Causas e Cláusulas de Exclusão de Responsabilidade Civil

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    CAUSAS E CLUSULAS DE EXCLUSO DERESPONSABILIDADE CIVIL

    CAUSAS E CLUSULAS DE EXCLUSO DE RESPONSABILIDADE CIVILRevista de Direito Privado | vol. 8/2001 | p. 53 - 119 | Out - Dez / 2001

    Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil | vol. 2 | p. 107 - 182 | Out / 2011DTR\2001\692

    Luiz Antonio Scavone Jnior

    Advogado em So Paulo. Mestre em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.rea do Direito: Civil ConsumidorSumrio:1.Apresentao - 2.Responsabilidade civil - Noes gerais - 3.Responsabilidade extracontratual -4.Excludentes de responsabilidade extracontratual - 5.Responsabilidade contratual - 6.Excludentes daresponsabilidade contratual - 7.Excludentes de responsabilidade objetiva no Cdigo de Defesa doConsumidor1. Apresentao

    Inicialmente, faremos uma breve exposio acerca da responsabilidade civil de maneira genrica,

    para, ao depois, estudarmos a responsabilidade extracontratual ou aquiliana.Definida, de maneira geral, a responsabilidade extracontratual, analisaremos o cerne deste trabalho: asexcludentes do dever de indenizar.

    A anlise ser levada a efeito tendo em vista os elementos constitutivos da responsabilidade civil e, apartir da inexistncia de seus elementos estruturais, a excluso da responsabilidade civil.

    Passaremos, ento, ao estudo da responsabilidade extracontratual, verificando seus principais aspectose suas conseqncias.

    Definidos os parmetros da responsabilidade extracontratual, analisaremos as causas de excluso quepossuem, em alguns pontos, elementos distintivos daqueles inerentes responsabilidade aquiliana.

    Ao final, analisaremos as excludentes especficas da responsabilidade decorrente do Cdigo de Defesa

    do Consumidor.2. Responsabilidade civil - Noes gerais

    Segundo Maria Helena Diniz, a responsabilidade civil "a aplicao de medidas que obriguem algum areparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razo de ato do prprio imputado, depessoa por quem ele responde, ou de fato, de coisa ou de animal sob sua guarda (responsabilidadesubjetiva) ou, ainda, de simples imposio legal.

    A responsabilidade nada mais que o dever de indenizar o dano". 1Decorre do descumprimento doscontratos ou das normas de direito positivo.

    No mbito dos direitos obrigacionais, a responsabilidade nada mais que a conseqncia patrimonialda inexecuo das obrigaes.

    Mister se faz observar, ainda preliminarmente, que as fontes das obrigaes so os atos ilcitos, oscontratos, as declaraes unilaterais de vontade e a lei. 2

    Se a obrigao decorre de um ato ilcito, surge, para o causador, a obrigao de indenizar, reparar ouressarcir o dano.

    Portanto, diz-se que o ato ilcito fonte de obrigao. O ato ilcito nada mais que a infrao a umdever de conduta por meio de ao ou omisso, s vezes dolosa ou culposa, 3geradora de dano aoutrem.

    Entrementes, o dano tambm pode surgir da inexecuo dos contratos, obrigando o inadimplente ou omoroso ao pagamento das perdas e danos nos termos dos arts. 956 e 1.056, do CC/1916 (LGL\1916\1).

    Assim, o fundamento da responsabilidade civil encontra supedneo nas aes ou omisses, podendo ela

    ser dividida em dois grandes ramos: responsabilidade contratual (arts. 956 e 1.056, CC/1916 (LGL\1916\1))

    responsabilidade extracontratual (art. 159, do CC/1916 (LGL\1916\1)).

    Por outro lado, sob a tica da inteno do agente, a responsabilidade pode ser classificada em:

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    responsabilidade objetiva (independentemente de culpa)

    responsabilidade subjetiva.

    A responsabilidade tradicional subjetiva, isto , depende da prova da culpa do causador do dano edecorre, sob o prisma da responsabilidade aquiliana, do art. 159, do CC/1916 (LGL\1916\1).

    Todavia, no prprio Cdigo Civil (LGL\2002\400) existem situaes de responsabilidade objetivaimprpria ( v. g., decorrente do fato da coisa). A responsabilidade civil objetiva pura decorre, porexemplo, do Cdigo de Defesa do Consumidor.3. Responsabilidade extracontratual

    3.1 Noes sobre responsabilidade aquiliana

    Antes de ingressar no estudo das excludentes de responsabilidade aquiliana, mister se faz verificar oprprio contedo dessa responsabilidade para, ao depois, se proceder anlise das suas excludentes.

    A responsabilidade extracontratual ou aquiliana 4encontra supedneo no dever de respeitar o direitoalheio e as normas que regem a conduta na vida social.

    Transgredindo um dispositivo legal, o sujeito submete-se responsabilidade pela recomposio dosdanos e perdas do prejudicado.

    Atropelando um transeunte, o motorista que dirige distrado deve reparar os prejuzos causados:despesas mdicas, lucros cessantes decorrentes da inatividade da vtima etc. (art. 1.538, do CC/1916

    (LGL\1916\1)).O fundamento legal da responsabilidade extracontratual est no art. 159, do CC/1916 (LGL\1916\1),segundo o qual "aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia, ou imprudncia, violardireito, ou causar prejuzo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".3.2 Elementos constitutivos da responsabilidade civil aquiliana

    Para a compreenso do tema, importante a anlise dos elementos estruturais e constitutivos daresponsabilidade civil, isso na exata medida em que as excludentes de responsabilidade aquilianaestaro, na verdade, excluindo um desses elementos estruturais.

    Ensina o Prof. Jos Osrio de Azevedo Junior que "a responsabilidade civil sempre estudada em suaforma esquemtica. Esse esquema parte dos pressupostos da Responsabilidade Civil. Um ato ouomisso, um dano, o nexo de causalidade e a culpa (...). Os trs primeiros elementos esto sempre

    presentes e sem eles no se estabelece uma situao de Responsabilidade Civil". 5

    Portanto, a responsabilidade civil depende dos seguintes elementos:

    ao ou omisso do agente

    dano

    nexo de causalidade

    culpa.

    De extrema importncia a verificao de qual elemento foi afastado pela excludente daresponsabilidade civil, principalmente se foi a culpao elemento afastado.

    Assim o na exata medida em que, afastada a culpa, subsiste a responsabilidade objetiva, 6comoaquela decorrente do Cdigo de Defesa do Consumidor.

    O art. 159, do CC/1916 (LGL\1916\1), pelo que se infere, adotou como regra a responsabilidadesubjetiva, baseada na prova da culpa. Todavia, em alguns casos admite a responsabilidade objetiva(imprpria ou impura), em que a culpa presumida, invertendo-se o nus da prova.

    Nesse caso, a responsabilidade civil pressupe apenas a ao ou a omisso, o dano e o nexo decausalidade, sendo a culpa presumidajuris tantum.

    Portanto, h inverso do nus da prova de tal sorte que ao ofensor incumbe a prova de que noconcorreu com culpa para o resultado danoso, e nisso consiste a responsabilidade objetiva impura ouimprpria .

    O Cdigo Civil (LGL\2002\400) adotou a responsabilidade objetiva imprpria ou impura em alguns

    dispositivos, como, por exemplo, nos arts. 1.527 (dono do animal), 1.528 (dono do prdio em runa) e1.529 (habitante da casa da qual cai objeto), alm de outros casos ( v. g., arts. 1.520, 1.530 e 1.531).

    Entretanto existe tambm a responsabilidade civil objetiva propriamente dita ou pura, baseada norisco.

    De forma sinttica e precisa, ensina Antonio Chaves que "no h, a rigor, contrato ou atividade, ato,

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    at mesmo absteno, que no contenha o germe de uma responsabilidade criminal ou civil". 7

    nesse sentido a teoria do risco, ou seja, da responsabilidade civil independentemente de culpa ou dequalquer comportamento censurvel do agente. No se fala, aqui, em inverso do nus da prova oupresuno de culpa, mas em culpa absolutamente prescindvel.

    Nessa espcie de responsabilidade basta o dano, a ao ou a omisso e o nexo causal, bastando aprova desses elementos, independentemente de culpa ou dolo.

    Entretanto, para que algum seja submetido a esse pesado nus, para que se estabelea uma situaode responsabilidade objetiva pura, independentemente de culpa, mister se faz que haja lei que assim

    determine, como, por exemplo, a Lei de Acidentes de Trabalho e o Cdigo Brasileiro de Aeronutica.O dever de indenizar surge mesmo de ato lcito ou mero fato jurdico, porque a lei determina dessaforma.

    Por fim, resta importante observar que o Estado responde objetivamente (responsabilidade objetivapura) nos termos do art. 37, 6., da CF/1988 (LGL\1988\3). 8

    3.2.1 Ao ou omisso

    Tanto a aoquanto a omisso acarretam o dever de indenizar. H omisso na exata medida em que osujeito deve agir e, no obstante, permanece inerte.

    Portanto, para que se configure a responsabilidade civil, mister se faz uma ao ou uma omisso doagente. Entretanto, existem casos em que a ao pode ser de terceiro sob a sua responsabilidade

    (filho, empregado, tutelado etc.) ou decorrente de objetos sob a sua guarda.3.2.2 Dano

    Acorde com Agostinho Alvim, "dano, em sentido amplo, vem a ser a leso de qualquer bem jurdico, ea se inclui o dano moral". 9

    Segundo Larenz, 10o dano uma perda no querida pela vtima, cujas conseqncias recaem sobreseus bens, sade, integridade fsica, desenvolvimento profissional, expectativas de ganho, patrimnio esobre os direitos da personalidade, como, por exemplo, a honra.

    Esse conceito amplo de dano se contrape ao conceito clssico, que considera dano apenas aquele queatinge a esfera patrimonial.

    Para Enneccerus, o dano pode atingir qualquer espcie de desvantagem a um bem jurdico, seja ele opatrimnio, a vida, a liberdade, o nome, a boa fama etc. 11

    Como o dano abrange no s o que se perdeu, mas, tambm, o que se deixou de lucrar, algunssistemas, como o francs, utilizam a expresso " danos e interesses". 12

    Os danos classificam-se em:

    materiais(danos emergentes e lucros cessantes)

    morais, decorrentes de ofensa personalidade e paz de esprito da vtima.

    3.2.2.1 Danos materiais - O significado e o alcance dos danos materiais so extrados do art. 1.059, doCC/1916 (LGL\1916\1), segundo o qual, "salvo as excees previstas nesse Cdigo, de modo expresso,as perdas e danos devidos ao credor abrangem, alm do que ele efetivamente perdeu, o que

    razoavelmente deixou de lucrar".A expresso "o que razoavelmente deixou de lucrar", no entendimento do grande Agostinho Alvim, "nosignifica que se pagar aquilo que for razovel (idia quantitativa) e sim que se pagar se se puder,razoavelmente, admitir que houve lucro cessante (idia que se prende existncia mesma doprejuzo)". 13

    A culpa, no mbito do Cdigo Civil (LGL\2002\400), independentemente do grau (grave ou leve), impeo dever de indenizar.

