epiléptico respondería con sincero agradeci-miento a las muestras de afecto y las atenciones que pudiera reci-bir de otras personas. Segun Gastaut, el comportamiento enequé-tico es una manifestación característica de la epilepsia psicomoto-ra y que comprendería los siguientes rasgos: la escas actividad, laindolencia, la lentificación, la perseveración y el tipo vivencialcoartado.14

Si bien no se ha podido demostrar fehacientemente que estosrasgos de la personalidad efectivamente sean mas prevalentesentre los pacientes epilépticos, debemos tenerlos en considera-ción. El lector podrá reconocer fácilmente que ninguno de estosrasgos son compatibles con la personalidad de van Gogh antesdescrita. El análisis de la personalidad premórbida e intermórbi-da de Vincent apoya fuertemente los postulados de Jaspers, ale-jándonos de la posibilidad de u diagnóstico de epilepsia.

En síntesis, queremos sumarnos a la opinión de la mayoría delos epileptólogos actuales, en el sentido de que no se puedehablar de epilepsia mientras no hayan crisis ictales o alguna claraevidencia clínica de actividad comicial. La hipótesis de una epi-lepsia nos parece muy atractiva, pero creemos que es insuficientepara explicar y comprender realmente la cabalidad de la triste yprolongada patografía de Vincent van Gogh. ¿Es acaso posibleignorar la personalidad premórbida del artista, su precoz quiebreemocional, sus extravagancias y graves desadaptaciones, su desin-serción social, su intoversión, las asociaciones entre su biografía ylos episodios psicóticos, el análisis de su correpondencia y su pro-ducción pictórica y los episodios psicóticos de los últimos 18meses de su vida? ¿Cabe acaso plantearse un diagnóstico trans-versal que no respete los claros elementos longitudinales queafectan su biografía?

Psicosis endógena: creemos que el único grupo de enferme-dades que puede explicar la mayoría de los signos, síntomas yconductas de van Gogh, desde su infancia hasta su misteriosamuerte, lo constituye algún tipo de psicósis endógena.Recordemos que el concepto de psicósis endógena permite expli-car la interacción entre la vulnerabilidad biológico-genética, lapersonalidad y los aspectos biográficos y ambientales.

En este caso estamos frente a una psicósis generalmente lúci-da, con una historia premórbida sugerente de una prediposiciónendógena, y con abundantes antecedentes hereditarios. Hay unapersonalidad premórbida anormal y un claro quiebre biográficoen la juventud. Posteriormente hay un desapego progresivo a lasnormas sociales, llegando a la marginalización total. A partir delos 21 años, hay una clara incapacidad de vivir en forma autóno-

ma y adaptada, necesitando continuamente el apoyo y sustentofamiliar. Hay conductas anormales, sufrimiento e ideación suici-da mucho antes de la eclosión de la primera fase psicótica pro-ductiva. Todos estos elementos hablan claramente a favor de unapsicosis endógena, con elementos esquizomorfos.

De acuerdo con Karl Jaspers, van Gogh sufrió de una esqui-zofrenia, lo que es apoyado por Schilder y Westermann-Holstijn.4,5,17 Hay numerosos argumentos que apoyan fuertemen-te este diagnóstico, como son, por ejemplo, los antecedentesfamiliares (Wilhelmina?, Cornelius??), la personalidad premórbi-da, los conflictos de identidad, la incapacidad progresiva de auto-sustentarse, lo bizarro de su conducta, la inadecuación y el aisla-miento social progresivo, la sintomatología crítica e intercrítica, laimpulsividad irracional, la ambivalencia en sus relaciones perso-nales, la introversión, etc. No cabe duda que hay importantesargumentos que favorecen el diagnóstico de una esquizofrenia,pero sin embargo cabe preguntarse si finalmente logramos enten-der la cabalidad del cuadro clínico con dicho diagnóstico.

El análisis de las cartas, de la conducta y la psicopatologíanos sugiere que éste diagnóstico no alcanza a explicar plenamen-te la globalidad de los fenómenos mórbidos y premórbidos queaquejaron al artista. La correspondencia de los hermanos vanGogh permite entrever claras fluctuaciones anímicas en el deve-nir del pintor. Asi por ejemplo, hay alusiones francamente depre-sivas y hasta suicidas en las cartas de 1880 y 1881, pasando pos-teriormente a contenidos francamente optimistas. Van Gogh fre-cuentemente hace mención de su ánimo melancólico y desespe-ranzado. Posteriormente, a su llegada a Arles, van Gogh pasa poruna racha de furia de trabajo. Le escribe a Theo:... “Me encuentrocada día mejor... tengo una fiebre continua de trabajo... tengomenos necesidad de compañía que de trabajar desenfrenádamente...en algunos momentos no confío mas que en mi exaltación y enton-ces me dejo arrastrar a las mayores extravagancias.” Luego habla de“paisajes pintados a mayor velocidad que todo lo hecho anterior-mente”. En todo este período, habla de “el montón de ideas quelo inudan”, diciendo: “ideas para mi trabajo se me ocurren de con-tinuo, pintando soy una locomotora”. Luego del primer episodiopsicótico, dice: “ya no podré alcanzar esas cimas hacia las que laenfermedad parecía arrastrarme. ¿Que vendrá después?”

En las descripciones que Vincent hace a Theo sobre sus cri-sis, dice: “Tengo momentos en que me crispo de entusiasmo, dedemencia o de espíritu profético, como un oráculo griego sobre untrípode. En tales momentos conservo una gran presencia de espíri-tu”. En otra carta acota: “... Voluntad no tengo ninguna; lo mismome ocurre en cuanto a los deseos y a todas las cosas de la vida cor-riente, como, por ejemplo, el volver a ver a mis amigos, que me tie-nen casi sin cuidado...se diría que mi melancolía no ha variado ni un ápice”. Estas fluc-tuaciones están registradas en la correspondencia con Theo, ypresentan un cierto patrón estacional. La mayoría de las crisis dedesánimo se presentan en otoño-invierno, período en que se per-cibe un estado anímico y una productividad inhibida. Es posibleque la nostalgia también influya sobre el desencadenamiento desus crisis, ya que tanto en 1888 como en 1889 van Gogh debe serhospitalizado el 24 de Diciembre.

Hay entonces suficiente evidencia que apoya la tesis de unelemento anímico incorporado en la psicosis de van Gogh. No

39 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

Page 41: Casos Clinicos Em Psiquiatria

pensamos, como Perry,16 que se trate de un trastorno bipolar ais-lado, ya que como señaláramos previamente, son demasiados loselementos que sugieren un trastorno esquizomorfo. Pero si hace-mos abstracción de la dicotomía Kraepeliniana y nos sumamos alos supuestos de Griesinger o Janzarik, en el sentido de una psi-cosis endógena única con variantes dinámico-estructurales,encontramos el espacio y la flexibilidad necesaria para poderordenar la patología de van Gogh en la confluencia de las dimen-siones afectivas y esquizofrénicas.

Sólo de esta forma puede ser explicada la evolución global dela enfermedad del pintor, su gran productividad durante losintervalos asintomáticos, las fluctuaciones anímicas y la escasapresencia de sintomatología residual. A su vez, este tipo de psico-sis puede cursar con la florida sintomatología descrita, presentán-dose frecuentemente en una interacción muy estrecha con la pro-pia biografía y las variabes psico-sociales. Van Gogh tiene la per-sonalidad previa y el cuadro clínico de un individuo cercano alámbito de lo equizofrénico, pero al momento de la eclosión psi-cótica claramente lo sobrepasa, presentando un dinamismo y unafuerza creadora enteramente compatible con un trastorno delánimo. Cualquiera de estas dos entidades por separado son insu-ficientes para dar cuenta de las múltiples y controvertidas mani-festaciones de la enfermedad de Vincent van Gogh. Sólo la sumade ambas, ya sea a través de la formulación de un diagnósticomultiaxial con un trastorno bipolar o esquizoafectivo en el primereje y una personalidad esquizotípica en el segundo, o, a través dela formulación simple de un trastorno Eesquizoafectivo, puedenexplicar satisfactoriamente las múltiples viscicitudes en la com-pleja enfermedad del artista. Creemos que el dejar fuera las evi-dentes oscilaciones anímicas, las claras fases de exaltación y eufo-ria alternadas con fases de gran retraimiento, desilusión e inhibi-ción, no permite entender plenamente la enfermedad de vanGogh. De hecho, el análisis cualitativo de su obra en los últimosaños apoya fuertemente esta tesis.

La inclusión de un elemento afectivo dentro del diagnósticode una psicosis endógena permite explicar mejor las intervalosasintomáticos, las alucinaciones mixtas, la recuperación cabaldespués de las crisis, como asi también, las frecuentes oscilacio-nes anímicas, que a menudo se acercaban ya sea a las ideas de sui-cidio o a la euforia creativa. Pero tal vez lo mas importante en elplanteamiento de un diagnóstico de una psicosis endógena esqui-zo-afectiva, es la posibilidad de explicar tanta creatividad, tantofervor, tanta pasión y tanta productividad. De esta forma pode-mos entender también la relación íntima que el pintor establececon la naturaleza, sus matices, contrastes y fulminantes colores.Finalmente, un recorrido secuencial por la obra del autor en susúltimos 27 meses se correlaciona con los estados anímicos subya-centes, presentando gran luminosidad a su llegada a la Provence,y un progresivo oscurecimiento de sus tonos y, en particular, delos fondos de sus telas, en el período en Auvers, pocas semanasantes del suicidio.

En resumen, concluímos que Vincent van Gogh probable-mente padeció una psicósis endógena con elementos esquizomor-fos y afectivos, que se inicia tempranamente en la vida, con unperfil mas bien esquizomorfo, para concluir en un cuadro psicó-tico compatible con un trastorno esquizoafectivo.

Discusion

El presente trabajo ha realizado un esfuerzo particular endestacar los aspectos longitudinales de la vida de Vincent vanGogh. Junto con tener en consideración los elementos prodrómi-cos y los síntomas y signos de su patología final, hemos puestoespecial énfasis en recorrer el camino y la personalidad del artis-ta desde su infancia. Mediante esta metodología, nos hemosencontrado con innumerables indicios que permiten comprenderel posterior desenlace de su enfermedad. La sola consideraciónde los aspectos transversales de su patología psiquiátrica nohabrían permitido concluir con certeza las posibilidades diagnós-ticas aquí señaladas. El caso de Vincent van Gogh nos permiteilustrar claramente en que forma la personalidad, la biografía ylos eventos psicosociales relevantes interactúan con la vulnerabi-lidad estructural en el desencadenamiento de un trastorno psicó-tico de tipo endógeno. A su vez, hemos podido ver como estoselementos nos resultan fundamentales en la formulación de unadecuado diagnóstico diferencial.

Cabe preguntarse, en base a la evidencia clínica aquí presen-tada, el tratamiento de mantención que elegiríamos en el caso detener que tratarlo hoy. Creo que muchos colegas tenderían aincluir un agente estabilizador del ánimo en el tratamiento farma-cológico de un cuadro semejante. Esta desición, por lo demás,resultaría muy afortunada. Imaginemos lo que habría ocurridocon la historia del arte moderno si van Gogh hubiese recibido enforma prolongada agentes neurolépticos en sus últimos dos añosde vida.

Creo que el presente caso debe invitar a todo psiquiatra areflexionar acerca de la importancia de el establecimiento de unadecuado diagnóstico y de la elección terapéutica apropiada. Laformulación de un diagnóstico equivocado y la consecuente elec-ción equivocada de un determinado fármaco, especialmentecuando es de uso prolongado, puede no sólo cambiar irremedia-blemente un destino individual, sino alterar el curso de la historia.

