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0 CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO Ivan Bueno da Fonseca Análise dos Escritos sobre Educação de Ellen Gould White e a Educação Popular de Paulo Freire Americana 2015

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

Ivan Bueno da Fonseca

Análise dos Escritos sobre Educação de Ellen Gould White e a Educação

Popular de Paulo Freire

Americana

2015

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

Ivan Bueno da Fonseca

Análise dos Escritos sobre Educação de Ellen Gould White e a Educação

Popular de Paulo Freire

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL – sob a orientação da Profª Drª Valéria Oliveira de Vasconcelos.

Americana

2015

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Fonseca, Ivan Bueno da.

F744a Análise dos escritos sobre educação de Ellen Gould

White e a educação popular de Paulo Freire / Ivan Bueno

da Fonseca. Americana: Centro Universitário Salesiano de

São Paulo, 2015.

100 f.

Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL/SP.

Orientador: Valéria Oliveira de Vasconcelos.

Inclui bibliografia.

1. White, Ellen Gould, 1827-1915. 2. Freire, Paulo,

1921-1997. 3. Adventistas - Educação. 4. Educação

popular. I. Título.

CDD 370.15

Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto – CRB-8/7539 Bibliotecária UNISAL – Americana

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Autor: Ivan Bueno da Fonseca

Título: Análise dos Escritos sobre educação de Ellen Gould White e a

Educação Popular de Paulo Freire

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação no Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em __/__/__ pela comissão

julgadora

_______________________________________

Prof. Dr.: Eliel Unglaub – UNASP – Membro Externo

_______________________________________

Profª Drª. : Sueli Maria Pessagno Caro – UNISAL – Membro Interno

_______________________________________

Profª Drª: Valéria Oliveira de Vasconcelos – UNISAL – Membro Interno

Americana

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AGRADECIMENTOS

Sou grato, primeiramente, a Deus pelo dom da vida e pelo grande cuidado por

mim.

Agradeço também meu pai Ambrósio e minha mãe Benedita pela base moral,

familiar e cristã que me deram.

À minha amada esposa Mihanna pelo incentivo, pela paciência nos momentos

difíceis, pelo carinho com que me acompanhou nesses tempos de dedicação ao

curso.

A meus filhos Théo e Davi, razão de minha luta e combustível para os meus

sonhos.

A meus irmãos Luíza, Leila, Saulo, Marcos, Paulinho, Júnior, Tadeu pelo

grande incentivo e apoio.

A minha primeira Professora Maria José Barbosa pela importante contribuição

em meus passos iniciais como estudante.

À minha querida orientadora e Professora Doutora Valéria Oliveira de

Vasconcelos, pelas sábias palavras e preciosas orientações.

Aos meus amigos do UNASP – Centro Universitário Adventista de São Paulo

– Engenheiro Coelho e do Colégio Adventista UNASP de Artur Nogueira, pelo

carinho e pelo apoio.

Ao Pastor Paulo Martini, grande incentivador e amigo.

Aos meus amigos e professores do UNISAL – Centro Universitário Salesiano

de São Paulo pela bondade e solidariedade a mim dedicada.

A todos os professores que de alguma maneira participaram de meu

desenvolvimento estudantil e acadêmico.

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, me apoiaram, me ajudaram e

torceram por mim.

Obrigado.

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RESUMO

Neste estudo, apresentam-se considerações sobre um possível diálogo entre o

pensamento de Paulo Freire e os escritos sobre educação de Ellen Gould White.

Foi feita uma análise por meio de investigação bibliográfica, buscando estabelecer

as relações e semelhanças na obra desses dois autores. Buscou-se refletir também

a obra dos educadores à luz da Educação Adventista e Educação Popular, numa

tentativa de apresentar suas ideias e contribuir para a educação como um todo.

Palavras-chave: Ellen White. Paulo Freire. Educação Adventista. Educação

Popular.

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ABSTRACT

In this study, we present considerations about a possible relation between the

thought of Paulo Freire and the writings in Education of Ellen Gould White. An

analysis by bibliographic research was done in order to establish the relations and

similarities in the work of these two authors. Also we tried to reflect on the work of

these educators in light of Adventist Education and Popular Education in an attempt

to present their ideas and contribute to education as a whole.

Key-words: Ellen White. Paulo Freire. Adventist Education. Popular Education.

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Sumário

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO ADVENTISTA E OS ESCRITOS DE ELLEN WHITE SOBRE

EDUCAÇÃO À LUZ DO PROTESTANTISMO E ADVENTISMO: ALGUNS CONTEXTOS

HISTÓRICOS ...................................................................................................................... 18

1.1. Ellen White e a Educação Adventista ........................................................................ 22

1.2. Surgimento da Educação Adventista ......................................................................... 22

1. 3. Ellen Gould White (1827-1915) ................................................................................. 24

1.4. Educação Adventista ................................................................................................. 33

1.5. História da Educação Adventista no Brasil ................................................................. 34

1.6. PRINCÍPIOS / OBJETIVOS EDUCACIONAIS ADVENTISTAS SEGUNDO O

PENSAMENTO DE ELLEN G. WHITE ................................................................................ 37

1.6.1. A Palavra de Deus - Bíblia .................................................................................... 37

1.6.2. A Vontade de Deus ............................................................................................... 39

1.6.3. Restauração do Homem ....................................................................................... 40

1.6.4. A Natureza ............................................................................................................ 41

1.6.5. Pensamento Reflexivo e Desenvolvimento do Senso Crítico do Aluno ................. 43

1.6.6. Autonomia e Autenticidade – Valores Bíblico-Cristãos .......................................... 45

1.6.7. Desenvolvimento Mental e Uso Correto das Faculdades Mentais ......................... 46

1.6.8. Espírito Cooperativo .............................................................................................. 47

CAPÍTULO 2 – PENSAMENTO SOBRE EDUCAÇÃO NA VISÃO DE PAULO FREIRE:

CONTEXTOS HISTÓRICOS E REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS .................................. 49

2.1. Biografia de Paulo Freire ........................................................................................... 50

2.2. O Pensamento de Paulo Freire – Contextos Históricos .............................................. 56

2.3. O Pensamento de Paulo Freire – Contextualização Filosófica ................................... 61

2.4. Alguns saberes necessários à prática educativa na visão de Paulo Freire ................. 62

2.4.1 Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos .............................................. 62

2.4.2 Ensinar exige estética e ética ................................................................................ 64

2.4.3 Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo ................................. 64

2.4.4 Ensinar não é transferir conhecimento .................................................................. 65

2.4.5 Ensinar exige alegria e esperança ........................................................................ 67

CAPÍTULO 3 – ENTRECRUZANDO AS IDEIAS SOBRE EDUCAÇÃO DE ELLEN WHITE E

PAULO FREIRE: REFLEXÕES E DIÁLOGOS POSSÍVEIS ................................................ 69

3.1 O aluno na concepção de Ellen White ........................................................................ 70

3.2 O aluno na concepção de Paulo Freire ....................................................................... 72

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3.3 O Professor na concepção de Ellen White .................................................................. 74

3.4 O Professor na concepção de Paulo Freire ................................................................. 77

3.5 A Escola na concepção de Ellen White ....................................................................... 80

3.6 A Escola na concepção de Paulo Freire ..................................................................... 83

3.7 A Metodologia na concepção de Ellen White .............................................................. 86

3.8 A Metodologia na concepção de Paulo Freire ............................................................. 89

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: .................................................................................. 96

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MEMORIAL

O Brasil do final da década de 70 e início da década de 80 foi marcado por

inúmeras transformações no cenário político, econômico e social.

Chegava ao fim um período de injustiças, abuso de poder e autoritarismo.

Almejava-se a tão sonhada “liberdade democrática” e um novo rumo para a

política brasileira.

Era o fim do regime militar e o início de um novo tempo por anos desejado por

milhares de brasileiros.

Foi nesses dias que nasci no ano de 1975 numa humilde família de

colhedores de café, em Serrania, no sul do Estado de Minas Gerais.

Reencontrar esse passado para mim é reencontrar-me comigo mesmo. É

avaliar e reavaliar minha própria existência. Para Moraes (1992) um memorial é um

retrato crítico do indivíduo visto por múltiplas facetas através dos tempos, o qual

possibilita inferências de suas capacidades. Ecléa Bosi (1979) salienta que é através

da memória que o passado emerge, misturando-se com as percepções sobre o

presente, deslocando esse conjunto de impressões construídas pela interação do

presente com o passado que passam a ocupar todo o espaço da consciência. É

como se não existisse presente sem passado, ou seja, nossas visões e

comportamentos estão marcados pela memória, por eventos e situações vividas.

Então, possibilito a mim mesmo, uma oportunidade de auto avaliação para

continuar seguindo em frente.

Quero me ver no espelho do tempo e me permitir conhecer-me melhor

através do que puder enxergar.

Anos antes, antes até que a ditadura se instalasse de verdade no Brasil, no

final da década de 50, um jovem casal se mudava de Minas Gerais para o Paraná

com o sonho de uma vida nova. Porém, a falta de oportunidades levou-os

novamente às lavouras de café daquele Estado. Por ali viveram vários anos onde

nasceu a maior parte dos meus irmãos.

Certa vez, atendendo ao convite de uma amiga, minha mãe assiste a um culto

em uma igreja Batista, na cidade de Maringá e se sente bastante confortável ali,

apesar da formação católica que tinha.

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Daquele primeiro encontro com as ideias protestantes restou-lhe o desejo de

conhecer mais sobre a doutrina e os costumes batistas, algo que aconteceria nos

meses seguintes, com a participação de toda a família.

Tempos depois, no retorno a Minas Gerais, a família, convertida ao

protestantismo, buscava maneiras de superar a ausência de uma igreja batista

naquele lugar.

Coincidentemente, iniciava na cidade um pequeno movimento adventista, o

que mais tarde se tornaria uma igreja organizada.

Imediatamente, dada à falta da presença batista ali, ocorreu nossa migração

para a doutrina adventista, fato este marcante para a história da família.

Desse momento em diante passamos a observar as doutrinas adventistas e a

fazer parte da nova comunidade protestante da cidade.

Em 1985, com dez anos de idade, fui batizado, com o compromisso de

aprender mais da cultura adventista; bem como da história e tradições das principais

igrejas protestantes.

À medida que fui crescendo, crescia também meu interesse e curiosidade

pela ideologia adventista, o que fez com que buscasse esse conhecimento,

principalmente através da leitura de livros de Ellen G. White, escritora norte

americana, cofundadora da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD).

Entre os principais livros da autora que li e que me serviram de base para a

crença que desenvolvi posso mencionar O Desejado de Todas as Nações, Caminho

a Cristo, O Grande Conflito, entre outros.

Em 1995 deixei Minas Gerais em direção à cidade de Engenheiro Coelho, no

Estado de São Paulo, em busca do sonho de concluir o Ensino Médio no Centro

Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, lugar onde teria a oportunidade de

aprofundar minhas convicções e me relacionar com outros adventistas de outras

culturas e lugares.

Já em 1998, após a conclusão do Ensino Médio e o vestibular, ingressei na

faculdade de Pedagogia, terminando quatro anos depois em 2001.

A princípio cursar pedagogia não me parecia o ideal para minha vida, porém,

com a proposta da escola, de que eu poderia trabalhar por ali mesmo e pagar os

estudos, resolvi me dedicar a essa área do conhecimento.

Na faculdade de pedagogia tive a oportunidade de conhecer a obra e o

legado de grandes autores e pensadores da educação, principalmente Paulo Freire,

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educador brasileiro, referência em todo o Brasil e no mundo quando tratamos de

Educação Popular.

Encantei-me com Paulo Freire, algo natural a qualquer estudante atento ao

que o grande mestre brasileiro ensinava. Mas, me chamava a atenção o fato de que,

apesar da visão revolucionária, libertadora que tinha, cultivava em si valores cristãos

e se auto intitulava cristão.

Havia algo especial na filosofia de Paulo Freire que me encantava. Não

apenas o fato de ser ele brasileiro e conhecer profundamente nossas raízes, nossos

problemas e necessidades; mas sim o fato de ser ele um profundo conhecedor do

ser humano, das pessoas.

Seu jeito profundo e às vezes poético de tratar com as questões humanas o

aproxima das pessoas, toca os corações.

Foi então que percebi que havia muito de Ellen G. White em Paulo Freire e

muito de Paulo Freire em Ellen G. White, e que essa relação sugeria um estudo,

uma compreensão e até como forma de homenagem.

Certamente, a beleza das palavras de Ellen G. White se completa na poesia

profunda de Paulo Freire quando retratam a educação e o aluno de um jeito tão

peculiar e único como o foi também a maneira como conduziram sua vida diante

daquilo que pregaram.

Unir esse dois mundos de Ellen G. White e Paulo Freire num só projeto de

pesquisa será um prazer para quem se encanta com a obra desses dois expoentes

da educação mundial e uma nova descoberta ao leitor que se aventurar a conhecê-

los.

Dois universos tão separados pelo tempo (1827-1915 e 1921-1997), mas com

a condição de que se encontram e em alguns momentos se complementam no

produtivo solo do mundo das ideias.

Mundo esse que me liga tanto a Ellen G. White quanto a Paulo Freire, pois o

modo como pensam o mundo e a educação, ainda que, antagônicos em alguns

momentos, também conectam e completam minhas convicções pessoais e minha

forma de enxergar o mundo, a criança e a educação.

Por esse motivo resolvi aprofundar meus estudos no Programa de Mestrado

em Educação por constatar que existe muita possibilidade de diálogo entre esses

dois autores, principalmente quando tratam da autonomia e emancipação do aluno

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enquanto sujeito pensante e agente da construção de seu conhecimento, entre

outros pontos.

Outra forma possível a esse diálogo é a maneira como Ellen White e Paulo

Freire conduzem suas ideias dentro do campo da religiosidade, tornando isso

elemento importante na construção de seus conceitos e na elaboração de práticas e

atitudes coerentes com essa visão de mundo. White na construção de boa parte do

pensamento adventista e Freire na elaboração da Teologia da Libertação, ambos

relacionados pelas raízes do cristianismo.

Trazer essas ideias a um debate pode permitir uma melhor compreensão

desses dois autores; uma vez que nos possibilita enxergar melhor esses dois

retratos de mundo, bem como analisar seus contextos e trazê-los para nossas

práticas atuais.

É do interesse desse estudo também permitir que pessoas ligadas à obra de

Paulo Freire conheçam o pensamento de Ellen White e vice-versa; sendo que,

certamente, haverá um discernimento e compreensão muito maior de ambas as

partes; uma vez que se trata de duas maneiras extremamente interessantes de se

pensar e fazer educação e ensino.

Pessoalmente me vejo inserido tanto no contexto das ideias de Freire, quanto

no contexto das ideias de White, uma vez que, enquanto pessoa e profissional,

tenho essas concepções filosóficas dos dois pensadores como referência para

minha carreira profissional; assim como para minha própria vida.

Conheci as ideias de White ainda jovem através da Igreja Adventista do

Sétimo Dia, a qual ela é uma das cofundadoras. Porém, seus escritos sobre

educação chegaram até mim um pouco mais tarde quando me interessei pelo

assunto ao me decidir pela pedagogia.

No final da década de 90; mais especificamente no ano de 1998, iniciei o

curso de pedagogia, sendo a mim apresentadas as ideias de Paulo Freire, o que me

chamou bastante atenção, pois via em mim mesmo relações com seus relatos,

principalmente quando trata de sua infância, e suas conclusões a respeito de

opressores e oprimidos; algo que me tocava profundamente.

Assim sendo, tenho muita familiaridade com o tema dessa pesquisa, uma vez

que tanto Paulo Freire, quanto Ellen White tem relações marcantes com minha

história profissional e minha trajetória de vida.

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INTRODUÇÃO

Quando analisamos o pensamento de Paulo Freire à luz da didática podemos

situá-lo na corrente “progressista libertadora”. A filosofia básica por trás de tal

corrente didática é o humanismo, que coloca o homem como valor supremo, na

busca por deixar de ser oprimido e passar a ser agente participante na construção

de uma sociedade livre e democrática. A liberdade do ser humano também é tratada

nessa forma de pensar, com ênfase na reconstrução da sociedade, através de um

processo de análise crítica do meio onde o indivíduo está inserido e de seu contexto

imediato. Enfatiza-se a leitura do mundo, ao mesmo tempo em que coloca a

aquisição das habilidades da leitura e da escrita. Podemos dizer que essa

metodologia baseia-se no diálogo crítico (metodologia dialógica), pois procura

desenvolver uma consciência transitiva crítica, desafiadora e transformadora.

Em relação ao pensamento pedagógico de Ellen White podemos classificá-lo

como perenialista. Nessa corrente pedagógica temos o idealismo como base

filosófica principal. Essa identificação das ideias de White com o idealismo se dá

principalmente no conceito de restauração – restaurar/recuperar na criatura a

imagem do Criador. Fala-se em perene para tal corrente pedagógica porque trata

das coisas que perduram, enfatizando a verdade e o axiológico. White tem como

base para uma “educação apropriada” o estudo da manifestação divina na natureza

e na escritura sagrada.

Em Freire, a libertação do homem é um fator importante para a educação.

Propõe o uso das palavras como forma de libertação. Considera que a partir das

palavras aprende a expressar-se, a nomear, a promover alterações na realidade

histórica a qual está imerso.

Percebemos que White e Freire, a partir da forma como organizam seu modo

de pensar, parte de conceitos e concepções diferentes do homem, o que faz com

que haja caminhos diferentes para sua prática pedagógica; porém, tanto em um

como em outro, ainda que em graus diferenciados, existe a preocupação com

valores espirituais na formação do educando.

Sendo assim, percebe-se também que há elementos comuns, tanto na obra

de Freire como nos escritos de White. Aspectos estes que merecem um estudo e

análise, procurando as convergências na maneira como pensam em relação ao

professor, aluno, a escola, a metodologia e a avaliação.

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Em sua maneira de enxergar educação, principalmente no que se refere à

concepção bancária da educação, Freire apresenta uma contraposição a esse

conceito, sugerindo uma pedagogia dialógica tendo como base as relações

horizontais entre professor/aluno e propondo a igualdade dos papéis entre esses

dois agentes no processo de ensino/aprendizagem.

White, por sua vez, propõe uma pedagogia também entendida como

dialógica, porém numa relação vertical entre o professor, o aluno e Deus.

Essa visão que os dois autores tem, dentro do processo educativo, das

relações empreendidas por esses agentes no processo, no âmbito de uma proposta

dialógica de educação, tende a aproximá-los de alguma forma, possibilitando

conversas e reflexões.

Freire defende uma educação contínua, permanente, porém sem dar ênfase a

questão da transcendentalidade. Já White, ao colocar Deus como agente no

processo educativo, sugere uma “Educação para a Eternidade”.

Diante dessas duas maneiras de pensar a educação tem-se o seguinte

problema: - a educação popular de Freire e as pedagogias de White podem ser

complementares entre si? Quais os caminhos permitirão uma abordagem conjunta

entre essas ideias? Seria possível uma vivência prática entre as duas concepções?

Nos escritos de White encontramos a definição de que educação é o

desenvolvimento harmônico das faculdades físicas, intelectuais e espirituais. Torna-

se mais do que a preparação para a vida presente, pois inclui a vida eterna,

transcendental. É mais do que a prossecução de um certo curso de estudos. Orienta

a considerar tanto a natureza do homem como o propósito de Deus ao criá-lo, para

entendermos o que se acha incluído na tarefa de educar. Aborda a origem divina do

homem e seu destino eterno.