    Suponhamos um motorista que, dirigindo automvel com uma das mos no volante e utilizandotelefone celular na outra, acabe por atingir outro veculo, circunstncia no desejada pelo motoristanegligente.

    Como se configurou a culpa, surgir o dever de recompor os prejuzos: danos emergentes (peas emo-de-obra empregadas no conserto e locao de outro veculo) e lucros cessantes.

    No mesmo exemplo, se o ofensor discute no trnsito e atinge propositadamente o veculo da vtima(dolo), a conseqncia, no obstante, ser a mesma (recompor os prejuzos), pelo menos na rbitacivil, vez que no mbito penal pode ocorrer o crime de dano (art. 163, do CP (LGL\1940\2)).

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    So admitidos, tambm, os denominados "danos em ricochete", 14ou seja, os danos ocasionados aosfamiliares da vtima, a quem este devia alimentos e sustento.

    O ressarcimento e a reparao devem restituir, tanto quanto possvel, as partes ao status quo ante, ouseja, ao estado em que a vtima se encontrava antes da leso.

    Assim, o dano deve ser atual e certo, de tal sorte que no so indenizveis, como lucros cessantes, osdanos hipotticos, que podero no se concretizar. 15

    3.2.2.2 Danos morais - Segundo o inigualvel Jos de Aguiar Dias, "o dano moral o efeito no

    patrimonial da leso de direito e no a prpria leso abstratamente considerada".16

    A Constituio Federal (LGL\1988\3) garante expressamente a indenizao por dano moral, cumulvelcom indenizao por dano material oriundo do mesmo fato, 17no exigindo, por outro lado, acomprovao do reflexo patrimonial do prejuzo. 18

    Dizem-se, ento, morais os danos experimentados por algum titular de direitos, seja em sua esfera deconsiderao pessoal (intimidade, honra, afeio, segredo), seja na social (reputao, conceito,considerao, identificao), por fora de aes ou omisses injustas de outrem, tais como agressesinfamantes ou humilhantes, discriminaes atentatrias, divulgao indevida de fato ntimo, cobranavexatria de dvida e outras tantas manifestaes desairosas que podem surgir no relacionamentosocial. 19

    Hodiernamente, entende-se que o dano moral emana da norma do art. 159, do CC/1916 (LGL\1916\1),

    tendo sua reparao garantida pelo art. 5., V e X, da CF/1988 (LGL\1988\3), alm do art. 6., VI, doCDC (LGL\1990\40), no mbito das relaes de consumo.

    Entretanto, como salienta Antonio Chaves, o dano moral no espelha "reconhecimento de todo equalquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltao do amor-prprio pretensamenteferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roar das asas de uma borboleta, mimos, escrpulos,delicadezas excessivas, iluses, insignificantes desfeitas, possibilitando sejam extradas da caixa dePandora do direito centenas de milhares de cruzeiros". 20

    A reparao por dano moral visa compensar a vtima, e no recompor os prejuzos. Com efeito, suareparao cabe ao prudente arbtrio do juiz, que h de apelar para o que lhe parecer eqitativo e justo.21

    De fato, no obstante a dificuldade exsurgente da avaliao dessa dor, entende Planiol que no pelofato de no se conseguir melhor critrio que haveria justificativa para nada se fazer.

    Nesse sentido, ensina Aguiar Dias que "a condio da impossibilidade matemtica exata da avaliaos pode ser tomada em benefcio da vtima e no em seu prejuzo". 22

    Nos casos de reparao por danos morais, no se paga um preo pela dor sofrida. Ao contrrio, areparao serve como meio de atenuar a leso jurdica. Portanto, o dinheiro no serve de equivalente,como ocorre nos danos materiais, mas de pena imposta quele que lesou a moral alheia. 23

    Aps a Constituio Federal de 1988, no h mais falar-se em qualquer tarifao da reparao dosdanos morais, quer decorrente do Cdigo Civil (LGL\2002\400) (art. 1.547, par. n., do CC/1916(LGL\1916\1)), quer decorrente de legislao extravagante ( v. g., Lei 5.250/67 - Lei de Imprensa).

    que, nos termos do art. 5., V e X, da CF/1988 (LGL\1988\3) no h limitao para a reparao dosdanos morais. 24

    Assim, cabe ao julgador harmonizar o dano moral sofrido pelo autor e sua respectiva reparao,tutelando a paz social - objetivo do direito - pelo exemplo que ser seguido.

    Acerca dessa funo inibitria de prticas do mesmo jaez, preleciona Carlos Alberto Bittar que"tambm so cumulveis os pedidos de indenizao por danos patrimoniais e morais, observadas asregras prprias para o respectivo clculo em concreto, cumprindo-se frisar que os primeiros serevestem de carter ressarcitrio e os segundos, de carter reparatrio, de sorte que insistimos nanecessidade de, quanto a estes, na respectiva fixao, adotarem-se frmulas que venham a inibirnovas prticas atentatrias personalidade humana, para cuja defesa se erigiu a teoria do dano moral,que vem sendo aplicada, ora com tranqilidade, nos tribunais do pas. 25Nesse sentido, ensina ainda

    que interessante assinalar que tm os tribunais compreendido o alcance de orientao por que temospropugnado e imposto a reparao em nveis satisfatrios, a fim de elidirem-se eventuaiscomportamentos futuros indevidos". 26

    A vida em sociedade abrange um plexo de relaes jurdicas de toda a espcie, que, por seu turno,refletem interesses juridicamente protegidos. Ocorrendo a leso de um interesse que encontra guaridano direito, torna-se imperativa a sua reparao com supedneo no princpio do neminem laedere - no

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    lesar o prximo - e na prpria legislao ptria. 27

    3.2.3 Culpa

    A culpa, como primeiro elemento da responsabilidade subjetiva, estando indemonstrada, impossibilita oressarcimento e a reparao dos danos.

    Em verdade, trata-se do nico elemento estrutural da responsabilidade civil que, em alguns casos, dispensada por lei, quando, ento, estaremos diante de responsabilidade objetiva.

    A responsabilidade chamada subjetiva exatamente em virtude da indagao acerca da atitude dolosaou culposa do sujeito.

    A culpa lato sensu representada pela ao ou omisso dolosa ou culposa em sentido estrito.

    Fala-se em omisso na exata medida em que o agente causador do prejuzo devia agir e no agiu.

    Por exemplo: a construtora que deixa de providenciar o reforo de estrutura defeituosa de prdio que,em decorrncia dessa omisso, desaba causando danos, age com culpa (negligncia).

    Assim, se o dano sobreveio involuntariamente, decorrente da negligncia, imprudncia ou impercia,28estaremos diante de culpa.

    Por outro lado, se o ato foi proposital, ou seja, se o agente causou deliberadamente o prejuzo,estaremos diante de dolo.

    Pela teoria da responsabilidade subjetiva, erige em pressuposto da obrigao de indenizar, ou de

    reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a sua culpa, abrangendo, no seucontexto, a culpa propriamente dita e o dolo do agente. 29

    A responsabilidade se funda no conceito de culpa e esta, no conceito de Planiol, consubstancia-se nainfrao de um dever legal, uma obrigao preexistente. 30

    Tratando especificamente da questo da culpa, afirma Caio Mrio da Silva Pereira que, "em princpio, aculpa um fato ou decorrncia de um fato. Como tal, deve ser provada, e o nus de produzir suaprova incumbe a quem invoca, como em geral ocorre com todo o outro fato: onus probandi incumbit eiqui dicit non qui negat. Cabe, portanto, vtima produzir a sua prova". 31

    Como ensina o Prof. Nelson Nery Junior no seu magistrio, certo que a culpa est ligada norma naexata medida da descrio da conduta do agente.

    Por outro lado, ressalte-se, no caso de responsabilidade objetiva, haver responsabilidade sem culpa,conforme temos insistido.3.2.4 Nexo causal

    Ensina Silvio Rodrigues: "para que surja a obrigao de reparar, mister se faz a prova de existncia deuma relao de causalidade entre a ao ou omisso culposa do agente e o dano experimentado pelavtima. Se a vtima experimentar um dano, mas no se evidenciar que o mesmo resultou docomportamento ou da atitude do ru, o pedido de indenizao, formulado por aquela, dever ser

    julgado improcedente". 32

    Nesse sentido, para que se estabelea uma situao de responsabilidade civil, mister se faz que entre odano sofrido pela vtima e a ao ou a omisso haja um nexo de causa e efeito.

    Segundo Demogue, citado por Serpa Lopes, 33no h nexo causal se no houver uma necessriarelao entre o fato acoimado de ilcito e o dano experimentado. Mister se faz questionar: sem a aoou omisso do agente o dano se concretizaria? Se a resposta for negativa, h nexo causal.

    Uma das questes mais tormentosas no estudo dos elementos que compem a responsabilidade civilemana, exatamente, do nexo causal.

    Essa dificuldade reside nas concausas, sucessivas, em que h uma cadeia de causas e efeitos, ousimultneas, em que h apenas um dano com mais de uma causa, como, por exemplo, o danoperpetrado por diversas pessoas. 34

    As concausas simultneas, nos termos do art. 1.518, par. n., do CC/1916 (LGL\1916\1), estabelecemsolidariedade entre todos os partcipes.

    Entretanto, tratando-se de concausas sucessivas, resta saber qual das teorias existentes ser adotada,o que significar diversidade de solues.

    Suponhamos, exemplificando, paciente de simples corte no dedo em virtude de acidente automobilsticoque passa a ser tratado por um mdico que lhe administra medicamento, causando srios efeitoscolaterais, que acabam gerando convulso e morte. Responderia o agente do corte pelo evento morte?

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    Segundo Agostinho Alvim, 35de acordo com a teoria da equivalncia das condies ou teoria da conditiosine qua non, verificando-se que no haveria dano no caso de supresso de qualquer das aes ouomisses, estaremos diante de uma concausa sucessiva, passvel de estabelecer nexo de causalidadeem razo de qualquer delas. 36

    Esta teoria foi criada por Von Buri, primeiramente objetivando os ilcitos penais e, ao depois, estendidaaos ilcitos civis. 37

    Outrossim, segundo a teoria da causalidade adequada, somente se o fato era capaz de produzir umdano verificar-se- o nexo causal. Em outras palavras, entre as vrias causas sucessivas, ser causa

    aquela mais provvel.O exemplo dado por Carlos Roberto Gonalves 38 esclarecedor: se um indivduo recebe uma pequenapancada na cabea que, para qualquer pessoa, no causaria mais que um pequeno ferimento, mas que,em virtude de uma deficincia ssea da vtima, acaba por gerar-lhe a morte, no haveria nexo causalentre a pancada e o evento morte.

    Entende-se que a causa no era adequada a, normalmente, produzir o resultado morte. Interessanteobservar que, no caso da teoria da equivalncia das condies, tratar-se-ia de ao suficiente e,portanto, ensejadora do nexo causal entre a ao e o dano.