La presente discusión clínica no debe olvidar que estamosfrente a la presencia de un persona extraordinaria. Las conclusio-nes que aquí se esbozan sólo corresponden a aproximacionesmuy limitadas en nuestra escasa comprensión del genio humano,y no deben ser consideradas como verdades incuestionables. Noobstante, creemos necesario destacar con este ejemplo las insos-pechadas posibilidades que puede presentar un paciente psiquiá-trico, que en este caso, revolucionó el arte moderno occidental.

Summary

Since the death of Vincent van Gogh by suicide in 1890, his illness hasbeen a controversial subject among biographers and psychiatrist.Thepresent study is based upon his biography, his letters and paintings,the premorbid personality profile and the psychopathological fea-tures described before and after the onset of his psychosis. Based onthis data, the possible diagnosis of syphylis, epilepsy or endogenouspsychosis are discussed.

Key-words: Mental Disorder; Psycopathology; History; Neuro-shyfillis; Epilepsy; Affective Disorder, Psychotic

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 40

Page 42: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Patografia de Vincent van Gogh

Referencias

1. Tralbant ME. Vincent van Gogh. Barcelona: EditorialBlume, 1973.

2. Walther Y, Metzger R. Van Gogh. The Complet Paintings.Köln:Benedict Taschen Verlag GmbM, 1993.

3. Nágera M. Vincent van Gogh. Un estudio psicológico.Barcelona:Editorial Blume, 1980.

4. Jaspers K. Genio y locura. 3. ed. Madrid:Aguilar S.A.Ediciones, 1961.

5. Lemke S, Lemke C. Über die psychische Krankheit VincentVan Goghs. Nervenarzt 1993; 64:594-598.

6. Springer B. Die genialen syphylitiker. Berlin:Verlag derNeven Generationen, 1926.

7. Wilkie K. Viaje a Van Gogh, la luz enloquecida (1890-1990).Madrid:Espasa-Calpe, 1990.

8. Prather M, Stuckey C. Paul Gauguin. Köln: KönemannVerlag, 1994.

9. Lee CT. Van Goghs vision: digitalis intoxication. JAMA1981; 245:727-729.

10. Bonkowsky ML, Cable EE, Cable JW et al. Porphyrogenicproperties of the terapenes camphor, pinene and thujone(with a note on historic implications for absinth and theillness of Vincent van Gogh). Biochem-Pharmacol1992;43:2359-2368.

11. Evensen H. Die Geisteskrankheit Vincent van Gogh. ZPsychiatr Psych Ger Med 1926; 84:133-153.

12. Navrantil L. Woran litt Vincent? Zur Beurteilung derKrankheit Van Goghs aufgrund seines werkes. Ciba-Symposium 1959; 7:210-216.

13. Müller WK. Die Erkran Kung des Vincent van Gogh unterneveren psychiatrischen. Gesichtspunkten. Materia MedNordmark 1959; XI(12):409-421.

14. Wofensen MM, Podgaitz L. Personalidade y epilepsia. Lapredisposición a los ataques convulsivos. Alcmeon. Rev ArgClin Necropsiquiatria 1996; 5:170-179.

15. Riese WW. Vincent van Gogh in der Krankheit. Grenzfragendes Nerven-und Seelenlebens. München: Bergmann, 1926.

16. Perry JM. Vincent vvan Gogh’s illness - a case report. BullHistory Med 1947; 21:146-174.

17. Westermann-Holstiun AJ. Die psychologische Ent-wicklungVincent van Goghs. Imago 1959; 10:384-417.

18. Arenberg KJ, Coutryman LLF, Bernstein LM, ShambaughGE. Vincent’s violent vertigo. Acta Otolaryngol (suppl)1991; 485:84-103.

19. Minkowska F. Van Gogh, sa vie, sa maladie et son oeuvre. Presse du Temps Prèsent: L’evolution Psychiatrique.Paris, no. 1, 1932 (1963).

41 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41

Page 43: Casos Clinicos Em Psiquiatria

José Antônio Zago

Resumo

É apresentado um estudo histórico sobre Freud e seu uso de cocaí-na. O objetivo é responder às insinuações ou afirmações de queFreud, durante sua vida, teria usado e prescrito cocaína a seuspacientes e que este uso teria também influenciado sua obra.

Palavras-chaves: Desordens, Uso de Drogas; Usuário de Cocaína;Psicoanálise; História da Medicina

Introdução

A idéia deste texto surgiu a partir de algumas constataçõespráticas e teóricas a respeito de Freud e do uso de cocaína, quaissejam:• Na prática clínica não é incomum pacientes dependentes de

cocaína, com determinada sofisticação intelectual, afirmaremque sabendo usar essa droga “ela não faz mal; pelo contrário.”Citam então como exemplo Freud que a consumiu e produ-ziu uma obra praticamente universal, dando a entender queparte do sucesso de Freud foi conseguido graças ao uso dacocaína.

• Também não é raro meios de comunicação social informaremque Freud, além de usar a cocaína, a prescrevia a seus pacien-tes, como no exemplo: “Muitas substâncias hoje consideradasilegais ou de uso restrito já foram usadas no passado em largaescala como remédios ou fortificantes. A cocaína, por exemplo,era empregada até o início do século como anestésico em peque-nas cirurgias. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, receitavacocaína a seus pacientes, como estimulante. Ele mesmo era umconsumidor fiel da droga.”1

• Frei Betto, com singular sensibilidade, mostra no romance OVencedor,2 como pensa um traficante; não o traficante que ficanas ruas e nas favelas, mas o traficante que manipula enormesquantias de droga e dinheiro e que raramente aparece. Aqueleque manipula às escondidas, o qual podemos chamar em lin-guagem figurada de “lobo em pele de cordeiro.” No final doromance, o vilão da história fala a um antigo conhecido queconseguiu, com persistência e dinheiro, obter as cartas que

Freud escrevera à Martha, sua noiva. O traficante explica arazão do grande interesse por essas cartas:

“Nelas, o pai da psicanálise defende o uso da cocaína, queele mesmo costumava ingerir. E, como você sabe, sempre fuifavorável à sua liberação. Assim, os grandes traficantesseriam tratados como respeitáveis empresários, como ocorreaos fabricantes de bebidas, solventes e cigarros, e não preci-sariam se esconder como bichos nem gastar fortunas paracorromper policiais e políticos.”2

O trabalho clínico diário em comunidade terapêutica comdependentes de substâncias psicoativas requer dos profissionaisenvolvidos uma constante reflexão. Não só no sentido de avaliare aprimorar o próprio trabalho, mas também de transformar seusresultados em subsídios para a prevenção, cuja ação é mais doâmbito educativo. Ou seja, o trabalho do profissional deve trans-cender os limites de uma comunidade de tratamento, a fim deque esse saber adquirido no cotidiano não se encerre dentro des-ses limites e que seja, portanto, um saber vivo que a sociedadepossa usufruir como fonte de informação ou como estratégia demelhoria da qualidade de vida.3 Desse modo, rever os dados e osescritos de Freud, especialmente sobre sua relação com o uso decocaína e se esta teve ou não influência em sua produção intelec-tual, torna-se imperativo como forma de esclarecimento e detransparência, de respeito ou de compreensão para com uma difi-culdade humana.

Anexo o leitor encontra breve biografia de SigmundFreud.4-7

Freud e a Cocaína

Em sua autobiografia6 Freud escreveu que em 1884 se inte-ressou profundamente em estudar o alcalóide de cocaína, muitopouco conhecido. Trouxe de Merck certa quantidade de cocaína,a fim de estudar seus efeitos fisiológicos. Devido a uma viagempara visitar a noiva que não via há dois anos, deixou de lado a pes-quisa, pedindo que Köenisgtein, médico oftalmologista, investi-gasse sobre as propriedades anestésicas da cocaína em sua espe-cialidade. No seu retorno verificou que Carl Koller, com o qualconversara a respeito do alcalóide, empreendera decisivos expe-rimentos sobre as propriedades anestésicas, comunicadas noCongresso de Oftalmologia de Heidelberg. Freud considerouKoller o descobridor da anestesia local por meio da cocaína,importante nas pequenas cirurgias. Considerou também que a

Caso HistóricoFREUD E O USO DE COCAÍNA: HISTÓRIA E VERDADEFREUD AND THE COCAINE USE: HISTORY AND TRUTH

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47 42

Psicólogo do Instituto Bairral de Psiquiatria - Itapira, SP e Mestreem Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, SPInstituto Bairral de Psiquiatria - Itapira, SP

Endereço para correspondência:Rua Padre José Maurício, 1113970-000 - Itapira - SPFones: (19) 38633455 ou (19) 38639414 (Instituição)E-mail: [email protected]

Page 44: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Freud e o uso de cocaína: história e verdade

viagem o fez perder a oportunidade da descoberta e de se tornarfamoso.6

Esse interesse sobre o alcalóide de cocaína também pode serconstatado em excertos de cartas que escreveu a sua noivaMartha:a) Viena, segunda-feira, 21 de abril de 1884: Freud escreveu

que havia lido sobre cocaína, de tribos que mastigam suasfolhas para aumentar a resistência à fome e ao cansaço.Soube também que um alemão deu esse produto a alguns sol-dados, o que os tornou mais fortes e resistentes. A idéia eraelaborar uma experiência terapêutica com a cocaína em casos de doenças cardíacas e, depois, esgotamento nervoso.Citou que poderia ser aplicado no caso do Dr. Fleischl:“sobretudo no terrível estado que se produz quando deixa detomar a morfina.”2

b) Viena, quinta-feira, 19 de junho de 1884: “Só ontem à noiteterminei o artigo Über Coca; hoje, corrigi a primeira metade;terá a extensão de uma página e meia.”2

c) Paris, 11 h da noite de segunda-feira, 18 de janeiro de 1886:Freud escreveu que Charcot o convidara, e a Ricchetti, para ira sua casa no dia seguinte após o jantar. “Todo mundo estarálá.” “Um pouco de cocaína para desatar-me a língua.”2

d) Paris, terça-feira, 2 de fevereiro de 1886: que seu cansaço éparecido com uma pequena enfermidade denominada neuras-tenia, resultante de esforços, preocupações e excitação dosúltimos anos... “A pequena porção de cocaína que acabo detomar me deixa loquaz, minha garota.” Sobre a noitada na casade Charcot, escreveu na mesma carta às 2h30 da madrugada,que havia de quarenta a cinqüenta pessoas, das quais conhe-cia três ou quatro. E que isso era tão aborrecido e só nãoexplodiu “... graças à cocaína.”2

e) Paris, quarta-feira, 10 de fevereiro de 1886: Freud vangloriou-se de Knapp, principal oftalmologista de Nova York e quetambém escreveu sobre cocaína, em visita no hospitalSalpêtrière, ter reconhecido que ele, Freud, havia sido o pri-meiro a escrever sobre o alcalóide.2Em A Interpretação dos Sonhos,8 Freud fez a análise de dois

sonhos seus onde aparece a questão da cocaína.Um deles é o sonho da monografia botânica que, entre outras

associações, ele relacionou com seus estudos sobre cocaína e coma figura do Dr. Köenisgstein que pesquisou o uso da cocaínacomo anestésico.8

O outro, datado em 23-24 de julho de 1895, o sonho da inje-ção de Irma. Em suas associações e análise onírica Freud inter-pretou que as escaras na região nasal de Irma sugeriam uma preo-cupação com a sua própria saúde, pois na época estava usandocom freqüência cocaína para curar uma rinite. Também, ouviradizer, poucos dias antes, que uma paciente que utilizava o mesmométodo terapêutico apresentava uma necrose na mucosa nasal.Freud escreveu que em 1885 prescrevia cocaína para esses casose que por isso havia atraído severas censuras. Associava tambémo sonho à perda de um amigo em 1885 (Dr. Fleischl-Marxow),que morreu intoxicado por cocaína.8

Durante um período de sua vida Freud pesquisou, usou eprescreveu cocaína a pacientes:

“De 1884 a 1887, Freud fez algumas das primeiras pesqui-sas com cocaína. De início ficou impressionado com suas

propriedades: ‘Eu mesmo experimentei uma dúzia de vezeso efeito da coca, que impede a fome, o sono e o cansaço erobustece o esforço intelectual.’ Ele escreveu a respeito deseus possíveis usos para os distúrbios tanto físicos comomentais. Por pouco tempo um defensor, tornou-se depoisapreensivo em relação às suas propriedades viciantes e inter-rompeu a pesquisa.”9

Freud experimentou cocaína e ficou fascinado com seus efei-tos sobre o humor e o trabalho. Com a morte de um paciente seupor cocaína e por um amigo ter tido problemas com essa droga,Freud, com arrependimento, “encerrou este capítulo em seu traba-lho”.10

Freud (1884) introduziu a cocaína no tratamento da neuras-tenia e para a crise de abstinência em pacientes adictos de morfi-na. Embora os resultados em pacientes psiquiátricos tenham sidodesastrosos, abriu caminho para o uso da cocaína como anestési-co em oftalmologia, na prática médica e na cirurgia geral.11

Na tentativa de fazer uma grande descoberta e tornar-sefamoso fez experiência com o alcalóide de cocaína. Publicou em1884 um artigo em que recomendava o uso da cocaína para vômi-tos e distúrbios digestivos. Escreveu ainda mais cinco textossobre o tema e, conforme referido atrás, sugeriu a LeopoldKöenigstein e Carl Koller o uso de cocaína na oftalmologia, estesendo reconhecido como o pai da anestesia local. Freud tambémconsumia considerável quantidade da droga para combater suascrises de neurastenia e a ofereceu a sua noiva Martha Bernays.5

Gay12 afirma que Freud, temerariamente, recomendou eenviou cocaína a sua noiva, embora não se saiba sobre o uso dela.Em seu artigo Sobre Coca, Freud mesclou relatório científico comardorosa defesa sobre as propriedades calmantes e estimulantesda cocaína. Como dito, fazia uso da cocaína para aumentar sen-sação de bem-estar, superar seus estados depressivos e a relaxarem eventos sociais.12

Fleischl-Marxow, fisiologista e amigo de Freud, teve queamputar três dedos da mão devido a um acidente num experi-mento. Como sentia fortes dores nos cotos, viciou-se em morfina.Freud tentou tratá-lo substituindo a morfina pela cocaína, daqual o paciente ficou dependente, morrendo aos 44 anos.5 Emnota de rodapé, Gay refere que Fleischl-Marxow se injetavacocaína e que Freud, na época, não levantou objeções.Posteriormente, Freud negou que tenha defendido esse procedi-mento.12

Embora bem intencionado, Freud agiu no caso de Fleisch-Marxow de forma irrefletida e a morte do amigo afetou-o de “sen-timentos residuais de culpa,” que deram boas razões de autocríti-ca a Freud. É um dos episódios mais perturbadores da vida deFreud, embora tenha continuado a usar a cocaína em pequenasquantidades até meados de 1895.12

Discussão

Uma melhor apreciação do tema é obtida, primeiramente, aoconsiderarmos a questão da cocaína numa perspectiva histórica,com foco na época de Freud.

43 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47

Page 45: Casos Clinicos Em Psiquiatria

A cocaína é extraída da planta Erythroxylon coca, nativa daBolívia, Peru, Colômbia e Equador. Seu uso remonta há mais de2.000 anos por tribos indígenas e civilizações americanas. Háindícios que tenha sido usada em cirurgias, como remédio paradistúrbios físicos e como fonte de vitaminas. A inquisição espa-nhola associou o uso da coca ao pecado e coibiu seu uso pelosincas dominados. Mas, por outro lado, a cocaína teria sido utili-zada como meio dos exploradores fazerem os explorados supor-tarem melhor a fadiga e a fome na exploração das minas de ouro.Mascar folhas de coca é uma prática ainda hoje utilizada por cam-poneses andinos, mas apenas recentemente fumar pasta de cocase tornou um problema na América do Sul.

Albert Newman, químico alemão, foi o primeiro a estudarcientificamente a planta da coca em 1882.10 O extrato de cocaínafoi utilizado em uma variedade de elixires, destacando o VinMariani, fabricado pelo químico italiano Angelo Mariani. Essevinho foi apreciado, por suas propriedades estimulantes e revigo-rantes, pelo Papa Leão XIII, Júlio Verne, Émile Zola, VictorHugo, entre outros. Em 1885, John Styth Pemberton, farmacêu-tico em Atlanta, EUA, com o sucesso do vinho, desenvolveu umtônico para combater a melancolia, vendido em farmácias, com onome de French Wine of Coca, Ideal and Tonic Stimulant, fórmu-la original da Coca-Cola. Médicos de renome se interessaram epublicaram estudos sobre os benefícios da cocaína comoHammond, Mortimer e Halstead. Muitos tornaram-se dependen-tes dessa droga, inclusive Halstead, o pai da cirurgia moderna.2,10

A cocaína somente foi considerada narcótico ilegal nos EUA em1914 pelo Decreto de Harrison.10 e na Inglaterra com a “Lei deDrogas Perigosas de 1920”.13

Na época em que Freud começou sua vida de pesquisador emédico havia um niilismo nos meios médicos de Viena quanto aosrecursos terapêuticos disponíveis, como massagens, hidroterapiae eletroterapia, para aliviar o sofrimento dos doentes psíquicos.5Freud, ao despertar seu interesse pela cocaína, visava ganharnotoriedade superando o niilismo vigente com a descoberta deum método mais eficaz de tratamento para os distúrbios nervo-sos. Assim, não possuía interesse exclusivo na obtenção de prazercom a droga, mas, em especial, como medicamento para si (neu-rastenia) e para pacientes. Ernst Kris em Estudio Preliminar sobreLos Origenes del psicoanalisis mostra que também no períodoantecedente à psicanálise Freud tomava a si mesmo como sujeitoem repetidas experiências, inclusive quanto ao uso de cocaína(nota de rodapé - Sobre la coca; 1883:84), e comunicava em seustrabalhos suas observações.14

Freud usou cocaína de 1884 a meados de 1895, ano em queteve o sonho da injeção de Irma. Neste sonho Freud contou quehavia feito uso recente de cocaína para curar uma intumescêncianasal.12 A análise desse sonho, como já apontado, apareceu em AInterpretação dos Sonhos, publicada em 1899. Nessa obra Freudjá reconhecia que a cocaína provocava intoxicação grave, admitiaque durante um tempo a prescreveu como medicamento, rece-bendo por isso severas censuras e que uma das associações dosonho era um questionamento a sua conduta profissional.8Sobretudo, ao descobrir graças a seu empenho, perseverança ededicação de clínico e pesquisador a regra fundamental do seumétodo de tratamento, a livre associação, Freud abandonoutodas as outras técnicas ou recursos de tratamento. A partir de

então o mais importante passou a ser o material comunicado pelopaciente.6

Se entendermos A Interpretação dos Sonhos (1899) comomarco da nova abordagem para o tratamento das neuroses, a obrade Freud, a psicanálise, está isenta de qualquer “ajuda” ouinfluência de suas experiências pessoais ou profissionais comcocaína.

Há ainda outro aspecto a considerar que independe do con-texto histórico.

Hoje sabemos com mais precisão quais os transtornos decor-rentes do uso, abuso e dependência de cocaína. Ela bloqueia arecepção neuronal da dopamina, serotonina e norepinefrina. Adopanima está ligada nos centros límbicos do prazer, incluindoalimentação e sexo. Uma superestimulação crônica das vias dedopamina pode resultar numa deficiência da mesma, ou seja, como tempo há uma perda do controle quanto à quantidade de cocaí-na consumida, em razão da característica altamente reforçadorada droga. Assim, problemas clínicos como perda de peso severa,desnutrição e desidratação podem resultar de “porres” de cocaí-na. As alterações comportamentais mal-adaptativas incluemagressividade, hipomania, agitação psicomotora, vigilância exces-siva, prejuízo do julgamento e prejuízo do funcionamentosocial.10 Também, o uso crônico de cocaína provoca transtornosde conduta social e moral, apatia, abandono das atividades nor-mais e deterioração das funções intelectivas.15

Freud, tanto no escritos anteriores ou posteriores a 1886,manteve sempre uma disposição muito grande para a família epara o trabalho, quer clínico, quer de produção científica. Alémdisso, essa disposição implicava numa produção científica cadavez mais qualificada, nem mesmo interrompida com todos osproblemas que como judeu enfrentou na Segunda GuerraMundial e com a descoberta em 1923 do tumor maligno e comsua evolução. Desse modo, se Freud fosse um usuário dependen-te ou crônico de cocaína, jamais manteria durante toda a sua vidaas condições físicas, psicológicas e, principalmente, intelectivaspara elaborar sua obra, a qual se desenvolveu tendo como baseum árduo trabalho de clínica: “Aos oitenta anos, Freud ainda eracapaz de amar, trabalhar e odiar.”12

Dentro das atuais diretrizes e critérios diagnósticos Freud foium dependente do tabaco. Fliess aconselhara-o a deixar o vício,pois provocava freqüentes catarros nasais. Freud, em 1929, res-pondeu: “Comecei a fumar aos 24 anos, primeiro cigarros, e logoexclusivamente charutos... Penso que devo ao charuto um grandeaumento da minha capacidade de trabalho e um melhor autocontro-le.”5 Entretanto, a consciência sobre o uso do tabaco associado ariscos de saúde começou a existir em 1950 e o tabagismo somen-te foi incluído como transtorno no DSM-III – R, 1987.10

Conclusão

São infundadas as afirmações ou insinuações sugerindo queFreud tenha sido em sua vida um usuário de cocaína e que tam-bém, em todo seu trabalho clínico, prescrevia a referida substân-cia aos seus pacientes. Freud fez uso de cocaína e a prescreveu aseus pacientes no período de 1884 a 1895. Contudo, vale ressal-tar que nessa época havia um niilismo terapêutico e os pesquisa-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47 44

Page 46: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Freud e o uso de cocaína: história e verdade

dores buscavam novos caminhos e novas tentativas para a com-preensão dos fenômenos psíquicos, principalmente a histeria,sendo que o alcalóide de cocaína era uma droga praticamentedesconhecida quanto aos seus efeitos danosos à saúde.

Toda a obra sobre psicanálise foi elaborada posteriormenteao uso da cocaína por Freud, ou seja, sem a “ajuda” dessa droga.Sim pela capacidade observadora, laboriosa e criativa de Freud.

É possível que as afirmações ou insinuações de que Freuddurante a sua vida usou e prescreveu cocaína a seus pacientessejam resultantes de informações incompletas ou de um conheci-mento muito superficial da vida e do trabalho de Freud.Contudo, afirmações ou insinuações assim não deixam de sermodos de enaltecer a cocaína e, ao mesmo tempo, diminuir acapacidade de Freud. Em outras palavras, afirmações ou insinua-ções dessa natureza podem revelar não apenas falta de responsa-bilidade e de compromisso com a verdade, mas a dificuldade deassumir seus próprios problemas.

Summary

This paper presents an historical study on Freud and his use of cocai-ne. The aim is to give an answer to the insinuations or statementsabout whether Freud, during his life, would have used and prescribedcocaine to his patients and that this would also have influenced onhis work.