Freire coloca que o relacionamento dialógico do homem com seus

semelhantes, ou um relacionamento ideal para a sociedade, são reflexos das

relações entre o homem e seu Criador. “... existir é um conceito dinâmico. Implica

numa dialogação eterna do homem com o homem. Do homem com o mundo. Do

homem com seu Criador” (FREIRE, 1992a, p.68). Enfatiza que se devem ensinar as

pessoas a dar nomes às coisas, a nomear o mundo. Coloca isso como necessidade

vital, existencial. E, quando aprende a pronunciar as palavras o homem passa a

interferir e alterar sua realidade histórica e cultural, pode mudar o mundo. Para

Foucault as palavras têm o poder e a tarefa de representar o pensamento

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(FOUCAULT, 1999) e a linguagem é a análise do pensamento. Podemos traduzir

isso com a ideia de que o vocabulário de um indivíduo é a dimensão do mundo que

o cerca. O próprio indivíduo se torna capaz de criar, criativo. Sua palavra humana

estará imitando o Verbo Divino – ele passa a ser um criador também. (FREIRE,

1987, p.20). Vê no homem um ser inacabado, onde sua “finitude” encontrará o

“Infinito” (FREIRE, 1979).

Pelo que vimos então, torna-se claro certos pontos em comum em suas

concepções de educação. No decorrer da pesquisa haverá um aprofundamento

maior, bem como uma exploração maior desses pontos em comum, clareando certas

ideias, conceitos e se possível estabelecendo novos pontos em comum.

Esta Dissertação, apresentada ao Programa de Pós-graduação, em nível de

Mestrado, do Centro Universitário Maria Auxiliadora – UNISAL, em Americana, no

Estado de São Paulo, é requisito parcial para o Mestrado em Educação

Sóciocomunitária, mantido por esta instituição.

Trata-se de uma pesquisa de natureza teórica, baseada em buscas e

pesquisas bibliográficas.

Pode-se dizer também que esse trabalho procura sistematizar o resultado de

observações, leituras críticas e análises empreendidas pelo pesquisador.

É uma pesquisa teórica, dada à maneira como se propôs a buscar, através de

fontes de leitura e mesmo de referências relacionadas ao pensamento, obra e ideias

de Ellen G. White e Paulo Freire.

Revela-se de natureza exploratória, pois permite pesquisar a produção

intelectual de ambos os autores e descritiva ao relacionar, descrever e classificar as

muitas possibilidades de diálogo entre as ideias pedagógicas desses dois

educadores.

Há uma tentativa de analisar os possíveis encontros e desencontros no

pensamento dos dois autores, levando-se em conta as eventuais imbricações,

pontos em comum e opostos, semelhanças e divergências; porém com a ênfase

maior onde há conversa entre eles. Podemos definir os objetivos desta pesquisa da

seguinte maneira:

a) sintetizar as concepções dos dois autores, tendo em vista elementos

básicos da vivência pedagógica, como, o aluno, a escola, o professor, a metodologia

e a avaliação;

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b) estabelecer relações possíveis entre a obra de Freire e a obra de White,

respeitando-se as peculiaridades de cada autor e sua maneira de enxergar o mundo,

levando em conta os contextos histórico/social/cultural em que viveram.

A metodologia a ser utilizada nessa dissertação tende a contemplar as

características dessa pesquisa que é de natureza

bibliográfica/documental/exploratória e monográfica.

Depois de realizado um levantamento bibliográfico, far-se-á a revisão da

literatura disponível, onde coletaremos todas as informações necessárias ao

trabalho, com o objetivo de estabelecer/esclarecer, tanto o tema como o problema

da pesquisa. Em seguida, a partir dos dados levantados, trabalharemos de forma

crítica/analítica/interpretativa, harmonizando esses dados ou confrontando-os de

maneira lógica e sistematizada.

A partir daí dar-se-á andamento ao corpo do trabalho levando-se em

consideração seus aspectos principais básicos apresentados ao longo da pesquisa

em: introdução, desenvolvimento e conclusão, buscando trabalhar os dados e as

informações de maneira ética, imparcial, lógica, clara e precisa, considerando todos

os aspectos e normas que pressupõe o rigor científico.

No primeiro capítulo faremos de modo muito breve um pequeno histórico,

mostrando o panorama de algumas igrejas protestantes da atualidade, relacionando

com o movimento protestante em si, e relacionando também com as origens da

Igreja Adventista do Sétimo Dia. Apresentaremos o pensamento e a obra de Ellen

White no que se refere à educação e as práticas pedagógicas dentro de uma visão

adventista de educação, tendo como referenciais os livros que a própria autora

dedicou a esse assunto, bem como buscando em outras fontes históricas e

bibliográficas de apoio ao assunto. Conceituaremos o pensamento de White dentro

de uma visão filosófica que ampare seus escritos e descreveremos os principais

aspectos de sua obra educacional, quando trata do aluno, do professor, da escola e

do ser humano enquanto agente autônomo de transformação, libertação e redenção.

No segundo capítulo mostraremos um pouco da obra de Paulo Freire, sua

biografia, a relevância de tudo o que escreveu para o mundo e para a educação, o

papel que a educação popular pode exercer no processo de emancipação dos

sujeitos ao longo da história, pelas práticas pedagógicas, dialógicas e

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transformações sociais. Situaremos Paulo Freire dentro do contexto das pedagogias

atuais e vigentes no Brasil e no mundo, tendo em vista suas concepções e bases

filosóficas. Destacaremos os aspectos revolucionários do pensamento freireano com

ênfase em uma luta democrática exercida pela organização das classes

trabalhadoras sem o uso de métodos violentos. Ao longo do capítulo mostraremos a

importância que tinha para Freire diversos aspectos da religiosidade e

espiritualidade, presentes ao longo de toda sua obra e vida.

No terceiro capítulo compararemos concepções, ideias, práticas pedagógicas,

métodos e pensamentos no âmbito da educação relacionado à obra de Paulo Freire

e Ellen White. Propositalmente, buscaremos aspectos de conversa e diálogo na

obra desses dois autores, tendo como ideias principais a autonomia e emancipação

do aluno enquanto sujeito pensante, o diálogo professor/aluno e vice-versa, o não a

educação bancária em sua forma de posicionar o aluno como mero receptor de

conteúdo e conhecimento, as vivências pedagógicas pela contemplação da

natureza, as relações entre os sujeitos nas interações no meio social e cultural onde

estão inseridos, a educação como fator de libertação para o homem, as práticas

democráticas como caminhos para a autonomia, emancipação e liberdade do

sujeito, a valorização do ser humano de maneira integral e totalizadora (corpo,

intelecto e espírito).

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CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO ADVENTISTA E OS ESCRITOS DE

ELLEN WHITE SOBRE EDUCAÇÃO À LUZ DO PROTESTANTISMO E

ADVENTISMO: ALGUNS CONTEXTOS HISTÓRICOS

O protestantismo pode ser considerado como um movimento de reação

contrária a certas doutrinas, dogmas e credos da igreja católica romana medieval

(século XV), empreendido por Martinho Lutero, João Calvino, Ulrico Zuínglio, entre

outros.

As novas ideias defendidas pelos protestantes permitiram na época pensar a

religião de forma diferente e mesmo analisar certas doutrinas e pontos bíblicos por

ângulos diferentes do que se tinha imposto pela igreja católica.

Tendo a Bíblia Sagrada como única regra básica de fé e fonte de autoridade

doutrinal, o protestantismo não aceita algumas doutrinas e teorias católicas tais

como:

1. O purgatório;

2. A veneração dos santos;

3. O culto a imagens;

4. A assunção de Maria e a ideia da sua virgindade perpétua;

5. A oração pelos mortos;

6. A supremacia papal;

7. A intercessão dos santos;

8. A transubstanciação;

9. Os sacrifícios da missa;

10. Indulgências;

11. Salvação obtida pelas obras;

12. Veneração de Maria;

13. Entre outras.

O protestantismo pode ser entendido como sendo um ramo do cristianismo

que abriga diversas ideias e denominações religiosas diferentes entre si, como por

exemplo, os luteranos, os anglicanos, os metodistas, os presbiterianos e os

congregacionais.

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19

A partir dessas denominações protestantes surgiram, em um tempo mais

recente, as chamadas igrejas pentecostais e neopentecostais, popularmente

nomeadas no Brasil como igrejas evangélicas.

O termo evangélico nem sempre se refere aos protestantes, porém, a maioria

dos evangélicos consideram-se como protestantes.

Segundo o Censo 2010, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística), os evangélicos correspondem atualmente a 22% da população

brasileira, chegando a um total de 42 milhões de membros, sendo que dentre esses

grupos podemos destacar as 10 maiores igrejas, conforme mostra a tabela a seguir

(tabela 1).

Tabela 1: Ranking das denominações religiosas no Brasil

POSIÇÃO DENOMINAÇÃO Nº MEMBROS

1º Igreja Assembleia de Deus 12.314.410

2º Igreja Batista 3.723.853

3º Igreja Congregação Cristã no Brasil 2.289.634

4º Igreja Universal do Reino de Deus 1.873.243

5º Igreja do Evangelho Quadrangular 1.808.389

6º Igreja Adventista do Sétimo Dia 1.561.071

7º Igreja Evangélica Luterana 999.498

8º Igreja Evangélica Presbiteriana 921.209

9º Igreja Pentecostal Deus é Amor 845.383

10º Igreja Cristã Maranata 356.021

Fonte: Censo IBGE – Censo Demográfico 2010. Disponível em http://top10mais.org/top-10-maiores-denominacoes-evangelicas-do-brasil-censo-2010/ acesso em 01/09/2014

As igrejas protestantes podem ser divididas em três grupos principais: as

tradicionais, as pentecostais e as neopentecostais. As chamadas igrejas tradicionais

são formadas principalmente por aquelas igrejas iniciadas no período da Reforma

Protestante ou próximo desse fato e também são conhecidas como igrejas

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históricas. As pentecostais remontam a um período de reavivamento nos Estados

Unidos da América, entre os anos de 1906 e 1910. Já os movimentos

neopentecostais surgiram do pentecostalismo original, 60 anos depois.

No Brasil os principais grupos protestantes (ou evangélicos como são

chamados) atualmente podem ser classificados da seguinte forma:

Tabela 2: Ramificações das Igrejas Protestantes (principais grupos no Brasil).

TRADICIONAL PENTECOSTAL NEOPENTECOSTAL

Luterana Assembleia de Deus Universal do Reino de Deus

Presbiteriana Congregação Cristã no

Brasil Internacional da Graça de Deus

Anglicana Igreja do Evangelho

Quadrangular Renascer em Cristo

Batista O Brasil para Cristo Sara Nossa Terra

Metodista Deus é Amor

Adventista do Sétimo

Dia

Fonte: Diálogos Políticos.Wordpress. Disponível em http://top10mais.org/top-10-maiores-denominacoes-evangelicas-do-brasil-censo-2010/ acesso em 01/09/2014.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia é uma denominação protestante, porém

mais voltada às tradições do protestantismo que aos movimentos mais recentes

como o pentecostalismo e neopentecostalismo.

O movimento Adventista é oriundo de outro movimento denominado

“Movimento Millerita”, iniciado nos Estados Unidos da América por Guilherme Miller

(William Miller, em inglês), no qual se dava ênfase na pregação de que Jesus

voltaria a Terra novamente para salvar os pecadores justos que confiavam em sua

graça e em suas promessas.

Após estudar as profecias do livro de Daniel, especificamente no capítulo 8:14

sobre os 2300 dias/anos, combinando essas datas com os acontecimentos da

história do mundo, Guilherme Miller concluiu que Jesus voltaria mais ou menos entre

o ano de 1843 e 1844.

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As ideias de Guilherme Miller sobre esse assunto originaram o que é conhecido

como “Movimento Millerita”. Segundo Butler (1987, p.101) “o movimento era

composto por seguidores de diversas denominações religiosas dentre as quais

destacamos: Congregacionistas, Presbiterianos, Metodistas, Batistas, Quakers”.

Comentando esse fato White escreveu:

A profecia que mais claramente parecia revelar o tempo do segundo advento, era a de Daniel 8:14: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado.” Seguindo sua regra de fazer as Escrituras o seu próprio intérprete, Miller descobriu que um dia na profecia simbólica representa um ano (Números 14:34; Ezequiel 4:6); viu que o período de 2300 dias proféticos, ou anos literais, se estenderia muito além da dispensação judaica, donde o não poder ele referir-se ao santuário daquela dispensação. Miller aceitou a opinião geralmente acolhida, de que na era cristã a Terra é o santuário, e, portanto, compreendeu que a purificação do santuário predita em Daniel 8:14 representa a purificação da Terra pelo fogo, `segunda vinda de Cristo. Se, pois, se pudesse encontrar o exato ponto de partida para os 2300 dias, concluiu que se poderia facilmente determinar a ocasião dos segundo advento (WHITE, 1988, p.53)

Falando sobre o contexto histórico que envolvia essas ideias de Guilherme

Miller a respeito de uma data cronológica para o evento da volta de Jesus a Terra,

baseado numa compreensão profética da Bíblia, e inclusive mencionando o contexto

das pessoas que acreditavam e se envolviam diretamente nisso, nessa época, o

historiador marxista Eric Hobsbawm (2006, p.317), o descreve da seguinte maneira:

Somente entre os muitos pobres, ou entre os muitos abalados, é que a rejeição original ao mundo existente continuou. Mas era muitas vezes uma primitiva rejeição revolucionária, que tomava a forma de uma predição milenar do fim do mundo, e que as aflições do período pósnapoleônico pareciam (em linha com o apocalipse) antecipar. William Miller, fundador dos adventistas do sétimo dia nos Estados Unidos, predisse-o para 1843 e 1844, época em que já contava com 50 mil seguidores e com respaldo de 3 mil pregadores. Nas áreas em que o pequeno comércio e o pequeno trabalho camponês individual se achavam sob o impacto imediato do crescimento de uma dinâmica economia capitalista, como no estado de Nova York, este fermento milenar era particularmente poderoso.

Esse grande grupo de seguidores permaneceu fiel às ideias de Miller até 22

de Outubro de 1844, dia marcado pelos milleritas para a volta de Jesus, o que não

aconteceu, gerando um grande desapontamento entre essas pessoas.

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A partir deste grande desapontamento os milleritas se dividiram em vários

segmentos religiosos, dentre esses, o que viria a se tornar a Igreja Adventista do

Sétimo Dia.

1.1. Ellen White e a Educação Adventista

Neste capítulo apresentaremos brevemente um pouco da história, dos

contextos e da filosofia da Educação Adventista através do pensamento de Ellen

Gould White, que foi uma das precursoras e cofundadora da Igreja Adventista do

Sétimo Dia.

Como suporte histórico descreveremos o surgimento desse sistema

educacional nos Estados Unidos da América, berço da Igreja Adventista do Sétimo

Dia, e no Brasil.

Contextualizaremos também, de maneira breve, a Igreja Adventista do Sétimo

Dia no âmbito da realidade atual do protestantismo, levando-se em consideração o

posicionamento da igreja dentro do universo das igrejas protestantes tradicionais,

das igrejas pentecostais e neo-pentecostais.

Pretendemos mostrar o surgimento e fundação de algumas instituições

educacionais adventistas consideradas pioneiras, de modo que nos permitam

relacionar esses momentos com a história de construção da própria educação

adventista em si.

Para uma melhor compreensão, finalmente, mencionaremos o Movimento

Millerita como essencial para o surgimento do que se tornaria em um pensamento

adventista sistematizado e organizado dentro do corpo de suas doutrinas.

1.2. Surgimento da Educação Adventista

Atualmente a educação adventista está presente em todo o mundo. Sua

origem está ligada à própria fundação da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Como nos

lembra Enoch de Oliveira, nas suas origens “o adventismo se reduzia a um relevante

punhado de piedosos estudantes das profecias” (OLIVEIRA. 1986, p.11).

Para Renato Gross (2012, p.6), pesquisador da história da educação

adventista, a:

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Igreja Adventista do Sétimo Dia crê que tem uma missão a cumprir (...) para os adventistas, o cristão tem uma origem, uma promessa, um destino e uma esperança (...) isso se revela num senso de missão à luz das palavras do próprio Cristo: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações (...) ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado (Mateus 28:19, 20).

Diante desse “senso de missão” a igreja adventista historicamente procurou

se organizar de modo a permitir o desenvolvimento de departamentos e setores

dentro da própria instituição que permitissem a viabilidade e o pleno cumprimento da

tarefa de levar as informações do evangelho ao mundo “ensinando”; conforme

Mateus 9:35.

A figura abaixo mostra os líderes que participaram da Conferência Geral

(reunião em assembleia) da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Minneapolis, 1888.

Figura 1: Conferência Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Minneapolis, 1888.

.

Fonte: Centro de Pesquisas Ellen G. White – Centro Universitário Adventista de São Paulo

Disponível em: www.centrowhite.org.br

Com o passar do tempo a Igreja Adventista do Sétimo Dia desenvolveu-se,

ampliando sua atuação em todo o planeta, nos mais diversos segmentos, inclusive

na área da educação.

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1. 3. Ellen Gould White (1827-1915)

Na história da Igreja Adventista do Sétimo Dia, assim como na história de

implantação dos princípios educacionais que orientam a filosofia adventista de

educação, o nome de Ellen Gould White é destacado como sendo ela uma das

cofundadoras da igreja, e principal referência ao modelo de escolas e instituições

que se pretendiam instalar, primeiramente nos Estados Unidos da América e,

posteriormente em outros lugares do mundo.

Tendo nascido na costa leste dos Estados Unidos, no Estado do Maine,

desde tenra idade manifestava apego às crenças tradicionais protestantes,

principalmente diante das doutrinas metodistas às quais havia sido apresentada na

infância, por meio de seus familiares (GROSS. 2012 p. 12 e 13).

Durante sua vida destacou-se como escritora, oradora e conferencista,

ministrando palestras e sermões em lugares como Austrália, Europa e Estados

Unidos da América.

A figura abaixo mostra Ellen White em sua residência tendo nas mãos um de

seus livros.

Figura 2: Ellen G. White aos 72 anos (1899).

Fonte: Centro de Pesquisas Ellen G. White – Centro Universitário Adventista de São Paulo

Disponível em: www.centrowhite.org.br

Em seus trabalhos e escritos falou sobre educação, saúde, vida familiar,

história e religião, entre outros temas (GROSS, 2012); sendo que sua

impressionante carreira literária iniciou-se em 1851 com a publicação de sua

primeira obra, terminando anos mais tarde, em 1915, por ocasião de sua morte.

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Ao longo de sua vida escreveu milhares de páginas na forma de artigos que

eram publicados nas revistas “Signs of the Times” e “Review and Herald”, ambas

mantidas pela Igreja Adventista do Sétimo Dia nos Estados Unidos da América.

Na figura abaixo podemos ver a família White reunida e Ellen White ao centro,

tendo seu esposo Tiago White à sua esquerda.

Figura 3: A família de Ellen White em 1907.

Fonte: Centro de Pesquisas Ellen G. White – Centro Universitário Adventista de São Paulo

Disponível em: www.centrowhite.org.br

Através da influência do que escrevia sobre educação participou diretamente

da fundação e organização da Andrews University, em Michigan e da Loma Linda

University, na Califórnia; duas das maiores universidades adventistas no mundo.

Segundo Gross (2012), Ellen G. White está entre os autores norte-americanos

mais traduzidos de todos os tempos, sendo que é a autora feminina mais traduzida

no mundo, com obras disponíveis em mais de cento e cinquenta idiomas.

O livro “Educação”, escrito por ela em 1903, vem passando por diversas

reedições, sendo que as principais ideias da autora ali expressas se manifestam nos

mais diversos níveis escolares e educacionais, colaborando com a criação de uma

consciência/visão filosófica adventista em professores, administradores, pais e

alunos. A próxima figura mostra a família White reunida na cidade de Batlle Creek,

Ellen White

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no ano de 1864, num raro momento onde podemos ver seus dois filhos Edson e

Willie.

Figura 4: Ellen White com seus dois filhos, Edson com 16 anos e Willie com 10 anos e seu esposo Tiago. Foto tirada em Batlle Creek, em 1864. Foto: AC – EGWRC.

Fonte: Centro de Pesquisas Ellen G. White – Centro Universitário Adventista de São Paulo. Disponível em: www.centrowhite.org.br

Suas ideias sobre educação e ensino estão baseadas na Bíblia Sagrada, em

educadores e pensadores de sua época e também em sua forte base de formação

protestante (GROSS. 2012).

