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Centro Universitário Adventista de São Paulo

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Page 1: Centro Universitário Adventista de São Paulo

Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo PauloFundado em 1915 ndash wwwunaspedubr

Missatildeo Educar no contexto dos valores biacuteblicos para um viver pleno e para a excelecircncia no servirccedilo a Deus

e agrave humanidade

Visatildeo Ser uma instituiccedilatildeo educacional reconhecida pela excelecircncia nos serviccedilos prestados pelos seus elevados

padrotildees eacuteticos e pela qualidade pessoal e profi ssional de seus egressos

Imprensa Universitaacuteria Adventista

Editor Renato Groger

Editor Associado Rodrigo Follis

Conselho Editorial Joseacute Paulo Martini Afonso Cardoso Elizeu de Sousa Francisca Costa Adolfo SuaacuterezEmilson dos Reis Renato Groger Ozeacuteas C Moura Betania Lopes Martin Kuhn

A Unaspress estaacute sediada no Unasp campus Engenheiro Coelho SP

Administraccedilatildeo da EntidadeMantenedora (IAE)

Diretor Presidente Domingos Joseacute de SouzaDiretor Administrativo Eacutelnio Aacutelvares de FreitasDiretor Secretaacuterio Emmanuel Oliveira Guimaratildees

Administraccedilatildeo Geral do Unasp

Campus Eng Coelho

Campus Satildeo Paulo

Reitor Euler Pereira BahiaProacute-Reitora de Poacutes-Graduaccedilatildeo Pesquisa e Extensatildeo Tacircnia Denise KuntzeProacute-Reitora de Graduaccedilatildeo Siacutelvia Cristina de Oliveira QuadrosProacute-Reitor Administrativo Eacutelnio Aacutelvares de FreitasSecretaacuterio Geral Marcelo Franca Alves

Diretor Geral Joseacute Paulo MartiniDiretora de Poacutes-Graduaccedilatildeo Pesquisa e Extensatildeo Francisca Pinheiro S CostaDiretor de Graduaccedilatildeo Afonso Ligoacuterio Cardoso

Diretor Geral Heacutelio CarnassaleDiretor de Poacutes-Graduaccedilatildeo Pesquisa e Extensatildeo Marcos Natal de Souza CostaDiretor de Graduaccedilatildeo Ilson Tercio Caetano

Campus Virtual Diretor Geral Valcenir do Vale Costa

Faculdade de Teologia Diretor Emilson dos ReisCoordenador de Poacutes-Graduaccedilatildeo Roberto Pereyra SuarezCoordenador de Graduaccedilatildeo Ozeas Caldas Moura

Faculdade Adventista deHortolacircndia

Diretor Euler Pereira BahiaSecretaacuterio Geral Marcelo Franca AlvesDiretora de Poacutes-Graduaccedilatildeo Pesquisa e Extensatildeo Tacircnia Denise KuntzeDiretora de Graduaccedilatildeo Siacutelvia Cristina de Oliveira Quadros

Campus Hortolacircndia Diretor Geral Alacy Mendes BarbosaDiretor de Poacutes-Graduaccedilatildeo Pesquisa e Extensatildeo Eli Andrade Rocha PratesDiretora de Graduaccedilatildeo Elna Pereira Nascimento Cres

EXPEDIENTEKerygma Engenheiro Coelho-SP volume 9 nuacutemero 1 1ordm semestre de 2013

ISSN 2237ndash7557 (versatildeo impressa) ndash ISSN 1809ndash2454 (versatildeo online)

Kerygma eacute um perioacutedico acadecircmico das aacutereas de Teologia com caraacuteter in-terdisciplinar e publicaccedilatildeo semestral Eacute elaborado pela Faculdade Adventis-ta de Teologia do Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) e publicado pela Unaspress

CONSELHO EDITORIALAdolfo Suarez Amin Rodor Berndt Wolter Edson Nunes Emilson dos Reis Humberto Moura Jader San-tos Jean Zukowski Lanny Soares Natanael Moraes Ozeas Moura Reinaldo Siqueira Renato Stencel Roberto Pereyra Rodrigo Silva Ruben Aguilar Seacutergio Festa Valdecir Lima Wilson Paroschi

COMITEcirc EDITORIALEditor Ozeas C MouraEditores Associados Rodrigo Follis Rodrigo Silva Jean Zukowski

CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVOAfonso Cardoso (Unasp Engenheiro Coelho) Alberto Timm (Biblical Research Institute EUA) Carlos A Steger (Universidad Adventista del Plata ARG) Cristhian Aacutelvarez (Colegio Adventista del Ecuador ECU) Ekkehardt Mueller (Biblical Research Institute EUA) Frank M Hasel (Seminar Schloss Bogenhofen AUT) Jiri Moskala (Andrews University EUA) JoAnn Davidson (Andrews University EUA) Joaquim Azevedo Neto (Faculdades Adventistas da Bahia Cachoeira) John K McVay (Walla Walla University EUA) Maacutercio Costa (Faculdade Adventista da Amazocircnia Benevides) Marcos de Benedicto (Casa Publicadora Brasileira Tatuiacute) Miguel Aacutengel Nuacutentildees (Universidade Peruana Unioacuten PER) Reinaldo Siqueira (Salt-DSA Brasiacutelia) Richard M Davidson (Andrews University EUA) Rivan M dos Santos (Campus Adventiste du Saleve FRA) Victor Choroco (Universidade Peruana Unioacuten PER) Wagner Kuhn (Institute of World Mission Global EUA)

SISTEMA DE AVALIACcedilAtildeO DE TRABALHOSAs contribuiccedilotildees satildeo apreciadas em primeiro lugar pelos editores e editor associado objetivando a verifica-ccedilatildeo dos requisitos formais de apresentaccedilatildeo de trabalhos Uma vez aceitos em primeira instacircncia os textos sem identificaccedilatildeo de autoria satildeo submetidos a dois pareceristas membros do Conselho Editorial Consultivo Em caso de pareceres contraacuterios o texto eacute submetido a um terceiro avaliador Os resultados satildeo comunica-dos aos autores tanto em caso de rejeiccedilatildeo como de aprovaccedilatildeo ou aprovaccedilatildeo com necessidade de ajuste

Revista indexada nas seguintes bases de dados1 Latindex2 ATLA Religion Database3 Sumaacuteriosorg4 LivRe

A Revista Kerygma utiliza o Sistema Eletrocircnico de Editoraccedilatildeo de Revistas (SEER) software desen-volvido para a construccedilatildeo e gestatildeo de publicaccedilotildees perioacutedicas eletrocircnicas traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informaccedilatildeo em Ciecircncia e Tecnologia (IBICT)

Esta revista se encontra sob a Licenccedila Creative Commons Attribution 30O Conselho Editorial natildeo assume a responsabilidade pelo material publicado nesta revista Os trabalhos publicados representam o pensamento dos autores

Kerygma ndash Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo v 9 n 1 (1ordm se-mestre de 2013) Engenheiro Coelho SP Unaspress ndash Imprensa Universi-taacuteria Adventista 2013

Semestral

ISSN 2237ndash7557 (impressa) 1809ndash2454 (online)1 Teologia2 Ciecircncias da Religiatildeo

K419

CDD 200CDU 20

FICHA CATALOGRAacuteFICA

Unaspress

Editoraccedilatildeo Rodrigo Follis Ozeas C MouraRevisatildeo Juliana Castro Renato GrogerProgramaccedilatildeo visual Flaacutevio LuiacutesCapa Marcio TrindadeDiagramaccedilatildeo Faacutebio Roberto Baacuterbara KatherinneNormatizaccedilatildeo Giulia PradelaRevisatildeo de abstracts Ingrid Lacerda

Editorial 7Rodrigo Follis

Artigos

O Espiacuterito Santo nas Epiacutestolas Paulinas 15Roberto Pereyra Suaacuterez

Os 144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja 35Mabio Coelho

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual de Lucas 2243-44 53

Luan Henrique Gomes Ribeiro Wilson Paroschi

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedica-social 67

Jorge Lucien Burlandy

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de L R Conradi 87

Renato Stencel Alex Voos

Sumaacuterio

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica 115Reacutegerson Molitor da Silva

Um estudo sobre a morte em Lucas 1619-31 131Adenilton T de Aguiar Diego Rafael da S Barros

Resenha

Os adventistas e a identidade da Lei em Gaacutelatas 147Leandro Quadros

Normas para publicaccedilatildeo 155

Permutas 163

bullEditorialbull

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo

Rodrigo Follis1

Muitas epistemologias teoloacutegicas aceitas na atualidade foram produzi-das na proacutepria modernidade ou se utilizaram dos recursos argumentativos inerentes a tal periacuteodo Assim eacute possiacutevel argumentar que ainda vivemos em grande parte uma religiosidade calcada em diversos pensamentos filosoacutefi-cos provindos da modernidade

Ao abordar o sentido do termo ldquomodernidaderdquo Pierre Sanchis (1997) afirma que ela seria ldquoa representaccedilatildeo ideal do indiviacuteduo portador de uma ra-zatildeo uacutenica de uma decisatildeo soberana que se exerce nos quadros de uma loacutegica universalrdquo Assim no auge da ciecircncia moderna se delimitava a atitude cien-tiacutefica agrave busca de conhecimentos de leis e princiacutepios que regessem a realidade Sendo que por realidade se entendia algo estaacutetico determinado mecacircnico e regulado por leis fixas (vemos tal realidade por exemplo na doutrina posi-tivista) Um conhecimento baseado na formulaccedilatildeo de leis tem como pres-suposto a noccedilatildeo de ordem e de estabilidade do mundo de que o passado se repete no futuro (SANTOS 1999 p 17 ver 2000)

Alguns autores chegam a afirmar que a exacerbaccedilatildeo de tal pensamento foi uma das causadoras da atual fragmentaccedilatildeo do modernismo Assim a desilusatildeo humana com as promessas da era da razatildeo e da ciecircncia teriam sido enormes Para exemplificar podem ser citadas a ldquourbanizaccedilatildeo extremamen-te desumanizante a monstruosa desigualdade social a induacutestria de morte de armas e das drogas a construccedilatildeo de campos de concentraccedilatildeo a confec-ccedilatildeo e explosatildeo das bombas atocircmicasrdquo (LIBAcircNIO 1998 p 62)

1 Doutorando em Ciecircncias da Religiatildeo e Mestre em Comunicaccedilatildeo Social pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo Editor-associado da revista Kerygma e professor no Centro Univer-sitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail rodrigofollisunaspedubr

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Afinal a ciecircncia [moderna] natildeo fornece as respostas que a maio-ria de noacutes exige Sua histoacuteria a respeito de nossas origens e nosso fim eacute no miacutenimo insatisfatoacuteria Para a pergunta ldquoComo tudo comeccedilourdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo Para a pergunta ldquoComo tudo terminaraacuterdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo E para muitas pessoas a vida acidental natildeo vale a pena ser vivida (POSTMAN 1994 p 168)

Por um lado a modernidade trouxe grandes avanccedilos ao tentar melho-rar o mundo a nossa volta atraveacutes de uma iluminaccedilatildeo e da busca racional por evidecircncias que dessem sentido a existecircncia humana E isso foi aceito como forma de afirmar ou mesmo combater a ortodoxia teoloacutegica Sobre isto Leonildo Campos (2008) aponta a tensatildeo entre ldquoa letra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo que ficou como marca principal de vaacuterios reaviva-mentos religiosos como o ldquosurgimento do pietismo alematildeo do avivalismo inglecircs e norte-americano e no iniacutecio do seacuteculo XX da explosatildeo do Pente-costalismordquo Assim ele nos lembra das tensotildees jaacute apontadas por Mendonccedila (2008 p 78) quando afirma a existecircncia de conflitos ligados de um lado a uma racionalidade defendida por grupos mais ortodoxos e de outro a um misticismo emocional provindo de diversos novos grupos

Natildeo parece metodologicamente coerente esquecer de que cada vez mais a sociedade se abre para uma religiatildeo e uma vida regida pela loacutegica da emoccedilatildeo e do entretenimento e que isso tem relaccedilatildeo direta na construccedilatildeo de muitas das teologias contemporacircneas (ver BERGER ZIJDERVELD 2012) Entretan-to parece ser preciso reafirmar que dependemos de vaacuterios preceitos da ciecircncia modernista ou seja da suposta ldquoletra que matardquo Ela ainda perpassa todas as produccedilotildees ditas acadecircmicas encontradas natildeo apenas na presente ediccedilatildeo da re-vista Kerygma mas em todo o fazer da ciecircncia Afinal toda discussatildeo provinda da academia sempre se relaciona agraves ldquoletrasrdquo teoacutericas que objetivam encontrar as ldquoleis fixasrdquo que esclareceratildeo nossa realidade e sociedade

Sem sombra de duacutevidas a presente ediccedilatildeo da Kerygma faz parte dessa realidade Ao se buscar que padratildeo pode ser encontrado nas cartas paulinas acerca do uso da palavra grega Pneuma estamos fazendo ciecircncia ao estilo modernista Na discussatildeo epistemoloacutegica para se entender corretamente os meios de interpretaccedilatildeo biacuteblica estamos em uma discussatildeo calcada tambeacutem no modernismo e em sua forma de ver e estudar o mundo E isso ocorreraacute em todos os demais artigos seja na relaccedilatildeo sobre os 144 mil de Apocalipse no entendimento dos textos biacuteblicos de Lucas na relaccedilatildeo histoacuterica acerca da

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 7-11 1ordm sem de 2013

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apostasia do pastor adventista Conrad no uso da disciplina eclesial ou na re-senha de um artigo apologeacutetico Todas essas discussotildees podem ter seus dis-tanciamentos do modernismo mas paradoxalmente o fazem estando dentro desse processo cientiacutefico

Baseado nisso alguns acusam a Teologia como sendo a personificaccedilatildeo da ldquoletra que matardquo e portanto seria preciso evitaacute-la na busca por uma ver-dadeira comunhatildeo com a divindade Entretanto isso natildeo nos parece coerente Natildeo estamos aqui para condenar a ciecircncia moderna nem o seu meacutetodo racio-nalista mesmo agrave luz das diversas consequecircncias ruins ou no miacutenimo esteacutereis produzidas em seu nome Tambeacutem natildeo acreditamos que recusar ou abraccedilar cegamente um reavivamento emocionalista venha a ser a melhor soluccedilatildeo Como contraponto parece interessante a proposta acerca do ldquolsquopensamento liminarrsquo como defendida por Mignolo (2003) Esse tipo de pensamento ser-viria para ldquoobter ou recuperar o direito de serrdquo Ou seja seria

uma maneira de pensar que natildeo seja inspirada em suas proacuteprias limi-taccedilotildees e que natildeo pretenda dominar e humilhar uma maneira de pen-sar que seja universalmente marginal fragmentaacuteria e aberta e como tal uma maneira de pensar que por ser universalmente marginal e fragmentaacuteria natildeo seja etnocida (MIGNOLO 2003 p 235)

Dadas essas consideraccedilotildees eacute coerente acreditar na busca por uma Teo-logia que una o melhor desses dois mundos o da letra e o do espiacuterito Cons-truindo assim uma tensatildeo hegemocircnica paradoxal ao mesmo tempo em que busca utilizar um meacutetodo loacutegico-racionalista como forma de interpretar a realidade e a histoacuteria tambeacutem nos coloca abertos a um aceite emocional e mais humano de tal realidade sendo este o objetivo de toda a produccedilatildeo cientiacutefica (FOLLIS 2012) Com isso nosso objetivo deixa de ser encontrar uma mera resposta e passa a ser o de mudar e melhorar vidas humanas Ellen G White (2007 p 309) ilustra como poderia ser essa uniatildeo Torcermos para que tal pensamento seja um guia para a construccedilatildeo teoloacutegica que continua-remos a produzir na academia

O maior dos enganos do espiacuterito humano nos dias de Cristo era que um mero assentimento agrave verdade constituiacutesse justiccedila Em toda experiecircncia humana o conhecimento teoacuterico da verdade se tem demonstrado insuficiente para a salvaccedilatildeo da alma Natildeo produz os frutos de justiccedila Uma cuidadosa consideraccedilatildeo pelo

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

que eacute classificado verdade teoloacutegica acompanha frequentemente o oacutedio pela verdade genuiacutena segundo se manifesta na vida Os mais tristes capiacutetulos da Histoacuteria acham-se repletos do registro de crimes cometidos por fanaacuteticos adeptos de religiotildees Os fariseus pretendiam ser filhos de Abraatildeo e vangloriavam-se de possuir os oraacuteculos de Deus todavia essas vantagens natildeo os preservavam do egoiacutesmo da malignidade da ganacircncia e da mais baixa hipocrisia Julgavam-se os maiores religiosos do mundo mas sua chamada ortodoxia os levou a crucificar o Senhor da gloacuteria O mesmo peri-go existe ainda Muitos se tecircm na conta de cristatildeos simplesmente porque concordam com certos dogmas teoloacutegicos Natildeo introdu-ziram poreacutem a verdade na vida praacutetica Natildeo creram nela nem a amaram natildeo receberam portanto o poder e a graccedila que advecircm mediante a santificaccedilatildeo da verdade

Referecircncias

BERGER P ZIJDERVELD A Em favor da duacutevida como ter convicccedilotildees sem se tornar um fanaacutetico Satildeo Paulo Elsevier 2012

CAMPOS L S Evangeacutelicos e Miacutedia no Brasil ndash Uma Histoacuteria de Acertos e Desacertosrdquo Rever - Revista de Estudos da Religiatildeo nordm 3 1-26 2008 Disponiacutevel em httpwwwpucspbrreverrv3_2008t_campospdf Acesso em 25122012

FOLLIS R Teologia e Marxismo em busca de pontes de esperanccedila Kerygma Engenheiro Coelho SP v 8 n 2 p 7-9 2o sem de 2012

LIBAcircNIO J B O sagrado na poacutes-modernidade In CALIMAN C (org) A seduccedilatildeo do sagrado o fenocircmeno religioso na virada do milecircnio Petroacutepolis RJ Vozes 1998

MEDONCcedilA A G Protestantes pentecostais e ecumecircnicos o campo religioso e seus personagens Satildeo Bernardo do Campo Universidade Metodista de Satildeo Paulo 2008

MIGNOLO W D Histoacuterias locais projetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Belo Horizonte UFMG 2003

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 7-11 1ordm sem de 2013

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POSTMAN N Tecnopoacutelio a rendiccedilatildeo da cultura agrave tecnologia Satildeo Paulo Nobel 1994

SANCHIS P O campo religioso contemporacircneo no Brasil In ORO A STEIL C (Orgs) Globalizaccedilatildeo e religiatildeo Petroacutepolis Vozes Porto Alegre UFRGS 1997

SANTOS B A criacutetica da razatildeo indolente contra o desperdiacutecio da experiecircncia Satildeo Paulo Cortez 2000

Um discurso sobre a ciecircncia Porto-Portugal Ediccedilotildees Afrontamento 1999

WHITE E O desejado de todas as naccedilotildees Tatuiacute CPB 2007

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

The Holy Spirit in the pauline epistles

Roberto Pereyra Suaacuterez1

ResumoAbstract

O artigo objetiva pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo abordando um dos temas mais desafiadores do seu pensamento te-oloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneu-

matologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia Neste estudo preliminar busca-se apenas introduzir o vasto tema sobre o uso da palavra πνευμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais relevantes acerca do EspiacuteritoPalavras-chave Espiacuterito Santo πνεūμα Paulo Teologia Biacuteblica Epiacutestolas paulinas

This article aims to research about the Holy Spirit in the books of Paul discussing one of the most challenging subjects of his theological thought Some researchers even say that the pneumatology of Paul

should be considered the central aspect of his theology The objective of this preliminary study is only to introduce this vast theme about the use of the word πνευμα in the epistles of Paul and also to interpret the most relevant theological affirmations about the Holy SpiritKeywords Holy Spirit πνεūμα Paul Biblical Theology Epistles of Paul

1 Doutor em Novo Testamento pela Andrews University (PhD) Diretor da Poacutes-Gradua-ccedilatildeo do Salt-Unasp Professor na Faculdade de Teologia do Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail robertopereyraunaspedubr

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo significa abordar um dos temas mais desafiadores do seu pensamento teoloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneumatologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia2

Neste estudo preliminar natildeo exaustivo pelo limitado espaccedilo busca se apenas introduzir o vastiacutessimo tema sobre o uso da palavra πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais re-levantes acerca do Espiacuterito

O uso da palavra πνεūμα em PauloMesmo desconsiderando as formas de uso (substantivo adjetivo ou

adveacuterbio) do vocaacutebulo Πνευματικός 3 e da expressatildeo ldquopoderrdquo (tambeacutem em diversas formas) em referecircncia ao Espiacuterito Santo4 eacute possiacutevel encontrar 384 referecircncias agrave πνευμα no Novo Testamento Sendo que apenas Paulo a usa

2 Sendo que haacute uma literatura muito rica tratando com o pensamento de Paulo sobre este tema gostaria de mencionar as referecircncias que considero mais relevantes publicadas nos uacutel-timos 50 anos Pinnock (1963) Turner (1975 p 56-69) Dobbin (1976a p 5-19 1976b p 129-149) Meyer (1979 p 3-18) Congar (1983) Francis (1984 p 299-313) Easley (1984 p 299-313) Huumlbner (1989 p 324-338) Friedrich Wilhelm Horn (1992) nega a dimensatildeo experi-mental da recepccedilatildeo do Espiacuterito no iniacutecio do cristianismo e propotildee que Paulo desenvolveu sig-nificativamente sua pneumatologia durante os anos de seu ministeacuterio Paige (1993 p 404-413) Gordon D Fee (1994 1996) apresenta o trabalho mais completo sobre pneumatologia Paulina disponiacutevel sendo uma fonte primaacuteria relevante para consultas sobre questotildees exegeacuteticas Vol-lenweider (1996 p 163-192) Gaffin (1998 p 573-589) Daniel B Wallace (2003 p 97-125) Monika Christoph (2005) Finny Philip (2005) John A Bertone (2005) Mark Pretorius (2006 p253-262) Clint Tibbs (2007) Erik Konsmo (2010) examina como as metaacuteforas de Paulo ex-pressam a presenccedila tangiacutevel do espiacuterito intangiacutevel na vida do cristatildeo e afirma que o ponto de vista de Paulo sobre o rol do Espiacuterito Santo natildeo eacute perifeacuterico mas sim central em sua Teologia3 De 26 vezes que se usa no NT 24 satildeo as referecircncias no conteuacutedo paulino (Rm 111 714 1527 1 Co 213 2x 15 31 911 103 4 2x121 141 37 1544 2x 46 2x Gl 61 Ef 13 519 61 Cl 19 316)4 Aparentemente os destinataacuterios das cartas paulinas entenderam que o Espiacuterito se manifes-tava em ldquopoderrdquo em razatildeo da utilizaccedilatildeo dos termos δύναμις e πνεῡμα de forma alternada nas epiacutestolas de Paulo Sobre isso veja a argumentaccedilatildeo de J D G Dunn (1998a p 851) Natildeo se faz apenas o uso combinado de ambos os sentidos (Rm 1513 19) mas se usa os vocaacutebulos de tal maneira que a presenccedila de πνεῡμα poderia significar a presenccedila de δύναμις (Rm 14 1Co 24 Gl 35 Ef 316 1Ts 15 2 Tm 17) Sendo assim se pode deduzir que as referecircncias agrave δύναμις implicariam a presenccedila de πνεῡμα (1Co 420 54 2Co 47 66-7 12912 134 Ef 119 21 37 20 Cl 111 29 2 Tm 18)

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 15-33 1ordm sem de 2013

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160 vezes5 nas 14 epiacutestolas que lhe satildeo atribuidas aqui considerando tam-beacutem o livro de Hebreus6 A frequecircncia de πνευμα nas epiacutestolas paulinas se daacute da seguinte forma

RmI 1CoII 2CoII GlIV EfV FpVI ClVII 1TsVIII 2TsIX 1TmX 2TmXI TtXII FmXIII HbXIV Total

35 40 17 18 16 5 2 5 3 3 3 2 1 10 160

I Em Rm 81-27 Paulo usa 22 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα sendo que 5 delas possuem significado antropoloacutegico ao referir-se ao espiacuterito humano (810 15 3x 16) e 17 com sentido teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo (82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 13 14 16 23 26 2x 27)II Em 1 Coriacutentios 24-14 Paulo usa 9 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (211 12) e 7 com sentido teoloacutegico (24 10 2x 11 12 13 14) em 1Co 123-13 Paulo usa 12 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x)III Em 2 Coriacutentios Paulo usa 17 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 8 possuem significado antropoloacutegico (213 36 2x 413 71 13 1114 1218) e 9 com sentido teoloacutegico (122 33 8 17 2x 18 55 66 1313)IV Em Gaacutelatas Paulo usa 18 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (61 18) e 16 com sentido teoloacute-gico (32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x) com maior concentraccedilatildeo em 55 a 68V Em Efeacutesios Paulo usa 16 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 3 possuem significado antropoloacutegico (117 22 423) e 13 com sentido teoloacutegico (113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18)

VI Em Filipenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (127 423) e 3 com sentido teoloacutegico (119 21 33)

VII Em Colossenses Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (25) e 1 com sentido teoloacutegico (18)

VIII Em 1 Tessalonicenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (523) e 4 com sentido teoloacutegico (15 6 48 519)

IX Em 2 Tessalonicenses Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (22) e 2 com sentido teoloacutegico (28 13)

X Em 1 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (41) e 2 possuem sentido teoloacutegico (316 41)

XI Em 2 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (17 422) e 1 com sentido teoloacutegico (114)XII Em Tito Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (35 6)XIII Em Filemom Paulo usa 1 vez o vocaacutebulo πνεῡμα com significado antropoloacutegico (25)XIV Em Hebreus Paulo usa 10 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (412 1223) e 8 possuem sentido teoloacutegico (114 24 37 64 98 14 1015 29)

5 Aparece 53 vezes o vocaacutebulo (Rm 14 84 5 9 2x 1011 15 2x 16 26 2x 118 1Co 210 11 2x 12 2x 316 55 617 740 124 8 11 13 1414 1545 168 2Co 36 17 2x 413 713 114 Gl 32 5 46 29 517 68 Ef 117 44 30 1Ts 48 519 23 1Tm 41 2x 2Tm 17 Hb 37 1015 29) 53 vezes πνεύματος (Rm 55 76 82 5 6 11 23 27 1513 19 30 1Co 24 10 13 14 54 619 127 8 10 1432 2Co 122 36 8 18 55 71 1313 Gl 314 517 22 68 18 Ef 22 316 43 617 Fp 119 21 423 1Ts 16 2Ts 22 13 2Tm 114 422 Tt 35 Fm 125 Hb 114 24 412 64 98 14) 49 vezes πνεύματι (Rm 19 229 89 13 14 16 91 1211 1417 1516 1Co 421 53 611 734 123 2x 9 2x 13 142 15 2x 16 2Co 213 33 66 1218 Gl 33 55 16 18 25 2x 61 Ef 113 218 22 35 423 518 618 Fp 127 33 Cl 18 25 1Ts 15 2Ts 28 1Tm 316 Hb 1223) e em cinco cir-cunstancias se emprega um pronome relativo para se referir ao espiacuterito humano em geral (Rm 815) ao Espiacuterito Santo (1Co 619 Ef 114 Tt 36) e ao Espiacuterito de Deus (Ef 430)6 Raymond Edward Brown (1983 p 227) encontra 380 usos enquanto que Tibbs (2007 p 306) encontra 384

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Segundo a ordem de tamanho das epiacutestolas a maior incidencia no uso do vocaacutebulo πνεῡμα se encontra em Gaacutelatas seguida por Efeacutesios 1 Coriacutentios Romanos e 2 Coriacutentios Contudo se observa uma concentraccedilatildeo especial no conteuacutedo das cartas o que responde aos propoacutesitos teoloacutegicos do autor em diaacutelogo com seus destinataacuterios Por exemplo Romanos 81-27 constitui o ponto de mais destaque da teologia paulina sobre o Espiacuterito ao se referir a Ele 22 vezes a maior concentraccedilatildeo de referencias nas epiacutestolas (DUNN 1998 p 423)

A partir daqui inicia-se uma breve menccedilatildeo sobre o uso antropoloacutegico de πνεῡμα nos escritos de Paulo

Uso antropoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos gerais Paulo utiliza 45 vezes o vocaacutebulo com significa-do antropoloacutegico se referindo ao espiacuterito humano7 Ele faz referecircncia a si mesmo (Rm 19 1 Co 421 53-4 1414-15 1618 2 Co 213 Cl 25) a mulher (1Co 734) aos profetas (1Co 1432) ao segundo Adatildeo (1 Co 1545) a Tito (2Co 713) a Timoacuteteo (2 Tm 422) a Filemom (Fm 25) e aos seres humanos em geral8 Obviamente eacute no uso teoloacutegico do vocaacutebulo que teremos a maior relevancia e significado

Uso teoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos especiacuteficos o apoacutestolo usa πνεῡμα 115 vezes com senti-do teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo9 de diversas formas ldquoEspiacuterito

7 Rm 19 229 76 810 15 3x 816 118 1211 1Co 211 12 421 53 4 5 617 734 1414 15 2x 1432 1545 1618 2Co 213 36 2x 413 7113 114 1218 Gl 61 18 Ef 117 22 423 Fp 127 423 Cl 25 1Ts 523 2Ts 22 2Tm 17 422 Fm 25 Hb 412 Embora existam discussotildees se a referecircncia eacute ao espiacuterito humano ou ao divino os seguintes textos tambeacutem podem ser aqui incluiacutedos 1Co 53 4 617 1414 152 e Cl 25 (ver Fee 1996 p 24-26 123-27 229-30 462 645)8 Rm 229 76 81015 x3 16 118 1211 1Co 211 12 55 6 17 2Co 36 2x 413 71 114 1218 Ef 117 423 Fp 127 423 1 Ts 523 2 Ts 22 2Ti 17 Hb 412 12239 Rm 14 55 82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 1314 16 23 26 2x 27 2x 91 1417 1513 16 19 30 1Co 24 10 2x 11 12 13 14 16 611 19 2x 740 123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x 142 16

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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Santordquo10 ldquoEspiacuterito de santidaderdquo (Rm 14) ldquoEspiacuterito de vidardquo (Rm 82) ldquoEspiacuteritordquo11 ldquoEspiacuterito de Deusrdquo12 ldquoEspiacuterito de Cristordquo (Rm 89) ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo (2Co 317) ldquoEspiacuterito de Seu Filhordquo(Gl 46) ldquoEspiacuterito de sabe-doria e de revelaccedilatildeordquo (Ef 117) ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo (Fp 119) ldquosopro de sua bocardquo (de Jesus Cristo 2 Ts 28) e ldquoEspiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

O fato de Paulo nomear o ldquoEspiacuteritordquo como ldquoEspiacuterito de Deusrdquo ldquoEs-piacuterito de Seu Filhordquo ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo ldquoEspiacuterito de Cristordquo ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo e inclusive ldquoEspiacuterito Santordquo e ldquoEspiacuterito da Graccedilardquo sugere claramente um enfoque trino do vocaacutebulo πνεῡμα em suas epiacutestolas o que parece ser um axioma trinitaacuterio baacutesico13 para entender o uso teoloacutegico de πνεῡμα nessas epiacutestolas

Axioma trinitaacuterio baacutesico nas Epiacutestolas Paulinas

Nos escritos de Paulo 1) Deus eacute um 2) Deus eacute trecircs 3) os trecircs satildeo plenamente Deus 4) cada um dos trecircs eacute diferente dos outros dois 5) os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente um com o outro como Pai Filho e Espiacuterito Santo14

A Trindade pertence agrave vida existecircncia e forma de ser do Deus trino Realidade que soacute poderia ser conhecida se algum de seus membros a revelas-se Como sugeriu Sinclair Ferguson (1985 p 18-37) Jesus no caminho da cruz eacute quem revelou a seus disciacutepulos essa realidade trina da Divindade sua relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito (Jo 13-17)

2Co 122 33 8 17 2x 18 55 66 1313 Gl 32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18 Fp 119 21 33 Cl 18 1Ts 15 6 48 519 2Ts 28 13 1Tm 316 41 2Tm 114 Tt 35 6 Hb 24 37 64 98 14 1015 2910 Rm 55 91 1417 1513 16 1 Co 619 2x 2 Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2 Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 101511 Rm 84 5 2x 6 9 11 2x 13 16 23 26 2x 27 2x 1530 1 Co 24 10 2x 12 13 124 7 8 2x 9 2x 11 13 2x 2 Co 122 38 18 55 Gl 32 3 5 14 429 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 218 22 35 16 43 4 518 617 18 Fp 21 Cl 18 2 Ts 213 1 Tm 316 41 Hb 3712 Rm 89 14 1519 1 Co 211 14 316 611 740 123 2x 2 Co 33 Ef 430 2x Fp 3313 Para um estudo sobre as evidecircncias biacuteblicas que contribuem para a doutrina da trindade veja Arthur William Wainwrigth (1962) Leonard Hodgson (1944 p 38-84) E J Fortman (1982 p 3-33) Aubrey William Argyle (1966 p 173-181)14 Para um estudo exaustivo destes conceitos nas Escrituras veja a John M Frame (2002)

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Eacute o envio do Deus feito carne que revela a relaccedilatildeo existente entre o Pai e o Filho (Jo 7111 22-26) Sua encarnaccedilatildeo (Lc 134-35 Jo 1711 22-26) ministeacuterio (Mt 41 Mr 112 Lc 41 Mt 1228 At 1038) morte ressurreiccedilatildeo (Rm 811 1 Pd 318) e ascensatildeo (At 232 33) revelam a relaccedilatildeo existente entre o Filho e o Espiacuterito Santo (Jo 1416-17 26 1526 1613) o que pro-vavelmente se constituiacutea nas fontes das formulaccedilotildees trinitaacuterias do apoacutestolo

Deus eacute umO conceito da unidade eacute desenvolvido no fato de que Ele eacute Deus tanto

dos judeus como dos gentios (Rm 329-30 1012-13 Gl 320) Pai tanto dos incircuncisos como dos circuncidados (Rm 411-12) uacutenico em sua relaccedilatildeo com os seres humanos (1Tm 25) jaacute que natildeo existem outros deuses Haacute um soacute Deus (1Co 84-6) o verdadeiro (1Ts 19) o uacutenico e saacutebio Deus (Rm 1627 1 Tm 117) a uacutenica fonte dos dons espirituais (1Co 124-6 Ef 44-6)15

Deus eacute trecircsEmbora seja problemaacutetico determinar o nuacutemero dos seres divinos a

partir do Antigo Testamento Paulo usa especiacuteficas formulaccedilotildees trinitaacuterias nas quais apresenta a existecircncia de trecircs seres divinos θεόϛ (Deus) o Pai κύριος (Senhor) ou υἱός (Filho) o Filho e πνεῡμα (Espiacuterito) o Espiacuterito

Paulo distingue claramente os trecircs seres aos quais se refere como ldquoum Espiacuterito [hellip] um Senhor [hellip] um Deusrdquo (1Co 124-6 e Ef 44-60) Menciona os trecircs juntos em Romanos Efeacutesios Filipenses Colossenses 1 Tessalonicenses 2 Tessalonicenses 1 Timoacuteteo Tito Hebreus ou seja em 9 das 14 epiacutestolas

Por outro lado existem diversas passagens nas quais dois dos trecircs se-res aparecem como fonte comum de becircnccedilatildeos o Pai e o Filho por um lado (Rm 64 1Co 1524-28) Cristo e o Espiacuterito por outro (Rm 82 9 2Co 317 Gl 46 Fp 119)

Nas saudaccedilotildees e becircnccedilatildeos apostoacutelicas Paulo sempre menciona a ldquoDeus nosso Pairdquo e ldquoa nosso Senhor Jesus Cristordquo16 no entanto em 2 Coriacutentios 1313 (14) ele integra os trecircs ldquoA graccedila do Senhor Jesus Cristo o amor de Deus e a comunhatildeo do Espiacuterito Santo sejam com todos vocecircsrdquo

Eacute surpreendente a afirmaccedilatildeo feita aos coriacutentios quanto agrave relaccedilatildeo interna existente entre o Espiacuterito e Deus o Pai e o Pai com o Espiacuterito ldquoO Espiacuterito

15 Satildeo textos trinitaacuterianos que distinguem as trecircs pessoas da divindade como fontes de dons espirituais atributo que implica na unidade trina16 1 Co 13 2 Co 12 Gl 13 Ef 13 623-24 1 Ts 11 2 Ts 12 1 Tm 12 2 Tm 12 Tt 14

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 210) ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Tambeacutem eacute afirmado aos membros da igreja de Roma que

ldquoaquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuterito porque o Es-piacuterito intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

E quanto ao relacionamento interno existente entre o Espiacuterito e Jesus Cristo o Filho Os leitores de Coriacutentio satildeo advertidos de que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123)

Paulo se referindo aos crentes em Roma em um soacute versiacuteculo apresenta a relaccedilatildeo trina na vida do crente ldquovocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito se de fato o Espiacuterito de Deus habita em vocecirc E se algueacutem natildeo tem o Espiacuterito de Cristo natildeo pertence a Cristordquo (Rm 89) Eacute notaacutevel a siacutentese das accedilotildees trinas relacionadas na vida do crente Deus Cristo e o Espiacuterito atuam na vida de quem estaacute em Jesus A accedilatildeo trina eacute vida no crente vida que provem da accedilatildeo do Deus trino O que eacute muito sugestivo pois usa a mesma estrutura e organizaccedilatildeo literaacuteria dos primeiros oito capiacutetulos da carta aos Romanos nos quais eacute exposto o tema da salvaccedilatildeo e santificaccedilatildeo pela feacute Parece existir um pa-dratildeo claramente trinitaacuterio o juiacutezo de Deus o Pai sobre o pecado (118-320) a obra expiatoacuteria do Filho pela qual Deus justifica e santifica (321-725) e a liberdade e guia do Espiacuterito (81-39)

Uma estrutura semelhante se encontra na epiacutestola aos Gaacutelatas A NVI intitula os versos 326-47 como ldquoFilhos de Deusrdquo 51-15 de ldquoLivres em Cristordquo e 516-26 por ldquoVida pelo Espiacuteritordquo o que caminha na direccedilatildeo da afirmativa de que para Paulo Deus eacute um mas tambeacutem eacute trecircs Efeacutesios 218 afirma que ldquopor meio dele tanto noacutes como vocecircs temos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo o que parece ser uma clara premissa paulina por meio de Cristo ao Pai atraveacutes do Espiacuterito Assim a evidecircncia paulina para a concep-ccedilatildeo trinitaacuteria de Deus poderia ser sintetizada em trecircs grupos de passagens

B No primeiro grupo eacute apresentado um trinitarianismo ex professo Por exemplo em sua benccedilatildeo de 2 Coriacutentios 1314 Paulo envolve a Deus ao Senhor Jesus Cristo e ao Espiacuterito Santo sem fazer nenhu-ma distinccedilatildeo entre essas trecircs pessoas Portanto parece razoaacutevel afirmar que ele os percebe como Pessoas coiguais

B No segundo grupo de passagens Paulo apresenta uma forma triacuteade Em Efeacutesios 44-6 faz menccedilatildeo de ldquoum soacute Espiacuterito [hellip] um soacute Senhor [hellip]

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um soacute Deus e Pairdquo Em 1Coriacutentios 123-6 cada Pessoa eacute introduzida com o artigo ldquoumrdquo na sequecircncia de maneira parecida com Efeacutesios 4 Em uma referecircncia mais indireta as trecircs pessoas satildeo mencionadas tam-beacutem em Efeacutesios 13-14

B No terceiro grupo de textos paulinos as trecircs pessoas satildeo menciona-das juntas mas sem nenhuma estrutura triacuteade clara Um bom exemplo disso eacute Gaacutelatas 44-6 ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filhordquo (o mesmo ocorre em Rm 81ss 2Ts 213ss e Tt 34-6)

Os trecircs satildeo DeusEmbora natildeo haja dificuldades em perceber que o primeiro teoacutelogo do

periacuteodo neotestamentaacuterio descreve o Espiacuterito e o Filho como sendo total-mente Deus haacute os que argumentam contra a divindade do Espiacuterito Santo

Argumenta-se que nos textos trinitaacuterios paulinos o Espiacuterito aparece apenas junto ao Pai eou ao Filho (Rm 1519 2 Co 1313 [14] Ef 221-22 44-6 Fp 33 Hb 23-4 64-6 914 1029-31) Jaacute foi mencionado que existem textos nos quais se incluem dois membros da Trindade por um lado o Pai e o Filho (Rm 64 1Co 1524-28) por outro o Filho e o Espiacute-rito (Rm 1530 1Co 611 Fp 21 Hb 1029) onde ambos o Filho e o Es-piacuterito satildeo dispostos de forma igualitaacuteria a Deus Seria estranho considerar nestes textos um dos seres como natildeo tendo total divindade Aleacutem disso Paulo cita textos do Antigo Testamento que se referem a Yahweh e os aplica ao Espiacuterito Santo (exemplos Jr 3133-34 em Hb 1015-17 Ecircx 251 em Hb 98 Sl 957-11 em Hb 37-11 Is 644 em 1Co 29) O Espiacuterito derrama a graccedila amor divino ao crente (Rm 55 1530 2Co 66 Gl 516-17 Fp 21 Cl 18) e eacute poder de Deus (Rm 1513 19)

De igual forma ao Pai e ao Filho o Espiacuterito eacute eterno (Hb 914) onis-ciente (1Co 210-11) e eacute chamado de santo17 o que implica que sua san-tidade eacute a de Deus e por isso natildeo derivada das criaturas Como o Filho o Espiacuterito realiza atos que correspondem a Deus Eacute doador da vida tanto fiacutesica como espiritual (Rm 811 1Co 1545 2Co 36) testemunha da ado-ccedilatildeo do crente como filho de Deus (Rm 815) Atraveacutes dele o crente eacute lavado justificado e santificado (1Co 611) O Espiacuterito outorga dons espirituais

17 Rm 55 91 1417 1513 16 1Co 619 (2x) 2Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 1015

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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(1Co 126-11) para servir na missatildeo divina de salvar Dele eacute a fonte de ins-piraccedilatildeo da Bibliacutea (2Tm 316)

Pai Filho e Espiacuterito Santo trecircs pessoas distintasPara Paulo o Pai o Filho e o Espiacuterito satildeo seres ou pessoas distintas Eacute

comum concordar que o Pai e o Filho sejam pessoas diferentes mas vaacuterios teoacutericos questionam se o Espiacuterito seria uma terceira pessoa relacionada com o Pai e com o Filho ou se seria apenas uma forccedila ou poder impessoal que se associa a Deus ou mesmo emana dele O Espiacuterito eacute relacionado com o poder de Deus (Rm 14 1513 19 1Co 24 2Co 66-7 1Ts 15 2Tm 17) o qual nunca eacute impessoal Ele natildeo apenas representa o poder de Deus mas tambeacutem sua sabedoria (1Co 24 1218 Ef 117)

Note como Paulo apresenta o Pai o Filho e o Espiacuterito em accedilatildeo trina embora sejam seres diferentes ao explicar aos Efeacutesios sobre a revelaccedilatildeo do ldquomisteacuterio de Cristordquo

Certamente vocecircs ouviram falar da responsabilidade imposta a mim em favor de vocecircs pela graccedila de Deus isto eacute o ministeacuterio que me foi dado a conhecer por revelaccedilatildeo [dativo instrumental - inspi-rador] como jaacute lhes escrevi em poucas palavras [hellip] Esse ministeacuterio natildeo foi dado a conhecer aos homens doutras geraccedilotildees mas agora foi revelado pelo Espiacuterito aos santos apoacutestolos e profetas de Deus significando que diante do evangelho os gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da pro-messa em Cristo Jesus (Ef 32-6)

A principal funccedilatildeo ou papel do Espiacuterito eacute fazer conhecido o plano de Deus em Cristo o misteacuterio revelado E tambeacutem mostrar o Filho depois da ascensatildeo porque ldquoningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123) Paulo demonstra que a obra salvadora de Jesus se relaciona diretamente com o ministeacuterio do Espiacuterito Santo e vice e versa Cristo ofereceu seu sacrifiacutecio expiatoacuterio pelos pecados da humanidade (Rm 86-8) e aplica os meacuteritos desse sacrifiacutecio por meio do ministeacuterio sacerdotal no santuaacuterio celestial (Hb 725) poreacutem eacute o Espiacuterito que faz eficaz o que realiza o Salvador do mundo (1Co 123)

O Espiacuterito prepara o caminho para a conversatildeo convencendo a cada in-diviacuteduo do pecado da justiccedila e do juiacutezo levando-lhe ao pleno conhecimento de Jesus e do evangelho (1Co 123) Produz arrependimento (Rm 24) gera feacute

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(1Co 129 Rm 123) e novo nascimento (Tt 35) sela o crente (Ef 113) teste-munhando que este pertence a Deus (Ef 114 2Co 121-22 55 Rm 822-23 Ef 430) produz crescimento (Gl 516 22 23) santificaccedilatildeo (Ro 83 5-10 1Co 611 2Ts 213) e serviccedilo (1Co 12 2Co 36) Neste processo de tornar efi-caz a obra de Cristo o Espiacuterito revela interpreta inspira fala testemunha envia conhece ensina guia intercede o que Paulo deixa claro em suas epiacutes-tolas ao usar πνεῡμα de forma nominativa genitiva acusativa e dativa

Πνεūμα em caso nominativo18

Usando o caso nominativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacute-rito realiza accedilotildees determinadas e especiacuteficas num fluxo do tempo e da histoacuteria

E dito aos crentes de Roma que ldquoo Espiacuterito de Deus viverdquo neles cuja evidecircncia eacute que ldquoentretanto vocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuteritordquo (Rm 89-11)

Aos coriacutentios eacute dito que ldquosatildeo santuaacuterios de Deusrdquo e como tais ldquoo Es-piacuterito de Deus habitardquo neles (1Co 316) que ldquoo proacuteprio Espiacuterito testemunha ao nosso espiacuterito que somos filhos de Deusrdquo (Rm 816) e ldquonos ajuda em nossa fraquezardquo intercedendo ldquopor noacutes com gemidos inexprimiacuteveisrdquo (Rm 826) assim como ldquosonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profun-das de Deusrdquo (1Co 210) pois ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Eacute dito tambeacutem que ldquoo Espiacuterito eacute o mesmordquo embora os dons que outorgue sejam diversos (1Co 124) sendo que ldquoo Espiacuterito [hellip] distribui individualmente a cada um como querrdquo (1Co 1211) ldquoVivificardquo o crente (2Co 36) e ldquoonde estaacute o Espiacuterito do Senhor19 ali haacute liberdaderdquo (2 Co 317)

Paulo lembra aos Gaacutelatas de que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (Gl 517) a Timoacuteteo eacute dito que ldquoo Espiacuterito diz claramente que nos uacuteltimos tempos alguns abandonaratildeo a feacute e seguiratildeo espiacuteritos enganadores e doutrinas de democircniosrdquo (1Tm 41) jaacute aos Hebreus eacute afirmado que ldquoassim como diz o Espiacuterito Santo hoje se vocecircs ouvirem a sua voz natildeo endureccedilam o coraccedilatildeo como na rebeliatildeo durante o tempo da provaccedilatildeo no desertordquo de Cades Barnea (Hb 37 8) e tambeacutem que o Espiacuterito Santo nos testifica a

18 Nesse caso πνεῡμα funciona como sujeito indicando quem faz a accedilatildeo verbal ou como nuacutecleo do predicado nominal descrevendo o sujeito da oraccedilatildeo19 Para Dunn o ldquolsquoEspiacuterito do Senhorrsquo aqui eacute o Espiacuterito de Deus = lsquoo Senhorrsquo de Ecircxodo 3434rdquo (DUNN 1998b p 419-425)

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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respeito da nova alianccedila que Jeovaacute prometeu realizar ldquoPorei minhas leis em seu coraccedilatildeo e as escreverei em sua mente [hellip] Dos seus pecados e iniquida-des natildeo me lembrarei maisrdquo (Hb 1015-17)

Πνεūμα em caso genitivo20

Usando o caso genitivo Paulo faz afirmaccedilotildees nas quais se descreve o Espiacuterito como sendo origem fonte procedecircncia ou posse de algum bem coisa ou serviccedilo

Aos Romanos ele declara que ldquoem Cristordquo o ldquoEspiacuterito de vidardquo (geni-tivo - posse) liberta da lei do pecado e da morte (Rm 82) que ldquoquem vive de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (genitivo - procedecircncia) (Rm 85) jaacute que a ldquomentalidade do Espiacuterito (geni-tivo - procedecircncia) eacute vida e pazrdquo (Rm 86) acrescenta que os que tecircm ldquoos primeiros frutos do Espiacuteritordquo (genitivo - posse) aguardam a redenccedilatildeo de seus corpos (Rm 823) e que ldquoAquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) o qual ldquointercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

Aos Coriacutentios o apoacutestolo lhes informa que natildeo lhes falou nem pregou ldquoem palavras persuasivas de sabedoria mas consistiram em demonstraccedilatildeo do poder do Espiacuterito (genitivo - procedecircncia) para que a feacuterdquo deles ldquonatildeo se baseasse em sabedoria humana mas no poder de Deusrdquo (1Co 24 5) isto eacute

ldquonatildeo com palavras ensinadas pela sabedoria humana mas com palavras en-sinadas pelo Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (1Co 213) que ldquoquem natildeo tem o Espiacuterito natildeo aceita as coisas que vem do Espiacuterito de Deus (genitivo - procedecircncia) pois lhes satildeo loucurardquo (1Co 214) Ainda abordando a Igreja de Corinto Paulo menciona que ldquoo corpordquo fiacutesico do crente eacute um ldquotemplo do Espiacuterito Santo (genitivo - posse) [hellip] dado por Deusrdquo (1Co 619) ele diz tambeacutem que ldquoa cada um poreacutem eacute dada a manifestaccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) para o bem comum (1Co 127) Aleacutem disso Paulo assinala que Deus tem ldquodado o penhor do Espiacuterito (genitivo - posse) em nossos coraccedilotildees como garantia do que estaacute por virrdquo (2Co 122 55 [geni-tivo - posse]) Ele acrescrenta que Deus daacutendo-nos o Espiacuterito ldquonos fez competentes como ministros de uma nova alianccedila natildeo da letra mas do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (2Co 36) Para Paulo ldquoo ministeacuterio do

20 Neste caso πνεῡμα descreve (no sentido de possessatildeo origem procedecircncia) define e limita o substantivo o adjetivando ou o qualificando

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Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) eacute mais glorioso que o ministeacuterio da letra (2Co 38) O apoacutestolo termina sua segunda carta aos Coriacutentios desejando que ldquoa comunhatildeo do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) seja com todos (2Co 1313 [14])

Aos Gaacutelatas lhes faz lembrar que ldquomediante a feacuterdquo se recebe ldquoa pro-messa do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Gl 314) Indica-lhes que ldquoo fruto do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute amor alegria paz paciecircncia ama-bilidade bondade fidelidade mansidatildeo e domiacutenio proacutepriordquo (Gl 522) Jaacute com os Efeacutesios os desafia a se esforccedilarem ldquopara conservar a unidade do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Ef 43) e revela que ldquoa espada do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute a palavra de Deusrdquo (Ef 617) No caacutercere confessa aos Filipenses que se alegra em suas prisotildees porque sabe que graccedilas a suas oraccedilotildees e ldquoao auxiacutelio do Espiacuterito de Jesus Cristordquo (genitivo - procedecircncia) tudo resultaraacute em libertaccedilatildeo (Fl 119)

Aos de Tessalocircnica reconhece que apesar de muitas afliccedilotildees ldquorecebe-ram a palavra com a alegria que vem do Espiacuterito Santordquo (genitivo - proce-decircncia) (1Ts 16) Agradece a Deus porque ldquodesde o princiacutepio Deus os es-colheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espiacuterito (genitivo

- procedecircncia) e a feacute na verdaderdquo (2Ts 213) E na carta a Tito disse que Deus ldquonos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) (Tt 35)

O uso de πνεῡμα no caso genitivo com preposiccedilotildees eacute revelador Paulo diz aos de Roma que ldquoDeus derramou seu amor em nossos coraccedilotildees por meio do Espiacuterito Santo (genitivo - descriccedilatildeo) que Ele nos concedeurdquo (Rm 55) e Deus ldquodaraacute vidardquo aos ldquocorpos mortais por meio do Espiacuteritordquo (geniti-vo - descriccedilatildeo) (Rm 811) entatildeo deseja que ldquoo Deus da esperanccedila os encha de toda alegria e paz por sua confianccedila nEle para que vocecircs transbordem de Esperanccedila pelo poder do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) (Rm 1513) Tam-beacutem recomenda que ldquopor nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) se unam com o apoacutestolo em sua missatildeo orando a Deus por ele (Rm 1530)

A igreja em Corinto lhes declara que embora ldquoolho nenhum viu ouvi-do nenhum ouviu mente humana nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam [hellip] Deus o revelou a noacutes por meio do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) O Espiacuterito sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 29-10)

Aos Gaacutelatas diz que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (ge-nitivo - descriccedilatildeo) (Gl 517) que ldquoquem semeia para o Espiacuterito (genitivo

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- descriccedilatildeo) do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) colheraacute a vida eternardquo (Gl 68) Para os de Eacutefeso informa que pede ao Pai que ldquocom suas gloriosas riquezas [hellip] por meio do seu Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) fortaleccedila o iacutentimo do ser deles (Ef 314-16) Recomenda a Timoacuteteo que ldquopor meio do Espiacuterito Santordquo (genitivo - descriccedilatildeo) cuide dos preciosos ensinamentos que lhe foi confiado (2Tm 114)

Πνεūμα em caso acusativo21

Usando o caso acusativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Es-piacuterito estaacute envolvido em accedilotildees especiacuteficas no fluxo do tempo e da histoacuteria

Ele afirma aos membros de Corinto que ldquonatildeo recebemos o espiacuterito do mundo mas o Espiacuterito procedente de Deus para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamenterdquo (1Co 212) Pergunta aos Gaacutelatas

ldquofoi pela praacutetica da Lei que vocecircs receberam o Espiacuterito ou pela feacute naquilo que ouviram [hellip] Aquele que lhes daacute o seu Espiacuterito e opera milagres entre vocecircs realiza estas coisas pela praacutetica da Lei ou pela feacute com a qual receberam a palavrardquo (Gl 32 5) Diz-lhes que ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filho ao coraccedilatildeo de vocecircs e Ele clama Aba Pairdquo (Gl 46)Paulo exorta os Efeacutesios que ldquonatildeo entristeccedilam o Espiacuterito Santo de Deus com o qual vocecircs foram se-lados para o dia da redenccedilatildeordquo (Ef 430) Aos Tessalonicenses diz que aquele que rejeita o chamado agrave santidade ldquonatildeo estaacute rejeitando o homem mas a Deus que lhes daacute seu Espiacuterito Santordquo e lhes exorta ldquonatildeo apaguem o Es-piacuteritordquo (1Ts 48 519) Aos destinataacuterios da homilia aos Hebreus pergunta

ldquoQuatildeo mais severo castigo julgam vocecircs merece aquele que pisou aos peacutes o Filho de Deus profanou o sangue da alianccedila pelo qual ele foi santificado e insultou o Espiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

Numa construccedilatildeo preposicional no caso acusativo Paulo afirma aos leitores Romanos que ldquoo Evangelho fala do Filho [de Deus]rdquo o qual de acor-do com a natureza humana era descendente de Davi mas que ldquomediante o Espiacuterito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder pela sua ressur-reiccedilatildeo entre os mortosrdquo (Rm 14) e que ldquoDeus [hellip] enviando seu proacuteprio Fi-lho [hellip] como oferta pelo pecado [hellip] a fim de que as justas exigecircncias da Lei fossem plenamente satisfeitas em noacutes que natildeo vivemos segundo a carne mas segundo o Espiacuteritordquo E declara que aqueles ldquovivem de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (Rm 83-5)

21 Neste caso πνεῡμα eacute o objeto direto do verbo complementando seu significado

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Πνεūμα em caso dativo22

Usando o caso dativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacuterito eacute o lugar meio agencia ou instrumento do qual utiliza o sujeito para realizar certa accedilatildeo expressada pelo verbo

Aos leitores em Roma afirma que eles ldquonatildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito (locativo - esfera) se de fato o Espiacuterito de Deus ha-bitardquo neles (Rm 89) portanto ldquose pelo Espiacuterito (instrumental - agente) fi-zerem morrer os atos do corpo viveratildeordquo (Rm 813) Afirma tambeacutem que

ldquotodos os que satildeo guiados pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) satildeo filhos de Deusrdquo (Rm 814) Paulo confessa que tem ldquouma grande tristezardquo e

ldquoconstante angustiardquo pois desejaria ser ldquoamaldiccediloado e separado de Cristo por amorrdquo de seus ldquoirmatildeosrdquo de sua proacutepria ldquoraccedila o povo de Israelrdquo ldquoNatildeo mintordquo disse Paulo ldquominha consciecircncia o confirma no Espiacuterito Santordquo (lo-cativo - esfera) (Rm 91-4)

Em exortaccedilatildeo pede que ldquoaceitem o que eacute fraco na feacuterdquo e explica que ldquoo Reino de Deus natildeo eacute comida nem bebida mas justiccedila paz e alegria no Es-piacuterito Santordquo (instrumental - agente) Tambeacutem acrescenta que ldquoaquele que assim serve a Cristo eacute agradaacutevel a Deus e aprovado pelos homensrdquo (Rm 14 1 17 18) Como ministros dos gentios Paulo manifesta a seus leitores em Roma que tem ldquoo dever sacerdotal de proclamar o evangelho de Deus para que os gentios se tornem uma oferta aceitaacutevees a Deus santificados pelo Espiacuterito Santordquo (Rm 1516)

Em sua correspondecircncia aos crentes em Corinto Paulo destaca a fun-ccedilatildeo instrumental do Espiacuterito ao fazer com que venham a entender em ter-mos categoacutericos que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus (instrumental

- inspirador) diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) (1Co 123) Referindo-se aos dons espirituais ele declara que Deus daacute a alguns ldquofeacute pelo mesmo Espiacuterito A outros dons de curar pelo uacutenico Espiacuteritordquo (instrumental

- agente) (1Co 129) ldquoTodosrdquo afirma o apoacutestolo ldquoem um soacute corpo fomos batizados em um uacutenico Espiacuterito (locativo - elemento) quer judeus quer gre-gos quer escravos quer livresrdquo (1Co 1213)

Paulo declara que ldquoquem fala em uma liacutengua natildeo fala aos homens mas a Deus De fato ningueacutem entende em Espiacuterito (instrumental - modo)

22 Neste caso πνεῡμα expressa lugar agecircncia ou instrumento com o qual se faz algo Indica o instrumento o meio do que se utiliza o sujeito para realizar uma accedilatildeo verbal

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fala misteacuteriosrdquo(1Co 142) Ele reconhece que os coriacutentios satildeo ldquouma carta de Cristo [hellip] escrita natildeo com tinta mas com o Espiacuterito do Deus vivo (ins-trumental - agente) natildeo em taacutebuas de pedra mas em taacutebuas de coraccedilotildees humanosrdquo (2Co 33) a eles mostra que o testemunho serve com ldquopureza conhecimento paciecircncia e bondade no Espiacuterito Santo (dativo - acampa-nhamento) e no amor sincerordquo (2Co 66)

Pergunta aos Gaacutelatas em processo de apostasia ldquodepois de ter comeccedila-do pelo Espiacuteritordquo (instrumental - agente) ldquoquerem agora se aperfeiccediloar pelo esforccedilo proacutepriordquo(Gl 33) a quem recomenda ldquoVivam pelo Espiacuteritordquo (ins-trumental - agente) (Gl 516) porque ldquose vocecircs guiados pelo Espiacuterito (ins-trumental - agente) natildeo estatildeo debaixo da Leirdquo (Gl 518) Por fim os exorta que se deixem guiar pelo Espiacuterito (instrumental - agente) jaacute que o Espiacuterito eacute vida (instrumental - agente) (Gl 525)

Paulo lembra aos crentes de Eacutefeso que quando ouviram e creram na palavra da verdade ldquoforam selados em Cristo com o Espiacuterito Santordquo (instru-mental - elemento) (Ef 113) Declara que atraveacutes de Cristo ldquotemos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo (locativo - esfera) (Ef 218) por cujo Espiacuterito (locativo - esfera) ldquoestatildeo sendo edificados juntos para se tornarem morada de Deus por seu Espiacuteritordquo (Ef 222) Passa a explicar que o misteacuterio de Jesus o plano da graccedila de Deus era oculto a outras geraccedilotildees mas ldquofoi revelado pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) ldquoos gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesusrdquo (Ef 32-6) Portanto ldquonatildeo se embriaguem com vinho que leva a li-bertinagem mas deixem-se encher pelo Espiacuteritordquo (instrumental - elemento) (Ef 518) Finalmente lhes aconselha a empunhar um elemento relevante da armadura cristatilde ldquoOrem no Espiacuterito (instrumental - inspirador) em todas as ocasiotildees com toda oraccedilatildeo e suacuteplicardquo (Ef 618)

Paulo exorta aos irmatildeos filipenses em termos metafoacutericos muito duros em razatildeo da dissidecircncia ldquoCuidado com os lsquocatildeesrsquo cuidado com esses que praticam o mal cuidado com a falsa circuncisatildeordquo e explica o porque ldquopois noacutes eacute que somos a circuncisatildeo noacutes que adoramos pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) que nos gloriemos em Cristo Jesus e natildeo temos confianccedila alguma na carnerdquo (Fl 32-3) Acerca do Deus encarnado Jesus Cristo o ldquogrande misteacuterio da piedaderdquo Paulo diz a Timoacuteteo ldquoDeus foi manifestado em corpo justificado no Espiacuterito (locativo - esfera)rdquo(1Tm 316) Quem eacute esse do qual Paulo fala em suas epiacutestolas Quem eacute Ele Nessas epistolas Ele eacute o protagonista e responsaacutevel de atos histoacutericos em quem se originam certas realidades e do qual procedem outras Ele eacute o agente instrumental Afinal quem eacute Ele

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Consideraccedilotildees finaisDepois de ter explorado parcialmente o uso teoloacutegico de πνεῡμα nas

epiacutestolas paulinas pode-se concluir que

1) A maioria das afirmaccedilotildees teoloacutegicas de Paulo ao usar πνεῡμα anali-sadas mais detidamente em seu contexto histoacuterico literaacuterio e teoloacutegico parecem ser axiomaacuteticas Satildeo proposiccedilotildees maacuteximas ou verdades que o apoacutestolo assume mas natildeo explica embora constituam um fundamento de sua pneumatologia a subestrutura de seu pensamento

2) Paulo eacute trinitaacuterio Entende que Deus eacute verdadeiramente um embora sejam trecircs Os trecircs satildeo plenamente Deus Cada um dos trecircs eacute diferente dos outros Os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente como Pai Filho e Espiacuterito Santo

3) Paulo chama o Espiacuterito Santo de ldquoEspiacuterito de Deusrdquo e ldquoEspiacuterito de Cristordquo o que pressupotildee a divindade do Espiacuterito a existecircncia de trecircs seres distintos e a unidade trina em natureza propoacutesito e missatildeo

4) O Espiacuterito Santo eacute para Paulo um ser real histoacuterico e atual Natildeo uma simples forccedila ou um poder vago efeito ou energia impessoal Eacute a presenccedila pessoal e plena de Deus que habita em seu povo

5) A possessatildeo plena do Espiacuterito Santo soacute eacute possiacutevel ldquoem Cristordquo Natildeo eacute uma possessatildeo da humanidade em geral

6) O Espiacuterito Santo eacute o agente divino na missatildeo evangeacutelica do corpo de Cristo capacitando o instrumento humano na transmissatildeo da mensa-gem confirmando a verdade nos ouvintes transformando seus cora-ccedilotildees e assegurando-lhes que satildeo filhos de Deus

7) Todo crente em Cristo expressa agrave presenccedila visiacutevel do Espiacuterito Santo pelas suas atitudes forma de pensar falar e agir

8) O Espiacuterito Santo conduz o crente a uma vida em santidade e teste-munho desenvolvendo uma dimensatildeo eacutetica moral e espiritual que eacute unicamente possiacutevel por meio dele

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9) Pela razatildeo de que o crente eacute membro do corpo de Cristo tem uma funccedilatildeo especiacutefica outorgada pelo Espiacuterito um ministeacuterio particular para executar em missatildeo

10) As accedilotildees do Deus trino na histoacuteria da salvaccedilatildeo eacute a pressuposiccedilatildeo hermenecircutica fundamental na interpretaccedilatildeo e compreensatildeo do uso teoloacutegico de πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas

No contexto do grande conflito Paulo expotildee uma clara compreensatildeo trinitaacuteria e fundamental do plano de salvaccedilatildeo Cristo eacute a figura central o grande protagonista no ato da salvaccedilatildeo o cordeiro providenciado por Deus que tira os pecados do mundo sentado aacute destra da Majestade nas al-turas eacute o sumo sacerdote rei e juiz ministro no Santuaacuterio Celestial autor e consumador da salvaccedilatildeo

Enquanto o Filho eacute redentor em seu sacerdoacutecio expiatoacuterio pleno o Es-piacuterito permite agrave humanidade descobri-lo se apropriar da salvaccedilatildeo oferecida reconhececirc-lo como Senhor (1Co 123) e restaurar sua plena relaccedilatildeo com Deus (Ef 218) No entanto as origens desta histoacuteria de salvaccedilatildeo como sua execuccedilatildeo provecircm das matildeos de Deus o Pai o qual ldquotudo sujeitou debaixordquo dos peacutes de Cristo ldquoQuando poreacutem tudo lhe estiver sujeito entatildeo o proacuteprio Filho se sujeitaraacute agravequele que todas as coisas lhe sujeitaram afim de que Deus seja tudo em todosrdquo (1Co 1527-28)

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Enviado dia 06112012Aceito dia 20122012

144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja

The 144000 their identity and purpose for the church

Mabio Coelho1

ResumoAbstract

Muito se fala sobre os 144 mil o misterioso grupo introduzido no capiacute-tulo 7 de Apocalipse As especulaccedilotildees e teorias sobre esse grupo tecircm fascinado os estudiosos da Biacuteblia atraveacutes dos seacuteculos Sem se deter

muito em todas as vaacuterias teorias este artigo resume as teorias mais conhecidas aglutinando-as em 4 grandes grupos para entatildeo introduzir quais caracteriacutesticas deste grupo satildeo autoevidentes no texto Biacuteblico e a relaccedilatildeo que elas tecircm com a Igreja hoje vivendo nos momentos finais do tempo do fimPalavras-chave 144 mil Igreja Identidade

Much is said about the 144000 the mysterious group introduced in Chap-ter 7 of Revelation Speculation and theories about this group have fas-cinated scholars of the Bible through the centuries Without dwelling

much in all the various theories this article summarizes the best known theories coalescing them into 4 groups to outline which characteristics of this group are self-evident in the Biblical text and the relationship they have with the Church today living in the final moments of the end-timeKeywords 144000 Church Identity

O capiacutetulo sete de Apocalipse eacute um capiacutetulo parenteacutetico exatamente entre os eventos catacliacutesmicos do sexto e seacutetimo selo que narra uma cena

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Engenheiro de Telecomunicaccedilotildees com Mestrado em Engenharia de Software pela SIACSMU (Southern Methodist University) e Doctor of Professional Studies (DPS) em Seguranccedila de Informaccedilatildeo pela SICACPace

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escatoloacutegica muito significativa o selamento dos 144 mil Atraveacutes dos seacutecu-los a identificaccedilatildeo deste grupo tem deixado perplexos os leitores que bus-cam uma identificaccedilatildeo positiva e inequiacutevoca

Natildeo eacute o propoacutesito deste artigo esgotar o assunto dos 144 mil mas pro-curar prover informaccedilotildees relevantes para identificaacute-los extraindo suas ca-racteriacutesticas principais e procurando descobrir como eles se relacionam com o propoacutesito de Deus para sua Igreja Assim seratildeo revistos de maneira breve as principais teorias sobre este grupo para entatildeo se examinar com mais pro-fundidade ndash mesmo que natildeo se chegue a uma identificaccedilatildeo total e inequiacute-voca ndash as caracteriacutesticas dos ldquoseladosrdquo que podem ser compreendidas de maneira clara agrave luz das Escrituras As perguntas a serem respondidas satildeo 1) Quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que permitem tra-ccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil e 2) Qual eacute a sua relaccedilatildeo com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje

O textoA periacutecope analisada vai de Apocalipse 71 ateacute 717 Essa delimitaccedilatildeo

foi deduzida do fluxo natural do texto pois desde Apocalipse 61 ateacute 617 uma sucessatildeo de eventos acontecem como consequecircncia da abertura de cada um dos seis primeiros selos dos sete descritos no comeccedilo da sequecircncia A sequecircncia eacute interrompida entre o sexto e o seacutetimo selo como num interluacutedio no capiacutetulo sete

Ao analisarmos o texto grego encontrou-se 39 variantes2 natildeo tra-zendo alteraccedilotildees significativas no texto que modificassem o entendimen-to da identidade e das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil Como texto-base para este artigo seraacute utilizada a versatildeo Joatildeo Ferreira de Almeida Revista e Atualizada (ARA)

Depois disto vi quatro anjos em peacute nos quatro cantos da ter-ra conservando seguros os quatro ventos da terra para que ne-nhum vento soprasse sobre a terra nem sobre o mar nem sobre aacutervore alguma Vi outro anjo que subia do nascente do sol tendo o selo do Deus vivo e clamou em grande voz aos quatro anjos

2 9 variantes no verso 1 1 no verso 2 5 no verso 3 1 em cada um dos versos 4567 e 8 6 no verso 9 3 no verso 10 1 no verso 12 1 no verso 13 4 no verso 14 1 em cada um dos versos 15 e 16 e 2 no verso 17

144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja

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aqueles aos quais fora dado fazer dano agrave terra e ao mar dizendo Natildeo danifiqueis nem a terra nem o mar nem as aacutervores ateacute selarmos na fronte os servos do nosso Deus Entatildeo ouvi o nuacute-mero dos que foram selados que era cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos dos filhos de Israel da tribo de Judaacute foram selados doze mil da tribo de Ruacuteben doze mil da tribo de Gade doze mil da tribo de Aser doze mil da tribo de Naftali doze mil da tribo de Manasseacutes doze mil da tribo de Zebulom doze mil da tribo de Joseacute doze mil da tribo de Benjamim foram selados doze mil Depois destas coisas vi e eis grande multidatildeo que ningueacutem podia enumerar de todas as naccedilotildees tribos povos e liacutenguas em peacute diante do trono e diante do Cordeiro vestidos de vestiduras brancas com palmas nas matildeos e clamavam em grande voz dizendo Ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeiro pertence a salvaccedilatildeo Todos os anjos estavam de peacute rodeando o trono os anciatildeos e os quatro seres viventes e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto e adoraram a Deus di-zendo Ameacutem O louvor e a gloacuteria e a sabedoria e as accedilotildees de graccedilas e a honra e o poder e a forccedila sejam ao nosso Deus pe-los seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem Um dos anciatildeos tomou a palavra dizendo Estes que se vestem de vestiduras brancas quem satildeo e donde vieram Respondi-lhe meu Senhor tu o sabes Ele en-tatildeo me disse Satildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeo lava-ram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro razatildeo por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuaacuterio e aquele que se assenta no trono es-tenderaacute sobre eles o seu tabernaacuteculo Jamais teratildeo fome nunca mais teratildeo sede natildeo cairaacute sobre eles o sol nem ardor algum pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentaraacute e os guiaraacute para as fontes da aacutegua da vida E Deus lhes enxugaraacute dos olhos toda laacutegrima (Ap 11-17)

Contexto histoacutericoO autor do Apocalipse identifica-se vaacuterias vezes como ldquoJoatildeordquo (ver

Ap 11 4 9 228) O autor tambeacutem afirma que estava na ilha de Pat-mos quando recebeu sua primeira visatildeo (Ap 119) Apesar de natildeo ser

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explicitamente nomeado entende-se que o autor do livro tenha sido o apoacutestolo Joatildeo isto por uma tradiccedilatildeo muito antiga que se harmoniza com as informaccedilotildees fornecidas pelo o texto biacuteblico O The Seventh-day Adven-tist Bible Commentary (SDABC) afirma

Quase por unanimidade a tradiccedilatildeo cristatilde reconhece-o como o autor do Apocalipse Na verdade todo escritor cristatildeo ateacute mea-dos do seacuteculo 3ordm cujas obras ainda existem hoje e que menciona o assunto de alguma forma atribui o Apocalipse de Joatildeo o apoacutes-tolo (NICHOL 2002 p 716)

Esses escritores satildeo Justino Maacutertir em Roma (c100-c165 dC em ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo) Irineu de Liatildeo (c130-c202 dC em ldquoContra as Heresiasrdquo v iv) Tertuliano de Cartago (c160-c240 dC em ldquoPrescriccedilatildeo contra Hereacuteticosrdquo) Hipoacutelito de Roma (morreu c220 dC em ldquoQuem eacute o homem rico seraacute salvordquo v Xlii) Eacute tambeacutem apoiado pelo testemunho desses autores que o livro foi escrito num contexto de perseguiccedilatildeo religiosa3

Contexto literaacuterioO livro do Apocalipse de acordo com a maioria dos especialistas tem

a forma literaacuteria de apocaliacuteptica biacuteblica (AUNE 2002 p lxxxii NICHOL 2002 p 724) Kenneth A Strand propotildee que o livro aleacutem de um proacutelogo e epiacutelogo possui oito visotildees principais dispostas numa estrutura quiaacutesti-ca enfatizando os capiacutetulos 14 e 15 como pivocirc central com um interluacutedio profeacutetico com exceccedilatildeo da primeira e da uacuteltima (STRAND 1992a) cada uma das visotildees satildeo introduzidas por cenas de vitoacuteria (ver NEAL 1992) Mesmo que alguns teoacutelogos e estudantes do livro de Apocalipse fiquem desconfortaacuteveis com a superutilizaccedilatildeo de ldquoquiasmosrdquo mesmo onde eles natildeo existam os paralelismos temaacuteticos em Apocalipse satildeo evidentes entre as visotildees estruturadas conforme sugeridas por Strand Em anos recentes foi proposto pelo teoacutelogo adventista Jacques Doukan que essas oito visotildees

3 Para um apanhado geral do debate sobre a autoria joanina de Apocalipse local e data da composiccedilatildeo veja a introduccedilatildeo do comentaacuterio sobre o livro do Apocalipse no SDABC (NICHOL 2002 p 715-720) para mais detalhes sobre a rejeiccedilatildeo da autoria joanina por uma parte significativa do escolasticismo moderno consulte a introduccedilatildeo do comentaacuterio de Apocalipse no World Biblical Commentary (AUNE 2002 p xlvii-lvi)

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baacutesicas poderiam ser agrupadas em uma estrutura seacutetupla pois cada cena introdutoacuteria ldquoretorna ao templo com uma nota lituacutergica que faz alusatildeo ao calendaacuterio das grandes festas santas de Israel (como prescrito em Leviacutetico 23)rdquo (DOUKHAN 2002 p 13-14)

Kenneth Strand procura delinear as influecircncias da estrutura literaacuteria e dos temas e siacutembolos veterotestamentaacuterios na interpretaccedilatildeo do livro do Apocalipse (STRAND 1992b p 28-24 24-25) Reinaldo Siqueira (2004 p 85-101) expande estas ideias sugerindo que o Apocalipse natildeo soacute utiliza-se de figuras to Antigo Testamento mas ajuda a explicar e definir o sentido das profecias claacutessicas ligando ambas claacutessica e apocaliacuteptica Estas ideias de fato natildeo satildeo de todo novas ou estranhas tanto entre cristatildeos de confissatildeo adventistas (ver NEAL 1992 PAULIEN 1995 TREIYER 1992 p 466-468) quanto evangeacutelicos (ver DRAPER 1983 LAacuteSZLOacute GALLUSZ 2011 p 122-124 SWEET 1979 ULFGARD 1989 p 2-5 35-41) e catoacutelicos (ver KOESTER 1989) Tais discussotildees da influecircncia dos motivos do santuaacuterio e festas de Israel natildeo satildeo estranhas ou novas ateacute mesmo seio do judaiacutesmo (SINGER ADLER 1912 p 390)

Com uma nota final sobre a estrutura geral do livro Richard Davidson (1992 p 115-116) salienta que as cenas introdutoacuterias quando comparadas umas com as outras mostram uma progressatildeo dos ldquoacontecimentos pro-feacuteticosrdquo enquanto as seccedilotildees que introduzem geralmente apresentam uma recapitulaccedilatildeo Sobre esses relacionamentos entre as seccedilotildees do livro de Apo-calipse Bruce Metzger (1994 p 55-54) mesmo concebendo uma estrutura literaacuteria diferente (por exemplo diferente agrupamento de visotildees) do que a proposta neste artigo sumariza

Seguindo esse padratildeo complicado e repetitivo Joatildeo preserva a unidade em seu trabalho travando as diversas partes umas as outras e ao mesmo tempo desenvolvendo seus temas O desen-volvimento poreacutem natildeo eacute de forma estritamente loacutegica como estamos familiarizados com a escrita ocidental eacute sim um pro-duto da mente semita que atravessa toda a imagem novamente e novamente Assim os sete selos e as sete trombetas essencial-mente a mesma coisa dizer cada vez enfatizando um ou outro aspecto do todo

A estrutura proposta desenvolvida com base nos princiacutepios menciona-dos acima estaacute ilustrada na proacutexima paacutegina por uma figura

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Figura 1 Estrutura do LivroTexto que sugerem paralelos na estrutura Quiaacutestica do ApocalipseCopilados pelo Dr K A Strand

A periacutecope esta inserida no terceiro bloco da estrutura proposta na Figura 1 acima

Estrutura da periacutecopeSugere-se a seguinte estrutura para a periacutecope estudada (Ap 7) I ndash Os 144 mil Selados e o Selo de Deus ndash 71-8 a) O Selo Protetor de Deus ndash 71-3 b) O selamento do povo de Deus ndash 74-8 II ndash O Povo de Deus Glorificado ndash 79-17 a) A visatildeo e o Cacircntico dos salvos ndash 79-12 b) A descriccedilatildeo dos salvos ndash 713-17 i ndash O Caraacuteter dos salvos ndash 713-15 ii ndash Promessas especiais aos salvos ndash 716-17

Textos paralelosApocalipse 141-5 apresenta-se como um claro paralelo das partes da

periacutecope estudada Outro paralelo natildeo tatildeo evidente que lanccedila luz sobre agrave

1113

178

A1Proacutelogo11-10a

A1

2735

312312314

27 11

B1Igreja

Militante110b-322

B1

A2

226227

221213

A2Epiacutelogo226-21

E

146 a 154

Suma Escatoloacutegica

Final

42465135662

61561179

71-3715717610

C1Accedilatildeo Divinaem Curso

41-81

C1 C2

1941916197919111918198213214192

C2Juiacutezo DivinoConcluiacutedo191-214

B2

22221272110224215217

B2Igreja

Triunfante215-225

D1

Advertecircnciaaos iacutempios82-1118

8788

81081292

9141115

PoderesOponentes a Deus e a Seu

Povo

1119-1420

1119121

123131

D2

Puniccedilatildeoaos iacutempios

PoderesOponentes

julgados por Deus

151-1617

162163164168

161016121617

1618-1824

161821171173

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identidade e o caraacuteter dos 144 mil eacute o capiacutetulo 9 de Ezequiel Ambos seratildeo brevemente abordados posteriomente para ldquoclarearrdquo o entendimento em re-laccedilatildeo ao caraacuteter dos 144 mil e o propoacutesito de Deus para sua Igreja

Motivos literaacuteriosO livro de apocalipse estaacute repleto de instacircncias que mostram como as

promessas da alianccedila sobre um futuro glorioso iratildeo se cumprir (SIQUEIRA 2004 p 98) O Capiacutetulo 7 desenvolve os temas do concerto introduzidos nos capiacutetulos anteriores (AUNE 2002 p 247)

Becircnccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedilaTanto no Pentateuco quanto no livro de Apocalipse o tema das

benccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedila estatildeo presentes delineando as con-sequecircncias da obediecircncia ou desobediecircncia (SHEA 1983) Como no Pentateuco o livro do Apocalipse inicia com a enunciaccedilatildeo da alian-ccedila ndash enfatizando basicamente 1) a bondade anterior do soberano e 2) estabelecendo a benevolecircncia do mesmo como parte das estipulaccedilotildees

ndash enquanto o resto do livro delineia o que acontece em consequecircncia do cumprimento ou violaccedilatildeo da alianccedila (STRAND 1983)

Na periacutecope estudada vemos os 144 mil de peacute no monte de Siatildeo en-quanto que no outro lado do quiasmo (veja a Figura 1) no capiacutetulo 19 a besta o falso profeta e os adoradores da besta satildeo lanccedilados no lago de fogo

TribulaccedilatildeoO capiacutetulo sete inicia a descriccedilatildeo de um periacuteodo na histoacuteria da terra onde

os ldquoquatro ventosrdquo estatildeo sendo seguros para que natildeo causassem nenhum mal ao soprar ldquona terra no mar ou em qualquer aacutervorerdquo (v 1-3) Na sequecircncia na segunda parte da periacutecope (v 14) encontra-se uma referecircncia agravequeles que escaparam da ldquogrande tribulaccedilatildeordquo provavelmente o mesmo evento descrito nos versos 1-3 apoacutes o acontecimento sob a perspectiva dos salvos

O vocaacutebulo grego utilizado eacute θλιψεως derivado de θλῖψις Pesqui-sando as ocorrecircncias do termo na LXX no contexto profeacutetico encontra-se a ocorrecircncia de uma construccedilatildeo muito similar em Daniel 121 que fala de um ldquotempo de anguacutestia qual nunca houve desde que houve naccedilatildeo ateacute agravequele tempordquo aparecendo no final da narrativa ldquoapocaliacutepticardquo de Daniel no con-texto do ataque final do rei do norte No sermatildeo profeacutetico conforme narrado por Mateus e Marcos Jesus faz referecircncia agrave ldquogrande tribulaccedilatildeordquo de Daniel

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aplicando-a primeiramente agrave destruiccedilatildeo do templo e a um periacuteodo posterior de perseguiccedilatildeo que se estende ateacute a sua volta (ver Mt 2415-30 Mc 1314-20)

Nestas passagens Jesus associa esta tribulaccedilatildeo com outro evento men-cionado por Daniel a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo como verte a Almeida Revista e Atualizada (ARA) ou o ldquogrande terrorrdquo como o faz a Nova Ver-satildeo Internacional (NVI) Segundo Beatrice Neal (1992 p 253 grifo nosso) Daniel identifica trecircs ocasiotildees onde a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo atingiria o templo e atacaria o povo de Deus bem como as analisa agrave luz do sermatildeo profeacutetico de Jesus

1) a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Dn 926-27) 2) a opressatildeo do povo da alianccedila quando eles seriam ldquomortos agrave espada ou no fogo ou seratildeo mandados para fora do paiacutes como prisioneiros ou perderatildeo todos os seus bensrdquo por ldquotempo dois tempos e metade de um tempordquo (1131-35 75) e 3) um ataque final no ldquotempo do fimrdquo (1140-121) Jesus parece misturar estes dois eventos claramente fazendo refe-recircncia para a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Mt 2415-20 cf Lc 2120) e para um periacuteodo posterior mais longo de perseguiccedilatildeo (Mt 2421 ver tambeacutem o ldquoapostasiardquo dos versiacuteculos 9-10 uma alusatildeo a Dn 113 b-35) Assim como a presenccedila dos romanos nas aacutereas sagradas de Jerusaleacutem marcaram o tempo do povo de Deus fugir nos tempos apostoacutelicos e o anticristo entronizando-se no temploigreja de Deus (2Te 23-4) marcou o um tempo de grande perseguiccedilatildeo na Idade Meacutedia assim do mesmo modo o ataque final de Satanaacutes contra a igreja do tempo do fim (Ap 1217 1315-17) precipitaraacute a grande tribulaccedilatildeo dos uacuteltimos dias

SelamentoAntes que esta ldquogrande tribulaccedilatildeordquo recaia sobre a Terra Joatildeo mostra ou-

tro anjo voando do oriente bradando em ldquoalta vozrdquo que nada fosse feito ateacute que o povo de Deus estivesse marcado na fronte (Ap 72-3) Nos tempos do Antigo Testamento especialmente no contexto da alianccedila selar ou marcar coisas e pessoas tinha diversos significados (ver FRIEDRICH 1976 p 939-953)

1) Propriedade a circuncisatildeo era uma marca de propriedade mostran-do que Israel pertencia ao Senhor (Gn 179-12) De modo anaacutelogo o sumo sacerdote de Israel tinha em sua mitra uma placa com a frase ldquoSantidade ao SENHORrdquo (Ecircx 2836-38) indicado sua especial consagraccedilatildeo a Deus No

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livro de Apocalipse por diversas vezes os santos satildeo chamados de ldquosacer-dotesrdquo (ver Ap 161 510 206) portanto a marca na fronte sugeriria sua dedicaccedilatildeo especial a Deus

2) Proteccedilatildeo desde os tempos antigos o objeto ou a pessoa que fosse to-mado como propriedade imediatamente ficava sob proteccedilatildeo Talvez a ocor-recircncia mais antiga de um selo com essa funccedilatildeo seja o selamento de Caim (Gn 415) Em Ecircxodo 12 haacute outro exemplo onde o sangue do cordeiro mar-cava e dava proteccedilatildeo aos primogecircnitos contra o Anjo da morte (Ecircx 1212-13) A esse respeito o livro de Ezequiel apresenta uma cena muito similar agrave de Apocalipse 71-3 tanto no aspecto temporal (ambas parecem situar-se em uma cena de juiacutezo do Dia da expiaccedilatildeo) quanto nas figuras utilizadas Em Ezequiel 9 o selamento na fronte dos fieis protege-os dos anjos executores do juiacutezo de Deus (Ez 94-6) Assim o Selo de Deus em Apocalipse natildeo os protege necessariamente dos poderes humanos mas da ira de Deus contra aqueles que violaram sua alianccedila

3) Outros aspectos relacionados ao selamento em Deuteronocircmio 68 lecirc-se ldquoTambeacutem as ataraacutes como sinal na tua matildeo e te seratildeo por frontal entre os olhosrdquo Aqui os israelitas foram ordenados a colocar os mandamentos de Deus como um sinal atado em seus braccedilos e fronte Nos versos anterio-res (Dt 65-7) haacute fortes indicaccedilotildees de que esse ato deveria simbolizar uma resposta do ser inteiro ndash no campo dos pensamentos emoccedilotildees e mesmo comportamento ndash e deveria permear todas as aacutereas da vida Portanto o sim-bolismo do selamento na fronte (Ap 73) e a marca falsificada da besta na matildeo (Ap 1317) simbolizam respectivamente uma resposta integral do ser a Deus ou conformidade agrave vontade do inimigo

Em Apocalipse 141 quando os 144 mil estatildeo no monte de Siatildeo vi-toriosos com o cordeiro eles satildeo descritos como tendo ldquoescritos na testa o nome dele [do Cordeiro] e o nome de seu Pairdquo Em Ezequiel 94 onde costumeiramente se lecirc na NVI ldquoponha um sinalrdquo ou na ARA ldquomarca com um sinalrdquo no hebraico se lecirc literalmente ldquomarca com um tavrdquo Deve-se notar que nos tempos do profeta Ezequiel o tav era grafado como uma cruz (BYRNE 2008)

Visto que na mentalidade biacuteblica o nome de um sujeito representa o caraacuteter de seu possuidor agrave luz dos textos acima Joatildeo parece sugerir que os vitoriosos da uacuteltima crise seratildeo aqueles que tecircm o caraacuteter semelhante ao de Cristo ldquoestampadordquo sobre o seu proacuteprio Na temaacutetica de Apocalipse 7 e 14 em contraste com Apocalipse 13 no conflito final todos refletiratildeo o caraacuteter de Cristo ou de Satanaacutes

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Os 144 mil e a grande multidatildeoApocalipse 7 mostra duas cenas distintas uma que introduz os 144

mil e outra que introduz a ldquoGrande Multidatildeordquo Nesta seccedilatildeo seraacute conside-rado mais diretamente o assunto sobre os 144 mil e o seu relacionamento com a grande multidatildeo para encontrar marcas identificaacuteveis dos 144 mil e tentar relacionaacute-las ao propoacutesito de Deus para a sua Igreja com base nas mesmas caracteriacutesticas

Significado do nuacutemeroOs 144 mil jaacute foram caracterizados como ldquoa ala humana do exeacutercito

coacutesmico de Deusrdquo (BLOUNT 2009 p 145) Joatildeo ouve o nuacutemero (Ap 74) e sua composiccedilatildeo (Ap 75-8) ndash 12000 de cada uma das 12 tribos de Israel

ndash sem no entanto nenhuma explicaccedilatildeo posterior fornecida A identidade desse grupo jaacute foi extensamente debatida e atualmente poucos sustentam a interpretaccedilatildeo de que o nuacutemero eacute uma referecircncia literal agrave naccedilatildeo de Israel (BLOUNT 2009 p 158)

O pesquisador e pastor britacircnico Michael Wilcock (1991 p 8) afirma

A figura eacute presumivelmente outra das figuras simboacutelicas do Apo-calipse e de fato aparenta ser muito estilizada para ser qualquer outra coisas ndash o tipo de nuacutemero suspeitosamente arrumado que eacute muito mais provaacutevel que seja um siacutembolo do que uma estatiacutestica

De fato o nuacutemero 144 mil (12 x 12 x 1000) eacute baseado no nuacutemero de tribos de Israel em nuacutemero de 12 e tambeacutem como alguns tecircm sugerido 12 apoacutestolos do cordeiro (JOHNSON 2004 p 184) Na mentalidade he-braica 12 eacute o nuacutemero da perfeiccedilatildeo de governo (BULLINGER 2006 p 253) e 1000 e o nuacutemero da plenitude divina Portanto 144 mil sugere uma simetria perfeita uma vastidatildeo dos selados e a perfeiccedilatildeo e completeza da Igreja de Deus

Relacionamento com a grande multidatildeoDepois que Joatildeo ouve o ldquocensordquo dos remidos ele os vecirc como uma grande

multidatildeo no ceacuteu Muito jaacute se discutiu e publicou sobre o assunto dando abertura a vaacuterias teorias Beatrice Neal (1992 p 267-272) agrupa as principais visotildees do relacionamento entre os 144 mil e a grande multidatildeo em 4 grupos de propostas

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1) Judeus literais contrastados com os gentios os maiores defensores desta posiccedilatildeo satildeo os dispensacionalistas identificando os 144 mil como o nuacutemeros de Judeus convertidos que seratildeo protegidos da tribulaccedilatildeo enquan-to a grande multidatildeo seraacute martirizada (PENTECOST 2010 p 214297-298300 WALVOORD 1989 p 143-146) Uma das dificuldades dessa in-terpretaccedilatildeo eacute que a distinccedilatildeo entre judeus e gentios natildeo e feita em nenhum lugar do livro de Apocalipse (NEAL 1992 p 268)

2) A uacuteltima geraccedilatildeo de santos contrastada com os redimidos de todas as eras alguns sustentam que os 144 mil satildeo os crentes selados durante a crise final uma espeacutecie de ldquoexeacutercito de Deusrdquo enquanto que a grande multidatildeo seratildeo os salvos de todas as eacutepocas (MOUNCE 1998 p 171 SMITH 2004 p 470-471) No entanto em Apocalipse 713-14 surge a pergunta ldquoEstes [hellip] quem satildeo e donde vieramrdquo e a subsequente resposta de que ldquosatildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeordquo essa questatildeo introduz um problema para esta interpretaccedilatildeo pois nas palavras do anciatildeo de Apocalipse 714 eles natildeo satildeo os remidos de todas as eras mas os que passaram pela grande tribulaccedilatildeo

3) Ambos satildeo o mesmo grupo em circunstacircncias diferentes a conclu-satildeo que ambos os grupos retratados no capiacutetulo 7 satildeo os mesmos apenas representados em momentos diferentes ndash respectivamente a Igreja militan-te e a Igreja triunfante ndash eacute partilhada por muitos estudiosos (HOEKSEMA 2000 p 265-266 NICHOL 2002 p 785) Apesar de ser uma interpretaccedilatildeo loacutegica e fiel ao texto aleacutem de resolver os problemas das interpretaccedilotildees ante-riores ela ainda apresenta um problema que natildeo eacute percebido facilmente se a segunda cena de Apocalipse sete representa a igreja no ceacuteu depois da segun-da vinda de Cristo entatildeo os santos de todas as eacutepocas devem estar presentes ao redor do trono natildeo somente a uacuteltima geraccedilatildeo

4) A igreja na tribulaccedilatildeo que estaacute espiritualmente diante do trono esta interpretaccedilatildeo foi originalmente proposta por Beatrice Neal (1992 p 270-272) durante sua participaccedilatildeo no Daniel and Revelation Committee a qual eacute adotado no restante deste artigo e complementada com elementos expostos anteriormente para se definir com base em Apocalipse 7 a Identidade e o propoacutesito da Igreja de Deus

Para comeccedilar a entender essa proposta faz-se necessaacuterio observar que em Apocalipse 714 o texto grego natildeo afirma ldquoestes que vieram da grande tri-bulaccedilatildeordquo mas ldquoestes os que estatildeo vindo [ἐρχόμενοι] da grande tribulaccedilatildeordquo4

4 O verbo ἔρχομαι estaacute no plural masculino no particiacutepio presente meacutedio ou passivo do nominativo

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Aparentemente a tribulaccedilatildeo estaacute em andamento Nesse sentido tem-se a im-pressatildeo de que algo estaacute errado com a traduccedilatildeo ateacute que seja observado um pa-dratildeo marcante dos escritos joaninos o conceito de ldquovida eterna agora ceacuteu nesta vidardquo (NEAL 1992 p 270) algo que de certo modo reflete o conceito teoloacute-gico conhecido com ldquoJaacute mas natildeo aindardquo Muitos exemplos satildeo observaacuteveis em especial no evangelho de Joatildeo5 Essa proposta sugere que o mesmo modo de pensamento ndash onde o que eacute real e literal no futuro avanccedila para o presente como uma experiecircncia espiritual ndash aparece no livro de Apocalipse

Beatrice Neal (1992 p 270) em sua proposta cita algumas evidecircncias internas destes paradoxos no livro de Apocalipse

B Os santos reinaratildeo para sempre (Ap 225) mas Joatildeo jaacute compartilha do Reino (Ap 19) mesmo no exiacutelio

B O Rio da Vida fluiacute pela Nova Jerusaleacutem (Ap 221-2) mas quem tem sede pode beber agora (Ap 717)

B Cristo viraacute em breve com a recompensa (Ap 2212) mas Ele vem jaacute para a Sua Igreja (Ap 25 16 25)

B A nova Jerusaleacutem viraacute do ceacuteu para a Nova Terra (Ap 212) mas ela desce agora mesmo para aquele que vence (Ap 312)

Em harmonia com essa visatildeo Joatildeo consistentemente se refere aos ini-migos de Deus como aqueles que ldquohabitam sobre a terrardquo (Ap 138) ao pas-so que aos santos chama de aqueles que ldquohabitam [σκηνοῦντας] no ceacuteurdquo (Ap 135) portanto viver no ceacuteu eacute uma experiecircncia presente (NEAL 1992 p 271) tendo acesso ao trono atraveacutes do cordeiro (ver Hb 1019-23)

O duplo sentido joanino eacute evidente nas palavras de Jesus em Joatildeo 525 ldquoEm verdade em verdade vos digo que vem a hora e jaacute chegou em que os mortos ouviratildeo a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viveratildeordquo Na mesma passa-gem o significado futuro eacute claro na volta de Cristo os mortos seratildeo ressuscita-dos Mas o significado presente estaacute tambeacutem evidente aqueles que estatildeo espiri-tualmente mortos satildeo trazidos de volta agrave vida ao ouvirem Jesus chamar Com o

5 Veja alguns exemplos no quarto evangelho 1) absolviccedilatildeo do julgamento (524) 2) ressurreiccedilatildeo da morte (525) 3) vida eterna (647) e 4) volta de Jesus (no futuro 141-3 e no presente em 141823)

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duplo sentido em mente Apocalipse 7 se enche de significados e os problemas expostos satildeo resolvidos respeitando-se a fidelidade ao texto No caso do texto em estudo visto que a grande multidatildeo ainda estaacute emergindo da grande tribula-ccedilatildeo (v 14) mesmo na terra os crentes podem estar no ceacuteu em sentido espiritual pelos meacuteritos do cordeiro e a obra do Espiacuterito Santo Quando eles cantam ldquoA salvaccedilatildeo pertence ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeirordquo (Ap 710) este cacircntico como os salmos imprecatoacuterios se torna um pedido de ajuda que acende aos ceacuteus sendo respondido por Deus que os protege dos ventos de destruiccedilatildeo (Ap 71) e das pragas vindouras (Ap 716 cf 168)

Dra Neal (1992 p 272) sumariza

Como eacute comumente entendido a primeira cena de Apocalipse 7 descreve a preparaccedilatildeo para a tribulaccedilatildeo e na segunda cena liber-taccedilatildeo da tribulaccedilatildeo sem menccedilatildeo da tribulaccedilatildeo em si Mas se o duplo sentido eacute intencional o capiacutetulo mostra como cristatildeos li-dam coma tribulaccedilatildeo quando no calor da mesma ndash como eles satildeo protegidos no tempo de prova que viraacute sobre o mundo todo (310)

Consideraccedilotildees finaisNo comeccedilo deste artigo duas questotildees foram levantadas A primeira

delas eacute quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que nos permitem traccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil

Para que a questatildeo seja respondida deve-se lembrar que Apocalipse 7 pa-rece responder a pergunta ldquoquem eacute que pode suster-serdquo (Ap 617) com os 144 mil sendo preparados para a tribulaccedilatildeo Mais adiante (v 10) eacute demonstrado que uma das caracteriacutesticas marcantes dos 144 mil eacute que eles proclamam com grande voz a mensagem de justificaccedilatildeo pela feacute que eacute a obra do Terceiro Anjo6

Quando considerado o duplo sentido joanino e se observa Apocalipse 7 agrave luz do que foi analisado ateacute aqui pode-se perceber que ao passo que as maldiccedilotildees se abateratildeo sobre a terra aqueles que forem fieis a Deus perma-neceratildeo inabalados perante o seu juiacutezo

6 A mensagem do Terceiro Anjo eacute juntamente com a restauraccedilatildeo de outras verdades a exaltaccedilatildeo de Jesus e a inteireza de seu ministeacuterio por noacutes (WHITE 2006 p 3624 2010 p 19-20)

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Agrave luz da evidencia biacuteblica recapitulada neste artigo os 144 mil satildeo uma figura da Igreja Militante que permaneceraacute fiel ateacute a volta de Cristo Sob esse prisma o motivo do selamento eacute crucial para identificar o propoacutesito da Igreja de Deus na atualidade O selamento agrave luz do contexto de Apocalipse 71-3 e Ezequiel 9 ocorre imediatamente antes do encerramento do dia da expiaccedilatildeo antitiacutepico

Ao selar Seu povo Deus se coloca como seu proprietaacuterio e portan-to a diretiva biacuteblica ldquoSejam santos porque eu sou santordquo (1Pe 11 cf Lv 114445 192 207) nunca foi tatildeo atual O mesmo selo que define o povo de Deus tambeacutem protege da ira divina contra aqueles que violaram sua alianccedila Ao passo que o selo de Deus dentro do contexto do adventismo do seacutetimo dia tem sido relacionado com os 10 mandamentos e com o quarto manda-mento em especial existe uma segunda dimensatildeo para o significado deste selo que transcende e abarca o primeiro Antes mesmo de accedilotildees (o selo de Deus agrave luz da evidecircncia biacuteblica exposta [Dt 65-8 Ap 73 Ez 94]) o sela-mento eacute um simbolo da resposta do ser inteiro abarcando todas as aacutereas da vida ao chamado divino agrave santidade

Se agrave luz de Deuteronocircmio 65-8 e outros inuacutemeros textos natildeo citados neste artigo percebe-se que a segunda dimensatildeo do selo eacute mais inclusiva ao se refletir acerca do selo escatoloacutegico de Apocalipse 73 e 141 sob o pano de fundo de Ezequiel 9 (especialmente o v 4) percebe-se que o selamento eacute a obra de Cristo nos crentes atraveacutes de Seu Espiacuterito (ver Ef 113-14) que os faz natildeo somente pertencer a Ele mas possuir o seu caraacuteter estampado sobre o deles mesmos Mesmo natildeo refletindo a sua inteireza de santidade o caraacuteter de Cristo nos crentes jaacute pode apresentar parte do aspecto ldquosem maacute-culardquo (Ap 145b) diante do Pai No contexto da alianccedila ldquosem maacuteculardquo natildeo significa ldquonatildeo pecarrdquo mas andar com Deus como Abraatildeo Noeacute e outros o fizeram (ver Gn 69 171 cf Hb 11) Deus intenciona que sua igreja cada membro individualmente e diariamente receba o selo divino em suas vidas e demonstre ao mundo que estaacute em harmonia com Deus e Seus imperati-vos ndash natildeo soacute o saacutebado e os outros mandamentos mas todo o ser deve ser consagrado ao Criador

Uma das caracteriacutesticas dos 144 mil em Apocalipse 145 eacute que ldquonatildeo se achou mentira em sua bocardquo Deus espera por uma Igreja e seus mem-bros individuais apenas a verdade No verso 4 eles satildeo caracterizados como

ldquoseguidores do Cordeirordquo Antes de ser sua tarefa futura no ceacuteu eacute dever da Igreja e de cada indiviacuteduo nos dias atuais seguir os passos de Cristo co-nhecer sua voz (ver Jo 102-5) e apegar-se ao ldquoassim diz o Senhorrdquo natildeo ao

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assim diz a sociedade agraves financcedilas ou qualquer outra desculpa para a natildeo conformidade com o evangelho de Cristo Eacute por isso que em Apocalipse 144 eles satildeo declarados ldquocastosrdquo e incontaminados com mulheres preservando-

-se uma em vida de fidelidade ao SalvadorA segunda pergunta a ser respondida por este artigo eacute qual eacute a relaccedilatildeo

das caracteriacutesticas dos 144 mil com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje Agrave luz do que foi recapitulado neste artigo parece clara a funccedilatildeo de Apocalipse 7 alertar a Igreja de Deus agrave necessidade de uma reforma e rea-vivamento diaacuterio e constante na vida do indiviacuteduo e da comunidade

Por fim a perfeiccedilatildeo numeacuterica do nuacutemero 144 mil eacute uma forte indica-ccedilatildeo daquilo que jaacute eacute evidente na Biacuteblia Deus cumpriraacute a risca seus planos e promessas para o seu Israel a despeito dos eventos que acontecem no mun-do ou na igreja ou a despeito da preparaccedilatildeo dos crentes

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Enviado dia 14112012Aceito dia 04012013

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual

de Lucas 2243-44Agony at Gethsemane a critical-textual study

of Luke 2243-44

Luan Henrique Gomes Ribeiro1 Wilson Paroschi2

Resumo Abstract

O texto de Lucas 2243-44 representa grande dificuldade textual agraves consi-deraccedilotildees a respeito da Paixatildeo de Cristo Isso ocorre porque o texto suge-rido natildeo pode ser encontrado nos melhores manuscritos que evidenciam

os relatos no Getsecircmani como consta no evangelho de Lucas Assim a fim de considerar tal problemaacutetica este artigo procura analisar alguns comentaacuterios dos Pais da Igreja do segundo seacuteculo e sugestotildees de alteraccedilatildeo escribal a fim de constatar a histoacuteria do texto problemaacutetico Por fim entende-se que o texto de Lucas foi uma legiacutetima interpolaccedilatildeo ocasionada por questotildees teoloacutegicas Contu-do em vista da importacircncia da tradiccedilatildeo fundamentada sobre a ocasiatildeo descrita no texto e antiguidade do mesmo o relato deve ser considerado verdadeiro Palavras-chave Lucas 2243-44 Criacutetica textual Getsecircmani Agonia

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) e poacutes-gra-duando lato senso em teologia biacuteblica pela mesma universidade E-mail lhgr21gmailcom2 PhD em Teologia do Novo Testamento pela Andrews University (2003) e poacutes-doutorado em Novo Testamento pela Ruprecht-Karls-Universitaumlt Heidelberg (2011) Atua como professor na Faculdade Adventista de Teologia no Unasp E-mail wilsonparoschiunaspedubr

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Luke 22 43-44 brings great textual difficulties to the considerations about The Passion of Christ This happens because this text cannot be found in the best manuscripts containing the story of Gethsemane as

it is told in the book of Luke Thus to consider this issue this article objectifies to analyze some comments of the Fathers of Church from the second century and some suggestions of scribes about changes on the writing so that the history of the text can be understood At last we conclude that this text was a lawful interpolation occasioned by theological needs However due to the important tradition based on the event described in the text and how old it is the story should be taken as real Keywords Luke 2243-44 Keywords extual criticism Gethsemane Agony

Ao longo da histoacuteria cristatilde o relato da Paixatildeo de Cristo tem sido o cen-tro natildeo somente da teologia mas tambeacutem da liturgia da igreja (BARBOUR 1969-70 p 231-251) Isso tambeacutem eacute verdade em relaccedilatildeo aos escritos dos proacuteprios evangelistas que dedicam uma consideraacutevel porccedilatildeo de seus relatos agrave prisatildeo e morte de Jesus

Como parte da narrativa existe um episoacutedio que eacute considerado o cen-tro de toda a Paixatildeo de Cristo a oraccedilatildeo de Jesus no jardim do Getsecircmani Todos os quatro evangelhos trazem esse relato (ver Mt 2647-56 Mc 1443-50 Lc 2247-53 Jo 181-11) poreacutem apenas os sinoacuteticos descrevem a difiacutecil oraccedilatildeo feita por Cristo aleacutem do fracasso dos disciacutepulos (ver Mt 2636-46 Mc 1432-42 Lc 2239-46)

Entre as poucas diferenccedilas e as muitas semelhanccedilas entre os trecircs evan-gelistas um relato aparece como uacutenico o suor de sangue produzido por Cristo e o anjo vindo do Ceacuteu para fortalececirc-lo (Lc 2243-44) A passagem de Lucas 2243-44 pode ser considerada um ldquoclaacutessicordquo quando se fala em criacute-tica textual e tradiccedilatildeo da igreja A passagem se demonstra problemaacutetica no aspecto textual pois natildeo aparece em boa parte dos melhores e mais antigos manuscritos disponiacuteveis (P69 75 01C1 A B N R T W 0211 13 579 1071 pc4 f SyrS sa bo Hiermss arm geo) assim como no aspecto teoloacutegico pois tanto a presenccedila como a ausecircncia do texto altera de maneira draacutestica a visatildeo

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que Lucas tem de Jesus De forma semelhante haacute implicaccedilotildees no conheci-mento cristoloacutegico que pode ser extraiacutedo do relato

Em vista das divergecircncias trazidas pelos manuscritos e pelos comentaacute-rios dos Pais da Igreja pode-se formular duas hipoacuteteses experimentais ou 1) o texto de 2243-44 foi omitido do texto original de Lucas ou 2) este foi ateacute aqui transmitido atraveacutes de uma interpolaccedilatildeo A partir destas hipoacuteteses duas perguntas surgem de maneira inevitaacutevel Lucas foi o autor do texto Qual o motivo da omissatildeointerpolaccedilatildeo do mesmo O presente trabalho tem como objetivo tentar encontrar respostas para as duas questotildees assim como fazer uma anaacutelise teoloacutegica sobre a relaccedilatildeo da igreja contemporacircnea com a do passado Atraveacutes da anaacutelise das diferentes ideias e comentaacuterios relacionados ao texto e sua transcriccedilatildeo assim como comparaccedilotildees gramaacuteticas e teoloacutegicas seratildeo apresentadas algumas consideraccedilotildees sobre o problema proposto

Histoacuteria do textoA lista de testemunhas do referido texto podem ser organizadas da se-

guinte forma 1) incluem os versos 43-44 א b D Κ L Χ Θ Δ Π Ψ 0171 f1 565 700 892 1009 1010 1071mg 1230 1241 1242 1253 1344 1365 1546 1646 2148 2174 Byz vg syrc p h pal arm eth Diatessarone

e arm i n Justino Irineu Hipolito Dionisio Eusebio Didimo Jeronimo e muitos outros pais da igreja 2) incluem os versos 43-44 com asteriscos Dc Pc 892mg 1079 1195 1216 bopt 3) transpotildeem os versos 43-44 logo apoacutes Mt 2639 f13 4) omitem os versos 43-44 P69vid 75 Ka Α Β Ν R Τ W 579 1071 pc Lectpt itf syrs sa bopt armmss geo Marcion Clement Origen MSSacc para Hilary Athanasius Ambrose Cyril John-Damascus

De maneira geral eacute possiacutevel alegar que os manuscritos ocidentais tra-zem os versiacuteculos ao passo que os de Alexandria o omitem3 Mesmo que os manuscritos alexandrinos sejam considerados dignos de confianccedila espe-cialmente quando colocados em comparaccedilatildeo com documentos ocidentais (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 66) natildeo haacute necessidade de ser categoacuteri-co ou precipitado ao afirmar que no caso em questatildeo a discussatildeo pode ser estabelecida com tais bases

Guumlnther Zuntz (1953 p 55-56 213-215) por exemplo argumenta que documentos natildeo alexandrinos lidos na tradiccedilatildeo ocidental e bizantina

3 Para uma descriccedilatildeo mais detalhada dos manuscristos ver BD Ehrman e APlunkett (1983 p 402 403)

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possuem grande chance de ser genuiacutenos (ver METZGER 1968 p 214) Por outro lado eacute legiacutetima a ideia de que muitos eruditos consideram Lucas 2243-44 uma distorccedilatildeo textual vinda do Egito4 Independentemente da preferecircncia textual a discussatildeo acaba sendo conduzida em direccedilatildeo agrave esco-lha de uma ou outra escola

A partir da anaacutelise das testemunhas tambeacutem eacute possiacutevel identificar uma data para a mudanccedila do texto Visto que a referecircncia mais antiga para o texto vem antes do ano 160 dC com Justino Martir (DONALDSON COXE 1997 p 251) e uma omissatildeo posterior a 200-230 dC (p69 p75) eacute possiacutevel afirmar que se o texto foi omitido isso ocorreu antes de 230 dC e se inse-rido antes de 160 aC

Probabilidades de transcriccedilatildeoQuando se trata de um problema textual a possibilidade de uma omis-

satildeo acidental deve sempre ser levada em consideraccedilatildeo Neste caso poreacutem a ocorrecircncia de tal possibilidade de erro escribal eacute dificultada por vaacuterias razotildees

Primeiramente o tamanho do texto em questatildeo (26 palavras) torna a possibilidade de que o escriba tenha intencionalmente alterado o texto im-provaacutevel Turner (1957 p 1-4) argumenta que erros dessa natureza devem ser considerados plausiacuteveis apenas quando o intervalo natildeo eacute longo Aleacutem disso natildeo eacute possiacutevel encontrar nenhum tipo de homoioteleuton (frases com finais semelhantes) no texto para que algueacutem tenha simplesmente confundido o texto com outro descrito algumas linhas abaixo Igualmente eacute difiacutecil ima-ginar que uma passagem dessa importacircncia fosse retirada do texto mesmo que involuntariamente sem correccedilatildeo Diante disso a transcriccedilatildeo do texto eacute melhor compreendida como alterada de maneira consciente e deliberada

Alguns autores tecircm sugerido que o texto teria sido omitido com o intui-to de harmonizar os evangelhos (LAGRANGE 1921 p 563 DUPLACY 1981 p 79 BRUN 1933 p 276) Apesar da aparente soluccedilatildeo do problema natildeo se encontra razatildeo para acreditar em tal teoria por representar um exem-plo sem precedentes aleacutem de que muitas outras diferenccedilas foram deixadas no texto como por exemplo a tripla oraccedilatildeo de Jesus ou a menccedilatildeo de Pedro Tiago e Joatildeo estando com Ele Se de fato uma tentativa de harmonizaccedilatildeo tivesse sido feita muitas outras alteraccedilotildees no texto seriam encontradas

4 Uma lista dos eruditos que incluem e excluem os versos pode ser encontrada em Marshall (1978)

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Como muitos autores tecircm sugerido o problema textual de Lucas 2243-44 deve ser entendido agrave luz das discussotildees teoloacutegicas dos primeiros seacuteculos De fato essa ideia natildeo eacute nova e pode ser remetida ao seacuteculo 4 dC com Epi-facircnio (Ancoratus 31 4-5)

[Essa passagem] eacute encontrada nas coacutepias natildeo revistas do Evange-lho de Lucas e Santo Irineu usou seu testemunho em seu trabalho Adversus Haereses contra aqueles que dizem que Cristo [apenas] parecia se manifestar [na carne] Mas aqueles que eram ortodoxos omitiram a passagem por medo natildeo compreendendo o seu propoacute-sito e grande forccedila Assim ldquoquando ele estava em agonia Ele suou e o seu suor tornou-se como grandes gotas de sangue E um anjo apareceu fortalecendo-Ordquo

Da mesma maneira Hilaacuterio (350 dC) recorda em De Trinitate (1041)

Certamente natildeo podemos nos esquecer de que em muitos manus-critos em grego e em latim nada eacute registrado da vinda do anjo e o suor como sangue Entatildeo algueacutem pode ter duacutevida se este em di-ferentes livros estaacute ausente ou eacute considerado redundante ndash este eacute deixado indeterminado por causa das diferenccedilas nos livros Algumas heresias utilizam as palavras para afirmar a fraqueza de Jesus que precisava da ajuda de um anjo mas por favor considere que o criador dos anjos natildeo precisa desta proteccedilatildeo [hellip] O suor de sangue eacute um testemunho contra a heresia que fala falsamente de uma ilusatildeo [do corpo de Jesus docetismo] o suor manifesta a verdade do corpo

Severo de Antioquia preserva uma declaraccedilatildeo de Cirilo de Alexandria (375-444 dC) a partir de um trabalho perdido de outra forma Severo es-creve na ldquo3ordf carta do sexto livro das pessoas depois do exiacuteliordquo para a ldquoglo-riosa Cesareiardquo

Mas a respeito da passagem sobre o suor e as gotas de sangue saiba que nas divinas Escrituras e Evangelhos que estatildeo em Alexandria esta natildeo estaacute escrita Por isso tambeacutem o Santo Cirilo no 12ordm dos livros escritos por ele em nome da religiatildeo de todos os cristatildeos contra o iacutem-pio adorador de democircnios Julio claramente declarou como segue

ldquoMas desde que ele disse que o divino Lucas inseriu entre suas

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proacuteprias palavras a afirmaccedilatildeo de que um anjo apareceu e for-taleceu Jesus e seu suor escorria como gotas de sangue ou san-gue deixe-o saber de noacutes que natildeo encontramos nada deste tipo inserido na obra de Lucas a natildeo ser talvez que uma interpola-ccedilatildeo foi feita de fora e que natildeo eacute genuiacutena Os livros portanto que estatildeo entre noacutes natildeo contecircm absolutamente nada desse tipo e eu portanto acho que eacute uma loucura para noacutes dizer qualquer coi-sa a ele sobre essas coisas e eacute supeacuterfluo se opor a ele com base em textos que de maneira nenhuma foram escritos e se o fizer-mos seremos condenados a ser ridicularizados e isto seraacute justordquo Nos livros portanto que estatildeo em Antioquia e em outros paiacuteses a passagem estaacute escrita e alguns dos pais a mencionam entre os quais Gregoacuterio o Teoacutelogo fez menccedilatildeo desta mesma passagem na segunda homilia sobre o Filho e Joatildeo bispo de Constantinopla na exposiccedilatildeo composta por ele sobre a passagem lsquoMeu Pai se possiacutevel passa de mim este caacutelicersquo

A partir do quinto seacuteculo os dois textos jaacute haviam sido amplamente di-vulgados e as escolas optavam pelo texto mais curto ou mais longo de acordo com suas preferecircncias e tradiccedilotildees textuais motivo pelo qual natildeo podem ser utilizados textos posteriores para comprovar a autenticidade dos versiacuteculos em questatildeo ao menos natildeo sem incorrer em anacronismo Eacute interessante poreacutem o fato de que ao longo dos seguintes seacuteculos a versatildeo mais longa de Lucas foi aceita Anastaacutecio Sinaiacuteta (ou do Sinai) proliacutefico escritor eclesiaacutes-tico padre monge e abade do Mosteiro de Santa Catarina (do Sinai) no seacuteculo 7 dC escreve (Viae Dux 223)

Pois mesmo se algueacutem tentar adulterar os livros de uma ou ateacute mesmo duas liacutenguas imediatamente sua fraude eacute refutada pelas outras setenta liacutenguas De qualquer forma esteja ciente de que alguns tentaram apagar as gotas de sangue o suor de Cristo do Evangelho de Lucas e natildeo foram capazes Porque aqueles que natildeo possuem a seccedilatildeo satildeo refutados por muitos e vaacuterios evangelhos que a possuem pois em todos os evangelhos das naccedilotildees o relato conti-nua a existir e na maioria daqueles [manuscritos] em grego

Jaacute na eacutepoca da Reforma vemos que Lutero natildeo apenas incluiu a passa-gem em sua traduccedilatildeo mas tambeacutem comentava os versiacuteculos de maneira livre

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Como eacute grande o sabor da dor da morte que podemos discernir em Cristo quando disse ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute agrave morterdquo [Mt 2638] Considero estas como as maiores palavras em todas as Escrituras embora tambeacutem seja uma grande e inexpli-caacutevel coisa que Cristo clamou na cruz ldquoEli Elirdquo [Mt 2746] Ne-nhum anjo compreende quatildeo grande coisa eacute que Ele tenha suado sangue [Lucas 2244] Isto ocorreu com o sabor e temor da morte (HARITAGE 1997 c1996)

Tambeacutem Calvino em seu comentaacuterio cita livremente os versos contudo mais do que isso ele introduz um argumento que quase 1400 anos depois da primeira referecircncia que temos do texto via o sofrimento de Cristo como algo repulsivo Ele diz ldquoAqui pessoas ignorantes se levantam e exclamam que teria sido indigno Cristo ter medo de ser engolido pela morte Mas eu desejo que eles respondam a esta pergunta que espeacutecie de surdo eles supotildeem que tenha sido aquele [Deus] que extraiu de Cristo gotas de sanguerdquo(CALVIN 2002)

De fato assim como nos dias de Calvino algumas caracteriacutesticas do texto poderiam ofender os cristatildeos dos primeiros seacuteculos Primeiramente um anjo fortalecendo a Jesus poderia gerar problemas quanto a sua divin-dade O fato de estar em profunda agonia e suar sangue poderiam fortalecer a ideia ariana a respeito da natureza de Cristo por fim a intensa oraccedilatildeo de Jesus para que o ldquocaacutelicerdquo fosse passado adiante poderia facilmente colocar a voluntariedade de Jesus ao ir para a cruz em descreacutedito

Da mesma maneira a interpolaccedilatildeo do texto seria nas palavras de Wes-tcott e Hort ldquoadequado para citaccedilotildees em controveacutersias contra doutrinas do-ceacuteticas e apoliniarianistasrdquo (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 64) De fato deve-se considerar o fato de que as trecircs mais antigas citaccedilotildees preservadas de Lucas 2243-44 satildeo colocadas diretamente contra fortes heresias cristo-loacutegicas Justino Maacutertir (Dia 1038) e Irineu contra docetistas (Adv Haer 3222) e Hipolito contra um patripassionista (Contra Noetum 182)

Em vista das evidecircncias apresentadas acima haacute de se considerar mais uma questatildeo qual leitura eacute melhor entendida como sido originada em meio agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo Como observado por Ehrman e Plunkett ldquoa preocupaccedilatildeo teoloacutegica do Cristianismo ortodoxo do segundo seacuteculo era a afirmaccedilatildeo da verdadeira humanidade de Jesus em face de diver-sas vertentes da heresia doceacuteticardquo (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 407)

Outro fator decisivo eacute que os Pais que citam os versiacuteculos satildeo auto-res ortodoxos tentando de maneira incisiva combater heresias Eacute pouco

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provaacutevel que o trabalho de exclusatildeo do texto por autores natildeo ortodoxos defendendo ideias contraacuterias teria ganhado vasta aceitaccedilatildeo em escolas que natildeo sofreram influecircncias doceacuteticas como por exemplo Alexandria Caso o texto seja considerado como uma omissatildeo haveria ainda outra dificuldade se o texto foi realmente omitido por motivos teoloacutegicos por que outros textos que tratam da natureza humana de Jesus continuaram inalterados E tambeacutem como grupos considerados hereges vieram a ter tanta influecircncia na tradiccedilatildeo textual

Em vista da presenccedila e ausecircncia do texto de Lucas 2243-44 nos vaacuterios manuscritos preservados torna-se impossiacutevel determinar qual leitura deve-ria ser considerada autecircntica Quando recorremos aos pais da igreja vemos os que citam o texto o fazem no combate a conhecidas heresias da eacutepoca e que sua utilizaccedilatildeo como referecircncia era temida por alguns e defendida por outros com base em sua relevacircncia

Quando a discussatildeo eacute analisada agrave luz das tensotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo vemos que o texto eacute melhor compreendido como uma interpolaccedilatildeo quase tatildeo antiga quanto o proacuteprio evangelista

Anaacutelise do textoDados os devidos comentaacuterios a respeito dos manuscritos relaciona-

dos ao texto de Lucas 2243-44 o trabalho avanccedila em direccedilatildeo agraves evidencias internas natildeo apenas dos versiacuteculos em questatildeo mas tambeacutem do Evangelho de Lucas como um todo Assim seraacute feita uma anaacutelise leacutexica dos versos e entatildeo uma anaacutelise teoloacutegica dos mesmos

Vocabulaacuterio e estiloA primeira referecircncia do versiacuteculo 43 eacute feita em relaccedilatildeo a um anjo que

desce do Ceacuteu para confortar a Jesus A referecircncia a anjos dentro da litera-tura lucana pode ser vista em vaacuterias passagens (ver Lc 1 e 2 128 9 1510 2423 At 519 826 103 7 22 1113 127 23 239 2723) demonstrando certa preferecircncia pelo tema Eacute notoacuterio poreacutem o fato de que estes satildeo des-critos como ldquode Deusrdquo (ver 128 9 1510 At 103 2723) ou ldquodo Senhorrdquo (ver 29 At 519 826 12723) e nunca ldquodo Ceacuteurdquo Aleacutem disso em outras partes do Evangelho os anjos soacute aparecem nas histoacuterias de nascimento e ressurreiccedilatildeo ademais em nenhuma outra apariccedilatildeo em Lucas ou Atos um anjo permanece em silecircncio (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 409) Tais

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fatores conduzem o pesquisador a um uacutenico paralelo que pode ser visto nas primeiras palavras do versiacuteculo 43 em comparaccedilatildeo com Lucas 111 ldquoE eis que lhe apareceu um anjo [ὤφθη δὲ αὐτῷ ἄγγελος]rdquo

Existem trecircs hapax legomena no texto (ἀγωνίᾳ ἱδρὼς e θρόμβοι) ou seja 115 do total do texto comparados a um total de 11 em Lucas Tal concen-traccedilatildeo de hapax legomena pode comprometer qualquer reivindicaccedilatildeo de uma linguagem tiacutepica de Lucas o que tambeacutem eacute argumento a favor de uma interpo-laccedilatildeo pois Lucas eacute amplamente conhecido por seu vocabulaacuterio singular (ver Lc 48 638 1034) O que pode ser dito eacute que nesse caso reivindicaccedilotildees de uma

ldquolinguagem caracteriacutesticardquo satildeo ineficazes para ambos os lados da discussatildeoO aspeto mais evidente na anaacutelise do texto eacute que este se torna mais

claro quando entendido sem os versiacuteculos 43 e 44 Natildeo eacute necessaacuteria neste caso uma leitura no texto grego para que se evidencie a interrupccedilatildeo que os versiacuteculos trazem Na ordem do relato de Lucas Jesus chega ao Getsecircmani ordena que os disciacutepulos orem afasta-se deles ajoelha-se e entatildeo ora a Deus Dessa forma encontramos um parecircntese uma interrupccedilatildeo na narra-tiva que do contraacuterio descreve Jesus se levantando e voltando aos disciacutepulos (v 45) aquilo que era esperado dele

Aspectos teoloacutegicosComo dito anteriormente somente o Evangelho de Lucas nos traz o

relato do auxiacutelio angelical e de Jesus suando sangue Sem duacutevida o episoacute-dio retrata Jesus sofrendo de uma maneira inimaginaacutevel tanto mentalmente devido a sua ἀγωνία quanto fisicamente podendo ser facilmente identifica-do em seu suor tornando-se sangue

Em vista de tanto sofrimento devemos nos perguntar se era do interes-se de Lucas apresentar Jesus sofrendo Deve-se levar em consideraccedilatildeo que a pergunta natildeo eacute se Jesus sofreu o que eacute um fato bem estabelecido e vastamen-te trabalhado nos Evangelhos mas se Lucas tinha o interesse de apresentar esse aspecto da vida de Cristo Na tentativa de identificar tal relaccedilatildeo (Evan-gelho de Lucas e o tema do sofrimento) seraacute feita uma anaacutelise comparativa do texto de Lucas com os demais sinoacuteticos

Na cena do Monte das Oliveiras Lucas omite as palavras de Jesus ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute a morterdquo (Mc 1434 ver Mt 2638) assim como natildeo diz que Cristo estava ldquotomado de pavor e de anguacutestiardquo (Mc 1433) No Getsemani Jesus se ajoelha para orar (Lc 2242) ao contraacuterio dos demais evangelistas que descrevem Jesus ldquocaindo com o rosto em terrardquo (Mc 1435 cf Mt 2639) Em Lucas Jesus ora ao Pai apenas uma vez mas

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nos demais evangelhos trecircs ldquoAo reduzir agrave uma a tripla oraccedilatildeo de Marcos Lucas daacute a impressatildeo de que Jesus sabia imediatamente o que estava por vir e que era a vontade de Deus Ele natildeo estava atordoado como em Marcos Lucas reformulou a histoacuteria de Marcos de tal modo que Jesus tivesse uma maior capacidade de resistecircncia e obediecircnciardquo (NEYREY 1980 p 158) Em Lucas Jesus natildeo ora para que a ldquohorardquo lhe fosse poupada (Mc 1435) assim como adiciona ldquose queresrdquo no lugar de ldquose possiacutevelrdquo (Mc 1436)

No momento de sua prisatildeo Jesus natildeo permite que Judas o beije (Lc 2247-48) diferentemente dos outros Evangelhos (ver Mc 1445 cf Mt 2649) Jesus conversa com mulheres durante a via dolorosa e as aconselha que natildeo chorem por Ele (Lc 2328-31) Lucas eacute o uacutenico que descreve Jesus perdoando seus executores (Lc 2334) e conversando com os dois demais crucificados (Lc 2339-43)

Por fim em vez do alto clamor ldquomeu Deus meu Deus por que me desamparasterdquo (Mc 1534) Jesus clama ldquoPai nas tuas matildeos entrego o meu espiacuteritordquo (Lc 2346) e com total controle de si mesmo da hora de sua morte Cristo sem nenhum grito adicional (Mc 1537 Mt 2750) morre

Em vista do fato de que Jesus se demonstra calmo e com o domiacutenio da situaccedilatildeo Lucas 2243-44 aparenta ser um intruso teologicamente falando no Evangelho de Lucas Se os versiacuteculos satildeo originais somente nessa oca-siatildeo Cristo seria descrito com tanta dor somente nesse momento Ele perde o controle e se aproxima de sua morte com medo

A partir do estudo da linguagem do texto vemos que natildeo encontramos paralelos estiliacutesticos perfeitos em relaccedilatildeo ao restante da literatura lucana e que devido ao seu peculiar estilo literaacuterio natildeo haacute como manter um posi-cionamento na discussatildeo Aliaacutes deve-se considerar tambeacutem que o texto eacute claramente mais coerente quando o verso 45 eacute lido na sequecircncia do verso 43

Lucas natildeo possui a preocupaccedilatildeo de apresentar a Cristo sofrendo pelo contraacuterio Jesus eacute amiuacutede descrito como possuidor de total controle das situaccedilotildees fazendo com que os versiacuteculos em discussatildeo aparentem ser intrusos ao texto

AvaliaccedilatildeoApoacutes reconhecer que as evidecircncias apontam na direccedilatildeo que compreen-

de o texto como uma interpolaccedilatildeo resta analisar as implicaccedilotildees teoloacutegicas de tal leitura A primeira e mais importante questatildeo que surge eacute se o texto natildeo foi escrito por Lucas o relato pode ser considerado como verdadeiro A

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resposta para essa pergunta pode variar de maneira draacutestica de acordo com a forma que o inteacuterprete se aproxima do texto

Como analisado anteriormente a referecircncia mais antiga que temos eacute proveniente pelo menos do ano 165 dC ano da morte de Justino Martir Contudo isso natildeo significa necessariamente que outros jaacute natildeo houvessem citado a passagem e principalmente que esta natildeo fosse conhecida Implica-

-se apenas que natildeo pode ser comprovada atraveacutes dos manuscritos e que o texto jaacute era usado anteriormente

A falta dos manuscritos poreacutem natildeo impede a afirmar de que o texto necessariamente deveria ser conhecido de maneira preacutevia Seria impossiacutevel considerar estes versiacuteculos como um mero produto da criatividade dos escri-bas (PLUMMER 1896 p 509) Tamanha mudanccedila seria facilmente perce-bida e rejeitada pela comunidade da eacutepoca

Mesmo quando os textos alexandrinos satildeo tratados deve-se ter em mente que possivelmente eles tenham rejeitado o texto natildeo pela falta de ve-racidade no relato mas pelo simples fato de que o texto primeiramente natildeo se encontrava em meio as palavras de Lucas e que pelo bem da originalidade do texto este devesse sobreviver de outra maneira

Natildeo seria correto desvalorizar de maneira apressada as tradiccedilotildees mais antigas agrave disposiccedilatildeo Estas nos trazem natildeo somente o modo como os cristatildeos dos primeiros seacuteculos enxergavam a Biacuteblia (o que eacute por si soacute uma grande fonte de conhecimento) mas tambeacutem eventos sobre a vida da comunidade dos apoacutestolos e ateacute do proacuteprio Cristo Seria insensato desconsiderar o aviso deixado ao final do Evangelho ldquoHaacute poreacutem ainda muitas outras coisas que Jesus fez e se cada uma das quais fosse escrita cuido que nem ainda o mun-do todo poderia conter os livros que se escrevessemrdquo (Jo 2125)

Natildeo somente nesse caso mas em vaacuterios outros podemos identificar a influecircncia da tradiccedilatildeo apostoacutelica dentro do texto biacuteblico Em Atos 2035 Paulo fala aos presbiacuteteros da igreja de Eacutefeso advertindo-os a ldquorecordar as palavras do proacuteprio Senhor Jesus melhor eacute dar do que receberrdquo Mas onde pode ser encontrado dentro dos Evangelhos canocircnicos Jesus dizendo tal coi-sa Da mesma forma existem as referecircncias de 1 Coriacutentios 710 e 914 onde palavras que natildeo encontram nenhuma correspondecircncia exata com os textos evangeacutelicos satildeo atribuiacutedas a Jesus ldquoConquanto Paulo afirme que a essecircncia do evangelho ele natildeo a havia recebido lsquode homem algum mas mediante revelaccedilatildeo de Jesus Cristorsquo (Gl 112) as referencias que faz agraves declaraccedilotildees de Jesus certamente foram obtidas junto agraves tradiccedilotildees orais ou fragmentaacuterias que circulavam na igreja apostoacutelicardquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

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Natildeo somente Paulo mas tambeacutem Lucas declara que ldquomuitos houve que empreenderam uma narraccedilatildeo coordenadardquo e que esta foi transmitida a ele desde o principio atraveacutes de ldquotestemunhas ocularesrdquo (Lc 11-2) Mui-to daquilo que Jesus fez e falou foi preservado e transmitido de forma oral e escrita mesmo que fora dos Evangelhos Isso se comprova nas palavras de Euseacutebio falando a respeito de Papias que este ldquojulgava que natildeo poderia obter tanto proveito da leitura dos livros quanto da viva voz dos homens que ainda viviamrdquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

Da mesma maneira os versiacuteculos em questatildeo possivelmente tenham sido um fragmento de alguma tradiccedilatildeo seja esta escrita ou oral que foi por algum tempo em algum lugar anotada agrave margem de algum Evangelho ca-nocircnico e que sem duacutevida incluiacuteam em sua narrativa um alto grau de auten-ticidade e valor intriacutenseco (PLUMMER 1896 p 509) Por fim devemos entender que nas palavras de Plummer (PLUMMER 1896 p 544)

pouco importa se Lucas incluiu os textos em sua narrativa con-tanto que a autenticidade destes seja reconhecida como tradiccedilatildeo evangeacutelica Neste contexto a passagem eacute como aquela que diz respeito agrave mulher apanhada em adulteacuterio [hellip] Noacutes natildeo preci-samos ter nenhuma hesitaccedilatildeo em mantecirc-la como uma genuiacutena parte da tradiccedilatildeo histoacuterica A histoacuteria eacute verdadeira quem quer que tenha escrito ela

Consideraccedilotildees finaisConsiderando toda a argumentaccedilatildeo proposta ao longo do trabalho

pode-se chegar a pelo menos cinco conclusotildees 1) os versiacuteculos 43 e 44 de Lucas 22 satildeo omitidos em diversos manuscritos antigos principalmente da famiacutelia alexandrina marcados com asteriscos em outros e transpostos den-tro do evangelho de Mateus em f13 2) a discussatildeo eacute melhor entendida quando vista em relaccedilatildeo agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo e neste sentido o texto eacute compreendido como sendo uma interpolaccedilatildeo feita provavelmente por razotildees teoloacutegicas 3) discussotildees a respeito de uma linguagem lucana natildeo conduzem a nenhuma conclusatildeo plausiacutevel sendo verdade que posto dentro de sua periacutecope os versos devem ser considerados no miacutenimo como uma quebra no texto um parecircntese na narraccedilatildeo 4) a figura de Jesus apresentada nos versiacuteculo 43 e 44 natildeo estaacute de acordo com o restante do Evangelho que

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apresenta Cristo sempre de maneira calma com o controle dele mesmo e da situaccedilatildeo sem medo da morte e 5) em vista de sua antiga data e clara impor-tacircncia dentro da tradiccedilatildeo cristatilde o relato deve ser considerado verdadeiro e um resgate feito por escribas do segundo seacuteculo salvando uma histoacuteria que de outra maneira teria sido esquecida E a estes escribas a nossa gratidatildeo

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Enviado dia 14012013Aceito dia 11032013

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedico-social

Church discipline and juridic-social reality

Jorge Lucien Burlandy1

ResumoAbstract

Durante o desenvolvimento da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) diver-sas mudanccedilas foram realizadas nas ediccedilotildees do Manual da Igreja (1932-2010) em especial no item de disciplina eclesiaacutestica a fim de aprimorar

sua praacutetica Natildeo obstante a lideranccedila da IASD costuma falhar na aplicaccedilatildeo desses princiacutepios em virtude do desconhecimento das implicaccedilotildees judiciais na praacutetica da disciplina Atraveacutes da anaacutelise do funcionamento de algumas normas da legislaccedilatildeo brasileira relacionadas com as praacuteticas religiosas e seus principais reflexos na apli-caccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica este artigo procura contextualizar a praacutetica discipli-nar e evitar desentendimentos correntes na administraccedilatildeo da igreja Palavras-chave Disciplina Legislaccedilatildeo Eclesiologia Manual da igreja

During the development of the Seventh Day Adventist Church several changes were made in the editions of the Church Manual (1932-2010) The ecclesiastical discipline had several modifications so it could be

applied in better ways However church leaders sometimes fail when applying discipline because they donrsquot know its judicial implications This article aims to approach the ecclesiastical discipline to the Brazilian legislation recommenda-tions about religious practices and how it interferes in the common procedure of discipline In this sense it may be possible to avoid misunderstandings and complications for the church administrators resulted from disciplineKey-words Discipline Legislation Ecclesiology Church Manual

1 Ex-diretor e professor do Seminaacuterio Latino-Americano de Teologia e pastor jubilado E-mail jorgeburlandyhotmailcom

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O Antigo Testamento apresenta ocasiotildees especiacuteficas onde Deus procu-ra orientar ou corrigir o seu povo atraveacutes de prescriccedilotildees legais (Ecircx 201-17 3225-28 Lv 101-6 Dt 134-35 171-7) Essas prescriccedilotildees variam abran-gendo tanto os elementos lituacutergicos como civis entre a naccedilatildeo teocraacutetica ndash principalmente apoacutes o estabelecimento das 12 tribos em Canaatilde sob a lide-ranccedila dos profetas e juiacutezes (Jz 37-114478 11 e 15 1Sm 72-4) Assim cada prescriccedilatildeo possui caraacuteter de beneficecircncia onde o proacuteprio Deus procura orientar Israel a fim de conservaacute-los no caminho da vida (Dt 624 3015 e 19 3247) O sentido juriacutedico dos mandamentos foi igualmente enfatizado no Novo Testamento atraveacutes das abordagens de Cristo em algumas ocasiotildees onde procura reutilizar-se de algumas das preleccedilotildees divinas (Mt 1815 191-8 Mc 101-8) Dessa forma eacute atraveacutes das prescriccedilotildees neotestamentaacuterias que encontramos as bases fundamentais para a praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica na Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) tema do nosso estudo2

Muito embora os apoacutestolos tenham seguido as prescriccedilotildees de Cristo a respeito da Disciplina Eclesiaacutestica (At 51-10 1Co 51-7) as proacuteprias Es-crituras atestam que apoacutes a morte dos uacuteltimos disciacutepulos de Jesus boa parte do cristianismo lentamente se afastava da Biacuteblia sendo assim influenciado por pensamentos e costumes pagatildeos (At 2029-30 2Ts 23 e 7)3 A Disciplina Eclesiaacutestica foi considerada como accedilatildeo redentiva e praticada com base nos princiacutepios biacuteblicos ateacute aproximadamente o seacuteculo IV Eacute compreendido que nos primeiros anos do cristianismo apoacutes Constantino as heresias eram pu-nidas apenas como castigos eclesiaacutesticos (como a excomunhatildeo) No periacuteodo da Idade Meacutedia (sec 12) que ela intensificou seu significado punitivo atraveacutes da ldquoSanta Inquisiccedilatildeordquo que inicialmente tratando de heresias praticaram brutalidades injustificaacuteveis em nome da suposta feacute cristatilde Com o passar do tempo a violenta correccedilatildeo praticada pelo pretenso cristianismo foi associa-da agrave praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica como um elemento essencialmente punitivo (JESCHKE 1972 p 10)

2 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste estudo o aprofundamento biacuteblico na teologia da Disciplina Eclesi-aacutestica As consideraccedilotildees que se seguem pressupotildeem um fundamento biacuteblico como princiacutepio norteador da praacutetica da disciplina 3 Durante os primeiros quatro seacuteculos as doutrinas de Cristo foram alteradas e cada mu-danccedila concedeu mais poder ao bispo ldquoJuntamente com tais pessoas de fora Paulo tambeacutem menciona a possibilidade de pessoas de dentro da igreja que adotariam ensinos pervertidos para seduzir a congregaccedilatildeordquo (MARSHALL 2006 p 312) Ellen G White (1999 p 587) alega que ldquoCedo na histoacuteria da igreja o misteacuterio da iniquidade predito pelo apoacutestolo Paulo iniciou sua calamitosa obra e quando os falsos ensinadores a cujo respeito Pedro advertiu os crentes exibiram suas heresias muitos foram seduzidos pelas falsas doutrinasrdquo

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Em ocasiotildees posteriores a feacute reformada (sec 16) procurou restabelecer as antigas praacuteticas biacuteblicas relacionadas agrave Disciplina Eclesiaacutestica A fim de apregoar a ldquopura doutrina do evangelhordquo segundo J Carl Laney (1985 p 43) a Confissatildeo Belga (1561) em solo reformado identificou a Discipli-na Eclesiaacutestica como ldquouma das marcas da verdadeira igrejardquo Isso tambeacutem ocorreu em situaccedilotildees posteriores como eacute o caso da IASD que procurou atraveacutes dos anos de seu desenvolvimento institucional aprimorar as orienta-ccedilotildees eclesiaacutesticas a respeito dessa praacutetica

Natildeo obstante algumas questotildees em relaccedilatildeo agrave praacutetica da disciplina ain-da continuam em parte pendentes em virtude do pouco conhecimento e das aplicaccedilotildees e conceitos errocircneos que continuam correntes por parte da membresia e da administraccedilatildeo pastoral Atraveacutes da anaacutelise histoacuterica do marco regulatoacuterio e teoacuterico-praacutetico acerca da Disciplina Eclesiaacutestica tal como apre-sentado no Manual da Igreja a seguinte questatildeo precisa ser debatida quais satildeo as principais dificuldades na praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica e como resolvecirc-

-las dentro da realidade juriacutedico-social brasileira Neste artigo trataremos de responder essa questatildeo a fim de sugerir praacuteticas que podem ser realizadas na Disciplina Eclesiaacutestica segundo o Manual da Igreja Adventista

A disciplina eclesiaacutestica e o Manual da Igreja

Os pioneiros da IASD antes de sua organizaccedilatildeo formal sentiram a ne-cessidade de adquirir propriedades para a construccedilatildeo de igrejas e de empre-ender a obra de publicaccedilotildees visto que a mensagem adventista estava sendo levada a novos territoacuterios Com o desenvolvimento da Igreja4 alguns liacutederes perceberam que a fim de que o movimento se fortalecesse algum tipo de ordem e disciplina deveria prevalecer em consenso Com a organizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral ndash oacutergatildeo administrativo mundial da Igreja ndash em 1863 se comeccedilou a registrar votos em suas assembleias relacionados com a adminis-traccedilatildeo eclesiaacutestica Contudo a ideia de se imprimir um manual foi rejeita-da pensava-se que com isso estaria tolhendo a liberdade de accedilatildeo dos seus

4 Neste trabalho utilizaremos o termo ldquoIgrejardquo com letra maiuacutescula para fazer referecircncia agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia como instituiccedilatildeo ou agrave Igreja cristatilde em geral perceptiacutevel em seu contexto Por outro lado utilizaremos o termo ldquoigrejardquo em letra minuacutescula a fim de fazer referecircncia agrave igreja local composta por uma comunidade comum de membros

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ministros (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 17)5 Somente no ano de 1932 eacute que foi publicado um manual por iniciativa da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral conforme solicitado ao vice-presidente JL McElhany apoacutes a aprovaccedilatildeo das mesas (BEACH 1979 p 11-13)

Foi a partir da impressatildeo do primeiro manual em inglecircs publicado em 1932 que se percebeu a necessidade de constantes atualizaccedilotildees a fim de aperfeiccediloar as praacuteticas eclesiaacutesticas Fatos como estes levaram a Igreja em assembleias mundiais posteriores a aperfeiccediloar a redaccedilatildeo e a introdu-zir orientaccedilotildees sobre aspectos novos natildeo abordados no manual anterior O multiculturalismo regional e mundial que influenciava as variadas formas de crenccedilas nas igrejas locais criou a necessidade de posicionamentos e votos especiais que levaram a votar o Conciacutelio Outonal de 1950 (apud GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p xxi)

que cada divisatildeo do campo mundial inclusive a Divisatildeo Norte--Americana prepare um suplemento do Novo Manual da Igreja natildeo para modificaacute-lo mas contendo o material adicional que seja aplicaacutevel agraves condiccedilotildees e circunstacircncias que prevaleccedilam na respec-tiva Divisatildeo Os manuscritos desses suplementos deveratildeo ser sub-metidos agrave consideraccedilatildeo da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral para serem por ela referendados antes de impressos

Sobre as alteraccedilotildees encontradas no Manual da Igreja em inglecircs da primei-ra impressatildeo em 1932 ateacute a de 1942 (1932 1934 1938 1940 1942) a seccedilatildeo sobre Disciplina Eclesiaacutestica que estava no capiacutetulo 4 a partir das ediccedilotildees de 1951 ateacute 1963 (1951 1959 e 1963) passaram a compor o capiacutetulo de nuacutemero 13 Quanto ao toacutepico ldquoRazotildees Para a Disciplina dos Membrosrdquo a ediccedilatildeo de 1967 teve uma pequena alteraccedilatildeo a seguinte de 1971 permaneceu igual agrave anterior As ediccedilotildees de 1976 1981 e 1986 tiveram alteraccedilotildees Na ediccedilatildeo de 1990 constata-se apenas uma nota contendo uma errata Quanto agraves ediccedilotildees de 1995 ateacute 2010 (1995 2000 2005 e 2010) todas tiveram alteraccedilotildees no capiacutetulo sobre a disciplina6

