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CELULOSE BACTERIANA – PROPRIEDADES E APLICAÇÕES Cabral, L.M. (Diretor Clínico Bionext) Pecoraro, E.; Ribeiro, S.J.L.; Messaddeq, Y. (Instituto de Química – UNESP) INTRODUÇÃO Organismos fotossintéticos como plantas, algas e algumas bactérias produzem mais de 100 milhões de toneladas de matéria orgânica por ano, a partir da fixação do dióxido de carbono. Metade dessa biomassa é composto por um biopolímero, conhecido há muito como celulose e que por essa razão talvez seja a molécula mais abundante desse planeta. Celulose é o principal componente da madeira, algodão e de outras fibras têxteis como linho e juta. Por essa razão esse biopolímero tem desempenhado um papel importante na vida do homem e pode ser considerado um marco para a compreensão da evolução humana. Métodos de fabricação de substratos de celulose, para fins de escrita e impressão, são datados das primeiras dinastias chinesas, há mais de 5.000 anos a.C.. A celulose e seus derivados estão entre os principais produtos das indústrias, tais como papel, nitrocelulose, acetato de celulose (transparências para retroprojetor), metilcelulose, carboximetilcelulose, etc., e representam um considerável investimento de capital. Nas plantas ela é encontrada como microfibras de 2 a 20nm de diâmetro e com 100 a 40.000nm de comprimento. A cadeia polimérica é composta por moléculas de glicose e condensadas via ligação β1-4, e por essa razão ela é denominada de um polissacarídeo. Um esquema de sua estrutura é mostrado na Figura 1: Figura 1 – estrutura polimérica da celulose.

Celulose Bacteriana - Propriedades e Aplicações Na Prática Clínica[1]

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  • CELULOSE BACTERIANA PROPRIEDADES E APLICAES Cabral, L.M. (Diretor Clnico Bionext)

    Pecoraro, E.; Ribeiro, S.J.L.; Messaddeq, Y. (Instituto de Qumica UNESP)

    INTRODUO Organismos fotossintticos como plantas, algas e algumas bactrias produzem

    mais de 100 milhes de toneladas de matria orgnica por ano, a partir da fixao do

    dixido de carbono. Metade dessa biomassa composto por um biopolmero,

    conhecido h muito como celulose e que por essa razo talvez seja a molcula mais

    abundante desse planeta. Celulose o principal componente da madeira, algodo e de

    outras fibras txteis como linho e juta. Por essa razo esse biopolmero tem

    desempenhado um papel importante na vida do homem e pode ser considerado um

    marco para a compreenso da evoluo humana. Mtodos de fabricao de substratos

    de celulose, para fins de escrita e impresso, so datados das primeiras dinastias

    chinesas, h mais de 5.000 anos a.C.. A celulose e seus derivados esto entre os

    principais produtos das indstrias, tais como papel, nitrocelulose, acetato de celulose

    (transparncias para retroprojetor), metilcelulose, carboximetilcelulose, etc., e

    representam um considervel investimento de capital.

    Nas plantas ela encontrada como microfibras de 2 a 20nm de dimetro e com

    100 a 40.000nm de comprimento. A cadeia polimrica composta por molculas de

    glicose e condensadas via ligao 1-4, e por essa razo ela denominada de um

    polissacardeo. Um esquema de sua estrutura mostrado na Figura 1:

    Figura 1 estrutura polimrica da celulose.

  • A principal fonte de celulose na natureza so as plantas superiores. Porm esse

    polissacardeo pode ser obtido por mais quatro vias conhecidas: microorganismos

    (bactrias do gnero Acetobacter, Rhizobium, Agrobacterium e Sarcina); algas (como

    Valonia e Microdicyon); animal (como os tunicatos) e in vitro via reaes enzimticas ou

    qumicas.

    Dentre os microorganismos, seu produtor mais eficiente o Acetobacter xylinum.

    Nesse caso ela denominada celulose bacteriana e por suas propriedades

    diferenciadas que tem chamado ateno de pesquisadores. A celulose bacteriana,

    quanto composio, idntica celulose vegetal, porm apresenta maior proporo

    de estruturas micro-cristalinas (com at quatro fases diferentes), o que confere

    caractersticas distintas daquelas quanto resistncia mecnica, permeabilidade a

    lquidos e gases, conduo de corrente eltrica, interao com outras molculas, etc..

    Essas caractersticas tambm se devem arquitetura de suas fibras nanomtricas,

    como mostrado na Figura 2:

    Figura 2 Fotomicrografia da membrana seca (Instituto de Qumica UNESP)

    Diversas aplicaes tm sido propostas para a celulose de origem bacteriana

    devido suas caractersticas. A Tabela 1 exemplifica algumas dessas aplicaes de

    acordo com diferentes reas.