Na figura 5 a seguir vemos Ellen White ao centro com sua família, dois anos

antes de sua morte, em 1915.

Ellen White

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Figura 5: A família de Ellen White em 1913.

Fonte: Centro de Pesquisas Ellen G. White – Centro Universitário Adventista de São Paulo

Disponível em: www.centrowhite.org.br

Torna-se importante mencionar que, em 1915, quando Ellen White faleceu, na

Califórnia, constava entre os livros deixados em sua biblioteca particular um volume

de Horace Mann intitulado “Lectures on Various Subjects: Comprising Thoughts for a

Young Man”, New York, Fowler and Wells, 1864 (GRAYBILL e JOHNS, s.d., p.23).

Horace Mann (1796-1859) foi um notável educador e político norte americano

considerado por muitos como o pai da educação pública nos Estados Unidos. Suas

ideias estão ligadas ao pensamento do Marquês de Condorcet (1741-1794),

presidente da Assembleia Nacional durante a Revolução Francesa.

Para Condorcet a educação ou seu projeto educacional deveria se basear em

quatro princípios básicos:

1º nstrução universal independente dos vínculos do Estado;

2º livre concorrência entre instituições públicas e privadas;

3º predomínio das matérias científicas sobre as literárias;

4º coeducação de ambos os sexos;

Condorcet propunha ainda a divisão da instrução, colocando essas ideias na

forma de cinco “memórias” (GROSS. 2012 p.13):

1ª natureza e objeto da instrução pública;

2ª princípios e bases que norteiam a instrução;

3ª educação comum aos adultos;

4ª instrução relacionada aos professores;

5ª instrução relativa às ciências.

Ellen White

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As ideias de Condorcet não prosperaram por questões políticas, mas a

inovação deixada por elas espalhou-se pelo mundo.

Outros pensadores, nessa mesma época, também contribuíram para o debate

das questões educacionais como Kant (1724-1804) e Rousseau (1712-1778), que,

entre outras coisas, propunham a universalização do ensino.

Horace Mann então, se encarregou de importar para a América essas ideias

acerca das transformações que a educação poderia trazer para toda a sociedade.

Dentro desse contexto, onde vivia a família de Ellen White, na região da Nova

Inglaterra, entre os anos de 1830-1840, podemos dizer que houve um renascimento

educacional. Como salienta Gross (2012, p.16) “a eleição de Andrew Jakson em

1928 acentuou o caráter e urgência de elevar o nível educacional da nação norte-

americana”, pois se cada homem tinha o direito de votar, ele deveria ser letrado.

Além disso, as igrejas protestantes incentivavam seus membros à leitura da

Bíblia Sagrada, o que demandava uma necessidade efetiva de um processo de

alfabetização que contemplasse não somente as crianças, como todos aqueles que

tinham como objetivo a leitura das escrituras sagradas.

O problema enfrentado pelos americanos neste período era como oferecer

educação a esses diversos grupos da sociedade, tendo em vista um currículo

baseado nessas necessidades e princípios protestantes.

George Knight (1997, p.162), comentando sobre isso escreveu:

Mann e seus associados em todos os estados batalharam arduamente para aperfeiçoar os critérios e condições educacionais existentes nas três décadas anteriores à Guerra Civil. Eles tinham uma difícil batalha a cada frente. Por exemplo: havia relativamente poucas escolas públicas antes de 1830. Os ricos enviavam seus filhos para escolas elementares particulares ou lhes providenciavam tutores; enquanto isso os pobres dispunham de “escolas de caridade” com todo seu estigma explícito no nome, como sua única opção.

A despeito dos problemas e dificuldades a serem enfrentados em nome de

uma reforma educacional nesse período, nota-se que já na primeira metade do

século XIX havia uma estratégia protestante com um objetivo claro de construção de

uma “América Cristã”.

Robert T. Handy (1971, p.115) nos esclarece que:

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A maioria dos protestantes na América em 1890 viam a si próprios como pertencendo a uma religião nacional, uma religião civilizatória. Mais do que podiam supor, evangélicos estavam convencidos de que a sua civilização cristã estava na rota da vitória e perfeição. O que havia sido secundário na mentalidade evangélica no início do século, colocava-se agora como central, protestantes investiram mais e mais nas suas esperanças no progresso da civilização e no avanço de uma nação cristã. As igrejas divididas acharam um grande senso de unidade no trabalho em prol desta finalidade.

Havia na América do Norte nessa época um nítido desejo de construção de

uma nação protestante forte, unindo as mais diversas denominações religiosas

evangélicas em torno desse ideal, o que fez com que, entre os educadores

nacionais, também pairasse essa mesma vontade de unidade, motivados por essa

mesma causa.

Essa preocupação nacional com uma educação que visava uma “América

Cristã”, fez com que muitas ideias e iniciativas fossem colocadas em prática,

inclusive com a preocupação da manutenção de um currículo baseado nas

escrituras sagradas e que atendesse a esses objetivos protestantes.

Nesse período surgiu ainda em 1833, o “Oberlin College”, no noroeste de

Ohio, com o objetivo de manter um sistema de educação que contemplasse “o corpo

e o coração tão bem quanto o intelecto: seu alvo era a melhor educação do homem

integral” (KNIGHT, 1983, p.164).

A escola recebeu esse nome em homenagem a John Frederick Oberlin,

educador que realizou projetos e programas educacionais na França. O Oberlin

College ficava localizado na zona rural do Estado de Ohio e funcionava com a

proposta de uma escola fazenda. O lema da escola, “Aprendizagem e Trabalho”

traduzia bem a ideia de um projeto onde o aluno tivesse contato prático com a terra

e os conteúdos propostos, através do trabalho, conforme no logo da instituição, na

época.

A figura 6 mostra o logotipo utilizado pelo Oberlin College nos primeiros anos

de sua fundação, na década de 1830.

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Figura 6: Oberlin College, Ohio. Logotipo utilizado pela escola na época (1830).

Fonte: Oberlin College e Conservatory. Disponível em www.oberlin.edu.

Esse colégio mantinha uma filosofia evangélica de trabalho e era visto pelos

pioneiros adventistas como uma escola referência, uma escola modelo, inclusive

para as futuras escolas adventistas.

O que complementou ainda mais essa influência sobre a filosofia educacional

adventista foi o fato de que, em 1862, foi aprovada a Lei Morril de Concessão de

Terras, lei essa que incentivava a doação de grandes extensões de terras aos

estados para a criação de colégios:

Em 1962, o Congresso aprovou a Lei Morril que concedeu a cada Estado uma doação de 30.000 acres de terra para cada cadeira no Congresso. As rendas deveriam ser usadas para fundar um colégio no qual fossem ensinadas agricultura, artes mecânicas e ciências e táticas militares, ou para acrescentar departamentos para estas matérias nas instituições existentes. [...] Em 1890 o congresso aprovou uma lei fornecendo doações para manutenção desses colégios (EBY,1976,p. 504).

A figura 7 mostra a fachada do Oberlin College, na década de 1830.

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Figura 7: Fachada do Oberlin College, na década de 1830.

Fonte: Oberlin College e Conservatory. Disponível em www.oberlin.edu.

Uma das propostas principais desse novo modelo de colégio foi a mudança

em seu currículo escolar, afastando os clássicos gregos e ampliando a participação

dos textos bíblicos como base para outros estudos.

George Knight nos informa que o Oberlin College, com a proposta que

apresentava, acabava por atender aos interesses da chamada “América Cristã”.

Sobre isso escreveu que:

Um dos corolários para posição dos reformadores de Oberlin quanto aos clássicos foi o seu desejo de exaltação da Bíblia. Eles faziam ouvir este conceito enquanto clamam que `os poetas de Deus inspirando profetas é melhor para o coração e finalmente para o cérebro...se nós homenagearmos a Bíblia – se pusermos nos moldes a juventude a nós comissionada – devemos colocar Homero e seus seguidores nas sombras`. Era seu desejo fazer da Bíblia o livro texto em todos os departamentos de educação (, KNIGHT, 1997, p.165).

A figura 8 mostra a frente de um dos prédios do Oberlin College, que ainda

está em pé até os dias de hoje.

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Figura 8: Oberlin College. Ohio

. Fonte: Oberlin College e Conservatory. Disponível em www.oberlin.edu.

As concepções e ideias empreendidas no Oberlin College foram uma

inspiração para os pioneiros da igreja adventista, assim como para Ellen G. White

que, como já apreciava tais pensamentos sobre um modelo educacional a ser

trabalhado pela educação adventista, ampliou esse conceito de escola, adaptando e

transformando essas ideias para que a educação adventista tivesse o modelo de

internato que atualmente mantém.

Porém é importante lembrarmos que, apesar da referência que se tornara o

Oberlin College para a educação adventista, o Battle Creek College (primeira

instituição educacional adventista) não tinha exatamente os mesmos moldes desse

colégio, pois estava localizado numa região urbana e seu ensino estava baseado

numa proposta de educação clássica e tradicional, fato este que fez com que fosse

fechado por um ano entre 1882 e 1883.

Com a preocupação de buscar uma consciência educacional e implementar e

definir propostas, inclusive sob a orientação de Ellen G. White, a Associação Geral

da Igreja Adventista do Sétimo Dia criou o Departamento de Educação, em 1887,

realizando em seguida a primeira convenção de professores adventistas, com a

participação de trinta professores, oriundos de cinco escolas.

Outro momento importante para a consolidação do ensino adventista foi

quando em 1897 aconteceu a criação da Avondale School for Christian Workers

(Escola de Obreiros Cristãos de Avondale), na Austrália. Um fato importante no

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processo de criação e fundação dessa escola foi a participação e orientação pessoal

de Ellen White, fazendo dessa instituição padrão para as demais escolas que viriam

depois.

Posteriormente, aconteceu um processo de evolução internacional das

escolas e instituições adventistas. Knight (2004, p.23) nos informa que em 1890 a

Igreja Adventista mantinha cinco escolas secundárias, seis escolas fundamentais e

duas instituições de ensino superior. Dez anos depois, em 1900, havia 220 escolas

de ensino fundamental e 25 escolas secundárias e faculdades distribuídas ao redor

do mundo.

1.4. Educação Adventista

A Igreja Adventista do Sétimo Dia surgiu de um movimento religioso iniciado

no ano de 1844, nos Estados Unidos da América.

Com o passar do tempo os próprios membros que professavam a nova fé

adventista sentiram a necessidade de enviar seus filhos a uma escola que,

paralelamente ao trabalho missionário da igreja, cultivasse os mesmos princípios

cristãos.

A partir dessa necessidade de se estabelecer uma escola para os filhos dos

primeiros adventistas iniciou-se uma série de tentativas de criar um modelo de

escola que atendesse a essa demanda, bem como às expectativas dos familiares.

No ano de 1853 ocorreu a primeira tentativa de se estabelecer uma escola

adventista nos Estados Unidos da América, em Bucks Bridge, Nova Iorque. Em

Battle Creek, Michigan, em 1856, uma segunda escola foi estabelecida; sendo que

três anos depois as duas escolas fracassaram (TIMM, 2004). Em 1867, novamente

em Battle Creeck, aconteceu a terceira tentativa, sendo que desta vez essa escola

funcionou até o ano de 1870.

Para George Knight (2000), pesquisador adventista, entre os anos de 1863 e

1888, há um direcionamento especial para seu desenvolvimento institucional e o

estilo de vida, com sua ênfase na educação cristã.

Alberto Timm (2004), teólogo e historiador adventista, nos esclarece que,

oficialmente, a primeira escola mantida pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, foi

inaugurada na segunda-feira 03 de junho de 1872, em Battle Creek, tendo Goodloe

Harper Bell, um experiente professor de escola pública, como primeiro professor,

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lecionando para um grupo de 12 estudantes. A figura a seguir mostra a lateral da

primeira escola adventista no mundo, inaugurada por Goodloe Harper Bell, em 1872.

Figura 9: Escola de Goodloe Harper Bell, Battle Creek, Michigan, 1872.

Fonte: Centro de Pesquisas Ellen G. White – Centro Universitário Adventista de São Paulo

Segundo o autor citado: “Esta data tem uma grande relevância para a Igreja

Adventista do Sétimo Dia, pois foi considerada por seus membros como o ponto de

partida de seu sistema escolar denominacional”1 (TIMM, 2004, p. 12).

Os primeiros anos foram de intensas dificuldades e necessidades, uma vez

que ainda não se tinha uma concepção correta de como colocar em prática as ideias

deixadas por Ellen G. White, principalmente quando se tratava de currículo e método

de ensino. Faltava ainda uma compreensão e interpretação adequada dos princípios

educacionais deixados pela escritora (princípios estes que serão aprofundados mais

adiante).

Porém, o primeiro passo havia sido dado, restando agora à própria instituição

adventista a responsabilidade de organizar e sistematizar o ensino e as futuras

escolas para que pudessem atender a todas as expectativas dos membros da época

e dos futuros integrantes da igreja e de outros segmentos da sociedade naquele

período e, principalmente, os anseios da comunidade protestante.

1.5. História da Educação Adventista no Brasil

1 Alberto Timm utiliza o termo denominacional para se referir a escola como fazendo parte de um sistema

dentro da organização adventista (denominação adventista).

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Atualmente, a educação adventista no Brasil conta com 870 unidades

escolares, 19 mil professores e cerca de 290 mil alunos, distribuídos entre educação

infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação superior, além de manter 17

colégios em regime de internato, segundo dados divulgados pela Divisão Sul-

Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia2.

A despeito dos números atuais da educação adventista no Brasil o início

dessa trajetória educacional foi bastante acanhado e sem a pretensão de se tornar

na grande rede que hoje aí está. Gross (2012) afirma que a primeira Escola

Adventista no Brasil foi estabelecida no dia 1 de julho de 1896, em Curitiba, Estado

do Paraná, denominado Colégio Internacional de Curitiba, com uma matrícula inicial

de meia dúzia de alunos, encerrando o primeiro ano de existência com um total de

120 alunos (GROSS, 1996, p. 28). A figura a seguir mostra a fachada do antigo

Colégio Internacional de Curitiba, em 1897.

Figura 10: Colégio Internacional de Curitiba – PR, 1897.

Fonte: Centro de Pesquisas Ellen G. White – Centro Universitário Adventista de São Paulo Disponível em: www.adventismo.criacionismo.com.br.

Guilherme Stein Júnior, personagem importante na história da IASD no Brasil,

faz parte do grupo dos primeiros conversos no país e, por ser professor, um ano

depois, em 1897, tornou-se fundador da Escola Adventista de Brusque, localizada

no Estado de Santa Catarina (NEUFELD, 1996). A figura abaixo mostra a foto de

Guilherme Stein Júnior, o primeiro professor adventista no Brasil.

² Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia é um órgão administrativo da igreja para

a América do Sul.

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Figura 11: Guilherme Stein Jr. 1897.

Fonte: Centro de Pesquisas Ellen G. White – Centro Universitário Adventista de São Paulo. Disponível em: www.adventismo.criacionismo.com.br.

Michelson Borges (2001), educador e teólogo adventista, nos informa no seu

livro A Chegada do Adventismo ao Brasil que, a partir do ano de 1900, esta Escola

Adventista em Brusque já funcionava em regime de internato, onde os alunos

residentes moravam em um dormitório, trabalhando 26 horas semanais no espaço

da própria instituição para custear as despesas que tinham. Para Borges, a

modalidade de educação agroindustrial implantada nesse período em Brusque,

permitia a seus professores trabalhar a filosofia da educação adventista,

principalmente por valorizar atividades de prática e trabalho manual.

A figura 12 mostra a antiga construção da Escola Adventista de Brusque, em

Santa Catarina.

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Figura 12: Escola Adventista de Brusque, SC. 1897.

Fonte: Centro de Pesquisas Ellen G. White – Centro Universitário Adventista de São Paulo. Disponível em: www.adventismo.criacionismo.com.br.

Deste período em diante outras escolas e internatos adventistas foram sendo

construídos pelo Brasil dando forma ao que hoje é reconhecido como uma rede de

escolas distribuídas por todo o país atendendo a milhares de alunos.

1.6. PRINCÍPIOS / OBJETIVOS EDUCACIONAIS ADVENTISTAS SEGUNDO O

PENSAMENTO DE ELLEN G. WHITE

1.6.1. A Palavra de Deus - Bíblia

Uma das grandes influências sobre o pensamento educacional de Ellen G.

White foram as ideias de John Wesley (1703-1791), pastor e fundador da Igreja

Metodista. Dentre as principais ideias protestantes defendidas por Wesley,

relevantes ao pensamento whiteano, podemos destacar o retorno e incentivo ao

estudo da Bíblia (GROSS. 2012). Quanto a isso, White afirma:

Quando os professores se santificarem mediante a obediência à Palavra, o Espírito Santo lhes dará vislumbres das coisas celestiais. (... A ignorância não aumenta a humildade ou a espiritualidade de algum professor seguidor de Cristo. As verdades da Palavra divina podem ser mais apreciadas pelo cristão intelectual. Cristo pode ser mais glorificado por aqueles que O servem inteligentemente. O grande objetivo da Educação é habilitar-nos a usar as faculdades que Deus nos deu, de tal maneira que exponhamos melhor a religião da Bíblia e promovamos a glória de Deus (WHITE, 1999, p.146).

Para Ellen G. White a Bíblia Sagrada deveria ser o livro base para subsidiar

os princípios da verdadeira educação cristã. Ela ainda acrescenta:

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Nada há mais bem planejado para dar vigor à mente e fortalecer o intelecto do que o estudo da Palavra de Deus. Nenhum outro livro é tão poderoso para elevar os pensamentos, para dar vigor às faculdades, como as amplas e enobrecedoras verdades da Bíblia. Se a Palavra de Deus fosse estudada como deve ser, os homens teriam uma amplidão mental, uma nobreza de caráter, e uma estabilidade de propósitos que raramente se veem nestes tempos. A busca da verdade recompensará cada passo daquele que a procura, e cada descoberta abrirá campos mais ricos para a sua investigação (WHITE, 1994, p.460).

Mediante essas orientações a educação adventista tem se valido da Bíblia

como sendo referencial importante em vários aspectos, como por exemplo, na

pesquisa e elaboração de material didático para as séries iniciais do Ensino

Fundamental e Ensino Médio.

A Bíblia, segundo a concepção adventista de educação, fornece ao aluno

elementos para o crescimento e desenvolvimento moral e intelectual. Falando sobre

isso White escreveu:

Como meio para o preparo intelectual, a Bíblia é mais eficaz que qualquer outro livro, ou todos os outros livros reunidos. A grandeza de seus temas, a nobre simplicidade de suas declarações, a beleza de suas imagens despertam e elevam o pensamento como nada mais o faz. Nenhum outro estudo poderá transmitir tal poder mental como o faz o esforço para se compreenderem as verdades estupendas da revelação. A mente, elevada assim em contato com os pensamentos do Infinito, não poderá deixar de expandir-se e fortalecer-se (WHITE, 1968, p.124).

A educação adventista dá valor especial ao emprego da Bíblia como

referencial teórico, intelectual, moral, ético e pedagógico dentro do seu processo de

ensino-aprendizagem, por preconizar seus benefícios ao estudante que se apropria

de seu conteúdo e de suas lições.

Sendo assim, busca-se nas escolas adventistas estabelecer, através do

estudo da Bíblia, o diálogo entre seus temas e histórias com a vida e realidade dos

alunos. Cria-se também, por meio de um método conhecido como “Integração Fé e

Ensino”, a possibilidade da conversa entre Ciência e a Religião, entre a Razão e a

Fé.

Em relação a esse assunto Gross complementa as palavras de White quando

escreve que:

Bíblias, surradas pelo uso, serão o compêndio, e o educador adventista, o mestre, onde ambos – o compêndio e o mestre –

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permitirão que ocorra a simbiose entre a Ciência e a Fé num nível tal, que a Verdade irá brilhar, e não só brilhar, mas libertar o homem de sua condição de vazio e perplexidade (GROSS, 1997, p.58).

Finalmente, pode-se dizer que, para a educação adventista, a presença da

Bíblia sagrada no currículo das escolas, apresenta-se como fator de excelência

acadêmica para o desenvolvimento e formação dos alunos.