5 No entanto a mais alta instacircncia eclesiaacutestica continuava a registrar votos relativos agrave adminis-traccedilatildeo isto levou alguns influentes liacutederes a desejarem reunir esses votos num livro O Pastor JN Loughborough por iniciativa pessoal no ano de 1907 reuniu os votos em um livro de 184 paacutegi-nas intitulado A Igreja sua Organizaccedilatildeo Ordem e Disciplina (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 18) Essa obra ocupou por muito tempo um lugar de honra no movimento6 Todos os manuais em inglecircs citados estatildeo disponiacuteveis online no site da Conferecircncia Geral (1983) da Igreja Adventista do Seacutetimo dia Este trabalho foi baseado numa Tese doutoral com o mesmo tiacutetulo O capiacutetulo dois (ldquoDisciplina Eclesiaacutestica e o Manual da Igrejardquo) explo-

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Analisando os manuais publicados percebe-se que nos uacuteltimos anos a IASD preocupou-se em adequar as normas instrutivas do seu manual pro-porcionando natildeo apenas a adequaccedilatildeo das suas normas7 mas tambeacutem a refor-mulaccedilatildeo da estrutura da Disciplina Eclesiaacutestica aleacutem da ampliaccedilatildeo8 da seccedilatildeo sobre disciplina (notadamente as ldquoRazotildees para Disciplina dos Membrosrdquo)

Obstaacuteculos agrave aplicaccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica

Apesar de trabalhar intensamente em prol do aperfeiccediloamento da Dis-ciplina Eclesiaacutestica atraveacutes das vaacuterias reformulaccedilotildees dos seus manuais (edi-ccedilotildees de 1932 a 2010) a Igreja tem encontrado atraveacutes dos tempos diversos empecilhos que tecircm dificultado a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Den-tre as principais dificuldades estatildeo alguns empecilhos que tecircm se manifes-tado atraveacutes das diversas correntes filosoacuteficas e eclesiaacutesticas que moldam a sociedade e acabam influindo nas atividades da Igreja

Obstaacuteculos filosoacuteficosO movimento filosoacutefico-cultural que se constituiu num entrave e se

contrapocircs aos ensinos da Biacuteblia por exemplo foi o Iluminismo Apoacutes a Ida-de Meacutedia cresceram os movimentos anticlericais e os ataques ao dogmatismo

rou de maneira mais demorada cada alteraccedilatildeo encontrada no manual (tanto em inglecircs como em portuguecircs) do ano de 1932 ao ano de 20107 Como por exemplo quando a Igreja percebeu que os atos de violecircncia fiacutesica eram co-muns entre os da feacute bem como entre familiares Por isso um novo toacutepico passou a tratar da nova realidade Ateacute entatildeo os termos em portuguecircs usados nos manuais (1936 1958 1965 1981 1992 e 1996) para significar o desligamento de um membro da comunhatildeo eclesiaacutestica eram ldquoeliminaccedilatildeordquo e ldquoexclusatildeordquo na ediccedilatildeo de 2001 aparece a palavra ldquoremoccedilatildeordquo (GENE-RAL CONFERENCE OF SDA 2001 p 191)8 Na sexta ediccedilatildeo do manual em inglecircs foi ampliado o toacutepico de ldquoRazotildees para a Disciplina dos Membrosrdquo de quatro para sete itens com pequenas alteraccedilotildees nos itens jaacute existentes O primeiro item intitulado ldquoFalta de feacuterdquo mudou para ldquoNegaccedilatildeo da feacuterdquo O terceiro item passou a ser ldquoFraude ou deliberada falsidade no comeacuterciordquo o quarto item passou a ser ldquoProcedimento desordenado que traga oproacutebrio sobre a causardquo o quinto item passou a ser intitulado ldquoPer-sistente negativa quanto a reconhecer as autoridades da igreja devidamente constituiacutedas ou por natildeo querer submeter-se agrave ordem e agrave disciplina da igrejardquo o quarto item da ediccedilatildeo anterior foi desdobrado o sexto passou a ser ldquoO uso o fabrico ou venda de bebidas alcooacutelicasrdquo e o seacutetimo foi redigido como ldquoO uso ou o haacutebito de drogas narcoacuteticasrdquo (GENERAL CONFE-RENCE OF SDA 1951 p 224)

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religioso A Igreja Catoacutelica Romana dita cristatilde havia fortalecido as suas es-truturas hieraacuterquicas dominadoras Os que natildeo se submetiam ao clero eram perseguidos e destruiacutedos Ela dominava todos os aspectos da vida humana no mundo civilizado e impunha suas ideias e crenccedilas Quando a Europa cansada de tantas guerras e desiludida com o domiacutenio do clero comeccedilou a experimentar mudanccedilas culturais surgiram forccedilas que deram outro rumo agrave vida social e poliacutetica do continente europeu Estas forccedilas minaram o domiacute-nio da Igreja Catoacutelica Romana Assim os seacuteculos 14 15 e 16 viram nascer e se desenvolver o que hoje se conhece como o Renascimento Neste tempo comeccedilou-se a esboccedilar o emprego de meacutetodos cientiacuteficos na busca da verda-de cresceu o interesse no estudo da natureza e passou-se a valorizar mais o ser humano As trevas intelectuais predominantes na Idade Meacutedia foram substituiacutedas pelo Iluminismo que fez nascer a Idade da Razatildeo

Durante o Iluminismo buscou-se enaltecer o ser humano exaltando suas potencialidades valorizou-se as iniciativas dos leigos em detrimento das atividades da Igreja cristatilde Houve um esforccedilo consciente no sentido de se endeusar a razatildeo e incentivar o abandono de preceitos tradicionais do cristia-nismo9 Objetivaram o progresso de todas as atividades humanas sobretudo propugnando pela liberdade de exteriorizaccedilatildeo do pensamento (GEISLER 2002 p 410) O Iluminismo abriu as portas para o pluralismo religioso para a criacutetica biacuteblica e a rejeiccedilatildeo dela por influecircncia do Iluminismo passou-se a deslocar Deus do centro e a valorizar em demasia o potencial humano

Em virtude do combate frontal contra o professo cristianismo o con-ceito de pecado foi esquecido e a Igreja cristatilde perdeu sua relevacircncia Grenz (1997 p 109) comenta que os eacuteticos do Iluminismo afastaram-se da crenccedila de que todos os seres humanos nascem em pecado e satildeo naturalmente incli-nados agrave praacutetica do mal acolheram a afirmaccedilatildeo de John Locke (1632-1704) de que a mente humana a princiacutepio ldquoeacute como dissemos um papel branco desprovido de todos os caracteres sem quaisquer ideiasrdquo (LOCKE 1978 p 159) Tal postura por conseguinte distorce o ensino biacuteblico acerca da peca-minosidade intriacutenseca do ser humano (ver Sl 515 583 Ef 23) e abre ca-minho para reduzir a responsabilidade na praacutetica de atos maus enfraquece a ideia de que o pecado deve ser controlado pela graccedila de Deus e finalmente

9 Nesse sentido o Racionalismo apresentou-se ldquocomo filosofia que enfatiza a razatildeo como meio de determinar a verdaderdquo (GEISLER 2002 p 735) Para o racionalista a razatildeo eacute o uacutenico meio de se chegar agrave verdade Ao se exaltar a razatildeo eacute excluiacuteda a utilidade praacutetica da Biacuteblia Embora se encontre teses racionalistas desde os dias de Platatildeo na Greacutecia antiga o racionalismo ganhou im-portacircncia no meio cientiacutefico a partir do Iluminismo europeu com Descartes Spinoza e Leibniz

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vencido A uacutenica autoridade responsaacutevel pelos atos do ser humano eacute ele mes-mo natildeo devendo assim prestar contas a ningueacutem atraveacutes da disciplina

Com o crescimento do Iluminismo surge o Individualismo que em sua forma radical contraria posiccedilotildees da feacute cristatilde Este eacute o sistema de pen-samento que considera a sociedade apenas como um grupo de indiviacuteduos em que a pessoa tem um direito proacuteprio acima dos direitos coletivos10 Ateacute onde se pode concordar com o Individualismo sem afastar o ser humano da influecircncia beneacutefica de uma instituiccedilatildeo religiosa Segundo Melbourne (2007 p 126) ldquoa cultura ocidental eacute individualista Para muitos cristatildeos eacute gostoso fazer as coisas a sua maneirardquo Alguns aspectos desta corrente poreacutem po-dem receber o apoio cristatildeo quando fundamentados na Biacuteblia No dizer de Grenz (1997 p 243) ldquodevemos ter sempre em vista os temas biacuteblicos do cuidado de Deus para com cada pessoa a responsabilidade de todo ser humano diante de Deus e a orientaccedilatildeo individual que faz parte da mensa-gem de salvaccedilatildeordquo Deus criou cada ser humano com individualidade proacutepria que precisa ser respeitada Se por um lado o Individualismo fortalece a luta contra todas as formas de absolutismo e totalitarismo por outro lado quando levado aos extremos anula alguns aspectos positivos da vida em co-munidade ndash do ponto de vista social poliacutetico e econocircmico

Essa filosofia propagou os ldquodireitos inatos do indiviacuteduordquo como liber-dade para usar a razatildeo para determinar por si o que eacute certo e o que eacute erra-do poreacutem fez com que fossem extrapolados certos limites e se criassem

ldquodireitosrdquo que dificultaram a proclamaccedilatildeo da salvaccedilatildeo baseada na Biacuteblia O Individualismo extremado que rejeita a interferecircncia de outros em sua vida rejeita a accedilatildeo da igreja para ajudaacute-lo a direcionar as accedilotildees Essa posiccedilatildeo di-ficulta a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Por outro lado a igreja esti-mula a disciplina pessoal de cada crente promove a disciplina preventiva e quando necessaacuterio aplica a corretiva Para tudo isso eacute imprescindiacutevel a atuaccedilatildeo da comunidade de feacute e o respeito que eacute a consideraccedilatildeo bem como a responsabilidade que o cristatildeo deve ter quando pratica essa accedilatildeo

10 Por outro lado o coletivo levado a extremos tambeacutem eacute prejudicial Os ensinos de Je-sus conduzem agrave valorizaccedilatildeo e ao respeito do indiviacuteduo todavia o leva a uma nova vida e agrave inserccedilatildeo do mesmo na Igreja Aquele que entra para a Igreja (o Corpo de Cristo) pelo batismo compromete-se agrave submissatildeo aos princiacutepios e crenccedilas ensinados pela Igreja base-ados na Biacuteblia Os pilares da feacute cristatilde satildeo oriundos da Biacuteblia que juntamente com a accedilatildeo eclesiaacutestica exerceratildeo um saudaacutevel controle das accedilotildees individuais para o bem de todos O Individualismo tem algumas influecircncias positivas para sociedade humana ocidental foi agrave radicalizaccedilatildeo que o tornou prejudicial

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Ademais o ser humano poacutes-moderno resiste agrave ideia da existecircncia de uma verdade universal o que implica na perda de todo criteacuterio final para se avaliar as vaacuterias interpretaccedilotildees da realidade A verdade seria definida como aquilo que a sociedade crecirc ou ldquoo que eu creiordquo Nietzsche (1974 p 241-242) chegou a afirmar que ldquonada haacute que sustente os valores humanos exceto a vontade da pessoa que os possui As coisas tecircm valor em nosso mundo so-mente agrave medida que lhes damos valor A mente humana eacute a uacutenica fonte de valoresrdquo Esta posiccedilatildeo eacute contraacuteria ao ensinamento Biacuteblico e tambeacutem inviabi-liza o trabalho de recuperaccedilatildeo do pecador atraveacutes da Disciplina Eclesiaacutestica

Obstaacuteculos eclesiaacutesticos

A negligecircncia eclesiaacutestica

Segundo John White e Ken Blue ldquoa disciplina corretiva da igreja sempre esteve oprimida pelo conceito de que a pregaccedilatildeo da Biacuteblia inspirada pelo Es-piacuterito Santo gera por si soacute uma congregaccedilatildeo santificadardquo (WHITE BLUE 1985 p 26) Esse conceito parece promulgar a desconsideraccedilatildeo da praacutetica dis-ciplinar e enfatizar a pregaccedilatildeo biacuteblica como suficiente para corrigir e instruir a membresia Contudo eacute essencial termos em conta o que Berkhof (2002 p 528-529) considera como a ldquoterceira marca da igreja verdadeirardquo que aleacutem da pregaccedilatildeo e da celebraccedilatildeo dos ritos representa a praacutetica da disciplina11

A Disciplina Eclesiaacutestica contribui para a manutenccedilatildeo qualitativa da igreja A utilizaccedilatildeo da pregaccedilatildeo biacuteblica na educaccedilatildeo dos membros eacute essen-cial para a formaccedilatildeo do caraacuteter cristatildeo (ver 1Co 118 21) mas a exortaccedilatildeo eacutetica do puacutelpito natildeo pode excluir a Disciplina Eclesiaacutestica por esta constituir-

-se de uma praacutetica que edifica o corpo administrativo e relacional da igreja (Mt 1815-18 At 51-10 1Co 51-7) A pregaccedilatildeo Biacuteblica quando utilizada de maneira repreensiva estaacute limitada agrave aceitaccedilatildeo ou desconsideraccedilatildeo do ouvinte independentemente de sua relevacircncia Em ocasiotildees de necessidade extrema de correccedilatildeo ela natildeo eacute capaz de inverter o quadro organizacional da igreja tor-nando necessaacuteria a Disciplina Eclesiaacutestica Nas palavras de John White e Ken Blue (1985 p 27) o trato imediato das problemaacuteticas da igreja ldquonatildeo eacute reavi-vamento episoacutedico Eacute a igreja tratando com o pecado atraveacutes da disciplinardquo

11 O princiacutepio da disciplina estaria no sentido da ldquoconversatildeordquo que segundo Douglas (1999 p 319) significa ldquovoltar-se ou retornar para Deus As principais palavras originais para ex-pressar essa ideia satildeo no Antigo Testamento shuv (traduzida por lsquovoltar-sersquo ou lsquoretornarrsquo) e no Novo testamento strefomai (Mt 183 Jo 1240) [hellip] cf o portuguecircs lsquoconverter-sersquordquo

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O zelo quantitativo

Algumas igrejas podem manifestar certo receio no que se refere agrave aplica-ccedilatildeo da disciplina em virtude da diminuiccedilatildeo do nuacutemero de membros da comu-nidade Esse temor poreacutem natildeo parece ser justificaacutevel a menos que se deixe de implementar outras medidas (por exemplo o discipulado as classes biacuteblicas etc) para a conservaccedilatildeo dos membros juntamente com a aplicaccedilatildeo da disci-plina Por outro lado haacute igrejas mais preocupadas com nuacutemeros de membros do que com a pureza do caraacuteter deles Embora seja natural que se busque o crescimento da igreja a Biacuteblia parece valorizar mais o caraacuteter do crente do que a quantidade de pessoas que servem na congregaccedilatildeo (ver Jz 719 1Co 51-7)

Nesse sentido ldquoa disciplina natildeo faraacute com que a igreja recue Faraacute com que ela cresccedila natildeo apenas numericamente mas em poder de combate [hellip] As pessoas satildeo atraiacutedas agraves igrejas onde haacute disciplina de fatordquo (WHITE BLUE 1985 p 30) A igreja natildeo pode ser um exeacutercito recuado Na verdade uma congregaccedilatildeo forte espiritualmente experimentaraacute crescimento numeacuteri-co e tambeacutem quanto agrave pureza e santidade

A condiccedilatildeo imperfeita da comissatildeo

Haacute quem considere inapropriada a situaccedilatildeo em que um conjunto de membros se reuacutena a fim de julgar o caso de um faltoso visto que em ambos os lados nenhum deles possui um caraacuteter cristatildeo perfeito De fato a igreja eacute um lugar para pecadores poreacutem os que estatildeo sob influecircncia do Espiacuterito Santo natildeo desejam permanecer sob o jugo do pecado eles procuram permanecer em Cristo mesmo natildeo sendo perfeitos (ver 1Jo 229 39) Nesse caso a Discipli-na Eclesiaacutestica trataraacute de pecados manifestados publicamente Essa disciplina tambeacutem ajuda as pessoas a manterem-se distantes do erro cometido

O voto num processo disciplinar natildeo objetiva prejudicar o faltoso mas despertaacute-lo para a consciecircncia do mal praticado visto que o seu pecado se tor-nou puacuteblico Sobre uma experiecircncia de disciplina White e Blue (1985 p 77) escrevem ldquoEu natildeo havia percebido antes natildeo tinha consciecircncia de quatildeo enga-noso e doente era meu coraccedilatildeo nem quatildeo bom era Deus Nunca havia sentido antes Deus transformar meu coraccedilatildeo de pedrardquo Nesse caso o voto natildeo eacute prati-cado a fim de denegrir a imagem do proacuteximo mas para redimi-lo Contudo ldquoo homem natural natildeo aceita as coisas do Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 214) mesmo que o processo disciplinar seja bem conduzido alguns o rejeitaratildeo

A vista das dificuldades listadas acima nota-se que embora corren-tes elas natildeo satildeo inteiramente justificaacuteveis poreacutem ainda assim constituem

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obstaacuteculos para a aplicaccedilatildeo dos princiacutepios contidos no Manual da Igreja por acatarem questotildees filosoacuteficas baacutesicas que em certas ocasiotildees natildeo satildeo perce-bidas pelos membros da igreja Dessa forma como a Disciplina Eclesiaacutestica poderia atuar diante destas dificuldades sem ferir os direitos da Igreja e a dignidade dos membros

A disciplina eclesiaacutestica e a legislaccedilatildeo brasileira

A praacutetica eclesiaacutestica de disciplina natildeo pode estar limitada ao ambiente igrejeiro sem nenhuma participaccedilatildeo ou interferecircncias do Estado existem aspec-tos juriacutedicos que devem ser compreendidos antes da promulgaccedilatildeo de qualquer ato de correccedilatildeo principalmente quando envolve pessoas fiacutesicas Para compre-ender melhor o modo como a Legislaccedilatildeo Brasileira torna legiacutetimos os cuidados com a administraccedilatildeo da Igreja e em particular com aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica eacute necessaacuteria a compreensatildeo em suma do funcionamento de al-gumas leis especiacuteficas A Constituiccedilatildeo Federal eacute a lei maior as demais (Coacutedigo Civil o Comercial o de Processo Civil o Coacutedigo Penal e leis complementares os ldquoCoacutedigos Legaisrdquo) satildeo hierarquicamente inferiores mas estatildeo amparadas agrave medida que se sustentem na lei superior Elas formam um sistema unitaacuterio pois estatildeo interligadas (SIQUEIRA JR 2010 p 100-101) As leis menores devem concordar com a maior ou seja com a Constituiccedilatildeo Federal

As organizaccedilotildees religiosas no Brasil satildeo protegidas pela lei e devem funcionar respeitando as leis civis Na IASD o Estatuto Social das Uni-otildees12 e o Manual da Igreja satildeo fonte de conduta Uma vez estando em consonacircncia com as leis da Federaccedilatildeo as igrejas teratildeo o amparo delas este eacute o caso da IASD

A Constituiccedilatildeo Federal por exemplo proclama a dignidade humana Eacute reconhecido que o ser humano possui o poder de escolha ele natildeo somente tem vontade ele a exerce em seu proacuteprio paiacutes (BRASIL 2007) Por respeitar o livre arbiacutetrio humano a Legislaccedilatildeo Brasileira garante a livre crenccedila e culto no paiacutes ndash garantia aos direitos sociais e individuais A dignidade humana

12 Uniotildees compreendem unidades administrativas da IASD com igrejas num determinado territoacuterio de uma regiatildeo de proximidade geograacutefica formadas por alguns campos como as-sociaccedilotildees e missotildees As associaccedilotildees quase sempre abarcam as igrejas dentro de um Estado da Federaccedilatildeo Os estados com grande territoacuterio podem ser subdivididos em mais de um campo (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2000a p 26)

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ampara a capacidade de autodeterminaccedilatildeo todavia ressalta a responsabi-lidade moral do indiviacuteduo pelo exerciacutecio da sua vontade ao fazer escolhas tendo a liberdade religiosa como uma delas

Por consequecircncia a dignidade do ser humano preceituada na Cons-tituiccedilatildeo Federal conduz ao fato de que este tem o direito agrave autonomia da vontade sobretudo quando expressa desejos existenciais dentre as quais se inclui a dignidade religiosa (BARROSO 2010 p 28) ndash seu direito contu-do natildeo pode coligir com o direito de outros O ser humano tem responsabi-lidade moral por suas escolhas e deve dar conta delas A liberdade humana natildeo eacute total ela eacute limitada pela lei para preservar o harmonioso conviacutevio social13 Neste aspecto

eacute necessaacuterio estabelecer um limite entre a esfera da atividade do Estado e uma esfera proacutepria da liberdade individual O Direito natildeo eacute suficiente e apropriado para assuntos de pensamento consciecircn-cia e religiatildeo Portanto natildeo seratildeo as regras do direito que regeratildeo as regras desse homem as atitudes desse homem mas as suas atitu-des seratildeo regidas pelas regras ditadas pela sua consciecircncia tomaraacute esta ou aquela atitude segundo melhor lhe aprouver e de acordo com seus pensamentos e decisotildees (PALAIO 2005 p 4)

A praacutetica de uma religiatildeo eacute assunto de consciecircncia de foro iacutentimo sen-do assim livre da intromissatildeo do Estado desde que a praacutetica religiosa natildeo estimule a violaccedilatildeo da dignidade humana o Brasil natildeo tem uma religiatildeo ofi-cial ndash embora natildeo trabalhe de forma antirreligiosa (MENDES et al 2008 p 418) como pode ser notado na promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 onde os constituintes escreveram no preacircmbulo ldquonoacutes representantes do povo brasileiro [hellip] promulgamos sob a proteccedilatildeo de Deus a seguinte Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasilrdquo (BRASIL 2011a p 15) Assim o Estado brasileiro permite a celebraccedilatildeo de todos os tipos de cultos consente que toda e qualquer religiatildeo se estabeleccedila em seu territoacuterio desde que respeitem as leis do paiacutes Segundo Mendes et al (2008 p 417) ldquona liber-dade de religiatildeo inclui-se a liberdade de organizaccedilatildeo religiosa O Estado natildeo pode interferir sobre a economia interna das Associaccedilotildees religiosasrdquo Por

13 Em Romanos 131 Paulo alega que ldquotodo homem esteja sujeito agraves autoridades superiores porque natildeo haacute autoridade que natildeo proceda de Deus e as autoridades que existem foram por ele constituiacutedasrdquo Pedro 213-15 tambeacutem procura exortar os crentes a sujeitarem-se ldquoa toda instituiccedilatildeo humanardquo e isso ldquopor causa do Senhorrdquo (ver Ec 82-4)

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conseguinte uma vez que o Estatuto Social (normas que regem as Uniotildees na IASD) e o Manual da Igreja (normas que regem a IASD no mundo todo) es-tejam em conformidade com as leis do paiacutes como eacute o caso a Igreja tem todo o direito de reger a vida dos que pertencem a esta entidade religiosa ela pode se pronunciar livremente a respeito da conduta de seus membros quando em conformidade com as leis nacionais14 Pode-se dizer que no Brasil qual-quer pessoa pode professar a feacute que escolher

A Igreja passa a existir do ponto de vista legal no momento em que o seu Ato Constitutivo (ou Estatuto Social15) eacute registrado no Cartoacuterio de Registro Civil Passa entatildeo a ser uma pessoa juriacutedica de direito privado A Igreja como personalidade juriacutedica possui seus direitos Sobre isto diz Garcia (2003 p 47)

Por serem entidades dotadas de personalidade pelo ordenamen-to juriacutedico-positivo as pessoas juriacutedicas tem direitos de perso-nalidade ou seja direito ao nome agrave marca agrave honra objetiva agrave imagem ao segredo etc [hellip] Como exemplo de construccedilatildeo ju-

14 Nas palavras de Mendes et al (2008 p 417) ldquona liberdade religiosa incluem-se a liberda-de de crenccedila de aderir a alguma religiatildeo e a liberdade do exerciacutecio do culto respectivo A lei deve proteger os templos e natildeo deve interferir nas liturgias a natildeo ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipoacutetese consideradardquo15 Ato Constitutivo eacute o documento que torna legal a existecircncia de uma pessoa juriacutedica apoacutes ser registrado no Cartoacuterio ou Oficio de Registro Civil de Pessoas Juriacutedicas da comarca onde ela estaacute estabelecida Estes atos satildeo chamados na maioria das vezes de Estatuto Social Nele deve constar sua denominaccedilatildeo seus objetivos sociais sua constituiccedilatildeo (por exemplo uma associaccedilatildeo de pessoas fiacutesicas) a localizaccedilatildeo da sua sede o territoacuterio de sua abrangecircncia como seraacute administrada como se processa a eleiccedilatildeo de seus diretores por quanto tempo eacute o mandato da diretoria quais satildeo as atribuiccedilotildees principais de cada membro da diretoria as responsabilidades de natureza civil fiscal e tributaacuteria trabalhista previdenciaacuteria fundiaacuteria e sindical dos seus empregados como seus objetivos sociais deveratildeo ser alcanccedilados qual o pro-cedimento para que ela possa ser desconstituiacuteda e a declaraccedilatildeo da sua duraccedilatildeo (se por tempo determinado ou indeterminado) No caso de firmas comerciais o Ato Constitutivo eacute chama-do de Contrato Social e eacute registrado nas Juntas Comercias dos Estados (DINIZ 2005 v 2 p 378-493) O Estatuto impresso pela Uniatildeo Central Brasileira da IASD que compreende o Estado de Satildeo Paulo prevecirc o seguinte ldquoArt1ordm ndash [hellip] ldquoUniatildeo Central Brasileirardquo regida e administrada pelo presente Estatuto eacute uma organizaccedilatildeo religiosa pessoa juriacutedica de direito privado nos termos da Constituiccedilatildeo Federal e do inciso IV do art 44 da lei nordm 104062002 de fins eclesiaacutesticos e evangeliacutesticos natildeo lucrativos [hellip] Art 3ordm ndash O Manual da Igreja e os Regulamentos Eclesiaacutestico-Administrativos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia constituem normas subsidiaacuterias da Legislaccedilatildeo Brasileira e do presente Estatuto na gestatildeo e administra-ccedilatildeo da Uniatildeo Central (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2008 p 1-2)rdquo

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risprudencial sobre danos morais citamos a Suacutemula 227 de 8 de setembro de 1999 do Superior Tribunal de Justiccedila A pessoa ju-riacutedica pode sofrer dano moral

Dessa forma assim como a Igreja que na qualidade de instituiccedilatildeo goza de proteccedilatildeo legal o cidadatildeo brasileiro vive tambeacutem sob o amparo da lei O que significa que se algueacutem ou alguma instituiccedilatildeo de alguma forma for atingido em sua imagem fama honra ou respeitabilidade tem amparo legal para se defender (BRASIL 2011b p 228) A vista disto eacute necessaacuterio que haja cuidado no caso aqui na igreja em natildeo atingir com palavras faladas ou escritas a dignidade de alguma pessoa (GARCIA 2003 p 48) Se isso ocorrer e o ofendido quiser processar judicialmente o ofensor e requerer in-denizaccedilatildeo por danos materiais ou morais teraacute o direito de fazecirc-lo Contudo o mesmo direito ao reclame por danos morais pode ser postulado pela Igreja

Assim deve-se estar atento para os seguintes aspectos 1) razotildees para disciplina satildeo apenas as que constam no Manual da Igreja no capiacutetulo que trata do assunto 2) um membro que falhou na vida espiritual deve ser con-frontado ouvido e aconselhado para que tudo se esclareccedila e se escolha as melhores accedilotildees futuras 3) caso o pecado seja grave havendo comprovaccedilatildeo a comissatildeo da igreja deve se reunir para tratar do assunto o faltoso deve ser avisado por escrito a fim de que tome as providecircncias pessoais necessaacuterias16 4) O Manual da igreja (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p 198) veda a representaccedilatildeo da pessoa cujo caso a comissatildeo vai analisar por um advogado 5) todo membro tem o direito de ser ouvido em defesa proacute-pria 6) deve-se dar ao faltoso o tempo necessaacuterio para organizar a sua defe-sa 7) o faltoso permaneceraacute na sala ateacute o esclarecimento do ocorrido 8) a deliberaccedilatildeo final da igreja deve ser feita num saacutebado de manhatilde 9) a decisatildeo seraacute tomada pela maioria dos presentes 10) quando a igreja for tratar o caso em assembleia o faltoso natildeo poderaacute falar em sua defesa (isso deve ter sido feito anteriormente) 11) o secretaacuterio(a) deve ser instruiacutedo(a) a registrar o ocorrido de forma geneacuterica atraveacutes de uma fraseologia que englobe o que

16 O secretaacuterio deve ficar com uma coacutepia do aviso pois a igreja pode precisar dele mais tarde Isso se justifica caso ocorra um possiacutevel processo judicial no qual conste o local o dia e a hora em que a comissatildeo da igreja vai se reunir visto que o faltoso tem o direito de estar presente caso queira ouvir o que se tem a dizer sobre o seu procedimento e se desejar contar a sua versatildeo dos fatos se defender produzindo provas e levando testemunhas a seu favor O aviso de que a comissatildeo vai estudar o seu caso deve ser formal

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aconteceu como ldquotransgressatildeo de mandamento da lei de Deusrdquo17 12) a ata deve ser cuidadosamente guardada

Sobre o recebimento ou desligamento de membros ningueacutem eacute forccedilado a se unir agrave Igreja nem a permanecer nela O ingresso como membro regular da igreja pode ocorrer pelos seguintes modos i) transferecircncia por carta de uma agrave outra igreja ii) por profissatildeo de feacute18 iii) ou por batismo Em todos os casos os membros da igreja local reunidos em assembleia votam se aceitam ou natildeo o candidato como membro A ldquoprofissatildeo de feacuterdquo confirmaraacute agrave igreja a tomada de decisatildeo quanto agrave aceitaccedilatildeo ou natildeo do indiviacuteduo Do mesmo modo se achar por bem assim fazecirc-lo a igreja pode retirar do registro de membros aqueles que natildeo vivem mais os princiacutepios ensinados por ela Quan-do um caso disciplinar for levado agrave consideraccedilatildeo da igreja reunida adminis-trativamente em assembleia cogita-se que o faltoso estaacute no uacuteltimo estaacutegio da disciplina As praacuteticas de disciplina preventiva foram esgotadas foi advertido e repreendido sem resultados O degrau posterior agrave disciplina eacute a remoccedilatildeo

Assim as leis brasileiras amparam o exerciacutecio da Disciplina Eclesiaacutesti-ca contudo elas devem ser observadas tambeacutem dentro da praacutetica do Manual da Igreja Agir dessa forma traacutes paz e seguranccedila para a accedilatildeo disciplinar

Exemplos de casos disciplinaresAgraves vezes a sentenccedila do juiz eacute favoraacutevel agrave Igreja outras vezes natildeo Veja-

-se os exemplos que seguem 1) Foi movida uma accedilatildeo cautelar agrave Uniatildeo Central Brasileira da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia19 pois uma das igrejas desse territoacuterio removeu do

17 Quanto ao pecado especiacutefico for o ldquoadulteacuteriordquo esta palavra natildeo deve constar na ata bem como qualquer outro que embora evidente seja difiacutecil de provar Caso ali se escreva alguma coisa que for julgado ofensivo a algueacutem e a pessoa entender que sua imagem foi atingida e tiver acesso agrave ata se ele quiser poderaacute mover um processo contra os responsaacute-veis pela declaraccedilatildeo levando-os a uma corte de justiccedila18 Para explicar o que eacute profissatildeo de feacute eacute necessaacuterio analisar o capiacutetulo que fala sobre esse assunto no Manual da Igreja (GENERAL CONFERENCE SDA 2010 p 55) ldquoRe-cebimento de Membros Sob Condiccedilotildees Difiacuteceis ndash Algumas vezes condiccedilotildees mundiais impedem a comunicaccedilatildeo para transferecircncia de membros Em tais circunstacircncias a igreja que recebe o membro em conselho com a Associaccedilatildeo se certificaraacute da situaccedilatildeo dessa pessoa e entatildeo receberaacute como membro por profissatildeo de feacute Se posteriormente as vias de comunicaccedilatildeo com a igreja ou Associaccedilatildeo de origem do membro se abrirem a igreja onde foi recebido enviaraacute uma carta informando o que foi feitordquo 19 Uniatildeo Central Brasileira refere-se agrave unidade administrativa da Igreja que tem atuaccedilatildeo e

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rol de membros algumas pessoas julgadas passiacuteveis de disciplina eclesiaacutestica O grupo removido entrou com processo contra a igreja local alegando que natildeo tiveram oportunidade de demonstrar suas razotildees de defesa ferindo as-sim o texto expresso da Constituiccedilatildeo Federal Os removidos exigiram con-cessatildeo de uma liminar para que fossem reintegrados ao quadro de membros novamente o que natildeo conseguiram

O magistrado reconheceu a condiccedilatildeo laica do Estado ao declarar que os que elaboraram a Constituiccedilatildeo Brasileira escolheram entre outros dois pos-tulados como seguem no Inciso I da Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a)

Art 19 Eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios I ndash estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionaacute-los embaraccedilar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relaccedilotildees de dependecircncia ou alianccedila ressalvada na forma da lei a colaboraccedilatildeo de interesse puacuteblico II ndash recusar feacute aos documentos puacuteblicos III ndash criar distinccedilotildees entre brasileiros ou preferecircncias entre si

A juiacuteza de Direito Rebeca Mendes Batista Mazzo citou o artigo 267ordm inciso VI do Coacutedigo de Processo Civil e vendo que tudo fora feito den-tro da legalidade natildeo encontrou motivos nem propriedade para atender ao pedido dos requerentes deu ganho de causa agrave Igreja em seu direito de deli-berar sobre a condiccedilatildeo de seus membros assinando a sentenccedila na cidade de Sertatildeozinho em Satildeo Paulo em 25 de Outubro de 2005

2) Um membro da IASD no Estado de Satildeo Paulo entrou com um processo contra a igreja que o disciplinou removendo-o do rol de mem-bros alegando que a accedilatildeo disciplinar ocorreu ldquosem que fosse adotado o procedimento previsto no Manual da Igreja uma vez que natildeo teve oportu-nidade de apresentar defesardquo como pode ser visto nos autos do processo nordm 23452002 sob jurisdiccedilatildeo da Juiacuteza Substituta Alexandra Laskowki (2003) no Foacuterum de Sorocaba (SP) Cartoacuterio do 2deg Oficio Civil Ele requereu sus-pensatildeo da decisatildeo de remoccedilatildeo e a determinaccedilatildeo para que seja notificado das acusaccedilotildees com antecedecircncia miacutenima de dez dias e que haja convoca-ccedilatildeo por edital da reuniatildeo A igreja apresentou contestaccedilatildeo alegando que a pessoa foi convocada para uma reuniatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo

abarca os campos como as associaccedilotildees e missotildees que estatildeo no estado de Satildeo Paulo

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e deixou de comparecer e acrescentou que o faltoso natildeo negou os motivos que ensejaram a sua remoccedilatildeo

A pessoa implicada apresentou reacuteplica alegando a natildeo observaccedilatildeo do procedimento adequado Consta nos autos do processo

com efeito o manual da igreja requerida determina o direito de defesa antes da votaccedilatildeo de exclusatildeo do membro conforme docu-mento de fls 5152 O requerente foi comunicado sobre a reuniatildeo para a sua exclusatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo conforme confessa a requerida em sua contestaccedilatildeo assim evidente que natildeo foi possiacutevel a apresentaccedilatildeo de sua defesa (LASKOWKI 2003)20

ldquoRequeridardquo no texto supracitado se refere agrave igreja A justiccedila deu ga-nho de causa agrave pessoa removida suspendendo os efeitos da decisatildeo da as-sembleia da igreja local Os defensores da igreja entraram com uma apelaccedilatildeo ciacutevel pedindo revisatildeo a justiccedila negou provimento ao pedido ficando anu-lada a decisatildeo de excluir a pessoa ateacute que ocorresse um reestudo do caso agora tendo de ser atendido o Manual da Igreja

Consideraccedilotildees finaisNatildeo se deve pensar a Disciplina Eclesiaacutestica apenas no seu aspecto

corretivo fornecendo assim conotaccedilatildeo negativa a ela muitos confundem disciplina com castigo e rejeiccedilatildeo a Disciplina Eclesiaacutestica tem caraacuteter re-tentivo Deste modo pode-se promover o amadurecimento espiritual do cristatildeo com os recursos da disciplina preventiva e estimular a jornada cristatilde evitando futuros tropeccedilos Estes procedimentos visam sobretudo trazer de volta o membro afastado zelar pelo bom nome da Igreja e desestimular os outros a atitudes semelhantes

A vista disso eacute importante lembrarmos que as accedilotildees da Igreja satildeo cir-cunscritas agrave sua jurisdiccedilatildeo e devem ser aplicadas dentro das normas estabe-lecidas no Manual da Igreja que diante da Legislaccedilatildeo Brasileira eacute um do-cumento restrito aos adeptos da IASD Como pessoa juriacutedica a instituiccedilatildeo

20 Direito de defesa e contraditoacuterio Na Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a) no art 5ordm inciso LV encontra-se que ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e os acu-sados em geral satildeo assegurado o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo O desdobramento deste inciso daacute ao que esta sendo julgado direito a informaccedilatildeo direito a manifestaccedilatildeo e direito de ver seus argumentos considerados

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procura trabalhar em sintonia com a legislaccedilatildeo em questotildees ligadas agrave digni-dade humana agrave autonomia de vontade etc consoante agrave legislaccedilatildeo as praacute-ticas eclesiaacutesticas referentes agrave disciplina tecircm caraacuteter legal entre os adeptos da comunidade que concordaram ser regidos pelos costumes e crenccedilas da instituiccedilatildeo Por outro lado existem ainda condiccedilotildees de jurisdiccedilatildeo pessoal que quando desrespeitadas na ocasiatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica podem ocasionar em processos contra a Igreja

Atraveacutes da praacutetica da disciplina em conformidade com as normas preacute-estabelecidas no Manual da Igreja os membros da comunidade po-deratildeo agir com respeito agrave dignidade do membro disciplinado Mesmo quando confrontados com obstaacuteculos que parecem constranger a aplica-ccedilatildeo da disciplina a comissatildeo deve considerar que as accedilotildees eclesiaacutesticas satildeo legiacutetimas diante da lei e que em nenhuma hipoacutetese procuram traba-lhar a fim de prejudicar seus membros

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Enviado dia 20112012Aceito dia 10032013

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de

L R ConradiA historical survey about L R Conrad dissidence

Renato Stencel1 Alex Voos2

ResumoAbstract

As crises ocorridas na Igreja Adventista tecircm sido frequentemente recon-tadas Geralmente tem-se enfatizado as crises e dissidecircncias envolven-do personagens da ala estadunidense da Igreja entretanto outras alas

da denominaccedilatildeo tambeacutem sofreram com o ataque de criacuteticos e desertores Neste cenaacuterio a apostasia de Ludwig Richard Conradi se destaca por ter sido um marco histoacuterico proporcional agrave outros eventos Ademais a atuaccedilatildeo negativa de Conradi contra o ministeacuterio de Ellen G White eacute de particular interesse para aqueles que discutem sua autoridade profeacutetica Este artigo visa a traccedilar um breve relato his-toacuterico da dissidecircncia de Conradi e constatar as consequecircncias de sua apostasia no desenvolvimento da Igreja Adventista no cenaacuterio EuropeuPalavras-chave Dom Profeacutetico Ludwig R Conradi Dissidentes Identida-de Denominacional

1 Doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Metodista de Piracicaba (2006) mestre em Educaccedilatildeo pela Andrews University (1993) e bacharel em Teologia e Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Atualmente atua como professor no Unasp e como diretor do Centro Nacional de Memoacuteria Adventista do Centro de Pesquisas Ellen G White E-mail renatostencelunaspedubr2 Bacharelando em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail alxvoosgmailcom

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The crises from the Seventh-Day Adventist Church have been frequently re-told The crises and dissidences involving personalities from the north-Ame-rican part of church tend to be more emphasized Therefore other groups

from church also suffered attacks of dissidents Proportionally to other events the apostasy of Ludwig Richard Conradi is historically remarkable in the scenario Fur-thermore Conradirsquos negative behavior against Ellen G Whitersquos ministry is particularly interesting for those who discuss her prophetical authority This article aims to trace a brief historical narrative of Conradirsquos dissidence and to identify the consequences of his apostasy on the development of the European SDA ChurchKeywords Prophetic gift Ludwig R Conradi Dissidents Church Identity

Origem e ministeacuterio3

Ludwig Richard Conradi nasceu em Karlsruhe Alemanha no ano de 1856 Desde cedo foi apaixonado pelos estudos (RANDOLPH 1940 p 5-12) e aos 15 anos jaacute possuiacutea boas noccedilotildees de latim grego e francecircs e uma voracidade pelas disciplinas de histoacuteria e geografia Contudo enquanto se preparava para ser padre Conradi perdeu o pai e foi forccedilado a abandonar o seminaacuterio catoacutelico4 Migrou entatildeo para os EUA e conheceu a mensagem adventista enquanto trabalhava em um fazenda do estado de Iowa

Juntando suas poucas economias e contando com o sacrifiacutecio dos irmatildeos de Iowa Conradi se dirigiu em 1879 ao Batlle Creek College (HEINZ 1987 p 19 SCHWARZ 2009 p 137) Acostumado com uma vida que exigia todas suas energias Conradi terminou seus estudos em 18 meses apenas um terccedilo do tempo estimado Ao mesmo tempo em que estudava ele tambeacutem era a principal forccedila por detraacutes da publicaccedilatildeo do

3 Este artigo eacute um resumo da monografia natildeo publicada ldquoLudwig R Conradi Finis Origini Dependet uma anaacutelise de sua vida e ministeacuteriordquo originalmente apresentada na XI Jornada Biacuteblico-Teoloacutegica da Faculdade Adventista de Teologia Engenheiro Coelho (VOOS 2011) A monografia se encontra arquivada no Centro de Pesquisas Ellen G White ndash Brasil4 Mais dados biograacuteficos a respeito dos primeiros anos de L R Conradi ateacute o seu ingresso no meio adventista podem ser encontrados em Heinz (1987) Strayer (1996) The Departmet (1944) Delafield (1957 p 286) Grob (1974 p 1-2) e Neufeld (1996 v 10 p 406)

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Stimme der Wahrheit primeiro perioacutedico adventista a ser enviado para o Brasil (HEINZ 1987 p 19 NEUFELD 1996 v 10 p 406 SCHWARZ 2009 p 222 GREENLEAF 2011 p 24)5

Ministeacuterio nos EUAApoacutes sua graduaccedilatildeo o carente e dedicado estudante foi presenteado com

uma beca de formatura pelo casal White Tiago White na eacutepoca presidente da Associaccedilatildeo Geral percebendo as competecircncias do jovem alematildeo convidou--o para ser seu secretaacuterio particular entretanto Conradi recusou o convite de White e preferiu engajar-se diretamente no trabalho evangeliacutestico (RANDOL-PH 1940 p 6 DELAFIELD 1957 p 289 GROB 1974 p 3 GERHAR-DT 1977 p 3 HEINZ 1987 p 19) e se destacou como um dos pioneiros ao trabalhar com a comunidade de imigrante alematildees nos EUA Logo o trabalho progrediu e em abril de 1882 foi organizada em Milltown a primeira Igreja Adventista de fala alematilde (REIMCHE 1982 p 9 WEARNER 1984 p 4-5 WEARNER1995 p 14 SCHWARZ 2009 p 137) Entre os conversos de origem alematilde se encontrava George Riffel que posteriormente emigrou para a argentina e se tornou o primeiro difusor da mensagem adventista na Ameacuterica do Sul (WEARNMER 1984 p 4-6 WEARNMER 1995 p 13-15 NEU-FELD 1996 v 11 p 870 SCHWARZ 2009 GREENLEAF 2011 p 22-23)

Embora no comeccedilo dos anos 1880 a Igreja estivesse apenas ensaiando seus primeiros desafios missionaacuterios natildeo era possiacutevel imaginar que o traba-lho de Conradi entre os imigrantes alematildees fosse influenciar tanto o avanccedilo das missotildees Os novos conversos passaram a enviar folhetos para Ruacutessia e outros difundiram a mensagem mudando-se para outras regiotildees dos EUA e Canadaacute (DUPUY 1976 p 6 REIMCHE 1982 p 9 LOHNE 1988 SCHWARZ 2009 p 211) Sob a lideranccedila de Conradi a ala germacircnica da Igreja constituiria nas primeiras deacutecadas do seacuteculo vinte os pilares do avan-ccedilo missionaacuterio Adventista sob o mundo

Ministeacuterio na EuropaEm 1886 a Conferecircncia Geral votou o envio de Conradi agrave Europa para

assumir a carecircncia de lideranccedila que J N Andrews deixaraacute ao morrer ldquoDentro de cinco anos ele havia organizado um instituto de treinamento para colpor-tores e obreiros biacuteblicos uma missatildeo urbana e um complexo de publicaccedilotildees

5 Para uma maior compreensatildeo da relaccedilatildeo entre o envio das primeiras correspondecircncias e o surgi-mento do adventismo no Brasil ver Borges (2000 p 45-62) e Rosa (2004 p 17-20)

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em Hamburgordquo (SCHWARZ 2009 p 211) Em 1890 os campos alematildeo e russo foram unificados sob sua lideranccedila (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Os colportores passaram a agir natildeo apenas em territoacuterio alematildeo mas tambeacutem em outros paiacuteses Cedo a literatura adventista comeccedilou a ser distribu-iacuteda entre os Paiacuteses Baixos Aacuteustria Checoslovaacutequia Polocircnia e outros lugares O campo europeu era fragmentado em diversas liacutenguas e a toleracircncia religiosa se mostrava muitas vezes precaacuteria Conradi entendeu que a colportagem era a estrateacutegia perfeita esse contexto missionaacuterio (HEINZ 1984 p 19 HEINZ 1987 p 13 SCHWARZ 2009 p 212 276)

Temporariamente os adventistas alematildees conseguiram auto sustentar-se financeiramente e financiaram obreiros em outros campos Seus primeiros re-presentantes foram enviados para o Brasil em 1895 (SCHWARZ 2009 p 276)

Em meio a todo esse processo Conradi parece ter mantido o vigor e o ritmo dos anos de estudante em Battle Creek Entre os anos 1890-1896 o trabalho de Conradi resumiu-se em 1) Batizar e organizar muitas igrejas 2) traduzir livros e 3) liderar a Igreja na Alemanha e Ruacutessia (GROB 1974 p 6) Durante sua vida Conradi manteve um niacutevel de atividade incriacutevel e se sen-tia bem dormindo somente de 3 agrave 4 horas por noite (HEINZ 1987 p 17 STRAYER 1996 p 10-11)

Durante a Conferecircncia Geral de 1901 foi criada no campo europeu a Primeira Divisatildeo da histoacuteria da Igreja Adventista e Conradi eleito o seu pre-sidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Levando a igreja aleacutemEm 1902 a Igreja na Alemanha contava com uma ativa comunidade

de quatro mil membros batizados Essa numeraccedilatildeo era duvidosa mas Con-radi entendeu que o predomiacutenio da Alemanha sob suas colocircnias africanas natildeo poderia deixar de ser aproveitado Apoacutes persuadir funcionaacuterios de alta influecircncia no governo alematildeo as portas foram abertas para que as missotildees adventistas atuassem com liberdade irrestrita nos territoacuterios sob coloniza-ccedilatildeo alematilde o que compreendia boa parte do continente africano (MORRIS 1911 p 5 HAY 1991 p 4-5)

Em 1903 Conradi foi eleito vice-presidente da Associaccedilatildeo Geral ao lado de W W Prescott enquanto Arthur Daniells era o presidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406) Conradi tambeacutem direcionou o avanccedilo missionaacuterio para a regiatildeo dos Baacutelcatildes o Impeacuterio Turco e o Egito Com a perda das colocircnias alematildes apoacutes a I Guerra Mundial o esforccedilo missionaacuterio foi realinhado em direccedilatildeo agraves Iacutendias Orientais e Holandesas e partes da China (SCHWARZ 2009 p 276)

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O desenrolar do progresso da Igreja na Alemanha natildeo soacute revelou uma estaacutevel comunidade adventista mas tambeacutem o despertar de uma consciecircncia evangeliacutesticomissionaacuteria muito forte nos anos que se seguiram Durante as primeiras deacutecadas do seacuteculo 20 a comunidade alematilde veio a se tornar ao lado dos EUA o segundo pilar do movimento adventista natildeo soacute no nuacutemero de membros e estrutura organizacional como tambeacutem no esforccedilo missionaacuterio

Desenvolvimento teoloacutegico e dissidecircncia

Agrave semelhanccedila de outras a apostasia de Conradi foi um processo longo e gradual Desde os primeiros ldquosintomas apoacutestatasrdquo ateacute o seu desligamento defi-nitivo da Igreja no final de 1931 haacute um longo periacuteodo de mais ou menos 45 anos

Conversatildeo e formaccedilatildeo adventistaEmbora Conradi tenha no tempo de seminarista recebido uma consi-

deraacutevel formaccedilatildeo catoacutelica natildeo parece que esse fator desempenhado um pa-pel relevante em sua apostasia Desvencilhar-se das antigas pressuposiccedilotildees pode natildeo ter sido um problema mas a raacutepida passagem pelo Battle Creek College provavelmente tenha proporcionado uma base adventista pouco soacute-lida (GERHARDT 1977 p 8)

O primeiro contado de Conradi com os adventistas ocorreu em uma regiatildeo do estado de Iowa onde a igreja havia sido afetada por um movimento dissidente denominado Marion Party (NEUFELD 1996 v 11 p 32) Pou-co se falava sobre o dom profeacutetico de Ellen G White em Iowa mas quando o assunto surgia era sempre evitado (HEINZ 1998 p 32) B F Snook e W H Brinkerhoff liacutederes do movimento dissidente haviam levantado uma campanha contra Ellen G White e a lideranccedila de James White presidente da Associaccedilatildeo Geral Quando Conradi se converteu ainda pairavam sobre a igreja em Iowa algumas reminiscecircncias desta crise

Ingresso no ministeacuterioEm 1883 enquanto Conradi estava trabalhando entre os imigrantes

alematildees ele enviou um exemplar do livro de Ellen G White Steps to Christ (Caminho agrave Cristo) para Joseph Szalay editor do The Christian um perioacutedi-co presbiteriano impresso em Budapeste Hungria O Pastor Szalay retornou

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a correspondecircncia a Conradi dizendo que tambeacutem gostaria de publicar o livro em Huacutengaro Feliz com a resposta Conradi teceu elogios ao conteuacutedo escrito por Ellen G White e publicou seu testemunho na Review and Herald reportando que o livro havia provocado uma profunda impressatildeo no prega-dor presbiteriano (CONRADI 1894 p 20-21 SZIGETI 1983 p 19)6

Durante os primeiros anos do trabalho de Conradi nos EUA Ellen G White apreciou a obra do eneacutergico e jovem pastor No sermatildeo da uacuteltima sessatildeo da Conferecircncia Geral de 1883 ela disse

Quando eu ouviu o testemunho do irmatildeo Conradi eu pude ver porque ele foi tatildeo bem sucedido Ele foi extremamente sincero na obra Ele toma a obra como se ele pretendesse fazer algo com ela Natildeo eacute somente a habilidade que confere sucesso conquanto o ta-lento e a habilidade santificados satildeo instrumentos refinados nas matildeos de Deus ela deve ser aplicada de maneira sincera na obra (WHITE E G 1990 1994 v 2 p 12 traduccedilatildeo livre)

Crises na EuropaEm 1886 quando Conradi foi enviado para o continente europeu encon-

trou-se com Ellen G White que estava em viagem pela Europa desde agosto de 1885 (DELAFIELD 1957 p 286 WHITE A L 1984 p 264) Esse foi pro-vavelmente o periacuteodo de convivecircncia mais proacutexima que os dois tiveram Con-radi acompanhou-a em algumas viagens e atuou como seu tradutor em vaacuterias ocasiotildees (DELAFIELD 1957 p 286) Alguns meses depois Conradi foi preso na Ruacutessia apoacutes organizar uma Igreja e realizar alguns batismos A situaccedilatildeo legal dele parecia muito delicada e ela lhe enviou uma confortante carta

Querido irmatildeo [hellip] Noacutes podemos ver agora mais claramente algu-mas das dificuldades que existem no caminho daqueles que que-rem obedecer a Deus Noacutes natildeo poderiacuteamos reconciliar este fato com as circunstancias agora mas Deus trabalha de uma misteriosa maneira para cumprir suas maravilhas [hellip] Mantenha a coragem e relembre que o Senhor eacute o Supremo Governador [hellip] Pense no que Jesus o Priacutencipe da Vida sofreu neste mundo o justo pelo in-justo para que Ele pudesse salvar homens da morte e da miseacuteria

6 Ver tambeacutem Review and Herald (1984 p 23)

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Deus governa neste mundo Ele eacute o Onipotente Tenha certeza entatildeo que tudo o que ele deseja na sua sabedoria ou o que seu amor intenta Seu poder executaraacute [hellip] Noacutes cuidaremos de sua esposa e de sua crianccedila de maneira especial [hellip] Noacutes natildeo esque-cemos vocecirc e temos apresentado seu caso ao tribunal mais elevado (DELAFIELD 1957 p 287 traduccedilatildeo livre)

Entretanto Conradi declarou que foi exatamente neste periacuteodo de convi-vecircncia com Ellen G White na Europa que ele desenvolveu certa antipatia por ela (DELAFIELD 1957 p 288) Alguns tem sugerido que para Conradi Ellen G White fugia do conceito de uma boa housfrau (dona-de-casa) alematilde ndash uma figura sujeita ao marido e restrita agraves atividades domeacutesticas Era difiacutecil aceitar uma mu-lher tomar parte nas reuniotildees da igreja influenciar decisotildees administrativas e ateacute repreender proeminentes liacutederes (GROB 1974 p 13 SCHWARZ 1979 p 475)

Tendo em vista os recentes sucessos no campo americano e os grandes progressos realizados no desafiante campo europeu era de se esperar que Conradi se sentisse realizado e satisfeito com sua obra ministerial Todavia em uma carta enviada ela em 1891 ele disse ter passado por uma profunda crise espiritual quando comeccedilou o trabalho na Europa De maneira bastante pessoal ele confessou

Quando juntei-me a este povo [o povo adventista] mais de 13 anos atraacutes eu aprendi por experiecircncia proacutepria o que eacute experimentar da paz de Deus e da certeza dos pecados perdoados tambeacutem o que eacute ser livre da escravidatildeo do pecado Em teoria eu confesso que tive pouca luz a respeito desse assunto como em muitos outros Por quase 7 anos eu permaneci vitorioso fazendo estaacutevel progresso [hellip] mas quan-do eu cheguei na Europa mais apropriadamente um pouco antes derrotas vieram primeiramente de leve durante longos intervalos Enquanto o meu desejo fosse trabalhar por uniatildeo eu nem sempre tinha o sentimento correto para com a sua pessoa [EGW] As circunstancias peculiares em Basel [Suiacuteccedila] natildeo foram de nenhuma ajuda para mim e eu fui lentamente perdendo o chatildeo Quando eu fui para a Ameacuterica [1888] eu esperei ser ajudado mas a reuniatildeo de Minneapolis somente adicionou escuridatildeo Suas palavras provaram-se verdadeiras em meu caso Eu tentei superar isso atraveacutes do trabalho o que por vezes aju-dou parcialmente mas a escravidatildeo permaneceu Oh Quatildeo escuro satildeos as horas de escravidatildeo (DELAFIELD 1957 p 288)

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A confissatildeo de Conradi evidencia que uma deacutebil compreensatildeo sobre o perdatildeo de Deus seria a raiz do problema O proacuteprio Conradi era um dos que naquele momento precisavam da reconfortante mensagem de Justificaccedilatildeo pela Feacute Entretanto ele decididamente assumiu partido ao lado dos que dis-cordavam de A T Jones E J Waggoner e Ellen G White nas reuniotildees de Minneapolis tendo sido lembrado como ldquoum dos mais tagarelas e criacuteticosrdquo do grupo que tratou com severo deboche e descaso as exposiccedilotildees de Waggo-ner e Jones (FROOM 1971 p 248)

Oposiccedilatildeo em MinneapolisEnquanto na conferecircncia Conradi ficou hospedado juntamente com

outros 25 advogados de Iowa em uma grande e espaccedilosa casa McReynold que estava hospedado com ele disse que a atmosfera espiritual dos dele-gados naquele lugar era nada mais do que ldquodeprimenterdquo Natildeo houveram

ldquomomentos de culto ou o som de um grupo de oraccedilatildeo agrave noite ou pela ma-nhatilde ndash apenas gargalhadas e criacuteticas por alguns especialmente por Conradirdquo (FROOM 1971 p 259 traduccedilatildeo livre) Foi talvez por possuir esse espiacuterito zombeteiro que W G C Murdoch um antigo colega de Conradi observou muitos anos depois de sua apostasia ldquoEu era bem familiar ao pastor Conradi e viajei com eles muitas milhas o caraacuteter do pastor Conradi natildeo se adequava ao de um ministro do evangelhordquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo livre)

Quando chegou em Minneapolis as contendas talvez tenham surpre-endido-o jaacute que ele vinha da Europa e a discussatildeo efervescia entre os esta-dunidenses Pouco tempo antes das reuniotildees de Minneapolis em outubro de 1888 Ellen G White lamentou que Conradi deveria ter recebido cartas dela Pelo contexto entretanto natildeo eacute possiacutevel determinar se ela desejava escrever sobre o debate que vinha se arrastando nos EUA Mas por estar ocupada com os problemas ldquodeste lado do Atlacircnticordquo natildeo chegou a escrever nada para ele (WHITE E 1987 v 1 p 156)

Segundo Conradi ldquoo encontro de Minneapolis soacute adicionou escuri-datildeordquo agrave sua condiccedilatildeo espiritual W C White disse que os delegados parti-ram ldquocom uma grande variedade de sentimentos Alguns achavam que essa tinha sido a maior becircnccedilatildeo de sua vida outros que ela assinalava o iniacutecio de um periacuteodo de trevas e que os efeito malignos do que havia sido feito na conferecircncia jamais poderiam ser apagadosrdquo (SCHWARZ 2009 p 182) Ellen G White poucos anos depois comentou o espiacuterito daqueles que ha-viam feito parte do grupo de gozadores

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Enquanto eu estava em Minneapolis Ele me fez segui-lo de quarto em quarto de forma que eu pudesse ouvir o que estava sendo falado no dormitoacuterio O inimigo tinha tudo indo do seu jeito Eu natildeo ouvi ne-nhuma oraccedilatildeo mas ouvi meu nome sendo mencionado e difamado Nos quartos ocupados com nosso pessoal noacutes ouvimos piadas criacutetica risos e zombaria As manifestaccedilotildees do Espiacuterito Santo estavam sendo atribuiacutedas ao fanatismo [hellip] O mesmo Espiacuterito que moveu os rejeitores de Cristo colocava raiva em seus coraccedilotildees e se eles tivessem vivido na eacutepoca de Cristo teriam agido de forma similar aos Judeus descrentes e sem Deus (WHITE E G 1987 v 4 p 1564-1565 traduccedilatildeo livre)

Dois anos apoacutes Minneapolis sua disposiccedilatildeo quanto a Ellen G Whi-te parece ter mudado visto que foi publicado na Review o relatoacuterio de uma recente viagem missionaacuteria que ele fizera agrave Ruacutessia Em uma das comissotildees presididas por ele foi votado ldquogratidatildeo a Deus pela manifestaccedilatildeo dos dons Espirituais entre noacutes e especialmente pelo Espiacuterito de Profeciardquo (GERHAR-DT 1977 p 10-11 grifo nosso)

No ano seguinte em agosto de 1891 Conradi pediu desculpas agrave Ellen G White por sua atitude em Minneapolis e disse

Em vista dos sentimentos que eu nutria contra vocecirc e suas palavras os quais eu deixei transparecer na reuniatildeo de Minneapolis eu peccedilo perdatildeo E se vocecirc e meus irmatildeos ainda me garantirem um lugar na causa de Deus eu posso dizer com a ajuda de Deus ndash e eu tenho evidecircncias dela ndash eu serei um diferente ministro membro e irmatildeo [hellip] Eu posso agora apreciar as suas admoestaccedilotildees feitas no passado e ver a luz onde antes havia trevas Natildeo deveria ser meu privileacutegio encontrar vocecirc no proacuteximo ano Eu posso lhe garantir que em Cristo eu serei um com vocecirc no trabalho e que minhas oraccedilotildees estaratildeo com vocecirc Eu agradeceria se vocecirc pudesse proferir algumas palavras dizendo se vocecirc recebeu a minha carta e se vocecirc me perdoaria e me daria tambeacutem alguns conselhos conselhos e reprovaccedilotildees seratildeo agradecidamente re-cebidos (DELAFIELD 1957 p 288 traduccedilatildeo proacutepria)

Reprovado por Ellen G WhitePouco contato parece ter ocorrido entre os dois apoacutes esta carta Ateacute

que cinco anos depois por volta de 1896 Conradi teve uma filha em um

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caso extraconjugal Ellen G White que nessa eacutepoca estava na Austraacutelia o repreendeu pelo adulteacuterio Poucas pessoas na Igreja alematilde ficaram sabendo do ocorrido e o caso natildeo chegou a se tornar um escacircndalo puacuteblico Como consequecircncia Conradi foi removido de seu cargo administrativo e resignado a trabalhar fora da Alemanha visitando e dando suporte aos campos missio-naacuterios (HEINZ 1987 p 24 HEINZ 1998 p 95-96)7

Algum tempo depois de perder seus cargos em outubro de 1897 ele en-viou da Ruacutessia uma carta para Ellen G White em que afirmava estar encon-trando ldquoluzrdquo na Palavra de Deus e nos ldquotestemunhos do Seu Espiacuteritordquo ndash ou seja no que ela escrevia (DELAFIELD 1957 p 291) Ele expressava

gratidatildeo a Cristo o qual provou ser um amigo fiel e o meu sumo sacerdote Quando tudo parecia escuro e Satanaacutes instava nenhu-ma esperanccedila [hellip] Minha oraccedilatildeo hoje eacute Senhor unge meus olhos deixe-me perceber a minha proacutepria salvaccedilatildeo guarda todos os meus passos nos caminhos do dever e me permita saber o Teu desejo para a minha vida [hellip] Eu natildeo quero arruinar o Seu traba-lho por causa do passado mas ele foi graciosamente perdoado Eu estarei satisfeito se vocecirc tiver alguma luz ou exortaccedilatildeo e conselho [hellip] (DELAFIELD 1957 p 291 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Daniel Heinz considerando a atitude ambiacutegua que ao longo dos anos Conradi manteve em relaccedilatildeo a Ellen G White julga que ele sabia que sem a aprovaccedilatildeo dela seria mais difiacutecil de retornar ao elevado cargo que ele ante-riormente ocupava (HEINZ 1998 p 96)

A questatildeo do ldquodiaacuteriordquoDurante o periacuteodo que esteve afastado da presidecircncia do campo Russo-Ale-

matildeo Conradi comeccedilou a revisar a obra de J N Andrews History of the Sabbath Analisando profundamente as obras dos reformadores protestantes se sentiu atra-iacutedo pela ideia de que Lutero um alematildeo tivesse sido o primeiro a proclamar as trecircs mensagens angeacutelicas O que consequentemente neutralizava a importacircncia do Movimento Milerita (SCHWARZ 1979 p 475 SCHWARZ 2009 p 288)

Conradi apesar de ser naturalizado americano tinha um forte senti-mento nacionalista em relaccedilatildeo ao seu paiacutes natal Isso pode ter influenciado

7 Conferir tambeacutem Grob (1974 p 15-16)

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sua interpretaccedilatildeo teoloacutegica que dava preferecircncia a Martinho Lutero e o Mo-vimento da Reforma Tambeacutem explica em parte suas atitudes precipitadas tomadas posteriormente durante a I Guerra Mundial (GERHARDT 1977 p 21-22 SCHWARZ 1979 STRAYER 1996 p 10)

Conradi comeccedilou a escrever seu proacuteprio comentaacuterio sobre o livro de Daniel desenvolvendo uma nova interpretaccedilatildeo para a questatildeo do ldquodiaacuteriordquo de Daniel 812 Poreacutem antes de publicar suas novas ideias enviou uma carta para Ellen G White perguntando se ela tinha mais luz agrave respeito do assunto Ela natildeo respondeu sua carta e ele seguiu avante com a impressatildeo do livro Como ela explicou mais tarde natildeo era seu objetivo alimentar tal discussatildeo (SCHWARZ 2009 p 609) podemos entender entatildeo por que a carta de Conradi a respeito do ldquodiaacuteriordquo nunca foi respondida

S N Haskell G I Butler e George Irwin se posicionaram ao lado da antiga interpretaccedilatildeo de Guilherme Miller e Uriah Smith (HALOVIAK 1980 p 36 SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609) Quando Conradi buscou publicar seus escritos na Ameacuterica Edwin R Palmer editor da Review and Herald disse-lhe ldquoAqui na Ameacuterica natildeo nos eacute permitido publicar nada que mesmo em pequena parcela possa estar contra o irmatildeo Uriah Smith por que a irmatilde White ajudou o irmatildeo Smith quando ele escreveu Daniel e Apocalipserdquo8 Conradi procurou ainda o proacuteprio Uriah Smith que lhe respondeu ldquoNenhum iota seraacute mudado do que nossos pioneiros disseram [hellip] o que eles fixaram eacute divinordquo9 Em contra partida Conradi usou sua influecircncia para natildeo permitir que os livros de Smith fossem publicados na Inglaterra (HALOVIAK 1979 p 38)

8 Taquigrafia abreviada da resposta dada por Conradi perante a comissatildeo da Divisatildeo Eu-ropeia em Fridensau em 22 de julho de 1932 depois dos irmatildeos Gilbert Crisler G W Schubert e W Muumlller terem replicado a apresentaccedilatildeo de Conradi disponiacutevel no Arquivo do Centro de Pesquisas Ellen G White A resposta de Palmer a Conradi eacute melhor compreen-dida tendo em vista a crenccedila muito comum entre os adventistas daquela eacutepoca de que Ellen G White havia declarado ter visto um anjo ao lado de Uriah Smith conduzindo-o enquanto escrevia o livro Thoughts on Daniel and the Revelation Os testemunhos histoacutericos de tal declaraccedilatildeo natildeo satildeo muito seguros mas mesmo que ela tenha realmente dito isto Palmer e muitos outros natildeo estavam sendo sensatos no juiacutezo que faziam A declaraccedilatildeo deve ser com-preendida da mesma maneira como entendemos que os anjos estatildeo ao redor de qualquer um que esteja consagradamente envolvido na causa de Deus Isso natildeo quer dizer que tais pessoas sejam inspiradas ou infaliacuteveis em suas atitudes (WHITE A L 1957 ver tambeacutem KNIGHT 2003 p 74-75 e GOUGLAS 2009 p 402-403)9 Independentemente da opiniatildeo defendida por Uriah Smith estar equivocada ou natildeo o argumento apresentado por ele desconsiderava o princiacutepio de que ldquoa luz da verdade biacuteblica eacute progressiva e deve brilhar lsquomais e mais ateacute ser dia perfeitorsquo(Pv 418)rdquo (QUESTOtildeES 2011 p 55-57 ver tambeacutem NISTO CREMOS 1989 p 11-13)

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Agrave medida em que a discussatildeo progredia o grupo que se opunha a Conradi passou a usar declaraccedilotildees do livro Early Writings para combatecirc-lo e defender a antiga interpretaccedilatildeo de Daniel 812 Ellen G White no entan-to reagiu repreendendo-os pelo uso arbitraacuterio de seus escritos e disse que

ldquosuas observaccedilotildees anteriores tinham o propoacutesito de dar validade agrave profecia dos 2300 dias natildeo definir o [termo] diaacuteriordquo (SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609)

Na Conferecircncia Geral de 1901 Conradi discutiu a questatildeo em niacutevel particular com outros delegados e afirmou ldquoa declaraccedilatildeo de [Ellen G] White no [livro] Primeiros Escritos a respeito da questatildeo do santuaacuterio natildeo foi uma autoridade para mimrdquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo proacutepria)

Subindo de postoAteacute 1901 Conradi havia sido responsaacutevel apenas pelos campos alematildeo

e russo10 onde o adventismo vinha se desenvolvendo acentuadamente de forma que sua lideranccedila continuava sendo muito estimada pelos liacutederes ame-ricanos Os debates teoloacutegicos natildeo afetaram a reputaccedilatildeo de Conradi e ele foi eleito presidente da receacutem criada Divisatildeo Europeia Ellen G White em um de seus discursos durante a Conferecircncia enquanto comentava os avanccedilos na Europa disse ldquoo irmatildeo Conradi tem carregado uma pesada carga do traba-lho na Europardquo e dirigindo-se diretamente a ele aconselhou

Deus quer que vocecirc tenha pessoas ao seu lado e Ele quer que vocecirc decirc a elas toda motivaccedilatildeo possiacutevel Ele quer que o trabalho que vocecirc estaacute fazendo vaacute com toda a forccedila e todo o poder Vocecirc tem feito o traba-lho de muitos homens Deus tem abenccediloado os seus trabalhadores de forma imensuraacutevel Os Anjos de Deus tem feito esse trabalho natildeo o irmatildeo Conradi Ele tem aberto as portas para os anjos e dado a Deus uma oportunidade para trabalhar deixe-me dizer-lhe que Ele iraacute implantar uma operaccedilatildeo que iraacute para frente com tanta forccedila e poder que vocecirc nem sonha ldquoFeacute eacute a certeza das coisas pelas quais se esperam a evidencia das coisas que se natildeo veemrdquo Deus quer que noacutes trabalhemos pela feacute Deixe de lado toda a criacutetica toda incredulidade todo o desejo de medir os seus companheiros de trabalho que talvez

10 Em 1891 os campos Alematildeo e Russo foram separados do Campo da Europa Central e colocados sobre os cuidados de Conradi (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

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natildeo tenho tido um mileacutesimo da oportunidade que vocecirc teve (WHITE E G 1901 p 27 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Conradi era um liacuteder de muitas capacidades possuiacutea uma oratoacuteria fasci-nante11 e ao que tudo indica uma impressatildeo carismaacutetica No entanto a convi-vecircncia sobre sua lideranccedila natildeo era das mais simples Alfred Vaucher relatou que como um jovem pastor ele nunca gostou muito de se encontrar com Conra-di pois sua saudaccedilatildeo de praxe sempre era um inconveniente ldquoQuantas almasrdquo Pode-se dizer que a atitude das pessoas se polarizavam entre admiraccedilatildeo ou aversatildeo a ele (HEINZ 1987 p 18) Ou o seguiam sem questionar ou o ignora-vam (GERHARDT 1977 p 3) ldquoConradi era visto como uma personalidade patriarcal e depois de ele ter falado natildeo havia nada mais a declararrdquo(SIMON apud GROB 1974 p 12 ver tambeacutem STRAYER 1996 p 10)

Ningueacutem havia ateacute aquele momento notado ou avaliado os desvios teoloacutegicos de Conradi Aliaacutes ao que tudo indica suas opiniotildees natildeo eram perceptiacuteveis agrave lideranccedila da Associaccedilatildeo Geral localizada nos EUA Perigosa-mente quando foi eleito presidente da Divisatildeo Europeia ele jaacute havia fixado grande parte das opiniotildees problemaacuteticas que se manifestariam nos anos sub-sequentes Conradi comeccedilou a disseminar as ideias contraacuterias agraves doutrinas da Igreja e a semear duacutevidas com respeito ao ministeacuterio de Ellen G White (HEINZ 1998 p 102 SCHWARZ 1979 p 475)

Em 1910 Conradi em uma carta para Daniells falando sobre a discus-satildeo do ldquodiaacuteriordquo comentou

Eu estou feliz que a Sr White tenha falado tatildeo abertamente que eles natildeo deveriam citaacute-la a favor de certas opiniotildees Eu penso que se isso fosse colocado como um princiacutepio o estudo cuidadoso da Biacuteblia passaria a ser mais faacutecil para nossos irmatildeos no futuro (HA-LOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre ver HALOVIAK 1979 p 37)

Embora Conradi estivesse certo em reprovar aqueles que recorriam di-retamente aos escritos de Ellen G White como se assim fosse dispensaacutevel o

11 Nas palavras de quem o ouviu pregar ldquoL R Conradi era meu pregador favorito quando eu ainda jovem frequentava as campais em Dakota do Norte [hellip] Ele tinha a habilidade de estimular ambos jovens e velhos [hellip] Seus gestos eram dramaacuteticos e ele sabia como manter as pessoas jovens atentas e as pessoas idosas acordadasrdquo (BIETZ 1996 p 1-2 traduccedilatildeo livre ver tambeacutem WESTPHAL 1911 p 17 SPIES 1911 p 1 e 6 PAGES 1926 p 4)

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cuidadoso estudo da Biacuteblia havia ainda mais por detraacutes de sua declaraccedilatildeo Sua intenccedilatildeo natildeo era desenvolver um modelo correto para a interpretaccedilatildeo dos escritos de Ellen G White mas anular por completo a validade do seu ministeacuterio profeacutetico

Um novo paradigma de interpretaccedilatildeoEm fevereiro de 1910 Z G Baharian um missionaacuterio no campo turco

(NEUFELD 1996 v 10 p 154) informou W C White e W A Spicer pre-sidente da Conferencia Geral que Conradi vinha levantando crescentes duacute-vidas a respeito do Espiacuterito de Profecia Ele traccedilou um histoacuterico do que vinha acontecendo desde 1898 quando a mensagem de Reforma de Sauacutede comeccedilou a ser introduzida na Europa ateacute onde um conciacutelio ocorrido em Constantino-pla Conradi havia buscado provar que os escritos de EGW possuiacuteam diferentes niacuteveis de inspiraccedilatildeo e que os escritos com as orientaccedilotildees sobre sauacutede natildeo esta-vam no ldquocluberdquo dos inspirados Portanto nas palavras de Conradi ldquoos escritos dela natildeo eram um guia segurordquo para eles (HALOVIAK 1979 p 28-29)

Depois de se desligar da Igreja Adventista Conradi escreveu que um de seus motivos para rejeitar Ellen G White foi a descoberta da omissatildeo de algumas palavras entre a primeira e a segunda publicaccedilatildeo de suas primeiras visotildees (CONRADI 1932) Mudanccedilas tais como as que aconteceram entre a primeira e a segunda ediccedilatildeo do livro The Great Controversy12 tambeacutem foram estranhas agrave compreensatildeo de inspiraccedilatildeo que ele detinha Em uma carta tro-cada com Conradi W A Spicer argumentou com ele

Uma questatildeo mais importante do que o assunto dos meros deta-lhes de uma correccedilatildeo ou de uma declaraccedilatildeo equivocada (nos li-vros Spirit of Prophecy) eacute a questatildeo de como trataremos dos toacutepicos que tem passado pela matildeo de vaacuterios editores Noacutes temos tido um pequeno conflito com alguns de noacutes por muitos anos tentando fazer os irmatildeos verem que natildeo seria correto conferir qualquer au-toridade extraordinaacuteria para detalhes dessa natureza [hellip] Mas uma coisa eacute certa irmatildeo Conradi seguramente essas frases e declaraccedilotildees histoacutericas nesses livros tecircm sido corrigidas da mesma forma que em qualquer outro livro Claro que noacutes devemos levar em consideraccedilatildeo

12 Para uma anaacutelise sobre essas duas ediccedilotildees do livro ldquoO Grande Conflitordquo consultar Dou-glas (2009 p 446-450)

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todos os conselhos com o autor em fazer correccedilotildees (HALOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Conradi se revelou um ferrenho defensor da inspiraccedilatildeo verbal o que o impedia de compreender as modificaccedilotildees editoriais nos livros de Ellen G White e suas declaraccedilotildees agrave respeito ldquodo diaacuteriordquo Muitas dificuldades po-deriam ter sido evitadas caso Conradi entendesse o processo de inspiraccedilatildeo ocorrendo por pensamento e natildeo de palavra em palavra13

Em 1911 apoacutes o livro The Acts of the Apostles ser publicado W C White enviou uma interessante carta para Conradi em que ele explicava como sua matildee havia trabalhado na composiccedilatildeo do livro

O trabalho preliminar levou mais ou menos cinco meses de lei-tura e pesquisa entatildeo se seguiu o trabalho de selecionar aqueles artigos porccedilotildees e manuscritos que mais claramente representa-ram o que ela desejava dizer [hellip] Dia a dia os manuscritos foram submetidos a leitura da Mamatildee [hellip] Ela marcou os manuscritos livremente escreveu e adicionou palavras frases e periacuteodos para fazer afirmaccedilotildees mais claras e mais fortes Por fim estas foram submetidas para serem copiadas uma segunda vez (WHITE W C 1981 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Sendo que W C White neste momento jaacute havia sido informado por Baharian o missionaacuterio em campo turco do meacutetodo de ldquoseleccedilatildeo de conteuacutedo inspiradordquo que Conradi vinha seguindo eacute de se esperar que os pormenores da redaccedilatildeo de The Acts of the Apostles natildeo foram mencionados por acaso W C White queria descrever de maneira mais clara para Conradi como sua matildee nor-malmente procedia na composiccedilatildeo dos escritos Seguramente The Acts of the Apostles foi um dos livros em que Ellen G White mais livremente editou o con-teuacutedo ateacute que ele chegasse a sua forma final sendo portanto um bom exemplo de como a noccedilatildeo de inspiraccedilatildeo verbal natildeo se adequava ao seu ministeacuterio

13 Resumidamente temos aqui duas teorias de inspiraccedilatildeo a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo do pen-samentordquo e a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo verbalrdquo A inspiraccedilatildeo do pensamento entende que Deus daacute a mensagem ao profeta e permite-lhe transmiti-la com suas proacuteprias caracteriacutesticas de lin-guagem numa associaccedilatildeo do divino com o humano Jaacute a teoria de inspiraccedilatildeo verbal propotildee que Deus age diretamente na escolha das palavras usadas na comunicaccedilatildeo da mensagem Este modelo impotildee seacuterias dificuldades para harmonizar questotildees como a supressatildeo de conteuacutedo ou a reformulaccedilatildeo de frases em uma mensagem jaacute transmitida pelo profeta anteriormente Para uma melhor entendimento do assunto ver por exemplo Douglas (2009 p 16-17)

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A Conradi foi posto um dilema ou rejeitava seu paradigma do proces-so de revelaccedilatildeo-inspiraccedilatildeo ou rejeitava o dom profeacutetico de Ellen G White Mas as explicaccedilotildees dadas por W C White ao inveacutes de esclarecedoras so-aram gritantes agraves convicccedilotildees que Conradi defendia14 Quatro anos depois (1914) Conradi comentou de forma aberta e declarada qual era sua opiniatildeo a respeito do livro The Acts of the Apostles

As chapas [para a impressatildeo do livro] Atos dos Apoacutestolos chegaram mas eu me senti desanimado quando vi a paacutegina do tiacutetulo e sobre ela a Sra Ellen G White Talvez em menor instacircncia de certo porque ele seraacute disseminado entre o nosso proacuteprio povo Mas noacutes desco-brimos que toda a Europa tem uma grande aversatildeo a escritos reli-giosos e teoloacutegicos escritos por mulheres e entatildeo vocecirc perceberaacute que nas ediccedilotildees [do livro] para a colportagem noacutes simplesmente dizemos E G White e dessa forma de maneira alguma a primei-ra paacutegina indica que [o livro] eacute escrito por uma mulher (GROB 1974 p 13-14 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Aleacutem da crescente dissonacircncia doutrinaacuteria com o tempo surgiram tambeacutem choques administrativos entre Conradi e a direccedilatildeo mundial da Igre-ja que vieram abalar fatalmente sua feacute adventista

O surgimento dos Adventistas da Reforma

Em 1914 com o comeccedilo da I Guerra Mundial as comunicaccedilotildees entre a Alemanha e os EUA se tornaram difiacuteceis e a Divisatildeo Europeia cuja sede

14 Herbert Douglas faz um interessante comentaacuterio sobre o grupo dos defensores da inspiraccedilatildeo verbal no meio adventista ldquoOs deste grupo (e satildeo muitos) que permaneceram na igreja como liacutederes de influecircncia na administraccedilatildeo ou no evangelismo criam que eram os uacutenicos capazes de salvar a denominaccedilatildeo da apostasia Podiam [sic] citar como exemplos de onde esse pensamento os levaria muitos que tentaram lsquoreinterpretarrsquo Ellen G White ndash homens como os irmatildeos Bal-lenger (A F e E S) J H Kellogg A T Jones W A Colcord E J Waggoner L R Conradi e W W Fletcher Um traccedilo comum a todos esses liacutederes notoacuterios que desertaram era a decisatildeo de lsquoque o Espiacuterito de Profecia podia ser dividido em partes lsquoinspiradasrsquo e lsquonatildeo inspiradasrsquo Parece relevante que na maioria dos casos os que comeccedilaram a fazer essas classificaccedilotildees perderam finalmente a confianccedila no Espiacuterito de Profeciardquo (DOUGLAS 2009 p 441)

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e a maior parte dos membros ficava na Alemanha se isolou do restante da Igreja mundial A Igreja europeia natildeo tinha a mesma experiecircncia que a Igreja nos EUA acumulara durante a Guerra Civil nem buscara desenvolver contatos com as autoridades militares durante os tempos de paz Faltava orientaccedilatildeo de como proceder em tempos de guerra Logo problemas com o saacutebado e o por-te de armas comeccedilaram a aparecer e alguns adventistas negaram-se a apoiar qualquer esforccedilo beacutelico levando ao fechamento de todas as igrejas adventistas em uma regiatildeo da Alemanha Sabendo da execuccedilatildeo de membros de um gru-po religioso que mantivera suas fortes convicccedilotildees pacifistas a lideranccedila alematilde

ldquoinformou por escrito ao ministro de guerra alematildeo [hellip] que os recrutas adven-tistas do seacutetimo dia portariam armas como combatentes e prestariam serviccedilo no dia de saacutebado em defesa de seu paiacutesrdquo Tambeacutem era obrigatoacuterio o envio das crianccedilas para escola aos saacutebados sobre pena de prisatildeo dos pais caso elas faltas-sem Com respeito a isso foi feito um acordo para que pudessem levar a Biacuteblia e lecirc-la em sala de aula (SCHWARZ 2009 p 364-365 372)

A declaraccedilatildeo emitida pela lideranccedila alematilde negava a postura pacifista que os adventistas historicamente defendiam e comprometia seriamente a observacircncia do saacutebado como um princiacutepio inegociaacutevel Previamente um grupo dissidente que viria a se tornar o Movimento dos Adventistas da Re-forma havia se revoltado contra a administraccedilatildeo da Igreja A falha cometida por Conradi e os demais liacutederes subordinados a ele deram ao grupo um pre-texto para continuar a rebeliatildeo Caso a lideranccedila encabeccedilada por Conradi houvesse se mantido firme aos princiacutepios adventistas o Movimento Adven-tista da Reforma dificilmente haveria se concretizado (OLIVEIRA 1985 p 129-132 SCHWARZ 2009 p 619-132)15 Como resultado da crise ocorrida na Alemanha na Conferecircncia Geral de 1918 foram tomadas medidas para evitar que uma Divisatildeo da Igreja agisse de maneira tatildeo independente em relaccedilatildeo ao restante da Igreja mundial (SCHWARZ 2009 p 315)

Revolta contra a lideranccedilaApoacutes o teacutermino da guerra uma delegaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral se dirigiu a

Alemanha com o objetivo de resolver os equiacutevocos cometidos durante a I Guerra Mundial Boa parte dos liacutederes alematildees reconheceram suas atitudes precipitadas mas Conradi prosseguiu irredutiacutevel afirmando que havia tomado as decisotildees certas segundo as exigecircncias da circunstacircncia (SCHWARZ 2009 p 620)

15 Com respeito ao surgimento do Movimento Reformista e suas praacuteticas ver Kramer (1991)

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Em 1922 Conradi foi afastado da presidecircncia da Divisatildeo Europeia Um dos motivos da natildeo reeleiccedilatildeo de Conradi pode ter sido sua avanccedilada idade na eacutepoca 66 anos (SCHWARZ 2009 p 475) suas orientaccedilotildees doutrinaacuterias e prin-cipalmente pelos erros cometidos durante a I Guerra Mundial (GROB 1974 p 7) L H Christhian um americano foi eleito em seu lugar A reaccedilatildeo de Conradi na eacutepoca natildeo foi das melhores pouco antes de morrer ele expressou por escrito os seus sentimentos com respeito ao evento ldquoIsso eacute demais para suportar fazer tal coisa a um pioneiro maduro que construiu tudo por si mesmo e agora tudo eacute dado agrave um jovem um rapaz inexperiente rdquo (CONRADI apud GROB 1974 p 10 ver tambeacutem GERHARDT 1977 p 22 SCHWARZ 2009 p 476)

Conradi foi remanejado para a secretaria da Associaccedilatildeo Geral um posto de pouca expressatildeo administrativa o que representou uma mudanccedila draacutestica na rotina profissional de um homem acostumado agrave lideranccedila ativa Profundamente ofendido (GROB 1974 p 8 GERHARDT 1977 p 21 HEINZ 1987 24) e com a convicccedilatildeo de que ningueacutem poderia substituiacute-lo Conradi passou a agir como um ldquoconsultorrdquo dos campos missionaacuterios uma funccedilatildeo sem muito poder e influecircncia (GERHARDT 1977 p 7)

Ele passou entatildeo a dedicar bastante tempo para escrever e publicar Em 1923 no livro Das Golden Zeitalter ele enfatizou que ldquoo Movimento Adventista natildeo eacute um movimento estatunidense mas que remonta aos tempos da Reformardquo (DELAFIELD 1957 p 288 HEINZ 1987 p 22) e buscou desenvolver uma identidade independente para o adventismo europeu A partir de 1925 ele co-meccedilou a visitar as principais bibliotecas europeias e americanas onde costumava pesquisar sem interrupccedilatildeo das 9 horas da manhatilde ateacute as 18 horas da tarde (GROB 1974 p 9 19 RANDOLPH 1940 p 8) Somente no Museu Britacircnico ele de-dicou seis meses dessa carregada rotina (RANDOLPH 1940 p 8) Enquanto explorava a Biblioteca de Nova Iorque disse ter encontrado a prova para alegar que as primeiras visotildees de Ellen G White foram intencionalmente deixadas de fora das ediccedilotildees posteriores o que justificava ainda mais suas duacutevidas com res-peito ao livro Early Writings (CONRADI 1932 HEINZ 1998 p 102)

Desligando-se definitivamenteEm 1930 por volta dos 75 anos de idade Conradi ainda alimentava

esperanccedilas de ser eleito presidente da Associaccedilatildeo Geral mas foi desapon-tado pela escolha do australiano C H Watson (ADVENTIST 1985 p 52) No veratildeo de 1931 um comitecirc se reuniu no Coleacutegio de Fridensau Alemanha para ouvir Conradi e tentar convencecirc-lo a abandonar as ideias de desarmonia

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com a Igreja Entretanto a reconciliaccedilatildeo natildeo foi possiacutevel Encolerizado em um dos momentos da reuniatildeo esbravejou ldquoEu lhes dei tudo eu lhes dei as instituiccedilotildees e as igrejas Vocecircs tecircm o dinheiro o diacutezimo e as ofertas Vocecircs tecircm tudo eu natildeo tenho nadardquo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 22) Posteriormente seguiu argumentando

De onde Tiago White retirou o seu material nos primeiros dias Dos Batistas do Seacutetimo Dia [hellip] Irmatildeos orem por mim assim como oro por vocecircs Se algueacutem quisesse harmonia eu seria essa pessoa [hellip] Eu acredito na vitoacuteria da mensagem mas isso natildeo significa que cada tijolo estaacute posto corretamente [hellip] Eu devo seguir o meu caminho Eacute algo estranho algo peculiar [hellip] Acredite em mim haacute Algueacutem que examina tudo e ante Quem eu devo prestar contas16

A Associaccedilatildeo Geral tentou novamente reconciliaccedilatildeo e em outubro do mesmo ano Conradi se dirigiu aos EUA agrave sessatildeo do Conciacutelio Outonal da Associaccedilatildeo Geral uma seleta comissatildeo de presidentes e professores de teo-logia17 onde se dispuseram a ouvir suas opiniotildees A comissatildeo natildeo aceitou sua posiccedilatildeo teoloacutegica mas propocircs que se ele parasse de atacar a Igreja publi-camente sua credencial poderia ser mantida normalmente (GROB 1974 p 9-10 HEINZ 1998 p 107-108)

Ainda em 1928 Conradi havia recebido um livro com a histoacuteria da Igreja Batista do Seacutetimo Dia Em novembro de 1931 um mecircs apoacutes o acordo de ldquonatildeo ataque a Igrejardquo entrou em contato com os lideres da denominaccedilatildeo Batista do Seacutetimo Dia nos EUA e apoacutes uma bem sucedida aproximaccedilatildeo foi-lhe con-cedida uma credencial Assim Conradi partiu novamente para a Alemanha desta vez sem relaccedilatildeo com os Adventistas do Seacutetimo Dia mas para lanccedilar as bases da Igreja Batista do Seacutetimo Dia em solo alematildeo Em 1939 ele jaacute havia organizado 27 igrejas reunido cerca de 500 membros dos quais a maior parte era anteriormente adventista (RANDOLPH 1940 p 9 FROOM 1971 p 678 GROB 1974 p 3 SCHWARZ 2009 p 621) A despeito destes nuacuteme-ros Daniel Heinz comenta que a lideranccedila de Conradi agrave frente dos batistas do

16 Pasta DF 96 Centro de pesquisas Ellen G White ndash Brasil17 Dentre a seleta lista de pessoas presentes se encontravam C H Watson presidente da Asso-ciaccedilatildeo Geral I H Evans W H Branson E Kotz M E Kern J L McElbany L H Christian H F Schuberth W A Spicer F M Wilcox J J Nethery A G Daniells M L Andreasen W Mueller W W Prescott R Ruumlhling W C White e G W Schubert (HEINZ 1998 p 107)

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seacutetimo dia foi um total fracasso se comparada com sua atuaccedilatildeo pioneira nos primeiros anos do adventismo (HEINZ 1987 p 24)

Conradi morreu em 1939 Um pouco antes da sua morte terminou de escre-ver The Founders of the Seventh-Day Adventist Denomination (CONRADI 1939) um pequeno livreto cheio de amarguras e rancores contra sua antiga denomina-ccedilatildeo atacando pessoalmente Joseacute Bates Guilherme Miller Tiago White Ellen G White e outros Seu filho um notaacutevel meacutedico continuou sendo adventista (DE-LAFIELD 1957 p 296) e destacou-se pela manutenccedilatildeo do sanatoacuterio de Zeh-lendorf Berlim durante a Segunda Guerra Mundial (CHRISTIAN 1947 p 24)

Em vista do ofensivo conteuacutedo que Conradi havia publicado antes de sua apostasia Le Roy Edwin Fromm foi impelido a escrever os quatro volumes da seacuterie The Profetic Faith of Our Fathers em reposta aos desafios lanccedilados por Conradi (FROOM 1971 p 259 SCHWARZ 2009 p 397) Conradi ldquofez muito para desenvolver a obra na Alemanha apenas para mais tarde se voltar abertamente contra elardquo (SCHWARZ 2009 p 186)

Como Conradi chegou agrave apostasiaA apostasia de Conradi natildeo foi simplesmente doutrinaacuteria Ao lado de

suas convicccedilotildees teoloacutegicas de amplo amparo acadecircmico pode-se facilmente identificar motivaccedilotildees pessoais contra Ellen G White e a lideranccedila da Igreja Conradi foi desde cedo atraiacutedo pelo lado abstrato e impessoal da verdade Para ele verdade se resumia primariamente a uma ldquoteoria ou postuladordquo sendo experimentada apenas em seu acircmbito seco e racional (FROMM 1971 p 259 e 679 GROB 1974 p 20-21) Natildeo havia espaccedilo para experiecircncias mais pessoais e profundas com Deus e ele passou a enterrar suas frustraccedilotildees individuais em baixo de teologia associada agrave erudiccedilatildeo

Eacute difiacutecil indicar algum momento na vida de Conradi em que ele aceitou seguramente Ellen G White como profetisa (GROB 1974 p 15 HEINZ 1987 p 10) Antes de seus problemas pessoais com o adulteacuterio a reaccedilatildeo dele para com ela foi indefinida e duacutebia Contudo a partir da discussatildeo sobre o ldquodiaacuteriordquo uma clara postura contra Ellen G White foi sendo assumida O contexto de sua conversatildeo em um ciacuterculo adventista afetado pelas criacuteticas de Snook e Brinkerhoff criou duacutevidas desde a primeira vez em que ele ouviu falar do casal White Sua ida para estudar em Battle Creek foi uma boa oportuni-dade para conhecer pessoalmente Tiago e Ellen G White e tirar suas proacuteprias conclusotildees Por outro lado seus questionamentos ao inveacutes de sanados com o tempo se tornaram ainda mais fortes Aleacutem dos fatores de ordem pessoal

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Conradi manteve sua convicccedilatildeo na inspiraccedilatildeo verbal em oposiccedilatildeo agrave maneira livre com a que Ellen G White trabalhava na composiccedilatildeo de seus escritos

ConsequecircnciasJohann Helmut Gerhardt avalia que Conradi foi para a Igreja na Eu-

ropa o que J H Kellogg significou para a Igreja nos EUA (GERHARDT 1977 p 3) Todavia em contraste com a apostasia de Kellogg as consequecircn-cias deixadas por Conradi foram bem mais duradouras e proporcionalmente mais catastroacuteficas Conradi apoacutes se separar do adventismo natildeo poupou es-forccedilos em atacaacute-lo (FROOM 1971 p 483) O pior natildeo foram os 500 mem-bros que ele reuniu na Igreja Batista do Seacutetimo Dia mas as ideias que ele difundiu dentro do adventismo e a heranccedila que ele deixou mesmo depois de abandonar suas fileiras Durante muitos anos Conradi natildeo promoveu suas ideias abertamente principalmente quando em contato com os liacutederes ame-ricanos ldquoEmbora na aparecircncia exterior tudo parecesse ir bem estavam em operaccedilatildeo influecircncias sutis que posteriormente afetariam de forma negativa a igreja na Europa durante muitos anosrdquo (SCHWARZ 1979 p 475)

Influecircncia pela paacutegina impressaEmbora fosse um bom orador sua influecircncia foi sentida principalmente

atraveacutes do que ele publicou (GROB 1974 p 19) Sendo um haacutebil e proliacutefi-co escritor sua erudiccedilatildeo e talento conferiram bastante peso a suas opiniotildees No total a circulaccedilatildeo dos livros e panfletos escritos por Conradi eacute estimada entre 12 agrave 15 milhotildees de unidades (HEINZ 1987 p 22 e 24) Apenas seu comentaacuterio sobre Daniel e Apocalipse foi reimpresso 40 vezes chegando agrave soma de 4 milhotildees de exemplares (GROB 1974 p 19)18 Segundo dados es-tatiacutesticos tardios de 1953 apenas 1232629 livros de Ellen G White haviam sido vendidos na Europa (GROB 1974 p 18) em contraste com os 12 agrave 15 milhotildees de Conradi A correlaccedilatildeo destes dados mostra que a divulgaccedilatildeo dos livros de Conradi superou em muito a difusatildeo dos escritos de Ellen G White ou qualquer outro autor denominacional No quadro americano vaacuterios liacutede-res expunham seus entendimentos teoloacutegicos Embora por vezes a livre ma-nifestaccedilatildeo de ideias provocasse acalorados debates ela impedia a prevalecircncia

18 Segundo Algusto Pages (1926 p 4) ateacute 1926 2485000 exemplares dos livros de Conradi haviam sido vendidos

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de opiniotildees precipitadas Em contraste no contexto europeu Conradi atuou praticamente sozinho sem ningueacutem para criticaacute-lo ou avaliar suas opiniotildees

A dependecircncia que a Europa adventista tinha da imprensa alematilde e o su-porte que ela dava agrave obra de colportagem atuante em vaacuterios paiacuteses resultou na vasta disseminaccedilatildeo das obras de Conradi por todo o territoacuterio europeu Por volta de 1898 ano em que Conradi passou a rejeitar Ellen G White de-finitivamente ateacute 1931 quando sua credencial adventista foi retirada com-preende-se um periacuteodo de 33 anos dos quais 22 correspondem ao apogeu de sua influecircncia administrativa como presidente da Divisatildeo Europeia Mesmo depois de 1922 quando Conradi deixou de ser presidente sua figura pa-triarcal continuou sendo respeitada e admirada pela comunidade adventista (GROB 1974 p 20)19 Foi a partir desse periacuteodo que ele encontrou mais tempo para escrever e desenvolver melhor o que pensava

Os fatores soacutecioculturaisConradi comeccedilou em 1898 a minimizar a importacircncia do Movimento

Milerita Americano e transferir a interpretaccedilatildeo do anuacutencio das trecircs mensagens angeacutelicas para Lutero enfatizando a Reforma Protestante Os europeus jaacute pa-reciam estar menos dispostos agrave mudanccedila espiritual promovida pelo adventis-mo em parte por causa de sua origem americana (SCHWARZ 2009 p 278-279) Conradi contribuiu para que essa barreira fosse fortalecida tanto no que diz respeito a Ellen G White quanto agrave aceitaccedilatildeo do adventismo como um todo

Pode-se pressupor que naturalmente devido aos fatores soacutecioculturais se encontrou oposiccedilatildeo aos escritos de Ellen G White na Europa por causa de sua origem estadunidense e por ser mulher Contudo nos primeiros anos da obra adventista europeia a Igreja natildeo encontrou tal predisposiccedilatildeo dentro do ciacuterculo iacutentimo de membros O proacuteprio Conradi fez algumas traduccedilotildees dos escritos dela para o alematildeo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 10) Em 1903 os adventistas alematildees organizaram uma campanha baseada na venda do receacutem lanccedilado livro dela Paraacutebolas de Jesus com a intenccedilatildeo de arrecadar fundos para a construccedilatildeo do coleacutegio de Fridensau (SCHWARZ 2009 p 212 e 276)20 Se nesse momento jaacute existissem predisposiccedilotildees natu-

19 Pode-se ver como exemplo de sua popularidade uma festa que foi organizada em Ham-burgo nas dependecircncias da Casa Publicadora para o seu aniversaacuterio de 70 anos com a presen-ccedila de 500 pessoas (PAGES 1926 p 4)20 A seguir se encontra uma carta em que Ellen G White comenta as doaccedilotildees que vinha fa-zendo para o campo europeu ldquoOntem a tarde apoacutes a conferecircncia eu apelei por uma contri-

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rais contra ela natildeo seria comercialmente estrateacutegico arrecadar fundos com a venda de um livro de autoria impopular

Conradi alegou que sua ruptura natildeo comeccedilou diretamente com a Igreja mas com a aceitaccedilatildeo do ministeacuterio profeacutetico de Ellen G White (CONRADI 1932) A partir de entatildeo ele passou a minimizar o trabalho e os escritos dela numa tentativa de ldquosalvarrdquo a Igreja de sua influecircncia A intenccedilatildeo de Conradi pode ter sido facilitada pelo crescente nacionalismo ocorrido nos anos seguin-tes da Alemanha nazista quando foi incutida a convicccedilatildeo de que a cultura alematilde apresentava um paradigma mais elevado e eficiente para todas as aacutere-as praacuteticas e filosoacuteficas da cultura Consequentemente criou-se uma repulsa por tudo o que era de origem estrangeira principalmente no que se referia ao acircmbito ideoloacutegico Conradi jaacute havia rivalizado em seus escritos a Igreja alematilde com a americana e soava antipatrioacutetico depender da Igreja nos EUA

Legalismo e enfraquecimento da identidade denominacional

Segundo Fredy Grob e J H Gerhardt um outro fator a ser destacado eacute o forte cunho legalista que Conradi imprimiu na formaccedilatildeo adventista europeia A mentalidade formada por Conradi nunca levou as pessoas a entenderem as dimensotildees espirituais do saacutebado da doutrina do santuaacuterio e das trecircs mensa-gens angeacutelicas Levando tudo a ser tratado apenas no seu acircmbito seco e racio-nal (GROB 1974 p 21-22 GERHARDT 1977 p 3) ldquoIsso tudo por causa de um homemrdquo questiona Grob ldquoEu estou seguro que ele teve muito a verrdquo (GORB 1974 p 21 traduccedilatildeo livre)

A experiecircncia individual dos liacutederes em Minneapolis resultou na recu-peraccedilatildeo de um adventismo doutrinariamente fragilizado onde quer que eles atuassem (SCHWARZ 2009 p 183-185) Em contraste a atitude insolente de Conradi em 1888 impediu que sua visatildeo administrativa se importasse com a justificaccedilatildeo pela feacute ou com a eliminaccedilatildeo do legalismo A esfera da Igreja

buiccedilatildeo para as missotildees estrageiras e aproximadamente 100 doacutelares foram levantados Isso seraacute enviado para o pastor [L R] Conradi Ele estaacute impulsionando o trabalho na Europa com todas as suas forccedilas e estaacute explorando novos campos Ele precisa de dinheiro Eu jaacute tenho dado agrave aqueles que estatildeo encarregados do trabalho na Europa permissatildeo para usar mil doacutelares dos di-reitos dos meus livros no pagamento de traduccedilotildeesrdquo (WHITE E G v 10 p 64 traduccedilatildeo livre)

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que esteve sob sua tutela natildeo passou pela reforma21 que naquele momento o adventismo tanto precisava

As criacuteticas de Conradi tambeacutem afetaram o senso de identidade denomi-nacional um dos assuntos mais cruciais e sensiacuteveis (ver KNIGHT 2006) para a sobrevivecircncia de qualquer movimento religioso Na sua opiniatildeo a experiecircn-cia milerita natildeo apontava para o surgimento de um remanescente responsaacutevel pela restauraccedilatildeo da Verdade e a pregaccedilatildeo das trecircs mensagens angeacutelicas Por fim ele concluiu assim como qualquer outro evangeacutelico que o santuaacuterio celestial nem sequer existia e que Cristo fez expiaccedilatildeo pelos pecados da humanidade logo que subiu ao Ceacuteu22 Essas e outras convicccedilotildees abalaram a consideraccedilatildeo denominacional pela Doutrina do Santuaacuterio eliminando as caracteriacutesticas distintivas do adventismo em relaccedilatildeo a outros grupos religiosos

Consideraccedilotildees finaisA eficiente administraccedilatildeo de Conradi foi durante muito tempo analisada

pelo vigor das instituiccedilotildees crescimento de membros arrecadaccedilatildeo de recursos e envio de missionaacuterios Em outras palavras Conradi foi avaliado apenas por nuacute-meros O futuro parecia ser glorioso mas com o decorrer dos anos os valores que deveriam mover a igreja foram invalidados pelo espiacuterito denominacional que Conradi modelou A qualificaccedilatildeo moral de Conradi e as motivaccedilotildees por detraacutes de suas decisotildees eacute que determinaram os reais resultados de sua influecircncia natildeo simplesmente como administrador mas tambeacutem como guia espiritual

Historiadores adventistas podem apenas imaginar o tremendo impacto ne-gativo que a influecircncia de Conradi produziu atraveacutes dos anos (WIDNER 1996 p 2) Entretanto seguramente pode-se delinear sua influecircncia no que diz respeito agrave Ellen G White e o enfraquecimento da identidade adventista Conradi plantou duacutevidas e questionamentos a respeito do ministeacuterio de Ellen G White que anula-ram a influecircncia dela sob pastores liacutederes e a comunidade leiga em geral

Um dos detalhes mais baacutesicos e determinantes para qualquer grupo re-ligioso eacute o que se escolhe como fonte de autoridade (ver KNIGHT 2006 p 59) ndash se a Biacuteblia a filosofia a tradiccedilatildeo etc ndash e as suas pressuposiccedilotildees herme-necircuticas para interpretaacute-la Eacute com base em tal elemento que a identidade o

21 Com respeito ao legalismo e a reforma que o Adventismo em meados de 1880 necessitava (ver KNIGHT 2003 p 85-87)22 Com respeito agraves convicccedilotildees pessoais de Conradi conferir sua declaraccedilatildeo em Fridensau peran-te os liacutederes da Igreja (Centro de pesquisas Ellen G White DF 96 ver tambeacutem RANDOLPH 1940 p 8 DELAFIELD 1957 p 288 e 294 FROOM 1971 679 GROB 1974 p 8-9 e 19)

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propoacutesito e todas as demais noccedilotildees caracteriacutesticas de uma denominaccedilatildeo satildeo formadas Como consequecircncia da influecircncia negativa de Conradi sob o dom profeacutetico de Ellen G White criou-se dentro do adventismo uma fraccedilatildeo que natildeo compartilha da mesma base comum de interpretaccedilatildeo e autoridade Natildeo conservando assim um consenso comum de estilo de vida missatildeo e identi-dade No sermatildeo do monte Cristo disse que ldquopelos seus frutos os conhecereisrdquo (Mt 716) Muitos consideram essa prova a mais soacutelida e segura para se testar um profeta verdadeiro ndash natildeo por acaso esse teste foi proferido pelo proacuteprio Jesus Desafortunadamente tal garantia natildeo pode ser obtida de forma instan-tacircnea Eacute necessaacuterio esperar os anos para enxergar que espeacutecie de frutos a obra de um profeta produz Em geral os maus frutos nascem primeiro

Curiosamente a igreja que deu ouvidos a Ellen G White superou crises ndash tais como a de Kellogg por exemplo ndash e manteve a unidade conservando-se em constante desenvolvimento Infelizmente o mesmo otimismo natildeo pode ser mantido quando se observa os lugares que agrave rejeitou Seriam todas as di-ficuldades que a Igreja na Europa enfrenta hoje consequecircncias do legado de Conradi Certamente que natildeo Muitos outros fatores histoacutericos e sociocul-turais tambeacutem devem ser considerados Contudo a interferecircncia de Conradi enfraqueceu o senso de identidade e a aplicaccedilatildeo da orientaccedilatildeo divina para a Igreja nos dias de hoje Dois aspectos cruciais para superar os momentos difiacute-ceis de crise Agrave luz de sua expereecircncias sraacute bom relembrar o conselho biacuteblico

ldquoAquele pois que pensa estar em peacute veja que natildeo caiardquo (1Co 1012)

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Enviado dia 15052013Aceito dia 10062013

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica1

Macro-assumption and biblical hermeneutics

Reacutegerson Molitor da Silva2

ResumoAbstract

Este estudo tem como objetivo averiguar o princiacutepio macro hermenecircutico da (a)temporalidade e sua influecircncia sobre os outros niacuteveis de interpretaccedilatildeo (micro e meso) Para poder alcanccedilar o resultado esperado o autor lanccedilou

matildeo do trabalho de Martin Heidegger Ser e tempo A posiccedilatildeo heideggeriana parece se alinhar com o pensamento biacuteblico de um Deus temporal que atua na histoacuteria de forma corrente diferente da preacute-concepccedilatildeo dogmaacutetica da atualidade onde Deus eacute atemporal Portanto se faz possiacutevel uma avaliaccedilatildeo dos pressupostos hermenecircuticos em especial a macro pressuposiccedilatildeo para uma construccedilatildeo interpretativa da Biacuteblia Palavras-chave Hermenecircutica Pressuposiccedilotildees Metafiacutesica Atemporal

The objective of this study is to verify the macro hermeneutical principle of the temporality or timelessness and its influence over the other interpreta-tion levels (micro and medium) In order to fulfill this study the author used

the work of Martin Heidegger Being and Time The position of Heidegger seems to match the biblical thought of a temporal God who acts currently in History oppo-sing the dogmatic preconception of our days when God is seen as timeless Hence it is possible to evaluate the hermeneutical presuppositions specially the macro presuppositions for an interpretative construction of the BibleKeywords Hermeneutics Assumptions Metaphysics Timeless

1 Este artigo foi baseado no segundo capiacutetulo da dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoA eterna e ontoloacutegica geraccedilatildeo do Filho enunciada no Credo Niceno-Constantinopolitano um estudo de suas implicaccedilotildees para o cristianismo biacuteblicordquo apresentado pelo mesmo autor na sua conclusatildeo do curso em 20122 Poacutes-graduado em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) bacharel em Teologia pela mesma universidade e Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) E-mail molitor7hotmailcom

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Haacute certo desconforto quando teoacutelogos com resultados interpretati-vos opostos sobre um mesmo assunto dizerm usar os mesmos conceitos de Tota e Sola Scriptura Assim eacute natural o surgimento de algumas indaga-ccedilotildees qual eacute a razatildeo para essas contradiccedilotildees teoloacutegicas sendo que a Biacuteblia eacute a fonte dos dois estudos Qual o motivo das divergecircncias interpretativas Muitas respostas a estes ldquoporquecircsrdquo poderiam ser consideradas no entan-to uma em especial merece destaque as diferenccedilas pressuposicionais de cada exegeta Em outras palavras os paradigmas hermenecircuticos satildeo res-ponsaacuteveis pela orientaccedilatildeo do modelo interpretativo (CANALE 2011 p 252) Ou seja as interpretaccedilotildees claramente contraditoacuterias sobre um mes-mo tema ocorrem devido a pressuposiccedilotildees diametralmente opostas ado-tadas por cada interprete

A proposta deste artigo eacute analisar a base pressuposicional em seus vaacute-rios niacuteveis hermenecircuticos destacando em especial o niacutevel macro hermenecircu-tico de interpretaccedilatildeo Para tanto partiremos primeiramente na busca de uma definiccedilatildeo do que seria a hemenecircutica Para facilitar o estudo seraacute conside-rada a divisatildeo de Hans Kuumlng (1999 p 162-163) a qual delimita trecircs niacuteveis hermenecircuticos micro meso e macro hermenecircutico

Breve definiccedilatildeo de hermenecircuticaA palavra ldquohermenecircuticardquo proveacutem do verbo grego hermeneuein e signi-

fica ldquodeclarar anunciar interpretar esclarecer e por uacuteltimo traduzirrdquo (PA-COMIO 2003 p 335) De forma geral segundo Kaiser e Silva (2002 p 13) a hermenecircutica ldquoeacute a disciplina que lida com os princiacutepios de interpretaccedilatildeordquo ou seja ela torna aquilo que outrora era velado em algo compreensiacutevel

Deve-se destacar que a hermenecircutica eacute considerada tanto uma ciecircn-cia ldquoporque ela tem normas ou regras e essas podem ser classificadas num sistema ordenadordquo sendo considerada tambeacutem ldquouma arte porque a comu-nicaccedilatildeo eacute flexiacutevelrdquo (VIRKLER 2001 p 9) Isto eacute ela ldquoindica uma dupla operaccedilatildeo ad extra no sentido de exprimir comunicar um significado ad in-tra como exerciacutecio de interpretaccedilatildeo que patenteia aquilo que se compreenderdquo (PACOMIO 2003 p 334)

Em siacutentese a principal tarefa da hermenecircutica eacute a interpretaccedilatildeo dos textos e a busca pela correta comunicaccedilatildeo do seu significado Para que isso ocorra eacute preciso levar em conta a relaccedilatildeo triangular entre autor-texto-leitor Logo cada texto representa a objetivaccedilatildeo escrita de um autor com uma linguagem peculiar e com um contexto especiacutefico (PACOMIO 2003 p 335-336)

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Aleacutem da linguagem e de seu significado no contexto histoacuterico especiacutefico eacute preciso levar em consideraccedilatildeo na hora da interpretaccedilatildeo os frameworks3 Em ou-tros termos o nosso quadro de leitura do mundo preconcepccedilotildees que surgem do nosso proacuteprio contexto vital que iraacute de forma consciente ou inconscientemen-te condicionar a leitura Segundo Basevi (1986 p 159 traduccedilatildeo livre) ldquotoda compreensatildeo supotildee uma preacute-compreensatildeo que estaacute por sua vez submetida a condicionamentos externos do texto (a intertextualidade)rdquo4 Portanto ao que parece deve-se identificar tais frameworks e suas pressuposiccedilotildees hermenecircuticas natildeo num niacutevel exegeacutetico (micro hermenecircutico) mas num niacutevel que sobrepotildee o framework textual Em outras palavras eacute necessaacuterio compreender o quadro que

lsquoenquadrarsquo nossa estrutura de pensamento os arqueacutetipos hermenecircuticos Na sequecircncia seraacute ponderada a diferenccedila entre a micro meso e macro

moldura [frameworks] hermenecircutica Espera-se com isso que a razatildeo do distanciamento interpretativo fique mais clara ao se compreender os dife-rentes niacuteveis hermenecircuticos que orientam uma visatildeo de mundo A anaacutelise comeccedilaraacute com a micro hermenecircutica e avanccedilaraacute pela meso ateacute a macro pres-suposiccedilatildeo Esta uacuteltima receberaacute maior atenccedilatildeo por se tratar de um elemento pouco discutido entre os estudiosos

Micro hermenecircuticaSegundo Canale (2011 p 20) a micro hermenecircutica se refere agrave exe-

gese que se aplica ao texto Ela faz uma anaacutelise detalhada e cuidadosa com o intuito de trazer agrave lume o ensino do mesmo Gordon D Fee (1983 p 21 traduccedilatildeo livre) entende assim o conceito sobre exegese

O termo ldquoexegeserdquo eacute usado [hellip] em um sentido conscientemente limitado para se referir agrave investigaccedilatildeo histoacuterica do significado do texto biacuteblico A exegese portanto responde agrave questatildeo ldquoo que o autor biacuteblico quis dizerrdquo Ela tem a ver com o que ele disse (o con-teuacutedo em si mesmo) e por que ele disse aquilo naquele momento (o contexto literaacuterio) Ainda mais a exegese estaacute primariamente preocupada com a intencionalidade ldquoo que o autor pretendia que seus leitores originais compreendessemrdquo5

3 Framework sistema de referecircncia esquema estruturaarmaccedilatildeo arcabouccediloesqueleto (ou seja a parte de uma construccedilatildeo que se destina a resistir a cargas) contexto sistema modelo4 ldquoToda comprensioacuten supone una pre comprensioacuten que estaacute a su vez sometida a condicio-namientos externos al texto (es la intertextualidad)rdquo5 ldquoThe term lsquoexegesisrsquo is used [hellip] in a consciously limited sense to refer to the historical

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Apesar da citaccedilatildeo acima conferir resumidamente o conceito de exegese e suas preocupaccedilotildees como ciecircncia o problema hermenecircutico vai aleacutem da inter-pretaccedilatildeo do texto De acordo com Sarmento (2003 p 141-142) o inteacuterprete natildeo eacute um agente passivo dessa forma seria ingenuidade negar a influecircncia dos pressupostos externos conscientes e inconscientes que cada leitor possui ao entrar em contato com o texto biacuteblico Por mais que se tente manter uma abor-dagem neutra as preacute-concepccedilotildees afetam a hermenecircutica O caminho natildeo eacute ne-gar a existecircncia das pressuposiccedilotildees ou tentar suprimi-las existe uma possibili-dade muito maior de se entender a ideia original do autor se as preacute-concepccedilotildees forem consideradas de forma consciente Para isso eacute preciso deliberadamente identificaacute-las e entatildeo fazer uso das mesmas no processo exegeacutetico (SILVA 2000 p 9) No proacuteximo toacutepico seraacute apresentado um niacutevel intermediaacuterio entre micro e macro hermenecircuticas isto eacute a meso hermenecircutica

Meso hermenecircutica

Uma questatildeo [hellip] controvertida tem a ver com o relacionamento entre a teologia e a exegese [micro hermenecircutica] Enquanto que os estu-diosos biacuteblicos tendem a ignorar ou ateacute mesmo rejeitar o valor da te-ologia sistemaacutetica [meso hermenecircutica] para o seu trabalho de inter-pretaccedilatildeo pode-se argumentar que os comprometimentos teoloacutegicos afetam inevitavelmente o processo de exegese e que tal influecircncia eacute tanto essencial quanto desejaacutevel (SILVA 2000 p 1 grifo nosso)

A ldquomeso hermenecircutica trata da interpretaccedilatildeo de questotildees teoloacutegicas e portanto pertence agrave aacuterea de teologia sistemaacuteticardquo6 (CANALE 2001 p 21 traduccedilatildeo livre) Logo diferente da micro hermenecircutica que estaacute preocupa-da com o texto em si e o seu significado histoacuterico-gramatical7 a meso her-menecircutica tem um olhar mais amplo e se preocupa com a sistematizaccedilatildeo de

investigation into the meaning of the Biblical text Exegesis therefore answers the question What did the Biblical author mean It has to do both with what he said (the-content itself) and why he said it at any given point (the literary context) Furthermore exegesis is primarily concerned with intentionality What did the author intend his original readers to understandrdquo6 ldquoMeso hermeneutics deals with the interpretation of theological issues and therefore be-longs properly to the area of systematic theologyrdquo7 O autor desta pesquisa considera o meacutetodo lsquohistoacuterico gramaticalrsquo de interpretaccedilatildeo como a ferramenta mais fiel ao interpretar o texto biacuteblico Para uma maior compreensatildeo do assunto ver Gerhard F Hasel (sd)

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um determinado tema isto eacute a visatildeo geral de determinado assunto Todavia ainda existem por traacutes da meso e da micro hermenecircutica as preacute-concepccedilotildees macro hermenecircuticas que seratildeo delineadas logo a seguir

MacrohermenecircuticaSegundo Canale

Enquanto a micro hermenecircutica se refere agrave interpretaccedilatildeo textual e a meso hermenecircutica trata da questatildeo ou interpretaccedilatildeo doutrinaacute-ria a macro hermenecircutica lida com a interpretaccedilatildeo dos primeiros princiacutepios que operam dentro da doutrina e hermenecircutica textual A macro hermenecircutica estaacute relacionada com o estudo e o esclare-cimento de questotildees filosoacuteficas direta ou indiretamente relaciona-das agrave criacutetica e formulaccedilatildeo de princiacutepios de interpretaccedilatildeo heuriacutestica concreta (CANALE 2001 p 20-21 traduccedilatildeo livre)8

Em outras palavras a macro hermenecircutica condiciona a maneira pela qual os teoacutelogos entendem a ontologia Ela conduz a reflexotildees sobre o ser de Deus que por conseguinte orientaraacute o pesquisador agrave meso (formaccedilatildeo doutrinaacuteria) e agrave micro hermenecircutica (exegese do texto) Desse modo a me-tafiacutesica confere sustentaccedilatildeo ao pensar filosoacutefico nas suas diversas aacutereas do conhecimento Essa sustentaccedilatildeo da filosofia pela metafiacutesica pode ser ilustra-da segundo o filoacutesofo Reneacute Descartes (2009 p 13 traduccedilatildeo livre) ldquocomo uma aacutervore [filosoacutefica] cujas raiacutezes eacute a Metafiacutesica o tronco eacute a Fiacutesica e os galhos que saem deste tronco satildeo todas as outras ciecircnciasrdquo9 Aparentemente a citaccedilatildeo de Descartes se mostra completa pois vai desde da metafiacutesica ateacute a moral passando pela Fiacutesica

No entanto de acordo com o filoacutesofo alematildeo Martin Heidegger exis-te um aspecto inexplorado pelo filoacutesofo francecircs e natildeo soacute despercebido por ele mas por todos os outros filoacutesofos anteriores e posteriores O que Heide-gger destaca como negligenciado de Platatildeo a Nietzsche eacute o solo em que se

8 ldquoWhile micro hermeneutics refers to textual interpretation and meso hermeneutics to is-sue or doctrinal interpretation macro hermeneutics deals with the interpretation of the first principles from within which doctrinal and textual hermeneutics operate Macro hermeneu-tics is related to the study and clarification of philosophical issues directly or indirectly related to the criticism and formulation of concrete heuristic principles of interpretationrdquo9 ldquo[Thus all Philosophy is] like a tree of which Metaphysic is the root the Physic the trunk and all the other sciences the branches that grow out of this trunkrdquo

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encontram as raiacutezes (metafiacutesica) desta grande aacutervore (HEIDEGGER 1969 p 61) A hermenecircutica estaraacute condicionada pelo solo no qual a metafiacutesica se encontra fixada (macro pressuposiccedilotildees) oferecendo uma interpretaccedilatildeo dis-crepante do mesmo assunto em relaccedilatildeo a uma hermenecircutica cujo solo (ma-cro pressuposiccedilatildeo) seja diferente Portanto macro pressuposiccedilotildees diferentes geram interpretaccedilotildees desiguais Infelizmente a influecircncia ontoloacutegica (macro pressuposiccedilatildeo) eacute negada ou passa despercebida pela maioria dos interpretes

No proacuteximo toacutepico seraacute abordado com mais detalhes a proposta de Heidegger onde se questiona segundo o mesmo autor aquilo que nunca foi questionado desde Platatildeo ateacute o segundo milecircnio de nossa era (HEIDEGGER 2005a p 27-30) O objetivo dele ao entrar na problemaacutetica da hermenecircutica tem como ldquofinalidade ontoloacutegica de desenvolver a partir delas a preacute-estrutu-ra da compreensatildeordquo (GADAMER 1999 p 44) Essa pesquisa tem o interesse nas preacute-compreensotildees ontoloacutegicas que a metafiacutesica trabalha Neste trabalho isto seraacute chamado de ldquomacro hermenecircuticardquo ou ldquomacro pressuposiccedilotildeesrdquo

Metafiacutesica como macropressuposiccedilatildeoDevo alertar que a palavra metafiacutesica no pensamento de Heidegger teoacute-

rico de maior importacircncia neste ponto da pesquisa natildeo possui apenas um sen-tido Haacute pelo menos dois sentidos atribuiacutedos em suas discussotildees O primeiro se refere agrave metafiacutesica como algo negativo ldquouma fatalidaderdquo (HEIDEGGER 2002 p 67) Essa eacute a metafiacutesica contemporacircnea que ele critica pois eacute um en-trave ao conhecimento do verdadeiro ser O segundo sentido que Heidegger usa eacute aquele que vai aleacutem do ente do ocircntico (HEIDEGGER 1969 p 39) Em ou-tras palavras Heidegger busca o que estaacute aleacutem da metafiacutesica isto eacute ele busca o verdadeiro significado do ser Portanto eacute preciso desconstruir os pressupostos dogmaacuteticos usados por vaacuterias deacutecadas como fonte legiacutetima do conhecer Essa parte do pensamento eacute importante ao presente estudo pois todas as ciecircncias estatildeo em maior ou menor grau comprometidas com a macro pressuposiccedilatildeo Portanto partindo da criacutetica heideggeriana feita agrave macro pressuposiccedilatildeo claacutes-sica seraacute investigado o sentido macro hermenecircutico dominante e seus efeitos sobre o pensamento ocidental Esse seraacute o assunto explorado a seguir

Entendendo o paradigma metafiacutesicoO sentido etimoloacutegico da palavra metafiacutesica eacute meta (ldquoaleacutemrdquo) e tagrave

physikaacute (ldquoente naturalrdquo) isto eacute a metafiacutesica busca o que estaacute aleacutem do

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ente sua investigaccedilatildeo eacute o ser ontoloacutegico natildeo o ente (ocircntico) Pode-se dizer que ldquoo paradigma metafiacutesico eacute a histoacuteria de nossa permanecircncia ele natildeo eacute entretanto o iniacutecio do nosso pensarrdquo (MICHELAZZO 2010 p 30) ou seja existe uma archeacute antes da metafiacutesica atual e eacute exatamente isso que Heidegger busca

O grande problema apontado por Heidegger em relaccedilatildeo agrave metafiacutesi-ca dogmaacutetica que tem dominado o pensamento ocidental eacute que a mesma deixou de ir aleacutem do ente Para o mesmo autor os primeiros pensadores antes de Platatildeo entendiam a phyacutesis como o surgimento ou presenccedila ma-nifesta por isso a phyacutesis era vista como a unidade ordinaacuteria que congrega tanto aquilo que brota (movimento) quanto o que se reteacutem (permanece em repouso) Para eles natildeo havia separaccedilatildeo do real em dois grandes blocos em permanente oposiccedilatildeo denominados de temporal e atemporal

sensiacutevel e supra-sensiacutevel material e espiritual imanente e transcen-dente ou entatildeo conforme o dualismo moderno realista e idealista subjetivo e objetivo O fundo escuro da caverna e a claridade do sol na pradaria eram para eles formas ou manifestaccedilotildees de uma uacutenica realidade porque procediam de uma mesma fonte Natildeo havia moti-vo para duvidar da realidade (MICHELAZZO 2010 p 31)

Essa forma de pensar dualiacutestica para Heidegger eacute o grande problema da metafiacutesica desde os tempos de Platatildeo ele considera essa ldquointerpretaccedilatildeo ontologicamente inadequadardquo (HEIDEGGER 2005a p 97) Isso porque ela elimina o ser como ser (real no sentido total de phyacutesis) e passa a viver a imagem de um ente extramundano em outras palavras a realidade eacute apenas sombra de uma realidade superior e atemporal portanto o ser no sentido ocircntico coisificado estaacute longe do ser ontoloacutegico por mais que se tente al-canccedilar o ente supremo ainda deixaraacute a desejar por isso confere-se tanto va-lor agraves coisas (no sentido de ser isso ou aquilo) e o proacuteprio ser humano passa a ser um objeto em si (HEIDEGGER 2005a p 84) Para Heidegger essa visatildeo ontoloacutegica modela nossa visatildeo de mundo

No proacuteximo toacutepico seraacute analisada a chave para a compreensatildeo da ma-cro pressuposiccedilatildeo isto eacute ldquoo tempo eacute o ponto de partida do qual a presen-ccedila sempre compreende e interpreta implicitamente o serrdquo (HEIDEGGER 2005a p 45) Em outras palavras a forma como se entende o conceito de tempo moldaraacute a visatildeo ontoloacutegica e por conseguinte as possibilidades her-menecircuticas de interpretaccedilatildeo

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O tempo agrave luz da problemaacutetica da temporalidade

Segundo Heidegger (2005 p 46) o tempo funciona como criteacuterio on-toloacutegico ldquopara distinguir as regiotildees e modos do serrdquo por isso dependendo do conceito de tempo estabelecido a visatildeo do ser seraacute diferenciada isto eacute

ldquoa problemaacutetica central de toda a ontologia se funda e lanccedila suas raiacutezes no fenocircmeno do tempordquo (HEIDEGGER 2005a p 46) Basicamente existem duas formas (macro pressuposiccedilotildees) de entender a questatildeo do tempo todas as outras satildeo derivaccedilotildees de uma delas

A primeira maneira de conceber a natureza do tempo tem sua origem em Platatildeo (2011 p 119) que constitui o ldquotempordquo (kroacutenos) como a ldquoimagem moacutevel da eternidade [aioacuten] [hellip] uma imagem eterna que avanccedila de acordo com o nuacutemerordquo Partindo do dualismo entre mundo supra-sensiacutevel e mundo sensiacutevel Platatildeo assume o tempo como uma aparecircncia mutaacutevel e pereciacutevel de uma essecircncia imutaacutevel e impereciacutevel Enquanto o ldquotempordquo (kroacutenos) eacute a esfe-ra tangiacutevel moacutebil a ldquoeternidaderdquo (aioacuten) eacute a esfera intangiacutevel e imoacutevel Posto que o ldquotempordquo representa uma imagem ele natildeo passa de uma imitaccedilatildeo (miacute-mesis) da eternidade (aioacuten) Ou seja o tempo eacute uma coacutepia imperfeita de um modelo perfeito a eternidade

Essa parece ser a visatildeo que a grande parte dos teoacutelogos sustentam a respeito do tempo e por conseguinte da eternidade (ver HODGE 2001 p 189)10 Portanto esta primeira concepccedilatildeo de tempo concorda com uma separaccedilatildeo entre o mundo sensiacutevel lsquotemporalrsquo e supra-sensiacutevel lsquoatemporalrsquo A variaccedilatildeo dessa percepccedilatildeo se daacute nas diversas formas onde satildeo construiacutedas pontes para acessar ou natildeo11 o tόpυς ούρανου (HEIDEGGER 2005a p 46) Desde Platatildeo ateacute Nietzsche a macro pressuposiccedilatildeo dualiacutestica de tempo (temporal e atemporal) tem reinado como base do pensar filosoacutefico e teo-loacutegico orientando assim toda a estrutura hermenecircutica do conhecimento (MICHELAZZO 2010 p 35-66) O tempo ideal eacute algo que acontece fora do ser humano ou seja num mundo supra-sensiacutevel ou na percepccedilatildeo do mo-vimento da coisa (ente) vindo ao encontro no horizonte temporal

10 Hodge (2001 p 189) alega que ldquoa eternidade o presente sem mudanccedila sem princiacutepio e sem fim compreende o tempo inteiro e coexiste como um momento natildeo divididordquo11 Descarte eacute um exemplo de filoacutesofo que nega o mundo supra-sensiacutevel no entanto coloca no lugar do mesmo o lsquocogito ergo sumrsquo (ldquopenso logo existordquo) isto eacute continua com a mesma base dua-liacutestica (res cogitans e extensa) onde o referencial continua fora do ser (ver MICHELZZO 2010 p 60)

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A segunda forma de conceber o tempo pode ser conhecida em especial na filosofia de Heidegger Tal filosofia nega o conceito de tempo platocircnico (kroacutenos como uma imagem do aiacuteon) e apodera-se do conceito de tempo lsquonatu-ralrsquo de Aristoacuteteles que pela primeira vez conceituou a compreensatildeo vulgar do tempo a sua ldquointerpretaccedilatildeo do tempo movimenta-se sobretudo na direccedilatildeo da compreensatildeo ontoloacutegica lsquonaturalrsquordquo (HEIDEGGER 2005b p 233) Contu-do apesar de aceitar o conceito aristoteacutelico de tempo natural como movimen-to ele nega o referencial que o mesmo toma (NUNES 2000 p 188-192) Em outras palavras para Aristoacuteteles assim como para Platatildeo a referecircncia tempo-ral estaacute fora do sujeito no caso de Platatildeo ldquoacimardquo num mundo supra-sensiacutevel e em Aristoacuteteles (Fiacutesica 219b) no ldquodevirrdquo interpretando o tempo em funccedilatildeo do presente a intuiccedilatildeo de um agora ldquoo tempo eacute justamente isto nuacutemero do movimento segundo o anterior e o posteriorrdquo Portanto a visatildeo de tempo de Aristoacuteteles eacute dirigida ldquocomo [uma] sequecircncia de agoras que emergem e desa-parecem [onde] temos a imagem derivada da eternidade [aiacuteon] jaacute tecida por Platatildeordquo (BLASIO 2007 grifo nosso) Heidegger ao contraacuterio interpretou o tempo em termos de possibilidade ou de projeccedilatildeo o tempo eacute originariamente o ldquoporvirrdquo (Zu-kunft) o porvir do ente para si mesmo na manutenccedilatildeo da pos-sibilidade caracteriacutestica como tal (HEIDEGGER 2005b p 123)

ldquoPorvirrdquo natildeo significa aqui um agora que ainda-natildeo tendo se tor-nado ldquorealrdquo algum dia o seraacute Porvir significa o advento em que a presenccedila vem a si em seu poder-ser mais proacuteprio Eacute a antecipaccedilatildeo que torna a presenccedila [ser-aiacute] propriamente porvindoura de tal ma-neira que a proacutepria antecipaccedilatildeo soacute eacute possiacutevel na medida em que a presenccedila [ser-aiacute] enquanto ente sempre jaacute vem a si ou seja em seu ser eacute e estaacute por vir (HEIDEGGER 2005b p 119 grifo nosso)

ldquoEnquanto o futuro proacuteprio tem o caraacuteter de lsquoanteciparrsquo ou lsquoprecursarrsquo [Vorlaufen] o improacuteprio eacute um lsquoestar agrave esperarsquo [Gewaumlrtigen]rdquo (SEIBT 2010 p 255) Isto eacute no futuro no modo inapropriado o Dasein (ldquoser-aiacuterdquo) espera que o futuro faccedila algo dele (sujeito passivo diante do ente ativo ldquoo tempo passardquo) enquanto que no modo proacuteprio ele se resolve e antecipa nas possi-bilidades Para isso o Dasein faz uso do passado como um ldquoter-sidordquo que eacute condicionado pelo porvir porque assim como satildeo possibilidades autecircnticas aquelas que jaacute foram tambeacutem jaacute foram agraves possibilidades agraves quais o ser hu-mano pode autenticamente retornar e apropriar-se (HEIDEGGER 2005b p 122) Dessa forma o ldquoser-aiacuterdquo atraveacutes do porvir retoma o passado e com

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base na antecipaccedilatildeo constroacutei as possibilidades temporais Assim o tempo do mundo se encontra tanto no sujeito (Dasein) quanto no fiacutesico (movimen-to do ente que vem ao encontro no horizonte)

ldquoO tempordquo natildeo eacute e nunca estaacute simplesmente dado no ldquosujeitordquo nem no ldquoobjetordquo e nem tampouco ldquodentrordquo ou ldquoforardquo O tempo ldquoeacuterdquo

ldquoanteriorrdquo a toda subjetividade e objetividade porque constitui a proacute-pria possibilidade desse ldquoanteriorrdquo (HEIDEGGER 2005b p 231)

Ou seja para Heidegger o ldquoser-aiacuterdquo se destaca pois eacute o ser no mun-do que percebe os entes intramundanos E o ser soacute pode ser percebido na anguacutestia do natildeo ser isto eacute na morte e esta eacute certa para todo ser (terreno) Portanto partindo dessa certeza que estaacute no porvir que antecipa o agora que jaacute estaacute anteriormente mergulhado no passado do ser no mundo o tempo se temporaliza O tempo ao mesmo tempo que existe fora do ser humano no movimento dos entes tambeacutem eacute subjetivo pois parte do perceber de cada Dasein No momento em que o ser encontra a morte e passa a natildeo ser o tempo eacute interrompido (SEIBT 2010 p 264) (ver Ec 95)

O projetar-se ldquoem funccedilatildeo de si-mesmordquo fundado no porvir eacute um caraacuteter essencial da existencialidade [hellip] portanto o tempo do mundo pertence agrave temporalizaccedilatildeo da temporalidade entatildeo ele natildeo pode se evaporar ldquosubjetivisticamenterdquo e nem se ldquocoisificarrdquo numa ldquomaacute objetivaccedilatildeordquo (HEIDEGGER 2005b p 122 e 232)

Com efeito pode-se constatar que a interpretaccedilatildeo modal da temporalidade de Heidegger do Dasein potildee o conceito de existecircncia dentro de seus limites e repete do mesmo modo a questatildeo do tempo (como movimento) eliminando com base na possibilidade o modelo ldquoimortalista da filosofiardquo e com este o seu caraacuteter de ldquoinfinituderdquo e ldquopresentidaderdquo (HEIDEGGER 2005 p 236)

Em linhas gerais Heidegger ldquofez a distinccedilatildeo entre o tempo originaacuterio [na-turalproacuteprio] e finito regido pelo instante da antecipaccedilatildeo e o tempo vulgar e infinito [inapropriado] regido pela sucessatildeo ininterrupta de agorasrdquo (FERREI-RA 2003 p 12 grifo nosso) Diferente de Platatildeo e dos demais filoacutesofos Heide-gger vai aleacutem da metafiacutesica ele se debruccedila na anaacutelise do solo onde a metafiacutesica estaacute plantada ele vai ateacute agrave macro pressuposiccedilatildeo e traz um desvelamento onde todos satildeo chamados para refletir sobre as ditas ldquoverdadesrdquo que durante seacuteculos tecircm sido sustentadas como lsquoabsolutasrsquo sem se considerar onde estatildeo firmadas

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O que Heidegger propotildee eacute um processo de desconstruccedilatildeo do antigo paracircmetro macro estrutural e ao mesmo tempo a construccedilatildeo de um novo paradigma hermenecircutico Para a presente pesquisa tal questionamento eacute de grande valia pois a proposta da mesma eacute buscar uma abordagem que mantenha a Biacuteblia (Sola Scriptura) como o uacutenico referencial confiaacutevel na construccedilatildeo e na revisatildeo de doutrinas em todos os niacuteveis pressuposicionais Portanto como ponto de partida deve-se identificar qual a macro pressu-posiccedilatildeo que rege a estrutura de uma doutrina Para que isso ocorra pode-se comeccedilar com as seguintes perguntas a doutrina em estudo estaacute de acordo com a visatildeo metafiacutesica das Escrituras Ou estaacute seguindo uma macro pressu-posiccedilatildeo contraacuteria agrave revelaccedilatildeo escrituriacutestica Qual a visatildeo biacuteblica de tempo e eternidade Com essas indagaccedilotildees em pauta seraacute dado o proacuteximo passo nas consideraccedilotildees que se seguem

Noccedilatildeo de tempo e eternidade na Biacuteblia

Para continuar seraacute preciso responder uma importante questatildeo a teo-logia deve continuar interpretando e construindo o sistema doutrinal atraveacutes de uma perspectiva hermenecircutica atemporal (macro pressuposiccedilatildeo) provin-da da ontologia grega (platocircnica) Ou seria necessaacuterio partir de uma nova perspectiva temporal como por exemplo a apresentada por Heidegger e as-sim revisar ou reconstruir o corpo de crenccedilas cristatildes Para isso precisamos entender a visatildeo biacuteblica sobre ldquotempordquo e ldquoeternidaderdquo aleacutem de analisar se a mesma apoia a macro pressuposiccedilatildeo proposta por Heidegger ou se apresenta outra perspectiva temporal a ser adotada

A primeira situaccedilatildeo biacuteblica de destaque poacutes-queda onde o sobrenatural transpotildee e se faz presente no mundo natural eacute o momento poacutes-libertaccedilatildeo do cativeiro egiacutepcio Nessa ocasiatildeo Deus surpreendentemente confere uma ordem a Moiseacutes para construir um santuaacuterio onde possa habitar no meio do povo ldquoE me faratildeo um santuaacuterio para que eu habite no meio delesrdquo (Ecircx 258 itaacutelicos acrescentados) O verbo hebraico shakan ldquolsquohabitarrsquo significa ser um residente permanente numa comunidaderdquo (NICHOL 2011 v 1 p 685) De fato numa visatildeo claacutessica (platocircnica) esse texto seria interpretado como metafoacuterico contudo admitir tal meacutetodo de interpretaccedilatildeo significa trabalhar sobre uma base ilusoacuteria negando que a esfera sobrenatural se mostra perfeitamente compatiacutevel com a temporalidade e historicidade do

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mundo natural e impor ao texto biacuteblico uma realidade metafiacutesica ausente no mesmo (CANALE 2011 p 97)

Uma segunda situaccedilatildeo ocorre quando Ele (Deus) que ldquomora em luz inacessiacutevelrdquo (1Tm 616) encarnou como um semelhante a noacutes O apoacutestolo Joatildeo faz eco agrave passagem de Ecircxodo 258 quando escreve ldquoE o Verbo se fez carne e habitou entre noacutesrdquo (Jo 114 itaacutelicos acrescentados) Literalmen-te ldquoo Verbo lsquotabernaculoursquo entre noacutesrdquo ldquofez moradardquo ldquoarmou sua tendardquo O divino pertencente agrave esfera do sobrenatural (Jo 11-2) ldquose fez carnerdquo Logo o sobrenatural estaacute imerso no natural Na visatildeo claacutessica ldquoDeus e o mundo sobrenatural satildeo atemporais uma mudanccedila na natureza divina do Verbo da forma natildeo encarnada para a encarnada eacute impossiacutevelrdquo (CANA-LE 2011 p 98) Por conseguinte a encarnaccedilatildeo requer uma compreensatildeo histoacuterico-temporal onde o sobrenatural e o natural apesar de diferentes (natildeo opostos) se harmonizam

Seguindo a mesma ecircnfase em Apocalipse 213 na promessa de res-tauraccedilatildeo da Nova Terra aparece o sobrenatural habitando para sempre no mundo natural ldquoEis aqui o tabernaacuteculo de Deus com os homens pois com eles habitaraacute [do grego Skecircnecirc ndash ldquotenda tabernaacuteculo residecircnciardquo] e eles seratildeo o seu povo e o mesmo Deus estaraacute com eles e seraacute o seu Deusrdquo Portanto a promessa eacute que Deus habitaraacute com os homens no mundo tem-poral pela eternidade o proacuteprio trono de Deus a nova Jerusaleacutem desce do ldquoceacuteu adereccedilada como uma esposa ataviada para o seu maridordquo (Ap 212) Nesse sentido ldquoa Biacuteblia desconhece um Deus atemporal ou um ceacuteu sem acontecimentosrdquo (SHEDD PIERATT 2000 p 12) Segundo Canale (2011 p 97 itaacutelicos acrescentados) ldquoo ponto eacute que natildeo existe ne-nhuma razatildeo seja biacuteblica loacutegica ou filosoacutefica [hellip] [para] aceitar a noccedilatildeo atemporal da esfera sobrenaturalrdquo

Aleacutem das situaccedilotildees que negam a macro pressuposiccedilatildeo hermenecircutica de dois domiacutenios (temporal e atemporal) apresentadas acima tambeacutem eacute possiacutevel recorrer agrave anaacutelise da palavra hebraica lsquoolam (ldquoeternidaderdquo) que no Antigo Testamento ldquonatildeo designa a eternidade como atemporal isto eacute tem-po imutaacutevel nem como tempo ainda oculto no presente mas םלוש significa sobretudo o tempo mais distante e isso tanto em direccedilatildeo ao passado quanto em direccedilatildeo ao futurordquo (WOLFF 2007 p 148-149) Da mesma forma Os-car Cullmann (2003 p 83) assegura que no Novo Testamento a palavra grega aiocircn equivalente a lsquoolam tem o mesmo sentido ldquopara designar seja um espaccedilo de tempo delimitado com precisatildeo seja uma duraccedilatildeo ilimitada e incalculaacutevel que noacutes traduzimos por ldquoeternidaderdquordquo Em suma

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Segundo a Biacuteblia Deus estaacute consciente da ordem temporal e vi-talmente vinculado a ela O Deus eterno natildeo estaacute separado do mundo temporal e espacial Isso significa que o conceito biacuteblico de eternidade de Deus natildeo eacute idecircntico agrave atemporalidade platocircnica e agrave negaccedilatildeo do tempo ou o tempo como ldquoa sombra do eternordquo (GARRETT 2003 p 229-230 traduccedilatildeo livre)12

Segundo a visatildeo claacutessica do mundo natural e sobrenatural o que faz sepa-raccedilatildeo entre Deus e o ser humano eacute a natureza ontoloacutegica atemporal de Deus e por isso eacute impossiacutevel agrave presenccedila do sobrenatural no tempo espaccedilo Todavia ao averiguar o conceito biacuteblico do que de fato faz separaccedilatildeo entre Deus e a huma-nidade conclui-se que eacute o pecado e natildeo a natureza temporal versos atemporal que separam a humanidade da divindade ldquoMas as vossas iniquidades fazem se-paraccedilatildeo entre voacutes e o vosso Deus e os vossos pecados encobrem o seu rosto de voacutes para que natildeo vos ouccedilardquo (Is 592) Deus na histoacuteria do ser humano todavia a marca da lsquoausecircncia de Deusrsquo eacute por conta do pecado e natildeo por causa de sua natureza sobrenatural em oposiccedilatildeo agrave nossa natureza (CANALE 2011 p 100)

Consideraccedilotildees finaisPor fim entende-se que as pressuposiccedilotildees afetam de forma consciente ou

inconsciente a hermenecircutica e que dependendo do referencial tomado a in-terpretaccedilatildeo poderaacute ser diametralmente oposta Como foi dito acima existem dois tipos baacutesicos de macro pressuposiccedilatildeo a primeira adotada pela maioria dos teoacutelogos (de Platatildeo ao seacutec 19) assume que a visatildeo de mundo eacute dualiacutestica isto eacute o mundo sensiacutevel (temporal) eacute apenas a imagem do mundo supra-sensiacutevel que possui um tempo infinito (atemporal) regido pelo agora

Por outro lado em segundo lugar haacute de se considerar a proposta ino-vadora de Heidegger de desconstruir esta forma de pensar a partir do real isto eacute este mundo natildeo eacute uma sombra de um mundo superior e atemporal O tempo se temporaliza a partir do ldquoser-aiacuterdquo logo o tempo eacute finito assim como cada ser num mundo finito pois a temporalizaccedilatildeo se temporaliza na relaccedilatildeo do ser no mundo com os outros entes percebidos pelo Dasein