Key-words: Disorder, Drug User; Cocaine User; Psycho-analysis;History of Medicine

Anexo - Breve Biografia de Sigmund Freud

Em 1899 Freud escreveu esta nota autobiográfica, publi-cada em 1901 em alemão nas Biographisches Lexicon hervorra-gender Arzte des neunzehnten Jahrhunderts de J. L. Pagel:

"FREUD, SIGMUND, Viena. Nascido a 6 de maio de1856 em Freiberg, Moravia. Estudou em Viena. Alunodo fisiólogo Brücke. Promoção (título médico) em 1881.Aluno de Charcot em Paris de 1885-1886. Habilitado em1885 (designado Privatdozent). Tem trabalhado comomédico e docente na Universidade de Viena, desde 1886.Proposto como Professor Extraordinário, em 1897.Inicialmente os trabalhos de Freud trataram sobre histo-logia e anatomia do cérebro e posteriormente sobre temasclínicos de neuropatologia; tem traduzido os escritos deCharcot e de Bernheim. Über Coca, de 1884, é um traba-lho introdutório da cocaína na Medicina. De 1891 é ZurAuffassung der Aphasien. De 1891 e 1893 são as mono-grafias sobre as paralisias infantis, que culminaram, em1897, no volume sobre o tema Handbuch, de Nothnagel.Studien über Hysterie, de 1895 (com o Dr. J. Breuer).Desde então Freud tem-se dedicado ao estudo das psico-neuroses e especialmente a histeria, e em uma série debreves ensaios tem enfatizado o significado etiológico davida sexual nas neuroses. Também tem desenvolvido

uma nova psicoterapia da histeria, do qual muito poucose tem publicado. Um livro está no prelo: Die Traum-deutung (A Interpretação dos Sonhos)."4

Nenhum dos textos anteriores ao ano de 1886 foi integra-do às suas obras completas, por oposição de seus filhos e her-deiros Ernst e Anna Freud. Sua obra anterior aos textos depsicanálise, compreendendo o período de 1877 a 1886, é com-posta de 21 artigos sobre diversos temas: neurologia, medici-na, histologia, cocaína. Sua obra sobre psicanálise é compostade 24 livros (dois dos quais com Josef Breuer, um com a cola-boração de William Bullitt) e 123 artigos, além de comentá-rios, prefácios, etc. e traduzida em cerca de 30 línguas. Nestabreve biografia destacamos algumas obras de Freud.

Freud era o filho mais velho do terceiro casamento deJacob Freud, comerciante de tecidos. Jacob e Amalia Freudteriam ainda mais sete filhos. Devido a má situação econômi-ca, após um ano em Leipzig, a família mudou-se para Viena,Áustria, onde o pai estabeleceu seu comércio no bairro judeude Leopoldstrasse.

Freud começou seus estudos médicos em outubro de1873, dedicando-se ao positivismo e à biologia darwiniana, aqual serviria de modelo a todos os seus trabalhos. Em 1874,foi a Berlim freqüentar os cursos de Helmholtz. Depois deum ano, por meio de uma bolsa de estudos, foi a Triestre,Itália, onde estudou sobre as células nervosas das enguiasmachos de rio.

Depois de diplomado médico, em 1882, noivou comMartha Bernays, ocorrendo o casamento em setembro de1886. Nos três anos seguintes à sua formatura trabalhou noHospital Geral de Viena, abandonando, por questões finan-ceiras, a carreira de pesquisador. Querendo tornar-se famosoe se livrar da pobreza, começou a pesquisar sobre alcalóide decocaína, acreditando nas virtudes dessa droga. Chegou aadministrá-la em seu amigo Ernst von Fleischl-Marxow, des-conhecendo sua ação anestesiante e a de provocar a depen-dência. O efeito anestesiante da cocaína seria descoberto pelooftalmologista Carl Koller.

Em 1885 foi nomeado Privatdozent e obteve uma bolsa deestudos para estudar em Paris onde foi conhecer o trabalho deMartin Charcot, fascinado por suas experiências sobre a histe-ria. Depois, foi a Berlim onde fez os cursos do pediatra AdolfBaginsky. Retornando a Viena instalou-se como médico parti-cular, dividindo três tardes por semana como neurologista naClínica Steindlgasse.

Em 1887, conheceu Wilhelm Fliess, médico judeu berli-nense, com o qual trocou extensa correspondência íntima ecientífica, onde iniciou sua auto-análise, o intercâmbio sobreo caso Emma Eckstein e a publicação com Josef Breuer deEstudos sobre a histeria em 1895, onde são relatadas váriashistórias clínicas de mulheres: Bertha Pappenheim (caso AnnaO.), Fanny Moser (caso Emmy von N.), Anna von Lieben(caso Cäcilie M.), entre outras. Foi também durante essa ami-zade que Freud substituiu a teoria da sedução (toda neurose

45 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47

Page 47: Casos Clinicos Em Psiquiatria

derivaria de um trauma real) pela doutrina da fantasia, conce-bendo então uma nova teoria do sonho e do inconsciente, fun-damentada no recalque e no complexo de Édipo, inspiradopela tragédia de Sófocles.

Em 1891, mudou-se para um apartamento da RuaBerggasse 19, vivendo com sua esposa, seis filhos e a cunhadaMinna Bernays, ali permanecendo até seu exílio em 1938.

Freud tratava basicamente de mulheres da alta burguesiavienense que eram consideradas “doentes dos nervos.” Aprincípio utilizava os meios terapêuticos disponíveis e aceitosna época como massagens, hidroterapia e eletroterapia.Constatando que esses métodos não davam resultados satisfa-tórios, começou a utilizar a hipnose, conforme os métodos desugestão de Hippolyte Bernheim. Entretanto, com Breuer,Freud foi também abandonando a hipnose, substituída com acriação do método da livre associação e, finalmente, a psico-análise. Esse termo foi empregado pela primeira vez em 1896e sua invenção foi atribuída a Breuer. Nessa época a doutrinadas “localizações cerebrais” estava perdendo terreno para oassociacionismo, que abriria caminho para a primeira formu-lação do conceito de “aparelho psíquico” também em 1896.

Em novembro de 1899 publicou A Interpretação dosSonhos, embora a edição tenha sido datada em 1900. De 1901a 1905 publicou seu primeiro caso clínico (Dora), A psicopato-logia da vida cotidiana, O chiste e suas relações com o incons-ciente e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.

Fundou em 1902 a Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras, primeiro centro de estudos de psicanálise, juntamentecom Alfred Adler, Wilhelm Stekel, Max Kahane e RudolfReitler. Já na primeira década do século ampliou o círculo deadeptos da doutrina freudiana e no primeiro quarto do séculotambém a psicanálise chegou a vários países, como a Grã-Bretanha, Hungria, Suíça e costa leste dos EUA. Na Suíça omédico Eugen Bleuler, chefe da clínica do Hospital Burghölzlide Zurique, iniciou a aplicação do método psicanalítico notratamento das psicoses, desenvolvendo o conceito de esqui-zofrenia. No Brasil, as idéias de Freud foram divulgadas pelaprimeira vez pelo psiquiatra Juliano Moreira e, entre 1914 e1930, outros médicos contribuíram para a implantação da psi-canálise no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia: Arthur Ramos,Júlio Porto-Carrero e Francisco Franco da Rocha.

Em 3 de março de 1907, Carl Gustav Jung, assistente deBleuler, foi conhecer Freud em Viena. Freud publicou nessemesmo ano Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen. Em 1909,em companhia de Jung e de Sandor Ferenzi, a convite deStanley Hall, Freud pronunciou cinco conferências na ClarkUniversity de Worcester, Massachusetts, EUA, publicadascom o título de Cinco Lições de Psicanálise.

Em 1908 ocorreu o primeiro congresso em Salzburgo eem 1910, com Ferenzi, criaram uma associação internacional,a Internacionale Psychoanalytische Vereinigung (IPV) que em1933 passaria a ser chamada de International PsychoanalyticalAssociation (IPA). Embora avesso à tradição e rituais judaicos,Freud nunca negou ser semita. E temendo que a psicanálise

fosse assimilada como uma “ciência judaica,” colocou Jung àtesta do movimento psicanalítico. Entre 1909 e 1913 Freudpublicou mais duas obras: Leonardo da Vinci e uma Lembran-ça de sua Infância e Totem e Tabu.

Desde 1910 começaram algumas dissidências e, posterior-mente, as cisões, quer por questões pessoais, quer por ques-tões teóricas; em 1911 foram Adler e Stekell, Jung em 1913.Não suportando as traições a sua doutrina, próximo àPrimeira Guerra Mundial, Freud publicou A História doMovimento Psicanalítico, na qual aponta as traições de Adler eJung. De 1920 a 1923 mais três obras foram publicadas, pormeio das quais Freud definiu sua segunda tópica: Mais-alémdo Princípio do Prazer, Psicologia das Massas e Análise do Eu eO Eu e o Isso. A partir da segunda tópica, da questão do nar-cisismo, do dualismo pulsional e da oposição entre o eu e oisso emergiram diferentes correntes do freudismo, como okleinismo, annafreudismo, lacanismo, independentes, EgoPsychology e Self Psychology. A oposição entre a escola inglesae a escola vienense começara no interior da IPA, em 1924.

Em fevereiro de 1923, foi descoberto um tumor malignono lado direito do palato. Foi feita uma cirurgia com a ablaçãodos maxilares e da parte direita do palato. Freud tinha queusar, a partir de então, uma prótese. Sofreu ao todo, devido aessa enfermidade, 33 cirurgias. Tinha dificuldade para falar,mas mantinha contato com seus interlocutores e mantinhasuas atividades de rotina, abandonando apenas os problemasdo movimento psicanalítico, conduzido então por ErnestJones, que presidiu a IPA a partir de 1934.

Teve encontro com Salvador Dali e manteve intercâmbiocom Albert Eisntein. Freud também lidou com telepatia, dedi-cou estudos a esse fenômeno com Ferenzi entre 1921 e 1933,contrariando Jones que queria dar à psicanálise uma base maisracional e científica.

Em 1926, depois de um processo contra Theodor Reik,Freud assumiu a defesa dos psicanalistas não-médicos publi-cando A Questão da Análise Leiga. Tinha grande estima e aco-lhia no seio desse movimento mulheres de vanguarda comoMarie Bonaparte, Lou Andreas-Salomé, entre outras, contri-buindo assim com a emancipação feminina.

Em 1927, teve problemas de relacionamento com seuamigo o pastor Oskar Pfister ao publicar O Futuro de uma Ilu-são, onde defendia a tese que a religião é uma neurose coleti-va. Em 1930, com a publicação de O Mal-estar da Cultura,colocou em dúvida a capacidade das sociedades democráticascontrolar as pulsões destrutivas.

Em março de 1938, quando da invasão da Áustria pelaAlemanha, com a intervenção do diplomata americanoWilliam Bullitt e de um resgate pago por Marie Bonaparte,Freud e sua família deixaram Viena rumo a Londres, residin-do em Maresfield Gardes 20, hoje Freud Museum. Redigiunesse país seu último texto Moisés e o Monoteísmo.

Freud faleceu em 23 de setembro de 1939 às três horas damadrugada, depois de dois dias de coma e de ter recebido de

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47 46

Page 48: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Freud e o uso de cocaína: história e verdade

Max Schur, a seu pedido, com a concordância de Anna Freud,três injeções de três centigramas de morfina.

Referências Bibliográficas

1. Wassermann R. Substâncias hoje ilegais já foram usadascomo remédio no passado. O Estado de S. Paulo, 1999; 19de set. (Caderno Especial - Drogas):14.

2. Frei Betto. O Vencedor. São Paulo:Ática, 1996: 153, 51-52,67, 115, 137-138, 140-141, 156.

3. Zago JA. Drogadição; o tratamento na comunidade terapêu-tica. Inform Psiqu 1995; 14:133-137.

4. Freud S. Obras completas. 3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva;1973: XLIII.

5. Roudinesco E, Plon M. Dicionário de psicanálise. Rio deJaneiro: Jorge Zahar Editor, 1998: 272-279, 86-87, 438, 239,274-275, 274.

6. Freud S. Autobiografia. In: Obras completas. 3ª ed. Madrid:Biblioteca Nueva, 1973: 2761-2799.

7. Hall CS, Lindzey G. Teorias da personalidade. São Paulo:Herder, EPU, 1974: 43-92.

8. Freud S. A Interpretação dos Sonhos. In: Obras Completas.3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva; 1973: 343-752.