1.6.2. A Vontade de Deus

Para a educação adventista todo o saber e todo o conhecimento são

provenientes da vontade de Deus, pois Ele é fonte de toda a sabedoria. White afirma

isso ao dizer que:

Todo o saber e desenvolvimento real têm sua fonte no conhecimento de Deus... Qualquer que seja o ramo de pesquisa a que procedamos com um sincero propósito de chegar à verdade, somos postos em contato com a Inteligência invisível e poderosa que opera em tudo e através de tudo. A mente humana é colocada em comunhão com a mente divina, o finito com o Infinito. O efeito de tal comunhão sobre o corpo, o espírito e a alma está além de toda estimativa (WHITE, 1968, p.14).

Entende-se então que a prática educacional, para que seja de fato eficaz,

deve se fundamentar na divindade, uma vez que a autora acredita que a verdadeira

sabedoria provém de Deus e encontra-se em Deus. Reforça esse pensamento a fala

de White ao dizer que:

Muito se fala presentemente acerca da natureza e importância de uma educação superior. A verdadeira "educação superior" é transmitida por Aquele com quem estão a "sabedoria e a força" e de cuja boca "vem o conhecimento e o entendimento” (WHITE, 1968, p.14).

Fica evidente então nas afirmações de Ellen White a importância dada ao fato

de que, Deus, sendo o princípio da sabedoria e do conhecimento, deve exercer

papel central e fundamental na vida de qualquer estudante, pois assim sendo ele

estará “edificando sua experiência [...] em princípios eternos” (WHITE, 2000, p.36).

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1.6.3. Restauração do Homem

Baseado nas escrituras sagradas e diante de um contexto histórico houve

sempre, por parte dos seguidores de Jesus Cristo, o objetivo de trazer o Homem ao

estado natural novamente, como o era antes da queda no jardim do Éden, ou seja,

em uma vida sem a presença de pecado, promovendo-lhe meios para que se

desenvolvesse plenamente e se aproximasse ao máximo da imagem e semelhança

com o Criador. Os adventistas acreditam na criação literal de Deus (Gênesis 1:1), ou

seja, que Deus criou o homem, a partir de Adão e Eva, e depois desse momento

toda a raça humana se formou. Portanto, quando se fala em restaurar o homem, de

modo genérico, há uma clara referência a torná-lo ao que era antes do pecado, da

maneira como Adão e Eva foram criados. Sobre esse assunto White escreveu,

colocando como alvo final da Educação Cristã:

Restaurar no homem a imagem de seu Autor, levá-lo de novo à perfeição em que fora criado, promover o desenvolvimento do corpo, espírito e alma para que se pudesse realizar o propósito divino da sua criação – tal deveria ser a obra da redenção. Esse é o objetivo da educação, o grande objetivo da vida. O amor, base da criação e redenção, é o fundamento da educação verdadeira. Isso se evidencia na lei que Deus deu como guia da vida. O primeiro e grande mandamento é: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento. Amá-Lo – o Ser infinito e onisciente – de toda a tua força, entendimento e coração, implica o mais alto desenvolvimento de todas as capacidades. Significa que no ser todo – corpo, espírito e alma – deve a imagem de Deus ser restaurada (WHITE, 1968, p.16).

Podemos encontrar nesse e em outros textos de Ellen White a indicação de

uma pedagogia da restauração e pedagogia do amor, sínteses da pedagogia da

redenção (GROSS, 2012).

Nessa mesma concepção White aponta uma unidade entre educação e

redenção, quando afirma que:

No mais alto sentido, a obra da educação e da redenção são uma; pois na educação, como na redenção, ninguém pode por outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo (WHITE, 2000, p.17).

Para Suarez (2010), podemos entender redenção da seguinte maneira:

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a) Primeiro como um processo, um envolvimento pessoal no “plano da ciência

da salvação”.

b) Segundo, o conhecimento de Cristo e Sua doutrina, na forma de ensinos

evangélicos que efetuam “modificações no caráter humano”.

c) Em terceiro lugar, a redenção é o alvo a ser atingido, a restauração, o

retorno à perfeição em que o homem foi criado.

Então, é possível compreender, dentro de uma visão adventista de educação,

que cabe ao professor ensinar para restaurar, ensinar para redimir, ensinar para

salvar (GROSS, 2012). Reforçando esse conceito adventista da relação entre

ensino/redenção/restauração, a Divisão Sulamericana dos Adventistas do Sétimo

Dia, órgão administrativo da igreja com sede em Brasília, através da citação abaixo,

afirma que:

O ato de conhecer pode, por suas implicações, modificar o ser humano. Por isso a educação e a redenção são processos equivalentes. Isso alcança especial relevância no caso da experiência de conhecer a Cristo, que não é só um fato intelectivo. A Educação Adventista considera como conhecimento verdadeiro, progressivamente substanciado na experiência, a crença de que um Deus pessoal é uma realidade necessária e absoluta e que tudo o mais é contingente e relativo a Ele (Divisão, 2009, p. 39, 40).

1.6.4. A Natureza

Ellen White expressou em seus escritos sobre educação um profundo

interesse em aliar as lições que a natureza oferece ao processo de ensino-

aprendizagem e formação do caráter e personalidade dos estudantes. Podemos

perceber também que White é uma das precursoras do que se poderia chamar hoje

de “pedagogia ecológica”3 (GROSS. 2012 p. 67).

Ao escrever sobre esse assunto ela nos afirma que:

O mesmo poder que mantém a natureza opera também no homem. As mesmas grandes leis que guiam tanto a estrela como o átomo dirigem a vida humana. As leis que presidem a ação do coração, regulando o fluxo da corrente da vida no corpo, são as leis da

3 Gross utiliza o termo “pedagogia ecológica” para se referir aos ensinamentos deixados por Ellen White

quando trata de uma pedagogia onde a natureza e suas grandes lições passam a fazer parte do currículo das escolas, dentro de uma proposta criacionista de educação

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Inteligência todo-poderosa, as quais presidem as funções da alma. Dele procede toda a vida. Unicamente em harmonia com Ele poderá ser achada a verdadeira esfera daquelas funções. Para todas as coisas de Sua criação, a condição é a mesma; uma vida que se mantém pela recepção da vida de Deus, uma vida exercida de acordo com a vontade do Criador. Transgredir Sua lei física, mental ou moral, corresponde a colocar-se o transgressor fora da harmonia do Universo, ou introduzir discórdia, anarquia e ruína [...] Para aquele que assim aprende a interpretar Seus ensinos, toda a natureza se ilumina; o mundo é um compêndio, e a vida uma escola. A unidade do homem com a natureza e com Deus, o domínio universal da Lei, os resultados da transgressão, não podem deixar de impressionar o espírito e moldar o caráter (WHITE, 1968, p.99, 100).

Gross (2012, p.67) nos esclarece que “ao apontar a natureza como um

‘compêndio divino’ que, ao lado da Bíblia, aponta a Deus, White se coloca como

naturalista, criacionista e cristã”.

A partir dessas orientações a educação adventista incentiva seus alunos ao

estudo das importantes lições da natureza, atividades escolares ao ar livre, o cultivo

de hortas escolares, o conhecimento de fisiologia, os cuidados com o corpo e a

alimentação, o cuidado com o planeta. (GROSS. 2012).

White afirma também que:

A única sala de aula para as crianças de oito a dez anos, deve ser ao ar livre, entre as flores a desabrochar e os belos cenários da Natureza, sendo para elas o livro de estudo mais familiar os tesouros da mesma Natureza. Estas lições, gravadas na mente das tenras crianças por entre as agradáveis e atrativas cenas campestres, jamais serão esquecidas (WHITE, 1996, p.21).

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), também havia expressado suas ideias

em relação à importância da educação no campo, quando afirmou:

As cidades são o abismo da espécie humana. Ao cabo de algumas gerações, as raças morrem ou degeneram. É preciso renová-las, e é sempre o campo que traz essa renovação. Enviai, pois, vossos filhos, para que se renovem, por assim dizer, a si mesmos, e retomem nos campos o vigor que se perde no ar insalubre dos lugares povoados demais (ROUSSEAU, 1995, p. 7).

Segundo nos esclarece Gross (2012), a tese principal de Rousseau em

relação a esse assunto era a de que o homem é naturalmente bom, a sociedade o

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corrompe. Em 1762, falando sobre esse tema em O Emílio ou Da Educação,

Rousseau diz que: “Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo

degenera entre as mãos do homem” (ROUSSEAU, 1995).

Gross também reafirma que Rousseau acreditava que a educação feita no

campo é superior e preferível à obtida na cidade. (GROSS, 2012).

Nesse sentido existe uma grande concordância entre o que dizia Rousseau

sobre educar os filhos em contato com a natureza com o pensamento de Ellen White

sobre esse tema. Isso pode ser evidenciado quando ele diz: “É, sobretudo nos

primeiros anos que o ar age sobre a constituição das crianças. Em uma pele

delicada e macia, ele penetra por todos os poros, afeta poderosamente esses

corpos nascentes e deixa neles marcas indeléveis” (ROUSSEAU, 1995, p. 40).

White amplia esse conceito ao incluir, além do ar puro, a luz solar e a água

pura, quando nos afirma que “nada contribui tanto para promover a saúde e a

felicidade como viver num atrativo ambiente campestre [...]. Que Deus nos ajude a

fazer o nosso melhor a fim de utilizar o poder da luz solar e do ar puro” (WHITE,

1986, p.137).

Ambos, Rousseau e White, dentro dessa perspectiva, também concordam em

outros assuntos como os benefícios do regime vegetariano, as relações entre corpo

saudável e mente saudável, o equilíbrio das emoções (ROUSSEAU, 1995).

É importante ressaltar que Ellen White deu valor especial à utilização dos

espaços e lições da natureza quando trata de desenvolvimento saudável da criança,

equilíbrio emocional, e mesmo quando da utilização dessas lições como ferramentas

didático-pedagógicas (WHITE, 1996).

De acordo com esses objetivos, muitas escolas adventistas planejam suas

ações pedagógicas, de modo a permitir que seus alunos estabeleçam contato

prático com a natureza, relacionando esses saberes ao Criador e às obras de Suas

mãos.

1.6.5. Pensamento Reflexivo e Desenvolvimento do Senso Crítico do Aluno

Existe uma grande preocupação na pedagogia adventista quanto à formação

e desenvolvimento do aluno, enquanto estudante e agente no processo ensino-

aprendizagem, principalmente no que se refere a preparar esse aluno com um

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elevado senso crítico, formador de opinião, e não mero repetidor das ideias e

pensamento dos outros.

Desde os primeiros anos da educação infantil até os últimos momentos do

ensino superior os professores adventistas são convocados a permitir que seus

alunos desenvolvam senso crítico a respeito dos temas e assuntos que lhe são

propostos e, principalmente naqueles que lhes serão relevantes por toda sua vida,

seja como aluno, cidadão ou cristão.

Falando sobre esse tema White escreveu:

Cada ser humano criado à imagem de Deus, é dotado de certa faculdade própria do Criador – a individualidade – faculdade esta de pensar e agir. Os homens nos quais se desenvolve essa faculdade são os que encaram responsabilidades, que são os dirigentes nos empreendimentos e que influenciam caráteres . É a obra da verdadeira educação desenvolver esta faculdade, preparar os jovens para que sejam pensantes e não meros refletores do pensamento de outrem. Em vez de limitar o seu estudo ao que os homens têm dito ou escrito, sejam os estudantes encaminhados às fontes da verdade, aos vastos campos abertos a pesquisas na natureza e na revelação. Que contemplem os grandes fatos do dever e do destino, e a mente expandir-se-á e fortalecer-se-á (WHITE, 1968, p. 17).

Diante de afirmações como essa de White, professores e educadores

adventistas são estimulados a desenvolver suas atividades de maneira a permitir

que seus alunos sejam mais que assimiladores de conteúdos prontos, instigando-os

a pensar e agir, dentro de um processo dinâmico de ensino-aprendizagem, que

permita ao aluno questionar, interagir, duvidar; construindo uma maneira singular de

raciocinar, ser e agir, pautada nas grandes lições da natureza e na revelação.

Há também em White uma grande preocupação em que o aluno tenha

amplidão de espírito, clareza de pensamento e coragem em suas convicções

(WHITE, 1968). Fica evidente então que, para White, esse processo de ensino-

aprendizagem é mais do que uma questão de disciplina mental ou mero

adestramento, e que o estudante deve ser participante/pensante ativo na construção

de seu próprio conhecimento e currículo.

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1.6.6. Autonomia e Autenticidade – Valores Bíblico-Cristãos

Na busca por uma didática que contemple o aluno de maneira integral em

suas dimensões físicas, mentais, morais e espirituais, White procura estabelecer aos

educadores adventistas uma clara visão de que cada estudante precisa

desenvolver-se autonomamente, governando-se a si mesmo, pensando por si

próprio e senhor de suas próprias decisões.

Na perspectiva da autonomia proposta por White cada aluno, no amplo uso

de suas faculdades mentais, de sua vontade e poder de decisão, deve governar-se a

si mesmo e não ser governado ou guiado por outra pessoa.

O aluno deve aprender a resolver suas dúvidas e conflitos, baseado nos

princípios trabalhados em sala de aula com os professores. Comentando sobre esse

tema White escreveu que:

O que deveis compreender é a verdadeira força da vontade. Esta é o poder que governa a natureza do homem, o poder da decisão ou de escolha. Tudo depende da reta ação da vontade. O poder da escolha deu-o Deus ao homem; a ele compete exercê-lo (WHITE, 1990, p. 47).

Em outro momento, White falando ainda sobre o bom uso da vontade própria

em prol da autonomia do aluno, escreveu que “o espírito que confia no juízo de

outrem, mais cedo ou mais tarde será por certo corrompido” (WHITE, 1968, p. 231).

Dessa forma podemos entender o processo de ensino-aprendizagem proposto por

White contrário a tudo o que leva o aluno à mera aquisição de conhecimento ou

informação, quando:

A educação que consiste no exercício da memória, com a tendência de desencorajar o pensamento independente, tem uma influência moral que é pouco tomada em conta. Ao sacrificar o estudante a faculdade de raciocinar e julgar por si mesmo torna-se incapaz de discernir entre a verdade e o erro, e cai fácil presa do engano (WHITE, 1968, p. 230).

Sendo assim, pretende-se formar um estudante autônomo, responsável por

suas escolhas, capaz de compreender e administrar suas decisões e assumir

responsabilidade diante delas.

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1.6.7. Desenvolvimento Mental e Uso Correto das Faculdades Mentais

Como o já exposto, a educação adventista procura criar um tipo de aluno que

pense por si mesmo, autônomo, capaz de tomar decisões próprias e estabelecer

objetivos saudáveis, visando seu pleno desenvolvimento em todos os sentidos.

Porém, faz-se necessário a esse aluno aprender a utilizar suas faculdades mentais,

de maneira a favorecer esse processo de desenvolvimento, estabelecendo em si

mesmo a imagem e semelhança do Criador. Trata-se de o aluno utilizar sua

inteligência de maneira útil, dinâmica e vigorosa. White afirma:

O intelecto humano precisa expandir-se, e adquirir vigor, agudeza e atividade. Deve-se obrigá-lo a fazer trabalho árduo, pois do contrário tornar-se-á débil e ineficiente. É necessário energia cerebral para pensar com mais afinco; deve-se exigir do cérebro o máximo a fim de resolver e dominar problemas difíceis, se não haverá um decréscimo de vigor mental e da capacidade de pensar. A mente deve idear, trabalhar e esforçar-se a fim de dar solidez e vigor ao intelecto (WHITE, 1996, p. 226).

Os estudantes das escolas adventistas são encorajados a utilizar seu cérebro

de maneira esforçada e disciplinada, de modo a conduzi-lo dentro de uma

perspectiva saudável de crescimento e desenvolvimento. Deve haver esforço

individual para que isso aconteça como nos informa White:

O verdadeiro sucesso em cada setor de trabalho não é o resultado do acaso, ou acidente ou destino. É a operação da providência de Deus, a recompensa da fé e a prudência, da virtude e perseverança. Superiores qualidades mentais e elevado caráter moral não se adquirem por casualidade. Deus dá oportunidades; o êxito depende do uso que delas se fizer (WHITE, 2001, p.100).

Deve-se buscar a harmonia entre as faculdades moral, mental e espiritual

para que haja um pleno desenvolvimento do aluno, não privilegiando uma em

detrimento de outra.

Outro fator extremamente importante para o bom desenvolvimento mental do

estudante é o que trata das questões relacionadas à saúde do corpo. Para White um

físico saudável agirá em comunhão com as demais faculdades que integram a

saúde do corpo:

Desde que o espírito e a alma encontrem expressão mediante o corpo, tanto o vigor mental como o espiritual dependem, em grande

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parte, da força e das atividades físicas. O que quer que promova a saúde física promoverá o desenvolvimento de um espírito robusto e um caráter bem equilibrado. Sem saúde ninguém pode compreender distintamente suas obrigações ou completamente cumpri-las para consigo mesmo, seu semelhante ou seu Criador. Portanto, a saúde deve ser tão fielmente conservada como o caráter (WHITE, 1968, p. 195).

Dessa forma os processos mentais acontecerão harmoniosamente através de

seu corpo físico, mental e espiritual de maneira a permitir o desenvolvimento integral

e saudável do aluno no seu processo de crescimento e desenvolvimento acadêmico.

Vale ressaltar a importância que Ellen White dá a práticas de atividades

físicas como complemento e integração ao bom uso e desenvolvimento das

faculdades mentais.

Procura-se estabelecer nas escolas adventistas uma dieta vegetariana, de

modo a permitir que o aluno tenha, através de uma alimentação natural, meios para

que haja um bom funcionamento de seu corpo físico, bem como suas funções

cerebrais.

1.6.8. Espírito Cooperativo

É característica marcante e de extrema importância para a educação

adventista formar um verdadeiro espírito de cooperação e colaboração entre

alunos/alunos, alunos/professores, escola/família. Enfatizando a necessidade de

cooperação entre os alunos, White comenta:

A cooperação deve ser o espírito das salas de aulas, a lei de sua vida. O professor que adquire a cooperação de seus discípulos consegue um auxílio imprescindível na manutenção da ordem. Nos serviços da sala de aula muitos rapazes, cujo estado irrequieto acarreta desordem e insubordinação, encontrariam vazão à sua energia supérflua. Que os mais velhos ajudem aos mais novos, os fortes aos fracos; e, quanto possível, seja cada um chamado a fazer algo em que se distinga. Isso fomentará o respeito próprio e o desejo de ser útil (1968, p. 285 e 286).

Para White quando há na escola um ambiente de cooperação, principalmente

entre os alunos, isso faz com que se tenha a formação de estudantes menos

egoístas e mais prontos a trabalhar em prol de seus semelhantes.

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Entre outras coisas, para a educação adventista trabalhar a cooperação entre

as partes que atuam no ambiente escolar promove a disciplina e a ordem, pois dá a

oportunidade a cada indivíduo de esvaziar-se a si mesmo e trabalhar pelo bem do

grupo.

Sendo assim, uma vez que não há uma competição entre as pessoas que

compõem o ambiente escolar, principalmente entre os alunos, cria-se um ambiente

mais tranquilo e pacífico, livre da necessidade individual de um estudante apresentar

resultados melhores que o outro e vice-versa.

Na educação adventista os alunos são estimulados a obterem resultados

positivos tendo em vista o seu próprio desempenho, sem a intencionalidade de

compará-lo ao desempenho de seus colegas.

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CAPÍTULO 2 – PENSAMENTO SOBRE EDUCAÇÃO NA VISÃO DE

PAULO FREIRE: CONTEXTOS HISTÓRICOS E REFLEXÕES

EPISTEMOLÓGICAS

Neste capítulo mostraremos um pouco da obra e pensamento de Paulo Freire

levando-se em consideração sua biografia, o contexto histórico em que estava

inserido, a influência de suas ideias num cenário nacional e a relevância de seu

pensamento diante de uma realidade educacional atual.