12 ldquoSeguacuten la Biblia Dios estaacute consciente del orden temporal e vitalmente vinculado a eacutel El Dios eterno no estaacute divorciado del mundo temporal y espacial Esto significa que el concepto biacuteblico de la eternidad de Dios no es ideacutentico a la intemporalidad platoacutenica y a la negacioacuten del tiempo o al tiempo como ldquola sombra de lo eternordquo

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Diante das duas perspectivas macro pressuposicionais apresentadas se existe a necessidade ter um resultado interpretativo de acordo com o prin-ciacutepio Sola Scriptura deve-se usar o conceito temporal de Deus pois estaacute de acordo com a revelaccedilatildeo Por outro lado a visatildeo platocircnica de um mundo sobrenatural atemporal natildeo deve ser aceita pois a mesma natildeo tem amparo biacuteblico Assim todo exegeta deve questionar suas preacute-concepccedilotildees a niacutevel micro (exegese) meso (doutrinaacuterio) e macro de pressuposiccedilotildees a fim de adotar a visatildeo biacuteblica de esfera sobrenatural histoacuterico-temporal Dessa ma-neira ele poderaacute argumentar a partir de alicerce adequado e assim obter uma interpretaccedilatildeo mais fidedigna ao texto biacuteblico

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Enviado dia 17012013Aceito dia 15042013

Estudo sobre a morte em Lucas 1619-31A study about death in Luke 1619-31

Adenilton T de Aguiar1 Diego Rafael da S Barros2

ResumoAbstract

Este artigo tem como objetivo verificar a plausibilidade da crenccedila na imortalidade inerente da alma a partir da leitura da paraacutebola do homem rico e Laacutezaro contidaem Lucas 16 Para tanto o cenaacuterio

histoacuterico eacute remontado a partir de uma leitura de textos judaicos e greco--romanos da eacutepoca e da anaacutelise linguiacutestico-cultural especificamente do termo hades utilizado em Lc 1623 Com base nos dados bibliograacuteficos que ampararam esta pesquisa conclui-se que autores deste seacuteculo e do seacuteculo passado concordam que natildeo pode ser extraiacuteda uma base doutrinaacuteria para a imortalidade inerente da alma a partir dessa narrativa nem sequer um endosso da mesmaPalavras-Chave Rico e Laacutezaro Paraacutebolas de Jesus Lucas 1619-31 Hades Imortalidade da alma

This paper aims to verify the plausibility of the soulrsquos inherent immor-tality belief based on the reading of the parable of the rich man and Lazarus in Luke 16 Thereunto the historic setting is remounted by a

reading of Jewish and Greco-Roman texts from that time and linguistic-cultural

1 Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Catoacutelica de Pernambuco professor de liacutenguas Biacuteblicas no SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adventista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste editor geral da Revista Hermenecircutica e do Ce-PLiB ndash Centro de Pesquisa de Literatura Biacuteblica Email adeniltonaguiargmailcom 2 Bacharelado em Teologia do SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adentista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste Email diegorafaelbarrosgmailcom

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analysis mainly focusing the term hades in Luke 1623 Based on the biblio-graphical data it is possible to conclude that the authors of this century and of the past century agree that itrsquos impossible to maintain the doctrine of the soulrsquos inherent immortality based on this narrativeKeywords Lazarus and the rich man Jesusrsquo parables Luke 1619-31 Hades Soul immortality

A assim chamada paraacutebola do Rico e Laacutezaro registrada em Lucas 16 tem sido largamente utilizada para defender a doutrina da imortalidade ine-rente da alma Os comentaristas que utilizam essa paraacutebola em busca de apoio para sustentar a crenccedila acima mencionada entendem que esta narra-tiva revela o aleacutem e demonstra o futuro poacutes-morte de iacutempios e justos

Apesar das discussotildees que envolvem esse relato3 curiosamente perce-be-se que haacute um esquecimento dessa paraacutebola dentro da erudiccedilatildeo uma vez que ela natildeo tem recebido tanta atenccedilatildeo dos estudiosos quanto outras paraacute-bolas de Jesus Kissinger (apud HOCK 1987 p 447) em seu livro Parables of Jesus a history of interpretation and Bibliography lista 123 estudos da paraacutebola do Bom Samaritano e 254 estudos da paraacutebola do Filho Proacutedigo em contra-partida a obra lista apenas 68 estudos da paraacutebola do Rico e Laacutezaro

A escassez de pesquisa sobre essa narrativa natildeo se justifica principal-mente quando se leva em conta o grau de discordacircncia entre comentaristas sobre as questotildees que giram em torno dela Seria esta paraacutebola um ensino claro de Jesus sobre a condiccedilatildeo da vida apoacutes a morte Se sim entatildeo haacute pos-sibilidade de diaacutelogo entre justos no paraiacuteso e iacutempios no inferno Se natildeo qual a mensagem da paraacutebola E qual eacute o propoacutesito de Jesus ao utilizaacute-la Estaria ela corroborando uma cosmovisatildeo dualista da natureza humana O presente estudo propotildee a responder a estas questotildees atraveacutes de uma pesquisa na literatura judaica e greco-romana aleacutem eacute claro do escrutiacutenio apurado do proacuteprio texto biacuteblico em questatildeo

3 Aleacutem das discussotildees sobre a questatildeo da imortalidade da alma as pesquisas mais recentes defendem que esta narrativa natildeo passa de uma interpolaccedilatildeo apoacutecrifa uma vez que natildeo eacute encon-trada em alguns dos manuscritos mais antigos Para detalhes sobre o assunto ver Cairus (2006)

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A mensagem e as paraacutebolas do evangelho de Lucas

O Evangelho de Lucas ldquopotildee Jesus em contato [hellip] com as necessida-des das pessoasrdquo (NICHOL 1995 p 650) e focaliza temas eacuteticos de seu kerygma Sem duacutevida um dos temas sobresselentes deste Evangelho eacute o comportamento adequado daquele que participa do reino de Deus Neste Evangelho mais do que nos demais o leitor eacute colocado diante de situa-ccedilotildees (reais e imaginaacuterias) que quebram os paradigmas e destroem os tabus da audiecircncia primaacuteria do Filho do Homem Especialmente nas paraacutebolas de Lucas pode-se contemplar como protagonistas personagens margi-nalizados no mundo judeu do seacuteculo I o bom samaritano (Lc 1025-37) o filho proacutedigo (Lc 1511-32) o cobrador de impostos (Lc 189-14) o mordomo infiel (Lc 161-13) dentre outros Estas figuras corroboram a hipoacutetese de Schottroff (2007 p 208) de que este evangelho apresenta uma anaacutelise social radical

Integrando este grupo de paraacutebolas inusitadas situa-se uma das narra-tivas de exemplo4 mais famosas a paraacutebola do homem rico e Laacutezaro Nesta narrativa apresentam-se choques profundos de valores tanto judaicos quan-to greco-romanos Embora a riqueza fosse considerada signo de favor divi-no em ambas as culturas esperava-se uma atitude diferente do homem rico principalmente tendo a lei de Moiseacutes e os escritos profeacuteticos como pano de fundo metanarrativo Em outras palavras ldquoo fato de o rico natildeo cuidar de Laacutezaro natildeo estava de acordo com o AT (1619-31) e com o ensinamento de Jesus (169)rdquo (KARRIS 2011 p 283)

Os temas da benevolecircncia para com os pobres e da armadilha das ri-quezas eram recorrentes tanto na cultura judaica5 quanto no mundo gre-co-romano No apoacutecrifo livro de Tobias 411 estaacute escrito ldquo[hellip] a entrega de esmolas livra da morte e vos guarda de serem lanccedilados nas trevasrdquo Ou-tros escritos judaicos primitivos alegavam que a riqueza eacute uma das trecircs re-des pelas quais Belial captura Israel (SNODGRASS 2010 p 549) Secircneca

4 As narrativas de exemplo satildeo inerentes ao Evangelho de Lucas e exclusivas dele (SCHNEL-LE 2010 p 663) Tais histoacuterias visam demonstrar o procedimento padratildeo do reino de Deus5 A Toraacute e os escritos profeacuteticos repetem por diversas vezes o tema do cuidado com os pobres oacuterfatildeos viuacutevas e estrangeiros como obrigaccedilatildeo moral religiosa e legal Ver por exemplo Ex 2220-26 236 11 Lv 1910 2322 Dt 1018-19 157 9 e 11 2414 Is 314 15 Jr 528 Ez 1649 22 29 Am 8 4 6

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ceacutelebre escritor e advogado do seacuteculo I em sua obra De Brevitae Vitae 137 escreveu ldquoAh como eacute grande a cegueira que a prosperidade excessiva pro-voca em nossas mentesrdquo

O capiacutetulo 16 de LucasPesquisadores contemporacircneos colocam a paraacutebola do Rico e Laacutezaro

no mesmo grupo das paraacutebolas do rico insensato (12 13-21) e do mordomo infiel (161-13) sugerindo que o foco dessa paraacutebola diz respeito agrave utilizaccedilatildeo adequada dos recursos materiais ndash tema enfatizado por Lucas (ver SNOD-GRASS 2010 p 547) Uma anaacutelise da estrutura de Lucas 16 onde se situa a paraacutebola em anaacutelise pode aprofundar essa compreensatildeo

O capiacutetulo 16 de Lucas pode ser dividido em quatro partes (v 1-8a v 8b-13 v 14-18 v 19-31) (ver KARRIS 2011 p 281) e inicia com a inusita-da paraacutebola do mordomo infiel No iniacutecio da narrativa natildeo eacute faacutecil identificar e compreender o que motiva Jesus a contar esta paraacutebola Contudo a partir do verso 13 fica claro que Jesus queria demonstrar que ldquoningueacutem pode servir a Deus e agraves riquezasrdquo Em seguida o verso 14 condena os fariseus os quais por assim dizer satildeo os antagonistas da paraacutebola dada a sua patente avareza em relaccedilatildeo aos pobres

Assim Jesus reprova os fariseus apontando para a Lei e os Profetas o que parece indicar que o tema de seu discurso possuiacutea raiacutezes veterotesta-mentaacuterias Na cena seguinte que mais se parece com uma suacutebita mudanccedila de assunto Jesus trata da questatildeo do divoacutercio Contudo natildeo haacute uma des-continuidade de temas ao contraacuterio Lucas estaacute associando a avareza aos pecados sexuais (KARRIS 2011) Tal comparaccedilatildeo eacute comum tanto no dis-curso biacuteblico (Ef 53-5) quanto na literatura judaica O apoacutecrifo Testamento de Judaacute em 182 afirma ldquoque a promiscuidade sexual e o amor ao dinhei-ro ndash dentre outras coisas ndash nos distanciam da lei de Deus cegam a nossa alma e impedem a pessoa de demonstrar misericoacuterdia para com o proacuteximordquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Portanto se natildeo haacute de fato uma descontinuidade de temas no capiacutetu-lo 16 de Lucas deve-se ver a paraacutebola do Rico e Laacutezaro como uma continu-accedilatildeo do conflito de Jesus com os fariseus acerca das riquezas (RICHARDS 2007 p 176) Diante disto parece razoaacutevel afirmar que esta paraacutebola discu-te questotildees sociais e natildeo escatoloacutegicas Todavia a fim de tornar claro esse ponto faz-se necessaacuterio um estudo mais aprofundado de alguns aspectos culturais e linguiacutesticos do texto

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Notas exegeacuteticas em Lucas 1619-31Uma premissa baacutesica para a interpretaccedilatildeo dessa narrativa eacute que deve-

mos compreendecirc-la como uma paraacutebola e natildeo como um relato literal Por mais que pareccedila redundante esta explicaccedilatildeo natildeo se pode negar a existecircncia de um grupo que defende a literalidade desta narrativa Esse grupo defende que uma leitura literal do texto indicaria a possibilidade de conceber o relato como um indicador do estado do homem na morte De forma geral poreacutem haacute um consenso de que esta narrativa deve ser compreendida como paraacutebo-la6 Por isso Snodgrass (2010 p 604) conclui

Quando prestamos atenccedilatildeo agravequilo que a paraacutebola ensina acerca da vida apoacutes a morte nas abordagens mais acadecircmicas percebemos uma precauccedilatildeo quanto agrave ideia de que esta paraacutebola tenha mesmo a intenccedilatildeo de descrever a vida poacutes-morte

Plummer (1896) eacute mais categoacuterico ao afirmar que nessa histoacuteria ateacute mesmo as condiccedilotildees corporais tais como dedo e liacutengua bem como as con-diccedilotildees sensoriais tais como sede e calor natildeo ultrapassam o campo da faacutebula e por isso natildeo devem ser vistas como aspectos literais

Natildeo obstante alguns comentaristas levantaram a hipoacutetese de que o fato de esta ser a uacutenica paraacutebola contada por Jesus que conteacutem um personagem que eacute explicitamente nomeado por exemplo Laacutezaro eacute um indiacutecio de lite-ralidade Um exame mais cuidadoso desse ponto no entanto pode levar as conclusotildees para outra direccedilatildeo Em hebraico o nome לעזר (Laacutezaro) eacute uma contraccedilatildeo de אלעזר (Eleazar) e significa ldquoDeus ajudardquo (BOCK 1996 p 1365) O nome eacute significativo e seu emprego indica que o mendigo eacute algueacutem que depende de Deus Poreacutem este fato natildeo deve ser usado como argumento para defender a literalidade da paraacutebola A propoacutesito o uso do nome Laacutezaro (Deus ajuda) assume um tom irocircnico na narrativa tendo em vista que apon-ta para o fato de que a uacutenica esperanccedila de ajuda para o homem pobre estaacute fundamentada em Deus embora conforme ficou claro no discurso de Jesus Ele esperasse que os ricos fossem ldquouma ajudardquo aos pobres

De fato a paraacutebola do Rico e Laacutezaro irrompe como uma continuaccedilatildeo da disputa de Jesus com os fariseus sobre as riquezas Sua afirmaccedilatildeo anterior

6 Esta leitura paraboacutelica fica mais evidente no Coacutedice Beza ldquoE lhes contou uma paraacutebolardquo (SNODGRASS 2010 p 1040)

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de que ldquoo que eacute elevado diante dos homens eacute abominaccedilatildeo diante de Deusrdquo (v 15) prepara a audiecircncia para uma inusitada demonstraccedilatildeo de quebra de paradigmas da mentalidade judaica

Para a audiecircncia de Jesus o homem rico era algueacutem abenccediloado por Deus uma vez que prosperidade significava naquela cultura favor divino Jaacute o mendigo que jazia agrave porta do homem abastado era visto como um mo-delo de algueacutem que certamente havia sido abandonado pelo Senhor de Israel Entretanto ainda que o homem rico gozasse do favor de Deus a eacutetica do AT exigia dele uma postura de cuidado com os pobres7

Durante muito tempo alegou-se que natildeo havia indiacutecios de falta moral por parte desse homem rico que o condenasse ao tormento descrito poste-riormente na paraacutebola Entretanto sua figura eacute construiacuteda a partir da ima-gem de um homem cheio de luxo e esbanjador Suas vestes demonstram o elevado grau de sua riqueza Barclay (2000 p 213) observa que puacuterpura e linho finiacutessimo eram o material utilizado na confecccedilatildeo dos trajes sacerdo-tais os quais chegavam a custar uma soma equivalente ao salaacuterio de vaacuterios anos de trabalho de um operaacuterio comum Ademais eacute dito que o rico ldquovivia todos os dias regalada e esplendidamenterdquo (AEC) A palavra grega euphrainō traduzida neste contexto como ldquoregalarrdquo eacute utilizada na literatura claacutessica geralmente como a alegria que eacute fruto da participaccedilatildeo de eventos tais quais um banquete (BEYREUTHER 2000 p 52) Em Lucas 1619 a palavra certamente ldquorefere-se ao comer beber e divertir-serdquo ou em outras palavras a ldquofolguedos entre amigos festeirosrdquo (BEYREUTHER 2000 p 53)

Outro detalhe que pode passar despercebido ao leitor comum diz respeito ao desejo de Laacutezaro de fartar-se das migalhas que caiacuteam da mesa daquele homem rico Ainda que o termo migalhas natildeo seja encontrado em muitos manuscritos8 haacute um acordo geral de que o alimento desejado por Laacutezaro natildeo se tratava de um simples farelo ou porccedilotildees que caiacuteam acidental-mente da mesa do rico Jeremias (1986 p 195) e Snodgrass (2010 p 597) atestam que a comida que caiacutea da mesa do rico tratava-se de pedaccedilos de patildeo que eram utilizados tanto para a limpeza dos pratos quanto para enxugar as matildeos e que em seguida eram atirados para debaixo da mesa Langner (2004 p 116) por sua vez comenta que tais pedaccedilos referem-se a sobras de comida que os convidados de banquetes natildeo comiam e por isso levavam

7 De acordo com a eacutetica do Antigo Testamento o cuidado com os pobres fazia parte das obrigaccedilotildees de um judeu piedoso ver por exemplo Dt 157 8 A leitura sugerida pode ser traduzida da seguinte forma ldquodesejava alimentar-se com o que caiacutea da mesa do ricordquo Ver aparato criacutetico do Novo Testamento grego (ALLAND et al 2009 p 236)

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consigo ou davam aos catildees De qualquer forma esta postura de desperdiacutecio em face da obrigaccedilatildeo legal de auxiacutelio ao necessitado torna o rico da paraacutebola culpado de indiferenccedila para com o mendigo

Apoacutes a morte de ambos a narrativa segue com uma inversatildeo irocircnica de papeis a qual deve ter causado surpresa em alguns da audiecircncia de Jesus

ldquoComo poderia um homem que goza do favor de Deus na terra ser amaldi-ccediloado na vida por virrdquo Ainda que parte da audiecircncia de Jesus se surpre-endesse com a possibilidade de um homem rico ser amaldiccediloado na vida vindoura isto natildeo deve ter afetado a todos Escritos judaicos do tempo de Jesus demonstram que a sabedoria popular jaacute advertia ricos de uma possiacutevel condenaccedilatildeo eterna

Sobre este assunto dois textos satildeo especialmente valiosos para enten-dermos a mentalidade daquela eacutepoca Exod Rab 315 trata da inversatildeo que ocorreraacute entre ricos e pobres no mundo por vir Neste mundo os iacutempios podem ser ricos e proacutesperos enquanto justos satildeo acometidos pela pobreza No mundo vindouro no entanto Deus abriraacute os tesouros do paraiacuteso para os justos e quanto aos ricos que exploraram homens justos estes comeratildeo da sua proacutepria carne Por sua vez 1ordm Enoque 1035-1046 menciona que os ricos pecadores que natildeo foram punidos em vida experimentaratildeo o mal a tribulaccedilatildeo as trevas e as chamas ardentes no Sheol

Vale destacar que a paraacutebola possui um paralelo na literatura judaica que pode ser encontrada no Talmude de Jerusaleacutem pelo menos nos trata-dos Sanhedrin 66 (23c) e Hagigah 22 (77d) e eacute resumidamente descrita por Richards (2007 p 175) da seguinte forma

Dois companheiros iacutempios morreram Um morreu penitente o outro natildeo Quando o homem no Gehinom viu a becircnccedilatildeo de seu amigo e foi informado de que era por causa da penitecircncia de seu amigo ele suplicou que pudesse ter a oportunidade de se arrepen-der tambeacutem A resposta veio na explicaccedilatildeo de que esta vida eacute a veacutespera do saacutebado

Jeremias (1986 p 184) defende que as raiacutezes desta histoacuteria remontam agrave faacutebula egiacutepcia da viagem de Si-Osiacuteris e de seu pai ao reino dos mortos Para ele judeus alexandrinos levaram o conto para a Palestina onde ela foi refor-mulada como a histoacuteria do pobre escriba e do rico publicano Bar Marsquoyan9

9 Para Jeremias (1986 p 184) Jesus utiliza-se deste conto judaico natildeo somente nesta paraacute-

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Ainda que diferente dessa narrativa paralela a paraacutebola de Jesus valendo-se do folclore judaico forma um pano de fundo cultural para seu ensinamento principal na periacutecope o perigo do amor agraves riquezas

Outro aspecto importante eacute o pedido do rico para que Laacutezaro voltasse dos mortos e advertisse seus irmatildeos com respeito ao destino deles (v 27-30) Este pedido encontra paralelos no apoacutecrifo judeu de Janes e Jambres 24afp que ldquorelata que a lsquosombrarsquo de Janes (sua existecircncia poacutes-morte) retornou do Hades para alertar Jambres sobre o fogo e sobre as trevas a fim de que ele passasse a fazer o bemrdquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Todavia em conexatildeo com a resposta dada aos fariseus nos v 16-17 onde Jesus faz sua primeira referecircncia agrave Lei e aos Profetas Abraatildeo evoca novamente a Escritura como revelaccedilatildeo suficiente para chamar os homens agrave crenccedila e ao comprometimento (v 29) Assim percebe-se novamente a co-nexatildeo de temas no capiacutetulo 16

O termo Hades em Lucas 1623Embora tenha o significado baacutesico de sepulcro (BIENTENHARD 2000

p 1022) o termo grego hades possui um significado diferente em Lc 1623 Tal significado eacute inerente agrave cultura da eacutepoca Richards (2007 p 1755) afirma que

Nos tempos do NT lsquoHadesrsquo (heb sheol) era um termo geral para o lugarestado dos mortos enquanto aguardavam o juiacutezo final A opiniatildeo popular defendia que os justos descansavam no Gan Eden enquanto os iacutempios poderiam ser vistos no Gehinom

Esse conceito pode ser visto especialmente no Discurso aos gregos sobre o Hades atribuiacutedo por um tempo a Josefo10 (1974 p 637 traduccedilatildeo livre)

Hades eacute uma regiatildeo subterracircnea onde a luz do mundo natildeo brilha [hellip] esta regiatildeo eacute destinada a ser um lugar de custoacutedia para as almas

bola mas tambeacutem na paraacutebola do banquete Isto demonstraria que Jesus tomava o imaginaacuterio popular e o inseria em suas paraacutebolas com um objetivo especiacutefico10 Os autores natildeo conhecem na atualidade algueacutem que atribua a autoria do Discurso aos gregos sobre o Hades a Josefo A maioria dos eruditos defende a ideia de que essa seja uma inserccedilatildeo cristatilde no texto todavia o texto eacute um exemplar autecircntico da mentalidade judaica e ainda que seu autor seja desconhecido pode-se perceber que o texto estaacute impregnado do pensamento judeu sobre o estado intermediaacuterio do homem no poacutes-vida

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em que anjos satildeo designados como seus guardiotildees os quais lhes atribuem puniccedilotildees temporaacuterias de acordo com o comportamento e maneiras de cada um

Na continuaccedilatildeo do texto o Hades eacute descrito como sendo dividido em duas partes o seio de Abraatildeo para onde vatildeo os justos e as trevas perpeacutetuas para onde os anjos arrastam os iacutempios Para os autores essas trevas natildeo satildeo o inferno em si mas a vizinhanccedila do inferno de modo que os iacutempios podem sentir o calor do castigo que lhes estaacute reservado depois do juiacutezo

Eacute importante perceber que o Discurso aos gregos sobre o Hades natildeo eacute um exemplar sem precedentes O pseudoepiacutegrafo de 1 Enoque (escrito cerca de 200 aC) em 221-14 relata que Enoque foi levado a um lugar com quatro cantos onde as almas aguardavam o Juiacutezo Laacute os justos eram separados dos pecadores por uma fonte de aacutegua e luz Richards (2007 p 175-176) acrescenta que

Natildeo soacute se pensava que o Hades era dividido em dois compartimentos mas a crenccedila popular ressaltava que era possiacutevel manter conversas entre as pessoas no Gan Eden e no Gehinom Escritos judaicos tambeacutem des-crevem o primeiro como uma terra verdejante com aacuteguas doces brotan-do de vaacuterias fontes enquanto que o Gehinom natildeo soacute eacute uma terra seca mas as aacuteguas do rio que o separam do Gan Eden retrocedem sempre que o iacutempio desesperadamente sedento se ajoelha e tenta beber

Ademais agrave luz de textos da tradiccedilatildeo judaica (como por exemplo 4 Es-dras 775-99 859 4 Macabeus 1317) percebe-se que os judeus dos tempos de Jesus imaginavam que parte do tormento dos iacutempios consistia no fato de eles poderem observar o galardatildeo dos fieacuteis Em contrapartida parte do descanso dos justos eacute que estes podem observar a perplexidade dos iacutempios em face de seu tormento Assim percebemos que esta paraacutebola reflete de diversas maneiras as opiniotildees judaicas contemporacircneas da vida apoacutes a morte

Contudo eacute oacutebvio que a audiecircncia primaacuteria do evangelho de Lucas natildeo era composta por judeus Haacute um consideraacutevel grau de acordo entre os eru-ditos de que o puacuteblico principal do evangelho de Lucas era composto de cristatildeos gentiacutelicos (ver CARSON 1997 p 131 PLUMMER 1986 p xxxiv) Portanto eacute inapropriado limitar a paraacutebola ao background judaico Gilmour (1999 p 33) observou similaridades desta narrativa com textos greco-roma-nos especialmente com a Odisseia de Homero Este natildeo eacute um fato de difiacutecil

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aceitaccedilatildeo uma vez que em Jerusaleacutem bem como no mundo greco-romano a educaccedilatildeo infantil tambeacutem era permeada pelo conhecimento da literatura grega (ver GILMOUR 1999 p 25)

O imaginaacuterio gentiacutelico sobre o estado do homem apoacutes a morte natildeo era muito diferente do pensamento judaico do seacuteculo I ndash talvez porque o judaiacutes-mo dos dias de Jesus havia passado por um processo de helenizaccedilatildeo mesmo em face da resistecircncia dos ortodoxos Podemos perceber essa semelhanccedila de pensamentos por exemplo no famoso claacutessico de Platatildeo A Repuacuteblica

A Repuacuteblica 10614B-616A fala de um soldado chamado de Er que foi morto mas depois de doze dias tornou a viver dizendo que havia sido enviado de volta a esta vida para falar agraves pessoas sobre o mundo do aleacutem Ele teria visto duas aberturas na terra e duas no ceacuteu entre as quais havia um corpo de juiacutezes sentados que enviavam os justos dire-tamente para a direita e para cima ao ceacuteu e os injustos para esquerda e para baixo para serem castigados embaixo da terra (Entretanto estes juiacutezos natildeo eram permanentes) (SNODGRASS 2010 p 593)

Portanto tendo em vista o significado de hades em Lucas 1623 propotildee--se que se a paraacutebola ensina algo sobre o estado do homem na morte tal es-tado eacute extremamente diferente do proposto pelos defensores da imortalidade inerente da alma Se esta paraacutebola apoia essa teoria deve-se ressaltar que o local para onde vatildeo os homens depois de sua morte eacute o ambiente descrito na paraacutebola um lugar onde justos e injustos satildeo separados apenas por um rio

Assim eacute razoaacutevel supor que o pano de fundo por traacutes da paraacutebola o qual nos oferece a base de como devemos interpretaacute-la eacute que Jesus toma emprestada a mentalidade folcloacuterica do judaiacutesmo rabiacutenico de sua eacutepoca a fim de impressionar sua audiecircncia quanto ao amor agrave riqueza e natildeo quanto ao estado do homem na morte Uma questatildeo que se levanta poreacutem diz res-peito a por que Jesus faria uso do folclore judeu para transmitir seus ensina-mentos Agindo assim ele natildeo estaria endossando o ponto de vista cultural Bacchiocchi (2007 p 168) afirma que natildeo defendendo que

Nesta paraacutebola Jesus fez uso de uma crenccedila popular natildeo para endossaacute-la mas para impressionar as mentes de seus ouvintes com uma importante liccedilatildeo espiritual Deve-se notar que na paraacutebola do mordomo infiel (Lc 161-12) Jesus emprega uma histoacuteria que natildeo representa com precisatildeo a verdade biacuteblica

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John Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) reconhece que a paraacutebola do rico e Laacutezaro natildeo demonstra o pensamento lucano nem muito menos o de Cristo a respeito da vida por vir Antes Jesus apenas emprega o imaginaacuterio popular para ressaltar a eacutetica do reino vindouro Assim ciente de que este imaginaacuterio natildeo passava de faacutebulas judaicas ele natildeo poderia endos-sar este conceito Portanto como esclarece Snodgrass (2010 p 607) tal pa-raacutebola ldquonatildeo tem o objetivo de apresentar um esquema ou mesmo detalhes precisos acerca do que ocorre depois da morterdquo

O fato de a paraacutebola do Rico e Laacutezaro estar situada ao lado de outra paraacutebola controversa por exemplo a do mordomo infiel tambeacutem nos mos-tra que Jesus usava conceitos do cotidiano (ainda que errocircneos) para atrair a atenccedilatildeo do povo para seus novos ensinos Por isso para Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) a melhor resposta para a pergunta ldquoO que esta passagem nos diz a respeito do estado intermediaacuterio eacute lsquoNadarsquordquo

Pode-se entatildeo concluir que apesar de os rabinos dividirem o estado poacutes-morte (Sheol) em um lugar para os justos e os maus11 eacute improvaacutevel que o quadro apresentado por Jesus na paraacutebola corresponda bem a esta ideia (ORR 1999) Jesus lida nesta estoacuteria natildeo com os temas do paraiacuteso e do ha-des mas com temas eacuteticos fundamentais de seu ensino Assim ldquoa mensagem de Jesus chama o povo a ouvir a exortaccedilatildeo de Deus para mostrar compaixatildeo com o pobrerdquo (BOCK 1997 p 71) Na atualidade pode parecer estranho que Jesus tenha utilizado uma narrativa puramente folcloacuterica em seu discur-so para apresentar verdades que nada tem a ver com o pano de fundo lendaacute-rio da paraacutebola Apesar de a paraacutebola estar no plano da crenccedila popular seu emprego justifica-se pelo fato de que tal imaginaacuterio seria familiar e inteligiacutevel para a audiecircncia (HASTINGS 2004 p 9) Precedentes vindos das paraacutebo-las anteriores demonstram como era do costume de Jesus falar a linguagem de Seus ouvintes para atingir sua compreensatildeo e seus coraccedilotildees

Consideraccedilotildees finaisEste artigo buscou demonstrar que a interpretaccedilatildeo da paraacutebola do Rico

e Laacutezaro deve levar em consideraccedilatildeo o emprego que Jesus fez do imaginaacuterio

11 Deve-se salientar que segundo Mathews (1909 p 6) natildeo haacute sequer clara evidecircncia de que os judeus nos dias de Jesus cressem num estado intermediaacuterio Ele defende que eacute inseguro ver na ex-pressatildeo seio de Abraatildeo uma referecircncia segura para tal crenccedila Tomando este fato em consideraccedilatildeo haacute ainda mais indiacutecios de que natildeo era objetivo de Jesus endossar a crenccedila neste estaacutegio poacutes-morte Apesar disso natildeo se pode anular a hipoacutetese de houvesse indiviacuteduos que a sustentassem

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judaico atribuindo-lhe poreacutem significados que transcenderam aos signifi-cados que lhe eram atribuiacutedos na eacutepoca Assim Jesus usa uma histoacuteria fami-liar repleta da cosmovisatildeo pagatilde acerca da vida apoacutes a morte poreacutem desmi-tificando seu conteuacutedo Desse modo ainda que isto natildeo esteja em primeiro plano a paraacutebola veicula uma criacutetica sutil agrave ideia equivocada da vida apoacutes a morte (GILMOUR 1999) De fato o grande tema da paraacutebola diz respeito ao uso responsaacutevel das becircnccedilatildeos materiais

Ademais no empreendimento de interpretaccedilatildeo dessa paraacutebola deve-se levar em consideraccedilatildeo o princiacutepio hermenecircutico theologia parabolica non est demonstrativa Conforme frisou Smith (1869 p 1038) eacute impossiacutevel embasar a prova de uma importante doutrina teoloacutegica em uma passagem que abunda em metaacuteforas judaicas Aleacutem disso visto que o diaacutelogo ocupa grande parte do espaccedilo da paraacutebola compreende-se que o conteuacutedo de tal diaacutelogo eacute mais importante do que o cenaacuterio no qual ele se desenrola Aqui Jesus direciona sim o seu foco para o mundo por vir todavia natildeo o apresenta em termos claros atraveacutes desta paraacutebola Assim parece que o objetivo principal da pa-raacutebola eacute ensinar que toda preparaccedilatildeo para o poacutes-morte deve ser feita em vida

Enfim eacute razoaacutevel supor que Jesus tenha utilizado o imaginaacuterio judai-co para prender a atenccedilatildeo de seu puacuteblico poreacutem o ensino da paraacutebola natildeo repousa na imortalidade inerente da alma senatildeo no amor ao dinheiro Des-tarte esta eacute uma histoacuteria fictiacutecia da vida apoacutes a morte que reflete e comenta a vida anterior agrave morte (SCHOTTROFF 2007 p 205) Portanto para usar as palavras de Smith (1869 p 1038) ldquose quisermos transformar retoacuterica em loacutegica [hellip] e construir um dogma em cada metaacutefora nossa crenccedila seraacute de caraacuteter vago e contraditoacuteriordquo

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SNODGRASS K Compreendendo todas as paraacutebolas de Jesus guia completo Rio de Janeiro Casa Publicadora das Assembleias de Deus 2010

SCHOTTROFF L As paraacutebolas de Jesus uma nova hermenecircutica Satildeo Leopoldo Sinodal 2007

Enviado dia 03052013Aceito dia 20062013

Os adventistas e a identidade da lei em gaacutelatas

SILVA P C Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

Leandro Quadros1

A superficialidade muitas vezes pode contribuir para que apologistas brasileiros apresentem uma imagem distorcida dos assuntos que anali-sam Isso natildeo eacute diferente quando o adventismo eacute o foco de suas criacuteticas

A abordagem de Paulo Cristiano da Silva pode ter sido viacutetima desse fenocircmeno quando apresenta suas consideraccedilotildees pessoais a respeito da teologia adventista da Lei Em seu artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo publicado pela revista Apologeacutetica Cristatilde o presbiacutetero da igreja Assembleia de Deus afirma que ldquofinalmente os adventistas estatildeo admitindo aquilo que sempre foi oacutebvio aos cristatildeos evangeacutelicos isto eacute a identidade da lei nos escritos paulinosrdquo (SILVA sd p 7) Silva parte do pressuposto de que os teoacutelogos adventistas atuais estatildeo apre-sentando uma nova teologia sobre o assunto e que a distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial ldquoserviu de aacutelibirdquo para os adventistas ldquoescaparem de textos claros que mostram a ab-rogaccedilatildeo de toda lei em 2 Coriacutentios 37-11 e Colossenses 214rdquo2

Ao que parece o autor desconhece como se deu o desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a Lei em Gaacutelatas Atraveacutes da leitura de algu-mas fontes primaacuterias ele natildeo teria se equivocado em sua anaacutelise chegando a conclusotildees bem diferentes das que apresentou na publicaccedilatildeo Assim na

1 Poacutes-graduado em jornalismo cientiacutefico e Mestrando em Teologia pela Universidade Ad-ventista del Plata na Argentina Eacute produtor e apresentador dos programas ldquoNa Mira da Verdaderdquo e ldquoLiccedilotildees da Biacutebliardquo na Rede Novo Tempo2 Uma abordagem biacuteblica contextual e teoloacutegica desses textos pode ser vista no Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia (DEDEREN 2011 p 312 530 531 563 e 564)

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presente resenha seraacute apresentada uma raacutepida consideraccedilatildeo a respeito do relacionamento dos adventistas com a Lei em Gaacutelatas para que o texto de Paulo Cristiano da Silva seja avaliado a partir de um contexto mais amplo

Origem da distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial

Atraveacutes da leitura do artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo o leitor entende que a distinccedilatildeo entre ldquolei moral e cerimonialrdquo pode ser considerada como um ldquoaacutelibirdquo adventista utilizado para se esquivar de textos a respeito da ldquoab-rogaccedilatildeo da leirdquo segundo o apoacutestolo Paulo Entretanto o livro Questotildees Sobre Doutrina (KNIGHT 2009 p 126) afirma que ldquoas principais confissotildees de feacute e os credos histoacutericos da cristandade reconhecem a diferenccedila e distinccedilatildeo entre a lei moral de Deus os Dez Mandamentos ou Decaacutelogo e os preceitos cerimoniaisrdquo A referida obra3 lista oito fontes histoacutericas que evi-denciam que tal distinccedilatildeo entre leis natildeo eacute uma invenccedilatildeo dos adventistas 1) a Segunda Confissatildeo Helveacutetica de 1566 da Igreja Reformada de Zurique que no capiacutetulo 12 intitulado ldquoDa Lei de Deusrdquo contrasta as leis moral e cerimonial 2) os Trinta e Nove Artigos de Religiatildeo da Igreja da Inglaterra de 1571 que no Artigo VII tambeacutem faz tal distinccedilatildeo 3) a Revisatildeo Americana dos Trinta e Nove Artigos da Igreja Protestante Episcopal de 1801 4) os Artigos Irlandeses de Re-ligiatildeo de 1615 5) a Confissatildeo de Feacute de Westminster de 1647 que inclusive foi citada na Biacuteblia Apologeacutetica de Estudos (p 1341) comercializada pela institui-ccedilatildeo de Paulo Cristiano faz parte (CACP) 6) a Declaraccedilatildeo de Savoia das Igrejas Congregacionais de 1658 7) a Confissatildeo Batista de 1688 (Filadeacutelfia) e 8) os Vinte e Cinco Artigos Metodistas de Religiatildeo de 1875 redigidos por Joatildeo Wesley onde tambeacutem se encontra a distinccedilatildeo entre leis moral e cerimonial

Citando Schaff o Questotildees Sobre Doutrina (2008 p 126) afirma

Embora a lei dada por Deus a Moiseacutes no que se refere a cerimocircnias e ritos natildeo obrigue os cristatildeos e nem os preceitos civis necessitem ser recebidos em qualquer comunidade Entretanto nenhum cris-tatildeo estaacute livre da obediecircncia aos mandamentos chamados morais

3 A ediccedilatildeo anotada George Knight atualiza algumas interpretaccedilotildees antigas dos adventistas especialmente no que diz respeito ao termo ldquoescrito de diacutevidardquo presente em Colossenses 214 Para maiores informaccedilotildees ler as notas das paacuteginas 124 e 125

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Entende-se dessa forma que a distinccedilatildeo entre lei moral e lei cerimo-nial natildeo representa uma invenccedilatildeo adventista mas parte da heranccedila evangeacute-lica que os pioneiros do adventismo trouxeram consigo4 Essa contudo natildeo representa as opiniatildeo de Paulo Cristiano da Silva do posicionamento do Centro Apologeacutetico Cristatildeo de Pesquisas (CACP) e da postura do Instituto Cristatildeo de Pesquisas (ICP) Atitudes como essas parecem estar em conflito com a crenccedila dos fundamentos do protestantismo a respeito da Lei de Deus Por outro lado mesmo sendo fontes histoacutericas importantes as confissotildees de feacute e credos natildeo se constituem a regra de feacute dos adventistas do seacutetimo dia que procuram se manter fieis ao princiacutepio de Sola Scriptura5

O desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a lei em Gaacutelatas

Se Paulo Cristiano da Silva estivesse familiarizado com algumas obras que tratam da histoacuteria do adventismo sua posiccedilatildeo certamente seria outra a respeito da compreensatildeo adventista da Lei em Gaacutelatas A leitura do li-vro A Mensagem de 1888 de George R Knight (2003 p 37) por exemplo auxiliaria na descoberta de que em 1854 J H Waggoner (pai de E J Wa-ggoner) publicou The Law of God An Examination of the Testimony of Both Testaments onde ldquoadotava o ponto de vista de que a lei em Gaacutelatas era os Dez Mandamentosrdquo de forma que o artigo do vice-presidente do CACP natildeo traria tantas novidades

A anaacutelise dessa obra levaria ao conhecimento de que entre 1884 e 1886 ldquoAlonzo T Jones (1850-1923) e Ellet J Waggoner (1855-1916) co-meccedilaram a ensinar que a epiacutestola [aos Gaacutelatas] tinha os Dez Mandamen-tos em foco e natildeo as leis cerimoniaisrdquo (KNIGHT 2003 p 37) Esses dois pioneiros foram assistentes de JH Waggoner na revista The Signs of

4 O Dicionaacuterio Vine publicado pela CPAD afirma que mesmo a distinccedilatildeo de leis natildeo sendo ldquofeita ou mesmo presumida na Escriturardquo ldquoa lei mosaica seja de fato divisiacutevel em cerimonial e em moralrdquo (VINE et al 2010 p 743) 5 Em 1850 Ellen G White (2009 p 78) cofundadora da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia es-creveu ldquoRecomendo-vos caro leitor a Palavra de Deus como regra de vossa feacute e praacutetica Por essa Palavra seremos julgados Nela Deus prometeu dar visotildees nos ldquouacuteltimos diasrdquo natildeo para uma nova regra de feacute mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade biacuteblica Assim tratou Deus com Pedro quando estava para enviaacute-lo a pregar aos gentios (Atos 10)rdquo

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the Times e ldquodecidiram exaltar em seus escritos o tema da justificaccedilatildeo pela feacute nos meacuteritos de Cristordquo (TIMM 1988 p 10)

Entre 8 de julho a 2 de setembro de 1866 E J Waggoner publicou na Signs uma seacuterie de nove artigos argumentando que Paulo na epiacutestola aos Gaacutelatas estava discutindo a lei moral No ano seguinte no mecircs de feverei-ro Waggoner concluiu uma resposta de 71 paacuteginas intitulada ldquoThe Gospel in the Book of Galatiansrdquo [O Evangelho no Livro de Gaacutelatas] reafirman-do claramente sua posiccedilatildeo contraacuteria agrave dos editores da Review and Herald Uriah Smith e George L Butler

A partir disso conclui-se que o tiacutetulo do artigo publicado pela revis-ta Apologeacutetica Cristatilde aleacutem muito limitado em questatildeo de informaccedilatildeo estaacute atrasado pelo menos 158 anos (1854-2012) A teologia adventista da lei jaacute estava sofrendo transformaccedilotildees significativas quando os adventistas desco-briram uma ldquoponterdquo entre a lei e o evangelho que havia sido construiacuteda pelo apoacutestolo Paulo6 Desse modo a afirmaccedilatildeo de Paulo Cristiano em seu artigo

ldquomais de um seacuteculo para que eles [os adventistas] admitissem esse erro her-menecircutico rdquo (SILVA sd p 7) parece insustentaacutevel Ainda mais quando se considera outra fonte primaacuteria Ellen G White

A leitura do capiacutetulo 31 do primeiro volume de Mensagens Escolhidas seria o suficiente para que Silva percebe-se que Ellen G White jaacute acreditava ser o termo ldquoleirdquo em Gaacutelatas uma referecircncia tanto agrave lei Moral quanto agrave lei cerimonial bem antes dos teoacutelogos Samuele Bacchiocchi (1995 p 9-11) e Wilson Paroschi (2012 p 18-20) citados por ele em seu artigo Ela escreveu em 1900 ldquoPerguntam-me acerca da lei em Gaacutelatas Que lei eacute o aio que nos deve levar a Cristo Respondo Tanto o coacutedigo cerimonial como o moral dos Dez Mandamentosrdquo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)

Ao comentar sobre Gaacutelatas 324 na paacutegina seguinte ela afirma

Nesta passagem o Espiacuterito Santo pelo apoacutestolo refere-se especial-mente agrave lei moral A lei nos revela o pecado levando-nos a sen-tir nossa necessidade de Cristo e a fugirmos para Ele em busca de perdatildeo e paz mediante o arrependimento para com Deus e a feacute em nosso Senhor Jesus Cristo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)7

6 Em Efeacutesios 28-10 ele coloca as obras natildeo como o evangelho da graccedila em si mas como fruto do evangelho na vida do crente convertido7 Mesmo que Wilson Paroschi (2012 p 18-20) inclua ambas as citaccedilotildees de Ellen G Whi-te em seu artigo Silva parece omitir isso em suas consideraccedilotildees tornando o seu texto um tanto quanto duvidoso

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Eacute inadequado abordar a compreensatildeo da lei em Gaacutelatas entre os adven-tistas sem contextualizar o leitor a respeito das discussotildees teoloacutegicas sobre o as-sunto realizadas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas dos Seacuteti-mo Dia (em Minneaacutepolis Minessota entre 17 de outubro e 4 de novembro de 1888) Paulo Cristiano da Silva poderia ter evitado um possiacutevel reducionismo histoacuterico se considerado o livro Portadores de Luz (SCHWARZ GREENLE-AF 2009 p 175-188) capiacutetulo 12 intitulado ldquoJustificaccedilatildeo pela feacute Minneaacutepo-lis e seus resultadosrdquo Nesse capiacutetulo demonstram-se um pouco das disputas teoloacutegicas entre Urias Smith e George I Butler de um lado defendendo a antiga posiccedilatildeo adventista sobre a identidade da lei em Gaacutelatas e EJ Waggoner e AT Jones de outro em defesa de um posicionamento mais exegeacutetico Se consultada essa fonte o leitor da revista Apologeacutetica Cristatilde natildeo seria privado da informaccedilatildeo completa sobre o assunto seria sabido que apesar das acirra-das disputas entre os pastores adventistas da eacutepoca posteriormente Smith e Butler reconheceriam seus equiacutevocos teoloacutegicos e equilibrariam a sua proacutepria teologia anteriormente enfatizando mais a Lei do que a graccedila de Cristo

O Dicionaacuterio Brasileiro de Teologia (BORTOLLETO 2008 p 18) publicado pela Associaccedilatildeo de Seminaacuterios Teoloacutegicos Evangeacutelicos (ASTE) em 2008 tambeacutem seria de grande importacircncia na pesquisa do redator do CACP Na referida obra aleacutem de obter uma visatildeo mais acertada acerca do adventismo seria conhecido que ldquoessa conferecircncia [de Mineaacutepolis jaacute em 1888] contribuiu para que o adventismo equilibrasse sua ecircnfase distintiva nos lsquomandamentos de Deusrsquo com o compromisso evangeacutelico relacionado agrave lsquofeacute em Jesusrsquo (Ap 1412)rdquo (TIMM 2008 p 18)

O adventismo natildeo eacute estaacutetico Alguns criacuteticos alegam que os adventistas fazem uso de um recurso bem

utilizado pelas seitas para ldquomascararrdquo os proacuteprios ldquoerrosrdquo Eles afirmam que qualquer mudanccedila na teologia evidencia ldquofalsidaderdquo e que portanto todo o sistema doutrinaacuterio do adventismo desenvolvido ao longo dos anos estaacute sob a ldquoareia movediccedilardquo Entretanto deve-se destacar que o adventismo desde os seus primoacuterdios possui um conceito dinacircmico da teologia

As ecircnfases teoloacutegicas podem mudar com o passar do tempo agrave medida que o Espiacuterito Santo traz agrave luz novas verdades biacuteblicas ou uma nova compre-ensatildeo das mesmas jaacute reveladas (ver Pv 418 Jo 1612) Assim o estudioso das Escrituras natildeo teraacute receios em reconhecer que precisa reformular os proacuteprios conceitos teoloacutegicos agrave medida que cresce em sua experiecircncia espiritual com

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Cristo Na obra Em Busca de Identidade (KNIGHT 2005 p 16-27 208-210) o autor esclarece que os pioneiros adventistas acreditavam na possibilidade de progredir no conhecimento da verdade biacuteblica Isso parece perceptiacutevel vis-to que depois de observar a mudanccedila dos adventistas em relaccedilatildeo ao horaacuterio correto de se observar o saacutebado Tiago White (1856 p 148-149) afirmou na Review and Herald que os adventistas ldquomudariam outros pontos de sua feacute caso tivessem uma boa razatildeo para fazecirc-lo com base nas Escriturasrdquo

Isso natildeo significa poreacutem que os teoacutelogos adventistas modernos sintam a necessidade de alterar a teologia adventista a respeito da perpetuidade da Lei moral apenas porque essa distinccedilatildeo talvez natildeo possa ser validada exe-geticamente Silva deve conhecer a diferenccedila entre hermenecircutica (exegese) e teologia Mesmo que ajustes exegeacuteticos sejam necessaacuterios tanto Wilson Pa-roschi quanto Samuele Bacchiocchi entre outros sustentam a mesma opi-niatildeo sobre a interpretaccedilatildeo adventista concernente agrave validade da Lei na Nova Alianccedila O que foi anulado pela morte de Cristo na cruz eacute a condenaccedilatildeo da Lei (ver Rm 79-11 2Co 37-9 Gl 322-25 Cl 214) e natildeo a Lei em si ou a necessidade de observaacute-la como uma expressatildeo da vontade e do imutaacutevel caraacuteter de Deus (ver Rm 615-22 74-6 12-14 83-4 Hb 88-12 Ap 1412)

Consideraccedilotildees finaisA presente resenha argumentou que o artigo de Paulo Cristiano da Silva

natildeo fez o devido uso de fontes baacutesicas para compreender o desenvolvimento dao pensamento adventista sobre a lei em Gaacutelatas Ao que parece o articu-lista foi parcial em sua pesquisa em natildeo considerar o que os pioneiros adven-tistas diziam sobre o assunto especialmente Ellen G White

Aleacutem disso Silva natildeo fez menccedilatildeo das discussotildees teoloacutegicas sobre a jus-tificaccedilatildeo pela feacute e a lei em Gaacutelatas feitas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas do Seacutetimo Dia em novembro de 1888 Uma anaacutelise desse evento na histoacuteria da Igreja eacute fundamental para que o pesquisador possa discutir acerca da compreensatildeo adventista da Lei na carta aos Gaacutelatas O articulista da revista Apologeacutetica Cristatilde citou dos artigos de Wilson Paroschi e Samuele Bacchiocchi8 mas desconsiderou o conteuacutedo dos artigos citados enfatizando apenas o que lhe parecia razoaacutevel Se o autor tivesse considerado

8 Tambeacutem foi mencionada a resposta de Ozeas C Moura na seccedilatildeo ldquoBoa Perguntardquo onde ele responde uma duacutevida referente ao texto de Colossenses 216 Ver Revista Adventista ja-neiro de 2009 paacuteginas 18 e 19

Os adventistas e a identidade da lei em gaacutelatas

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em seu artigo a conclusatildeo de Bacchiocchi apoacutes sua exposiccedilatildeo a respeito da compreensatildeo paulina da Lei leria-se

O que Paulo ataca natildeo eacute o valor da lei como um guia para a conduta cristatilde [hellip] Paulo critica natildeo a moral mas a compreensatildeo soterio-loacutegica da lei isto eacute a lei vista como um documento de eleiccedilatildeo que inclui os judeus e exclui os gentios [hellip] A incapacidade de discernir nos escritos de Paulo entre seu uso moral e o uso soterioloacutegico da lei e a incapacidade de reconhecer que sua criacutetica da lei eacute dirigida natildeo aos cristatildeos judeus mas aos judaizantes gentios tem levado mui-tos concluir erroneamente (inclusive Paulo Silva) que Paulo era um antinomista que rejeitava a validade da lei como um todo Tal visatildeo eacute inteiramente injustificada porque como jaacute mostramos Paulo re-jeita a lei como um meacutetodo de salvaccedilatildeo mas a exalta como norma moral de conduta cristatilde (BACCHIOCCHI 1985 p 11)

Por fim Silva conclui de maneira equivocada seu artigo afirmando que os teoacutelogos adventistas acima tiveram ldquocoragem e acima de tudo honesti-dade em admitir um erro exegeacutetico perpetuado como tradiccedilatildeo por mais de um seacuteculo dentro dessa igrejardquo (SILVA sd p 7)

Referecircncias

BACCHIOCCHI S Paulo e a lei Revista Adventista jun 1995

BORTOLLETO F (Org) Dicionaacuterio brasileiro de teologia Satildeo Paulo ASTE 2008

SCHWARZ R GREENLEAF F Portadores de Luz histoacuteria da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Engenheiro Coelho Unaspress 2009

DEDEREN R (Ed) Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2011

KNIGHT G A Mensagem de 1888 Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2003

Em busca de identidade o desenvolvimento das doutrinas adventistas do seacutetimo dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2005

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Questotildees sobre doutrina o claacutessico mais polecircmico da histoacuteria do adventismo Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

MOURA O Boa pergunta Revista Adventista jan de 2009

PAROSCHI W Liccedilotildees de Gaacutelatas Revista Adventista mai de 2012

PREEZ R Judging the Sabbath discovering what canrsquot be found in Colossians 216 Berrien Springs Andrews University Press 2008

SILVA P Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

TIMM A O movimento adventista e a justificaccedilatildeo pela feacute Artur Nogueira Centro de Pesquisas Ellen G White 1988

VINE W et al Dicionaacuterio Vine o significado exegeacutetico e expositivo das palavras do antigo e do novo testamento Rio de Janeiro CPAD 2010

WHITE E Primeiros Escritos Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

Mensagens Escolhidas Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 1985 v 1

WHITE T The word Review and Herald v 7 n 19 1856

Enviado dia 15052013Aceito dia 26062013

Normas para publicaccedilatildeo

A revista Kerygma recebe trabalhos para os proacuteximos nuacutemeros em re-gime de fluxo contiacutenuo natildeo sendo necessaacuteria a abertura de chamadas es-peciais No entanto a periodicidade eacute semestral Para ser aceitos os textos devem observar rigorosamente as normas descritas abaixo

B A revista Kerygma tem como objetivo a divulgaccedilatildeo de trabalhos de pesquisa originais publicados em liacutengua portuguesa inglesa ou es-panhola relacionados agraves diversas temaacuteticas das aacutereas de Teologia e Ciecircncias da Religiatildeo

B O trabalho a ser submetido deve estar enquadrado em uma das se-guintes categorias

ndash Artigo cientiacutefico Dossiecirc Ensaio a publicaccedilatildeo se destina a divulgar re-sultados ineacuteditos de estudos e pesquisa compreendendo os seguintes itens tiacutetulo (em portuguecircs e inglecircs) nome(s) do(s) autor(es) [observaccedilatildeo a(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) devem ser registradas como notas de rodapeacute] resumo (com meacutedia de 900 toques ou 150 palavras) com a respectiva traduccedilatildeo para o inglecircs (abstract) e cinco palavras-chave em portu-guecircs e inglecircs introduccedilatildeo meacutetodo desenvolvimento e resultados (descriccedilatildeo e dis-cussatildeo) consideraccedilotildees finais e referecircncias bibliograacuteficas Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras incluindo figuras tabelas e lista de referecircncias

ndash Resenha de livros balanccedilo criacutetico de livros recentemente publicados (maacuteximo 4 anos) ou de obras consideradas claacutessicas nas aacutereas de estudo abor-dadas pela revista Deveraacute conter tiacutetulo do livro autor local de ediccedilatildeo editora e ano de publicaccedilatildeo (em formato ABNT) tiacutetulo para a resenha nome do(s) autor(es) da resenha sua(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras

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B O texto deve ser editado no programa Word configurado em pa-pel tamanho A4 (21 x 297 cm) fonte Arial corpo 12 espaccedilamento 15 e alinhamento justificado exceto as citaccedilotildees diretas com mais de 3 linhas (recuo) O tiacutetulo natildeo deve ultrapassar 12 palavras As margens devem ter a seguinte conformaccedilatildeo superior e direita 3cm inferior e esquerda 2cm

B O texto deve seguir o novo acordo ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa

B Caso haja imagens devem ser apresentadas em alta resoluccedilatildeo (300 dpi no formato jpg ou tif) e largura miacutenima de 10 cm (altura proporcional) Devem ser colocadas no corpo do texto e enviadas em arquivo separado

B As referecircncias bibliograacuteficas devem se basear nas normas da ABNT-NBR 60232002

B As citaccedilotildees podem ser diretas ou indiretas

ndash Citaccedilotildees indiretasSatildeo aquelas em que as ideias ou fatos apresentados pelo autor original

satildeo resumidos ou reapresentados com o cuidado de natildeo haver prejuiacutezo da exatidatildeo dessas informaccedilotildees Pode-se optar por escrever o sobrenome do autor dentro ou fora dos parecircntesis da referecircncia Se estiver fora dos parecircnte-sis ele deve vir em caixa baixa no corpo do texto seguido dos parecircntesis com o ano de publicaccedilatildeo da obra e nuacutemero da paacutegina No caso de o sobrenome vir dentro dos parecircntesis deve ser escrito todo em caixa alta seguido do ano de publicaccedilatildeo e nuacutemero da paacutegina Exemplos

a) Para um autor ldquoRodrigues (1998 p 25) observou [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES 1998 p 25)rdquo

b) Para dois autores ldquoRodrigues e Veiga (1999 p 39) pesquisando [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES VEIGA 1999 p 39)rdquo

c) Para trecircs ou mais autores o sobrenome do primeiro autor deve ser seguido da expressatildeo et al ldquoPradela et al (1998 p 129) constata-ram[hellip]rdquo ou ldquo(PRADELA et al 1998 p 129)rdquo

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ndash Citaccedilotildees diretas literais ou textuaisAs referecircncias obedecem agraves mesmas especificaccedilotildees acima Se o texto direta-

mente citado contiver ateacute trecircs linhas deve ser incluiacutedo no proacuteprio corpo do texto entre aspas Exemplos Segundo a autora ldquoo estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jovens da referida pesquisa possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11) Ou De acordo com Ruth Derevecki (2011 p 11) ldquoo estudo mostra[hellip]rdquo

Por outro lado se o texto diretamente citado contiver mais de trecircs linhas deve aparecer em paraacutegrafo(s) destacado(s) do corpo do texto (com recuo na margem de 4 cm agrave esquerda corpo 11 em espaccedilamento simples entre linhas) Exemplo

Como Lima (2010 p 12) sustenta

Atualmente a gestatildeo tem se tornado participativa De acordo com a diretora do coleacutegio adventista de Hortolacircndia Eli Albuquerque muitas escolas ainda natildeo aderiram ao novo padratildeo poreacutem haacute mui-tas unidades que jaacute implantaram a administraccedilatildeo colegiada com-posta por professores equipe administrativa pais e alunos

B Utiliza-se a expressatildeo latina apud para citar um documento ao qual natildeo se teve acesso direto mas por intermeacutedio de uma citaccedilatildeo em outra obra Exemplo ldquoSegundo Esther Rodrigues apud Follis (2011 p 42)rdquo ou ldquoEs-ther Rodrigues afirma que o sol faz bem agrave pele (apud FOLLIS 2011 p 42)rdquo Atenccedilatildeo deve-se na medida do possiacutevel para garantir a exatidatildeo da informaccedilatildeo procurar usar citaccedilotildees diretas Ou seja deve-se procurar obter as informaccedilotildees das fontes originais sempre que estas estiverem disponiacuteveis deixando este recurso apenas para obras difiacuteceis de ser localizadas

B Em caso de coincidecircncia de datas de texto ou obra citadas distinguir com letras respeitando a ordem de entrada no artigo (1915a 1915b) Jaacute em casos de coincidecircncia de sobrenomes colocam-se os prenomes abre-viados apoacutes o sobrenome (FOLLIS R 2010 FOLLIS E 2014)

B Toda citaccedilatildeo provinda da Biacuteblia deve seguir a seguinte formataccedilatildeo fora dos parecircntesis deve vir por extenso (Ex Em Apocalipse 1232 2 Coriacutentios 318 diz que [hellip] dentro dos parecircntesis deve ser abreviada de acordo com o padratildeo de duas letras sem ponto da Biacuteblia Joatildeo Ferreira de Almeida revista e atualizada 2ordm ediccedilatildeo (Ap 1232 2Co 318) Natildeo se usa algarismos romanos

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B Toda citaccedilatildeo originaacuteria de fonte em liacutengua estrangeira deve ser traduzida no corpo do texto e referenciada da seguinte forma (ABREU 2009 p 12 tra-duccedilatildeo livre) A citaccedilatildeo na liacutengua original deve ser mantida em nota de rodapeacute

B A supressatildeo ldquo[hellip]rdquo e a interlocuccedilatildeo devem ser indicadas entre col-chetes Exemplo ldquoO estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jo-vens [hellip] possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11)

B As notas de rodapeacute devem ser usadas apenas para acrescentar infor-maccedilotildees relacionadas ao texto e importantes para o entendimento deste Natildeo confundir nota de rodapeacute com referecircncia bibliograacutefica que apare-ce soacute no final do trabalho

B Expressotildees estrangeiras ou tiacutetulos de obras devem figurar em itaacutelico Exemplos ldquoFelipe Carmo (2009 p 42) em seu livro Hipnose sustenta que croissaint natildeo pode ser utilizado como sujestatildeo hipnoacuteticardquo Certas palavras mesmo sendo de origem estrangeira jaacute satildeo de uso corrente nos textos em portuguecircs e portanto natildeo devem vir em itaacutelico Exem-plos internet mouse link site e-mail etc

B Os casos de destaque de partes do texto para ecircnfase devem ser evi-tados ou restringidos ao miacutenimo possiacutevel devendo aparecer em itaacutelico

ldquoFulano (2000 p 12) sustenta que ocorre reversatildeo se e somente se aque-las condiccedilotildees satildeo satisfeitasrdquo

B Capiacutetulos de livros e artigos de perioacutedicos quando citados no corpo do texto devem aparecer entre ldquoaspasrdquo e sem o uso de itaacutelico Exemplo Flavio Luiacutes (2011 p 12) em seu artigo ldquoComo cultivar um bigode agrave luz de Friedrich Nietzscherdquo afirma que [hellip]

B Citaccedilotildees referentes aos manuscritos e cartas de Ellen G White de-vem ser feitas no corpo do texto da seguinte maneira (Ellen G White Carta 16 1890) (Ellen G White Manuscrito 21 1846)

B Citaccedilotildees referentes aos pais da igreja devem ser acrescentadas ao corpo do texto corrido como por exemplo a obra de Josefo (Jewish Antiquities IX206 ndash 214)

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B Na lista de referecircncias bibliograacuteficas deveratildeo constar os nomes de todos os autores de um trabalho consultado As referecircncias seratildeo ordenadas al-fabeticamente pelo uacuteltimo sobrenome do autor seguido no miacutenimo da inicial maiuacutescula do primeiro nome Natildeo usar nomes por extenso na lista

a) Para livrosCARMO F Hipnose a arte da seduccedilatildeo Satildeo Paulo Editora Madras 2009

b) Capiacutetulo de livroFERCH A Autoria teologia e propoacutesito de Daniel In HOLBROOK F (Ed) Estudos sobre Daniel origem uni-dade e relevacircncia profeacutetica Engenheiro Coelho Unaspress 2009 (Seacuterie Santuaacuterio e Profecias Apocaliacutepticas 2)

c) Artigos de perioacutedicosBERTONI E Arte induacutestria cultural e educaccedilatildeo Cadernos cedes centro de estudos educaccedilatildeo e sociedade ndash Unicamp Ano 21 n 54 2001

d) Monografias dissertaccedilotildees e tesesFERREIRA L O processo da aprendizagem conflitos emocionais desvirtuamento e caminhos para a superaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Unasp Campus En-genheiro Coelho Engenheiro Coelho 1999

e) Publicaccedilotildees referentes a eventos publicados em anais ou similares (congressos reuniotildees seminaacuterios encontros etc)

LIMA P Caminhos da universidade rumo ao seacuteculo 21 es-tagnaccedilatildeo ou dialeacutetica da construccedilatildeo In 7ordm congresso anual de estudantes do cesulon (Centro de Estudos Superiores de Londrina PR) Londrina 25 a 20 de outubro de 1999

f) Informaccedilotildees verbaisPara informaccedilotildees obtidas por meio verbal (palestras debates entrevistas etc) deve-se indicar no texto corrido a expressatildeo

ldquoinformaccedilatildeo verbalrdquo entre parecircnteses mencionando-se os da-dos disponiacuteveis em nota de rodapeacute

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Exemplo ldquoA maioria dos que sustentam uma opiniatildeo sobre a alegaccedilatildeo das sugestotildees hipnoacuteticas atraveacutes de alimentos gordu-rosos normalmente fariam qualquer coisa por um croissaintrdquo (informaccedilatildeo verbal)1

No rodapeacute da paacutegina1 Comentaacuterio proferido por Felipe Carmo em palestra rea-lizada no Unasp-EC por ocasiatildeo do Simpoacutesio Universitaacuterio Adventista em setembro de 2011

g) Legislaccedilatildeo (constituiccedilatildeo emendas constitucionais textos legais infra-constitucionais)

SAtildeO PAULO (Estado) Decreto nordm 42822 de 20 de janeiro de 1998 Lex coletacircnea de legislaccedilatildeo e jurisprudecircncia Satildeo Paulo v 62 n3 p 217 ndash 220 1998

BRASIL Medida provisoacuteria nordm 1569-9 de 11 de fevereiro de 1997 Diaacuterio Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Po-der Executivo Brasiacutelia DF 14 dez 1997 Seccedilatildeo 1 p 29514

BRASIL Coacutedigo Civil 46 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

h) Referecircncias de sites Acrescentar no final da referecircncia ldquoDis-poniacutevel emrdquo endereccedilo eletrocircnico e a data de acesso ao documen-to precedida da expressatildeo ldquoAcesso emrdquo

SILVA I Pena de morte para o nascituro O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 set 1998 Disponiacutevel em ltwwwestadaocombr1212343htmgt Acesso em 19 set 1998

B Os textos devem ser submetidos unicamente por meio do site da re-vista Kerygma Os passos satildeo os seguintes

ndash Acessar httpwwwunaspedubractacientificandash Caso se trate do primeiro acesso preencher os dados pessoais no

item ldquocadastrordquo (lembre-se de assinalar a opccedilatildeo ldquoautorrdquo) Se jaacute tiver cadastro basta preenher nome e senha

ndash Para submeter trabalhos siga as demais instruccedilotildees do proacuteprio sistemaObs o autor deveraacute acompanhar o andamento do trabalho subme-

tido no proacuteprio sistema on-line

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B O tempo entre a submissatildeo aprovaccedilatildeo ou rerpovaccedilatildeo e a publi-caccedilatildeo do artigoresenha seraacute de cerca de 14 meses As informaccedilotildees sobre o status da submissatildeo se daraacute apenas via Sistema Eletrocircnico de Revistas (SEER) software para a construccedilatildeo e gestatildeo de publi-caccedilotildees perioacutedica traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informaccedilatildeo em Ciecircncia e Tecnologia (IBICT)

B A revista Kerygma estaacute sob a Licenccedila Creative Commons Attribution 30 o que indica natildeo existir lucro atrelado agrave publicaccedilatildeo e portanto natildeo havendo nenhuma obrigaccedilatildeo de remuneraccedilatildeo dos autores publica-dos Estes ao submeterem suas contribuiccedilotildees cedem agrave revista os direi-tos de publicaccedilatildeo nos formatos impresso e online

Permutas

Associaccedilatildeo Educacional Frei Nivaldo Liebel ndash Revista RethoacuterikaUSP de Ribeiratildeo Preto ndash ABOPCenter for Adventist Research James White Library ndash AUCentro Universitaacuterio Feevale ndash Revista Gestatildeo e DesenvolvimentoCentro Universitaacuterio Claretiano ndash Linguagem AcadecircmicaCentro Universitaacuterio de Barra Mansa ndash Revista CientiacuteficaCentro Universitaacuterio de Brusque (Unifebe) ndash Revista da UnifebeCentro Universitaacuterio de Franca (Uni-FACEF) ndash Facef pesquisaCentro Universitaacuterio de Patos de Minas (Unipam) ndash JurivoxRevista AlphaCentro Universitaacuterio do Espiacuterito Santo (Unesc) ndash Unesc em RevistaCentro Universitaacuterio La Salle (Unilasalle) ndash Revista de Educaccedilatildeo Ciecircncia e CulturaCentro Universitaacuterio Metodista (IPA) ndash Ciecircncia em MovimentoCentro Universitaacuterio Nove de Julho (Uninove) ndash Conscientiae-SauacutedeEccosCentro Universitaacuterio Salesiano de Satildeo Paulo (Unisal) ndash Revista Ciencia e TecnoloacutegiaCentro Universitaacuterio Univates ndash Caderno Pedagoacutegico Estudo amp DebateEscola Superior de teologia da IECLB ndash Estudos teoloacutegicosFaculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP) ndash Revista do curso de direitoFaculdade de Administraccedilatildeo Santa Cruz (FAFILFASC) ndash Revista de AdministraccedilatildeoFaculdade de Ciecircncias Administrativas e Contaacutebeis Santa Luacutecia ndash UniversitaFaculdades Integradas Adventistas de Minas gerais (Fadminas) ndash Revista SymposiumFundaccedilatildeo Educacional da Regiatildeo de Joinvile (Univille) ndash Revista da UnivilleFundaccedilatildeo Teacutecnico Educacional Souza Marques ndash Revista Souza MarquesFaculdade Teoloacutegica Batista de Satildeo Paulo ndash TeoloacutegicaFundaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande ndash MomentoPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute (PUC-PR) ndash Revista de Estudos da Comunicaccedilatildeo Revista Psicoloacutegica ArgumentoUniversidad Adventista Del Plata ndash Enfoques DavarlogosUniversidad Catoacutelica Argentina ndash Cultura EconoacutemicaUniversidade de Caxias do Sul (UCS) ndash ConjecturaUniversidade de Satildeo Paulo (USP) ndash Contabilidade amp FinanccedilasUniversidade de Sorocaba (Uniso) ndash Revista de Estudos UniversitariosUniversidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) ndash Linguagem em DisCurso

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Universidade Estadual de Londrina (UEL) ndash Boletim do Centro de LetrasUniversidade Estadual de Ponta Grossa ndash Olhar do Professor PublicatioUniversidade Estadual Paulista (Unesp) ndash Alimentos e NutriccedilatildeoUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ndash Varia histoacuteriaUniversidade Federal de Pelotas ndash Histoacuteria da EducaccedilatildeoUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ndash Caderno do Ensino da FiacutesicaUniversidade Federal de Santa Maria ndash Revista de Educaccedilatildeo EspecialUniversidade Norte do Paranaacute ndash (Unopar) ndash Unopar CientiacuteficaUniversidade Paranaense (Unipar) ndash AkroacutepolisUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missotildees ndash Revista PerspectUniversidade Santa Cecilia ndash Seleccedilatildeo DocumentalUniversidade Satildeo Judas Tadeu ndash Integraccedilatildeo

  • Expediente
  • Editorial
  • 1
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  • 6
  • 7
  • Normas
Page 2: Centro Universitário Adventista de São Paulo

EXPEDIENTEKerygma Engenheiro Coelho-SP volume 9 nuacutemero 1 1ordm semestre de 2013

ISSN 2237ndash7557 (versatildeo impressa) ndash ISSN 1809ndash2454 (versatildeo online)

Kerygma eacute um perioacutedico acadecircmico das aacutereas de Teologia com caraacuteter in-terdisciplinar e publicaccedilatildeo semestral Eacute elaborado pela Faculdade Adventis-ta de Teologia do Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) e publicado pela Unaspress

CONSELHO EDITORIALAdolfo Suarez Amin Rodor Berndt Wolter Edson Nunes Emilson dos Reis Humberto Moura Jader San-tos Jean Zukowski Lanny Soares Natanael Moraes Ozeas Moura Reinaldo Siqueira Renato Stencel Roberto Pereyra Rodrigo Silva Ruben Aguilar Seacutergio Festa Valdecir Lima Wilson Paroschi

COMITEcirc EDITORIALEditor Ozeas C MouraEditores Associados Rodrigo Follis Rodrigo Silva Jean Zukowski

CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVOAfonso Cardoso (Unasp Engenheiro Coelho) Alberto Timm (Biblical Research Institute EUA) Carlos A Steger (Universidad Adventista del Plata ARG) Cristhian Aacutelvarez (Colegio Adventista del Ecuador ECU) Ekkehardt Mueller (Biblical Research Institute EUA) Frank M Hasel (Seminar Schloss Bogenhofen AUT) Jiri Moskala (Andrews University EUA) JoAnn Davidson (Andrews University EUA) Joaquim Azevedo Neto (Faculdades Adventistas da Bahia Cachoeira) John K McVay (Walla Walla University EUA) Maacutercio Costa (Faculdade Adventista da Amazocircnia Benevides) Marcos de Benedicto (Casa Publicadora Brasileira Tatuiacute) Miguel Aacutengel Nuacutentildees (Universidade Peruana Unioacuten PER) Reinaldo Siqueira (Salt-DSA Brasiacutelia) Richard M Davidson (Andrews University EUA) Rivan M dos Santos (Campus Adventiste du Saleve FRA) Victor Choroco (Universidade Peruana Unioacuten PER) Wagner Kuhn (Institute of World Mission Global EUA)

SISTEMA DE AVALIACcedilAtildeO DE TRABALHOSAs contribuiccedilotildees satildeo apreciadas em primeiro lugar pelos editores e editor associado objetivando a verifica-ccedilatildeo dos requisitos formais de apresentaccedilatildeo de trabalhos Uma vez aceitos em primeira instacircncia os textos sem identificaccedilatildeo de autoria satildeo submetidos a dois pareceristas membros do Conselho Editorial Consultivo Em caso de pareceres contraacuterios o texto eacute submetido a um terceiro avaliador Os resultados satildeo comunica-dos aos autores tanto em caso de rejeiccedilatildeo como de aprovaccedilatildeo ou aprovaccedilatildeo com necessidade de ajuste

Revista indexada nas seguintes bases de dados1 Latindex2 ATLA Religion Database3 Sumaacuteriosorg4 LivRe

A Revista Kerygma utiliza o Sistema Eletrocircnico de Editoraccedilatildeo de Revistas (SEER) software desen-volvido para a construccedilatildeo e gestatildeo de publicaccedilotildees perioacutedicas eletrocircnicas traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informaccedilatildeo em Ciecircncia e Tecnologia (IBICT)

Esta revista se encontra sob a Licenccedila Creative Commons Attribution 30O Conselho Editorial natildeo assume a responsabilidade pelo material publicado nesta revista Os trabalhos publicados representam o pensamento dos autores

Kerygma ndash Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo v 9 n 1 (1ordm se-mestre de 2013) Engenheiro Coelho SP Unaspress ndash Imprensa Universi-taacuteria Adventista 2013

Semestral

ISSN 2237ndash7557 (impressa) 1809ndash2454 (online)1 Teologia2 Ciecircncias da Religiatildeo

K419

CDD 200CDU 20

FICHA CATALOGRAacuteFICA

Unaspress

Editoraccedilatildeo Rodrigo Follis Ozeas C MouraRevisatildeo Juliana Castro Renato GrogerProgramaccedilatildeo visual Flaacutevio LuiacutesCapa Marcio TrindadeDiagramaccedilatildeo Faacutebio Roberto Baacuterbara KatherinneNormatizaccedilatildeo Giulia PradelaRevisatildeo de abstracts Ingrid Lacerda

Editorial 7Rodrigo Follis

Artigos

O Espiacuterito Santo nas Epiacutestolas Paulinas 15Roberto Pereyra Suaacuterez

Os 144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja 35Mabio Coelho

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual de Lucas 2243-44 53

Luan Henrique Gomes Ribeiro Wilson Paroschi

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedica-social 67

Jorge Lucien Burlandy

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de L R Conradi 87

Renato Stencel Alex Voos

Sumaacuterio

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica 115Reacutegerson Molitor da Silva

Um estudo sobre a morte em Lucas 1619-31 131Adenilton T de Aguiar Diego Rafael da S Barros

Resenha

Os adventistas e a identidade da Lei em Gaacutelatas 147Leandro Quadros

Normas para publicaccedilatildeo 155

Permutas 163

bullEditorialbull

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo

Rodrigo Follis1

Muitas epistemologias teoloacutegicas aceitas na atualidade foram produzi-das na proacutepria modernidade ou se utilizaram dos recursos argumentativos inerentes a tal periacuteodo Assim eacute possiacutevel argumentar que ainda vivemos em grande parte uma religiosidade calcada em diversos pensamentos filosoacutefi-cos provindos da modernidade

Ao abordar o sentido do termo ldquomodernidaderdquo Pierre Sanchis (1997) afirma que ela seria ldquoa representaccedilatildeo ideal do indiviacuteduo portador de uma ra-zatildeo uacutenica de uma decisatildeo soberana que se exerce nos quadros de uma loacutegica universalrdquo Assim no auge da ciecircncia moderna se delimitava a atitude cien-tiacutefica agrave busca de conhecimentos de leis e princiacutepios que regessem a realidade Sendo que por realidade se entendia algo estaacutetico determinado mecacircnico e regulado por leis fixas (vemos tal realidade por exemplo na doutrina posi-tivista) Um conhecimento baseado na formulaccedilatildeo de leis tem como pres-suposto a noccedilatildeo de ordem e de estabilidade do mundo de que o passado se repete no futuro (SANTOS 1999 p 17 ver 2000)

Alguns autores chegam a afirmar que a exacerbaccedilatildeo de tal pensamento foi uma das causadoras da atual fragmentaccedilatildeo do modernismo Assim a desilusatildeo humana com as promessas da era da razatildeo e da ciecircncia teriam sido enormes Para exemplificar podem ser citadas a ldquourbanizaccedilatildeo extremamen-te desumanizante a monstruosa desigualdade social a induacutestria de morte de armas e das drogas a construccedilatildeo de campos de concentraccedilatildeo a confec-ccedilatildeo e explosatildeo das bombas atocircmicasrdquo (LIBAcircNIO 1998 p 62)

1 Doutorando em Ciecircncias da Religiatildeo e Mestre em Comunicaccedilatildeo Social pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo Editor-associado da revista Kerygma e professor no Centro Univer-sitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail rodrigofollisunaspedubr

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Afinal a ciecircncia [moderna] natildeo fornece as respostas que a maio-ria de noacutes exige Sua histoacuteria a respeito de nossas origens e nosso fim eacute no miacutenimo insatisfatoacuteria Para a pergunta ldquoComo tudo comeccedilourdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo Para a pergunta ldquoComo tudo terminaraacuterdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo E para muitas pessoas a vida acidental natildeo vale a pena ser vivida (POSTMAN 1994 p 168)

Por um lado a modernidade trouxe grandes avanccedilos ao tentar melho-rar o mundo a nossa volta atraveacutes de uma iluminaccedilatildeo e da busca racional por evidecircncias que dessem sentido a existecircncia humana E isso foi aceito como forma de afirmar ou mesmo combater a ortodoxia teoloacutegica Sobre isto Leonildo Campos (2008) aponta a tensatildeo entre ldquoa letra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo que ficou como marca principal de vaacuterios reaviva-mentos religiosos como o ldquosurgimento do pietismo alematildeo do avivalismo inglecircs e norte-americano e no iniacutecio do seacuteculo XX da explosatildeo do Pente-costalismordquo Assim ele nos lembra das tensotildees jaacute apontadas por Mendonccedila (2008 p 78) quando afirma a existecircncia de conflitos ligados de um lado a uma racionalidade defendida por grupos mais ortodoxos e de outro a um misticismo emocional provindo de diversos novos grupos

Natildeo parece metodologicamente coerente esquecer de que cada vez mais a sociedade se abre para uma religiatildeo e uma vida regida pela loacutegica da emoccedilatildeo e do entretenimento e que isso tem relaccedilatildeo direta na construccedilatildeo de muitas das teologias contemporacircneas (ver BERGER ZIJDERVELD 2012) Entretan-to parece ser preciso reafirmar que dependemos de vaacuterios preceitos da ciecircncia modernista ou seja da suposta ldquoletra que matardquo Ela ainda perpassa todas as produccedilotildees ditas acadecircmicas encontradas natildeo apenas na presente ediccedilatildeo da re-vista Kerygma mas em todo o fazer da ciecircncia Afinal toda discussatildeo provinda da academia sempre se relaciona agraves ldquoletrasrdquo teoacutericas que objetivam encontrar as ldquoleis fixasrdquo que esclareceratildeo nossa realidade e sociedade

Sem sombra de duacutevidas a presente ediccedilatildeo da Kerygma faz parte dessa realidade Ao se buscar que padratildeo pode ser encontrado nas cartas paulinas acerca do uso da palavra grega Pneuma estamos fazendo ciecircncia ao estilo modernista Na discussatildeo epistemoloacutegica para se entender corretamente os meios de interpretaccedilatildeo biacuteblica estamos em uma discussatildeo calcada tambeacutem no modernismo e em sua forma de ver e estudar o mundo E isso ocorreraacute em todos os demais artigos seja na relaccedilatildeo sobre os 144 mil de Apocalipse no entendimento dos textos biacuteblicos de Lucas na relaccedilatildeo histoacuterica acerca da

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

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apostasia do pastor adventista Conrad no uso da disciplina eclesial ou na re-senha de um artigo apologeacutetico Todas essas discussotildees podem ter seus dis-tanciamentos do modernismo mas paradoxalmente o fazem estando dentro desse processo cientiacutefico

Baseado nisso alguns acusam a Teologia como sendo a personificaccedilatildeo da ldquoletra que matardquo e portanto seria preciso evitaacute-la na busca por uma ver-dadeira comunhatildeo com a divindade Entretanto isso natildeo nos parece coerente Natildeo estamos aqui para condenar a ciecircncia moderna nem o seu meacutetodo racio-nalista mesmo agrave luz das diversas consequecircncias ruins ou no miacutenimo esteacutereis produzidas em seu nome Tambeacutem natildeo acreditamos que recusar ou abraccedilar cegamente um reavivamento emocionalista venha a ser a melhor soluccedilatildeo Como contraponto parece interessante a proposta acerca do ldquolsquopensamento liminarrsquo como defendida por Mignolo (2003) Esse tipo de pensamento ser-viria para ldquoobter ou recuperar o direito de serrdquo Ou seja seria

uma maneira de pensar que natildeo seja inspirada em suas proacuteprias limi-taccedilotildees e que natildeo pretenda dominar e humilhar uma maneira de pen-sar que seja universalmente marginal fragmentaacuteria e aberta e como tal uma maneira de pensar que por ser universalmente marginal e fragmentaacuteria natildeo seja etnocida (MIGNOLO 2003 p 235)

Dadas essas consideraccedilotildees eacute coerente acreditar na busca por uma Teo-logia que una o melhor desses dois mundos o da letra e o do espiacuterito Cons-truindo assim uma tensatildeo hegemocircnica paradoxal ao mesmo tempo em que busca utilizar um meacutetodo loacutegico-racionalista como forma de interpretar a realidade e a histoacuteria tambeacutem nos coloca abertos a um aceite emocional e mais humano de tal realidade sendo este o objetivo de toda a produccedilatildeo cientiacutefica (FOLLIS 2012) Com isso nosso objetivo deixa de ser encontrar uma mera resposta e passa a ser o de mudar e melhorar vidas humanas Ellen G White (2007 p 309) ilustra como poderia ser essa uniatildeo Torcermos para que tal pensamento seja um guia para a construccedilatildeo teoloacutegica que continua-remos a produzir na academia

O maior dos enganos do espiacuterito humano nos dias de Cristo era que um mero assentimento agrave verdade constituiacutesse justiccedila Em toda experiecircncia humana o conhecimento teoacuterico da verdade se tem demonstrado insuficiente para a salvaccedilatildeo da alma Natildeo produz os frutos de justiccedila Uma cuidadosa consideraccedilatildeo pelo

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que eacute classificado verdade teoloacutegica acompanha frequentemente o oacutedio pela verdade genuiacutena segundo se manifesta na vida Os mais tristes capiacutetulos da Histoacuteria acham-se repletos do registro de crimes cometidos por fanaacuteticos adeptos de religiotildees Os fariseus pretendiam ser filhos de Abraatildeo e vangloriavam-se de possuir os oraacuteculos de Deus todavia essas vantagens natildeo os preservavam do egoiacutesmo da malignidade da ganacircncia e da mais baixa hipocrisia Julgavam-se os maiores religiosos do mundo mas sua chamada ortodoxia os levou a crucificar o Senhor da gloacuteria O mesmo peri-go existe ainda Muitos se tecircm na conta de cristatildeos simplesmente porque concordam com certos dogmas teoloacutegicos Natildeo introdu-ziram poreacutem a verdade na vida praacutetica Natildeo creram nela nem a amaram natildeo receberam portanto o poder e a graccedila que advecircm mediante a santificaccedilatildeo da verdade

Referecircncias

BERGER P ZIJDERVELD A Em favor da duacutevida como ter convicccedilotildees sem se tornar um fanaacutetico Satildeo Paulo Elsevier 2012

CAMPOS L S Evangeacutelicos e Miacutedia no Brasil ndash Uma Histoacuteria de Acertos e Desacertosrdquo Rever - Revista de Estudos da Religiatildeo nordm 3 1-26 2008 Disponiacutevel em httpwwwpucspbrreverrv3_2008t_campospdf Acesso em 25122012

FOLLIS R Teologia e Marxismo em busca de pontes de esperanccedila Kerygma Engenheiro Coelho SP v 8 n 2 p 7-9 2o sem de 2012

LIBAcircNIO J B O sagrado na poacutes-modernidade In CALIMAN C (org) A seduccedilatildeo do sagrado o fenocircmeno religioso na virada do milecircnio Petroacutepolis RJ Vozes 1998

MEDONCcedilA A G Protestantes pentecostais e ecumecircnicos o campo religioso e seus personagens Satildeo Bernardo do Campo Universidade Metodista de Satildeo Paulo 2008

MIGNOLO W D Histoacuterias locais projetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Belo Horizonte UFMG 2003

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 7-11 1ordm sem de 2013

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POSTMAN N Tecnopoacutelio a rendiccedilatildeo da cultura agrave tecnologia Satildeo Paulo Nobel 1994

SANCHIS P O campo religioso contemporacircneo no Brasil In ORO A STEIL C (Orgs) Globalizaccedilatildeo e religiatildeo Petroacutepolis Vozes Porto Alegre UFRGS 1997

SANTOS B A criacutetica da razatildeo indolente contra o desperdiacutecio da experiecircncia Satildeo Paulo Cortez 2000

Um discurso sobre a ciecircncia Porto-Portugal Ediccedilotildees Afrontamento 1999

WHITE E O desejado de todas as naccedilotildees Tatuiacute CPB 2007

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

The Holy Spirit in the pauline epistles

Roberto Pereyra Suaacuterez1

ResumoAbstract

O artigo objetiva pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo abordando um dos temas mais desafiadores do seu pensamento te-oloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneu-

matologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia Neste estudo preliminar busca-se apenas introduzir o vasto tema sobre o uso da palavra πνευμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais relevantes acerca do EspiacuteritoPalavras-chave Espiacuterito Santo πνεūμα Paulo Teologia Biacuteblica Epiacutestolas paulinas

This article aims to research about the Holy Spirit in the books of Paul discussing one of the most challenging subjects of his theological thought Some researchers even say that the pneumatology of Paul

should be considered the central aspect of his theology The objective of this preliminary study is only to introduce this vast theme about the use of the word πνευμα in the epistles of Paul and also to interpret the most relevant theological affirmations about the Holy SpiritKeywords Holy Spirit πνεūμα Paul Biblical Theology Epistles of Paul

1 Doutor em Novo Testamento pela Andrews University (PhD) Diretor da Poacutes-Gradua-ccedilatildeo do Salt-Unasp Professor na Faculdade de Teologia do Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail robertopereyraunaspedubr

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo significa abordar um dos temas mais desafiadores do seu pensamento teoloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneumatologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia2

Neste estudo preliminar natildeo exaustivo pelo limitado espaccedilo busca se apenas introduzir o vastiacutessimo tema sobre o uso da palavra πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais re-levantes acerca do Espiacuterito

O uso da palavra πνεūμα em PauloMesmo desconsiderando as formas de uso (substantivo adjetivo ou

adveacuterbio) do vocaacutebulo Πνευματικός 3 e da expressatildeo ldquopoderrdquo (tambeacutem em diversas formas) em referecircncia ao Espiacuterito Santo4 eacute possiacutevel encontrar 384 referecircncias agrave πνευμα no Novo Testamento Sendo que apenas Paulo a usa

2 Sendo que haacute uma literatura muito rica tratando com o pensamento de Paulo sobre este tema gostaria de mencionar as referecircncias que considero mais relevantes publicadas nos uacutel-timos 50 anos Pinnock (1963) Turner (1975 p 56-69) Dobbin (1976a p 5-19 1976b p 129-149) Meyer (1979 p 3-18) Congar (1983) Francis (1984 p 299-313) Easley (1984 p 299-313) Huumlbner (1989 p 324-338) Friedrich Wilhelm Horn (1992) nega a dimensatildeo experi-mental da recepccedilatildeo do Espiacuterito no iniacutecio do cristianismo e propotildee que Paulo desenvolveu sig-nificativamente sua pneumatologia durante os anos de seu ministeacuterio Paige (1993 p 404-413) Gordon D Fee (1994 1996) apresenta o trabalho mais completo sobre pneumatologia Paulina disponiacutevel sendo uma fonte primaacuteria relevante para consultas sobre questotildees exegeacuteticas Vol-lenweider (1996 p 163-192) Gaffin (1998 p 573-589) Daniel B Wallace (2003 p 97-125) Monika Christoph (2005) Finny Philip (2005) John A Bertone (2005) Mark Pretorius (2006 p253-262) Clint Tibbs (2007) Erik Konsmo (2010) examina como as metaacuteforas de Paulo ex-pressam a presenccedila tangiacutevel do espiacuterito intangiacutevel na vida do cristatildeo e afirma que o ponto de vista de Paulo sobre o rol do Espiacuterito Santo natildeo eacute perifeacuterico mas sim central em sua Teologia3 De 26 vezes que se usa no NT 24 satildeo as referecircncias no conteuacutedo paulino (Rm 111 714 1527 1 Co 213 2x 15 31 911 103 4 2x121 141 37 1544 2x 46 2x Gl 61 Ef 13 519 61 Cl 19 316)4 Aparentemente os destinataacuterios das cartas paulinas entenderam que o Espiacuterito se manifes-tava em ldquopoderrdquo em razatildeo da utilizaccedilatildeo dos termos δύναμις e πνεῡμα de forma alternada nas epiacutestolas de Paulo Sobre isso veja a argumentaccedilatildeo de J D G Dunn (1998a p 851) Natildeo se faz apenas o uso combinado de ambos os sentidos (Rm 1513 19) mas se usa os vocaacutebulos de tal maneira que a presenccedila de πνεῡμα poderia significar a presenccedila de δύναμις (Rm 14 1Co 24 Gl 35 Ef 316 1Ts 15 2 Tm 17) Sendo assim se pode deduzir que as referecircncias agrave δύναμις implicariam a presenccedila de πνεῡμα (1Co 420 54 2Co 47 66-7 12912 134 Ef 119 21 37 20 Cl 111 29 2 Tm 18)

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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160 vezes5 nas 14 epiacutestolas que lhe satildeo atribuidas aqui considerando tam-beacutem o livro de Hebreus6 A frequecircncia de πνευμα nas epiacutestolas paulinas se daacute da seguinte forma

RmI 1CoII 2CoII GlIV EfV FpVI ClVII 1TsVIII 2TsIX 1TmX 2TmXI TtXII FmXIII HbXIV Total

35 40 17 18 16 5 2 5 3 3 3 2 1 10 160

I Em Rm 81-27 Paulo usa 22 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα sendo que 5 delas possuem significado antropoloacutegico ao referir-se ao espiacuterito humano (810 15 3x 16) e 17 com sentido teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo (82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 13 14 16 23 26 2x 27)II Em 1 Coriacutentios 24-14 Paulo usa 9 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (211 12) e 7 com sentido teoloacutegico (24 10 2x 11 12 13 14) em 1Co 123-13 Paulo usa 12 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x)III Em 2 Coriacutentios Paulo usa 17 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 8 possuem significado antropoloacutegico (213 36 2x 413 71 13 1114 1218) e 9 com sentido teoloacutegico (122 33 8 17 2x 18 55 66 1313)IV Em Gaacutelatas Paulo usa 18 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (61 18) e 16 com sentido teoloacute-gico (32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x) com maior concentraccedilatildeo em 55 a 68V Em Efeacutesios Paulo usa 16 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 3 possuem significado antropoloacutegico (117 22 423) e 13 com sentido teoloacutegico (113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18)

VI Em Filipenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (127 423) e 3 com sentido teoloacutegico (119 21 33)

VII Em Colossenses Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (25) e 1 com sentido teoloacutegico (18)

VIII Em 1 Tessalonicenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (523) e 4 com sentido teoloacutegico (15 6 48 519)

IX Em 2 Tessalonicenses Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (22) e 2 com sentido teoloacutegico (28 13)

X Em 1 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (41) e 2 possuem sentido teoloacutegico (316 41)

XI Em 2 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (17 422) e 1 com sentido teoloacutegico (114)XII Em Tito Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (35 6)XIII Em Filemom Paulo usa 1 vez o vocaacutebulo πνεῡμα com significado antropoloacutegico (25)XIV Em Hebreus Paulo usa 10 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (412 1223) e 8 possuem sentido teoloacutegico (114 24 37 64 98 14 1015 29)

5 Aparece 53 vezes o vocaacutebulo (Rm 14 84 5 9 2x 1011 15 2x 16 26 2x 118 1Co 210 11 2x 12 2x 316 55 617 740 124 8 11 13 1414 1545 168 2Co 36 17 2x 413 713 114 Gl 32 5 46 29 517 68 Ef 117 44 30 1Ts 48 519 23 1Tm 41 2x 2Tm 17 Hb 37 1015 29) 53 vezes πνεύματος (Rm 55 76 82 5 6 11 23 27 1513 19 30 1Co 24 10 13 14 54 619 127 8 10 1432 2Co 122 36 8 18 55 71 1313 Gl 314 517 22 68 18 Ef 22 316 43 617 Fp 119 21 423 1Ts 16 2Ts 22 13 2Tm 114 422 Tt 35 Fm 125 Hb 114 24 412 64 98 14) 49 vezes πνεύματι (Rm 19 229 89 13 14 16 91 1211 1417 1516 1Co 421 53 611 734 123 2x 9 2x 13 142 15 2x 16 2Co 213 33 66 1218 Gl 33 55 16 18 25 2x 61 Ef 113 218 22 35 423 518 618 Fp 127 33 Cl 18 25 1Ts 15 2Ts 28 1Tm 316 Hb 1223) e em cinco cir-cunstancias se emprega um pronome relativo para se referir ao espiacuterito humano em geral (Rm 815) ao Espiacuterito Santo (1Co 619 Ef 114 Tt 36) e ao Espiacuterito de Deus (Ef 430)6 Raymond Edward Brown (1983 p 227) encontra 380 usos enquanto que Tibbs (2007 p 306) encontra 384

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Segundo a ordem de tamanho das epiacutestolas a maior incidencia no uso do vocaacutebulo πνεῡμα se encontra em Gaacutelatas seguida por Efeacutesios 1 Coriacutentios Romanos e 2 Coriacutentios Contudo se observa uma concentraccedilatildeo especial no conteuacutedo das cartas o que responde aos propoacutesitos teoloacutegicos do autor em diaacutelogo com seus destinataacuterios Por exemplo Romanos 81-27 constitui o ponto de mais destaque da teologia paulina sobre o Espiacuterito ao se referir a Ele 22 vezes a maior concentraccedilatildeo de referencias nas epiacutestolas (DUNN 1998 p 423)

A partir daqui inicia-se uma breve menccedilatildeo sobre o uso antropoloacutegico de πνεῡμα nos escritos de Paulo

Uso antropoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos gerais Paulo utiliza 45 vezes o vocaacutebulo com significa-do antropoloacutegico se referindo ao espiacuterito humano7 Ele faz referecircncia a si mesmo (Rm 19 1 Co 421 53-4 1414-15 1618 2 Co 213 Cl 25) a mulher (1Co 734) aos profetas (1Co 1432) ao segundo Adatildeo (1 Co 1545) a Tito (2Co 713) a Timoacuteteo (2 Tm 422) a Filemom (Fm 25) e aos seres humanos em geral8 Obviamente eacute no uso teoloacutegico do vocaacutebulo que teremos a maior relevancia e significado

Uso teoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos especiacuteficos o apoacutestolo usa πνεῡμα 115 vezes com senti-do teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo9 de diversas formas ldquoEspiacuterito

7 Rm 19 229 76 810 15 3x 816 118 1211 1Co 211 12 421 53 4 5 617 734 1414 15 2x 1432 1545 1618 2Co 213 36 2x 413 7113 114 1218 Gl 61 18 Ef 117 22 423 Fp 127 423 Cl 25 1Ts 523 2Ts 22 2Tm 17 422 Fm 25 Hb 412 Embora existam discussotildees se a referecircncia eacute ao espiacuterito humano ou ao divino os seguintes textos tambeacutem podem ser aqui incluiacutedos 1Co 53 4 617 1414 152 e Cl 25 (ver Fee 1996 p 24-26 123-27 229-30 462 645)8 Rm 229 76 81015 x3 16 118 1211 1Co 211 12 55 6 17 2Co 36 2x 413 71 114 1218 Ef 117 423 Fp 127 423 1 Ts 523 2 Ts 22 2Ti 17 Hb 412 12239 Rm 14 55 82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 1314 16 23 26 2x 27 2x 91 1417 1513 16 19 30 1Co 24 10 2x 11 12 13 14 16 611 19 2x 740 123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x 142 16

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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Santordquo10 ldquoEspiacuterito de santidaderdquo (Rm 14) ldquoEspiacuterito de vidardquo (Rm 82) ldquoEspiacuteritordquo11 ldquoEspiacuterito de Deusrdquo12 ldquoEspiacuterito de Cristordquo (Rm 89) ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo (2Co 317) ldquoEspiacuterito de Seu Filhordquo(Gl 46) ldquoEspiacuterito de sabe-doria e de revelaccedilatildeordquo (Ef 117) ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo (Fp 119) ldquosopro de sua bocardquo (de Jesus Cristo 2 Ts 28) e ldquoEspiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

O fato de Paulo nomear o ldquoEspiacuteritordquo como ldquoEspiacuterito de Deusrdquo ldquoEs-piacuterito de Seu Filhordquo ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo ldquoEspiacuterito de Cristordquo ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo e inclusive ldquoEspiacuterito Santordquo e ldquoEspiacuterito da Graccedilardquo sugere claramente um enfoque trino do vocaacutebulo πνεῡμα em suas epiacutestolas o que parece ser um axioma trinitaacuterio baacutesico13 para entender o uso teoloacutegico de πνεῡμα nessas epiacutestolas

Axioma trinitaacuterio baacutesico nas Epiacutestolas Paulinas

Nos escritos de Paulo 1) Deus eacute um 2) Deus eacute trecircs 3) os trecircs satildeo plenamente Deus 4) cada um dos trecircs eacute diferente dos outros dois 5) os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente um com o outro como Pai Filho e Espiacuterito Santo14

A Trindade pertence agrave vida existecircncia e forma de ser do Deus trino Realidade que soacute poderia ser conhecida se algum de seus membros a revelas-se Como sugeriu Sinclair Ferguson (1985 p 18-37) Jesus no caminho da cruz eacute quem revelou a seus disciacutepulos essa realidade trina da Divindade sua relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito (Jo 13-17)

2Co 122 33 8 17 2x 18 55 66 1313 Gl 32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18 Fp 119 21 33 Cl 18 1Ts 15 6 48 519 2Ts 28 13 1Tm 316 41 2Tm 114 Tt 35 6 Hb 24 37 64 98 14 1015 2910 Rm 55 91 1417 1513 16 1 Co 619 2x 2 Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2 Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 101511 Rm 84 5 2x 6 9 11 2x 13 16 23 26 2x 27 2x 1530 1 Co 24 10 2x 12 13 124 7 8 2x 9 2x 11 13 2x 2 Co 122 38 18 55 Gl 32 3 5 14 429 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 218 22 35 16 43 4 518 617 18 Fp 21 Cl 18 2 Ts 213 1 Tm 316 41 Hb 3712 Rm 89 14 1519 1 Co 211 14 316 611 740 123 2x 2 Co 33 Ef 430 2x Fp 3313 Para um estudo sobre as evidecircncias biacuteblicas que contribuem para a doutrina da trindade veja Arthur William Wainwrigth (1962) Leonard Hodgson (1944 p 38-84) E J Fortman (1982 p 3-33) Aubrey William Argyle (1966 p 173-181)14 Para um estudo exaustivo destes conceitos nas Escrituras veja a John M Frame (2002)

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Eacute o envio do Deus feito carne que revela a relaccedilatildeo existente entre o Pai e o Filho (Jo 7111 22-26) Sua encarnaccedilatildeo (Lc 134-35 Jo 1711 22-26) ministeacuterio (Mt 41 Mr 112 Lc 41 Mt 1228 At 1038) morte ressurreiccedilatildeo (Rm 811 1 Pd 318) e ascensatildeo (At 232 33) revelam a relaccedilatildeo existente entre o Filho e o Espiacuterito Santo (Jo 1416-17 26 1526 1613) o que pro-vavelmente se constituiacutea nas fontes das formulaccedilotildees trinitaacuterias do apoacutestolo

Deus eacute umO conceito da unidade eacute desenvolvido no fato de que Ele eacute Deus tanto

dos judeus como dos gentios (Rm 329-30 1012-13 Gl 320) Pai tanto dos incircuncisos como dos circuncidados (Rm 411-12) uacutenico em sua relaccedilatildeo com os seres humanos (1Tm 25) jaacute que natildeo existem outros deuses Haacute um soacute Deus (1Co 84-6) o verdadeiro (1Ts 19) o uacutenico e saacutebio Deus (Rm 1627 1 Tm 117) a uacutenica fonte dos dons espirituais (1Co 124-6 Ef 44-6)15

Deus eacute trecircsEmbora seja problemaacutetico determinar o nuacutemero dos seres divinos a

partir do Antigo Testamento Paulo usa especiacuteficas formulaccedilotildees trinitaacuterias nas quais apresenta a existecircncia de trecircs seres divinos θεόϛ (Deus) o Pai κύριος (Senhor) ou υἱός (Filho) o Filho e πνεῡμα (Espiacuterito) o Espiacuterito

Paulo distingue claramente os trecircs seres aos quais se refere como ldquoum Espiacuterito [hellip] um Senhor [hellip] um Deusrdquo (1Co 124-6 e Ef 44-60) Menciona os trecircs juntos em Romanos Efeacutesios Filipenses Colossenses 1 Tessalonicenses 2 Tessalonicenses 1 Timoacuteteo Tito Hebreus ou seja em 9 das 14 epiacutestolas

Por outro lado existem diversas passagens nas quais dois dos trecircs se-res aparecem como fonte comum de becircnccedilatildeos o Pai e o Filho por um lado (Rm 64 1Co 1524-28) Cristo e o Espiacuterito por outro (Rm 82 9 2Co 317 Gl 46 Fp 119)

Nas saudaccedilotildees e becircnccedilatildeos apostoacutelicas Paulo sempre menciona a ldquoDeus nosso Pairdquo e ldquoa nosso Senhor Jesus Cristordquo16 no entanto em 2 Coriacutentios 1313 (14) ele integra os trecircs ldquoA graccedila do Senhor Jesus Cristo o amor de Deus e a comunhatildeo do Espiacuterito Santo sejam com todos vocecircsrdquo

Eacute surpreendente a afirmaccedilatildeo feita aos coriacutentios quanto agrave relaccedilatildeo interna existente entre o Espiacuterito e Deus o Pai e o Pai com o Espiacuterito ldquoO Espiacuterito

15 Satildeo textos trinitaacuterianos que distinguem as trecircs pessoas da divindade como fontes de dons espirituais atributo que implica na unidade trina16 1 Co 13 2 Co 12 Gl 13 Ef 13 623-24 1 Ts 11 2 Ts 12 1 Tm 12 2 Tm 12 Tt 14

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sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 210) ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Tambeacutem eacute afirmado aos membros da igreja de Roma que

ldquoaquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuterito porque o Es-piacuterito intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

E quanto ao relacionamento interno existente entre o Espiacuterito e Jesus Cristo o Filho Os leitores de Coriacutentio satildeo advertidos de que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123)

Paulo se referindo aos crentes em Roma em um soacute versiacuteculo apresenta a relaccedilatildeo trina na vida do crente ldquovocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito se de fato o Espiacuterito de Deus habita em vocecirc E se algueacutem natildeo tem o Espiacuterito de Cristo natildeo pertence a Cristordquo (Rm 89) Eacute notaacutevel a siacutentese das accedilotildees trinas relacionadas na vida do crente Deus Cristo e o Espiacuterito atuam na vida de quem estaacute em Jesus A accedilatildeo trina eacute vida no crente vida que provem da accedilatildeo do Deus trino O que eacute muito sugestivo pois usa a mesma estrutura e organizaccedilatildeo literaacuteria dos primeiros oito capiacutetulos da carta aos Romanos nos quais eacute exposto o tema da salvaccedilatildeo e santificaccedilatildeo pela feacute Parece existir um pa-dratildeo claramente trinitaacuterio o juiacutezo de Deus o Pai sobre o pecado (118-320) a obra expiatoacuteria do Filho pela qual Deus justifica e santifica (321-725) e a liberdade e guia do Espiacuterito (81-39)

Uma estrutura semelhante se encontra na epiacutestola aos Gaacutelatas A NVI intitula os versos 326-47 como ldquoFilhos de Deusrdquo 51-15 de ldquoLivres em Cristordquo e 516-26 por ldquoVida pelo Espiacuteritordquo o que caminha na direccedilatildeo da afirmativa de que para Paulo Deus eacute um mas tambeacutem eacute trecircs Efeacutesios 218 afirma que ldquopor meio dele tanto noacutes como vocecircs temos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo o que parece ser uma clara premissa paulina por meio de Cristo ao Pai atraveacutes do Espiacuterito Assim a evidecircncia paulina para a concep-ccedilatildeo trinitaacuteria de Deus poderia ser sintetizada em trecircs grupos de passagens

B No primeiro grupo eacute apresentado um trinitarianismo ex professo Por exemplo em sua benccedilatildeo de 2 Coriacutentios 1314 Paulo envolve a Deus ao Senhor Jesus Cristo e ao Espiacuterito Santo sem fazer nenhu-ma distinccedilatildeo entre essas trecircs pessoas Portanto parece razoaacutevel afirmar que ele os percebe como Pessoas coiguais

B No segundo grupo de passagens Paulo apresenta uma forma triacuteade Em Efeacutesios 44-6 faz menccedilatildeo de ldquoum soacute Espiacuterito [hellip] um soacute Senhor [hellip]

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um soacute Deus e Pairdquo Em 1Coriacutentios 123-6 cada Pessoa eacute introduzida com o artigo ldquoumrdquo na sequecircncia de maneira parecida com Efeacutesios 4 Em uma referecircncia mais indireta as trecircs pessoas satildeo mencionadas tam-beacutem em Efeacutesios 13-14

B No terceiro grupo de textos paulinos as trecircs pessoas satildeo menciona-das juntas mas sem nenhuma estrutura triacuteade clara Um bom exemplo disso eacute Gaacutelatas 44-6 ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filhordquo (o mesmo ocorre em Rm 81ss 2Ts 213ss e Tt 34-6)

Os trecircs satildeo DeusEmbora natildeo haja dificuldades em perceber que o primeiro teoacutelogo do

periacuteodo neotestamentaacuterio descreve o Espiacuterito e o Filho como sendo total-mente Deus haacute os que argumentam contra a divindade do Espiacuterito Santo

Argumenta-se que nos textos trinitaacuterios paulinos o Espiacuterito aparece apenas junto ao Pai eou ao Filho (Rm 1519 2 Co 1313 [14] Ef 221-22 44-6 Fp 33 Hb 23-4 64-6 914 1029-31) Jaacute foi mencionado que existem textos nos quais se incluem dois membros da Trindade por um lado o Pai e o Filho (Rm 64 1Co 1524-28) por outro o Filho e o Espiacute-rito (Rm 1530 1Co 611 Fp 21 Hb 1029) onde ambos o Filho e o Es-piacuterito satildeo dispostos de forma igualitaacuteria a Deus Seria estranho considerar nestes textos um dos seres como natildeo tendo total divindade Aleacutem disso Paulo cita textos do Antigo Testamento que se referem a Yahweh e os aplica ao Espiacuterito Santo (exemplos Jr 3133-34 em Hb 1015-17 Ecircx 251 em Hb 98 Sl 957-11 em Hb 37-11 Is 644 em 1Co 29) O Espiacuterito derrama a graccedila amor divino ao crente (Rm 55 1530 2Co 66 Gl 516-17 Fp 21 Cl 18) e eacute poder de Deus (Rm 1513 19)

De igual forma ao Pai e ao Filho o Espiacuterito eacute eterno (Hb 914) onis-ciente (1Co 210-11) e eacute chamado de santo17 o que implica que sua san-tidade eacute a de Deus e por isso natildeo derivada das criaturas Como o Filho o Espiacuterito realiza atos que correspondem a Deus Eacute doador da vida tanto fiacutesica como espiritual (Rm 811 1Co 1545 2Co 36) testemunha da ado-ccedilatildeo do crente como filho de Deus (Rm 815) Atraveacutes dele o crente eacute lavado justificado e santificado (1Co 611) O Espiacuterito outorga dons espirituais

17 Rm 55 91 1417 1513 16 1Co 619 (2x) 2Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 1015

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(1Co 126-11) para servir na missatildeo divina de salvar Dele eacute a fonte de ins-piraccedilatildeo da Bibliacutea (2Tm 316)

Pai Filho e Espiacuterito Santo trecircs pessoas distintasPara Paulo o Pai o Filho e o Espiacuterito satildeo seres ou pessoas distintas Eacute

comum concordar que o Pai e o Filho sejam pessoas diferentes mas vaacuterios teoacutericos questionam se o Espiacuterito seria uma terceira pessoa relacionada com o Pai e com o Filho ou se seria apenas uma forccedila ou poder impessoal que se associa a Deus ou mesmo emana dele O Espiacuterito eacute relacionado com o poder de Deus (Rm 14 1513 19 1Co 24 2Co 66-7 1Ts 15 2Tm 17) o qual nunca eacute impessoal Ele natildeo apenas representa o poder de Deus mas tambeacutem sua sabedoria (1Co 24 1218 Ef 117)

Note como Paulo apresenta o Pai o Filho e o Espiacuterito em accedilatildeo trina embora sejam seres diferentes ao explicar aos Efeacutesios sobre a revelaccedilatildeo do ldquomisteacuterio de Cristordquo

Certamente vocecircs ouviram falar da responsabilidade imposta a mim em favor de vocecircs pela graccedila de Deus isto eacute o ministeacuterio que me foi dado a conhecer por revelaccedilatildeo [dativo instrumental - inspi-rador] como jaacute lhes escrevi em poucas palavras [hellip] Esse ministeacuterio natildeo foi dado a conhecer aos homens doutras geraccedilotildees mas agora foi revelado pelo Espiacuterito aos santos apoacutestolos e profetas de Deus significando que diante do evangelho os gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da pro-messa em Cristo Jesus (Ef 32-6)

A principal funccedilatildeo ou papel do Espiacuterito eacute fazer conhecido o plano de Deus em Cristo o misteacuterio revelado E tambeacutem mostrar o Filho depois da ascensatildeo porque ldquoningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123) Paulo demonstra que a obra salvadora de Jesus se relaciona diretamente com o ministeacuterio do Espiacuterito Santo e vice e versa Cristo ofereceu seu sacrifiacutecio expiatoacuterio pelos pecados da humanidade (Rm 86-8) e aplica os meacuteritos desse sacrifiacutecio por meio do ministeacuterio sacerdotal no santuaacuterio celestial (Hb 725) poreacutem eacute o Espiacuterito que faz eficaz o que realiza o Salvador do mundo (1Co 123)

O Espiacuterito prepara o caminho para a conversatildeo convencendo a cada in-diviacuteduo do pecado da justiccedila e do juiacutezo levando-lhe ao pleno conhecimento de Jesus e do evangelho (1Co 123) Produz arrependimento (Rm 24) gera feacute

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(1Co 129 Rm 123) e novo nascimento (Tt 35) sela o crente (Ef 113) teste-munhando que este pertence a Deus (Ef 114 2Co 121-22 55 Rm 822-23 Ef 430) produz crescimento (Gl 516 22 23) santificaccedilatildeo (Ro 83 5-10 1Co 611 2Ts 213) e serviccedilo (1Co 12 2Co 36) Neste processo de tornar efi-caz a obra de Cristo o Espiacuterito revela interpreta inspira fala testemunha envia conhece ensina guia intercede o que Paulo deixa claro em suas epiacutes-tolas ao usar πνεῡμα de forma nominativa genitiva acusativa e dativa

Πνεūμα em caso nominativo18

Usando o caso nominativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacute-rito realiza accedilotildees determinadas e especiacuteficas num fluxo do tempo e da histoacuteria

E dito aos crentes de Roma que ldquoo Espiacuterito de Deus viverdquo neles cuja evidecircncia eacute que ldquoentretanto vocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuteritordquo (Rm 89-11)

Aos coriacutentios eacute dito que ldquosatildeo santuaacuterios de Deusrdquo e como tais ldquoo Es-piacuterito de Deus habitardquo neles (1Co 316) que ldquoo proacuteprio Espiacuterito testemunha ao nosso espiacuterito que somos filhos de Deusrdquo (Rm 816) e ldquonos ajuda em nossa fraquezardquo intercedendo ldquopor noacutes com gemidos inexprimiacuteveisrdquo (Rm 826) assim como ldquosonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profun-das de Deusrdquo (1Co 210) pois ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Eacute dito tambeacutem que ldquoo Espiacuterito eacute o mesmordquo embora os dons que outorgue sejam diversos (1Co 124) sendo que ldquoo Espiacuterito [hellip] distribui individualmente a cada um como querrdquo (1Co 1211) ldquoVivificardquo o crente (2Co 36) e ldquoonde estaacute o Espiacuterito do Senhor19 ali haacute liberdaderdquo (2 Co 317)

Paulo lembra aos Gaacutelatas de que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (Gl 517) a Timoacuteteo eacute dito que ldquoo Espiacuterito diz claramente que nos uacuteltimos tempos alguns abandonaratildeo a feacute e seguiratildeo espiacuteritos enganadores e doutrinas de democircniosrdquo (1Tm 41) jaacute aos Hebreus eacute afirmado que ldquoassim como diz o Espiacuterito Santo hoje se vocecircs ouvirem a sua voz natildeo endureccedilam o coraccedilatildeo como na rebeliatildeo durante o tempo da provaccedilatildeo no desertordquo de Cades Barnea (Hb 37 8) e tambeacutem que o Espiacuterito Santo nos testifica a

18 Nesse caso πνεῡμα funciona como sujeito indicando quem faz a accedilatildeo verbal ou como nuacutecleo do predicado nominal descrevendo o sujeito da oraccedilatildeo19 Para Dunn o ldquolsquoEspiacuterito do Senhorrsquo aqui eacute o Espiacuterito de Deus = lsquoo Senhorrsquo de Ecircxodo 3434rdquo (DUNN 1998b p 419-425)

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respeito da nova alianccedila que Jeovaacute prometeu realizar ldquoPorei minhas leis em seu coraccedilatildeo e as escreverei em sua mente [hellip] Dos seus pecados e iniquida-des natildeo me lembrarei maisrdquo (Hb 1015-17)

Πνεūμα em caso genitivo20

Usando o caso genitivo Paulo faz afirmaccedilotildees nas quais se descreve o Espiacuterito como sendo origem fonte procedecircncia ou posse de algum bem coisa ou serviccedilo

Aos Romanos ele declara que ldquoem Cristordquo o ldquoEspiacuterito de vidardquo (geni-tivo - posse) liberta da lei do pecado e da morte (Rm 82) que ldquoquem vive de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (genitivo - procedecircncia) (Rm 85) jaacute que a ldquomentalidade do Espiacuterito (geni-tivo - procedecircncia) eacute vida e pazrdquo (Rm 86) acrescenta que os que tecircm ldquoos primeiros frutos do Espiacuteritordquo (genitivo - posse) aguardam a redenccedilatildeo de seus corpos (Rm 823) e que ldquoAquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) o qual ldquointercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

Aos Coriacutentios o apoacutestolo lhes informa que natildeo lhes falou nem pregou ldquoem palavras persuasivas de sabedoria mas consistiram em demonstraccedilatildeo do poder do Espiacuterito (genitivo - procedecircncia) para que a feacuterdquo deles ldquonatildeo se baseasse em sabedoria humana mas no poder de Deusrdquo (1Co 24 5) isto eacute

ldquonatildeo com palavras ensinadas pela sabedoria humana mas com palavras en-sinadas pelo Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (1Co 213) que ldquoquem natildeo tem o Espiacuterito natildeo aceita as coisas que vem do Espiacuterito de Deus (genitivo - procedecircncia) pois lhes satildeo loucurardquo (1Co 214) Ainda abordando a Igreja de Corinto Paulo menciona que ldquoo corpordquo fiacutesico do crente eacute um ldquotemplo do Espiacuterito Santo (genitivo - posse) [hellip] dado por Deusrdquo (1Co 619) ele diz tambeacutem que ldquoa cada um poreacutem eacute dada a manifestaccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) para o bem comum (1Co 127) Aleacutem disso Paulo assinala que Deus tem ldquodado o penhor do Espiacuterito (genitivo - posse) em nossos coraccedilotildees como garantia do que estaacute por virrdquo (2Co 122 55 [geni-tivo - posse]) Ele acrescrenta que Deus daacutendo-nos o Espiacuterito ldquonos fez competentes como ministros de uma nova alianccedila natildeo da letra mas do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (2Co 36) Para Paulo ldquoo ministeacuterio do

20 Neste caso πνεῡμα descreve (no sentido de possessatildeo origem procedecircncia) define e limita o substantivo o adjetivando ou o qualificando

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Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) eacute mais glorioso que o ministeacuterio da letra (2Co 38) O apoacutestolo termina sua segunda carta aos Coriacutentios desejando que ldquoa comunhatildeo do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) seja com todos (2Co 1313 [14])

Aos Gaacutelatas lhes faz lembrar que ldquomediante a feacuterdquo se recebe ldquoa pro-messa do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Gl 314) Indica-lhes que ldquoo fruto do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute amor alegria paz paciecircncia ama-bilidade bondade fidelidade mansidatildeo e domiacutenio proacutepriordquo (Gl 522) Jaacute com os Efeacutesios os desafia a se esforccedilarem ldquopara conservar a unidade do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Ef 43) e revela que ldquoa espada do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute a palavra de Deusrdquo (Ef 617) No caacutercere confessa aos Filipenses que se alegra em suas prisotildees porque sabe que graccedilas a suas oraccedilotildees e ldquoao auxiacutelio do Espiacuterito de Jesus Cristordquo (genitivo - procedecircncia) tudo resultaraacute em libertaccedilatildeo (Fl 119)

Aos de Tessalocircnica reconhece que apesar de muitas afliccedilotildees ldquorecebe-ram a palavra com a alegria que vem do Espiacuterito Santordquo (genitivo - proce-decircncia) (1Ts 16) Agradece a Deus porque ldquodesde o princiacutepio Deus os es-colheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espiacuterito (genitivo

- procedecircncia) e a feacute na verdaderdquo (2Ts 213) E na carta a Tito disse que Deus ldquonos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) (Tt 35)

O uso de πνεῡμα no caso genitivo com preposiccedilotildees eacute revelador Paulo diz aos de Roma que ldquoDeus derramou seu amor em nossos coraccedilotildees por meio do Espiacuterito Santo (genitivo - descriccedilatildeo) que Ele nos concedeurdquo (Rm 55) e Deus ldquodaraacute vidardquo aos ldquocorpos mortais por meio do Espiacuteritordquo (geniti-vo - descriccedilatildeo) (Rm 811) entatildeo deseja que ldquoo Deus da esperanccedila os encha de toda alegria e paz por sua confianccedila nEle para que vocecircs transbordem de Esperanccedila pelo poder do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) (Rm 1513) Tam-beacutem recomenda que ldquopor nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) se unam com o apoacutestolo em sua missatildeo orando a Deus por ele (Rm 1530)

A igreja em Corinto lhes declara que embora ldquoolho nenhum viu ouvi-do nenhum ouviu mente humana nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam [hellip] Deus o revelou a noacutes por meio do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) O Espiacuterito sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 29-10)

Aos Gaacutelatas diz que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (ge-nitivo - descriccedilatildeo) (Gl 517) que ldquoquem semeia para o Espiacuterito (genitivo

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- descriccedilatildeo) do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) colheraacute a vida eternardquo (Gl 68) Para os de Eacutefeso informa que pede ao Pai que ldquocom suas gloriosas riquezas [hellip] por meio do seu Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) fortaleccedila o iacutentimo do ser deles (Ef 314-16) Recomenda a Timoacuteteo que ldquopor meio do Espiacuterito Santordquo (genitivo - descriccedilatildeo) cuide dos preciosos ensinamentos que lhe foi confiado (2Tm 114)

Πνεūμα em caso acusativo21

Usando o caso acusativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Es-piacuterito estaacute envolvido em accedilotildees especiacuteficas no fluxo do tempo e da histoacuteria

Ele afirma aos membros de Corinto que ldquonatildeo recebemos o espiacuterito do mundo mas o Espiacuterito procedente de Deus para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamenterdquo (1Co 212) Pergunta aos Gaacutelatas

ldquofoi pela praacutetica da Lei que vocecircs receberam o Espiacuterito ou pela feacute naquilo que ouviram [hellip] Aquele que lhes daacute o seu Espiacuterito e opera milagres entre vocecircs realiza estas coisas pela praacutetica da Lei ou pela feacute com a qual receberam a palavrardquo (Gl 32 5) Diz-lhes que ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filho ao coraccedilatildeo de vocecircs e Ele clama Aba Pairdquo (Gl 46)Paulo exorta os Efeacutesios que ldquonatildeo entristeccedilam o Espiacuterito Santo de Deus com o qual vocecircs foram se-lados para o dia da redenccedilatildeordquo (Ef 430) Aos Tessalonicenses diz que aquele que rejeita o chamado agrave santidade ldquonatildeo estaacute rejeitando o homem mas a Deus que lhes daacute seu Espiacuterito Santordquo e lhes exorta ldquonatildeo apaguem o Es-piacuteritordquo (1Ts 48 519) Aos destinataacuterios da homilia aos Hebreus pergunta

ldquoQuatildeo mais severo castigo julgam vocecircs merece aquele que pisou aos peacutes o Filho de Deus profanou o sangue da alianccedila pelo qual ele foi santificado e insultou o Espiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

Numa construccedilatildeo preposicional no caso acusativo Paulo afirma aos leitores Romanos que ldquoo Evangelho fala do Filho [de Deus]rdquo o qual de acor-do com a natureza humana era descendente de Davi mas que ldquomediante o Espiacuterito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder pela sua ressur-reiccedilatildeo entre os mortosrdquo (Rm 14) e que ldquoDeus [hellip] enviando seu proacuteprio Fi-lho [hellip] como oferta pelo pecado [hellip] a fim de que as justas exigecircncias da Lei fossem plenamente satisfeitas em noacutes que natildeo vivemos segundo a carne mas segundo o Espiacuteritordquo E declara que aqueles ldquovivem de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (Rm 83-5)

21 Neste caso πνεῡμα eacute o objeto direto do verbo complementando seu significado

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Πνεūμα em caso dativo22

Usando o caso dativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacuterito eacute o lugar meio agencia ou instrumento do qual utiliza o sujeito para realizar certa accedilatildeo expressada pelo verbo

Aos leitores em Roma afirma que eles ldquonatildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito (locativo - esfera) se de fato o Espiacuterito de Deus ha-bitardquo neles (Rm 89) portanto ldquose pelo Espiacuterito (instrumental - agente) fi-zerem morrer os atos do corpo viveratildeordquo (Rm 813) Afirma tambeacutem que

ldquotodos os que satildeo guiados pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) satildeo filhos de Deusrdquo (Rm 814) Paulo confessa que tem ldquouma grande tristezardquo e

ldquoconstante angustiardquo pois desejaria ser ldquoamaldiccediloado e separado de Cristo por amorrdquo de seus ldquoirmatildeosrdquo de sua proacutepria ldquoraccedila o povo de Israelrdquo ldquoNatildeo mintordquo disse Paulo ldquominha consciecircncia o confirma no Espiacuterito Santordquo (lo-cativo - esfera) (Rm 91-4)

Em exortaccedilatildeo pede que ldquoaceitem o que eacute fraco na feacuterdquo e explica que ldquoo Reino de Deus natildeo eacute comida nem bebida mas justiccedila paz e alegria no Es-piacuterito Santordquo (instrumental - agente) Tambeacutem acrescenta que ldquoaquele que assim serve a Cristo eacute agradaacutevel a Deus e aprovado pelos homensrdquo (Rm 14 1 17 18) Como ministros dos gentios Paulo manifesta a seus leitores em Roma que tem ldquoo dever sacerdotal de proclamar o evangelho de Deus para que os gentios se tornem uma oferta aceitaacutevees a Deus santificados pelo Espiacuterito Santordquo (Rm 1516)

Em sua correspondecircncia aos crentes em Corinto Paulo destaca a fun-ccedilatildeo instrumental do Espiacuterito ao fazer com que venham a entender em ter-mos categoacutericos que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus (instrumental

- inspirador) diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) (1Co 123) Referindo-se aos dons espirituais ele declara que Deus daacute a alguns ldquofeacute pelo mesmo Espiacuterito A outros dons de curar pelo uacutenico Espiacuteritordquo (instrumental

- agente) (1Co 129) ldquoTodosrdquo afirma o apoacutestolo ldquoem um soacute corpo fomos batizados em um uacutenico Espiacuterito (locativo - elemento) quer judeus quer gre-gos quer escravos quer livresrdquo (1Co 1213)

Paulo declara que ldquoquem fala em uma liacutengua natildeo fala aos homens mas a Deus De fato ningueacutem entende em Espiacuterito (instrumental - modo)

22 Neste caso πνεῡμα expressa lugar agecircncia ou instrumento com o qual se faz algo Indica o instrumento o meio do que se utiliza o sujeito para realizar uma accedilatildeo verbal

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fala misteacuteriosrdquo(1Co 142) Ele reconhece que os coriacutentios satildeo ldquouma carta de Cristo [hellip] escrita natildeo com tinta mas com o Espiacuterito do Deus vivo (ins-trumental - agente) natildeo em taacutebuas de pedra mas em taacutebuas de coraccedilotildees humanosrdquo (2Co 33) a eles mostra que o testemunho serve com ldquopureza conhecimento paciecircncia e bondade no Espiacuterito Santo (dativo - acampa-nhamento) e no amor sincerordquo (2Co 66)

Pergunta aos Gaacutelatas em processo de apostasia ldquodepois de ter comeccedila-do pelo Espiacuteritordquo (instrumental - agente) ldquoquerem agora se aperfeiccediloar pelo esforccedilo proacutepriordquo(Gl 33) a quem recomenda ldquoVivam pelo Espiacuteritordquo (ins-trumental - agente) (Gl 516) porque ldquose vocecircs guiados pelo Espiacuterito (ins-trumental - agente) natildeo estatildeo debaixo da Leirdquo (Gl 518) Por fim os exorta que se deixem guiar pelo Espiacuterito (instrumental - agente) jaacute que o Espiacuterito eacute vida (instrumental - agente) (Gl 525)

Paulo lembra aos crentes de Eacutefeso que quando ouviram e creram na palavra da verdade ldquoforam selados em Cristo com o Espiacuterito Santordquo (instru-mental - elemento) (Ef 113) Declara que atraveacutes de Cristo ldquotemos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo (locativo - esfera) (Ef 218) por cujo Espiacuterito (locativo - esfera) ldquoestatildeo sendo edificados juntos para se tornarem morada de Deus por seu Espiacuteritordquo (Ef 222) Passa a explicar que o misteacuterio de Jesus o plano da graccedila de Deus era oculto a outras geraccedilotildees mas ldquofoi revelado pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) ldquoos gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesusrdquo (Ef 32-6) Portanto ldquonatildeo se embriaguem com vinho que leva a li-bertinagem mas deixem-se encher pelo Espiacuteritordquo (instrumental - elemento) (Ef 518) Finalmente lhes aconselha a empunhar um elemento relevante da armadura cristatilde ldquoOrem no Espiacuterito (instrumental - inspirador) em todas as ocasiotildees com toda oraccedilatildeo e suacuteplicardquo (Ef 618)

Paulo exorta aos irmatildeos filipenses em termos metafoacutericos muito duros em razatildeo da dissidecircncia ldquoCuidado com os lsquocatildeesrsquo cuidado com esses que praticam o mal cuidado com a falsa circuncisatildeordquo e explica o porque ldquopois noacutes eacute que somos a circuncisatildeo noacutes que adoramos pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) que nos gloriemos em Cristo Jesus e natildeo temos confianccedila alguma na carnerdquo (Fl 32-3) Acerca do Deus encarnado Jesus Cristo o ldquogrande misteacuterio da piedaderdquo Paulo diz a Timoacuteteo ldquoDeus foi manifestado em corpo justificado no Espiacuterito (locativo - esfera)rdquo(1Tm 316) Quem eacute esse do qual Paulo fala em suas epiacutestolas Quem eacute Ele Nessas epistolas Ele eacute o protagonista e responsaacutevel de atos histoacutericos em quem se originam certas realidades e do qual procedem outras Ele eacute o agente instrumental Afinal quem eacute Ele

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Consideraccedilotildees finaisDepois de ter explorado parcialmente o uso teoloacutegico de πνεῡμα nas

epiacutestolas paulinas pode-se concluir que

1) A maioria das afirmaccedilotildees teoloacutegicas de Paulo ao usar πνεῡμα anali-sadas mais detidamente em seu contexto histoacuterico literaacuterio e teoloacutegico parecem ser axiomaacuteticas Satildeo proposiccedilotildees maacuteximas ou verdades que o apoacutestolo assume mas natildeo explica embora constituam um fundamento de sua pneumatologia a subestrutura de seu pensamento

2) Paulo eacute trinitaacuterio Entende que Deus eacute verdadeiramente um embora sejam trecircs Os trecircs satildeo plenamente Deus Cada um dos trecircs eacute diferente dos outros Os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente como Pai Filho e Espiacuterito Santo

3) Paulo chama o Espiacuterito Santo de ldquoEspiacuterito de Deusrdquo e ldquoEspiacuterito de Cristordquo o que pressupotildee a divindade do Espiacuterito a existecircncia de trecircs seres distintos e a unidade trina em natureza propoacutesito e missatildeo

4) O Espiacuterito Santo eacute para Paulo um ser real histoacuterico e atual Natildeo uma simples forccedila ou um poder vago efeito ou energia impessoal Eacute a presenccedila pessoal e plena de Deus que habita em seu povo

5) A possessatildeo plena do Espiacuterito Santo soacute eacute possiacutevel ldquoem Cristordquo Natildeo eacute uma possessatildeo da humanidade em geral

6) O Espiacuterito Santo eacute o agente divino na missatildeo evangeacutelica do corpo de Cristo capacitando o instrumento humano na transmissatildeo da mensa-gem confirmando a verdade nos ouvintes transformando seus cora-ccedilotildees e assegurando-lhes que satildeo filhos de Deus

7) Todo crente em Cristo expressa agrave presenccedila visiacutevel do Espiacuterito Santo pelas suas atitudes forma de pensar falar e agir

8) O Espiacuterito Santo conduz o crente a uma vida em santidade e teste-munho desenvolvendo uma dimensatildeo eacutetica moral e espiritual que eacute unicamente possiacutevel por meio dele

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9) Pela razatildeo de que o crente eacute membro do corpo de Cristo tem uma funccedilatildeo especiacutefica outorgada pelo Espiacuterito um ministeacuterio particular para executar em missatildeo

10) As accedilotildees do Deus trino na histoacuteria da salvaccedilatildeo eacute a pressuposiccedilatildeo hermenecircutica fundamental na interpretaccedilatildeo e compreensatildeo do uso teoloacutegico de πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas

No contexto do grande conflito Paulo expotildee uma clara compreensatildeo trinitaacuteria e fundamental do plano de salvaccedilatildeo Cristo eacute a figura central o grande protagonista no ato da salvaccedilatildeo o cordeiro providenciado por Deus que tira os pecados do mundo sentado aacute destra da Majestade nas al-turas eacute o sumo sacerdote rei e juiz ministro no Santuaacuterio Celestial autor e consumador da salvaccedilatildeo

Enquanto o Filho eacute redentor em seu sacerdoacutecio expiatoacuterio pleno o Es-piacuterito permite agrave humanidade descobri-lo se apropriar da salvaccedilatildeo oferecida reconhececirc-lo como Senhor (1Co 123) e restaurar sua plena relaccedilatildeo com Deus (Ef 218) No entanto as origens desta histoacuteria de salvaccedilatildeo como sua execuccedilatildeo provecircm das matildeos de Deus o Pai o qual ldquotudo sujeitou debaixordquo dos peacutes de Cristo ldquoQuando poreacutem tudo lhe estiver sujeito entatildeo o proacuteprio Filho se sujeitaraacute agravequele que todas as coisas lhe sujeitaram afim de que Deus seja tudo em todosrdquo (1Co 1527-28)

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Enviado dia 06112012Aceito dia 20122012

144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja

The 144000 their identity and purpose for the church

Mabio Coelho1

ResumoAbstract

Muito se fala sobre os 144 mil o misterioso grupo introduzido no capiacute-tulo 7 de Apocalipse As especulaccedilotildees e teorias sobre esse grupo tecircm fascinado os estudiosos da Biacuteblia atraveacutes dos seacuteculos Sem se deter

muito em todas as vaacuterias teorias este artigo resume as teorias mais conhecidas aglutinando-as em 4 grandes grupos para entatildeo introduzir quais caracteriacutesticas deste grupo satildeo autoevidentes no texto Biacuteblico e a relaccedilatildeo que elas tecircm com a Igreja hoje vivendo nos momentos finais do tempo do fimPalavras-chave 144 mil Igreja Identidade

Much is said about the 144000 the mysterious group introduced in Chap-ter 7 of Revelation Speculation and theories about this group have fas-cinated scholars of the Bible through the centuries Without dwelling

much in all the various theories this article summarizes the best known theories coalescing them into 4 groups to outline which characteristics of this group are self-evident in the Biblical text and the relationship they have with the Church today living in the final moments of the end-timeKeywords 144000 Church Identity

O capiacutetulo sete de Apocalipse eacute um capiacutetulo parenteacutetico exatamente entre os eventos catacliacutesmicos do sexto e seacutetimo selo que narra uma cena

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Engenheiro de Telecomunicaccedilotildees com Mestrado em Engenharia de Software pela SIACSMU (Southern Methodist University) e Doctor of Professional Studies (DPS) em Seguranccedila de Informaccedilatildeo pela SICACPace

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escatoloacutegica muito significativa o selamento dos 144 mil Atraveacutes dos seacutecu-los a identificaccedilatildeo deste grupo tem deixado perplexos os leitores que bus-cam uma identificaccedilatildeo positiva e inequiacutevoca

Natildeo eacute o propoacutesito deste artigo esgotar o assunto dos 144 mil mas pro-curar prover informaccedilotildees relevantes para identificaacute-los extraindo suas ca-racteriacutesticas principais e procurando descobrir como eles se relacionam com o propoacutesito de Deus para sua Igreja Assim seratildeo revistos de maneira breve as principais teorias sobre este grupo para entatildeo se examinar com mais pro-fundidade ndash mesmo que natildeo se chegue a uma identificaccedilatildeo total e inequiacute-voca ndash as caracteriacutesticas dos ldquoseladosrdquo que podem ser compreendidas de maneira clara agrave luz das Escrituras As perguntas a serem respondidas satildeo 1) Quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que permitem tra-ccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil e 2) Qual eacute a sua relaccedilatildeo com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje

O textoA periacutecope analisada vai de Apocalipse 71 ateacute 717 Essa delimitaccedilatildeo

foi deduzida do fluxo natural do texto pois desde Apocalipse 61 ateacute 617 uma sucessatildeo de eventos acontecem como consequecircncia da abertura de cada um dos seis primeiros selos dos sete descritos no comeccedilo da sequecircncia A sequecircncia eacute interrompida entre o sexto e o seacutetimo selo como num interluacutedio no capiacutetulo sete

Ao analisarmos o texto grego encontrou-se 39 variantes2 natildeo tra-zendo alteraccedilotildees significativas no texto que modificassem o entendimen-to da identidade e das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil Como texto-base para este artigo seraacute utilizada a versatildeo Joatildeo Ferreira de Almeida Revista e Atualizada (ARA)

Depois disto vi quatro anjos em peacute nos quatro cantos da ter-ra conservando seguros os quatro ventos da terra para que ne-nhum vento soprasse sobre a terra nem sobre o mar nem sobre aacutervore alguma Vi outro anjo que subia do nascente do sol tendo o selo do Deus vivo e clamou em grande voz aos quatro anjos

2 9 variantes no verso 1 1 no verso 2 5 no verso 3 1 em cada um dos versos 4567 e 8 6 no verso 9 3 no verso 10 1 no verso 12 1 no verso 13 4 no verso 14 1 em cada um dos versos 15 e 16 e 2 no verso 17

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aqueles aos quais fora dado fazer dano agrave terra e ao mar dizendo Natildeo danifiqueis nem a terra nem o mar nem as aacutervores ateacute selarmos na fronte os servos do nosso Deus Entatildeo ouvi o nuacute-mero dos que foram selados que era cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos dos filhos de Israel da tribo de Judaacute foram selados doze mil da tribo de Ruacuteben doze mil da tribo de Gade doze mil da tribo de Aser doze mil da tribo de Naftali doze mil da tribo de Manasseacutes doze mil da tribo de Zebulom doze mil da tribo de Joseacute doze mil da tribo de Benjamim foram selados doze mil Depois destas coisas vi e eis grande multidatildeo que ningueacutem podia enumerar de todas as naccedilotildees tribos povos e liacutenguas em peacute diante do trono e diante do Cordeiro vestidos de vestiduras brancas com palmas nas matildeos e clamavam em grande voz dizendo Ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeiro pertence a salvaccedilatildeo Todos os anjos estavam de peacute rodeando o trono os anciatildeos e os quatro seres viventes e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto e adoraram a Deus di-zendo Ameacutem O louvor e a gloacuteria e a sabedoria e as accedilotildees de graccedilas e a honra e o poder e a forccedila sejam ao nosso Deus pe-los seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem Um dos anciatildeos tomou a palavra dizendo Estes que se vestem de vestiduras brancas quem satildeo e donde vieram Respondi-lhe meu Senhor tu o sabes Ele en-tatildeo me disse Satildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeo lava-ram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro razatildeo por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuaacuterio e aquele que se assenta no trono es-tenderaacute sobre eles o seu tabernaacuteculo Jamais teratildeo fome nunca mais teratildeo sede natildeo cairaacute sobre eles o sol nem ardor algum pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentaraacute e os guiaraacute para as fontes da aacutegua da vida E Deus lhes enxugaraacute dos olhos toda laacutegrima (Ap 11-17)

Contexto histoacutericoO autor do Apocalipse identifica-se vaacuterias vezes como ldquoJoatildeordquo (ver

Ap 11 4 9 228) O autor tambeacutem afirma que estava na ilha de Pat-mos quando recebeu sua primeira visatildeo (Ap 119) Apesar de natildeo ser

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explicitamente nomeado entende-se que o autor do livro tenha sido o apoacutestolo Joatildeo isto por uma tradiccedilatildeo muito antiga que se harmoniza com as informaccedilotildees fornecidas pelo o texto biacuteblico O The Seventh-day Adven-tist Bible Commentary (SDABC) afirma

Quase por unanimidade a tradiccedilatildeo cristatilde reconhece-o como o autor do Apocalipse Na verdade todo escritor cristatildeo ateacute mea-dos do seacuteculo 3ordm cujas obras ainda existem hoje e que menciona o assunto de alguma forma atribui o Apocalipse de Joatildeo o apoacutes-tolo (NICHOL 2002 p 716)

Esses escritores satildeo Justino Maacutertir em Roma (c100-c165 dC em ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo) Irineu de Liatildeo (c130-c202 dC em ldquoContra as Heresiasrdquo v iv) Tertuliano de Cartago (c160-c240 dC em ldquoPrescriccedilatildeo contra Hereacuteticosrdquo) Hipoacutelito de Roma (morreu c220 dC em ldquoQuem eacute o homem rico seraacute salvordquo v Xlii) Eacute tambeacutem apoiado pelo testemunho desses autores que o livro foi escrito num contexto de perseguiccedilatildeo religiosa3

Contexto literaacuterioO livro do Apocalipse de acordo com a maioria dos especialistas tem

a forma literaacuteria de apocaliacuteptica biacuteblica (AUNE 2002 p lxxxii NICHOL 2002 p 724) Kenneth A Strand propotildee que o livro aleacutem de um proacutelogo e epiacutelogo possui oito visotildees principais dispostas numa estrutura quiaacutesti-ca enfatizando os capiacutetulos 14 e 15 como pivocirc central com um interluacutedio profeacutetico com exceccedilatildeo da primeira e da uacuteltima (STRAND 1992a) cada uma das visotildees satildeo introduzidas por cenas de vitoacuteria (ver NEAL 1992) Mesmo que alguns teoacutelogos e estudantes do livro de Apocalipse fiquem desconfortaacuteveis com a superutilizaccedilatildeo de ldquoquiasmosrdquo mesmo onde eles natildeo existam os paralelismos temaacuteticos em Apocalipse satildeo evidentes entre as visotildees estruturadas conforme sugeridas por Strand Em anos recentes foi proposto pelo teoacutelogo adventista Jacques Doukan que essas oito visotildees

3 Para um apanhado geral do debate sobre a autoria joanina de Apocalipse local e data da composiccedilatildeo veja a introduccedilatildeo do comentaacuterio sobre o livro do Apocalipse no SDABC (NICHOL 2002 p 715-720) para mais detalhes sobre a rejeiccedilatildeo da autoria joanina por uma parte significativa do escolasticismo moderno consulte a introduccedilatildeo do comentaacuterio de Apocalipse no World Biblical Commentary (AUNE 2002 p xlvii-lvi)

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baacutesicas poderiam ser agrupadas em uma estrutura seacutetupla pois cada cena introdutoacuteria ldquoretorna ao templo com uma nota lituacutergica que faz alusatildeo ao calendaacuterio das grandes festas santas de Israel (como prescrito em Leviacutetico 23)rdquo (DOUKHAN 2002 p 13-14)

Kenneth Strand procura delinear as influecircncias da estrutura literaacuteria e dos temas e siacutembolos veterotestamentaacuterios na interpretaccedilatildeo do livro do Apocalipse (STRAND 1992b p 28-24 24-25) Reinaldo Siqueira (2004 p 85-101) expande estas ideias sugerindo que o Apocalipse natildeo soacute utiliza-se de figuras to Antigo Testamento mas ajuda a explicar e definir o sentido das profecias claacutessicas ligando ambas claacutessica e apocaliacuteptica Estas ideias de fato natildeo satildeo de todo novas ou estranhas tanto entre cristatildeos de confissatildeo adventistas (ver NEAL 1992 PAULIEN 1995 TREIYER 1992 p 466-468) quanto evangeacutelicos (ver DRAPER 1983 LAacuteSZLOacute GALLUSZ 2011 p 122-124 SWEET 1979 ULFGARD 1989 p 2-5 35-41) e catoacutelicos (ver KOESTER 1989) Tais discussotildees da influecircncia dos motivos do santuaacuterio e festas de Israel natildeo satildeo estranhas ou novas ateacute mesmo seio do judaiacutesmo (SINGER ADLER 1912 p 390)

Com uma nota final sobre a estrutura geral do livro Richard Davidson (1992 p 115-116) salienta que as cenas introdutoacuterias quando comparadas umas com as outras mostram uma progressatildeo dos ldquoacontecimentos pro-feacuteticosrdquo enquanto as seccedilotildees que introduzem geralmente apresentam uma recapitulaccedilatildeo Sobre esses relacionamentos entre as seccedilotildees do livro de Apo-calipse Bruce Metzger (1994 p 55-54) mesmo concebendo uma estrutura literaacuteria diferente (por exemplo diferente agrupamento de visotildees) do que a proposta neste artigo sumariza

Seguindo esse padratildeo complicado e repetitivo Joatildeo preserva a unidade em seu trabalho travando as diversas partes umas as outras e ao mesmo tempo desenvolvendo seus temas O desen-volvimento poreacutem natildeo eacute de forma estritamente loacutegica como estamos familiarizados com a escrita ocidental eacute sim um pro-duto da mente semita que atravessa toda a imagem novamente e novamente Assim os sete selos e as sete trombetas essencial-mente a mesma coisa dizer cada vez enfatizando um ou outro aspecto do todo

A estrutura proposta desenvolvida com base nos princiacutepios menciona-dos acima estaacute ilustrada na proacutexima paacutegina por uma figura