    Por fim, temos a teoria dos danos diretos e imediatos, 39interrupo do nexo causal 40ou relao causalimediata. 41

    Segundo esta teoria, de resto adotada pelo art. 1.060, do CC/1916 (LGL\1916\1), o agente respondepelos atos necessrios decorrentes de seu ato.

    Portanto, no nosso exemplo, adotada a teoria dos danos diretos e imediatos, o agente do corte sresponde pelos danos resultantes diretamente do dano perpetrado, mas no pelo evento morte emvirtude dos efeitos colaterais do medicamento administrado pelo mdico responsvel pelo tratamento.Por este ltimo evento danoso responder o mdico. 42

    Certo que o critrio passar pela subjetividade e pela livre convico do magistrado. Entretanto, nostermos do art. 1.060, do CC/1916 (LGL\1916\1), segundo o qual, "ainda que a inexecuo resulte dedolo do devedor, as perdas e danos s incluem os prejuzos efetivos e os lucros cessantes por efeitodela direto e imediato", a soluo legal adotada pelo sistema jurdico ptrio.

    Assim, no se indeniza o dano remoto, inferncia indireta da ao ou omisso, para o qualconcorreram outras causas (concausas) que escapam ao do agente.

    No exemplo que demos, o evento morte no resultou de ao direta do primeiro ato, motivo pelo qualpor este evento no responde o causador do simples corte.3.3 A responsabilidade extracontratual no projeto do novo Cdigo Civil

    O projeto do novo Cdigo Civil (LGL\2002\400), aprovado pelo Senado Federal em 12.12.1997 etramitando na Cmara, trata dos atos ilcitos nos arts. 185 a 187, trazendo algumas inovaes.

    Logo no art. 185, equivalente ao art. 159, do CC/1916 (LGL\1916\1), estipula:

    "Art. 185. Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito ecausar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito."

    Com efeito, incluiu-se expressamente o dano moral como espcie de dano, o que j decorre deinterpretao sistemtica do vigente Cdigo Civil (LGL\2002\400), com o art. 5., V e X, da CF/1988(LGL\1988\3).

    O dano continua, outrossim, abrangendo os lucros cessantes e os danos emergentes, repetindo-se oatual art. 1.059, do CC/1916 (LGL\1916\1) no art. 401 do projeto.

    Foi mantida, em regra, a responsabilidade subjetiva e objetiva imprpria nos mesmos casos doestatuto em vigor.

    Entretanto, o art. 926, par. n., bem como o art. 931 trazem como exceo, expressamente, aresponsabilidade objetiva nos casos especificados em lei (como no Cdigo de Defesa do Consumidor),ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano - ou os produtos postos emcirculao pelo empresrio - implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.

    Por outro lado, encampando entendimento doutrinrio e jurisprudencial, o art. 186 passa a tratarexpressamente do abuso de direito, como o exerccio de um direito excedendo manifestamente oslimites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f e pelos bons costumes.

    No direito atual, como verificaremos em seguida, ao tratarmos do exerccio regular de direito, o abusode direito decorre da norma insculpida no art. 160, I, do CC/1916 (LGL\1916\1) com a seguinte

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    interpretao: "mesmo atuando dentro do mbito de sua prerrogativa, pode a pessoa ser obrigada aindenizar dano causado, se daquela fez um uso abusivo". 43

    O art. 187 praticamente repete a regra do art. 160, do CC/1916 (LGL\1916\1) ao tratar das excludentesde ilicitude. H apenas uma diferena no que toca ao estado de necessidade (art. 160, II, do CC/1916(LGL\1916\1) e inc. II do art. 187 do projeto), qual seja, a incluso da leso pessoa, tambm, comoexcludente de ilicitude nesse caso.

    preciso no olvidar, como trataremos a seguir, que o art. 1.519, da CC/1916 (LGL\1916\1) e ocorrespondente art. 928 do projeto mantm o dever de indenizar nessa eventualidade.

    4. Excludentes de responsabilidade extracontratualNo estudo da responsabilidade civil, o dano merece uma viso ampla, principalmente do ponto de vistada vtima, que deve ser reparada e ressarcida a ponto de fazer parecer que o dano no foi nada maisque um sonho. 44

    Assim, tendo algum sofrido um dano fora de suas previses, 45seria justo que o causador ficasseexonerado da obrigao reparadora e ressarcitria?

    O fundamentodos mecanismos de excluso de responsabilidade atuam no sentido inverso do dano. Comefeito, ensina Juan Carlos Rezznico, 46trata-se de "[estabelecer, uma vez] producida la contravencin ala obligacin, si proceden ls consecuencias prprias del incumplimiento o si el deudor, no obstante lafalta, ha de quedar libre de responsabilidad".

    Entende-se que hoje h uma tendncia ampla reparao dos danos, rompendo com as teses liberaisdo sculo passado (retrasado) que inspiraram nosso Cdigo Civil (LGL\2002\400).

    Assenta Rezznico que, atualmente, cada vez mais, o homem pensa na reparao. Exemplifica: "Antes,aluno que escorregava e se lesionava em escola privada, pensava em sua incria, hoje j pensa quetalvez o enceramento excessivo do piso da sala de aula seja a causa de sua fratura ssea". 47

    Assim, como os danos podem causar enormes prejuzos aos causadores, natural que estes, muitasvezes, na responsabilidade contratual, tratem de excluir sua responsabilidade pelas clusulas de noindenizar, limitaes essas que so coibidas por normas de ordem pblica, como o Cdigo de Defesa doConsumidor.

    Nada obstante a tendncia, certo que, entre ns, a responsabilidade civil aquiliana ainda pode serexcluda, como dissemos alhures, por ausncia de seus elementos estruturais, quais sejam: ao ouomisso, nexo causal, dano e culpa.

    Mister se faz observar, entretanto, que a responsabilidade objetiva independe de culpa e, portanto,irrelevante sua ausncia.

    Entrementes, a excluso do dever de indenizar, em alguns casos, se d pela prpria inexistncia deilicitude, nada obstante o dano, a ao ou a omisso e o nexo de causalidade.

    Inicialmente, o art. 160, do CC/1916 (LGL\1916\1) relaciona algumas hipteses excepcionais de atoslesivos que no so ilcitos. So elas:

    legtima defesa

    exerccio regular de um direito reconhecido

    estado de necessidade.Existem outros casos em que, no obstante a ocorrncia de ao e dano, a responsabilidade civil podeser afastada pela quebra do liame de causalidade (nexo causal), ou pela ausncia de culpa.

    Essas outras hipteses, que excluem a responsabilidade aquiliana, so:

    caso fortuito ou de fora maior

    culpa exclusiva da vtima

    fato de terceiro.

    H uma quarta excludente que diz respeito apenas responsabilidade contratual, qual seja: clusula deno indenizar.

    Assim, vejamos cada uma dessas denominadas excludentes de responsabilidade civil:4.1 Ausncia de ilicitude da conduta como excludente do dever de indenizar

    4.1.1 Legtima defesa

    Nada obstante a quase total eliminao da possibilidade de se fazer justia pelas prprias mos, certo

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    que, em alguns casos, algum injustamente agredido na sua pessoa, seus familiares ou seus benspoder repelir a ameaa com sua prpria fora.

    O exemplo civil da medida o desforo imediato (art. 502, do CC/1916 (LGL\1916\1)), por meio doqual aquele injustamente despojado de sua posse poder, exercendo a autotutela, retirar o esbulhadorcom suas prprias foras, utilizando-se dos meios necessrios, desde que faa logo.

    H legtima defesa (art. 160, I, do CC/1916 (LGL\1916\1)) na exata medida em que o indivduo repeleum mal injusto e grave, ainda que esse mal seja contra seus bens (art. 502, do CC/1916(LGL\1916\1)). Para tanto, a iniciativa da agresso no pode ter partido do agente e, ademais, a

    ameaa de dano deve ser atual ou iminente, alm de requerer reao proporcional agresso.Assim, podemos enumerar os requisitos da legtima defesa:

    mal injusto e grave

    agresso de iniciativa do ofensor

    dano atual ou iminente

    reao proporcional agresso.

    Acorde com Malaurice e Ayns, 48os requisitos para esta excludente de responsabilidade so,principalmente, a injustia da agresso e a defesa proporcional ao ataque injusto.

    Em relao aos bens jurdicos protegidos pela excludente, interessantssima a lio do grande Caio

    Mrio: 49"dentro do conceito amplo da legtima defesa, compreendem-se no somente os bensmateriais. Igualmente justifica-se a defesa dos valores morais, a honra, a boa fama do agredidosubordinam-se aos mesmos enunciados extremos".4.1.2 Exerccio regular de direito

    O exerccio regular de direito, ou seja, a prtica de ato legal, tambm exclui o ato ilcito e, portanto, odever de indenizar.

    TJSP - Matria: Indenizao - Danos morais. Recurso: Ap 122456-1-SP, 7. Cm., rel. Godofredo Mauro,07.02.1990. "Indenizao. Responsabilidade civil. Ato ilcito. Co-piloto demitido da Vasp por problemaspsiquitricos. Pretendida indenizao por danos morais e patrimoniais. Inadmissibilidade. Hiptese emque a deciso se deu aps quase um ano, aguardando a empresa a evoluo de seu quadro,remunerando-o nesse perodo. Resciso que constitui exerccio regular de direito. Ausncia, ademais,

    de comprovao de no ter obtido emprego no ramo por influncia da r. Pedido improcedente.Recurso no provido".

    O fundamento moral da excludente, segundo Caio Mrio, 50est no adgio: qui iure suo utitur neminemlaedit. 51

    Todavia, mister se faz observar o abuso de direito, que, segundo os irmos Mazeud, 52configura-se nofato de se extrapolar a concepo original do direito e gera, ao invs de uma excludente, o dever deindenizar.

    A expresso "abuso de direito" causou indignao da doutrina, argumentando Marcel Planiol 53quehaveria uma contradio no termo na exata medida em que no haveria a possibilidade do ato estarconforme o direito e, ao mesmo tempo, contrrio ao direito.

    Entretanto, o direito moderno a admite. Exemplifica Caio Mrio com a hiptese de uso da propriedadeapenas para prejudicar vizinho. O Prof. Jos Manoel de Arruda Alvim Neto, no seu magistrio,menciona caso referente a um vizinho de empresa cuja atividade tornava imprescindvel a entrada esada de caminhes. Para impedir essa atividade absolutamente legal e regular, que lhe incomodavasubjetivamente, o vizinho implantou um poste no limite de sua propriedade, poste esse que apenasservia para impedir a manobra dos caminhes. Inviabilizada a sua atividade, a empresa ingressou comao, pleiteando tutela jurisdicional para a retirada do poste. Aceita a tese do abuso do direito depropriedade, o vizinho foi obrigado a remover o poste que impedia a entrada de veculos, nadaobstante estivesse nos limites fsicos de seu terreno.

    Sob oponto de vista objetivo, o abuso do direito a prtica de ato legal que cause malefcio a outrem.