Tentaremos estabelecer conexões histórico/sociais das ideias de Freire no

contexto histórico brasileiro, caracterizando as muitas misturas étnicas do povo e

suas formas de resistência diante da opressão, seja ela dos senhores, dos patrões,

dos mais ricos ou das classes dominantes que detém o poder; como forma de viés

para a discussão das relações sociais/culturais/educacionais entre oprimidos e

opressores, algo muito latente e fundante na obra do autor, em se tratando de

educação e processo de ensino aprendizagem.

Veremos também, por meio do pensamento de Freire e de outros autores, a

relevância da Educação Popular como meio de promoção de emancipação e

autonomia do aluno, principalmente quando consideramos esse aluno dentro de um

processo de ensino/aprendizagem, em que se propõe que o mesmo seja agente

atuante e não mero recebedor de conteúdos prontos.

Descreveremos de modo objetivo a condição como Freire entende o ser

humano em sua essência, o que nos permite tantas outras reflexões dentro do

campo da pedagogia. Como ele próprio afirma:

O cão e a árvore também são inacabados, mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. O homem pergunta-se: quem sou? De onde venho?Onde posso estar? O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação. A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isso leva-o à sua perfeição. A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem (FREIRE, 1993, p. 27-28).

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50

Partindo dessas e outras reflexões de Freire, tentaremos estabelecer de

modo dinâmico uma visão coerente de sua obra, tendo em vista as muitas conexões

e leituras que podem ser empreendidas a partir disso.

2.1. Biografia de Paulo Freire

Nascido em 19 de setembro de 1921, no Recife, Pernambuco, filho de

Joaquim Temístocles Freire, capitão da Polícia Militar, e Edeltrudes Neves Freire,

conhecida como Dona Tudinha.

Paulo Reglus Neves Freire é tido como uma das maiores expressões da

pedagogia mundial, sendo reconhecido e estudado por milhares de pessoas ao

redor do mundo.

A figura 13 mostra Paulo Freire na entrevista que concedeu à Revista Nova

Escola em 1992.

Figura 13: Paulo Freire em entrevista à Revista Nova Escola em 1992.

Fonte: www.acervo.paulofreire.org.br

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Em 1943 iniciou o curso na Faculdade de Direito do Recife, em Pernambuco.

No ano seguinte, em 1944, casou-se com Elza Maria Costa de Oliveira, professora

primária.

A figura 14 mostra Elza Maia Costa de Oliveira, primeira esposa de Paulo

Freire.

Figura 14: Elza Maia Costa de Oliveira, fotografada em 1942.

Fonte: www.acervo.paulofreire.org.br

Em 1946, exerceu o cargo de diretor do Departamento de Educação e Cultura

do Serviço Social da Indústria (SESI) no Estado do Pernambuco, momento este que

marcou o início do contato com analfabetos pobres. Já em 1961, foi para o

Departamento de Extensões Culturais da Universidade do Recife e, nesse mesmo

ano inicia suas primeiras experiências de alfabetização popular, seguindo na

construção de um método de alfabetização que o deixaria conhecido em todo o

mundo.

A figura 15 mostra Paulo Freire na cidade do Recife em 1996.

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Figura 15: Paulo Freire em Recife, Pernambuco, em 1996.

Fonte: www.acervo.paulofreire.org.br

Em 1963, a partir dessas primeiras ideias de alfabetização popular, ensina

300 cortadores de cana a ler e escrever em 45 dias, na cidade de Angicos, no Rio

Grande do Norte. Dado ao sucesso desse projeto é convidado a desenvolver essas

ações em todo o Brasil no governo do presidente João Goulart, por meio do Plano

Nacional de Alfabetização, que previa a implantação de 20 mil “círculos de cultura”

pelo país.

Com o Golpe Militar no Brasil em 31 de março de 1964 (1964-1985), foi

preso e forçado ao exílio. Nesse período, foi acusado de subversão, passando 72

dias na prisão, partindo para o exílio no Chile, onde escreveu Pedagogia do

Oprimido (1968), sua principal obra. Além desse livro, que se tornou um clássico

para a pedagogia atual, Freire foi autor também das seguintes obras:

Educação e atualidade brasileira. Recife, Universidade Federal do Recife,

1959.

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A propósito de uma administração. Recife: Imprensa Universitária, 1961.

Conscientização e alfabetização: uma nova visão do processo. Estudos

Universitários – Revista de Cultura da Universidade do Recife. Número 4,

1963.

Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra,

1967.

Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1971.

Cartas a Cristina. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1994.

Cartas a Guiné-Bissau. Registros de uma experiência em processo. Rio de

Janeiro. Paz e Terra, 1977.

Educação e mudança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1979.

Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução ao

pensamento de Paulo Freire. São Paulo, Moraes, 1980.

A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo:

Cortez Editora, 1982.

Aprendendo com a própria história. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

A educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora, 1991.

Pedagogia da esperança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1992.

Política e educação. São Paulo: Cortez Editora, 1993.

Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo, Olho

D´Àgua, 1993.

À sombra desta mangueira. São Paulo: Editora Olho d’Água, 1995.

Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.

Mudar é difícil, mas é possível (Palestra proferida no SESI de Pernambuco).

Recife: CNI/SESI, 1997.

Pedagogia da indignação. São Paulo: UNESP, 2000.

Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

A figura 16 a seguir mostra Paulo Freire em 1979, recebendo um dos vários

títulos Honoris Causa que ganhou durante sua vida:

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Figura 16: Paulo Freire recebe o título Honoris Causa da Universidade de Genebra, na Suíça, em 06

de junho de 1979.

Fonte: www.acervo.paulofreire.org.br

Lecionou na Universidade de Harvard nos Estados Unidos da América em

1969 e foi consultor do Conselho Mundial das Igrejas (CMI) em 1970, em Genebra,

na Suíça.

Ainda na década de 70, visitou a Zâmbia e a Tanzânia (1971) e,

posteriormente Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Moçambique e

Angola; lugares por onde realizou experiências e projetos na área educacional.

Retornou ao Brasil em 1980, depois de 16 anos de exílio, dedicando-se a

escrever mais dois livros: Pedagogia da Esperança (1992) e À Sombra desta

Mangueira (1995). Nesse período foi professor na Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo (PUC-SP) e na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

A foto a seguir mostra Paulo Freire com Dom Paulo Evaristo Arns na PUC em

São Paulo:

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Figura 17: Paulo Freire com Dom Paulo Evaristo Arns, no TUCA – Teatro da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, na Conferência “Diabolismo e Simbolismo”.

Fonte: www.acervo.paulofreire.org.br

Em 1989, foi Secretário de Educação em São Paulo no governo de Luiza

Erundina pelo Partido dos Trabalhadores (1989 - 1991).

Recebeu diversos prêmios importantes em vários lugares do mundo, entre

eles: 27 vezes o Doutor Honoris Causa, de Universidades como Cambridge,

Harvard, Oxford, o prêmio Educação para a Paz, pela ONU, em 1986, e o prêmio

Educador dos Continentes, pela Organização dos Estados Americanos, em 1992.

Paulo Freire morreu vítima de um ataque cardíaco aos 75 anos, em 02 de

maio de 1997, na cidade de São Paulo.

Com o passar do tempo o nome de Paulo Freire se tornou de extrema

relevância, principalmente em Países da África e América Latina, devido à sua luta

em ensinar os mais pobres e desfavorecidos.

Atualmente o nome de Paulo Freire está ligado a uma teoria e prática de

educação libertadora/progressista/emancipatória/humanizadora/transformadora e

suas ideias estão espalhadas por todo o mundo, não somente no campo

educacional, mas em diversas áreas ligadas às humanidades como um todo.

Símbolo de luta pela liberdade e democracia, Paulo Freire é motivo de

estudos e pesquisas em todo o mundo.

Sua obra é amplamente difundida no meio acadêmico, sendo ele, um dos

teóricos mais respeitados já há muitos anos, entre as maiores e mais importantes

universidades do mundo.

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2.2. O Pensamento de Paulo Freire – Contextos Históricos

Para entendermos a sociedade brasileira tal qual ela é, ou como está

atualmente, precisamos rebuscar elementos na história do país, bem como nas

relações estabelecidas entre as figuras do colonizador e do colonizado, dos

senhores e dos escravos.

Essa busca nos levará a algumas pistas para entender alguns aspectos do

comportamento da sociedade hoje e nos apontará os caminhos do futuro à frente.

Essas relações entre senhores e escravos permitiram a formação de hábitos

de vida e modos de comportamento deixados como herança ao processo de

colonização imposto ao povo brasileiro.

Certos perfis psicológicos se cristalizaram diante da figura do colonizador e do

colonizado. Perfis esses historicamente reproduzidos ao longo do tempo.

Portugueses e espanhóis preferiam a figura do escravo a uma vida de labor e

atividade. Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes do Brasil”, comenta esse fato da

seguinte forma:

Uma digna ociosidade sempre pareceu mais excelente e até nobilitante, a um bom português, ou a um espanhol, do que a luta insana pelo pão de cada dia. O que ambos admiram como ideal é uma vida de grande senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação. E assim, enquanto povos protestantes preconizam e exaltam o esforço manual, as nações ibéricas colocam-se ainda largamente no ponto de vista da Antiguidade clássica. O que entre elas predomina é a concepção antiga de que o ócio importa mais do que o negócio e de que a atividade produtora é em si, menos valiosa que a contemplação e o amor. (HOLANDA, 1995, p.44).

Entendemos assim que no processo civilizatório brasileiro havia uma vontade

de mandar por parte dos colonizadores e uma sujeição nem sempre pacífica por

parte dos colonizados, pois sempre existiram movimentos de resistência a esse tipo

de postura de colonizadores e senhores de escravos.

Jorge Caldeira em “Viagem pela História do Brasil” nos informa que:

Só havia uma maneira de os europeus sobreviverem nas novas terras: possuir um escravo que, caçando e pescando, lhes garantisse o sustento. Se tivessem um ofício, precisavam de auxiliares: se possuíssem terras, faziam com que os cativos as cultivassem (CALDEIRA, 1997, p.35).

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Do ponto de vista do escravo essa forma de colonização imposta pelos

europeus criou uma condição permanente de dominação, o que incomodava até ao

mais humilde dos serviçais.

Esse tipo de concepção e prática colonizadora na história do Brasil fez surgir

na própria sociedade, uma face de bipolaridade, numa relação chamada por Paulo

Freire de opressor X oprimido.

Ao longo de toda sua trajetória de vida, seja como pensador, educador,

professor ou militante político, Paulo Freire sempre apresentou de maneira muito

lúcida a forma como compreendia essas relações entre os oprimidos e os

opressores, não somente como estudioso aplicado do assunto, mas como sujeito

que, desde sua infância viveu e sentiu na pele os efeitos desse modelo de

colonização e de exploração de certos grupos da sociedade em detrimento de outras

camadas ditas “inferiores”.

Em Cartas a Cristina, livro publicado no ano de 1994 (Editora Paz e Terra),

Freire descreve de modo breve, porém significativo, a maneira como cresceu e viveu

dentro de um contexto histórico/social dominado pelas concepções vigentes à

época, em que se estabeleciam o mesmo tipo de relacionamento desigual entre

patrões e empregados, professores e alunos, chefes e subordinados, opressores e

oprimidos, tão denunciados por ele no decorrer de sua obra e de sua vida. Descreve

também a maneira democrática como foi criado e educado por seus pais que,

apesar de lhes não negar as liberdades que tinham, não lhes deixavam faltar no

momento certo a disciplina que o fez cidadão responsável, capaz de pensar

criticamente e democraticamente, seu jeito de viver e se comportar diante da

sociedade em que vivia.

Na menção que faz de sua família e o jeito como foi educado questiona as

posições autoritárias da sociedade em que vivia em Pernambuco, desde a vida

cotidiana em si até as relações mais complexas, em que aos poucos ia tomando

contato e fazendo a leitura de mundo que se exigia e, até onde sua compreensão,

naquele momento de sua vida o permitia fazer. Na verdade, o modo como fora

criado por seus pais, apresentava não só uma contradição em relação ao lugar onde

moravam, mas também em relação à própria sociedade brasileira da época, em que

o autoritarismo se fazia historicamente impregnado e tido como ideal para uma

sociedade melhor, mais disciplinada.

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Sobre o modo democrático como ele e seus irmãos foram educados

escreveu:

Minha experiência pessoal, em casa, nas relações com meus pais e meus irmãos, de que tenho falado em cartas anteriores, me havia tocado fortemente por seu caráter democrático. O clima em que vivíamos, em que nossa liberdade, tratada com respeito pela autoridade de nossos pais, era constantemente desafiada a assumir-se responsavelmente; o reconhecimento do passado brasileiro como um tempo densamente autoritário, girando quase em torno do poder exacerbado do senhor, da robustez desse poder e da fragilidade dos subalternos, de sua acomodação ou de sua rebeldia, tudo isso me direcionava a uma escola democrática, em que educadoras e educandos se dessem ao esforço de reinventar o clima tradicionalmente autoritário de nossa educação (FREIRE, 1994, p.144-145).

Na contramão do que experimentava em casa, Freire se sentia parte do

grande grupo dos oprimidos e explorados por uma sociedade capitalista em que

vivia, justamente por não aceitar as posições autoritárias e antidemocráticas que

presenciava nos relacionamentos que mantinha.

Mais do que o simples questionamento às práticas autoritárias que

presenciavam onde cresceram, Paulo Freire e seus irmãos tiveram, através de seu

pai, lições importantes de democracia, e o sonho de um mundo em que liberdade e

autoridade pudessem conviver saudavelmente sem que uma prática se

sobressaísse sobre a outra.

Além disso, entende que democracia, não somente enquanto conceito, mas

de maneira prática, é possível de ser ensinada, como caminho para a construção de

um país livre e igual para todos, gerando também a possibilidade de diálogo entre

professores e alunos, escola e família, pais e filhos.

Falando sobre a possibilidade de ensinar/aprender/praticar democracia

escreveu:

Ensinar democracia é possível, mas não é tarefa para quem pensa que o mundo se refaz na cabeça das pessoas bem intencionadas. Ensinar democracia é possível, mas não é tarefa para quem, só paciente, espera tanto que perde o “trem da história”, como não é tarefa para quem, só impaciente, põe a perder seu próprio sonho. Ensinar democracia é possível, mas não é tarefa para quem percebe a história e nela atua mecanicistamente, para os voluntaristas, “donos” da História.

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Engajar-se em experiências democráticas, fora de que não há ensino da democracia, é tarefa permanente de progressistas coerentes que, compreendendo e vivendo a história como possibilidade, não se cansam de lutar por ela, democracia. Esta é a demanda que nos faz aos progressistas a atualidade brasileira de cujo ser fazem parte contraditoriamente, de um lado, as tradições antidemocráticas, de outro a emersão popular no ensaio de superação do ciclo de governos militares inaugurado com o Golpe de Estado de 1º de abril de 1964. É esta a exigência que nos faz a sociedade brasileira atual, a de não perder tempo, a de não deixar para amanhã o que pudermos fazer hoje, quanto ao caráter democrático, ético de nossa prática. Quanto mais dramaticamente vivamos a contradição entre a herança bem viva, antidemocrática, e o gosto recente da liberdade, tanto mais devemos competente e responsavelmente estimular o gosto novo da liberdade (FREIRE, 1994, p.246).

Devido à sua vocação natural à educação e às questões do ensino e da

aprendizagem, naturalmente também, já nos primeiros anos, Freire introduziu aos

poucos a ideia de uma prática educativa emancipadora, libertadora, democrática.

Por meio das concepções que tinha de democracia e sua possível ligação

com a educação almejava construir um modelo de prática educativa, em que, dentro

do processo de ensino/aprendizagem, em qualquer das prováveis fases e etapas

que o compreendem, o aluno se sentisse participante ativo, compreendido em suas

peculiaridades e realidades históricas/sociais/culturais, respeitado e valorizado em

suas liberdades, amparado pela autoridade de um professor que, além de ensinar,

fosse capaz de aprender e se envolver no cotidiano desse aluno, compreendendo

sua realidade e sua razão de ser.

Durante toda sua vida Freire se dedicou a estudar e analisar as diversas

relações de desigualdade, explorações, contradições e ironias existentes entre o

opressor e o oprimido. Relações estas, compreendidas à luz das concepções

históricas, sociais e culturais. Entendia também que a complexidade dessa relação

desigual entre opressores e oprimidos, senhores e escravos, desgastava

naturalmente a ambas as partes ao longo da história, conforme escreveu:

A relação senhor-escravo a que se empreste o mais colorido disfarce, pouco importa, não desumaniza apenas o escravo, mas também o senhor. Do ponto de vista ético, e cresce cada vez mais a importância radical da ética, são ambos desumanizados. Não há, por isso mesmo, o que escolher entre ser dominador ou ser dominado. As indiscutíveis vantagens materiais de quem domina vão se esvaziando em face da resistência, qualquer que seja ela, de quem, ofendido, luta pela restauração ou pela “inauguração” da liberdade. Entre ser dominador ou dominado o caminho é o da utopia, o do

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sonho possível e concreto da liberdade. O caminho é o da luta sem trégua, bem vivida, astutamente planejada, com a malícia e a sagacidade da serpente e não só com a candura do cordeiro. Saliente-se, por isso mesmo, que a opção não pode ser a da imolação, a da desistência, mas a de quem se afirma na luta crítica em busca de sua autenticidade. É óbvio que esta não é uma luta fácil. Em primeiro lugar, é luta para gente teimosa, persistente, esperançosa, pacientemente impaciente. Gente hábil, curiosa, gente disposta a aprender com o diferente, a extrair saber de sua relação com o antagônico; gente politicamente competente, que não se isola, pelo contrário, que amplia, tanto quanto pode o número de companheiros de luta. Gente tolerante que sabe não ser possível fazer política sem concessão, mas que sabe também que conceder não é conivir (FREIRE, 1994, p.281).

Nesta forma de enxergar o mundo e as movimentações das classes sociais

ao longo da história, principalmente no Brasil, Freire direciona suas análises e

conclusões para resultados em que, tanto senhores quanto escravos, tornam-se

aprisionados por uma condição em que não há liberdade total a nenhuma das

partes, com resultados negativos e viciosos para os dois lados.

Outro fator relevante a ser considerado nas visões que apresenta do opressor

e do oprimido é o fato do desgaste causado ao opressor em razão da resistência

natural e inevitável por parte do oprimido. Resistência essa que, “esvazia” e danifica

aos poucos as possíveis vantagens que venha ter o opressor ao longo do tempo.

Torna-se relevante mencionar também que, nessas concepções e ideias

freireanas envolvendo as figuras dos opressores e dos oprimidos, há uma clara

visão de que a discriminação se apresenta como uma forma de contradição às

práticas da liberdade e da democracia.

Escrevendo sobre esse assunto nos esclarece que:

É mais fácil, porém, pelo menos parece, ao opressor que, homem e branco, discrimina – uma forma de oprimir – a mulher e o negro, em que pese dizer-se progressista, superar sua contradição do que o opressor que o é na razão de sua classe e de seu poder. O opressor em razão de sua classe pode inclusive dizer-se democrata, mas seu ideal democrático tem horizontes demasiadamente estreitos, não suporta um homem de cor perto dele. A democracia que ele defende se sente em perigo, ameaçada, se as classes populares enchem as ruas e as praças em defesa de seus direitos e de seus interesses. A substantividade democrática exige maior radicalidade ética. Não pode fazer vistas grossas a nenhuma forma de discriminação. Deste ponto de vista, para que progressistas trabalhem lado a lado com um autoritário, antidemocrático, é preciso que os progressistas se tornem reacionários, e o projeto deixe, então, de ser progressista ou que o autoritário se converta à luta progressista (FREIRE, 1994, p.276).

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As inúmeras contradições presentes no cotidiano de oprimidos e opressores

transformaram-se ao longo no tempo, movidos por discriminações, injustiças e

impunidades, em chagas terríveis que minaram a sociedade brasileira, mantendo

com o passar das décadas um entendimento fortemente equivocado, de que tais

práticas devem ser encaradas como “naturais” e passivas de serem aceitas como

normais, principalmente por parte das classes oprimidas, muitas vezes impedidas ou

incapazes de reverter essas situações, fazendo com que sua história fosse mais

digna e mais justa.