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Figura 1 Estrutura do LivroTexto que sugerem paralelos na estrutura Quiaacutestica do ApocalipseCopilados pelo Dr K A Strand

A periacutecope esta inserida no terceiro bloco da estrutura proposta na Figura 1 acima

Estrutura da periacutecopeSugere-se a seguinte estrutura para a periacutecope estudada (Ap 7) I ndash Os 144 mil Selados e o Selo de Deus ndash 71-8 a) O Selo Protetor de Deus ndash 71-3 b) O selamento do povo de Deus ndash 74-8 II ndash O Povo de Deus Glorificado ndash 79-17 a) A visatildeo e o Cacircntico dos salvos ndash 79-12 b) A descriccedilatildeo dos salvos ndash 713-17 i ndash O Caraacuteter dos salvos ndash 713-15 ii ndash Promessas especiais aos salvos ndash 716-17

Textos paralelosApocalipse 141-5 apresenta-se como um claro paralelo das partes da

periacutecope estudada Outro paralelo natildeo tatildeo evidente que lanccedila luz sobre agrave

1113

178

A1Proacutelogo11-10a

A1

2735

312312314

27 11

B1Igreja

Militante110b-322

B1

A2

226227

221213

A2Epiacutelogo226-21

E

146 a 154

Suma Escatoloacutegica

Final

42465135662

61561179

71-3715717610

C1Accedilatildeo Divinaem Curso

41-81

C1 C2

1941916197919111918198213214192

C2Juiacutezo DivinoConcluiacutedo191-214

B2

22221272110224215217

B2Igreja

Triunfante215-225

D1

Advertecircnciaaos iacutempios82-1118

8788

81081292

9141115

PoderesOponentes a Deus e a Seu

Povo

1119-1420

1119121

123131

D2

Puniccedilatildeoaos iacutempios

PoderesOponentes

julgados por Deus

151-1617

162163164168

161016121617

1618-1824

161821171173

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identidade e o caraacuteter dos 144 mil eacute o capiacutetulo 9 de Ezequiel Ambos seratildeo brevemente abordados posteriomente para ldquoclarearrdquo o entendimento em re-laccedilatildeo ao caraacuteter dos 144 mil e o propoacutesito de Deus para sua Igreja

Motivos literaacuteriosO livro de apocalipse estaacute repleto de instacircncias que mostram como as

promessas da alianccedila sobre um futuro glorioso iratildeo se cumprir (SIQUEIRA 2004 p 98) O Capiacutetulo 7 desenvolve os temas do concerto introduzidos nos capiacutetulos anteriores (AUNE 2002 p 247)

Becircnccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedilaTanto no Pentateuco quanto no livro de Apocalipse o tema das

benccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedila estatildeo presentes delineando as con-sequecircncias da obediecircncia ou desobediecircncia (SHEA 1983) Como no Pentateuco o livro do Apocalipse inicia com a enunciaccedilatildeo da alian-ccedila ndash enfatizando basicamente 1) a bondade anterior do soberano e 2) estabelecendo a benevolecircncia do mesmo como parte das estipulaccedilotildees

ndash enquanto o resto do livro delineia o que acontece em consequecircncia do cumprimento ou violaccedilatildeo da alianccedila (STRAND 1983)

Na periacutecope estudada vemos os 144 mil de peacute no monte de Siatildeo en-quanto que no outro lado do quiasmo (veja a Figura 1) no capiacutetulo 19 a besta o falso profeta e os adoradores da besta satildeo lanccedilados no lago de fogo

TribulaccedilatildeoO capiacutetulo sete inicia a descriccedilatildeo de um periacuteodo na histoacuteria da terra onde

os ldquoquatro ventosrdquo estatildeo sendo seguros para que natildeo causassem nenhum mal ao soprar ldquona terra no mar ou em qualquer aacutervorerdquo (v 1-3) Na sequecircncia na segunda parte da periacutecope (v 14) encontra-se uma referecircncia agravequeles que escaparam da ldquogrande tribulaccedilatildeordquo provavelmente o mesmo evento descrito nos versos 1-3 apoacutes o acontecimento sob a perspectiva dos salvos

O vocaacutebulo grego utilizado eacute θλιψεως derivado de θλῖψις Pesqui-sando as ocorrecircncias do termo na LXX no contexto profeacutetico encontra-se a ocorrecircncia de uma construccedilatildeo muito similar em Daniel 121 que fala de um ldquotempo de anguacutestia qual nunca houve desde que houve naccedilatildeo ateacute agravequele tempordquo aparecendo no final da narrativa ldquoapocaliacutepticardquo de Daniel no con-texto do ataque final do rei do norte No sermatildeo profeacutetico conforme narrado por Mateus e Marcos Jesus faz referecircncia agrave ldquogrande tribulaccedilatildeordquo de Daniel

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aplicando-a primeiramente agrave destruiccedilatildeo do templo e a um periacuteodo posterior de perseguiccedilatildeo que se estende ateacute a sua volta (ver Mt 2415-30 Mc 1314-20)

Nestas passagens Jesus associa esta tribulaccedilatildeo com outro evento men-cionado por Daniel a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo como verte a Almeida Revista e Atualizada (ARA) ou o ldquogrande terrorrdquo como o faz a Nova Ver-satildeo Internacional (NVI) Segundo Beatrice Neal (1992 p 253 grifo nosso) Daniel identifica trecircs ocasiotildees onde a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo atingiria o templo e atacaria o povo de Deus bem como as analisa agrave luz do sermatildeo profeacutetico de Jesus

1) a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Dn 926-27) 2) a opressatildeo do povo da alianccedila quando eles seriam ldquomortos agrave espada ou no fogo ou seratildeo mandados para fora do paiacutes como prisioneiros ou perderatildeo todos os seus bensrdquo por ldquotempo dois tempos e metade de um tempordquo (1131-35 75) e 3) um ataque final no ldquotempo do fimrdquo (1140-121) Jesus parece misturar estes dois eventos claramente fazendo refe-recircncia para a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Mt 2415-20 cf Lc 2120) e para um periacuteodo posterior mais longo de perseguiccedilatildeo (Mt 2421 ver tambeacutem o ldquoapostasiardquo dos versiacuteculos 9-10 uma alusatildeo a Dn 113 b-35) Assim como a presenccedila dos romanos nas aacutereas sagradas de Jerusaleacutem marcaram o tempo do povo de Deus fugir nos tempos apostoacutelicos e o anticristo entronizando-se no temploigreja de Deus (2Te 23-4) marcou o um tempo de grande perseguiccedilatildeo na Idade Meacutedia assim do mesmo modo o ataque final de Satanaacutes contra a igreja do tempo do fim (Ap 1217 1315-17) precipitaraacute a grande tribulaccedilatildeo dos uacuteltimos dias

SelamentoAntes que esta ldquogrande tribulaccedilatildeordquo recaia sobre a Terra Joatildeo mostra ou-

tro anjo voando do oriente bradando em ldquoalta vozrdquo que nada fosse feito ateacute que o povo de Deus estivesse marcado na fronte (Ap 72-3) Nos tempos do Antigo Testamento especialmente no contexto da alianccedila selar ou marcar coisas e pessoas tinha diversos significados (ver FRIEDRICH 1976 p 939-953)

1) Propriedade a circuncisatildeo era uma marca de propriedade mostran-do que Israel pertencia ao Senhor (Gn 179-12) De modo anaacutelogo o sumo sacerdote de Israel tinha em sua mitra uma placa com a frase ldquoSantidade ao SENHORrdquo (Ecircx 2836-38) indicado sua especial consagraccedilatildeo a Deus No

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livro de Apocalipse por diversas vezes os santos satildeo chamados de ldquosacer-dotesrdquo (ver Ap 161 510 206) portanto a marca na fronte sugeriria sua dedicaccedilatildeo especial a Deus

2) Proteccedilatildeo desde os tempos antigos o objeto ou a pessoa que fosse to-mado como propriedade imediatamente ficava sob proteccedilatildeo Talvez a ocor-recircncia mais antiga de um selo com essa funccedilatildeo seja o selamento de Caim (Gn 415) Em Ecircxodo 12 haacute outro exemplo onde o sangue do cordeiro mar-cava e dava proteccedilatildeo aos primogecircnitos contra o Anjo da morte (Ecircx 1212-13) A esse respeito o livro de Ezequiel apresenta uma cena muito similar agrave de Apocalipse 71-3 tanto no aspecto temporal (ambas parecem situar-se em uma cena de juiacutezo do Dia da expiaccedilatildeo) quanto nas figuras utilizadas Em Ezequiel 9 o selamento na fronte dos fieis protege-os dos anjos executores do juiacutezo de Deus (Ez 94-6) Assim o Selo de Deus em Apocalipse natildeo os protege necessariamente dos poderes humanos mas da ira de Deus contra aqueles que violaram sua alianccedila

3) Outros aspectos relacionados ao selamento em Deuteronocircmio 68 lecirc-se ldquoTambeacutem as ataraacutes como sinal na tua matildeo e te seratildeo por frontal entre os olhosrdquo Aqui os israelitas foram ordenados a colocar os mandamentos de Deus como um sinal atado em seus braccedilos e fronte Nos versos anterio-res (Dt 65-7) haacute fortes indicaccedilotildees de que esse ato deveria simbolizar uma resposta do ser inteiro ndash no campo dos pensamentos emoccedilotildees e mesmo comportamento ndash e deveria permear todas as aacutereas da vida Portanto o sim-bolismo do selamento na fronte (Ap 73) e a marca falsificada da besta na matildeo (Ap 1317) simbolizam respectivamente uma resposta integral do ser a Deus ou conformidade agrave vontade do inimigo

Em Apocalipse 141 quando os 144 mil estatildeo no monte de Siatildeo vi-toriosos com o cordeiro eles satildeo descritos como tendo ldquoescritos na testa o nome dele [do Cordeiro] e o nome de seu Pairdquo Em Ezequiel 94 onde costumeiramente se lecirc na NVI ldquoponha um sinalrdquo ou na ARA ldquomarca com um sinalrdquo no hebraico se lecirc literalmente ldquomarca com um tavrdquo Deve-se notar que nos tempos do profeta Ezequiel o tav era grafado como uma cruz (BYRNE 2008)

Visto que na mentalidade biacuteblica o nome de um sujeito representa o caraacuteter de seu possuidor agrave luz dos textos acima Joatildeo parece sugerir que os vitoriosos da uacuteltima crise seratildeo aqueles que tecircm o caraacuteter semelhante ao de Cristo ldquoestampadordquo sobre o seu proacuteprio Na temaacutetica de Apocalipse 7 e 14 em contraste com Apocalipse 13 no conflito final todos refletiratildeo o caraacuteter de Cristo ou de Satanaacutes

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Os 144 mil e a grande multidatildeoApocalipse 7 mostra duas cenas distintas uma que introduz os 144

mil e outra que introduz a ldquoGrande Multidatildeordquo Nesta seccedilatildeo seraacute conside-rado mais diretamente o assunto sobre os 144 mil e o seu relacionamento com a grande multidatildeo para encontrar marcas identificaacuteveis dos 144 mil e tentar relacionaacute-las ao propoacutesito de Deus para a sua Igreja com base nas mesmas caracteriacutesticas

Significado do nuacutemeroOs 144 mil jaacute foram caracterizados como ldquoa ala humana do exeacutercito

coacutesmico de Deusrdquo (BLOUNT 2009 p 145) Joatildeo ouve o nuacutemero (Ap 74) e sua composiccedilatildeo (Ap 75-8) ndash 12000 de cada uma das 12 tribos de Israel

ndash sem no entanto nenhuma explicaccedilatildeo posterior fornecida A identidade desse grupo jaacute foi extensamente debatida e atualmente poucos sustentam a interpretaccedilatildeo de que o nuacutemero eacute uma referecircncia literal agrave naccedilatildeo de Israel (BLOUNT 2009 p 158)

O pesquisador e pastor britacircnico Michael Wilcock (1991 p 8) afirma

A figura eacute presumivelmente outra das figuras simboacutelicas do Apo-calipse e de fato aparenta ser muito estilizada para ser qualquer outra coisas ndash o tipo de nuacutemero suspeitosamente arrumado que eacute muito mais provaacutevel que seja um siacutembolo do que uma estatiacutestica

De fato o nuacutemero 144 mil (12 x 12 x 1000) eacute baseado no nuacutemero de tribos de Israel em nuacutemero de 12 e tambeacutem como alguns tecircm sugerido 12 apoacutestolos do cordeiro (JOHNSON 2004 p 184) Na mentalidade he-braica 12 eacute o nuacutemero da perfeiccedilatildeo de governo (BULLINGER 2006 p 253) e 1000 e o nuacutemero da plenitude divina Portanto 144 mil sugere uma simetria perfeita uma vastidatildeo dos selados e a perfeiccedilatildeo e completeza da Igreja de Deus

Relacionamento com a grande multidatildeoDepois que Joatildeo ouve o ldquocensordquo dos remidos ele os vecirc como uma grande

multidatildeo no ceacuteu Muito jaacute se discutiu e publicou sobre o assunto dando abertura a vaacuterias teorias Beatrice Neal (1992 p 267-272) agrupa as principais visotildees do relacionamento entre os 144 mil e a grande multidatildeo em 4 grupos de propostas

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1) Judeus literais contrastados com os gentios os maiores defensores desta posiccedilatildeo satildeo os dispensacionalistas identificando os 144 mil como o nuacutemeros de Judeus convertidos que seratildeo protegidos da tribulaccedilatildeo enquan-to a grande multidatildeo seraacute martirizada (PENTECOST 2010 p 214297-298300 WALVOORD 1989 p 143-146) Uma das dificuldades dessa in-terpretaccedilatildeo eacute que a distinccedilatildeo entre judeus e gentios natildeo e feita em nenhum lugar do livro de Apocalipse (NEAL 1992 p 268)

2) A uacuteltima geraccedilatildeo de santos contrastada com os redimidos de todas as eras alguns sustentam que os 144 mil satildeo os crentes selados durante a crise final uma espeacutecie de ldquoexeacutercito de Deusrdquo enquanto que a grande multidatildeo seratildeo os salvos de todas as eacutepocas (MOUNCE 1998 p 171 SMITH 2004 p 470-471) No entanto em Apocalipse 713-14 surge a pergunta ldquoEstes [hellip] quem satildeo e donde vieramrdquo e a subsequente resposta de que ldquosatildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeordquo essa questatildeo introduz um problema para esta interpretaccedilatildeo pois nas palavras do anciatildeo de Apocalipse 714 eles natildeo satildeo os remidos de todas as eras mas os que passaram pela grande tribulaccedilatildeo

3) Ambos satildeo o mesmo grupo em circunstacircncias diferentes a conclu-satildeo que ambos os grupos retratados no capiacutetulo 7 satildeo os mesmos apenas representados em momentos diferentes ndash respectivamente a Igreja militan-te e a Igreja triunfante ndash eacute partilhada por muitos estudiosos (HOEKSEMA 2000 p 265-266 NICHOL 2002 p 785) Apesar de ser uma interpretaccedilatildeo loacutegica e fiel ao texto aleacutem de resolver os problemas das interpretaccedilotildees ante-riores ela ainda apresenta um problema que natildeo eacute percebido facilmente se a segunda cena de Apocalipse sete representa a igreja no ceacuteu depois da segun-da vinda de Cristo entatildeo os santos de todas as eacutepocas devem estar presentes ao redor do trono natildeo somente a uacuteltima geraccedilatildeo

4) A igreja na tribulaccedilatildeo que estaacute espiritualmente diante do trono esta interpretaccedilatildeo foi originalmente proposta por Beatrice Neal (1992 p 270-272) durante sua participaccedilatildeo no Daniel and Revelation Committee a qual eacute adotado no restante deste artigo e complementada com elementos expostos anteriormente para se definir com base em Apocalipse 7 a Identidade e o propoacutesito da Igreja de Deus

Para comeccedilar a entender essa proposta faz-se necessaacuterio observar que em Apocalipse 714 o texto grego natildeo afirma ldquoestes que vieram da grande tri-bulaccedilatildeordquo mas ldquoestes os que estatildeo vindo [ἐρχόμενοι] da grande tribulaccedilatildeordquo4

4 O verbo ἔρχομαι estaacute no plural masculino no particiacutepio presente meacutedio ou passivo do nominativo

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Aparentemente a tribulaccedilatildeo estaacute em andamento Nesse sentido tem-se a im-pressatildeo de que algo estaacute errado com a traduccedilatildeo ateacute que seja observado um pa-dratildeo marcante dos escritos joaninos o conceito de ldquovida eterna agora ceacuteu nesta vidardquo (NEAL 1992 p 270) algo que de certo modo reflete o conceito teoloacute-gico conhecido com ldquoJaacute mas natildeo aindardquo Muitos exemplos satildeo observaacuteveis em especial no evangelho de Joatildeo5 Essa proposta sugere que o mesmo modo de pensamento ndash onde o que eacute real e literal no futuro avanccedila para o presente como uma experiecircncia espiritual ndash aparece no livro de Apocalipse

Beatrice Neal (1992 p 270) em sua proposta cita algumas evidecircncias internas destes paradoxos no livro de Apocalipse

B Os santos reinaratildeo para sempre (Ap 225) mas Joatildeo jaacute compartilha do Reino (Ap 19) mesmo no exiacutelio

B O Rio da Vida fluiacute pela Nova Jerusaleacutem (Ap 221-2) mas quem tem sede pode beber agora (Ap 717)

B Cristo viraacute em breve com a recompensa (Ap 2212) mas Ele vem jaacute para a Sua Igreja (Ap 25 16 25)

B A nova Jerusaleacutem viraacute do ceacuteu para a Nova Terra (Ap 212) mas ela desce agora mesmo para aquele que vence (Ap 312)

Em harmonia com essa visatildeo Joatildeo consistentemente se refere aos ini-migos de Deus como aqueles que ldquohabitam sobre a terrardquo (Ap 138) ao pas-so que aos santos chama de aqueles que ldquohabitam [σκηνοῦντας] no ceacuteurdquo (Ap 135) portanto viver no ceacuteu eacute uma experiecircncia presente (NEAL 1992 p 271) tendo acesso ao trono atraveacutes do cordeiro (ver Hb 1019-23)

O duplo sentido joanino eacute evidente nas palavras de Jesus em Joatildeo 525 ldquoEm verdade em verdade vos digo que vem a hora e jaacute chegou em que os mortos ouviratildeo a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viveratildeordquo Na mesma passa-gem o significado futuro eacute claro na volta de Cristo os mortos seratildeo ressuscita-dos Mas o significado presente estaacute tambeacutem evidente aqueles que estatildeo espiri-tualmente mortos satildeo trazidos de volta agrave vida ao ouvirem Jesus chamar Com o

5 Veja alguns exemplos no quarto evangelho 1) absolviccedilatildeo do julgamento (524) 2) ressurreiccedilatildeo da morte (525) 3) vida eterna (647) e 4) volta de Jesus (no futuro 141-3 e no presente em 141823)

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duplo sentido em mente Apocalipse 7 se enche de significados e os problemas expostos satildeo resolvidos respeitando-se a fidelidade ao texto No caso do texto em estudo visto que a grande multidatildeo ainda estaacute emergindo da grande tribula-ccedilatildeo (v 14) mesmo na terra os crentes podem estar no ceacuteu em sentido espiritual pelos meacuteritos do cordeiro e a obra do Espiacuterito Santo Quando eles cantam ldquoA salvaccedilatildeo pertence ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeirordquo (Ap 710) este cacircntico como os salmos imprecatoacuterios se torna um pedido de ajuda que acende aos ceacuteus sendo respondido por Deus que os protege dos ventos de destruiccedilatildeo (Ap 71) e das pragas vindouras (Ap 716 cf 168)

Dra Neal (1992 p 272) sumariza

Como eacute comumente entendido a primeira cena de Apocalipse 7 descreve a preparaccedilatildeo para a tribulaccedilatildeo e na segunda cena liber-taccedilatildeo da tribulaccedilatildeo sem menccedilatildeo da tribulaccedilatildeo em si Mas se o duplo sentido eacute intencional o capiacutetulo mostra como cristatildeos li-dam coma tribulaccedilatildeo quando no calor da mesma ndash como eles satildeo protegidos no tempo de prova que viraacute sobre o mundo todo (310)

Consideraccedilotildees finaisNo comeccedilo deste artigo duas questotildees foram levantadas A primeira

delas eacute quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que nos permitem traccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil

Para que a questatildeo seja respondida deve-se lembrar que Apocalipse 7 pa-rece responder a pergunta ldquoquem eacute que pode suster-serdquo (Ap 617) com os 144 mil sendo preparados para a tribulaccedilatildeo Mais adiante (v 10) eacute demonstrado que uma das caracteriacutesticas marcantes dos 144 mil eacute que eles proclamam com grande voz a mensagem de justificaccedilatildeo pela feacute que eacute a obra do Terceiro Anjo6

Quando considerado o duplo sentido joanino e se observa Apocalipse 7 agrave luz do que foi analisado ateacute aqui pode-se perceber que ao passo que as maldiccedilotildees se abateratildeo sobre a terra aqueles que forem fieis a Deus perma-neceratildeo inabalados perante o seu juiacutezo

6 A mensagem do Terceiro Anjo eacute juntamente com a restauraccedilatildeo de outras verdades a exaltaccedilatildeo de Jesus e a inteireza de seu ministeacuterio por noacutes (WHITE 2006 p 3624 2010 p 19-20)

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Agrave luz da evidencia biacuteblica recapitulada neste artigo os 144 mil satildeo uma figura da Igreja Militante que permaneceraacute fiel ateacute a volta de Cristo Sob esse prisma o motivo do selamento eacute crucial para identificar o propoacutesito da Igreja de Deus na atualidade O selamento agrave luz do contexto de Apocalipse 71-3 e Ezequiel 9 ocorre imediatamente antes do encerramento do dia da expiaccedilatildeo antitiacutepico

Ao selar Seu povo Deus se coloca como seu proprietaacuterio e portan-to a diretiva biacuteblica ldquoSejam santos porque eu sou santordquo (1Pe 11 cf Lv 114445 192 207) nunca foi tatildeo atual O mesmo selo que define o povo de Deus tambeacutem protege da ira divina contra aqueles que violaram sua alianccedila Ao passo que o selo de Deus dentro do contexto do adventismo do seacutetimo dia tem sido relacionado com os 10 mandamentos e com o quarto manda-mento em especial existe uma segunda dimensatildeo para o significado deste selo que transcende e abarca o primeiro Antes mesmo de accedilotildees (o selo de Deus agrave luz da evidecircncia biacuteblica exposta [Dt 65-8 Ap 73 Ez 94]) o sela-mento eacute um simbolo da resposta do ser inteiro abarcando todas as aacutereas da vida ao chamado divino agrave santidade

Se agrave luz de Deuteronocircmio 65-8 e outros inuacutemeros textos natildeo citados neste artigo percebe-se que a segunda dimensatildeo do selo eacute mais inclusiva ao se refletir acerca do selo escatoloacutegico de Apocalipse 73 e 141 sob o pano de fundo de Ezequiel 9 (especialmente o v 4) percebe-se que o selamento eacute a obra de Cristo nos crentes atraveacutes de Seu Espiacuterito (ver Ef 113-14) que os faz natildeo somente pertencer a Ele mas possuir o seu caraacuteter estampado sobre o deles mesmos Mesmo natildeo refletindo a sua inteireza de santidade o caraacuteter de Cristo nos crentes jaacute pode apresentar parte do aspecto ldquosem maacute-culardquo (Ap 145b) diante do Pai No contexto da alianccedila ldquosem maacuteculardquo natildeo significa ldquonatildeo pecarrdquo mas andar com Deus como Abraatildeo Noeacute e outros o fizeram (ver Gn 69 171 cf Hb 11) Deus intenciona que sua igreja cada membro individualmente e diariamente receba o selo divino em suas vidas e demonstre ao mundo que estaacute em harmonia com Deus e Seus imperati-vos ndash natildeo soacute o saacutebado e os outros mandamentos mas todo o ser deve ser consagrado ao Criador

Uma das caracteriacutesticas dos 144 mil em Apocalipse 145 eacute que ldquonatildeo se achou mentira em sua bocardquo Deus espera por uma Igreja e seus mem-bros individuais apenas a verdade No verso 4 eles satildeo caracterizados como

ldquoseguidores do Cordeirordquo Antes de ser sua tarefa futura no ceacuteu eacute dever da Igreja e de cada indiviacuteduo nos dias atuais seguir os passos de Cristo co-nhecer sua voz (ver Jo 102-5) e apegar-se ao ldquoassim diz o Senhorrdquo natildeo ao

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assim diz a sociedade agraves financcedilas ou qualquer outra desculpa para a natildeo conformidade com o evangelho de Cristo Eacute por isso que em Apocalipse 144 eles satildeo declarados ldquocastosrdquo e incontaminados com mulheres preservando-

-se uma em vida de fidelidade ao SalvadorA segunda pergunta a ser respondida por este artigo eacute qual eacute a relaccedilatildeo

das caracteriacutesticas dos 144 mil com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje Agrave luz do que foi recapitulado neste artigo parece clara a funccedilatildeo de Apocalipse 7 alertar a Igreja de Deus agrave necessidade de uma reforma e rea-vivamento diaacuterio e constante na vida do indiviacuteduo e da comunidade

Por fim a perfeiccedilatildeo numeacuterica do nuacutemero 144 mil eacute uma forte indica-ccedilatildeo daquilo que jaacute eacute evidente na Biacuteblia Deus cumpriraacute a risca seus planos e promessas para o seu Israel a despeito dos eventos que acontecem no mun-do ou na igreja ou a despeito da preparaccedilatildeo dos crentes

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Enviado dia 14112012Aceito dia 04012013

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual

de Lucas 2243-44Agony at Gethsemane a critical-textual study

of Luke 2243-44

Luan Henrique Gomes Ribeiro1 Wilson Paroschi2

Resumo Abstract

O texto de Lucas 2243-44 representa grande dificuldade textual agraves consi-deraccedilotildees a respeito da Paixatildeo de Cristo Isso ocorre porque o texto suge-rido natildeo pode ser encontrado nos melhores manuscritos que evidenciam

os relatos no Getsecircmani como consta no evangelho de Lucas Assim a fim de considerar tal problemaacutetica este artigo procura analisar alguns comentaacuterios dos Pais da Igreja do segundo seacuteculo e sugestotildees de alteraccedilatildeo escribal a fim de constatar a histoacuteria do texto problemaacutetico Por fim entende-se que o texto de Lucas foi uma legiacutetima interpolaccedilatildeo ocasionada por questotildees teoloacutegicas Contu-do em vista da importacircncia da tradiccedilatildeo fundamentada sobre a ocasiatildeo descrita no texto e antiguidade do mesmo o relato deve ser considerado verdadeiro Palavras-chave Lucas 2243-44 Criacutetica textual Getsecircmani Agonia

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) e poacutes-gra-duando lato senso em teologia biacuteblica pela mesma universidade E-mail lhgr21gmailcom2 PhD em Teologia do Novo Testamento pela Andrews University (2003) e poacutes-doutorado em Novo Testamento pela Ruprecht-Karls-Universitaumlt Heidelberg (2011) Atua como professor na Faculdade Adventista de Teologia no Unasp E-mail wilsonparoschiunaspedubr

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Luke 22 43-44 brings great textual difficulties to the considerations about The Passion of Christ This happens because this text cannot be found in the best manuscripts containing the story of Gethsemane as

it is told in the book of Luke Thus to consider this issue this article objectifies to analyze some comments of the Fathers of Church from the second century and some suggestions of scribes about changes on the writing so that the history of the text can be understood At last we conclude that this text was a lawful interpolation occasioned by theological needs However due to the important tradition based on the event described in the text and how old it is the story should be taken as real Keywords Luke 2243-44 Keywords extual criticism Gethsemane Agony

Ao longo da histoacuteria cristatilde o relato da Paixatildeo de Cristo tem sido o cen-tro natildeo somente da teologia mas tambeacutem da liturgia da igreja (BARBOUR 1969-70 p 231-251) Isso tambeacutem eacute verdade em relaccedilatildeo aos escritos dos proacuteprios evangelistas que dedicam uma consideraacutevel porccedilatildeo de seus relatos agrave prisatildeo e morte de Jesus

Como parte da narrativa existe um episoacutedio que eacute considerado o cen-tro de toda a Paixatildeo de Cristo a oraccedilatildeo de Jesus no jardim do Getsecircmani Todos os quatro evangelhos trazem esse relato (ver Mt 2647-56 Mc 1443-50 Lc 2247-53 Jo 181-11) poreacutem apenas os sinoacuteticos descrevem a difiacutecil oraccedilatildeo feita por Cristo aleacutem do fracasso dos disciacutepulos (ver Mt 2636-46 Mc 1432-42 Lc 2239-46)

Entre as poucas diferenccedilas e as muitas semelhanccedilas entre os trecircs evan-gelistas um relato aparece como uacutenico o suor de sangue produzido por Cristo e o anjo vindo do Ceacuteu para fortalececirc-lo (Lc 2243-44) A passagem de Lucas 2243-44 pode ser considerada um ldquoclaacutessicordquo quando se fala em criacute-tica textual e tradiccedilatildeo da igreja A passagem se demonstra problemaacutetica no aspecto textual pois natildeo aparece em boa parte dos melhores e mais antigos manuscritos disponiacuteveis (P69 75 01C1 A B N R T W 0211 13 579 1071 pc4 f SyrS sa bo Hiermss arm geo) assim como no aspecto teoloacutegico pois tanto a presenccedila como a ausecircncia do texto altera de maneira draacutestica a visatildeo

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que Lucas tem de Jesus De forma semelhante haacute implicaccedilotildees no conheci-mento cristoloacutegico que pode ser extraiacutedo do relato

Em vista das divergecircncias trazidas pelos manuscritos e pelos comentaacute-rios dos Pais da Igreja pode-se formular duas hipoacuteteses experimentais ou 1) o texto de 2243-44 foi omitido do texto original de Lucas ou 2) este foi ateacute aqui transmitido atraveacutes de uma interpolaccedilatildeo A partir destas hipoacuteteses duas perguntas surgem de maneira inevitaacutevel Lucas foi o autor do texto Qual o motivo da omissatildeointerpolaccedilatildeo do mesmo O presente trabalho tem como objetivo tentar encontrar respostas para as duas questotildees assim como fazer uma anaacutelise teoloacutegica sobre a relaccedilatildeo da igreja contemporacircnea com a do passado Atraveacutes da anaacutelise das diferentes ideias e comentaacuterios relacionados ao texto e sua transcriccedilatildeo assim como comparaccedilotildees gramaacuteticas e teoloacutegicas seratildeo apresentadas algumas consideraccedilotildees sobre o problema proposto

Histoacuteria do textoA lista de testemunhas do referido texto podem ser organizadas da se-

guinte forma 1) incluem os versos 43-44 א b D Κ L Χ Θ Δ Π Ψ 0171 f1 565 700 892 1009 1010 1071mg 1230 1241 1242 1253 1344 1365 1546 1646 2148 2174 Byz vg syrc p h pal arm eth Diatessarone

e arm i n Justino Irineu Hipolito Dionisio Eusebio Didimo Jeronimo e muitos outros pais da igreja 2) incluem os versos 43-44 com asteriscos Dc Pc 892mg 1079 1195 1216 bopt 3) transpotildeem os versos 43-44 logo apoacutes Mt 2639 f13 4) omitem os versos 43-44 P69vid 75 Ka Α Β Ν R Τ W 579 1071 pc Lectpt itf syrs sa bopt armmss geo Marcion Clement Origen MSSacc para Hilary Athanasius Ambrose Cyril John-Damascus

De maneira geral eacute possiacutevel alegar que os manuscritos ocidentais tra-zem os versiacuteculos ao passo que os de Alexandria o omitem3 Mesmo que os manuscritos alexandrinos sejam considerados dignos de confianccedila espe-cialmente quando colocados em comparaccedilatildeo com documentos ocidentais (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 66) natildeo haacute necessidade de ser categoacuteri-co ou precipitado ao afirmar que no caso em questatildeo a discussatildeo pode ser estabelecida com tais bases

Guumlnther Zuntz (1953 p 55-56 213-215) por exemplo argumenta que documentos natildeo alexandrinos lidos na tradiccedilatildeo ocidental e bizantina

3 Para uma descriccedilatildeo mais detalhada dos manuscristos ver BD Ehrman e APlunkett (1983 p 402 403)

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possuem grande chance de ser genuiacutenos (ver METZGER 1968 p 214) Por outro lado eacute legiacutetima a ideia de que muitos eruditos consideram Lucas 2243-44 uma distorccedilatildeo textual vinda do Egito4 Independentemente da preferecircncia textual a discussatildeo acaba sendo conduzida em direccedilatildeo agrave esco-lha de uma ou outra escola

A partir da anaacutelise das testemunhas tambeacutem eacute possiacutevel identificar uma data para a mudanccedila do texto Visto que a referecircncia mais antiga para o texto vem antes do ano 160 dC com Justino Martir (DONALDSON COXE 1997 p 251) e uma omissatildeo posterior a 200-230 dC (p69 p75) eacute possiacutevel afirmar que se o texto foi omitido isso ocorreu antes de 230 dC e se inse-rido antes de 160 aC

Probabilidades de transcriccedilatildeoQuando se trata de um problema textual a possibilidade de uma omis-

satildeo acidental deve sempre ser levada em consideraccedilatildeo Neste caso poreacutem a ocorrecircncia de tal possibilidade de erro escribal eacute dificultada por vaacuterias razotildees

Primeiramente o tamanho do texto em questatildeo (26 palavras) torna a possibilidade de que o escriba tenha intencionalmente alterado o texto im-provaacutevel Turner (1957 p 1-4) argumenta que erros dessa natureza devem ser considerados plausiacuteveis apenas quando o intervalo natildeo eacute longo Aleacutem disso natildeo eacute possiacutevel encontrar nenhum tipo de homoioteleuton (frases com finais semelhantes) no texto para que algueacutem tenha simplesmente confundido o texto com outro descrito algumas linhas abaixo Igualmente eacute difiacutecil ima-ginar que uma passagem dessa importacircncia fosse retirada do texto mesmo que involuntariamente sem correccedilatildeo Diante disso a transcriccedilatildeo do texto eacute melhor compreendida como alterada de maneira consciente e deliberada

Alguns autores tecircm sugerido que o texto teria sido omitido com o intui-to de harmonizar os evangelhos (LAGRANGE 1921 p 563 DUPLACY 1981 p 79 BRUN 1933 p 276) Apesar da aparente soluccedilatildeo do problema natildeo se encontra razatildeo para acreditar em tal teoria por representar um exem-plo sem precedentes aleacutem de que muitas outras diferenccedilas foram deixadas no texto como por exemplo a tripla oraccedilatildeo de Jesus ou a menccedilatildeo de Pedro Tiago e Joatildeo estando com Ele Se de fato uma tentativa de harmonizaccedilatildeo tivesse sido feita muitas outras alteraccedilotildees no texto seriam encontradas

4 Uma lista dos eruditos que incluem e excluem os versos pode ser encontrada em Marshall (1978)

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Como muitos autores tecircm sugerido o problema textual de Lucas 2243-44 deve ser entendido agrave luz das discussotildees teoloacutegicas dos primeiros seacuteculos De fato essa ideia natildeo eacute nova e pode ser remetida ao seacuteculo 4 dC com Epi-facircnio (Ancoratus 31 4-5)

[Essa passagem] eacute encontrada nas coacutepias natildeo revistas do Evange-lho de Lucas e Santo Irineu usou seu testemunho em seu trabalho Adversus Haereses contra aqueles que dizem que Cristo [apenas] parecia se manifestar [na carne] Mas aqueles que eram ortodoxos omitiram a passagem por medo natildeo compreendendo o seu propoacute-sito e grande forccedila Assim ldquoquando ele estava em agonia Ele suou e o seu suor tornou-se como grandes gotas de sangue E um anjo apareceu fortalecendo-Ordquo

Da mesma maneira Hilaacuterio (350 dC) recorda em De Trinitate (1041)

Certamente natildeo podemos nos esquecer de que em muitos manus-critos em grego e em latim nada eacute registrado da vinda do anjo e o suor como sangue Entatildeo algueacutem pode ter duacutevida se este em di-ferentes livros estaacute ausente ou eacute considerado redundante ndash este eacute deixado indeterminado por causa das diferenccedilas nos livros Algumas heresias utilizam as palavras para afirmar a fraqueza de Jesus que precisava da ajuda de um anjo mas por favor considere que o criador dos anjos natildeo precisa desta proteccedilatildeo [hellip] O suor de sangue eacute um testemunho contra a heresia que fala falsamente de uma ilusatildeo [do corpo de Jesus docetismo] o suor manifesta a verdade do corpo

Severo de Antioquia preserva uma declaraccedilatildeo de Cirilo de Alexandria (375-444 dC) a partir de um trabalho perdido de outra forma Severo es-creve na ldquo3ordf carta do sexto livro das pessoas depois do exiacuteliordquo para a ldquoglo-riosa Cesareiardquo

Mas a respeito da passagem sobre o suor e as gotas de sangue saiba que nas divinas Escrituras e Evangelhos que estatildeo em Alexandria esta natildeo estaacute escrita Por isso tambeacutem o Santo Cirilo no 12ordm dos livros escritos por ele em nome da religiatildeo de todos os cristatildeos contra o iacutem-pio adorador de democircnios Julio claramente declarou como segue

ldquoMas desde que ele disse que o divino Lucas inseriu entre suas

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proacuteprias palavras a afirmaccedilatildeo de que um anjo apareceu e for-taleceu Jesus e seu suor escorria como gotas de sangue ou san-gue deixe-o saber de noacutes que natildeo encontramos nada deste tipo inserido na obra de Lucas a natildeo ser talvez que uma interpola-ccedilatildeo foi feita de fora e que natildeo eacute genuiacutena Os livros portanto que estatildeo entre noacutes natildeo contecircm absolutamente nada desse tipo e eu portanto acho que eacute uma loucura para noacutes dizer qualquer coi-sa a ele sobre essas coisas e eacute supeacuterfluo se opor a ele com base em textos que de maneira nenhuma foram escritos e se o fizer-mos seremos condenados a ser ridicularizados e isto seraacute justordquo Nos livros portanto que estatildeo em Antioquia e em outros paiacuteses a passagem estaacute escrita e alguns dos pais a mencionam entre os quais Gregoacuterio o Teoacutelogo fez menccedilatildeo desta mesma passagem na segunda homilia sobre o Filho e Joatildeo bispo de Constantinopla na exposiccedilatildeo composta por ele sobre a passagem lsquoMeu Pai se possiacutevel passa de mim este caacutelicersquo

A partir do quinto seacuteculo os dois textos jaacute haviam sido amplamente di-vulgados e as escolas optavam pelo texto mais curto ou mais longo de acordo com suas preferecircncias e tradiccedilotildees textuais motivo pelo qual natildeo podem ser utilizados textos posteriores para comprovar a autenticidade dos versiacuteculos em questatildeo ao menos natildeo sem incorrer em anacronismo Eacute interessante poreacutem o fato de que ao longo dos seguintes seacuteculos a versatildeo mais longa de Lucas foi aceita Anastaacutecio Sinaiacuteta (ou do Sinai) proliacutefico escritor eclesiaacutes-tico padre monge e abade do Mosteiro de Santa Catarina (do Sinai) no seacuteculo 7 dC escreve (Viae Dux 223)

Pois mesmo se algueacutem tentar adulterar os livros de uma ou ateacute mesmo duas liacutenguas imediatamente sua fraude eacute refutada pelas outras setenta liacutenguas De qualquer forma esteja ciente de que alguns tentaram apagar as gotas de sangue o suor de Cristo do Evangelho de Lucas e natildeo foram capazes Porque aqueles que natildeo possuem a seccedilatildeo satildeo refutados por muitos e vaacuterios evangelhos que a possuem pois em todos os evangelhos das naccedilotildees o relato conti-nua a existir e na maioria daqueles [manuscritos] em grego

Jaacute na eacutepoca da Reforma vemos que Lutero natildeo apenas incluiu a passa-gem em sua traduccedilatildeo mas tambeacutem comentava os versiacuteculos de maneira livre

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Como eacute grande o sabor da dor da morte que podemos discernir em Cristo quando disse ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute agrave morterdquo [Mt 2638] Considero estas como as maiores palavras em todas as Escrituras embora tambeacutem seja uma grande e inexpli-caacutevel coisa que Cristo clamou na cruz ldquoEli Elirdquo [Mt 2746] Ne-nhum anjo compreende quatildeo grande coisa eacute que Ele tenha suado sangue [Lucas 2244] Isto ocorreu com o sabor e temor da morte (HARITAGE 1997 c1996)

Tambeacutem Calvino em seu comentaacuterio cita livremente os versos contudo mais do que isso ele introduz um argumento que quase 1400 anos depois da primeira referecircncia que temos do texto via o sofrimento de Cristo como algo repulsivo Ele diz ldquoAqui pessoas ignorantes se levantam e exclamam que teria sido indigno Cristo ter medo de ser engolido pela morte Mas eu desejo que eles respondam a esta pergunta que espeacutecie de surdo eles supotildeem que tenha sido aquele [Deus] que extraiu de Cristo gotas de sanguerdquo(CALVIN 2002)

De fato assim como nos dias de Calvino algumas caracteriacutesticas do texto poderiam ofender os cristatildeos dos primeiros seacuteculos Primeiramente um anjo fortalecendo a Jesus poderia gerar problemas quanto a sua divin-dade O fato de estar em profunda agonia e suar sangue poderiam fortalecer a ideia ariana a respeito da natureza de Cristo por fim a intensa oraccedilatildeo de Jesus para que o ldquocaacutelicerdquo fosse passado adiante poderia facilmente colocar a voluntariedade de Jesus ao ir para a cruz em descreacutedito

Da mesma maneira a interpolaccedilatildeo do texto seria nas palavras de Wes-tcott e Hort ldquoadequado para citaccedilotildees em controveacutersias contra doutrinas do-ceacuteticas e apoliniarianistasrdquo (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 64) De fato deve-se considerar o fato de que as trecircs mais antigas citaccedilotildees preservadas de Lucas 2243-44 satildeo colocadas diretamente contra fortes heresias cristo-loacutegicas Justino Maacutertir (Dia 1038) e Irineu contra docetistas (Adv Haer 3222) e Hipolito contra um patripassionista (Contra Noetum 182)

Em vista das evidecircncias apresentadas acima haacute de se considerar mais uma questatildeo qual leitura eacute melhor entendida como sido originada em meio agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo Como observado por Ehrman e Plunkett ldquoa preocupaccedilatildeo teoloacutegica do Cristianismo ortodoxo do segundo seacuteculo era a afirmaccedilatildeo da verdadeira humanidade de Jesus em face de diver-sas vertentes da heresia doceacuteticardquo (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 407)

Outro fator decisivo eacute que os Pais que citam os versiacuteculos satildeo auto-res ortodoxos tentando de maneira incisiva combater heresias Eacute pouco

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provaacutevel que o trabalho de exclusatildeo do texto por autores natildeo ortodoxos defendendo ideias contraacuterias teria ganhado vasta aceitaccedilatildeo em escolas que natildeo sofreram influecircncias doceacuteticas como por exemplo Alexandria Caso o texto seja considerado como uma omissatildeo haveria ainda outra dificuldade se o texto foi realmente omitido por motivos teoloacutegicos por que outros textos que tratam da natureza humana de Jesus continuaram inalterados E tambeacutem como grupos considerados hereges vieram a ter tanta influecircncia na tradiccedilatildeo textual

Em vista da presenccedila e ausecircncia do texto de Lucas 2243-44 nos vaacuterios manuscritos preservados torna-se impossiacutevel determinar qual leitura deve-ria ser considerada autecircntica Quando recorremos aos pais da igreja vemos os que citam o texto o fazem no combate a conhecidas heresias da eacutepoca e que sua utilizaccedilatildeo como referecircncia era temida por alguns e defendida por outros com base em sua relevacircncia

Quando a discussatildeo eacute analisada agrave luz das tensotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo vemos que o texto eacute melhor compreendido como uma interpolaccedilatildeo quase tatildeo antiga quanto o proacuteprio evangelista

Anaacutelise do textoDados os devidos comentaacuterios a respeito dos manuscritos relaciona-

dos ao texto de Lucas 2243-44 o trabalho avanccedila em direccedilatildeo agraves evidencias internas natildeo apenas dos versiacuteculos em questatildeo mas tambeacutem do Evangelho de Lucas como um todo Assim seraacute feita uma anaacutelise leacutexica dos versos e entatildeo uma anaacutelise teoloacutegica dos mesmos

Vocabulaacuterio e estiloA primeira referecircncia do versiacuteculo 43 eacute feita em relaccedilatildeo a um anjo que

desce do Ceacuteu para confortar a Jesus A referecircncia a anjos dentro da litera-tura lucana pode ser vista em vaacuterias passagens (ver Lc 1 e 2 128 9 1510 2423 At 519 826 103 7 22 1113 127 23 239 2723) demonstrando certa preferecircncia pelo tema Eacute notoacuterio poreacutem o fato de que estes satildeo des-critos como ldquode Deusrdquo (ver 128 9 1510 At 103 2723) ou ldquodo Senhorrdquo (ver 29 At 519 826 12723) e nunca ldquodo Ceacuteurdquo Aleacutem disso em outras partes do Evangelho os anjos soacute aparecem nas histoacuterias de nascimento e ressurreiccedilatildeo ademais em nenhuma outra apariccedilatildeo em Lucas ou Atos um anjo permanece em silecircncio (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 409) Tais

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fatores conduzem o pesquisador a um uacutenico paralelo que pode ser visto nas primeiras palavras do versiacuteculo 43 em comparaccedilatildeo com Lucas 111 ldquoE eis que lhe apareceu um anjo [ὤφθη δὲ αὐτῷ ἄγγελος]rdquo

Existem trecircs hapax legomena no texto (ἀγωνίᾳ ἱδρὼς e θρόμβοι) ou seja 115 do total do texto comparados a um total de 11 em Lucas Tal concen-traccedilatildeo de hapax legomena pode comprometer qualquer reivindicaccedilatildeo de uma linguagem tiacutepica de Lucas o que tambeacutem eacute argumento a favor de uma interpo-laccedilatildeo pois Lucas eacute amplamente conhecido por seu vocabulaacuterio singular (ver Lc 48 638 1034) O que pode ser dito eacute que nesse caso reivindicaccedilotildees de uma

ldquolinguagem caracteriacutesticardquo satildeo ineficazes para ambos os lados da discussatildeoO aspeto mais evidente na anaacutelise do texto eacute que este se torna mais

claro quando entendido sem os versiacuteculos 43 e 44 Natildeo eacute necessaacuteria neste caso uma leitura no texto grego para que se evidencie a interrupccedilatildeo que os versiacuteculos trazem Na ordem do relato de Lucas Jesus chega ao Getsecircmani ordena que os disciacutepulos orem afasta-se deles ajoelha-se e entatildeo ora a Deus Dessa forma encontramos um parecircntese uma interrupccedilatildeo na narra-tiva que do contraacuterio descreve Jesus se levantando e voltando aos disciacutepulos (v 45) aquilo que era esperado dele

Aspectos teoloacutegicosComo dito anteriormente somente o Evangelho de Lucas nos traz o

relato do auxiacutelio angelical e de Jesus suando sangue Sem duacutevida o episoacute-dio retrata Jesus sofrendo de uma maneira inimaginaacutevel tanto mentalmente devido a sua ἀγωνία quanto fisicamente podendo ser facilmente identifica-do em seu suor tornando-se sangue

Em vista de tanto sofrimento devemos nos perguntar se era do interes-se de Lucas apresentar Jesus sofrendo Deve-se levar em consideraccedilatildeo que a pergunta natildeo eacute se Jesus sofreu o que eacute um fato bem estabelecido e vastamen-te trabalhado nos Evangelhos mas se Lucas tinha o interesse de apresentar esse aspecto da vida de Cristo Na tentativa de identificar tal relaccedilatildeo (Evan-gelho de Lucas e o tema do sofrimento) seraacute feita uma anaacutelise comparativa do texto de Lucas com os demais sinoacuteticos

Na cena do Monte das Oliveiras Lucas omite as palavras de Jesus ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute a morterdquo (Mc 1434 ver Mt 2638) assim como natildeo diz que Cristo estava ldquotomado de pavor e de anguacutestiardquo (Mc 1433) No Getsemani Jesus se ajoelha para orar (Lc 2242) ao contraacuterio dos demais evangelistas que descrevem Jesus ldquocaindo com o rosto em terrardquo (Mc 1435 cf Mt 2639) Em Lucas Jesus ora ao Pai apenas uma vez mas

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nos demais evangelhos trecircs ldquoAo reduzir agrave uma a tripla oraccedilatildeo de Marcos Lucas daacute a impressatildeo de que Jesus sabia imediatamente o que estava por vir e que era a vontade de Deus Ele natildeo estava atordoado como em Marcos Lucas reformulou a histoacuteria de Marcos de tal modo que Jesus tivesse uma maior capacidade de resistecircncia e obediecircnciardquo (NEYREY 1980 p 158) Em Lucas Jesus natildeo ora para que a ldquohorardquo lhe fosse poupada (Mc 1435) assim como adiciona ldquose queresrdquo no lugar de ldquose possiacutevelrdquo (Mc 1436)

No momento de sua prisatildeo Jesus natildeo permite que Judas o beije (Lc 2247-48) diferentemente dos outros Evangelhos (ver Mc 1445 cf Mt 2649) Jesus conversa com mulheres durante a via dolorosa e as aconselha que natildeo chorem por Ele (Lc 2328-31) Lucas eacute o uacutenico que descreve Jesus perdoando seus executores (Lc 2334) e conversando com os dois demais crucificados (Lc 2339-43)

Por fim em vez do alto clamor ldquomeu Deus meu Deus por que me desamparasterdquo (Mc 1534) Jesus clama ldquoPai nas tuas matildeos entrego o meu espiacuteritordquo (Lc 2346) e com total controle de si mesmo da hora de sua morte Cristo sem nenhum grito adicional (Mc 1537 Mt 2750) morre

Em vista do fato de que Jesus se demonstra calmo e com o domiacutenio da situaccedilatildeo Lucas 2243-44 aparenta ser um intruso teologicamente falando no Evangelho de Lucas Se os versiacuteculos satildeo originais somente nessa oca-siatildeo Cristo seria descrito com tanta dor somente nesse momento Ele perde o controle e se aproxima de sua morte com medo

A partir do estudo da linguagem do texto vemos que natildeo encontramos paralelos estiliacutesticos perfeitos em relaccedilatildeo ao restante da literatura lucana e que devido ao seu peculiar estilo literaacuterio natildeo haacute como manter um posi-cionamento na discussatildeo Aliaacutes deve-se considerar tambeacutem que o texto eacute claramente mais coerente quando o verso 45 eacute lido na sequecircncia do verso 43

Lucas natildeo possui a preocupaccedilatildeo de apresentar a Cristo sofrendo pelo contraacuterio Jesus eacute amiuacutede descrito como possuidor de total controle das situaccedilotildees fazendo com que os versiacuteculos em discussatildeo aparentem ser intrusos ao texto

AvaliaccedilatildeoApoacutes reconhecer que as evidecircncias apontam na direccedilatildeo que compreen-

de o texto como uma interpolaccedilatildeo resta analisar as implicaccedilotildees teoloacutegicas de tal leitura A primeira e mais importante questatildeo que surge eacute se o texto natildeo foi escrito por Lucas o relato pode ser considerado como verdadeiro A

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resposta para essa pergunta pode variar de maneira draacutestica de acordo com a forma que o inteacuterprete se aproxima do texto

Como analisado anteriormente a referecircncia mais antiga que temos eacute proveniente pelo menos do ano 165 dC ano da morte de Justino Martir Contudo isso natildeo significa necessariamente que outros jaacute natildeo houvessem citado a passagem e principalmente que esta natildeo fosse conhecida Implica-

-se apenas que natildeo pode ser comprovada atraveacutes dos manuscritos e que o texto jaacute era usado anteriormente

A falta dos manuscritos poreacutem natildeo impede a afirmar de que o texto necessariamente deveria ser conhecido de maneira preacutevia Seria impossiacutevel considerar estes versiacuteculos como um mero produto da criatividade dos escri-bas (PLUMMER 1896 p 509) Tamanha mudanccedila seria facilmente perce-bida e rejeitada pela comunidade da eacutepoca

Mesmo quando os textos alexandrinos satildeo tratados deve-se ter em mente que possivelmente eles tenham rejeitado o texto natildeo pela falta de ve-racidade no relato mas pelo simples fato de que o texto primeiramente natildeo se encontrava em meio as palavras de Lucas e que pelo bem da originalidade do texto este devesse sobreviver de outra maneira

Natildeo seria correto desvalorizar de maneira apressada as tradiccedilotildees mais antigas agrave disposiccedilatildeo Estas nos trazem natildeo somente o modo como os cristatildeos dos primeiros seacuteculos enxergavam a Biacuteblia (o que eacute por si soacute uma grande fonte de conhecimento) mas tambeacutem eventos sobre a vida da comunidade dos apoacutestolos e ateacute do proacuteprio Cristo Seria insensato desconsiderar o aviso deixado ao final do Evangelho ldquoHaacute poreacutem ainda muitas outras coisas que Jesus fez e se cada uma das quais fosse escrita cuido que nem ainda o mun-do todo poderia conter os livros que se escrevessemrdquo (Jo 2125)

Natildeo somente nesse caso mas em vaacuterios outros podemos identificar a influecircncia da tradiccedilatildeo apostoacutelica dentro do texto biacuteblico Em Atos 2035 Paulo fala aos presbiacuteteros da igreja de Eacutefeso advertindo-os a ldquorecordar as palavras do proacuteprio Senhor Jesus melhor eacute dar do que receberrdquo Mas onde pode ser encontrado dentro dos Evangelhos canocircnicos Jesus dizendo tal coi-sa Da mesma forma existem as referecircncias de 1 Coriacutentios 710 e 914 onde palavras que natildeo encontram nenhuma correspondecircncia exata com os textos evangeacutelicos satildeo atribuiacutedas a Jesus ldquoConquanto Paulo afirme que a essecircncia do evangelho ele natildeo a havia recebido lsquode homem algum mas mediante revelaccedilatildeo de Jesus Cristorsquo (Gl 112) as referencias que faz agraves declaraccedilotildees de Jesus certamente foram obtidas junto agraves tradiccedilotildees orais ou fragmentaacuterias que circulavam na igreja apostoacutelicardquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

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Natildeo somente Paulo mas tambeacutem Lucas declara que ldquomuitos houve que empreenderam uma narraccedilatildeo coordenadardquo e que esta foi transmitida a ele desde o principio atraveacutes de ldquotestemunhas ocularesrdquo (Lc 11-2) Mui-to daquilo que Jesus fez e falou foi preservado e transmitido de forma oral e escrita mesmo que fora dos Evangelhos Isso se comprova nas palavras de Euseacutebio falando a respeito de Papias que este ldquojulgava que natildeo poderia obter tanto proveito da leitura dos livros quanto da viva voz dos homens que ainda viviamrdquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

Da mesma maneira os versiacuteculos em questatildeo possivelmente tenham sido um fragmento de alguma tradiccedilatildeo seja esta escrita ou oral que foi por algum tempo em algum lugar anotada agrave margem de algum Evangelho ca-nocircnico e que sem duacutevida incluiacuteam em sua narrativa um alto grau de auten-ticidade e valor intriacutenseco (PLUMMER 1896 p 509) Por fim devemos entender que nas palavras de Plummer (PLUMMER 1896 p 544)

pouco importa se Lucas incluiu os textos em sua narrativa con-tanto que a autenticidade destes seja reconhecida como tradiccedilatildeo evangeacutelica Neste contexto a passagem eacute como aquela que diz respeito agrave mulher apanhada em adulteacuterio [hellip] Noacutes natildeo preci-samos ter nenhuma hesitaccedilatildeo em mantecirc-la como uma genuiacutena parte da tradiccedilatildeo histoacuterica A histoacuteria eacute verdadeira quem quer que tenha escrito ela

Consideraccedilotildees finaisConsiderando toda a argumentaccedilatildeo proposta ao longo do trabalho

pode-se chegar a pelo menos cinco conclusotildees 1) os versiacuteculos 43 e 44 de Lucas 22 satildeo omitidos em diversos manuscritos antigos principalmente da famiacutelia alexandrina marcados com asteriscos em outros e transpostos den-tro do evangelho de Mateus em f13 2) a discussatildeo eacute melhor entendida quando vista em relaccedilatildeo agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo e neste sentido o texto eacute compreendido como sendo uma interpolaccedilatildeo feita provavelmente por razotildees teoloacutegicas 3) discussotildees a respeito de uma linguagem lucana natildeo conduzem a nenhuma conclusatildeo plausiacutevel sendo verdade que posto dentro de sua periacutecope os versos devem ser considerados no miacutenimo como uma quebra no texto um parecircntese na narraccedilatildeo 4) a figura de Jesus apresentada nos versiacuteculo 43 e 44 natildeo estaacute de acordo com o restante do Evangelho que

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apresenta Cristo sempre de maneira calma com o controle dele mesmo e da situaccedilatildeo sem medo da morte e 5) em vista de sua antiga data e clara impor-tacircncia dentro da tradiccedilatildeo cristatilde o relato deve ser considerado verdadeiro e um resgate feito por escribas do segundo seacuteculo salvando uma histoacuteria que de outra maneira teria sido esquecida E a estes escribas a nossa gratidatildeo

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Enviado dia 14012013Aceito dia 11032013

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedico-social

Church discipline and juridic-social reality

Jorge Lucien Burlandy1

ResumoAbstract

Durante o desenvolvimento da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) diver-sas mudanccedilas foram realizadas nas ediccedilotildees do Manual da Igreja (1932-2010) em especial no item de disciplina eclesiaacutestica a fim de aprimorar

sua praacutetica Natildeo obstante a lideranccedila da IASD costuma falhar na aplicaccedilatildeo desses princiacutepios em virtude do desconhecimento das implicaccedilotildees judiciais na praacutetica da disciplina Atraveacutes da anaacutelise do funcionamento de algumas normas da legislaccedilatildeo brasileira relacionadas com as praacuteticas religiosas e seus principais reflexos na apli-caccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica este artigo procura contextualizar a praacutetica discipli-nar e evitar desentendimentos correntes na administraccedilatildeo da igreja Palavras-chave Disciplina Legislaccedilatildeo Eclesiologia Manual da igreja

During the development of the Seventh Day Adventist Church several changes were made in the editions of the Church Manual (1932-2010) The ecclesiastical discipline had several modifications so it could be

applied in better ways However church leaders sometimes fail when applying discipline because they donrsquot know its judicial implications This article aims to approach the ecclesiastical discipline to the Brazilian legislation recommenda-tions about religious practices and how it interferes in the common procedure of discipline In this sense it may be possible to avoid misunderstandings and complications for the church administrators resulted from disciplineKey-words Discipline Legislation Ecclesiology Church Manual

1 Ex-diretor e professor do Seminaacuterio Latino-Americano de Teologia e pastor jubilado E-mail jorgeburlandyhotmailcom

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O Antigo Testamento apresenta ocasiotildees especiacuteficas onde Deus procu-ra orientar ou corrigir o seu povo atraveacutes de prescriccedilotildees legais (Ecircx 201-17 3225-28 Lv 101-6 Dt 134-35 171-7) Essas prescriccedilotildees variam abran-gendo tanto os elementos lituacutergicos como civis entre a naccedilatildeo teocraacutetica ndash principalmente apoacutes o estabelecimento das 12 tribos em Canaatilde sob a lide-ranccedila dos profetas e juiacutezes (Jz 37-114478 11 e 15 1Sm 72-4) Assim cada prescriccedilatildeo possui caraacuteter de beneficecircncia onde o proacuteprio Deus procura orientar Israel a fim de conservaacute-los no caminho da vida (Dt 624 3015 e 19 3247) O sentido juriacutedico dos mandamentos foi igualmente enfatizado no Novo Testamento atraveacutes das abordagens de Cristo em algumas ocasiotildees onde procura reutilizar-se de algumas das preleccedilotildees divinas (Mt 1815 191-8 Mc 101-8) Dessa forma eacute atraveacutes das prescriccedilotildees neotestamentaacuterias que encontramos as bases fundamentais para a praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica na Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) tema do nosso estudo2

Muito embora os apoacutestolos tenham seguido as prescriccedilotildees de Cristo a respeito da Disciplina Eclesiaacutestica (At 51-10 1Co 51-7) as proacuteprias Es-crituras atestam que apoacutes a morte dos uacuteltimos disciacutepulos de Jesus boa parte do cristianismo lentamente se afastava da Biacuteblia sendo assim influenciado por pensamentos e costumes pagatildeos (At 2029-30 2Ts 23 e 7)3 A Disciplina Eclesiaacutestica foi considerada como accedilatildeo redentiva e praticada com base nos princiacutepios biacuteblicos ateacute aproximadamente o seacuteculo IV Eacute compreendido que nos primeiros anos do cristianismo apoacutes Constantino as heresias eram pu-nidas apenas como castigos eclesiaacutesticos (como a excomunhatildeo) No periacuteodo da Idade Meacutedia (sec 12) que ela intensificou seu significado punitivo atraveacutes da ldquoSanta Inquisiccedilatildeordquo que inicialmente tratando de heresias praticaram brutalidades injustificaacuteveis em nome da suposta feacute cristatilde Com o passar do tempo a violenta correccedilatildeo praticada pelo pretenso cristianismo foi associa-da agrave praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica como um elemento essencialmente punitivo (JESCHKE 1972 p 10)

2 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste estudo o aprofundamento biacuteblico na teologia da Disciplina Eclesi-aacutestica As consideraccedilotildees que se seguem pressupotildeem um fundamento biacuteblico como princiacutepio norteador da praacutetica da disciplina 3 Durante os primeiros quatro seacuteculos as doutrinas de Cristo foram alteradas e cada mu-danccedila concedeu mais poder ao bispo ldquoJuntamente com tais pessoas de fora Paulo tambeacutem menciona a possibilidade de pessoas de dentro da igreja que adotariam ensinos pervertidos para seduzir a congregaccedilatildeordquo (MARSHALL 2006 p 312) Ellen G White (1999 p 587) alega que ldquoCedo na histoacuteria da igreja o misteacuterio da iniquidade predito pelo apoacutestolo Paulo iniciou sua calamitosa obra e quando os falsos ensinadores a cujo respeito Pedro advertiu os crentes exibiram suas heresias muitos foram seduzidos pelas falsas doutrinasrdquo

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Em ocasiotildees posteriores a feacute reformada (sec 16) procurou restabelecer as antigas praacuteticas biacuteblicas relacionadas agrave Disciplina Eclesiaacutestica A fim de apregoar a ldquopura doutrina do evangelhordquo segundo J Carl Laney (1985 p 43) a Confissatildeo Belga (1561) em solo reformado identificou a Discipli-na Eclesiaacutestica como ldquouma das marcas da verdadeira igrejardquo Isso tambeacutem ocorreu em situaccedilotildees posteriores como eacute o caso da IASD que procurou atraveacutes dos anos de seu desenvolvimento institucional aprimorar as orienta-ccedilotildees eclesiaacutesticas a respeito dessa praacutetica

Natildeo obstante algumas questotildees em relaccedilatildeo agrave praacutetica da disciplina ain-da continuam em parte pendentes em virtude do pouco conhecimento e das aplicaccedilotildees e conceitos errocircneos que continuam correntes por parte da membresia e da administraccedilatildeo pastoral Atraveacutes da anaacutelise histoacuterica do marco regulatoacuterio e teoacuterico-praacutetico acerca da Disciplina Eclesiaacutestica tal como apre-sentado no Manual da Igreja a seguinte questatildeo precisa ser debatida quais satildeo as principais dificuldades na praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica e como resolvecirc-

-las dentro da realidade juriacutedico-social brasileira Neste artigo trataremos de responder essa questatildeo a fim de sugerir praacuteticas que podem ser realizadas na Disciplina Eclesiaacutestica segundo o Manual da Igreja Adventista

A disciplina eclesiaacutestica e o Manual da Igreja

Os pioneiros da IASD antes de sua organizaccedilatildeo formal sentiram a ne-cessidade de adquirir propriedades para a construccedilatildeo de igrejas e de empre-ender a obra de publicaccedilotildees visto que a mensagem adventista estava sendo levada a novos territoacuterios Com o desenvolvimento da Igreja4 alguns liacutederes perceberam que a fim de que o movimento se fortalecesse algum tipo de ordem e disciplina deveria prevalecer em consenso Com a organizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral ndash oacutergatildeo administrativo mundial da Igreja ndash em 1863 se comeccedilou a registrar votos em suas assembleias relacionados com a adminis-traccedilatildeo eclesiaacutestica Contudo a ideia de se imprimir um manual foi rejeita-da pensava-se que com isso estaria tolhendo a liberdade de accedilatildeo dos seus

4 Neste trabalho utilizaremos o termo ldquoIgrejardquo com letra maiuacutescula para fazer referecircncia agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia como instituiccedilatildeo ou agrave Igreja cristatilde em geral perceptiacutevel em seu contexto Por outro lado utilizaremos o termo ldquoigrejardquo em letra minuacutescula a fim de fazer referecircncia agrave igreja local composta por uma comunidade comum de membros

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ministros (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 17)5 Somente no ano de 1932 eacute que foi publicado um manual por iniciativa da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral conforme solicitado ao vice-presidente JL McElhany apoacutes a aprovaccedilatildeo das mesas (BEACH 1979 p 11-13)

Foi a partir da impressatildeo do primeiro manual em inglecircs publicado em 1932 que se percebeu a necessidade de constantes atualizaccedilotildees a fim de aperfeiccediloar as praacuteticas eclesiaacutesticas Fatos como estes levaram a Igreja em assembleias mundiais posteriores a aperfeiccediloar a redaccedilatildeo e a introdu-zir orientaccedilotildees sobre aspectos novos natildeo abordados no manual anterior O multiculturalismo regional e mundial que influenciava as variadas formas de crenccedilas nas igrejas locais criou a necessidade de posicionamentos e votos especiais que levaram a votar o Conciacutelio Outonal de 1950 (apud GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p xxi)

que cada divisatildeo do campo mundial inclusive a Divisatildeo Norte--Americana prepare um suplemento do Novo Manual da Igreja natildeo para modificaacute-lo mas contendo o material adicional que seja aplicaacutevel agraves condiccedilotildees e circunstacircncias que prevaleccedilam na respec-tiva Divisatildeo Os manuscritos desses suplementos deveratildeo ser sub-metidos agrave consideraccedilatildeo da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral para serem por ela referendados antes de impressos

Sobre as alteraccedilotildees encontradas no Manual da Igreja em inglecircs da primei-ra impressatildeo em 1932 ateacute a de 1942 (1932 1934 1938 1940 1942) a seccedilatildeo sobre Disciplina Eclesiaacutestica que estava no capiacutetulo 4 a partir das ediccedilotildees de 1951 ateacute 1963 (1951 1959 e 1963) passaram a compor o capiacutetulo de nuacutemero 13 Quanto ao toacutepico ldquoRazotildees Para a Disciplina dos Membrosrdquo a ediccedilatildeo de 1967 teve uma pequena alteraccedilatildeo a seguinte de 1971 permaneceu igual agrave anterior As ediccedilotildees de 1976 1981 e 1986 tiveram alteraccedilotildees Na ediccedilatildeo de 1990 constata-se apenas uma nota contendo uma errata Quanto agraves ediccedilotildees de 1995 ateacute 2010 (1995 2000 2005 e 2010) todas tiveram alteraccedilotildees no capiacutetulo sobre a disciplina6

5 No entanto a mais alta instacircncia eclesiaacutestica continuava a registrar votos relativos agrave adminis-traccedilatildeo isto levou alguns influentes liacutederes a desejarem reunir esses votos num livro O Pastor JN Loughborough por iniciativa pessoal no ano de 1907 reuniu os votos em um livro de 184 paacutegi-nas intitulado A Igreja sua Organizaccedilatildeo Ordem e Disciplina (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 18) Essa obra ocupou por muito tempo um lugar de honra no movimento6 Todos os manuais em inglecircs citados estatildeo disponiacuteveis online no site da Conferecircncia Geral (1983) da Igreja Adventista do Seacutetimo dia Este trabalho foi baseado numa Tese doutoral com o mesmo tiacutetulo O capiacutetulo dois (ldquoDisciplina Eclesiaacutestica e o Manual da Igrejardquo) explo-

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Analisando os manuais publicados percebe-se que nos uacuteltimos anos a IASD preocupou-se em adequar as normas instrutivas do seu manual pro-porcionando natildeo apenas a adequaccedilatildeo das suas normas7 mas tambeacutem a refor-mulaccedilatildeo da estrutura da Disciplina Eclesiaacutestica aleacutem da ampliaccedilatildeo8 da seccedilatildeo sobre disciplina (notadamente as ldquoRazotildees para Disciplina dos Membrosrdquo)

Obstaacuteculos agrave aplicaccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica

Apesar de trabalhar intensamente em prol do aperfeiccediloamento da Dis-ciplina Eclesiaacutestica atraveacutes das vaacuterias reformulaccedilotildees dos seus manuais (edi-ccedilotildees de 1932 a 2010) a Igreja tem encontrado atraveacutes dos tempos diversos empecilhos que tecircm dificultado a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Den-tre as principais dificuldades estatildeo alguns empecilhos que tecircm se manifes-tado atraveacutes das diversas correntes filosoacuteficas e eclesiaacutesticas que moldam a sociedade e acabam influindo nas atividades da Igreja

Obstaacuteculos filosoacuteficosO movimento filosoacutefico-cultural que se constituiu num entrave e se

contrapocircs aos ensinos da Biacuteblia por exemplo foi o Iluminismo Apoacutes a Ida-de Meacutedia cresceram os movimentos anticlericais e os ataques ao dogmatismo

rou de maneira mais demorada cada alteraccedilatildeo encontrada no manual (tanto em inglecircs como em portuguecircs) do ano de 1932 ao ano de 20107 Como por exemplo quando a Igreja percebeu que os atos de violecircncia fiacutesica eram co-muns entre os da feacute bem como entre familiares Por isso um novo toacutepico passou a tratar da nova realidade Ateacute entatildeo os termos em portuguecircs usados nos manuais (1936 1958 1965 1981 1992 e 1996) para significar o desligamento de um membro da comunhatildeo eclesiaacutestica eram ldquoeliminaccedilatildeordquo e ldquoexclusatildeordquo na ediccedilatildeo de 2001 aparece a palavra ldquoremoccedilatildeordquo (GENE-RAL CONFERENCE OF SDA 2001 p 191)8 Na sexta ediccedilatildeo do manual em inglecircs foi ampliado o toacutepico de ldquoRazotildees para a Disciplina dos Membrosrdquo de quatro para sete itens com pequenas alteraccedilotildees nos itens jaacute existentes O primeiro item intitulado ldquoFalta de feacuterdquo mudou para ldquoNegaccedilatildeo da feacuterdquo O terceiro item passou a ser ldquoFraude ou deliberada falsidade no comeacuterciordquo o quarto item passou a ser ldquoProcedimento desordenado que traga oproacutebrio sobre a causardquo o quinto item passou a ser intitulado ldquoPer-sistente negativa quanto a reconhecer as autoridades da igreja devidamente constituiacutedas ou por natildeo querer submeter-se agrave ordem e agrave disciplina da igrejardquo o quarto item da ediccedilatildeo anterior foi desdobrado o sexto passou a ser ldquoO uso o fabrico ou venda de bebidas alcooacutelicasrdquo e o seacutetimo foi redigido como ldquoO uso ou o haacutebito de drogas narcoacuteticasrdquo (GENERAL CONFE-RENCE OF SDA 1951 p 224)

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religioso A Igreja Catoacutelica Romana dita cristatilde havia fortalecido as suas es-truturas hieraacuterquicas dominadoras Os que natildeo se submetiam ao clero eram perseguidos e destruiacutedos Ela dominava todos os aspectos da vida humana no mundo civilizado e impunha suas ideias e crenccedilas Quando a Europa cansada de tantas guerras e desiludida com o domiacutenio do clero comeccedilou a experimentar mudanccedilas culturais surgiram forccedilas que deram outro rumo agrave vida social e poliacutetica do continente europeu Estas forccedilas minaram o domiacute-nio da Igreja Catoacutelica Romana Assim os seacuteculos 14 15 e 16 viram nascer e se desenvolver o que hoje se conhece como o Renascimento Neste tempo comeccedilou-se a esboccedilar o emprego de meacutetodos cientiacuteficos na busca da verda-de cresceu o interesse no estudo da natureza e passou-se a valorizar mais o ser humano As trevas intelectuais predominantes na Idade Meacutedia foram substituiacutedas pelo Iluminismo que fez nascer a Idade da Razatildeo

Durante o Iluminismo buscou-se enaltecer o ser humano exaltando suas potencialidades valorizou-se as iniciativas dos leigos em detrimento das atividades da Igreja cristatilde Houve um esforccedilo consciente no sentido de se endeusar a razatildeo e incentivar o abandono de preceitos tradicionais do cristia-nismo9 Objetivaram o progresso de todas as atividades humanas sobretudo propugnando pela liberdade de exteriorizaccedilatildeo do pensamento (GEISLER 2002 p 410) O Iluminismo abriu as portas para o pluralismo religioso para a criacutetica biacuteblica e a rejeiccedilatildeo dela por influecircncia do Iluminismo passou-se a deslocar Deus do centro e a valorizar em demasia o potencial humano

Em virtude do combate frontal contra o professo cristianismo o con-ceito de pecado foi esquecido e a Igreja cristatilde perdeu sua relevacircncia Grenz (1997 p 109) comenta que os eacuteticos do Iluminismo afastaram-se da crenccedila de que todos os seres humanos nascem em pecado e satildeo naturalmente incli-nados agrave praacutetica do mal acolheram a afirmaccedilatildeo de John Locke (1632-1704) de que a mente humana a princiacutepio ldquoeacute como dissemos um papel branco desprovido de todos os caracteres sem quaisquer ideiasrdquo (LOCKE 1978 p 159) Tal postura por conseguinte distorce o ensino biacuteblico acerca da peca-minosidade intriacutenseca do ser humano (ver Sl 515 583 Ef 23) e abre ca-minho para reduzir a responsabilidade na praacutetica de atos maus enfraquece a ideia de que o pecado deve ser controlado pela graccedila de Deus e finalmente

9 Nesse sentido o Racionalismo apresentou-se ldquocomo filosofia que enfatiza a razatildeo como meio de determinar a verdaderdquo (GEISLER 2002 p 735) Para o racionalista a razatildeo eacute o uacutenico meio de se chegar agrave verdade Ao se exaltar a razatildeo eacute excluiacuteda a utilidade praacutetica da Biacuteblia Embora se encontre teses racionalistas desde os dias de Platatildeo na Greacutecia antiga o racionalismo ganhou im-portacircncia no meio cientiacutefico a partir do Iluminismo europeu com Descartes Spinoza e Leibniz

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vencido A uacutenica autoridade responsaacutevel pelos atos do ser humano eacute ele mes-mo natildeo devendo assim prestar contas a ningueacutem atraveacutes da disciplina

Com o crescimento do Iluminismo surge o Individualismo que em sua forma radical contraria posiccedilotildees da feacute cristatilde Este eacute o sistema de pen-samento que considera a sociedade apenas como um grupo de indiviacuteduos em que a pessoa tem um direito proacuteprio acima dos direitos coletivos10 Ateacute onde se pode concordar com o Individualismo sem afastar o ser humano da influecircncia beneacutefica de uma instituiccedilatildeo religiosa Segundo Melbourne (2007 p 126) ldquoa cultura ocidental eacute individualista Para muitos cristatildeos eacute gostoso fazer as coisas a sua maneirardquo Alguns aspectos desta corrente poreacutem po-dem receber o apoio cristatildeo quando fundamentados na Biacuteblia No dizer de Grenz (1997 p 243) ldquodevemos ter sempre em vista os temas biacuteblicos do cuidado de Deus para com cada pessoa a responsabilidade de todo ser humano diante de Deus e a orientaccedilatildeo individual que faz parte da mensa-gem de salvaccedilatildeordquo Deus criou cada ser humano com individualidade proacutepria que precisa ser respeitada Se por um lado o Individualismo fortalece a luta contra todas as formas de absolutismo e totalitarismo por outro lado quando levado aos extremos anula alguns aspectos positivos da vida em co-munidade ndash do ponto de vista social poliacutetico e econocircmico

Essa filosofia propagou os ldquodireitos inatos do indiviacuteduordquo como liber-dade para usar a razatildeo para determinar por si o que eacute certo e o que eacute erra-do poreacutem fez com que fossem extrapolados certos limites e se criassem

ldquodireitosrdquo que dificultaram a proclamaccedilatildeo da salvaccedilatildeo baseada na Biacuteblia O Individualismo extremado que rejeita a interferecircncia de outros em sua vida rejeita a accedilatildeo da igreja para ajudaacute-lo a direcionar as accedilotildees Essa posiccedilatildeo di-ficulta a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Por outro lado a igreja esti-mula a disciplina pessoal de cada crente promove a disciplina preventiva e quando necessaacuterio aplica a corretiva Para tudo isso eacute imprescindiacutevel a atuaccedilatildeo da comunidade de feacute e o respeito que eacute a consideraccedilatildeo bem como a responsabilidade que o cristatildeo deve ter quando pratica essa accedilatildeo

10 Por outro lado o coletivo levado a extremos tambeacutem eacute prejudicial Os ensinos de Je-sus conduzem agrave valorizaccedilatildeo e ao respeito do indiviacuteduo todavia o leva a uma nova vida e agrave inserccedilatildeo do mesmo na Igreja Aquele que entra para a Igreja (o Corpo de Cristo) pelo batismo compromete-se agrave submissatildeo aos princiacutepios e crenccedilas ensinados pela Igreja base-ados na Biacuteblia Os pilares da feacute cristatilde satildeo oriundos da Biacuteblia que juntamente com a accedilatildeo eclesiaacutestica exerceratildeo um saudaacutevel controle das accedilotildees individuais para o bem de todos O Individualismo tem algumas influecircncias positivas para sociedade humana ocidental foi agrave radicalizaccedilatildeo que o tornou prejudicial

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Ademais o ser humano poacutes-moderno resiste agrave ideia da existecircncia de uma verdade universal o que implica na perda de todo criteacuterio final para se avaliar as vaacuterias interpretaccedilotildees da realidade A verdade seria definida como aquilo que a sociedade crecirc ou ldquoo que eu creiordquo Nietzsche (1974 p 241-242) chegou a afirmar que ldquonada haacute que sustente os valores humanos exceto a vontade da pessoa que os possui As coisas tecircm valor em nosso mundo so-mente agrave medida que lhes damos valor A mente humana eacute a uacutenica fonte de valoresrdquo Esta posiccedilatildeo eacute contraacuteria ao ensinamento Biacuteblico e tambeacutem inviabi-liza o trabalho de recuperaccedilatildeo do pecador atraveacutes da Disciplina Eclesiaacutestica

Obstaacuteculos eclesiaacutesticos

A negligecircncia eclesiaacutestica

Segundo John White e Ken Blue ldquoa disciplina corretiva da igreja sempre esteve oprimida pelo conceito de que a pregaccedilatildeo da Biacuteblia inspirada pelo Es-piacuterito Santo gera por si soacute uma congregaccedilatildeo santificadardquo (WHITE BLUE 1985 p 26) Esse conceito parece promulgar a desconsideraccedilatildeo da praacutetica dis-ciplinar e enfatizar a pregaccedilatildeo biacuteblica como suficiente para corrigir e instruir a membresia Contudo eacute essencial termos em conta o que Berkhof (2002 p 528-529) considera como a ldquoterceira marca da igreja verdadeirardquo que aleacutem da pregaccedilatildeo e da celebraccedilatildeo dos ritos representa a praacutetica da disciplina11

A Disciplina Eclesiaacutestica contribui para a manutenccedilatildeo qualitativa da igreja A utilizaccedilatildeo da pregaccedilatildeo biacuteblica na educaccedilatildeo dos membros eacute essen-cial para a formaccedilatildeo do caraacuteter cristatildeo (ver 1Co 118 21) mas a exortaccedilatildeo eacutetica do puacutelpito natildeo pode excluir a Disciplina Eclesiaacutestica por esta constituir-

-se de uma praacutetica que edifica o corpo administrativo e relacional da igreja (Mt 1815-18 At 51-10 1Co 51-7) A pregaccedilatildeo Biacuteblica quando utilizada de maneira repreensiva estaacute limitada agrave aceitaccedilatildeo ou desconsideraccedilatildeo do ouvinte independentemente de sua relevacircncia Em ocasiotildees de necessidade extrema de correccedilatildeo ela natildeo eacute capaz de inverter o quadro organizacional da igreja tor-nando necessaacuteria a Disciplina Eclesiaacutestica Nas palavras de John White e Ken Blue (1985 p 27) o trato imediato das problemaacuteticas da igreja ldquonatildeo eacute reavi-vamento episoacutedico Eacute a igreja tratando com o pecado atraveacutes da disciplinardquo

11 O princiacutepio da disciplina estaria no sentido da ldquoconversatildeordquo que segundo Douglas (1999 p 319) significa ldquovoltar-se ou retornar para Deus As principais palavras originais para ex-pressar essa ideia satildeo no Antigo Testamento shuv (traduzida por lsquovoltar-sersquo ou lsquoretornarrsquo) e no Novo testamento strefomai (Mt 183 Jo 1240) [hellip] cf o portuguecircs lsquoconverter-sersquordquo

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O zelo quantitativo

Algumas igrejas podem manifestar certo receio no que se refere agrave aplica-ccedilatildeo da disciplina em virtude da diminuiccedilatildeo do nuacutemero de membros da comu-nidade Esse temor poreacutem natildeo parece ser justificaacutevel a menos que se deixe de implementar outras medidas (por exemplo o discipulado as classes biacuteblicas etc) para a conservaccedilatildeo dos membros juntamente com a aplicaccedilatildeo da disci-plina Por outro lado haacute igrejas mais preocupadas com nuacutemeros de membros do que com a pureza do caraacuteter deles Embora seja natural que se busque o crescimento da igreja a Biacuteblia parece valorizar mais o caraacuteter do crente do que a quantidade de pessoas que servem na congregaccedilatildeo (ver Jz 719 1Co 51-7)

Nesse sentido ldquoa disciplina natildeo faraacute com que a igreja recue Faraacute com que ela cresccedila natildeo apenas numericamente mas em poder de combate [hellip] As pessoas satildeo atraiacutedas agraves igrejas onde haacute disciplina de fatordquo (WHITE BLUE 1985 p 30) A igreja natildeo pode ser um exeacutercito recuado Na verdade uma congregaccedilatildeo forte espiritualmente experimentaraacute crescimento numeacuteri-co e tambeacutem quanto agrave pureza e santidade

A condiccedilatildeo imperfeita da comissatildeo

Haacute quem considere inapropriada a situaccedilatildeo em que um conjunto de membros se reuacutena a fim de julgar o caso de um faltoso visto que em ambos os lados nenhum deles possui um caraacuteter cristatildeo perfeito De fato a igreja eacute um lugar para pecadores poreacutem os que estatildeo sob influecircncia do Espiacuterito Santo natildeo desejam permanecer sob o jugo do pecado eles procuram permanecer em Cristo mesmo natildeo sendo perfeitos (ver 1Jo 229 39) Nesse caso a Discipli-na Eclesiaacutestica trataraacute de pecados manifestados publicamente Essa disciplina tambeacutem ajuda as pessoas a manterem-se distantes do erro cometido

O voto num processo disciplinar natildeo objetiva prejudicar o faltoso mas despertaacute-lo para a consciecircncia do mal praticado visto que o seu pecado se tor-nou puacuteblico Sobre uma experiecircncia de disciplina White e Blue (1985 p 77) escrevem ldquoEu natildeo havia percebido antes natildeo tinha consciecircncia de quatildeo enga-noso e doente era meu coraccedilatildeo nem quatildeo bom era Deus Nunca havia sentido antes Deus transformar meu coraccedilatildeo de pedrardquo Nesse caso o voto natildeo eacute prati-cado a fim de denegrir a imagem do proacuteximo mas para redimi-lo Contudo ldquoo homem natural natildeo aceita as coisas do Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 214) mesmo que o processo disciplinar seja bem conduzido alguns o rejeitaratildeo

A vista das dificuldades listadas acima nota-se que embora corren-tes elas natildeo satildeo inteiramente justificaacuteveis poreacutem ainda assim constituem

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obstaacuteculos para a aplicaccedilatildeo dos princiacutepios contidos no Manual da Igreja por acatarem questotildees filosoacuteficas baacutesicas que em certas ocasiotildees natildeo satildeo perce-bidas pelos membros da igreja Dessa forma como a Disciplina Eclesiaacutestica poderia atuar diante destas dificuldades sem ferir os direitos da Igreja e a dignidade dos membros

A disciplina eclesiaacutestica e a legislaccedilatildeo brasileira

A praacutetica eclesiaacutestica de disciplina natildeo pode estar limitada ao ambiente igrejeiro sem nenhuma participaccedilatildeo ou interferecircncias do Estado existem aspec-tos juriacutedicos que devem ser compreendidos antes da promulgaccedilatildeo de qualquer ato de correccedilatildeo principalmente quando envolve pessoas fiacutesicas Para compre-ender melhor o modo como a Legislaccedilatildeo Brasileira torna legiacutetimos os cuidados com a administraccedilatildeo da Igreja e em particular com aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica eacute necessaacuteria a compreensatildeo em suma do funcionamento de al-gumas leis especiacuteficas A Constituiccedilatildeo Federal eacute a lei maior as demais (Coacutedigo Civil o Comercial o de Processo Civil o Coacutedigo Penal e leis complementares os ldquoCoacutedigos Legaisrdquo) satildeo hierarquicamente inferiores mas estatildeo amparadas agrave medida que se sustentem na lei superior Elas formam um sistema unitaacuterio pois estatildeo interligadas (SIQUEIRA JR 2010 p 100-101) As leis menores devem concordar com a maior ou seja com a Constituiccedilatildeo Federal

As organizaccedilotildees religiosas no Brasil satildeo protegidas pela lei e devem funcionar respeitando as leis civis Na IASD o Estatuto Social das Uni-otildees12 e o Manual da Igreja satildeo fonte de conduta Uma vez estando em consonacircncia com as leis da Federaccedilatildeo as igrejas teratildeo o amparo delas este eacute o caso da IASD

A Constituiccedilatildeo Federal por exemplo proclama a dignidade humana Eacute reconhecido que o ser humano possui o poder de escolha ele natildeo somente tem vontade ele a exerce em seu proacuteprio paiacutes (BRASIL 2007) Por respeitar o livre arbiacutetrio humano a Legislaccedilatildeo Brasileira garante a livre crenccedila e culto no paiacutes ndash garantia aos direitos sociais e individuais A dignidade humana

12 Uniotildees compreendem unidades administrativas da IASD com igrejas num determinado territoacuterio de uma regiatildeo de proximidade geograacutefica formadas por alguns campos como as-sociaccedilotildees e missotildees As associaccedilotildees quase sempre abarcam as igrejas dentro de um Estado da Federaccedilatildeo Os estados com grande territoacuterio podem ser subdivididos em mais de um campo (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2000a p 26)

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ampara a capacidade de autodeterminaccedilatildeo todavia ressalta a responsabi-lidade moral do indiviacuteduo pelo exerciacutecio da sua vontade ao fazer escolhas tendo a liberdade religiosa como uma delas

Por consequecircncia a dignidade do ser humano preceituada na Cons-tituiccedilatildeo Federal conduz ao fato de que este tem o direito agrave autonomia da vontade sobretudo quando expressa desejos existenciais dentre as quais se inclui a dignidade religiosa (BARROSO 2010 p 28) ndash seu direito contu-do natildeo pode coligir com o direito de outros O ser humano tem responsabi-lidade moral por suas escolhas e deve dar conta delas A liberdade humana natildeo eacute total ela eacute limitada pela lei para preservar o harmonioso conviacutevio social13 Neste aspecto

eacute necessaacuterio estabelecer um limite entre a esfera da atividade do Estado e uma esfera proacutepria da liberdade individual O Direito natildeo eacute suficiente e apropriado para assuntos de pensamento consciecircn-cia e religiatildeo Portanto natildeo seratildeo as regras do direito que regeratildeo as regras desse homem as atitudes desse homem mas as suas atitu-des seratildeo regidas pelas regras ditadas pela sua consciecircncia tomaraacute esta ou aquela atitude segundo melhor lhe aprouver e de acordo com seus pensamentos e decisotildees (PALAIO 2005 p 4)

A praacutetica de uma religiatildeo eacute assunto de consciecircncia de foro iacutentimo sen-do assim livre da intromissatildeo do Estado desde que a praacutetica religiosa natildeo estimule a violaccedilatildeo da dignidade humana o Brasil natildeo tem uma religiatildeo ofi-cial ndash embora natildeo trabalhe de forma antirreligiosa (MENDES et al 2008 p 418) como pode ser notado na promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 onde os constituintes escreveram no preacircmbulo ldquonoacutes representantes do povo brasileiro [hellip] promulgamos sob a proteccedilatildeo de Deus a seguinte Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasilrdquo (BRASIL 2011a p 15) Assim o Estado brasileiro permite a celebraccedilatildeo de todos os tipos de cultos consente que toda e qualquer religiatildeo se estabeleccedila em seu territoacuterio desde que respeitem as leis do paiacutes Segundo Mendes et al (2008 p 417) ldquona liber-dade de religiatildeo inclui-se a liberdade de organizaccedilatildeo religiosa O Estado natildeo pode interferir sobre a economia interna das Associaccedilotildees religiosasrdquo Por

13 Em Romanos 131 Paulo alega que ldquotodo homem esteja sujeito agraves autoridades superiores porque natildeo haacute autoridade que natildeo proceda de Deus e as autoridades que existem foram por ele constituiacutedasrdquo Pedro 213-15 tambeacutem procura exortar os crentes a sujeitarem-se ldquoa toda instituiccedilatildeo humanardquo e isso ldquopor causa do Senhorrdquo (ver Ec 82-4)

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conseguinte uma vez que o Estatuto Social (normas que regem as Uniotildees na IASD) e o Manual da Igreja (normas que regem a IASD no mundo todo) es-tejam em conformidade com as leis do paiacutes como eacute o caso a Igreja tem todo o direito de reger a vida dos que pertencem a esta entidade religiosa ela pode se pronunciar livremente a respeito da conduta de seus membros quando em conformidade com as leis nacionais14 Pode-se dizer que no Brasil qual-quer pessoa pode professar a feacute que escolher

A Igreja passa a existir do ponto de vista legal no momento em que o seu Ato Constitutivo (ou Estatuto Social15) eacute registrado no Cartoacuterio de Registro Civil Passa entatildeo a ser uma pessoa juriacutedica de direito privado A Igreja como personalidade juriacutedica possui seus direitos Sobre isto diz Garcia (2003 p 47)

Por serem entidades dotadas de personalidade pelo ordenamen-to juriacutedico-positivo as pessoas juriacutedicas tem direitos de perso-nalidade ou seja direito ao nome agrave marca agrave honra objetiva agrave imagem ao segredo etc [hellip] Como exemplo de construccedilatildeo ju-

14 Nas palavras de Mendes et al (2008 p 417) ldquona liberdade religiosa incluem-se a liberda-de de crenccedila de aderir a alguma religiatildeo e a liberdade do exerciacutecio do culto respectivo A lei deve proteger os templos e natildeo deve interferir nas liturgias a natildeo ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipoacutetese consideradardquo15 Ato Constitutivo eacute o documento que torna legal a existecircncia de uma pessoa juriacutedica apoacutes ser registrado no Cartoacuterio ou Oficio de Registro Civil de Pessoas Juriacutedicas da comarca onde ela estaacute estabelecida Estes atos satildeo chamados na maioria das vezes de Estatuto Social Nele deve constar sua denominaccedilatildeo seus objetivos sociais sua constituiccedilatildeo (por exemplo uma associaccedilatildeo de pessoas fiacutesicas) a localizaccedilatildeo da sua sede o territoacuterio de sua abrangecircncia como seraacute administrada como se processa a eleiccedilatildeo de seus diretores por quanto tempo eacute o mandato da diretoria quais satildeo as atribuiccedilotildees principais de cada membro da diretoria as responsabilidades de natureza civil fiscal e tributaacuteria trabalhista previdenciaacuteria fundiaacuteria e sindical dos seus empregados como seus objetivos sociais deveratildeo ser alcanccedilados qual o pro-cedimento para que ela possa ser desconstituiacuteda e a declaraccedilatildeo da sua duraccedilatildeo (se por tempo determinado ou indeterminado) No caso de firmas comerciais o Ato Constitutivo eacute chama-do de Contrato Social e eacute registrado nas Juntas Comercias dos Estados (DINIZ 2005 v 2 p 378-493) O Estatuto impresso pela Uniatildeo Central Brasileira da IASD que compreende o Estado de Satildeo Paulo prevecirc o seguinte ldquoArt1ordm ndash [hellip] ldquoUniatildeo Central Brasileirardquo regida e administrada pelo presente Estatuto eacute uma organizaccedilatildeo religiosa pessoa juriacutedica de direito privado nos termos da Constituiccedilatildeo Federal e do inciso IV do art 44 da lei nordm 104062002 de fins eclesiaacutesticos e evangeliacutesticos natildeo lucrativos [hellip] Art 3ordm ndash O Manual da Igreja e os Regulamentos Eclesiaacutestico-Administrativos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia constituem normas subsidiaacuterias da Legislaccedilatildeo Brasileira e do presente Estatuto na gestatildeo e administra-ccedilatildeo da Uniatildeo Central (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2008 p 1-2)rdquo

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risprudencial sobre danos morais citamos a Suacutemula 227 de 8 de setembro de 1999 do Superior Tribunal de Justiccedila A pessoa ju-riacutedica pode sofrer dano moral

Dessa forma assim como a Igreja que na qualidade de instituiccedilatildeo goza de proteccedilatildeo legal o cidadatildeo brasileiro vive tambeacutem sob o amparo da lei O que significa que se algueacutem ou alguma instituiccedilatildeo de alguma forma for atingido em sua imagem fama honra ou respeitabilidade tem amparo legal para se defender (BRASIL 2011b p 228) A vista disto eacute necessaacuterio que haja cuidado no caso aqui na igreja em natildeo atingir com palavras faladas ou escritas a dignidade de alguma pessoa (GARCIA 2003 p 48) Se isso ocorrer e o ofendido quiser processar judicialmente o ofensor e requerer in-denizaccedilatildeo por danos materiais ou morais teraacute o direito de fazecirc-lo Contudo o mesmo direito ao reclame por danos morais pode ser postulado pela Igreja

Assim deve-se estar atento para os seguintes aspectos 1) razotildees para disciplina satildeo apenas as que constam no Manual da Igreja no capiacutetulo que trata do assunto 2) um membro que falhou na vida espiritual deve ser con-frontado ouvido e aconselhado para que tudo se esclareccedila e se escolha as melhores accedilotildees futuras 3) caso o pecado seja grave havendo comprovaccedilatildeo a comissatildeo da igreja deve se reunir para tratar do assunto o faltoso deve ser avisado por escrito a fim de que tome as providecircncias pessoais necessaacuterias16 4) O Manual da igreja (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p 198) veda a representaccedilatildeo da pessoa cujo caso a comissatildeo vai analisar por um advogado 5) todo membro tem o direito de ser ouvido em defesa proacute-pria 6) deve-se dar ao faltoso o tempo necessaacuterio para organizar a sua defe-sa 7) o faltoso permaneceraacute na sala ateacute o esclarecimento do ocorrido 8) a deliberaccedilatildeo final da igreja deve ser feita num saacutebado de manhatilde 9) a decisatildeo seraacute tomada pela maioria dos presentes 10) quando a igreja for tratar o caso em assembleia o faltoso natildeo poderaacute falar em sua defesa (isso deve ter sido feito anteriormente) 11) o secretaacuterio(a) deve ser instruiacutedo(a) a registrar o ocorrido de forma geneacuterica atraveacutes de uma fraseologia que englobe o que

16 O secretaacuterio deve ficar com uma coacutepia do aviso pois a igreja pode precisar dele mais tarde Isso se justifica caso ocorra um possiacutevel processo judicial no qual conste o local o dia e a hora em que a comissatildeo da igreja vai se reunir visto que o faltoso tem o direito de estar presente caso queira ouvir o que se tem a dizer sobre o seu procedimento e se desejar contar a sua versatildeo dos fatos se defender produzindo provas e levando testemunhas a seu favor O aviso de que a comissatildeo vai estudar o seu caso deve ser formal

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aconteceu como ldquotransgressatildeo de mandamento da lei de Deusrdquo17 12) a ata deve ser cuidadosamente guardada

Sobre o recebimento ou desligamento de membros ningueacutem eacute forccedilado a se unir agrave Igreja nem a permanecer nela O ingresso como membro regular da igreja pode ocorrer pelos seguintes modos i) transferecircncia por carta de uma agrave outra igreja ii) por profissatildeo de feacute18 iii) ou por batismo Em todos os casos os membros da igreja local reunidos em assembleia votam se aceitam ou natildeo o candidato como membro A ldquoprofissatildeo de feacuterdquo confirmaraacute agrave igreja a tomada de decisatildeo quanto agrave aceitaccedilatildeo ou natildeo do indiviacuteduo Do mesmo modo se achar por bem assim fazecirc-lo a igreja pode retirar do registro de membros aqueles que natildeo vivem mais os princiacutepios ensinados por ela Quan-do um caso disciplinar for levado agrave consideraccedilatildeo da igreja reunida adminis-trativamente em assembleia cogita-se que o faltoso estaacute no uacuteltimo estaacutegio da disciplina As praacuteticas de disciplina preventiva foram esgotadas foi advertido e repreendido sem resultados O degrau posterior agrave disciplina eacute a remoccedilatildeo

Assim as leis brasileiras amparam o exerciacutecio da Disciplina Eclesiaacutesti-ca contudo elas devem ser observadas tambeacutem dentro da praacutetica do Manual da Igreja Agir dessa forma traacutes paz e seguranccedila para a accedilatildeo disciplinar

Exemplos de casos disciplinaresAgraves vezes a sentenccedila do juiz eacute favoraacutevel agrave Igreja outras vezes natildeo Veja-

-se os exemplos que seguem 1) Foi movida uma accedilatildeo cautelar agrave Uniatildeo Central Brasileira da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia19 pois uma das igrejas desse territoacuterio removeu do

17 Quanto ao pecado especiacutefico for o ldquoadulteacuteriordquo esta palavra natildeo deve constar na ata bem como qualquer outro que embora evidente seja difiacutecil de provar Caso ali se escreva alguma coisa que for julgado ofensivo a algueacutem e a pessoa entender que sua imagem foi atingida e tiver acesso agrave ata se ele quiser poderaacute mover um processo contra os responsaacute-veis pela declaraccedilatildeo levando-os a uma corte de justiccedila18 Para explicar o que eacute profissatildeo de feacute eacute necessaacuterio analisar o capiacutetulo que fala sobre esse assunto no Manual da Igreja (GENERAL CONFERENCE SDA 2010 p 55) ldquoRe-cebimento de Membros Sob Condiccedilotildees Difiacuteceis ndash Algumas vezes condiccedilotildees mundiais impedem a comunicaccedilatildeo para transferecircncia de membros Em tais circunstacircncias a igreja que recebe o membro em conselho com a Associaccedilatildeo se certificaraacute da situaccedilatildeo dessa pessoa e entatildeo receberaacute como membro por profissatildeo de feacute Se posteriormente as vias de comunicaccedilatildeo com a igreja ou Associaccedilatildeo de origem do membro se abrirem a igreja onde foi recebido enviaraacute uma carta informando o que foi feitordquo 19 Uniatildeo Central Brasileira refere-se agrave unidade administrativa da Igreja que tem atuaccedilatildeo e

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rol de membros algumas pessoas julgadas passiacuteveis de disciplina eclesiaacutestica O grupo removido entrou com processo contra a igreja local alegando que natildeo tiveram oportunidade de demonstrar suas razotildees de defesa ferindo as-sim o texto expresso da Constituiccedilatildeo Federal Os removidos exigiram con-cessatildeo de uma liminar para que fossem reintegrados ao quadro de membros novamente o que natildeo conseguiram

O magistrado reconheceu a condiccedilatildeo laica do Estado ao declarar que os que elaboraram a Constituiccedilatildeo Brasileira escolheram entre outros dois pos-tulados como seguem no Inciso I da Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a)

Art 19 Eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios I ndash estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionaacute-los embaraccedilar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relaccedilotildees de dependecircncia ou alianccedila ressalvada na forma da lei a colaboraccedilatildeo de interesse puacuteblico II ndash recusar feacute aos documentos puacuteblicos III ndash criar distinccedilotildees entre brasileiros ou preferecircncias entre si

A juiacuteza de Direito Rebeca Mendes Batista Mazzo citou o artigo 267ordm inciso VI do Coacutedigo de Processo Civil e vendo que tudo fora feito den-tro da legalidade natildeo encontrou motivos nem propriedade para atender ao pedido dos requerentes deu ganho de causa agrave Igreja em seu direito de deli-berar sobre a condiccedilatildeo de seus membros assinando a sentenccedila na cidade de Sertatildeozinho em Satildeo Paulo em 25 de Outubro de 2005

2) Um membro da IASD no Estado de Satildeo Paulo entrou com um processo contra a igreja que o disciplinou removendo-o do rol de mem-bros alegando que a accedilatildeo disciplinar ocorreu ldquosem que fosse adotado o procedimento previsto no Manual da Igreja uma vez que natildeo teve oportu-nidade de apresentar defesardquo como pode ser visto nos autos do processo nordm 23452002 sob jurisdiccedilatildeo da Juiacuteza Substituta Alexandra Laskowki (2003) no Foacuterum de Sorocaba (SP) Cartoacuterio do 2deg Oficio Civil Ele requereu sus-pensatildeo da decisatildeo de remoccedilatildeo e a determinaccedilatildeo para que seja notificado das acusaccedilotildees com antecedecircncia miacutenima de dez dias e que haja convoca-ccedilatildeo por edital da reuniatildeo A igreja apresentou contestaccedilatildeo alegando que a pessoa foi convocada para uma reuniatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo

abarca os campos como as associaccedilotildees e missotildees que estatildeo no estado de Satildeo Paulo

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e deixou de comparecer e acrescentou que o faltoso natildeo negou os motivos que ensejaram a sua remoccedilatildeo

A pessoa implicada apresentou reacuteplica alegando a natildeo observaccedilatildeo do procedimento adequado Consta nos autos do processo

com efeito o manual da igreja requerida determina o direito de defesa antes da votaccedilatildeo de exclusatildeo do membro conforme docu-mento de fls 5152 O requerente foi comunicado sobre a reuniatildeo para a sua exclusatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo conforme confessa a requerida em sua contestaccedilatildeo assim evidente que natildeo foi possiacutevel a apresentaccedilatildeo de sua defesa (LASKOWKI 2003)20

ldquoRequeridardquo no texto supracitado se refere agrave igreja A justiccedila deu ga-nho de causa agrave pessoa removida suspendendo os efeitos da decisatildeo da as-sembleia da igreja local Os defensores da igreja entraram com uma apelaccedilatildeo ciacutevel pedindo revisatildeo a justiccedila negou provimento ao pedido ficando anu-lada a decisatildeo de excluir a pessoa ateacute que ocorresse um reestudo do caso agora tendo de ser atendido o Manual da Igreja

Consideraccedilotildees finaisNatildeo se deve pensar a Disciplina Eclesiaacutestica apenas no seu aspecto

corretivo fornecendo assim conotaccedilatildeo negativa a ela muitos confundem disciplina com castigo e rejeiccedilatildeo a Disciplina Eclesiaacutestica tem caraacuteter re-tentivo Deste modo pode-se promover o amadurecimento espiritual do cristatildeo com os recursos da disciplina preventiva e estimular a jornada cristatilde evitando futuros tropeccedilos Estes procedimentos visam sobretudo trazer de volta o membro afastado zelar pelo bom nome da Igreja e desestimular os outros a atitudes semelhantes

A vista disso eacute importante lembrarmos que as accedilotildees da Igreja satildeo cir-cunscritas agrave sua jurisdiccedilatildeo e devem ser aplicadas dentro das normas estabe-lecidas no Manual da Igreja que diante da Legislaccedilatildeo Brasileira eacute um do-cumento restrito aos adeptos da IASD Como pessoa juriacutedica a instituiccedilatildeo

20 Direito de defesa e contraditoacuterio Na Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a) no art 5ordm inciso LV encontra-se que ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e os acu-sados em geral satildeo assegurado o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo O desdobramento deste inciso daacute ao que esta sendo julgado direito a informaccedilatildeo direito a manifestaccedilatildeo e direito de ver seus argumentos considerados

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procura trabalhar em sintonia com a legislaccedilatildeo em questotildees ligadas agrave digni-dade humana agrave autonomia de vontade etc consoante agrave legislaccedilatildeo as praacute-ticas eclesiaacutesticas referentes agrave disciplina tecircm caraacuteter legal entre os adeptos da comunidade que concordaram ser regidos pelos costumes e crenccedilas da instituiccedilatildeo Por outro lado existem ainda condiccedilotildees de jurisdiccedilatildeo pessoal que quando desrespeitadas na ocasiatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica podem ocasionar em processos contra a Igreja

Atraveacutes da praacutetica da disciplina em conformidade com as normas preacute-estabelecidas no Manual da Igreja os membros da comunidade po-deratildeo agir com respeito agrave dignidade do membro disciplinado Mesmo quando confrontados com obstaacuteculos que parecem constranger a aplica-ccedilatildeo da disciplina a comissatildeo deve considerar que as accedilotildees eclesiaacutesticas satildeo legiacutetimas diante da lei e que em nenhuma hipoacutetese procuram traba-lhar a fim de prejudicar seus membros

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Enviado dia 20112012Aceito dia 10032013

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de

L R ConradiA historical survey about L R Conrad dissidence

Renato Stencel1 Alex Voos2

ResumoAbstract

As crises ocorridas na Igreja Adventista tecircm sido frequentemente recon-tadas Geralmente tem-se enfatizado as crises e dissidecircncias envolven-do personagens da ala estadunidense da Igreja entretanto outras alas

da denominaccedilatildeo tambeacutem sofreram com o ataque de criacuteticos e desertores Neste cenaacuterio a apostasia de Ludwig Richard Conradi se destaca por ter sido um marco histoacuterico proporcional agrave outros eventos Ademais a atuaccedilatildeo negativa de Conradi contra o ministeacuterio de Ellen G White eacute de particular interesse para aqueles que discutem sua autoridade profeacutetica Este artigo visa a traccedilar um breve relato his-toacuterico da dissidecircncia de Conradi e constatar as consequecircncias de sua apostasia no desenvolvimento da Igreja Adventista no cenaacuterio EuropeuPalavras-chave Dom Profeacutetico Ludwig R Conradi Dissidentes Identida-de Denominacional

1 Doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Metodista de Piracicaba (2006) mestre em Educaccedilatildeo pela Andrews University (1993) e bacharel em Teologia e Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Atualmente atua como professor no Unasp e como diretor do Centro Nacional de Memoacuteria Adventista do Centro de Pesquisas Ellen G White E-mail renatostencelunaspedubr2 Bacharelando em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail alxvoosgmailcom

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The crises from the Seventh-Day Adventist Church have been frequently re-told The crises and dissidences involving personalities from the north-Ame-rican part of church tend to be more emphasized Therefore other groups

from church also suffered attacks of dissidents Proportionally to other events the apostasy of Ludwig Richard Conradi is historically remarkable in the scenario Fur-thermore Conradirsquos negative behavior against Ellen G Whitersquos ministry is particularly interesting for those who discuss her prophetical authority This article aims to trace a brief historical narrative of Conradirsquos dissidence and to identify the consequences of his apostasy on the development of the European SDA ChurchKeywords Prophetic gift Ludwig R Conradi Dissidents Church Identity

Origem e ministeacuterio3

Ludwig Richard Conradi nasceu em Karlsruhe Alemanha no ano de 1856 Desde cedo foi apaixonado pelos estudos (RANDOLPH 1940 p 5-12) e aos 15 anos jaacute possuiacutea boas noccedilotildees de latim grego e francecircs e uma voracidade pelas disciplinas de histoacuteria e geografia Contudo enquanto se preparava para ser padre Conradi perdeu o pai e foi forccedilado a abandonar o seminaacuterio catoacutelico4 Migrou entatildeo para os EUA e conheceu a mensagem adventista enquanto trabalhava em um fazenda do estado de Iowa

Juntando suas poucas economias e contando com o sacrifiacutecio dos irmatildeos de Iowa Conradi se dirigiu em 1879 ao Batlle Creek College (HEINZ 1987 p 19 SCHWARZ 2009 p 137) Acostumado com uma vida que exigia todas suas energias Conradi terminou seus estudos em 18 meses apenas um terccedilo do tempo estimado Ao mesmo tempo em que estudava ele tambeacutem era a principal forccedila por detraacutes da publicaccedilatildeo do

3 Este artigo eacute um resumo da monografia natildeo publicada ldquoLudwig R Conradi Finis Origini Dependet uma anaacutelise de sua vida e ministeacuteriordquo originalmente apresentada na XI Jornada Biacuteblico-Teoloacutegica da Faculdade Adventista de Teologia Engenheiro Coelho (VOOS 2011) A monografia se encontra arquivada no Centro de Pesquisas Ellen G White ndash Brasil4 Mais dados biograacuteficos a respeito dos primeiros anos de L R Conradi ateacute o seu ingresso no meio adventista podem ser encontrados em Heinz (1987) Strayer (1996) The Departmet (1944) Delafield (1957 p 286) Grob (1974 p 1-2) e Neufeld (1996 v 10 p 406)

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Stimme der Wahrheit primeiro perioacutedico adventista a ser enviado para o Brasil (HEINZ 1987 p 19 NEUFELD 1996 v 10 p 406 SCHWARZ 2009 p 222 GREENLEAF 2011 p 24)5

Ministeacuterio nos EUAApoacutes sua graduaccedilatildeo o carente e dedicado estudante foi presenteado com

uma beca de formatura pelo casal White Tiago White na eacutepoca presidente da Associaccedilatildeo Geral percebendo as competecircncias do jovem alematildeo convidou--o para ser seu secretaacuterio particular entretanto Conradi recusou o convite de White e preferiu engajar-se diretamente no trabalho evangeliacutestico (RANDOL-PH 1940 p 6 DELAFIELD 1957 p 289 GROB 1974 p 3 GERHAR-DT 1977 p 3 HEINZ 1987 p 19) e se destacou como um dos pioneiros ao trabalhar com a comunidade de imigrante alematildees nos EUA Logo o trabalho progrediu e em abril de 1882 foi organizada em Milltown a primeira Igreja Adventista de fala alematilde (REIMCHE 1982 p 9 WEARNER 1984 p 4-5 WEARNER1995 p 14 SCHWARZ 2009 p 137) Entre os conversos de origem alematilde se encontrava George Riffel que posteriormente emigrou para a argentina e se tornou o primeiro difusor da mensagem adventista na Ameacuterica do Sul (WEARNMER 1984 p 4-6 WEARNMER 1995 p 13-15 NEU-FELD 1996 v 11 p 870 SCHWARZ 2009 GREENLEAF 2011 p 22-23)

Embora no comeccedilo dos anos 1880 a Igreja estivesse apenas ensaiando seus primeiros desafios missionaacuterios natildeo era possiacutevel imaginar que o traba-lho de Conradi entre os imigrantes alematildees fosse influenciar tanto o avanccedilo das missotildees Os novos conversos passaram a enviar folhetos para Ruacutessia e outros difundiram a mensagem mudando-se para outras regiotildees dos EUA e Canadaacute (DUPUY 1976 p 6 REIMCHE 1982 p 9 LOHNE 1988 SCHWARZ 2009 p 211) Sob a lideranccedila de Conradi a ala germacircnica da Igreja constituiria nas primeiras deacutecadas do seacuteculo vinte os pilares do avan-ccedilo missionaacuterio Adventista sob o mundo

Ministeacuterio na EuropaEm 1886 a Conferecircncia Geral votou o envio de Conradi agrave Europa para

assumir a carecircncia de lideranccedila que J N Andrews deixaraacute ao morrer ldquoDentro de cinco anos ele havia organizado um instituto de treinamento para colpor-tores e obreiros biacuteblicos uma missatildeo urbana e um complexo de publicaccedilotildees

5 Para uma maior compreensatildeo da relaccedilatildeo entre o envio das primeiras correspondecircncias e o surgi-mento do adventismo no Brasil ver Borges (2000 p 45-62) e Rosa (2004 p 17-20)

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em Hamburgordquo (SCHWARZ 2009 p 211) Em 1890 os campos alematildeo e russo foram unificados sob sua lideranccedila (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Os colportores passaram a agir natildeo apenas em territoacuterio alematildeo mas tambeacutem em outros paiacuteses Cedo a literatura adventista comeccedilou a ser distribu-iacuteda entre os Paiacuteses Baixos Aacuteustria Checoslovaacutequia Polocircnia e outros lugares O campo europeu era fragmentado em diversas liacutenguas e a toleracircncia religiosa se mostrava muitas vezes precaacuteria Conradi entendeu que a colportagem era a estrateacutegia perfeita esse contexto missionaacuterio (HEINZ 1984 p 19 HEINZ 1987 p 13 SCHWARZ 2009 p 212 276)

Temporariamente os adventistas alematildees conseguiram auto sustentar-se financeiramente e financiaram obreiros em outros campos Seus primeiros re-presentantes foram enviados para o Brasil em 1895 (SCHWARZ 2009 p 276)

Em meio a todo esse processo Conradi parece ter mantido o vigor e o ritmo dos anos de estudante em Battle Creek Entre os anos 1890-1896 o trabalho de Conradi resumiu-se em 1) Batizar e organizar muitas igrejas 2) traduzir livros e 3) liderar a Igreja na Alemanha e Ruacutessia (GROB 1974 p 6) Durante sua vida Conradi manteve um niacutevel de atividade incriacutevel e se sen-tia bem dormindo somente de 3 agrave 4 horas por noite (HEINZ 1987 p 17 STRAYER 1996 p 10-11)

Durante a Conferecircncia Geral de 1901 foi criada no campo europeu a Primeira Divisatildeo da histoacuteria da Igreja Adventista e Conradi eleito o seu pre-sidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Levando a igreja aleacutemEm 1902 a Igreja na Alemanha contava com uma ativa comunidade

de quatro mil membros batizados Essa numeraccedilatildeo era duvidosa mas Con-radi entendeu que o predomiacutenio da Alemanha sob suas colocircnias africanas natildeo poderia deixar de ser aproveitado Apoacutes persuadir funcionaacuterios de alta influecircncia no governo alematildeo as portas foram abertas para que as missotildees adventistas atuassem com liberdade irrestrita nos territoacuterios sob coloniza-ccedilatildeo alematilde o que compreendia boa parte do continente africano (MORRIS 1911 p 5 HAY 1991 p 4-5)

Em 1903 Conradi foi eleito vice-presidente da Associaccedilatildeo Geral ao lado de W W Prescott enquanto Arthur Daniells era o presidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406) Conradi tambeacutem direcionou o avanccedilo missionaacuterio para a regiatildeo dos Baacutelcatildes o Impeacuterio Turco e o Egito Com a perda das colocircnias alematildes apoacutes a I Guerra Mundial o esforccedilo missionaacuterio foi realinhado em direccedilatildeo agraves Iacutendias Orientais e Holandesas e partes da China (SCHWARZ 2009 p 276)

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O desenrolar do progresso da Igreja na Alemanha natildeo soacute revelou uma estaacutevel comunidade adventista mas tambeacutem o despertar de uma consciecircncia evangeliacutesticomissionaacuteria muito forte nos anos que se seguiram Durante as primeiras deacutecadas do seacuteculo 20 a comunidade alematilde veio a se tornar ao lado dos EUA o segundo pilar do movimento adventista natildeo soacute no nuacutemero de membros e estrutura organizacional como tambeacutem no esforccedilo missionaacuterio

Desenvolvimento teoloacutegico e dissidecircncia

Agrave semelhanccedila de outras a apostasia de Conradi foi um processo longo e gradual Desde os primeiros ldquosintomas apoacutestatasrdquo ateacute o seu desligamento defi-nitivo da Igreja no final de 1931 haacute um longo periacuteodo de mais ou menos 45 anos

Conversatildeo e formaccedilatildeo adventistaEmbora Conradi tenha no tempo de seminarista recebido uma consi-

deraacutevel formaccedilatildeo catoacutelica natildeo parece que esse fator desempenhado um pa-pel relevante em sua apostasia Desvencilhar-se das antigas pressuposiccedilotildees pode natildeo ter sido um problema mas a raacutepida passagem pelo Battle Creek College provavelmente tenha proporcionado uma base adventista pouco soacute-lida (GERHARDT 1977 p 8)

O primeiro contado de Conradi com os adventistas ocorreu em uma regiatildeo do estado de Iowa onde a igreja havia sido afetada por um movimento dissidente denominado Marion Party (NEUFELD 1996 v 11 p 32) Pou-co se falava sobre o dom profeacutetico de Ellen G White em Iowa mas quando o assunto surgia era sempre evitado (HEINZ 1998 p 32) B F Snook e W H Brinkerhoff liacutederes do movimento dissidente haviam levantado uma campanha contra Ellen G White e a lideranccedila de James White presidente da Associaccedilatildeo Geral Quando Conradi se converteu ainda pairavam sobre a igreja em Iowa algumas reminiscecircncias desta crise

Ingresso no ministeacuterioEm 1883 enquanto Conradi estava trabalhando entre os imigrantes

alematildees ele enviou um exemplar do livro de Ellen G White Steps to Christ (Caminho agrave Cristo) para Joseph Szalay editor do The Christian um perioacutedi-co presbiteriano impresso em Budapeste Hungria O Pastor Szalay retornou

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a correspondecircncia a Conradi dizendo que tambeacutem gostaria de publicar o livro em Huacutengaro Feliz com a resposta Conradi teceu elogios ao conteuacutedo escrito por Ellen G White e publicou seu testemunho na Review and Herald reportando que o livro havia provocado uma profunda impressatildeo no prega-dor presbiteriano (CONRADI 1894 p 20-21 SZIGETI 1983 p 19)6

Durante os primeiros anos do trabalho de Conradi nos EUA Ellen G White apreciou a obra do eneacutergico e jovem pastor No sermatildeo da uacuteltima sessatildeo da Conferecircncia Geral de 1883 ela disse

Quando eu ouviu o testemunho do irmatildeo Conradi eu pude ver porque ele foi tatildeo bem sucedido Ele foi extremamente sincero na obra Ele toma a obra como se ele pretendesse fazer algo com ela Natildeo eacute somente a habilidade que confere sucesso conquanto o ta-lento e a habilidade santificados satildeo instrumentos refinados nas matildeos de Deus ela deve ser aplicada de maneira sincera na obra (WHITE E G 1990 1994 v 2 p 12 traduccedilatildeo livre)

Crises na EuropaEm 1886 quando Conradi foi enviado para o continente europeu encon-

trou-se com Ellen G White que estava em viagem pela Europa desde agosto de 1885 (DELAFIELD 1957 p 286 WHITE A L 1984 p 264) Esse foi pro-vavelmente o periacuteodo de convivecircncia mais proacutexima que os dois tiveram Con-radi acompanhou-a em algumas viagens e atuou como seu tradutor em vaacuterias ocasiotildees (DELAFIELD 1957 p 286) Alguns meses depois Conradi foi preso na Ruacutessia apoacutes organizar uma Igreja e realizar alguns batismos A situaccedilatildeo legal dele parecia muito delicada e ela lhe enviou uma confortante carta

Querido irmatildeo [hellip] Noacutes podemos ver agora mais claramente algu-mas das dificuldades que existem no caminho daqueles que que-rem obedecer a Deus Noacutes natildeo poderiacuteamos reconciliar este fato com as circunstancias agora mas Deus trabalha de uma misteriosa maneira para cumprir suas maravilhas [hellip] Mantenha a coragem e relembre que o Senhor eacute o Supremo Governador [hellip] Pense no que Jesus o Priacutencipe da Vida sofreu neste mundo o justo pelo in-justo para que Ele pudesse salvar homens da morte e da miseacuteria

6 Ver tambeacutem Review and Herald (1984 p 23)

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Deus governa neste mundo Ele eacute o Onipotente Tenha certeza entatildeo que tudo o que ele deseja na sua sabedoria ou o que seu amor intenta Seu poder executaraacute [hellip] Noacutes cuidaremos de sua esposa e de sua crianccedila de maneira especial [hellip] Noacutes natildeo esque-cemos vocecirc e temos apresentado seu caso ao tribunal mais elevado (DELAFIELD 1957 p 287 traduccedilatildeo livre)

Entretanto Conradi declarou que foi exatamente neste periacuteodo de convi-vecircncia com Ellen G White na Europa que ele desenvolveu certa antipatia por ela (DELAFIELD 1957 p 288) Alguns tem sugerido que para Conradi Ellen G White fugia do conceito de uma boa housfrau (dona-de-casa) alematilde ndash uma figura sujeita ao marido e restrita agraves atividades domeacutesticas Era difiacutecil aceitar uma mu-lher tomar parte nas reuniotildees da igreja influenciar decisotildees administrativas e ateacute repreender proeminentes liacutederes (GROB 1974 p 13 SCHWARZ 1979 p 475)

Tendo em vista os recentes sucessos no campo americano e os grandes progressos realizados no desafiante campo europeu era de se esperar que Conradi se sentisse realizado e satisfeito com sua obra ministerial Todavia em uma carta enviada ela em 1891 ele disse ter passado por uma profunda crise espiritual quando comeccedilou o trabalho na Europa De maneira bastante pessoal ele confessou

Quando juntei-me a este povo [o povo adventista] mais de 13 anos atraacutes eu aprendi por experiecircncia proacutepria o que eacute experimentar da paz de Deus e da certeza dos pecados perdoados tambeacutem o que eacute ser livre da escravidatildeo do pecado Em teoria eu confesso que tive pouca luz a respeito desse assunto como em muitos outros Por quase 7 anos eu permaneci vitorioso fazendo estaacutevel progresso [hellip] mas quan-do eu cheguei na Europa mais apropriadamente um pouco antes derrotas vieram primeiramente de leve durante longos intervalos Enquanto o meu desejo fosse trabalhar por uniatildeo eu nem sempre tinha o sentimento correto para com a sua pessoa [EGW] As circunstancias peculiares em Basel [Suiacuteccedila] natildeo foram de nenhuma ajuda para mim e eu fui lentamente perdendo o chatildeo Quando eu fui para a Ameacuterica [1888] eu esperei ser ajudado mas a reuniatildeo de Minneapolis somente adicionou escuridatildeo Suas palavras provaram-se verdadeiras em meu caso Eu tentei superar isso atraveacutes do trabalho o que por vezes aju-dou parcialmente mas a escravidatildeo permaneceu Oh Quatildeo escuro satildeos as horas de escravidatildeo (DELAFIELD 1957 p 288)

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A confissatildeo de Conradi evidencia que uma deacutebil compreensatildeo sobre o perdatildeo de Deus seria a raiz do problema O proacuteprio Conradi era um dos que naquele momento precisavam da reconfortante mensagem de Justificaccedilatildeo pela Feacute Entretanto ele decididamente assumiu partido ao lado dos que dis-cordavam de A T Jones E J Waggoner e Ellen G White nas reuniotildees de Minneapolis tendo sido lembrado como ldquoum dos mais tagarelas e criacuteticosrdquo do grupo que tratou com severo deboche e descaso as exposiccedilotildees de Waggo-ner e Jones (FROOM 1971 p 248)

Oposiccedilatildeo em MinneapolisEnquanto na conferecircncia Conradi ficou hospedado juntamente com

outros 25 advogados de Iowa em uma grande e espaccedilosa casa McReynold que estava hospedado com ele disse que a atmosfera espiritual dos dele-gados naquele lugar era nada mais do que ldquodeprimenterdquo Natildeo houveram

ldquomomentos de culto ou o som de um grupo de oraccedilatildeo agrave noite ou pela ma-nhatilde ndash apenas gargalhadas e criacuteticas por alguns especialmente por Conradirdquo (FROOM 1971 p 259 traduccedilatildeo livre) Foi talvez por possuir esse espiacuterito zombeteiro que W G C Murdoch um antigo colega de Conradi observou muitos anos depois de sua apostasia ldquoEu era bem familiar ao pastor Conradi e viajei com eles muitas milhas o caraacuteter do pastor Conradi natildeo se adequava ao de um ministro do evangelhordquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo livre)

Quando chegou em Minneapolis as contendas talvez tenham surpre-endido-o jaacute que ele vinha da Europa e a discussatildeo efervescia entre os esta-dunidenses Pouco tempo antes das reuniotildees de Minneapolis em outubro de 1888 Ellen G White lamentou que Conradi deveria ter recebido cartas dela Pelo contexto entretanto natildeo eacute possiacutevel determinar se ela desejava escrever sobre o debate que vinha se arrastando nos EUA Mas por estar ocupada com os problemas ldquodeste lado do Atlacircnticordquo natildeo chegou a escrever nada para ele (WHITE E 1987 v 1 p 156)

Segundo Conradi ldquoo encontro de Minneapolis soacute adicionou escuri-datildeordquo agrave sua condiccedilatildeo espiritual W C White disse que os delegados parti-ram ldquocom uma grande variedade de sentimentos Alguns achavam que essa tinha sido a maior becircnccedilatildeo de sua vida outros que ela assinalava o iniacutecio de um periacuteodo de trevas e que os efeito malignos do que havia sido feito na conferecircncia jamais poderiam ser apagadosrdquo (SCHWARZ 2009 p 182) Ellen G White poucos anos depois comentou o espiacuterito daqueles que ha-viam feito parte do grupo de gozadores

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Enquanto eu estava em Minneapolis Ele me fez segui-lo de quarto em quarto de forma que eu pudesse ouvir o que estava sendo falado no dormitoacuterio O inimigo tinha tudo indo do seu jeito Eu natildeo ouvi ne-nhuma oraccedilatildeo mas ouvi meu nome sendo mencionado e difamado Nos quartos ocupados com nosso pessoal noacutes ouvimos piadas criacutetica risos e zombaria As manifestaccedilotildees do Espiacuterito Santo estavam sendo atribuiacutedas ao fanatismo [hellip] O mesmo Espiacuterito que moveu os rejeitores de Cristo colocava raiva em seus coraccedilotildees e se eles tivessem vivido na eacutepoca de Cristo teriam agido de forma similar aos Judeus descrentes e sem Deus (WHITE E G 1987 v 4 p 1564-1565 traduccedilatildeo livre)

Dois anos apoacutes Minneapolis sua disposiccedilatildeo quanto a Ellen G Whi-te parece ter mudado visto que foi publicado na Review o relatoacuterio de uma recente viagem missionaacuteria que ele fizera agrave Ruacutessia Em uma das comissotildees presididas por ele foi votado ldquogratidatildeo a Deus pela manifestaccedilatildeo dos dons Espirituais entre noacutes e especialmente pelo Espiacuterito de Profeciardquo (GERHAR-DT 1977 p 10-11 grifo nosso)

No ano seguinte em agosto de 1891 Conradi pediu desculpas agrave Ellen G White por sua atitude em Minneapolis e disse

Em vista dos sentimentos que eu nutria contra vocecirc e suas palavras os quais eu deixei transparecer na reuniatildeo de Minneapolis eu peccedilo perdatildeo E se vocecirc e meus irmatildeos ainda me garantirem um lugar na causa de Deus eu posso dizer com a ajuda de Deus ndash e eu tenho evidecircncias dela ndash eu serei um diferente ministro membro e irmatildeo [hellip] Eu posso agora apreciar as suas admoestaccedilotildees feitas no passado e ver a luz onde antes havia trevas Natildeo deveria ser meu privileacutegio encontrar vocecirc no proacuteximo ano Eu posso lhe garantir que em Cristo eu serei um com vocecirc no trabalho e que minhas oraccedilotildees estaratildeo com vocecirc Eu agradeceria se vocecirc pudesse proferir algumas palavras dizendo se vocecirc recebeu a minha carta e se vocecirc me perdoaria e me daria tambeacutem alguns conselhos conselhos e reprovaccedilotildees seratildeo agradecidamente re-cebidos (DELAFIELD 1957 p 288 traduccedilatildeo proacutepria)

Reprovado por Ellen G WhitePouco contato parece ter ocorrido entre os dois apoacutes esta carta Ateacute

que cinco anos depois por volta de 1896 Conradi teve uma filha em um

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caso extraconjugal Ellen G White que nessa eacutepoca estava na Austraacutelia o repreendeu pelo adulteacuterio Poucas pessoas na Igreja alematilde ficaram sabendo do ocorrido e o caso natildeo chegou a se tornar um escacircndalo puacuteblico Como consequecircncia Conradi foi removido de seu cargo administrativo e resignado a trabalhar fora da Alemanha visitando e dando suporte aos campos missio-naacuterios (HEINZ 1987 p 24 HEINZ 1998 p 95-96)7

Algum tempo depois de perder seus cargos em outubro de 1897 ele en-viou da Ruacutessia uma carta para Ellen G White em que afirmava estar encon-trando ldquoluzrdquo na Palavra de Deus e nos ldquotestemunhos do Seu Espiacuteritordquo ndash ou seja no que ela escrevia (DELAFIELD 1957 p 291) Ele expressava

gratidatildeo a Cristo o qual provou ser um amigo fiel e o meu sumo sacerdote Quando tudo parecia escuro e Satanaacutes instava nenhu-ma esperanccedila [hellip] Minha oraccedilatildeo hoje eacute Senhor unge meus olhos deixe-me perceber a minha proacutepria salvaccedilatildeo guarda todos os meus passos nos caminhos do dever e me permita saber o Teu desejo para a minha vida [hellip] Eu natildeo quero arruinar o Seu traba-lho por causa do passado mas ele foi graciosamente perdoado Eu estarei satisfeito se vocecirc tiver alguma luz ou exortaccedilatildeo e conselho [hellip] (DELAFIELD 1957 p 291 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Daniel Heinz considerando a atitude ambiacutegua que ao longo dos anos Conradi manteve em relaccedilatildeo a Ellen G White julga que ele sabia que sem a aprovaccedilatildeo dela seria mais difiacutecil de retornar ao elevado cargo que ele ante-riormente ocupava (HEINZ 1998 p 96)

A questatildeo do ldquodiaacuteriordquoDurante o periacuteodo que esteve afastado da presidecircncia do campo Russo-Ale-

matildeo Conradi comeccedilou a revisar a obra de J N Andrews History of the Sabbath Analisando profundamente as obras dos reformadores protestantes se sentiu atra-iacutedo pela ideia de que Lutero um alematildeo tivesse sido o primeiro a proclamar as trecircs mensagens angeacutelicas O que consequentemente neutralizava a importacircncia do Movimento Milerita (SCHWARZ 1979 p 475 SCHWARZ 2009 p 288)

Conradi apesar de ser naturalizado americano tinha um forte senti-mento nacionalista em relaccedilatildeo ao seu paiacutes natal Isso pode ter influenciado

7 Conferir tambeacutem Grob (1974 p 15-16)

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sua interpretaccedilatildeo teoloacutegica que dava preferecircncia a Martinho Lutero e o Mo-vimento da Reforma Tambeacutem explica em parte suas atitudes precipitadas tomadas posteriormente durante a I Guerra Mundial (GERHARDT 1977 p 21-22 SCHWARZ 1979 STRAYER 1996 p 10)

Conradi comeccedilou a escrever seu proacuteprio comentaacuterio sobre o livro de Daniel desenvolvendo uma nova interpretaccedilatildeo para a questatildeo do ldquodiaacuteriordquo de Daniel 812 Poreacutem antes de publicar suas novas ideias enviou uma carta para Ellen G White perguntando se ela tinha mais luz agrave respeito do assunto Ela natildeo respondeu sua carta e ele seguiu avante com a impressatildeo do livro Como ela explicou mais tarde natildeo era seu objetivo alimentar tal discussatildeo (SCHWARZ 2009 p 609) podemos entender entatildeo por que a carta de Conradi a respeito do ldquodiaacuteriordquo nunca foi respondida

S N Haskell G I Butler e George Irwin se posicionaram ao lado da antiga interpretaccedilatildeo de Guilherme Miller e Uriah Smith (HALOVIAK 1980 p 36 SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609) Quando Conradi buscou publicar seus escritos na Ameacuterica Edwin R Palmer editor da Review and Herald disse-lhe ldquoAqui na Ameacuterica natildeo nos eacute permitido publicar nada que mesmo em pequena parcela possa estar contra o irmatildeo Uriah Smith por que a irmatilde White ajudou o irmatildeo Smith quando ele escreveu Daniel e Apocalipserdquo8 Conradi procurou ainda o proacuteprio Uriah Smith que lhe respondeu ldquoNenhum iota seraacute mudado do que nossos pioneiros disseram [hellip] o que eles fixaram eacute divinordquo9 Em contra partida Conradi usou sua influecircncia para natildeo permitir que os livros de Smith fossem publicados na Inglaterra (HALOVIAK 1979 p 38)

8 Taquigrafia abreviada da resposta dada por Conradi perante a comissatildeo da Divisatildeo Eu-ropeia em Fridensau em 22 de julho de 1932 depois dos irmatildeos Gilbert Crisler G W Schubert e W Muumlller terem replicado a apresentaccedilatildeo de Conradi disponiacutevel no Arquivo do Centro de Pesquisas Ellen G White A resposta de Palmer a Conradi eacute melhor compreen-dida tendo em vista a crenccedila muito comum entre os adventistas daquela eacutepoca de que Ellen G White havia declarado ter visto um anjo ao lado de Uriah Smith conduzindo-o enquanto escrevia o livro Thoughts on Daniel and the Revelation Os testemunhos histoacutericos de tal declaraccedilatildeo natildeo satildeo muito seguros mas mesmo que ela tenha realmente dito isto Palmer e muitos outros natildeo estavam sendo sensatos no juiacutezo que faziam A declaraccedilatildeo deve ser com-preendida da mesma maneira como entendemos que os anjos estatildeo ao redor de qualquer um que esteja consagradamente envolvido na causa de Deus Isso natildeo quer dizer que tais pessoas sejam inspiradas ou infaliacuteveis em suas atitudes (WHITE A L 1957 ver tambeacutem KNIGHT 2003 p 74-75 e GOUGLAS 2009 p 402-403)9 Independentemente da opiniatildeo defendida por Uriah Smith estar equivocada ou natildeo o argumento apresentado por ele desconsiderava o princiacutepio de que ldquoa luz da verdade biacuteblica eacute progressiva e deve brilhar lsquomais e mais ateacute ser dia perfeitorsquo(Pv 418)rdquo (QUESTOtildeES 2011 p 55-57 ver tambeacutem NISTO CREMOS 1989 p 11-13)

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Agrave medida em que a discussatildeo progredia o grupo que se opunha a Conradi passou a usar declaraccedilotildees do livro Early Writings para combatecirc-lo e defender a antiga interpretaccedilatildeo de Daniel 812 Ellen G White no entan-to reagiu repreendendo-os pelo uso arbitraacuterio de seus escritos e disse que

ldquosuas observaccedilotildees anteriores tinham o propoacutesito de dar validade agrave profecia dos 2300 dias natildeo definir o [termo] diaacuteriordquo (SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609)

Na Conferecircncia Geral de 1901 Conradi discutiu a questatildeo em niacutevel particular com outros delegados e afirmou ldquoa declaraccedilatildeo de [Ellen G] White no [livro] Primeiros Escritos a respeito da questatildeo do santuaacuterio natildeo foi uma autoridade para mimrdquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo proacutepria)

Subindo de postoAteacute 1901 Conradi havia sido responsaacutevel apenas pelos campos alematildeo

e russo10 onde o adventismo vinha se desenvolvendo acentuadamente de forma que sua lideranccedila continuava sendo muito estimada pelos liacutederes ame-ricanos Os debates teoloacutegicos natildeo afetaram a reputaccedilatildeo de Conradi e ele foi eleito presidente da receacutem criada Divisatildeo Europeia Ellen G White em um de seus discursos durante a Conferecircncia enquanto comentava os avanccedilos na Europa disse ldquoo irmatildeo Conradi tem carregado uma pesada carga do traba-lho na Europardquo e dirigindo-se diretamente a ele aconselhou

Deus quer que vocecirc tenha pessoas ao seu lado e Ele quer que vocecirc decirc a elas toda motivaccedilatildeo possiacutevel Ele quer que o trabalho que vocecirc estaacute fazendo vaacute com toda a forccedila e todo o poder Vocecirc tem feito o traba-lho de muitos homens Deus tem abenccediloado os seus trabalhadores de forma imensuraacutevel Os Anjos de Deus tem feito esse trabalho natildeo o irmatildeo Conradi Ele tem aberto as portas para os anjos e dado a Deus uma oportunidade para trabalhar deixe-me dizer-lhe que Ele iraacute implantar uma operaccedilatildeo que iraacute para frente com tanta forccedila e poder que vocecirc nem sonha ldquoFeacute eacute a certeza das coisas pelas quais se esperam a evidencia das coisas que se natildeo veemrdquo Deus quer que noacutes trabalhemos pela feacute Deixe de lado toda a criacutetica toda incredulidade todo o desejo de medir os seus companheiros de trabalho que talvez

10 Em 1891 os campos Alematildeo e Russo foram separados do Campo da Europa Central e colocados sobre os cuidados de Conradi (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

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natildeo tenho tido um mileacutesimo da oportunidade que vocecirc teve (WHITE E G 1901 p 27 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Conradi era um liacuteder de muitas capacidades possuiacutea uma oratoacuteria fasci-nante11 e ao que tudo indica uma impressatildeo carismaacutetica No entanto a convi-vecircncia sobre sua lideranccedila natildeo era das mais simples Alfred Vaucher relatou que como um jovem pastor ele nunca gostou muito de se encontrar com Conra-di pois sua saudaccedilatildeo de praxe sempre era um inconveniente ldquoQuantas almasrdquo Pode-se dizer que a atitude das pessoas se polarizavam entre admiraccedilatildeo ou aversatildeo a ele (HEINZ 1987 p 18) Ou o seguiam sem questionar ou o ignora-vam (GERHARDT 1977 p 3) ldquoConradi era visto como uma personalidade patriarcal e depois de ele ter falado natildeo havia nada mais a declararrdquo(SIMON apud GROB 1974 p 12 ver tambeacutem STRAYER 1996 p 10)

Ningueacutem havia ateacute aquele momento notado ou avaliado os desvios teoloacutegicos de Conradi Aliaacutes ao que tudo indica suas opiniotildees natildeo eram perceptiacuteveis agrave lideranccedila da Associaccedilatildeo Geral localizada nos EUA Perigosa-mente quando foi eleito presidente da Divisatildeo Europeia ele jaacute havia fixado grande parte das opiniotildees problemaacuteticas que se manifestariam nos anos sub-sequentes Conradi comeccedilou a disseminar as ideias contraacuterias agraves doutrinas da Igreja e a semear duacutevidas com respeito ao ministeacuterio de Ellen G White (HEINZ 1998 p 102 SCHWARZ 1979 p 475)

Em 1910 Conradi em uma carta para Daniells falando sobre a discus-satildeo do ldquodiaacuteriordquo comentou

Eu estou feliz que a Sr White tenha falado tatildeo abertamente que eles natildeo deveriam citaacute-la a favor de certas opiniotildees Eu penso que se isso fosse colocado como um princiacutepio o estudo cuidadoso da Biacuteblia passaria a ser mais faacutecil para nossos irmatildeos no futuro (HA-LOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre ver HALOVIAK 1979 p 37)

Embora Conradi estivesse certo em reprovar aqueles que recorriam di-retamente aos escritos de Ellen G White como se assim fosse dispensaacutevel o

11 Nas palavras de quem o ouviu pregar ldquoL R Conradi era meu pregador favorito quando eu ainda jovem frequentava as campais em Dakota do Norte [hellip] Ele tinha a habilidade de estimular ambos jovens e velhos [hellip] Seus gestos eram dramaacuteticos e ele sabia como manter as pessoas jovens atentas e as pessoas idosas acordadasrdquo (BIETZ 1996 p 1-2 traduccedilatildeo livre ver tambeacutem WESTPHAL 1911 p 17 SPIES 1911 p 1 e 6 PAGES 1926 p 4)

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cuidadoso estudo da Biacuteblia havia ainda mais por detraacutes de sua declaraccedilatildeo Sua intenccedilatildeo natildeo era desenvolver um modelo correto para a interpretaccedilatildeo dos escritos de Ellen G White mas anular por completo a validade do seu ministeacuterio profeacutetico

Um novo paradigma de interpretaccedilatildeoEm fevereiro de 1910 Z G Baharian um missionaacuterio no campo turco

(NEUFELD 1996 v 10 p 154) informou W C White e W A Spicer pre-sidente da Conferencia Geral que Conradi vinha levantando crescentes duacute-vidas a respeito do Espiacuterito de Profecia Ele traccedilou um histoacuterico do que vinha acontecendo desde 1898 quando a mensagem de Reforma de Sauacutede comeccedilou a ser introduzida na Europa ateacute onde um conciacutelio ocorrido em Constantino-pla Conradi havia buscado provar que os escritos de EGW possuiacuteam diferentes niacuteveis de inspiraccedilatildeo e que os escritos com as orientaccedilotildees sobre sauacutede natildeo esta-vam no ldquocluberdquo dos inspirados Portanto nas palavras de Conradi ldquoos escritos dela natildeo eram um guia segurordquo para eles (HALOVIAK 1979 p 28-29)

Depois de se desligar da Igreja Adventista Conradi escreveu que um de seus motivos para rejeitar Ellen G White foi a descoberta da omissatildeo de algumas palavras entre a primeira e a segunda publicaccedilatildeo de suas primeiras visotildees (CONRADI 1932) Mudanccedilas tais como as que aconteceram entre a primeira e a segunda ediccedilatildeo do livro The Great Controversy12 tambeacutem foram estranhas agrave compreensatildeo de inspiraccedilatildeo que ele detinha Em uma carta tro-cada com Conradi W A Spicer argumentou com ele

Uma questatildeo mais importante do que o assunto dos meros deta-lhes de uma correccedilatildeo ou de uma declaraccedilatildeo equivocada (nos li-vros Spirit of Prophecy) eacute a questatildeo de como trataremos dos toacutepicos que tem passado pela matildeo de vaacuterios editores Noacutes temos tido um pequeno conflito com alguns de noacutes por muitos anos tentando fazer os irmatildeos verem que natildeo seria correto conferir qualquer au-toridade extraordinaacuteria para detalhes dessa natureza [hellip] Mas uma coisa eacute certa irmatildeo Conradi seguramente essas frases e declaraccedilotildees histoacutericas nesses livros tecircm sido corrigidas da mesma forma que em qualquer outro livro Claro que noacutes devemos levar em consideraccedilatildeo

12 Para uma anaacutelise sobre essas duas ediccedilotildees do livro ldquoO Grande Conflitordquo consultar Dou-glas (2009 p 446-450)

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todos os conselhos com o autor em fazer correccedilotildees (HALOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Conradi se revelou um ferrenho defensor da inspiraccedilatildeo verbal o que o impedia de compreender as modificaccedilotildees editoriais nos livros de Ellen G White e suas declaraccedilotildees agrave respeito ldquodo diaacuteriordquo Muitas dificuldades po-deriam ter sido evitadas caso Conradi entendesse o processo de inspiraccedilatildeo ocorrendo por pensamento e natildeo de palavra em palavra13

Em 1911 apoacutes o livro The Acts of the Apostles ser publicado W C White enviou uma interessante carta para Conradi em que ele explicava como sua matildee havia trabalhado na composiccedilatildeo do livro

O trabalho preliminar levou mais ou menos cinco meses de lei-tura e pesquisa entatildeo se seguiu o trabalho de selecionar aqueles artigos porccedilotildees e manuscritos que mais claramente representa-ram o que ela desejava dizer [hellip] Dia a dia os manuscritos foram submetidos a leitura da Mamatildee [hellip] Ela marcou os manuscritos livremente escreveu e adicionou palavras frases e periacuteodos para fazer afirmaccedilotildees mais claras e mais fortes Por fim estas foram submetidas para serem copiadas uma segunda vez (WHITE W C 1981 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Sendo que W C White neste momento jaacute havia sido informado por Baharian o missionaacuterio em campo turco do meacutetodo de ldquoseleccedilatildeo de conteuacutedo inspiradordquo que Conradi vinha seguindo eacute de se esperar que os pormenores da redaccedilatildeo de The Acts of the Apostles natildeo foram mencionados por acaso W C White queria descrever de maneira mais clara para Conradi como sua matildee nor-malmente procedia na composiccedilatildeo dos escritos Seguramente The Acts of the Apostles foi um dos livros em que Ellen G White mais livremente editou o con-teuacutedo ateacute que ele chegasse a sua forma final sendo portanto um bom exemplo de como a noccedilatildeo de inspiraccedilatildeo verbal natildeo se adequava ao seu ministeacuterio