  • Tabela I - aplicaes de celulose bacteriana.

    rea Aplicao

    Cosmticos estabilizador de emulses como cremes, tnicos, condicionadores, polidores de unhas e componentes de unhas artificiais

    Indstria Txtil tecidos, peles artificiais, materiais altamente adsorptivos Turismo e Esportes

    roupas para esportes, tendas e equipamento de camping

    Minerao e Refinarias

    esponjas para coleta de vazamentos de leos, materiais para absoro de toxinas

    Tratamento de Lixo

    Reciclagem de minerais e leos

    Purificao de Esgotos

    Purificao de esgotos urbanos, ultrafiltrao de gua

    Comunicaes Diafragmas sensveis para microfones e fones estreos Reflorestamento Substituto artificial de madeira, compensados e containers de alto

    desempenho Indstria de

    Papel Papis especiais, restaurao de documentos, cdulas de dinheiro

    mais durveis, fraldas, guardanapos Indstria de Veculos e

    Avies

    Partes de automveis e de aeronaves, gachetas, juntas

    Indstria de Alimentos

    Celulose comestvel (Nata de Cco)

    Medicina Pele artificial temporria para queimaduras e lceras, componentes de implantes dentrios.

    Laboratrios Imobilizao de protenas e de clulas, tcnicas cromatogrficas, meio para cultura de tecidos.

    OBJETIVO

    O presente trabalho tem por objetivo a caracterizao, o desenvolvimento e a

    otimizao de novas aplicaes para a celulose bacteriana, principalmente para a rea

    mdica e de reforo estrutural em engenharias.

    PARTE EXPERIMENTAL A produo de celulose por Acetobacter xylinum (bactria estritamente aerbica)

    se d em meio de cultura lquido e esttico, tendo como composto principal o

    monossacardeo D-glicose e fontes proticas, como o extrato de levedo.

  • Uma pelcula de celulose pura e mida formada na superfcie do meio de

    cultura aps 24h do incio do processo. A Figura 2 ilustra o desenvolvimento dessa

    pelcula no perodo de 8 dias (192 horas)1.

    Figura 2 produo de celulose por Acetobacter xylinum em diferentes etapas. Do frasco da esquerda para a direita, o tempo decorrido foi de 8 dias 1.

    Aps atingir as dimenses necessrias, essa manta mida retirada do

    recipiente de cultura e passa por processos de lavagem, prensagem e secagem. No

    final, obtm-se uma pelcula seca, com textura semelhante a um papel vegetal e com

    espessuras entre 50 e 500m. A Figura 3 apresenta o aspecto final da manta mida e

    da membrana seca.

    Figura 3 pelcula de celulose produzida pelo Acetobacter xylinum : A manta mida; B- aps lavagem

    e secagem.

    O processo de lavagem elimina as bactrias presentes no interior das mantas,

    assim como os resduos provenientes do meio de cultura.

    Diferente da celulose vegetal, a celulose bacteriana no apresenta lignina,

    pectina, hemi-celulose e outros compostos biognicos associados primeira. A bactria

    A B

  • produz tal pelcula para servir como uma toca para se proteger da radiao

    ultravioleta, mant-la em contato com o oxignio (necessrio para sua biosntese), alm

    de manter seu meio ambiente mido e protegido dos predadores naturais 1. A produo

    da celulose bacteriana realizada nas dependncias da Bionext 2, que possui uma

    cepa com capacidade de produo em 48 horas.

    A caracterizao da membrana seca foi realizada no Instituto de Qumica da

    UNESP, empregando tcnicas de microscopia eletrnica de varredura (SEM- Jeol),

    microscopia eletrnica de transmisso (TEM- Philips 120KeV), espectroscopia

    eletrnica de absoro UV-Visvel (Cary 500), calorimetria exploratria diferencial

    (DSC- TA Instruments) e isotermas de adsoro (B.E.T Sorsmetro Micromeritics).

    RESULTADOS E DISCUSSES

    Microscopia Eletrnica de Varredura

    A Figura 4 mostra as fotomicrografias obtidas de amostras com diferentes

    tratamentos trmicos.

    Figura 4 superfcies de membranas processadas com diferentes tratamentos trmicos. (Instituto de

    Qumica UNESP)

    O tratamento trmico, assim como qumico no processo de ps-produo da

    manta mida, leva a diferentes caractersticas da membrana seca. No caso, a

    membrana da esquerda na Figura 4 apresenta rea superficial quatro vezes menor do

  • que a membrana da direita. Isso importante em aplicaes de absoro de lquidos ou

    gases, como hemostticos ou sensores.