2.3. O Pensamento de Paulo Freire – Contextualização Filosófica

Sob a ótica da prática pedagógica, baseados nesta visão histórica de

sociedade apresentada por Paulo Freire, podemos situá-la dentro de uma corrente

denominada “progressista libertadora”.

Essa corrente pedagógica tem como base filosófica o humanismo, em que o

valor supremo é o ser humano, que procura deixar de ser oprimido, passando à

condição de participante ativo na construção de uma sociedade livre e democrática.

Apresenta a liberdade do ser humano, pretendendo-se a reconstrução de uma

sociedade, em que esse início se dá através da análise crítica do meio onde está

inserido, e do contexto imediato. Enfatiza a leitura crítica do mundo e expõe a

necessidade de um diálogo crítico (metodologia dialógica).

Desse modo, o homem deixa de ser um ser acabado, completo, passando a

ser um sujeito inacabado, sempre em processo de construção.

Diante dessas concepções de humanismo, Paulo Freire estabelece sua visão

do ser humano, com a seguinte declaração:

Como professor crítico, sou um “aventureiro” responsável, predisposto à mudança, à aceitação do diferente. Nada do que experimentei em minha atividade docente deve necessariamente repetir-se. Repito, porém, como inevitável, a franquia de mim mesmo, radical, diante dos outros e do mundo. Minha franquia ante os outros e o mundo mesmo é a maneira radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabado e consciente do inacabamento (FREIRE, 2002, p.55).

Entendemos então que Freire vê o homem como inacabado em busca do que

chama de uma “perfeição” possível de ser obtida por meio da educação. Aliás, Freire

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tem isso como sendo a raiz do processo educacional, de onde partem outras

iniciativas e possibilidades.

Outro fator importante dentro do processo educacional mencionado por Freire

é a possibilidade de o ser humano refletir sobre si mesmo e sobre sua própria

identidade, perguntando e gerando alternativas. Essa reflexão o leva a entender sua

posição no mundo e a maneira de como colocar-se diante dos outros.

Em se tratando de educação essa concepção humanista coloca o aluno no

centro do processo pedagógico e educacional, antes ocupado pela escola ou por

outros fatores que limitavam o desenvolvimento do aluno. Assim o aluno passa a ser

agente ativo em todas as atividades didáticas e pedagógicas da escola.

2.4. Alguns saberes necessários à prática educativa na visão de Paulo Freire

Ao longo de sua trajetória enquanto educador e pensador, Paulo Freire deixou

um legado extenso de textos e livros repletos de experiências, orientações e

reflexões, seja para alunos, educadores, mestres ou cidadãos. Como partes desse

legado importantíssimo em sua obra estão suas preciosas palavras referindo-se aos

saberes necessários à prática educativa em seu livro Pedagogia da Autonomia

(Editora Paz e Terra – 1997), quando resumindo em tópicos, apresenta de maneira

democrática a visão que tem do processo educacional, dentro da ótica histórica da

luta de classes e das contradições presentes nas relações entre opressores e

oprimidos.

2.4.1 Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos

O pensamento freireano, em seu modo prático de colocar a educação e o

ensino, torna como exigência fundamental o respeito às experiências e saberes

vividos pelos educandos no âmbito de sua realidade. Realidade esta, ancorada em

vivências sociais, culturais e históricas. Sugere também uma reflexão da prática

pedagógica, bem como um pensar profundo sobre a utilidade e relevância dos

conteúdos aplicados pelos professores.

Esses saberes dos educandos são oriundos de uma construção social através

de uma vivência comunitária. São saberes aprendidos e ensinados no cotidiano das

comunidades, dos bairros, de acordo com suas realidades e especificidades.

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Nessas comunidades em que se dão tais vivências e experiências desses

educandos, há saberes de extrema relevância e sentido para esses alunos, de modo

a permitir-lhes certas reflexões de si mesmos e dos porquês de sua própria

existência, nos contextos históricos e culturais onde estão inseridos.

Discutir essas realidades sociais e históricas criticamente pode não ser do

interesse das classes sociais dominantes, uma vez que, essa discussão pode

contribuir para a problematização de verdades históricas e fatos antes indiscutíveis,

permitindo que o educando pense e analise criticamente os temas que envolvem

seu modo de viver e pensar.

Essa postura crítica evidenciará a experiência de vida dos educandos nas

comunidades e locais onde moram e foram criados, revelando suas virtudes, suas

necessidades, colocando-os como sujeitos históricos, capazes de promover a

mudança, a transformação, capazes de refletirem sobre os problemas do lugar onde

vivem.

Consequentemente, essa discussão e reflexão, deve levar a uma associação,

principalmente por parte de educandos e educadores, entre a disciplina cujo

conteúdo se está ensinando com as vivências e convivências comunitárias

experimentadas ao longo do tempo.

Falando sobre esse assunto Freire nos diz que:

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos (FREIRE, 2002, p. 33 ).

Dentro desse contexto, fica estabelecida a ideia freireana de que, caso haja

uma necessária “intimidade” entre os componentes curriculares fundamentais dos

alunos e suas experiências sociais como indivíduos, tanto maiores serão as

transformações vividas e os aprendizados alcançados.

Essa forma de pensar sobre educação e ensino – aprendizagem tende a levar

educadores e educandos, ainda que a contragosto de certos educadores, porta-

vozes das classes dominantes, a um nível de discussão com implicações políticas e

ideológicas, permitindo uma visão mais clara dos contornos e das realidades sociais

das quais estes indivíduos fazem parte.

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2.4.2 Ensinar exige estética e ética

Nas concepções freireanas de educação ensinar vai muito além do que tão

somente depositar bancariamente conteúdo no aluno ou transferir mecanicamente

informações, numa dinâmica baseada unicamente na relação fria entre

professor/aluno, sem margem para outras possibilidades de conversas, diálogos ou

trocas de experiências/vivências.

Além desse jeito mecânico de ensinar pode haver um processo de

ensino/aprendizagem que exija mais, tanto do educando quanto do educador. Mais,

tanto no sentido ético, estético ou moral.

O ser humano, em sua conjuntura e essência histórico/social/cultural, faz-se

ao longo do tempo, capaz de enxergar, intervir, fazer escolhas, tomar decisões ou

romper com os próprios caminhos escolhidos, e isso o faz ético; ser moral.

Ainda pensando nessa dimensão ética e moral do ser humano no processo

educacional Freire comenta:

É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar (FREIRE, 2002, p. 37).

Assim, mais do simplesmente aplicar ou transferir conteúdos aos alunos, é

preciso levar em conta suas prerrogativas humanas, no âmbito de suas dimensões

éticas e morais. Daí o caráter formador desse jeito de tratar o educando.

Tais reflexões fazem com que pensemos em uma integração entre os

conteúdos básicos a serem ensinados com a formação moral do aluno.

Deve se permitir ao educando a possibilidade do “pensar certo”, e isto não

pode estar à margem da ética. Há que se buscar também profundidade na

compreensão e interpretação dos fatos, abrindo caminhos para a mudança e a

coerência das ações.

2.4.3 Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo

Uma das responsabilidades primeiras reservadas a qualquer educador que se

enxergue “bem sucedido” em sua tarefa de ensinar é trabalhar bem as palavras e

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expressões, conhecendo seus significados, sentidos e contextos. Porém, numa

análise maior do “ensinar” não há como fazer separação entre a palavra dita,

empregada ou ensinada pelo educador, com um exemplo vívido, coerente, digno de

ser imitado pelo educando.

Exige-se do educador, uma ampla coerência entre os valores e princípios que

prega com seu jeito de viver. Fica difícil a um aluno compreender a postura de um

professor que, fazendo uso da palavra, prega uma coisa e vive outra.

Freire faz um alerta quanto a isso, quando diz:

Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeificação do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo (FREIRE, 2002, p. 38).

Assim, o professor que pensa certo ou fala sobre determinado assunto de

modo correto e coerente, também testemunhará dessa forma de pensar através de

suas ações e atos, de modo que confirmem e amparem tudo isso. O educador que

pensa corretamente, provavelmente agirá corretamente.

Nas palavras de Freire: “Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal

que o re-diz em lugar de desdizê-lo” (FREIRE, 2002, p. 38). Isso faz das ações de

professores e educadores, ferramentas importantes no processo de

ensino/aprendizagem.

Os atos e as práticas de professores comprometidos devem corresponder

coerentemente com aquilo que ensinam em sala de aula.

2.4.4 Ensinar não é transferir conhecimento

A despeito dos muitos currículos e conteúdos que venham compor a vida

estudantil dos alunos ao longo de sua experiência escolar e acadêmica, é certo para

Freire que um professor ou educador que, verdadeiramente ensina, não se permitirá

ao longo de sua carreira profissional, tornar-se um transferidor compulsivo de

conhecimento apenas, num movimento autoritário, em que o estudante se limita

apenas à condição de ouvinte.

Falando sobre esse tema Freire esclarece que:

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É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção (FREIRE, 2002, p. 24-25).

Exige-se tanto do formando quanto do formador que, ambos, participem

juntos na construção e elaboração do conhecimento a ser vivenciado e

experimentado.

Nessa construção mútua do conhecimento ambos serão beneficiados, pois se

permitirão trocar conteúdos e saberes individuais e coletivos entre si.

Freire complementa isso, afirmando que:

É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 2002, p.25).

Na troca de experiências e saberes entre quem ensina e quem aprende, não

pode haver espaço para que um ou outro se tornem em objetos do processo,

mecânicos e fadados a essa condição. Ambos aprendem e ensinam compartilhando

saberes.

Docentes e discentes precisam estar integrados em volta do conteúdo a que

se propuseram compartilhar.

Deve-se criar então um ambiente aberto às indagações e curiosidades dos

alunos. Lugar onde o professor não se permita considerar-se como autoritário

arrogante em sua maneira de tratar com seus alunos, ou em sua forma de entender

o quanto sabe do conteúdo que pretende transmitir.

As expectativas e perguntas dos alunos, bem como suas curiosidades

poderão abrir caminhos para tantas outras conversas e descobertas.

Dessa forma o professor tem muito a ensinar a seus alunos, mas uma vez

que esteja aberto ao diálogo e a compartilhar novos saberes terá muito a aprender

também.

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2.4.5 Ensinar exige alegria e esperança

No dia-a-dia da prática pedagógica entre professores e alunos, seja no

ambiente da sala de aula ou em qualquer espaço da escola, ou onde haja outras

relações de aprendizagem, sempre haverá momentos e situações em que se exigirá,

tanto de educadores, quanto de educandos, alegria e esperança, seja para ensinar

ou para aprender.

A alegria é necessária para que catalise essas relações no processo de

ensino/aprendizagem, dando sentido ao que se faz e a quem o faz,

independentemente da posição em que se coloca, como educando ou educador.

A esperança deve mover o sonho de uma relação de união e integração entre

professor e aluno, em que ambos, conscientes de seu importante papel, aprendem e

ensinam juntos, trocam experiências e vivências, experimentam novos saberes,

inquietando-se juntos, produzindo juntos diversos tipos de conhecimentos.

A esperança está presente na condição e experiência histórica de cada

indivíduo, dando sabor e tempero às atitudes e decisões.

O ser crítico que sabe-se inacabado e por transformar-se e, provavelmente,

transformar e interagir com o mundo à sua volta, o faz porque, movido pela

esperança que tem, planeja e espera por um futuro melhor, ou que sua história de

vida seja construída da maneira com que sonha.

Comentando sobre esse tema Freire escreveu:

Por tudo isso me parece uma enorme contradição que uma pessoa progressista, que não teme a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que se bate pela decência, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa (FREIRE, 2002, p.81).

Essa visão, menos mecanicista da História, leva o ser humano a mover-se

dentro de um caminho de sonho, utopia e esperança. Necessitamos do sonho e da

utopia para pensar criticamente um futuro não determinista da História, em que as

coisas ainda estão por acontecer, a partir das ações dos indivíduos. É a “História

como tempo de possibilidade e não de determinação” (FREIRE, 2002, p. 84).

E, cultivando em si tal esperança, o indivíduo, ser humano crítico, consciente,

não aceita fatalisticamente as coisas e situações do mundo, como a miséria, a

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corrupção, a pobreza extrema, as injustiças sociais, os abusos. Revolta-se

justamente, sabendo que não pode aceitar tais situações em nome de que “a

realidade é assim mesmo”. Eticamente se põe em total indignação.

E assim, no cultivo dessa indignação, deve se mover democraticamente rumo

à mudança e transformação, seja ela social, cultural ou histórica.

Concluímos então que, na visão freireana de educação, ensinar exige mais do

educador do que simplesmente transferir conhecimento ao aluno. Deve haver troca

de saberes e experiências, respeito às realidades e contextos dos alunos, leitura do

mundo onde ambos vivem, o ensino deve ser compartilhado entre o educador e o

educando num processo em que ambos ensinem e aprendam.

Esses requisitos básicos apresentados por Freire em seu pensamento sobre

educação devem estar amparados pelo diálogo e pelos princípios democráticos da

liberdade.

Esse diálogo sugerido por Freire em sua forma de ver o mundo e a educação

permite também que suas ideias sejam comparadas ou confrontadas com o

pensamento de outros autores.

Sendo assim, no próximo capítulo faremos uma análise das ideias de Paulo

Freire comparando-as ao pensamento de Ellen White quando trata das questões da

educação e do ensino.

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CAPÍTULO 3 – ENTRECRUZANDO AS IDEIAS SOBRE EDUCAÇÃO

DE ELLEN WHITE E PAULO FREIRE: REFLEXÕES E DIÁLOGOS

POSSÍVEIS

Neste capítulo faremos uma comparação entre as ideias de Ellen White sobre

educação com o pensamento de Paulo Freire, tendo em vista as relações sociais

estabelecidas entre aluno e professor, aluno e escola, aluno e comunidade, entre

outros encontros que permeiam o processo educacional na concepção desses dois

autores.

Essa análise foi obtida a partir do diálogo possível das ideias e concepções

dos autores, uma vez que há pontos em comum na maneira como enxergam a

escola, o aluno, os processos sociais envolvidos no processo educacional, além da

visão espiritual que ambos têem em relação ao papel da educação.

Buscaremos estabelecer as relações do pensamento dos dois autores quando

tratam das práticas pedagógicas que levam o aluno a autonomia, a emancipação,

quando projetam o aluno como ser pensante e agente no processo de

ensino/aprendizagem, quando pensam o projeto educacional através do diálogo

entre os envolvidos, quando pensam a educação como forma de libertação do

homem, quando tratam a educação de maneira democrática e libertadora, quando

permitem a valorização do ser humano de maneira integral e totalizadora

(corpo,intelecto e espírito), quando dizem não à educação bancária e seu modo de

colocar o aluno na condição de mero receptor de conhecimento e conteúdo, quando

através da educação promovem a libertação do sujeito.

Sendo assim, pretendemos abordar as práticas didático-pedagógicas e o

modo como enxergam o processo educacional, tendo por base os possíveis

diálogos, uma vez que foi dada intencionalmente, ênfase maior às conversas e

diálogos que às tensões e controvérsias que poderão existir.

No decorrer deste capítulo abordaremos as ideias dos dois autores

analisados nesta pesquisa, principalmente onde haja conversa entre as duas formas

de pensar a educação, primeiramente, analisando as ideias de Ellen White e,

imediatamente depois, no tópico seguinte, o mesmo assunto na concepção de Paulo

Freire.

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3.1 O aluno na concepção de Ellen White

Ellen White em seus vários textos dedicados à educação se expressa de

forma a pensar um processo educacional onde haja a formação integral do aluno,

em suas dimensões físicas, mentais, intelectuais e espirituais. Mostrou-se ao longo

do tempo preocupada em transmitir a ideia de que, caso o aluno esteja bem

fisicamente, outras funções de sua existência se beneficiarão desse fator positivo.

Sobre isso, enfatizou que:

Desde que o espírito e a alma encontram expressão mediante o corpo, tanto o vigor mental como o espiritual, dependem em grande parte da força e atividades físicas. O que quer que promova a saúde física, promoverá o desenvolvimento de um espírito robusto e um caráter bem equilibrado. Sem saúde ninguém pode compreender distintamente suas obrigações, ou completamente cumpri-las para consigo mesmo, seus semelhantes ou seu Criador. Portanto, a saúde deve ser tão fielmente conservada como o caráter (WHITE, 1968, p. 195).

Busca-se neste contexto, incentivar os alunos a aprender sobre as relações

existentes entre o corpo e a mente. Se o corpo estiver saudável, a mente assim

também o estará.

A mente de cada aluno deverá ser educada de modo a permitir que

desenvolva hábitos de vida saudáveis, possibilitando essas conexões positivas entre

seu corpo e sua mente.

Porém, White faz um alerta, dizendo que:

Tudo quanto prejudica a saúde, não somente diminui o vigor físico, como tende a enfraquecer as faculdades mentais e morais. (...) O corpo deve ser posto em sujeição às faculdades mais altas do ser. As paixões devem ser confrontadas pela vontade que, por sua vez, deve ela mesma estar sob o controle de Deus (WHITE, 2001, p. 406).

A autora parte então do pressuposto de que, não somente preocupado com a

manutenção de um corpo físico saudável, cada aluno buscará, através do uso

inteligente da vontade, estabelecer para si mesmo hábitos elevados de conduta,

promovendo e conservando virtudes, que permitirão a construção e manutenção de

um caráter semelhante ao do seu Criador.

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A partir dessa educação da mente, com o cultivo de bons hábitos e virtudes, o

aluno, portador desses valores, deverá buscar, além do imediatismo humano,

estabelecer conexões com outros valores eternos. “Pense e diga cada aluno: Eu

estudo e trabalho para a eternidade” (WHITE, 1996, p. 229).

Sendo assim, todo o processo educacional deverá ser elaborado de modo a

permitir que o aluno desenvolva essas reflexões, pautada não somente no momento

presente, mas em valores eternos.

Os conhecimentos produzidos e adquiridos pelos alunos, também levarão em

conta esses parâmetros da eternidade4.

Reforçando essa ideia, White escreveu:

Fui instruída a dizer aos alunos: Elevai-vos na busca de conhecimento acima da norma estabelecida pelo mundo, segui por onde Jesus tem guiado (WHITE, 2000, p. 402).

Dentro desta perspectiva de aprendizagem o aluno será levado a reconhecer

que tudo o que aprende através das artes, da ciência, da matemática, só terá razão

de ser se houver ou estiver em completa harmonia com Aquele em quem se

centraliza a eternidade. Todo entendimento, todo saber vem através de Deus e Dele

emanam todas as fontes do conhecimento.

Para White:

Todo saber e desenvolvimento real tem sua fonte no conhecimento de Deus. Para onde quer que nos volvamos, seja para o mundo físico, intelectual ou espiritual, no que quer que contemplemos, afora a mancha do pecado, revela-se este conhecimento. Qualquer que seja o ramo da investigação a que procedamos com um sincero propósito de chegar à verdade, somos postos em contato com a Inteligência invisível e poderosa que opera em tudo e através de tudo. A mente humana é colocada em comunhão com a mente divina, o finito com o Infinito (WHITE, 1968, p. 14).

Fazendo uso dessa sabedoria e dessa fonte de conhecimento, vindos de

Deus, cada estudante deverá decidir-se por si mesmo que tipo de aluno será que

tipo de caráter deverá ter quais as virtudes a serem cultivadas para aprimorar e

desenvolver seu caráter e sua personalidade. Deve pensar por si próprio, refletindo

4 Quando White fala de “valores eternos” ou “eternidade” está se referindo a aspectos da doutrina adventista

que pregam que após o retorno de Jesus a este mundo (Volta de Jesus) os salvos serão levados ao Céu e lá, santificados, viverão com Ele, sem a presença do pecado, pela eternidade.

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sobre seu papel como aluno, cultivando o domínio próprio, sendo perseverante,

piedoso, fraterno e amoroso.