13 Resumidamente temos aqui duas teorias de inspiraccedilatildeo a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo do pen-samentordquo e a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo verbalrdquo A inspiraccedilatildeo do pensamento entende que Deus daacute a mensagem ao profeta e permite-lhe transmiti-la com suas proacuteprias caracteriacutesticas de lin-guagem numa associaccedilatildeo do divino com o humano Jaacute a teoria de inspiraccedilatildeo verbal propotildee que Deus age diretamente na escolha das palavras usadas na comunicaccedilatildeo da mensagem Este modelo impotildee seacuterias dificuldades para harmonizar questotildees como a supressatildeo de conteuacutedo ou a reformulaccedilatildeo de frases em uma mensagem jaacute transmitida pelo profeta anteriormente Para uma melhor entendimento do assunto ver por exemplo Douglas (2009 p 16-17)

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A Conradi foi posto um dilema ou rejeitava seu paradigma do proces-so de revelaccedilatildeo-inspiraccedilatildeo ou rejeitava o dom profeacutetico de Ellen G White Mas as explicaccedilotildees dadas por W C White ao inveacutes de esclarecedoras so-aram gritantes agraves convicccedilotildees que Conradi defendia14 Quatro anos depois (1914) Conradi comentou de forma aberta e declarada qual era sua opiniatildeo a respeito do livro The Acts of the Apostles

As chapas [para a impressatildeo do livro] Atos dos Apoacutestolos chegaram mas eu me senti desanimado quando vi a paacutegina do tiacutetulo e sobre ela a Sra Ellen G White Talvez em menor instacircncia de certo porque ele seraacute disseminado entre o nosso proacuteprio povo Mas noacutes desco-brimos que toda a Europa tem uma grande aversatildeo a escritos reli-giosos e teoloacutegicos escritos por mulheres e entatildeo vocecirc perceberaacute que nas ediccedilotildees [do livro] para a colportagem noacutes simplesmente dizemos E G White e dessa forma de maneira alguma a primei-ra paacutegina indica que [o livro] eacute escrito por uma mulher (GROB 1974 p 13-14 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Aleacutem da crescente dissonacircncia doutrinaacuteria com o tempo surgiram tambeacutem choques administrativos entre Conradi e a direccedilatildeo mundial da Igre-ja que vieram abalar fatalmente sua feacute adventista

O surgimento dos Adventistas da Reforma

Em 1914 com o comeccedilo da I Guerra Mundial as comunicaccedilotildees entre a Alemanha e os EUA se tornaram difiacuteceis e a Divisatildeo Europeia cuja sede

14 Herbert Douglas faz um interessante comentaacuterio sobre o grupo dos defensores da inspiraccedilatildeo verbal no meio adventista ldquoOs deste grupo (e satildeo muitos) que permaneceram na igreja como liacutederes de influecircncia na administraccedilatildeo ou no evangelismo criam que eram os uacutenicos capazes de salvar a denominaccedilatildeo da apostasia Podiam [sic] citar como exemplos de onde esse pensamento os levaria muitos que tentaram lsquoreinterpretarrsquo Ellen G White ndash homens como os irmatildeos Bal-lenger (A F e E S) J H Kellogg A T Jones W A Colcord E J Waggoner L R Conradi e W W Fletcher Um traccedilo comum a todos esses liacutederes notoacuterios que desertaram era a decisatildeo de lsquoque o Espiacuterito de Profecia podia ser dividido em partes lsquoinspiradasrsquo e lsquonatildeo inspiradasrsquo Parece relevante que na maioria dos casos os que comeccedilaram a fazer essas classificaccedilotildees perderam finalmente a confianccedila no Espiacuterito de Profeciardquo (DOUGLAS 2009 p 441)

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e a maior parte dos membros ficava na Alemanha se isolou do restante da Igreja mundial A Igreja europeia natildeo tinha a mesma experiecircncia que a Igreja nos EUA acumulara durante a Guerra Civil nem buscara desenvolver contatos com as autoridades militares durante os tempos de paz Faltava orientaccedilatildeo de como proceder em tempos de guerra Logo problemas com o saacutebado e o por-te de armas comeccedilaram a aparecer e alguns adventistas negaram-se a apoiar qualquer esforccedilo beacutelico levando ao fechamento de todas as igrejas adventistas em uma regiatildeo da Alemanha Sabendo da execuccedilatildeo de membros de um gru-po religioso que mantivera suas fortes convicccedilotildees pacifistas a lideranccedila alematilde

ldquoinformou por escrito ao ministro de guerra alematildeo [hellip] que os recrutas adven-tistas do seacutetimo dia portariam armas como combatentes e prestariam serviccedilo no dia de saacutebado em defesa de seu paiacutesrdquo Tambeacutem era obrigatoacuterio o envio das crianccedilas para escola aos saacutebados sobre pena de prisatildeo dos pais caso elas faltas-sem Com respeito a isso foi feito um acordo para que pudessem levar a Biacuteblia e lecirc-la em sala de aula (SCHWARZ 2009 p 364-365 372)

A declaraccedilatildeo emitida pela lideranccedila alematilde negava a postura pacifista que os adventistas historicamente defendiam e comprometia seriamente a observacircncia do saacutebado como um princiacutepio inegociaacutevel Previamente um grupo dissidente que viria a se tornar o Movimento dos Adventistas da Re-forma havia se revoltado contra a administraccedilatildeo da Igreja A falha cometida por Conradi e os demais liacutederes subordinados a ele deram ao grupo um pre-texto para continuar a rebeliatildeo Caso a lideranccedila encabeccedilada por Conradi houvesse se mantido firme aos princiacutepios adventistas o Movimento Adven-tista da Reforma dificilmente haveria se concretizado (OLIVEIRA 1985 p 129-132 SCHWARZ 2009 p 619-132)15 Como resultado da crise ocorrida na Alemanha na Conferecircncia Geral de 1918 foram tomadas medidas para evitar que uma Divisatildeo da Igreja agisse de maneira tatildeo independente em relaccedilatildeo ao restante da Igreja mundial (SCHWARZ 2009 p 315)

Revolta contra a lideranccedilaApoacutes o teacutermino da guerra uma delegaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral se dirigiu a

Alemanha com o objetivo de resolver os equiacutevocos cometidos durante a I Guerra Mundial Boa parte dos liacutederes alematildees reconheceram suas atitudes precipitadas mas Conradi prosseguiu irredutiacutevel afirmando que havia tomado as decisotildees certas segundo as exigecircncias da circunstacircncia (SCHWARZ 2009 p 620)

15 Com respeito ao surgimento do Movimento Reformista e suas praacuteticas ver Kramer (1991)

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Em 1922 Conradi foi afastado da presidecircncia da Divisatildeo Europeia Um dos motivos da natildeo reeleiccedilatildeo de Conradi pode ter sido sua avanccedilada idade na eacutepoca 66 anos (SCHWARZ 2009 p 475) suas orientaccedilotildees doutrinaacuterias e prin-cipalmente pelos erros cometidos durante a I Guerra Mundial (GROB 1974 p 7) L H Christhian um americano foi eleito em seu lugar A reaccedilatildeo de Conradi na eacutepoca natildeo foi das melhores pouco antes de morrer ele expressou por escrito os seus sentimentos com respeito ao evento ldquoIsso eacute demais para suportar fazer tal coisa a um pioneiro maduro que construiu tudo por si mesmo e agora tudo eacute dado agrave um jovem um rapaz inexperiente rdquo (CONRADI apud GROB 1974 p 10 ver tambeacutem GERHARDT 1977 p 22 SCHWARZ 2009 p 476)

Conradi foi remanejado para a secretaria da Associaccedilatildeo Geral um posto de pouca expressatildeo administrativa o que representou uma mudanccedila draacutestica na rotina profissional de um homem acostumado agrave lideranccedila ativa Profundamente ofendido (GROB 1974 p 8 GERHARDT 1977 p 21 HEINZ 1987 24) e com a convicccedilatildeo de que ningueacutem poderia substituiacute-lo Conradi passou a agir como um ldquoconsultorrdquo dos campos missionaacuterios uma funccedilatildeo sem muito poder e influecircncia (GERHARDT 1977 p 7)

Ele passou entatildeo a dedicar bastante tempo para escrever e publicar Em 1923 no livro Das Golden Zeitalter ele enfatizou que ldquoo Movimento Adventista natildeo eacute um movimento estatunidense mas que remonta aos tempos da Reformardquo (DELAFIELD 1957 p 288 HEINZ 1987 p 22) e buscou desenvolver uma identidade independente para o adventismo europeu A partir de 1925 ele co-meccedilou a visitar as principais bibliotecas europeias e americanas onde costumava pesquisar sem interrupccedilatildeo das 9 horas da manhatilde ateacute as 18 horas da tarde (GROB 1974 p 9 19 RANDOLPH 1940 p 8) Somente no Museu Britacircnico ele de-dicou seis meses dessa carregada rotina (RANDOLPH 1940 p 8) Enquanto explorava a Biblioteca de Nova Iorque disse ter encontrado a prova para alegar que as primeiras visotildees de Ellen G White foram intencionalmente deixadas de fora das ediccedilotildees posteriores o que justificava ainda mais suas duacutevidas com res-peito ao livro Early Writings (CONRADI 1932 HEINZ 1998 p 102)

Desligando-se definitivamenteEm 1930 por volta dos 75 anos de idade Conradi ainda alimentava

esperanccedilas de ser eleito presidente da Associaccedilatildeo Geral mas foi desapon-tado pela escolha do australiano C H Watson (ADVENTIST 1985 p 52) No veratildeo de 1931 um comitecirc se reuniu no Coleacutegio de Fridensau Alemanha para ouvir Conradi e tentar convencecirc-lo a abandonar as ideias de desarmonia

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com a Igreja Entretanto a reconciliaccedilatildeo natildeo foi possiacutevel Encolerizado em um dos momentos da reuniatildeo esbravejou ldquoEu lhes dei tudo eu lhes dei as instituiccedilotildees e as igrejas Vocecircs tecircm o dinheiro o diacutezimo e as ofertas Vocecircs tecircm tudo eu natildeo tenho nadardquo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 22) Posteriormente seguiu argumentando

De onde Tiago White retirou o seu material nos primeiros dias Dos Batistas do Seacutetimo Dia [hellip] Irmatildeos orem por mim assim como oro por vocecircs Se algueacutem quisesse harmonia eu seria essa pessoa [hellip] Eu acredito na vitoacuteria da mensagem mas isso natildeo significa que cada tijolo estaacute posto corretamente [hellip] Eu devo seguir o meu caminho Eacute algo estranho algo peculiar [hellip] Acredite em mim haacute Algueacutem que examina tudo e ante Quem eu devo prestar contas16

A Associaccedilatildeo Geral tentou novamente reconciliaccedilatildeo e em outubro do mesmo ano Conradi se dirigiu aos EUA agrave sessatildeo do Conciacutelio Outonal da Associaccedilatildeo Geral uma seleta comissatildeo de presidentes e professores de teo-logia17 onde se dispuseram a ouvir suas opiniotildees A comissatildeo natildeo aceitou sua posiccedilatildeo teoloacutegica mas propocircs que se ele parasse de atacar a Igreja publi-camente sua credencial poderia ser mantida normalmente (GROB 1974 p 9-10 HEINZ 1998 p 107-108)

Ainda em 1928 Conradi havia recebido um livro com a histoacuteria da Igreja Batista do Seacutetimo Dia Em novembro de 1931 um mecircs apoacutes o acordo de ldquonatildeo ataque a Igrejardquo entrou em contato com os lideres da denominaccedilatildeo Batista do Seacutetimo Dia nos EUA e apoacutes uma bem sucedida aproximaccedilatildeo foi-lhe con-cedida uma credencial Assim Conradi partiu novamente para a Alemanha desta vez sem relaccedilatildeo com os Adventistas do Seacutetimo Dia mas para lanccedilar as bases da Igreja Batista do Seacutetimo Dia em solo alematildeo Em 1939 ele jaacute havia organizado 27 igrejas reunido cerca de 500 membros dos quais a maior parte era anteriormente adventista (RANDOLPH 1940 p 9 FROOM 1971 p 678 GROB 1974 p 3 SCHWARZ 2009 p 621) A despeito destes nuacuteme-ros Daniel Heinz comenta que a lideranccedila de Conradi agrave frente dos batistas do

16 Pasta DF 96 Centro de pesquisas Ellen G White ndash Brasil17 Dentre a seleta lista de pessoas presentes se encontravam C H Watson presidente da Asso-ciaccedilatildeo Geral I H Evans W H Branson E Kotz M E Kern J L McElbany L H Christian H F Schuberth W A Spicer F M Wilcox J J Nethery A G Daniells M L Andreasen W Mueller W W Prescott R Ruumlhling W C White e G W Schubert (HEINZ 1998 p 107)

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seacutetimo dia foi um total fracasso se comparada com sua atuaccedilatildeo pioneira nos primeiros anos do adventismo (HEINZ 1987 p 24)

Conradi morreu em 1939 Um pouco antes da sua morte terminou de escre-ver The Founders of the Seventh-Day Adventist Denomination (CONRADI 1939) um pequeno livreto cheio de amarguras e rancores contra sua antiga denomina-ccedilatildeo atacando pessoalmente Joseacute Bates Guilherme Miller Tiago White Ellen G White e outros Seu filho um notaacutevel meacutedico continuou sendo adventista (DE-LAFIELD 1957 p 296) e destacou-se pela manutenccedilatildeo do sanatoacuterio de Zeh-lendorf Berlim durante a Segunda Guerra Mundial (CHRISTIAN 1947 p 24)

Em vista do ofensivo conteuacutedo que Conradi havia publicado antes de sua apostasia Le Roy Edwin Fromm foi impelido a escrever os quatro volumes da seacuterie The Profetic Faith of Our Fathers em reposta aos desafios lanccedilados por Conradi (FROOM 1971 p 259 SCHWARZ 2009 p 397) Conradi ldquofez muito para desenvolver a obra na Alemanha apenas para mais tarde se voltar abertamente contra elardquo (SCHWARZ 2009 p 186)

Como Conradi chegou agrave apostasiaA apostasia de Conradi natildeo foi simplesmente doutrinaacuteria Ao lado de

suas convicccedilotildees teoloacutegicas de amplo amparo acadecircmico pode-se facilmente identificar motivaccedilotildees pessoais contra Ellen G White e a lideranccedila da Igreja Conradi foi desde cedo atraiacutedo pelo lado abstrato e impessoal da verdade Para ele verdade se resumia primariamente a uma ldquoteoria ou postuladordquo sendo experimentada apenas em seu acircmbito seco e racional (FROMM 1971 p 259 e 679 GROB 1974 p 20-21) Natildeo havia espaccedilo para experiecircncias mais pessoais e profundas com Deus e ele passou a enterrar suas frustraccedilotildees individuais em baixo de teologia associada agrave erudiccedilatildeo

Eacute difiacutecil indicar algum momento na vida de Conradi em que ele aceitou seguramente Ellen G White como profetisa (GROB 1974 p 15 HEINZ 1987 p 10) Antes de seus problemas pessoais com o adulteacuterio a reaccedilatildeo dele para com ela foi indefinida e duacutebia Contudo a partir da discussatildeo sobre o ldquodiaacuteriordquo uma clara postura contra Ellen G White foi sendo assumida O contexto de sua conversatildeo em um ciacuterculo adventista afetado pelas criacuteticas de Snook e Brinkerhoff criou duacutevidas desde a primeira vez em que ele ouviu falar do casal White Sua ida para estudar em Battle Creek foi uma boa oportuni-dade para conhecer pessoalmente Tiago e Ellen G White e tirar suas proacuteprias conclusotildees Por outro lado seus questionamentos ao inveacutes de sanados com o tempo se tornaram ainda mais fortes Aleacutem dos fatores de ordem pessoal

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Conradi manteve sua convicccedilatildeo na inspiraccedilatildeo verbal em oposiccedilatildeo agrave maneira livre com a que Ellen G White trabalhava na composiccedilatildeo de seus escritos

ConsequecircnciasJohann Helmut Gerhardt avalia que Conradi foi para a Igreja na Eu-

ropa o que J H Kellogg significou para a Igreja nos EUA (GERHARDT 1977 p 3) Todavia em contraste com a apostasia de Kellogg as consequecircn-cias deixadas por Conradi foram bem mais duradouras e proporcionalmente mais catastroacuteficas Conradi apoacutes se separar do adventismo natildeo poupou es-forccedilos em atacaacute-lo (FROOM 1971 p 483) O pior natildeo foram os 500 mem-bros que ele reuniu na Igreja Batista do Seacutetimo Dia mas as ideias que ele difundiu dentro do adventismo e a heranccedila que ele deixou mesmo depois de abandonar suas fileiras Durante muitos anos Conradi natildeo promoveu suas ideias abertamente principalmente quando em contato com os liacutederes ame-ricanos ldquoEmbora na aparecircncia exterior tudo parecesse ir bem estavam em operaccedilatildeo influecircncias sutis que posteriormente afetariam de forma negativa a igreja na Europa durante muitos anosrdquo (SCHWARZ 1979 p 475)

Influecircncia pela paacutegina impressaEmbora fosse um bom orador sua influecircncia foi sentida principalmente

atraveacutes do que ele publicou (GROB 1974 p 19) Sendo um haacutebil e proliacutefi-co escritor sua erudiccedilatildeo e talento conferiram bastante peso a suas opiniotildees No total a circulaccedilatildeo dos livros e panfletos escritos por Conradi eacute estimada entre 12 agrave 15 milhotildees de unidades (HEINZ 1987 p 22 e 24) Apenas seu comentaacuterio sobre Daniel e Apocalipse foi reimpresso 40 vezes chegando agrave soma de 4 milhotildees de exemplares (GROB 1974 p 19)18 Segundo dados es-tatiacutesticos tardios de 1953 apenas 1232629 livros de Ellen G White haviam sido vendidos na Europa (GROB 1974 p 18) em contraste com os 12 agrave 15 milhotildees de Conradi A correlaccedilatildeo destes dados mostra que a divulgaccedilatildeo dos livros de Conradi superou em muito a difusatildeo dos escritos de Ellen G White ou qualquer outro autor denominacional No quadro americano vaacuterios liacutede-res expunham seus entendimentos teoloacutegicos Embora por vezes a livre ma-nifestaccedilatildeo de ideias provocasse acalorados debates ela impedia a prevalecircncia

18 Segundo Algusto Pages (1926 p 4) ateacute 1926 2485000 exemplares dos livros de Conradi haviam sido vendidos

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de opiniotildees precipitadas Em contraste no contexto europeu Conradi atuou praticamente sozinho sem ningueacutem para criticaacute-lo ou avaliar suas opiniotildees

A dependecircncia que a Europa adventista tinha da imprensa alematilde e o su-porte que ela dava agrave obra de colportagem atuante em vaacuterios paiacuteses resultou na vasta disseminaccedilatildeo das obras de Conradi por todo o territoacuterio europeu Por volta de 1898 ano em que Conradi passou a rejeitar Ellen G White de-finitivamente ateacute 1931 quando sua credencial adventista foi retirada com-preende-se um periacuteodo de 33 anos dos quais 22 correspondem ao apogeu de sua influecircncia administrativa como presidente da Divisatildeo Europeia Mesmo depois de 1922 quando Conradi deixou de ser presidente sua figura pa-triarcal continuou sendo respeitada e admirada pela comunidade adventista (GROB 1974 p 20)19 Foi a partir desse periacuteodo que ele encontrou mais tempo para escrever e desenvolver melhor o que pensava

Os fatores soacutecioculturaisConradi comeccedilou em 1898 a minimizar a importacircncia do Movimento

Milerita Americano e transferir a interpretaccedilatildeo do anuacutencio das trecircs mensagens angeacutelicas para Lutero enfatizando a Reforma Protestante Os europeus jaacute pa-reciam estar menos dispostos agrave mudanccedila espiritual promovida pelo adventis-mo em parte por causa de sua origem americana (SCHWARZ 2009 p 278-279) Conradi contribuiu para que essa barreira fosse fortalecida tanto no que diz respeito a Ellen G White quanto agrave aceitaccedilatildeo do adventismo como um todo

Pode-se pressupor que naturalmente devido aos fatores soacutecioculturais se encontrou oposiccedilatildeo aos escritos de Ellen G White na Europa por causa de sua origem estadunidense e por ser mulher Contudo nos primeiros anos da obra adventista europeia a Igreja natildeo encontrou tal predisposiccedilatildeo dentro do ciacuterculo iacutentimo de membros O proacuteprio Conradi fez algumas traduccedilotildees dos escritos dela para o alematildeo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 10) Em 1903 os adventistas alematildees organizaram uma campanha baseada na venda do receacutem lanccedilado livro dela Paraacutebolas de Jesus com a intenccedilatildeo de arrecadar fundos para a construccedilatildeo do coleacutegio de Fridensau (SCHWARZ 2009 p 212 e 276)20 Se nesse momento jaacute existissem predisposiccedilotildees natu-

19 Pode-se ver como exemplo de sua popularidade uma festa que foi organizada em Ham-burgo nas dependecircncias da Casa Publicadora para o seu aniversaacuterio de 70 anos com a presen-ccedila de 500 pessoas (PAGES 1926 p 4)20 A seguir se encontra uma carta em que Ellen G White comenta as doaccedilotildees que vinha fa-zendo para o campo europeu ldquoOntem a tarde apoacutes a conferecircncia eu apelei por uma contri-

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rais contra ela natildeo seria comercialmente estrateacutegico arrecadar fundos com a venda de um livro de autoria impopular

Conradi alegou que sua ruptura natildeo comeccedilou diretamente com a Igreja mas com a aceitaccedilatildeo do ministeacuterio profeacutetico de Ellen G White (CONRADI 1932) A partir de entatildeo ele passou a minimizar o trabalho e os escritos dela numa tentativa de ldquosalvarrdquo a Igreja de sua influecircncia A intenccedilatildeo de Conradi pode ter sido facilitada pelo crescente nacionalismo ocorrido nos anos seguin-tes da Alemanha nazista quando foi incutida a convicccedilatildeo de que a cultura alematilde apresentava um paradigma mais elevado e eficiente para todas as aacutere-as praacuteticas e filosoacuteficas da cultura Consequentemente criou-se uma repulsa por tudo o que era de origem estrangeira principalmente no que se referia ao acircmbito ideoloacutegico Conradi jaacute havia rivalizado em seus escritos a Igreja alematilde com a americana e soava antipatrioacutetico depender da Igreja nos EUA

Legalismo e enfraquecimento da identidade denominacional

Segundo Fredy Grob e J H Gerhardt um outro fator a ser destacado eacute o forte cunho legalista que Conradi imprimiu na formaccedilatildeo adventista europeia A mentalidade formada por Conradi nunca levou as pessoas a entenderem as dimensotildees espirituais do saacutebado da doutrina do santuaacuterio e das trecircs mensa-gens angeacutelicas Levando tudo a ser tratado apenas no seu acircmbito seco e racio-nal (GROB 1974 p 21-22 GERHARDT 1977 p 3) ldquoIsso tudo por causa de um homemrdquo questiona Grob ldquoEu estou seguro que ele teve muito a verrdquo (GORB 1974 p 21 traduccedilatildeo livre)

A experiecircncia individual dos liacutederes em Minneapolis resultou na recu-peraccedilatildeo de um adventismo doutrinariamente fragilizado onde quer que eles atuassem (SCHWARZ 2009 p 183-185) Em contraste a atitude insolente de Conradi em 1888 impediu que sua visatildeo administrativa se importasse com a justificaccedilatildeo pela feacute ou com a eliminaccedilatildeo do legalismo A esfera da Igreja

buiccedilatildeo para as missotildees estrageiras e aproximadamente 100 doacutelares foram levantados Isso seraacute enviado para o pastor [L R] Conradi Ele estaacute impulsionando o trabalho na Europa com todas as suas forccedilas e estaacute explorando novos campos Ele precisa de dinheiro Eu jaacute tenho dado agrave aqueles que estatildeo encarregados do trabalho na Europa permissatildeo para usar mil doacutelares dos di-reitos dos meus livros no pagamento de traduccedilotildeesrdquo (WHITE E G v 10 p 64 traduccedilatildeo livre)

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que esteve sob sua tutela natildeo passou pela reforma21 que naquele momento o adventismo tanto precisava

As criacuteticas de Conradi tambeacutem afetaram o senso de identidade denomi-nacional um dos assuntos mais cruciais e sensiacuteveis (ver KNIGHT 2006) para a sobrevivecircncia de qualquer movimento religioso Na sua opiniatildeo a experiecircn-cia milerita natildeo apontava para o surgimento de um remanescente responsaacutevel pela restauraccedilatildeo da Verdade e a pregaccedilatildeo das trecircs mensagens angeacutelicas Por fim ele concluiu assim como qualquer outro evangeacutelico que o santuaacuterio celestial nem sequer existia e que Cristo fez expiaccedilatildeo pelos pecados da humanidade logo que subiu ao Ceacuteu22 Essas e outras convicccedilotildees abalaram a consideraccedilatildeo denominacional pela Doutrina do Santuaacuterio eliminando as caracteriacutesticas distintivas do adventismo em relaccedilatildeo a outros grupos religiosos

Consideraccedilotildees finaisA eficiente administraccedilatildeo de Conradi foi durante muito tempo analisada

pelo vigor das instituiccedilotildees crescimento de membros arrecadaccedilatildeo de recursos e envio de missionaacuterios Em outras palavras Conradi foi avaliado apenas por nuacute-meros O futuro parecia ser glorioso mas com o decorrer dos anos os valores que deveriam mover a igreja foram invalidados pelo espiacuterito denominacional que Conradi modelou A qualificaccedilatildeo moral de Conradi e as motivaccedilotildees por detraacutes de suas decisotildees eacute que determinaram os reais resultados de sua influecircncia natildeo simplesmente como administrador mas tambeacutem como guia espiritual

Historiadores adventistas podem apenas imaginar o tremendo impacto ne-gativo que a influecircncia de Conradi produziu atraveacutes dos anos (WIDNER 1996 p 2) Entretanto seguramente pode-se delinear sua influecircncia no que diz respeito agrave Ellen G White e o enfraquecimento da identidade adventista Conradi plantou duacutevidas e questionamentos a respeito do ministeacuterio de Ellen G White que anula-ram a influecircncia dela sob pastores liacutederes e a comunidade leiga em geral

Um dos detalhes mais baacutesicos e determinantes para qualquer grupo re-ligioso eacute o que se escolhe como fonte de autoridade (ver KNIGHT 2006 p 59) ndash se a Biacuteblia a filosofia a tradiccedilatildeo etc ndash e as suas pressuposiccedilotildees herme-necircuticas para interpretaacute-la Eacute com base em tal elemento que a identidade o

21 Com respeito ao legalismo e a reforma que o Adventismo em meados de 1880 necessitava (ver KNIGHT 2003 p 85-87)22 Com respeito agraves convicccedilotildees pessoais de Conradi conferir sua declaraccedilatildeo em Fridensau peran-te os liacutederes da Igreja (Centro de pesquisas Ellen G White DF 96 ver tambeacutem RANDOLPH 1940 p 8 DELAFIELD 1957 p 288 e 294 FROOM 1971 679 GROB 1974 p 8-9 e 19)

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propoacutesito e todas as demais noccedilotildees caracteriacutesticas de uma denominaccedilatildeo satildeo formadas Como consequecircncia da influecircncia negativa de Conradi sob o dom profeacutetico de Ellen G White criou-se dentro do adventismo uma fraccedilatildeo que natildeo compartilha da mesma base comum de interpretaccedilatildeo e autoridade Natildeo conservando assim um consenso comum de estilo de vida missatildeo e identi-dade No sermatildeo do monte Cristo disse que ldquopelos seus frutos os conhecereisrdquo (Mt 716) Muitos consideram essa prova a mais soacutelida e segura para se testar um profeta verdadeiro ndash natildeo por acaso esse teste foi proferido pelo proacuteprio Jesus Desafortunadamente tal garantia natildeo pode ser obtida de forma instan-tacircnea Eacute necessaacuterio esperar os anos para enxergar que espeacutecie de frutos a obra de um profeta produz Em geral os maus frutos nascem primeiro

Curiosamente a igreja que deu ouvidos a Ellen G White superou crises ndash tais como a de Kellogg por exemplo ndash e manteve a unidade conservando-se em constante desenvolvimento Infelizmente o mesmo otimismo natildeo pode ser mantido quando se observa os lugares que agrave rejeitou Seriam todas as di-ficuldades que a Igreja na Europa enfrenta hoje consequecircncias do legado de Conradi Certamente que natildeo Muitos outros fatores histoacutericos e sociocul-turais tambeacutem devem ser considerados Contudo a interferecircncia de Conradi enfraqueceu o senso de identidade e a aplicaccedilatildeo da orientaccedilatildeo divina para a Igreja nos dias de hoje Dois aspectos cruciais para superar os momentos difiacute-ceis de crise Agrave luz de sua expereecircncias sraacute bom relembrar o conselho biacuteblico

ldquoAquele pois que pensa estar em peacute veja que natildeo caiardquo (1Co 1012)

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Enviado dia 15052013Aceito dia 10062013

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica1

Macro-assumption and biblical hermeneutics

Reacutegerson Molitor da Silva2

ResumoAbstract

Este estudo tem como objetivo averiguar o princiacutepio macro hermenecircutico da (a)temporalidade e sua influecircncia sobre os outros niacuteveis de interpretaccedilatildeo (micro e meso) Para poder alcanccedilar o resultado esperado o autor lanccedilou

matildeo do trabalho de Martin Heidegger Ser e tempo A posiccedilatildeo heideggeriana parece se alinhar com o pensamento biacuteblico de um Deus temporal que atua na histoacuteria de forma corrente diferente da preacute-concepccedilatildeo dogmaacutetica da atualidade onde Deus eacute atemporal Portanto se faz possiacutevel uma avaliaccedilatildeo dos pressupostos hermenecircuticos em especial a macro pressuposiccedilatildeo para uma construccedilatildeo interpretativa da Biacuteblia Palavras-chave Hermenecircutica Pressuposiccedilotildees Metafiacutesica Atemporal

The objective of this study is to verify the macro hermeneutical principle of the temporality or timelessness and its influence over the other interpreta-tion levels (micro and medium) In order to fulfill this study the author used

the work of Martin Heidegger Being and Time The position of Heidegger seems to match the biblical thought of a temporal God who acts currently in History oppo-sing the dogmatic preconception of our days when God is seen as timeless Hence it is possible to evaluate the hermeneutical presuppositions specially the macro presuppositions for an interpretative construction of the BibleKeywords Hermeneutics Assumptions Metaphysics Timeless

1 Este artigo foi baseado no segundo capiacutetulo da dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoA eterna e ontoloacutegica geraccedilatildeo do Filho enunciada no Credo Niceno-Constantinopolitano um estudo de suas implicaccedilotildees para o cristianismo biacuteblicordquo apresentado pelo mesmo autor na sua conclusatildeo do curso em 20122 Poacutes-graduado em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) bacharel em Teologia pela mesma universidade e Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) E-mail molitor7hotmailcom

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Haacute certo desconforto quando teoacutelogos com resultados interpretati-vos opostos sobre um mesmo assunto dizerm usar os mesmos conceitos de Tota e Sola Scriptura Assim eacute natural o surgimento de algumas indaga-ccedilotildees qual eacute a razatildeo para essas contradiccedilotildees teoloacutegicas sendo que a Biacuteblia eacute a fonte dos dois estudos Qual o motivo das divergecircncias interpretativas Muitas respostas a estes ldquoporquecircsrdquo poderiam ser consideradas no entan-to uma em especial merece destaque as diferenccedilas pressuposicionais de cada exegeta Em outras palavras os paradigmas hermenecircuticos satildeo res-ponsaacuteveis pela orientaccedilatildeo do modelo interpretativo (CANALE 2011 p 252) Ou seja as interpretaccedilotildees claramente contraditoacuterias sobre um mes-mo tema ocorrem devido a pressuposiccedilotildees diametralmente opostas ado-tadas por cada interprete

A proposta deste artigo eacute analisar a base pressuposicional em seus vaacute-rios niacuteveis hermenecircuticos destacando em especial o niacutevel macro hermenecircu-tico de interpretaccedilatildeo Para tanto partiremos primeiramente na busca de uma definiccedilatildeo do que seria a hemenecircutica Para facilitar o estudo seraacute conside-rada a divisatildeo de Hans Kuumlng (1999 p 162-163) a qual delimita trecircs niacuteveis hermenecircuticos micro meso e macro hermenecircutico

Breve definiccedilatildeo de hermenecircuticaA palavra ldquohermenecircuticardquo proveacutem do verbo grego hermeneuein e signi-

fica ldquodeclarar anunciar interpretar esclarecer e por uacuteltimo traduzirrdquo (PA-COMIO 2003 p 335) De forma geral segundo Kaiser e Silva (2002 p 13) a hermenecircutica ldquoeacute a disciplina que lida com os princiacutepios de interpretaccedilatildeordquo ou seja ela torna aquilo que outrora era velado em algo compreensiacutevel

Deve-se destacar que a hermenecircutica eacute considerada tanto uma ciecircn-cia ldquoporque ela tem normas ou regras e essas podem ser classificadas num sistema ordenadordquo sendo considerada tambeacutem ldquouma arte porque a comu-nicaccedilatildeo eacute flexiacutevelrdquo (VIRKLER 2001 p 9) Isto eacute ela ldquoindica uma dupla operaccedilatildeo ad extra no sentido de exprimir comunicar um significado ad in-tra como exerciacutecio de interpretaccedilatildeo que patenteia aquilo que se compreenderdquo (PACOMIO 2003 p 334)

Em siacutentese a principal tarefa da hermenecircutica eacute a interpretaccedilatildeo dos textos e a busca pela correta comunicaccedilatildeo do seu significado Para que isso ocorra eacute preciso levar em conta a relaccedilatildeo triangular entre autor-texto-leitor Logo cada texto representa a objetivaccedilatildeo escrita de um autor com uma linguagem peculiar e com um contexto especiacutefico (PACOMIO 2003 p 335-336)

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Aleacutem da linguagem e de seu significado no contexto histoacuterico especiacutefico eacute preciso levar em consideraccedilatildeo na hora da interpretaccedilatildeo os frameworks3 Em ou-tros termos o nosso quadro de leitura do mundo preconcepccedilotildees que surgem do nosso proacuteprio contexto vital que iraacute de forma consciente ou inconscientemen-te condicionar a leitura Segundo Basevi (1986 p 159 traduccedilatildeo livre) ldquotoda compreensatildeo supotildee uma preacute-compreensatildeo que estaacute por sua vez submetida a condicionamentos externos do texto (a intertextualidade)rdquo4 Portanto ao que parece deve-se identificar tais frameworks e suas pressuposiccedilotildees hermenecircuticas natildeo num niacutevel exegeacutetico (micro hermenecircutico) mas num niacutevel que sobrepotildee o framework textual Em outras palavras eacute necessaacuterio compreender o quadro que

lsquoenquadrarsquo nossa estrutura de pensamento os arqueacutetipos hermenecircuticos Na sequecircncia seraacute ponderada a diferenccedila entre a micro meso e macro

moldura [frameworks] hermenecircutica Espera-se com isso que a razatildeo do distanciamento interpretativo fique mais clara ao se compreender os dife-rentes niacuteveis hermenecircuticos que orientam uma visatildeo de mundo A anaacutelise comeccedilaraacute com a micro hermenecircutica e avanccedilaraacute pela meso ateacute a macro pres-suposiccedilatildeo Esta uacuteltima receberaacute maior atenccedilatildeo por se tratar de um elemento pouco discutido entre os estudiosos

Micro hermenecircuticaSegundo Canale (2011 p 20) a micro hermenecircutica se refere agrave exe-

gese que se aplica ao texto Ela faz uma anaacutelise detalhada e cuidadosa com o intuito de trazer agrave lume o ensino do mesmo Gordon D Fee (1983 p 21 traduccedilatildeo livre) entende assim o conceito sobre exegese

O termo ldquoexegeserdquo eacute usado [hellip] em um sentido conscientemente limitado para se referir agrave investigaccedilatildeo histoacuterica do significado do texto biacuteblico A exegese portanto responde agrave questatildeo ldquoo que o autor biacuteblico quis dizerrdquo Ela tem a ver com o que ele disse (o con-teuacutedo em si mesmo) e por que ele disse aquilo naquele momento (o contexto literaacuterio) Ainda mais a exegese estaacute primariamente preocupada com a intencionalidade ldquoo que o autor pretendia que seus leitores originais compreendessemrdquo5

3 Framework sistema de referecircncia esquema estruturaarmaccedilatildeo arcabouccediloesqueleto (ou seja a parte de uma construccedilatildeo que se destina a resistir a cargas) contexto sistema modelo4 ldquoToda comprensioacuten supone una pre comprensioacuten que estaacute a su vez sometida a condicio-namientos externos al texto (es la intertextualidad)rdquo5 ldquoThe term lsquoexegesisrsquo is used [hellip] in a consciously limited sense to refer to the historical

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Apesar da citaccedilatildeo acima conferir resumidamente o conceito de exegese e suas preocupaccedilotildees como ciecircncia o problema hermenecircutico vai aleacutem da inter-pretaccedilatildeo do texto De acordo com Sarmento (2003 p 141-142) o inteacuterprete natildeo eacute um agente passivo dessa forma seria ingenuidade negar a influecircncia dos pressupostos externos conscientes e inconscientes que cada leitor possui ao entrar em contato com o texto biacuteblico Por mais que se tente manter uma abor-dagem neutra as preacute-concepccedilotildees afetam a hermenecircutica O caminho natildeo eacute ne-gar a existecircncia das pressuposiccedilotildees ou tentar suprimi-las existe uma possibili-dade muito maior de se entender a ideia original do autor se as preacute-concepccedilotildees forem consideradas de forma consciente Para isso eacute preciso deliberadamente identificaacute-las e entatildeo fazer uso das mesmas no processo exegeacutetico (SILVA 2000 p 9) No proacuteximo toacutepico seraacute apresentado um niacutevel intermediaacuterio entre micro e macro hermenecircuticas isto eacute a meso hermenecircutica

Meso hermenecircutica

Uma questatildeo [hellip] controvertida tem a ver com o relacionamento entre a teologia e a exegese [micro hermenecircutica] Enquanto que os estu-diosos biacuteblicos tendem a ignorar ou ateacute mesmo rejeitar o valor da te-ologia sistemaacutetica [meso hermenecircutica] para o seu trabalho de inter-pretaccedilatildeo pode-se argumentar que os comprometimentos teoloacutegicos afetam inevitavelmente o processo de exegese e que tal influecircncia eacute tanto essencial quanto desejaacutevel (SILVA 2000 p 1 grifo nosso)

A ldquomeso hermenecircutica trata da interpretaccedilatildeo de questotildees teoloacutegicas e portanto pertence agrave aacuterea de teologia sistemaacuteticardquo6 (CANALE 2001 p 21 traduccedilatildeo livre) Logo diferente da micro hermenecircutica que estaacute preocupa-da com o texto em si e o seu significado histoacuterico-gramatical7 a meso her-menecircutica tem um olhar mais amplo e se preocupa com a sistematizaccedilatildeo de

investigation into the meaning of the Biblical text Exegesis therefore answers the question What did the Biblical author mean It has to do both with what he said (the-content itself) and why he said it at any given point (the literary context) Furthermore exegesis is primarily concerned with intentionality What did the author intend his original readers to understandrdquo6 ldquoMeso hermeneutics deals with the interpretation of theological issues and therefore be-longs properly to the area of systematic theologyrdquo7 O autor desta pesquisa considera o meacutetodo lsquohistoacuterico gramaticalrsquo de interpretaccedilatildeo como a ferramenta mais fiel ao interpretar o texto biacuteblico Para uma maior compreensatildeo do assunto ver Gerhard F Hasel (sd)

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um determinado tema isto eacute a visatildeo geral de determinado assunto Todavia ainda existem por traacutes da meso e da micro hermenecircutica as preacute-concepccedilotildees macro hermenecircuticas que seratildeo delineadas logo a seguir

MacrohermenecircuticaSegundo Canale

Enquanto a micro hermenecircutica se refere agrave interpretaccedilatildeo textual e a meso hermenecircutica trata da questatildeo ou interpretaccedilatildeo doutrinaacute-ria a macro hermenecircutica lida com a interpretaccedilatildeo dos primeiros princiacutepios que operam dentro da doutrina e hermenecircutica textual A macro hermenecircutica estaacute relacionada com o estudo e o esclare-cimento de questotildees filosoacuteficas direta ou indiretamente relaciona-das agrave criacutetica e formulaccedilatildeo de princiacutepios de interpretaccedilatildeo heuriacutestica concreta (CANALE 2001 p 20-21 traduccedilatildeo livre)8

Em outras palavras a macro hermenecircutica condiciona a maneira pela qual os teoacutelogos entendem a ontologia Ela conduz a reflexotildees sobre o ser de Deus que por conseguinte orientaraacute o pesquisador agrave meso (formaccedilatildeo doutrinaacuteria) e agrave micro hermenecircutica (exegese do texto) Desse modo a me-tafiacutesica confere sustentaccedilatildeo ao pensar filosoacutefico nas suas diversas aacutereas do conhecimento Essa sustentaccedilatildeo da filosofia pela metafiacutesica pode ser ilustra-da segundo o filoacutesofo Reneacute Descartes (2009 p 13 traduccedilatildeo livre) ldquocomo uma aacutervore [filosoacutefica] cujas raiacutezes eacute a Metafiacutesica o tronco eacute a Fiacutesica e os galhos que saem deste tronco satildeo todas as outras ciecircnciasrdquo9 Aparentemente a citaccedilatildeo de Descartes se mostra completa pois vai desde da metafiacutesica ateacute a moral passando pela Fiacutesica

No entanto de acordo com o filoacutesofo alematildeo Martin Heidegger exis-te um aspecto inexplorado pelo filoacutesofo francecircs e natildeo soacute despercebido por ele mas por todos os outros filoacutesofos anteriores e posteriores O que Heide-gger destaca como negligenciado de Platatildeo a Nietzsche eacute o solo em que se

8 ldquoWhile micro hermeneutics refers to textual interpretation and meso hermeneutics to is-sue or doctrinal interpretation macro hermeneutics deals with the interpretation of the first principles from within which doctrinal and textual hermeneutics operate Macro hermeneu-tics is related to the study and clarification of philosophical issues directly or indirectly related to the criticism and formulation of concrete heuristic principles of interpretationrdquo9 ldquo[Thus all Philosophy is] like a tree of which Metaphysic is the root the Physic the trunk and all the other sciences the branches that grow out of this trunkrdquo

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encontram as raiacutezes (metafiacutesica) desta grande aacutervore (HEIDEGGER 1969 p 61) A hermenecircutica estaraacute condicionada pelo solo no qual a metafiacutesica se encontra fixada (macro pressuposiccedilotildees) oferecendo uma interpretaccedilatildeo dis-crepante do mesmo assunto em relaccedilatildeo a uma hermenecircutica cujo solo (ma-cro pressuposiccedilatildeo) seja diferente Portanto macro pressuposiccedilotildees diferentes geram interpretaccedilotildees desiguais Infelizmente a influecircncia ontoloacutegica (macro pressuposiccedilatildeo) eacute negada ou passa despercebida pela maioria dos interpretes

No proacuteximo toacutepico seraacute abordado com mais detalhes a proposta de Heidegger onde se questiona segundo o mesmo autor aquilo que nunca foi questionado desde Platatildeo ateacute o segundo milecircnio de nossa era (HEIDEGGER 2005a p 27-30) O objetivo dele ao entrar na problemaacutetica da hermenecircutica tem como ldquofinalidade ontoloacutegica de desenvolver a partir delas a preacute-estrutu-ra da compreensatildeordquo (GADAMER 1999 p 44) Essa pesquisa tem o interesse nas preacute-compreensotildees ontoloacutegicas que a metafiacutesica trabalha Neste trabalho isto seraacute chamado de ldquomacro hermenecircuticardquo ou ldquomacro pressuposiccedilotildeesrdquo

Metafiacutesica como macropressuposiccedilatildeoDevo alertar que a palavra metafiacutesica no pensamento de Heidegger teoacute-

rico de maior importacircncia neste ponto da pesquisa natildeo possui apenas um sen-tido Haacute pelo menos dois sentidos atribuiacutedos em suas discussotildees O primeiro se refere agrave metafiacutesica como algo negativo ldquouma fatalidaderdquo (HEIDEGGER 2002 p 67) Essa eacute a metafiacutesica contemporacircnea que ele critica pois eacute um en-trave ao conhecimento do verdadeiro ser O segundo sentido que Heidegger usa eacute aquele que vai aleacutem do ente do ocircntico (HEIDEGGER 1969 p 39) Em ou-tras palavras Heidegger busca o que estaacute aleacutem da metafiacutesica isto eacute ele busca o verdadeiro significado do ser Portanto eacute preciso desconstruir os pressupostos dogmaacuteticos usados por vaacuterias deacutecadas como fonte legiacutetima do conhecer Essa parte do pensamento eacute importante ao presente estudo pois todas as ciecircncias estatildeo em maior ou menor grau comprometidas com a macro pressuposiccedilatildeo Portanto partindo da criacutetica heideggeriana feita agrave macro pressuposiccedilatildeo claacutes-sica seraacute investigado o sentido macro hermenecircutico dominante e seus efeitos sobre o pensamento ocidental Esse seraacute o assunto explorado a seguir

Entendendo o paradigma metafiacutesicoO sentido etimoloacutegico da palavra metafiacutesica eacute meta (ldquoaleacutemrdquo) e tagrave

physikaacute (ldquoente naturalrdquo) isto eacute a metafiacutesica busca o que estaacute aleacutem do

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ente sua investigaccedilatildeo eacute o ser ontoloacutegico natildeo o ente (ocircntico) Pode-se dizer que ldquoo paradigma metafiacutesico eacute a histoacuteria de nossa permanecircncia ele natildeo eacute entretanto o iniacutecio do nosso pensarrdquo (MICHELAZZO 2010 p 30) ou seja existe uma archeacute antes da metafiacutesica atual e eacute exatamente isso que Heidegger busca

O grande problema apontado por Heidegger em relaccedilatildeo agrave metafiacutesi-ca dogmaacutetica que tem dominado o pensamento ocidental eacute que a mesma deixou de ir aleacutem do ente Para o mesmo autor os primeiros pensadores antes de Platatildeo entendiam a phyacutesis como o surgimento ou presenccedila ma-nifesta por isso a phyacutesis era vista como a unidade ordinaacuteria que congrega tanto aquilo que brota (movimento) quanto o que se reteacutem (permanece em repouso) Para eles natildeo havia separaccedilatildeo do real em dois grandes blocos em permanente oposiccedilatildeo denominados de temporal e atemporal

sensiacutevel e supra-sensiacutevel material e espiritual imanente e transcen-dente ou entatildeo conforme o dualismo moderno realista e idealista subjetivo e objetivo O fundo escuro da caverna e a claridade do sol na pradaria eram para eles formas ou manifestaccedilotildees de uma uacutenica realidade porque procediam de uma mesma fonte Natildeo havia moti-vo para duvidar da realidade (MICHELAZZO 2010 p 31)

Essa forma de pensar dualiacutestica para Heidegger eacute o grande problema da metafiacutesica desde os tempos de Platatildeo ele considera essa ldquointerpretaccedilatildeo ontologicamente inadequadardquo (HEIDEGGER 2005a p 97) Isso porque ela elimina o ser como ser (real no sentido total de phyacutesis) e passa a viver a imagem de um ente extramundano em outras palavras a realidade eacute apenas sombra de uma realidade superior e atemporal portanto o ser no sentido ocircntico coisificado estaacute longe do ser ontoloacutegico por mais que se tente al-canccedilar o ente supremo ainda deixaraacute a desejar por isso confere-se tanto va-lor agraves coisas (no sentido de ser isso ou aquilo) e o proacuteprio ser humano passa a ser um objeto em si (HEIDEGGER 2005a p 84) Para Heidegger essa visatildeo ontoloacutegica modela nossa visatildeo de mundo

No proacuteximo toacutepico seraacute analisada a chave para a compreensatildeo da ma-cro pressuposiccedilatildeo isto eacute ldquoo tempo eacute o ponto de partida do qual a presen-ccedila sempre compreende e interpreta implicitamente o serrdquo (HEIDEGGER 2005a p 45) Em outras palavras a forma como se entende o conceito de tempo moldaraacute a visatildeo ontoloacutegica e por conseguinte as possibilidades her-menecircuticas de interpretaccedilatildeo

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O tempo agrave luz da problemaacutetica da temporalidade

Segundo Heidegger (2005 p 46) o tempo funciona como criteacuterio on-toloacutegico ldquopara distinguir as regiotildees e modos do serrdquo por isso dependendo do conceito de tempo estabelecido a visatildeo do ser seraacute diferenciada isto eacute

ldquoa problemaacutetica central de toda a ontologia se funda e lanccedila suas raiacutezes no fenocircmeno do tempordquo (HEIDEGGER 2005a p 46) Basicamente existem duas formas (macro pressuposiccedilotildees) de entender a questatildeo do tempo todas as outras satildeo derivaccedilotildees de uma delas

A primeira maneira de conceber a natureza do tempo tem sua origem em Platatildeo (2011 p 119) que constitui o ldquotempordquo (kroacutenos) como a ldquoimagem moacutevel da eternidade [aioacuten] [hellip] uma imagem eterna que avanccedila de acordo com o nuacutemerordquo Partindo do dualismo entre mundo supra-sensiacutevel e mundo sensiacutevel Platatildeo assume o tempo como uma aparecircncia mutaacutevel e pereciacutevel de uma essecircncia imutaacutevel e impereciacutevel Enquanto o ldquotempordquo (kroacutenos) eacute a esfe-ra tangiacutevel moacutebil a ldquoeternidaderdquo (aioacuten) eacute a esfera intangiacutevel e imoacutevel Posto que o ldquotempordquo representa uma imagem ele natildeo passa de uma imitaccedilatildeo (miacute-mesis) da eternidade (aioacuten) Ou seja o tempo eacute uma coacutepia imperfeita de um modelo perfeito a eternidade

Essa parece ser a visatildeo que a grande parte dos teoacutelogos sustentam a respeito do tempo e por conseguinte da eternidade (ver HODGE 2001 p 189)10 Portanto esta primeira concepccedilatildeo de tempo concorda com uma separaccedilatildeo entre o mundo sensiacutevel lsquotemporalrsquo e supra-sensiacutevel lsquoatemporalrsquo A variaccedilatildeo dessa percepccedilatildeo se daacute nas diversas formas onde satildeo construiacutedas pontes para acessar ou natildeo11 o tόpυς ούρανου (HEIDEGGER 2005a p 46) Desde Platatildeo ateacute Nietzsche a macro pressuposiccedilatildeo dualiacutestica de tempo (temporal e atemporal) tem reinado como base do pensar filosoacutefico e teo-loacutegico orientando assim toda a estrutura hermenecircutica do conhecimento (MICHELAZZO 2010 p 35-66) O tempo ideal eacute algo que acontece fora do ser humano ou seja num mundo supra-sensiacutevel ou na percepccedilatildeo do mo-vimento da coisa (ente) vindo ao encontro no horizonte temporal

10 Hodge (2001 p 189) alega que ldquoa eternidade o presente sem mudanccedila sem princiacutepio e sem fim compreende o tempo inteiro e coexiste como um momento natildeo divididordquo11 Descarte eacute um exemplo de filoacutesofo que nega o mundo supra-sensiacutevel no entanto coloca no lugar do mesmo o lsquocogito ergo sumrsquo (ldquopenso logo existordquo) isto eacute continua com a mesma base dua-liacutestica (res cogitans e extensa) onde o referencial continua fora do ser (ver MICHELZZO 2010 p 60)

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A segunda forma de conceber o tempo pode ser conhecida em especial na filosofia de Heidegger Tal filosofia nega o conceito de tempo platocircnico (kroacutenos como uma imagem do aiacuteon) e apodera-se do conceito de tempo lsquonatu-ralrsquo de Aristoacuteteles que pela primeira vez conceituou a compreensatildeo vulgar do tempo a sua ldquointerpretaccedilatildeo do tempo movimenta-se sobretudo na direccedilatildeo da compreensatildeo ontoloacutegica lsquonaturalrsquordquo (HEIDEGGER 2005b p 233) Contu-do apesar de aceitar o conceito aristoteacutelico de tempo natural como movimen-to ele nega o referencial que o mesmo toma (NUNES 2000 p 188-192) Em outras palavras para Aristoacuteteles assim como para Platatildeo a referecircncia tempo-ral estaacute fora do sujeito no caso de Platatildeo ldquoacimardquo num mundo supra-sensiacutevel e em Aristoacuteteles (Fiacutesica 219b) no ldquodevirrdquo interpretando o tempo em funccedilatildeo do presente a intuiccedilatildeo de um agora ldquoo tempo eacute justamente isto nuacutemero do movimento segundo o anterior e o posteriorrdquo Portanto a visatildeo de tempo de Aristoacuteteles eacute dirigida ldquocomo [uma] sequecircncia de agoras que emergem e desa-parecem [onde] temos a imagem derivada da eternidade [aiacuteon] jaacute tecida por Platatildeordquo (BLASIO 2007 grifo nosso) Heidegger ao contraacuterio interpretou o tempo em termos de possibilidade ou de projeccedilatildeo o tempo eacute originariamente o ldquoporvirrdquo (Zu-kunft) o porvir do ente para si mesmo na manutenccedilatildeo da pos-sibilidade caracteriacutestica como tal (HEIDEGGER 2005b p 123)

ldquoPorvirrdquo natildeo significa aqui um agora que ainda-natildeo tendo se tor-nado ldquorealrdquo algum dia o seraacute Porvir significa o advento em que a presenccedila vem a si em seu poder-ser mais proacuteprio Eacute a antecipaccedilatildeo que torna a presenccedila [ser-aiacute] propriamente porvindoura de tal ma-neira que a proacutepria antecipaccedilatildeo soacute eacute possiacutevel na medida em que a presenccedila [ser-aiacute] enquanto ente sempre jaacute vem a si ou seja em seu ser eacute e estaacute por vir (HEIDEGGER 2005b p 119 grifo nosso)

ldquoEnquanto o futuro proacuteprio tem o caraacuteter de lsquoanteciparrsquo ou lsquoprecursarrsquo [Vorlaufen] o improacuteprio eacute um lsquoestar agrave esperarsquo [Gewaumlrtigen]rdquo (SEIBT 2010 p 255) Isto eacute no futuro no modo inapropriado o Dasein (ldquoser-aiacuterdquo) espera que o futuro faccedila algo dele (sujeito passivo diante do ente ativo ldquoo tempo passardquo) enquanto que no modo proacuteprio ele se resolve e antecipa nas possi-bilidades Para isso o Dasein faz uso do passado como um ldquoter-sidordquo que eacute condicionado pelo porvir porque assim como satildeo possibilidades autecircnticas aquelas que jaacute foram tambeacutem jaacute foram agraves possibilidades agraves quais o ser hu-mano pode autenticamente retornar e apropriar-se (HEIDEGGER 2005b p 122) Dessa forma o ldquoser-aiacuterdquo atraveacutes do porvir retoma o passado e com

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base na antecipaccedilatildeo constroacutei as possibilidades temporais Assim o tempo do mundo se encontra tanto no sujeito (Dasein) quanto no fiacutesico (movimen-to do ente que vem ao encontro no horizonte)

ldquoO tempordquo natildeo eacute e nunca estaacute simplesmente dado no ldquosujeitordquo nem no ldquoobjetordquo e nem tampouco ldquodentrordquo ou ldquoforardquo O tempo ldquoeacuterdquo

ldquoanteriorrdquo a toda subjetividade e objetividade porque constitui a proacute-pria possibilidade desse ldquoanteriorrdquo (HEIDEGGER 2005b p 231)

Ou seja para Heidegger o ldquoser-aiacuterdquo se destaca pois eacute o ser no mun-do que percebe os entes intramundanos E o ser soacute pode ser percebido na anguacutestia do natildeo ser isto eacute na morte e esta eacute certa para todo ser (terreno) Portanto partindo dessa certeza que estaacute no porvir que antecipa o agora que jaacute estaacute anteriormente mergulhado no passado do ser no mundo o tempo se temporaliza O tempo ao mesmo tempo que existe fora do ser humano no movimento dos entes tambeacutem eacute subjetivo pois parte do perceber de cada Dasein No momento em que o ser encontra a morte e passa a natildeo ser o tempo eacute interrompido (SEIBT 2010 p 264) (ver Ec 95)

O projetar-se ldquoem funccedilatildeo de si-mesmordquo fundado no porvir eacute um caraacuteter essencial da existencialidade [hellip] portanto o tempo do mundo pertence agrave temporalizaccedilatildeo da temporalidade entatildeo ele natildeo pode se evaporar ldquosubjetivisticamenterdquo e nem se ldquocoisificarrdquo numa ldquomaacute objetivaccedilatildeordquo (HEIDEGGER 2005b p 122 e 232)

Com efeito pode-se constatar que a interpretaccedilatildeo modal da temporalidade de Heidegger do Dasein potildee o conceito de existecircncia dentro de seus limites e repete do mesmo modo a questatildeo do tempo (como movimento) eliminando com base na possibilidade o modelo ldquoimortalista da filosofiardquo e com este o seu caraacuteter de ldquoinfinituderdquo e ldquopresentidaderdquo (HEIDEGGER 2005 p 236)

Em linhas gerais Heidegger ldquofez a distinccedilatildeo entre o tempo originaacuterio [na-turalproacuteprio] e finito regido pelo instante da antecipaccedilatildeo e o tempo vulgar e infinito [inapropriado] regido pela sucessatildeo ininterrupta de agorasrdquo (FERREI-RA 2003 p 12 grifo nosso) Diferente de Platatildeo e dos demais filoacutesofos Heide-gger vai aleacutem da metafiacutesica ele se debruccedila na anaacutelise do solo onde a metafiacutesica estaacute plantada ele vai ateacute agrave macro pressuposiccedilatildeo e traz um desvelamento onde todos satildeo chamados para refletir sobre as ditas ldquoverdadesrdquo que durante seacuteculos tecircm sido sustentadas como lsquoabsolutasrsquo sem se considerar onde estatildeo firmadas

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O que Heidegger propotildee eacute um processo de desconstruccedilatildeo do antigo paracircmetro macro estrutural e ao mesmo tempo a construccedilatildeo de um novo paradigma hermenecircutico Para a presente pesquisa tal questionamento eacute de grande valia pois a proposta da mesma eacute buscar uma abordagem que mantenha a Biacuteblia (Sola Scriptura) como o uacutenico referencial confiaacutevel na construccedilatildeo e na revisatildeo de doutrinas em todos os niacuteveis pressuposicionais Portanto como ponto de partida deve-se identificar qual a macro pressu-posiccedilatildeo que rege a estrutura de uma doutrina Para que isso ocorra pode-se comeccedilar com as seguintes perguntas a doutrina em estudo estaacute de acordo com a visatildeo metafiacutesica das Escrituras Ou estaacute seguindo uma macro pressu-posiccedilatildeo contraacuteria agrave revelaccedilatildeo escrituriacutestica Qual a visatildeo biacuteblica de tempo e eternidade Com essas indagaccedilotildees em pauta seraacute dado o proacuteximo passo nas consideraccedilotildees que se seguem

Noccedilatildeo de tempo e eternidade na Biacuteblia

Para continuar seraacute preciso responder uma importante questatildeo a teo-logia deve continuar interpretando e construindo o sistema doutrinal atraveacutes de uma perspectiva hermenecircutica atemporal (macro pressuposiccedilatildeo) provin-da da ontologia grega (platocircnica) Ou seria necessaacuterio partir de uma nova perspectiva temporal como por exemplo a apresentada por Heidegger e as-sim revisar ou reconstruir o corpo de crenccedilas cristatildes Para isso precisamos entender a visatildeo biacuteblica sobre ldquotempordquo e ldquoeternidaderdquo aleacutem de analisar se a mesma apoia a macro pressuposiccedilatildeo proposta por Heidegger ou se apresenta outra perspectiva temporal a ser adotada

A primeira situaccedilatildeo biacuteblica de destaque poacutes-queda onde o sobrenatural transpotildee e se faz presente no mundo natural eacute o momento poacutes-libertaccedilatildeo do cativeiro egiacutepcio Nessa ocasiatildeo Deus surpreendentemente confere uma ordem a Moiseacutes para construir um santuaacuterio onde possa habitar no meio do povo ldquoE me faratildeo um santuaacuterio para que eu habite no meio delesrdquo (Ecircx 258 itaacutelicos acrescentados) O verbo hebraico shakan ldquolsquohabitarrsquo significa ser um residente permanente numa comunidaderdquo (NICHOL 2011 v 1 p 685) De fato numa visatildeo claacutessica (platocircnica) esse texto seria interpretado como metafoacuterico contudo admitir tal meacutetodo de interpretaccedilatildeo significa trabalhar sobre uma base ilusoacuteria negando que a esfera sobrenatural se mostra perfeitamente compatiacutevel com a temporalidade e historicidade do

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mundo natural e impor ao texto biacuteblico uma realidade metafiacutesica ausente no mesmo (CANALE 2011 p 97)

Uma segunda situaccedilatildeo ocorre quando Ele (Deus) que ldquomora em luz inacessiacutevelrdquo (1Tm 616) encarnou como um semelhante a noacutes O apoacutestolo Joatildeo faz eco agrave passagem de Ecircxodo 258 quando escreve ldquoE o Verbo se fez carne e habitou entre noacutesrdquo (Jo 114 itaacutelicos acrescentados) Literalmen-te ldquoo Verbo lsquotabernaculoursquo entre noacutesrdquo ldquofez moradardquo ldquoarmou sua tendardquo O divino pertencente agrave esfera do sobrenatural (Jo 11-2) ldquose fez carnerdquo Logo o sobrenatural estaacute imerso no natural Na visatildeo claacutessica ldquoDeus e o mundo sobrenatural satildeo atemporais uma mudanccedila na natureza divina do Verbo da forma natildeo encarnada para a encarnada eacute impossiacutevelrdquo (CANA-LE 2011 p 98) Por conseguinte a encarnaccedilatildeo requer uma compreensatildeo histoacuterico-temporal onde o sobrenatural e o natural apesar de diferentes (natildeo opostos) se harmonizam

Seguindo a mesma ecircnfase em Apocalipse 213 na promessa de res-tauraccedilatildeo da Nova Terra aparece o sobrenatural habitando para sempre no mundo natural ldquoEis aqui o tabernaacuteculo de Deus com os homens pois com eles habitaraacute [do grego Skecircnecirc ndash ldquotenda tabernaacuteculo residecircnciardquo] e eles seratildeo o seu povo e o mesmo Deus estaraacute com eles e seraacute o seu Deusrdquo Portanto a promessa eacute que Deus habitaraacute com os homens no mundo tem-poral pela eternidade o proacuteprio trono de Deus a nova Jerusaleacutem desce do ldquoceacuteu adereccedilada como uma esposa ataviada para o seu maridordquo (Ap 212) Nesse sentido ldquoa Biacuteblia desconhece um Deus atemporal ou um ceacuteu sem acontecimentosrdquo (SHEDD PIERATT 2000 p 12) Segundo Canale (2011 p 97 itaacutelicos acrescentados) ldquoo ponto eacute que natildeo existe ne-nhuma razatildeo seja biacuteblica loacutegica ou filosoacutefica [hellip] [para] aceitar a noccedilatildeo atemporal da esfera sobrenaturalrdquo

Aleacutem das situaccedilotildees que negam a macro pressuposiccedilatildeo hermenecircutica de dois domiacutenios (temporal e atemporal) apresentadas acima tambeacutem eacute possiacutevel recorrer agrave anaacutelise da palavra hebraica lsquoolam (ldquoeternidaderdquo) que no Antigo Testamento ldquonatildeo designa a eternidade como atemporal isto eacute tem-po imutaacutevel nem como tempo ainda oculto no presente mas םלוש significa sobretudo o tempo mais distante e isso tanto em direccedilatildeo ao passado quanto em direccedilatildeo ao futurordquo (WOLFF 2007 p 148-149) Da mesma forma Os-car Cullmann (2003 p 83) assegura que no Novo Testamento a palavra grega aiocircn equivalente a lsquoolam tem o mesmo sentido ldquopara designar seja um espaccedilo de tempo delimitado com precisatildeo seja uma duraccedilatildeo ilimitada e incalculaacutevel que noacutes traduzimos por ldquoeternidaderdquordquo Em suma

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Segundo a Biacuteblia Deus estaacute consciente da ordem temporal e vi-talmente vinculado a ela O Deus eterno natildeo estaacute separado do mundo temporal e espacial Isso significa que o conceito biacuteblico de eternidade de Deus natildeo eacute idecircntico agrave atemporalidade platocircnica e agrave negaccedilatildeo do tempo ou o tempo como ldquoa sombra do eternordquo (GARRETT 2003 p 229-230 traduccedilatildeo livre)12

Segundo a visatildeo claacutessica do mundo natural e sobrenatural o que faz sepa-raccedilatildeo entre Deus e o ser humano eacute a natureza ontoloacutegica atemporal de Deus e por isso eacute impossiacutevel agrave presenccedila do sobrenatural no tempo espaccedilo Todavia ao averiguar o conceito biacuteblico do que de fato faz separaccedilatildeo entre Deus e a huma-nidade conclui-se que eacute o pecado e natildeo a natureza temporal versos atemporal que separam a humanidade da divindade ldquoMas as vossas iniquidades fazem se-paraccedilatildeo entre voacutes e o vosso Deus e os vossos pecados encobrem o seu rosto de voacutes para que natildeo vos ouccedilardquo (Is 592) Deus na histoacuteria do ser humano todavia a marca da lsquoausecircncia de Deusrsquo eacute por conta do pecado e natildeo por causa de sua natureza sobrenatural em oposiccedilatildeo agrave nossa natureza (CANALE 2011 p 100)

Consideraccedilotildees finaisPor fim entende-se que as pressuposiccedilotildees afetam de forma consciente ou

inconsciente a hermenecircutica e que dependendo do referencial tomado a in-terpretaccedilatildeo poderaacute ser diametralmente oposta Como foi dito acima existem dois tipos baacutesicos de macro pressuposiccedilatildeo a primeira adotada pela maioria dos teoacutelogos (de Platatildeo ao seacutec 19) assume que a visatildeo de mundo eacute dualiacutestica isto eacute o mundo sensiacutevel (temporal) eacute apenas a imagem do mundo supra-sensiacutevel que possui um tempo infinito (atemporal) regido pelo agora

Por outro lado em segundo lugar haacute de se considerar a proposta ino-vadora de Heidegger de desconstruir esta forma de pensar a partir do real isto eacute este mundo natildeo eacute uma sombra de um mundo superior e atemporal O tempo se temporaliza a partir do ldquoser-aiacuterdquo logo o tempo eacute finito assim como cada ser num mundo finito pois a temporalizaccedilatildeo se temporaliza na relaccedilatildeo do ser no mundo com os outros entes percebidos pelo Dasein

12 ldquoSeguacuten la Biblia Dios estaacute consciente del orden temporal e vitalmente vinculado a eacutel El Dios eterno no estaacute divorciado del mundo temporal y espacial Esto significa que el concepto biacuteblico de la eternidad de Dios no es ideacutentico a la intemporalidad platoacutenica y a la negacioacuten del tiempo o al tiempo como ldquola sombra de lo eternordquo

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Diante das duas perspectivas macro pressuposicionais apresentadas se existe a necessidade ter um resultado interpretativo de acordo com o prin-ciacutepio Sola Scriptura deve-se usar o conceito temporal de Deus pois estaacute de acordo com a revelaccedilatildeo Por outro lado a visatildeo platocircnica de um mundo sobrenatural atemporal natildeo deve ser aceita pois a mesma natildeo tem amparo biacuteblico Assim todo exegeta deve questionar suas preacute-concepccedilotildees a niacutevel micro (exegese) meso (doutrinaacuterio) e macro de pressuposiccedilotildees a fim de adotar a visatildeo biacuteblica de esfera sobrenatural histoacuterico-temporal Dessa ma-neira ele poderaacute argumentar a partir de alicerce adequado e assim obter uma interpretaccedilatildeo mais fidedigna ao texto biacuteblico

ReferecircnciasARISTOacuteTELES Fiacutesica Madrid Editorial Gredos SA 1995

BASEVI C La funcioacuten hermeneacuteutica de la tradicioacuten de la Iglesia Scripta Theologica v 18 n 1 p 159-174 1986

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Enviado dia 17012013Aceito dia 15042013

Estudo sobre a morte em Lucas 1619-31A study about death in Luke 1619-31

Adenilton T de Aguiar1 Diego Rafael da S Barros2

ResumoAbstract

Este artigo tem como objetivo verificar a plausibilidade da crenccedila na imortalidade inerente da alma a partir da leitura da paraacutebola do homem rico e Laacutezaro contidaem Lucas 16 Para tanto o cenaacuterio

histoacuterico eacute remontado a partir de uma leitura de textos judaicos e greco--romanos da eacutepoca e da anaacutelise linguiacutestico-cultural especificamente do termo hades utilizado em Lc 1623 Com base nos dados bibliograacuteficos que ampararam esta pesquisa conclui-se que autores deste seacuteculo e do seacuteculo passado concordam que natildeo pode ser extraiacuteda uma base doutrinaacuteria para a imortalidade inerente da alma a partir dessa narrativa nem sequer um endosso da mesmaPalavras-Chave Rico e Laacutezaro Paraacutebolas de Jesus Lucas 1619-31 Hades Imortalidade da alma

This paper aims to verify the plausibility of the soulrsquos inherent immor-tality belief based on the reading of the parable of the rich man and Lazarus in Luke 16 Thereunto the historic setting is remounted by a

reading of Jewish and Greco-Roman texts from that time and linguistic-cultural

1 Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Catoacutelica de Pernambuco professor de liacutenguas Biacuteblicas no SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adventista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste editor geral da Revista Hermenecircutica e do Ce-PLiB ndash Centro de Pesquisa de Literatura Biacuteblica Email adeniltonaguiargmailcom 2 Bacharelado em Teologia do SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adentista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste Email diegorafaelbarrosgmailcom

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analysis mainly focusing the term hades in Luke 1623 Based on the biblio-graphical data it is possible to conclude that the authors of this century and of the past century agree that itrsquos impossible to maintain the doctrine of the soulrsquos inherent immortality based on this narrativeKeywords Lazarus and the rich man Jesusrsquo parables Luke 1619-31 Hades Soul immortality

A assim chamada paraacutebola do Rico e Laacutezaro registrada em Lucas 16 tem sido largamente utilizada para defender a doutrina da imortalidade ine-rente da alma Os comentaristas que utilizam essa paraacutebola em busca de apoio para sustentar a crenccedila acima mencionada entendem que esta narra-tiva revela o aleacutem e demonstra o futuro poacutes-morte de iacutempios e justos

Apesar das discussotildees que envolvem esse relato3 curiosamente perce-be-se que haacute um esquecimento dessa paraacutebola dentro da erudiccedilatildeo uma vez que ela natildeo tem recebido tanta atenccedilatildeo dos estudiosos quanto outras paraacute-bolas de Jesus Kissinger (apud HOCK 1987 p 447) em seu livro Parables of Jesus a history of interpretation and Bibliography lista 123 estudos da paraacutebola do Bom Samaritano e 254 estudos da paraacutebola do Filho Proacutedigo em contra-partida a obra lista apenas 68 estudos da paraacutebola do Rico e Laacutezaro

A escassez de pesquisa sobre essa narrativa natildeo se justifica principal-mente quando se leva em conta o grau de discordacircncia entre comentaristas sobre as questotildees que giram em torno dela Seria esta paraacutebola um ensino claro de Jesus sobre a condiccedilatildeo da vida apoacutes a morte Se sim entatildeo haacute pos-sibilidade de diaacutelogo entre justos no paraiacuteso e iacutempios no inferno Se natildeo qual a mensagem da paraacutebola E qual eacute o propoacutesito de Jesus ao utilizaacute-la Estaria ela corroborando uma cosmovisatildeo dualista da natureza humana O presente estudo propotildee a responder a estas questotildees atraveacutes de uma pesquisa na literatura judaica e greco-romana aleacutem eacute claro do escrutiacutenio apurado do proacuteprio texto biacuteblico em questatildeo

3 Aleacutem das discussotildees sobre a questatildeo da imortalidade da alma as pesquisas mais recentes defendem que esta narrativa natildeo passa de uma interpolaccedilatildeo apoacutecrifa uma vez que natildeo eacute encon-trada em alguns dos manuscritos mais antigos Para detalhes sobre o assunto ver Cairus (2006)

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A mensagem e as paraacutebolas do evangelho de Lucas

O Evangelho de Lucas ldquopotildee Jesus em contato [hellip] com as necessida-des das pessoasrdquo (NICHOL 1995 p 650) e focaliza temas eacuteticos de seu kerygma Sem duacutevida um dos temas sobresselentes deste Evangelho eacute o comportamento adequado daquele que participa do reino de Deus Neste Evangelho mais do que nos demais o leitor eacute colocado diante de situa-ccedilotildees (reais e imaginaacuterias) que quebram os paradigmas e destroem os tabus da audiecircncia primaacuteria do Filho do Homem Especialmente nas paraacutebolas de Lucas pode-se contemplar como protagonistas personagens margi-nalizados no mundo judeu do seacuteculo I o bom samaritano (Lc 1025-37) o filho proacutedigo (Lc 1511-32) o cobrador de impostos (Lc 189-14) o mordomo infiel (Lc 161-13) dentre outros Estas figuras corroboram a hipoacutetese de Schottroff (2007 p 208) de que este evangelho apresenta uma anaacutelise social radical

Integrando este grupo de paraacutebolas inusitadas situa-se uma das narra-tivas de exemplo4 mais famosas a paraacutebola do homem rico e Laacutezaro Nesta narrativa apresentam-se choques profundos de valores tanto judaicos quan-to greco-romanos Embora a riqueza fosse considerada signo de favor divi-no em ambas as culturas esperava-se uma atitude diferente do homem rico principalmente tendo a lei de Moiseacutes e os escritos profeacuteticos como pano de fundo metanarrativo Em outras palavras ldquoo fato de o rico natildeo cuidar de Laacutezaro natildeo estava de acordo com o AT (1619-31) e com o ensinamento de Jesus (169)rdquo (KARRIS 2011 p 283)

Os temas da benevolecircncia para com os pobres e da armadilha das ri-quezas eram recorrentes tanto na cultura judaica5 quanto no mundo gre-co-romano No apoacutecrifo livro de Tobias 411 estaacute escrito ldquo[hellip] a entrega de esmolas livra da morte e vos guarda de serem lanccedilados nas trevasrdquo Ou-tros escritos judaicos primitivos alegavam que a riqueza eacute uma das trecircs re-des pelas quais Belial captura Israel (SNODGRASS 2010 p 549) Secircneca

4 As narrativas de exemplo satildeo inerentes ao Evangelho de Lucas e exclusivas dele (SCHNEL-LE 2010 p 663) Tais histoacuterias visam demonstrar o procedimento padratildeo do reino de Deus5 A Toraacute e os escritos profeacuteticos repetem por diversas vezes o tema do cuidado com os pobres oacuterfatildeos viuacutevas e estrangeiros como obrigaccedilatildeo moral religiosa e legal Ver por exemplo Ex 2220-26 236 11 Lv 1910 2322 Dt 1018-19 157 9 e 11 2414 Is 314 15 Jr 528 Ez 1649 22 29 Am 8 4 6

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ceacutelebre escritor e advogado do seacuteculo I em sua obra De Brevitae Vitae 137 escreveu ldquoAh como eacute grande a cegueira que a prosperidade excessiva pro-voca em nossas mentesrdquo

O capiacutetulo 16 de LucasPesquisadores contemporacircneos colocam a paraacutebola do Rico e Laacutezaro

no mesmo grupo das paraacutebolas do rico insensato (12 13-21) e do mordomo infiel (161-13) sugerindo que o foco dessa paraacutebola diz respeito agrave utilizaccedilatildeo adequada dos recursos materiais ndash tema enfatizado por Lucas (ver SNOD-GRASS 2010 p 547) Uma anaacutelise da estrutura de Lucas 16 onde se situa a paraacutebola em anaacutelise pode aprofundar essa compreensatildeo

O capiacutetulo 16 de Lucas pode ser dividido em quatro partes (v 1-8a v 8b-13 v 14-18 v 19-31) (ver KARRIS 2011 p 281) e inicia com a inusita-da paraacutebola do mordomo infiel No iniacutecio da narrativa natildeo eacute faacutecil identificar e compreender o que motiva Jesus a contar esta paraacutebola Contudo a partir do verso 13 fica claro que Jesus queria demonstrar que ldquoningueacutem pode servir a Deus e agraves riquezasrdquo Em seguida o verso 14 condena os fariseus os quais por assim dizer satildeo os antagonistas da paraacutebola dada a sua patente avareza em relaccedilatildeo aos pobres

Assim Jesus reprova os fariseus apontando para a Lei e os Profetas o que parece indicar que o tema de seu discurso possuiacutea raiacutezes veterotesta-mentaacuterias Na cena seguinte que mais se parece com uma suacutebita mudanccedila de assunto Jesus trata da questatildeo do divoacutercio Contudo natildeo haacute uma des-continuidade de temas ao contraacuterio Lucas estaacute associando a avareza aos pecados sexuais (KARRIS 2011) Tal comparaccedilatildeo eacute comum tanto no dis-curso biacuteblico (Ef 53-5) quanto na literatura judaica O apoacutecrifo Testamento de Judaacute em 182 afirma ldquoque a promiscuidade sexual e o amor ao dinhei-ro ndash dentre outras coisas ndash nos distanciam da lei de Deus cegam a nossa alma e impedem a pessoa de demonstrar misericoacuterdia para com o proacuteximordquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Portanto se natildeo haacute de fato uma descontinuidade de temas no capiacutetu-lo 16 de Lucas deve-se ver a paraacutebola do Rico e Laacutezaro como uma continu-accedilatildeo do conflito de Jesus com os fariseus acerca das riquezas (RICHARDS 2007 p 176) Diante disto parece razoaacutevel afirmar que esta paraacutebola discu-te questotildees sociais e natildeo escatoloacutegicas Todavia a fim de tornar claro esse ponto faz-se necessaacuterio um estudo mais aprofundado de alguns aspectos culturais e linguiacutesticos do texto

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Notas exegeacuteticas em Lucas 1619-31Uma premissa baacutesica para a interpretaccedilatildeo dessa narrativa eacute que deve-

mos compreendecirc-la como uma paraacutebola e natildeo como um relato literal Por mais que pareccedila redundante esta explicaccedilatildeo natildeo se pode negar a existecircncia de um grupo que defende a literalidade desta narrativa Esse grupo defende que uma leitura literal do texto indicaria a possibilidade de conceber o relato como um indicador do estado do homem na morte De forma geral poreacutem haacute um consenso de que esta narrativa deve ser compreendida como paraacutebo-la6 Por isso Snodgrass (2010 p 604) conclui

Quando prestamos atenccedilatildeo agravequilo que a paraacutebola ensina acerca da vida apoacutes a morte nas abordagens mais acadecircmicas percebemos uma precauccedilatildeo quanto agrave ideia de que esta paraacutebola tenha mesmo a intenccedilatildeo de descrever a vida poacutes-morte

Plummer (1896) eacute mais categoacuterico ao afirmar que nessa histoacuteria ateacute mesmo as condiccedilotildees corporais tais como dedo e liacutengua bem como as con-diccedilotildees sensoriais tais como sede e calor natildeo ultrapassam o campo da faacutebula e por isso natildeo devem ser vistas como aspectos literais

Natildeo obstante alguns comentaristas levantaram a hipoacutetese de que o fato de esta ser a uacutenica paraacutebola contada por Jesus que conteacutem um personagem que eacute explicitamente nomeado por exemplo Laacutezaro eacute um indiacutecio de lite-ralidade Um exame mais cuidadoso desse ponto no entanto pode levar as conclusotildees para outra direccedilatildeo Em hebraico o nome לעזר (Laacutezaro) eacute uma contraccedilatildeo de אלעזר (Eleazar) e significa ldquoDeus ajudardquo (BOCK 1996 p 1365) O nome eacute significativo e seu emprego indica que o mendigo eacute algueacutem que depende de Deus Poreacutem este fato natildeo deve ser usado como argumento para defender a literalidade da paraacutebola A propoacutesito o uso do nome Laacutezaro (Deus ajuda) assume um tom irocircnico na narrativa tendo em vista que apon-ta para o fato de que a uacutenica esperanccedila de ajuda para o homem pobre estaacute fundamentada em Deus embora conforme ficou claro no discurso de Jesus Ele esperasse que os ricos fossem ldquouma ajudardquo aos pobres

De fato a paraacutebola do Rico e Laacutezaro irrompe como uma continuaccedilatildeo da disputa de Jesus com os fariseus sobre as riquezas Sua afirmaccedilatildeo anterior

6 Esta leitura paraboacutelica fica mais evidente no Coacutedice Beza ldquoE lhes contou uma paraacutebolardquo (SNODGRASS 2010 p 1040)

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de que ldquoo que eacute elevado diante dos homens eacute abominaccedilatildeo diante de Deusrdquo (v 15) prepara a audiecircncia para uma inusitada demonstraccedilatildeo de quebra de paradigmas da mentalidade judaica

Para a audiecircncia de Jesus o homem rico era algueacutem abenccediloado por Deus uma vez que prosperidade significava naquela cultura favor divino Jaacute o mendigo que jazia agrave porta do homem abastado era visto como um mo-delo de algueacutem que certamente havia sido abandonado pelo Senhor de Israel Entretanto ainda que o homem rico gozasse do favor de Deus a eacutetica do AT exigia dele uma postura de cuidado com os pobres7

Durante muito tempo alegou-se que natildeo havia indiacutecios de falta moral por parte desse homem rico que o condenasse ao tormento descrito poste-riormente na paraacutebola Entretanto sua figura eacute construiacuteda a partir da ima-gem de um homem cheio de luxo e esbanjador Suas vestes demonstram o elevado grau de sua riqueza Barclay (2000 p 213) observa que puacuterpura e linho finiacutessimo eram o material utilizado na confecccedilatildeo dos trajes sacerdo-tais os quais chegavam a custar uma soma equivalente ao salaacuterio de vaacuterios anos de trabalho de um operaacuterio comum Ademais eacute dito que o rico ldquovivia todos os dias regalada e esplendidamenterdquo (AEC) A palavra grega euphrainō traduzida neste contexto como ldquoregalarrdquo eacute utilizada na literatura claacutessica geralmente como a alegria que eacute fruto da participaccedilatildeo de eventos tais quais um banquete (BEYREUTHER 2000 p 52) Em Lucas 1619 a palavra certamente ldquorefere-se ao comer beber e divertir-serdquo ou em outras palavras a ldquofolguedos entre amigos festeirosrdquo (BEYREUTHER 2000 p 53)

Outro detalhe que pode passar despercebido ao leitor comum diz respeito ao desejo de Laacutezaro de fartar-se das migalhas que caiacuteam da mesa daquele homem rico Ainda que o termo migalhas natildeo seja encontrado em muitos manuscritos8 haacute um acordo geral de que o alimento desejado por Laacutezaro natildeo se tratava de um simples farelo ou porccedilotildees que caiacuteam acidental-mente da mesa do rico Jeremias (1986 p 195) e Snodgrass (2010 p 597) atestam que a comida que caiacutea da mesa do rico tratava-se de pedaccedilos de patildeo que eram utilizados tanto para a limpeza dos pratos quanto para enxugar as matildeos e que em seguida eram atirados para debaixo da mesa Langner (2004 p 116) por sua vez comenta que tais pedaccedilos referem-se a sobras de comida que os convidados de banquetes natildeo comiam e por isso levavam

7 De acordo com a eacutetica do Antigo Testamento o cuidado com os pobres fazia parte das obrigaccedilotildees de um judeu piedoso ver por exemplo Dt 157 8 A leitura sugerida pode ser traduzida da seguinte forma ldquodesejava alimentar-se com o que caiacutea da mesa do ricordquo Ver aparato criacutetico do Novo Testamento grego (ALLAND et al 2009 p 236)

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consigo ou davam aos catildees De qualquer forma esta postura de desperdiacutecio em face da obrigaccedilatildeo legal de auxiacutelio ao necessitado torna o rico da paraacutebola culpado de indiferenccedila para com o mendigo

Apoacutes a morte de ambos a narrativa segue com uma inversatildeo irocircnica de papeis a qual deve ter causado surpresa em alguns da audiecircncia de Jesus

ldquoComo poderia um homem que goza do favor de Deus na terra ser amaldi-ccediloado na vida por virrdquo Ainda que parte da audiecircncia de Jesus se surpre-endesse com a possibilidade de um homem rico ser amaldiccediloado na vida vindoura isto natildeo deve ter afetado a todos Escritos judaicos do tempo de Jesus demonstram que a sabedoria popular jaacute advertia ricos de uma possiacutevel condenaccedilatildeo eterna

Sobre este assunto dois textos satildeo especialmente valiosos para enten-dermos a mentalidade daquela eacutepoca Exod Rab 315 trata da inversatildeo que ocorreraacute entre ricos e pobres no mundo por vir Neste mundo os iacutempios podem ser ricos e proacutesperos enquanto justos satildeo acometidos pela pobreza No mundo vindouro no entanto Deus abriraacute os tesouros do paraiacuteso para os justos e quanto aos ricos que exploraram homens justos estes comeratildeo da sua proacutepria carne Por sua vez 1ordm Enoque 1035-1046 menciona que os ricos pecadores que natildeo foram punidos em vida experimentaratildeo o mal a tribulaccedilatildeo as trevas e as chamas ardentes no Sheol

Vale destacar que a paraacutebola possui um paralelo na literatura judaica que pode ser encontrada no Talmude de Jerusaleacutem pelo menos nos trata-dos Sanhedrin 66 (23c) e Hagigah 22 (77d) e eacute resumidamente descrita por Richards (2007 p 175) da seguinte forma

Dois companheiros iacutempios morreram Um morreu penitente o outro natildeo Quando o homem no Gehinom viu a becircnccedilatildeo de seu amigo e foi informado de que era por causa da penitecircncia de seu amigo ele suplicou que pudesse ter a oportunidade de se arrepen-der tambeacutem A resposta veio na explicaccedilatildeo de que esta vida eacute a veacutespera do saacutebado

Jeremias (1986 p 184) defende que as raiacutezes desta histoacuteria remontam agrave faacutebula egiacutepcia da viagem de Si-Osiacuteris e de seu pai ao reino dos mortos Para ele judeus alexandrinos levaram o conto para a Palestina onde ela foi refor-mulada como a histoacuteria do pobre escriba e do rico publicano Bar Marsquoyan9

9 Para Jeremias (1986 p 184) Jesus utiliza-se deste conto judaico natildeo somente nesta paraacute-

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Ainda que diferente dessa narrativa paralela a paraacutebola de Jesus valendo-se do folclore judaico forma um pano de fundo cultural para seu ensinamento principal na periacutecope o perigo do amor agraves riquezas

Outro aspecto importante eacute o pedido do rico para que Laacutezaro voltasse dos mortos e advertisse seus irmatildeos com respeito ao destino deles (v 27-30) Este pedido encontra paralelos no apoacutecrifo judeu de Janes e Jambres 24afp que ldquorelata que a lsquosombrarsquo de Janes (sua existecircncia poacutes-morte) retornou do Hades para alertar Jambres sobre o fogo e sobre as trevas a fim de que ele passasse a fazer o bemrdquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Todavia em conexatildeo com a resposta dada aos fariseus nos v 16-17 onde Jesus faz sua primeira referecircncia agrave Lei e aos Profetas Abraatildeo evoca novamente a Escritura como revelaccedilatildeo suficiente para chamar os homens agrave crenccedila e ao comprometimento (v 29) Assim percebe-se novamente a co-nexatildeo de temas no capiacutetulo 16

O termo Hades em Lucas 1623Embora tenha o significado baacutesico de sepulcro (BIENTENHARD 2000

p 1022) o termo grego hades possui um significado diferente em Lc 1623 Tal significado eacute inerente agrave cultura da eacutepoca Richards (2007 p 1755) afirma que

Nos tempos do NT lsquoHadesrsquo (heb sheol) era um termo geral para o lugarestado dos mortos enquanto aguardavam o juiacutezo final A opiniatildeo popular defendia que os justos descansavam no Gan Eden enquanto os iacutempios poderiam ser vistos no Gehinom

Esse conceito pode ser visto especialmente no Discurso aos gregos sobre o Hades atribuiacutedo por um tempo a Josefo10 (1974 p 637 traduccedilatildeo livre)

Hades eacute uma regiatildeo subterracircnea onde a luz do mundo natildeo brilha [hellip] esta regiatildeo eacute destinada a ser um lugar de custoacutedia para as almas

bola mas tambeacutem na paraacutebola do banquete Isto demonstraria que Jesus tomava o imaginaacuterio popular e o inseria em suas paraacutebolas com um objetivo especiacutefico10 Os autores natildeo conhecem na atualidade algueacutem que atribua a autoria do Discurso aos gregos sobre o Hades a Josefo A maioria dos eruditos defende a ideia de que essa seja uma inserccedilatildeo cristatilde no texto todavia o texto eacute um exemplar autecircntico da mentalidade judaica e ainda que seu autor seja desconhecido pode-se perceber que o texto estaacute impregnado do pensamento judeu sobre o estado intermediaacuterio do homem no poacutes-vida

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em que anjos satildeo designados como seus guardiotildees os quais lhes atribuem puniccedilotildees temporaacuterias de acordo com o comportamento e maneiras de cada um

Na continuaccedilatildeo do texto o Hades eacute descrito como sendo dividido em duas partes o seio de Abraatildeo para onde vatildeo os justos e as trevas perpeacutetuas para onde os anjos arrastam os iacutempios Para os autores essas trevas natildeo satildeo o inferno em si mas a vizinhanccedila do inferno de modo que os iacutempios podem sentir o calor do castigo que lhes estaacute reservado depois do juiacutezo

Eacute importante perceber que o Discurso aos gregos sobre o Hades natildeo eacute um exemplar sem precedentes O pseudoepiacutegrafo de 1 Enoque (escrito cerca de 200 aC) em 221-14 relata que Enoque foi levado a um lugar com quatro cantos onde as almas aguardavam o Juiacutezo Laacute os justos eram separados dos pecadores por uma fonte de aacutegua e luz Richards (2007 p 175-176) acrescenta que

Natildeo soacute se pensava que o Hades era dividido em dois compartimentos mas a crenccedila popular ressaltava que era possiacutevel manter conversas entre as pessoas no Gan Eden e no Gehinom Escritos judaicos tambeacutem des-crevem o primeiro como uma terra verdejante com aacuteguas doces brotan-do de vaacuterias fontes enquanto que o Gehinom natildeo soacute eacute uma terra seca mas as aacuteguas do rio que o separam do Gan Eden retrocedem sempre que o iacutempio desesperadamente sedento se ajoelha e tenta beber

Ademais agrave luz de textos da tradiccedilatildeo judaica (como por exemplo 4 Es-dras 775-99 859 4 Macabeus 1317) percebe-se que os judeus dos tempos de Jesus imaginavam que parte do tormento dos iacutempios consistia no fato de eles poderem observar o galardatildeo dos fieacuteis Em contrapartida parte do descanso dos justos eacute que estes podem observar a perplexidade dos iacutempios em face de seu tormento Assim percebemos que esta paraacutebola reflete de diversas maneiras as opiniotildees judaicas contemporacircneas da vida apoacutes a morte

Contudo eacute oacutebvio que a audiecircncia primaacuteria do evangelho de Lucas natildeo era composta por judeus Haacute um consideraacutevel grau de acordo entre os eru-ditos de que o puacuteblico principal do evangelho de Lucas era composto de cristatildeos gentiacutelicos (ver CARSON 1997 p 131 PLUMMER 1986 p xxxiv) Portanto eacute inapropriado limitar a paraacutebola ao background judaico Gilmour (1999 p 33) observou similaridades desta narrativa com textos greco-roma-nos especialmente com a Odisseia de Homero Este natildeo eacute um fato de difiacutecil

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aceitaccedilatildeo uma vez que em Jerusaleacutem bem como no mundo greco-romano a educaccedilatildeo infantil tambeacutem era permeada pelo conhecimento da literatura grega (ver GILMOUR 1999 p 25)

O imaginaacuterio gentiacutelico sobre o estado do homem apoacutes a morte natildeo era muito diferente do pensamento judaico do seacuteculo I ndash talvez porque o judaiacutes-mo dos dias de Jesus havia passado por um processo de helenizaccedilatildeo mesmo em face da resistecircncia dos ortodoxos Podemos perceber essa semelhanccedila de pensamentos por exemplo no famoso claacutessico de Platatildeo A Repuacuteblica

A Repuacuteblica 10614B-616A fala de um soldado chamado de Er que foi morto mas depois de doze dias tornou a viver dizendo que havia sido enviado de volta a esta vida para falar agraves pessoas sobre o mundo do aleacutem Ele teria visto duas aberturas na terra e duas no ceacuteu entre as quais havia um corpo de juiacutezes sentados que enviavam os justos dire-tamente para a direita e para cima ao ceacuteu e os injustos para esquerda e para baixo para serem castigados embaixo da terra (Entretanto estes juiacutezos natildeo eram permanentes) (SNODGRASS 2010 p 593)

Portanto tendo em vista o significado de hades em Lucas 1623 propotildee--se que se a paraacutebola ensina algo sobre o estado do homem na morte tal es-tado eacute extremamente diferente do proposto pelos defensores da imortalidade inerente da alma Se esta paraacutebola apoia essa teoria deve-se ressaltar que o local para onde vatildeo os homens depois de sua morte eacute o ambiente descrito na paraacutebola um lugar onde justos e injustos satildeo separados apenas por um rio

Assim eacute razoaacutevel supor que o pano de fundo por traacutes da paraacutebola o qual nos oferece a base de como devemos interpretaacute-la eacute que Jesus toma emprestada a mentalidade folcloacuterica do judaiacutesmo rabiacutenico de sua eacutepoca a fim de impressionar sua audiecircncia quanto ao amor agrave riqueza e natildeo quanto ao estado do homem na morte Uma questatildeo que se levanta poreacutem diz res-peito a por que Jesus faria uso do folclore judeu para transmitir seus ensina-mentos Agindo assim ele natildeo estaria endossando o ponto de vista cultural Bacchiocchi (2007 p 168) afirma que natildeo defendendo que

Nesta paraacutebola Jesus fez uso de uma crenccedila popular natildeo para endossaacute-la mas para impressionar as mentes de seus ouvintes com uma importante liccedilatildeo espiritual Deve-se notar que na paraacutebola do mordomo infiel (Lc 161-12) Jesus emprega uma histoacuteria que natildeo representa com precisatildeo a verdade biacuteblica

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John Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) reconhece que a paraacutebola do rico e Laacutezaro natildeo demonstra o pensamento lucano nem muito menos o de Cristo a respeito da vida por vir Antes Jesus apenas emprega o imaginaacuterio popular para ressaltar a eacutetica do reino vindouro Assim ciente de que este imaginaacuterio natildeo passava de faacutebulas judaicas ele natildeo poderia endos-sar este conceito Portanto como esclarece Snodgrass (2010 p 607) tal pa-raacutebola ldquonatildeo tem o objetivo de apresentar um esquema ou mesmo detalhes precisos acerca do que ocorre depois da morterdquo

O fato de a paraacutebola do Rico e Laacutezaro estar situada ao lado de outra paraacutebola controversa por exemplo a do mordomo infiel tambeacutem nos mos-tra que Jesus usava conceitos do cotidiano (ainda que errocircneos) para atrair a atenccedilatildeo do povo para seus novos ensinos Por isso para Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) a melhor resposta para a pergunta ldquoO que esta passagem nos diz a respeito do estado intermediaacuterio eacute lsquoNadarsquordquo

Pode-se entatildeo concluir que apesar de os rabinos dividirem o estado poacutes-morte (Sheol) em um lugar para os justos e os maus11 eacute improvaacutevel que o quadro apresentado por Jesus na paraacutebola corresponda bem a esta ideia (ORR 1999) Jesus lida nesta estoacuteria natildeo com os temas do paraiacuteso e do ha-des mas com temas eacuteticos fundamentais de seu ensino Assim ldquoa mensagem de Jesus chama o povo a ouvir a exortaccedilatildeo de Deus para mostrar compaixatildeo com o pobrerdquo (BOCK 1997 p 71) Na atualidade pode parecer estranho que Jesus tenha utilizado uma narrativa puramente folcloacuterica em seu discur-so para apresentar verdades que nada tem a ver com o pano de fundo lendaacute-rio da paraacutebola Apesar de a paraacutebola estar no plano da crenccedila popular seu emprego justifica-se pelo fato de que tal imaginaacuterio seria familiar e inteligiacutevel para a audiecircncia (HASTINGS 2004 p 9) Precedentes vindos das paraacutebo-las anteriores demonstram como era do costume de Jesus falar a linguagem de Seus ouvintes para atingir sua compreensatildeo e seus coraccedilotildees

Consideraccedilotildees finaisEste artigo buscou demonstrar que a interpretaccedilatildeo da paraacutebola do Rico

e Laacutezaro deve levar em consideraccedilatildeo o emprego que Jesus fez do imaginaacuterio

11 Deve-se salientar que segundo Mathews (1909 p 6) natildeo haacute sequer clara evidecircncia de que os judeus nos dias de Jesus cressem num estado intermediaacuterio Ele defende que eacute inseguro ver na ex-pressatildeo seio de Abraatildeo uma referecircncia segura para tal crenccedila Tomando este fato em consideraccedilatildeo haacute ainda mais indiacutecios de que natildeo era objetivo de Jesus endossar a crenccedila neste estaacutegio poacutes-morte Apesar disso natildeo se pode anular a hipoacutetese de houvesse indiviacuteduos que a sustentassem

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judaico atribuindo-lhe poreacutem significados que transcenderam aos signifi-cados que lhe eram atribuiacutedos na eacutepoca Assim Jesus usa uma histoacuteria fami-liar repleta da cosmovisatildeo pagatilde acerca da vida apoacutes a morte poreacutem desmi-tificando seu conteuacutedo Desse modo ainda que isto natildeo esteja em primeiro plano a paraacutebola veicula uma criacutetica sutil agrave ideia equivocada da vida apoacutes a morte (GILMOUR 1999) De fato o grande tema da paraacutebola diz respeito ao uso responsaacutevel das becircnccedilatildeos materiais

Ademais no empreendimento de interpretaccedilatildeo dessa paraacutebola deve-se levar em consideraccedilatildeo o princiacutepio hermenecircutico theologia parabolica non est demonstrativa Conforme frisou Smith (1869 p 1038) eacute impossiacutevel embasar a prova de uma importante doutrina teoloacutegica em uma passagem que abunda em metaacuteforas judaicas Aleacutem disso visto que o diaacutelogo ocupa grande parte do espaccedilo da paraacutebola compreende-se que o conteuacutedo de tal diaacutelogo eacute mais importante do que o cenaacuterio no qual ele se desenrola Aqui Jesus direciona sim o seu foco para o mundo por vir todavia natildeo o apresenta em termos claros atraveacutes desta paraacutebola Assim parece que o objetivo principal da pa-raacutebola eacute ensinar que toda preparaccedilatildeo para o poacutes-morte deve ser feita em vida

Enfim eacute razoaacutevel supor que Jesus tenha utilizado o imaginaacuterio judai-co para prender a atenccedilatildeo de seu puacuteblico poreacutem o ensino da paraacutebola natildeo repousa na imortalidade inerente da alma senatildeo no amor ao dinheiro Des-tarte esta eacute uma histoacuteria fictiacutecia da vida apoacutes a morte que reflete e comenta a vida anterior agrave morte (SCHOTTROFF 2007 p 205) Portanto para usar as palavras de Smith (1869 p 1038) ldquose quisermos transformar retoacuterica em loacutegica [hellip] e construir um dogma em cada metaacutefora nossa crenccedila seraacute de caraacuteter vago e contraditoacuteriordquo

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SCHOTTROFF L As paraacutebolas de Jesus uma nova hermenecircutica Satildeo Leopoldo Sinodal 2007

Enviado dia 03052013Aceito dia 20062013

Os adventistas e a identidade da lei em gaacutelatas

SILVA P C Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

Leandro Quadros1

A superficialidade muitas vezes pode contribuir para que apologistas brasileiros apresentem uma imagem distorcida dos assuntos que anali-sam Isso natildeo eacute diferente quando o adventismo eacute o foco de suas criacuteticas

A abordagem de Paulo Cristiano da Silva pode ter sido viacutetima desse fenocircmeno quando apresenta suas consideraccedilotildees pessoais a respeito da teologia adventista da Lei Em seu artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo publicado pela revista Apologeacutetica Cristatilde o presbiacutetero da igreja Assembleia de Deus afirma que ldquofinalmente os adventistas estatildeo admitindo aquilo que sempre foi oacutebvio aos cristatildeos evangeacutelicos isto eacute a identidade da lei nos escritos paulinosrdquo (SILVA sd p 7) Silva parte do pressuposto de que os teoacutelogos adventistas atuais estatildeo apre-sentando uma nova teologia sobre o assunto e que a distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial ldquoserviu de aacutelibirdquo para os adventistas ldquoescaparem de textos claros que mostram a ab-rogaccedilatildeo de toda lei em 2 Coriacutentios 37-11 e Colossenses 214rdquo2

Ao que parece o autor desconhece como se deu o desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a Lei em Gaacutelatas Atraveacutes da leitura de algu-mas fontes primaacuterias ele natildeo teria se equivocado em sua anaacutelise chegando a conclusotildees bem diferentes das que apresentou na publicaccedilatildeo Assim na

1 Poacutes-graduado em jornalismo cientiacutefico e Mestrando em Teologia pela Universidade Ad-ventista del Plata na Argentina Eacute produtor e apresentador dos programas ldquoNa Mira da Verdaderdquo e ldquoLiccedilotildees da Biacutebliardquo na Rede Novo Tempo2 Uma abordagem biacuteblica contextual e teoloacutegica desses textos pode ser vista no Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia (DEDEREN 2011 p 312 530 531 563 e 564)

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presente resenha seraacute apresentada uma raacutepida consideraccedilatildeo a respeito do relacionamento dos adventistas com a Lei em Gaacutelatas para que o texto de Paulo Cristiano da Silva seja avaliado a partir de um contexto mais amplo

Origem da distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial

Atraveacutes da leitura do artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo o leitor entende que a distinccedilatildeo entre ldquolei moral e cerimonialrdquo pode ser considerada como um ldquoaacutelibirdquo adventista utilizado para se esquivar de textos a respeito da ldquoab-rogaccedilatildeo da leirdquo segundo o apoacutestolo Paulo Entretanto o livro Questotildees Sobre Doutrina (KNIGHT 2009 p 126) afirma que ldquoas principais confissotildees de feacute e os credos histoacutericos da cristandade reconhecem a diferenccedila e distinccedilatildeo entre a lei moral de Deus os Dez Mandamentos ou Decaacutelogo e os preceitos cerimoniaisrdquo A referida obra3 lista oito fontes histoacutericas que evi-denciam que tal distinccedilatildeo entre leis natildeo eacute uma invenccedilatildeo dos adventistas 1) a Segunda Confissatildeo Helveacutetica de 1566 da Igreja Reformada de Zurique que no capiacutetulo 12 intitulado ldquoDa Lei de Deusrdquo contrasta as leis moral e cerimonial 2) os Trinta e Nove Artigos de Religiatildeo da Igreja da Inglaterra de 1571 que no Artigo VII tambeacutem faz tal distinccedilatildeo 3) a Revisatildeo Americana dos Trinta e Nove Artigos da Igreja Protestante Episcopal de 1801 4) os Artigos Irlandeses de Re-ligiatildeo de 1615 5) a Confissatildeo de Feacute de Westminster de 1647 que inclusive foi citada na Biacuteblia Apologeacutetica de Estudos (p 1341) comercializada pela institui-ccedilatildeo de Paulo Cristiano faz parte (CACP) 6) a Declaraccedilatildeo de Savoia das Igrejas Congregacionais de 1658 7) a Confissatildeo Batista de 1688 (Filadeacutelfia) e 8) os Vinte e Cinco Artigos Metodistas de Religiatildeo de 1875 redigidos por Joatildeo Wesley onde tambeacutem se encontra a distinccedilatildeo entre leis moral e cerimonial

Citando Schaff o Questotildees Sobre Doutrina (2008 p 126) afirma

Embora a lei dada por Deus a Moiseacutes no que se refere a cerimocircnias e ritos natildeo obrigue os cristatildeos e nem os preceitos civis necessitem ser recebidos em qualquer comunidade Entretanto nenhum cris-tatildeo estaacute livre da obediecircncia aos mandamentos chamados morais

3 A ediccedilatildeo anotada George Knight atualiza algumas interpretaccedilotildees antigas dos adventistas especialmente no que diz respeito ao termo ldquoescrito de diacutevidardquo presente em Colossenses 214 Para maiores informaccedilotildees ler as notas das paacuteginas 124 e 125

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Entende-se dessa forma que a distinccedilatildeo entre lei moral e lei cerimo-nial natildeo representa uma invenccedilatildeo adventista mas parte da heranccedila evangeacute-lica que os pioneiros do adventismo trouxeram consigo4 Essa contudo natildeo representa as opiniatildeo de Paulo Cristiano da Silva do posicionamento do Centro Apologeacutetico Cristatildeo de Pesquisas (CACP) e da postura do Instituto Cristatildeo de Pesquisas (ICP) Atitudes como essas parecem estar em conflito com a crenccedila dos fundamentos do protestantismo a respeito da Lei de Deus Por outro lado mesmo sendo fontes histoacutericas importantes as confissotildees de feacute e credos natildeo se constituem a regra de feacute dos adventistas do seacutetimo dia que procuram se manter fieis ao princiacutepio de Sola Scriptura5

O desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a lei em Gaacutelatas

Se Paulo Cristiano da Silva estivesse familiarizado com algumas obras que tratam da histoacuteria do adventismo sua posiccedilatildeo certamente seria outra a respeito da compreensatildeo adventista da Lei em Gaacutelatas A leitura do li-vro A Mensagem de 1888 de George R Knight (2003 p 37) por exemplo auxiliaria na descoberta de que em 1854 J H Waggoner (pai de E J Wa-ggoner) publicou The Law of God An Examination of the Testimony of Both Testaments onde ldquoadotava o ponto de vista de que a lei em Gaacutelatas era os Dez Mandamentosrdquo de forma que o artigo do vice-presidente do CACP natildeo traria tantas novidades

A anaacutelise dessa obra levaria ao conhecimento de que entre 1884 e 1886 ldquoAlonzo T Jones (1850-1923) e Ellet J Waggoner (1855-1916) co-meccedilaram a ensinar que a epiacutestola [aos Gaacutelatas] tinha os Dez Mandamen-tos em foco e natildeo as leis cerimoniaisrdquo (KNIGHT 2003 p 37) Esses dois pioneiros foram assistentes de JH Waggoner na revista The Signs of

4 O Dicionaacuterio Vine publicado pela CPAD afirma que mesmo a distinccedilatildeo de leis natildeo sendo ldquofeita ou mesmo presumida na Escriturardquo ldquoa lei mosaica seja de fato divisiacutevel em cerimonial e em moralrdquo (VINE et al 2010 p 743) 5 Em 1850 Ellen G White (2009 p 78) cofundadora da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia es-creveu ldquoRecomendo-vos caro leitor a Palavra de Deus como regra de vossa feacute e praacutetica Por essa Palavra seremos julgados Nela Deus prometeu dar visotildees nos ldquouacuteltimos diasrdquo natildeo para uma nova regra de feacute mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade biacuteblica Assim tratou Deus com Pedro quando estava para enviaacute-lo a pregar aos gentios (Atos 10)rdquo

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the Times e ldquodecidiram exaltar em seus escritos o tema da justificaccedilatildeo pela feacute nos meacuteritos de Cristordquo (TIMM 1988 p 10)

Entre 8 de julho a 2 de setembro de 1866 E J Waggoner publicou na Signs uma seacuterie de nove artigos argumentando que Paulo na epiacutestola aos Gaacutelatas estava discutindo a lei moral No ano seguinte no mecircs de feverei-ro Waggoner concluiu uma resposta de 71 paacuteginas intitulada ldquoThe Gospel in the Book of Galatiansrdquo [O Evangelho no Livro de Gaacutelatas] reafirman-do claramente sua posiccedilatildeo contraacuteria agrave dos editores da Review and Herald Uriah Smith e George L Butler

A partir disso conclui-se que o tiacutetulo do artigo publicado pela revis-ta Apologeacutetica Cristatilde aleacutem muito limitado em questatildeo de informaccedilatildeo estaacute atrasado pelo menos 158 anos (1854-2012) A teologia adventista da lei jaacute estava sofrendo transformaccedilotildees significativas quando os adventistas desco-briram uma ldquoponterdquo entre a lei e o evangelho que havia sido construiacuteda pelo apoacutestolo Paulo6 Desse modo a afirmaccedilatildeo de Paulo Cristiano em seu artigo

ldquomais de um seacuteculo para que eles [os adventistas] admitissem esse erro her-menecircutico rdquo (SILVA sd p 7) parece insustentaacutevel Ainda mais quando se considera outra fonte primaacuteria Ellen G White

A leitura do capiacutetulo 31 do primeiro volume de Mensagens Escolhidas seria o suficiente para que Silva percebe-se que Ellen G White jaacute acreditava ser o termo ldquoleirdquo em Gaacutelatas uma referecircncia tanto agrave lei Moral quanto agrave lei cerimonial bem antes dos teoacutelogos Samuele Bacchiocchi (1995 p 9-11) e Wilson Paroschi (2012 p 18-20) citados por ele em seu artigo Ela escreveu em 1900 ldquoPerguntam-me acerca da lei em Gaacutelatas Que lei eacute o aio que nos deve levar a Cristo Respondo Tanto o coacutedigo cerimonial como o moral dos Dez Mandamentosrdquo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)

Ao comentar sobre Gaacutelatas 324 na paacutegina seguinte ela afirma

Nesta passagem o Espiacuterito Santo pelo apoacutestolo refere-se especial-mente agrave lei moral A lei nos revela o pecado levando-nos a sen-tir nossa necessidade de Cristo e a fugirmos para Ele em busca de perdatildeo e paz mediante o arrependimento para com Deus e a feacute em nosso Senhor Jesus Cristo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)7

6 Em Efeacutesios 28-10 ele coloca as obras natildeo como o evangelho da graccedila em si mas como fruto do evangelho na vida do crente convertido7 Mesmo que Wilson Paroschi (2012 p 18-20) inclua ambas as citaccedilotildees de Ellen G Whi-te em seu artigo Silva parece omitir isso em suas consideraccedilotildees tornando o seu texto um tanto quanto duvidoso

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Eacute inadequado abordar a compreensatildeo da lei em Gaacutelatas entre os adven-tistas sem contextualizar o leitor a respeito das discussotildees teoloacutegicas sobre o as-sunto realizadas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas dos Seacuteti-mo Dia (em Minneaacutepolis Minessota entre 17 de outubro e 4 de novembro de 1888) Paulo Cristiano da Silva poderia ter evitado um possiacutevel reducionismo histoacuterico se considerado o livro Portadores de Luz (SCHWARZ GREENLE-AF 2009 p 175-188) capiacutetulo 12 intitulado ldquoJustificaccedilatildeo pela feacute Minneaacutepo-lis e seus resultadosrdquo Nesse capiacutetulo demonstram-se um pouco das disputas teoloacutegicas entre Urias Smith e George I Butler de um lado defendendo a antiga posiccedilatildeo adventista sobre a identidade da lei em Gaacutelatas e EJ Waggoner e AT Jones de outro em defesa de um posicionamento mais exegeacutetico Se consultada essa fonte o leitor da revista Apologeacutetica Cristatilde natildeo seria privado da informaccedilatildeo completa sobre o assunto seria sabido que apesar das acirra-das disputas entre os pastores adventistas da eacutepoca posteriormente Smith e Butler reconheceriam seus equiacutevocos teoloacutegicos e equilibrariam a sua proacutepria teologia anteriormente enfatizando mais a Lei do que a graccedila de Cristo

O Dicionaacuterio Brasileiro de Teologia (BORTOLLETO 2008 p 18) publicado pela Associaccedilatildeo de Seminaacuterios Teoloacutegicos Evangeacutelicos (ASTE) em 2008 tambeacutem seria de grande importacircncia na pesquisa do redator do CACP Na referida obra aleacutem de obter uma visatildeo mais acertada acerca do adventismo seria conhecido que ldquoessa conferecircncia [de Mineaacutepolis jaacute em 1888] contribuiu para que o adventismo equilibrasse sua ecircnfase distintiva nos lsquomandamentos de Deusrsquo com o compromisso evangeacutelico relacionado agrave lsquofeacute em Jesusrsquo (Ap 1412)rdquo (TIMM 2008 p 18)

O adventismo natildeo eacute estaacutetico Alguns criacuteticos alegam que os adventistas fazem uso de um recurso bem

utilizado pelas seitas para ldquomascararrdquo os proacuteprios ldquoerrosrdquo Eles afirmam que qualquer mudanccedila na teologia evidencia ldquofalsidaderdquo e que portanto todo o sistema doutrinaacuterio do adventismo desenvolvido ao longo dos anos estaacute sob a ldquoareia movediccedilardquo Entretanto deve-se destacar que o adventismo desde os seus primoacuterdios possui um conceito dinacircmico da teologia

As ecircnfases teoloacutegicas podem mudar com o passar do tempo agrave medida que o Espiacuterito Santo traz agrave luz novas verdades biacuteblicas ou uma nova compre-ensatildeo das mesmas jaacute reveladas (ver Pv 418 Jo 1612) Assim o estudioso das Escrituras natildeo teraacute receios em reconhecer que precisa reformular os proacuteprios conceitos teoloacutegicos agrave medida que cresce em sua experiecircncia espiritual com

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Cristo Na obra Em Busca de Identidade (KNIGHT 2005 p 16-27 208-210) o autor esclarece que os pioneiros adventistas acreditavam na possibilidade de progredir no conhecimento da verdade biacuteblica Isso parece perceptiacutevel vis-to que depois de observar a mudanccedila dos adventistas em relaccedilatildeo ao horaacuterio correto de se observar o saacutebado Tiago White (1856 p 148-149) afirmou na Review and Herald que os adventistas ldquomudariam outros pontos de sua feacute caso tivessem uma boa razatildeo para fazecirc-lo com base nas Escriturasrdquo

Isso natildeo significa poreacutem que os teoacutelogos adventistas modernos sintam a necessidade de alterar a teologia adventista a respeito da perpetuidade da Lei moral apenas porque essa distinccedilatildeo talvez natildeo possa ser validada exe-geticamente Silva deve conhecer a diferenccedila entre hermenecircutica (exegese) e teologia Mesmo que ajustes exegeacuteticos sejam necessaacuterios tanto Wilson Pa-roschi quanto Samuele Bacchiocchi entre outros sustentam a mesma opi-niatildeo sobre a interpretaccedilatildeo adventista concernente agrave validade da Lei na Nova Alianccedila O que foi anulado pela morte de Cristo na cruz eacute a condenaccedilatildeo da Lei (ver Rm 79-11 2Co 37-9 Gl 322-25 Cl 214) e natildeo a Lei em si ou a necessidade de observaacute-la como uma expressatildeo da vontade e do imutaacutevel caraacuteter de Deus (ver Rm 615-22 74-6 12-14 83-4 Hb 88-12 Ap 1412)

Consideraccedilotildees finaisA presente resenha argumentou que o artigo de Paulo Cristiano da Silva

natildeo fez o devido uso de fontes baacutesicas para compreender o desenvolvimento dao pensamento adventista sobre a lei em Gaacutelatas Ao que parece o articu-lista foi parcial em sua pesquisa em natildeo considerar o que os pioneiros adven-tistas diziam sobre o assunto especialmente Ellen G White

Aleacutem disso Silva natildeo fez menccedilatildeo das discussotildees teoloacutegicas sobre a jus-tificaccedilatildeo pela feacute e a lei em Gaacutelatas feitas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas do Seacutetimo Dia em novembro de 1888 Uma anaacutelise desse evento na histoacuteria da Igreja eacute fundamental para que o pesquisador possa discutir acerca da compreensatildeo adventista da Lei na carta aos Gaacutelatas O articulista da revista Apologeacutetica Cristatilde citou dos artigos de Wilson Paroschi e Samuele Bacchiocchi8 mas desconsiderou o conteuacutedo dos artigos citados enfatizando apenas o que lhe parecia razoaacutevel Se o autor tivesse considerado

8 Tambeacutem foi mencionada a resposta de Ozeas C Moura na seccedilatildeo ldquoBoa Perguntardquo onde ele responde uma duacutevida referente ao texto de Colossenses 216 Ver Revista Adventista ja-neiro de 2009 paacuteginas 18 e 19

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em seu artigo a conclusatildeo de Bacchiocchi apoacutes sua exposiccedilatildeo a respeito da compreensatildeo paulina da Lei leria-se

O que Paulo ataca natildeo eacute o valor da lei como um guia para a conduta cristatilde [hellip] Paulo critica natildeo a moral mas a compreensatildeo soterio-loacutegica da lei isto eacute a lei vista como um documento de eleiccedilatildeo que inclui os judeus e exclui os gentios [hellip] A incapacidade de discernir nos escritos de Paulo entre seu uso moral e o uso soterioloacutegico da lei e a incapacidade de reconhecer que sua criacutetica da lei eacute dirigida natildeo aos cristatildeos judeus mas aos judaizantes gentios tem levado mui-tos concluir erroneamente (inclusive Paulo Silva) que Paulo era um antinomista que rejeitava a validade da lei como um todo Tal visatildeo eacute inteiramente injustificada porque como jaacute mostramos Paulo re-jeita a lei como um meacutetodo de salvaccedilatildeo mas a exalta como norma moral de conduta cristatilde (BACCHIOCCHI 1985 p 11)

Por fim Silva conclui de maneira equivocada seu artigo afirmando que os teoacutelogos adventistas acima tiveram ldquocoragem e acima de tudo honesti-dade em admitir um erro exegeacutetico perpetuado como tradiccedilatildeo por mais de um seacuteculo dentro dessa igrejardquo (SILVA sd p 7)

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BORTOLLETO F (Org) Dicionaacuterio brasileiro de teologia Satildeo Paulo ASTE 2008

SCHWARZ R GREENLEAF F Portadores de Luz histoacuteria da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Engenheiro Coelho Unaspress 2009

DEDEREN R (Ed) Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2011

KNIGHT G A Mensagem de 1888 Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2003

Em busca de identidade o desenvolvimento das doutrinas adventistas do seacutetimo dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2005

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Questotildees sobre doutrina o claacutessico mais polecircmico da histoacuteria do adventismo Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

MOURA O Boa pergunta Revista Adventista jan de 2009

PAROSCHI W Liccedilotildees de Gaacutelatas Revista Adventista mai de 2012

PREEZ R Judging the Sabbath discovering what canrsquot be found in Colossians 216 Berrien Springs Andrews University Press 2008

SILVA P Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

TIMM A O movimento adventista e a justificaccedilatildeo pela feacute Artur Nogueira Centro de Pesquisas Ellen G White 1988

VINE W et al Dicionaacuterio Vine o significado exegeacutetico e expositivo das palavras do antigo e do novo testamento Rio de Janeiro CPAD 2010

WHITE E Primeiros Escritos Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

Mensagens Escolhidas Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 1985 v 1

WHITE T The word Review and Herald v 7 n 19 1856

Enviado dia 15052013Aceito dia 26062013

Normas para publicaccedilatildeo

A revista Kerygma recebe trabalhos para os proacuteximos nuacutemeros em re-gime de fluxo contiacutenuo natildeo sendo necessaacuteria a abertura de chamadas es-peciais No entanto a periodicidade eacute semestral Para ser aceitos os textos devem observar rigorosamente as normas descritas abaixo

B A revista Kerygma tem como objetivo a divulgaccedilatildeo de trabalhos de pesquisa originais publicados em liacutengua portuguesa inglesa ou es-panhola relacionados agraves diversas temaacuteticas das aacutereas de Teologia e Ciecircncias da Religiatildeo

B O trabalho a ser submetido deve estar enquadrado em uma das se-guintes categorias

ndash Artigo cientiacutefico Dossiecirc Ensaio a publicaccedilatildeo se destina a divulgar re-sultados ineacuteditos de estudos e pesquisa compreendendo os seguintes itens tiacutetulo (em portuguecircs e inglecircs) nome(s) do(s) autor(es) [observaccedilatildeo a(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) devem ser registradas como notas de rodapeacute] resumo (com meacutedia de 900 toques ou 150 palavras) com a respectiva traduccedilatildeo para o inglecircs (abstract) e cinco palavras-chave em portu-guecircs e inglecircs introduccedilatildeo meacutetodo desenvolvimento e resultados (descriccedilatildeo e dis-cussatildeo) consideraccedilotildees finais e referecircncias bibliograacuteficas Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras incluindo figuras tabelas e lista de referecircncias

ndash Resenha de livros balanccedilo criacutetico de livros recentemente publicados (maacuteximo 4 anos) ou de obras consideradas claacutessicas nas aacutereas de estudo abor-dadas pela revista Deveraacute conter tiacutetulo do livro autor local de ediccedilatildeo editora e ano de publicaccedilatildeo (em formato ABNT) tiacutetulo para a resenha nome do(s) autor(es) da resenha sua(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras

Revista Kerygma

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B O texto deve ser editado no programa Word configurado em pa-pel tamanho A4 (21 x 297 cm) fonte Arial corpo 12 espaccedilamento 15 e alinhamento justificado exceto as citaccedilotildees diretas com mais de 3 linhas (recuo) O tiacutetulo natildeo deve ultrapassar 12 palavras As margens devem ter a seguinte conformaccedilatildeo superior e direita 3cm inferior e esquerda 2cm

B O texto deve seguir o novo acordo ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa

B Caso haja imagens devem ser apresentadas em alta resoluccedilatildeo (300 dpi no formato jpg ou tif) e largura miacutenima de 10 cm (altura proporcional) Devem ser colocadas no corpo do texto e enviadas em arquivo separado

B As referecircncias bibliograacuteficas devem se basear nas normas da ABNT-NBR 60232002

B As citaccedilotildees podem ser diretas ou indiretas

ndash Citaccedilotildees indiretasSatildeo aquelas em que as ideias ou fatos apresentados pelo autor original

satildeo resumidos ou reapresentados com o cuidado de natildeo haver prejuiacutezo da exatidatildeo dessas informaccedilotildees Pode-se optar por escrever o sobrenome do autor dentro ou fora dos parecircntesis da referecircncia Se estiver fora dos parecircnte-sis ele deve vir em caixa baixa no corpo do texto seguido dos parecircntesis com o ano de publicaccedilatildeo da obra e nuacutemero da paacutegina No caso de o sobrenome vir dentro dos parecircntesis deve ser escrito todo em caixa alta seguido do ano de publicaccedilatildeo e nuacutemero da paacutegina Exemplos

a) Para um autor ldquoRodrigues (1998 p 25) observou [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES 1998 p 25)rdquo

b) Para dois autores ldquoRodrigues e Veiga (1999 p 39) pesquisando [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES VEIGA 1999 p 39)rdquo

c) Para trecircs ou mais autores o sobrenome do primeiro autor deve ser seguido da expressatildeo et al ldquoPradela et al (1998 p 129) constata-ram[hellip]rdquo ou ldquo(PRADELA et al 1998 p 129)rdquo

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ndash Citaccedilotildees diretas literais ou textuaisAs referecircncias obedecem agraves mesmas especificaccedilotildees acima Se o texto direta-

mente citado contiver ateacute trecircs linhas deve ser incluiacutedo no proacuteprio corpo do texto entre aspas Exemplos Segundo a autora ldquoo estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jovens da referida pesquisa possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11) Ou De acordo com Ruth Derevecki (2011 p 11) ldquoo estudo mostra[hellip]rdquo

Por outro lado se o texto diretamente citado contiver mais de trecircs linhas deve aparecer em paraacutegrafo(s) destacado(s) do corpo do texto (com recuo na margem de 4 cm agrave esquerda corpo 11 em espaccedilamento simples entre linhas) Exemplo

Como Lima (2010 p 12) sustenta

Atualmente a gestatildeo tem se tornado participativa De acordo com a diretora do coleacutegio adventista de Hortolacircndia Eli Albuquerque muitas escolas ainda natildeo aderiram ao novo padratildeo poreacutem haacute mui-tas unidades que jaacute implantaram a administraccedilatildeo colegiada com-posta por professores equipe administrativa pais e alunos

B Utiliza-se a expressatildeo latina apud para citar um documento ao qual natildeo se teve acesso direto mas por intermeacutedio de uma citaccedilatildeo em outra obra Exemplo ldquoSegundo Esther Rodrigues apud Follis (2011 p 42)rdquo ou ldquoEs-ther Rodrigues afirma que o sol faz bem agrave pele (apud FOLLIS 2011 p 42)rdquo Atenccedilatildeo deve-se na medida do possiacutevel para garantir a exatidatildeo da informaccedilatildeo procurar usar citaccedilotildees diretas Ou seja deve-se procurar obter as informaccedilotildees das fontes originais sempre que estas estiverem disponiacuteveis deixando este recurso apenas para obras difiacuteceis de ser localizadas

B Em caso de coincidecircncia de datas de texto ou obra citadas distinguir com letras respeitando a ordem de entrada no artigo (1915a 1915b) Jaacute em casos de coincidecircncia de sobrenomes colocam-se os prenomes abre-viados apoacutes o sobrenome (FOLLIS R 2010 FOLLIS E 2014)

B Toda citaccedilatildeo provinda da Biacuteblia deve seguir a seguinte formataccedilatildeo fora dos parecircntesis deve vir por extenso (Ex Em Apocalipse 1232 2 Coriacutentios 318 diz que [hellip] dentro dos parecircntesis deve ser abreviada de acordo com o padratildeo de duas letras sem ponto da Biacuteblia Joatildeo Ferreira de Almeida revista e atualizada 2ordm ediccedilatildeo (Ap 1232 2Co 318) Natildeo se usa algarismos romanos

Revista Kerygma

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B Toda citaccedilatildeo originaacuteria de fonte em liacutengua estrangeira deve ser traduzida no corpo do texto e referenciada da seguinte forma (ABREU 2009 p 12 tra-duccedilatildeo livre) A citaccedilatildeo na liacutengua original deve ser mantida em nota de rodapeacute

B A supressatildeo ldquo[hellip]rdquo e a interlocuccedilatildeo devem ser indicadas entre col-chetes Exemplo ldquoO estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jo-vens [hellip] possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11)

B As notas de rodapeacute devem ser usadas apenas para acrescentar infor-maccedilotildees relacionadas ao texto e importantes para o entendimento deste Natildeo confundir nota de rodapeacute com referecircncia bibliograacutefica que apare-ce soacute no final do trabalho

B Expressotildees estrangeiras ou tiacutetulos de obras devem figurar em itaacutelico Exemplos ldquoFelipe Carmo (2009 p 42) em seu livro Hipnose sustenta que croissaint natildeo pode ser utilizado como sujestatildeo hipnoacuteticardquo Certas palavras mesmo sendo de origem estrangeira jaacute satildeo de uso corrente nos textos em portuguecircs e portanto natildeo devem vir em itaacutelico Exem-plos internet mouse link site e-mail etc

B Os casos de destaque de partes do texto para ecircnfase devem ser evi-tados ou restringidos ao miacutenimo possiacutevel devendo aparecer em itaacutelico

ldquoFulano (2000 p 12) sustenta que ocorre reversatildeo se e somente se aque-las condiccedilotildees satildeo satisfeitasrdquo

B Capiacutetulos de livros e artigos de perioacutedicos quando citados no corpo do texto devem aparecer entre ldquoaspasrdquo e sem o uso de itaacutelico Exemplo Flavio Luiacutes (2011 p 12) em seu artigo ldquoComo cultivar um bigode agrave luz de Friedrich Nietzscherdquo afirma que [hellip]

B Citaccedilotildees referentes aos manuscritos e cartas de Ellen G White de-vem ser feitas no corpo do texto da seguinte maneira (Ellen G White Carta 16 1890) (Ellen G White Manuscrito 21 1846)

B Citaccedilotildees referentes aos pais da igreja devem ser acrescentadas ao corpo do texto corrido como por exemplo a obra de Josefo (Jewish Antiquities IX206 ndash 214)

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B Na lista de referecircncias bibliograacuteficas deveratildeo constar os nomes de todos os autores de um trabalho consultado As referecircncias seratildeo ordenadas al-fabeticamente pelo uacuteltimo sobrenome do autor seguido no miacutenimo da inicial maiuacutescula do primeiro nome Natildeo usar nomes por extenso na lista

a) Para livrosCARMO F Hipnose a arte da seduccedilatildeo Satildeo Paulo Editora Madras 2009

b) Capiacutetulo de livroFERCH A Autoria teologia e propoacutesito de Daniel In HOLBROOK F (Ed) Estudos sobre Daniel origem uni-dade e relevacircncia profeacutetica Engenheiro Coelho Unaspress 2009 (Seacuterie Santuaacuterio e Profecias Apocaliacutepticas 2)

c) Artigos de perioacutedicosBERTONI E Arte induacutestria cultural e educaccedilatildeo Cadernos cedes centro de estudos educaccedilatildeo e sociedade ndash Unicamp Ano 21 n 54 2001

d) Monografias dissertaccedilotildees e tesesFERREIRA L O processo da aprendizagem conflitos emocionais desvirtuamento e caminhos para a superaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Unasp Campus En-genheiro Coelho Engenheiro Coelho 1999

e) Publicaccedilotildees referentes a eventos publicados em anais ou similares (congressos reuniotildees seminaacuterios encontros etc)

LIMA P Caminhos da universidade rumo ao seacuteculo 21 es-tagnaccedilatildeo ou dialeacutetica da construccedilatildeo In 7ordm congresso anual de estudantes do cesulon (Centro de Estudos Superiores de Londrina PR) Londrina 25 a 20 de outubro de 1999

f) Informaccedilotildees verbaisPara informaccedilotildees obtidas por meio verbal (palestras debates entrevistas etc) deve-se indicar no texto corrido a expressatildeo

ldquoinformaccedilatildeo verbalrdquo entre parecircnteses mencionando-se os da-dos disponiacuteveis em nota de rodapeacute

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Exemplo ldquoA maioria dos que sustentam uma opiniatildeo sobre a alegaccedilatildeo das sugestotildees hipnoacuteticas atraveacutes de alimentos gordu-rosos normalmente fariam qualquer coisa por um croissaintrdquo (informaccedilatildeo verbal)1

No rodapeacute da paacutegina1 Comentaacuterio proferido por Felipe Carmo em palestra rea-lizada no Unasp-EC por ocasiatildeo do Simpoacutesio Universitaacuterio Adventista em setembro de 2011

g) Legislaccedilatildeo (constituiccedilatildeo emendas constitucionais textos legais infra-constitucionais)

SAtildeO PAULO (Estado) Decreto nordm 42822 de 20 de janeiro de 1998 Lex coletacircnea de legislaccedilatildeo e jurisprudecircncia Satildeo Paulo v 62 n3 p 217 ndash 220 1998

BRASIL Medida provisoacuteria nordm 1569-9 de 11 de fevereiro de 1997 Diaacuterio Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Po-der Executivo Brasiacutelia DF 14 dez 1997 Seccedilatildeo 1 p 29514

BRASIL Coacutedigo Civil 46 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

h) Referecircncias de sites Acrescentar no final da referecircncia ldquoDis-poniacutevel emrdquo endereccedilo eletrocircnico e a data de acesso ao documen-to precedida da expressatildeo ldquoAcesso emrdquo

SILVA I Pena de morte para o nascituro O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 set 1998 Disponiacutevel em ltwwwestadaocombr1212343htmgt Acesso em 19 set 1998

B Os textos devem ser submetidos unicamente por meio do site da re-vista Kerygma Os passos satildeo os seguintes

ndash Acessar httpwwwunaspedubractacientificandash Caso se trate do primeiro acesso preencher os dados pessoais no

item ldquocadastrordquo (lembre-se de assinalar a opccedilatildeo ldquoautorrdquo) Se jaacute tiver cadastro basta preenher nome e senha

ndash Para submeter trabalhos siga as demais instruccedilotildees do proacuteprio sistemaObs o autor deveraacute acompanhar o andamento do trabalho subme-

tido no proacuteprio sistema on-line

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B O tempo entre a submissatildeo aprovaccedilatildeo ou rerpovaccedilatildeo e a publi-caccedilatildeo do artigoresenha seraacute de cerca de 14 meses As informaccedilotildees sobre o status da submissatildeo se daraacute apenas via Sistema Eletrocircnico de Revistas (SEER) software para a construccedilatildeo e gestatildeo de publi-caccedilotildees perioacutedica traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informaccedilatildeo em Ciecircncia e Tecnologia (IBICT)

B A revista Kerygma estaacute sob a Licenccedila Creative Commons Attribution 30 o que indica natildeo existir lucro atrelado agrave publicaccedilatildeo e portanto natildeo havendo nenhuma obrigaccedilatildeo de remuneraccedilatildeo dos autores publica-dos Estes ao submeterem suas contribuiccedilotildees cedem agrave revista os direi-tos de publicaccedilatildeo nos formatos impresso e online

Permutas

Associaccedilatildeo Educacional Frei Nivaldo Liebel ndash Revista RethoacuterikaUSP de Ribeiratildeo Preto ndash ABOPCenter for Adventist Research James White Library ndash AUCentro Universitaacuterio Feevale ndash Revista Gestatildeo e DesenvolvimentoCentro Universitaacuterio Claretiano ndash Linguagem AcadecircmicaCentro Universitaacuterio de Barra Mansa ndash Revista CientiacuteficaCentro Universitaacuterio de Brusque (Unifebe) ndash Revista da UnifebeCentro Universitaacuterio de Franca (Uni-FACEF) ndash Facef pesquisaCentro Universitaacuterio de Patos de Minas (Unipam) ndash JurivoxRevista AlphaCentro Universitaacuterio do Espiacuterito Santo (Unesc) ndash Unesc em RevistaCentro Universitaacuterio La Salle (Unilasalle) ndash Revista de Educaccedilatildeo Ciecircncia e CulturaCentro Universitaacuterio Metodista (IPA) ndash Ciecircncia em MovimentoCentro Universitaacuterio Nove de Julho (Uninove) ndash Conscientiae-SauacutedeEccosCentro Universitaacuterio Salesiano de Satildeo Paulo (Unisal) ndash Revista Ciencia e TecnoloacutegiaCentro Universitaacuterio Univates ndash Caderno Pedagoacutegico Estudo amp DebateEscola Superior de teologia da IECLB ndash Estudos teoloacutegicosFaculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP) ndash Revista do curso de direitoFaculdade de Administraccedilatildeo Santa Cruz (FAFILFASC) ndash Revista de AdministraccedilatildeoFaculdade de Ciecircncias Administrativas e Contaacutebeis Santa Luacutecia ndash UniversitaFaculdades Integradas Adventistas de Minas gerais (Fadminas) ndash Revista SymposiumFundaccedilatildeo Educacional da Regiatildeo de Joinvile (Univille) ndash Revista da UnivilleFundaccedilatildeo Teacutecnico Educacional Souza Marques ndash Revista Souza MarquesFaculdade Teoloacutegica Batista de Satildeo Paulo ndash TeoloacutegicaFundaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande ndash MomentoPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute (PUC-PR) ndash Revista de Estudos da Comunicaccedilatildeo Revista Psicoloacutegica ArgumentoUniversidad Adventista Del Plata ndash Enfoques DavarlogosUniversidad Catoacutelica Argentina ndash Cultura EconoacutemicaUniversidade de Caxias do Sul (UCS) ndash ConjecturaUniversidade de Satildeo Paulo (USP) ndash Contabilidade amp FinanccedilasUniversidade de Sorocaba (Uniso) ndash Revista de Estudos UniversitariosUniversidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) ndash Linguagem em DisCurso

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Universidade Estadual de Londrina (UEL) ndash Boletim do Centro de LetrasUniversidade Estadual de Ponta Grossa ndash Olhar do Professor PublicatioUniversidade Estadual Paulista (Unesp) ndash Alimentos e NutriccedilatildeoUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ndash Varia histoacuteriaUniversidade Federal de Pelotas ndash Histoacuteria da EducaccedilatildeoUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ndash Caderno do Ensino da FiacutesicaUniversidade Federal de Santa Maria ndash Revista de Educaccedilatildeo EspecialUniversidade Norte do Paranaacute ndash (Unopar) ndash Unopar CientiacuteficaUniversidade Paranaense (Unipar) ndash AkroacutepolisUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missotildees ndash Revista PerspectUniversidade Santa Cecilia ndash Seleccedilatildeo DocumentalUniversidade Satildeo Judas Tadeu ndash Integraccedilatildeo

  • Expediente
  • Editorial
  • 1
  • 2
  • 8
  • 3
  • 4
  • 5
  • 6
  • 7
  • Normas
Page 3: Centro Universitário Adventista de São Paulo

Revista indexada nas seguintes bases de dados1 Latindex2 ATLA Religion Database3 Sumaacuteriosorg4 LivRe

A Revista Kerygma utiliza o Sistema Eletrocircnico de Editoraccedilatildeo de Revistas (SEER) software desen-volvido para a construccedilatildeo e gestatildeo de publicaccedilotildees perioacutedicas eletrocircnicas traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informaccedilatildeo em Ciecircncia e Tecnologia (IBICT)

Esta revista se encontra sob a Licenccedila Creative Commons Attribution 30O Conselho Editorial natildeo assume a responsabilidade pelo material publicado nesta revista Os trabalhos publicados representam o pensamento dos autores

Kerygma ndash Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo v 9 n 1 (1ordm se-mestre de 2013) Engenheiro Coelho SP Unaspress ndash Imprensa Universi-taacuteria Adventista 2013

Semestral

ISSN 2237ndash7557 (impressa) 1809ndash2454 (online)1 Teologia2 Ciecircncias da Religiatildeo

K419

CDD 200CDU 20

FICHA CATALOGRAacuteFICA

Unaspress

Editoraccedilatildeo Rodrigo Follis Ozeas C MouraRevisatildeo Juliana Castro Renato GrogerProgramaccedilatildeo visual Flaacutevio LuiacutesCapa Marcio TrindadeDiagramaccedilatildeo Faacutebio Roberto Baacuterbara KatherinneNormatizaccedilatildeo Giulia PradelaRevisatildeo de abstracts Ingrid Lacerda

Editorial 7Rodrigo Follis

Artigos

O Espiacuterito Santo nas Epiacutestolas Paulinas 15Roberto Pereyra Suaacuterez

Os 144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja 35Mabio Coelho

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual de Lucas 2243-44 53

Luan Henrique Gomes Ribeiro Wilson Paroschi

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedica-social 67

Jorge Lucien Burlandy

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de L R Conradi 87

Renato Stencel Alex Voos

Sumaacuterio

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica 115Reacutegerson Molitor da Silva

Um estudo sobre a morte em Lucas 1619-31 131Adenilton T de Aguiar Diego Rafael da S Barros

Resenha

Os adventistas e a identidade da Lei em Gaacutelatas 147Leandro Quadros

Normas para publicaccedilatildeo 155

Permutas 163

bullEditorialbull

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo

Rodrigo Follis1

Muitas epistemologias teoloacutegicas aceitas na atualidade foram produzi-das na proacutepria modernidade ou se utilizaram dos recursos argumentativos inerentes a tal periacuteodo Assim eacute possiacutevel argumentar que ainda vivemos em grande parte uma religiosidade calcada em diversos pensamentos filosoacutefi-cos provindos da modernidade

Ao abordar o sentido do termo ldquomodernidaderdquo Pierre Sanchis (1997) afirma que ela seria ldquoa representaccedilatildeo ideal do indiviacuteduo portador de uma ra-zatildeo uacutenica de uma decisatildeo soberana que se exerce nos quadros de uma loacutegica universalrdquo Assim no auge da ciecircncia moderna se delimitava a atitude cien-tiacutefica agrave busca de conhecimentos de leis e princiacutepios que regessem a realidade Sendo que por realidade se entendia algo estaacutetico determinado mecacircnico e regulado por leis fixas (vemos tal realidade por exemplo na doutrina posi-tivista) Um conhecimento baseado na formulaccedilatildeo de leis tem como pres-suposto a noccedilatildeo de ordem e de estabilidade do mundo de que o passado se repete no futuro (SANTOS 1999 p 17 ver 2000)

Alguns autores chegam a afirmar que a exacerbaccedilatildeo de tal pensamento foi uma das causadoras da atual fragmentaccedilatildeo do modernismo Assim a desilusatildeo humana com as promessas da era da razatildeo e da ciecircncia teriam sido enormes Para exemplificar podem ser citadas a ldquourbanizaccedilatildeo extremamen-te desumanizante a monstruosa desigualdade social a induacutestria de morte de armas e das drogas a construccedilatildeo de campos de concentraccedilatildeo a confec-ccedilatildeo e explosatildeo das bombas atocircmicasrdquo (LIBAcircNIO 1998 p 62)

1 Doutorando em Ciecircncias da Religiatildeo e Mestre em Comunicaccedilatildeo Social pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo Editor-associado da revista Kerygma e professor no Centro Univer-sitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail rodrigofollisunaspedubr

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Afinal a ciecircncia [moderna] natildeo fornece as respostas que a maio-ria de noacutes exige Sua histoacuteria a respeito de nossas origens e nosso fim eacute no miacutenimo insatisfatoacuteria Para a pergunta ldquoComo tudo comeccedilourdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo Para a pergunta ldquoComo tudo terminaraacuterdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo E para muitas pessoas a vida acidental natildeo vale a pena ser vivida (POSTMAN 1994 p 168)

Por um lado a modernidade trouxe grandes avanccedilos ao tentar melho-rar o mundo a nossa volta atraveacutes de uma iluminaccedilatildeo e da busca racional por evidecircncias que dessem sentido a existecircncia humana E isso foi aceito como forma de afirmar ou mesmo combater a ortodoxia teoloacutegica Sobre isto Leonildo Campos (2008) aponta a tensatildeo entre ldquoa letra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo que ficou como marca principal de vaacuterios reaviva-mentos religiosos como o ldquosurgimento do pietismo alematildeo do avivalismo inglecircs e norte-americano e no iniacutecio do seacuteculo XX da explosatildeo do Pente-costalismordquo Assim ele nos lembra das tensotildees jaacute apontadas por Mendonccedila (2008 p 78) quando afirma a existecircncia de conflitos ligados de um lado a uma racionalidade defendida por grupos mais ortodoxos e de outro a um misticismo emocional provindo de diversos novos grupos

Natildeo parece metodologicamente coerente esquecer de que cada vez mais a sociedade se abre para uma religiatildeo e uma vida regida pela loacutegica da emoccedilatildeo e do entretenimento e que isso tem relaccedilatildeo direta na construccedilatildeo de muitas das teologias contemporacircneas (ver BERGER ZIJDERVELD 2012) Entretan-to parece ser preciso reafirmar que dependemos de vaacuterios preceitos da ciecircncia modernista ou seja da suposta ldquoletra que matardquo Ela ainda perpassa todas as produccedilotildees ditas acadecircmicas encontradas natildeo apenas na presente ediccedilatildeo da re-vista Kerygma mas em todo o fazer da ciecircncia Afinal toda discussatildeo provinda da academia sempre se relaciona agraves ldquoletrasrdquo teoacutericas que objetivam encontrar as ldquoleis fixasrdquo que esclareceratildeo nossa realidade e sociedade

Sem sombra de duacutevidas a presente ediccedilatildeo da Kerygma faz parte dessa realidade Ao se buscar que padratildeo pode ser encontrado nas cartas paulinas acerca do uso da palavra grega Pneuma estamos fazendo ciecircncia ao estilo modernista Na discussatildeo epistemoloacutegica para se entender corretamente os meios de interpretaccedilatildeo biacuteblica estamos em uma discussatildeo calcada tambeacutem no modernismo e em sua forma de ver e estudar o mundo E isso ocorreraacute em todos os demais artigos seja na relaccedilatildeo sobre os 144 mil de Apocalipse no entendimento dos textos biacuteblicos de Lucas na relaccedilatildeo histoacuterica acerca da