    Para Josserand, 54"os direitos se realizam, no em uma direo qualquer, mas em uma ambincia

    social, em funo de sua misso e na conformidade destes princpios que so, como se disse,subjacentes legalidade e constituem, em seu conjunto, um direito natural de contedo varivel ecomo uma superlegalidade (...) a teoria do abuso de direito que o mantm em seu caminho, e oimpede de se afastar dele, conduzindo-o assim num impulso seguro at a finalidade a atingir".

    Nesse sentido, Silvio Rodrigues 55aplaude a teoria de Josserand e defende que o abuso de direito se

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    configura "quando ele no exercido de acordo com a finalidade social para a qual foi conferido, pois,como diz este jurista, os direitos so conferidos ao homem para serem usados de uma forma que seacomode ao interesse coletivo, obedecendo sua finalidade, segundo o esprito da instituio".

    A viso de Silvio Rodrigues, nesse ponto, foi muito alm do tempo em que foram escritas essas linhas.

    Com efeito, apoiando-se no disposto no art. 5., da LICC (LGL\1942\3), j enxergava o direito comouma busca ordem jurdica justa em razo, principalmente, da paz social, objetivo maior do direito.

    Georges Ripert no concorda com Josserand e aduz que, para que se configure o abuso de direito,mister se faz demonstrar que o agente procedeu para fins ilegtimos. 56

    Portanto, sob oponto de vista subjetivista, mister se faz a inteno de prejudicar, sem o que no seconfigura o abuso. 57

    No direito ptrio entende-se que o abuso de direito surge em decorrncia da norma insculpida no art.160, I, 2. Parte, cuja interpretao pode ser feita nos seguintes termos: "mesmo atuando dentro dombito de sua prerrogativa, pode a pessoa ser obrigada a indenizar dano causado, se daquela fez umuso abusivo". 58

    Segundo Jos Frederico Marques, 59o estrito cumprimento de um dever legalest abarcado peloexerccio regular de um direito.

    Todavia, mister se faz ponderar que a Constituio Federal (LGL\1988\3) acolheu a responsabilidadeobjetiva do Estado nos exatos termos do art. 37, 6., que, na segunda parte, determina aresponsabilidade subjetiva do agente pblico na ao regressiva.

    Nesse sentido, convm observar que, nada obstante a prtica do ato em cumprimento de dever legal,embora um eventual agente pblico possa estar pessoalmente isento da responsabilidade civil, omesmo no ocorre com o Estado, que responde objetivamente.4.1.3 Estado de necessidade

    O estado de necessidade, ofensa de direito alheio para remover perigo iminente, nos termos do inc. IIdo art. 160, tambm exclui a ilicitude. Entretanto, subsiste o dever de indenizar, de acordo com odisposto nos arts. 1.519 e 1.520, do CC/1916 (LGL\1916\1).

    Assim, se o dono da coisa destruda no for o responsvel pelo perigo, no obstante a inexistncia deilicitude, poder pleitear o prejuzo sofrido.

    A doutrina entende haver incongruncia legal, vez que, inexistindo ilicitude, o dono da coisa destrudano poderia pleitear indenizao daquele que agiu em estado de necessidade.

    Por exemplo: aquele que, causando danos, sobe em telhado de casa vizinha para apagar incndio nasua residncia ser obrigado a indenizar nos termos do art. 1.519, do CC/1916 (LGL\1916\1).

    Nada obstante, seu ato no pode ser considerado ilcito. Se o incndio foi causado por terceiros,poder, em ao regressiva, pedir ressarcimento dos danos a esse terceiro, incluindo aquilo queindenizou ao vizinho (art. 1.520, do CC/1916 (LGL\1916\1)).

    Para Demogue, 60nesses casos, o ressarcimento dos danos encontra supedneo na expropriaoprivada, que faz mister a indenizao do dano perpetrado, ainda que lcito.

    Portanto, assim como o Poder Pblico fica obrigado a pagar pelas desapropriaes, o particular que

    causa dano em estado de necessidade, embora autorizado por lei, fica obrigado indenizao.Em alguns casos, como relata Carlos Roberto Gonalves, os tribunais tm afastado o dever de indenizaralegando que inexistiria o liame de causalidade direto e imediato entre a ao ou a omisso do agentee o dano perpetrado.

    O exemplo que fornece emana de julgado do TJSP que afastou o dever de indenizar no caso em que ummotorista, para no atropelar uma criana, desvia seu automvel e atinge outro, que se encontravaestacionado. 61

    No compartilhamos deste julgado e entendemos que se trata, em verdade, de caso deresponsabilidade objetiva, sem culpa, que, demais disso, decorre, sobretudo, da lei.

    Ora, a lei determina que, mesmo no havendo ilicitude, persiste o dever de indenizar. Coerente o

    legislador e, nesse sentido, ensina Jos de Aguiar Dias que interpretao diferente "resulta de no sehaver atentado para a justificao do dispositivo, produzida por Justiniano de Serpa e adotada pelogrande Clvis Bevilqua e segundo a qual a idia dominante na construo jurdica do art. 160 a deque o dano desse gnero deve ser reparado, independentemente de culpa ou dolo".

    Outro ponto que merece destaque na discusso do tema emana da inadmissvel interpretao de alguns

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    julgados, relatados por Jos de Aguiar Dias, 62sustentando que os arts. 160, II, e 1.519 do CC brasileiros se referem s coisas, no s pessoas.

    O exemplo fornecido trata de um motorista que, para no ficar prensado entre um bonde e umcaminho, lanou seu veculo sobre a calada, atingindo e ferindo gravemente um pedestre.

    O aresto estadual isentou o motorista do dever de indenizar.

    Entretanto, a deciso acabou sendo reformada, com fundamento em Peretti-Griva, segundo o qual, "se humano que cada um procure salvar-se, tambm humano que aquele que sofre, por fato nosso, odano, em vez de ns, tenha direito de reclamar a converso patrimonial do sacrifcio que lhe tenhamos

    causado. O estado de necessidade, considerado como fora maior na determinao do dano, se fossedeixado a si, haveria imposto suas conseqncias danosas sobre ns: ns o desviamos de seumecanismo para faz-lo atingir um terceiro inocente. Somos, assim, responsveis pelo evento. 63

    Se o ato lcito, por se ter como legtima a defesa de sua vida, no lcito faz-lo em detrimento davida de terceiro, que no criou o perigo". 64

    O assunto foi tratado pelo projeto de Cdigo Civil (LGL\2002\400), que incluiu expressamente a leso apessoadecorrente de estado de necessidade no inc. II do art. 187.

    Por fim, resta salientar que Cmara Leal 65sustenta, com fundamento no art. 65, do CPP (LGL\1941\8),segundo o qual "faz coisa julgada no cvel a sentena penal que reconhece ter sido o ato praticado emestado de necessidade (...)", que o juiz na rbita civil fica vinculado a isentar o ru de reparar e

    ressarcir os danos.Portanto, seguindo esse raciocnio, o art. 65, do CPP (LGL\1941\8) teria virtualmente revogado os arts.1.519 e 1.520, do CC/1916 (LGL\1916\1).

    A soluo cristalina para a fabulada antinomia nos dada por Basileu Garcia, 66que, com muitapropriedade, ensina que no h "inconciliabilidade nos referidos preceitos da legislao privada em facedo art. 65, do CPP (LGL\1941\8), que no pode ter tido o intuito de contrast-los. A linguagem de que asentena penal absolutria por estado de necessidade, legtima defesa etc. faz coisa julgada no cvelno tem outro efeito que o de enunciar a impossibilidade de reabrir-se, no setor civil, a discussosobre a intercorrncia dessas justificativas no caso concreto. Mas o legislador processual no disps -nem era sua misso faz-lo - acerca de no caber ou caber, sempre ou s vezes, a indenizao, emhavendo alguma daquelas justificativas. A tal respeito, o Cdigo de Processo pressups o Direito Civil e

    todas as suas distines, como, alis, normal entender sempre que o antagonismo no sejaindubitvel".

    Nesse sentido, adotando a clarividente lio de Basileu Garcia, pondera Jos Frederico Marques: 67"aaplicao dos arts. 1.519 e 1.520, do CC/1916 (LGL\1916\1), depois de absolvido criminalmente oacusado em virtude do estado de necessidade, no significa violao do art. 65, do CPP (LGL\1941\8).O juiz civil aceitou, como no poderia deixar de acontecer, o que reconheceu o juiz penal todavia,mesmo em estado de necessidade, mesmo praticando um ato lcito, o causador do prejuzo deverepar-lo, porque assim determina o Cdigo Civil (LGL\2002\400)".4.2 Excludentes da responsabilidade por ausncia do nexo de causalidade ou da culpa

    4.2.1 Caso fortuito e motivo de fora maior

    Nos termos do art. 1.058, par. n., do CC/1916 (LGL\1916\1) o caso fortuito e o motivo de fora maior

    so os eventos necessrios, inevitveis e irresistveis a qualquer esforo.Os requisitos do caso fortuito e do motivo de fora maior so os seguintes:

    Assim, no h negligncia, imprudncia ou impercia imputvel ao agente causador do dano.

    O caso fortuito e o motivo de fora maior foram equiparados pelo art. 1.058, par. n., do CC/1916(LGL\1916\1), 68que os traz com a caracterstica comum da inevitabilidade, ou seja, ambos so eventosinevitveis. Portanto, do ponto de vista pragmtico, no h qualquer diferena entre as duasexcludentes em questo. 69

    nesse sentido a lio que emana do direito francs, que assim define a fora maior:

    "Un vnement de force majeure est un vnement anonyme, imprvisible et irrsistible.

    On le dsigne galement sous le nom de cas fortuit. Dans le langage juridique moderne, les deuxexpressions sont synonymes. Les rdacteurs de l'article 1148 70les ont employes concurremmentcomme telles, et les tribunaux recourent indiffremment l'une ou l'autre." 71

    Segundo Alves Moreira, 72"como caso fortuito ou fora maior deve considerar-se qualquer fato que odevedor no pode evitar".

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    De fato, essa a regra esposada pelo Cdigo Civil (LGL\2002\400) ptrio na exata medida em que oart. 1.058 define que somente se verifica o fortuito no fato necessrio, cujos efeitos no era possvelevitar, ou impedir.

    Nesse sentido, de forma brilhante, Agostinho Alvim 73fornece alguns exemplos de fatos necessriosque, aduz, devem ser estudados luz da impossibilidade de cumprimento da obrigao.

    Segundo ele, questiona-se: o roubo com arma e o atraso de trens podem ser considerados fatosnecessrios?

    A resposta : nem sempre.Com efeito, no primeiro caso, se ladres roubam uma casa onde sabiam haver dinheiro que seriaentregue para o cumprimento de uma obrigao, nada obstante a impossibilidade de defesa em facedos ladres, era possvel evitar o fato depositando os valores em casa bancria. Portanto, no hfortuito.