    Microscopia Eletrnica de Transmisso

    A Figura 5 apresenta as fotomicrografias das nanoestruturas internas das fibras

    mostradas na Figura 4.

    Figura 5 microscopia de transmisso das microfibras constituintes da estrutura internas das fibras.

    (Instituto de Qumica UNESP)

    As fitas mostradas na figura acima so compostas por cadeias de celulose

    produzidas pela bactria e do origem estrutura apresentada direita na Figura 4.

    Essas fitas podem ser utilizadas como templates para produo nanomateriais.

    Espectroscopia Eletrnica de Absoro UV-Visvel

    A Figura 6 apresenta o detalhe do espectro de absoro na regio

    correspondente aos comprimentos de onda dos UVA e UVB.

  • 200 250 300 350 400 4500

    20

    40

    60

    80

    100

    UV

    -C

    UV

    -A

    UV

    -B

    % T

    rans

    mis

    so

    (nor

    mal

    izad

    a)

    Comprimento de Onda (nm) Figura 6 espectro de absoro eletrnica na regio do ultravioleta. (Instituto de Qumica UNESP)

    Os comprimentos de onda de 320 a 400nm correspondem ao chamado UVA,

    enquanto que o UVB se estende de 280 a 320nm. O UVC (menor que 280nm)

    absorvido pela atmosfera. O espectro da figura 6 mostra que a membrana seca de

    celulose bacteriana bloqueia as faixas de UVA e UVB. Essa caracterstica permite a

    utilizao desse material como filtro protetor para a pele lesionada ou materiais

    sensveis degradao provocada por esses comprimentos de onda.

    Calorimetria Exploratria Diferencial

    A Figura 7 apresenta o termograma da membrana seca.

    50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600-3.0

    -2.5

    -2.0

    -1.5

    -1.0

    -0.5

    0.0

    Incio da Queima - 330oC

    Desidratao - 87oC

    Flux

    o de

    Cal

    or (m

    W)

    Temperatura (oC) Figura 7- Termograma mostrando as temperaturas de desidratao e incio de combusto da membrana

    seca. (Instituto de Qumica UNESP)

  • Uma caracterstica importante para a aplicao da celulose bacteriana como

    elemento estrutural ou de vedao, so seus limites de temperatura, a partir dos quais

    ocorrem mudanas em suas propriedades. Da Figura 7, observamos que a membrana

    seca apresenta molculas de gua inclusas em sua estrutura na temperatura ambiente.

    A eliminao dessas molculas acontece somente em 87oC. Assim, na sua utilizao

    como curativo, ela capaz de manter um certo grau de umidade em contato com a

    pele, caracterstica muito importante no tratamento de queimados. A segunda

    temperatura obtida da Figura 7 aquela na qual inicia-se a reao de combusto dessa

    membrana. Ela se d somente a 330oC, superior em quase 100oC do papel comum.

    Essa caracterstica importante em aplicaes estruturais e de vedao em processos

    industriais.

    CONCLUSES

    A celulose bacteriana uma promessa para o desenvolvimento de novos

    materiais. Ela rene um conjunto de propriedades que permite sua aplicao nas mais

    diferentes reas da cincia. Na literatura surgem a cada dia novas aplicaes, tais

    como, produo de fibras (inclusive pticas)3; filmes de celulose; plsticos

    biodegradveis; templates orientados para nanoestruturas4; materiais opto-eletrnicos

    (telas cristal lquido)5; membranas clula combustvel (paldio)6. Essas realizaes s

    so possveis pela obteno de uma cepa superprodutora pela companhia Bionext, o

    que torna a explorao comercial desse tipo de material vivel.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 1 Klemm, D.; Schumann, D.; Udhardt, U.; Marsch, S. Prog. Polym. Sci. 26, p.1561-1603, 2001. 2 www.bionext.com.br/lcto 3 Sakairi, N.; et.ali., Carbohidrate Polym., 35, p. 243, 1998. 4 Kondo, T.; Nojiri, M.; Hishikawa, Y.; Togawa, E.; Romanovicz , D.; Brown, Jr., R.M. - PNAS October 29,

    vol. 99 no. 22, 2002 5 Greiner, A.; Hou, H.; Reuning, A.; Thomas, A.; Wendorff, J.H.; Zimmermann, S. , Cellulose 10: 3752,

    2003. 6 ONeill, H.; Evans, B.R. ; Woodward, J., 2002 Merit Review and Peer Evaluation DOE Fuel Cells for

  • Transportation National Laboratory R& D Golden, Colorado. May 8- 10, 2002.