3.2 O aluno na concepção de Paulo Freire

Nas reflexões que Paulo Freire faz sobre o ato de estudar, muitas vezes

encontramos a relação dialética entre a alegria de estudar e a seriedade ao estudar.

No livro – “À Sombra desta Mangueira” (FREIRE, 1995) Freire estabelece, em

forma de retomada do que já havia escrito antes em outros de seus escritos, as

relações entre a alegria e a seriedade, presentes no ato de aprender e na figura do

aluno, demonstrando que somente através da liberdade e da democracia, deixando

de lado o autoritarismo e a licenciosidade, é que poderá haver êxito no processo de

ensino/aprendizagem (FREIRE, 1995).

Freire destaca que o aluno deve perceber que “o ato de estudar é difícil, é

exigente, mas é gostoso desde o começo” (FREIRE, 1991, p.95).

Ainda comentando sobre isso escreveu: “Saber é um processo difícil,

realmente, mas é preciso que a criança perceba que, por ser difícil, o próprio

processo de estudar se torna bonito” (FREIRE, 1991, p. 95)”.

Assim, Freire relaciona as dificuldades que o aluno enfrentará ao estudar,

com a alegria de novas descobertas, novos saberes, novas experiências.

A curiosidade do aluno aparece na visão freireana de educação, como

elemento fundamental, principalmente nos relacionamentos entre professor e aluno.

Desse modo, a educação baseada na pergunta aguça, estimula e reforça a

curiosidade, enquanto a educação da resposta pronta não ajuda, nem estimula a

curiosidade indispensável ao processo cognitivo (FREIRE, 1995).

Outro ponto importante na visão que o autor tem do aluno é que cada

educando traz em si um saber, fruto das muitas vivências e experiências que

acumula no meio histórico/sócio/cultural onde está inserido. Esses saberes,

adquiridos ao longo de um processo histórico de cada indivíduo, traduzem-se

também numa leitura de mundo que o aluno desenvolve ao longo do tempo.

Freire salienta que:

O desrespeito à leitura de mundo do educando revela gosto elitista, portanto antidemocrático, do educador que, desta forma, não

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escutando o educando, com ele não fala. Nele deposita seus conhecimentos (FREIRE, 1997, p. 139).

Daí então a importância do respeito recíproco entre educador e educando.

Docente e discente numa relação onde não há separação, onde quem ensina

aprende, e quem aprende ensina.

Nessa forma de pensar a educação, o educador, democraticamente, ajuda o

educando a envolver-se em seu próprio processo de educação, estimula-o a pensar

criticamente sobre si e sobre o mundo à sua volta. Como resultado desse processo

têm-se alunos emancipados, que leem o mundo e atuam para transformá-lo.

Dessa maneira o aluno passa a ser crítico, pensante, capaz de ler e avaliar

criticamente o mundo, criando e re-criando sua própria história de vida,

transformador de sua realidade, capaz de decidir e expressar-se inteligentemente

dentro do contexto de suas realidades e necessidades.

É importante lembrar que tanto White quanto Freire tem o aluno como

pensante, capaz de fazer reflexões críticas sobre si e sobre o mundo à sua volta.

White, por exemplo, condena as formas tradicionais de memorização que eram

usadas nas salas de aula em sua época, alegando que essa prática comprometeria

a capacidade de raciocínio dos alunos, enquanto que Freire também denuncia o que

chama de “educação bancária”; aquele tipo de ensino baseado na transferência de

conteúdos por parte do professor. Ambos concordam que o aluno tem que pensar

por si próprio, ser capaz de enxergar o mundo e se ver no mundo, estabelecer

conexões inteligentes e coerentes com aquilo que aprendem.

3.3 Quadro comparativo entre as ideias de White e Freire relacionadas ao aluno

O quadro 1 a seguir apresenta as principais ideias de White e Freire em

relação ao aluno:

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O ALUNO na concepção de White e Freire

Ellen White

Paulo Freire

Deve ser educado em suas dimensões integrais (físicas, mentais, intelectuais e espirituais).

Deve cuidar de seu corpo físico, pois se o físico estiver bem a mente estará bem também, promovendo a formação de um caráter equilibrado (hábitos de vida saudáveis).

Manter corpo e mente equilibrados.

Ser autônomo, capaz de pensar por si próprio e apto a tomar decisões inteligentes. Desenvolver pensamento crítico e raciocínio lógico.

Aprender através das grandes lições da natureza.

Ser educado para a eternidade (valores eternos). Tornar-se à semelhança do Criador.

Ter a Bíblia como fonte de conhecimento teórico e prático, através das lições deixadas por Cristo.

Deve ter alegria e seriedade ao estudar.

Deve ser curioso (educação baseada na pergunta).

Traz consigo um saber histórico/sócio/cultural (vivência e experiências do meio onde vive).

Deve fazer uma leitura/avaliação crítica do mundo (de sua experiência no mundo e de outros indivíduos que com ele se relacionam).

Deve ser livre e autônomo para pensar e agir.

Deve ser capaz de raciocinar e ter pensamento próprio.

Deve ser crítico, pensante, transformador de sua realidade, criando e re-criando o mundo à sua volta (emancipação).

Participar democraticamente como agente fundamental de seu processo de construção do conhecimento.

Estabelecer uma relação dialógica com o educador (aprender e ensinar)

Quadro 1: Diálogos entre o pensamento de Ellen White e Paulo Freire.

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3.4 O Professor na concepção de Ellen White

Em seus escritos sobre educação podemos perceber a importância que White

dá à figura do professor, em suas várias maneiras de tratar com o ensino e,

especialmente, com o aluno.

Não por acaso, escreveu:

Ao professor é confiada importantíssima obra – obra para a qual ele não deve entrar sem cuidadoso e completo preparo. Cumpre-lhe sentir a santidade de sua vocação, e a ela entregar-se com zelo e dedicação (WHITE, 2000, p. 229).

Certamente, uma obra tão importante, requer de professores e educadores,

atributos indispensáveis a quem se dedica a essa tarefa especial. Atributos esses,

que White faz questão de mencionar quando diz que:

Ninguém que lida com jovens deve ser de coração duro, e sim afetuoso, terno, compassivo, cortês, cativante e sociável; deve saber, no entanto, que precisam ser feitas repreensões, sendo até mesmo necessário proferir graves censuras para eliminar algum mau procedimento (WHITE, 1996, p. 456).

Esse tipo de conduta desejado por White para o professor faz com que cada

educador seja responsável pela formação do aluno, não só de modo teórico, mas

através de uma convivência prática, estando com o aluno e participando de

experiências pedagógicas, juntos.

Nessa perspectiva, o professor deve estabelecer laços de amizade e simpatia

com o aluno, cuidando de seu bem estar físico, mental e espiritual.

Dentre as muitas características positivas exigidas de cada professor para

que, efetivamente, consiga realizar um trabalho relevante na vida do aluno, White

destaca a paciência como essencial para o sucesso desejado durante o processo de

ensino/aprendizagem. Sobre isso apela ao silêncio como forma de reflexão, quando

diz que:

Quando um pai ou professor se torna impaciente e está em perigo de falar imprudentemente, fique em silêncio. Há um poder maravilhoso no silêncio [...] O professor deve esperar encontrar disposições perversas e corações rebeldes. Mas ao tratar com eles nunca deve esquecer-se que ele mesmo foi criança, necessitando de disciplina. Mesmo agora, com todas as vantagens da idade, educação e experiência, muitas vezes erra, e necessita de misericórdia e perdão. Tratando com os jovens, deve ter em vista que está a tratar com os que tem inclinação para o mal, idênticas às suas próprias. Com o aluno obtuso deve conduzir-se pacientemente, não censurando sua

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ignorância, mas aproveitando toda oportunidade para o animar. Com alunos sensíveis e nervosos, deve tratar muito brandamente. O senso de suas próprias imperfeições deve levá-lo constantemente a manifestar simpatia e clemência para com os que também estão lutando com dificuldades (WHITE, 1996, p. 456).

Essas declarações whiteanas sobre algumas condutas importantes para um

professor que leva à sério sua maneira de tratar com seus alunos, nos indicam

também que, mais do que puro conhecimento acadêmico ou científico, o professor

dedicado deve conduzir seus alunos com amorosidade e bondade, levando-os a

hábitos elevados de comportamento, principalmente através do relacionamento e

das experiências que têem juntos e, por meio do exemplo positivo que o professor

deve dar.

Cabe ao professor preparar-se cuidadosamente também, para que seja uma

luz a seus alunos, dentro do espaço da escola ou fora dele. Para White:

O verdadeiro professor não se contenta com pensamentos obtusos, espírito indolente ou memória inculta. Procura constantemente consecuções mais elevadas e melhores métodos. Sua vida é de contínuo crescimento. No trabalho de um professor nestas condições, há uma frescura e poder vivificador que despertam e inspiram seus alunos (WHITE, 1968, p. 278 - 279).

Concordando com Freire, White coloca a ideia de que o professor deve se

atualizar e se aperfeiçoar constantemente, de modo que, aprenda enquanto ensina,

pois, espera-se desse profissional que se torne “alguém que seja apto a ensinar e

como consagrado servo de Cristo, cresça em conhecimento enquanto transmite

instrução” (WHITE, 1994, p. 143).

Há uma intenção clara de White em transmitir a ideia de um professor que,

não neutro, estabeleça relações sociais positivas e significativas com seus alunos,

de modo que:

[...] deve ter a simpatia e intuição que o habilitem a descobrir a causa das faltas e erros manifestos em seus discípulos. Deve ter também o tato e habilidade, a paciência e firmeza, que o habilitem a comunicar a cada qual o auxílio necessitado: ao vacilante e comodista, uma animação e assistência que sejam um estímulo ao esforço; ao desanimado, simpatia e apreciação que criem confiança e assim inspirem diligência. Os professores muitas vezes deixam de entrar suficientemente em relação social com seus alunos. Manifestam pouca simpatia e ternura, e demasiada dignidade de um juiz austero. Conquanto o professor tenha de ser firme e decidido, não deve ser

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opressor e ditatorial. Ser áspero e severo, ficar longe de seus discípulos, ou tratá-los indiferentemente, corresponde a fechar a passagem pela qual poderia infligir neles para o bem (WHITE, 1968, p. 280).

Diante do texto exposto acima, é importante destacarmos as coincidências

nas palavras de White e Freire, quando se referem à opressão e comportamento

ditatorial por parte do professor. Ambos concordam que não pode haver

crescimento, seja para o aluno como para o professor, quando as relações

estabelecidas por estes baseiam-se na opressão.

Sendo assim, entendemos que Freire pensa em um professor democrático,

que não apenas ensina, mas que também se comporta como aprendiz, capaz de

estabelecer relações dialógicas com seus alunos.

White, por sua vez, pensa em um professor mais voltado para o exemplo, que

valoriza a coerência entre discurso e prática. Apresenta o professor como exemplo

para seus alunos e Cristo como exemplo e modelo para os próprios professores.

Coincidentemente também, em “Pedagogia da Autonomia”, Freire enfatiza que no

processo de ensino/aprendizagem deve haver a corporeificação das palavras pelo

exemplo.

3.5 O Professor na concepção de Paulo Freire

No pensamento de Freire encontramos algumas características principais

deixadas por ele acerca do educador e sua ação em relação ao aluno. Freire vê o

professor comprometido com sua causa, preocupado com o ser humano, inserido no

contexto e realidade do aluno, em constante aperfeiçoamento, voltado à democracia

e aos contextos históricos/sociais/culturais do aluno.

Acima de tudo Freire enxerga o educador, assim como qualquer profissional

que queira se tornar bem sucedido em sua área de atuação, comprometido com a

sociedade. No livro “Educação e Mudança” (FREIRE, 1979) o autor fala dos

compromissos do profissional com a sociedade, quando diz:

Não devo julgar-me, como profissional, “habitante” de um mundo estranho; mundo de técnicos e especialistas dos demais, donos da verdade, proprietários do saber, que devem ser doados aos “ignorantes e incapazes”. Habitantes de um gueto, de onde saio messianicamente para salvar os “perdidos”, que estão fora. Se

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procedo assim, não me comprometo verdadeiramente como profissional nem como homem. Simplesmente me alieno (FREIRE, 1979, p. 20 – 21).

Dessa forma, espera-se do professor, profissional da educação que, não se

aliene em seu mundo, ignorando os contextos e realidades da sociedade onde está,

principalmente quando tratar das questões referentes ao aluno e à escola.

Inserir-se na realidade do educando é condição essencial para um professor

comprometido com a verdadeira educação. Educação esta que, contempla

democraticamente os diversos papéis exercidos pela escola, pelo aluno e pelo

professor.

Recomenda ao professor uma educação solidária, democrática, deixando de

lado uma prática que chamou de “educação bancária”, onde o professor, transferidor

de conteúdos e conhecimentos, deposita no aluno toda uma carga de informações,

sem deixar espaço para que fale do meio onde vive e troque experiências e

vivências sociais. Essa concepção bancária de educação, segundo Freire, vale-se

principalmente, de argumentos e técnicas de memorização, o que faz do aluno um

mero receptor de conteúdos, na maioria das vezes, sem sentido e significado diante

de sua realidade de vida.

Na verdade, esse modelo de educação bancária, ocorre e transforma-se com

o passar do tempo, em um modo autoritário de como o professor conduz seus

alunos no processo de ensino/aprendizagem.

Na maneira democrática e participativa como Freire pensou a educação, no

livro “Pedagogia da Autonomia”, descreve o ato de ensinar dizendo que:

Não há docência sem discência

Ensinar exige rigorosidade metódica

Ensinar exige pesquisa

Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos

Ensinar exige criticidade

Ensinar exige estética e ética

Ensinar exige corporeificação das palavras pelo exemplo

Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de

discriminação

Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural

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Ensinar não é transferir conhecimento

Ensinar exige consciência do inacabamento

Ensinar exige o reconhecimento do ser condicionado

Ensinar exige respeito à autonomia do ser educado

Ensinar exige bom senso

Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos

educadores

Ensinar exige apreensão da realidade

Ensinar exige alegria e esperança

Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível

Ensinar exige curiosidade

Ensinar é uma especificidade humana

Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade

Ensinar exige comprometimento

Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no

mundo

Ensinar exige liberdade e autoridade

Ensinar exige tomada consciente de decisões

Ensinar exige saber escutar

Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica

Ensinar exige disponibilidade para o diálogo

Ensinar exige querer bem aos educandos

(FREIRE, 2002)

Entendemos então que Freire deixa bastante explícito o que se espera de um

professor comprometido com um processo educacional voltado ao diálogo entre

professor/aluno/escola/sociedade, quando estabelece esses critérios baseados na

liberdade, na autoridade e na democracia.

Comparando o pensamento dos dois autores, White e Freire, quando tratam

da postura e prática do professor, observamos que ambos exploram a questão do

diálogo e do exemplo.

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Sobre o diálogo no processo de ensino/aprendizagem ambos acreditam que o

professor tanto ensina quanto aprende ao ensinar na troca de experiência e saberes

com os alunos.

Em relação ao exemplo, também estabelecem que a palavra dita pelo

professor desacompanhada da prática torna-se incoerente e vazia. Mais do que

ensinar pelas palavras o educador deve ensinar pelo exemplo.

Finalmente, White e Freire concordam que o processo educacional deve ser

estabelecido dentro de uma relação de respeito e liberdade, onde alunos e

professores tenham oportunidade de crescimento e desenvolvimento.

3.6 Quadro comparativo das concepções de White e Freire sobre a figura do

Professor

O quadro 2 apresenta a seguir as principais ideias e concepções de White e

Freire sobre o papel do professor, principalmente em relação ao aluno e sua

maneira de ensinar, seja em sala de aula ou através do exemplo:

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O PROFESSOR na concepção de White e Freire

Ellen White

Paulo Freire

Deve ser afetuoso, terno, compassivo, cortês, cativante e sociável (amorosidade e bondade) (WHITE, 1996).

Deve cuidar do bem estar físico, mental e espiritual do aluno.

Deve ser prudente e paciente com o aluno.

Deve se aperfeiçoar constantemente.

Não deve basear sua relação com o aluno em práticas opressivas e, sim em liberdade e amor.

Deve estar voltado a dar bons exemplos de conduta e comportamento aos alunos (coerência entre o discurso e a prática).

Deve ter Cristo como modelo de professor (pedagogia/didática).

Deve ser comprometido com sua

causa (sociedade), com o ser humano (FREIRE, 1979).

Deve estar inserido no contexto e realidade do aluno.

Deve estar voltado à democracia e aos contextos históricos/sociais/culturais do aluno.

Deve praticar uma educação solidária, democrática e não uma “educação bancária”, onde arbitrariamente deposita conhecimento em seus alunos.

Deve estabelecer sua relação com o aluno baseada na autoridade e não no autoritarismo.

Deve ter a consciência de que seu aluno é um ser inacabado, em processo de crescimento e transformação.

Deve respeitar a autonomia do aluno.

Deve ensinar pelo exemplo (corporeificação das palavras pelo exemplo) (FREIRE, 2002).

Deve estar disponível para o diálogo e a reflexão.

Deve querer bem os educandos (amorozidade).

Quadro 2: Diálogos entre o pensamento de Ellen White e Paulo Freire

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3.7 A Escola na concepção de Ellen White

Em tudo o que escreveu sobre educação Ellen White demonstrou grande

preocupação com um ambiente apropriado para o aprendizado.

Imersa em um espírito pragmático norte – americano, defendeu em seus

escritos, ao falar de educação, que a parte teórica aprendida pelos alunos deve

estar associada a atividades práticas que possam dar sentido ao que se está sendo

ensinado. Sobre esse tema escreveu que:

A educação tirada principalmente dos livros conduz a uma maneira superficial de pensar. O trabalho prático provoca a observação minuciosa e pensamento independente (WHITE, 1968, p. 220).

Seguindo nessa linha de pensamento enfatizou o ensino prático aos alunos

como forma de capacitá-los a tornarem-se homens capazes de planejar e executar

tarefas, com o ânimo e a perseverança fortalecidos.

Associada a essa ideia White aconselha sobre a localização do prédio

escolar, quando diz que:

Na medida do possível, todas as escolas deveriam situar-se onde a vista possa repousar sobre as cousas da natureza, em vez de sobre um grupo de casas (WHITE, 1996, p. 322).

E acrescenta, quando estabelece que: “A natureza é um mestre vivo que ensina

constantemente” (WHITE, 1996, p. 322).

Nesse contato com a natureza e com a terra, White enxerga diversos

benefícios, tanto para os professores, quanto para os alunos.

E nesse envolvimento mútuo com a terra e a natureza, professores e alunos,

poderão fazer da agricultura e de atividades manuais, um currículo enriquecedor,

principalmente aos estudantes.

Ainda falando sobre isso, estimula a educação industrial nas escolas, dizendo

que:

O ensino manual merece muito mais atenção do que tem recebido [...]. Deve-se ministrar instrução em agricultura, manufaturas... Todo jovem ao deixar a escola, deve ter adquirido conhecimento em algum ofício... (WHITE, 1968, p. 218).

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Mais do que uma visão apenas tecnicista ou mecanicista de educação, White

relaciona esses conceitos de ensino prático com a educação integral a que deu tanta

ênfase no decorrer de toda sua obra relacionada à educação.

Preocupada com os aspectos físicos e materiais da escola, escreveu que:

Na ereção dos edifícios escolares, em seu mobiliário, bem como em todo aspecto de sua direção, cumpre exercer-se a mais estrita economia. Nossas escolas não devem ser manejadas segundo qualquer plano estreito ou egoísta. Devem assemelhar-se o mais possível a um lar, e ensinarem em todos os aspectos lições corretas de simplicidade, utilidade, economia e parcimônia (WHITE, 1976, p. 194).

Dessa maneira, pensa um prédio escolar com conforto aos alunos, porém

sem deixar de lado as importantes lições de economia e modéstia, sempre

presentes em sua forma de organizar suas ideias.