    Entretanto, se fazendeiro de local distante combina a entrega de quantia de dinheiro com o devedor,que assaltado no caminho, haver o fortuito na exata medida em que caminhar por aquela estrada elevar consigo uma quantia de dinheiro era cumprimento do avenado, seguindo a combinao, e noimprudncia.

    No caso do atraso de trens, pondera que, nada obstante o atraso, que no podia ser impedido peloagente, este no poder alegar o fortuito na exata medida em que tal fato pode ser previsto e o

    descumprimento da obrigao que depende da presena pessoal do agente se deve unicamente a suaincria e imprevidncia, no ao fortuito.

    Por fim, ensina que no assiste razo em aduzir que a crise econmica, quando aguda, constitui casofortuito. Entendemos, ousando discordar do grande mestre, que em casos extremos pode perfeitamenteconfigurar a excludente.

    Entende Agostinho Alvim 74que a impossibilidade deve ser absoluta e intransponvel, v. g., algum quese obriga a entregar mercadorias, pretendendo levar a empreitada a efeito por via frrea, no poderescusar o descumprimento ante a greve de ferrovirios se puder despachar a mercadoria por viarodoviria, ainda que este outro meio represente um custo muito maior.

    4.2.1.1 Distino entre caso fortuito e motivo de fora maior - Ao mesmo tempo em que a doutrinafrancesa do sculo passado (retrasado) empregava o caso fortuito e o motivo de fora maior com

    ntida sinonmia, tentava distinguir o fato decorrente de uma e outra excludente.

    Colin et Capitant75distinguem o caso fortuito e o motivo de fora maior com fundamento na doutrinaalem. Com efeito, o caso fortuito seria a impossibilidade relativa (impossvel para o agente) e omotivo de fora maior seria a impossibilidade absoluta (impossvel para quem quer que seja).

    Por outro lado, o caso fortuito (fortuito interno) pode ser considerado o fato ou o ato ligado pessoa dodevedor ou sua empresa, como, por exemplo, doena, greve etc.

    O motivo de fora maior (fortuito externo - act of God), por seu turno, empregado para designar osatos externos. De um lado os decorrentes de determinaes legais, como, por exemplo, a proibio,por ato posterior, de exportao de gneros que poca da constituio da obrigao era permitida, e,de outro lado, os fenmenos naturais, como as enchentes, o incndio etc., alm dos fatos polticos,como as guerras, as revolues etc.

    nesse sentido a lio de Franois Terr, Philippe Simler e Yves Lequette:

    "On a t tent de dduire de ce texte une distinction entre le cas fortuit et la force majeure: le casfortuit serait un vnement interne se rattachant l'activit du dbiteur ou de son entreprise -incendie, avarie de matriel, draillement... - tandis que la force majeure serait un vnementextrieur - inondation, foudre, ouragan -, ce qui correspondrait une diffrence prise en considrationpar certains textes, y compris dans le code civil (ex.: art. 1.772). Mais le plus souvent, les auteurs ducode ont employ indiffremment les deux expressions (arts. 1.148, 1.302, 1.722, 1.733, 1.769, 1.882,1.929, 1.934 etc.) et, de faongnrale, la jurisprudence n'admet pas une distinction du cas fortuit etde la force majeure (V. J. Radouant, Du cas fortuit et de la force majeure, thse, Paris, 1919). Si lesexpressions sont considres comme synonymes et si la distinction de l'intririt et de l'extriorit nepeut servir sparer le cas fortuit de la force majeure, elle peut cependant tre d'un grand secours,

    d'un grand intrt, quand il s'agit, prcisment, de savoir quelles conditions des faits peuvent treexonratoires." 76

    Outrossim, verifica-se que o Cdigo italiano menciona apenas uma causa no imputvel ao agente(arts. 1.218 e 1.221), deixando de diferenciar o fortuito interno do externo.

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    4.2.1.2 Exegese moderna do caso fortuito e do motivo de fora maior - Agostinho Alvim 77entende quea distino entre caso fortuito e motivo de fora maior estabelece tratamentos diversos para o agente,tendo em vista o fundamento da responsabilidade.

    Segundo ele, no caso de responsabilidade fundada na culpa (subjetiva), o caso fortuito suficiente paraafastar o dever de indenizar. Por outro lado, no caso de responsabilidade objetiva, no bastaria o casofortuito, fazendo-se mister a ocorrncia do motivo de fora maior.

    Hodiernamente, com fundamento, em parte, na lio do inigualvel Agostinho Alvim, entende-se queapenas o fortuito externo (fora maior) excludente do dever de indenizar, afastando a culpa e,

    portanto, apenas a responsabilidade subjetiva. 78Nesse sentido orienta-se a jurisprudncia, que, da anlise de cada caso concreto, com suaspeculiaridades, acaba por diferenciar o fortuito interno do externo, determinando ou no o dever deindenizar.

    J se decidiu que fatos que no escapam ao poder do agente causador do dano no excluem aresponsabilidade civil. Podemos exemplificar: ruptura de freios de veculo, furo em pneu e rompimentode barra de direo, fatos que evidentemente configuram o caso fortuito, no excluem aresponsabilidade do agente. 79

    Adotando a distino levada a efeito por Colin et Capitant, 80 possvel concluir que o direito moderno,no nosso entendimento, tendo em vista a abrangncia que a reparao dos danos deve ter, nocomporta mais o fortuito interno como excludente do dever de indenizar.

    A responsabilidade civil moderna caminha para a mais ampla reparao e ressarcimento dos danos.

    Com efeito, demanda, hoje, uma configurao teleolgica, que no se restringe aos aspectos tcnicos,tradicionais, mas aos meios colocados disposio daquele que sofreu os danos para o acesso a umaordem jurdica justa.

    Verifica-se o princpio constitucional da ampla reparao, inserto no art. 5., V e X, da CF/1988(LGL\1988\3), que bem espelha essa tendncia, esposando a tese da ruptura com os conceitostradicionais, ligando a reparao aos postulados do estado social de direito e garantia ao prejudicadode ver realizado o princpio basilar do direito que determina seja dado a cada um o que seu,demandando a recomposio completa do dano.

    4.2.1.3 Excludente decorrente da ausncia de nexo causal ou decorrente da ausncia de culpa? - A

    resoluo do problema de importantes conseqncias trazida colao por Alves Moreira, 81que, deforma cristalina, afirma que "o caso fortuito significar assim a excluso da culpa e,conseqentemente, da responsabilidade".

    Tanto nos casos de responsabilidade contratual como nos casos de responsabilidade extracontratual,alm da ausncia de culpa em sentido amplo (responsabilidade subjetiva), o fortuito externo exclui odever de indenizar.

    Por exemplo: suponhamos que, em decorrncia de forte temporal, uma rvore em perfeitas condiesvenha a cair no quintal de casa vizinha, causando danos. Nesse caso, em tese, no h dever deindenizar em virtude do motivo de fora maior.

    A razo simples: provada a sua ocorrncia, restar afastada a culpa, cuja presena imprescindvelna responsabilidade subjetiva.

    No mbito da responsabilidade aquiliana, segundo alguns autores, como Silvio Rodrigues e Jos deAguiar Dias, haveria excluso do liame de causalidade. 82

    Jos de Aguiar Dias, 83seguindo lio de Arnoldo Medeiros, 84ensina que a ausncia de culpa no seriasuficiente para explicar a excludente. Em consonncia com o acatado, sustenta: "o que anima ascausas de iseno no seu papel de dirimentes , em ltima anlise, a supresso do liame decausalidade".

    O grande Silvio Rodrigues, 85aparentemente em contradio com sua prpria lio, ensina, ao tratardas obrigaes, que "os dois conceitos, por conotarem fenmenos parecidos, servem de escusa nashipteses de responsabilidade informada na culpa, pois, evidenciada a inexistncia desta, no se podemais admitir o dever de indenizar".

    Ousamos discordar da posio que defende a inexistncia do liame de causalidade na exata medida emque evidente a sua manuteno, restando, apenas, afastada a culpa, assim como na responsabilidadecontratual.

    Alis, essa a lio dos Profs. Nery: "o caso fortuito e o motivo de fora maior excluem a culpa doagente, que irrelevante para fixao do dever de indenizar no Cdigo de Defesa do Consumidor". 86

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    Nesse sentido, lapidar o julgado transcrito por Carlos Roberto Gonalves: 87

    "Responsabilidade civil. Operrio eletrocutado quando pela madrugada regressava para a casa.Inexistncia de culpa do empregador. Caso fortuito configurado pelas provas. Ao de indenizaoimprocedente.

    Em nosso direito, ressalvada as excees, a responsabilidade se esteia na culpa. Sem a prova desseelemento subjetivo, no h indenizao. Tudo no passou de caso fortuito. No dia do fato, choveumuito. A vtima que regressava de um baile, entrando pelos fundos da casa, com a roupa molhada,bateu no fio de eletricidade, cujo isolador se desprendera, em virtude do forte temporal. No tendo

    havido culpa, inexiste a obrigao de indenizar ( RT 369/89)."No direito francs clssico, defende Savatier 88que o fortuito exclui a culpa.

    Mas qual a importncia de se saber se o fortuito exclui a culpa ou o nexo de causalidade?

    A resposta dada com simplicidade jurdica na exata medida em que, nos casos de responsabilidadesubjetiva, resta afastado o dever de indenizar em razo da ausncia de culpa.

    Entretanto, tratando-se de responsabilidade objetiva pura, que prescinde da culpa, o caso fortuito e omotivo de fora maior no elidem o dever de indenizar.

    Nesse ponto, humildemente discordamos do grande mestre Agostinho Alvim, e daremos osfundamentos de tamanha ousadia:

    O preclaro doutrinador difere e, nessa medida, determina o fortuito interno e o fortuito externo.

    Nesse sentido, percucientemente, os tribunais ptrios tm efetivado a distino para no excluir aresponsabilidade no caso do fortuito interno (caso fortuito), como, por exemplo, o rompimento depeas mecnicas que causam acidentes automobilsticos e, at, o mal sbito na direo, que acabagerando acidente e danos a terceiros.

    Entretanto, Agostinho Alvim acaba por aduzir que o fortuito interno (caso fortuito) excluiria a culpa e ofortuito externo (motivo de fora maior) excluiria at a responsabilidade objetiva, decorrente do risco.

    Nesse sentido, diferencia a ausncia de culpa (fortuito interno) e o motivo de fora maior (fortuitoexterno) e, sem mencionar expressamente, parece adotar a tese de que este ltimo excluiria, naresponsabilidade aquiliana, o nexo de causalidade, nica explicao para suas brilhantes linhas.

    Em consonncia com o acatado, parece-nos que o direito moderno reconhece apenas o fortuito externo,

    tratando-o como fato que implica a ausncia de culpa do agente e, independentemente da distino quese faa, tratando-se de responsabilidade objetiva, como aquela que decorre do Cdigo de Defesa doConsumidor, impossvel a excluso de responsabilidade por esta causa.4.2.2 Culpa exclusiva da vtima e concorrncia de culpa

    A culpa exclusiva da vtima elide a responsabilidade civil por romper o nexo de causalidade89entre aao ou a omisso do agente e o dano perpetrado.