9. Fadiman J, Frager R. Teorias da personalidade. São Paulo:Harper & Row do Brasil, 1979: 4.

10. Frances RJ, Franklin Jr. JE. Transtornos por uso de álcool eoutras substâncias. In: Talbott J, Hales R, Yudofsky S, eds.Tratado de Psiquiatria; 1992:234-266, 253, 253-254.

11. Mayer-Gross W, Slater E, Roth M. Psiquiatria Clínica. 2ª ed.São Paulo: Mestre Jou, 1976: 448.

12. Gay P. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo:Companhia das Letras, 1989: 56-57, 281, 555.

13. Dunn J. O sistema de tratamento de usuários de drogas naInglaterra; mudanças nos últimos 200 anos. Boletim dePsiquiatria 1995; 28:19-23.

14. Kris E. Estudio preliminar – Los Origenes del psicoanalisis.In: Obras Completas. 3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva; 1973:3455.

15. Vallejo Nagera J A. Introducción a la Psiquiatria. 8ª ed.Barcelona: Científico-Médica; 1976:311.

47 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47

anúncioSonata

Page 49: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52 48

Descrição Clássica/HomenagemHEINROTH E A MELANCOLIA: DESCRIÇÃO, ORDENAÇÃO E CONCEITOHEINROTH AND MELANCHOLIA: DESCRIPTION, CLASSIFICATION AND CONCEPTION

Michael Schmidt-Degenhard*

Tradução: Maurício Viotti Daker**

Resumo

O período romântico de Heinroth e sua concepção de melancoliasão analisados numa perspectiva trans-histórica, com vinculações aopensamento filosófico-cultural da época e a outros períodos históri-cos, inclusive com ramificações atuais. São investigados aspectos des-critivos, classificatórios e conceituais da melancolia segundo Heinroth.Citados originais de Heinroth enriquecem o presente trabalho.

Palavras-chaves: Melancolia; Transtorno Depressivo; Histó-ria da Medicina

Procurarei expôr em seguida o conceito de melancolia deHeinroth, considerando, em especial, aspectos inerentes a pro-blemas históricos. Gostaria sobretudo de mostrar quais diretrizese tradições históricas de pensamento segue Heinroth em sua her-menêutica da vivência melancólica. A investigação de problemashistóricos tem como tarefa o reconhecimento de “contínuasestruturas de problemas” que, derradeiramente, possuem porbase uma “identidade trans-histórica”. Aqui a experiência antro-pológica fundamental da existência melancólica: a junção de cadatentativa de solução de problema, ou seja, das diversas teoriascom seus respectivos fundos culturais e de pensamentos históri-cos, leva a ampliadas correlações de efeito. Nelas se mostra umacontinuidade de idéias históricas que alcança a psiquiatria atual.

Introdutoriamente, permito-me breve esclarecimento daproblemática concernente ao conceito científico da psiquiatriaromântica.

O campo de interesse da psiquiatria no início do século 19 édominado por veementes discussões daqueles dois grupos que,ainda hoje, são freqüentemente contrapostos (muito simplificada-mente) como somáticos e psíquicos. O exame das fontes históricasdeixa aquela confrontação transparecer de modo muito maisfacetado: considerando a história do pensamento, esses grupos semostram, a despeito de sua polaridade, como representantes deuma psiquiatria romântica sob a influência direta da filosofia doidealismo alemão, com seus expoentes Schelling, Fichte e Hegel.Precisamente Schelling se torna o mais significativo teórico dessa

época psiquiátrica, exercem profunda influência notadamenteseus trabalhos filosóficos naturais.

É necessário ressaltar com clareza que a diferenciação entrepsíquicos e somáticos, em sua dimensão profunda, significa algofundamentalmente diferente do que o moderno conflito entre osrepresentantes de uma extrema somatogênese e os de uma psico-sociogênese das psicoses endógenas: não se confrontam ideolo-gias etiológicas, ambas as direções possuem origem filosófica.Tanto que não se verifica nenhuma genealogia direta dos somáti-cos sobre Griesinger e Wernicke. Antes pelo contrário, levanta-seo jovem Griesinger em crítica radical à principal obra de Jacobi edos representantes da escola somática.

Os psiquiatras românticos colocam com profunda serieda-de, decerto com diferentes respostas, as questões fundamentaissobre a essência da alma e sua relação com o corpo. Essas ques-tões culminam finalmente no essencial problema metafísico, seentão a alma, tida como imortal no homem, adoece, ou seja, sepoderia alienar-se.

Veio a ser rotina na psiquiatria, um pensamento mecanizado,avaliar negativamente a influência da filosofia natural e antropo-logia romântica, como uma camisa de força no desenvolvimentoda especialidade para uma disciplina empírica. A contemplaçãonatural no sentido de Schelling, contudo, não exclui a empiria.Esta se torna, antes, a base, o fundamento da questão filosófica.Nesse mesmo sentido afirma Carl-Gustav Carus, em 1822, numdiscurso sobre “a exigência de um futuro trabalho nas ciênciasnaturais”, “que abordagem natural e abordagem especulativa nãopodem ser separadas”.1 Medida e avaliação cuidadosa de dados,associadas à observação e interpretação pressupõem, porém, anecessidade de uma formação equilibrada em ambos os caminhosde conhecimento, a fim de se atingir o verdadeiro sentido doconhecimento científico: a visão do homem ou do objeto a serinvestigado. O conceito de visão se encontra no núcleo da doutri-na científica romântica. Visão não significa registrar visualmente,encontra-se em contraposição ao simples ver. Aquele que visionapenetra na essência do investigado mediante ato de conhecimen-to em que pensamento, fantasia e sentimento confluem ativa ereciprocamente. Assim, manifesta-se também em Heinroth, comoponto alto da arquitetura interna de sua obra, uma doutrina daessência dos transtornos mentais.

Entretanto, Heinroth não deixa de sublinhar, num artigopublicado em 1818 na Revista para Médicos Psíquicos de Nasse, oespecial valor da observação para a investigação dos transtornosmentais: “É uma tarefa urgente, portanto, conseguir reunir cuidado-

* Especialista em psiquiatria, psicoterapia e neurologia. Livre-docente pela Universidade de Heidelberg. Diretor da ClínicaPsiquiátrica Carl-Friedrich-Flemming do Centro Médico deSchwerin, Alemanha.** Prof. Adjunto Doutor do Departamento de Psiquiatria eNeurologia da Faculdade de Medicina da UFMG

Endereço para correspondência:Michael Schmidt - DegenhardWismarsche Str. 393D-19055 - Schwerin - Alemanha

Page 50: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito

49 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52

sas descrições de doenças. Principalmente assim se fez adiantar, defato, a medicina somática. A medicina psíquica tem que repousarnessa mesma base”.2 O estudo das formas, isto é, a nosologia docompêndio de Heinroth oferece uma plenitude de cuidadosasobservações clínicas e psicopatológicas.

Seja, nesse contexto, pontuada a questão, se a psiquiatriaatual pode abdicar inteiramente dos elementos do esboçado epara nós estranho conceito científico dos românticos, caso ela seproponha à investigação do psiquismo em todas as suas dimen-sões. Assim, recentemente, assinala Janzarik que também o pen-samento do psiquiatra de orientação neopositivista não pode, semparticipação especulativa, estabelecer nenhuma ordem superior.3

Johann Christian August Heinroth nasceu em 1773 emLeipzig e morreu nessa mesma cidade em 1843. Em 1818, foinomeado professor catedrático em Leipzig na primeira cadeiraalemã para “medicina psíquica”. Em 1818, publicou seuCompêndio dos Transtornos da Vida Psíquica, que ao lado dasContribuições para o Ensino das Doenças de 1810 oferece os prin-cipais esclarecimentos sobre sua versão do conceito de melanco-lia. Heinroth é amplamente cotado como o representante dos psí-quicos, a seu nome é associado primeiramente, até hoje, a suadoutrina sumariamente recusada da essência dos transtornosmentais, tida freqüentemente como teoria moralizante de peca-dos. Seja apenas indicado que essas idéias tão mal entendidasrepresentavam uma tentativa contemporânea apoiada emSchelling de se aproximar seriamente do inconcebível, do misté-rio do alienado, do psicótico. Na minuciosa introdução concei-tual do compêndio, Heinroth desenvolve uma antropologia dapessoa como um todo, o que viria a ser pouco notado. Assimcomo mais tarde, de forma tão clara praticamente apenas a feno-menologia personalística de Max Scheler (assim como a antropo-logia fenomenológica de V. E. von Gebsattel), coloca Heinroth aexperiência corpóreo-mental e histórica da existência da pessoano ponto central de todas as discussões sobre o desenvolvimentodos transtornos mentais. Estes, em muitos pontos corresponden-tes a nossas psicoses endógenas, são descritos como crises deamadurecimento malsucedido na transição das idades da vida.Nelas torna-se “alienado” “o plano criador divino” do desenvolvi-mento humano. Dá a impressão de modernidade a formulação deque os transtornos mentais decorreriam de um “perturbado pro-cesso interno de organização para o desenvolvimento da vida com-pleta, isto é, livre”. Assim, o transtorno mental é um estado de“duradoura falta de liberdade ou perda da razão”, sendo que ainvestigação da história de vida interior do doente se tornaimprescindível. Impressionam, paralelamente a isso, seus princí-pios para delinear uma “ordem dos transtornos mentais fundada naprópria natureza”. Ele reconhece que “todas essas diversas formasnão são imensuráveis, anárquicas, isto é, amorfas, senão que podem

ser determinadas com precisão conforme suas condições”.2Heinroth fala em “formas de doença como plantas originadas doprimeiro broto e seus graduais desdobramentos até a plena forma-ção e amadurecimento”, até apresentarem “claramente desfechofinal com variados resultados”.2

A tentativa de Heinroth de ordenação dos transtornos men-tais orienta-se na tradicional doutrina, também mantida porKant, dos poderes mentais, e distingue adoecimentos do pensa-mento (Geist), dos sentimentos (Gemüt*) e da vontade (Wille).Heinroth fala, aliás, de “energias da alma”. Essas espécies são dife-renciadas conforme os estados de exaltação ou de depressão dospoderes mentais, sob influência da doutrina contemporânea dedoenças do inglês William Cullen.4 Observe-se que Heinroth uti-liza pela primeira vez o conceito de “depressão”, originalmentepretendido como neuropatológico, como referente ao tônus dosvasos cerebrais, para a designação de humor psíquico.

Essa transformação psicológica do conceito de depressão ori-ginalmente considerado orgânico funda uma duradoura mudan-ça de significado, o qual, contudo, inicialmente não concorre como conceito de melancolia. “Depressão” circunscreve apenas o sin-toma ubiqüitário da tristeza, da disforia depressiva, enquanto que“melancolia” designa uma determinada doença, ou seja, repre-senta um diagnóstico. A equiparação de ambos os conceitos e aconseqüente perda de significado da melancolia pertencem a umaépoca posterior.