Semelhante a Freire, quando diz que pode haver aprendizado à sombra de

uma árvore ao ar livre, White incentiva os professores da educação adventista a

deixarem as salas de aula com seus alunos e desfrutarem dos benefícios do

convívio com a natureza.

Assim, White e Freire concordam que, num ambiente tranquilo e rico, como o

que a natureza proporciona, por exemplo, convivências amigáveis surgirão,

proporcionando o crescimento dos alunos, de modo individual e coletivo.

3.8 A Escola na concepção de Paulo Freire

Em diversos momentos de sua ampla obra sobre educação encontramos

Freire, ora questionando, ora criticando certos aspectos e modelos da escola

tradicional.

Para ele, a escola deve ser um lugar diferente do modelo estabelecido

historicamente pelas escolas tradicionais.

Comumente encontramos Freire referindo-se à escola, ou às escolas, como

“Círculos de Cultura”. Esse lugar idealizado por ele extrapola as concepções

tradicionais de “prédio escolar” e pode ser estabelecido em qualquer local.

Recordando sua infância e o modo como aconteceu boa parte de seu

aprendizado e alfabetização, escreveu:

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Fui alfabetizado no chão do quintal da minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro negro; gravetos o meu giz (FREIRE, 1975, p. 15).

Essas lembranças da infância o fazem refletir não só sobre a forma como

aprendia, mas as relações que aquilo poderia ter com o aprendizado de outros

indivíduos, de outras crianças.

E, descrevendo uma outra experiência que teve, agora já como educador, em

São Tomé, na África, fala dos Círculos de Cultura da seguinte forma:

Visitávamos um Círculo numa pequena comunidade pesqueira chamada Monte Mário. Tinha-se como geradora a palavra bonito, nome de um peixe, e como codificação um desenho expressivo do povoado, com sua vegetação, as suas casas típicas, com barcos de pesca ao mar e um pescador com um bonito à mão. O grupo de alfabetizandos olhava em silêncio a codificação. Em certo momento, quatro entre eles se levantaram, como se tivessem combinado, e se dirigiram até a parede em que estava fixada a codificação (o desenho do povoado). Observaram a codificação de perto atentamente. Depois dirigiram-se à janela da sala onde estávamos. Olharam o mundo lá fora. Entreolharam-se, olhos vivos, quase surpresos, e, olhando mais uma vez a codificação, disseram: “É Monte Mário. Monte Mário é assim e não sabíamos”. Através da codificação, aqueles quatro participantes do Círculo “tomavam distância” do seu mundo e o re-conheciam. Em certo sentido, era como se estivessem “emergindo” do seu mundo, “saindo” dele para melhor conhecê-lo. No Círculo de Cultura, naquela tarde, estavam tendo uma experiência diferente: “rompiam” a sua “intimidade” estreita com Monte Mário e punham-se diante do pequeno mundo da sua quotidianidade como sujeitos observadores (FREIRE, 1995, p. 43 - 44).

Essa experiência relatada por Freire nos leva a uma nova concepção de

escola, pois rompe radicalmente com as ideias tradicionais que temos do prédio

escolar e, de como os educandos devem se comportar nesse ambiente.

Os Círculos de Cultura são espaços que possibilitam o debate de ideias, a

reflexão crítica do mundo, a prática dialógica, a ampliação e desenvolvimento de

uma consciência crítica coletiva.

Mais tarde, associada à ideia dos Círculos de Cultura, Freire amplia esse

novo modelo introduzindo os Centros de Cultura.

[...] eram espaços amplos que abrigavam em si círculos de cultura, bibliotecas populares, representações teatrais, atividades recreativas

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e esportivas. Os Centros de Cultura eram espaços em que dialogicamente se ensinava e se aprendia. Em que se conhecia em lugar de se fazer transferência de conhecimento. Em que se produzia conhecimento em lugar da justaposição ou da superposição de conhecimento feitas pelo educador ou sobre o educando. Em que se construíam novas hipóteses de leitura do mundo (FREIRE, 1994, p. 155).

Esses lugares de aprendizado idealizados por Freire permitiam o diálogo livre,

as vivências e experiências sociais democráticas, a troca de saberes e

conhecimentos, as interações e produções conjuntas de conhecimento. Educador e

educando numa ação conjunta e livre de aprendizado.

Tanto Freire quanto White idealizam um lugar de aprendizagem fora dos

parâmetros da sala de aula. White, quando pensa em um lugar de aprendizagem

ligado à natureza e Freire quando pensa em uma aula ao ar livre ou em outro lugar

mais rico e dinâmico.

Dentro dessa perspectiva de ambiente de aprendizado proposta por White e

Freire, há um questionamento claro sobre os modelos e padrões tradicionais de sala

de aula que, segundo os autores, limitam e podam a capacidade de raciocínio dos

alunos.

3.9 Quadro comparativo sintetizando o pensamento de White e Freire em

relação à Escola

O quadro 3 a seguir coloca as principais ideias de White e Freire quando

tratam do ambiente físico da escola e o modo como esse espaço pode variar e

adaptar-se a outras realidades e contextos:

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Quadro 3: Diálogos entre o pensamento de Ellen White e Paulo Freire

A ESCOLA na concepção de White e Freire

Ellen White

Paulo Freire

Deve se localizar num ambiente voltado à natureza/campo (WHITE, 1996).

Deve proporcionar local para atividades práticas para os alunos (atividades manuais).

Deve proporcionar educação integral ao aluno (mente, espírito e intelecto).

Deve ser um lugar confortável, onde os alunos tenham liberdade para aprender.

Deve se assemelhar a um lar (WHITE, 1996).

Deve ser diferente dos modelos

tradicionais de escola.

Pode ser ao ar livre, numa comunidade, num clube social, numa igreja (Círculos de Cultura) (FREIRE, 1994).

Deve ser um lugar de debate crítico de ideias, lugar de reflexão crítica do mundo, diálogo livre, lugar de interações e produções coletivas de conhecimento (FREIRE, 1975).

Lugar de respeito aos saberes dos educadores e educandos.

Quadro 3: Diálogos entre o pensamento de Ellen White e Paulo Freire

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3.10 A Metodologia na concepção de Ellen White

Durante toda sua vida como adventista e escritora, Ellen White procurou

colocar a Bíblia como base à frente de tudo o que falava e, principalmente diante de

tudo o que escrevia.

Especificamente, falando de educação, sempre orientou professores e

educadores a colocarem a Bíblia como referência para a construção moral, ética e

espiritual dos alunos.

Tal era a importância que White reservara à Bíblia que, para ela “a Bíblia deve

tornar-se o fundamento e o assunto da educação” (WHITE, 1996).

Através do uso da Bíblia, como ferramenta essencial, White coloca a figura de

Cristo como exemplo para os professores, por meio dos métodos que o mestre

utilizava para ensinar. Sobre isso escreveu que:

Na instrução que Cristo deu a seus discípulos e às pessoas de todas as classes que vieram ouvir Suas palavras, havia aquilo que os elevava a um alto nível de pensamento e ação (WHITE, 1996, p. 581).

Em outro momento, acrescentou que: “Os métodos do ensino de Cristo, caso

sejam seguidos, darão poder e eficácia” [...] (WHITE, 1996, p. 456).

Por meio da indicação que White faz para que os professores tenham a Bíblia

como referencial, apresenta-lhes também que, a trajetória de Cristo como professor

e mestre deixam grandes lições de didática, ética e pedagogia.

Em seus métodos de ensino Cristo empregava lições colhidas das coisas

simples da vida, utilizava linguagem simples, valia-se das grandes lições da

natureza, misturava-se às pessoas e tratava-os com amor e respeito, gerando

confiança e esperança, pregava o serviço em prol do semelhante e a dedicação ao

amor e à vida (WHITE, 1968).Cristo foi um educador por missão e vocação e, a

Bíblia assim o revela, de modo que sua trajetória ali registrada serve até hoje como

referencial e modelo, quando tratamos de ensino e aprendizado.

Outro ponto importante abordado por White ao considerar as questões

metodológicas que envolvem a tarefa de ensinar é a preocupação com as questões

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sociais, principalmente nas relações entre os semelhantes. Preocupada com essa

questão, escreveu que:

Todas as coisas, tanto no Céu como na Terra, declaram que a grande lei da vida é a lei do serviço em prol de outrem (WHITE, 1968, p. 103).

Na concepção de White cada professor deve estar disposto a servir seus

alunos, demonstrando-lhes amor, afeto, bondade e paciência.

Há também em suas reflexões sobre educação uma preocupação com uso

excessivo da memória na aprendizagem, tão comum em seus dias e, ainda hoje, tão

enraizado nas propostas pedagógicas de muitas escolas.

Nesse alerta que faz sobre esse uso exagerado da memorização nos

processos de ensino, disse que:

A educação que consiste no exercício da memória, com a tendência de descoroçoar o pensamento independente, tem uma influência moral que é pouco tomada em conta. Ao sacrificar o estudante a faculdade de raciocinar e julgar por si mesmo, torna-se incapaz de discernir entre a verdade e o erro, e cai fácil presa do engano. É facilmente levado a seguir a tradição e o costume (WHITE, 1968, p. 230).

Em muito do que escreveu sobre educação, sempre alertou que o ensino

baseado em meros processos exagerados de memorização, fazia com que os

alunos deixassem de raciocinar e discernir entre a verdade e o erro. Há um incentivo

claro à utilização de processos mentais de raciocínio na construção do

conhecimento e aprendizado do aluno.

Vale lembrar também que White, já em seu tempo, foi uma voz a clamar

contra o tradicionalismo na educação. Falando sobre esse tema escreveu:

[...] em nossa obra educativa não devemos seguir os métodos adotados em nossas escolas antigas. Há entre nós [os adventistas] muito apego a velhos costumes (WHITE, 2000, p. 533).

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A citação acima nos deixa clara impressão de que White espera que o bom

professor esteja aberto ao novo, às novas práticas pedagógicas, novas técnicas e

métodos.

Entendemos então que White, ao falar de método de ensino, propõe a Bíblia

como referencial teórico e prático, tendo na figura de Cristo exemplo vivo de mestre

da didática e do ensino, propõe as interações com o semelhante através de um

serviço genuíno, baseado no amor e generosidade, alerta sobre os riscos dos

processos de memorização em excesso nos processos de ensino, incentiva a

utilização de novos métodos e técnicas e; finalmente, propõe que todo método ou

técnica de ensino deve visar à construção e enobrecimento do caráter do aluno.

3.11 A Metodologia na concepção de Paulo Freire

Ao analisar a compreensão que Freire tem dos processos de ensino e

aprendizagem, podemos afirmar que um dos princípios metodológicos principais que

estabelece é o diálogo.

Entende o diálogo como algo que faz parte da natureza humana e das

relações históricas dos seres humanos. Sendo assim, “o diálogo é a confirmação

conjunta do professor e dos alunos no ato comum de conhecer e re-conhecer o

objeto de estudo”. (FREIRE e SHOR, 1992, p. 124).

O aprendizado baseado no diálogo sugere que o professor seja consciente do

que sabe e mostre competência a seus alunos. Impõe que o professor haja com

responsabilidade, direcionamento, disciplina e objetivos definidos (FREIRE e SHOR,

1992). Implica também na participação democrática e livre dos alunos nas atividades

e exercícios comuns.

Escrevendo sobre o amor e o diálogo, no seu livro “Pedagogia do Oprimido”,

Freire acrescenta:

Somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nela estava proibido.Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo.Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens se recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante.O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se seus polos (ou um deles) perdem a humildade.Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro

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nunca em mim?Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros “isto”, em quem não reconheço outros eu?Como posso dialogar, se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são “essa gente”, ou são “nativos inferiores”?Como posso dialogar, se parto de quem a pronúncia do mundo é a tarefa de homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar?Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com ela?Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não tem humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais.Não há também diálogo, se não há uma imensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens.A fé nos homens é um dado à priori do diálogo [...]Sem esta fé nos homens o diálogo é uma farsa. Transforma-se, na melhor das hipóteses, em manipulação adocicadamente paternalista.Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um polo ao outro é consequência óbvia. Seria uma contradição se amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse esse clima de confiança entre seus sujeitos (FREIRE, 1987, p. 80 - 81).

Nota-se que Freire enfatiza o diálogo por meio do amor e da fé de que os

seres humanos poderão estabelecer uma relação de confiança e humildade.

Relação essa, capaz de permitir aos sujeitos uma leitura e releitura de mundo,

criando e recriando um clima suficiente para melhores aprendizados e reflexões.

Dentro dessa lógica freireana das leituras de mundos e de contextos o aluno

é colocado como alguém que precisa ser interpretado dentro dessas trocas e

interações, respeitando-se essas leituras e seus contextos.

Interessante também, é que para Freire não existe a leitura da palavra sem a

leitura de mundo. Necessariamente o aluno tem que compreender sua situação no

mundo e transformá-lo. Isso faz do processo de ensino um momento crítico, onde o

aluno deixa de decorar certos assuntos e passa a compreendê-los, tentando

entender certas situações e contextos.

Concordando com o modo de pensar de Paulo Freire, Ellen White também

entende a relação entre o professor e o aluno, motivada pela fé, amor e humildade.

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Assim como Freire, também estabelece uma relação entre a Palavra [Verbo Divino]

e a atitude do educador comprometido com seus alunos. Atitude esta que,

invariavelmente, passa pelo diálogo e pela fé de que se pode construir uma

educação assim.

Contra o autoritarismo na educação ambos estabelecem a lei do amor como

sendo a máxima e fio condutor para o diálogo; lugar de encontro.

Concluindo, podemos dizer que, em relação a método Freire incentiva

educadores e educandos ao diálogo, ao raciocínio, ao respeito às opiniões emitidas,

a uma leitura de mundo, a uma reflexão crítica da realidade e posicionamento ético.

3.12 Quadro comparativo referente à maneira como White e Freire pensam

sobre metodologia

A seguir o quadro 4 apresenta a forma como White e Freire entendem a

metodologia dentro do processo de ensino/aprendizagem a que s e propõe ao longo

de sua obra educacional:

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Quadro 4: Diálogos entre o pensamento de Ellen White e Paulo Freire

A METODOLOGIA na concepção de White e Freire

Ellen White

Paulo Freire

Deve ser baseada na Bíblia como

referencial teórico/prático (moral, ético, espiritual).

Ter em Cristo modelo ideal de didática e pedagogia.

Deve ser ancorada nas coisas simples (grandes lições da natureza).

Com ênfase na construção do conhecimento (White questiona as técnicas e métodos de memorização e decoreba utilizados em sua época).

Deve se basear no serviço em prol do outro (questões sociais).

Ênfase nos processos mentais de raciocínio (aluno pensante).

Propõe que todo método ou técnica de ensino deve visar o enobrecimento do caráter do aluno.

Tem seus princípios baseados no diálogo (amor, fé e humildade) (FREIRE, 1987).

Implica na participação democrática e livre dos alunos nas atividades.

Relação entre a leitura da palavra com a leitura de mundo (compreensão do mundo/contextos).

Baseada na reflexão crítica , pensamento crítico.

Compreensão e reflexão sobre os assuntos estudados.

Baseada em um posicionamento ético por parte dos educadores.

Quadro 4: Diálogos entre o pensamento de Ellen White e Paulo Freire.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste trabalho foi analisado o pensamento de Paulo Freire em seus

principais aspectos e as possíveis conversas e diálogos com a obra de Ellen White,

quando trata de educação e ensino.

Freire imergido em um contexto histórico/geográfico do Brasil do século XX e

Ellen White, nos Estados Unidos do século XIX; ambos com reflexões e ideias à

frente de seu tempo, fazendo com que suas obras quebrassem a barreira de sua

própria época, de modo a se tornarem universais, imortalizadas pela grandeza e

importância dentro do contexto da educação e da pedagogia.

Através da análise de muitos de seus livros e escritos sobre educação, e de

outros autores também, traçamos aqui um perfil interessante de como Freire e White

consideram a educação em seus múltiplos aspectos, como o papel da escola, do

aluno, do professor e o método a ser empregado.

Observamos também, através da comparação daquilo que escreveram sobre

educação, o modo como encaram o processo educacional e as propostas que tem

em relação aos diversos temas envolvendo a educação, a família e a sociedade.

Em White encontramos a ideia da educação que prepara o aluno para a vida,

em seus aspectos físicos, intelectuais, morais, espirituais e éticos, tendo a Bíblia

como referencial teórico e guia de instrução para tornarem práticos esses conceitos.

Notamos também a ênfase que dá a Natureza como espaço de aprendizagem e elo

de ligação entre a obra criada e o Criador, permitindo ao ser humano a reflexão de

que é um ser não apenas educável, mas capaz de quebrar barreiras e transpor

limites, visando todo o período de sua existência como aprendiz.

White, através de seus escritos enaltece, nessa ligação com a Natureza, os

aspectos positivos do trabalho, do enobrecimento do caráter, do crescimento

científico e literário.

Ao tratar ela da liberdade do ser humano, através da educação e da relação

com o Criador, contribuiu para que o espaço da escola se tornasse transformador,

democrático, contrário à realidade proposta pelos opressores.

Enfim, encontramos em White uma clara preocupação em apresentar um

processo educacional que prepare o aluno para a vida física, porém com ênfase na

conduta moral e cristã e, como abordamos ao longo do trabalho, preparando o aluno

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para assimilar valores eternos, aspectos estes que o tornam semelhante a seu

Criador.

Há em White a intenção de apresentar a ideia de libertação do ser humano de

tudo àquilo que o impede de alcançar o seu destino final, que é trazer em si a

imagem restaurada de seu Autor. Nesse conceito apresenta também a ideia de

educação como processo eterno, num trinômio: educação/libertação/redenção.

(WHITE, 1968).

Já Freire, por outro lado, apresenta suas ideias amparadas no

comprometimento com a libertação popular da opressão, das injustiças sociais, dos

descasos históricos das sociedades com os oprimidos. Posiciona-se explicitamente

ao lado dos “excluídos”, fazendo um resgate histórico das relações entre o opressor

e o oprimido, o colonizador e o colonizado. Solidariza-se com a causa dos menos

favorecidos e dos injustiçados pela sociedade ao longo da história. Pensa em um

mundo novo, baseado no amor e onde seja “menos difícil amar” (FREIRE, 1987).

Tanto Freire quanto White apresentam a ideia de mundo novo, recriando esse

conceito através do amor, do diálogo. Para White esse novo mundo tem aspecto

transcendental, mas Freire o vê dentro do contexto da realidade que nos cerca.

Freire vê nesse novo mundo homens libertados, enquanto White enxerga homens

redimidos. Ambos visualizam a possibilidade de mudança e transformação do ser

humano, ainda que de maneiras diferentes ou motivos diferentes.

Outro aspecto importante apresentado neste trabalho é que, seja em White ou

em Freire, há sempre a intenção de se estabelecer uma clara conexão entre teoria e

prática. Ambos apresentam suas concepções no campo filosófico, porém, reafirmam

que essas ideias desacompanhadas da prática tornam-se sem valor e eficácia em

relação ao desenvolvimento do aluno ou dos processos de ensino/aprendizagem.

Concordam nisso quando White afirma que não se pode separar a vida em dois

períodos distintos: aprendizagem e prática (WHITE, 1968) e, Freire quando lembra

que “separada da prática”, a teoria se transforma em simples verbalismo (TORRES,

1979).

Finalmente, apresento algumas propostas em relação a este trabalho que

acredito seriam interessantes para aqueles que desejarem conhecer mais sobre

Paulo Freire e Ellen White:

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a) que a obra de Ellen White e Paulo Freire sejam mais lidas e conhecidas,

principalmente no meio acadêmico e educacional;

b) que professores e educadores baseiem suas propostas pedagógicas nas

ideias libertadoras, dialógicas e redentoras, colocando esses ideais no cotidiano de

suas rotinas de trabalho;

c) que, além de o professor ensinar seu aluno a ler a palavra escrita, o ensine

também a ler o mundo, a interpretá-lo, a ter pensamento crítico, a ter opinião própria,

a transformar-se e ser um transformador da sociedade, a lutar por uma sociedade

mais justa, democrática, livre e cristã.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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