    Nesse caso, o agente acidentalmente participante do evento danoso, ou seja, apenas uminstrumento do dano, que decorre, em verdade, do exclusivo comportamento da vtima. Por exemplo:pessoa atropelada ao atravessar movimentada rodovia em estado de embriaguez.

    Se o agente conduzia o veculo em perfeitas condies e dentro de parmetros legais de segurana, por

    evidente que no poder ser responsabilizado. O infortnio decorreu de culpa exclusiva da vtima.Entrementes, na hiptese de culpa concorrente, a responsabilidade atenuada, posto que a vtimatambm contribuiu para o evento danoso. 90Nesse caso, cabe ao prudente critrio do juiz a fixao daindenizao.

    Segundo Caio Mrio, no caso de culpa exclusiva da vtima no h qualquer indenizao. No caso deculpa concorrente, mister se faz verificar a culpa de cada qual, podendo, em alguns casos, inclusive,uma anular a outra pela compensao. 91Segundo ele, apoiando-se em Alex Weill e Franois Terr,92importante no caso " apurar se a atitude da vtima teve o efeito de suprimir a responsabilidade dofato pessoal do agente, afastando a sua culpabilidade".

    Interessante na concorrncia de culpa o fundamento dos Mazeud, 93na exata medida em que

    sustentavam a diviso igual, com base no iudicium rusticorum94

    e na ausncia de nexo causal.Planiol, Ripert e Esmein, 95de forma percuciente, entendem que cabe ao arbtrio do juiz a apreciao daproporcionalidade de culpa da vtima e, portanto, a proporo da reduo ou compensao dacomposio dos danos.

    Nos parece, assim, adequada a posio adotada por Caio Mrio, que, esposando a tese de Santos Briz,

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    96ensina que "a soluo ideal, portanto, especificar matematicamente a contribuio da culpa davtima para o efeito danoso. Se for possvel determinar, na estimativa da situao ftica, qual o graude participao da vtima no resultado danoso, cabe ao juiz estabelecer a proporcionalidade nareparao. No sendo possvel, como na maioria dos casos no o , calcula-se essa contribuio e,uma vez determinado que para o dano concorreu o fato da vtima, sem quantificar a causa, somenteresta a partilha por igual, reduzindo a indenizao metade. Milita nesse rumo a teoria da equivalnciadas condies, segundo a qual os antecedentes do dano constituram o encadeamento indispensvel dascausas" 97(Planiol, Ripert e Esmein, vol. cit., n. 570).4.2.3 Fato de terceiro

    Terceiro qualquer outra pessoa que no a vtima ou o agente direto.

    A participao deste terceiro para o evento danoso pode ser parcial ou total.

    Provado que o dano decorreu total e exclusivamentede fato de terceiro (determinante exclusiva doresultado danoso) - no parcialmente ou por intermdio de terceiros pelos quais se responsvel (art.1.521, CC/1916 (LGL\1916\1)), como, por exemplo, o filho e o empregado 98-, desaparece a relao decausalidade 99e, conseqentemente, o dever de indenizar.

    Como alerta Caio Mrio, "se trata de matria tormentosa - vexata quaestio - que percute nos tribunais,encontrando solues no raro contraditrias".

    Exemplo tpico, e que parece um padro para sistematizao, nos fornece o STJ no REsp 54.444-SP

    (9400291710). Deciso: por unanimidade, no conhecer do recurso, 4. T., 18.10.1994. "Direito civil.Responsabilidade civil. Acidente automobilstico. Culpa exclusiva de terceiro. Ausncia decomportamento volitivo do condutor do veculo abalroador. Inaplicabilidade dos arts. 160, II, e 1.520 doCC. Hiptese diversa da apreciada no REsp 18.840-RJ ( DJU 28.03.1994). Denunciao da lide.Improcedncia do pedido deduzido na ao principal. nus da sucumbncia. Precluso. Recursodesacolhido".

    "I - No h de atribuir-se responsabilidade civil ao condutor de veculo que, atingido por outro,desgovernado, vem a colidir com coisa alheia, provocando-lhe dano, sendo tal situao diversa daquelaem que o condutor do veculo, ao tentar desviar-se de abalroamento, acaba por causar prejuzo aoutrem.

    II - No caso em tela, o prejuzo experimentado pelo dono da coisa danificada no guarda relao decausalidade com qualquer atitude volitiva do referido condutor, cujo veiculo restou envolvido no

    acidente como mero instrumento da ao culposa de terceiro.III - Nos casos em que no obrigatria a denunciao da lide, ao ru-denunciante, uma vezreconhecida a improcedncia do pedido deduzido na ao principal, incumbe arcar com o pagamento daverba honorria devida denunciada e das despesas processuais relativas lide secundria." (Rel. Min.Slvio de Figueiredo Teixeira.)

    Portanto, s h exonerao quando se tratar de causa absolutamente estranha ao agente,aproximando-se do fortuito, ou seja, do evento necessrio, inevitvel e irresistvel a qualquer esforo.

    Nesse sentido a lio de Savatier, 100sendo que alguns julgados misturam os conceitos e acabam porexcluir a responsabilidade por ausncia de culpa, 101lembrando que esse fundamento incuo tratando-se de responsabilidade objetiva do Cdigo de Defesa do Consumidor.

    De fato, preleciona Caio Mrio 102que "a similitude de elementos caracterizadores e de efeitos temlevado confuso (a que no so imunes os tribunais) entre o fato de terceiro e o motivo de foramaior, tendo em vista que o nosso direito positivo no cogitou especificamente do fato de terceiro,porm alude o art. 1.508, do CC ao caso fortuito ou de fora maior como isentor da responsabilidade".

    No direito francs, os irmos Mazeud, 103tendo em vista a similitude de conceitos entre o fortuito e ofato de terceiro, acabaram por despender linhas e linhas acerca da indagao a respeito do fato deterceiro ser ou no imprevisvel e irresistvel a qualquer esforo.

    Portanto, nada obstante a proximidade de conceitos, certo que eles no se misturam. No fato deterceiro, excludente de responsabilidade, a exonerao ter lugar se for identificada a pessoa de cuja

    participao proveio o dano. No caso fortuito ou de fora maior, o dano provir de um fato necessrio,cujos efeitos no era possvel evitar ou impedir...Nos seus efeitos, a excludente oriunda do fato de

    terceiro assemelha-se do caso fortuito, porque num e noutro ocorre exonerao. Mas, para que tal sed na excludente pelo fato de terceiro, mister que o dano seja causado exclusivamente pelo fato de

    pessoa estranha. Se para ele tiver concorrido o agente, no haver iseno de responsabilidade...104

    Se um veculo abalroa outro, que, parado, lanado contra pedestre, evidentemente no h qualquerrelao de causalidade entre o dano e a ao e ou a omisso do causador direto do dano, excluda a

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    responsabilidade civil.

    Em consonncia com o acatado a lio de Wilson Melo da Silva, 105segundo o qual, "se o fato deterceiro, referentemente ao que ocasiona um dano, envolve uma clara imprevisibilidade, necessidadee, sobretudo, marcada inevitabilidade sem que, para tanto, intervenha a menor parcela de culpa porparte de quem sofre o impacto consubstanciado pelo fato de terceiro, bvio que nenhum motivohaveria para que no se equiparasse ele ao fortuito. Fora da, no. S pela circunstncia de se tratarde um fato de terceiro, no se tornaria ele eqipolente ao casus ou vis major".

    Segundo ilustrao de Carlos Roberto Gonalves, 106o fato de terceiro, principalmente nos acidentes

    automobilsticos, s existe quando "o causador direto do dano funciona como 'projtil', isto porque osacidentes, inclusive determinados pela imprudncia de terceiros, so fatos previsveis e representamum risco que o condutor de automveis assume pela s utilizao da coisa, no podendo os atos deterceiros servir de pretexto para eximir o causador direto do dano do dever de indenizar" ( RT 416/345).

    Nos casos em que no houver ilicitude imputvel ao causador direto do evento danoso e o fato deterceiro no puder ser equiparado ao fortuito, responsabilidade alcanada pelo fundamento dosarts. 160, II, 1.519 e 1.520, do CC/1916 (LGL\1916\1) permanecendo o causador direto do dano comao regressiva em relao ao terceiro. Nada obsta que o prejudicado ingresse com ao diretamentecontra o terceiro, o que no se aconselha em virtude da responsabilidade objetiva que os arts. 1.519 e1.520, do CC/1916 (LGL\1916\1) representam. O exemplo que se d do motorista que atingeautomvel parado para desviar de transeunte negligente que atravessa fora da faixa de pedestres.

    Outro exemplo de fato de terceiro no equiparado ao fortuito que obriga o dever de indenizar: o furtode automvel em estacionamento de shopping center ou estabelecimento comercial no constitui fatode terceiro apto a elidir o dever de indenizar.

    STJ: REsp 28.534-RJ. Deciso: por unanimidade, no conhecer do recurso especial, 3. T., 24.11.1992.

    "Civil e processual. Culpa aquiliana. Nexo causal. Matria de prova. Furto de veculo emestacionamento. Jurisprudncia do STJ.

    I - Na culpa aquiliana, as provas que concluram pela existncia do nexo entre o evento e seu causadorno podem ser revistas no apelo porque encontram o bice da Sm. 7 do STJ.

    II - A jurisprudncia do STJ orientou-se no sentido de que o furto de veculo ocorrido emestacionamento de casa comercial ou shopping center indenizvel e, ainda que se trate de depsito

    irregular, gratuito, o depositrio responde pelos prejuzos.III - Recurso no conhecido." (Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 17.12.1992, p. 24.246.)

    Vejamos outros casos em que no se reconheceu o fato de terceiro:

    TJSP: "Indenizao. Responsabilidade civil. Contrato de depsito. Mercadoria atingida por gua deenchente. Ocorrncia de fato de terceiro e caso fortuito que no se aplicam hiptese. Enchentes cominundao que surgem com freqncia na regio em que estavam as mercadorias depositadas. Culpa incustodiendocaracterizada. Omisso de obras que protejam das inundaes que, por outro lado, estendea responsabilidade pelo dano municipalidade. Indenizao devida solidariamente pela municipalidadee empresa. Recurso provido" (ApCiv 128.499-1-SP, rel. Ernani de Paiva, 11.10.1991).

    "Indenizao. Responsabilidade civil. Fato de terceiro. Menor. Prtica de furto. Alegao dos pais de que

    o filho no coabitava com eles poca dos fatos. Inadmissibilidade. Recurso no provido. A nocoabitao s isentar o genitor de responsabilidade se ele estiver impedido de fiscalizar e dirigir aconduta de seu filho menor. Se a ausncia de coabitao no impedir aquela fiscalizao, o genitor, quese achar no exerccio do ptrio poder, continuar no dever da vigilncia de seu filho menor,permanecendo a sua responsabilidade. Na hiptese, eram os genitores quem proviam, segundo asprovas, o sustento do filho, e que, portanto, tinham condies de continuar a exercer a vigilncia quelhes competia" (ApCiv 159.371-1-P. Epitcio, rel. Melo Junior, 07.02.1992).