A doença melancolia aparece em Heinroth, portanto, comouma depressão dos sentimentos, como uma doença na qual ossentimentos são comovidos por uma “paixão deprimente”. Já naintrodução, Heinroth retrata o quadro freqüentemente citado de“em si espantado** sentimento melancólico”, “como que corrói a simesmo”. Essa metáfora do mal ruminante e penetrante dos depri-midos ilustra o poder de expressão fisionômica de Heinroth elembra trabalhos analíticos existenciais de uma época posterior.O outro pólo, o de exaltação dos transtornos dos sentimentos,forma o Wahnsinn***, o Ecstasis, no qual os “sentimentos em esta-do excitado, apaixonado, como que se subtraem de si mesmos, evivem apenas no mundo de seus sonhos”.5

A investigação do conceito heinrothiano de sentimento indi-ca um aspecto central do problema histórico da questão damelancolia. Servem-nos como guia trechos na verdade periféricosdo compêndio de 1818, que em parte surgem como observações.Heinroth descreve o homem como “ser sensível, como um ser queanseia a libertação das necessidades nele inatas e na emoção dessaânsia surge como sentimento ou coração”.5 Decisivo para nós é aidentidade de significado de sentimento e coração. Logo designasentimento novamente como aquilo “que nós habitualmente e deforma expressiva denominamos coração”.5 Em trecho posterior

* Gemüt - pode ser traduzido também como afeto, além de ânimo, coração, mente, etc. Existe, porém, a palavra Affekt em alemão, assim como outras palavrasalém de Gemüt para designar ânimo, mente, emoção, humor, paixão, etc. Affekt possui conotação de acometimento emocioanal por curto tempo. Segundo oDicionário de Psiquiatria e Psicologia Médica de Peters, UH (Urban & Schwarzenberg, Munique - Viena - Baltimore, 1990) não há tradução de Gemüt para oinglês, embora usualmente seja traduzido como affect. Em português, parece-nos o termo sentimento(s) o mais adequado. (Nota do tradutor)** ou amedrontado, assustado. (Nota do tradutor)*** Designação à época, em geral, para transtornos mentais com acometimento da capacidade intelectual, com perturbação do poder de julgamento, sem che-gar a um estado propriamente demencial ou a um embotamento afetivo. (Nota do tradutor). Fonte: Peters UH. Wörterbuch der Psychiatrie und medizinischenPsychologie. Urban & Schwarzenberg, München - Wien - Baltimore, 1990).

Page 51: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52 50

encontramos a seguinte observação sobre o conceito de senti-mento:

“É então essa expressão provincial demais ou tão vaga e abs-trata, ou de todo artificial, que não se pretende mais deixá-la servir com o mesmo significado que a representativa pala-vra coração? Portanto aflição e desgosto, assim como alegriae esperança, não devem mais ter seu lugar no sentimento?Onde mais então?”5

Melancolia como doença do sentimento, do coração. AquiHeinroth se envolve, porém, numa velha tradição ocidental:“coração” representa um conceito antropológico fundamentalpara designação do centro e unidade pessoal do homem, sua basedinâmica, a partir da qual ele procura encontrar a compreensãode si mesmo. A história de idéias do conceito filosófico-teológicode coração remete-nos até Augustinus e à teologia patrística. Aakedia, a inércia do coração que Cassian descreve como umadoença e tentação condicionada à solidão dos monges cristãosisolados pertence a esse contexto. Sobre o misticismo alemão,lideram essa linha notadamente Hildegard von Bigen e MeisterEckhard, passando por Paracelsus e Pascal até a depressivacomoção de Kierkegaard. No contexto contemporâneo aHeinroth o jovem Hegel mantém atual a congruência de signifi-cado de coração e sentimento; ainda na “Fenomenologia daMente” ele contrapõe ao “Wahnsinn da presunção” a “lei docoração”. Portanto, coração e humor depressivo são essencialmen-te aparentados. A melancolia é para Heinroth a doença do âmagoda pessoa humana. Ele a descreve como o contrário da perfeição,o “mais miserável estado”, no qual o sentimento seria arrancadode todo o mundo. Raramente convergem cultura e história médi-ca da melancolia tão estreitamente como na psiquiatria do médi-co romântico Heinroth.

A melancolia como a doença da pessoa se encontra, assim, nocentro da doutrina das doenças psiquiátricas de Heinroth, o sen-timento ou o coração representa para ele aquele centro dohomem através do qual este “é direcionado à eternidade”. A inter-pretação teológica última de Heinroth do conceito de sentimen-to indica também, contudo, uma debilidade de sua concepção demelancolia. Esta não reconhece suficientemente o fenômeno clí-nico do sintoma cardinal da inibição vital da psicose depressiva.Numa observação ele chega a denominar claramente com umtermo grego, thymos, a esfera vital do impulso, a psicomotricida-de, que fará parte do conceito de ciclotimia de Kahlbaum.Heinrot não pretende que caiba a ele um papel decisivo e consti-tutivo na construção da sintomatologia da melancolia.5

A “melancolia pura” é descrita como paralisia do sentimen-to, com “abatimento, ensimesmar-se em meditação sobre qual-quer objeto da perda, da tristeza, da dor, do desespero”.“Ansiosa, apressada movimentação ou imutável fixidez, com insen-sibilidade ante cada outro interesse além daquele do perturbadosentimento, entre gemidos, choro e lamúrias” podem caracterizar oquadro da melancolia pura.5

Heinroth conceitua formas agitadas e inibidas como expres-são de uma melancolia una, ambas são manifestações do “humormental deprimido” basal. Como subformas da melancolia sãodescritas ao lado da forma pura a “melancolia com idiotice”, a“melancolia com abulia”, a “melancolia geral” e como varieda-

des a saudade, a “nostalgia” e a “melancolia religiosa”. Todasessas formas indicam feições de nossa depressão endógena e ilus-tram especialmente o fenômeno da inibição psicomotora depres-siva. A idéia de uma psicomotricidade basal, a se considerar aindaantes da diferenciação em cada um dos poderes mentais, perma-nece remota para Heinroth. Ela encontra sua incorporação napsiquiatria apenas sob a influência do pensamento histórico dosensualismo, que favorece o surgimento de modelos neurofisioló-gicos dos transtornos mentais, através de Jessen e Griesinger. Acaracterização dogmática da melancolia como doença do senti-mento impede que Heinroth considere com os mesmos direitosos transtornos do pensamento, da vontade e da atividade.Heinroth pode enfrentar esse aforismo apenas através da exposi-ção de formas separadas no âmbito de outras espécies, que, noentanto, mostram aspectos essenciais de nossa depressão endóge-na. O nome melancolia permanece o único da depressão do sen-timento.

Assim descreve Heinroth5 como transtorno depressivo do pen-samento a “idiotia com melancolia”, a “anoia melancólica”. Odoente sofre de uma “fraqueza da inteligência”, ele é incapaz de:

“manter a ideação e formar julgamentos. Mas apesar dissoele sente seu estado, ele lamenta seu triste destino, cuja ori-gem não entende, porque não entende a si mesmo. Mas eleincorre logo a seguir em 'infatigável, inútil atividade', paraao menos mostrar que sua boa vontade de estar ativo existe.Em seqüência torna-se triste e abatido, para ocupar-se nasolidão não mais que infrutiferamente consigo mesmo”.5

Nos transtornos da vontade interessa-nos uma “falta de von-tade com tristeza”, a “abulia melancólica”, na qual o doente sofrede “total inatividade, originada da incapacidade de querer”. Suavontade estaria “atada”. A “dor de sua incapacidade de agir” torna-ria esses doentes tristes. O estado se transforma em completamelancolia, donde o desespero não raro substitui o lugar da von-tade e impulsiona o doente ao suicídio.5

A dificuldade de Heinroth de compreender os transtornosafetivos e psicomotores como constituintes em comum da melan-colia indica com grande antecedência as dificuldades de futurasgerações até as modernas, para as quais a “inibição vital” cada vezmais se torna problema central da estrutura sintomatológicadepressiva, na qual a alteração do humor pode mesmo parecersecundária. Estamos, portanto, no direito de caracterizar adepressão endógena como uma psicose puramente afetiva?Talvez ofereça a história de problemas da clínica, aqui, um auxí-lio valioso e inesperado.

A configuração clínica da melancolia segundo Heinroth e anossa “depressão endógena” divergem também em vários outrossentidos. Assim, a melancolia é antes considerada de prognósti-co desfavorável. O Wahnsinn, pelo contrário, “promete a maiscurta duração e o melhor desfecho”. Se como possível desfecho damelancolia temos que o “estado melancólico se torna um fardo,uma loucura que por fim se transforma em imbecilidade” ou odoente “no seu interior gradualmente naufraga em embotamentoe idiotia”, então estaríamos nos movendo sobretudo no terrenodas atuais psicoses esquizofrênicas. Surpreende-nos a descriçãodo estádio final da melancolia com idiotia, mais propriamenteuma psicose esquizofrênica do nosso diagnóstico. Aqui:

Page 52: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito

51 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52

“reina no doente uma espécie de vida automática. Ele andasem rumo e se deixa levar por afazeres mecânicos, mas faztudo pela metade e causa mais estragos do que realiza, deixalogo as mãos penderem e permanece ali pueril-tolo. Nesseestado desandam furtivamente os dias restantes de sua vida,cuja fonte de energia está esgotada”.5

Um breve parêntesis é interessante para esclarecer como aintuição de Heinroth também reconhece aspectos essenciais dapsicose por nós designada de esquizofrenia. Ele descreve o assimdenominado “frenético Wahnwitz****”. Este representa umaexaltação da mente em que está perturbada principalmente a per-cepção do mundo externo sensorial, inclusive do próprio corpo.Heinroth escreve:

“A vida mental está aqui inteiramente fragmentada em seuselementos, sendo que cada qual atua como tóxico destruti-vo. Nenhum vínculo mental, nenhum sentimento, nenhu-ma fantasia mantém juntos os elementos de toda atividademental, pensamento e vontade, e separados aniquila-se cadaeu e seu próprio ambiente: o pensamento, ordem e coesãodas representações de um mundo real, a vontade, que ape-nas sempre ligação e dissolução, deixam-se atingir através desuas forças destruidoras”.5

Encontramos uma indicação para a antinomia maníaco-depressiva na descrição de uma subforma “melancolia comNarrheit*****”, uma mistura de depressão do sentimento e exal-tação do pensamento. Nela se alivia o sentimento deprimido, nofim da melancolia, “através de excitação e animação de representa-ções agradáveis”. “Uma jocosidade febril apodera-se do doente e eletende a imaginária bem-aventurança, a fim de escapar da tortura datristeza melancólica”. Esse estado duraria semanas ou meses, atéque a alma afundasse novamente em sua escuridão. Então surgi-ria mais uma vez a melancolia, que, no entanto, através de “reite-rada tensão”, após “reunidas forças”, é de novo substituída pelatolice jocosa. Essa mudança repete-se constantemente, até quefinalmente as “forças se esgotam”. O diagnóstico só poderia serdado se fosse observada “toda a evolução da doença”, ou seja, amudança em ambas as formas, “o parecer não deveria ser o de umestado monomaníaco do doente”.5

Encontra-se em Heinroth, portanto, uma clara descrição daloucura circular como uma forma de doença una, não comomudança de duas diferentes doenças. Em 1851, o francês Falretdescreverá, sob outras condições históricas da ciência, fundamen-talmente modificadas, a unidade de doença Folie circulaire e comisso estabelece o ponto de partida para o desenvolvimento clíni-co da psicose maníaco-depressiva de Kraepelin. A correta obser-vação já encontramos no romântico Heinroth, tão freqüentemen-te rejeitado por suas especulações. Seu espírito de observação clí-

nica, que muito injustamente foi esquecido em meio à problemá-tica metafísica de sua doutrina de essência, merece admiração.

Finalmente, gostaria de citar sem comentários a teoria deessência da melancolia. Unicamente será referido à fala que, aopenetrá-la, deixa-nos supor algo do sofrimento da vivênciamelancólica: na melancolia “torna-se a pessoa uma vítima das pre-mentes forças” que invadem seu coração...

“Apoderar-se de si e tornar-se novamente autônomo não émais uma possibilidade: o coração e seu objeto estão fundi-dos. E porque nesse estado o coração não é mais da pessoa,senão que do objeto, um infindável martírio toma a pessoa,pois ela está numa infindável contradição, nesta: ela estáseparada de si mesma e, no entanto, não pode separar-se desi mesma. Isso é verdadeiro suplício, pois a essência dessesofrimento é a visão e a sensação daquilo que em si é umcomo algo separado. Nessa auto-sensação do não pertencera si mesmo perderam-se na melancolia os sentimentos, eessa é a essência da melancolia, que se encontra na base detodos os modos de manifestação da mesma”.5

Mais de 120 anos depois falará V. E. von Gebsattel,6 em suapenetração fenomenológica da vivência melancólica de alhea-mento, de “existência tornada inalcançável”, que só permite uma“existência no vazio”. Heinroth e von Gebsattel aspiram o conhe-cimento da essência da melancolia, da qual a investigação psi-quiátrica, na verdade, julga por vezes poder prescindir, mas quesem ela não se consegue um verdadeiro encontro terapêutico como doente mental.