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 7-11 1ordm sem de 2013

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apostasia do pastor adventista Conrad no uso da disciplina eclesial ou na re-senha de um artigo apologeacutetico Todas essas discussotildees podem ter seus dis-tanciamentos do modernismo mas paradoxalmente o fazem estando dentro desse processo cientiacutefico

Baseado nisso alguns acusam a Teologia como sendo a personificaccedilatildeo da ldquoletra que matardquo e portanto seria preciso evitaacute-la na busca por uma ver-dadeira comunhatildeo com a divindade Entretanto isso natildeo nos parece coerente Natildeo estamos aqui para condenar a ciecircncia moderna nem o seu meacutetodo racio-nalista mesmo agrave luz das diversas consequecircncias ruins ou no miacutenimo esteacutereis produzidas em seu nome Tambeacutem natildeo acreditamos que recusar ou abraccedilar cegamente um reavivamento emocionalista venha a ser a melhor soluccedilatildeo Como contraponto parece interessante a proposta acerca do ldquolsquopensamento liminarrsquo como defendida por Mignolo (2003) Esse tipo de pensamento ser-viria para ldquoobter ou recuperar o direito de serrdquo Ou seja seria

uma maneira de pensar que natildeo seja inspirada em suas proacuteprias limi-taccedilotildees e que natildeo pretenda dominar e humilhar uma maneira de pen-sar que seja universalmente marginal fragmentaacuteria e aberta e como tal uma maneira de pensar que por ser universalmente marginal e fragmentaacuteria natildeo seja etnocida (MIGNOLO 2003 p 235)

Dadas essas consideraccedilotildees eacute coerente acreditar na busca por uma Teo-logia que una o melhor desses dois mundos o da letra e o do espiacuterito Cons-truindo assim uma tensatildeo hegemocircnica paradoxal ao mesmo tempo em que busca utilizar um meacutetodo loacutegico-racionalista como forma de interpretar a realidade e a histoacuteria tambeacutem nos coloca abertos a um aceite emocional e mais humano de tal realidade sendo este o objetivo de toda a produccedilatildeo cientiacutefica (FOLLIS 2012) Com isso nosso objetivo deixa de ser encontrar uma mera resposta e passa a ser o de mudar e melhorar vidas humanas Ellen G White (2007 p 309) ilustra como poderia ser essa uniatildeo Torcermos para que tal pensamento seja um guia para a construccedilatildeo teoloacutegica que continua-remos a produzir na academia

O maior dos enganos do espiacuterito humano nos dias de Cristo era que um mero assentimento agrave verdade constituiacutesse justiccedila Em toda experiecircncia humana o conhecimento teoacuterico da verdade se tem demonstrado insuficiente para a salvaccedilatildeo da alma Natildeo produz os frutos de justiccedila Uma cuidadosa consideraccedilatildeo pelo

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que eacute classificado verdade teoloacutegica acompanha frequentemente o oacutedio pela verdade genuiacutena segundo se manifesta na vida Os mais tristes capiacutetulos da Histoacuteria acham-se repletos do registro de crimes cometidos por fanaacuteticos adeptos de religiotildees Os fariseus pretendiam ser filhos de Abraatildeo e vangloriavam-se de possuir os oraacuteculos de Deus todavia essas vantagens natildeo os preservavam do egoiacutesmo da malignidade da ganacircncia e da mais baixa hipocrisia Julgavam-se os maiores religiosos do mundo mas sua chamada ortodoxia os levou a crucificar o Senhor da gloacuteria O mesmo peri-go existe ainda Muitos se tecircm na conta de cristatildeos simplesmente porque concordam com certos dogmas teoloacutegicos Natildeo introdu-ziram poreacutem a verdade na vida praacutetica Natildeo creram nela nem a amaram natildeo receberam portanto o poder e a graccedila que advecircm mediante a santificaccedilatildeo da verdade

Referecircncias

BERGER P ZIJDERVELD A Em favor da duacutevida como ter convicccedilotildees sem se tornar um fanaacutetico Satildeo Paulo Elsevier 2012

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Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

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WHITE E O desejado de todas as naccedilotildees Tatuiacute CPB 2007

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

The Holy Spirit in the pauline epistles

Roberto Pereyra Suaacuterez1

ResumoAbstract

O artigo objetiva pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo abordando um dos temas mais desafiadores do seu pensamento te-oloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneu-

matologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia Neste estudo preliminar busca-se apenas introduzir o vasto tema sobre o uso da palavra πνευμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais relevantes acerca do EspiacuteritoPalavras-chave Espiacuterito Santo πνεūμα Paulo Teologia Biacuteblica Epiacutestolas paulinas

This article aims to research about the Holy Spirit in the books of Paul discussing one of the most challenging subjects of his theological thought Some researchers even say that the pneumatology of Paul

should be considered the central aspect of his theology The objective of this preliminary study is only to introduce this vast theme about the use of the word πνευμα in the epistles of Paul and also to interpret the most relevant theological affirmations about the Holy SpiritKeywords Holy Spirit πνεūμα Paul Biblical Theology Epistles of Paul

1 Doutor em Novo Testamento pela Andrews University (PhD) Diretor da Poacutes-Gradua-ccedilatildeo do Salt-Unasp Professor na Faculdade de Teologia do Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail robertopereyraunaspedubr

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Pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo significa abordar um dos temas mais desafiadores do seu pensamento teoloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneumatologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia2

Neste estudo preliminar natildeo exaustivo pelo limitado espaccedilo busca se apenas introduzir o vastiacutessimo tema sobre o uso da palavra πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais re-levantes acerca do Espiacuterito

O uso da palavra πνεūμα em PauloMesmo desconsiderando as formas de uso (substantivo adjetivo ou

adveacuterbio) do vocaacutebulo Πνευματικός 3 e da expressatildeo ldquopoderrdquo (tambeacutem em diversas formas) em referecircncia ao Espiacuterito Santo4 eacute possiacutevel encontrar 384 referecircncias agrave πνευμα no Novo Testamento Sendo que apenas Paulo a usa

2 Sendo que haacute uma literatura muito rica tratando com o pensamento de Paulo sobre este tema gostaria de mencionar as referecircncias que considero mais relevantes publicadas nos uacutel-timos 50 anos Pinnock (1963) Turner (1975 p 56-69) Dobbin (1976a p 5-19 1976b p 129-149) Meyer (1979 p 3-18) Congar (1983) Francis (1984 p 299-313) Easley (1984 p 299-313) Huumlbner (1989 p 324-338) Friedrich Wilhelm Horn (1992) nega a dimensatildeo experi-mental da recepccedilatildeo do Espiacuterito no iniacutecio do cristianismo e propotildee que Paulo desenvolveu sig-nificativamente sua pneumatologia durante os anos de seu ministeacuterio Paige (1993 p 404-413) Gordon D Fee (1994 1996) apresenta o trabalho mais completo sobre pneumatologia Paulina disponiacutevel sendo uma fonte primaacuteria relevante para consultas sobre questotildees exegeacuteticas Vol-lenweider (1996 p 163-192) Gaffin (1998 p 573-589) Daniel B Wallace (2003 p 97-125) Monika Christoph (2005) Finny Philip (2005) John A Bertone (2005) Mark Pretorius (2006 p253-262) Clint Tibbs (2007) Erik Konsmo (2010) examina como as metaacuteforas de Paulo ex-pressam a presenccedila tangiacutevel do espiacuterito intangiacutevel na vida do cristatildeo e afirma que o ponto de vista de Paulo sobre o rol do Espiacuterito Santo natildeo eacute perifeacuterico mas sim central em sua Teologia3 De 26 vezes que se usa no NT 24 satildeo as referecircncias no conteuacutedo paulino (Rm 111 714 1527 1 Co 213 2x 15 31 911 103 4 2x121 141 37 1544 2x 46 2x Gl 61 Ef 13 519 61 Cl 19 316)4 Aparentemente os destinataacuterios das cartas paulinas entenderam que o Espiacuterito se manifes-tava em ldquopoderrdquo em razatildeo da utilizaccedilatildeo dos termos δύναμις e πνεῡμα de forma alternada nas epiacutestolas de Paulo Sobre isso veja a argumentaccedilatildeo de J D G Dunn (1998a p 851) Natildeo se faz apenas o uso combinado de ambos os sentidos (Rm 1513 19) mas se usa os vocaacutebulos de tal maneira que a presenccedila de πνεῡμα poderia significar a presenccedila de δύναμις (Rm 14 1Co 24 Gl 35 Ef 316 1Ts 15 2 Tm 17) Sendo assim se pode deduzir que as referecircncias agrave δύναμις implicariam a presenccedila de πνεῡμα (1Co 420 54 2Co 47 66-7 12912 134 Ef 119 21 37 20 Cl 111 29 2 Tm 18)

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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160 vezes5 nas 14 epiacutestolas que lhe satildeo atribuidas aqui considerando tam-beacutem o livro de Hebreus6 A frequecircncia de πνευμα nas epiacutestolas paulinas se daacute da seguinte forma

RmI 1CoII 2CoII GlIV EfV FpVI ClVII 1TsVIII 2TsIX 1TmX 2TmXI TtXII FmXIII HbXIV Total

35 40 17 18 16 5 2 5 3 3 3 2 1 10 160

I Em Rm 81-27 Paulo usa 22 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα sendo que 5 delas possuem significado antropoloacutegico ao referir-se ao espiacuterito humano (810 15 3x 16) e 17 com sentido teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo (82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 13 14 16 23 26 2x 27)II Em 1 Coriacutentios 24-14 Paulo usa 9 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (211 12) e 7 com sentido teoloacutegico (24 10 2x 11 12 13 14) em 1Co 123-13 Paulo usa 12 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x)III Em 2 Coriacutentios Paulo usa 17 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 8 possuem significado antropoloacutegico (213 36 2x 413 71 13 1114 1218) e 9 com sentido teoloacutegico (122 33 8 17 2x 18 55 66 1313)IV Em Gaacutelatas Paulo usa 18 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (61 18) e 16 com sentido teoloacute-gico (32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x) com maior concentraccedilatildeo em 55 a 68V Em Efeacutesios Paulo usa 16 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 3 possuem significado antropoloacutegico (117 22 423) e 13 com sentido teoloacutegico (113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18)

VI Em Filipenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (127 423) e 3 com sentido teoloacutegico (119 21 33)

VII Em Colossenses Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (25) e 1 com sentido teoloacutegico (18)

VIII Em 1 Tessalonicenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (523) e 4 com sentido teoloacutegico (15 6 48 519)

IX Em 2 Tessalonicenses Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (22) e 2 com sentido teoloacutegico (28 13)

X Em 1 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (41) e 2 possuem sentido teoloacutegico (316 41)

XI Em 2 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (17 422) e 1 com sentido teoloacutegico (114)XII Em Tito Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (35 6)XIII Em Filemom Paulo usa 1 vez o vocaacutebulo πνεῡμα com significado antropoloacutegico (25)XIV Em Hebreus Paulo usa 10 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (412 1223) e 8 possuem sentido teoloacutegico (114 24 37 64 98 14 1015 29)

5 Aparece 53 vezes o vocaacutebulo (Rm 14 84 5 9 2x 1011 15 2x 16 26 2x 118 1Co 210 11 2x 12 2x 316 55 617 740 124 8 11 13 1414 1545 168 2Co 36 17 2x 413 713 114 Gl 32 5 46 29 517 68 Ef 117 44 30 1Ts 48 519 23 1Tm 41 2x 2Tm 17 Hb 37 1015 29) 53 vezes πνεύματος (Rm 55 76 82 5 6 11 23 27 1513 19 30 1Co 24 10 13 14 54 619 127 8 10 1432 2Co 122 36 8 18 55 71 1313 Gl 314 517 22 68 18 Ef 22 316 43 617 Fp 119 21 423 1Ts 16 2Ts 22 13 2Tm 114 422 Tt 35 Fm 125 Hb 114 24 412 64 98 14) 49 vezes πνεύματι (Rm 19 229 89 13 14 16 91 1211 1417 1516 1Co 421 53 611 734 123 2x 9 2x 13 142 15 2x 16 2Co 213 33 66 1218 Gl 33 55 16 18 25 2x 61 Ef 113 218 22 35 423 518 618 Fp 127 33 Cl 18 25 1Ts 15 2Ts 28 1Tm 316 Hb 1223) e em cinco cir-cunstancias se emprega um pronome relativo para se referir ao espiacuterito humano em geral (Rm 815) ao Espiacuterito Santo (1Co 619 Ef 114 Tt 36) e ao Espiacuterito de Deus (Ef 430)6 Raymond Edward Brown (1983 p 227) encontra 380 usos enquanto que Tibbs (2007 p 306) encontra 384

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Segundo a ordem de tamanho das epiacutestolas a maior incidencia no uso do vocaacutebulo πνεῡμα se encontra em Gaacutelatas seguida por Efeacutesios 1 Coriacutentios Romanos e 2 Coriacutentios Contudo se observa uma concentraccedilatildeo especial no conteuacutedo das cartas o que responde aos propoacutesitos teoloacutegicos do autor em diaacutelogo com seus destinataacuterios Por exemplo Romanos 81-27 constitui o ponto de mais destaque da teologia paulina sobre o Espiacuterito ao se referir a Ele 22 vezes a maior concentraccedilatildeo de referencias nas epiacutestolas (DUNN 1998 p 423)

A partir daqui inicia-se uma breve menccedilatildeo sobre o uso antropoloacutegico de πνεῡμα nos escritos de Paulo

Uso antropoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos gerais Paulo utiliza 45 vezes o vocaacutebulo com significa-do antropoloacutegico se referindo ao espiacuterito humano7 Ele faz referecircncia a si mesmo (Rm 19 1 Co 421 53-4 1414-15 1618 2 Co 213 Cl 25) a mulher (1Co 734) aos profetas (1Co 1432) ao segundo Adatildeo (1 Co 1545) a Tito (2Co 713) a Timoacuteteo (2 Tm 422) a Filemom (Fm 25) e aos seres humanos em geral8 Obviamente eacute no uso teoloacutegico do vocaacutebulo que teremos a maior relevancia e significado

Uso teoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos especiacuteficos o apoacutestolo usa πνεῡμα 115 vezes com senti-do teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo9 de diversas formas ldquoEspiacuterito

7 Rm 19 229 76 810 15 3x 816 118 1211 1Co 211 12 421 53 4 5 617 734 1414 15 2x 1432 1545 1618 2Co 213 36 2x 413 7113 114 1218 Gl 61 18 Ef 117 22 423 Fp 127 423 Cl 25 1Ts 523 2Ts 22 2Tm 17 422 Fm 25 Hb 412 Embora existam discussotildees se a referecircncia eacute ao espiacuterito humano ou ao divino os seguintes textos tambeacutem podem ser aqui incluiacutedos 1Co 53 4 617 1414 152 e Cl 25 (ver Fee 1996 p 24-26 123-27 229-30 462 645)8 Rm 229 76 81015 x3 16 118 1211 1Co 211 12 55 6 17 2Co 36 2x 413 71 114 1218 Ef 117 423 Fp 127 423 1 Ts 523 2 Ts 22 2Ti 17 Hb 412 12239 Rm 14 55 82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 1314 16 23 26 2x 27 2x 91 1417 1513 16 19 30 1Co 24 10 2x 11 12 13 14 16 611 19 2x 740 123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x 142 16

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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Santordquo10 ldquoEspiacuterito de santidaderdquo (Rm 14) ldquoEspiacuterito de vidardquo (Rm 82) ldquoEspiacuteritordquo11 ldquoEspiacuterito de Deusrdquo12 ldquoEspiacuterito de Cristordquo (Rm 89) ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo (2Co 317) ldquoEspiacuterito de Seu Filhordquo(Gl 46) ldquoEspiacuterito de sabe-doria e de revelaccedilatildeordquo (Ef 117) ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo (Fp 119) ldquosopro de sua bocardquo (de Jesus Cristo 2 Ts 28) e ldquoEspiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

O fato de Paulo nomear o ldquoEspiacuteritordquo como ldquoEspiacuterito de Deusrdquo ldquoEs-piacuterito de Seu Filhordquo ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo ldquoEspiacuterito de Cristordquo ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo e inclusive ldquoEspiacuterito Santordquo e ldquoEspiacuterito da Graccedilardquo sugere claramente um enfoque trino do vocaacutebulo πνεῡμα em suas epiacutestolas o que parece ser um axioma trinitaacuterio baacutesico13 para entender o uso teoloacutegico de πνεῡμα nessas epiacutestolas

Axioma trinitaacuterio baacutesico nas Epiacutestolas Paulinas

Nos escritos de Paulo 1) Deus eacute um 2) Deus eacute trecircs 3) os trecircs satildeo plenamente Deus 4) cada um dos trecircs eacute diferente dos outros dois 5) os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente um com o outro como Pai Filho e Espiacuterito Santo14

A Trindade pertence agrave vida existecircncia e forma de ser do Deus trino Realidade que soacute poderia ser conhecida se algum de seus membros a revelas-se Como sugeriu Sinclair Ferguson (1985 p 18-37) Jesus no caminho da cruz eacute quem revelou a seus disciacutepulos essa realidade trina da Divindade sua relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito (Jo 13-17)

2Co 122 33 8 17 2x 18 55 66 1313 Gl 32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18 Fp 119 21 33 Cl 18 1Ts 15 6 48 519 2Ts 28 13 1Tm 316 41 2Tm 114 Tt 35 6 Hb 24 37 64 98 14 1015 2910 Rm 55 91 1417 1513 16 1 Co 619 2x 2 Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2 Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 101511 Rm 84 5 2x 6 9 11 2x 13 16 23 26 2x 27 2x 1530 1 Co 24 10 2x 12 13 124 7 8 2x 9 2x 11 13 2x 2 Co 122 38 18 55 Gl 32 3 5 14 429 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 218 22 35 16 43 4 518 617 18 Fp 21 Cl 18 2 Ts 213 1 Tm 316 41 Hb 3712 Rm 89 14 1519 1 Co 211 14 316 611 740 123 2x 2 Co 33 Ef 430 2x Fp 3313 Para um estudo sobre as evidecircncias biacuteblicas que contribuem para a doutrina da trindade veja Arthur William Wainwrigth (1962) Leonard Hodgson (1944 p 38-84) E J Fortman (1982 p 3-33) Aubrey William Argyle (1966 p 173-181)14 Para um estudo exaustivo destes conceitos nas Escrituras veja a John M Frame (2002)

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Eacute o envio do Deus feito carne que revela a relaccedilatildeo existente entre o Pai e o Filho (Jo 7111 22-26) Sua encarnaccedilatildeo (Lc 134-35 Jo 1711 22-26) ministeacuterio (Mt 41 Mr 112 Lc 41 Mt 1228 At 1038) morte ressurreiccedilatildeo (Rm 811 1 Pd 318) e ascensatildeo (At 232 33) revelam a relaccedilatildeo existente entre o Filho e o Espiacuterito Santo (Jo 1416-17 26 1526 1613) o que pro-vavelmente se constituiacutea nas fontes das formulaccedilotildees trinitaacuterias do apoacutestolo

Deus eacute umO conceito da unidade eacute desenvolvido no fato de que Ele eacute Deus tanto

dos judeus como dos gentios (Rm 329-30 1012-13 Gl 320) Pai tanto dos incircuncisos como dos circuncidados (Rm 411-12) uacutenico em sua relaccedilatildeo com os seres humanos (1Tm 25) jaacute que natildeo existem outros deuses Haacute um soacute Deus (1Co 84-6) o verdadeiro (1Ts 19) o uacutenico e saacutebio Deus (Rm 1627 1 Tm 117) a uacutenica fonte dos dons espirituais (1Co 124-6 Ef 44-6)15

Deus eacute trecircsEmbora seja problemaacutetico determinar o nuacutemero dos seres divinos a

partir do Antigo Testamento Paulo usa especiacuteficas formulaccedilotildees trinitaacuterias nas quais apresenta a existecircncia de trecircs seres divinos θεόϛ (Deus) o Pai κύριος (Senhor) ou υἱός (Filho) o Filho e πνεῡμα (Espiacuterito) o Espiacuterito

Paulo distingue claramente os trecircs seres aos quais se refere como ldquoum Espiacuterito [hellip] um Senhor [hellip] um Deusrdquo (1Co 124-6 e Ef 44-60) Menciona os trecircs juntos em Romanos Efeacutesios Filipenses Colossenses 1 Tessalonicenses 2 Tessalonicenses 1 Timoacuteteo Tito Hebreus ou seja em 9 das 14 epiacutestolas

Por outro lado existem diversas passagens nas quais dois dos trecircs se-res aparecem como fonte comum de becircnccedilatildeos o Pai e o Filho por um lado (Rm 64 1Co 1524-28) Cristo e o Espiacuterito por outro (Rm 82 9 2Co 317 Gl 46 Fp 119)

Nas saudaccedilotildees e becircnccedilatildeos apostoacutelicas Paulo sempre menciona a ldquoDeus nosso Pairdquo e ldquoa nosso Senhor Jesus Cristordquo16 no entanto em 2 Coriacutentios 1313 (14) ele integra os trecircs ldquoA graccedila do Senhor Jesus Cristo o amor de Deus e a comunhatildeo do Espiacuterito Santo sejam com todos vocecircsrdquo

Eacute surpreendente a afirmaccedilatildeo feita aos coriacutentios quanto agrave relaccedilatildeo interna existente entre o Espiacuterito e Deus o Pai e o Pai com o Espiacuterito ldquoO Espiacuterito

15 Satildeo textos trinitaacuterianos que distinguem as trecircs pessoas da divindade como fontes de dons espirituais atributo que implica na unidade trina16 1 Co 13 2 Co 12 Gl 13 Ef 13 623-24 1 Ts 11 2 Ts 12 1 Tm 12 2 Tm 12 Tt 14

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 210) ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Tambeacutem eacute afirmado aos membros da igreja de Roma que

ldquoaquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuterito porque o Es-piacuterito intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

E quanto ao relacionamento interno existente entre o Espiacuterito e Jesus Cristo o Filho Os leitores de Coriacutentio satildeo advertidos de que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123)

Paulo se referindo aos crentes em Roma em um soacute versiacuteculo apresenta a relaccedilatildeo trina na vida do crente ldquovocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito se de fato o Espiacuterito de Deus habita em vocecirc E se algueacutem natildeo tem o Espiacuterito de Cristo natildeo pertence a Cristordquo (Rm 89) Eacute notaacutevel a siacutentese das accedilotildees trinas relacionadas na vida do crente Deus Cristo e o Espiacuterito atuam na vida de quem estaacute em Jesus A accedilatildeo trina eacute vida no crente vida que provem da accedilatildeo do Deus trino O que eacute muito sugestivo pois usa a mesma estrutura e organizaccedilatildeo literaacuteria dos primeiros oito capiacutetulos da carta aos Romanos nos quais eacute exposto o tema da salvaccedilatildeo e santificaccedilatildeo pela feacute Parece existir um pa-dratildeo claramente trinitaacuterio o juiacutezo de Deus o Pai sobre o pecado (118-320) a obra expiatoacuteria do Filho pela qual Deus justifica e santifica (321-725) e a liberdade e guia do Espiacuterito (81-39)

Uma estrutura semelhante se encontra na epiacutestola aos Gaacutelatas A NVI intitula os versos 326-47 como ldquoFilhos de Deusrdquo 51-15 de ldquoLivres em Cristordquo e 516-26 por ldquoVida pelo Espiacuteritordquo o que caminha na direccedilatildeo da afirmativa de que para Paulo Deus eacute um mas tambeacutem eacute trecircs Efeacutesios 218 afirma que ldquopor meio dele tanto noacutes como vocecircs temos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo o que parece ser uma clara premissa paulina por meio de Cristo ao Pai atraveacutes do Espiacuterito Assim a evidecircncia paulina para a concep-ccedilatildeo trinitaacuteria de Deus poderia ser sintetizada em trecircs grupos de passagens

B No primeiro grupo eacute apresentado um trinitarianismo ex professo Por exemplo em sua benccedilatildeo de 2 Coriacutentios 1314 Paulo envolve a Deus ao Senhor Jesus Cristo e ao Espiacuterito Santo sem fazer nenhu-ma distinccedilatildeo entre essas trecircs pessoas Portanto parece razoaacutevel afirmar que ele os percebe como Pessoas coiguais

B No segundo grupo de passagens Paulo apresenta uma forma triacuteade Em Efeacutesios 44-6 faz menccedilatildeo de ldquoum soacute Espiacuterito [hellip] um soacute Senhor [hellip]

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um soacute Deus e Pairdquo Em 1Coriacutentios 123-6 cada Pessoa eacute introduzida com o artigo ldquoumrdquo na sequecircncia de maneira parecida com Efeacutesios 4 Em uma referecircncia mais indireta as trecircs pessoas satildeo mencionadas tam-beacutem em Efeacutesios 13-14

B No terceiro grupo de textos paulinos as trecircs pessoas satildeo menciona-das juntas mas sem nenhuma estrutura triacuteade clara Um bom exemplo disso eacute Gaacutelatas 44-6 ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filhordquo (o mesmo ocorre em Rm 81ss 2Ts 213ss e Tt 34-6)

Os trecircs satildeo DeusEmbora natildeo haja dificuldades em perceber que o primeiro teoacutelogo do

periacuteodo neotestamentaacuterio descreve o Espiacuterito e o Filho como sendo total-mente Deus haacute os que argumentam contra a divindade do Espiacuterito Santo

Argumenta-se que nos textos trinitaacuterios paulinos o Espiacuterito aparece apenas junto ao Pai eou ao Filho (Rm 1519 2 Co 1313 [14] Ef 221-22 44-6 Fp 33 Hb 23-4 64-6 914 1029-31) Jaacute foi mencionado que existem textos nos quais se incluem dois membros da Trindade por um lado o Pai e o Filho (Rm 64 1Co 1524-28) por outro o Filho e o Espiacute-rito (Rm 1530 1Co 611 Fp 21 Hb 1029) onde ambos o Filho e o Es-piacuterito satildeo dispostos de forma igualitaacuteria a Deus Seria estranho considerar nestes textos um dos seres como natildeo tendo total divindade Aleacutem disso Paulo cita textos do Antigo Testamento que se referem a Yahweh e os aplica ao Espiacuterito Santo (exemplos Jr 3133-34 em Hb 1015-17 Ecircx 251 em Hb 98 Sl 957-11 em Hb 37-11 Is 644 em 1Co 29) O Espiacuterito derrama a graccedila amor divino ao crente (Rm 55 1530 2Co 66 Gl 516-17 Fp 21 Cl 18) e eacute poder de Deus (Rm 1513 19)

De igual forma ao Pai e ao Filho o Espiacuterito eacute eterno (Hb 914) onis-ciente (1Co 210-11) e eacute chamado de santo17 o que implica que sua san-tidade eacute a de Deus e por isso natildeo derivada das criaturas Como o Filho o Espiacuterito realiza atos que correspondem a Deus Eacute doador da vida tanto fiacutesica como espiritual (Rm 811 1Co 1545 2Co 36) testemunha da ado-ccedilatildeo do crente como filho de Deus (Rm 815) Atraveacutes dele o crente eacute lavado justificado e santificado (1Co 611) O Espiacuterito outorga dons espirituais

17 Rm 55 91 1417 1513 16 1Co 619 (2x) 2Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 1015

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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(1Co 126-11) para servir na missatildeo divina de salvar Dele eacute a fonte de ins-piraccedilatildeo da Bibliacutea (2Tm 316)

Pai Filho e Espiacuterito Santo trecircs pessoas distintasPara Paulo o Pai o Filho e o Espiacuterito satildeo seres ou pessoas distintas Eacute

comum concordar que o Pai e o Filho sejam pessoas diferentes mas vaacuterios teoacutericos questionam se o Espiacuterito seria uma terceira pessoa relacionada com o Pai e com o Filho ou se seria apenas uma forccedila ou poder impessoal que se associa a Deus ou mesmo emana dele O Espiacuterito eacute relacionado com o poder de Deus (Rm 14 1513 19 1Co 24 2Co 66-7 1Ts 15 2Tm 17) o qual nunca eacute impessoal Ele natildeo apenas representa o poder de Deus mas tambeacutem sua sabedoria (1Co 24 1218 Ef 117)

Note como Paulo apresenta o Pai o Filho e o Espiacuterito em accedilatildeo trina embora sejam seres diferentes ao explicar aos Efeacutesios sobre a revelaccedilatildeo do ldquomisteacuterio de Cristordquo

Certamente vocecircs ouviram falar da responsabilidade imposta a mim em favor de vocecircs pela graccedila de Deus isto eacute o ministeacuterio que me foi dado a conhecer por revelaccedilatildeo [dativo instrumental - inspi-rador] como jaacute lhes escrevi em poucas palavras [hellip] Esse ministeacuterio natildeo foi dado a conhecer aos homens doutras geraccedilotildees mas agora foi revelado pelo Espiacuterito aos santos apoacutestolos e profetas de Deus significando que diante do evangelho os gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da pro-messa em Cristo Jesus (Ef 32-6)

A principal funccedilatildeo ou papel do Espiacuterito eacute fazer conhecido o plano de Deus em Cristo o misteacuterio revelado E tambeacutem mostrar o Filho depois da ascensatildeo porque ldquoningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123) Paulo demonstra que a obra salvadora de Jesus se relaciona diretamente com o ministeacuterio do Espiacuterito Santo e vice e versa Cristo ofereceu seu sacrifiacutecio expiatoacuterio pelos pecados da humanidade (Rm 86-8) e aplica os meacuteritos desse sacrifiacutecio por meio do ministeacuterio sacerdotal no santuaacuterio celestial (Hb 725) poreacutem eacute o Espiacuterito que faz eficaz o que realiza o Salvador do mundo (1Co 123)

O Espiacuterito prepara o caminho para a conversatildeo convencendo a cada in-diviacuteduo do pecado da justiccedila e do juiacutezo levando-lhe ao pleno conhecimento de Jesus e do evangelho (1Co 123) Produz arrependimento (Rm 24) gera feacute

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(1Co 129 Rm 123) e novo nascimento (Tt 35) sela o crente (Ef 113) teste-munhando que este pertence a Deus (Ef 114 2Co 121-22 55 Rm 822-23 Ef 430) produz crescimento (Gl 516 22 23) santificaccedilatildeo (Ro 83 5-10 1Co 611 2Ts 213) e serviccedilo (1Co 12 2Co 36) Neste processo de tornar efi-caz a obra de Cristo o Espiacuterito revela interpreta inspira fala testemunha envia conhece ensina guia intercede o que Paulo deixa claro em suas epiacutes-tolas ao usar πνεῡμα de forma nominativa genitiva acusativa e dativa

Πνεūμα em caso nominativo18

Usando o caso nominativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacute-rito realiza accedilotildees determinadas e especiacuteficas num fluxo do tempo e da histoacuteria

E dito aos crentes de Roma que ldquoo Espiacuterito de Deus viverdquo neles cuja evidecircncia eacute que ldquoentretanto vocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuteritordquo (Rm 89-11)

Aos coriacutentios eacute dito que ldquosatildeo santuaacuterios de Deusrdquo e como tais ldquoo Es-piacuterito de Deus habitardquo neles (1Co 316) que ldquoo proacuteprio Espiacuterito testemunha ao nosso espiacuterito que somos filhos de Deusrdquo (Rm 816) e ldquonos ajuda em nossa fraquezardquo intercedendo ldquopor noacutes com gemidos inexprimiacuteveisrdquo (Rm 826) assim como ldquosonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profun-das de Deusrdquo (1Co 210) pois ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Eacute dito tambeacutem que ldquoo Espiacuterito eacute o mesmordquo embora os dons que outorgue sejam diversos (1Co 124) sendo que ldquoo Espiacuterito [hellip] distribui individualmente a cada um como querrdquo (1Co 1211) ldquoVivificardquo o crente (2Co 36) e ldquoonde estaacute o Espiacuterito do Senhor19 ali haacute liberdaderdquo (2 Co 317)

Paulo lembra aos Gaacutelatas de que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (Gl 517) a Timoacuteteo eacute dito que ldquoo Espiacuterito diz claramente que nos uacuteltimos tempos alguns abandonaratildeo a feacute e seguiratildeo espiacuteritos enganadores e doutrinas de democircniosrdquo (1Tm 41) jaacute aos Hebreus eacute afirmado que ldquoassim como diz o Espiacuterito Santo hoje se vocecircs ouvirem a sua voz natildeo endureccedilam o coraccedilatildeo como na rebeliatildeo durante o tempo da provaccedilatildeo no desertordquo de Cades Barnea (Hb 37 8) e tambeacutem que o Espiacuterito Santo nos testifica a

18 Nesse caso πνεῡμα funciona como sujeito indicando quem faz a accedilatildeo verbal ou como nuacutecleo do predicado nominal descrevendo o sujeito da oraccedilatildeo19 Para Dunn o ldquolsquoEspiacuterito do Senhorrsquo aqui eacute o Espiacuterito de Deus = lsquoo Senhorrsquo de Ecircxodo 3434rdquo (DUNN 1998b p 419-425)

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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respeito da nova alianccedila que Jeovaacute prometeu realizar ldquoPorei minhas leis em seu coraccedilatildeo e as escreverei em sua mente [hellip] Dos seus pecados e iniquida-des natildeo me lembrarei maisrdquo (Hb 1015-17)

Πνεūμα em caso genitivo20

Usando o caso genitivo Paulo faz afirmaccedilotildees nas quais se descreve o Espiacuterito como sendo origem fonte procedecircncia ou posse de algum bem coisa ou serviccedilo

Aos Romanos ele declara que ldquoem Cristordquo o ldquoEspiacuterito de vidardquo (geni-tivo - posse) liberta da lei do pecado e da morte (Rm 82) que ldquoquem vive de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (genitivo - procedecircncia) (Rm 85) jaacute que a ldquomentalidade do Espiacuterito (geni-tivo - procedecircncia) eacute vida e pazrdquo (Rm 86) acrescenta que os que tecircm ldquoos primeiros frutos do Espiacuteritordquo (genitivo - posse) aguardam a redenccedilatildeo de seus corpos (Rm 823) e que ldquoAquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) o qual ldquointercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

Aos Coriacutentios o apoacutestolo lhes informa que natildeo lhes falou nem pregou ldquoem palavras persuasivas de sabedoria mas consistiram em demonstraccedilatildeo do poder do Espiacuterito (genitivo - procedecircncia) para que a feacuterdquo deles ldquonatildeo se baseasse em sabedoria humana mas no poder de Deusrdquo (1Co 24 5) isto eacute

ldquonatildeo com palavras ensinadas pela sabedoria humana mas com palavras en-sinadas pelo Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (1Co 213) que ldquoquem natildeo tem o Espiacuterito natildeo aceita as coisas que vem do Espiacuterito de Deus (genitivo - procedecircncia) pois lhes satildeo loucurardquo (1Co 214) Ainda abordando a Igreja de Corinto Paulo menciona que ldquoo corpordquo fiacutesico do crente eacute um ldquotemplo do Espiacuterito Santo (genitivo - posse) [hellip] dado por Deusrdquo (1Co 619) ele diz tambeacutem que ldquoa cada um poreacutem eacute dada a manifestaccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) para o bem comum (1Co 127) Aleacutem disso Paulo assinala que Deus tem ldquodado o penhor do Espiacuterito (genitivo - posse) em nossos coraccedilotildees como garantia do que estaacute por virrdquo (2Co 122 55 [geni-tivo - posse]) Ele acrescrenta que Deus daacutendo-nos o Espiacuterito ldquonos fez competentes como ministros de uma nova alianccedila natildeo da letra mas do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (2Co 36) Para Paulo ldquoo ministeacuterio do

20 Neste caso πνεῡμα descreve (no sentido de possessatildeo origem procedecircncia) define e limita o substantivo o adjetivando ou o qualificando

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Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) eacute mais glorioso que o ministeacuterio da letra (2Co 38) O apoacutestolo termina sua segunda carta aos Coriacutentios desejando que ldquoa comunhatildeo do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) seja com todos (2Co 1313 [14])

Aos Gaacutelatas lhes faz lembrar que ldquomediante a feacuterdquo se recebe ldquoa pro-messa do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Gl 314) Indica-lhes que ldquoo fruto do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute amor alegria paz paciecircncia ama-bilidade bondade fidelidade mansidatildeo e domiacutenio proacutepriordquo (Gl 522) Jaacute com os Efeacutesios os desafia a se esforccedilarem ldquopara conservar a unidade do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Ef 43) e revela que ldquoa espada do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute a palavra de Deusrdquo (Ef 617) No caacutercere confessa aos Filipenses que se alegra em suas prisotildees porque sabe que graccedilas a suas oraccedilotildees e ldquoao auxiacutelio do Espiacuterito de Jesus Cristordquo (genitivo - procedecircncia) tudo resultaraacute em libertaccedilatildeo (Fl 119)

Aos de Tessalocircnica reconhece que apesar de muitas afliccedilotildees ldquorecebe-ram a palavra com a alegria que vem do Espiacuterito Santordquo (genitivo - proce-decircncia) (1Ts 16) Agradece a Deus porque ldquodesde o princiacutepio Deus os es-colheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espiacuterito (genitivo

- procedecircncia) e a feacute na verdaderdquo (2Ts 213) E na carta a Tito disse que Deus ldquonos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) (Tt 35)

O uso de πνεῡμα no caso genitivo com preposiccedilotildees eacute revelador Paulo diz aos de Roma que ldquoDeus derramou seu amor em nossos coraccedilotildees por meio do Espiacuterito Santo (genitivo - descriccedilatildeo) que Ele nos concedeurdquo (Rm 55) e Deus ldquodaraacute vidardquo aos ldquocorpos mortais por meio do Espiacuteritordquo (geniti-vo - descriccedilatildeo) (Rm 811) entatildeo deseja que ldquoo Deus da esperanccedila os encha de toda alegria e paz por sua confianccedila nEle para que vocecircs transbordem de Esperanccedila pelo poder do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) (Rm 1513) Tam-beacutem recomenda que ldquopor nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) se unam com o apoacutestolo em sua missatildeo orando a Deus por ele (Rm 1530)

A igreja em Corinto lhes declara que embora ldquoolho nenhum viu ouvi-do nenhum ouviu mente humana nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam [hellip] Deus o revelou a noacutes por meio do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) O Espiacuterito sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 29-10)

Aos Gaacutelatas diz que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (ge-nitivo - descriccedilatildeo) (Gl 517) que ldquoquem semeia para o Espiacuterito (genitivo

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- descriccedilatildeo) do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) colheraacute a vida eternardquo (Gl 68) Para os de Eacutefeso informa que pede ao Pai que ldquocom suas gloriosas riquezas [hellip] por meio do seu Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) fortaleccedila o iacutentimo do ser deles (Ef 314-16) Recomenda a Timoacuteteo que ldquopor meio do Espiacuterito Santordquo (genitivo - descriccedilatildeo) cuide dos preciosos ensinamentos que lhe foi confiado (2Tm 114)

Πνεūμα em caso acusativo21

Usando o caso acusativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Es-piacuterito estaacute envolvido em accedilotildees especiacuteficas no fluxo do tempo e da histoacuteria

Ele afirma aos membros de Corinto que ldquonatildeo recebemos o espiacuterito do mundo mas o Espiacuterito procedente de Deus para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamenterdquo (1Co 212) Pergunta aos Gaacutelatas

ldquofoi pela praacutetica da Lei que vocecircs receberam o Espiacuterito ou pela feacute naquilo que ouviram [hellip] Aquele que lhes daacute o seu Espiacuterito e opera milagres entre vocecircs realiza estas coisas pela praacutetica da Lei ou pela feacute com a qual receberam a palavrardquo (Gl 32 5) Diz-lhes que ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filho ao coraccedilatildeo de vocecircs e Ele clama Aba Pairdquo (Gl 46)Paulo exorta os Efeacutesios que ldquonatildeo entristeccedilam o Espiacuterito Santo de Deus com o qual vocecircs foram se-lados para o dia da redenccedilatildeordquo (Ef 430) Aos Tessalonicenses diz que aquele que rejeita o chamado agrave santidade ldquonatildeo estaacute rejeitando o homem mas a Deus que lhes daacute seu Espiacuterito Santordquo e lhes exorta ldquonatildeo apaguem o Es-piacuteritordquo (1Ts 48 519) Aos destinataacuterios da homilia aos Hebreus pergunta

ldquoQuatildeo mais severo castigo julgam vocecircs merece aquele que pisou aos peacutes o Filho de Deus profanou o sangue da alianccedila pelo qual ele foi santificado e insultou o Espiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

Numa construccedilatildeo preposicional no caso acusativo Paulo afirma aos leitores Romanos que ldquoo Evangelho fala do Filho [de Deus]rdquo o qual de acor-do com a natureza humana era descendente de Davi mas que ldquomediante o Espiacuterito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder pela sua ressur-reiccedilatildeo entre os mortosrdquo (Rm 14) e que ldquoDeus [hellip] enviando seu proacuteprio Fi-lho [hellip] como oferta pelo pecado [hellip] a fim de que as justas exigecircncias da Lei fossem plenamente satisfeitas em noacutes que natildeo vivemos segundo a carne mas segundo o Espiacuteritordquo E declara que aqueles ldquovivem de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (Rm 83-5)

21 Neste caso πνεῡμα eacute o objeto direto do verbo complementando seu significado

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Πνεūμα em caso dativo22

Usando o caso dativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacuterito eacute o lugar meio agencia ou instrumento do qual utiliza o sujeito para realizar certa accedilatildeo expressada pelo verbo

Aos leitores em Roma afirma que eles ldquonatildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito (locativo - esfera) se de fato o Espiacuterito de Deus ha-bitardquo neles (Rm 89) portanto ldquose pelo Espiacuterito (instrumental - agente) fi-zerem morrer os atos do corpo viveratildeordquo (Rm 813) Afirma tambeacutem que

ldquotodos os que satildeo guiados pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) satildeo filhos de Deusrdquo (Rm 814) Paulo confessa que tem ldquouma grande tristezardquo e

ldquoconstante angustiardquo pois desejaria ser ldquoamaldiccediloado e separado de Cristo por amorrdquo de seus ldquoirmatildeosrdquo de sua proacutepria ldquoraccedila o povo de Israelrdquo ldquoNatildeo mintordquo disse Paulo ldquominha consciecircncia o confirma no Espiacuterito Santordquo (lo-cativo - esfera) (Rm 91-4)

Em exortaccedilatildeo pede que ldquoaceitem o que eacute fraco na feacuterdquo e explica que ldquoo Reino de Deus natildeo eacute comida nem bebida mas justiccedila paz e alegria no Es-piacuterito Santordquo (instrumental - agente) Tambeacutem acrescenta que ldquoaquele que assim serve a Cristo eacute agradaacutevel a Deus e aprovado pelos homensrdquo (Rm 14 1 17 18) Como ministros dos gentios Paulo manifesta a seus leitores em Roma que tem ldquoo dever sacerdotal de proclamar o evangelho de Deus para que os gentios se tornem uma oferta aceitaacutevees a Deus santificados pelo Espiacuterito Santordquo (Rm 1516)

Em sua correspondecircncia aos crentes em Corinto Paulo destaca a fun-ccedilatildeo instrumental do Espiacuterito ao fazer com que venham a entender em ter-mos categoacutericos que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus (instrumental

- inspirador) diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) (1Co 123) Referindo-se aos dons espirituais ele declara que Deus daacute a alguns ldquofeacute pelo mesmo Espiacuterito A outros dons de curar pelo uacutenico Espiacuteritordquo (instrumental

- agente) (1Co 129) ldquoTodosrdquo afirma o apoacutestolo ldquoem um soacute corpo fomos batizados em um uacutenico Espiacuterito (locativo - elemento) quer judeus quer gre-gos quer escravos quer livresrdquo (1Co 1213)

Paulo declara que ldquoquem fala em uma liacutengua natildeo fala aos homens mas a Deus De fato ningueacutem entende em Espiacuterito (instrumental - modo)

22 Neste caso πνεῡμα expressa lugar agecircncia ou instrumento com o qual se faz algo Indica o instrumento o meio do que se utiliza o sujeito para realizar uma accedilatildeo verbal

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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fala misteacuteriosrdquo(1Co 142) Ele reconhece que os coriacutentios satildeo ldquouma carta de Cristo [hellip] escrita natildeo com tinta mas com o Espiacuterito do Deus vivo (ins-trumental - agente) natildeo em taacutebuas de pedra mas em taacutebuas de coraccedilotildees humanosrdquo (2Co 33) a eles mostra que o testemunho serve com ldquopureza conhecimento paciecircncia e bondade no Espiacuterito Santo (dativo - acampa-nhamento) e no amor sincerordquo (2Co 66)

Pergunta aos Gaacutelatas em processo de apostasia ldquodepois de ter comeccedila-do pelo Espiacuteritordquo (instrumental - agente) ldquoquerem agora se aperfeiccediloar pelo esforccedilo proacutepriordquo(Gl 33) a quem recomenda ldquoVivam pelo Espiacuteritordquo (ins-trumental - agente) (Gl 516) porque ldquose vocecircs guiados pelo Espiacuterito (ins-trumental - agente) natildeo estatildeo debaixo da Leirdquo (Gl 518) Por fim os exorta que se deixem guiar pelo Espiacuterito (instrumental - agente) jaacute que o Espiacuterito eacute vida (instrumental - agente) (Gl 525)

Paulo lembra aos crentes de Eacutefeso que quando ouviram e creram na palavra da verdade ldquoforam selados em Cristo com o Espiacuterito Santordquo (instru-mental - elemento) (Ef 113) Declara que atraveacutes de Cristo ldquotemos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo (locativo - esfera) (Ef 218) por cujo Espiacuterito (locativo - esfera) ldquoestatildeo sendo edificados juntos para se tornarem morada de Deus por seu Espiacuteritordquo (Ef 222) Passa a explicar que o misteacuterio de Jesus o plano da graccedila de Deus era oculto a outras geraccedilotildees mas ldquofoi revelado pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) ldquoos gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesusrdquo (Ef 32-6) Portanto ldquonatildeo se embriaguem com vinho que leva a li-bertinagem mas deixem-se encher pelo Espiacuteritordquo (instrumental - elemento) (Ef 518) Finalmente lhes aconselha a empunhar um elemento relevante da armadura cristatilde ldquoOrem no Espiacuterito (instrumental - inspirador) em todas as ocasiotildees com toda oraccedilatildeo e suacuteplicardquo (Ef 618)

Paulo exorta aos irmatildeos filipenses em termos metafoacutericos muito duros em razatildeo da dissidecircncia ldquoCuidado com os lsquocatildeesrsquo cuidado com esses que praticam o mal cuidado com a falsa circuncisatildeordquo e explica o porque ldquopois noacutes eacute que somos a circuncisatildeo noacutes que adoramos pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) que nos gloriemos em Cristo Jesus e natildeo temos confianccedila alguma na carnerdquo (Fl 32-3) Acerca do Deus encarnado Jesus Cristo o ldquogrande misteacuterio da piedaderdquo Paulo diz a Timoacuteteo ldquoDeus foi manifestado em corpo justificado no Espiacuterito (locativo - esfera)rdquo(1Tm 316) Quem eacute esse do qual Paulo fala em suas epiacutestolas Quem eacute Ele Nessas epistolas Ele eacute o protagonista e responsaacutevel de atos histoacutericos em quem se originam certas realidades e do qual procedem outras Ele eacute o agente instrumental Afinal quem eacute Ele

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Consideraccedilotildees finaisDepois de ter explorado parcialmente o uso teoloacutegico de πνεῡμα nas

epiacutestolas paulinas pode-se concluir que

1) A maioria das afirmaccedilotildees teoloacutegicas de Paulo ao usar πνεῡμα anali-sadas mais detidamente em seu contexto histoacuterico literaacuterio e teoloacutegico parecem ser axiomaacuteticas Satildeo proposiccedilotildees maacuteximas ou verdades que o apoacutestolo assume mas natildeo explica embora constituam um fundamento de sua pneumatologia a subestrutura de seu pensamento

2) Paulo eacute trinitaacuterio Entende que Deus eacute verdadeiramente um embora sejam trecircs Os trecircs satildeo plenamente Deus Cada um dos trecircs eacute diferente dos outros Os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente como Pai Filho e Espiacuterito Santo

3) Paulo chama o Espiacuterito Santo de ldquoEspiacuterito de Deusrdquo e ldquoEspiacuterito de Cristordquo o que pressupotildee a divindade do Espiacuterito a existecircncia de trecircs seres distintos e a unidade trina em natureza propoacutesito e missatildeo

4) O Espiacuterito Santo eacute para Paulo um ser real histoacuterico e atual Natildeo uma simples forccedila ou um poder vago efeito ou energia impessoal Eacute a presenccedila pessoal e plena de Deus que habita em seu povo

5) A possessatildeo plena do Espiacuterito Santo soacute eacute possiacutevel ldquoem Cristordquo Natildeo eacute uma possessatildeo da humanidade em geral

6) O Espiacuterito Santo eacute o agente divino na missatildeo evangeacutelica do corpo de Cristo capacitando o instrumento humano na transmissatildeo da mensa-gem confirmando a verdade nos ouvintes transformando seus cora-ccedilotildees e assegurando-lhes que satildeo filhos de Deus

7) Todo crente em Cristo expressa agrave presenccedila visiacutevel do Espiacuterito Santo pelas suas atitudes forma de pensar falar e agir

8) O Espiacuterito Santo conduz o crente a uma vida em santidade e teste-munho desenvolvendo uma dimensatildeo eacutetica moral e espiritual que eacute unicamente possiacutevel por meio dele

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9) Pela razatildeo de que o crente eacute membro do corpo de Cristo tem uma funccedilatildeo especiacutefica outorgada pelo Espiacuterito um ministeacuterio particular para executar em missatildeo

10) As accedilotildees do Deus trino na histoacuteria da salvaccedilatildeo eacute a pressuposiccedilatildeo hermenecircutica fundamental na interpretaccedilatildeo e compreensatildeo do uso teoloacutegico de πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas

No contexto do grande conflito Paulo expotildee uma clara compreensatildeo trinitaacuteria e fundamental do plano de salvaccedilatildeo Cristo eacute a figura central o grande protagonista no ato da salvaccedilatildeo o cordeiro providenciado por Deus que tira os pecados do mundo sentado aacute destra da Majestade nas al-turas eacute o sumo sacerdote rei e juiz ministro no Santuaacuterio Celestial autor e consumador da salvaccedilatildeo

Enquanto o Filho eacute redentor em seu sacerdoacutecio expiatoacuterio pleno o Es-piacuterito permite agrave humanidade descobri-lo se apropriar da salvaccedilatildeo oferecida reconhececirc-lo como Senhor (1Co 123) e restaurar sua plena relaccedilatildeo com Deus (Ef 218) No entanto as origens desta histoacuteria de salvaccedilatildeo como sua execuccedilatildeo provecircm das matildeos de Deus o Pai o qual ldquotudo sujeitou debaixordquo dos peacutes de Cristo ldquoQuando poreacutem tudo lhe estiver sujeito entatildeo o proacuteprio Filho se sujeitaraacute agravequele que todas as coisas lhe sujeitaram afim de que Deus seja tudo em todosrdquo (1Co 1527-28)

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Enviado dia 06112012Aceito dia 20122012

144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja

The 144000 their identity and purpose for the church

Mabio Coelho1

ResumoAbstract

Muito se fala sobre os 144 mil o misterioso grupo introduzido no capiacute-tulo 7 de Apocalipse As especulaccedilotildees e teorias sobre esse grupo tecircm fascinado os estudiosos da Biacuteblia atraveacutes dos seacuteculos Sem se deter

muito em todas as vaacuterias teorias este artigo resume as teorias mais conhecidas aglutinando-as em 4 grandes grupos para entatildeo introduzir quais caracteriacutesticas deste grupo satildeo autoevidentes no texto Biacuteblico e a relaccedilatildeo que elas tecircm com a Igreja hoje vivendo nos momentos finais do tempo do fimPalavras-chave 144 mil Igreja Identidade

Much is said about the 144000 the mysterious group introduced in Chap-ter 7 of Revelation Speculation and theories about this group have fas-cinated scholars of the Bible through the centuries Without dwelling

much in all the various theories this article summarizes the best known theories coalescing them into 4 groups to outline which characteristics of this group are self-evident in the Biblical text and the relationship they have with the Church today living in the final moments of the end-timeKeywords 144000 Church Identity

O capiacutetulo sete de Apocalipse eacute um capiacutetulo parenteacutetico exatamente entre os eventos catacliacutesmicos do sexto e seacutetimo selo que narra uma cena

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Engenheiro de Telecomunicaccedilotildees com Mestrado em Engenharia de Software pela SIACSMU (Southern Methodist University) e Doctor of Professional Studies (DPS) em Seguranccedila de Informaccedilatildeo pela SICACPace

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escatoloacutegica muito significativa o selamento dos 144 mil Atraveacutes dos seacutecu-los a identificaccedilatildeo deste grupo tem deixado perplexos os leitores que bus-cam uma identificaccedilatildeo positiva e inequiacutevoca

Natildeo eacute o propoacutesito deste artigo esgotar o assunto dos 144 mil mas pro-curar prover informaccedilotildees relevantes para identificaacute-los extraindo suas ca-racteriacutesticas principais e procurando descobrir como eles se relacionam com o propoacutesito de Deus para sua Igreja Assim seratildeo revistos de maneira breve as principais teorias sobre este grupo para entatildeo se examinar com mais pro-fundidade ndash mesmo que natildeo se chegue a uma identificaccedilatildeo total e inequiacute-voca ndash as caracteriacutesticas dos ldquoseladosrdquo que podem ser compreendidas de maneira clara agrave luz das Escrituras As perguntas a serem respondidas satildeo 1) Quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que permitem tra-ccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil e 2) Qual eacute a sua relaccedilatildeo com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje

O textoA periacutecope analisada vai de Apocalipse 71 ateacute 717 Essa delimitaccedilatildeo

foi deduzida do fluxo natural do texto pois desde Apocalipse 61 ateacute 617 uma sucessatildeo de eventos acontecem como consequecircncia da abertura de cada um dos seis primeiros selos dos sete descritos no comeccedilo da sequecircncia A sequecircncia eacute interrompida entre o sexto e o seacutetimo selo como num interluacutedio no capiacutetulo sete

Ao analisarmos o texto grego encontrou-se 39 variantes2 natildeo tra-zendo alteraccedilotildees significativas no texto que modificassem o entendimen-to da identidade e das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil Como texto-base para este artigo seraacute utilizada a versatildeo Joatildeo Ferreira de Almeida Revista e Atualizada (ARA)

Depois disto vi quatro anjos em peacute nos quatro cantos da ter-ra conservando seguros os quatro ventos da terra para que ne-nhum vento soprasse sobre a terra nem sobre o mar nem sobre aacutervore alguma Vi outro anjo que subia do nascente do sol tendo o selo do Deus vivo e clamou em grande voz aos quatro anjos

2 9 variantes no verso 1 1 no verso 2 5 no verso 3 1 em cada um dos versos 4567 e 8 6 no verso 9 3 no verso 10 1 no verso 12 1 no verso 13 4 no verso 14 1 em cada um dos versos 15 e 16 e 2 no verso 17

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aqueles aos quais fora dado fazer dano agrave terra e ao mar dizendo Natildeo danifiqueis nem a terra nem o mar nem as aacutervores ateacute selarmos na fronte os servos do nosso Deus Entatildeo ouvi o nuacute-mero dos que foram selados que era cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos dos filhos de Israel da tribo de Judaacute foram selados doze mil da tribo de Ruacuteben doze mil da tribo de Gade doze mil da tribo de Aser doze mil da tribo de Naftali doze mil da tribo de Manasseacutes doze mil da tribo de Zebulom doze mil da tribo de Joseacute doze mil da tribo de Benjamim foram selados doze mil Depois destas coisas vi e eis grande multidatildeo que ningueacutem podia enumerar de todas as naccedilotildees tribos povos e liacutenguas em peacute diante do trono e diante do Cordeiro vestidos de vestiduras brancas com palmas nas matildeos e clamavam em grande voz dizendo Ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeiro pertence a salvaccedilatildeo Todos os anjos estavam de peacute rodeando o trono os anciatildeos e os quatro seres viventes e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto e adoraram a Deus di-zendo Ameacutem O louvor e a gloacuteria e a sabedoria e as accedilotildees de graccedilas e a honra e o poder e a forccedila sejam ao nosso Deus pe-los seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem Um dos anciatildeos tomou a palavra dizendo Estes que se vestem de vestiduras brancas quem satildeo e donde vieram Respondi-lhe meu Senhor tu o sabes Ele en-tatildeo me disse Satildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeo lava-ram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro razatildeo por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuaacuterio e aquele que se assenta no trono es-tenderaacute sobre eles o seu tabernaacuteculo Jamais teratildeo fome nunca mais teratildeo sede natildeo cairaacute sobre eles o sol nem ardor algum pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentaraacute e os guiaraacute para as fontes da aacutegua da vida E Deus lhes enxugaraacute dos olhos toda laacutegrima (Ap 11-17)

Contexto histoacutericoO autor do Apocalipse identifica-se vaacuterias vezes como ldquoJoatildeordquo (ver

Ap 11 4 9 228) O autor tambeacutem afirma que estava na ilha de Pat-mos quando recebeu sua primeira visatildeo (Ap 119) Apesar de natildeo ser

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explicitamente nomeado entende-se que o autor do livro tenha sido o apoacutestolo Joatildeo isto por uma tradiccedilatildeo muito antiga que se harmoniza com as informaccedilotildees fornecidas pelo o texto biacuteblico O The Seventh-day Adven-tist Bible Commentary (SDABC) afirma

Quase por unanimidade a tradiccedilatildeo cristatilde reconhece-o como o autor do Apocalipse Na verdade todo escritor cristatildeo ateacute mea-dos do seacuteculo 3ordm cujas obras ainda existem hoje e que menciona o assunto de alguma forma atribui o Apocalipse de Joatildeo o apoacutes-tolo (NICHOL 2002 p 716)

Esses escritores satildeo Justino Maacutertir em Roma (c100-c165 dC em ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo) Irineu de Liatildeo (c130-c202 dC em ldquoContra as Heresiasrdquo v iv) Tertuliano de Cartago (c160-c240 dC em ldquoPrescriccedilatildeo contra Hereacuteticosrdquo) Hipoacutelito de Roma (morreu c220 dC em ldquoQuem eacute o homem rico seraacute salvordquo v Xlii) Eacute tambeacutem apoiado pelo testemunho desses autores que o livro foi escrito num contexto de perseguiccedilatildeo religiosa3

Contexto literaacuterioO livro do Apocalipse de acordo com a maioria dos especialistas tem

a forma literaacuteria de apocaliacuteptica biacuteblica (AUNE 2002 p lxxxii NICHOL 2002 p 724) Kenneth A Strand propotildee que o livro aleacutem de um proacutelogo e epiacutelogo possui oito visotildees principais dispostas numa estrutura quiaacutesti-ca enfatizando os capiacutetulos 14 e 15 como pivocirc central com um interluacutedio profeacutetico com exceccedilatildeo da primeira e da uacuteltima (STRAND 1992a) cada uma das visotildees satildeo introduzidas por cenas de vitoacuteria (ver NEAL 1992) Mesmo que alguns teoacutelogos e estudantes do livro de Apocalipse fiquem desconfortaacuteveis com a superutilizaccedilatildeo de ldquoquiasmosrdquo mesmo onde eles natildeo existam os paralelismos temaacuteticos em Apocalipse satildeo evidentes entre as visotildees estruturadas conforme sugeridas por Strand Em anos recentes foi proposto pelo teoacutelogo adventista Jacques Doukan que essas oito visotildees

3 Para um apanhado geral do debate sobre a autoria joanina de Apocalipse local e data da composiccedilatildeo veja a introduccedilatildeo do comentaacuterio sobre o livro do Apocalipse no SDABC (NICHOL 2002 p 715-720) para mais detalhes sobre a rejeiccedilatildeo da autoria joanina por uma parte significativa do escolasticismo moderno consulte a introduccedilatildeo do comentaacuterio de Apocalipse no World Biblical Commentary (AUNE 2002 p xlvii-lvi)

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baacutesicas poderiam ser agrupadas em uma estrutura seacutetupla pois cada cena introdutoacuteria ldquoretorna ao templo com uma nota lituacutergica que faz alusatildeo ao calendaacuterio das grandes festas santas de Israel (como prescrito em Leviacutetico 23)rdquo (DOUKHAN 2002 p 13-14)

Kenneth Strand procura delinear as influecircncias da estrutura literaacuteria e dos temas e siacutembolos veterotestamentaacuterios na interpretaccedilatildeo do livro do Apocalipse (STRAND 1992b p 28-24 24-25) Reinaldo Siqueira (2004 p 85-101) expande estas ideias sugerindo que o Apocalipse natildeo soacute utiliza-se de figuras to Antigo Testamento mas ajuda a explicar e definir o sentido das profecias claacutessicas ligando ambas claacutessica e apocaliacuteptica Estas ideias de fato natildeo satildeo de todo novas ou estranhas tanto entre cristatildeos de confissatildeo adventistas (ver NEAL 1992 PAULIEN 1995 TREIYER 1992 p 466-468) quanto evangeacutelicos (ver DRAPER 1983 LAacuteSZLOacute GALLUSZ 2011 p 122-124 SWEET 1979 ULFGARD 1989 p 2-5 35-41) e catoacutelicos (ver KOESTER 1989) Tais discussotildees da influecircncia dos motivos do santuaacuterio e festas de Israel natildeo satildeo estranhas ou novas ateacute mesmo seio do judaiacutesmo (SINGER ADLER 1912 p 390)

Com uma nota final sobre a estrutura geral do livro Richard Davidson (1992 p 115-116) salienta que as cenas introdutoacuterias quando comparadas umas com as outras mostram uma progressatildeo dos ldquoacontecimentos pro-feacuteticosrdquo enquanto as seccedilotildees que introduzem geralmente apresentam uma recapitulaccedilatildeo Sobre esses relacionamentos entre as seccedilotildees do livro de Apo-calipse Bruce Metzger (1994 p 55-54) mesmo concebendo uma estrutura literaacuteria diferente (por exemplo diferente agrupamento de visotildees) do que a proposta neste artigo sumariza

Seguindo esse padratildeo complicado e repetitivo Joatildeo preserva a unidade em seu trabalho travando as diversas partes umas as outras e ao mesmo tempo desenvolvendo seus temas O desen-volvimento poreacutem natildeo eacute de forma estritamente loacutegica como estamos familiarizados com a escrita ocidental eacute sim um pro-duto da mente semita que atravessa toda a imagem novamente e novamente Assim os sete selos e as sete trombetas essencial-mente a mesma coisa dizer cada vez enfatizando um ou outro aspecto do todo

A estrutura proposta desenvolvida com base nos princiacutepios menciona-dos acima estaacute ilustrada na proacutexima paacutegina por uma figura

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Figura 1 Estrutura do LivroTexto que sugerem paralelos na estrutura Quiaacutestica do ApocalipseCopilados pelo Dr K A Strand

A periacutecope esta inserida no terceiro bloco da estrutura proposta na Figura 1 acima

Estrutura da periacutecopeSugere-se a seguinte estrutura para a periacutecope estudada (Ap 7) I ndash Os 144 mil Selados e o Selo de Deus ndash 71-8 a) O Selo Protetor de Deus ndash 71-3 b) O selamento do povo de Deus ndash 74-8 II ndash O Povo de Deus Glorificado ndash 79-17 a) A visatildeo e o Cacircntico dos salvos ndash 79-12 b) A descriccedilatildeo dos salvos ndash 713-17 i ndash O Caraacuteter dos salvos ndash 713-15 ii ndash Promessas especiais aos salvos ndash 716-17

Textos paralelosApocalipse 141-5 apresenta-se como um claro paralelo das partes da

periacutecope estudada Outro paralelo natildeo tatildeo evidente que lanccedila luz sobre agrave

1113

178

A1Proacutelogo11-10a

A1

2735

312312314

27 11

B1Igreja

Militante110b-322

B1

A2

226227

221213

A2Epiacutelogo226-21

E

146 a 154

Suma Escatoloacutegica

Final

42465135662

61561179

71-3715717610

C1Accedilatildeo Divinaem Curso

41-81

C1 C2

1941916197919111918198213214192

C2Juiacutezo DivinoConcluiacutedo191-214

B2

22221272110224215217

B2Igreja

Triunfante215-225

D1

Advertecircnciaaos iacutempios82-1118

8788

81081292

9141115

PoderesOponentes a Deus e a Seu

Povo

1119-1420

1119121

123131

D2

Puniccedilatildeoaos iacutempios

PoderesOponentes

julgados por Deus

151-1617

162163164168

161016121617

1618-1824

161821171173

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identidade e o caraacuteter dos 144 mil eacute o capiacutetulo 9 de Ezequiel Ambos seratildeo brevemente abordados posteriomente para ldquoclarearrdquo o entendimento em re-laccedilatildeo ao caraacuteter dos 144 mil e o propoacutesito de Deus para sua Igreja

Motivos literaacuteriosO livro de apocalipse estaacute repleto de instacircncias que mostram como as

promessas da alianccedila sobre um futuro glorioso iratildeo se cumprir (SIQUEIRA 2004 p 98) O Capiacutetulo 7 desenvolve os temas do concerto introduzidos nos capiacutetulos anteriores (AUNE 2002 p 247)

Becircnccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedilaTanto no Pentateuco quanto no livro de Apocalipse o tema das

benccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedila estatildeo presentes delineando as con-sequecircncias da obediecircncia ou desobediecircncia (SHEA 1983) Como no Pentateuco o livro do Apocalipse inicia com a enunciaccedilatildeo da alian-ccedila ndash enfatizando basicamente 1) a bondade anterior do soberano e 2) estabelecendo a benevolecircncia do mesmo como parte das estipulaccedilotildees

ndash enquanto o resto do livro delineia o que acontece em consequecircncia do cumprimento ou violaccedilatildeo da alianccedila (STRAND 1983)

Na periacutecope estudada vemos os 144 mil de peacute no monte de Siatildeo en-quanto que no outro lado do quiasmo (veja a Figura 1) no capiacutetulo 19 a besta o falso profeta e os adoradores da besta satildeo lanccedilados no lago de fogo

TribulaccedilatildeoO capiacutetulo sete inicia a descriccedilatildeo de um periacuteodo na histoacuteria da terra onde

os ldquoquatro ventosrdquo estatildeo sendo seguros para que natildeo causassem nenhum mal ao soprar ldquona terra no mar ou em qualquer aacutervorerdquo (v 1-3) Na sequecircncia na segunda parte da periacutecope (v 14) encontra-se uma referecircncia agravequeles que escaparam da ldquogrande tribulaccedilatildeordquo provavelmente o mesmo evento descrito nos versos 1-3 apoacutes o acontecimento sob a perspectiva dos salvos

O vocaacutebulo grego utilizado eacute θλιψεως derivado de θλῖψις Pesqui-sando as ocorrecircncias do termo na LXX no contexto profeacutetico encontra-se a ocorrecircncia de uma construccedilatildeo muito similar em Daniel 121 que fala de um ldquotempo de anguacutestia qual nunca houve desde que houve naccedilatildeo ateacute agravequele tempordquo aparecendo no final da narrativa ldquoapocaliacutepticardquo de Daniel no con-texto do ataque final do rei do norte No sermatildeo profeacutetico conforme narrado por Mateus e Marcos Jesus faz referecircncia agrave ldquogrande tribulaccedilatildeordquo de Daniel

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aplicando-a primeiramente agrave destruiccedilatildeo do templo e a um periacuteodo posterior de perseguiccedilatildeo que se estende ateacute a sua volta (ver Mt 2415-30 Mc 1314-20)

Nestas passagens Jesus associa esta tribulaccedilatildeo com outro evento men-cionado por Daniel a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo como verte a Almeida Revista e Atualizada (ARA) ou o ldquogrande terrorrdquo como o faz a Nova Ver-satildeo Internacional (NVI) Segundo Beatrice Neal (1992 p 253 grifo nosso) Daniel identifica trecircs ocasiotildees onde a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo atingiria o templo e atacaria o povo de Deus bem como as analisa agrave luz do sermatildeo profeacutetico de Jesus

1) a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Dn 926-27) 2) a opressatildeo do povo da alianccedila quando eles seriam ldquomortos agrave espada ou no fogo ou seratildeo mandados para fora do paiacutes como prisioneiros ou perderatildeo todos os seus bensrdquo por ldquotempo dois tempos e metade de um tempordquo (1131-35 75) e 3) um ataque final no ldquotempo do fimrdquo (1140-121) Jesus parece misturar estes dois eventos claramente fazendo refe-recircncia para a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Mt 2415-20 cf Lc 2120) e para um periacuteodo posterior mais longo de perseguiccedilatildeo (Mt 2421 ver tambeacutem o ldquoapostasiardquo dos versiacuteculos 9-10 uma alusatildeo a Dn 113 b-35) Assim como a presenccedila dos romanos nas aacutereas sagradas de Jerusaleacutem marcaram o tempo do povo de Deus fugir nos tempos apostoacutelicos e o anticristo entronizando-se no temploigreja de Deus (2Te 23-4) marcou o um tempo de grande perseguiccedilatildeo na Idade Meacutedia assim do mesmo modo o ataque final de Satanaacutes contra a igreja do tempo do fim (Ap 1217 1315-17) precipitaraacute a grande tribulaccedilatildeo dos uacuteltimos dias

SelamentoAntes que esta ldquogrande tribulaccedilatildeordquo recaia sobre a Terra Joatildeo mostra ou-

tro anjo voando do oriente bradando em ldquoalta vozrdquo que nada fosse feito ateacute que o povo de Deus estivesse marcado na fronte (Ap 72-3) Nos tempos do Antigo Testamento especialmente no contexto da alianccedila selar ou marcar coisas e pessoas tinha diversos significados (ver FRIEDRICH 1976 p 939-953)

1) Propriedade a circuncisatildeo era uma marca de propriedade mostran-do que Israel pertencia ao Senhor (Gn 179-12) De modo anaacutelogo o sumo sacerdote de Israel tinha em sua mitra uma placa com a frase ldquoSantidade ao SENHORrdquo (Ecircx 2836-38) indicado sua especial consagraccedilatildeo a Deus No

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livro de Apocalipse por diversas vezes os santos satildeo chamados de ldquosacer-dotesrdquo (ver Ap 161 510 206) portanto a marca na fronte sugeriria sua dedicaccedilatildeo especial a Deus

2) Proteccedilatildeo desde os tempos antigos o objeto ou a pessoa que fosse to-mado como propriedade imediatamente ficava sob proteccedilatildeo Talvez a ocor-recircncia mais antiga de um selo com essa funccedilatildeo seja o selamento de Caim (Gn 415) Em Ecircxodo 12 haacute outro exemplo onde o sangue do cordeiro mar-cava e dava proteccedilatildeo aos primogecircnitos contra o Anjo da morte (Ecircx 1212-13) A esse respeito o livro de Ezequiel apresenta uma cena muito similar agrave de Apocalipse 71-3 tanto no aspecto temporal (ambas parecem situar-se em uma cena de juiacutezo do Dia da expiaccedilatildeo) quanto nas figuras utilizadas Em Ezequiel 9 o selamento na fronte dos fieis protege-os dos anjos executores do juiacutezo de Deus (Ez 94-6) Assim o Selo de Deus em Apocalipse natildeo os protege necessariamente dos poderes humanos mas da ira de Deus contra aqueles que violaram sua alianccedila

3) Outros aspectos relacionados ao selamento em Deuteronocircmio 68 lecirc-se ldquoTambeacutem as ataraacutes como sinal na tua matildeo e te seratildeo por frontal entre os olhosrdquo Aqui os israelitas foram ordenados a colocar os mandamentos de Deus como um sinal atado em seus braccedilos e fronte Nos versos anterio-res (Dt 65-7) haacute fortes indicaccedilotildees de que esse ato deveria simbolizar uma resposta do ser inteiro ndash no campo dos pensamentos emoccedilotildees e mesmo comportamento ndash e deveria permear todas as aacutereas da vida Portanto o sim-bolismo do selamento na fronte (Ap 73) e a marca falsificada da besta na matildeo (Ap 1317) simbolizam respectivamente uma resposta integral do ser a Deus ou conformidade agrave vontade do inimigo

Em Apocalipse 141 quando os 144 mil estatildeo no monte de Siatildeo vi-toriosos com o cordeiro eles satildeo descritos como tendo ldquoescritos na testa o nome dele [do Cordeiro] e o nome de seu Pairdquo Em Ezequiel 94 onde costumeiramente se lecirc na NVI ldquoponha um sinalrdquo ou na ARA ldquomarca com um sinalrdquo no hebraico se lecirc literalmente ldquomarca com um tavrdquo Deve-se notar que nos tempos do profeta Ezequiel o tav era grafado como uma cruz (BYRNE 2008)

Visto que na mentalidade biacuteblica o nome de um sujeito representa o caraacuteter de seu possuidor agrave luz dos textos acima Joatildeo parece sugerir que os vitoriosos da uacuteltima crise seratildeo aqueles que tecircm o caraacuteter semelhante ao de Cristo ldquoestampadordquo sobre o seu proacuteprio Na temaacutetica de Apocalipse 7 e 14 em contraste com Apocalipse 13 no conflito final todos refletiratildeo o caraacuteter de Cristo ou de Satanaacutes

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Os 144 mil e a grande multidatildeoApocalipse 7 mostra duas cenas distintas uma que introduz os 144

mil e outra que introduz a ldquoGrande Multidatildeordquo Nesta seccedilatildeo seraacute conside-rado mais diretamente o assunto sobre os 144 mil e o seu relacionamento com a grande multidatildeo para encontrar marcas identificaacuteveis dos 144 mil e tentar relacionaacute-las ao propoacutesito de Deus para a sua Igreja com base nas mesmas caracteriacutesticas

Significado do nuacutemeroOs 144 mil jaacute foram caracterizados como ldquoa ala humana do exeacutercito

coacutesmico de Deusrdquo (BLOUNT 2009 p 145) Joatildeo ouve o nuacutemero (Ap 74) e sua composiccedilatildeo (Ap 75-8) ndash 12000 de cada uma das 12 tribos de Israel

ndash sem no entanto nenhuma explicaccedilatildeo posterior fornecida A identidade desse grupo jaacute foi extensamente debatida e atualmente poucos sustentam a interpretaccedilatildeo de que o nuacutemero eacute uma referecircncia literal agrave naccedilatildeo de Israel (BLOUNT 2009 p 158)

O pesquisador e pastor britacircnico Michael Wilcock (1991 p 8) afirma

A figura eacute presumivelmente outra das figuras simboacutelicas do Apo-calipse e de fato aparenta ser muito estilizada para ser qualquer outra coisas ndash o tipo de nuacutemero suspeitosamente arrumado que eacute muito mais provaacutevel que seja um siacutembolo do que uma estatiacutestica

De fato o nuacutemero 144 mil (12 x 12 x 1000) eacute baseado no nuacutemero de tribos de Israel em nuacutemero de 12 e tambeacutem como alguns tecircm sugerido 12 apoacutestolos do cordeiro (JOHNSON 2004 p 184) Na mentalidade he-braica 12 eacute o nuacutemero da perfeiccedilatildeo de governo (BULLINGER 2006 p 253) e 1000 e o nuacutemero da plenitude divina Portanto 144 mil sugere uma simetria perfeita uma vastidatildeo dos selados e a perfeiccedilatildeo e completeza da Igreja de Deus

Relacionamento com a grande multidatildeoDepois que Joatildeo ouve o ldquocensordquo dos remidos ele os vecirc como uma grande

multidatildeo no ceacuteu Muito jaacute se discutiu e publicou sobre o assunto dando abertura a vaacuterias teorias Beatrice Neal (1992 p 267-272) agrupa as principais visotildees do relacionamento entre os 144 mil e a grande multidatildeo em 4 grupos de propostas

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1) Judeus literais contrastados com os gentios os maiores defensores desta posiccedilatildeo satildeo os dispensacionalistas identificando os 144 mil como o nuacutemeros de Judeus convertidos que seratildeo protegidos da tribulaccedilatildeo enquan-to a grande multidatildeo seraacute martirizada (PENTECOST 2010 p 214297-298300 WALVOORD 1989 p 143-146) Uma das dificuldades dessa in-terpretaccedilatildeo eacute que a distinccedilatildeo entre judeus e gentios natildeo e feita em nenhum lugar do livro de Apocalipse (NEAL 1992 p 268)

2) A uacuteltima geraccedilatildeo de santos contrastada com os redimidos de todas as eras alguns sustentam que os 144 mil satildeo os crentes selados durante a crise final uma espeacutecie de ldquoexeacutercito de Deusrdquo enquanto que a grande multidatildeo seratildeo os salvos de todas as eacutepocas (MOUNCE 1998 p 171 SMITH 2004 p 470-471) No entanto em Apocalipse 713-14 surge a pergunta ldquoEstes [hellip] quem satildeo e donde vieramrdquo e a subsequente resposta de que ldquosatildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeordquo essa questatildeo introduz um problema para esta interpretaccedilatildeo pois nas palavras do anciatildeo de Apocalipse 714 eles natildeo satildeo os remidos de todas as eras mas os que passaram pela grande tribulaccedilatildeo

3) Ambos satildeo o mesmo grupo em circunstacircncias diferentes a conclu-satildeo que ambos os grupos retratados no capiacutetulo 7 satildeo os mesmos apenas representados em momentos diferentes ndash respectivamente a Igreja militan-te e a Igreja triunfante ndash eacute partilhada por muitos estudiosos (HOEKSEMA 2000 p 265-266 NICHOL 2002 p 785) Apesar de ser uma interpretaccedilatildeo loacutegica e fiel ao texto aleacutem de resolver os problemas das interpretaccedilotildees ante-riores ela ainda apresenta um problema que natildeo eacute percebido facilmente se a segunda cena de Apocalipse sete representa a igreja no ceacuteu depois da segun-da vinda de Cristo entatildeo os santos de todas as eacutepocas devem estar presentes ao redor do trono natildeo somente a uacuteltima geraccedilatildeo

4) A igreja na tribulaccedilatildeo que estaacute espiritualmente diante do trono esta interpretaccedilatildeo foi originalmente proposta por Beatrice Neal (1992 p 270-272) durante sua participaccedilatildeo no Daniel and Revelation Committee a qual eacute adotado no restante deste artigo e complementada com elementos expostos anteriormente para se definir com base em Apocalipse 7 a Identidade e o propoacutesito da Igreja de Deus

Para comeccedilar a entender essa proposta faz-se necessaacuterio observar que em Apocalipse 714 o texto grego natildeo afirma ldquoestes que vieram da grande tri-bulaccedilatildeordquo mas ldquoestes os que estatildeo vindo [ἐρχόμενοι] da grande tribulaccedilatildeordquo4

4 O verbo ἔρχομαι estaacute no plural masculino no particiacutepio presente meacutedio ou passivo do nominativo

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Aparentemente a tribulaccedilatildeo estaacute em andamento Nesse sentido tem-se a im-pressatildeo de que algo estaacute errado com a traduccedilatildeo ateacute que seja observado um pa-dratildeo marcante dos escritos joaninos o conceito de ldquovida eterna agora ceacuteu nesta vidardquo (NEAL 1992 p 270) algo que de certo modo reflete o conceito teoloacute-gico conhecido com ldquoJaacute mas natildeo aindardquo Muitos exemplos satildeo observaacuteveis em especial no evangelho de Joatildeo5 Essa proposta sugere que o mesmo modo de pensamento ndash onde o que eacute real e literal no futuro avanccedila para o presente como uma experiecircncia espiritual ndash aparece no livro de Apocalipse

Beatrice Neal (1992 p 270) em sua proposta cita algumas evidecircncias internas destes paradoxos no livro de Apocalipse

B Os santos reinaratildeo para sempre (Ap 225) mas Joatildeo jaacute compartilha do Reino (Ap 19) mesmo no exiacutelio

B O Rio da Vida fluiacute pela Nova Jerusaleacutem (Ap 221-2) mas quem tem sede pode beber agora (Ap 717)

B Cristo viraacute em breve com a recompensa (Ap 2212) mas Ele vem jaacute para a Sua Igreja (Ap 25 16 25)

B A nova Jerusaleacutem viraacute do ceacuteu para a Nova Terra (Ap 212) mas ela desce agora mesmo para aquele que vence (Ap 312)

Em harmonia com essa visatildeo Joatildeo consistentemente se refere aos ini-migos de Deus como aqueles que ldquohabitam sobre a terrardquo (Ap 138) ao pas-so que aos santos chama de aqueles que ldquohabitam [σκηνοῦντας] no ceacuteurdquo (Ap 135) portanto viver no ceacuteu eacute uma experiecircncia presente (NEAL 1992 p 271) tendo acesso ao trono atraveacutes do cordeiro (ver Hb 1019-23)

O duplo sentido joanino eacute evidente nas palavras de Jesus em Joatildeo 525 ldquoEm verdade em verdade vos digo que vem a hora e jaacute chegou em que os mortos ouviratildeo a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viveratildeordquo Na mesma passa-gem o significado futuro eacute claro na volta de Cristo os mortos seratildeo ressuscita-dos Mas o significado presente estaacute tambeacutem evidente aqueles que estatildeo espiri-tualmente mortos satildeo trazidos de volta agrave vida ao ouvirem Jesus chamar Com o

5 Veja alguns exemplos no quarto evangelho 1) absolviccedilatildeo do julgamento (524) 2) ressurreiccedilatildeo da morte (525) 3) vida eterna (647) e 4) volta de Jesus (no futuro 141-3 e no presente em 141823)

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duplo sentido em mente Apocalipse 7 se enche de significados e os problemas expostos satildeo resolvidos respeitando-se a fidelidade ao texto No caso do texto em estudo visto que a grande multidatildeo ainda estaacute emergindo da grande tribula-ccedilatildeo (v 14) mesmo na terra os crentes podem estar no ceacuteu em sentido espiritual pelos meacuteritos do cordeiro e a obra do Espiacuterito Santo Quando eles cantam ldquoA salvaccedilatildeo pertence ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeirordquo (Ap 710) este cacircntico como os salmos imprecatoacuterios se torna um pedido de ajuda que acende aos ceacuteus sendo respondido por Deus que os protege dos ventos de destruiccedilatildeo (Ap 71) e das pragas vindouras (Ap 716 cf 168)

Dra Neal (1992 p 272) sumariza

Como eacute comumente entendido a primeira cena de Apocalipse 7 descreve a preparaccedilatildeo para a tribulaccedilatildeo e na segunda cena liber-taccedilatildeo da tribulaccedilatildeo sem menccedilatildeo da tribulaccedilatildeo em si Mas se o duplo sentido eacute intencional o capiacutetulo mostra como cristatildeos li-dam coma tribulaccedilatildeo quando no calor da mesma ndash como eles satildeo protegidos no tempo de prova que viraacute sobre o mundo todo (310)

Consideraccedilotildees finaisNo comeccedilo deste artigo duas questotildees foram levantadas A primeira

delas eacute quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que nos permitem traccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil

Para que a questatildeo seja respondida deve-se lembrar que Apocalipse 7 pa-rece responder a pergunta ldquoquem eacute que pode suster-serdquo (Ap 617) com os 144 mil sendo preparados para a tribulaccedilatildeo Mais adiante (v 10) eacute demonstrado que uma das caracteriacutesticas marcantes dos 144 mil eacute que eles proclamam com grande voz a mensagem de justificaccedilatildeo pela feacute que eacute a obra do Terceiro Anjo6

Quando considerado o duplo sentido joanino e se observa Apocalipse 7 agrave luz do que foi analisado ateacute aqui pode-se perceber que ao passo que as maldiccedilotildees se abateratildeo sobre a terra aqueles que forem fieis a Deus perma-neceratildeo inabalados perante o seu juiacutezo

6 A mensagem do Terceiro Anjo eacute juntamente com a restauraccedilatildeo de outras verdades a exaltaccedilatildeo de Jesus e a inteireza de seu ministeacuterio por noacutes (WHITE 2006 p 3624 2010 p 19-20)

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Agrave luz da evidencia biacuteblica recapitulada neste artigo os 144 mil satildeo uma figura da Igreja Militante que permaneceraacute fiel ateacute a volta de Cristo Sob esse prisma o motivo do selamento eacute crucial para identificar o propoacutesito da Igreja de Deus na atualidade O selamento agrave luz do contexto de Apocalipse 71-3 e Ezequiel 9 ocorre imediatamente antes do encerramento do dia da expiaccedilatildeo antitiacutepico

Ao selar Seu povo Deus se coloca como seu proprietaacuterio e portan-to a diretiva biacuteblica ldquoSejam santos porque eu sou santordquo (1Pe 11 cf Lv 114445 192 207) nunca foi tatildeo atual O mesmo selo que define o povo de Deus tambeacutem protege da ira divina contra aqueles que violaram sua alianccedila Ao passo que o selo de Deus dentro do contexto do adventismo do seacutetimo dia tem sido relacionado com os 10 mandamentos e com o quarto manda-mento em especial existe uma segunda dimensatildeo para o significado deste selo que transcende e abarca o primeiro Antes mesmo de accedilotildees (o selo de Deus agrave luz da evidecircncia biacuteblica exposta [Dt 65-8 Ap 73 Ez 94]) o sela-mento eacute um simbolo da resposta do ser inteiro abarcando todas as aacutereas da vida ao chamado divino agrave santidade

Se agrave luz de Deuteronocircmio 65-8 e outros inuacutemeros textos natildeo citados neste artigo percebe-se que a segunda dimensatildeo do selo eacute mais inclusiva ao se refletir acerca do selo escatoloacutegico de Apocalipse 73 e 141 sob o pano de fundo de Ezequiel 9 (especialmente o v 4) percebe-se que o selamento eacute a obra de Cristo nos crentes atraveacutes de Seu Espiacuterito (ver Ef 113-14) que os faz natildeo somente pertencer a Ele mas possuir o seu caraacuteter estampado sobre o deles mesmos Mesmo natildeo refletindo a sua inteireza de santidade o caraacuteter de Cristo nos crentes jaacute pode apresentar parte do aspecto ldquosem maacute-culardquo (Ap 145b) diante do Pai No contexto da alianccedila ldquosem maacuteculardquo natildeo significa ldquonatildeo pecarrdquo mas andar com Deus como Abraatildeo Noeacute e outros o fizeram (ver Gn 69 171 cf Hb 11) Deus intenciona que sua igreja cada membro individualmente e diariamente receba o selo divino em suas vidas e demonstre ao mundo que estaacute em harmonia com Deus e Seus imperati-vos ndash natildeo soacute o saacutebado e os outros mandamentos mas todo o ser deve ser consagrado ao Criador

Uma das caracteriacutesticas dos 144 mil em Apocalipse 145 eacute que ldquonatildeo se achou mentira em sua bocardquo Deus espera por uma Igreja e seus mem-bros individuais apenas a verdade No verso 4 eles satildeo caracterizados como

ldquoseguidores do Cordeirordquo Antes de ser sua tarefa futura no ceacuteu eacute dever da Igreja e de cada indiviacuteduo nos dias atuais seguir os passos de Cristo co-nhecer sua voz (ver Jo 102-5) e apegar-se ao ldquoassim diz o Senhorrdquo natildeo ao

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assim diz a sociedade agraves financcedilas ou qualquer outra desculpa para a natildeo conformidade com o evangelho de Cristo Eacute por isso que em Apocalipse 144 eles satildeo declarados ldquocastosrdquo e incontaminados com mulheres preservando-

-se uma em vida de fidelidade ao SalvadorA segunda pergunta a ser respondida por este artigo eacute qual eacute a relaccedilatildeo

das caracteriacutesticas dos 144 mil com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje Agrave luz do que foi recapitulado neste artigo parece clara a funccedilatildeo de Apocalipse 7 alertar a Igreja de Deus agrave necessidade de uma reforma e rea-vivamento diaacuterio e constante na vida do indiviacuteduo e da comunidade

Por fim a perfeiccedilatildeo numeacuterica do nuacutemero 144 mil eacute uma forte indica-ccedilatildeo daquilo que jaacute eacute evidente na Biacuteblia Deus cumpriraacute a risca seus planos e promessas para o seu Israel a despeito dos eventos que acontecem no mun-do ou na igreja ou a despeito da preparaccedilatildeo dos crentes

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Enviado dia 14112012Aceito dia 04012013

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual

de Lucas 2243-44Agony at Gethsemane a critical-textual study

of Luke 2243-44

Luan Henrique Gomes Ribeiro1 Wilson Paroschi2

Resumo Abstract

O texto de Lucas 2243-44 representa grande dificuldade textual agraves consi-deraccedilotildees a respeito da Paixatildeo de Cristo Isso ocorre porque o texto suge-rido natildeo pode ser encontrado nos melhores manuscritos que evidenciam

os relatos no Getsecircmani como consta no evangelho de Lucas Assim a fim de considerar tal problemaacutetica este artigo procura analisar alguns comentaacuterios dos Pais da Igreja do segundo seacuteculo e sugestotildees de alteraccedilatildeo escribal a fim de constatar a histoacuteria do texto problemaacutetico Por fim entende-se que o texto de Lucas foi uma legiacutetima interpolaccedilatildeo ocasionada por questotildees teoloacutegicas Contu-do em vista da importacircncia da tradiccedilatildeo fundamentada sobre a ocasiatildeo descrita no texto e antiguidade do mesmo o relato deve ser considerado verdadeiro Palavras-chave Lucas 2243-44 Criacutetica textual Getsecircmani Agonia

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) e poacutes-gra-duando lato senso em teologia biacuteblica pela mesma universidade E-mail lhgr21gmailcom2 PhD em Teologia do Novo Testamento pela Andrews University (2003) e poacutes-doutorado em Novo Testamento pela Ruprecht-Karls-Universitaumlt Heidelberg (2011) Atua como professor na Faculdade Adventista de Teologia no Unasp E-mail wilsonparoschiunaspedubr

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Luke 22 43-44 brings great textual difficulties to the considerations about The Passion of Christ This happens because this text cannot be found in the best manuscripts containing the story of Gethsemane as

it is told in the book of Luke Thus to consider this issue this article objectifies to analyze some comments of the Fathers of Church from the second century and some suggestions of scribes about changes on the writing so that the history of the text can be understood At last we conclude that this text was a lawful interpolation occasioned by theological needs However due to the important tradition based on the event described in the text and how old it is the story should be taken as real Keywords Luke 2243-44 Keywords extual criticism Gethsemane Agony

Ao longo da histoacuteria cristatilde o relato da Paixatildeo de Cristo tem sido o cen-tro natildeo somente da teologia mas tambeacutem da liturgia da igreja (BARBOUR 1969-70 p 231-251) Isso tambeacutem eacute verdade em relaccedilatildeo aos escritos dos proacuteprios evangelistas que dedicam uma consideraacutevel porccedilatildeo de seus relatos agrave prisatildeo e morte de Jesus

Como parte da narrativa existe um episoacutedio que eacute considerado o cen-tro de toda a Paixatildeo de Cristo a oraccedilatildeo de Jesus no jardim do Getsecircmani Todos os quatro evangelhos trazem esse relato (ver Mt 2647-56 Mc 1443-50 Lc 2247-53 Jo 181-11) poreacutem apenas os sinoacuteticos descrevem a difiacutecil oraccedilatildeo feita por Cristo aleacutem do fracasso dos disciacutepulos (ver Mt 2636-46 Mc 1432-42 Lc 2239-46)

Entre as poucas diferenccedilas e as muitas semelhanccedilas entre os trecircs evan-gelistas um relato aparece como uacutenico o suor de sangue produzido por Cristo e o anjo vindo do Ceacuteu para fortalececirc-lo (Lc 2243-44) A passagem de Lucas 2243-44 pode ser considerada um ldquoclaacutessicordquo quando se fala em criacute-tica textual e tradiccedilatildeo da igreja A passagem se demonstra problemaacutetica no aspecto textual pois natildeo aparece em boa parte dos melhores e mais antigos manuscritos disponiacuteveis (P69 75 01C1 A B N R T W 0211 13 579 1071 pc4 f SyrS sa bo Hiermss arm geo) assim como no aspecto teoloacutegico pois tanto a presenccedila como a ausecircncia do texto altera de maneira draacutestica a visatildeo

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textualde Lucas 2243-44

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que Lucas tem de Jesus De forma semelhante haacute implicaccedilotildees no conheci-mento cristoloacutegico que pode ser extraiacutedo do relato

Em vista das divergecircncias trazidas pelos manuscritos e pelos comentaacute-rios dos Pais da Igreja pode-se formular duas hipoacuteteses experimentais ou 1) o texto de 2243-44 foi omitido do texto original de Lucas ou 2) este foi ateacute aqui transmitido atraveacutes de uma interpolaccedilatildeo A partir destas hipoacuteteses duas perguntas surgem de maneira inevitaacutevel Lucas foi o autor do texto Qual o motivo da omissatildeointerpolaccedilatildeo do mesmo O presente trabalho tem como objetivo tentar encontrar respostas para as duas questotildees assim como fazer uma anaacutelise teoloacutegica sobre a relaccedilatildeo da igreja contemporacircnea com a do passado Atraveacutes da anaacutelise das diferentes ideias e comentaacuterios relacionados ao texto e sua transcriccedilatildeo assim como comparaccedilotildees gramaacuteticas e teoloacutegicas seratildeo apresentadas algumas consideraccedilotildees sobre o problema proposto

Histoacuteria do textoA lista de testemunhas do referido texto podem ser organizadas da se-

guinte forma 1) incluem os versos 43-44 א b D Κ L Χ Θ Δ Π Ψ 0171 f1 565 700 892 1009 1010 1071mg 1230 1241 1242 1253 1344 1365 1546 1646 2148 2174 Byz vg syrc p h pal arm eth Diatessarone

e arm i n Justino Irineu Hipolito Dionisio Eusebio Didimo Jeronimo e muitos outros pais da igreja 2) incluem os versos 43-44 com asteriscos Dc Pc 892mg 1079 1195 1216 bopt 3) transpotildeem os versos 43-44 logo apoacutes Mt 2639 f13 4) omitem os versos 43-44 P69vid 75 Ka Α Β Ν R Τ W 579 1071 pc Lectpt itf syrs sa bopt armmss geo Marcion Clement Origen MSSacc para Hilary Athanasius Ambrose Cyril John-Damascus

De maneira geral eacute possiacutevel alegar que os manuscritos ocidentais tra-zem os versiacuteculos ao passo que os de Alexandria o omitem3 Mesmo que os manuscritos alexandrinos sejam considerados dignos de confianccedila espe-cialmente quando colocados em comparaccedilatildeo com documentos ocidentais (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 66) natildeo haacute necessidade de ser categoacuteri-co ou precipitado ao afirmar que no caso em questatildeo a discussatildeo pode ser estabelecida com tais bases

Guumlnther Zuntz (1953 p 55-56 213-215) por exemplo argumenta que documentos natildeo alexandrinos lidos na tradiccedilatildeo ocidental e bizantina

3 Para uma descriccedilatildeo mais detalhada dos manuscristos ver BD Ehrman e APlunkett (1983 p 402 403)

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possuem grande chance de ser genuiacutenos (ver METZGER 1968 p 214) Por outro lado eacute legiacutetima a ideia de que muitos eruditos consideram Lucas 2243-44 uma distorccedilatildeo textual vinda do Egito4 Independentemente da preferecircncia textual a discussatildeo acaba sendo conduzida em direccedilatildeo agrave esco-lha de uma ou outra escola

A partir da anaacutelise das testemunhas tambeacutem eacute possiacutevel identificar uma data para a mudanccedila do texto Visto que a referecircncia mais antiga para o texto vem antes do ano 160 dC com Justino Martir (DONALDSON COXE 1997 p 251) e uma omissatildeo posterior a 200-230 dC (p69 p75) eacute possiacutevel afirmar que se o texto foi omitido isso ocorreu antes de 230 dC e se inse-rido antes de 160 aC

Probabilidades de transcriccedilatildeoQuando se trata de um problema textual a possibilidade de uma omis-

satildeo acidental deve sempre ser levada em consideraccedilatildeo Neste caso poreacutem a ocorrecircncia de tal possibilidade de erro escribal eacute dificultada por vaacuterias razotildees

Primeiramente o tamanho do texto em questatildeo (26 palavras) torna a possibilidade de que o escriba tenha intencionalmente alterado o texto im-provaacutevel Turner (1957 p 1-4) argumenta que erros dessa natureza devem ser considerados plausiacuteveis apenas quando o intervalo natildeo eacute longo Aleacutem disso natildeo eacute possiacutevel encontrar nenhum tipo de homoioteleuton (frases com finais semelhantes) no texto para que algueacutem tenha simplesmente confundido o texto com outro descrito algumas linhas abaixo Igualmente eacute difiacutecil ima-ginar que uma passagem dessa importacircncia fosse retirada do texto mesmo que involuntariamente sem correccedilatildeo Diante disso a transcriccedilatildeo do texto eacute melhor compreendida como alterada de maneira consciente e deliberada

Alguns autores tecircm sugerido que o texto teria sido omitido com o intui-to de harmonizar os evangelhos (LAGRANGE 1921 p 563 DUPLACY 1981 p 79 BRUN 1933 p 276) Apesar da aparente soluccedilatildeo do problema natildeo se encontra razatildeo para acreditar em tal teoria por representar um exem-plo sem precedentes aleacutem de que muitas outras diferenccedilas foram deixadas no texto como por exemplo a tripla oraccedilatildeo de Jesus ou a menccedilatildeo de Pedro Tiago e Joatildeo estando com Ele Se de fato uma tentativa de harmonizaccedilatildeo tivesse sido feita muitas outras alteraccedilotildees no texto seriam encontradas

4 Uma lista dos eruditos que incluem e excluem os versos pode ser encontrada em Marshall (1978)

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Como muitos autores tecircm sugerido o problema textual de Lucas 2243-44 deve ser entendido agrave luz das discussotildees teoloacutegicas dos primeiros seacuteculos De fato essa ideia natildeo eacute nova e pode ser remetida ao seacuteculo 4 dC com Epi-facircnio (Ancoratus 31 4-5)

[Essa passagem] eacute encontrada nas coacutepias natildeo revistas do Evange-lho de Lucas e Santo Irineu usou seu testemunho em seu trabalho Adversus Haereses contra aqueles que dizem que Cristo [apenas] parecia se manifestar [na carne] Mas aqueles que eram ortodoxos omitiram a passagem por medo natildeo compreendendo o seu propoacute-sito e grande forccedila Assim ldquoquando ele estava em agonia Ele suou e o seu suor tornou-se como grandes gotas de sangue E um anjo apareceu fortalecendo-Ordquo

Da mesma maneira Hilaacuterio (350 dC) recorda em De Trinitate (1041)

Certamente natildeo podemos nos esquecer de que em muitos manus-critos em grego e em latim nada eacute registrado da vinda do anjo e o suor como sangue Entatildeo algueacutem pode ter duacutevida se este em di-ferentes livros estaacute ausente ou eacute considerado redundante ndash este eacute deixado indeterminado por causa das diferenccedilas nos livros Algumas heresias utilizam as palavras para afirmar a fraqueza de Jesus que precisava da ajuda de um anjo mas por favor considere que o criador dos anjos natildeo precisa desta proteccedilatildeo [hellip] O suor de sangue eacute um testemunho contra a heresia que fala falsamente de uma ilusatildeo [do corpo de Jesus docetismo] o suor manifesta a verdade do corpo

Severo de Antioquia preserva uma declaraccedilatildeo de Cirilo de Alexandria (375-444 dC) a partir de um trabalho perdido de outra forma Severo es-creve na ldquo3ordf carta do sexto livro das pessoas depois do exiacuteliordquo para a ldquoglo-riosa Cesareiardquo

Mas a respeito da passagem sobre o suor e as gotas de sangue saiba que nas divinas Escrituras e Evangelhos que estatildeo em Alexandria esta natildeo estaacute escrita Por isso tambeacutem o Santo Cirilo no 12ordm dos livros escritos por ele em nome da religiatildeo de todos os cristatildeos contra o iacutem-pio adorador de democircnios Julio claramente declarou como segue

ldquoMas desde que ele disse que o divino Lucas inseriu entre suas

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proacuteprias palavras a afirmaccedilatildeo de que um anjo apareceu e for-taleceu Jesus e seu suor escorria como gotas de sangue ou san-gue deixe-o saber de noacutes que natildeo encontramos nada deste tipo inserido na obra de Lucas a natildeo ser talvez que uma interpola-ccedilatildeo foi feita de fora e que natildeo eacute genuiacutena Os livros portanto que estatildeo entre noacutes natildeo contecircm absolutamente nada desse tipo e eu portanto acho que eacute uma loucura para noacutes dizer qualquer coi-sa a ele sobre essas coisas e eacute supeacuterfluo se opor a ele com base em textos que de maneira nenhuma foram escritos e se o fizer-mos seremos condenados a ser ridicularizados e isto seraacute justordquo Nos livros portanto que estatildeo em Antioquia e em outros paiacuteses a passagem estaacute escrita e alguns dos pais a mencionam entre os quais Gregoacuterio o Teoacutelogo fez menccedilatildeo desta mesma passagem na segunda homilia sobre o Filho e Joatildeo bispo de Constantinopla na exposiccedilatildeo composta por ele sobre a passagem lsquoMeu Pai se possiacutevel passa de mim este caacutelicersquo

A partir do quinto seacuteculo os dois textos jaacute haviam sido amplamente di-vulgados e as escolas optavam pelo texto mais curto ou mais longo de acordo com suas preferecircncias e tradiccedilotildees textuais motivo pelo qual natildeo podem ser utilizados textos posteriores para comprovar a autenticidade dos versiacuteculos em questatildeo ao menos natildeo sem incorrer em anacronismo Eacute interessante poreacutem o fato de que ao longo dos seguintes seacuteculos a versatildeo mais longa de Lucas foi aceita Anastaacutecio Sinaiacuteta (ou do Sinai) proliacutefico escritor eclesiaacutes-tico padre monge e abade do Mosteiro de Santa Catarina (do Sinai) no seacuteculo 7 dC escreve (Viae Dux 223)

Pois mesmo se algueacutem tentar adulterar os livros de uma ou ateacute mesmo duas liacutenguas imediatamente sua fraude eacute refutada pelas outras setenta liacutenguas De qualquer forma esteja ciente de que alguns tentaram apagar as gotas de sangue o suor de Cristo do Evangelho de Lucas e natildeo foram capazes Porque aqueles que natildeo possuem a seccedilatildeo satildeo refutados por muitos e vaacuterios evangelhos que a possuem pois em todos os evangelhos das naccedilotildees o relato conti-nua a existir e na maioria daqueles [manuscritos] em grego

Jaacute na eacutepoca da Reforma vemos que Lutero natildeo apenas incluiu a passa-gem em sua traduccedilatildeo mas tambeacutem comentava os versiacuteculos de maneira livre

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Como eacute grande o sabor da dor da morte que podemos discernir em Cristo quando disse ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute agrave morterdquo [Mt 2638] Considero estas como as maiores palavras em todas as Escrituras embora tambeacutem seja uma grande e inexpli-caacutevel coisa que Cristo clamou na cruz ldquoEli Elirdquo [Mt 2746] Ne-nhum anjo compreende quatildeo grande coisa eacute que Ele tenha suado sangue [Lucas 2244] Isto ocorreu com o sabor e temor da morte (HARITAGE 1997 c1996)

Tambeacutem Calvino em seu comentaacuterio cita livremente os versos contudo mais do que isso ele introduz um argumento que quase 1400 anos depois da primeira referecircncia que temos do texto via o sofrimento de Cristo como algo repulsivo Ele diz ldquoAqui pessoas ignorantes se levantam e exclamam que teria sido indigno Cristo ter medo de ser engolido pela morte Mas eu desejo que eles respondam a esta pergunta que espeacutecie de surdo eles supotildeem que tenha sido aquele [Deus] que extraiu de Cristo gotas de sanguerdquo(CALVIN 2002)

De fato assim como nos dias de Calvino algumas caracteriacutesticas do texto poderiam ofender os cristatildeos dos primeiros seacuteculos Primeiramente um anjo fortalecendo a Jesus poderia gerar problemas quanto a sua divin-dade O fato de estar em profunda agonia e suar sangue poderiam fortalecer a ideia ariana a respeito da natureza de Cristo por fim a intensa oraccedilatildeo de Jesus para que o ldquocaacutelicerdquo fosse passado adiante poderia facilmente colocar a voluntariedade de Jesus ao ir para a cruz em descreacutedito

Da mesma maneira a interpolaccedilatildeo do texto seria nas palavras de Wes-tcott e Hort ldquoadequado para citaccedilotildees em controveacutersias contra doutrinas do-ceacuteticas e apoliniarianistasrdquo (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 64) De fato deve-se considerar o fato de que as trecircs mais antigas citaccedilotildees preservadas de Lucas 2243-44 satildeo colocadas diretamente contra fortes heresias cristo-loacutegicas Justino Maacutertir (Dia 1038) e Irineu contra docetistas (Adv Haer 3222) e Hipolito contra um patripassionista (Contra Noetum 182)

Em vista das evidecircncias apresentadas acima haacute de se considerar mais uma questatildeo qual leitura eacute melhor entendida como sido originada em meio agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo Como observado por Ehrman e Plunkett ldquoa preocupaccedilatildeo teoloacutegica do Cristianismo ortodoxo do segundo seacuteculo era a afirmaccedilatildeo da verdadeira humanidade de Jesus em face de diver-sas vertentes da heresia doceacuteticardquo (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 407)

Outro fator decisivo eacute que os Pais que citam os versiacuteculos satildeo auto-res ortodoxos tentando de maneira incisiva combater heresias Eacute pouco

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provaacutevel que o trabalho de exclusatildeo do texto por autores natildeo ortodoxos defendendo ideias contraacuterias teria ganhado vasta aceitaccedilatildeo em escolas que natildeo sofreram influecircncias doceacuteticas como por exemplo Alexandria Caso o texto seja considerado como uma omissatildeo haveria ainda outra dificuldade se o texto foi realmente omitido por motivos teoloacutegicos por que outros textos que tratam da natureza humana de Jesus continuaram inalterados E tambeacutem como grupos considerados hereges vieram a ter tanta influecircncia na tradiccedilatildeo textual

Em vista da presenccedila e ausecircncia do texto de Lucas 2243-44 nos vaacuterios manuscritos preservados torna-se impossiacutevel determinar qual leitura deve-ria ser considerada autecircntica Quando recorremos aos pais da igreja vemos os que citam o texto o fazem no combate a conhecidas heresias da eacutepoca e que sua utilizaccedilatildeo como referecircncia era temida por alguns e defendida por outros com base em sua relevacircncia

Quando a discussatildeo eacute analisada agrave luz das tensotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo vemos que o texto eacute melhor compreendido como uma interpolaccedilatildeo quase tatildeo antiga quanto o proacuteprio evangelista

Anaacutelise do textoDados os devidos comentaacuterios a respeito dos manuscritos relaciona-

dos ao texto de Lucas 2243-44 o trabalho avanccedila em direccedilatildeo agraves evidencias internas natildeo apenas dos versiacuteculos em questatildeo mas tambeacutem do Evangelho de Lucas como um todo Assim seraacute feita uma anaacutelise leacutexica dos versos e entatildeo uma anaacutelise teoloacutegica dos mesmos

Vocabulaacuterio e estiloA primeira referecircncia do versiacuteculo 43 eacute feita em relaccedilatildeo a um anjo que

desce do Ceacuteu para confortar a Jesus A referecircncia a anjos dentro da litera-tura lucana pode ser vista em vaacuterias passagens (ver Lc 1 e 2 128 9 1510 2423 At 519 826 103 7 22 1113 127 23 239 2723) demonstrando certa preferecircncia pelo tema Eacute notoacuterio poreacutem o fato de que estes satildeo des-critos como ldquode Deusrdquo (ver 128 9 1510 At 103 2723) ou ldquodo Senhorrdquo (ver 29 At 519 826 12723) e nunca ldquodo Ceacuteurdquo Aleacutem disso em outras partes do Evangelho os anjos soacute aparecem nas histoacuterias de nascimento e ressurreiccedilatildeo ademais em nenhuma outra apariccedilatildeo em Lucas ou Atos um anjo permanece em silecircncio (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 409) Tais

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fatores conduzem o pesquisador a um uacutenico paralelo que pode ser visto nas primeiras palavras do versiacuteculo 43 em comparaccedilatildeo com Lucas 111 ldquoE eis que lhe apareceu um anjo [ὤφθη δὲ αὐτῷ ἄγγελος]rdquo

Existem trecircs hapax legomena no texto (ἀγωνίᾳ ἱδρὼς e θρόμβοι) ou seja 115 do total do texto comparados a um total de 11 em Lucas Tal concen-traccedilatildeo de hapax legomena pode comprometer qualquer reivindicaccedilatildeo de uma linguagem tiacutepica de Lucas o que tambeacutem eacute argumento a favor de uma interpo-laccedilatildeo pois Lucas eacute amplamente conhecido por seu vocabulaacuterio singular (ver Lc 48 638 1034) O que pode ser dito eacute que nesse caso reivindicaccedilotildees de uma

ldquolinguagem caracteriacutesticardquo satildeo ineficazes para ambos os lados da discussatildeoO aspeto mais evidente na anaacutelise do texto eacute que este se torna mais

claro quando entendido sem os versiacuteculos 43 e 44 Natildeo eacute necessaacuteria neste caso uma leitura no texto grego para que se evidencie a interrupccedilatildeo que os versiacuteculos trazem Na ordem do relato de Lucas Jesus chega ao Getsecircmani ordena que os disciacutepulos orem afasta-se deles ajoelha-se e entatildeo ora a Deus Dessa forma encontramos um parecircntese uma interrupccedilatildeo na narra-tiva que do contraacuterio descreve Jesus se levantando e voltando aos disciacutepulos (v 45) aquilo que era esperado dele

Aspectos teoloacutegicosComo dito anteriormente somente o Evangelho de Lucas nos traz o

relato do auxiacutelio angelical e de Jesus suando sangue Sem duacutevida o episoacute-dio retrata Jesus sofrendo de uma maneira inimaginaacutevel tanto mentalmente devido a sua ἀγωνία quanto fisicamente podendo ser facilmente identifica-do em seu suor tornando-se sangue

Em vista de tanto sofrimento devemos nos perguntar se era do interes-se de Lucas apresentar Jesus sofrendo Deve-se levar em consideraccedilatildeo que a pergunta natildeo eacute se Jesus sofreu o que eacute um fato bem estabelecido e vastamen-te trabalhado nos Evangelhos mas se Lucas tinha o interesse de apresentar esse aspecto da vida de Cristo Na tentativa de identificar tal relaccedilatildeo (Evan-gelho de Lucas e o tema do sofrimento) seraacute feita uma anaacutelise comparativa do texto de Lucas com os demais sinoacuteticos

Na cena do Monte das Oliveiras Lucas omite as palavras de Jesus ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute a morterdquo (Mc 1434 ver Mt 2638) assim como natildeo diz que Cristo estava ldquotomado de pavor e de anguacutestiardquo (Mc 1433) No Getsemani Jesus se ajoelha para orar (Lc 2242) ao contraacuterio dos demais evangelistas que descrevem Jesus ldquocaindo com o rosto em terrardquo (Mc 1435 cf Mt 2639) Em Lucas Jesus ora ao Pai apenas uma vez mas

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nos demais evangelhos trecircs ldquoAo reduzir agrave uma a tripla oraccedilatildeo de Marcos Lucas daacute a impressatildeo de que Jesus sabia imediatamente o que estava por vir e que era a vontade de Deus Ele natildeo estava atordoado como em Marcos Lucas reformulou a histoacuteria de Marcos de tal modo que Jesus tivesse uma maior capacidade de resistecircncia e obediecircnciardquo (NEYREY 1980 p 158) Em Lucas Jesus natildeo ora para que a ldquohorardquo lhe fosse poupada (Mc 1435) assim como adiciona ldquose queresrdquo no lugar de ldquose possiacutevelrdquo (Mc 1436)

No momento de sua prisatildeo Jesus natildeo permite que Judas o beije (Lc 2247-48) diferentemente dos outros Evangelhos (ver Mc 1445 cf Mt 2649) Jesus conversa com mulheres durante a via dolorosa e as aconselha que natildeo chorem por Ele (Lc 2328-31) Lucas eacute o uacutenico que descreve Jesus perdoando seus executores (Lc 2334) e conversando com os dois demais crucificados (Lc 2339-43)

Por fim em vez do alto clamor ldquomeu Deus meu Deus por que me desamparasterdquo (Mc 1534) Jesus clama ldquoPai nas tuas matildeos entrego o meu espiacuteritordquo (Lc 2346) e com total controle de si mesmo da hora de sua morte Cristo sem nenhum grito adicional (Mc 1537 Mt 2750) morre

Em vista do fato de que Jesus se demonstra calmo e com o domiacutenio da situaccedilatildeo Lucas 2243-44 aparenta ser um intruso teologicamente falando no Evangelho de Lucas Se os versiacuteculos satildeo originais somente nessa oca-siatildeo Cristo seria descrito com tanta dor somente nesse momento Ele perde o controle e se aproxima de sua morte com medo

A partir do estudo da linguagem do texto vemos que natildeo encontramos paralelos estiliacutesticos perfeitos em relaccedilatildeo ao restante da literatura lucana e que devido ao seu peculiar estilo literaacuterio natildeo haacute como manter um posi-cionamento na discussatildeo Aliaacutes deve-se considerar tambeacutem que o texto eacute claramente mais coerente quando o verso 45 eacute lido na sequecircncia do verso 43

Lucas natildeo possui a preocupaccedilatildeo de apresentar a Cristo sofrendo pelo contraacuterio Jesus eacute amiuacutede descrito como possuidor de total controle das situaccedilotildees fazendo com que os versiacuteculos em discussatildeo aparentem ser intrusos ao texto

AvaliaccedilatildeoApoacutes reconhecer que as evidecircncias apontam na direccedilatildeo que compreen-

de o texto como uma interpolaccedilatildeo resta analisar as implicaccedilotildees teoloacutegicas de tal leitura A primeira e mais importante questatildeo que surge eacute se o texto natildeo foi escrito por Lucas o relato pode ser considerado como verdadeiro A

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resposta para essa pergunta pode variar de maneira draacutestica de acordo com a forma que o inteacuterprete se aproxima do texto

Como analisado anteriormente a referecircncia mais antiga que temos eacute proveniente pelo menos do ano 165 dC ano da morte de Justino Martir Contudo isso natildeo significa necessariamente que outros jaacute natildeo houvessem citado a passagem e principalmente que esta natildeo fosse conhecida Implica-

-se apenas que natildeo pode ser comprovada atraveacutes dos manuscritos e que o texto jaacute era usado anteriormente

A falta dos manuscritos poreacutem natildeo impede a afirmar de que o texto necessariamente deveria ser conhecido de maneira preacutevia Seria impossiacutevel considerar estes versiacuteculos como um mero produto da criatividade dos escri-bas (PLUMMER 1896 p 509) Tamanha mudanccedila seria facilmente perce-bida e rejeitada pela comunidade da eacutepoca

Mesmo quando os textos alexandrinos satildeo tratados deve-se ter em mente que possivelmente eles tenham rejeitado o texto natildeo pela falta de ve-racidade no relato mas pelo simples fato de que o texto primeiramente natildeo se encontrava em meio as palavras de Lucas e que pelo bem da originalidade do texto este devesse sobreviver de outra maneira

Natildeo seria correto desvalorizar de maneira apressada as tradiccedilotildees mais antigas agrave disposiccedilatildeo Estas nos trazem natildeo somente o modo como os cristatildeos dos primeiros seacuteculos enxergavam a Biacuteblia (o que eacute por si soacute uma grande fonte de conhecimento) mas tambeacutem eventos sobre a vida da comunidade dos apoacutestolos e ateacute do proacuteprio Cristo Seria insensato desconsiderar o aviso deixado ao final do Evangelho ldquoHaacute poreacutem ainda muitas outras coisas que Jesus fez e se cada uma das quais fosse escrita cuido que nem ainda o mun-do todo poderia conter os livros que se escrevessemrdquo (Jo 2125)

Natildeo somente nesse caso mas em vaacuterios outros podemos identificar a influecircncia da tradiccedilatildeo apostoacutelica dentro do texto biacuteblico Em Atos 2035 Paulo fala aos presbiacuteteros da igreja de Eacutefeso advertindo-os a ldquorecordar as palavras do proacuteprio Senhor Jesus melhor eacute dar do que receberrdquo Mas onde pode ser encontrado dentro dos Evangelhos canocircnicos Jesus dizendo tal coi-sa Da mesma forma existem as referecircncias de 1 Coriacutentios 710 e 914 onde palavras que natildeo encontram nenhuma correspondecircncia exata com os textos evangeacutelicos satildeo atribuiacutedas a Jesus ldquoConquanto Paulo afirme que a essecircncia do evangelho ele natildeo a havia recebido lsquode homem algum mas mediante revelaccedilatildeo de Jesus Cristorsquo (Gl 112) as referencias que faz agraves declaraccedilotildees de Jesus certamente foram obtidas junto agraves tradiccedilotildees orais ou fragmentaacuterias que circulavam na igreja apostoacutelicardquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

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Natildeo somente Paulo mas tambeacutem Lucas declara que ldquomuitos houve que empreenderam uma narraccedilatildeo coordenadardquo e que esta foi transmitida a ele desde o principio atraveacutes de ldquotestemunhas ocularesrdquo (Lc 11-2) Mui-to daquilo que Jesus fez e falou foi preservado e transmitido de forma oral e escrita mesmo que fora dos Evangelhos Isso se comprova nas palavras de Euseacutebio falando a respeito de Papias que este ldquojulgava que natildeo poderia obter tanto proveito da leitura dos livros quanto da viva voz dos homens que ainda viviamrdquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

Da mesma maneira os versiacuteculos em questatildeo possivelmente tenham sido um fragmento de alguma tradiccedilatildeo seja esta escrita ou oral que foi por algum tempo em algum lugar anotada agrave margem de algum Evangelho ca-nocircnico e que sem duacutevida incluiacuteam em sua narrativa um alto grau de auten-ticidade e valor intriacutenseco (PLUMMER 1896 p 509) Por fim devemos entender que nas palavras de Plummer (PLUMMER 1896 p 544)

pouco importa se Lucas incluiu os textos em sua narrativa con-tanto que a autenticidade destes seja reconhecida como tradiccedilatildeo evangeacutelica Neste contexto a passagem eacute como aquela que diz respeito agrave mulher apanhada em adulteacuterio [hellip] Noacutes natildeo preci-samos ter nenhuma hesitaccedilatildeo em mantecirc-la como uma genuiacutena parte da tradiccedilatildeo histoacuterica A histoacuteria eacute verdadeira quem quer que tenha escrito ela

Consideraccedilotildees finaisConsiderando toda a argumentaccedilatildeo proposta ao longo do trabalho

pode-se chegar a pelo menos cinco conclusotildees 1) os versiacuteculos 43 e 44 de Lucas 22 satildeo omitidos em diversos manuscritos antigos principalmente da famiacutelia alexandrina marcados com asteriscos em outros e transpostos den-tro do evangelho de Mateus em f13 2) a discussatildeo eacute melhor entendida quando vista em relaccedilatildeo agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo e neste sentido o texto eacute compreendido como sendo uma interpolaccedilatildeo feita provavelmente por razotildees teoloacutegicas 3) discussotildees a respeito de uma linguagem lucana natildeo conduzem a nenhuma conclusatildeo plausiacutevel sendo verdade que posto dentro de sua periacutecope os versos devem ser considerados no miacutenimo como uma quebra no texto um parecircntese na narraccedilatildeo 4) a figura de Jesus apresentada nos versiacuteculo 43 e 44 natildeo estaacute de acordo com o restante do Evangelho que

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apresenta Cristo sempre de maneira calma com o controle dele mesmo e da situaccedilatildeo sem medo da morte e 5) em vista de sua antiga data e clara impor-tacircncia dentro da tradiccedilatildeo cristatilde o relato deve ser considerado verdadeiro e um resgate feito por escribas do segundo seacuteculo salvando uma histoacuteria que de outra maneira teria sido esquecida E a estes escribas a nossa gratidatildeo

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Enviado dia 14012013Aceito dia 11032013

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedico-social

Church discipline and juridic-social reality

Jorge Lucien Burlandy1

ResumoAbstract

Durante o desenvolvimento da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) diver-sas mudanccedilas foram realizadas nas ediccedilotildees do Manual da Igreja (1932-2010) em especial no item de disciplina eclesiaacutestica a fim de aprimorar

sua praacutetica Natildeo obstante a lideranccedila da IASD costuma falhar na aplicaccedilatildeo desses princiacutepios em virtude do desconhecimento das implicaccedilotildees judiciais na praacutetica da disciplina Atraveacutes da anaacutelise do funcionamento de algumas normas da legislaccedilatildeo brasileira relacionadas com as praacuteticas religiosas e seus principais reflexos na apli-caccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica este artigo procura contextualizar a praacutetica discipli-nar e evitar desentendimentos correntes na administraccedilatildeo da igreja Palavras-chave Disciplina Legislaccedilatildeo Eclesiologia Manual da igreja

During the development of the Seventh Day Adventist Church several changes were made in the editions of the Church Manual (1932-2010) The ecclesiastical discipline had several modifications so it could be

applied in better ways However church leaders sometimes fail when applying discipline because they donrsquot know its judicial implications This article aims to approach the ecclesiastical discipline to the Brazilian legislation recommenda-tions about religious practices and how it interferes in the common procedure of discipline In this sense it may be possible to avoid misunderstandings and complications for the church administrators resulted from disciplineKey-words Discipline Legislation Ecclesiology Church Manual

1 Ex-diretor e professor do Seminaacuterio Latino-Americano de Teologia e pastor jubilado E-mail jorgeburlandyhotmailcom

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O Antigo Testamento apresenta ocasiotildees especiacuteficas onde Deus procu-ra orientar ou corrigir o seu povo atraveacutes de prescriccedilotildees legais (Ecircx 201-17 3225-28 Lv 101-6 Dt 134-35 171-7) Essas prescriccedilotildees variam abran-gendo tanto os elementos lituacutergicos como civis entre a naccedilatildeo teocraacutetica ndash principalmente apoacutes o estabelecimento das 12 tribos em Canaatilde sob a lide-ranccedila dos profetas e juiacutezes (Jz 37-114478 11 e 15 1Sm 72-4) Assim cada prescriccedilatildeo possui caraacuteter de beneficecircncia onde o proacuteprio Deus procura orientar Israel a fim de conservaacute-los no caminho da vida (Dt 624 3015 e 19 3247) O sentido juriacutedico dos mandamentos foi igualmente enfatizado no Novo Testamento atraveacutes das abordagens de Cristo em algumas ocasiotildees onde procura reutilizar-se de algumas das preleccedilotildees divinas (Mt 1815 191-8 Mc 101-8) Dessa forma eacute atraveacutes das prescriccedilotildees neotestamentaacuterias que encontramos as bases fundamentais para a praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica na Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) tema do nosso estudo2

Muito embora os apoacutestolos tenham seguido as prescriccedilotildees de Cristo a respeito da Disciplina Eclesiaacutestica (At 51-10 1Co 51-7) as proacuteprias Es-crituras atestam que apoacutes a morte dos uacuteltimos disciacutepulos de Jesus boa parte do cristianismo lentamente se afastava da Biacuteblia sendo assim influenciado por pensamentos e costumes pagatildeos (At 2029-30 2Ts 23 e 7)3 A Disciplina Eclesiaacutestica foi considerada como accedilatildeo redentiva e praticada com base nos princiacutepios biacuteblicos ateacute aproximadamente o seacuteculo IV Eacute compreendido que nos primeiros anos do cristianismo apoacutes Constantino as heresias eram pu-nidas apenas como castigos eclesiaacutesticos (como a excomunhatildeo) No periacuteodo da Idade Meacutedia (sec 12) que ela intensificou seu significado punitivo atraveacutes da ldquoSanta Inquisiccedilatildeordquo que inicialmente tratando de heresias praticaram brutalidades injustificaacuteveis em nome da suposta feacute cristatilde Com o passar do tempo a violenta correccedilatildeo praticada pelo pretenso cristianismo foi associa-da agrave praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica como um elemento essencialmente punitivo (JESCHKE 1972 p 10)

2 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste estudo o aprofundamento biacuteblico na teologia da Disciplina Eclesi-aacutestica As consideraccedilotildees que se seguem pressupotildeem um fundamento biacuteblico como princiacutepio norteador da praacutetica da disciplina 3 Durante os primeiros quatro seacuteculos as doutrinas de Cristo foram alteradas e cada mu-danccedila concedeu mais poder ao bispo ldquoJuntamente com tais pessoas de fora Paulo tambeacutem menciona a possibilidade de pessoas de dentro da igreja que adotariam ensinos pervertidos para seduzir a congregaccedilatildeordquo (MARSHALL 2006 p 312) Ellen G White (1999 p 587) alega que ldquoCedo na histoacuteria da igreja o misteacuterio da iniquidade predito pelo apoacutestolo Paulo iniciou sua calamitosa obra e quando os falsos ensinadores a cujo respeito Pedro advertiu os crentes exibiram suas heresias muitos foram seduzidos pelas falsas doutrinasrdquo

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Em ocasiotildees posteriores a feacute reformada (sec 16) procurou restabelecer as antigas praacuteticas biacuteblicas relacionadas agrave Disciplina Eclesiaacutestica A fim de apregoar a ldquopura doutrina do evangelhordquo segundo J Carl Laney (1985 p 43) a Confissatildeo Belga (1561) em solo reformado identificou a Discipli-na Eclesiaacutestica como ldquouma das marcas da verdadeira igrejardquo Isso tambeacutem ocorreu em situaccedilotildees posteriores como eacute o caso da IASD que procurou atraveacutes dos anos de seu desenvolvimento institucional aprimorar as orienta-ccedilotildees eclesiaacutesticas a respeito dessa praacutetica

Natildeo obstante algumas questotildees em relaccedilatildeo agrave praacutetica da disciplina ain-da continuam em parte pendentes em virtude do pouco conhecimento e das aplicaccedilotildees e conceitos errocircneos que continuam correntes por parte da membresia e da administraccedilatildeo pastoral Atraveacutes da anaacutelise histoacuterica do marco regulatoacuterio e teoacuterico-praacutetico acerca da Disciplina Eclesiaacutestica tal como apre-sentado no Manual da Igreja a seguinte questatildeo precisa ser debatida quais satildeo as principais dificuldades na praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica e como resolvecirc-

-las dentro da realidade juriacutedico-social brasileira Neste artigo trataremos de responder essa questatildeo a fim de sugerir praacuteticas que podem ser realizadas na Disciplina Eclesiaacutestica segundo o Manual da Igreja Adventista

A disciplina eclesiaacutestica e o Manual da Igreja

Os pioneiros da IASD antes de sua organizaccedilatildeo formal sentiram a ne-cessidade de adquirir propriedades para a construccedilatildeo de igrejas e de empre-ender a obra de publicaccedilotildees visto que a mensagem adventista estava sendo levada a novos territoacuterios Com o desenvolvimento da Igreja4 alguns liacutederes perceberam que a fim de que o movimento se fortalecesse algum tipo de ordem e disciplina deveria prevalecer em consenso Com a organizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral ndash oacutergatildeo administrativo mundial da Igreja ndash em 1863 se comeccedilou a registrar votos em suas assembleias relacionados com a adminis-traccedilatildeo eclesiaacutestica Contudo a ideia de se imprimir um manual foi rejeita-da pensava-se que com isso estaria tolhendo a liberdade de accedilatildeo dos seus

4 Neste trabalho utilizaremos o termo ldquoIgrejardquo com letra maiuacutescula para fazer referecircncia agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia como instituiccedilatildeo ou agrave Igreja cristatilde em geral perceptiacutevel em seu contexto Por outro lado utilizaremos o termo ldquoigrejardquo em letra minuacutescula a fim de fazer referecircncia agrave igreja local composta por uma comunidade comum de membros

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ministros (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 17)5 Somente no ano de 1932 eacute que foi publicado um manual por iniciativa da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral conforme solicitado ao vice-presidente JL McElhany apoacutes a aprovaccedilatildeo das mesas (BEACH 1979 p 11-13)

Foi a partir da impressatildeo do primeiro manual em inglecircs publicado em 1932 que se percebeu a necessidade de constantes atualizaccedilotildees a fim de aperfeiccediloar as praacuteticas eclesiaacutesticas Fatos como estes levaram a Igreja em assembleias mundiais posteriores a aperfeiccediloar a redaccedilatildeo e a introdu-zir orientaccedilotildees sobre aspectos novos natildeo abordados no manual anterior O multiculturalismo regional e mundial que influenciava as variadas formas de crenccedilas nas igrejas locais criou a necessidade de posicionamentos e votos especiais que levaram a votar o Conciacutelio Outonal de 1950 (apud GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p xxi)

que cada divisatildeo do campo mundial inclusive a Divisatildeo Norte--Americana prepare um suplemento do Novo Manual da Igreja natildeo para modificaacute-lo mas contendo o material adicional que seja aplicaacutevel agraves condiccedilotildees e circunstacircncias que prevaleccedilam na respec-tiva Divisatildeo Os manuscritos desses suplementos deveratildeo ser sub-metidos agrave consideraccedilatildeo da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral para serem por ela referendados antes de impressos

Sobre as alteraccedilotildees encontradas no Manual da Igreja em inglecircs da primei-ra impressatildeo em 1932 ateacute a de 1942 (1932 1934 1938 1940 1942) a seccedilatildeo sobre Disciplina Eclesiaacutestica que estava no capiacutetulo 4 a partir das ediccedilotildees de 1951 ateacute 1963 (1951 1959 e 1963) passaram a compor o capiacutetulo de nuacutemero 13 Quanto ao toacutepico ldquoRazotildees Para a Disciplina dos Membrosrdquo a ediccedilatildeo de 1967 teve uma pequena alteraccedilatildeo a seguinte de 1971 permaneceu igual agrave anterior As ediccedilotildees de 1976 1981 e 1986 tiveram alteraccedilotildees Na ediccedilatildeo de 1990 constata-se apenas uma nota contendo uma errata Quanto agraves ediccedilotildees de 1995 ateacute 2010 (1995 2000 2005 e 2010) todas tiveram alteraccedilotildees no capiacutetulo sobre a disciplina6

5 No entanto a mais alta instacircncia eclesiaacutestica continuava a registrar votos relativos agrave adminis-traccedilatildeo isto levou alguns influentes liacutederes a desejarem reunir esses votos num livro O Pastor JN Loughborough por iniciativa pessoal no ano de 1907 reuniu os votos em um livro de 184 paacutegi-nas intitulado A Igreja sua Organizaccedilatildeo Ordem e Disciplina (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 18) Essa obra ocupou por muito tempo um lugar de honra no movimento6 Todos os manuais em inglecircs citados estatildeo disponiacuteveis online no site da Conferecircncia Geral (1983) da Igreja Adventista do Seacutetimo dia Este trabalho foi baseado numa Tese doutoral com o mesmo tiacutetulo O capiacutetulo dois (ldquoDisciplina Eclesiaacutestica e o Manual da Igrejardquo) explo-

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Analisando os manuais publicados percebe-se que nos uacuteltimos anos a IASD preocupou-se em adequar as normas instrutivas do seu manual pro-porcionando natildeo apenas a adequaccedilatildeo das suas normas7 mas tambeacutem a refor-mulaccedilatildeo da estrutura da Disciplina Eclesiaacutestica aleacutem da ampliaccedilatildeo8 da seccedilatildeo sobre disciplina (notadamente as ldquoRazotildees para Disciplina dos Membrosrdquo)

Obstaacuteculos agrave aplicaccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica

Apesar de trabalhar intensamente em prol do aperfeiccediloamento da Dis-ciplina Eclesiaacutestica atraveacutes das vaacuterias reformulaccedilotildees dos seus manuais (edi-ccedilotildees de 1932 a 2010) a Igreja tem encontrado atraveacutes dos tempos diversos empecilhos que tecircm dificultado a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Den-tre as principais dificuldades estatildeo alguns empecilhos que tecircm se manifes-tado atraveacutes das diversas correntes filosoacuteficas e eclesiaacutesticas que moldam a sociedade e acabam influindo nas atividades da Igreja

Obstaacuteculos filosoacuteficosO movimento filosoacutefico-cultural que se constituiu num entrave e se

contrapocircs aos ensinos da Biacuteblia por exemplo foi o Iluminismo Apoacutes a Ida-de Meacutedia cresceram os movimentos anticlericais e os ataques ao dogmatismo

rou de maneira mais demorada cada alteraccedilatildeo encontrada no manual (tanto em inglecircs como em portuguecircs) do ano de 1932 ao ano de 20107 Como por exemplo quando a Igreja percebeu que os atos de violecircncia fiacutesica eram co-muns entre os da feacute bem como entre familiares Por isso um novo toacutepico passou a tratar da nova realidade Ateacute entatildeo os termos em portuguecircs usados nos manuais (1936 1958 1965 1981 1992 e 1996) para significar o desligamento de um membro da comunhatildeo eclesiaacutestica eram ldquoeliminaccedilatildeordquo e ldquoexclusatildeordquo na ediccedilatildeo de 2001 aparece a palavra ldquoremoccedilatildeordquo (GENE-RAL CONFERENCE OF SDA 2001 p 191)8 Na sexta ediccedilatildeo do manual em inglecircs foi ampliado o toacutepico de ldquoRazotildees para a Disciplina dos Membrosrdquo de quatro para sete itens com pequenas alteraccedilotildees nos itens jaacute existentes O primeiro item intitulado ldquoFalta de feacuterdquo mudou para ldquoNegaccedilatildeo da feacuterdquo O terceiro item passou a ser ldquoFraude ou deliberada falsidade no comeacuterciordquo o quarto item passou a ser ldquoProcedimento desordenado que traga oproacutebrio sobre a causardquo o quinto item passou a ser intitulado ldquoPer-sistente negativa quanto a reconhecer as autoridades da igreja devidamente constituiacutedas ou por natildeo querer submeter-se agrave ordem e agrave disciplina da igrejardquo o quarto item da ediccedilatildeo anterior foi desdobrado o sexto passou a ser ldquoO uso o fabrico ou venda de bebidas alcooacutelicasrdquo e o seacutetimo foi redigido como ldquoO uso ou o haacutebito de drogas narcoacuteticasrdquo (GENERAL CONFE-RENCE OF SDA 1951 p 224)

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religioso A Igreja Catoacutelica Romana dita cristatilde havia fortalecido as suas es-truturas hieraacuterquicas dominadoras Os que natildeo se submetiam ao clero eram perseguidos e destruiacutedos Ela dominava todos os aspectos da vida humana no mundo civilizado e impunha suas ideias e crenccedilas Quando a Europa cansada de tantas guerras e desiludida com o domiacutenio do clero comeccedilou a experimentar mudanccedilas culturais surgiram forccedilas que deram outro rumo agrave vida social e poliacutetica do continente europeu Estas forccedilas minaram o domiacute-nio da Igreja Catoacutelica Romana Assim os seacuteculos 14 15 e 16 viram nascer e se desenvolver o que hoje se conhece como o Renascimento Neste tempo comeccedilou-se a esboccedilar o emprego de meacutetodos cientiacuteficos na busca da verda-de cresceu o interesse no estudo da natureza e passou-se a valorizar mais o ser humano As trevas intelectuais predominantes na Idade Meacutedia foram substituiacutedas pelo Iluminismo que fez nascer a Idade da Razatildeo

Durante o Iluminismo buscou-se enaltecer o ser humano exaltando suas potencialidades valorizou-se as iniciativas dos leigos em detrimento das atividades da Igreja cristatilde Houve um esforccedilo consciente no sentido de se endeusar a razatildeo e incentivar o abandono de preceitos tradicionais do cristia-nismo9 Objetivaram o progresso de todas as atividades humanas sobretudo propugnando pela liberdade de exteriorizaccedilatildeo do pensamento (GEISLER 2002 p 410) O Iluminismo abriu as portas para o pluralismo religioso para a criacutetica biacuteblica e a rejeiccedilatildeo dela por influecircncia do Iluminismo passou-se a deslocar Deus do centro e a valorizar em demasia o potencial humano

Em virtude do combate frontal contra o professo cristianismo o con-ceito de pecado foi esquecido e a Igreja cristatilde perdeu sua relevacircncia Grenz (1997 p 109) comenta que os eacuteticos do Iluminismo afastaram-se da crenccedila de que todos os seres humanos nascem em pecado e satildeo naturalmente incli-nados agrave praacutetica do mal acolheram a afirmaccedilatildeo de John Locke (1632-1704) de que a mente humana a princiacutepio ldquoeacute como dissemos um papel branco desprovido de todos os caracteres sem quaisquer ideiasrdquo (LOCKE 1978 p 159) Tal postura por conseguinte distorce o ensino biacuteblico acerca da peca-minosidade intriacutenseca do ser humano (ver Sl 515 583 Ef 23) e abre ca-minho para reduzir a responsabilidade na praacutetica de atos maus enfraquece a ideia de que o pecado deve ser controlado pela graccedila de Deus e finalmente

9 Nesse sentido o Racionalismo apresentou-se ldquocomo filosofia que enfatiza a razatildeo como meio de determinar a verdaderdquo (GEISLER 2002 p 735) Para o racionalista a razatildeo eacute o uacutenico meio de se chegar agrave verdade Ao se exaltar a razatildeo eacute excluiacuteda a utilidade praacutetica da Biacuteblia Embora se encontre teses racionalistas desde os dias de Platatildeo na Greacutecia antiga o racionalismo ganhou im-portacircncia no meio cientiacutefico a partir do Iluminismo europeu com Descartes Spinoza e Leibniz

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vencido A uacutenica autoridade responsaacutevel pelos atos do ser humano eacute ele mes-mo natildeo devendo assim prestar contas a ningueacutem atraveacutes da disciplina

Com o crescimento do Iluminismo surge o Individualismo que em sua forma radical contraria posiccedilotildees da feacute cristatilde Este eacute o sistema de pen-samento que considera a sociedade apenas como um grupo de indiviacuteduos em que a pessoa tem um direito proacuteprio acima dos direitos coletivos10 Ateacute onde se pode concordar com o Individualismo sem afastar o ser humano da influecircncia beneacutefica de uma instituiccedilatildeo religiosa Segundo Melbourne (2007 p 126) ldquoa cultura ocidental eacute individualista Para muitos cristatildeos eacute gostoso fazer as coisas a sua maneirardquo Alguns aspectos desta corrente poreacutem po-dem receber o apoio cristatildeo quando fundamentados na Biacuteblia No dizer de Grenz (1997 p 243) ldquodevemos ter sempre em vista os temas biacuteblicos do cuidado de Deus para com cada pessoa a responsabilidade de todo ser humano diante de Deus e a orientaccedilatildeo individual que faz parte da mensa-gem de salvaccedilatildeordquo Deus criou cada ser humano com individualidade proacutepria que precisa ser respeitada Se por um lado o Individualismo fortalece a luta contra todas as formas de absolutismo e totalitarismo por outro lado quando levado aos extremos anula alguns aspectos positivos da vida em co-munidade ndash do ponto de vista social poliacutetico e econocircmico

Essa filosofia propagou os ldquodireitos inatos do indiviacuteduordquo como liber-dade para usar a razatildeo para determinar por si o que eacute certo e o que eacute erra-do poreacutem fez com que fossem extrapolados certos limites e se criassem

ldquodireitosrdquo que dificultaram a proclamaccedilatildeo da salvaccedilatildeo baseada na Biacuteblia O Individualismo extremado que rejeita a interferecircncia de outros em sua vida rejeita a accedilatildeo da igreja para ajudaacute-lo a direcionar as accedilotildees Essa posiccedilatildeo di-ficulta a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Por outro lado a igreja esti-mula a disciplina pessoal de cada crente promove a disciplina preventiva e quando necessaacuterio aplica a corretiva Para tudo isso eacute imprescindiacutevel a atuaccedilatildeo da comunidade de feacute e o respeito que eacute a consideraccedilatildeo bem como a responsabilidade que o cristatildeo deve ter quando pratica essa accedilatildeo

10 Por outro lado o coletivo levado a extremos tambeacutem eacute prejudicial Os ensinos de Je-sus conduzem agrave valorizaccedilatildeo e ao respeito do indiviacuteduo todavia o leva a uma nova vida e agrave inserccedilatildeo do mesmo na Igreja Aquele que entra para a Igreja (o Corpo de Cristo) pelo batismo compromete-se agrave submissatildeo aos princiacutepios e crenccedilas ensinados pela Igreja base-ados na Biacuteblia Os pilares da feacute cristatilde satildeo oriundos da Biacuteblia que juntamente com a accedilatildeo eclesiaacutestica exerceratildeo um saudaacutevel controle das accedilotildees individuais para o bem de todos O Individualismo tem algumas influecircncias positivas para sociedade humana ocidental foi agrave radicalizaccedilatildeo que o tornou prejudicial

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Ademais o ser humano poacutes-moderno resiste agrave ideia da existecircncia de uma verdade universal o que implica na perda de todo criteacuterio final para se avaliar as vaacuterias interpretaccedilotildees da realidade A verdade seria definida como aquilo que a sociedade crecirc ou ldquoo que eu creiordquo Nietzsche (1974 p 241-242) chegou a afirmar que ldquonada haacute que sustente os valores humanos exceto a vontade da pessoa que os possui As coisas tecircm valor em nosso mundo so-mente agrave medida que lhes damos valor A mente humana eacute a uacutenica fonte de valoresrdquo Esta posiccedilatildeo eacute contraacuteria ao ensinamento Biacuteblico e tambeacutem inviabi-liza o trabalho de recuperaccedilatildeo do pecador atraveacutes da Disciplina Eclesiaacutestica

Obstaacuteculos eclesiaacutesticos

A negligecircncia eclesiaacutestica

Segundo John White e Ken Blue ldquoa disciplina corretiva da igreja sempre esteve oprimida pelo conceito de que a pregaccedilatildeo da Biacuteblia inspirada pelo Es-piacuterito Santo gera por si soacute uma congregaccedilatildeo santificadardquo (WHITE BLUE 1985 p 26) Esse conceito parece promulgar a desconsideraccedilatildeo da praacutetica dis-ciplinar e enfatizar a pregaccedilatildeo biacuteblica como suficiente para corrigir e instruir a membresia Contudo eacute essencial termos em conta o que Berkhof (2002 p 528-529) considera como a ldquoterceira marca da igreja verdadeirardquo que aleacutem da pregaccedilatildeo e da celebraccedilatildeo dos ritos representa a praacutetica da disciplina11

A Disciplina Eclesiaacutestica contribui para a manutenccedilatildeo qualitativa da igreja A utilizaccedilatildeo da pregaccedilatildeo biacuteblica na educaccedilatildeo dos membros eacute essen-cial para a formaccedilatildeo do caraacuteter cristatildeo (ver 1Co 118 21) mas a exortaccedilatildeo eacutetica do puacutelpito natildeo pode excluir a Disciplina Eclesiaacutestica por esta constituir-

-se de uma praacutetica que edifica o corpo administrativo e relacional da igreja (Mt 1815-18 At 51-10 1Co 51-7) A pregaccedilatildeo Biacuteblica quando utilizada de maneira repreensiva estaacute limitada agrave aceitaccedilatildeo ou desconsideraccedilatildeo do ouvinte independentemente de sua relevacircncia Em ocasiotildees de necessidade extrema de correccedilatildeo ela natildeo eacute capaz de inverter o quadro organizacional da igreja tor-nando necessaacuteria a Disciplina Eclesiaacutestica Nas palavras de John White e Ken Blue (1985 p 27) o trato imediato das problemaacuteticas da igreja ldquonatildeo eacute reavi-vamento episoacutedico Eacute a igreja tratando com o pecado atraveacutes da disciplinardquo

11 O princiacutepio da disciplina estaria no sentido da ldquoconversatildeordquo que segundo Douglas (1999 p 319) significa ldquovoltar-se ou retornar para Deus As principais palavras originais para ex-pressar essa ideia satildeo no Antigo Testamento shuv (traduzida por lsquovoltar-sersquo ou lsquoretornarrsquo) e no Novo testamento strefomai (Mt 183 Jo 1240) [hellip] cf o portuguecircs lsquoconverter-sersquordquo

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O zelo quantitativo

Algumas igrejas podem manifestar certo receio no que se refere agrave aplica-ccedilatildeo da disciplina em virtude da diminuiccedilatildeo do nuacutemero de membros da comu-nidade Esse temor poreacutem natildeo parece ser justificaacutevel a menos que se deixe de implementar outras medidas (por exemplo o discipulado as classes biacuteblicas etc) para a conservaccedilatildeo dos membros juntamente com a aplicaccedilatildeo da disci-plina Por outro lado haacute igrejas mais preocupadas com nuacutemeros de membros do que com a pureza do caraacuteter deles Embora seja natural que se busque o crescimento da igreja a Biacuteblia parece valorizar mais o caraacuteter do crente do que a quantidade de pessoas que servem na congregaccedilatildeo (ver Jz 719 1Co 51-7)