    No caso de contrato de transporte, a Sm. 187 do STF determina que "a responsabilidade contratual dotransportador, pelo acidente com o passageiro, no elidida por culpa de terceiro, contra o qual temao regressiva".

    Portanto, entende-se que, havendo contrato de transporte, independentemente do fato de terceiro,persiste o dever de indenizar.

    Uma questo logo deve ser colocada: como admitir responsabilidade civil sem nexo de causalidade,como pretende a precitada Smula?

    A resposta, entendemos, encontrada no direito das obrigaes. O transporte nada mais queobrigao de resultado, de cujo nus o obrigado s se desincumbe pela completa e satisfatria

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    consecuo do objetivo colimado no contrato.

    J escrevemos alhures 107que a obrigao de resultado na exata medida em que o devedor somentese desonera dela se a finalidade alcanada.

    Neste caso, independentemente do emprego dos meios necessrios, o devedor s se desobriga seaquele resultado especfico, o objeto da obrigao, for conseguido.

    Por exemplo: aquele que adquire um bilhete areo credor da companhia pelo transporte so e salvoat o destino. Caso este resultado no seja alcanado, seja l qual for o motivo, h inadimplemento daobrigao.

    TJSP: "Indenizao. Responsabilidade contratual da transportadora. Obrigao de conduzir o passageiroat o seu destino, sem nenhum agravo. No h ilidncia por fato de terceiro. Aplicao da Sm. 187 doSTF. Recurso provido" (ApCiv 21.070-4-SP, 10. Cm. de Direito Privado, rel. Roberto Stucchi,16.09.1997, v.u.).

    Demais disso, a responsabilidade do transportador, at nos casos de elevadores, 108 tratada,analogicamente, pela norma insculpida no Dec. 2.681/12, que trata da responsabilidade objetiva nasestradas de ferro.

    Essa norma estabelece, nos seus arts. 1. e 17, que s se exclui a responsabilidade pelo fortuito e pelaculpa exclusiva da vtima.5. Responsabilidade contratual

    5.1 Noes sobre responsabilidade contratualO contrato o acordo de vontades que cria, modifica ou extingue direitos de natureza patrimonial.

    Sendo assim, as partes vinculam-se ao que contrataram de tal sorte que, havendo descumprimento doavenado, surge responsabilidade contratual, conseqncia jurdica patrimonial da inexecuo daobrigao.

    Esse descumprimento pode configurar a mora ou o inadimplemento absoluto.

    O art. 955, do CC/1916 (LGL\1916\1) determina que se encontra em " mora o devedor que no efetuaro pagamento e o credor que o no quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados".

    Para que ocorra a mora basta que um dos requisitos do artigo acima citado esteja presente (pagamentoa destempo, em outro lugar ou por outra forma, que no os devidos).

    H mora na exata medida do descumprimento e da permanncia da utilidade do cumprimento daobrigao para o credor.

    O cumprimento, no caso de mora, ainda ser til ao accipiens, que se interessa em receber o objeto daprestao acrescido, se o caso, de juros, correo monetria etc. (arts. 955 e 956, do CC/1916(LGL\1916\1)).

    Todavia, se a prestao no for mais til ao credor, no estaremos mais diante de mora, mas deinadimplemento absoluto.

    H inadimplemento absoluto, destarte, na hiptese de a prestao tornar-se subjetivamente intilquele que possui o direito de receb-la (arts. 956, par. n., e 1.056, do CC/1916 (LGL\1916\1)).

    Neste caso, o credor poder recusar o objeto da prestao, pleiteando perdas e danos (art. 956, par.n., do CC/1916 (LGL\1916\1)).

    Portanto, a observncia de utilidade ou no do cumprimento retardado para o credor determinar se ofato configura a mora ou o inadimplemento absoluto.

    Por exemplo: suponhamos que algum contrate uma costureira para fazer um vestido de noiva,marcando o dia da entrega para cinco dias antes das npcias.

    Aps o casamento, de nada adiantar o cumprimento da obrigao, e, nesse caso, a noiva credorapoder enjeitar (recusar) o vestido (objeto da prestao), pleiteando perdas e danos, ou seja, o quetiver pago, mais as despesas de aluguel de outro vestido alm de danos morais, por exemplo.

    Todavia, tratando-se de atraso no pagamento de uma prestao referente compra de mercadoria,ordinariamente, o cumprimento mediante o pagamento acrescido da multa e correo monetria ainda

    ser til ao credor e, portanto, tratar-se- de simples mora.Outro exemplo: a construtora que entrega obra fora do prazo contratual pode incorrer em mora ou eminadimplemento absoluto.

    A diferena surge exatamente da anlise de circunstncias subjetivas do credor (adquirente).

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    Se a entrega do imvel ainda for til, haver mora.

    Entretanto, se a entrega no for mais til ou conveniente, estaremos diante de inadimplementoabsoluto.

    Surge a dvida: em que hiptese a entrega no seria mais til ao adquirente do imvel?

    Podemos exemplificar: suponhamos um indivduo que celebre contrato de promessa de compra e vendade imvel em construo, com prazo de entrega de doze meses, prximo universidade em que o filhoacabara de ingressar, cujo curso tenha previso de durao de quatro anos.

    Ora, razoavelmente se espera que o rapaz resida no imvel por trs anos.Aps a concluso do curso, sem que o imvel tenha sido entregue, no haver utilidade subjetiva paraaquele adquirente.

    Nesse caso, estaremos diante de inadimplemento absoluto e no de simples atraso ou mora. Assim, ocredor pode enjeitar o objeto da prestao e pleitear perdas e danos.

    Portanto, a observncia da utilidade do cumprimento retardado para o credor acabar por determinarse o fato configura a mora ou o inadimplemento absoluto.5.2 Conseqncias da responsabilidade contratual

    E quais seriam as conseqncias da responsabilidade contratual (mora e inadimplemento absoluto)?

    No mbito do direito das obrigaes, havendo o descumprimento, em verdade, aquele que descumpriu

    responde com o seu patrimnio pelas perdas e danos decorrentes (art. 591, do CPC (LGL\1973\5)).Entretanto, em se tratando de relao civil, muitas vezes a reparao e o ressarcimento podem serexcludos por ausncia de culpa, como veremos linhas abaixo, corolrio dos arts. 963 e 1.058, do CC/1916 (LGL\1916\1).

    Se o devedor no lograr elidir a culpa presumida pela mora ou pelo inadimplemento, inevitavelmentearcar com as perdas e danos.

    Conclui-se, portanto, que no mbito do direito das obrigaes, havendo o descumprimento (mora ouinadimplemento), aquele que descumpriu responde com o seu patrimnio pelas perdas e danosdecorrentes.

    Tratando-se de mora ou de inadimplemento absoluto, a concluso a mesma . De fato, o art. 956, doCC determina que responde o devedor pelos prejuzos a que sua mora der causa. Por outro lado, emcaso de inadimplemento absoluto, preceitua o art. 1.056, do CC/1916 (LGL\1916\1) que, "nocumprindo a obrigao, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedorpor perdas e danos".

    Segundo o art. 1.059, do CC/1916 (LGL\1916\1), "salvo as excees previstas nesse Cdigo, de modoexpresso, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, alm do que efetivamente perdeu, o querazoavelmente deixou de lucrar".

    O art. 1.059, do CC/1916 (LGL\1916\1) fundamento da responsabilidade contratual, nos termos de suaredao, impe ao moroso e ao inadimplente que agiram ordinariamente com culpa ou dolo 109o deverde indenizar o prejuzo experimentado pelo credor.

    Esse prejuzo composto tanto pelo que o credor efetivamente perdeu (danos emergentes), quanto

    pelo que razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes).O dano emergente aquele que efetivamente pode ser aferido do comportamento culposo ou doloso doinadimplente ou moroso.

    A lei fala naquilo que efetivamente perdeu, logo, o prejuzo decorrente do dano emergente depende deprova material e efetiva do prejuzo.

    Parte da doutrina coloca os juros decorrentes das obrigaes de pagamento em dinheiro nacircunscrio do dano emergente.

    Muito embora a discusso no tenha utilidade prtica, entendemos, com a devida venia dos doutos, queos juros decorrentes da inexecuo do pagamento em dinheiro correspondem aos lucros cessantes e,adiante, daremos os motivos de tal inferncia.

    Os lucros cessantes correspondem quilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar em razo damora ou do inadimplemento do devedor.

    De fato a subjetividade do parmetro legal evidente.

    Sendo assim, cabe ao prudente arbtrio do juiz a aferio.

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    Todavia, tratando-se de mora (a prestao ainda til ao credor) e de inadimplemento absoluto (aprestao no mais til ao credor), os parmetros trazidos pelo art. 1.059, par. n., do CC/1916(LGL\1916\1) devem ser observados.

    Ou seja, o devedor moroso ou inadimplente s responde pelos prejuzos que poderiam ser ou foramprevistos na data da constituio da obrigao.

    Por exemplo: suponhamos que A tenha locado por cinco anos um imvel a B, que disse pretenderinstalar uma loja de roupas. Ao depois, B instala no local uma loja de automveis importados. Se A,aps dois anos, sofre evico (perda do bem em razo de deciso judicial), B no pode pleitear

    ressarcimento dos lucros cessantes decorrentes da atividade de venda de automveis importados, que,supe-se, maiores que os decorrentes da atividade de venda de roupas. 110

    Dispe o art. 1.061, do CC/1916 (LGL\1916\1) que "as perdas e danos, nas obrigaes de pagamentoem dinheiro, consistem nos juros da mora, sem prejuzo da pena convencional".

    Inicialmente, de se dizer que o pagamento em dinheiro sempre ser til ao credor, de tal sorte queestaremos diante de mora e no de inadimplemento absoluto.

    Em verdade, trata-se de lucro cessante na exata medida em que os juros so frutos civis, assim comoos alugueres estes devidos em razo da cesso do uso temporrio de um bem infungvel e aqueles emvirtude do uso do capital.

    Portanto, por definio, os juros moratrios, decorrentes do atraso no pagamento de obrigao emdinheiro, nada mais so que lucros cessantes do credor que deixou por certo tempo de auferir osrendimentos do dinheiro.

    Mas no so apenas os juros moratrios que so devidos nessa hiptese.

    O credor faz jus, tambm, pena convencional (por exemplo, uma multa pelo atraso), alm das custasprocessuais e extrajudiciais (por exemplo: gastos com notificaes por intermdio do Oficial de Ttulose Documentos, protesto de ttulos etc.).

    No se pode esquecer a correo monetria, inevitavelmente imposta ao devedor moroso e queigualmente ser adiante estudada.

    Podemos, assim, esquematizar a abrangncia das perdas e danos no caso de pagamento em dinheiro:

    5.2.1 Clusula penal

    As perdas e danos, decorrentes da mora ou do inadimplemento absoluto, podem ser prefixadas, comono caso da clusula penal compensatria, e, mesmo que o prejudicado disponha da clusula penal,poder, se o caso, provar os prejuzos efetivos e cobr-los em espcie.