Summary

Heinroth´s romantic cycle and his comception of melancholia areanalysed in an historical perspective linking the philosophical and cul-tural mening of his own time to another periods of time and tomore recent works. Descriptive, classifiable and conceptual aspectsof the melancholie according to Heinroth are investigated. Heinroth’spersonal excerpts enrich the text.

Key-words: Melancholia; Depressive Disorder; History ofMedicine

Referências Bibliográficas

1. Carus CG. Natur und Seele (Auswahl). Jena: Diederichs,1939:45.

2. Heinroth JCA. Krankheitsberichte. Nasses Z Psych Ärzte1818; 2:231-233.

**** Conceito etimologicamente mais antigo que Wahnsinn, com significado semelhante: incompreensível, vazio em razão, sem sentido. Era usado em sentidoleigo e amplo para todas as formas de transtornos mentais, como loucura. (Nota do tradutor)***** Narrheit: termo genérico para loucura ou tolice. “Narr” significa tolo, doido, disparatado, insensato. Antigamente “Narr” era empregado no sentido debrincalhão, charlatão, farsista, como em comédias no teatro ou no papel de bobo da corte, com sua vestimenta colorida peculiar. Hoje ainda existem expressõesque vinculam o termo a esse aspecto hilariante. “Narr” também significa carnavalesco. (Nota do tradutor). Fonte: DUDEN - Dicionário da Língua Alemã.

Page 53: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52 52

3. Janzarik W. Basisstörungen. Eine Revision mit strukturdyna-mischen Mitteln. Nervenarzt 1983; 54:122-130

4. Cullen W. Kurzer Begriff der medizinischen Nosologie.Leipzig, 1786.

5. Heinroth JCA. Lehrbuch der Störungen des Seelenle-bensoder der Seelenstörungen und ihrer Behandlung. Leipzig:Vogel, 1818.

6. Von Gebsattel VE. Zur Frage der Depersonalisation. In:Prolegomena einer medizinischen Anthropologie. Berlin:Springer, 1954.

7. Hartmann N. Zur Methode der Philosophiegeschichte.Kant-Studien 1910; 15:459-485.

8. Heinroth JCA. Beyträge zur Krankheitslehre. Gotha, 1810.9. Heinroth JCA. Lehrbuch der Anthropologie. Leipzig, 1822.10. Kindt H. Katatonie. Ein Modell Psychischer Krankheit.

Stuttgart: Enke, 1980.

11. Leibbrand W, Wettley A. Der Wahnnsinn. Freiburg: Alber,1961.

12. Lidl M. Johann Christian August Heinroth (1773-1843) undsein therapeutisches Konzept. Med Diss, Würzburg 1981.Horst Wellem Verlag, Pattensen (Han.).

13. Möbius PJ. Zum Andenken an J.Ch.A. Heinroth. Allg ZPsychiat 1898; 55:1-18.

14. Schmidt-Degenhard M. Melancholie und Depression. ZurProblemgeschichte der depressiven Erkrankungen in derdeutschsprachigen Literatur seit beginn des 19.Jahrhunderts. Stuttgart: Kohlhammer, 1983.

15. Schomerus HG. Gesundheit und Krankheit der Person inder medizinischen Anthopologie Johann Christian AugustHeinroths. Med Diss, Heidelberg 1965.

16. Tellenbach H. Melancholie. Problemgeschichte,Endogenität, Typologie, Pathogenese, Klinik, 2. Aufl. Berlin:Springer, 1974.

Page 54: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Seguimento

REVELAÇÕES – CCP 1999; 1(1): 3-11

Paulo B. Linhares (auto-relato anônimo)

Continuo com ótima saúde, convivendo bem com todomundo, principalmente com minha esposa e meus cinco filhos.Sou o responsável pela manutenção financeira da minha família epara quem quiser estudar e entender melhor meu caso, digo:

“A partir de agosto de 1996 consegui adquirir um bomapartamento e um carro de passeio, zero km e, em fevereirode 2000, consegui a quitação de ambas as aquisições. Entreide licença médica no INSS em 25/05/1982, sendo aposenta-do por invalidez em 01/08/1985. Cancelei a minha aposen-tadoria por invalidez em 10/02/1986, reduzindo assim oscustos do INSS, e passei a ser novamente um contribuinte.Na atividade profissional exerço uma função de alto nível eresponsabilidade. Quanto a minha saúde, informo que nãotomo nenhum remédio psicotrópico há mais de seis anos”.

O meu objetivo é ajudar àqueles que trabalham na área dasaúde mental para que possam dar aos necessitados o auxílionecessário para que todos tenham uma vida digna e em abun-dância.

Toda a base deste conhecimento, que muitos médicos e atépsiquiatras já defendem, só será aceita cientificamente quandotornar-se um assunto de uma cadeira obrigatória em todas as uni-versidades do mundo, deixando de ser um estudo paralelo e atéconsiderado como “Ciências Ocultas”, o que causa, pelo nome,muito medo e apreensão.

Por causa deste meu objetivo enviei um e-mail para o DoutorHélio Elkis, o qual transcrevo aqui agora:

“Dr. Hélio Elkis, Desejo-lhe muita paz.É necessário que a ciência, principalmente no ramo da psi-quiatria e psicologia, evolua o mais rápido possível para quetodos os elementos do gênero humano possam receber osfrutos positivos e válidos do conhecimento para viverem dig-namente a VIDA.Dr. Hélio Elkis, há 20 anos venho estudando tudo sobre amente humana como um autodidata, só que nestes meusestudos e pesquisas tive que caminhar sozinho, pois nin-guém teve a caridade e humildade de querer me entender.Nesta minha constante e firme disposição passei a com-preender como funciona o “inconsciente”. Posso agora expli-car esta incógnita do ser humano. Veja o que escrevi nos trêsprimeiros parágrafos do meu trabalho, que já é do seuconhecimento.Dr. Hélio Elkis, o senhor já conhece um pouco sobre mim,mas ainda não sabe quem eu sou. Gostaria de saber se osenhor deseja estudar um pouco mais para compreendermelhor o meu caso. Assim o meu estudo e minhas descober-

tas poderiam ser bem mais úteis e benéficas a todos os inte-ressados e necessitados.Eu sou o “Paulo B. Linhares” (nome fictício) do Auto-Relato da revista “Casos Clínicos em Psiquiatria”, volume 1,número1. Caso o senhor queira conhecer-me mais, respon-da-me pelo E-mail:....... Cordialmente, despeço-me...”.

Para o Doutor Hélio Elkis eu me identifiquei, colocando-mea disposição para um diálogo. O mesmo faço aqui agora, só queo Doutor Maurício Viotti Daker julgou melhor que continue como nome fictício e, se alguém quiser estudar mais o meu caso paraque possa ser considerado como exemplo, entre com contatocom a redação da revista – [email protected] - e o DoutorMaurício tomará as providências que julgar melhor.Terminando, desejo para todos muita paz e realmente uma PAZPLENA.

TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR RESISTENTE E REVISÃO DE SEU TRATAMENTO COM CLOZAPINA – CCP 1999; 1(1):27-32

Costa EC, Miranda GV, Costa ALC, Daker MV(contribuiu neste seguimento Malloy-Diniz L)

Persiste estabilizado em monoterapia com 300 mg/dia declozapina. Verificou-se queixas relacionadas a memória e funçõesexecutivas. O paciente foi submetido nos meses 1, 6 e 12 de usoda clozapina a avaliação neuropsicológica: Mini-Exame doEstado Mental, Teste de Sondagem Intelectual, Inventário deInteligência Não-verbal, Token Test, Teste de Fluência Verbal,Teste Digit Span/de Aritmética/Construção com Cubos – EscalaWechler de Inteligência para Adultos, Teste de AprendizagemAuditivo-verbal de Rey e Teste Gestáltico Visuomotor de Bender.Inicialmente, constatou-se dificuldades relacionadas às funçõesexecutivas (fluência verbal), memória auditivo-verbal e habilida-des visuo-construtivas. Excetuando-se as dificuldades relaciona-das à visuo-construção, que podem estar associadas ao uso deálcool, as demais alterações cognitivas podem ser explicadas peloquadro de transtorno afetivo bipolar. Aos seis meses verificamosmelhora dos escores dos testes de funções executivas e memóriaauditivo-verbal, o que é compatível com os resultados obtidos empacientes esquizofrênicos submetidos ao mesmo tratamento psi-cofarmacológico. A avaliação aos 12 meses demonstrou estabili-dade da melhora cognitiva alcançada aos seis meses.

Para detalhes: Costa E, Malloy-Diniz L, Costa DA, MirandaGV, Viotti-Daker M. Avaliação prospectiva de sintomas neurop-siquiátricos de um paciente portador de transtorno bipolar resis-tente tratado com clozapina. Psiquiatr Biol 2000; 8(1): 3-7.

53 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):53-53

Page 55: Casos Clinicos Em Psiquiatria

Volume 1

Palavras-chaves

Acordares relacionados a esforços respiratórios...................45Alopurinol....................................33Ansiedade.....................................45Antidepressivos............................12,45Antipsicóticos ..............................12,33Apnéia ..........................................45Benzodiazepínicos .......................45Catatonia ......................................12Clozapina .....................................27Conduta hipernómica..................47Delírio de infestação....................24Demência .....................................12,45Dementia praecox........................59Depressão.....................................12Depressão psicótica .....................47Doença auto-induzida .................42Esquizofrenia ...............................16Esquizofrenia de início tardio .....21Esquizofrenia paranóide.............. 3Estabilizadores de humor............33Hemingway ..................................47Hipertiroidismo ...........................24Hiperuricemia..............................33História da psiquiatria.................59Insônia..........................................45Mania............................................33Musicoterapia ..............................16Parafrenia ..................................... 3Parafrenia tardia ..........................21Patografia .....................................47Psicose..........................................16Psicose tardia ...............................21Psicopatologia ..............................12Psiquiatria geriátrica....................24Síndrome de apnéia hipopnéia obstrutiva do sono .......................45Síndrome de Ekbom....................24Síndrome de Munchausen...........42Transtorno bipolar.......................33,47Transtorno delirante .................... 3Transtorno factício.......................42

Transtorno de humor bipolar......27Transtorno obsessivo-compulsivo..36Transtorno obsessivo-compulsivopsicótico .......................................36Transtorno obsessivo-compulsivoresistente ......................................36Transtorno psicótico .................... 3

Key-words

AD................................................43Allopurinol...................................34Antidepressants............................15Antipsychotics..............................15,34Anxiety .........................................43Apnea ...........................................43Artefactual disease .......................40Benzodiazepines...........................43Bipolar disorder......................32,34,53Catatonia ......................................15Clozapine .....................................32Dementia......................................15,43Dementia praecox........................63Delusional disorder .....................11Delusion of infestation ................26Depression ...................................15,43Ekbom’s Syndrome......................26Emil Kraepelin.............................63Factitious disease .........................40Geriatric psychiatry .....................26Hemingway ..................................53Hipernomy...................................53Hiperuricemia..............................34History of psychiatry ...................63Hyperthyroidism..........................26Insomnia.......................................43Late-onset schizophrenia.............23Late-paraphrenia .........................23Late-psychosis..............................23Mania............................................34Mood stabilizers...........................34Munchausen’s syndrome .............40Musical-therapy ...........................20Obsessive-compulsive disorder...39OSAHS ........................................43Paranoid schizophrenia ...............11Paraphrenia..................................11

Pathography.................................53Psicotic obsessive-compulsive disorder ........................................39Psychopathology ..........................15Psychosis ......................................20Psychotic depression ...................53Psychotic disorder .......................11RERA ...........................................43Resistent obsessive-compulsive disorder ........................................39Schizophrenia...............................20Self-induced illness ......................40

Autores clássicos e títulos especiais

Alzheimer .....................................13,22Benjamin Rusch ...........................57Bleuler ..........................................38Bleuler, M.....................................22Chiarugi........................................55Conrad .........................................22Crichton .......................................55,56Cullen ...........................................55Ekbom..........................................24,25Esquirol ........................................10Freud............................................9,10Gebsattel ......................................38Haslen ..........................................55Jaspers ..........................................38Kraepelin ...................9,10,21,22,59,66Mesmer.........................................58Pinel .............................................55,57Sauvages .......................................55,57Schneider, Kurt ............................22Schreber .......................................9,10Westphal.......................................38

Títulos epeciais

Guimarães Rosa ...........................46Irmã Germana..............................54-58Revelações ....................................3-11

Index CCP

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):54-54 54

A edição anterior encontra-se na Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp

Page 56: Casos Clinicos Em Psiquiatria

55 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):55-55

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

1 - A Revista Casos Clínicos em Psiquiatria destina-se àpublicação de casos clínicos psiquiátricos em diversasmodalidades, bem como discussões e comentáriossobre os mesmos.