Nesse sentido ldquoa disciplina natildeo faraacute com que a igreja recue Faraacute com que ela cresccedila natildeo apenas numericamente mas em poder de combate [hellip] As pessoas satildeo atraiacutedas agraves igrejas onde haacute disciplina de fatordquo (WHITE BLUE 1985 p 30) A igreja natildeo pode ser um exeacutercito recuado Na verdade uma congregaccedilatildeo forte espiritualmente experimentaraacute crescimento numeacuteri-co e tambeacutem quanto agrave pureza e santidade

A condiccedilatildeo imperfeita da comissatildeo

Haacute quem considere inapropriada a situaccedilatildeo em que um conjunto de membros se reuacutena a fim de julgar o caso de um faltoso visto que em ambos os lados nenhum deles possui um caraacuteter cristatildeo perfeito De fato a igreja eacute um lugar para pecadores poreacutem os que estatildeo sob influecircncia do Espiacuterito Santo natildeo desejam permanecer sob o jugo do pecado eles procuram permanecer em Cristo mesmo natildeo sendo perfeitos (ver 1Jo 229 39) Nesse caso a Discipli-na Eclesiaacutestica trataraacute de pecados manifestados publicamente Essa disciplina tambeacutem ajuda as pessoas a manterem-se distantes do erro cometido

O voto num processo disciplinar natildeo objetiva prejudicar o faltoso mas despertaacute-lo para a consciecircncia do mal praticado visto que o seu pecado se tor-nou puacuteblico Sobre uma experiecircncia de disciplina White e Blue (1985 p 77) escrevem ldquoEu natildeo havia percebido antes natildeo tinha consciecircncia de quatildeo enga-noso e doente era meu coraccedilatildeo nem quatildeo bom era Deus Nunca havia sentido antes Deus transformar meu coraccedilatildeo de pedrardquo Nesse caso o voto natildeo eacute prati-cado a fim de denegrir a imagem do proacuteximo mas para redimi-lo Contudo ldquoo homem natural natildeo aceita as coisas do Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 214) mesmo que o processo disciplinar seja bem conduzido alguns o rejeitaratildeo

A vista das dificuldades listadas acima nota-se que embora corren-tes elas natildeo satildeo inteiramente justificaacuteveis poreacutem ainda assim constituem

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obstaacuteculos para a aplicaccedilatildeo dos princiacutepios contidos no Manual da Igreja por acatarem questotildees filosoacuteficas baacutesicas que em certas ocasiotildees natildeo satildeo perce-bidas pelos membros da igreja Dessa forma como a Disciplina Eclesiaacutestica poderia atuar diante destas dificuldades sem ferir os direitos da Igreja e a dignidade dos membros

A disciplina eclesiaacutestica e a legislaccedilatildeo brasileira

A praacutetica eclesiaacutestica de disciplina natildeo pode estar limitada ao ambiente igrejeiro sem nenhuma participaccedilatildeo ou interferecircncias do Estado existem aspec-tos juriacutedicos que devem ser compreendidos antes da promulgaccedilatildeo de qualquer ato de correccedilatildeo principalmente quando envolve pessoas fiacutesicas Para compre-ender melhor o modo como a Legislaccedilatildeo Brasileira torna legiacutetimos os cuidados com a administraccedilatildeo da Igreja e em particular com aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica eacute necessaacuteria a compreensatildeo em suma do funcionamento de al-gumas leis especiacuteficas A Constituiccedilatildeo Federal eacute a lei maior as demais (Coacutedigo Civil o Comercial o de Processo Civil o Coacutedigo Penal e leis complementares os ldquoCoacutedigos Legaisrdquo) satildeo hierarquicamente inferiores mas estatildeo amparadas agrave medida que se sustentem na lei superior Elas formam um sistema unitaacuterio pois estatildeo interligadas (SIQUEIRA JR 2010 p 100-101) As leis menores devem concordar com a maior ou seja com a Constituiccedilatildeo Federal

As organizaccedilotildees religiosas no Brasil satildeo protegidas pela lei e devem funcionar respeitando as leis civis Na IASD o Estatuto Social das Uni-otildees12 e o Manual da Igreja satildeo fonte de conduta Uma vez estando em consonacircncia com as leis da Federaccedilatildeo as igrejas teratildeo o amparo delas este eacute o caso da IASD

A Constituiccedilatildeo Federal por exemplo proclama a dignidade humana Eacute reconhecido que o ser humano possui o poder de escolha ele natildeo somente tem vontade ele a exerce em seu proacuteprio paiacutes (BRASIL 2007) Por respeitar o livre arbiacutetrio humano a Legislaccedilatildeo Brasileira garante a livre crenccedila e culto no paiacutes ndash garantia aos direitos sociais e individuais A dignidade humana

12 Uniotildees compreendem unidades administrativas da IASD com igrejas num determinado territoacuterio de uma regiatildeo de proximidade geograacutefica formadas por alguns campos como as-sociaccedilotildees e missotildees As associaccedilotildees quase sempre abarcam as igrejas dentro de um Estado da Federaccedilatildeo Os estados com grande territoacuterio podem ser subdivididos em mais de um campo (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2000a p 26)

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ampara a capacidade de autodeterminaccedilatildeo todavia ressalta a responsabi-lidade moral do indiviacuteduo pelo exerciacutecio da sua vontade ao fazer escolhas tendo a liberdade religiosa como uma delas

Por consequecircncia a dignidade do ser humano preceituada na Cons-tituiccedilatildeo Federal conduz ao fato de que este tem o direito agrave autonomia da vontade sobretudo quando expressa desejos existenciais dentre as quais se inclui a dignidade religiosa (BARROSO 2010 p 28) ndash seu direito contu-do natildeo pode coligir com o direito de outros O ser humano tem responsabi-lidade moral por suas escolhas e deve dar conta delas A liberdade humana natildeo eacute total ela eacute limitada pela lei para preservar o harmonioso conviacutevio social13 Neste aspecto

eacute necessaacuterio estabelecer um limite entre a esfera da atividade do Estado e uma esfera proacutepria da liberdade individual O Direito natildeo eacute suficiente e apropriado para assuntos de pensamento consciecircn-cia e religiatildeo Portanto natildeo seratildeo as regras do direito que regeratildeo as regras desse homem as atitudes desse homem mas as suas atitu-des seratildeo regidas pelas regras ditadas pela sua consciecircncia tomaraacute esta ou aquela atitude segundo melhor lhe aprouver e de acordo com seus pensamentos e decisotildees (PALAIO 2005 p 4)

A praacutetica de uma religiatildeo eacute assunto de consciecircncia de foro iacutentimo sen-do assim livre da intromissatildeo do Estado desde que a praacutetica religiosa natildeo estimule a violaccedilatildeo da dignidade humana o Brasil natildeo tem uma religiatildeo ofi-cial ndash embora natildeo trabalhe de forma antirreligiosa (MENDES et al 2008 p 418) como pode ser notado na promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 onde os constituintes escreveram no preacircmbulo ldquonoacutes representantes do povo brasileiro [hellip] promulgamos sob a proteccedilatildeo de Deus a seguinte Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasilrdquo (BRASIL 2011a p 15) Assim o Estado brasileiro permite a celebraccedilatildeo de todos os tipos de cultos consente que toda e qualquer religiatildeo se estabeleccedila em seu territoacuterio desde que respeitem as leis do paiacutes Segundo Mendes et al (2008 p 417) ldquona liber-dade de religiatildeo inclui-se a liberdade de organizaccedilatildeo religiosa O Estado natildeo pode interferir sobre a economia interna das Associaccedilotildees religiosasrdquo Por

13 Em Romanos 131 Paulo alega que ldquotodo homem esteja sujeito agraves autoridades superiores porque natildeo haacute autoridade que natildeo proceda de Deus e as autoridades que existem foram por ele constituiacutedasrdquo Pedro 213-15 tambeacutem procura exortar os crentes a sujeitarem-se ldquoa toda instituiccedilatildeo humanardquo e isso ldquopor causa do Senhorrdquo (ver Ec 82-4)

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conseguinte uma vez que o Estatuto Social (normas que regem as Uniotildees na IASD) e o Manual da Igreja (normas que regem a IASD no mundo todo) es-tejam em conformidade com as leis do paiacutes como eacute o caso a Igreja tem todo o direito de reger a vida dos que pertencem a esta entidade religiosa ela pode se pronunciar livremente a respeito da conduta de seus membros quando em conformidade com as leis nacionais14 Pode-se dizer que no Brasil qual-quer pessoa pode professar a feacute que escolher

A Igreja passa a existir do ponto de vista legal no momento em que o seu Ato Constitutivo (ou Estatuto Social15) eacute registrado no Cartoacuterio de Registro Civil Passa entatildeo a ser uma pessoa juriacutedica de direito privado A Igreja como personalidade juriacutedica possui seus direitos Sobre isto diz Garcia (2003 p 47)

Por serem entidades dotadas de personalidade pelo ordenamen-to juriacutedico-positivo as pessoas juriacutedicas tem direitos de perso-nalidade ou seja direito ao nome agrave marca agrave honra objetiva agrave imagem ao segredo etc [hellip] Como exemplo de construccedilatildeo ju-

14 Nas palavras de Mendes et al (2008 p 417) ldquona liberdade religiosa incluem-se a liberda-de de crenccedila de aderir a alguma religiatildeo e a liberdade do exerciacutecio do culto respectivo A lei deve proteger os templos e natildeo deve interferir nas liturgias a natildeo ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipoacutetese consideradardquo15 Ato Constitutivo eacute o documento que torna legal a existecircncia de uma pessoa juriacutedica apoacutes ser registrado no Cartoacuterio ou Oficio de Registro Civil de Pessoas Juriacutedicas da comarca onde ela estaacute estabelecida Estes atos satildeo chamados na maioria das vezes de Estatuto Social Nele deve constar sua denominaccedilatildeo seus objetivos sociais sua constituiccedilatildeo (por exemplo uma associaccedilatildeo de pessoas fiacutesicas) a localizaccedilatildeo da sua sede o territoacuterio de sua abrangecircncia como seraacute administrada como se processa a eleiccedilatildeo de seus diretores por quanto tempo eacute o mandato da diretoria quais satildeo as atribuiccedilotildees principais de cada membro da diretoria as responsabilidades de natureza civil fiscal e tributaacuteria trabalhista previdenciaacuteria fundiaacuteria e sindical dos seus empregados como seus objetivos sociais deveratildeo ser alcanccedilados qual o pro-cedimento para que ela possa ser desconstituiacuteda e a declaraccedilatildeo da sua duraccedilatildeo (se por tempo determinado ou indeterminado) No caso de firmas comerciais o Ato Constitutivo eacute chama-do de Contrato Social e eacute registrado nas Juntas Comercias dos Estados (DINIZ 2005 v 2 p 378-493) O Estatuto impresso pela Uniatildeo Central Brasileira da IASD que compreende o Estado de Satildeo Paulo prevecirc o seguinte ldquoArt1ordm ndash [hellip] ldquoUniatildeo Central Brasileirardquo regida e administrada pelo presente Estatuto eacute uma organizaccedilatildeo religiosa pessoa juriacutedica de direito privado nos termos da Constituiccedilatildeo Federal e do inciso IV do art 44 da lei nordm 104062002 de fins eclesiaacutesticos e evangeliacutesticos natildeo lucrativos [hellip] Art 3ordm ndash O Manual da Igreja e os Regulamentos Eclesiaacutestico-Administrativos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia constituem normas subsidiaacuterias da Legislaccedilatildeo Brasileira e do presente Estatuto na gestatildeo e administra-ccedilatildeo da Uniatildeo Central (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2008 p 1-2)rdquo

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risprudencial sobre danos morais citamos a Suacutemula 227 de 8 de setembro de 1999 do Superior Tribunal de Justiccedila A pessoa ju-riacutedica pode sofrer dano moral

Dessa forma assim como a Igreja que na qualidade de instituiccedilatildeo goza de proteccedilatildeo legal o cidadatildeo brasileiro vive tambeacutem sob o amparo da lei O que significa que se algueacutem ou alguma instituiccedilatildeo de alguma forma for atingido em sua imagem fama honra ou respeitabilidade tem amparo legal para se defender (BRASIL 2011b p 228) A vista disto eacute necessaacuterio que haja cuidado no caso aqui na igreja em natildeo atingir com palavras faladas ou escritas a dignidade de alguma pessoa (GARCIA 2003 p 48) Se isso ocorrer e o ofendido quiser processar judicialmente o ofensor e requerer in-denizaccedilatildeo por danos materiais ou morais teraacute o direito de fazecirc-lo Contudo o mesmo direito ao reclame por danos morais pode ser postulado pela Igreja

Assim deve-se estar atento para os seguintes aspectos 1) razotildees para disciplina satildeo apenas as que constam no Manual da Igreja no capiacutetulo que trata do assunto 2) um membro que falhou na vida espiritual deve ser con-frontado ouvido e aconselhado para que tudo se esclareccedila e se escolha as melhores accedilotildees futuras 3) caso o pecado seja grave havendo comprovaccedilatildeo a comissatildeo da igreja deve se reunir para tratar do assunto o faltoso deve ser avisado por escrito a fim de que tome as providecircncias pessoais necessaacuterias16 4) O Manual da igreja (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p 198) veda a representaccedilatildeo da pessoa cujo caso a comissatildeo vai analisar por um advogado 5) todo membro tem o direito de ser ouvido em defesa proacute-pria 6) deve-se dar ao faltoso o tempo necessaacuterio para organizar a sua defe-sa 7) o faltoso permaneceraacute na sala ateacute o esclarecimento do ocorrido 8) a deliberaccedilatildeo final da igreja deve ser feita num saacutebado de manhatilde 9) a decisatildeo seraacute tomada pela maioria dos presentes 10) quando a igreja for tratar o caso em assembleia o faltoso natildeo poderaacute falar em sua defesa (isso deve ter sido feito anteriormente) 11) o secretaacuterio(a) deve ser instruiacutedo(a) a registrar o ocorrido de forma geneacuterica atraveacutes de uma fraseologia que englobe o que

16 O secretaacuterio deve ficar com uma coacutepia do aviso pois a igreja pode precisar dele mais tarde Isso se justifica caso ocorra um possiacutevel processo judicial no qual conste o local o dia e a hora em que a comissatildeo da igreja vai se reunir visto que o faltoso tem o direito de estar presente caso queira ouvir o que se tem a dizer sobre o seu procedimento e se desejar contar a sua versatildeo dos fatos se defender produzindo provas e levando testemunhas a seu favor O aviso de que a comissatildeo vai estudar o seu caso deve ser formal

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aconteceu como ldquotransgressatildeo de mandamento da lei de Deusrdquo17 12) a ata deve ser cuidadosamente guardada

Sobre o recebimento ou desligamento de membros ningueacutem eacute forccedilado a se unir agrave Igreja nem a permanecer nela O ingresso como membro regular da igreja pode ocorrer pelos seguintes modos i) transferecircncia por carta de uma agrave outra igreja ii) por profissatildeo de feacute18 iii) ou por batismo Em todos os casos os membros da igreja local reunidos em assembleia votam se aceitam ou natildeo o candidato como membro A ldquoprofissatildeo de feacuterdquo confirmaraacute agrave igreja a tomada de decisatildeo quanto agrave aceitaccedilatildeo ou natildeo do indiviacuteduo Do mesmo modo se achar por bem assim fazecirc-lo a igreja pode retirar do registro de membros aqueles que natildeo vivem mais os princiacutepios ensinados por ela Quan-do um caso disciplinar for levado agrave consideraccedilatildeo da igreja reunida adminis-trativamente em assembleia cogita-se que o faltoso estaacute no uacuteltimo estaacutegio da disciplina As praacuteticas de disciplina preventiva foram esgotadas foi advertido e repreendido sem resultados O degrau posterior agrave disciplina eacute a remoccedilatildeo

Assim as leis brasileiras amparam o exerciacutecio da Disciplina Eclesiaacutesti-ca contudo elas devem ser observadas tambeacutem dentro da praacutetica do Manual da Igreja Agir dessa forma traacutes paz e seguranccedila para a accedilatildeo disciplinar

Exemplos de casos disciplinaresAgraves vezes a sentenccedila do juiz eacute favoraacutevel agrave Igreja outras vezes natildeo Veja-

-se os exemplos que seguem 1) Foi movida uma accedilatildeo cautelar agrave Uniatildeo Central Brasileira da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia19 pois uma das igrejas desse territoacuterio removeu do

17 Quanto ao pecado especiacutefico for o ldquoadulteacuteriordquo esta palavra natildeo deve constar na ata bem como qualquer outro que embora evidente seja difiacutecil de provar Caso ali se escreva alguma coisa que for julgado ofensivo a algueacutem e a pessoa entender que sua imagem foi atingida e tiver acesso agrave ata se ele quiser poderaacute mover um processo contra os responsaacute-veis pela declaraccedilatildeo levando-os a uma corte de justiccedila18 Para explicar o que eacute profissatildeo de feacute eacute necessaacuterio analisar o capiacutetulo que fala sobre esse assunto no Manual da Igreja (GENERAL CONFERENCE SDA 2010 p 55) ldquoRe-cebimento de Membros Sob Condiccedilotildees Difiacuteceis ndash Algumas vezes condiccedilotildees mundiais impedem a comunicaccedilatildeo para transferecircncia de membros Em tais circunstacircncias a igreja que recebe o membro em conselho com a Associaccedilatildeo se certificaraacute da situaccedilatildeo dessa pessoa e entatildeo receberaacute como membro por profissatildeo de feacute Se posteriormente as vias de comunicaccedilatildeo com a igreja ou Associaccedilatildeo de origem do membro se abrirem a igreja onde foi recebido enviaraacute uma carta informando o que foi feitordquo 19 Uniatildeo Central Brasileira refere-se agrave unidade administrativa da Igreja que tem atuaccedilatildeo e

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rol de membros algumas pessoas julgadas passiacuteveis de disciplina eclesiaacutestica O grupo removido entrou com processo contra a igreja local alegando que natildeo tiveram oportunidade de demonstrar suas razotildees de defesa ferindo as-sim o texto expresso da Constituiccedilatildeo Federal Os removidos exigiram con-cessatildeo de uma liminar para que fossem reintegrados ao quadro de membros novamente o que natildeo conseguiram

O magistrado reconheceu a condiccedilatildeo laica do Estado ao declarar que os que elaboraram a Constituiccedilatildeo Brasileira escolheram entre outros dois pos-tulados como seguem no Inciso I da Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a)

Art 19 Eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios I ndash estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionaacute-los embaraccedilar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relaccedilotildees de dependecircncia ou alianccedila ressalvada na forma da lei a colaboraccedilatildeo de interesse puacuteblico II ndash recusar feacute aos documentos puacuteblicos III ndash criar distinccedilotildees entre brasileiros ou preferecircncias entre si

A juiacuteza de Direito Rebeca Mendes Batista Mazzo citou o artigo 267ordm inciso VI do Coacutedigo de Processo Civil e vendo que tudo fora feito den-tro da legalidade natildeo encontrou motivos nem propriedade para atender ao pedido dos requerentes deu ganho de causa agrave Igreja em seu direito de deli-berar sobre a condiccedilatildeo de seus membros assinando a sentenccedila na cidade de Sertatildeozinho em Satildeo Paulo em 25 de Outubro de 2005

2) Um membro da IASD no Estado de Satildeo Paulo entrou com um processo contra a igreja que o disciplinou removendo-o do rol de mem-bros alegando que a accedilatildeo disciplinar ocorreu ldquosem que fosse adotado o procedimento previsto no Manual da Igreja uma vez que natildeo teve oportu-nidade de apresentar defesardquo como pode ser visto nos autos do processo nordm 23452002 sob jurisdiccedilatildeo da Juiacuteza Substituta Alexandra Laskowki (2003) no Foacuterum de Sorocaba (SP) Cartoacuterio do 2deg Oficio Civil Ele requereu sus-pensatildeo da decisatildeo de remoccedilatildeo e a determinaccedilatildeo para que seja notificado das acusaccedilotildees com antecedecircncia miacutenima de dez dias e que haja convoca-ccedilatildeo por edital da reuniatildeo A igreja apresentou contestaccedilatildeo alegando que a pessoa foi convocada para uma reuniatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo

abarca os campos como as associaccedilotildees e missotildees que estatildeo no estado de Satildeo Paulo

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e deixou de comparecer e acrescentou que o faltoso natildeo negou os motivos que ensejaram a sua remoccedilatildeo

A pessoa implicada apresentou reacuteplica alegando a natildeo observaccedilatildeo do procedimento adequado Consta nos autos do processo

com efeito o manual da igreja requerida determina o direito de defesa antes da votaccedilatildeo de exclusatildeo do membro conforme docu-mento de fls 5152 O requerente foi comunicado sobre a reuniatildeo para a sua exclusatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo conforme confessa a requerida em sua contestaccedilatildeo assim evidente que natildeo foi possiacutevel a apresentaccedilatildeo de sua defesa (LASKOWKI 2003)20

ldquoRequeridardquo no texto supracitado se refere agrave igreja A justiccedila deu ga-nho de causa agrave pessoa removida suspendendo os efeitos da decisatildeo da as-sembleia da igreja local Os defensores da igreja entraram com uma apelaccedilatildeo ciacutevel pedindo revisatildeo a justiccedila negou provimento ao pedido ficando anu-lada a decisatildeo de excluir a pessoa ateacute que ocorresse um reestudo do caso agora tendo de ser atendido o Manual da Igreja

Consideraccedilotildees finaisNatildeo se deve pensar a Disciplina Eclesiaacutestica apenas no seu aspecto

corretivo fornecendo assim conotaccedilatildeo negativa a ela muitos confundem disciplina com castigo e rejeiccedilatildeo a Disciplina Eclesiaacutestica tem caraacuteter re-tentivo Deste modo pode-se promover o amadurecimento espiritual do cristatildeo com os recursos da disciplina preventiva e estimular a jornada cristatilde evitando futuros tropeccedilos Estes procedimentos visam sobretudo trazer de volta o membro afastado zelar pelo bom nome da Igreja e desestimular os outros a atitudes semelhantes

A vista disso eacute importante lembrarmos que as accedilotildees da Igreja satildeo cir-cunscritas agrave sua jurisdiccedilatildeo e devem ser aplicadas dentro das normas estabe-lecidas no Manual da Igreja que diante da Legislaccedilatildeo Brasileira eacute um do-cumento restrito aos adeptos da IASD Como pessoa juriacutedica a instituiccedilatildeo

20 Direito de defesa e contraditoacuterio Na Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a) no art 5ordm inciso LV encontra-se que ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e os acu-sados em geral satildeo assegurado o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo O desdobramento deste inciso daacute ao que esta sendo julgado direito a informaccedilatildeo direito a manifestaccedilatildeo e direito de ver seus argumentos considerados

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procura trabalhar em sintonia com a legislaccedilatildeo em questotildees ligadas agrave digni-dade humana agrave autonomia de vontade etc consoante agrave legislaccedilatildeo as praacute-ticas eclesiaacutesticas referentes agrave disciplina tecircm caraacuteter legal entre os adeptos da comunidade que concordaram ser regidos pelos costumes e crenccedilas da instituiccedilatildeo Por outro lado existem ainda condiccedilotildees de jurisdiccedilatildeo pessoal que quando desrespeitadas na ocasiatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica podem ocasionar em processos contra a Igreja

Atraveacutes da praacutetica da disciplina em conformidade com as normas preacute-estabelecidas no Manual da Igreja os membros da comunidade po-deratildeo agir com respeito agrave dignidade do membro disciplinado Mesmo quando confrontados com obstaacuteculos que parecem constranger a aplica-ccedilatildeo da disciplina a comissatildeo deve considerar que as accedilotildees eclesiaacutesticas satildeo legiacutetimas diante da lei e que em nenhuma hipoacutetese procuram traba-lhar a fim de prejudicar seus membros

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Enviado dia 20112012Aceito dia 10032013

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de

L R ConradiA historical survey about L R Conrad dissidence

Renato Stencel1 Alex Voos2

ResumoAbstract

As crises ocorridas na Igreja Adventista tecircm sido frequentemente recon-tadas Geralmente tem-se enfatizado as crises e dissidecircncias envolven-do personagens da ala estadunidense da Igreja entretanto outras alas

da denominaccedilatildeo tambeacutem sofreram com o ataque de criacuteticos e desertores Neste cenaacuterio a apostasia de Ludwig Richard Conradi se destaca por ter sido um marco histoacuterico proporcional agrave outros eventos Ademais a atuaccedilatildeo negativa de Conradi contra o ministeacuterio de Ellen G White eacute de particular interesse para aqueles que discutem sua autoridade profeacutetica Este artigo visa a traccedilar um breve relato his-toacuterico da dissidecircncia de Conradi e constatar as consequecircncias de sua apostasia no desenvolvimento da Igreja Adventista no cenaacuterio EuropeuPalavras-chave Dom Profeacutetico Ludwig R Conradi Dissidentes Identida-de Denominacional

1 Doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Metodista de Piracicaba (2006) mestre em Educaccedilatildeo pela Andrews University (1993) e bacharel em Teologia e Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Atualmente atua como professor no Unasp e como diretor do Centro Nacional de Memoacuteria Adventista do Centro de Pesquisas Ellen G White E-mail renatostencelunaspedubr2 Bacharelando em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail alxvoosgmailcom

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The crises from the Seventh-Day Adventist Church have been frequently re-told The crises and dissidences involving personalities from the north-Ame-rican part of church tend to be more emphasized Therefore other groups

from church also suffered attacks of dissidents Proportionally to other events the apostasy of Ludwig Richard Conradi is historically remarkable in the scenario Fur-thermore Conradirsquos negative behavior against Ellen G Whitersquos ministry is particularly interesting for those who discuss her prophetical authority This article aims to trace a brief historical narrative of Conradirsquos dissidence and to identify the consequences of his apostasy on the development of the European SDA ChurchKeywords Prophetic gift Ludwig R Conradi Dissidents Church Identity

Origem e ministeacuterio3

Ludwig Richard Conradi nasceu em Karlsruhe Alemanha no ano de 1856 Desde cedo foi apaixonado pelos estudos (RANDOLPH 1940 p 5-12) e aos 15 anos jaacute possuiacutea boas noccedilotildees de latim grego e francecircs e uma voracidade pelas disciplinas de histoacuteria e geografia Contudo enquanto se preparava para ser padre Conradi perdeu o pai e foi forccedilado a abandonar o seminaacuterio catoacutelico4 Migrou entatildeo para os EUA e conheceu a mensagem adventista enquanto trabalhava em um fazenda do estado de Iowa

Juntando suas poucas economias e contando com o sacrifiacutecio dos irmatildeos de Iowa Conradi se dirigiu em 1879 ao Batlle Creek College (HEINZ 1987 p 19 SCHWARZ 2009 p 137) Acostumado com uma vida que exigia todas suas energias Conradi terminou seus estudos em 18 meses apenas um terccedilo do tempo estimado Ao mesmo tempo em que estudava ele tambeacutem era a principal forccedila por detraacutes da publicaccedilatildeo do

3 Este artigo eacute um resumo da monografia natildeo publicada ldquoLudwig R Conradi Finis Origini Dependet uma anaacutelise de sua vida e ministeacuteriordquo originalmente apresentada na XI Jornada Biacuteblico-Teoloacutegica da Faculdade Adventista de Teologia Engenheiro Coelho (VOOS 2011) A monografia se encontra arquivada no Centro de Pesquisas Ellen G White ndash Brasil4 Mais dados biograacuteficos a respeito dos primeiros anos de L R Conradi ateacute o seu ingresso no meio adventista podem ser encontrados em Heinz (1987) Strayer (1996) The Departmet (1944) Delafield (1957 p 286) Grob (1974 p 1-2) e Neufeld (1996 v 10 p 406)

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de L R Conradi

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Stimme der Wahrheit primeiro perioacutedico adventista a ser enviado para o Brasil (HEINZ 1987 p 19 NEUFELD 1996 v 10 p 406 SCHWARZ 2009 p 222 GREENLEAF 2011 p 24)5

Ministeacuterio nos EUAApoacutes sua graduaccedilatildeo o carente e dedicado estudante foi presenteado com

uma beca de formatura pelo casal White Tiago White na eacutepoca presidente da Associaccedilatildeo Geral percebendo as competecircncias do jovem alematildeo convidou--o para ser seu secretaacuterio particular entretanto Conradi recusou o convite de White e preferiu engajar-se diretamente no trabalho evangeliacutestico (RANDOL-PH 1940 p 6 DELAFIELD 1957 p 289 GROB 1974 p 3 GERHAR-DT 1977 p 3 HEINZ 1987 p 19) e se destacou como um dos pioneiros ao trabalhar com a comunidade de imigrante alematildees nos EUA Logo o trabalho progrediu e em abril de 1882 foi organizada em Milltown a primeira Igreja Adventista de fala alematilde (REIMCHE 1982 p 9 WEARNER 1984 p 4-5 WEARNER1995 p 14 SCHWARZ 2009 p 137) Entre os conversos de origem alematilde se encontrava George Riffel que posteriormente emigrou para a argentina e se tornou o primeiro difusor da mensagem adventista na Ameacuterica do Sul (WEARNMER 1984 p 4-6 WEARNMER 1995 p 13-15 NEU-FELD 1996 v 11 p 870 SCHWARZ 2009 GREENLEAF 2011 p 22-23)

Embora no comeccedilo dos anos 1880 a Igreja estivesse apenas ensaiando seus primeiros desafios missionaacuterios natildeo era possiacutevel imaginar que o traba-lho de Conradi entre os imigrantes alematildees fosse influenciar tanto o avanccedilo das missotildees Os novos conversos passaram a enviar folhetos para Ruacutessia e outros difundiram a mensagem mudando-se para outras regiotildees dos EUA e Canadaacute (DUPUY 1976 p 6 REIMCHE 1982 p 9 LOHNE 1988 SCHWARZ 2009 p 211) Sob a lideranccedila de Conradi a ala germacircnica da Igreja constituiria nas primeiras deacutecadas do seacuteculo vinte os pilares do avan-ccedilo missionaacuterio Adventista sob o mundo

Ministeacuterio na EuropaEm 1886 a Conferecircncia Geral votou o envio de Conradi agrave Europa para

assumir a carecircncia de lideranccedila que J N Andrews deixaraacute ao morrer ldquoDentro de cinco anos ele havia organizado um instituto de treinamento para colpor-tores e obreiros biacuteblicos uma missatildeo urbana e um complexo de publicaccedilotildees

5 Para uma maior compreensatildeo da relaccedilatildeo entre o envio das primeiras correspondecircncias e o surgi-mento do adventismo no Brasil ver Borges (2000 p 45-62) e Rosa (2004 p 17-20)

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em Hamburgordquo (SCHWARZ 2009 p 211) Em 1890 os campos alematildeo e russo foram unificados sob sua lideranccedila (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Os colportores passaram a agir natildeo apenas em territoacuterio alematildeo mas tambeacutem em outros paiacuteses Cedo a literatura adventista comeccedilou a ser distribu-iacuteda entre os Paiacuteses Baixos Aacuteustria Checoslovaacutequia Polocircnia e outros lugares O campo europeu era fragmentado em diversas liacutenguas e a toleracircncia religiosa se mostrava muitas vezes precaacuteria Conradi entendeu que a colportagem era a estrateacutegia perfeita esse contexto missionaacuterio (HEINZ 1984 p 19 HEINZ 1987 p 13 SCHWARZ 2009 p 212 276)

Temporariamente os adventistas alematildees conseguiram auto sustentar-se financeiramente e financiaram obreiros em outros campos Seus primeiros re-presentantes foram enviados para o Brasil em 1895 (SCHWARZ 2009 p 276)

Em meio a todo esse processo Conradi parece ter mantido o vigor e o ritmo dos anos de estudante em Battle Creek Entre os anos 1890-1896 o trabalho de Conradi resumiu-se em 1) Batizar e organizar muitas igrejas 2) traduzir livros e 3) liderar a Igreja na Alemanha e Ruacutessia (GROB 1974 p 6) Durante sua vida Conradi manteve um niacutevel de atividade incriacutevel e se sen-tia bem dormindo somente de 3 agrave 4 horas por noite (HEINZ 1987 p 17 STRAYER 1996 p 10-11)

Durante a Conferecircncia Geral de 1901 foi criada no campo europeu a Primeira Divisatildeo da histoacuteria da Igreja Adventista e Conradi eleito o seu pre-sidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Levando a igreja aleacutemEm 1902 a Igreja na Alemanha contava com uma ativa comunidade

de quatro mil membros batizados Essa numeraccedilatildeo era duvidosa mas Con-radi entendeu que o predomiacutenio da Alemanha sob suas colocircnias africanas natildeo poderia deixar de ser aproveitado Apoacutes persuadir funcionaacuterios de alta influecircncia no governo alematildeo as portas foram abertas para que as missotildees adventistas atuassem com liberdade irrestrita nos territoacuterios sob coloniza-ccedilatildeo alematilde o que compreendia boa parte do continente africano (MORRIS 1911 p 5 HAY 1991 p 4-5)

Em 1903 Conradi foi eleito vice-presidente da Associaccedilatildeo Geral ao lado de W W Prescott enquanto Arthur Daniells era o presidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406) Conradi tambeacutem direcionou o avanccedilo missionaacuterio para a regiatildeo dos Baacutelcatildes o Impeacuterio Turco e o Egito Com a perda das colocircnias alematildes apoacutes a I Guerra Mundial o esforccedilo missionaacuterio foi realinhado em direccedilatildeo agraves Iacutendias Orientais e Holandesas e partes da China (SCHWARZ 2009 p 276)

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O desenrolar do progresso da Igreja na Alemanha natildeo soacute revelou uma estaacutevel comunidade adventista mas tambeacutem o despertar de uma consciecircncia evangeliacutesticomissionaacuteria muito forte nos anos que se seguiram Durante as primeiras deacutecadas do seacuteculo 20 a comunidade alematilde veio a se tornar ao lado dos EUA o segundo pilar do movimento adventista natildeo soacute no nuacutemero de membros e estrutura organizacional como tambeacutem no esforccedilo missionaacuterio

Desenvolvimento teoloacutegico e dissidecircncia

Agrave semelhanccedila de outras a apostasia de Conradi foi um processo longo e gradual Desde os primeiros ldquosintomas apoacutestatasrdquo ateacute o seu desligamento defi-nitivo da Igreja no final de 1931 haacute um longo periacuteodo de mais ou menos 45 anos

Conversatildeo e formaccedilatildeo adventistaEmbora Conradi tenha no tempo de seminarista recebido uma consi-

deraacutevel formaccedilatildeo catoacutelica natildeo parece que esse fator desempenhado um pa-pel relevante em sua apostasia Desvencilhar-se das antigas pressuposiccedilotildees pode natildeo ter sido um problema mas a raacutepida passagem pelo Battle Creek College provavelmente tenha proporcionado uma base adventista pouco soacute-lida (GERHARDT 1977 p 8)

O primeiro contado de Conradi com os adventistas ocorreu em uma regiatildeo do estado de Iowa onde a igreja havia sido afetada por um movimento dissidente denominado Marion Party (NEUFELD 1996 v 11 p 32) Pou-co se falava sobre o dom profeacutetico de Ellen G White em Iowa mas quando o assunto surgia era sempre evitado (HEINZ 1998 p 32) B F Snook e W H Brinkerhoff liacutederes do movimento dissidente haviam levantado uma campanha contra Ellen G White e a lideranccedila de James White presidente da Associaccedilatildeo Geral Quando Conradi se converteu ainda pairavam sobre a igreja em Iowa algumas reminiscecircncias desta crise

Ingresso no ministeacuterioEm 1883 enquanto Conradi estava trabalhando entre os imigrantes

alematildees ele enviou um exemplar do livro de Ellen G White Steps to Christ (Caminho agrave Cristo) para Joseph Szalay editor do The Christian um perioacutedi-co presbiteriano impresso em Budapeste Hungria O Pastor Szalay retornou

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a correspondecircncia a Conradi dizendo que tambeacutem gostaria de publicar o livro em Huacutengaro Feliz com a resposta Conradi teceu elogios ao conteuacutedo escrito por Ellen G White e publicou seu testemunho na Review and Herald reportando que o livro havia provocado uma profunda impressatildeo no prega-dor presbiteriano (CONRADI 1894 p 20-21 SZIGETI 1983 p 19)6

Durante os primeiros anos do trabalho de Conradi nos EUA Ellen G White apreciou a obra do eneacutergico e jovem pastor No sermatildeo da uacuteltima sessatildeo da Conferecircncia Geral de 1883 ela disse

Quando eu ouviu o testemunho do irmatildeo Conradi eu pude ver porque ele foi tatildeo bem sucedido Ele foi extremamente sincero na obra Ele toma a obra como se ele pretendesse fazer algo com ela Natildeo eacute somente a habilidade que confere sucesso conquanto o ta-lento e a habilidade santificados satildeo instrumentos refinados nas matildeos de Deus ela deve ser aplicada de maneira sincera na obra (WHITE E G 1990 1994 v 2 p 12 traduccedilatildeo livre)

Crises na EuropaEm 1886 quando Conradi foi enviado para o continente europeu encon-

trou-se com Ellen G White que estava em viagem pela Europa desde agosto de 1885 (DELAFIELD 1957 p 286 WHITE A L 1984 p 264) Esse foi pro-vavelmente o periacuteodo de convivecircncia mais proacutexima que os dois tiveram Con-radi acompanhou-a em algumas viagens e atuou como seu tradutor em vaacuterias ocasiotildees (DELAFIELD 1957 p 286) Alguns meses depois Conradi foi preso na Ruacutessia apoacutes organizar uma Igreja e realizar alguns batismos A situaccedilatildeo legal dele parecia muito delicada e ela lhe enviou uma confortante carta

Querido irmatildeo [hellip] Noacutes podemos ver agora mais claramente algu-mas das dificuldades que existem no caminho daqueles que que-rem obedecer a Deus Noacutes natildeo poderiacuteamos reconciliar este fato com as circunstancias agora mas Deus trabalha de uma misteriosa maneira para cumprir suas maravilhas [hellip] Mantenha a coragem e relembre que o Senhor eacute o Supremo Governador [hellip] Pense no que Jesus o Priacutencipe da Vida sofreu neste mundo o justo pelo in-justo para que Ele pudesse salvar homens da morte e da miseacuteria

6 Ver tambeacutem Review and Herald (1984 p 23)

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Deus governa neste mundo Ele eacute o Onipotente Tenha certeza entatildeo que tudo o que ele deseja na sua sabedoria ou o que seu amor intenta Seu poder executaraacute [hellip] Noacutes cuidaremos de sua esposa e de sua crianccedila de maneira especial [hellip] Noacutes natildeo esque-cemos vocecirc e temos apresentado seu caso ao tribunal mais elevado (DELAFIELD 1957 p 287 traduccedilatildeo livre)

Entretanto Conradi declarou que foi exatamente neste periacuteodo de convi-vecircncia com Ellen G White na Europa que ele desenvolveu certa antipatia por ela (DELAFIELD 1957 p 288) Alguns tem sugerido que para Conradi Ellen G White fugia do conceito de uma boa housfrau (dona-de-casa) alematilde ndash uma figura sujeita ao marido e restrita agraves atividades domeacutesticas Era difiacutecil aceitar uma mu-lher tomar parte nas reuniotildees da igreja influenciar decisotildees administrativas e ateacute repreender proeminentes liacutederes (GROB 1974 p 13 SCHWARZ 1979 p 475)

Tendo em vista os recentes sucessos no campo americano e os grandes progressos realizados no desafiante campo europeu era de se esperar que Conradi se sentisse realizado e satisfeito com sua obra ministerial Todavia em uma carta enviada ela em 1891 ele disse ter passado por uma profunda crise espiritual quando comeccedilou o trabalho na Europa De maneira bastante pessoal ele confessou

Quando juntei-me a este povo [o povo adventista] mais de 13 anos atraacutes eu aprendi por experiecircncia proacutepria o que eacute experimentar da paz de Deus e da certeza dos pecados perdoados tambeacutem o que eacute ser livre da escravidatildeo do pecado Em teoria eu confesso que tive pouca luz a respeito desse assunto como em muitos outros Por quase 7 anos eu permaneci vitorioso fazendo estaacutevel progresso [hellip] mas quan-do eu cheguei na Europa mais apropriadamente um pouco antes derrotas vieram primeiramente de leve durante longos intervalos Enquanto o meu desejo fosse trabalhar por uniatildeo eu nem sempre tinha o sentimento correto para com a sua pessoa [EGW] As circunstancias peculiares em Basel [Suiacuteccedila] natildeo foram de nenhuma ajuda para mim e eu fui lentamente perdendo o chatildeo Quando eu fui para a Ameacuterica [1888] eu esperei ser ajudado mas a reuniatildeo de Minneapolis somente adicionou escuridatildeo Suas palavras provaram-se verdadeiras em meu caso Eu tentei superar isso atraveacutes do trabalho o que por vezes aju-dou parcialmente mas a escravidatildeo permaneceu Oh Quatildeo escuro satildeos as horas de escravidatildeo (DELAFIELD 1957 p 288)

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A confissatildeo de Conradi evidencia que uma deacutebil compreensatildeo sobre o perdatildeo de Deus seria a raiz do problema O proacuteprio Conradi era um dos que naquele momento precisavam da reconfortante mensagem de Justificaccedilatildeo pela Feacute Entretanto ele decididamente assumiu partido ao lado dos que dis-cordavam de A T Jones E J Waggoner e Ellen G White nas reuniotildees de Minneapolis tendo sido lembrado como ldquoum dos mais tagarelas e criacuteticosrdquo do grupo que tratou com severo deboche e descaso as exposiccedilotildees de Waggo-ner e Jones (FROOM 1971 p 248)

Oposiccedilatildeo em MinneapolisEnquanto na conferecircncia Conradi ficou hospedado juntamente com

outros 25 advogados de Iowa em uma grande e espaccedilosa casa McReynold que estava hospedado com ele disse que a atmosfera espiritual dos dele-gados naquele lugar era nada mais do que ldquodeprimenterdquo Natildeo houveram

ldquomomentos de culto ou o som de um grupo de oraccedilatildeo agrave noite ou pela ma-nhatilde ndash apenas gargalhadas e criacuteticas por alguns especialmente por Conradirdquo (FROOM 1971 p 259 traduccedilatildeo livre) Foi talvez por possuir esse espiacuterito zombeteiro que W G C Murdoch um antigo colega de Conradi observou muitos anos depois de sua apostasia ldquoEu era bem familiar ao pastor Conradi e viajei com eles muitas milhas o caraacuteter do pastor Conradi natildeo se adequava ao de um ministro do evangelhordquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo livre)

Quando chegou em Minneapolis as contendas talvez tenham surpre-endido-o jaacute que ele vinha da Europa e a discussatildeo efervescia entre os esta-dunidenses Pouco tempo antes das reuniotildees de Minneapolis em outubro de 1888 Ellen G White lamentou que Conradi deveria ter recebido cartas dela Pelo contexto entretanto natildeo eacute possiacutevel determinar se ela desejava escrever sobre o debate que vinha se arrastando nos EUA Mas por estar ocupada com os problemas ldquodeste lado do Atlacircnticordquo natildeo chegou a escrever nada para ele (WHITE E 1987 v 1 p 156)

Segundo Conradi ldquoo encontro de Minneapolis soacute adicionou escuri-datildeordquo agrave sua condiccedilatildeo espiritual W C White disse que os delegados parti-ram ldquocom uma grande variedade de sentimentos Alguns achavam que essa tinha sido a maior becircnccedilatildeo de sua vida outros que ela assinalava o iniacutecio de um periacuteodo de trevas e que os efeito malignos do que havia sido feito na conferecircncia jamais poderiam ser apagadosrdquo (SCHWARZ 2009 p 182) Ellen G White poucos anos depois comentou o espiacuterito daqueles que ha-viam feito parte do grupo de gozadores

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Enquanto eu estava em Minneapolis Ele me fez segui-lo de quarto em quarto de forma que eu pudesse ouvir o que estava sendo falado no dormitoacuterio O inimigo tinha tudo indo do seu jeito Eu natildeo ouvi ne-nhuma oraccedilatildeo mas ouvi meu nome sendo mencionado e difamado Nos quartos ocupados com nosso pessoal noacutes ouvimos piadas criacutetica risos e zombaria As manifestaccedilotildees do Espiacuterito Santo estavam sendo atribuiacutedas ao fanatismo [hellip] O mesmo Espiacuterito que moveu os rejeitores de Cristo colocava raiva em seus coraccedilotildees e se eles tivessem vivido na eacutepoca de Cristo teriam agido de forma similar aos Judeus descrentes e sem Deus (WHITE E G 1987 v 4 p 1564-1565 traduccedilatildeo livre)

Dois anos apoacutes Minneapolis sua disposiccedilatildeo quanto a Ellen G Whi-te parece ter mudado visto que foi publicado na Review o relatoacuterio de uma recente viagem missionaacuteria que ele fizera agrave Ruacutessia Em uma das comissotildees presididas por ele foi votado ldquogratidatildeo a Deus pela manifestaccedilatildeo dos dons Espirituais entre noacutes e especialmente pelo Espiacuterito de Profeciardquo (GERHAR-DT 1977 p 10-11 grifo nosso)

No ano seguinte em agosto de 1891 Conradi pediu desculpas agrave Ellen G White por sua atitude em Minneapolis e disse

Em vista dos sentimentos que eu nutria contra vocecirc e suas palavras os quais eu deixei transparecer na reuniatildeo de Minneapolis eu peccedilo perdatildeo E se vocecirc e meus irmatildeos ainda me garantirem um lugar na causa de Deus eu posso dizer com a ajuda de Deus ndash e eu tenho evidecircncias dela ndash eu serei um diferente ministro membro e irmatildeo [hellip] Eu posso agora apreciar as suas admoestaccedilotildees feitas no passado e ver a luz onde antes havia trevas Natildeo deveria ser meu privileacutegio encontrar vocecirc no proacuteximo ano Eu posso lhe garantir que em Cristo eu serei um com vocecirc no trabalho e que minhas oraccedilotildees estaratildeo com vocecirc Eu agradeceria se vocecirc pudesse proferir algumas palavras dizendo se vocecirc recebeu a minha carta e se vocecirc me perdoaria e me daria tambeacutem alguns conselhos conselhos e reprovaccedilotildees seratildeo agradecidamente re-cebidos (DELAFIELD 1957 p 288 traduccedilatildeo proacutepria)

Reprovado por Ellen G WhitePouco contato parece ter ocorrido entre os dois apoacutes esta carta Ateacute

que cinco anos depois por volta de 1896 Conradi teve uma filha em um

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caso extraconjugal Ellen G White que nessa eacutepoca estava na Austraacutelia o repreendeu pelo adulteacuterio Poucas pessoas na Igreja alematilde ficaram sabendo do ocorrido e o caso natildeo chegou a se tornar um escacircndalo puacuteblico Como consequecircncia Conradi foi removido de seu cargo administrativo e resignado a trabalhar fora da Alemanha visitando e dando suporte aos campos missio-naacuterios (HEINZ 1987 p 24 HEINZ 1998 p 95-96)7

Algum tempo depois de perder seus cargos em outubro de 1897 ele en-viou da Ruacutessia uma carta para Ellen G White em que afirmava estar encon-trando ldquoluzrdquo na Palavra de Deus e nos ldquotestemunhos do Seu Espiacuteritordquo ndash ou seja no que ela escrevia (DELAFIELD 1957 p 291) Ele expressava

gratidatildeo a Cristo o qual provou ser um amigo fiel e o meu sumo sacerdote Quando tudo parecia escuro e Satanaacutes instava nenhu-ma esperanccedila [hellip] Minha oraccedilatildeo hoje eacute Senhor unge meus olhos deixe-me perceber a minha proacutepria salvaccedilatildeo guarda todos os meus passos nos caminhos do dever e me permita saber o Teu desejo para a minha vida [hellip] Eu natildeo quero arruinar o Seu traba-lho por causa do passado mas ele foi graciosamente perdoado Eu estarei satisfeito se vocecirc tiver alguma luz ou exortaccedilatildeo e conselho [hellip] (DELAFIELD 1957 p 291 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Daniel Heinz considerando a atitude ambiacutegua que ao longo dos anos Conradi manteve em relaccedilatildeo a Ellen G White julga que ele sabia que sem a aprovaccedilatildeo dela seria mais difiacutecil de retornar ao elevado cargo que ele ante-riormente ocupava (HEINZ 1998 p 96)

A questatildeo do ldquodiaacuteriordquoDurante o periacuteodo que esteve afastado da presidecircncia do campo Russo-Ale-

matildeo Conradi comeccedilou a revisar a obra de J N Andrews History of the Sabbath Analisando profundamente as obras dos reformadores protestantes se sentiu atra-iacutedo pela ideia de que Lutero um alematildeo tivesse sido o primeiro a proclamar as trecircs mensagens angeacutelicas O que consequentemente neutralizava a importacircncia do Movimento Milerita (SCHWARZ 1979 p 475 SCHWARZ 2009 p 288)

Conradi apesar de ser naturalizado americano tinha um forte senti-mento nacionalista em relaccedilatildeo ao seu paiacutes natal Isso pode ter influenciado

7 Conferir tambeacutem Grob (1974 p 15-16)

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sua interpretaccedilatildeo teoloacutegica que dava preferecircncia a Martinho Lutero e o Mo-vimento da Reforma Tambeacutem explica em parte suas atitudes precipitadas tomadas posteriormente durante a I Guerra Mundial (GERHARDT 1977 p 21-22 SCHWARZ 1979 STRAYER 1996 p 10)

Conradi comeccedilou a escrever seu proacuteprio comentaacuterio sobre o livro de Daniel desenvolvendo uma nova interpretaccedilatildeo para a questatildeo do ldquodiaacuteriordquo de Daniel 812 Poreacutem antes de publicar suas novas ideias enviou uma carta para Ellen G White perguntando se ela tinha mais luz agrave respeito do assunto Ela natildeo respondeu sua carta e ele seguiu avante com a impressatildeo do livro Como ela explicou mais tarde natildeo era seu objetivo alimentar tal discussatildeo (SCHWARZ 2009 p 609) podemos entender entatildeo por que a carta de Conradi a respeito do ldquodiaacuteriordquo nunca foi respondida

S N Haskell G I Butler e George Irwin se posicionaram ao lado da antiga interpretaccedilatildeo de Guilherme Miller e Uriah Smith (HALOVIAK 1980 p 36 SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609) Quando Conradi buscou publicar seus escritos na Ameacuterica Edwin R Palmer editor da Review and Herald disse-lhe ldquoAqui na Ameacuterica natildeo nos eacute permitido publicar nada que mesmo em pequena parcela possa estar contra o irmatildeo Uriah Smith por que a irmatilde White ajudou o irmatildeo Smith quando ele escreveu Daniel e Apocalipserdquo8 Conradi procurou ainda o proacuteprio Uriah Smith que lhe respondeu ldquoNenhum iota seraacute mudado do que nossos pioneiros disseram [hellip] o que eles fixaram eacute divinordquo9 Em contra partida Conradi usou sua influecircncia para natildeo permitir que os livros de Smith fossem publicados na Inglaterra (HALOVIAK 1979 p 38)

8 Taquigrafia abreviada da resposta dada por Conradi perante a comissatildeo da Divisatildeo Eu-ropeia em Fridensau em 22 de julho de 1932 depois dos irmatildeos Gilbert Crisler G W Schubert e W Muumlller terem replicado a apresentaccedilatildeo de Conradi disponiacutevel no Arquivo do Centro de Pesquisas Ellen G White A resposta de Palmer a Conradi eacute melhor compreen-dida tendo em vista a crenccedila muito comum entre os adventistas daquela eacutepoca de que Ellen G White havia declarado ter visto um anjo ao lado de Uriah Smith conduzindo-o enquanto escrevia o livro Thoughts on Daniel and the Revelation Os testemunhos histoacutericos de tal declaraccedilatildeo natildeo satildeo muito seguros mas mesmo que ela tenha realmente dito isto Palmer e muitos outros natildeo estavam sendo sensatos no juiacutezo que faziam A declaraccedilatildeo deve ser com-preendida da mesma maneira como entendemos que os anjos estatildeo ao redor de qualquer um que esteja consagradamente envolvido na causa de Deus Isso natildeo quer dizer que tais pessoas sejam inspiradas ou infaliacuteveis em suas atitudes (WHITE A L 1957 ver tambeacutem KNIGHT 2003 p 74-75 e GOUGLAS 2009 p 402-403)9 Independentemente da opiniatildeo defendida por Uriah Smith estar equivocada ou natildeo o argumento apresentado por ele desconsiderava o princiacutepio de que ldquoa luz da verdade biacuteblica eacute progressiva e deve brilhar lsquomais e mais ateacute ser dia perfeitorsquo(Pv 418)rdquo (QUESTOtildeES 2011 p 55-57 ver tambeacutem NISTO CREMOS 1989 p 11-13)

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Agrave medida em que a discussatildeo progredia o grupo que se opunha a Conradi passou a usar declaraccedilotildees do livro Early Writings para combatecirc-lo e defender a antiga interpretaccedilatildeo de Daniel 812 Ellen G White no entan-to reagiu repreendendo-os pelo uso arbitraacuterio de seus escritos e disse que

ldquosuas observaccedilotildees anteriores tinham o propoacutesito de dar validade agrave profecia dos 2300 dias natildeo definir o [termo] diaacuteriordquo (SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609)

Na Conferecircncia Geral de 1901 Conradi discutiu a questatildeo em niacutevel particular com outros delegados e afirmou ldquoa declaraccedilatildeo de [Ellen G] White no [livro] Primeiros Escritos a respeito da questatildeo do santuaacuterio natildeo foi uma autoridade para mimrdquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo proacutepria)

Subindo de postoAteacute 1901 Conradi havia sido responsaacutevel apenas pelos campos alematildeo

e russo10 onde o adventismo vinha se desenvolvendo acentuadamente de forma que sua lideranccedila continuava sendo muito estimada pelos liacutederes ame-ricanos Os debates teoloacutegicos natildeo afetaram a reputaccedilatildeo de Conradi e ele foi eleito presidente da receacutem criada Divisatildeo Europeia Ellen G White em um de seus discursos durante a Conferecircncia enquanto comentava os avanccedilos na Europa disse ldquoo irmatildeo Conradi tem carregado uma pesada carga do traba-lho na Europardquo e dirigindo-se diretamente a ele aconselhou

Deus quer que vocecirc tenha pessoas ao seu lado e Ele quer que vocecirc decirc a elas toda motivaccedilatildeo possiacutevel Ele quer que o trabalho que vocecirc estaacute fazendo vaacute com toda a forccedila e todo o poder Vocecirc tem feito o traba-lho de muitos homens Deus tem abenccediloado os seus trabalhadores de forma imensuraacutevel Os Anjos de Deus tem feito esse trabalho natildeo o irmatildeo Conradi Ele tem aberto as portas para os anjos e dado a Deus uma oportunidade para trabalhar deixe-me dizer-lhe que Ele iraacute implantar uma operaccedilatildeo que iraacute para frente com tanta forccedila e poder que vocecirc nem sonha ldquoFeacute eacute a certeza das coisas pelas quais se esperam a evidencia das coisas que se natildeo veemrdquo Deus quer que noacutes trabalhemos pela feacute Deixe de lado toda a criacutetica toda incredulidade todo o desejo de medir os seus companheiros de trabalho que talvez

10 Em 1891 os campos Alematildeo e Russo foram separados do Campo da Europa Central e colocados sobre os cuidados de Conradi (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

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natildeo tenho tido um mileacutesimo da oportunidade que vocecirc teve (WHITE E G 1901 p 27 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Conradi era um liacuteder de muitas capacidades possuiacutea uma oratoacuteria fasci-nante11 e ao que tudo indica uma impressatildeo carismaacutetica No entanto a convi-vecircncia sobre sua lideranccedila natildeo era das mais simples Alfred Vaucher relatou que como um jovem pastor ele nunca gostou muito de se encontrar com Conra-di pois sua saudaccedilatildeo de praxe sempre era um inconveniente ldquoQuantas almasrdquo Pode-se dizer que a atitude das pessoas se polarizavam entre admiraccedilatildeo ou aversatildeo a ele (HEINZ 1987 p 18) Ou o seguiam sem questionar ou o ignora-vam (GERHARDT 1977 p 3) ldquoConradi era visto como uma personalidade patriarcal e depois de ele ter falado natildeo havia nada mais a declararrdquo(SIMON apud GROB 1974 p 12 ver tambeacutem STRAYER 1996 p 10)

Ningueacutem havia ateacute aquele momento notado ou avaliado os desvios teoloacutegicos de Conradi Aliaacutes ao que tudo indica suas opiniotildees natildeo eram perceptiacuteveis agrave lideranccedila da Associaccedilatildeo Geral localizada nos EUA Perigosa-mente quando foi eleito presidente da Divisatildeo Europeia ele jaacute havia fixado grande parte das opiniotildees problemaacuteticas que se manifestariam nos anos sub-sequentes Conradi comeccedilou a disseminar as ideias contraacuterias agraves doutrinas da Igreja e a semear duacutevidas com respeito ao ministeacuterio de Ellen G White (HEINZ 1998 p 102 SCHWARZ 1979 p 475)

Em 1910 Conradi em uma carta para Daniells falando sobre a discus-satildeo do ldquodiaacuteriordquo comentou

Eu estou feliz que a Sr White tenha falado tatildeo abertamente que eles natildeo deveriam citaacute-la a favor de certas opiniotildees Eu penso que se isso fosse colocado como um princiacutepio o estudo cuidadoso da Biacuteblia passaria a ser mais faacutecil para nossos irmatildeos no futuro (HA-LOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre ver HALOVIAK 1979 p 37)

Embora Conradi estivesse certo em reprovar aqueles que recorriam di-retamente aos escritos de Ellen G White como se assim fosse dispensaacutevel o

11 Nas palavras de quem o ouviu pregar ldquoL R Conradi era meu pregador favorito quando eu ainda jovem frequentava as campais em Dakota do Norte [hellip] Ele tinha a habilidade de estimular ambos jovens e velhos [hellip] Seus gestos eram dramaacuteticos e ele sabia como manter as pessoas jovens atentas e as pessoas idosas acordadasrdquo (BIETZ 1996 p 1-2 traduccedilatildeo livre ver tambeacutem WESTPHAL 1911 p 17 SPIES 1911 p 1 e 6 PAGES 1926 p 4)

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cuidadoso estudo da Biacuteblia havia ainda mais por detraacutes de sua declaraccedilatildeo Sua intenccedilatildeo natildeo era desenvolver um modelo correto para a interpretaccedilatildeo dos escritos de Ellen G White mas anular por completo a validade do seu ministeacuterio profeacutetico

Um novo paradigma de interpretaccedilatildeoEm fevereiro de 1910 Z G Baharian um missionaacuterio no campo turco

(NEUFELD 1996 v 10 p 154) informou W C White e W A Spicer pre-sidente da Conferencia Geral que Conradi vinha levantando crescentes duacute-vidas a respeito do Espiacuterito de Profecia Ele traccedilou um histoacuterico do que vinha acontecendo desde 1898 quando a mensagem de Reforma de Sauacutede comeccedilou a ser introduzida na Europa ateacute onde um conciacutelio ocorrido em Constantino-pla Conradi havia buscado provar que os escritos de EGW possuiacuteam diferentes niacuteveis de inspiraccedilatildeo e que os escritos com as orientaccedilotildees sobre sauacutede natildeo esta-vam no ldquocluberdquo dos inspirados Portanto nas palavras de Conradi ldquoos escritos dela natildeo eram um guia segurordquo para eles (HALOVIAK 1979 p 28-29)

Depois de se desligar da Igreja Adventista Conradi escreveu que um de seus motivos para rejeitar Ellen G White foi a descoberta da omissatildeo de algumas palavras entre a primeira e a segunda publicaccedilatildeo de suas primeiras visotildees (CONRADI 1932) Mudanccedilas tais como as que aconteceram entre a primeira e a segunda ediccedilatildeo do livro The Great Controversy12 tambeacutem foram estranhas agrave compreensatildeo de inspiraccedilatildeo que ele detinha Em uma carta tro-cada com Conradi W A Spicer argumentou com ele

Uma questatildeo mais importante do que o assunto dos meros deta-lhes de uma correccedilatildeo ou de uma declaraccedilatildeo equivocada (nos li-vros Spirit of Prophecy) eacute a questatildeo de como trataremos dos toacutepicos que tem passado pela matildeo de vaacuterios editores Noacutes temos tido um pequeno conflito com alguns de noacutes por muitos anos tentando fazer os irmatildeos verem que natildeo seria correto conferir qualquer au-toridade extraordinaacuteria para detalhes dessa natureza [hellip] Mas uma coisa eacute certa irmatildeo Conradi seguramente essas frases e declaraccedilotildees histoacutericas nesses livros tecircm sido corrigidas da mesma forma que em qualquer outro livro Claro que noacutes devemos levar em consideraccedilatildeo

12 Para uma anaacutelise sobre essas duas ediccedilotildees do livro ldquoO Grande Conflitordquo consultar Dou-glas (2009 p 446-450)

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todos os conselhos com o autor em fazer correccedilotildees (HALOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Conradi se revelou um ferrenho defensor da inspiraccedilatildeo verbal o que o impedia de compreender as modificaccedilotildees editoriais nos livros de Ellen G White e suas declaraccedilotildees agrave respeito ldquodo diaacuteriordquo Muitas dificuldades po-deriam ter sido evitadas caso Conradi entendesse o processo de inspiraccedilatildeo ocorrendo por pensamento e natildeo de palavra em palavra13

Em 1911 apoacutes o livro The Acts of the Apostles ser publicado W C White enviou uma interessante carta para Conradi em que ele explicava como sua matildee havia trabalhado na composiccedilatildeo do livro

O trabalho preliminar levou mais ou menos cinco meses de lei-tura e pesquisa entatildeo se seguiu o trabalho de selecionar aqueles artigos porccedilotildees e manuscritos que mais claramente representa-ram o que ela desejava dizer [hellip] Dia a dia os manuscritos foram submetidos a leitura da Mamatildee [hellip] Ela marcou os manuscritos livremente escreveu e adicionou palavras frases e periacuteodos para fazer afirmaccedilotildees mais claras e mais fortes Por fim estas foram submetidas para serem copiadas uma segunda vez (WHITE W C 1981 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Sendo que W C White neste momento jaacute havia sido informado por Baharian o missionaacuterio em campo turco do meacutetodo de ldquoseleccedilatildeo de conteuacutedo inspiradordquo que Conradi vinha seguindo eacute de se esperar que os pormenores da redaccedilatildeo de The Acts of the Apostles natildeo foram mencionados por acaso W C White queria descrever de maneira mais clara para Conradi como sua matildee nor-malmente procedia na composiccedilatildeo dos escritos Seguramente The Acts of the Apostles foi um dos livros em que Ellen G White mais livremente editou o con-teuacutedo ateacute que ele chegasse a sua forma final sendo portanto um bom exemplo de como a noccedilatildeo de inspiraccedilatildeo verbal natildeo se adequava ao seu ministeacuterio

13 Resumidamente temos aqui duas teorias de inspiraccedilatildeo a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo do pen-samentordquo e a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo verbalrdquo A inspiraccedilatildeo do pensamento entende que Deus daacute a mensagem ao profeta e permite-lhe transmiti-la com suas proacuteprias caracteriacutesticas de lin-guagem numa associaccedilatildeo do divino com o humano Jaacute a teoria de inspiraccedilatildeo verbal propotildee que Deus age diretamente na escolha das palavras usadas na comunicaccedilatildeo da mensagem Este modelo impotildee seacuterias dificuldades para harmonizar questotildees como a supressatildeo de conteuacutedo ou a reformulaccedilatildeo de frases em uma mensagem jaacute transmitida pelo profeta anteriormente Para uma melhor entendimento do assunto ver por exemplo Douglas (2009 p 16-17)

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A Conradi foi posto um dilema ou rejeitava seu paradigma do proces-so de revelaccedilatildeo-inspiraccedilatildeo ou rejeitava o dom profeacutetico de Ellen G White Mas as explicaccedilotildees dadas por W C White ao inveacutes de esclarecedoras so-aram gritantes agraves convicccedilotildees que Conradi defendia14 Quatro anos depois (1914) Conradi comentou de forma aberta e declarada qual era sua opiniatildeo a respeito do livro The Acts of the Apostles

As chapas [para a impressatildeo do livro] Atos dos Apoacutestolos chegaram mas eu me senti desanimado quando vi a paacutegina do tiacutetulo e sobre ela a Sra Ellen G White Talvez em menor instacircncia de certo porque ele seraacute disseminado entre o nosso proacuteprio povo Mas noacutes desco-brimos que toda a Europa tem uma grande aversatildeo a escritos reli-giosos e teoloacutegicos escritos por mulheres e entatildeo vocecirc perceberaacute que nas ediccedilotildees [do livro] para a colportagem noacutes simplesmente dizemos E G White e dessa forma de maneira alguma a primei-ra paacutegina indica que [o livro] eacute escrito por uma mulher (GROB 1974 p 13-14 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Aleacutem da crescente dissonacircncia doutrinaacuteria com o tempo surgiram tambeacutem choques administrativos entre Conradi e a direccedilatildeo mundial da Igre-ja que vieram abalar fatalmente sua feacute adventista

O surgimento dos Adventistas da Reforma

Em 1914 com o comeccedilo da I Guerra Mundial as comunicaccedilotildees entre a Alemanha e os EUA se tornaram difiacuteceis e a Divisatildeo Europeia cuja sede

14 Herbert Douglas faz um interessante comentaacuterio sobre o grupo dos defensores da inspiraccedilatildeo verbal no meio adventista ldquoOs deste grupo (e satildeo muitos) que permaneceram na igreja como liacutederes de influecircncia na administraccedilatildeo ou no evangelismo criam que eram os uacutenicos capazes de salvar a denominaccedilatildeo da apostasia Podiam [sic] citar como exemplos de onde esse pensamento os levaria muitos que tentaram lsquoreinterpretarrsquo Ellen G White ndash homens como os irmatildeos Bal-lenger (A F e E S) J H Kellogg A T Jones W A Colcord E J Waggoner L R Conradi e W W Fletcher Um traccedilo comum a todos esses liacutederes notoacuterios que desertaram era a decisatildeo de lsquoque o Espiacuterito de Profecia podia ser dividido em partes lsquoinspiradasrsquo e lsquonatildeo inspiradasrsquo Parece relevante que na maioria dos casos os que comeccedilaram a fazer essas classificaccedilotildees perderam finalmente a confianccedila no Espiacuterito de Profeciardquo (DOUGLAS 2009 p 441)

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e a maior parte dos membros ficava na Alemanha se isolou do restante da Igreja mundial A Igreja europeia natildeo tinha a mesma experiecircncia que a Igreja nos EUA acumulara durante a Guerra Civil nem buscara desenvolver contatos com as autoridades militares durante os tempos de paz Faltava orientaccedilatildeo de como proceder em tempos de guerra Logo problemas com o saacutebado e o por-te de armas comeccedilaram a aparecer e alguns adventistas negaram-se a apoiar qualquer esforccedilo beacutelico levando ao fechamento de todas as igrejas adventistas em uma regiatildeo da Alemanha Sabendo da execuccedilatildeo de membros de um gru-po religioso que mantivera suas fortes convicccedilotildees pacifistas a lideranccedila alematilde

ldquoinformou por escrito ao ministro de guerra alematildeo [hellip] que os recrutas adven-tistas do seacutetimo dia portariam armas como combatentes e prestariam serviccedilo no dia de saacutebado em defesa de seu paiacutesrdquo Tambeacutem era obrigatoacuterio o envio das crianccedilas para escola aos saacutebados sobre pena de prisatildeo dos pais caso elas faltas-sem Com respeito a isso foi feito um acordo para que pudessem levar a Biacuteblia e lecirc-la em sala de aula (SCHWARZ 2009 p 364-365 372)

A declaraccedilatildeo emitida pela lideranccedila alematilde negava a postura pacifista que os adventistas historicamente defendiam e comprometia seriamente a observacircncia do saacutebado como um princiacutepio inegociaacutevel Previamente um grupo dissidente que viria a se tornar o Movimento dos Adventistas da Re-forma havia se revoltado contra a administraccedilatildeo da Igreja A falha cometida por Conradi e os demais liacutederes subordinados a ele deram ao grupo um pre-texto para continuar a rebeliatildeo Caso a lideranccedila encabeccedilada por Conradi houvesse se mantido firme aos princiacutepios adventistas o Movimento Adven-tista da Reforma dificilmente haveria se concretizado (OLIVEIRA 1985 p 129-132 SCHWARZ 2009 p 619-132)15 Como resultado da crise ocorrida na Alemanha na Conferecircncia Geral de 1918 foram tomadas medidas para evitar que uma Divisatildeo da Igreja agisse de maneira tatildeo independente em relaccedilatildeo ao restante da Igreja mundial (SCHWARZ 2009 p 315)

Revolta contra a lideranccedilaApoacutes o teacutermino da guerra uma delegaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral se dirigiu a

Alemanha com o objetivo de resolver os equiacutevocos cometidos durante a I Guerra Mundial Boa parte dos liacutederes alematildees reconheceram suas atitudes precipitadas mas Conradi prosseguiu irredutiacutevel afirmando que havia tomado as decisotildees certas segundo as exigecircncias da circunstacircncia (SCHWARZ 2009 p 620)

15 Com respeito ao surgimento do Movimento Reformista e suas praacuteticas ver Kramer (1991)

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Em 1922 Conradi foi afastado da presidecircncia da Divisatildeo Europeia Um dos motivos da natildeo reeleiccedilatildeo de Conradi pode ter sido sua avanccedilada idade na eacutepoca 66 anos (SCHWARZ 2009 p 475) suas orientaccedilotildees doutrinaacuterias e prin-cipalmente pelos erros cometidos durante a I Guerra Mundial (GROB 1974 p 7) L H Christhian um americano foi eleito em seu lugar A reaccedilatildeo de Conradi na eacutepoca natildeo foi das melhores pouco antes de morrer ele expressou por escrito os seus sentimentos com respeito ao evento ldquoIsso eacute demais para suportar fazer tal coisa a um pioneiro maduro que construiu tudo por si mesmo e agora tudo eacute dado agrave um jovem um rapaz inexperiente rdquo (CONRADI apud GROB 1974 p 10 ver tambeacutem GERHARDT 1977 p 22 SCHWARZ 2009 p 476)

Conradi foi remanejado para a secretaria da Associaccedilatildeo Geral um posto de pouca expressatildeo administrativa o que representou uma mudanccedila draacutestica na rotina profissional de um homem acostumado agrave lideranccedila ativa Profundamente ofendido (GROB 1974 p 8 GERHARDT 1977 p 21 HEINZ 1987 24) e com a convicccedilatildeo de que ningueacutem poderia substituiacute-lo Conradi passou a agir como um ldquoconsultorrdquo dos campos missionaacuterios uma funccedilatildeo sem muito poder e influecircncia (GERHARDT 1977 p 7)

Ele passou entatildeo a dedicar bastante tempo para escrever e publicar Em 1923 no livro Das Golden Zeitalter ele enfatizou que ldquoo Movimento Adventista natildeo eacute um movimento estatunidense mas que remonta aos tempos da Reformardquo (DELAFIELD 1957 p 288 HEINZ 1987 p 22) e buscou desenvolver uma identidade independente para o adventismo europeu A partir de 1925 ele co-meccedilou a visitar as principais bibliotecas europeias e americanas onde costumava pesquisar sem interrupccedilatildeo das 9 horas da manhatilde ateacute as 18 horas da tarde (GROB 1974 p 9 19 RANDOLPH 1940 p 8) Somente no Museu Britacircnico ele de-dicou seis meses dessa carregada rotina (RANDOLPH 1940 p 8) Enquanto explorava a Biblioteca de Nova Iorque disse ter encontrado a prova para alegar que as primeiras visotildees de Ellen G White foram intencionalmente deixadas de fora das ediccedilotildees posteriores o que justificava ainda mais suas duacutevidas com res-peito ao livro Early Writings (CONRADI 1932 HEINZ 1998 p 102)

Desligando-se definitivamenteEm 1930 por volta dos 75 anos de idade Conradi ainda alimentava

esperanccedilas de ser eleito presidente da Associaccedilatildeo Geral mas foi desapon-tado pela escolha do australiano C H Watson (ADVENTIST 1985 p 52) No veratildeo de 1931 um comitecirc se reuniu no Coleacutegio de Fridensau Alemanha para ouvir Conradi e tentar convencecirc-lo a abandonar as ideias de desarmonia

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com a Igreja Entretanto a reconciliaccedilatildeo natildeo foi possiacutevel Encolerizado em um dos momentos da reuniatildeo esbravejou ldquoEu lhes dei tudo eu lhes dei as instituiccedilotildees e as igrejas Vocecircs tecircm o dinheiro o diacutezimo e as ofertas Vocecircs tecircm tudo eu natildeo tenho nadardquo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 22) Posteriormente seguiu argumentando

De onde Tiago White retirou o seu material nos primeiros dias Dos Batistas do Seacutetimo Dia [hellip] Irmatildeos orem por mim assim como oro por vocecircs Se algueacutem quisesse harmonia eu seria essa pessoa [hellip] Eu acredito na vitoacuteria da mensagem mas isso natildeo significa que cada tijolo estaacute posto corretamente [hellip] Eu devo seguir o meu caminho Eacute algo estranho algo peculiar [hellip] Acredite em mim haacute Algueacutem que examina tudo e ante Quem eu devo prestar contas16

A Associaccedilatildeo Geral tentou novamente reconciliaccedilatildeo e em outubro do mesmo ano Conradi se dirigiu aos EUA agrave sessatildeo do Conciacutelio Outonal da Associaccedilatildeo Geral uma seleta comissatildeo de presidentes e professores de teo-logia17 onde se dispuseram a ouvir suas opiniotildees A comissatildeo natildeo aceitou sua posiccedilatildeo teoloacutegica mas propocircs que se ele parasse de atacar a Igreja publi-camente sua credencial poderia ser mantida normalmente (GROB 1974 p 9-10 HEINZ 1998 p 107-108)

Ainda em 1928 Conradi havia recebido um livro com a histoacuteria da Igreja Batista do Seacutetimo Dia Em novembro de 1931 um mecircs apoacutes o acordo de ldquonatildeo ataque a Igrejardquo entrou em contato com os lideres da denominaccedilatildeo Batista do Seacutetimo Dia nos EUA e apoacutes uma bem sucedida aproximaccedilatildeo foi-lhe con-cedida uma credencial Assim Conradi partiu novamente para a Alemanha desta vez sem relaccedilatildeo com os Adventistas do Seacutetimo Dia mas para lanccedilar as bases da Igreja Batista do Seacutetimo Dia em solo alematildeo Em 1939 ele jaacute havia organizado 27 igrejas reunido cerca de 500 membros dos quais a maior parte era anteriormente adventista (RANDOLPH 1940 p 9 FROOM 1971 p 678 GROB 1974 p 3 SCHWARZ 2009 p 621) A despeito destes nuacuteme-ros Daniel Heinz comenta que a lideranccedila de Conradi agrave frente dos batistas do

16 Pasta DF 96 Centro de pesquisas Ellen G White ndash Brasil17 Dentre a seleta lista de pessoas presentes se encontravam C H Watson presidente da Asso-ciaccedilatildeo Geral I H Evans W H Branson E Kotz M E Kern J L McElbany L H Christian H F Schuberth W A Spicer F M Wilcox J J Nethery A G Daniells M L Andreasen W Mueller W W Prescott R Ruumlhling W C White e G W Schubert (HEINZ 1998 p 107)

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seacutetimo dia foi um total fracasso se comparada com sua atuaccedilatildeo pioneira nos primeiros anos do adventismo (HEINZ 1987 p 24)

Conradi morreu em 1939 Um pouco antes da sua morte terminou de escre-ver The Founders of the Seventh-Day Adventist Denomination (CONRADI 1939) um pequeno livreto cheio de amarguras e rancores contra sua antiga denomina-ccedilatildeo atacando pessoalmente Joseacute Bates Guilherme Miller Tiago White Ellen G White e outros Seu filho um notaacutevel meacutedico continuou sendo adventista (DE-LAFIELD 1957 p 296) e destacou-se pela manutenccedilatildeo do sanatoacuterio de Zeh-lendorf Berlim durante a Segunda Guerra Mundial (CHRISTIAN 1947 p 24)

Em vista do ofensivo conteuacutedo que Conradi havia publicado antes de sua apostasia Le Roy Edwin Fromm foi impelido a escrever os quatro volumes da seacuterie The Profetic Faith of Our Fathers em reposta aos desafios lanccedilados por Conradi (FROOM 1971 p 259 SCHWARZ 2009 p 397) Conradi ldquofez muito para desenvolver a obra na Alemanha apenas para mais tarde se voltar abertamente contra elardquo (SCHWARZ 2009 p 186)

Como Conradi chegou agrave apostasiaA apostasia de Conradi natildeo foi simplesmente doutrinaacuteria Ao lado de

suas convicccedilotildees teoloacutegicas de amplo amparo acadecircmico pode-se facilmente identificar motivaccedilotildees pessoais contra Ellen G White e a lideranccedila da Igreja Conradi foi desde cedo atraiacutedo pelo lado abstrato e impessoal da verdade Para ele verdade se resumia primariamente a uma ldquoteoria ou postuladordquo sendo experimentada apenas em seu acircmbito seco e racional (FROMM 1971 p 259 e 679 GROB 1974 p 20-21) Natildeo havia espaccedilo para experiecircncias mais pessoais e profundas com Deus e ele passou a enterrar suas frustraccedilotildees individuais em baixo de teologia associada agrave erudiccedilatildeo

Eacute difiacutecil indicar algum momento na vida de Conradi em que ele aceitou seguramente Ellen G White como profetisa (GROB 1974 p 15 HEINZ 1987 p 10) Antes de seus problemas pessoais com o adulteacuterio a reaccedilatildeo dele para com ela foi indefinida e duacutebia Contudo a partir da discussatildeo sobre o ldquodiaacuteriordquo uma clara postura contra Ellen G White foi sendo assumida O contexto de sua conversatildeo em um ciacuterculo adventista afetado pelas criacuteticas de Snook e Brinkerhoff criou duacutevidas desde a primeira vez em que ele ouviu falar do casal White Sua ida para estudar em Battle Creek foi uma boa oportuni-dade para conhecer pessoalmente Tiago e Ellen G White e tirar suas proacuteprias conclusotildees Por outro lado seus questionamentos ao inveacutes de sanados com o tempo se tornaram ainda mais fortes Aleacutem dos fatores de ordem pessoal

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Conradi manteve sua convicccedilatildeo na inspiraccedilatildeo verbal em oposiccedilatildeo agrave maneira livre com a que Ellen G White trabalhava na composiccedilatildeo de seus escritos

ConsequecircnciasJohann Helmut Gerhardt avalia que Conradi foi para a Igreja na Eu-

ropa o que J H Kellogg significou para a Igreja nos EUA (GERHARDT 1977 p 3) Todavia em contraste com a apostasia de Kellogg as consequecircn-cias deixadas por Conradi foram bem mais duradouras e proporcionalmente mais catastroacuteficas Conradi apoacutes se separar do adventismo natildeo poupou es-forccedilos em atacaacute-lo (FROOM 1971 p 483) O pior natildeo foram os 500 mem-bros que ele reuniu na Igreja Batista do Seacutetimo Dia mas as ideias que ele difundiu dentro do adventismo e a heranccedila que ele deixou mesmo depois de abandonar suas fileiras Durante muitos anos Conradi natildeo promoveu suas ideias abertamente principalmente quando em contato com os liacutederes ame-ricanos ldquoEmbora na aparecircncia exterior tudo parecesse ir bem estavam em operaccedilatildeo influecircncias sutis que posteriormente afetariam de forma negativa a igreja na Europa durante muitos anosrdquo (SCHWARZ 1979 p 475)

Influecircncia pela paacutegina impressaEmbora fosse um bom orador sua influecircncia foi sentida principalmente

atraveacutes do que ele publicou (GROB 1974 p 19) Sendo um haacutebil e proliacutefi-co escritor sua erudiccedilatildeo e talento conferiram bastante peso a suas opiniotildees No total a circulaccedilatildeo dos livros e panfletos escritos por Conradi eacute estimada entre 12 agrave 15 milhotildees de unidades (HEINZ 1987 p 22 e 24) Apenas seu comentaacuterio sobre Daniel e Apocalipse foi reimpresso 40 vezes chegando agrave soma de 4 milhotildees de exemplares (GROB 1974 p 19)18 Segundo dados es-tatiacutesticos tardios de 1953 apenas 1232629 livros de Ellen G White haviam sido vendidos na Europa (GROB 1974 p 18) em contraste com os 12 agrave 15 milhotildees de Conradi A correlaccedilatildeo destes dados mostra que a divulgaccedilatildeo dos livros de Conradi superou em muito a difusatildeo dos escritos de Ellen G White ou qualquer outro autor denominacional No quadro americano vaacuterios liacutede-res expunham seus entendimentos teoloacutegicos Embora por vezes a livre ma-nifestaccedilatildeo de ideias provocasse acalorados debates ela impedia a prevalecircncia

18 Segundo Algusto Pages (1926 p 4) ateacute 1926 2485000 exemplares dos livros de Conradi haviam sido vendidos

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de opiniotildees precipitadas Em contraste no contexto europeu Conradi atuou praticamente sozinho sem ningueacutem para criticaacute-lo ou avaliar suas opiniotildees

A dependecircncia que a Europa adventista tinha da imprensa alematilde e o su-porte que ela dava agrave obra de colportagem atuante em vaacuterios paiacuteses resultou na vasta disseminaccedilatildeo das obras de Conradi por todo o territoacuterio europeu Por volta de 1898 ano em que Conradi passou a rejeitar Ellen G White de-finitivamente ateacute 1931 quando sua credencial adventista foi retirada com-preende-se um periacuteodo de 33 anos dos quais 22 correspondem ao apogeu de sua influecircncia administrativa como presidente da Divisatildeo Europeia Mesmo depois de 1922 quando Conradi deixou de ser presidente sua figura pa-triarcal continuou sendo respeitada e admirada pela comunidade adventista (GROB 1974 p 20)19 Foi a partir desse periacuteodo que ele encontrou mais tempo para escrever e desenvolver melhor o que pensava

Os fatores soacutecioculturaisConradi comeccedilou em 1898 a minimizar a importacircncia do Movimento

Milerita Americano e transferir a interpretaccedilatildeo do anuacutencio das trecircs mensagens angeacutelicas para Lutero enfatizando a Reforma Protestante Os europeus jaacute pa-reciam estar menos dispostos agrave mudanccedila espiritual promovida pelo adventis-mo em parte por causa de sua origem americana (SCHWARZ 2009 p 278-279) Conradi contribuiu para que essa barreira fosse fortalecida tanto no que diz respeito a Ellen G White quanto agrave aceitaccedilatildeo do adventismo como um todo

Pode-se pressupor que naturalmente devido aos fatores soacutecioculturais se encontrou oposiccedilatildeo aos escritos de Ellen G White na Europa por causa de sua origem estadunidense e por ser mulher Contudo nos primeiros anos da obra adventista europeia a Igreja natildeo encontrou tal predisposiccedilatildeo dentro do ciacuterculo iacutentimo de membros O proacuteprio Conradi fez algumas traduccedilotildees dos escritos dela para o alematildeo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 10) Em 1903 os adventistas alematildees organizaram uma campanha baseada na venda do receacutem lanccedilado livro dela Paraacutebolas de Jesus com a intenccedilatildeo de arrecadar fundos para a construccedilatildeo do coleacutegio de Fridensau (SCHWARZ 2009 p 212 e 276)20 Se nesse momento jaacute existissem predisposiccedilotildees natu-

19 Pode-se ver como exemplo de sua popularidade uma festa que foi organizada em Ham-burgo nas dependecircncias da Casa Publicadora para o seu aniversaacuterio de 70 anos com a presen-ccedila de 500 pessoas (PAGES 1926 p 4)20 A seguir se encontra uma carta em que Ellen G White comenta as doaccedilotildees que vinha fa-zendo para o campo europeu ldquoOntem a tarde apoacutes a conferecircncia eu apelei por uma contri-

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rais contra ela natildeo seria comercialmente estrateacutegico arrecadar fundos com a venda de um livro de autoria impopular

Conradi alegou que sua ruptura natildeo comeccedilou diretamente com a Igreja mas com a aceitaccedilatildeo do ministeacuterio profeacutetico de Ellen G White (CONRADI 1932) A partir de entatildeo ele passou a minimizar o trabalho e os escritos dela numa tentativa de ldquosalvarrdquo a Igreja de sua influecircncia A intenccedilatildeo de Conradi pode ter sido facilitada pelo crescente nacionalismo ocorrido nos anos seguin-tes da Alemanha nazista quando foi incutida a convicccedilatildeo de que a cultura alematilde apresentava um paradigma mais elevado e eficiente para todas as aacutere-as praacuteticas e filosoacuteficas da cultura Consequentemente criou-se uma repulsa por tudo o que era de origem estrangeira principalmente no que se referia ao acircmbito ideoloacutegico Conradi jaacute havia rivalizado em seus escritos a Igreja alematilde com a americana e soava antipatrioacutetico depender da Igreja nos EUA

Legalismo e enfraquecimento da identidade denominacional

Segundo Fredy Grob e J H Gerhardt um outro fator a ser destacado eacute o forte cunho legalista que Conradi imprimiu na formaccedilatildeo adventista europeia A mentalidade formada por Conradi nunca levou as pessoas a entenderem as dimensotildees espirituais do saacutebado da doutrina do santuaacuterio e das trecircs mensa-gens angeacutelicas Levando tudo a ser tratado apenas no seu acircmbito seco e racio-nal (GROB 1974 p 21-22 GERHARDT 1977 p 3) ldquoIsso tudo por causa de um homemrdquo questiona Grob ldquoEu estou seguro que ele teve muito a verrdquo (GORB 1974 p 21 traduccedilatildeo livre)

A experiecircncia individual dos liacutederes em Minneapolis resultou na recu-peraccedilatildeo de um adventismo doutrinariamente fragilizado onde quer que eles atuassem (SCHWARZ 2009 p 183-185) Em contraste a atitude insolente de Conradi em 1888 impediu que sua visatildeo administrativa se importasse com a justificaccedilatildeo pela feacute ou com a eliminaccedilatildeo do legalismo A esfera da Igreja

buiccedilatildeo para as missotildees estrageiras e aproximadamente 100 doacutelares foram levantados Isso seraacute enviado para o pastor [L R] Conradi Ele estaacute impulsionando o trabalho na Europa com todas as suas forccedilas e estaacute explorando novos campos Ele precisa de dinheiro Eu jaacute tenho dado agrave aqueles que estatildeo encarregados do trabalho na Europa permissatildeo para usar mil doacutelares dos di-reitos dos meus livros no pagamento de traduccedilotildeesrdquo (WHITE E G v 10 p 64 traduccedilatildeo livre)

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que esteve sob sua tutela natildeo passou pela reforma21 que naquele momento o adventismo tanto precisava

As criacuteticas de Conradi tambeacutem afetaram o senso de identidade denomi-nacional um dos assuntos mais cruciais e sensiacuteveis (ver KNIGHT 2006) para a sobrevivecircncia de qualquer movimento religioso Na sua opiniatildeo a experiecircn-cia milerita natildeo apontava para o surgimento de um remanescente responsaacutevel pela restauraccedilatildeo da Verdade e a pregaccedilatildeo das trecircs mensagens angeacutelicas Por fim ele concluiu assim como qualquer outro evangeacutelico que o santuaacuterio celestial nem sequer existia e que Cristo fez expiaccedilatildeo pelos pecados da humanidade logo que subiu ao Ceacuteu22 Essas e outras convicccedilotildees abalaram a consideraccedilatildeo denominacional pela Doutrina do Santuaacuterio eliminando as caracteriacutesticas distintivas do adventismo em relaccedilatildeo a outros grupos religiosos

Consideraccedilotildees finaisA eficiente administraccedilatildeo de Conradi foi durante muito tempo analisada

pelo vigor das instituiccedilotildees crescimento de membros arrecadaccedilatildeo de recursos e envio de missionaacuterios Em outras palavras Conradi foi avaliado apenas por nuacute-meros O futuro parecia ser glorioso mas com o decorrer dos anos os valores que deveriam mover a igreja foram invalidados pelo espiacuterito denominacional que Conradi modelou A qualificaccedilatildeo moral de Conradi e as motivaccedilotildees por detraacutes de suas decisotildees eacute que determinaram os reais resultados de sua influecircncia natildeo simplesmente como administrador mas tambeacutem como guia espiritual

Historiadores adventistas podem apenas imaginar o tremendo impacto ne-gativo que a influecircncia de Conradi produziu atraveacutes dos anos (WIDNER 1996 p 2) Entretanto seguramente pode-se delinear sua influecircncia no que diz respeito agrave Ellen G White e o enfraquecimento da identidade adventista Conradi plantou duacutevidas e questionamentos a respeito do ministeacuterio de Ellen G White que anula-ram a influecircncia dela sob pastores liacutederes e a comunidade leiga em geral

Um dos detalhes mais baacutesicos e determinantes para qualquer grupo re-ligioso eacute o que se escolhe como fonte de autoridade (ver KNIGHT 2006 p 59) ndash se a Biacuteblia a filosofia a tradiccedilatildeo etc ndash e as suas pressuposiccedilotildees herme-necircuticas para interpretaacute-la Eacute com base em tal elemento que a identidade o

21 Com respeito ao legalismo e a reforma que o Adventismo em meados de 1880 necessitava (ver KNIGHT 2003 p 85-87)22 Com respeito agraves convicccedilotildees pessoais de Conradi conferir sua declaraccedilatildeo em Fridensau peran-te os liacutederes da Igreja (Centro de pesquisas Ellen G White DF 96 ver tambeacutem RANDOLPH 1940 p 8 DELAFIELD 1957 p 288 e 294 FROOM 1971 679 GROB 1974 p 8-9 e 19)

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de L R Conradi

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propoacutesito e todas as demais noccedilotildees caracteriacutesticas de uma denominaccedilatildeo satildeo formadas Como consequecircncia da influecircncia negativa de Conradi sob o dom profeacutetico de Ellen G White criou-se dentro do adventismo uma fraccedilatildeo que natildeo compartilha da mesma base comum de interpretaccedilatildeo e autoridade Natildeo conservando assim um consenso comum de estilo de vida missatildeo e identi-dade No sermatildeo do monte Cristo disse que ldquopelos seus frutos os conhecereisrdquo (Mt 716) Muitos consideram essa prova a mais soacutelida e segura para se testar um profeta verdadeiro ndash natildeo por acaso esse teste foi proferido pelo proacuteprio Jesus Desafortunadamente tal garantia natildeo pode ser obtida de forma instan-tacircnea Eacute necessaacuterio esperar os anos para enxergar que espeacutecie de frutos a obra de um profeta produz Em geral os maus frutos nascem primeiro

Curiosamente a igreja que deu ouvidos a Ellen G White superou crises ndash tais como a de Kellogg por exemplo ndash e manteve a unidade conservando-se em constante desenvolvimento Infelizmente o mesmo otimismo natildeo pode ser mantido quando se observa os lugares que agrave rejeitou Seriam todas as di-ficuldades que a Igreja na Europa enfrenta hoje consequecircncias do legado de Conradi Certamente que natildeo Muitos outros fatores histoacutericos e sociocul-turais tambeacutem devem ser considerados Contudo a interferecircncia de Conradi enfraqueceu o senso de identidade e a aplicaccedilatildeo da orientaccedilatildeo divina para a Igreja nos dias de hoje Dois aspectos cruciais para superar os momentos difiacute-ceis de crise Agrave luz de sua expereecircncias sraacute bom relembrar o conselho biacuteblico

ldquoAquele pois que pensa estar em peacute veja que natildeo caiardquo (1Co 1012)

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Enviado dia 15052013Aceito dia 10062013

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica1

Macro-assumption and biblical hermeneutics

Reacutegerson Molitor da Silva2

ResumoAbstract

Este estudo tem como objetivo averiguar o princiacutepio macro hermenecircutico da (a)temporalidade e sua influecircncia sobre os outros niacuteveis de interpretaccedilatildeo (micro e meso) Para poder alcanccedilar o resultado esperado o autor lanccedilou

matildeo do trabalho de Martin Heidegger Ser e tempo A posiccedilatildeo heideggeriana parece se alinhar com o pensamento biacuteblico de um Deus temporal que atua na histoacuteria de forma corrente diferente da preacute-concepccedilatildeo dogmaacutetica da atualidade onde Deus eacute atemporal Portanto se faz possiacutevel uma avaliaccedilatildeo dos pressupostos hermenecircuticos em especial a macro pressuposiccedilatildeo para uma construccedilatildeo interpretativa da Biacuteblia Palavras-chave Hermenecircutica Pressuposiccedilotildees Metafiacutesica Atemporal

The objective of this study is to verify the macro hermeneutical principle of the temporality or timelessness and its influence over the other interpreta-tion levels (micro and medium) In order to fulfill this study the author used

the work of Martin Heidegger Being and Time The position of Heidegger seems to match the biblical thought of a temporal God who acts currently in History oppo-sing the dogmatic preconception of our days when God is seen as timeless Hence it is possible to evaluate the hermeneutical presuppositions specially the macro presuppositions for an interpretative construction of the BibleKeywords Hermeneutics Assumptions Metaphysics Timeless

1 Este artigo foi baseado no segundo capiacutetulo da dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoA eterna e ontoloacutegica geraccedilatildeo do Filho enunciada no Credo Niceno-Constantinopolitano um estudo de suas implicaccedilotildees para o cristianismo biacuteblicordquo apresentado pelo mesmo autor na sua conclusatildeo do curso em 20122 Poacutes-graduado em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) bacharel em Teologia pela mesma universidade e Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) E-mail molitor7hotmailcom

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Haacute certo desconforto quando teoacutelogos com resultados interpretati-vos opostos sobre um mesmo assunto dizerm usar os mesmos conceitos de Tota e Sola Scriptura Assim eacute natural o surgimento de algumas indaga-ccedilotildees qual eacute a razatildeo para essas contradiccedilotildees teoloacutegicas sendo que a Biacuteblia eacute a fonte dos dois estudos Qual o motivo das divergecircncias interpretativas Muitas respostas a estes ldquoporquecircsrdquo poderiam ser consideradas no entan-to uma em especial merece destaque as diferenccedilas pressuposicionais de cada exegeta Em outras palavras os paradigmas hermenecircuticos satildeo res-ponsaacuteveis pela orientaccedilatildeo do modelo interpretativo (CANALE 2011 p 252) Ou seja as interpretaccedilotildees claramente contraditoacuterias sobre um mes-mo tema ocorrem devido a pressuposiccedilotildees diametralmente opostas ado-tadas por cada interprete

A proposta deste artigo eacute analisar a base pressuposicional em seus vaacute-rios niacuteveis hermenecircuticos destacando em especial o niacutevel macro hermenecircu-tico de interpretaccedilatildeo Para tanto partiremos primeiramente na busca de uma definiccedilatildeo do que seria a hemenecircutica Para facilitar o estudo seraacute conside-rada a divisatildeo de Hans Kuumlng (1999 p 162-163) a qual delimita trecircs niacuteveis hermenecircuticos micro meso e macro hermenecircutico

Breve definiccedilatildeo de hermenecircuticaA palavra ldquohermenecircuticardquo proveacutem do verbo grego hermeneuein e signi-

fica ldquodeclarar anunciar interpretar esclarecer e por uacuteltimo traduzirrdquo (PA-COMIO 2003 p 335) De forma geral segundo Kaiser e Silva (2002 p 13) a hermenecircutica ldquoeacute a disciplina que lida com os princiacutepios de interpretaccedilatildeordquo ou seja ela torna aquilo que outrora era velado em algo compreensiacutevel

Deve-se destacar que a hermenecircutica eacute considerada tanto uma ciecircn-cia ldquoporque ela tem normas ou regras e essas podem ser classificadas num sistema ordenadordquo sendo considerada tambeacutem ldquouma arte porque a comu-nicaccedilatildeo eacute flexiacutevelrdquo (VIRKLER 2001 p 9) Isto eacute ela ldquoindica uma dupla operaccedilatildeo ad extra no sentido de exprimir comunicar um significado ad in-tra como exerciacutecio de interpretaccedilatildeo que patenteia aquilo que se compreenderdquo (PACOMIO 2003 p 334)

Em siacutentese a principal tarefa da hermenecircutica eacute a interpretaccedilatildeo dos textos e a busca pela correta comunicaccedilatildeo do seu significado Para que isso ocorra eacute preciso levar em conta a relaccedilatildeo triangular entre autor-texto-leitor Logo cada texto representa a objetivaccedilatildeo escrita de um autor com uma linguagem peculiar e com um contexto especiacutefico (PACOMIO 2003 p 335-336)

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Aleacutem da linguagem e de seu significado no contexto histoacuterico especiacutefico eacute preciso levar em consideraccedilatildeo na hora da interpretaccedilatildeo os frameworks3 Em ou-tros termos o nosso quadro de leitura do mundo preconcepccedilotildees que surgem do nosso proacuteprio contexto vital que iraacute de forma consciente ou inconscientemen-te condicionar a leitura Segundo Basevi (1986 p 159 traduccedilatildeo livre) ldquotoda compreensatildeo supotildee uma preacute-compreensatildeo que estaacute por sua vez submetida a condicionamentos externos do texto (a intertextualidade)rdquo4 Portanto ao que parece deve-se identificar tais frameworks e suas pressuposiccedilotildees hermenecircuticas natildeo num niacutevel exegeacutetico (micro hermenecircutico) mas num niacutevel que sobrepotildee o framework textual Em outras palavras eacute necessaacuterio compreender o quadro que

lsquoenquadrarsquo nossa estrutura de pensamento os arqueacutetipos hermenecircuticos Na sequecircncia seraacute ponderada a diferenccedila entre a micro meso e macro

moldura [frameworks] hermenecircutica Espera-se com isso que a razatildeo do distanciamento interpretativo fique mais clara ao se compreender os dife-rentes niacuteveis hermenecircuticos que orientam uma visatildeo de mundo A anaacutelise comeccedilaraacute com a micro hermenecircutica e avanccedilaraacute pela meso ateacute a macro pres-suposiccedilatildeo Esta uacuteltima receberaacute maior atenccedilatildeo por se tratar de um elemento pouco discutido entre os estudiosos

Micro hermenecircuticaSegundo Canale (2011 p 20) a micro hermenecircutica se refere agrave exe-

gese que se aplica ao texto Ela faz uma anaacutelise detalhada e cuidadosa com o intuito de trazer agrave lume o ensino do mesmo Gordon D Fee (1983 p 21 traduccedilatildeo livre) entende assim o conceito sobre exegese

O termo ldquoexegeserdquo eacute usado [hellip] em um sentido conscientemente limitado para se referir agrave investigaccedilatildeo histoacuterica do significado do texto biacuteblico A exegese portanto responde agrave questatildeo ldquoo que o autor biacuteblico quis dizerrdquo Ela tem a ver com o que ele disse (o con-teuacutedo em si mesmo) e por que ele disse aquilo naquele momento (o contexto literaacuterio) Ainda mais a exegese estaacute primariamente preocupada com a intencionalidade ldquoo que o autor pretendia que seus leitores originais compreendessemrdquo5

3 Framework sistema de referecircncia esquema estruturaarmaccedilatildeo arcabouccediloesqueleto (ou seja a parte de uma construccedilatildeo que se destina a resistir a cargas) contexto sistema modelo4 ldquoToda comprensioacuten supone una pre comprensioacuten que estaacute a su vez sometida a condicio-namientos externos al texto (es la intertextualidad)rdquo5 ldquoThe term lsquoexegesisrsquo is used [hellip] in a consciously limited sense to refer to the historical

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Apesar da citaccedilatildeo acima conferir resumidamente o conceito de exegese e suas preocupaccedilotildees como ciecircncia o problema hermenecircutico vai aleacutem da inter-pretaccedilatildeo do texto De acordo com Sarmento (2003 p 141-142) o inteacuterprete natildeo eacute um agente passivo dessa forma seria ingenuidade negar a influecircncia dos pressupostos externos conscientes e inconscientes que cada leitor possui ao entrar em contato com o texto biacuteblico Por mais que se tente manter uma abor-dagem neutra as preacute-concepccedilotildees afetam a hermenecircutica O caminho natildeo eacute ne-gar a existecircncia das pressuposiccedilotildees ou tentar suprimi-las existe uma possibili-dade muito maior de se entender a ideia original do autor se as preacute-concepccedilotildees forem consideradas de forma consciente Para isso eacute preciso deliberadamente identificaacute-las e entatildeo fazer uso das mesmas no processo exegeacutetico (SILVA 2000 p 9) No proacuteximo toacutepico seraacute apresentado um niacutevel intermediaacuterio entre micro e macro hermenecircuticas isto eacute a meso hermenecircutica

Meso hermenecircutica

Uma questatildeo [hellip] controvertida tem a ver com o relacionamento entre a teologia e a exegese [micro hermenecircutica] Enquanto que os estu-diosos biacuteblicos tendem a ignorar ou ateacute mesmo rejeitar o valor da te-ologia sistemaacutetica [meso hermenecircutica] para o seu trabalho de inter-pretaccedilatildeo pode-se argumentar que os comprometimentos teoloacutegicos afetam inevitavelmente o processo de exegese e que tal influecircncia eacute tanto essencial quanto desejaacutevel (SILVA 2000 p 1 grifo nosso)

A ldquomeso hermenecircutica trata da interpretaccedilatildeo de questotildees teoloacutegicas e portanto pertence agrave aacuterea de teologia sistemaacuteticardquo6 (CANALE 2001 p 21 traduccedilatildeo livre) Logo diferente da micro hermenecircutica que estaacute preocupa-da com o texto em si e o seu significado histoacuterico-gramatical7 a meso her-menecircutica tem um olhar mais amplo e se preocupa com a sistematizaccedilatildeo de

investigation into the meaning of the Biblical text Exegesis therefore answers the question What did the Biblical author mean It has to do both with what he said (the-content itself) and why he said it at any given point (the literary context) Furthermore exegesis is primarily concerned with intentionality What did the author intend his original readers to understandrdquo6 ldquoMeso hermeneutics deals with the interpretation of theological issues and therefore be-longs properly to the area of systematic theologyrdquo7 O autor desta pesquisa considera o meacutetodo lsquohistoacuterico gramaticalrsquo de interpretaccedilatildeo como a ferramenta mais fiel ao interpretar o texto biacuteblico Para uma maior compreensatildeo do assunto ver Gerhard F Hasel (sd)

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um determinado tema isto eacute a visatildeo geral de determinado assunto Todavia ainda existem por traacutes da meso e da micro hermenecircutica as preacute-concepccedilotildees macro hermenecircuticas que seratildeo delineadas logo a seguir

MacrohermenecircuticaSegundo Canale

Enquanto a micro hermenecircutica se refere agrave interpretaccedilatildeo textual e a meso hermenecircutica trata da questatildeo ou interpretaccedilatildeo doutrinaacute-ria a macro hermenecircutica lida com a interpretaccedilatildeo dos primeiros princiacutepios que operam dentro da doutrina e hermenecircutica textual A macro hermenecircutica estaacute relacionada com o estudo e o esclare-cimento de questotildees filosoacuteficas direta ou indiretamente relaciona-das agrave criacutetica e formulaccedilatildeo de princiacutepios de interpretaccedilatildeo heuriacutestica concreta (CANALE 2001 p 20-21 traduccedilatildeo livre)8

Em outras palavras a macro hermenecircutica condiciona a maneira pela qual os teoacutelogos entendem a ontologia Ela conduz a reflexotildees sobre o ser de Deus que por conseguinte orientaraacute o pesquisador agrave meso (formaccedilatildeo doutrinaacuteria) e agrave micro hermenecircutica (exegese do texto) Desse modo a me-tafiacutesica confere sustentaccedilatildeo ao pensar filosoacutefico nas suas diversas aacutereas do conhecimento Essa sustentaccedilatildeo da filosofia pela metafiacutesica pode ser ilustra-da segundo o filoacutesofo Reneacute Descartes (2009 p 13 traduccedilatildeo livre) ldquocomo uma aacutervore [filosoacutefica] cujas raiacutezes eacute a Metafiacutesica o tronco eacute a Fiacutesica e os galhos que saem deste tronco satildeo todas as outras ciecircnciasrdquo9 Aparentemente a citaccedilatildeo de Descartes se mostra completa pois vai desde da metafiacutesica ateacute a moral passando pela Fiacutesica

No entanto de acordo com o filoacutesofo alematildeo Martin Heidegger exis-te um aspecto inexplorado pelo filoacutesofo francecircs e natildeo soacute despercebido por ele mas por todos os outros filoacutesofos anteriores e posteriores O que Heide-gger destaca como negligenciado de Platatildeo a Nietzsche eacute o solo em que se

8 ldquoWhile micro hermeneutics refers to textual interpretation and meso hermeneutics to is-sue or doctrinal interpretation macro hermeneutics deals with the interpretation of the first principles from within which doctrinal and textual hermeneutics operate Macro hermeneu-tics is related to the study and clarification of philosophical issues directly or indirectly related to the criticism and formulation of concrete heuristic principles of interpretationrdquo9 ldquo[Thus all Philosophy is] like a tree of which Metaphysic is the root the Physic the trunk and all the other sciences the branches that grow out of this trunkrdquo

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encontram as raiacutezes (metafiacutesica) desta grande aacutervore (HEIDEGGER 1969 p 61) A hermenecircutica estaraacute condicionada pelo solo no qual a metafiacutesica se encontra fixada (macro pressuposiccedilotildees) oferecendo uma interpretaccedilatildeo dis-crepante do mesmo assunto em relaccedilatildeo a uma hermenecircutica cujo solo (ma-cro pressuposiccedilatildeo) seja diferente Portanto macro pressuposiccedilotildees diferentes geram interpretaccedilotildees desiguais Infelizmente a influecircncia ontoloacutegica (macro pressuposiccedilatildeo) eacute negada ou passa despercebida pela maioria dos interpretes

No proacuteximo toacutepico seraacute abordado com mais detalhes a proposta de Heidegger onde se questiona segundo o mesmo autor aquilo que nunca foi questionado desde Platatildeo ateacute o segundo milecircnio de nossa era (HEIDEGGER 2005a p 27-30) O objetivo dele ao entrar na problemaacutetica da hermenecircutica tem como ldquofinalidade ontoloacutegica de desenvolver a partir delas a preacute-estrutu-ra da compreensatildeordquo (GADAMER 1999 p 44) Essa pesquisa tem o interesse nas preacute-compreensotildees ontoloacutegicas que a metafiacutesica trabalha Neste trabalho isto seraacute chamado de ldquomacro hermenecircuticardquo ou ldquomacro pressuposiccedilotildeesrdquo

Metafiacutesica como macropressuposiccedilatildeoDevo alertar que a palavra metafiacutesica no pensamento de Heidegger teoacute-

rico de maior importacircncia neste ponto da pesquisa natildeo possui apenas um sen-tido Haacute pelo menos dois sentidos atribuiacutedos em suas discussotildees O primeiro se refere agrave metafiacutesica como algo negativo ldquouma fatalidaderdquo (HEIDEGGER 2002 p 67) Essa eacute a metafiacutesica contemporacircnea que ele critica pois eacute um en-trave ao conhecimento do verdadeiro ser O segundo sentido que Heidegger usa eacute aquele que vai aleacutem do ente do ocircntico (HEIDEGGER 1969 p 39) Em ou-tras palavras Heidegger busca o que estaacute aleacutem da metafiacutesica isto eacute ele busca o verdadeiro significado do ser Portanto eacute preciso desconstruir os pressupostos dogmaacuteticos usados por vaacuterias deacutecadas como fonte legiacutetima do conhecer Essa parte do pensamento eacute importante ao presente estudo pois todas as ciecircncias estatildeo em maior ou menor grau comprometidas com a macro pressuposiccedilatildeo Portanto partindo da criacutetica heideggeriana feita agrave macro pressuposiccedilatildeo claacutes-sica seraacute investigado o sentido macro hermenecircutico dominante e seus efeitos sobre o pensamento ocidental Esse seraacute o assunto explorado a seguir

Entendendo o paradigma metafiacutesicoO sentido etimoloacutegico da palavra metafiacutesica eacute meta (ldquoaleacutemrdquo) e tagrave

physikaacute (ldquoente naturalrdquo) isto eacute a metafiacutesica busca o que estaacute aleacutem do

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ente sua investigaccedilatildeo eacute o ser ontoloacutegico natildeo o ente (ocircntico) Pode-se dizer que ldquoo paradigma metafiacutesico eacute a histoacuteria de nossa permanecircncia ele natildeo eacute entretanto o iniacutecio do nosso pensarrdquo (MICHELAZZO 2010 p 30) ou seja existe uma archeacute antes da metafiacutesica atual e eacute exatamente isso que Heidegger busca

O grande problema apontado por Heidegger em relaccedilatildeo agrave metafiacutesi-ca dogmaacutetica que tem dominado o pensamento ocidental eacute que a mesma deixou de ir aleacutem do ente Para o mesmo autor os primeiros pensadores antes de Platatildeo entendiam a phyacutesis como o surgimento ou presenccedila ma-nifesta por isso a phyacutesis era vista como a unidade ordinaacuteria que congrega tanto aquilo que brota (movimento) quanto o que se reteacutem (permanece em repouso) Para eles natildeo havia separaccedilatildeo do real em dois grandes blocos em permanente oposiccedilatildeo denominados de temporal e atemporal

sensiacutevel e supra-sensiacutevel material e espiritual imanente e transcen-dente ou entatildeo conforme o dualismo moderno realista e idealista subjetivo e objetivo O fundo escuro da caverna e a claridade do sol na pradaria eram para eles formas ou manifestaccedilotildees de uma uacutenica realidade porque procediam de uma mesma fonte Natildeo havia moti-vo para duvidar da realidade (MICHELAZZO 2010 p 31)

Essa forma de pensar dualiacutestica para Heidegger eacute o grande problema da metafiacutesica desde os tempos de Platatildeo ele considera essa ldquointerpretaccedilatildeo ontologicamente inadequadardquo (HEIDEGGER 2005a p 97) Isso porque ela elimina o ser como ser (real no sentido total de phyacutesis) e passa a viver a imagem de um ente extramundano em outras palavras a realidade eacute apenas sombra de uma realidade superior e atemporal portanto o ser no sentido ocircntico coisificado estaacute longe do ser ontoloacutegico por mais que se tente al-canccedilar o ente supremo ainda deixaraacute a desejar por isso confere-se tanto va-lor agraves coisas (no sentido de ser isso ou aquilo) e o proacuteprio ser humano passa a ser um objeto em si (HEIDEGGER 2005a p 84) Para Heidegger essa visatildeo ontoloacutegica modela nossa visatildeo de mundo

No proacuteximo toacutepico seraacute analisada a chave para a compreensatildeo da ma-cro pressuposiccedilatildeo isto eacute ldquoo tempo eacute o ponto de partida do qual a presen-ccedila sempre compreende e interpreta implicitamente o serrdquo (HEIDEGGER 2005a p 45) Em outras palavras a forma como se entende o conceito de tempo moldaraacute a visatildeo ontoloacutegica e por conseguinte as possibilidades her-menecircuticas de interpretaccedilatildeo

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O tempo agrave luz da problemaacutetica da temporalidade

Segundo Heidegger (2005 p 46) o tempo funciona como criteacuterio on-toloacutegico ldquopara distinguir as regiotildees e modos do serrdquo por isso dependendo do conceito de tempo estabelecido a visatildeo do ser seraacute diferenciada isto eacute

ldquoa problemaacutetica central de toda a ontologia se funda e lanccedila suas raiacutezes no fenocircmeno do tempordquo (HEIDEGGER 2005a p 46) Basicamente existem duas formas (macro pressuposiccedilotildees) de entender a questatildeo do tempo todas as outras satildeo derivaccedilotildees de uma delas

A primeira maneira de conceber a natureza do tempo tem sua origem em Platatildeo (2011 p 119) que constitui o ldquotempordquo (kroacutenos) como a ldquoimagem moacutevel da eternidade [aioacuten] [hellip] uma imagem eterna que avanccedila de acordo com o nuacutemerordquo Partindo do dualismo entre mundo supra-sensiacutevel e mundo sensiacutevel Platatildeo assume o tempo como uma aparecircncia mutaacutevel e pereciacutevel de uma essecircncia imutaacutevel e impereciacutevel Enquanto o ldquotempordquo (kroacutenos) eacute a esfe-ra tangiacutevel moacutebil a ldquoeternidaderdquo (aioacuten) eacute a esfera intangiacutevel e imoacutevel Posto que o ldquotempordquo representa uma imagem ele natildeo passa de uma imitaccedilatildeo (miacute-mesis) da eternidade (aioacuten) Ou seja o tempo eacute uma coacutepia imperfeita de um modelo perfeito a eternidade

Essa parece ser a visatildeo que a grande parte dos teoacutelogos sustentam a respeito do tempo e por conseguinte da eternidade (ver HODGE 2001 p 189)10 Portanto esta primeira concepccedilatildeo de tempo concorda com uma separaccedilatildeo entre o mundo sensiacutevel lsquotemporalrsquo e supra-sensiacutevel lsquoatemporalrsquo A variaccedilatildeo dessa percepccedilatildeo se daacute nas diversas formas onde satildeo construiacutedas pontes para acessar ou natildeo11 o tόpυς ούρανου (HEIDEGGER 2005a p 46) Desde Platatildeo ateacute Nietzsche a macro pressuposiccedilatildeo dualiacutestica de tempo (temporal e atemporal) tem reinado como base do pensar filosoacutefico e teo-loacutegico orientando assim toda a estrutura hermenecircutica do conhecimento (MICHELAZZO 2010 p 35-66) O tempo ideal eacute algo que acontece fora do ser humano ou seja num mundo supra-sensiacutevel ou na percepccedilatildeo do mo-vimento da coisa (ente) vindo ao encontro no horizonte temporal

10 Hodge (2001 p 189) alega que ldquoa eternidade o presente sem mudanccedila sem princiacutepio e sem fim compreende o tempo inteiro e coexiste como um momento natildeo divididordquo11 Descarte eacute um exemplo de filoacutesofo que nega o mundo supra-sensiacutevel no entanto coloca no lugar do mesmo o lsquocogito ergo sumrsquo (ldquopenso logo existordquo) isto eacute continua com a mesma base dua-liacutestica (res cogitans e extensa) onde o referencial continua fora do ser (ver MICHELZZO 2010 p 60)

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A segunda forma de conceber o tempo pode ser conhecida em especial na filosofia de Heidegger Tal filosofia nega o conceito de tempo platocircnico (kroacutenos como uma imagem do aiacuteon) e apodera-se do conceito de tempo lsquonatu-ralrsquo de Aristoacuteteles que pela primeira vez conceituou a compreensatildeo vulgar do tempo a sua ldquointerpretaccedilatildeo do tempo movimenta-se sobretudo na direccedilatildeo da compreensatildeo ontoloacutegica lsquonaturalrsquordquo (HEIDEGGER 2005b p 233) Contu-do apesar de aceitar o conceito aristoteacutelico de tempo natural como movimen-to ele nega o referencial que o mesmo toma (NUNES 2000 p 188-192) Em outras palavras para Aristoacuteteles assim como para Platatildeo a referecircncia tempo-ral estaacute fora do sujeito no caso de Platatildeo ldquoacimardquo num mundo supra-sensiacutevel e em Aristoacuteteles (Fiacutesica 219b) no ldquodevirrdquo interpretando o tempo em funccedilatildeo do presente a intuiccedilatildeo de um agora ldquoo tempo eacute justamente isto nuacutemero do movimento segundo o anterior e o posteriorrdquo Portanto a visatildeo de tempo de Aristoacuteteles eacute dirigida ldquocomo [uma] sequecircncia de agoras que emergem e desa-parecem [onde] temos a imagem derivada da eternidade [aiacuteon] jaacute tecida por Platatildeordquo (BLASIO 2007 grifo nosso) Heidegger ao contraacuterio interpretou o tempo em termos de possibilidade ou de projeccedilatildeo o tempo eacute originariamente o ldquoporvirrdquo (Zu-kunft) o porvir do ente para si mesmo na manutenccedilatildeo da pos-sibilidade caracteriacutestica como tal (HEIDEGGER 2005b p 123)

ldquoPorvirrdquo natildeo significa aqui um agora que ainda-natildeo tendo se tor-nado ldquorealrdquo algum dia o seraacute Porvir significa o advento em que a presenccedila vem a si em seu poder-ser mais proacuteprio Eacute a antecipaccedilatildeo que torna a presenccedila [ser-aiacute] propriamente porvindoura de tal ma-neira que a proacutepria antecipaccedilatildeo soacute eacute possiacutevel na medida em que a presenccedila [ser-aiacute] enquanto ente sempre jaacute vem a si ou seja em seu ser eacute e estaacute por vir (HEIDEGGER 2005b p 119 grifo nosso)

ldquoEnquanto o futuro proacuteprio tem o caraacuteter de lsquoanteciparrsquo ou lsquoprecursarrsquo [Vorlaufen] o improacuteprio eacute um lsquoestar agrave esperarsquo [Gewaumlrtigen]rdquo (SEIBT 2010 p 255) Isto eacute no futuro no modo inapropriado o Dasein (ldquoser-aiacuterdquo) espera que o futuro faccedila algo dele (sujeito passivo diante do ente ativo ldquoo tempo passardquo) enquanto que no modo proacuteprio ele se resolve e antecipa nas possi-bilidades Para isso o Dasein faz uso do passado como um ldquoter-sidordquo que eacute condicionado pelo porvir porque assim como satildeo possibilidades autecircnticas aquelas que jaacute foram tambeacutem jaacute foram agraves possibilidades agraves quais o ser hu-mano pode autenticamente retornar e apropriar-se (HEIDEGGER 2005b p 122) Dessa forma o ldquoser-aiacuterdquo atraveacutes do porvir retoma o passado e com

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base na antecipaccedilatildeo constroacutei as possibilidades temporais Assim o tempo do mundo se encontra tanto no sujeito (Dasein) quanto no fiacutesico (movimen-to do ente que vem ao encontro no horizonte)

ldquoO tempordquo natildeo eacute e nunca estaacute simplesmente dado no ldquosujeitordquo nem no ldquoobjetordquo e nem tampouco ldquodentrordquo ou ldquoforardquo O tempo ldquoeacuterdquo

ldquoanteriorrdquo a toda subjetividade e objetividade porque constitui a proacute-pria possibilidade desse ldquoanteriorrdquo (HEIDEGGER 2005b p 231)

Ou seja para Heidegger o ldquoser-aiacuterdquo se destaca pois eacute o ser no mun-do que percebe os entes intramundanos E o ser soacute pode ser percebido na anguacutestia do natildeo ser isto eacute na morte e esta eacute certa para todo ser (terreno) Portanto partindo dessa certeza que estaacute no porvir que antecipa o agora que jaacute estaacute anteriormente mergulhado no passado do ser no mundo o tempo se temporaliza O tempo ao mesmo tempo que existe fora do ser humano no movimento dos entes tambeacutem eacute subjetivo pois parte do perceber de cada Dasein No momento em que o ser encontra a morte e passa a natildeo ser o tempo eacute interrompido (SEIBT 2010 p 264) (ver Ec 95)

O projetar-se ldquoem funccedilatildeo de si-mesmordquo fundado no porvir eacute um caraacuteter essencial da existencialidade [hellip] portanto o tempo do mundo pertence agrave temporalizaccedilatildeo da temporalidade entatildeo ele natildeo pode se evaporar ldquosubjetivisticamenterdquo e nem se ldquocoisificarrdquo numa ldquomaacute objetivaccedilatildeordquo (HEIDEGGER 2005b p 122 e 232)

Com efeito pode-se constatar que a interpretaccedilatildeo modal da temporalidade de Heidegger do Dasein potildee o conceito de existecircncia dentro de seus limites e repete do mesmo modo a questatildeo do tempo (como movimento) eliminando com base na possibilidade o modelo ldquoimortalista da filosofiardquo e com este o seu caraacuteter de ldquoinfinituderdquo e ldquopresentidaderdquo (HEIDEGGER 2005 p 236)

Em linhas gerais Heidegger ldquofez a distinccedilatildeo entre o tempo originaacuterio [na-turalproacuteprio] e finito regido pelo instante da antecipaccedilatildeo e o tempo vulgar e infinito [inapropriado] regido pela sucessatildeo ininterrupta de agorasrdquo (FERREI-RA 2003 p 12 grifo nosso) Diferente de Platatildeo e dos demais filoacutesofos Heide-gger vai aleacutem da metafiacutesica ele se debruccedila na anaacutelise do solo onde a metafiacutesica estaacute plantada ele vai ateacute agrave macro pressuposiccedilatildeo e traz um desvelamento onde todos satildeo chamados para refletir sobre as ditas ldquoverdadesrdquo que durante seacuteculos tecircm sido sustentadas como lsquoabsolutasrsquo sem se considerar onde estatildeo firmadas

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O que Heidegger propotildee eacute um processo de desconstruccedilatildeo do antigo paracircmetro macro estrutural e ao mesmo tempo a construccedilatildeo de um novo paradigma hermenecircutico Para a presente pesquisa tal questionamento eacute de grande valia pois a proposta da mesma eacute buscar uma abordagem que mantenha a Biacuteblia (Sola Scriptura) como o uacutenico referencial confiaacutevel na construccedilatildeo e na revisatildeo de doutrinas em todos os niacuteveis pressuposicionais Portanto como ponto de partida deve-se identificar qual a macro pressu-posiccedilatildeo que rege a estrutura de uma doutrina Para que isso ocorra pode-se comeccedilar com as seguintes perguntas a doutrina em estudo estaacute de acordo com a visatildeo metafiacutesica das Escrituras Ou estaacute seguindo uma macro pressu-posiccedilatildeo contraacuteria agrave revelaccedilatildeo escrituriacutestica Qual a visatildeo biacuteblica de tempo e eternidade Com essas indagaccedilotildees em pauta seraacute dado o proacuteximo passo nas consideraccedilotildees que se seguem

Noccedilatildeo de tempo e eternidade na Biacuteblia

Para continuar seraacute preciso responder uma importante questatildeo a teo-logia deve continuar interpretando e construindo o sistema doutrinal atraveacutes de uma perspectiva hermenecircutica atemporal (macro pressuposiccedilatildeo) provin-da da ontologia grega (platocircnica) Ou seria necessaacuterio partir de uma nova perspectiva temporal como por exemplo a apresentada por Heidegger e as-sim revisar ou reconstruir o corpo de crenccedilas cristatildes Para isso precisamos entender a visatildeo biacuteblica sobre ldquotempordquo e ldquoeternidaderdquo aleacutem de analisar se a mesma apoia a macro pressuposiccedilatildeo proposta por Heidegger ou se apresenta outra perspectiva temporal a ser adotada

A primeira situaccedilatildeo biacuteblica de destaque poacutes-queda onde o sobrenatural transpotildee e se faz presente no mundo natural eacute o momento poacutes-libertaccedilatildeo do cativeiro egiacutepcio Nessa ocasiatildeo Deus surpreendentemente confere uma ordem a Moiseacutes para construir um santuaacuterio onde possa habitar no meio do povo ldquoE me faratildeo um santuaacuterio para que eu habite no meio delesrdquo (Ecircx 258 itaacutelicos acrescentados) O verbo hebraico shakan ldquolsquohabitarrsquo significa ser um residente permanente numa comunidaderdquo (NICHOL 2011 v 1 p 685) De fato numa visatildeo claacutessica (platocircnica) esse texto seria interpretado como metafoacuterico contudo admitir tal meacutetodo de interpretaccedilatildeo significa trabalhar sobre uma base ilusoacuteria negando que a esfera sobrenatural se mostra perfeitamente compatiacutevel com a temporalidade e historicidade do

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mundo natural e impor ao texto biacuteblico uma realidade metafiacutesica ausente no mesmo (CANALE 2011 p 97)

Uma segunda situaccedilatildeo ocorre quando Ele (Deus) que ldquomora em luz inacessiacutevelrdquo (1Tm 616) encarnou como um semelhante a noacutes O apoacutestolo Joatildeo faz eco agrave passagem de Ecircxodo 258 quando escreve ldquoE o Verbo se fez carne e habitou entre noacutesrdquo (Jo 114 itaacutelicos acrescentados) Literalmen-te ldquoo Verbo lsquotabernaculoursquo entre noacutesrdquo ldquofez moradardquo ldquoarmou sua tendardquo O divino pertencente agrave esfera do sobrenatural (Jo 11-2) ldquose fez carnerdquo Logo o sobrenatural estaacute imerso no natural Na visatildeo claacutessica ldquoDeus e o mundo sobrenatural satildeo atemporais uma mudanccedila na natureza divina do Verbo da forma natildeo encarnada para a encarnada eacute impossiacutevelrdquo (CANA-LE 2011 p 98) Por conseguinte a encarnaccedilatildeo requer uma compreensatildeo histoacuterico-temporal onde o sobrenatural e o natural apesar de diferentes (natildeo opostos) se harmonizam

Seguindo a mesma ecircnfase em Apocalipse 213 na promessa de res-tauraccedilatildeo da Nova Terra aparece o sobrenatural habitando para sempre no mundo natural ldquoEis aqui o tabernaacuteculo de Deus com os homens pois com eles habitaraacute [do grego Skecircnecirc ndash ldquotenda tabernaacuteculo residecircnciardquo] e eles seratildeo o seu povo e o mesmo Deus estaraacute com eles e seraacute o seu Deusrdquo Portanto a promessa eacute que Deus habitaraacute com os homens no mundo tem-poral pela eternidade o proacuteprio trono de Deus a nova Jerusaleacutem desce do ldquoceacuteu adereccedilada como uma esposa ataviada para o seu maridordquo (Ap 212) Nesse sentido ldquoa Biacuteblia desconhece um Deus atemporal ou um ceacuteu sem acontecimentosrdquo (SHEDD PIERATT 2000 p 12) Segundo Canale (2011 p 97 itaacutelicos acrescentados) ldquoo ponto eacute que natildeo existe ne-nhuma razatildeo seja biacuteblica loacutegica ou filosoacutefica [hellip] [para] aceitar a noccedilatildeo atemporal da esfera sobrenaturalrdquo

Aleacutem das situaccedilotildees que negam a macro pressuposiccedilatildeo hermenecircutica de dois domiacutenios (temporal e atemporal) apresentadas acima tambeacutem eacute possiacutevel recorrer agrave anaacutelise da palavra hebraica lsquoolam (ldquoeternidaderdquo) que no Antigo Testamento ldquonatildeo designa a eternidade como atemporal isto eacute tem-po imutaacutevel nem como tempo ainda oculto no presente mas םלוש significa sobretudo o tempo mais distante e isso tanto em direccedilatildeo ao passado quanto em direccedilatildeo ao futurordquo (WOLFF 2007 p 148-149) Da mesma forma Os-car Cullmann (2003 p 83) assegura que no Novo Testamento a palavra grega aiocircn equivalente a lsquoolam tem o mesmo sentido ldquopara designar seja um espaccedilo de tempo delimitado com precisatildeo seja uma duraccedilatildeo ilimitada e incalculaacutevel que noacutes traduzimos por ldquoeternidaderdquordquo Em suma

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Segundo a Biacuteblia Deus estaacute consciente da ordem temporal e vi-talmente vinculado a ela O Deus eterno natildeo estaacute separado do mundo temporal e espacial Isso significa que o conceito biacuteblico de eternidade de Deus natildeo eacute idecircntico agrave atemporalidade platocircnica e agrave negaccedilatildeo do tempo ou o tempo como ldquoa sombra do eternordquo (GARRETT 2003 p 229-230 traduccedilatildeo livre)12

Segundo a visatildeo claacutessica do mundo natural e sobrenatural o que faz sepa-raccedilatildeo entre Deus e o ser humano eacute a natureza ontoloacutegica atemporal de Deus e por isso eacute impossiacutevel agrave presenccedila do sobrenatural no tempo espaccedilo Todavia ao averiguar o conceito biacuteblico do que de fato faz separaccedilatildeo entre Deus e a huma-nidade conclui-se que eacute o pecado e natildeo a natureza temporal versos atemporal que separam a humanidade da divindade ldquoMas as vossas iniquidades fazem se-paraccedilatildeo entre voacutes e o vosso Deus e os vossos pecados encobrem o seu rosto de voacutes para que natildeo vos ouccedilardquo (Is 592) Deus na histoacuteria do ser humano todavia a marca da lsquoausecircncia de Deusrsquo eacute por conta do pecado e natildeo por causa de sua natureza sobrenatural em oposiccedilatildeo agrave nossa natureza (CANALE 2011 p 100)

Consideraccedilotildees finaisPor fim entende-se que as pressuposiccedilotildees afetam de forma consciente ou

inconsciente a hermenecircutica e que dependendo do referencial tomado a in-terpretaccedilatildeo poderaacute ser diametralmente oposta Como foi dito acima existem dois tipos baacutesicos de macro pressuposiccedilatildeo a primeira adotada pela maioria dos teoacutelogos (de Platatildeo ao seacutec 19) assume que a visatildeo de mundo eacute dualiacutestica isto eacute o mundo sensiacutevel (temporal) eacute apenas a imagem do mundo supra-sensiacutevel que possui um tempo infinito (atemporal) regido pelo agora

Por outro lado em segundo lugar haacute de se considerar a proposta ino-vadora de Heidegger de desconstruir esta forma de pensar a partir do real isto eacute este mundo natildeo eacute uma sombra de um mundo superior e atemporal O tempo se temporaliza a partir do ldquoser-aiacuterdquo logo o tempo eacute finito assim como cada ser num mundo finito pois a temporalizaccedilatildeo se temporaliza na relaccedilatildeo do ser no mundo com os outros entes percebidos pelo Dasein

12 ldquoSeguacuten la Biblia Dios estaacute consciente del orden temporal e vitalmente vinculado a eacutel El Dios eterno no estaacute divorciado del mundo temporal y espacial Esto significa que el concepto biacuteblico de la eternidad de Dios no es ideacutentico a la intemporalidad platoacutenica y a la negacioacuten del tiempo o al tiempo como ldquola sombra de lo eternordquo

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Diante das duas perspectivas macro pressuposicionais apresentadas se existe a necessidade ter um resultado interpretativo de acordo com o prin-ciacutepio Sola Scriptura deve-se usar o conceito temporal de Deus pois estaacute de acordo com a revelaccedilatildeo Por outro lado a visatildeo platocircnica de um mundo sobrenatural atemporal natildeo deve ser aceita pois a mesma natildeo tem amparo biacuteblico Assim todo exegeta deve questionar suas preacute-concepccedilotildees a niacutevel micro (exegese) meso (doutrinaacuterio) e macro de pressuposiccedilotildees a fim de adotar a visatildeo biacuteblica de esfera sobrenatural histoacuterico-temporal Dessa ma-neira ele poderaacute argumentar a partir de alicerce adequado e assim obter uma interpretaccedilatildeo mais fidedigna ao texto biacuteblico

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Enviado dia 17012013Aceito dia 15042013

Estudo sobre a morte em Lucas 1619-31A study about death in Luke 1619-31

Adenilton T de Aguiar1 Diego Rafael da S Barros2

ResumoAbstract

Este artigo tem como objetivo verificar a plausibilidade da crenccedila na imortalidade inerente da alma a partir da leitura da paraacutebola do homem rico e Laacutezaro contidaem Lucas 16 Para tanto o cenaacuterio

histoacuterico eacute remontado a partir de uma leitura de textos judaicos e greco--romanos da eacutepoca e da anaacutelise linguiacutestico-cultural especificamente do termo hades utilizado em Lc 1623 Com base nos dados bibliograacuteficos que ampararam esta pesquisa conclui-se que autores deste seacuteculo e do seacuteculo passado concordam que natildeo pode ser extraiacuteda uma base doutrinaacuteria para a imortalidade inerente da alma a partir dessa narrativa nem sequer um endosso da mesmaPalavras-Chave Rico e Laacutezaro Paraacutebolas de Jesus Lucas 1619-31 Hades Imortalidade da alma

This paper aims to verify the plausibility of the soulrsquos inherent immor-tality belief based on the reading of the parable of the rich man and Lazarus in Luke 16 Thereunto the historic setting is remounted by a

reading of Jewish and Greco-Roman texts from that time and linguistic-cultural

1 Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Catoacutelica de Pernambuco professor de liacutenguas Biacuteblicas no SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adventista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste editor geral da Revista Hermenecircutica e do Ce-PLiB ndash Centro de Pesquisa de Literatura Biacuteblica Email adeniltonaguiargmailcom 2 Bacharelado em Teologia do SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adentista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste Email diegorafaelbarrosgmailcom

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analysis mainly focusing the term hades in Luke 1623 Based on the biblio-graphical data it is possible to conclude that the authors of this century and of the past century agree that itrsquos impossible to maintain the doctrine of the soulrsquos inherent immortality based on this narrativeKeywords Lazarus and the rich man Jesusrsquo parables Luke 1619-31 Hades Soul immortality

A assim chamada paraacutebola do Rico e Laacutezaro registrada em Lucas 16 tem sido largamente utilizada para defender a doutrina da imortalidade ine-rente da alma Os comentaristas que utilizam essa paraacutebola em busca de apoio para sustentar a crenccedila acima mencionada entendem que esta narra-tiva revela o aleacutem e demonstra o futuro poacutes-morte de iacutempios e justos

Apesar das discussotildees que envolvem esse relato3 curiosamente perce-be-se que haacute um esquecimento dessa paraacutebola dentro da erudiccedilatildeo uma vez que ela natildeo tem recebido tanta atenccedilatildeo dos estudiosos quanto outras paraacute-bolas de Jesus Kissinger (apud HOCK 1987 p 447) em seu livro Parables of Jesus a history of interpretation and Bibliography lista 123 estudos da paraacutebola do Bom Samaritano e 254 estudos da paraacutebola do Filho Proacutedigo em contra-partida a obra lista apenas 68 estudos da paraacutebola do Rico e Laacutezaro

A escassez de pesquisa sobre essa narrativa natildeo se justifica principal-mente quando se leva em conta o grau de discordacircncia entre comentaristas sobre as questotildees que giram em torno dela Seria esta paraacutebola um ensino claro de Jesus sobre a condiccedilatildeo da vida apoacutes a morte Se sim entatildeo haacute pos-sibilidade de diaacutelogo entre justos no paraiacuteso e iacutempios no inferno Se natildeo qual a mensagem da paraacutebola E qual eacute o propoacutesito de Jesus ao utilizaacute-la Estaria ela corroborando uma cosmovisatildeo dualista da natureza humana O presente estudo propotildee a responder a estas questotildees atraveacutes de uma pesquisa na literatura judaica e greco-romana aleacutem eacute claro do escrutiacutenio apurado do proacuteprio texto biacuteblico em questatildeo

3 Aleacutem das discussotildees sobre a questatildeo da imortalidade da alma as pesquisas mais recentes defendem que esta narrativa natildeo passa de uma interpolaccedilatildeo apoacutecrifa uma vez que natildeo eacute encon-trada em alguns dos manuscritos mais antigos Para detalhes sobre o assunto ver Cairus (2006)

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A mensagem e as paraacutebolas do evangelho de Lucas

O Evangelho de Lucas ldquopotildee Jesus em contato [hellip] com as necessida-des das pessoasrdquo (NICHOL 1995 p 650) e focaliza temas eacuteticos de seu kerygma Sem duacutevida um dos temas sobresselentes deste Evangelho eacute o comportamento adequado daquele que participa do reino de Deus Neste Evangelho mais do que nos demais o leitor eacute colocado diante de situa-ccedilotildees (reais e imaginaacuterias) que quebram os paradigmas e destroem os tabus da audiecircncia primaacuteria do Filho do Homem Especialmente nas paraacutebolas de Lucas pode-se contemplar como protagonistas personagens margi-nalizados no mundo judeu do seacuteculo I o bom samaritano (Lc 1025-37) o filho proacutedigo (Lc 1511-32) o cobrador de impostos (Lc 189-14) o mordomo infiel (Lc 161-13) dentre outros Estas figuras corroboram a hipoacutetese de Schottroff (2007 p 208) de que este evangelho apresenta uma anaacutelise social radical

Integrando este grupo de paraacutebolas inusitadas situa-se uma das narra-tivas de exemplo4 mais famosas a paraacutebola do homem rico e Laacutezaro Nesta narrativa apresentam-se choques profundos de valores tanto judaicos quan-to greco-romanos Embora a riqueza fosse considerada signo de favor divi-no em ambas as culturas esperava-se uma atitude diferente do homem rico principalmente tendo a lei de Moiseacutes e os escritos profeacuteticos como pano de fundo metanarrativo Em outras palavras ldquoo fato de o rico natildeo cuidar de Laacutezaro natildeo estava de acordo com o AT (1619-31) e com o ensinamento de Jesus (169)rdquo (KARRIS 2011 p 283)

Os temas da benevolecircncia para com os pobres e da armadilha das ri-quezas eram recorrentes tanto na cultura judaica5 quanto no mundo gre-co-romano No apoacutecrifo livro de Tobias 411 estaacute escrito ldquo[hellip] a entrega de esmolas livra da morte e vos guarda de serem lanccedilados nas trevasrdquo Ou-tros escritos judaicos primitivos alegavam que a riqueza eacute uma das trecircs re-des pelas quais Belial captura Israel (SNODGRASS 2010 p 549) Secircneca

4 As narrativas de exemplo satildeo inerentes ao Evangelho de Lucas e exclusivas dele (SCHNEL-LE 2010 p 663) Tais histoacuterias visam demonstrar o procedimento padratildeo do reino de Deus5 A Toraacute e os escritos profeacuteticos repetem por diversas vezes o tema do cuidado com os pobres oacuterfatildeos viuacutevas e estrangeiros como obrigaccedilatildeo moral religiosa e legal Ver por exemplo Ex 2220-26 236 11 Lv 1910 2322 Dt 1018-19 157 9 e 11 2414 Is 314 15 Jr 528 Ez 1649 22 29 Am 8 4 6

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ceacutelebre escritor e advogado do seacuteculo I em sua obra De Brevitae Vitae 137 escreveu ldquoAh como eacute grande a cegueira que a prosperidade excessiva pro-voca em nossas mentesrdquo

O capiacutetulo 16 de LucasPesquisadores contemporacircneos colocam a paraacutebola do Rico e Laacutezaro

no mesmo grupo das paraacutebolas do rico insensato (12 13-21) e do mordomo infiel (161-13) sugerindo que o foco dessa paraacutebola diz respeito agrave utilizaccedilatildeo adequada dos recursos materiais ndash tema enfatizado por Lucas (ver SNOD-GRASS 2010 p 547) Uma anaacutelise da estrutura de Lucas 16 onde se situa a paraacutebola em anaacutelise pode aprofundar essa compreensatildeo

O capiacutetulo 16 de Lucas pode ser dividido em quatro partes (v 1-8a v 8b-13 v 14-18 v 19-31) (ver KARRIS 2011 p 281) e inicia com a inusita-da paraacutebola do mordomo infiel No iniacutecio da narrativa natildeo eacute faacutecil identificar e compreender o que motiva Jesus a contar esta paraacutebola Contudo a partir do verso 13 fica claro que Jesus queria demonstrar que ldquoningueacutem pode servir a Deus e agraves riquezasrdquo Em seguida o verso 14 condena os fariseus os quais por assim dizer satildeo os antagonistas da paraacutebola dada a sua patente avareza em relaccedilatildeo aos pobres

Assim Jesus reprova os fariseus apontando para a Lei e os Profetas o que parece indicar que o tema de seu discurso possuiacutea raiacutezes veterotesta-mentaacuterias Na cena seguinte que mais se parece com uma suacutebita mudanccedila de assunto Jesus trata da questatildeo do divoacutercio Contudo natildeo haacute uma des-continuidade de temas ao contraacuterio Lucas estaacute associando a avareza aos pecados sexuais (KARRIS 2011) Tal comparaccedilatildeo eacute comum tanto no dis-curso biacuteblico (Ef 53-5) quanto na literatura judaica O apoacutecrifo Testamento de Judaacute em 182 afirma ldquoque a promiscuidade sexual e o amor ao dinhei-ro ndash dentre outras coisas ndash nos distanciam da lei de Deus cegam a nossa alma e impedem a pessoa de demonstrar misericoacuterdia para com o proacuteximordquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Portanto se natildeo haacute de fato uma descontinuidade de temas no capiacutetu-lo 16 de Lucas deve-se ver a paraacutebola do Rico e Laacutezaro como uma continu-accedilatildeo do conflito de Jesus com os fariseus acerca das riquezas (RICHARDS 2007 p 176) Diante disto parece razoaacutevel afirmar que esta paraacutebola discu-te questotildees sociais e natildeo escatoloacutegicas Todavia a fim de tornar claro esse ponto faz-se necessaacuterio um estudo mais aprofundado de alguns aspectos culturais e linguiacutesticos do texto

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Notas exegeacuteticas em Lucas 1619-31Uma premissa baacutesica para a interpretaccedilatildeo dessa narrativa eacute que deve-

mos compreendecirc-la como uma paraacutebola e natildeo como um relato literal Por mais que pareccedila redundante esta explicaccedilatildeo natildeo se pode negar a existecircncia de um grupo que defende a literalidade desta narrativa Esse grupo defende que uma leitura literal do texto indicaria a possibilidade de conceber o relato como um indicador do estado do homem na morte De forma geral poreacutem haacute um consenso de que esta narrativa deve ser compreendida como paraacutebo-la6 Por isso Snodgrass (2010 p 604) conclui

Quando prestamos atenccedilatildeo agravequilo que a paraacutebola ensina acerca da vida apoacutes a morte nas abordagens mais acadecircmicas percebemos uma precauccedilatildeo quanto agrave ideia de que esta paraacutebola tenha mesmo a intenccedilatildeo de descrever a vida poacutes-morte

Plummer (1896) eacute mais categoacuterico ao afirmar que nessa histoacuteria ateacute mesmo as condiccedilotildees corporais tais como dedo e liacutengua bem como as con-diccedilotildees sensoriais tais como sede e calor natildeo ultrapassam o campo da faacutebula e por isso natildeo devem ser vistas como aspectos literais

Natildeo obstante alguns comentaristas levantaram a hipoacutetese de que o fato de esta ser a uacutenica paraacutebola contada por Jesus que conteacutem um personagem que eacute explicitamente nomeado por exemplo Laacutezaro eacute um indiacutecio de lite-ralidade Um exame mais cuidadoso desse ponto no entanto pode levar as conclusotildees para outra direccedilatildeo Em hebraico o nome לעזר (Laacutezaro) eacute uma contraccedilatildeo de אלעזר (Eleazar) e significa ldquoDeus ajudardquo (BOCK 1996 p 1365) O nome eacute significativo e seu emprego indica que o mendigo eacute algueacutem que depende de Deus Poreacutem este fato natildeo deve ser usado como argumento para defender a literalidade da paraacutebola A propoacutesito o uso do nome Laacutezaro (Deus ajuda) assume um tom irocircnico na narrativa tendo em vista que apon-ta para o fato de que a uacutenica esperanccedila de ajuda para o homem pobre estaacute fundamentada em Deus embora conforme ficou claro no discurso de Jesus Ele esperasse que os ricos fossem ldquouma ajudardquo aos pobres

De fato a paraacutebola do Rico e Laacutezaro irrompe como uma continuaccedilatildeo da disputa de Jesus com os fariseus sobre as riquezas Sua afirmaccedilatildeo anterior

6 Esta leitura paraboacutelica fica mais evidente no Coacutedice Beza ldquoE lhes contou uma paraacutebolardquo (SNODGRASS 2010 p 1040)

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de que ldquoo que eacute elevado diante dos homens eacute abominaccedilatildeo diante de Deusrdquo (v 15) prepara a audiecircncia para uma inusitada demonstraccedilatildeo de quebra de paradigmas da mentalidade judaica

Para a audiecircncia de Jesus o homem rico era algueacutem abenccediloado por Deus uma vez que prosperidade significava naquela cultura favor divino Jaacute o mendigo que jazia agrave porta do homem abastado era visto como um mo-delo de algueacutem que certamente havia sido abandonado pelo Senhor de Israel Entretanto ainda que o homem rico gozasse do favor de Deus a eacutetica do AT exigia dele uma postura de cuidado com os pobres7