    A clusula penal a obrigao acessria mediante a qual o devedor se obriga a dar alguma coisa de tal

    sorte a assegurar a execuo da conveno.Por outras palavras, uma multa destinada a evitar as conseqncias funestas do inadimplementoabsoluto ou do retardamento no cumprimento da obrigao.

    Por exemplo: nos contratos de locao freqente a clusula penal estipulando multa pelo atraso nopagamento das prestaes.

    A clusula penal manifesta-se no mundo jurdico por diversas formas. Algumas vezes representadapelo prprio dinheiro, todavia, no incomum encontrarmos a clusula penal representada pelaentrega de uma coisa ou pela perda de um desconto (sano premial).

    A clusula penal possui natureza jurdica de obrigao acessria. Essa natureza decorre dos arts. 916 e923, do CC/1916 (LGL\1916\1), o primeiro artigo contemplando a possibilidade de estipulao conjuntacom a obrigao ou em ato posterior, e o segundo determinando que a clusula penal se extingue, ouseja, no sobrevive, se no sobreviver a obrigao principal.Todavia, o art. 922, do CC/1916 (LGL\1916\1) que traz mais nitidez natureza jurdica acessria daclusula penal, ao preceituar que "a nulidade da obrigao importa a da clusula penal". Assim aexistncia da clusula penal depende da existncia da obrigao principal.

    Mister se faz ressaltar que o inverso no verdadeiro, ou seja, nos termos do art. 153, do CC/1916

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    (LGL\1916\1), a nulidade da clusula penal no induz a nulidade da obrigao principal.

    Por exemplo: suponhamos queA, mediante coao, venha a assinar documento posterior constituiolegtima de uma obrigao principal, estipulando uma multa pelo descumprimento. Se essa estipulaoposterior vier a ser anulada nos termos do art. 147, II, do CC/1916 (LGL\1916\1), a obrigao principalque no est inquinada de nulidade permanece, no obstante, sem a clusula penal.

    A clusula penal pode ser compensatria ou moratria.

    Ser compensatriana hiptese de total inadimplemento da obrigao, ou seja, na hiptese documprimento da obrigao no ser mais til ao credor.

    Segundo o art. 918, do CC/1916 (LGL\1916\1), "quando se estipular a clusula penal para o caso detotal inadimplemento da obrigao, esta converter-se- em alternativa em benefcio do credor".

    Diz-se que a clusula penal compensatria um benefcio do credor, que poder optar por uma dasseguintes hipteses:

    pleitear a clusula penal compensatria

    provar prejuzo maior e pleitear as perdas e danos

    exigir o cumprimento da prestao.

    Resta importante assinalar que o credor poder exigir apenas uma dessas hipteses. No poder,assim, exigir a prestao e tambm a clusula penal compensatria, at pela natureza de compensao

    do inadimplemento absoluto.Importantssimo, tambm, que o benefcio do credor, de tal sorte que no pode o devedor (sujeitopassivo da obrigao) comparecer alegando que prefere pagar a pena compensatria a cumprir aobrigao de oferecer a prestao (dar, fazer ou no fazer).

    Por outro lado, a clusula penal pode ter origem na simples mora. O art. 955, do CC/1916 (LGL\1916\1)determina que se encontra em mora "o devedor que no efetuar o pagamento e o credor que o noquiser receber no tempo, lugar e forma convencionados".

    Basta que um dos requisitos do artigo acima citado esteja presente para que se configure a mora(pagamento a destempo, em outro lugar e por outra forma, que no os devidos).

    Destarte, no procede o entendimento de alguns que insistem em aplicar a clusula penal moratriaapenas nos casos de atraso no pagamento.

    O prprio art. 919, do CC/1916 (LGL\1916\1) determina que, "quando se estipular a clusula penal parao caso de mora, ou em segurana especial de outra clusula determinada, ter o credor o arbtrio deexigir a satisfao da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigao principal".

    Portanto, a clusula penal moratria aquela que se aplica no s nos casos de pagamento adestempo, mas tambm nos casos de pagamento em outro local e de outra forma no convencionados.

    Por exemplo: algum adquire um carro novo da cor azul e a loja entrega o mesmo carro da cor branca.Nesse caso, pode haver estipulao de clusula penal moratria em garantia da clusula de entrega docarro na cor escolhida.

    Diferentemente do que ocorre em relao clusula penal compensatria, o credor pode exigir aprestao cumulada com a clusula penal (art. 919, do CC/1916 (LGL\1916\1)) e, tambm, com as

    perdas e danos, inferncia que se extrai da circunscrio do art. 918 clusula penal compensatria.O primeiro objetivo da clusula penal de intimidao, de reforo da obrigao.

    Por exemplo: suponhamos uma obrigao de pagar em que haja estipulao de multa de 10% no casode mora.

    Supe-se que o devedor, para fugir desse pagamento, procurar adimplir a obrigao no tempoconvencionado (tempestivamente).

    Por outro enfoque, tratando-se de clusula penal compensatria, entendem alguns que a segundafuno da clusula penal de servir de sucedneo predeterminado das perdas e danos.

    Nesse sentido, se o art. 1.056, do CC/1916 (LGL\1916\1) preceitua que, "no cumprindo a obrigao oudeixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos",

    ocorrendo a inexecuo da obrigao, surge para o credor o direito de pleitear, em face do devedor, oressarcimento dos prejuzos.

    Entrementes, esses prejuzos devem ser provados e o nus dessa prova pertence ao prejudicado.

    Nesse sentido, a clusula penal compensatria surge como meio de predeterminar os prejuzos, ouseja, determinar antes que eles ocorram, de tal sorte que o credor s precisar demonstrar a

  • 7/25/2019 Causas e Clusulas de Excluso de Responsabilidade Civil

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    inexecuo, o que autorizar a cobrana da clusula penal.

    Por exemplo: suponhamos um contrato de locao que estipule multa de 10% em caso de atraso. Defato, essa mora poderia gerar algum prejuzo ao credor. Entretanto, independentemente do prejuzo,mesmo que este no ocorra, o locador poder cobrar a multa (art. 927, do CC/1916 (LGL\1916\1)).

    Se o valor prefixado no for suficiente para cobrir as perdas e danos em face da inexecuo, poder ocredor deixar de lado a estipulao da clusula penal e cobrar os prejuzos experimentados.

    No obstante as abalizadas opinies em contrrio, 111no h possibilidade de cobrana da clusulapenal compensatria conjuntamente com perdas e danos no caso destas suplantarem o valor daquela.

    Entretanto, se for o caso de clusula penal moratria, no h bice legal, de tal sorte que poder havera cumulao.

    Nesse sentido, a clusula penal moratria possui a funo inibitria, assim como a clusula penalcompensatria, e a funo de penalizar o devedor moroso.

    No mbito do Cdigo Civil (LGL\2002\400) o valor da clusula penal est limitado ao valor da obrigao(art. 920, do CC/1916 (LGL\1916\1)).

    Por se tratar de sucedneo predeterminado das perdas e danos (clusula penal compensatria) epenalidade imposta ao moroso (clusula penal moratria), o simples fato de a clusula penal serexcessiva no autoriza o devedor a pleitear a sua reduo (art. 927, do CC/1916 (LGL\1916\1)).

    Embora a clusula penal possua a caracterstica de irredutibilidade, como dissemos, se a obrigao forcumprida em parte, poder o juiz determinar a sua reduo proporcional, seja em caso deinadimplemento ou de mora. Este o mandamento insculpido no art. 924, do CC/1916 (LGL\1916\1).

    Por exemplo:A efetua locao de imvel seu com B pelo prazo de doze meses e estipula multa de trsaluguis em caso de inadimplemento. Aps seis meses, B devolve o imvel. Nesse caso, poder o juizreduzir o valor da multa pela metade (clusula penal compensatria - art. 924, do CC/1916(LGL\1916\1) e art. 4., da Lei 8.245/91).

    Trata-se, como visto, de uma faculdade do juiz, no estando ele obrigado a proceder reduo.

    Outrossim, por se tratar de norma de ordem pblica (cogente), poder o juiz determinar a reduo deofcio, sem o pedido do interessado, e no haver como as partes, na constituio da obrigao (aassinatura de um contrato, por exemplo), afastarem a sua aplicabilidade. 112

    A clusula penal moratria do Cdigo Civil (LGL\2002\400) limitada em algumas hipteses estipuladasem leis esparsas:

    , art. 52, 1., do CDC (LGL\1990\40) (2%)

    Lei 4.591/64, no que toca aos condomnios, art. 12, 3. (20%)

    Art. 11, f, do Dec.-lei 58/37, que disciplina o compromisso de compra e venda de imveis (10%).

    Deve-se observar que, no mbito da aplicabilidade do Cdigo de Defesa do Consumidor, isto , desdeque presentes consumidor e fornecedor, a multa moratria ser de dois por cento se houver outorga decrdito, como ocorre, por exemplo, na compra a prestaes. 113

    Adverte-nos Fbio Ulhoa Coelho: "a concesso de crdito ao consumidor pode se viabilizar de mododireto ou indireto, isto , o crdito pode ser aberto pelo prprio fornecedor ou atravs deintermediao de instituio financeira". 114

    A definio de consumidor e fornecedor, imprescindveis para a aplicao das normas da Lei 8.078/90(Cdigo de Defesa do Consumidor), de acordo com o critrio objetivo e legal, se d na exata medida daadequao dos plos da relao jurdica obrigacional aos parmetros dos arts. 2. e 3., da Lei 8.078/90. 115

    Ponto importantssimo acerca do valor da clusula penal moratria diz respeito Lei da Usura (Dec.22.626/33).

    A doutrina (em parte) e a jurisprudncia entendem que a Lei da Usura se aplica apenas aos contratosde mtuo e, portanto, continua em vigor o art. 920, do CC/1916 (LGL\1916\1), no sentido de seconsiderar como limite do valor da clusula penal moratria o valor da obrigao, por exemplo, uma

    obrigao de pagar duzentos pode conter estipulao de multa do mesmo valor, ou seja, clusula penalde duzentos.

    No o que entendemos.

    Em verdade, aplica-se o vetusto, porm vlido, vigente e eficaz Dec. 22.626/33, que dispe sobre osjuros nos contratos e estipula no art. 9. que "no vlida clusula penal superior importncia de

  • 7/25/2019 Causas e Clusulas de Excluso de Responsabilidade Civil

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    10% (dez por cento) do valor da dvida".

    Muito embora a inexplicvel relutncia dos nossos tribunais, a disposio precitada se aplica aquaisquer contratos e no apenas queles de mtuo, encontrando-se em pleno vigor.

    Ora, se a prpria norma no se limitou, no h como restringir a sua aplicao a hiptesescircunscritas.

    Em nenhum momento o aludido diploma legal disse que se aplicava somente aos contratos de mtuo.C