2 - A revista tem periodicidade semestral (junho edezembro) com a seguinte estrutura: Editorial, Auto-relato, Artigos Originais, Casos Literários, Patografia,Caso Histórico, Descrições Clásssicas/Homenagem,Seguimento e Cartas.

2.1 - Para efeito de categorização dos artigos, considera-se: a) Auto-relato: descrição pelo próprio portador de

transtorno mental de sua condição, envolvendosua vivência pessoal, a sintomatologia, as reper-cussões psicossociais, o tratamento ou outrasquestões que julgue pertinente, acompanhadaeventualmente de complementos por membrodo Corpo Editorial e sempre de comentário oudiscussão por especialista em seu caso.

b) Artigos Originais: trabalhos que apresentam aexperiência psiquiátrica, ou de profissional quelide com portadores de transtorno mental, emfunção da discussão do raciocínio, lógica, ética,abordagem, tática, estratégia, modo, alerta deproblemas usuais ou não, que ressaltam suaimportância na atuação clínica ou psicossocial emostrem caminho, conduta e comportamentopara sua solução.

c) Caso Literário: trabalhos que se relacionem adescrições literárias envolvendo transtornosmentais ou traços de personalidade.

d) Patografia: casos clínicos focados na biografia dedeterminada personalidade de renome portadorade transtorno mental, com o objetivo de apresen-tar elementos psicopatológicos interessantes e osignificado destes para sua obra.

e) Caso Histórico: casos clínicos de valor históricosob aspecto descritivo, diagnóstico, terapêuticoou outros, eventualmente acompanhados denota introdutória, comentários ou discussão.

f) Descrição Clássica/Homenagem: Divulgação de tra-balho descritivo clássico de transtorno mental outrabalho descritivo de autor a ser homenageado.

g) Seguimento: notas sobre a evolução de caso apre-sentado em edições anteriores.

h) Cartas: comentários por parte do leitor sobre oconteúdo dos artigos ou sobre a revista, compossibilidade de réplica pelo autor ou pelos edi-tores.

i) Index CCP: compilação por palavras-chaves e key-words, além de títulos especiais e autores clássi-cos, dos casos das edições anteriores.

3 - Os trabalhos recebidos serão analisados pelo CorpoEditorial da Casos Clínicos em Psiquiatria, que sereserva o direito de recusar trabalhos ou fazer suges-tões quanto à estruturação e redação para tornar maisprática a publicação e manter certa uniformidade. Nocaso de artigos muito extensos, a Revista de CasosClínicos em Psiquiatria se reserva o direito de publi-cá-los em quantas edições julgar necessárias.

4 - Os trabalhos devem vir em duas vias, digitados emespaço duplo, impresso em papel padrão ISO A4 (210 x 297mm), com margens de 25mm, trazendo naúltima página o endereço e telefone do autor e a indi-cação da categoria do artigo, conforme item 2.1,acompanhado do disquete com o arquivo nospadrões Word 6.0 ou superior, fonte Arial ou TimesNew Roman tamanho 12.

5 - Para efeito de normatização, serão adotados osRequerimentos do Comitê Internacional de Editoresde Revistas Médicas (Estilo Vancouver) que sãoseguidos pelas mais conceituadas revistas científicasinternacionais. Estas normas poderão ser encontra-das na íntegra nas seguintes publicações:International Committé of Medical Journal. Editors,Uniforms requeriments for manuscripts submittedto biomedical journals. Can Med Assoc J 1995;152(9):1459-65 e em espanhol, no Bol Of Sanit

Panam 1989; 107 (5): 422-31 e, em português naRevista ABP-APAL.

6 - Todo trabalho deverá ter a seguinte estrutura eordem:a) título (com tradução para o inglês);b) nome completo do autor (ou autores), acompa-

nhado(s) de seu(s) respectivos(s) título(s);c) citação da instituição onde foi realizado o

trabalho;d) Endereço do autor para correspondências e) resumo do trabalho em português, sem exceder

um limite de 150 palavras;f) Palavras-chave (três a dez), de acordo com a lista

Medical Subject Headings (MeSH) do IndexMedicus;

g) Texto: Introdução, Material ou Casuística eMétodo ou Descrição do Caso, Resultados, Dis-cussão e/ou Comentários (quando couber) eConclusões (quando couber);

h) Summary (resumo em língua inglesa), consistindona correta versão do resumo para aquela língua;

i) Key-words (palavras-chave em língua inglesa) deacordo com a lista Medical Subject Headings(MeSH) do Index Medicus;

j) Agradecimentos (opcional);k) Referências bibliográficas como especificado no

item 8;7 - As ilustrações devem ser colocadas imediatamente

após a referência a elas. Dentro de cada categoriadeverão ser numeradas seqüencialmente durante otexto. Exemplo: (Tabela 1, Figura 1). Cada ilustraçãodeve ter um título e a fonte de onde foi extraída.Cabeçalhos e legendas devem ser suficientementeclaros e compreensíveis sem necessidade de consultaao texto. As referências às ilustrações no texto deve-rão ser mencionadas entre parênteses, indicando acategoria e o número da tabela ou figura. Ex: (Tabela1). As fotografias deverão ser em preto e branco,apresentadas em envelope à parte, serem nítidas e debom contraste, feitas em papel brilhante e trazer noverso: nome do autor, título do artigo e número comque irão figurar no texto.

8 - As referências bibliográficas são numeradas consecu-tivamente, na ordem em que são mencionadas pelaprimeira vez no texto. São apresentadas de acordocom as normas do Comitê Internacional de Editoresde Revistas Médicas, citado no item 5. Os títulos dasrevistas são abreviados de acordo com o IndexMedicus, na publicação “List of Journals Indexed inIndex Medicus”, que se publica anualmente comoparte do número de janeiro, em separata. As referên-cias no texto devem ser citadas mediante número ará-bico sobrescrito e após a pontuação, quando for ocaso, correspondendo às referências no final do arti-go. Nas referências bibliográficas, citar como abaixo:

8.1 - PERIÓDICOSa) Artigo padrão de revista. Incluir o nome de todos os

autores, quando são seis ou menos. Se são sete oumais, anotar os três primeiros, seguidos de et al.You CH, Lee HY, Chey RY, Menguy R.Electrogastrografic study of patients with unex-plained nausea, bloating and vomiting.Gastroenteroly 1980; 79: 311-314.

b) Autor corporativo:

The Royal Marsden Hospital Bone-MarrowTransplantation Team. Failure os syngeneic bone-marrow graft without preconditioning in posthepatitis marrow aplasia. Lancet 1977; 2:242-244.

c) Sem autoria (entrar pelo título):

Coffee drinking and cancer of the pancreas(Editorial). Br Med J 1981; 283: 628.

d) Suplemento de revista:

Mastri AR. Neuropathy of diabetic neurogenicbladder. Ann Intern Med 1980; 92 (2 pt 2): 316-318.Frumin AM, Nussabaum J, Esposito M.Functional asplenia: demonstration of esplenic

activity by bone marrow sean (resumem). Blood1979; 54 (supl 1): 26.

e) Revistas paginadas por fascículos:

Seamenn WB. The case of the pancreatic pseu-docyst. Hosp Pract 1981; 16 (sep): 24-25.

8.2 - LIVROS E OUTRAS MONOGRAFIASa) Autor(es) - pessoa física:

Eisen HN. Immunology: an introduction tomolecular and cellular principles of the immuneresponse. 5th. New York: Harper and How,1974: 406.

b) Editor, compilador, coordenador como autor:Dausset J, Colombanij D. eds. Histocompatibilitytesting. Copenhague: Munksgaard; 1973: 12-18.

8.2.1 - Capítulo de livro:Weinstein L, Swartz MN. Pathogenic propertiesof invading microorganisms. In: Sodeman WAJr, Sodeman WA. eds. Pathologic physiology:mechanisms, of disease. Philadelphia: WBSaunders; 1974: 457-472.

8.2.2 - Trabalhos apresentados em congressos, seminários, reu-niões, etc:DuPont B. Bone marrow transplantation in seve-re combined immunodeficiency with and unrela-ted MLC complatible donor. In: Whithe HJ,Smith R. eds. Proceedings of the third annualmeeting of the International Society forExperimental Hematology, 1974: 44-46.

8.2.3 - Monografia que forma parte de uma série:Hunninghake GW, Gadeck JE, Szapiel SV et al.The human alveolar macrophage. In: Harris CC.ed. Cultured human cells and tissues in biomedi-cal research. New York: Academic Press, 1980:54-56 (Stoner GD. ed. Methods and perspectivesin cell biology; vol. 1).

8.2.4 - Publicação de um organismo:Ranofsky AL. Surgical operations in short-estayhospitals: United States - 1975. Hyattsville,Maryland: National Center for Helth Statistics.1978; Dhew publication num. (PHS) 78-1785(Vital and Health statistics; serie 13, nm. 34).

8.3 - TESESCaims RB. Infrared spectroscopic studies of solidoxigens (Tesis doctoral). Berkeley, California:University of California; 1965; 156pp.

8.4 - ARTIGO DE JORNAL (não científico)Shaffer RA. Advances in chemistry are starting tounlock musteiries of the brain: discoveries could helpcure alcoholism and isnomnia, explain mental illnes.How the messengers work. Wall Street Journal, 1977;ago. 12:1 (col. 1). 10 (cl. 1).

8.5 - ARTIGO DE REVISTA (não científica)Roueche B. Annals of Medicine: the Santa Clausculture. The New Yorker, 1971; sep. 4: 66-81.

9 - Agradecimentos devem constar de parágrafo à parte,colocado antes das referências bibliográficas, após askey-words.

10 - As medidas de comprimento, altura, peso e volumedevem ser expressas em unidades do sistema métri-co decimal (metro, quilo, litro) ou seus múltiplos esubmúltiplos. As temperaturas em graus Celsius. Osvalores de pressão arterial em milímetros de mercú-rio. Abreviaturas e símbolos devem obedecerpadrões internacionais. Ao empregar pela primeiravez uma abreviatura, esta deve ser precedida dotermo ou expressão completos, salvo se se tratar deuma unidade de medida comum.

11 - Os casos omissos serão resolvidos pela ComissãoEditorial.

12 - A publicação não se responsabiliza pelas opiniõesemitidas nos artigos.

13 - Os artigos devem ser enviados para:

Casos Clínicos em PsiquiatriaAv. Prof. Alfredo Balena, 19030130-100 - Belo Horizonte - MGTel: (31) 273 1955Fax: (31) 226 7955