Durante muito tempo alegou-se que natildeo havia indiacutecios de falta moral por parte desse homem rico que o condenasse ao tormento descrito poste-riormente na paraacutebola Entretanto sua figura eacute construiacuteda a partir da ima-gem de um homem cheio de luxo e esbanjador Suas vestes demonstram o elevado grau de sua riqueza Barclay (2000 p 213) observa que puacuterpura e linho finiacutessimo eram o material utilizado na confecccedilatildeo dos trajes sacerdo-tais os quais chegavam a custar uma soma equivalente ao salaacuterio de vaacuterios anos de trabalho de um operaacuterio comum Ademais eacute dito que o rico ldquovivia todos os dias regalada e esplendidamenterdquo (AEC) A palavra grega euphrainō traduzida neste contexto como ldquoregalarrdquo eacute utilizada na literatura claacutessica geralmente como a alegria que eacute fruto da participaccedilatildeo de eventos tais quais um banquete (BEYREUTHER 2000 p 52) Em Lucas 1619 a palavra certamente ldquorefere-se ao comer beber e divertir-serdquo ou em outras palavras a ldquofolguedos entre amigos festeirosrdquo (BEYREUTHER 2000 p 53)

Outro detalhe que pode passar despercebido ao leitor comum diz respeito ao desejo de Laacutezaro de fartar-se das migalhas que caiacuteam da mesa daquele homem rico Ainda que o termo migalhas natildeo seja encontrado em muitos manuscritos8 haacute um acordo geral de que o alimento desejado por Laacutezaro natildeo se tratava de um simples farelo ou porccedilotildees que caiacuteam acidental-mente da mesa do rico Jeremias (1986 p 195) e Snodgrass (2010 p 597) atestam que a comida que caiacutea da mesa do rico tratava-se de pedaccedilos de patildeo que eram utilizados tanto para a limpeza dos pratos quanto para enxugar as matildeos e que em seguida eram atirados para debaixo da mesa Langner (2004 p 116) por sua vez comenta que tais pedaccedilos referem-se a sobras de comida que os convidados de banquetes natildeo comiam e por isso levavam

7 De acordo com a eacutetica do Antigo Testamento o cuidado com os pobres fazia parte das obrigaccedilotildees de um judeu piedoso ver por exemplo Dt 157 8 A leitura sugerida pode ser traduzida da seguinte forma ldquodesejava alimentar-se com o que caiacutea da mesa do ricordquo Ver aparato criacutetico do Novo Testamento grego (ALLAND et al 2009 p 236)

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consigo ou davam aos catildees De qualquer forma esta postura de desperdiacutecio em face da obrigaccedilatildeo legal de auxiacutelio ao necessitado torna o rico da paraacutebola culpado de indiferenccedila para com o mendigo

Apoacutes a morte de ambos a narrativa segue com uma inversatildeo irocircnica de papeis a qual deve ter causado surpresa em alguns da audiecircncia de Jesus

ldquoComo poderia um homem que goza do favor de Deus na terra ser amaldi-ccediloado na vida por virrdquo Ainda que parte da audiecircncia de Jesus se surpre-endesse com a possibilidade de um homem rico ser amaldiccediloado na vida vindoura isto natildeo deve ter afetado a todos Escritos judaicos do tempo de Jesus demonstram que a sabedoria popular jaacute advertia ricos de uma possiacutevel condenaccedilatildeo eterna

Sobre este assunto dois textos satildeo especialmente valiosos para enten-dermos a mentalidade daquela eacutepoca Exod Rab 315 trata da inversatildeo que ocorreraacute entre ricos e pobres no mundo por vir Neste mundo os iacutempios podem ser ricos e proacutesperos enquanto justos satildeo acometidos pela pobreza No mundo vindouro no entanto Deus abriraacute os tesouros do paraiacuteso para os justos e quanto aos ricos que exploraram homens justos estes comeratildeo da sua proacutepria carne Por sua vez 1ordm Enoque 1035-1046 menciona que os ricos pecadores que natildeo foram punidos em vida experimentaratildeo o mal a tribulaccedilatildeo as trevas e as chamas ardentes no Sheol

Vale destacar que a paraacutebola possui um paralelo na literatura judaica que pode ser encontrada no Talmude de Jerusaleacutem pelo menos nos trata-dos Sanhedrin 66 (23c) e Hagigah 22 (77d) e eacute resumidamente descrita por Richards (2007 p 175) da seguinte forma

Dois companheiros iacutempios morreram Um morreu penitente o outro natildeo Quando o homem no Gehinom viu a becircnccedilatildeo de seu amigo e foi informado de que era por causa da penitecircncia de seu amigo ele suplicou que pudesse ter a oportunidade de se arrepen-der tambeacutem A resposta veio na explicaccedilatildeo de que esta vida eacute a veacutespera do saacutebado

Jeremias (1986 p 184) defende que as raiacutezes desta histoacuteria remontam agrave faacutebula egiacutepcia da viagem de Si-Osiacuteris e de seu pai ao reino dos mortos Para ele judeus alexandrinos levaram o conto para a Palestina onde ela foi refor-mulada como a histoacuteria do pobre escriba e do rico publicano Bar Marsquoyan9

9 Para Jeremias (1986 p 184) Jesus utiliza-se deste conto judaico natildeo somente nesta paraacute-

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Ainda que diferente dessa narrativa paralela a paraacutebola de Jesus valendo-se do folclore judaico forma um pano de fundo cultural para seu ensinamento principal na periacutecope o perigo do amor agraves riquezas

Outro aspecto importante eacute o pedido do rico para que Laacutezaro voltasse dos mortos e advertisse seus irmatildeos com respeito ao destino deles (v 27-30) Este pedido encontra paralelos no apoacutecrifo judeu de Janes e Jambres 24afp que ldquorelata que a lsquosombrarsquo de Janes (sua existecircncia poacutes-morte) retornou do Hades para alertar Jambres sobre o fogo e sobre as trevas a fim de que ele passasse a fazer o bemrdquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Todavia em conexatildeo com a resposta dada aos fariseus nos v 16-17 onde Jesus faz sua primeira referecircncia agrave Lei e aos Profetas Abraatildeo evoca novamente a Escritura como revelaccedilatildeo suficiente para chamar os homens agrave crenccedila e ao comprometimento (v 29) Assim percebe-se novamente a co-nexatildeo de temas no capiacutetulo 16

O termo Hades em Lucas 1623Embora tenha o significado baacutesico de sepulcro (BIENTENHARD 2000

p 1022) o termo grego hades possui um significado diferente em Lc 1623 Tal significado eacute inerente agrave cultura da eacutepoca Richards (2007 p 1755) afirma que

Nos tempos do NT lsquoHadesrsquo (heb sheol) era um termo geral para o lugarestado dos mortos enquanto aguardavam o juiacutezo final A opiniatildeo popular defendia que os justos descansavam no Gan Eden enquanto os iacutempios poderiam ser vistos no Gehinom

Esse conceito pode ser visto especialmente no Discurso aos gregos sobre o Hades atribuiacutedo por um tempo a Josefo10 (1974 p 637 traduccedilatildeo livre)

Hades eacute uma regiatildeo subterracircnea onde a luz do mundo natildeo brilha [hellip] esta regiatildeo eacute destinada a ser um lugar de custoacutedia para as almas

bola mas tambeacutem na paraacutebola do banquete Isto demonstraria que Jesus tomava o imaginaacuterio popular e o inseria em suas paraacutebolas com um objetivo especiacutefico10 Os autores natildeo conhecem na atualidade algueacutem que atribua a autoria do Discurso aos gregos sobre o Hades a Josefo A maioria dos eruditos defende a ideia de que essa seja uma inserccedilatildeo cristatilde no texto todavia o texto eacute um exemplar autecircntico da mentalidade judaica e ainda que seu autor seja desconhecido pode-se perceber que o texto estaacute impregnado do pensamento judeu sobre o estado intermediaacuterio do homem no poacutes-vida

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em que anjos satildeo designados como seus guardiotildees os quais lhes atribuem puniccedilotildees temporaacuterias de acordo com o comportamento e maneiras de cada um

Na continuaccedilatildeo do texto o Hades eacute descrito como sendo dividido em duas partes o seio de Abraatildeo para onde vatildeo os justos e as trevas perpeacutetuas para onde os anjos arrastam os iacutempios Para os autores essas trevas natildeo satildeo o inferno em si mas a vizinhanccedila do inferno de modo que os iacutempios podem sentir o calor do castigo que lhes estaacute reservado depois do juiacutezo

Eacute importante perceber que o Discurso aos gregos sobre o Hades natildeo eacute um exemplar sem precedentes O pseudoepiacutegrafo de 1 Enoque (escrito cerca de 200 aC) em 221-14 relata que Enoque foi levado a um lugar com quatro cantos onde as almas aguardavam o Juiacutezo Laacute os justos eram separados dos pecadores por uma fonte de aacutegua e luz Richards (2007 p 175-176) acrescenta que

Natildeo soacute se pensava que o Hades era dividido em dois compartimentos mas a crenccedila popular ressaltava que era possiacutevel manter conversas entre as pessoas no Gan Eden e no Gehinom Escritos judaicos tambeacutem des-crevem o primeiro como uma terra verdejante com aacuteguas doces brotan-do de vaacuterias fontes enquanto que o Gehinom natildeo soacute eacute uma terra seca mas as aacuteguas do rio que o separam do Gan Eden retrocedem sempre que o iacutempio desesperadamente sedento se ajoelha e tenta beber

Ademais agrave luz de textos da tradiccedilatildeo judaica (como por exemplo 4 Es-dras 775-99 859 4 Macabeus 1317) percebe-se que os judeus dos tempos de Jesus imaginavam que parte do tormento dos iacutempios consistia no fato de eles poderem observar o galardatildeo dos fieacuteis Em contrapartida parte do descanso dos justos eacute que estes podem observar a perplexidade dos iacutempios em face de seu tormento Assim percebemos que esta paraacutebola reflete de diversas maneiras as opiniotildees judaicas contemporacircneas da vida apoacutes a morte

Contudo eacute oacutebvio que a audiecircncia primaacuteria do evangelho de Lucas natildeo era composta por judeus Haacute um consideraacutevel grau de acordo entre os eru-ditos de que o puacuteblico principal do evangelho de Lucas era composto de cristatildeos gentiacutelicos (ver CARSON 1997 p 131 PLUMMER 1986 p xxxiv) Portanto eacute inapropriado limitar a paraacutebola ao background judaico Gilmour (1999 p 33) observou similaridades desta narrativa com textos greco-roma-nos especialmente com a Odisseia de Homero Este natildeo eacute um fato de difiacutecil

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aceitaccedilatildeo uma vez que em Jerusaleacutem bem como no mundo greco-romano a educaccedilatildeo infantil tambeacutem era permeada pelo conhecimento da literatura grega (ver GILMOUR 1999 p 25)

O imaginaacuterio gentiacutelico sobre o estado do homem apoacutes a morte natildeo era muito diferente do pensamento judaico do seacuteculo I ndash talvez porque o judaiacutes-mo dos dias de Jesus havia passado por um processo de helenizaccedilatildeo mesmo em face da resistecircncia dos ortodoxos Podemos perceber essa semelhanccedila de pensamentos por exemplo no famoso claacutessico de Platatildeo A Repuacuteblica

A Repuacuteblica 10614B-616A fala de um soldado chamado de Er que foi morto mas depois de doze dias tornou a viver dizendo que havia sido enviado de volta a esta vida para falar agraves pessoas sobre o mundo do aleacutem Ele teria visto duas aberturas na terra e duas no ceacuteu entre as quais havia um corpo de juiacutezes sentados que enviavam os justos dire-tamente para a direita e para cima ao ceacuteu e os injustos para esquerda e para baixo para serem castigados embaixo da terra (Entretanto estes juiacutezos natildeo eram permanentes) (SNODGRASS 2010 p 593)

Portanto tendo em vista o significado de hades em Lucas 1623 propotildee--se que se a paraacutebola ensina algo sobre o estado do homem na morte tal es-tado eacute extremamente diferente do proposto pelos defensores da imortalidade inerente da alma Se esta paraacutebola apoia essa teoria deve-se ressaltar que o local para onde vatildeo os homens depois de sua morte eacute o ambiente descrito na paraacutebola um lugar onde justos e injustos satildeo separados apenas por um rio

Assim eacute razoaacutevel supor que o pano de fundo por traacutes da paraacutebola o qual nos oferece a base de como devemos interpretaacute-la eacute que Jesus toma emprestada a mentalidade folcloacuterica do judaiacutesmo rabiacutenico de sua eacutepoca a fim de impressionar sua audiecircncia quanto ao amor agrave riqueza e natildeo quanto ao estado do homem na morte Uma questatildeo que se levanta poreacutem diz res-peito a por que Jesus faria uso do folclore judeu para transmitir seus ensina-mentos Agindo assim ele natildeo estaria endossando o ponto de vista cultural Bacchiocchi (2007 p 168) afirma que natildeo defendendo que

Nesta paraacutebola Jesus fez uso de uma crenccedila popular natildeo para endossaacute-la mas para impressionar as mentes de seus ouvintes com uma importante liccedilatildeo espiritual Deve-se notar que na paraacutebola do mordomo infiel (Lc 161-12) Jesus emprega uma histoacuteria que natildeo representa com precisatildeo a verdade biacuteblica

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John Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) reconhece que a paraacutebola do rico e Laacutezaro natildeo demonstra o pensamento lucano nem muito menos o de Cristo a respeito da vida por vir Antes Jesus apenas emprega o imaginaacuterio popular para ressaltar a eacutetica do reino vindouro Assim ciente de que este imaginaacuterio natildeo passava de faacutebulas judaicas ele natildeo poderia endos-sar este conceito Portanto como esclarece Snodgrass (2010 p 607) tal pa-raacutebola ldquonatildeo tem o objetivo de apresentar um esquema ou mesmo detalhes precisos acerca do que ocorre depois da morterdquo

O fato de a paraacutebola do Rico e Laacutezaro estar situada ao lado de outra paraacutebola controversa por exemplo a do mordomo infiel tambeacutem nos mos-tra que Jesus usava conceitos do cotidiano (ainda que errocircneos) para atrair a atenccedilatildeo do povo para seus novos ensinos Por isso para Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) a melhor resposta para a pergunta ldquoO que esta passagem nos diz a respeito do estado intermediaacuterio eacute lsquoNadarsquordquo

Pode-se entatildeo concluir que apesar de os rabinos dividirem o estado poacutes-morte (Sheol) em um lugar para os justos e os maus11 eacute improvaacutevel que o quadro apresentado por Jesus na paraacutebola corresponda bem a esta ideia (ORR 1999) Jesus lida nesta estoacuteria natildeo com os temas do paraiacuteso e do ha-des mas com temas eacuteticos fundamentais de seu ensino Assim ldquoa mensagem de Jesus chama o povo a ouvir a exortaccedilatildeo de Deus para mostrar compaixatildeo com o pobrerdquo (BOCK 1997 p 71) Na atualidade pode parecer estranho que Jesus tenha utilizado uma narrativa puramente folcloacuterica em seu discur-so para apresentar verdades que nada tem a ver com o pano de fundo lendaacute-rio da paraacutebola Apesar de a paraacutebola estar no plano da crenccedila popular seu emprego justifica-se pelo fato de que tal imaginaacuterio seria familiar e inteligiacutevel para a audiecircncia (HASTINGS 2004 p 9) Precedentes vindos das paraacutebo-las anteriores demonstram como era do costume de Jesus falar a linguagem de Seus ouvintes para atingir sua compreensatildeo e seus coraccedilotildees

Consideraccedilotildees finaisEste artigo buscou demonstrar que a interpretaccedilatildeo da paraacutebola do Rico

e Laacutezaro deve levar em consideraccedilatildeo o emprego que Jesus fez do imaginaacuterio

11 Deve-se salientar que segundo Mathews (1909 p 6) natildeo haacute sequer clara evidecircncia de que os judeus nos dias de Jesus cressem num estado intermediaacuterio Ele defende que eacute inseguro ver na ex-pressatildeo seio de Abraatildeo uma referecircncia segura para tal crenccedila Tomando este fato em consideraccedilatildeo haacute ainda mais indiacutecios de que natildeo era objetivo de Jesus endossar a crenccedila neste estaacutegio poacutes-morte Apesar disso natildeo se pode anular a hipoacutetese de houvesse indiviacuteduos que a sustentassem

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judaico atribuindo-lhe poreacutem significados que transcenderam aos signifi-cados que lhe eram atribuiacutedos na eacutepoca Assim Jesus usa uma histoacuteria fami-liar repleta da cosmovisatildeo pagatilde acerca da vida apoacutes a morte poreacutem desmi-tificando seu conteuacutedo Desse modo ainda que isto natildeo esteja em primeiro plano a paraacutebola veicula uma criacutetica sutil agrave ideia equivocada da vida apoacutes a morte (GILMOUR 1999) De fato o grande tema da paraacutebola diz respeito ao uso responsaacutevel das becircnccedilatildeos materiais

Ademais no empreendimento de interpretaccedilatildeo dessa paraacutebola deve-se levar em consideraccedilatildeo o princiacutepio hermenecircutico theologia parabolica non est demonstrativa Conforme frisou Smith (1869 p 1038) eacute impossiacutevel embasar a prova de uma importante doutrina teoloacutegica em uma passagem que abunda em metaacuteforas judaicas Aleacutem disso visto que o diaacutelogo ocupa grande parte do espaccedilo da paraacutebola compreende-se que o conteuacutedo de tal diaacutelogo eacute mais importante do que o cenaacuterio no qual ele se desenrola Aqui Jesus direciona sim o seu foco para o mundo por vir todavia natildeo o apresenta em termos claros atraveacutes desta paraacutebola Assim parece que o objetivo principal da pa-raacutebola eacute ensinar que toda preparaccedilatildeo para o poacutes-morte deve ser feita em vida

Enfim eacute razoaacutevel supor que Jesus tenha utilizado o imaginaacuterio judai-co para prender a atenccedilatildeo de seu puacuteblico poreacutem o ensino da paraacutebola natildeo repousa na imortalidade inerente da alma senatildeo no amor ao dinheiro Des-tarte esta eacute uma histoacuteria fictiacutecia da vida apoacutes a morte que reflete e comenta a vida anterior agrave morte (SCHOTTROFF 2007 p 205) Portanto para usar as palavras de Smith (1869 p 1038) ldquose quisermos transformar retoacuterica em loacutegica [hellip] e construir um dogma em cada metaacutefora nossa crenccedila seraacute de caraacuteter vago e contraditoacuteriordquo

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Revista Kerygma

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SCHNELLE U Teologia do Novo Testamento Santo Andreacute Academia CristatildeSatildeo Paulo Paulus 2010

SCHOTTROFF L As paraacutebolas de Jesus uma nova hermenecircutica Satildeo Leopoldo Sinodal 2007

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SNODGRASS K Compreendendo todas as paraacutebolas de Jesus guia completo Rio de Janeiro Casa Publicadora das Assembleias de Deus 2010

SCHOTTROFF L As paraacutebolas de Jesus uma nova hermenecircutica Satildeo Leopoldo Sinodal 2007

Enviado dia 03052013Aceito dia 20062013

Os adventistas e a identidade da lei em gaacutelatas

SILVA P C Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

Leandro Quadros1

A superficialidade muitas vezes pode contribuir para que apologistas brasileiros apresentem uma imagem distorcida dos assuntos que anali-sam Isso natildeo eacute diferente quando o adventismo eacute o foco de suas criacuteticas

A abordagem de Paulo Cristiano da Silva pode ter sido viacutetima desse fenocircmeno quando apresenta suas consideraccedilotildees pessoais a respeito da teologia adventista da Lei Em seu artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo publicado pela revista Apologeacutetica Cristatilde o presbiacutetero da igreja Assembleia de Deus afirma que ldquofinalmente os adventistas estatildeo admitindo aquilo que sempre foi oacutebvio aos cristatildeos evangeacutelicos isto eacute a identidade da lei nos escritos paulinosrdquo (SILVA sd p 7) Silva parte do pressuposto de que os teoacutelogos adventistas atuais estatildeo apre-sentando uma nova teologia sobre o assunto e que a distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial ldquoserviu de aacutelibirdquo para os adventistas ldquoescaparem de textos claros que mostram a ab-rogaccedilatildeo de toda lei em 2 Coriacutentios 37-11 e Colossenses 214rdquo2

Ao que parece o autor desconhece como se deu o desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a Lei em Gaacutelatas Atraveacutes da leitura de algu-mas fontes primaacuterias ele natildeo teria se equivocado em sua anaacutelise chegando a conclusotildees bem diferentes das que apresentou na publicaccedilatildeo Assim na

1 Poacutes-graduado em jornalismo cientiacutefico e Mestrando em Teologia pela Universidade Ad-ventista del Plata na Argentina Eacute produtor e apresentador dos programas ldquoNa Mira da Verdaderdquo e ldquoLiccedilotildees da Biacutebliardquo na Rede Novo Tempo2 Uma abordagem biacuteblica contextual e teoloacutegica desses textos pode ser vista no Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia (DEDEREN 2011 p 312 530 531 563 e 564)

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presente resenha seraacute apresentada uma raacutepida consideraccedilatildeo a respeito do relacionamento dos adventistas com a Lei em Gaacutelatas para que o texto de Paulo Cristiano da Silva seja avaliado a partir de um contexto mais amplo

Origem da distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial

Atraveacutes da leitura do artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo o leitor entende que a distinccedilatildeo entre ldquolei moral e cerimonialrdquo pode ser considerada como um ldquoaacutelibirdquo adventista utilizado para se esquivar de textos a respeito da ldquoab-rogaccedilatildeo da leirdquo segundo o apoacutestolo Paulo Entretanto o livro Questotildees Sobre Doutrina (KNIGHT 2009 p 126) afirma que ldquoas principais confissotildees de feacute e os credos histoacutericos da cristandade reconhecem a diferenccedila e distinccedilatildeo entre a lei moral de Deus os Dez Mandamentos ou Decaacutelogo e os preceitos cerimoniaisrdquo A referida obra3 lista oito fontes histoacutericas que evi-denciam que tal distinccedilatildeo entre leis natildeo eacute uma invenccedilatildeo dos adventistas 1) a Segunda Confissatildeo Helveacutetica de 1566 da Igreja Reformada de Zurique que no capiacutetulo 12 intitulado ldquoDa Lei de Deusrdquo contrasta as leis moral e cerimonial 2) os Trinta e Nove Artigos de Religiatildeo da Igreja da Inglaterra de 1571 que no Artigo VII tambeacutem faz tal distinccedilatildeo 3) a Revisatildeo Americana dos Trinta e Nove Artigos da Igreja Protestante Episcopal de 1801 4) os Artigos Irlandeses de Re-ligiatildeo de 1615 5) a Confissatildeo de Feacute de Westminster de 1647 que inclusive foi citada na Biacuteblia Apologeacutetica de Estudos (p 1341) comercializada pela institui-ccedilatildeo de Paulo Cristiano faz parte (CACP) 6) a Declaraccedilatildeo de Savoia das Igrejas Congregacionais de 1658 7) a Confissatildeo Batista de 1688 (Filadeacutelfia) e 8) os Vinte e Cinco Artigos Metodistas de Religiatildeo de 1875 redigidos por Joatildeo Wesley onde tambeacutem se encontra a distinccedilatildeo entre leis moral e cerimonial

Citando Schaff o Questotildees Sobre Doutrina (2008 p 126) afirma

Embora a lei dada por Deus a Moiseacutes no que se refere a cerimocircnias e ritos natildeo obrigue os cristatildeos e nem os preceitos civis necessitem ser recebidos em qualquer comunidade Entretanto nenhum cris-tatildeo estaacute livre da obediecircncia aos mandamentos chamados morais

3 A ediccedilatildeo anotada George Knight atualiza algumas interpretaccedilotildees antigas dos adventistas especialmente no que diz respeito ao termo ldquoescrito de diacutevidardquo presente em Colossenses 214 Para maiores informaccedilotildees ler as notas das paacuteginas 124 e 125

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Entende-se dessa forma que a distinccedilatildeo entre lei moral e lei cerimo-nial natildeo representa uma invenccedilatildeo adventista mas parte da heranccedila evangeacute-lica que os pioneiros do adventismo trouxeram consigo4 Essa contudo natildeo representa as opiniatildeo de Paulo Cristiano da Silva do posicionamento do Centro Apologeacutetico Cristatildeo de Pesquisas (CACP) e da postura do Instituto Cristatildeo de Pesquisas (ICP) Atitudes como essas parecem estar em conflito com a crenccedila dos fundamentos do protestantismo a respeito da Lei de Deus Por outro lado mesmo sendo fontes histoacutericas importantes as confissotildees de feacute e credos natildeo se constituem a regra de feacute dos adventistas do seacutetimo dia que procuram se manter fieis ao princiacutepio de Sola Scriptura5

O desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a lei em Gaacutelatas

Se Paulo Cristiano da Silva estivesse familiarizado com algumas obras que tratam da histoacuteria do adventismo sua posiccedilatildeo certamente seria outra a respeito da compreensatildeo adventista da Lei em Gaacutelatas A leitura do li-vro A Mensagem de 1888 de George R Knight (2003 p 37) por exemplo auxiliaria na descoberta de que em 1854 J H Waggoner (pai de E J Wa-ggoner) publicou The Law of God An Examination of the Testimony of Both Testaments onde ldquoadotava o ponto de vista de que a lei em Gaacutelatas era os Dez Mandamentosrdquo de forma que o artigo do vice-presidente do CACP natildeo traria tantas novidades

A anaacutelise dessa obra levaria ao conhecimento de que entre 1884 e 1886 ldquoAlonzo T Jones (1850-1923) e Ellet J Waggoner (1855-1916) co-meccedilaram a ensinar que a epiacutestola [aos Gaacutelatas] tinha os Dez Mandamen-tos em foco e natildeo as leis cerimoniaisrdquo (KNIGHT 2003 p 37) Esses dois pioneiros foram assistentes de JH Waggoner na revista The Signs of

4 O Dicionaacuterio Vine publicado pela CPAD afirma que mesmo a distinccedilatildeo de leis natildeo sendo ldquofeita ou mesmo presumida na Escriturardquo ldquoa lei mosaica seja de fato divisiacutevel em cerimonial e em moralrdquo (VINE et al 2010 p 743) 5 Em 1850 Ellen G White (2009 p 78) cofundadora da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia es-creveu ldquoRecomendo-vos caro leitor a Palavra de Deus como regra de vossa feacute e praacutetica Por essa Palavra seremos julgados Nela Deus prometeu dar visotildees nos ldquouacuteltimos diasrdquo natildeo para uma nova regra de feacute mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade biacuteblica Assim tratou Deus com Pedro quando estava para enviaacute-lo a pregar aos gentios (Atos 10)rdquo

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the Times e ldquodecidiram exaltar em seus escritos o tema da justificaccedilatildeo pela feacute nos meacuteritos de Cristordquo (TIMM 1988 p 10)

Entre 8 de julho a 2 de setembro de 1866 E J Waggoner publicou na Signs uma seacuterie de nove artigos argumentando que Paulo na epiacutestola aos Gaacutelatas estava discutindo a lei moral No ano seguinte no mecircs de feverei-ro Waggoner concluiu uma resposta de 71 paacuteginas intitulada ldquoThe Gospel in the Book of Galatiansrdquo [O Evangelho no Livro de Gaacutelatas] reafirman-do claramente sua posiccedilatildeo contraacuteria agrave dos editores da Review and Herald Uriah Smith e George L Butler

A partir disso conclui-se que o tiacutetulo do artigo publicado pela revis-ta Apologeacutetica Cristatilde aleacutem muito limitado em questatildeo de informaccedilatildeo estaacute atrasado pelo menos 158 anos (1854-2012) A teologia adventista da lei jaacute estava sofrendo transformaccedilotildees significativas quando os adventistas desco-briram uma ldquoponterdquo entre a lei e o evangelho que havia sido construiacuteda pelo apoacutestolo Paulo6 Desse modo a afirmaccedilatildeo de Paulo Cristiano em seu artigo

ldquomais de um seacuteculo para que eles [os adventistas] admitissem esse erro her-menecircutico rdquo (SILVA sd p 7) parece insustentaacutevel Ainda mais quando se considera outra fonte primaacuteria Ellen G White

A leitura do capiacutetulo 31 do primeiro volume de Mensagens Escolhidas seria o suficiente para que Silva percebe-se que Ellen G White jaacute acreditava ser o termo ldquoleirdquo em Gaacutelatas uma referecircncia tanto agrave lei Moral quanto agrave lei cerimonial bem antes dos teoacutelogos Samuele Bacchiocchi (1995 p 9-11) e Wilson Paroschi (2012 p 18-20) citados por ele em seu artigo Ela escreveu em 1900 ldquoPerguntam-me acerca da lei em Gaacutelatas Que lei eacute o aio que nos deve levar a Cristo Respondo Tanto o coacutedigo cerimonial como o moral dos Dez Mandamentosrdquo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)

Ao comentar sobre Gaacutelatas 324 na paacutegina seguinte ela afirma

Nesta passagem o Espiacuterito Santo pelo apoacutestolo refere-se especial-mente agrave lei moral A lei nos revela o pecado levando-nos a sen-tir nossa necessidade de Cristo e a fugirmos para Ele em busca de perdatildeo e paz mediante o arrependimento para com Deus e a feacute em nosso Senhor Jesus Cristo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)7

6 Em Efeacutesios 28-10 ele coloca as obras natildeo como o evangelho da graccedila em si mas como fruto do evangelho na vida do crente convertido7 Mesmo que Wilson Paroschi (2012 p 18-20) inclua ambas as citaccedilotildees de Ellen G Whi-te em seu artigo Silva parece omitir isso em suas consideraccedilotildees tornando o seu texto um tanto quanto duvidoso

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Eacute inadequado abordar a compreensatildeo da lei em Gaacutelatas entre os adven-tistas sem contextualizar o leitor a respeito das discussotildees teoloacutegicas sobre o as-sunto realizadas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas dos Seacuteti-mo Dia (em Minneaacutepolis Minessota entre 17 de outubro e 4 de novembro de 1888) Paulo Cristiano da Silva poderia ter evitado um possiacutevel reducionismo histoacuterico se considerado o livro Portadores de Luz (SCHWARZ GREENLE-AF 2009 p 175-188) capiacutetulo 12 intitulado ldquoJustificaccedilatildeo pela feacute Minneaacutepo-lis e seus resultadosrdquo Nesse capiacutetulo demonstram-se um pouco das disputas teoloacutegicas entre Urias Smith e George I Butler de um lado defendendo a antiga posiccedilatildeo adventista sobre a identidade da lei em Gaacutelatas e EJ Waggoner e AT Jones de outro em defesa de um posicionamento mais exegeacutetico Se consultada essa fonte o leitor da revista Apologeacutetica Cristatilde natildeo seria privado da informaccedilatildeo completa sobre o assunto seria sabido que apesar das acirra-das disputas entre os pastores adventistas da eacutepoca posteriormente Smith e Butler reconheceriam seus equiacutevocos teoloacutegicos e equilibrariam a sua proacutepria teologia anteriormente enfatizando mais a Lei do que a graccedila de Cristo

O Dicionaacuterio Brasileiro de Teologia (BORTOLLETO 2008 p 18) publicado pela Associaccedilatildeo de Seminaacuterios Teoloacutegicos Evangeacutelicos (ASTE) em 2008 tambeacutem seria de grande importacircncia na pesquisa do redator do CACP Na referida obra aleacutem de obter uma visatildeo mais acertada acerca do adventismo seria conhecido que ldquoessa conferecircncia [de Mineaacutepolis jaacute em 1888] contribuiu para que o adventismo equilibrasse sua ecircnfase distintiva nos lsquomandamentos de Deusrsquo com o compromisso evangeacutelico relacionado agrave lsquofeacute em Jesusrsquo (Ap 1412)rdquo (TIMM 2008 p 18)

O adventismo natildeo eacute estaacutetico Alguns criacuteticos alegam que os adventistas fazem uso de um recurso bem

utilizado pelas seitas para ldquomascararrdquo os proacuteprios ldquoerrosrdquo Eles afirmam que qualquer mudanccedila na teologia evidencia ldquofalsidaderdquo e que portanto todo o sistema doutrinaacuterio do adventismo desenvolvido ao longo dos anos estaacute sob a ldquoareia movediccedilardquo Entretanto deve-se destacar que o adventismo desde os seus primoacuterdios possui um conceito dinacircmico da teologia

As ecircnfases teoloacutegicas podem mudar com o passar do tempo agrave medida que o Espiacuterito Santo traz agrave luz novas verdades biacuteblicas ou uma nova compre-ensatildeo das mesmas jaacute reveladas (ver Pv 418 Jo 1612) Assim o estudioso das Escrituras natildeo teraacute receios em reconhecer que precisa reformular os proacuteprios conceitos teoloacutegicos agrave medida que cresce em sua experiecircncia espiritual com

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Cristo Na obra Em Busca de Identidade (KNIGHT 2005 p 16-27 208-210) o autor esclarece que os pioneiros adventistas acreditavam na possibilidade de progredir no conhecimento da verdade biacuteblica Isso parece perceptiacutevel vis-to que depois de observar a mudanccedila dos adventistas em relaccedilatildeo ao horaacuterio correto de se observar o saacutebado Tiago White (1856 p 148-149) afirmou na Review and Herald que os adventistas ldquomudariam outros pontos de sua feacute caso tivessem uma boa razatildeo para fazecirc-lo com base nas Escriturasrdquo

Isso natildeo significa poreacutem que os teoacutelogos adventistas modernos sintam a necessidade de alterar a teologia adventista a respeito da perpetuidade da Lei moral apenas porque essa distinccedilatildeo talvez natildeo possa ser validada exe-geticamente Silva deve conhecer a diferenccedila entre hermenecircutica (exegese) e teologia Mesmo que ajustes exegeacuteticos sejam necessaacuterios tanto Wilson Pa-roschi quanto Samuele Bacchiocchi entre outros sustentam a mesma opi-niatildeo sobre a interpretaccedilatildeo adventista concernente agrave validade da Lei na Nova Alianccedila O que foi anulado pela morte de Cristo na cruz eacute a condenaccedilatildeo da Lei (ver Rm 79-11 2Co 37-9 Gl 322-25 Cl 214) e natildeo a Lei em si ou a necessidade de observaacute-la como uma expressatildeo da vontade e do imutaacutevel caraacuteter de Deus (ver Rm 615-22 74-6 12-14 83-4 Hb 88-12 Ap 1412)

Consideraccedilotildees finaisA presente resenha argumentou que o artigo de Paulo Cristiano da Silva

natildeo fez o devido uso de fontes baacutesicas para compreender o desenvolvimento dao pensamento adventista sobre a lei em Gaacutelatas Ao que parece o articu-lista foi parcial em sua pesquisa em natildeo considerar o que os pioneiros adven-tistas diziam sobre o assunto especialmente Ellen G White

Aleacutem disso Silva natildeo fez menccedilatildeo das discussotildees teoloacutegicas sobre a jus-tificaccedilatildeo pela feacute e a lei em Gaacutelatas feitas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas do Seacutetimo Dia em novembro de 1888 Uma anaacutelise desse evento na histoacuteria da Igreja eacute fundamental para que o pesquisador possa discutir acerca da compreensatildeo adventista da Lei na carta aos Gaacutelatas O articulista da revista Apologeacutetica Cristatilde citou dos artigos de Wilson Paroschi e Samuele Bacchiocchi8 mas desconsiderou o conteuacutedo dos artigos citados enfatizando apenas o que lhe parecia razoaacutevel Se o autor tivesse considerado

8 Tambeacutem foi mencionada a resposta de Ozeas C Moura na seccedilatildeo ldquoBoa Perguntardquo onde ele responde uma duacutevida referente ao texto de Colossenses 216 Ver Revista Adventista ja-neiro de 2009 paacuteginas 18 e 19

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em seu artigo a conclusatildeo de Bacchiocchi apoacutes sua exposiccedilatildeo a respeito da compreensatildeo paulina da Lei leria-se

O que Paulo ataca natildeo eacute o valor da lei como um guia para a conduta cristatilde [hellip] Paulo critica natildeo a moral mas a compreensatildeo soterio-loacutegica da lei isto eacute a lei vista como um documento de eleiccedilatildeo que inclui os judeus e exclui os gentios [hellip] A incapacidade de discernir nos escritos de Paulo entre seu uso moral e o uso soterioloacutegico da lei e a incapacidade de reconhecer que sua criacutetica da lei eacute dirigida natildeo aos cristatildeos judeus mas aos judaizantes gentios tem levado mui-tos concluir erroneamente (inclusive Paulo Silva) que Paulo era um antinomista que rejeitava a validade da lei como um todo Tal visatildeo eacute inteiramente injustificada porque como jaacute mostramos Paulo re-jeita a lei como um meacutetodo de salvaccedilatildeo mas a exalta como norma moral de conduta cristatilde (BACCHIOCCHI 1985 p 11)

Por fim Silva conclui de maneira equivocada seu artigo afirmando que os teoacutelogos adventistas acima tiveram ldquocoragem e acima de tudo honesti-dade em admitir um erro exegeacutetico perpetuado como tradiccedilatildeo por mais de um seacuteculo dentro dessa igrejardquo (SILVA sd p 7)

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Questotildees sobre doutrina o claacutessico mais polecircmico da histoacuteria do adventismo Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

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WHITE E Primeiros Escritos Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

Mensagens Escolhidas Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 1985 v 1

WHITE T The word Review and Herald v 7 n 19 1856

Enviado dia 15052013Aceito dia 26062013

Normas para publicaccedilatildeo

A revista Kerygma recebe trabalhos para os proacuteximos nuacutemeros em re-gime de fluxo contiacutenuo natildeo sendo necessaacuteria a abertura de chamadas es-peciais No entanto a periodicidade eacute semestral Para ser aceitos os textos devem observar rigorosamente as normas descritas abaixo

B A revista Kerygma tem como objetivo a divulgaccedilatildeo de trabalhos de pesquisa originais publicados em liacutengua portuguesa inglesa ou es-panhola relacionados agraves diversas temaacuteticas das aacutereas de Teologia e Ciecircncias da Religiatildeo

B O trabalho a ser submetido deve estar enquadrado em uma das se-guintes categorias

ndash Artigo cientiacutefico Dossiecirc Ensaio a publicaccedilatildeo se destina a divulgar re-sultados ineacuteditos de estudos e pesquisa compreendendo os seguintes itens tiacutetulo (em portuguecircs e inglecircs) nome(s) do(s) autor(es) [observaccedilatildeo a(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) devem ser registradas como notas de rodapeacute] resumo (com meacutedia de 900 toques ou 150 palavras) com a respectiva traduccedilatildeo para o inglecircs (abstract) e cinco palavras-chave em portu-guecircs e inglecircs introduccedilatildeo meacutetodo desenvolvimento e resultados (descriccedilatildeo e dis-cussatildeo) consideraccedilotildees finais e referecircncias bibliograacuteficas Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras incluindo figuras tabelas e lista de referecircncias

ndash Resenha de livros balanccedilo criacutetico de livros recentemente publicados (maacuteximo 4 anos) ou de obras consideradas claacutessicas nas aacutereas de estudo abor-dadas pela revista Deveraacute conter tiacutetulo do livro autor local de ediccedilatildeo editora e ano de publicaccedilatildeo (em formato ABNT) tiacutetulo para a resenha nome do(s) autor(es) da resenha sua(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras

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B O texto deve ser editado no programa Word configurado em pa-pel tamanho A4 (21 x 297 cm) fonte Arial corpo 12 espaccedilamento 15 e alinhamento justificado exceto as citaccedilotildees diretas com mais de 3 linhas (recuo) O tiacutetulo natildeo deve ultrapassar 12 palavras As margens devem ter a seguinte conformaccedilatildeo superior e direita 3cm inferior e esquerda 2cm

B O texto deve seguir o novo acordo ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa

B Caso haja imagens devem ser apresentadas em alta resoluccedilatildeo (300 dpi no formato jpg ou tif) e largura miacutenima de 10 cm (altura proporcional) Devem ser colocadas no corpo do texto e enviadas em arquivo separado

B As referecircncias bibliograacuteficas devem se basear nas normas da ABNT-NBR 60232002

B As citaccedilotildees podem ser diretas ou indiretas

ndash Citaccedilotildees indiretasSatildeo aquelas em que as ideias ou fatos apresentados pelo autor original

satildeo resumidos ou reapresentados com o cuidado de natildeo haver prejuiacutezo da exatidatildeo dessas informaccedilotildees Pode-se optar por escrever o sobrenome do autor dentro ou fora dos parecircntesis da referecircncia Se estiver fora dos parecircnte-sis ele deve vir em caixa baixa no corpo do texto seguido dos parecircntesis com o ano de publicaccedilatildeo da obra e nuacutemero da paacutegina No caso de o sobrenome vir dentro dos parecircntesis deve ser escrito todo em caixa alta seguido do ano de publicaccedilatildeo e nuacutemero da paacutegina Exemplos

a) Para um autor ldquoRodrigues (1998 p 25) observou [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES 1998 p 25)rdquo

b) Para dois autores ldquoRodrigues e Veiga (1999 p 39) pesquisando [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES VEIGA 1999 p 39)rdquo

c) Para trecircs ou mais autores o sobrenome do primeiro autor deve ser seguido da expressatildeo et al ldquoPradela et al (1998 p 129) constata-ram[hellip]rdquo ou ldquo(PRADELA et al 1998 p 129)rdquo

Normas para publicaccedilatildeo

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ndash Citaccedilotildees diretas literais ou textuaisAs referecircncias obedecem agraves mesmas especificaccedilotildees acima Se o texto direta-

mente citado contiver ateacute trecircs linhas deve ser incluiacutedo no proacuteprio corpo do texto entre aspas Exemplos Segundo a autora ldquoo estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jovens da referida pesquisa possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11) Ou De acordo com Ruth Derevecki (2011 p 11) ldquoo estudo mostra[hellip]rdquo

Por outro lado se o texto diretamente citado contiver mais de trecircs linhas deve aparecer em paraacutegrafo(s) destacado(s) do corpo do texto (com recuo na margem de 4 cm agrave esquerda corpo 11 em espaccedilamento simples entre linhas) Exemplo

Como Lima (2010 p 12) sustenta

Atualmente a gestatildeo tem se tornado participativa De acordo com a diretora do coleacutegio adventista de Hortolacircndia Eli Albuquerque muitas escolas ainda natildeo aderiram ao novo padratildeo poreacutem haacute mui-tas unidades que jaacute implantaram a administraccedilatildeo colegiada com-posta por professores equipe administrativa pais e alunos

B Utiliza-se a expressatildeo latina apud para citar um documento ao qual natildeo se teve acesso direto mas por intermeacutedio de uma citaccedilatildeo em outra obra Exemplo ldquoSegundo Esther Rodrigues apud Follis (2011 p 42)rdquo ou ldquoEs-ther Rodrigues afirma que o sol faz bem agrave pele (apud FOLLIS 2011 p 42)rdquo Atenccedilatildeo deve-se na medida do possiacutevel para garantir a exatidatildeo da informaccedilatildeo procurar usar citaccedilotildees diretas Ou seja deve-se procurar obter as informaccedilotildees das fontes originais sempre que estas estiverem disponiacuteveis deixando este recurso apenas para obras difiacuteceis de ser localizadas

B Em caso de coincidecircncia de datas de texto ou obra citadas distinguir com letras respeitando a ordem de entrada no artigo (1915a 1915b) Jaacute em casos de coincidecircncia de sobrenomes colocam-se os prenomes abre-viados apoacutes o sobrenome (FOLLIS R 2010 FOLLIS E 2014)

B Toda citaccedilatildeo provinda da Biacuteblia deve seguir a seguinte formataccedilatildeo fora dos parecircntesis deve vir por extenso (Ex Em Apocalipse 1232 2 Coriacutentios 318 diz que [hellip] dentro dos parecircntesis deve ser abreviada de acordo com o padratildeo de duas letras sem ponto da Biacuteblia Joatildeo Ferreira de Almeida revista e atualizada 2ordm ediccedilatildeo (Ap 1232 2Co 318) Natildeo se usa algarismos romanos

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B Toda citaccedilatildeo originaacuteria de fonte em liacutengua estrangeira deve ser traduzida no corpo do texto e referenciada da seguinte forma (ABREU 2009 p 12 tra-duccedilatildeo livre) A citaccedilatildeo na liacutengua original deve ser mantida em nota de rodapeacute

B A supressatildeo ldquo[hellip]rdquo e a interlocuccedilatildeo devem ser indicadas entre col-chetes Exemplo ldquoO estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jo-vens [hellip] possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11)

B As notas de rodapeacute devem ser usadas apenas para acrescentar infor-maccedilotildees relacionadas ao texto e importantes para o entendimento deste Natildeo confundir nota de rodapeacute com referecircncia bibliograacutefica que apare-ce soacute no final do trabalho

B Expressotildees estrangeiras ou tiacutetulos de obras devem figurar em itaacutelico Exemplos ldquoFelipe Carmo (2009 p 42) em seu livro Hipnose sustenta que croissaint natildeo pode ser utilizado como sujestatildeo hipnoacuteticardquo Certas palavras mesmo sendo de origem estrangeira jaacute satildeo de uso corrente nos textos em portuguecircs e portanto natildeo devem vir em itaacutelico Exem-plos internet mouse link site e-mail etc

B Os casos de destaque de partes do texto para ecircnfase devem ser evi-tados ou restringidos ao miacutenimo possiacutevel devendo aparecer em itaacutelico

ldquoFulano (2000 p 12) sustenta que ocorre reversatildeo se e somente se aque-las condiccedilotildees satildeo satisfeitasrdquo

B Capiacutetulos de livros e artigos de perioacutedicos quando citados no corpo do texto devem aparecer entre ldquoaspasrdquo e sem o uso de itaacutelico Exemplo Flavio Luiacutes (2011 p 12) em seu artigo ldquoComo cultivar um bigode agrave luz de Friedrich Nietzscherdquo afirma que [hellip]

B Citaccedilotildees referentes aos manuscritos e cartas de Ellen G White de-vem ser feitas no corpo do texto da seguinte maneira (Ellen G White Carta 16 1890) (Ellen G White Manuscrito 21 1846)

B Citaccedilotildees referentes aos pais da igreja devem ser acrescentadas ao corpo do texto corrido como por exemplo a obra de Josefo (Jewish Antiquities IX206 ndash 214)

Normas para publicaccedilatildeo

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 155-161 1ordm sem de 2013

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B Na lista de referecircncias bibliograacuteficas deveratildeo constar os nomes de todos os autores de um trabalho consultado As referecircncias seratildeo ordenadas al-fabeticamente pelo uacuteltimo sobrenome do autor seguido no miacutenimo da inicial maiuacutescula do primeiro nome Natildeo usar nomes por extenso na lista

a) Para livrosCARMO F Hipnose a arte da seduccedilatildeo Satildeo Paulo Editora Madras 2009

b) Capiacutetulo de livroFERCH A Autoria teologia e propoacutesito de Daniel In HOLBROOK F (Ed) Estudos sobre Daniel origem uni-dade e relevacircncia profeacutetica Engenheiro Coelho Unaspress 2009 (Seacuterie Santuaacuterio e Profecias Apocaliacutepticas 2)

c) Artigos de perioacutedicosBERTONI E Arte induacutestria cultural e educaccedilatildeo Cadernos cedes centro de estudos educaccedilatildeo e sociedade ndash Unicamp Ano 21 n 54 2001

d) Monografias dissertaccedilotildees e tesesFERREIRA L O processo da aprendizagem conflitos emocionais desvirtuamento e caminhos para a superaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Unasp Campus En-genheiro Coelho Engenheiro Coelho 1999

e) Publicaccedilotildees referentes a eventos publicados em anais ou similares (congressos reuniotildees seminaacuterios encontros etc)

LIMA P Caminhos da universidade rumo ao seacuteculo 21 es-tagnaccedilatildeo ou dialeacutetica da construccedilatildeo In 7ordm congresso anual de estudantes do cesulon (Centro de Estudos Superiores de Londrina PR) Londrina 25 a 20 de outubro de 1999

f) Informaccedilotildees verbaisPara informaccedilotildees obtidas por meio verbal (palestras debates entrevistas etc) deve-se indicar no texto corrido a expressatildeo

ldquoinformaccedilatildeo verbalrdquo entre parecircnteses mencionando-se os da-dos disponiacuteveis em nota de rodapeacute

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Exemplo ldquoA maioria dos que sustentam uma opiniatildeo sobre a alegaccedilatildeo das sugestotildees hipnoacuteticas atraveacutes de alimentos gordu-rosos normalmente fariam qualquer coisa por um croissaintrdquo (informaccedilatildeo verbal)1

No rodapeacute da paacutegina1 Comentaacuterio proferido por Felipe Carmo em palestra rea-lizada no Unasp-EC por ocasiatildeo do Simpoacutesio Universitaacuterio Adventista em setembro de 2011

g) Legislaccedilatildeo (constituiccedilatildeo emendas constitucionais textos legais infra-constitucionais)

SAtildeO PAULO (Estado) Decreto nordm 42822 de 20 de janeiro de 1998 Lex coletacircnea de legislaccedilatildeo e jurisprudecircncia Satildeo Paulo v 62 n3 p 217 ndash 220 1998

BRASIL Medida provisoacuteria nordm 1569-9 de 11 de fevereiro de 1997 Diaacuterio Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Po-der Executivo Brasiacutelia DF 14 dez 1997 Seccedilatildeo 1 p 29514

BRASIL Coacutedigo Civil 46 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

h) Referecircncias de sites Acrescentar no final da referecircncia ldquoDis-poniacutevel emrdquo endereccedilo eletrocircnico e a data de acesso ao documen-to precedida da expressatildeo ldquoAcesso emrdquo

SILVA I Pena de morte para o nascituro O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 set 1998 Disponiacutevel em ltwwwestadaocombr1212343htmgt Acesso em 19 set 1998

B Os textos devem ser submetidos unicamente por meio do site da re-vista Kerygma Os passos satildeo os seguintes

ndash Acessar httpwwwunaspedubractacientificandash Caso se trate do primeiro acesso preencher os dados pessoais no

item ldquocadastrordquo (lembre-se de assinalar a opccedilatildeo ldquoautorrdquo) Se jaacute tiver cadastro basta preenher nome e senha

ndash Para submeter trabalhos siga as demais instruccedilotildees do proacuteprio sistemaObs o autor deveraacute acompanhar o andamento do trabalho subme-

tido no proacuteprio sistema on-line

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B O tempo entre a submissatildeo aprovaccedilatildeo ou rerpovaccedilatildeo e a publi-caccedilatildeo do artigoresenha seraacute de cerca de 14 meses As informaccedilotildees sobre o status da submissatildeo se daraacute apenas via Sistema Eletrocircnico de Revistas (SEER) software para a construccedilatildeo e gestatildeo de publi-caccedilotildees perioacutedica traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informaccedilatildeo em Ciecircncia e Tecnologia (IBICT)

B A revista Kerygma estaacute sob a Licenccedila Creative Commons Attribution 30 o que indica natildeo existir lucro atrelado agrave publicaccedilatildeo e portanto natildeo havendo nenhuma obrigaccedilatildeo de remuneraccedilatildeo dos autores publica-dos Estes ao submeterem suas contribuiccedilotildees cedem agrave revista os direi-tos de publicaccedilatildeo nos formatos impresso e online

Permutas

Associaccedilatildeo Educacional Frei Nivaldo Liebel ndash Revista RethoacuterikaUSP de Ribeiratildeo Preto ndash ABOPCenter for Adventist Research James White Library ndash AUCentro Universitaacuterio Feevale ndash Revista Gestatildeo e DesenvolvimentoCentro Universitaacuterio Claretiano ndash Linguagem AcadecircmicaCentro Universitaacuterio de Barra Mansa ndash Revista CientiacuteficaCentro Universitaacuterio de Brusque (Unifebe) ndash Revista da UnifebeCentro Universitaacuterio de Franca (Uni-FACEF) ndash Facef pesquisaCentro Universitaacuterio de Patos de Minas (Unipam) ndash JurivoxRevista AlphaCentro Universitaacuterio do Espiacuterito Santo (Unesc) ndash Unesc em RevistaCentro Universitaacuterio La Salle (Unilasalle) ndash Revista de Educaccedilatildeo Ciecircncia e CulturaCentro Universitaacuterio Metodista (IPA) ndash Ciecircncia em MovimentoCentro Universitaacuterio Nove de Julho (Uninove) ndash Conscientiae-SauacutedeEccosCentro Universitaacuterio Salesiano de Satildeo Paulo (Unisal) ndash Revista Ciencia e TecnoloacutegiaCentro Universitaacuterio Univates ndash Caderno Pedagoacutegico Estudo amp DebateEscola Superior de teologia da IECLB ndash Estudos teoloacutegicosFaculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP) ndash Revista do curso de direitoFaculdade de Administraccedilatildeo Santa Cruz (FAFILFASC) ndash Revista de AdministraccedilatildeoFaculdade de Ciecircncias Administrativas e Contaacutebeis Santa Luacutecia ndash UniversitaFaculdades Integradas Adventistas de Minas gerais (Fadminas) ndash Revista SymposiumFundaccedilatildeo Educacional da Regiatildeo de Joinvile (Univille) ndash Revista da UnivilleFundaccedilatildeo Teacutecnico Educacional Souza Marques ndash Revista Souza MarquesFaculdade Teoloacutegica Batista de Satildeo Paulo ndash TeoloacutegicaFundaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande ndash MomentoPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute (PUC-PR) ndash Revista de Estudos da Comunicaccedilatildeo Revista Psicoloacutegica ArgumentoUniversidad Adventista Del Plata ndash Enfoques DavarlogosUniversidad Catoacutelica Argentina ndash Cultura EconoacutemicaUniversidade de Caxias do Sul (UCS) ndash ConjecturaUniversidade de Satildeo Paulo (USP) ndash Contabilidade amp FinanccedilasUniversidade de Sorocaba (Uniso) ndash Revista de Estudos UniversitariosUniversidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) ndash Linguagem em DisCurso

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Universidade Estadual de Londrina (UEL) ndash Boletim do Centro de LetrasUniversidade Estadual de Ponta Grossa ndash Olhar do Professor PublicatioUniversidade Estadual Paulista (Unesp) ndash Alimentos e NutriccedilatildeoUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ndash Varia histoacuteriaUniversidade Federal de Pelotas ndash Histoacuteria da EducaccedilatildeoUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ndash Caderno do Ensino da FiacutesicaUniversidade Federal de Santa Maria ndash Revista de Educaccedilatildeo EspecialUniversidade Norte do Paranaacute ndash (Unopar) ndash Unopar CientiacuteficaUniversidade Paranaense (Unipar) ndash AkroacutepolisUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missotildees ndash Revista PerspectUniversidade Santa Cecilia ndash Seleccedilatildeo DocumentalUniversidade Satildeo Judas Tadeu ndash Integraccedilatildeo

  • Expediente
  • Editorial
  • 1
  • 2
  • 8
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  • 5
  • 6
  • 7
  • Normas
Page 4: Centro Universitário Adventista de São Paulo

Editorial 7Rodrigo Follis

Artigos

O Espiacuterito Santo nas Epiacutestolas Paulinas 15Roberto Pereyra Suaacuterez

Os 144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja 35Mabio Coelho

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual de Lucas 2243-44 53

Luan Henrique Gomes Ribeiro Wilson Paroschi

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedica-social 67

Jorge Lucien Burlandy

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de L R Conradi 87

Renato Stencel Alex Voos

Sumaacuterio

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica 115Reacutegerson Molitor da Silva

Um estudo sobre a morte em Lucas 1619-31 131Adenilton T de Aguiar Diego Rafael da S Barros

Resenha

Os adventistas e a identidade da Lei em Gaacutelatas 147Leandro Quadros

Normas para publicaccedilatildeo 155

Permutas 163

bullEditorialbull

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo

Rodrigo Follis1

Muitas epistemologias teoloacutegicas aceitas na atualidade foram produzi-das na proacutepria modernidade ou se utilizaram dos recursos argumentativos inerentes a tal periacuteodo Assim eacute possiacutevel argumentar que ainda vivemos em grande parte uma religiosidade calcada em diversos pensamentos filosoacutefi-cos provindos da modernidade

Ao abordar o sentido do termo ldquomodernidaderdquo Pierre Sanchis (1997) afirma que ela seria ldquoa representaccedilatildeo ideal do indiviacuteduo portador de uma ra-zatildeo uacutenica de uma decisatildeo soberana que se exerce nos quadros de uma loacutegica universalrdquo Assim no auge da ciecircncia moderna se delimitava a atitude cien-tiacutefica agrave busca de conhecimentos de leis e princiacutepios que regessem a realidade Sendo que por realidade se entendia algo estaacutetico determinado mecacircnico e regulado por leis fixas (vemos tal realidade por exemplo na doutrina posi-tivista) Um conhecimento baseado na formulaccedilatildeo de leis tem como pres-suposto a noccedilatildeo de ordem e de estabilidade do mundo de que o passado se repete no futuro (SANTOS 1999 p 17 ver 2000)

Alguns autores chegam a afirmar que a exacerbaccedilatildeo de tal pensamento foi uma das causadoras da atual fragmentaccedilatildeo do modernismo Assim a desilusatildeo humana com as promessas da era da razatildeo e da ciecircncia teriam sido enormes Para exemplificar podem ser citadas a ldquourbanizaccedilatildeo extremamen-te desumanizante a monstruosa desigualdade social a induacutestria de morte de armas e das drogas a construccedilatildeo de campos de concentraccedilatildeo a confec-ccedilatildeo e explosatildeo das bombas atocircmicasrdquo (LIBAcircNIO 1998 p 62)

1 Doutorando em Ciecircncias da Religiatildeo e Mestre em Comunicaccedilatildeo Social pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo Editor-associado da revista Kerygma e professor no Centro Univer-sitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail rodrigofollisunaspedubr

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Afinal a ciecircncia [moderna] natildeo fornece as respostas que a maio-ria de noacutes exige Sua histoacuteria a respeito de nossas origens e nosso fim eacute no miacutenimo insatisfatoacuteria Para a pergunta ldquoComo tudo comeccedilourdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo Para a pergunta ldquoComo tudo terminaraacuterdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo E para muitas pessoas a vida acidental natildeo vale a pena ser vivida (POSTMAN 1994 p 168)

Por um lado a modernidade trouxe grandes avanccedilos ao tentar melho-rar o mundo a nossa volta atraveacutes de uma iluminaccedilatildeo e da busca racional por evidecircncias que dessem sentido a existecircncia humana E isso foi aceito como forma de afirmar ou mesmo combater a ortodoxia teoloacutegica Sobre isto Leonildo Campos (2008) aponta a tensatildeo entre ldquoa letra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo que ficou como marca principal de vaacuterios reaviva-mentos religiosos como o ldquosurgimento do pietismo alematildeo do avivalismo inglecircs e norte-americano e no iniacutecio do seacuteculo XX da explosatildeo do Pente-costalismordquo Assim ele nos lembra das tensotildees jaacute apontadas por Mendonccedila (2008 p 78) quando afirma a existecircncia de conflitos ligados de um lado a uma racionalidade defendida por grupos mais ortodoxos e de outro a um misticismo emocional provindo de diversos novos grupos

Natildeo parece metodologicamente coerente esquecer de que cada vez mais a sociedade se abre para uma religiatildeo e uma vida regida pela loacutegica da emoccedilatildeo e do entretenimento e que isso tem relaccedilatildeo direta na construccedilatildeo de muitas das teologias contemporacircneas (ver BERGER ZIJDERVELD 2012) Entretan-to parece ser preciso reafirmar que dependemos de vaacuterios preceitos da ciecircncia modernista ou seja da suposta ldquoletra que matardquo Ela ainda perpassa todas as produccedilotildees ditas acadecircmicas encontradas natildeo apenas na presente ediccedilatildeo da re-vista Kerygma mas em todo o fazer da ciecircncia Afinal toda discussatildeo provinda da academia sempre se relaciona agraves ldquoletrasrdquo teoacutericas que objetivam encontrar as ldquoleis fixasrdquo que esclareceratildeo nossa realidade e sociedade

Sem sombra de duacutevidas a presente ediccedilatildeo da Kerygma faz parte dessa realidade Ao se buscar que padratildeo pode ser encontrado nas cartas paulinas acerca do uso da palavra grega Pneuma estamos fazendo ciecircncia ao estilo modernista Na discussatildeo epistemoloacutegica para se entender corretamente os meios de interpretaccedilatildeo biacuteblica estamos em uma discussatildeo calcada tambeacutem no modernismo e em sua forma de ver e estudar o mundo E isso ocorreraacute em todos os demais artigos seja na relaccedilatildeo sobre os 144 mil de Apocalipse no entendimento dos textos biacuteblicos de Lucas na relaccedilatildeo histoacuterica acerca da

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 7-11 1ordm sem de 2013

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apostasia do pastor adventista Conrad no uso da disciplina eclesial ou na re-senha de um artigo apologeacutetico Todas essas discussotildees podem ter seus dis-tanciamentos do modernismo mas paradoxalmente o fazem estando dentro desse processo cientiacutefico

Baseado nisso alguns acusam a Teologia como sendo a personificaccedilatildeo da ldquoletra que matardquo e portanto seria preciso evitaacute-la na busca por uma ver-dadeira comunhatildeo com a divindade Entretanto isso natildeo nos parece coerente Natildeo estamos aqui para condenar a ciecircncia moderna nem o seu meacutetodo racio-nalista mesmo agrave luz das diversas consequecircncias ruins ou no miacutenimo esteacutereis produzidas em seu nome Tambeacutem natildeo acreditamos que recusar ou abraccedilar cegamente um reavivamento emocionalista venha a ser a melhor soluccedilatildeo Como contraponto parece interessante a proposta acerca do ldquolsquopensamento liminarrsquo como defendida por Mignolo (2003) Esse tipo de pensamento ser-viria para ldquoobter ou recuperar o direito de serrdquo Ou seja seria

uma maneira de pensar que natildeo seja inspirada em suas proacuteprias limi-taccedilotildees e que natildeo pretenda dominar e humilhar uma maneira de pen-sar que seja universalmente marginal fragmentaacuteria e aberta e como tal uma maneira de pensar que por ser universalmente marginal e fragmentaacuteria natildeo seja etnocida (MIGNOLO 2003 p 235)

Dadas essas consideraccedilotildees eacute coerente acreditar na busca por uma Teo-logia que una o melhor desses dois mundos o da letra e o do espiacuterito Cons-truindo assim uma tensatildeo hegemocircnica paradoxal ao mesmo tempo em que busca utilizar um meacutetodo loacutegico-racionalista como forma de interpretar a realidade e a histoacuteria tambeacutem nos coloca abertos a um aceite emocional e mais humano de tal realidade sendo este o objetivo de toda a produccedilatildeo cientiacutefica (FOLLIS 2012) Com isso nosso objetivo deixa de ser encontrar uma mera resposta e passa a ser o de mudar e melhorar vidas humanas Ellen G White (2007 p 309) ilustra como poderia ser essa uniatildeo Torcermos para que tal pensamento seja um guia para a construccedilatildeo teoloacutegica que continua-remos a produzir na academia

O maior dos enganos do espiacuterito humano nos dias de Cristo era que um mero assentimento agrave verdade constituiacutesse justiccedila Em toda experiecircncia humana o conhecimento teoacuterico da verdade se tem demonstrado insuficiente para a salvaccedilatildeo da alma Natildeo produz os frutos de justiccedila Uma cuidadosa consideraccedilatildeo pelo

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

que eacute classificado verdade teoloacutegica acompanha frequentemente o oacutedio pela verdade genuiacutena segundo se manifesta na vida Os mais tristes capiacutetulos da Histoacuteria acham-se repletos do registro de crimes cometidos por fanaacuteticos adeptos de religiotildees Os fariseus pretendiam ser filhos de Abraatildeo e vangloriavam-se de possuir os oraacuteculos de Deus todavia essas vantagens natildeo os preservavam do egoiacutesmo da malignidade da ganacircncia e da mais baixa hipocrisia Julgavam-se os maiores religiosos do mundo mas sua chamada ortodoxia os levou a crucificar o Senhor da gloacuteria O mesmo peri-go existe ainda Muitos se tecircm na conta de cristatildeos simplesmente porque concordam com certos dogmas teoloacutegicos Natildeo introdu-ziram poreacutem a verdade na vida praacutetica Natildeo creram nela nem a amaram natildeo receberam portanto o poder e a graccedila que advecircm mediante a santificaccedilatildeo da verdade

Referecircncias

BERGER P ZIJDERVELD A Em favor da duacutevida como ter convicccedilotildees sem se tornar um fanaacutetico Satildeo Paulo Elsevier 2012

CAMPOS L S Evangeacutelicos e Miacutedia no Brasil ndash Uma Histoacuteria de Acertos e Desacertosrdquo Rever - Revista de Estudos da Religiatildeo nordm 3 1-26 2008 Disponiacutevel em httpwwwpucspbrreverrv3_2008t_campospdf Acesso em 25122012

FOLLIS R Teologia e Marxismo em busca de pontes de esperanccedila Kerygma Engenheiro Coelho SP v 8 n 2 p 7-9 2o sem de 2012

LIBAcircNIO J B O sagrado na poacutes-modernidade In CALIMAN C (org) A seduccedilatildeo do sagrado o fenocircmeno religioso na virada do milecircnio Petroacutepolis RJ Vozes 1998

MEDONCcedilA A G Protestantes pentecostais e ecumecircnicos o campo religioso e seus personagens Satildeo Bernardo do Campo Universidade Metodista de Satildeo Paulo 2008

MIGNOLO W D Histoacuterias locais projetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Belo Horizonte UFMG 2003

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 7-11 1ordm sem de 2013

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POSTMAN N Tecnopoacutelio a rendiccedilatildeo da cultura agrave tecnologia Satildeo Paulo Nobel 1994

SANCHIS P O campo religioso contemporacircneo no Brasil In ORO A STEIL C (Orgs) Globalizaccedilatildeo e religiatildeo Petroacutepolis Vozes Porto Alegre UFRGS 1997

SANTOS B A criacutetica da razatildeo indolente contra o desperdiacutecio da experiecircncia Satildeo Paulo Cortez 2000

Um discurso sobre a ciecircncia Porto-Portugal Ediccedilotildees Afrontamento 1999

WHITE E O desejado de todas as naccedilotildees Tatuiacute CPB 2007

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

The Holy Spirit in the pauline epistles

Roberto Pereyra Suaacuterez1

ResumoAbstract

O artigo objetiva pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo abordando um dos temas mais desafiadores do seu pensamento te-oloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneu-

matologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia Neste estudo preliminar busca-se apenas introduzir o vasto tema sobre o uso da palavra πνευμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais relevantes acerca do EspiacuteritoPalavras-chave Espiacuterito Santo πνεūμα Paulo Teologia Biacuteblica Epiacutestolas paulinas

This article aims to research about the Holy Spirit in the books of Paul discussing one of the most challenging subjects of his theological thought Some researchers even say that the pneumatology of Paul

should be considered the central aspect of his theology The objective of this preliminary study is only to introduce this vast theme about the use of the word πνευμα in the epistles of Paul and also to interpret the most relevant theological affirmations about the Holy SpiritKeywords Holy Spirit πνεūμα Paul Biblical Theology Epistles of Paul

1 Doutor em Novo Testamento pela Andrews University (PhD) Diretor da Poacutes-Gradua-ccedilatildeo do Salt-Unasp Professor na Faculdade de Teologia do Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail robertopereyraunaspedubr

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo significa abordar um dos temas mais desafiadores do seu pensamento teoloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneumatologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia2

Neste estudo preliminar natildeo exaustivo pelo limitado espaccedilo busca se apenas introduzir o vastiacutessimo tema sobre o uso da palavra πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais re-levantes acerca do Espiacuterito

O uso da palavra πνεūμα em PauloMesmo desconsiderando as formas de uso (substantivo adjetivo ou

adveacuterbio) do vocaacutebulo Πνευματικός 3 e da expressatildeo ldquopoderrdquo (tambeacutem em diversas formas) em referecircncia ao Espiacuterito Santo4 eacute possiacutevel encontrar 384 referecircncias agrave πνευμα no Novo Testamento Sendo que apenas Paulo a usa

2 Sendo que haacute uma literatura muito rica tratando com o pensamento de Paulo sobre este tema gostaria de mencionar as referecircncias que considero mais relevantes publicadas nos uacutel-timos 50 anos Pinnock (1963) Turner (1975 p 56-69) Dobbin (1976a p 5-19 1976b p 129-149) Meyer (1979 p 3-18) Congar (1983) Francis (1984 p 299-313) Easley (1984 p 299-313) Huumlbner (1989 p 324-338) Friedrich Wilhelm Horn (1992) nega a dimensatildeo experi-mental da recepccedilatildeo do Espiacuterito no iniacutecio do cristianismo e propotildee que Paulo desenvolveu sig-nificativamente sua pneumatologia durante os anos de seu ministeacuterio Paige (1993 p 404-413) Gordon D Fee (1994 1996) apresenta o trabalho mais completo sobre pneumatologia Paulina disponiacutevel sendo uma fonte primaacuteria relevante para consultas sobre questotildees exegeacuteticas Vol-lenweider (1996 p 163-192) Gaffin (1998 p 573-589) Daniel B Wallace (2003 p 97-125) Monika Christoph (2005) Finny Philip (2005) John A Bertone (2005) Mark Pretorius (2006 p253-262) Clint Tibbs (2007) Erik Konsmo (2010) examina como as metaacuteforas de Paulo ex-pressam a presenccedila tangiacutevel do espiacuterito intangiacutevel na vida do cristatildeo e afirma que o ponto de vista de Paulo sobre o rol do Espiacuterito Santo natildeo eacute perifeacuterico mas sim central em sua Teologia3 De 26 vezes que se usa no NT 24 satildeo as referecircncias no conteuacutedo paulino (Rm 111 714 1527 1 Co 213 2x 15 31 911 103 4 2x121 141 37 1544 2x 46 2x Gl 61 Ef 13 519 61 Cl 19 316)4 Aparentemente os destinataacuterios das cartas paulinas entenderam que o Espiacuterito se manifes-tava em ldquopoderrdquo em razatildeo da utilizaccedilatildeo dos termos δύναμις e πνεῡμα de forma alternada nas epiacutestolas de Paulo Sobre isso veja a argumentaccedilatildeo de J D G Dunn (1998a p 851) Natildeo se faz apenas o uso combinado de ambos os sentidos (Rm 1513 19) mas se usa os vocaacutebulos de tal maneira que a presenccedila de πνεῡμα poderia significar a presenccedila de δύναμις (Rm 14 1Co 24 Gl 35 Ef 316 1Ts 15 2 Tm 17) Sendo assim se pode deduzir que as referecircncias agrave δύναμις implicariam a presenccedila de πνεῡμα (1Co 420 54 2Co 47 66-7 12912 134 Ef 119 21 37 20 Cl 111 29 2 Tm 18)

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 15-33 1ordm sem de 2013

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160 vezes5 nas 14 epiacutestolas que lhe satildeo atribuidas aqui considerando tam-beacutem o livro de Hebreus6 A frequecircncia de πνευμα nas epiacutestolas paulinas se daacute da seguinte forma

RmI 1CoII 2CoII GlIV EfV FpVI ClVII 1TsVIII 2TsIX 1TmX 2TmXI TtXII FmXIII HbXIV Total

35 40 17 18 16 5 2 5 3 3 3 2 1 10 160

I Em Rm 81-27 Paulo usa 22 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα sendo que 5 delas possuem significado antropoloacutegico ao referir-se ao espiacuterito humano (810 15 3x 16) e 17 com sentido teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo (82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 13 14 16 23 26 2x 27)II Em 1 Coriacutentios 24-14 Paulo usa 9 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (211 12) e 7 com sentido teoloacutegico (24 10 2x 11 12 13 14) em 1Co 123-13 Paulo usa 12 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x)III Em 2 Coriacutentios Paulo usa 17 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 8 possuem significado antropoloacutegico (213 36 2x 413 71 13 1114 1218) e 9 com sentido teoloacutegico (122 33 8 17 2x 18 55 66 1313)IV Em Gaacutelatas Paulo usa 18 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (61 18) e 16 com sentido teoloacute-gico (32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x) com maior concentraccedilatildeo em 55 a 68V Em Efeacutesios Paulo usa 16 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 3 possuem significado antropoloacutegico (117 22 423) e 13 com sentido teoloacutegico (113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18)

VI Em Filipenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (127 423) e 3 com sentido teoloacutegico (119 21 33)

VII Em Colossenses Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (25) e 1 com sentido teoloacutegico (18)

VIII Em 1 Tessalonicenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (523) e 4 com sentido teoloacutegico (15 6 48 519)

IX Em 2 Tessalonicenses Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (22) e 2 com sentido teoloacutegico (28 13)

X Em 1 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (41) e 2 possuem sentido teoloacutegico (316 41)

XI Em 2 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (17 422) e 1 com sentido teoloacutegico (114)XII Em Tito Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (35 6)XIII Em Filemom Paulo usa 1 vez o vocaacutebulo πνεῡμα com significado antropoloacutegico (25)XIV Em Hebreus Paulo usa 10 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (412 1223) e 8 possuem sentido teoloacutegico (114 24 37 64 98 14 1015 29)

5 Aparece 53 vezes o vocaacutebulo (Rm 14 84 5 9 2x 1011 15 2x 16 26 2x 118 1Co 210 11 2x 12 2x 316 55 617 740 124 8 11 13 1414 1545 168 2Co 36 17 2x 413 713 114 Gl 32 5 46 29 517 68 Ef 117 44 30 1Ts 48 519 23 1Tm 41 2x 2Tm 17 Hb 37 1015 29) 53 vezes πνεύματος (Rm 55 76 82 5 6 11 23 27 1513 19 30 1Co 24 10 13 14 54 619 127 8 10 1432 2Co 122 36 8 18 55 71 1313 Gl 314 517 22 68 18 Ef 22 316 43 617 Fp 119 21 423 1Ts 16 2Ts 22 13 2Tm 114 422 Tt 35 Fm 125 Hb 114 24 412 64 98 14) 49 vezes πνεύματι (Rm 19 229 89 13 14 16 91 1211 1417 1516 1Co 421 53 611 734 123 2x 9 2x 13 142 15 2x 16 2Co 213 33 66 1218 Gl 33 55 16 18 25 2x 61 Ef 113 218 22 35 423 518 618 Fp 127 33 Cl 18 25 1Ts 15 2Ts 28 1Tm 316 Hb 1223) e em cinco cir-cunstancias se emprega um pronome relativo para se referir ao espiacuterito humano em geral (Rm 815) ao Espiacuterito Santo (1Co 619 Ef 114 Tt 36) e ao Espiacuterito de Deus (Ef 430)6 Raymond Edward Brown (1983 p 227) encontra 380 usos enquanto que Tibbs (2007 p 306) encontra 384

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Segundo a ordem de tamanho das epiacutestolas a maior incidencia no uso do vocaacutebulo πνεῡμα se encontra em Gaacutelatas seguida por Efeacutesios 1 Coriacutentios Romanos e 2 Coriacutentios Contudo se observa uma concentraccedilatildeo especial no conteuacutedo das cartas o que responde aos propoacutesitos teoloacutegicos do autor em diaacutelogo com seus destinataacuterios Por exemplo Romanos 81-27 constitui o ponto de mais destaque da teologia paulina sobre o Espiacuterito ao se referir a Ele 22 vezes a maior concentraccedilatildeo de referencias nas epiacutestolas (DUNN 1998 p 423)

A partir daqui inicia-se uma breve menccedilatildeo sobre o uso antropoloacutegico de πνεῡμα nos escritos de Paulo

Uso antropoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos gerais Paulo utiliza 45 vezes o vocaacutebulo com significa-do antropoloacutegico se referindo ao espiacuterito humano7 Ele faz referecircncia a si mesmo (Rm 19 1 Co 421 53-4 1414-15 1618 2 Co 213 Cl 25) a mulher (1Co 734) aos profetas (1Co 1432) ao segundo Adatildeo (1 Co 1545) a Tito (2Co 713) a Timoacuteteo (2 Tm 422) a Filemom (Fm 25) e aos seres humanos em geral8 Obviamente eacute no uso teoloacutegico do vocaacutebulo que teremos a maior relevancia e significado

Uso teoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos especiacuteficos o apoacutestolo usa πνεῡμα 115 vezes com senti-do teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo9 de diversas formas ldquoEspiacuterito

7 Rm 19 229 76 810 15 3x 816 118 1211 1Co 211 12 421 53 4 5 617 734 1414 15 2x 1432 1545 1618 2Co 213 36 2x 413 7113 114 1218 Gl 61 18 Ef 117 22 423 Fp 127 423 Cl 25 1Ts 523 2Ts 22 2Tm 17 422 Fm 25 Hb 412 Embora existam discussotildees se a referecircncia eacute ao espiacuterito humano ou ao divino os seguintes textos tambeacutem podem ser aqui incluiacutedos 1Co 53 4 617 1414 152 e Cl 25 (ver Fee 1996 p 24-26 123-27 229-30 462 645)8 Rm 229 76 81015 x3 16 118 1211 1Co 211 12 55 6 17 2Co 36 2x 413 71 114 1218 Ef 117 423 Fp 127 423 1 Ts 523 2 Ts 22 2Ti 17 Hb 412 12239 Rm 14 55 82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 1314 16 23 26 2x 27 2x 91 1417 1513 16 19 30 1Co 24 10 2x 11 12 13 14 16 611 19 2x 740 123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x 142 16

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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Santordquo10 ldquoEspiacuterito de santidaderdquo (Rm 14) ldquoEspiacuterito de vidardquo (Rm 82) ldquoEspiacuteritordquo11 ldquoEspiacuterito de Deusrdquo12 ldquoEspiacuterito de Cristordquo (Rm 89) ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo (2Co 317) ldquoEspiacuterito de Seu Filhordquo(Gl 46) ldquoEspiacuterito de sabe-doria e de revelaccedilatildeordquo (Ef 117) ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo (Fp 119) ldquosopro de sua bocardquo (de Jesus Cristo 2 Ts 28) e ldquoEspiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

O fato de Paulo nomear o ldquoEspiacuteritordquo como ldquoEspiacuterito de Deusrdquo ldquoEs-piacuterito de Seu Filhordquo ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo ldquoEspiacuterito de Cristordquo ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo e inclusive ldquoEspiacuterito Santordquo e ldquoEspiacuterito da Graccedilardquo sugere claramente um enfoque trino do vocaacutebulo πνεῡμα em suas epiacutestolas o que parece ser um axioma trinitaacuterio baacutesico13 para entender o uso teoloacutegico de πνεῡμα nessas epiacutestolas

Axioma trinitaacuterio baacutesico nas Epiacutestolas Paulinas

Nos escritos de Paulo 1) Deus eacute um 2) Deus eacute trecircs 3) os trecircs satildeo plenamente Deus 4) cada um dos trecircs eacute diferente dos outros dois 5) os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente um com o outro como Pai Filho e Espiacuterito Santo14

A Trindade pertence agrave vida existecircncia e forma de ser do Deus trino Realidade que soacute poderia ser conhecida se algum de seus membros a revelas-se Como sugeriu Sinclair Ferguson (1985 p 18-37) Jesus no caminho da cruz eacute quem revelou a seus disciacutepulos essa realidade trina da Divindade sua relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito (Jo 13-17)

2Co 122 33 8 17 2x 18 55 66 1313 Gl 32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18 Fp 119 21 33 Cl 18 1Ts 15 6 48 519 2Ts 28 13 1Tm 316 41 2Tm 114 Tt 35 6 Hb 24 37 64 98 14 1015 2910 Rm 55 91 1417 1513 16 1 Co 619 2x 2 Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2 Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 101511 Rm 84 5 2x 6 9 11 2x 13 16 23 26 2x 27 2x 1530 1 Co 24 10 2x 12 13 124 7 8 2x 9 2x 11 13 2x 2 Co 122 38 18 55 Gl 32 3 5 14 429 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 218 22 35 16 43 4 518 617 18 Fp 21 Cl 18 2 Ts 213 1 Tm 316 41 Hb 3712 Rm 89 14 1519 1 Co 211 14 316 611 740 123 2x 2 Co 33 Ef 430 2x Fp 3313 Para um estudo sobre as evidecircncias biacuteblicas que contribuem para a doutrina da trindade veja Arthur William Wainwrigth (1962) Leonard Hodgson (1944 p 38-84) E J Fortman (1982 p 3-33) Aubrey William Argyle (1966 p 173-181)14 Para um estudo exaustivo destes conceitos nas Escrituras veja a John M Frame (2002)

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Eacute o envio do Deus feito carne que revela a relaccedilatildeo existente entre o Pai e o Filho (Jo 7111 22-26) Sua encarnaccedilatildeo (Lc 134-35 Jo 1711 22-26) ministeacuterio (Mt 41 Mr 112 Lc 41 Mt 1228 At 1038) morte ressurreiccedilatildeo (Rm 811 1 Pd 318) e ascensatildeo (At 232 33) revelam a relaccedilatildeo existente entre o Filho e o Espiacuterito Santo (Jo 1416-17 26 1526 1613) o que pro-vavelmente se constituiacutea nas fontes das formulaccedilotildees trinitaacuterias do apoacutestolo

Deus eacute umO conceito da unidade eacute desenvolvido no fato de que Ele eacute Deus tanto

dos judeus como dos gentios (Rm 329-30 1012-13 Gl 320) Pai tanto dos incircuncisos como dos circuncidados (Rm 411-12) uacutenico em sua relaccedilatildeo com os seres humanos (1Tm 25) jaacute que natildeo existem outros deuses Haacute um soacute Deus (1Co 84-6) o verdadeiro (1Ts 19) o uacutenico e saacutebio Deus (Rm 1627 1 Tm 117) a uacutenica fonte dos dons espirituais (1Co 124-6 Ef 44-6)15

Deus eacute trecircsEmbora seja problemaacutetico determinar o nuacutemero dos seres divinos a

partir do Antigo Testamento Paulo usa especiacuteficas formulaccedilotildees trinitaacuterias nas quais apresenta a existecircncia de trecircs seres divinos θεόϛ (Deus) o Pai κύριος (Senhor) ou υἱός (Filho) o Filho e πνεῡμα (Espiacuterito) o Espiacuterito

Paulo distingue claramente os trecircs seres aos quais se refere como ldquoum Espiacuterito [hellip] um Senhor [hellip] um Deusrdquo (1Co 124-6 e Ef 44-60) Menciona os trecircs juntos em Romanos Efeacutesios Filipenses Colossenses 1 Tessalonicenses 2 Tessalonicenses 1 Timoacuteteo Tito Hebreus ou seja em 9 das 14 epiacutestolas

Por outro lado existem diversas passagens nas quais dois dos trecircs se-res aparecem como fonte comum de becircnccedilatildeos o Pai e o Filho por um lado (Rm 64 1Co 1524-28) Cristo e o Espiacuterito por outro (Rm 82 9 2Co 317 Gl 46 Fp 119)

Nas saudaccedilotildees e becircnccedilatildeos apostoacutelicas Paulo sempre menciona a ldquoDeus nosso Pairdquo e ldquoa nosso Senhor Jesus Cristordquo16 no entanto em 2 Coriacutentios 1313 (14) ele integra os trecircs ldquoA graccedila do Senhor Jesus Cristo o amor de Deus e a comunhatildeo do Espiacuterito Santo sejam com todos vocecircsrdquo

Eacute surpreendente a afirmaccedilatildeo feita aos coriacutentios quanto agrave relaccedilatildeo interna existente entre o Espiacuterito e Deus o Pai e o Pai com o Espiacuterito ldquoO Espiacuterito

15 Satildeo textos trinitaacuterianos que distinguem as trecircs pessoas da divindade como fontes de dons espirituais atributo que implica na unidade trina16 1 Co 13 2 Co 12 Gl 13 Ef 13 623-24 1 Ts 11 2 Ts 12 1 Tm 12 2 Tm 12 Tt 14

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 210) ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Tambeacutem eacute afirmado aos membros da igreja de Roma que

ldquoaquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuterito porque o Es-piacuterito intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

E quanto ao relacionamento interno existente entre o Espiacuterito e Jesus Cristo o Filho Os leitores de Coriacutentio satildeo advertidos de que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123)

Paulo se referindo aos crentes em Roma em um soacute versiacuteculo apresenta a relaccedilatildeo trina na vida do crente ldquovocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito se de fato o Espiacuterito de Deus habita em vocecirc E se algueacutem natildeo tem o Espiacuterito de Cristo natildeo pertence a Cristordquo (Rm 89) Eacute notaacutevel a siacutentese das accedilotildees trinas relacionadas na vida do crente Deus Cristo e o Espiacuterito atuam na vida de quem estaacute em Jesus A accedilatildeo trina eacute vida no crente vida que provem da accedilatildeo do Deus trino O que eacute muito sugestivo pois usa a mesma estrutura e organizaccedilatildeo literaacuteria dos primeiros oito capiacutetulos da carta aos Romanos nos quais eacute exposto o tema da salvaccedilatildeo e santificaccedilatildeo pela feacute Parece existir um pa-dratildeo claramente trinitaacuterio o juiacutezo de Deus o Pai sobre o pecado (118-320) a obra expiatoacuteria do Filho pela qual Deus justifica e santifica (321-725) e a liberdade e guia do Espiacuterito (81-39)

Uma estrutura semelhante se encontra na epiacutestola aos Gaacutelatas A NVI intitula os versos 326-47 como ldquoFilhos de Deusrdquo 51-15 de ldquoLivres em Cristordquo e 516-26 por ldquoVida pelo Espiacuteritordquo o que caminha na direccedilatildeo da afirmativa de que para Paulo Deus eacute um mas tambeacutem eacute trecircs Efeacutesios 218 afirma que ldquopor meio dele tanto noacutes como vocecircs temos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo o que parece ser uma clara premissa paulina por meio de Cristo ao Pai atraveacutes do Espiacuterito Assim a evidecircncia paulina para a concep-ccedilatildeo trinitaacuteria de Deus poderia ser sintetizada em trecircs grupos de passagens

B No primeiro grupo eacute apresentado um trinitarianismo ex professo Por exemplo em sua benccedilatildeo de 2 Coriacutentios 1314 Paulo envolve a Deus ao Senhor Jesus Cristo e ao Espiacuterito Santo sem fazer nenhu-ma distinccedilatildeo entre essas trecircs pessoas Portanto parece razoaacutevel afirmar que ele os percebe como Pessoas coiguais

B No segundo grupo de passagens Paulo apresenta uma forma triacuteade Em Efeacutesios 44-6 faz menccedilatildeo de ldquoum soacute Espiacuterito [hellip] um soacute Senhor [hellip]

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um soacute Deus e Pairdquo Em 1Coriacutentios 123-6 cada Pessoa eacute introduzida com o artigo ldquoumrdquo na sequecircncia de maneira parecida com Efeacutesios 4 Em uma referecircncia mais indireta as trecircs pessoas satildeo mencionadas tam-beacutem em Efeacutesios 13-14

B No terceiro grupo de textos paulinos as trecircs pessoas satildeo menciona-das juntas mas sem nenhuma estrutura triacuteade clara Um bom exemplo disso eacute Gaacutelatas 44-6 ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filhordquo (o mesmo ocorre em Rm 81ss 2Ts 213ss e Tt 34-6)

Os trecircs satildeo DeusEmbora natildeo haja dificuldades em perceber que o primeiro teoacutelogo do

periacuteodo neotestamentaacuterio descreve o Espiacuterito e o Filho como sendo total-mente Deus haacute os que argumentam contra a divindade do Espiacuterito Santo

Argumenta-se que nos textos trinitaacuterios paulinos o Espiacuterito aparece apenas junto ao Pai eou ao Filho (Rm 1519 2 Co 1313 [14] Ef 221-22 44-6 Fp 33 Hb 23-4 64-6 914 1029-31) Jaacute foi mencionado que existem textos nos quais se incluem dois membros da Trindade por um lado o Pai e o Filho (Rm 64 1Co 1524-28) por outro o Filho e o Espiacute-rito (Rm 1530 1Co 611 Fp 21 Hb 1029) onde ambos o Filho e o Es-piacuterito satildeo dispostos de forma igualitaacuteria a Deus Seria estranho considerar nestes textos um dos seres como natildeo tendo total divindade Aleacutem disso Paulo cita textos do Antigo Testamento que se referem a Yahweh e os aplica ao Espiacuterito Santo (exemplos Jr 3133-34 em Hb 1015-17 Ecircx 251 em Hb 98 Sl 957-11 em Hb 37-11 Is 644 em 1Co 29) O Espiacuterito derrama a graccedila amor divino ao crente (Rm 55 1530 2Co 66 Gl 516-17 Fp 21 Cl 18) e eacute poder de Deus (Rm 1513 19)

De igual forma ao Pai e ao Filho o Espiacuterito eacute eterno (Hb 914) onis-ciente (1Co 210-11) e eacute chamado de santo17 o que implica que sua san-tidade eacute a de Deus e por isso natildeo derivada das criaturas Como o Filho o Espiacuterito realiza atos que correspondem a Deus Eacute doador da vida tanto fiacutesica como espiritual (Rm 811 1Co 1545 2Co 36) testemunha da ado-ccedilatildeo do crente como filho de Deus (Rm 815) Atraveacutes dele o crente eacute lavado justificado e santificado (1Co 611) O Espiacuterito outorga dons espirituais

17 Rm 55 91 1417 1513 16 1Co 619 (2x) 2Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 1015

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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(1Co 126-11) para servir na missatildeo divina de salvar Dele eacute a fonte de ins-piraccedilatildeo da Bibliacutea (2Tm 316)

Pai Filho e Espiacuterito Santo trecircs pessoas distintasPara Paulo o Pai o Filho e o Espiacuterito satildeo seres ou pessoas distintas Eacute

comum concordar que o Pai e o Filho sejam pessoas diferentes mas vaacuterios teoacutericos questionam se o Espiacuterito seria uma terceira pessoa relacionada com o Pai e com o Filho ou se seria apenas uma forccedila ou poder impessoal que se associa a Deus ou mesmo emana dele O Espiacuterito eacute relacionado com o poder de Deus (Rm 14 1513 19 1Co 24 2Co 66-7 1Ts 15 2Tm 17) o qual nunca eacute impessoal Ele natildeo apenas representa o poder de Deus mas tambeacutem sua sabedoria (1Co 24 1218 Ef 117)

Note como Paulo apresenta o Pai o Filho e o Espiacuterito em accedilatildeo trina embora sejam seres diferentes ao explicar aos Efeacutesios sobre a revelaccedilatildeo do ldquomisteacuterio de Cristordquo

Certamente vocecircs ouviram falar da responsabilidade imposta a mim em favor de vocecircs pela graccedila de Deus isto eacute o ministeacuterio que me foi dado a conhecer por revelaccedilatildeo [dativo instrumental - inspi-rador] como jaacute lhes escrevi em poucas palavras [hellip] Esse ministeacuterio natildeo foi dado a conhecer aos homens doutras geraccedilotildees mas agora foi revelado pelo Espiacuterito aos santos apoacutestolos e profetas de Deus significando que diante do evangelho os gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da pro-messa em Cristo Jesus (Ef 32-6)

A principal funccedilatildeo ou papel do Espiacuterito eacute fazer conhecido o plano de Deus em Cristo o misteacuterio revelado E tambeacutem mostrar o Filho depois da ascensatildeo porque ldquoningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123) Paulo demonstra que a obra salvadora de Jesus se relaciona diretamente com o ministeacuterio do Espiacuterito Santo e vice e versa Cristo ofereceu seu sacrifiacutecio expiatoacuterio pelos pecados da humanidade (Rm 86-8) e aplica os meacuteritos desse sacrifiacutecio por meio do ministeacuterio sacerdotal no santuaacuterio celestial (Hb 725) poreacutem eacute o Espiacuterito que faz eficaz o que realiza o Salvador do mundo (1Co 123)

O Espiacuterito prepara o caminho para a conversatildeo convencendo a cada in-diviacuteduo do pecado da justiccedila e do juiacutezo levando-lhe ao pleno conhecimento de Jesus e do evangelho (1Co 123) Produz arrependimento (Rm 24) gera feacute

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(1Co 129 Rm 123) e novo nascimento (Tt 35) sela o crente (Ef 113) teste-munhando que este pertence a Deus (Ef 114 2Co 121-22 55 Rm 822-23 Ef 430) produz crescimento (Gl 516 22 23) santificaccedilatildeo (Ro 83 5-10 1Co 611 2Ts 213) e serviccedilo (1Co 12 2Co 36) Neste processo de tornar efi-caz a obra de Cristo o Espiacuterito revela interpreta inspira fala testemunha envia conhece ensina guia intercede o que Paulo deixa claro em suas epiacutes-tolas ao usar πνεῡμα de forma nominativa genitiva acusativa e dativa

Πνεūμα em caso nominativo18

Usando o caso nominativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacute-rito realiza accedilotildees determinadas e especiacuteficas num fluxo do tempo e da histoacuteria

E dito aos crentes de Roma que ldquoo Espiacuterito de Deus viverdquo neles cuja evidecircncia eacute que ldquoentretanto vocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuteritordquo (Rm 89-11)

Aos coriacutentios eacute dito que ldquosatildeo santuaacuterios de Deusrdquo e como tais ldquoo Es-piacuterito de Deus habitardquo neles (1Co 316) que ldquoo proacuteprio Espiacuterito testemunha ao nosso espiacuterito que somos filhos de Deusrdquo (Rm 816) e ldquonos ajuda em nossa fraquezardquo intercedendo ldquopor noacutes com gemidos inexprimiacuteveisrdquo (Rm 826) assim como ldquosonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profun-das de Deusrdquo (1Co 210) pois ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Eacute dito tambeacutem que ldquoo Espiacuterito eacute o mesmordquo embora os dons que outorgue sejam diversos (1Co 124) sendo que ldquoo Espiacuterito [hellip] distribui individualmente a cada um como querrdquo (1Co 1211) ldquoVivificardquo o crente (2Co 36) e ldquoonde estaacute o Espiacuterito do Senhor19 ali haacute liberdaderdquo (2 Co 317)

Paulo lembra aos Gaacutelatas de que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (Gl 517) a Timoacuteteo eacute dito que ldquoo Espiacuterito diz claramente que nos uacuteltimos tempos alguns abandonaratildeo a feacute e seguiratildeo espiacuteritos enganadores e doutrinas de democircniosrdquo (1Tm 41) jaacute aos Hebreus eacute afirmado que ldquoassim como diz o Espiacuterito Santo hoje se vocecircs ouvirem a sua voz natildeo endureccedilam o coraccedilatildeo como na rebeliatildeo durante o tempo da provaccedilatildeo no desertordquo de Cades Barnea (Hb 37 8) e tambeacutem que o Espiacuterito Santo nos testifica a

18 Nesse caso πνεῡμα funciona como sujeito indicando quem faz a accedilatildeo verbal ou como nuacutecleo do predicado nominal descrevendo o sujeito da oraccedilatildeo19 Para Dunn o ldquolsquoEspiacuterito do Senhorrsquo aqui eacute o Espiacuterito de Deus = lsquoo Senhorrsquo de Ecircxodo 3434rdquo (DUNN 1998b p 419-425)

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respeito da nova alianccedila que Jeovaacute prometeu realizar ldquoPorei minhas leis em seu coraccedilatildeo e as escreverei em sua mente [hellip] Dos seus pecados e iniquida-des natildeo me lembrarei maisrdquo (Hb 1015-17)

Πνεūμα em caso genitivo20

Usando o caso genitivo Paulo faz afirmaccedilotildees nas quais se descreve o Espiacuterito como sendo origem fonte procedecircncia ou posse de algum bem coisa ou serviccedilo

Aos Romanos ele declara que ldquoem Cristordquo o ldquoEspiacuterito de vidardquo (geni-tivo - posse) liberta da lei do pecado e da morte (Rm 82) que ldquoquem vive de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (genitivo - procedecircncia) (Rm 85) jaacute que a ldquomentalidade do Espiacuterito (geni-tivo - procedecircncia) eacute vida e pazrdquo (Rm 86) acrescenta que os que tecircm ldquoos primeiros frutos do Espiacuteritordquo (genitivo - posse) aguardam a redenccedilatildeo de seus corpos (Rm 823) e que ldquoAquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) o qual ldquointercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

Aos Coriacutentios o apoacutestolo lhes informa que natildeo lhes falou nem pregou ldquoem palavras persuasivas de sabedoria mas consistiram em demonstraccedilatildeo do poder do Espiacuterito (genitivo - procedecircncia) para que a feacuterdquo deles ldquonatildeo se baseasse em sabedoria humana mas no poder de Deusrdquo (1Co 24 5) isto eacute

ldquonatildeo com palavras ensinadas pela sabedoria humana mas com palavras en-sinadas pelo Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (1Co 213) que ldquoquem natildeo tem o Espiacuterito natildeo aceita as coisas que vem do Espiacuterito de Deus (genitivo - procedecircncia) pois lhes satildeo loucurardquo (1Co 214) Ainda abordando a Igreja de Corinto Paulo menciona que ldquoo corpordquo fiacutesico do crente eacute um ldquotemplo do Espiacuterito Santo (genitivo - posse) [hellip] dado por Deusrdquo (1Co 619) ele diz tambeacutem que ldquoa cada um poreacutem eacute dada a manifestaccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) para o bem comum (1Co 127) Aleacutem disso Paulo assinala que Deus tem ldquodado o penhor do Espiacuterito (genitivo - posse) em nossos coraccedilotildees como garantia do que estaacute por virrdquo (2Co 122 55 [geni-tivo - posse]) Ele acrescrenta que Deus daacutendo-nos o Espiacuterito ldquonos fez competentes como ministros de uma nova alianccedila natildeo da letra mas do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (2Co 36) Para Paulo ldquoo ministeacuterio do

20 Neste caso πνεῡμα descreve (no sentido de possessatildeo origem procedecircncia) define e limita o substantivo o adjetivando ou o qualificando

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Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) eacute mais glorioso que o ministeacuterio da letra (2Co 38) O apoacutestolo termina sua segunda carta aos Coriacutentios desejando que ldquoa comunhatildeo do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) seja com todos (2Co 1313 [14])

Aos Gaacutelatas lhes faz lembrar que ldquomediante a feacuterdquo se recebe ldquoa pro-messa do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Gl 314) Indica-lhes que ldquoo fruto do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute amor alegria paz paciecircncia ama-bilidade bondade fidelidade mansidatildeo e domiacutenio proacutepriordquo (Gl 522) Jaacute com os Efeacutesios os desafia a se esforccedilarem ldquopara conservar a unidade do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Ef 43) e revela que ldquoa espada do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute a palavra de Deusrdquo (Ef 617) No caacutercere confessa aos Filipenses que se alegra em suas prisotildees porque sabe que graccedilas a suas oraccedilotildees e ldquoao auxiacutelio do Espiacuterito de Jesus Cristordquo (genitivo - procedecircncia) tudo resultaraacute em libertaccedilatildeo (Fl 119)

Aos de Tessalocircnica reconhece que apesar de muitas afliccedilotildees ldquorecebe-ram a palavra com a alegria que vem do Espiacuterito Santordquo (genitivo - proce-decircncia) (1Ts 16) Agradece a Deus porque ldquodesde o princiacutepio Deus os es-colheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espiacuterito (genitivo

- procedecircncia) e a feacute na verdaderdquo (2Ts 213) E na carta a Tito disse que Deus ldquonos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) (Tt 35)

O uso de πνεῡμα no caso genitivo com preposiccedilotildees eacute revelador Paulo diz aos de Roma que ldquoDeus derramou seu amor em nossos coraccedilotildees por meio do Espiacuterito Santo (genitivo - descriccedilatildeo) que Ele nos concedeurdquo (Rm 55) e Deus ldquodaraacute vidardquo aos ldquocorpos mortais por meio do Espiacuteritordquo (geniti-vo - descriccedilatildeo) (Rm 811) entatildeo deseja que ldquoo Deus da esperanccedila os encha de toda alegria e paz por sua confianccedila nEle para que vocecircs transbordem de Esperanccedila pelo poder do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) (Rm 1513) Tam-beacutem recomenda que ldquopor nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) se unam com o apoacutestolo em sua missatildeo orando a Deus por ele (Rm 1530)

A igreja em Corinto lhes declara que embora ldquoolho nenhum viu ouvi-do nenhum ouviu mente humana nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam [hellip] Deus o revelou a noacutes por meio do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) O Espiacuterito sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 29-10)

Aos Gaacutelatas diz que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (ge-nitivo - descriccedilatildeo) (Gl 517) que ldquoquem semeia para o Espiacuterito (genitivo

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- descriccedilatildeo) do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) colheraacute a vida eternardquo (Gl 68) Para os de Eacutefeso informa que pede ao Pai que ldquocom suas gloriosas riquezas [hellip] por meio do seu Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) fortaleccedila o iacutentimo do ser deles (Ef 314-16) Recomenda a Timoacuteteo que ldquopor meio do Espiacuterito Santordquo (genitivo - descriccedilatildeo) cuide dos preciosos ensinamentos que lhe foi confiado (2Tm 114)

Πνεūμα em caso acusativo21

Usando o caso acusativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Es-piacuterito estaacute envolvido em accedilotildees especiacuteficas no fluxo do tempo e da histoacuteria

Ele afirma aos membros de Corinto que ldquonatildeo recebemos o espiacuterito do mundo mas o Espiacuterito procedente de Deus para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamenterdquo (1Co 212) Pergunta aos Gaacutelatas

ldquofoi pela praacutetica da Lei que vocecircs receberam o Espiacuterito ou pela feacute naquilo que ouviram [hellip] Aquele que lhes daacute o seu Espiacuterito e opera milagres entre vocecircs realiza estas coisas pela praacutetica da Lei ou pela feacute com a qual receberam a palavrardquo (Gl 32 5) Diz-lhes que ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filho ao coraccedilatildeo de vocecircs e Ele clama Aba Pairdquo (Gl 46)Paulo exorta os Efeacutesios que ldquonatildeo entristeccedilam o Espiacuterito Santo de Deus com o qual vocecircs foram se-lados para o dia da redenccedilatildeordquo (Ef 430) Aos Tessalonicenses diz que aquele que rejeita o chamado agrave santidade ldquonatildeo estaacute rejeitando o homem mas a Deus que lhes daacute seu Espiacuterito Santordquo e lhes exorta ldquonatildeo apaguem o Es-piacuteritordquo (1Ts 48 519) Aos destinataacuterios da homilia aos Hebreus pergunta

ldquoQuatildeo mais severo castigo julgam vocecircs merece aquele que pisou aos peacutes o Filho de Deus profanou o sangue da alianccedila pelo qual ele foi santificado e insultou o Espiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

Numa construccedilatildeo preposicional no caso acusativo Paulo afirma aos leitores Romanos que ldquoo Evangelho fala do Filho [de Deus]rdquo o qual de acor-do com a natureza humana era descendente de Davi mas que ldquomediante o Espiacuterito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder pela sua ressur-reiccedilatildeo entre os mortosrdquo (Rm 14) e que ldquoDeus [hellip] enviando seu proacuteprio Fi-lho [hellip] como oferta pelo pecado [hellip] a fim de que as justas exigecircncias da Lei fossem plenamente satisfeitas em noacutes que natildeo vivemos segundo a carne mas segundo o Espiacuteritordquo E declara que aqueles ldquovivem de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (Rm 83-5)

21 Neste caso πνεῡμα eacute o objeto direto do verbo complementando seu significado

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Πνεūμα em caso dativo22

Usando o caso dativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacuterito eacute o lugar meio agencia ou instrumento do qual utiliza o sujeito para realizar certa accedilatildeo expressada pelo verbo

Aos leitores em Roma afirma que eles ldquonatildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito (locativo - esfera) se de fato o Espiacuterito de Deus ha-bitardquo neles (Rm 89) portanto ldquose pelo Espiacuterito (instrumental - agente) fi-zerem morrer os atos do corpo viveratildeordquo (Rm 813) Afirma tambeacutem que

ldquotodos os que satildeo guiados pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) satildeo filhos de Deusrdquo (Rm 814) Paulo confessa que tem ldquouma grande tristezardquo e

ldquoconstante angustiardquo pois desejaria ser ldquoamaldiccediloado e separado de Cristo por amorrdquo de seus ldquoirmatildeosrdquo de sua proacutepria ldquoraccedila o povo de Israelrdquo ldquoNatildeo mintordquo disse Paulo ldquominha consciecircncia o confirma no Espiacuterito Santordquo (lo-cativo - esfera) (Rm 91-4)

Em exortaccedilatildeo pede que ldquoaceitem o que eacute fraco na feacuterdquo e explica que ldquoo Reino de Deus natildeo eacute comida nem bebida mas justiccedila paz e alegria no Es-piacuterito Santordquo (instrumental - agente) Tambeacutem acrescenta que ldquoaquele que assim serve a Cristo eacute agradaacutevel a Deus e aprovado pelos homensrdquo (Rm 14 1 17 18) Como ministros dos gentios Paulo manifesta a seus leitores em Roma que tem ldquoo dever sacerdotal de proclamar o evangelho de Deus para que os gentios se tornem uma oferta aceitaacutevees a Deus santificados pelo Espiacuterito Santordquo (Rm 1516)

Em sua correspondecircncia aos crentes em Corinto Paulo destaca a fun-ccedilatildeo instrumental do Espiacuterito ao fazer com que venham a entender em ter-mos categoacutericos que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus (instrumental

- inspirador) diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) (1Co 123) Referindo-se aos dons espirituais ele declara que Deus daacute a alguns ldquofeacute pelo mesmo Espiacuterito A outros dons de curar pelo uacutenico Espiacuteritordquo (instrumental

- agente) (1Co 129) ldquoTodosrdquo afirma o apoacutestolo ldquoem um soacute corpo fomos batizados em um uacutenico Espiacuterito (locativo - elemento) quer judeus quer gre-gos quer escravos quer livresrdquo (1Co 1213)

Paulo declara que ldquoquem fala em uma liacutengua natildeo fala aos homens mas a Deus De fato ningueacutem entende em Espiacuterito (instrumental - modo)

22 Neste caso πνεῡμα expressa lugar agecircncia ou instrumento com o qual se faz algo Indica o instrumento o meio do que se utiliza o sujeito para realizar uma accedilatildeo verbal

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fala misteacuteriosrdquo(1Co 142) Ele reconhece que os coriacutentios satildeo ldquouma carta de Cristo [hellip] escrita natildeo com tinta mas com o Espiacuterito do Deus vivo (ins-trumental - agente) natildeo em taacutebuas de pedra mas em taacutebuas de coraccedilotildees humanosrdquo (2Co 33) a eles mostra que o testemunho serve com ldquopureza conhecimento paciecircncia e bondade no Espiacuterito Santo (dativo - acampa-nhamento) e no amor sincerordquo (2Co 66)

Pergunta aos Gaacutelatas em processo de apostasia ldquodepois de ter comeccedila-do pelo Espiacuteritordquo (instrumental - agente) ldquoquerem agora se aperfeiccediloar pelo esforccedilo proacutepriordquo(Gl 33) a quem recomenda ldquoVivam pelo Espiacuteritordquo (ins-trumental - agente) (Gl 516) porque ldquose vocecircs guiados pelo Espiacuterito (ins-trumental - agente) natildeo estatildeo debaixo da Leirdquo (Gl 518) Por fim os exorta que se deixem guiar pelo Espiacuterito (instrumental - agente) jaacute que o Espiacuterito eacute vida (instrumental - agente) (Gl 525)

Paulo lembra aos crentes de Eacutefeso que quando ouviram e creram na palavra da verdade ldquoforam selados em Cristo com o Espiacuterito Santordquo (instru-mental - elemento) (Ef 113) Declara que atraveacutes de Cristo ldquotemos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo (locativo - esfera) (Ef 218) por cujo Espiacuterito (locativo - esfera) ldquoestatildeo sendo edificados juntos para se tornarem morada de Deus por seu Espiacuteritordquo (Ef 222) Passa a explicar que o misteacuterio de Jesus o plano da graccedila de Deus era oculto a outras geraccedilotildees mas ldquofoi revelado pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) ldquoos gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesusrdquo (Ef 32-6) Portanto ldquonatildeo se embriaguem com vinho que leva a li-bertinagem mas deixem-se encher pelo Espiacuteritordquo (instrumental - elemento) (Ef 518) Finalmente lhes aconselha a empunhar um elemento relevante da armadura cristatilde ldquoOrem no Espiacuterito (instrumental - inspirador) em todas as ocasiotildees com toda oraccedilatildeo e suacuteplicardquo (Ef 618)

Paulo exorta aos irmatildeos filipenses em termos metafoacutericos muito duros em razatildeo da dissidecircncia ldquoCuidado com os lsquocatildeesrsquo cuidado com esses que praticam o mal cuidado com a falsa circuncisatildeordquo e explica o porque ldquopois noacutes eacute que somos a circuncisatildeo noacutes que adoramos pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) que nos gloriemos em Cristo Jesus e natildeo temos confianccedila alguma na carnerdquo (Fl 32-3) Acerca do Deus encarnado Jesus Cristo o ldquogrande misteacuterio da piedaderdquo Paulo diz a Timoacuteteo ldquoDeus foi manifestado em corpo justificado no Espiacuterito (locativo - esfera)rdquo(1Tm 316) Quem eacute esse do qual Paulo fala em suas epiacutestolas Quem eacute Ele Nessas epistolas Ele eacute o protagonista e responsaacutevel de atos histoacutericos em quem se originam certas realidades e do qual procedem outras Ele eacute o agente instrumental Afinal quem eacute Ele

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Consideraccedilotildees finaisDepois de ter explorado parcialmente o uso teoloacutegico de πνεῡμα nas

epiacutestolas paulinas pode-se concluir que

1) A maioria das afirmaccedilotildees teoloacutegicas de Paulo ao usar πνεῡμα anali-sadas mais detidamente em seu contexto histoacuterico literaacuterio e teoloacutegico parecem ser axiomaacuteticas Satildeo proposiccedilotildees maacuteximas ou verdades que o apoacutestolo assume mas natildeo explica embora constituam um fundamento de sua pneumatologia a subestrutura de seu pensamento

2) Paulo eacute trinitaacuterio Entende que Deus eacute verdadeiramente um embora sejam trecircs Os trecircs satildeo plenamente Deus Cada um dos trecircs eacute diferente dos outros Os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente como Pai Filho e Espiacuterito Santo

3) Paulo chama o Espiacuterito Santo de ldquoEspiacuterito de Deusrdquo e ldquoEspiacuterito de Cristordquo o que pressupotildee a divindade do Espiacuterito a existecircncia de trecircs seres distintos e a unidade trina em natureza propoacutesito e missatildeo

4) O Espiacuterito Santo eacute para Paulo um ser real histoacuterico e atual Natildeo uma simples forccedila ou um poder vago efeito ou energia impessoal Eacute a presenccedila pessoal e plena de Deus que habita em seu povo

5) A possessatildeo plena do Espiacuterito Santo soacute eacute possiacutevel ldquoem Cristordquo Natildeo eacute uma possessatildeo da humanidade em geral

6) O Espiacuterito Santo eacute o agente divino na missatildeo evangeacutelica do corpo de Cristo capacitando o instrumento humano na transmissatildeo da mensa-gem confirmando a verdade nos ouvintes transformando seus cora-ccedilotildees e assegurando-lhes que satildeo filhos de Deus

7) Todo crente em Cristo expressa agrave presenccedila visiacutevel do Espiacuterito Santo pelas suas atitudes forma de pensar falar e agir

8) O Espiacuterito Santo conduz o crente a uma vida em santidade e teste-munho desenvolvendo uma dimensatildeo eacutetica moral e espiritual que eacute unicamente possiacutevel por meio dele

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9) Pela razatildeo de que o crente eacute membro do corpo de Cristo tem uma funccedilatildeo especiacutefica outorgada pelo Espiacuterito um ministeacuterio particular para executar em missatildeo

10) As accedilotildees do Deus trino na histoacuteria da salvaccedilatildeo eacute a pressuposiccedilatildeo hermenecircutica fundamental na interpretaccedilatildeo e compreensatildeo do uso teoloacutegico de πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas

No contexto do grande conflito Paulo expotildee uma clara compreensatildeo trinitaacuteria e fundamental do plano de salvaccedilatildeo Cristo eacute a figura central o grande protagonista no ato da salvaccedilatildeo o cordeiro providenciado por Deus que tira os pecados do mundo sentado aacute destra da Majestade nas al-turas eacute o sumo sacerdote rei e juiz ministro no Santuaacuterio Celestial autor e consumador da salvaccedilatildeo

Enquanto o Filho eacute redentor em seu sacerdoacutecio expiatoacuterio pleno o Es-piacuterito permite agrave humanidade descobri-lo se apropriar da salvaccedilatildeo oferecida reconhececirc-lo como Senhor (1Co 123) e restaurar sua plena relaccedilatildeo com Deus (Ef 218) No entanto as origens desta histoacuteria de salvaccedilatildeo como sua execuccedilatildeo provecircm das matildeos de Deus o Pai o qual ldquotudo sujeitou debaixordquo dos peacutes de Cristo ldquoQuando poreacutem tudo lhe estiver sujeito entatildeo o proacuteprio Filho se sujeitaraacute agravequele que todas as coisas lhe sujeitaram afim de que Deus seja tudo em todosrdquo (1Co 1527-28)

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Enviado dia 06112012Aceito dia 20122012

144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja

The 144000 their identity and purpose for the church

Mabio Coelho1

ResumoAbstract

Muito se fala sobre os 144 mil o misterioso grupo introduzido no capiacute-tulo 7 de Apocalipse As especulaccedilotildees e teorias sobre esse grupo tecircm fascinado os estudiosos da Biacuteblia atraveacutes dos seacuteculos Sem se deter

muito em todas as vaacuterias teorias este artigo resume as teorias mais conhecidas aglutinando-as em 4 grandes grupos para entatildeo introduzir quais caracteriacutesticas deste grupo satildeo autoevidentes no texto Biacuteblico e a relaccedilatildeo que elas tecircm com a Igreja hoje vivendo nos momentos finais do tempo do fimPalavras-chave 144 mil Igreja Identidade

Much is said about the 144000 the mysterious group introduced in Chap-ter 7 of Revelation Speculation and theories about this group have fas-cinated scholars of the Bible through the centuries Without dwelling

much in all the various theories this article summarizes the best known theories coalescing them into 4 groups to outline which characteristics of this group are self-evident in the Biblical text and the relationship they have with the Church today living in the final moments of the end-timeKeywords 144000 Church Identity

O capiacutetulo sete de Apocalipse eacute um capiacutetulo parenteacutetico exatamente entre os eventos catacliacutesmicos do sexto e seacutetimo selo que narra uma cena

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Engenheiro de Telecomunicaccedilotildees com Mestrado em Engenharia de Software pela SIACSMU (Southern Methodist University) e Doctor of Professional Studies (DPS) em Seguranccedila de Informaccedilatildeo pela SICACPace

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escatoloacutegica muito significativa o selamento dos 144 mil Atraveacutes dos seacutecu-los a identificaccedilatildeo deste grupo tem deixado perplexos os leitores que bus-cam uma identificaccedilatildeo positiva e inequiacutevoca

Natildeo eacute o propoacutesito deste artigo esgotar o assunto dos 144 mil mas pro-curar prover informaccedilotildees relevantes para identificaacute-los extraindo suas ca-racteriacutesticas principais e procurando descobrir como eles se relacionam com o propoacutesito de Deus para sua Igreja Assim seratildeo revistos de maneira breve as principais teorias sobre este grupo para entatildeo se examinar com mais pro-fundidade ndash mesmo que natildeo se chegue a uma identificaccedilatildeo total e inequiacute-voca ndash as caracteriacutesticas dos ldquoseladosrdquo que podem ser compreendidas de maneira clara agrave luz das Escrituras As perguntas a serem respondidas satildeo 1) Quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que permitem tra-ccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil e 2) Qual eacute a sua relaccedilatildeo com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje

O textoA periacutecope analisada vai de Apocalipse 71 ateacute 717 Essa delimitaccedilatildeo

foi deduzida do fluxo natural do texto pois desde Apocalipse 61 ateacute 617 uma sucessatildeo de eventos acontecem como consequecircncia da abertura de cada um dos seis primeiros selos dos sete descritos no comeccedilo da sequecircncia A sequecircncia eacute interrompida entre o sexto e o seacutetimo selo como num interluacutedio no capiacutetulo sete

Ao analisarmos o texto grego encontrou-se 39 variantes2 natildeo tra-zendo alteraccedilotildees significativas no texto que modificassem o entendimen-to da identidade e das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil Como texto-base para este artigo seraacute utilizada a versatildeo Joatildeo Ferreira de Almeida Revista e Atualizada (ARA)

Depois disto vi quatro anjos em peacute nos quatro cantos da ter-ra conservando seguros os quatro ventos da terra para que ne-nhum vento soprasse sobre a terra nem sobre o mar nem sobre aacutervore alguma Vi outro anjo que subia do nascente do sol tendo o selo do Deus vivo e clamou em grande voz aos quatro anjos

2 9 variantes no verso 1 1 no verso 2 5 no verso 3 1 em cada um dos versos 4567 e 8 6 no verso 9 3 no verso 10 1 no verso 12 1 no verso 13 4 no verso 14 1 em cada um dos versos 15 e 16 e 2 no verso 17

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aqueles aos quais fora dado fazer dano agrave terra e ao mar dizendo Natildeo danifiqueis nem a terra nem o mar nem as aacutervores ateacute selarmos na fronte os servos do nosso Deus Entatildeo ouvi o nuacute-mero dos que foram selados que era cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos dos filhos de Israel da tribo de Judaacute foram selados doze mil da tribo de Ruacuteben doze mil da tribo de Gade doze mil da tribo de Aser doze mil da tribo de Naftali doze mil da tribo de Manasseacutes doze mil da tribo de Zebulom doze mil da tribo de Joseacute doze mil da tribo de Benjamim foram selados doze mil Depois destas coisas vi e eis grande multidatildeo que ningueacutem podia enumerar de todas as naccedilotildees tribos povos e liacutenguas em peacute diante do trono e diante do Cordeiro vestidos de vestiduras brancas com palmas nas matildeos e clamavam em grande voz dizendo Ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeiro pertence a salvaccedilatildeo Todos os anjos estavam de peacute rodeando o trono os anciatildeos e os quatro seres viventes e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto e adoraram a Deus di-zendo Ameacutem O louvor e a gloacuteria e a sabedoria e as accedilotildees de graccedilas e a honra e o poder e a forccedila sejam ao nosso Deus pe-los seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem Um dos anciatildeos tomou a palavra dizendo Estes que se vestem de vestiduras brancas quem satildeo e donde vieram Respondi-lhe meu Senhor tu o sabes Ele en-tatildeo me disse Satildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeo lava-ram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro razatildeo por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuaacuterio e aquele que se assenta no trono es-tenderaacute sobre eles o seu tabernaacuteculo Jamais teratildeo fome nunca mais teratildeo sede natildeo cairaacute sobre eles o sol nem ardor algum pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentaraacute e os guiaraacute para as fontes da aacutegua da vida E Deus lhes enxugaraacute dos olhos toda laacutegrima (Ap 11-17)

Contexto histoacutericoO autor do Apocalipse identifica-se vaacuterias vezes como ldquoJoatildeordquo (ver

Ap 11 4 9 228) O autor tambeacutem afirma que estava na ilha de Pat-mos quando recebeu sua primeira visatildeo (Ap 119) Apesar de natildeo ser

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explicitamente nomeado entende-se que o autor do livro tenha sido o apoacutestolo Joatildeo isto por uma tradiccedilatildeo muito antiga que se harmoniza com as informaccedilotildees fornecidas pelo o texto biacuteblico O The Seventh-day Adven-tist Bible Commentary (SDABC) afirma

Quase por unanimidade a tradiccedilatildeo cristatilde reconhece-o como o autor do Apocalipse Na verdade todo escritor cristatildeo ateacute mea-dos do seacuteculo 3ordm cujas obras ainda existem hoje e que menciona o assunto de alguma forma atribui o Apocalipse de Joatildeo o apoacutes-tolo (NICHOL 2002 p 716)

Esses escritores satildeo Justino Maacutertir em Roma (c100-c165 dC em ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo) Irineu de Liatildeo (c130-c202 dC em ldquoContra as Heresiasrdquo v iv) Tertuliano de Cartago (c160-c240 dC em ldquoPrescriccedilatildeo contra Hereacuteticosrdquo) Hipoacutelito de Roma (morreu c220 dC em ldquoQuem eacute o homem rico seraacute salvordquo v Xlii) Eacute tambeacutem apoiado pelo testemunho desses autores que o livro foi escrito num contexto de perseguiccedilatildeo religiosa3

Contexto literaacuterioO livro do Apocalipse de acordo com a maioria dos especialistas tem

a forma literaacuteria de apocaliacuteptica biacuteblica (AUNE 2002 p lxxxii NICHOL 2002 p 724) Kenneth A Strand propotildee que o livro aleacutem de um proacutelogo e epiacutelogo possui oito visotildees principais dispostas numa estrutura quiaacutesti-ca enfatizando os capiacutetulos 14 e 15 como pivocirc central com um interluacutedio profeacutetico com exceccedilatildeo da primeira e da uacuteltima (STRAND 1992a) cada uma das visotildees satildeo introduzidas por cenas de vitoacuteria (ver NEAL 1992) Mesmo que alguns teoacutelogos e estudantes do livro de Apocalipse fiquem desconfortaacuteveis com a superutilizaccedilatildeo de ldquoquiasmosrdquo mesmo onde eles natildeo existam os paralelismos temaacuteticos em Apocalipse satildeo evidentes entre as visotildees estruturadas conforme sugeridas por Strand Em anos recentes foi proposto pelo teoacutelogo adventista Jacques Doukan que essas oito visotildees

3 Para um apanhado geral do debate sobre a autoria joanina de Apocalipse local e data da composiccedilatildeo veja a introduccedilatildeo do comentaacuterio sobre o livro do Apocalipse no SDABC (NICHOL 2002 p 715-720) para mais detalhes sobre a rejeiccedilatildeo da autoria joanina por uma parte significativa do escolasticismo moderno consulte a introduccedilatildeo do comentaacuterio de Apocalipse no World Biblical Commentary (AUNE 2002 p xlvii-lvi)

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baacutesicas poderiam ser agrupadas em uma estrutura seacutetupla pois cada cena introdutoacuteria ldquoretorna ao templo com uma nota lituacutergica que faz alusatildeo ao calendaacuterio das grandes festas santas de Israel (como prescrito em Leviacutetico 23)rdquo (DOUKHAN 2002 p 13-14)

Kenneth Strand procura delinear as influecircncias da estrutura literaacuteria e dos temas e siacutembolos veterotestamentaacuterios na interpretaccedilatildeo do livro do Apocalipse (STRAND 1992b p 28-24 24-25) Reinaldo Siqueira (2004 p 85-101) expande estas ideias sugerindo que o Apocalipse natildeo soacute utiliza-se de figuras to Antigo Testamento mas ajuda a explicar e definir o sentido das profecias claacutessicas ligando ambas claacutessica e apocaliacuteptica Estas ideias de fato natildeo satildeo de todo novas ou estranhas tanto entre cristatildeos de confissatildeo adventistas (ver NEAL 1992 PAULIEN 1995 TREIYER 1992 p 466-468) quanto evangeacutelicos (ver DRAPER 1983 LAacuteSZLOacute GALLUSZ 2011 p 122-124 SWEET 1979 ULFGARD 1989 p 2-5 35-41) e catoacutelicos (ver KOESTER 1989) Tais discussotildees da influecircncia dos motivos do santuaacuterio e festas de Israel natildeo satildeo estranhas ou novas ateacute mesmo seio do judaiacutesmo (SINGER ADLER 1912 p 390)

Com uma nota final sobre a estrutura geral do livro Richard Davidson (1992 p 115-116) salienta que as cenas introdutoacuterias quando comparadas umas com as outras mostram uma progressatildeo dos ldquoacontecimentos pro-feacuteticosrdquo enquanto as seccedilotildees que introduzem geralmente apresentam uma recapitulaccedilatildeo Sobre esses relacionamentos entre as seccedilotildees do livro de Apo-calipse Bruce Metzger (1994 p 55-54) mesmo concebendo uma estrutura literaacuteria diferente (por exemplo diferente agrupamento de visotildees) do que a proposta neste artigo sumariza

Seguindo esse padratildeo complicado e repetitivo Joatildeo preserva a unidade em seu trabalho travando as diversas partes umas as outras e ao mesmo tempo desenvolvendo seus temas O desen-volvimento poreacutem natildeo eacute de forma estritamente loacutegica como estamos familiarizados com a escrita ocidental eacute sim um pro-duto da mente semita que atravessa toda a imagem novamente e novamente Assim os sete selos e as sete trombetas essencial-mente a mesma coisa dizer cada vez enfatizando um ou outro aspecto do todo

A estrutura proposta desenvolvida com base nos princiacutepios menciona-dos acima estaacute ilustrada na proacutexima paacutegina por uma figura

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Figura 1 Estrutura do LivroTexto que sugerem paralelos na estrutura Quiaacutestica do ApocalipseCopilados pelo Dr K A Strand

A periacutecope esta inserida no terceiro bloco da estrutura proposta na Figura 1 acima

Estrutura da periacutecopeSugere-se a seguinte estrutura para a periacutecope estudada (Ap 7) I ndash Os 144 mil Selados e o Selo de Deus ndash 71-8 a) O Selo Protetor de Deus ndash 71-3 b) O selamento do povo de Deus ndash 74-8 II ndash O Povo de Deus Glorificado ndash 79-17 a) A visatildeo e o Cacircntico dos salvos ndash 79-12 b) A descriccedilatildeo dos salvos ndash 713-17 i ndash O Caraacuteter dos salvos ndash 713-15 ii ndash Promessas especiais aos salvos ndash 716-17

Textos paralelosApocalipse 141-5 apresenta-se como um claro paralelo das partes da

periacutecope estudada Outro paralelo natildeo tatildeo evidente que lanccedila luz sobre agrave

1113

178

A1Proacutelogo11-10a

A1

2735

312312314

27 11

B1Igreja

Militante110b-322

B1

A2

226227

221213

A2Epiacutelogo226-21

E

146 a 154

Suma Escatoloacutegica

Final

42465135662

61561179

71-3715717610

C1Accedilatildeo Divinaem Curso

41-81

C1 C2

1941916197919111918198213214192

C2Juiacutezo DivinoConcluiacutedo191-214

B2

22221272110224215217

B2Igreja

Triunfante215-225

D1

Advertecircnciaaos iacutempios82-1118

8788

81081292

9141115

PoderesOponentes a Deus e a Seu

Povo

1119-1420

1119121

123131

D2

Puniccedilatildeoaos iacutempios

PoderesOponentes

julgados por Deus

151-1617

162163164168

161016121617

1618-1824

161821171173

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identidade e o caraacuteter dos 144 mil eacute o capiacutetulo 9 de Ezequiel Ambos seratildeo brevemente abordados posteriomente para ldquoclarearrdquo o entendimento em re-laccedilatildeo ao caraacuteter dos 144 mil e o propoacutesito de Deus para sua Igreja

Motivos literaacuteriosO livro de apocalipse estaacute repleto de instacircncias que mostram como as

promessas da alianccedila sobre um futuro glorioso iratildeo se cumprir (SIQUEIRA 2004 p 98) O Capiacutetulo 7 desenvolve os temas do concerto introduzidos nos capiacutetulos anteriores (AUNE 2002 p 247)

Becircnccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedilaTanto no Pentateuco quanto no livro de Apocalipse o tema das

benccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedila estatildeo presentes delineando as con-sequecircncias da obediecircncia ou desobediecircncia (SHEA 1983) Como no Pentateuco o livro do Apocalipse inicia com a enunciaccedilatildeo da alian-ccedila ndash enfatizando basicamente 1) a bondade anterior do soberano e 2) estabelecendo a benevolecircncia do mesmo como parte das estipulaccedilotildees

ndash enquanto o resto do livro delineia o que acontece em consequecircncia do cumprimento ou violaccedilatildeo da alianccedila (STRAND 1983)

Na periacutecope estudada vemos os 144 mil de peacute no monte de Siatildeo en-quanto que no outro lado do quiasmo (veja a Figura 1) no capiacutetulo 19 a besta o falso profeta e os adoradores da besta satildeo lanccedilados no lago de fogo

TribulaccedilatildeoO capiacutetulo sete inicia a descriccedilatildeo de um periacuteodo na histoacuteria da terra onde

os ldquoquatro ventosrdquo estatildeo sendo seguros para que natildeo causassem nenhum mal ao soprar ldquona terra no mar ou em qualquer aacutervorerdquo (v 1-3) Na sequecircncia na segunda parte da periacutecope (v 14) encontra-se uma referecircncia agravequeles que escaparam da ldquogrande tribulaccedilatildeordquo provavelmente o mesmo evento descrito nos versos 1-3 apoacutes o acontecimento sob a perspectiva dos salvos

O vocaacutebulo grego utilizado eacute θλιψεως derivado de θλῖψις Pesqui-sando as ocorrecircncias do termo na LXX no contexto profeacutetico encontra-se a ocorrecircncia de uma construccedilatildeo muito similar em Daniel 121 que fala de um ldquotempo de anguacutestia qual nunca houve desde que houve naccedilatildeo ateacute agravequele tempordquo aparecendo no final da narrativa ldquoapocaliacutepticardquo de Daniel no con-texto do ataque final do rei do norte No sermatildeo profeacutetico conforme narrado por Mateus e Marcos Jesus faz referecircncia agrave ldquogrande tribulaccedilatildeordquo de Daniel

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aplicando-a primeiramente agrave destruiccedilatildeo do templo e a um periacuteodo posterior de perseguiccedilatildeo que se estende ateacute a sua volta (ver Mt 2415-30 Mc 1314-20)

Nestas passagens Jesus associa esta tribulaccedilatildeo com outro evento men-cionado por Daniel a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo como verte a Almeida Revista e Atualizada (ARA) ou o ldquogrande terrorrdquo como o faz a Nova Ver-satildeo Internacional (NVI) Segundo Beatrice Neal (1992 p 253 grifo nosso) Daniel identifica trecircs ocasiotildees onde a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo atingiria o templo e atacaria o povo de Deus bem como as analisa agrave luz do sermatildeo profeacutetico de Jesus

1) a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Dn 926-27) 2) a opressatildeo do povo da alianccedila quando eles seriam ldquomortos agrave espada ou no fogo ou seratildeo mandados para fora do paiacutes como prisioneiros ou perderatildeo todos os seus bensrdquo por ldquotempo dois tempos e metade de um tempordquo (1131-35 75) e 3) um ataque final no ldquotempo do fimrdquo (1140-121) Jesus parece misturar estes dois eventos claramente fazendo refe-recircncia para a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Mt 2415-20 cf Lc 2120) e para um periacuteodo posterior mais longo de perseguiccedilatildeo (Mt 2421 ver tambeacutem o ldquoapostasiardquo dos versiacuteculos 9-10 uma alusatildeo a Dn 113 b-35) Assim como a presenccedila dos romanos nas aacutereas sagradas de Jerusaleacutem marcaram o tempo do povo de Deus fugir nos tempos apostoacutelicos e o anticristo entronizando-se no temploigreja de Deus (2Te 23-4) marcou o um tempo de grande perseguiccedilatildeo na Idade Meacutedia assim do mesmo modo o ataque final de Satanaacutes contra a igreja do tempo do fim (Ap 1217 1315-17) precipitaraacute a grande tribulaccedilatildeo dos uacuteltimos dias

SelamentoAntes que esta ldquogrande tribulaccedilatildeordquo recaia sobre a Terra Joatildeo mostra ou-

tro anjo voando do oriente bradando em ldquoalta vozrdquo que nada fosse feito ateacute que o povo de Deus estivesse marcado na fronte (Ap 72-3) Nos tempos do Antigo Testamento especialmente no contexto da alianccedila selar ou marcar coisas e pessoas tinha diversos significados (ver FRIEDRICH 1976 p 939-953)

1) Propriedade a circuncisatildeo era uma marca de propriedade mostran-do que Israel pertencia ao Senhor (Gn 179-12) De modo anaacutelogo o sumo sacerdote de Israel tinha em sua mitra uma placa com a frase ldquoSantidade ao SENHORrdquo (Ecircx 2836-38) indicado sua especial consagraccedilatildeo a Deus No

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livro de Apocalipse por diversas vezes os santos satildeo chamados de ldquosacer-dotesrdquo (ver Ap 161 510 206) portanto a marca na fronte sugeriria sua dedicaccedilatildeo especial a Deus

2) Proteccedilatildeo desde os tempos antigos o objeto ou a pessoa que fosse to-mado como propriedade imediatamente ficava sob proteccedilatildeo Talvez a ocor-recircncia mais antiga de um selo com essa funccedilatildeo seja o selamento de Caim (Gn 415) Em Ecircxodo 12 haacute outro exemplo onde o sangue do cordeiro mar-cava e dava proteccedilatildeo aos primogecircnitos contra o Anjo da morte (Ecircx 1212-13) A esse respeito o livro de Ezequiel apresenta uma cena muito similar agrave de Apocalipse 71-3 tanto no aspecto temporal (ambas parecem situar-se em uma cena de juiacutezo do Dia da expiaccedilatildeo) quanto nas figuras utilizadas Em Ezequiel 9 o selamento na fronte dos fieis protege-os dos anjos executores do juiacutezo de Deus (Ez 94-6) Assim o Selo de Deus em Apocalipse natildeo os protege necessariamente dos poderes humanos mas da ira de Deus contra aqueles que violaram sua alianccedila

3) Outros aspectos relacionados ao selamento em Deuteronocircmio 68 lecirc-se ldquoTambeacutem as ataraacutes como sinal na tua matildeo e te seratildeo por frontal entre os olhosrdquo Aqui os israelitas foram ordenados a colocar os mandamentos de Deus como um sinal atado em seus braccedilos e fronte Nos versos anterio-res (Dt 65-7) haacute fortes indicaccedilotildees de que esse ato deveria simbolizar uma resposta do ser inteiro ndash no campo dos pensamentos emoccedilotildees e mesmo comportamento ndash e deveria permear todas as aacutereas da vida Portanto o sim-bolismo do selamento na fronte (Ap 73) e a marca falsificada da besta na matildeo (Ap 1317) simbolizam respectivamente uma resposta integral do ser a Deus ou conformidade agrave vontade do inimigo

Em Apocalipse 141 quando os 144 mil estatildeo no monte de Siatildeo vi-toriosos com o cordeiro eles satildeo descritos como tendo ldquoescritos na testa o nome dele [do Cordeiro] e o nome de seu Pairdquo Em Ezequiel 94 onde costumeiramente se lecirc na NVI ldquoponha um sinalrdquo ou na ARA ldquomarca com um sinalrdquo no hebraico se lecirc literalmente ldquomarca com um tavrdquo Deve-se notar que nos tempos do profeta Ezequiel o tav era grafado como uma cruz (BYRNE 2008)

Visto que na mentalidade biacuteblica o nome de um sujeito representa o caraacuteter de seu possuidor agrave luz dos textos acima Joatildeo parece sugerir que os vitoriosos da uacuteltima crise seratildeo aqueles que tecircm o caraacuteter semelhante ao de Cristo ldquoestampadordquo sobre o seu proacuteprio Na temaacutetica de Apocalipse 7 e 14 em contraste com Apocalipse 13 no conflito final todos refletiratildeo o caraacuteter de Cristo ou de Satanaacutes

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Os 144 mil e a grande multidatildeoApocalipse 7 mostra duas cenas distintas uma que introduz os 144

mil e outra que introduz a ldquoGrande Multidatildeordquo Nesta seccedilatildeo seraacute conside-rado mais diretamente o assunto sobre os 144 mil e o seu relacionamento com a grande multidatildeo para encontrar marcas identificaacuteveis dos 144 mil e tentar relacionaacute-las ao propoacutesito de Deus para a sua Igreja com base nas mesmas caracteriacutesticas

Significado do nuacutemeroOs 144 mil jaacute foram caracterizados como ldquoa ala humana do exeacutercito

coacutesmico de Deusrdquo (BLOUNT 2009 p 145) Joatildeo ouve o nuacutemero (Ap 74) e sua composiccedilatildeo (Ap 75-8) ndash 12000 de cada uma das 12 tribos de Israel

ndash sem no entanto nenhuma explicaccedilatildeo posterior fornecida A identidade desse grupo jaacute foi extensamente debatida e atualmente poucos sustentam a interpretaccedilatildeo de que o nuacutemero eacute uma referecircncia literal agrave naccedilatildeo de Israel (BLOUNT 2009 p 158)

O pesquisador e pastor britacircnico Michael Wilcock (1991 p 8) afirma

A figura eacute presumivelmente outra das figuras simboacutelicas do Apo-calipse e de fato aparenta ser muito estilizada para ser qualquer outra coisas ndash o tipo de nuacutemero suspeitosamente arrumado que eacute muito mais provaacutevel que seja um siacutembolo do que uma estatiacutestica

De fato o nuacutemero 144 mil (12 x 12 x 1000) eacute baseado no nuacutemero de tribos de Israel em nuacutemero de 12 e tambeacutem como alguns tecircm sugerido 12 apoacutestolos do cordeiro (JOHNSON 2004 p 184) Na mentalidade he-braica 12 eacute o nuacutemero da perfeiccedilatildeo de governo (BULLINGER 2006 p 253) e 1000 e o nuacutemero da plenitude divina Portanto 144 mil sugere uma simetria perfeita uma vastidatildeo dos selados e a perfeiccedilatildeo e completeza da Igreja de Deus

Relacionamento com a grande multidatildeoDepois que Joatildeo ouve o ldquocensordquo dos remidos ele os vecirc como uma grande

multidatildeo no ceacuteu Muito jaacute se discutiu e publicou sobre o assunto dando abertura a vaacuterias teorias Beatrice Neal (1992 p 267-272) agrupa as principais visotildees do relacionamento entre os 144 mil e a grande multidatildeo em 4 grupos de propostas

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1) Judeus literais contrastados com os gentios os maiores defensores desta posiccedilatildeo satildeo os dispensacionalistas identificando os 144 mil como o nuacutemeros de Judeus convertidos que seratildeo protegidos da tribulaccedilatildeo enquan-to a grande multidatildeo seraacute martirizada (PENTECOST 2010 p 214297-298300 WALVOORD 1989 p 143-146) Uma das dificuldades dessa in-terpretaccedilatildeo eacute que a distinccedilatildeo entre judeus e gentios natildeo e feita em nenhum lugar do livro de Apocalipse (NEAL 1992 p 268)

2) A uacuteltima geraccedilatildeo de santos contrastada com os redimidos de todas as eras alguns sustentam que os 144 mil satildeo os crentes selados durante a crise final uma espeacutecie de ldquoexeacutercito de Deusrdquo enquanto que a grande multidatildeo seratildeo os salvos de todas as eacutepocas (MOUNCE 1998 p 171 SMITH 2004 p 470-471) No entanto em Apocalipse 713-14 surge a pergunta ldquoEstes [hellip] quem satildeo e donde vieramrdquo e a subsequente resposta de que ldquosatildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeordquo essa questatildeo introduz um problema para esta interpretaccedilatildeo pois nas palavras do anciatildeo de Apocalipse 714 eles natildeo satildeo os remidos de todas as eras mas os que passaram pela grande tribulaccedilatildeo

3) Ambos satildeo o mesmo grupo em circunstacircncias diferentes a conclu-satildeo que ambos os grupos retratados no capiacutetulo 7 satildeo os mesmos apenas representados em momentos diferentes ndash respectivamente a Igreja militan-te e a Igreja triunfante ndash eacute partilhada por muitos estudiosos (HOEKSEMA 2000 p 265-266 NICHOL 2002 p 785) Apesar de ser uma interpretaccedilatildeo loacutegica e fiel ao texto aleacutem de resolver os problemas das interpretaccedilotildees ante-riores ela ainda apresenta um problema que natildeo eacute percebido facilmente se a segunda cena de Apocalipse sete representa a igreja no ceacuteu depois da segun-da vinda de Cristo entatildeo os santos de todas as eacutepocas devem estar presentes ao redor do trono natildeo somente a uacuteltima geraccedilatildeo

4) A igreja na tribulaccedilatildeo que estaacute espiritualmente diante do trono esta interpretaccedilatildeo foi originalmente proposta por Beatrice Neal (1992 p 270-272) durante sua participaccedilatildeo no Daniel and Revelation Committee a qual eacute adotado no restante deste artigo e complementada com elementos expostos anteriormente para se definir com base em Apocalipse 7 a Identidade e o propoacutesito da Igreja de Deus

Para comeccedilar a entender essa proposta faz-se necessaacuterio observar que em Apocalipse 714 o texto grego natildeo afirma ldquoestes que vieram da grande tri-bulaccedilatildeordquo mas ldquoestes os que estatildeo vindo [ἐρχόμενοι] da grande tribulaccedilatildeordquo4

4 O verbo ἔρχομαι estaacute no plural masculino no particiacutepio presente meacutedio ou passivo do nominativo

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Aparentemente a tribulaccedilatildeo estaacute em andamento Nesse sentido tem-se a im-pressatildeo de que algo estaacute errado com a traduccedilatildeo ateacute que seja observado um pa-dratildeo marcante dos escritos joaninos o conceito de ldquovida eterna agora ceacuteu nesta vidardquo (NEAL 1992 p 270) algo que de certo modo reflete o conceito teoloacute-gico conhecido com ldquoJaacute mas natildeo aindardquo Muitos exemplos satildeo observaacuteveis em especial no evangelho de Joatildeo5 Essa proposta sugere que o mesmo modo de pensamento ndash onde o que eacute real e literal no futuro avanccedila para o presente como uma experiecircncia espiritual ndash aparece no livro de Apocalipse

Beatrice Neal (1992 p 270) em sua proposta cita algumas evidecircncias internas destes paradoxos no livro de Apocalipse

B Os santos reinaratildeo para sempre (Ap 225) mas Joatildeo jaacute compartilha do Reino (Ap 19) mesmo no exiacutelio

B O Rio da Vida fluiacute pela Nova Jerusaleacutem (Ap 221-2) mas quem tem sede pode beber agora (Ap 717)

B Cristo viraacute em breve com a recompensa (Ap 2212) mas Ele vem jaacute para a Sua Igreja (Ap 25 16 25)

B A nova Jerusaleacutem viraacute do ceacuteu para a Nova Terra (Ap 212) mas ela desce agora mesmo para aquele que vence (Ap 312)

Em harmonia com essa visatildeo Joatildeo consistentemente se refere aos ini-migos de Deus como aqueles que ldquohabitam sobre a terrardquo (Ap 138) ao pas-so que aos santos chama de aqueles que ldquohabitam [σκηνοῦντας] no ceacuteurdquo (Ap 135) portanto viver no ceacuteu eacute uma experiecircncia presente (NEAL 1992 p 271) tendo acesso ao trono atraveacutes do cordeiro (ver Hb 1019-23)

O duplo sentido joanino eacute evidente nas palavras de Jesus em Joatildeo 525 ldquoEm verdade em verdade vos digo que vem a hora e jaacute chegou em que os mortos ouviratildeo a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viveratildeordquo Na mesma passa-gem o significado futuro eacute claro na volta de Cristo os mortos seratildeo ressuscita-dos Mas o significado presente estaacute tambeacutem evidente aqueles que estatildeo espiri-tualmente mortos satildeo trazidos de volta agrave vida ao ouvirem Jesus chamar Com o

5 Veja alguns exemplos no quarto evangelho 1) absolviccedilatildeo do julgamento (524) 2) ressurreiccedilatildeo da morte (525) 3) vida eterna (647) e 4) volta de Jesus (no futuro 141-3 e no presente em 141823)

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duplo sentido em mente Apocalipse 7 se enche de significados e os problemas expostos satildeo resolvidos respeitando-se a fidelidade ao texto No caso do texto em estudo visto que a grande multidatildeo ainda estaacute emergindo da grande tribula-ccedilatildeo (v 14) mesmo na terra os crentes podem estar no ceacuteu em sentido espiritual pelos meacuteritos do cordeiro e a obra do Espiacuterito Santo Quando eles cantam ldquoA salvaccedilatildeo pertence ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeirordquo (Ap 710) este cacircntico como os salmos imprecatoacuterios se torna um pedido de ajuda que acende aos ceacuteus sendo respondido por Deus que os protege dos ventos de destruiccedilatildeo (Ap 71) e das pragas vindouras (Ap 716 cf 168)

Dra Neal (1992 p 272) sumariza

Como eacute comumente entendido a primeira cena de Apocalipse 7 descreve a preparaccedilatildeo para a tribulaccedilatildeo e na segunda cena liber-taccedilatildeo da tribulaccedilatildeo sem menccedilatildeo da tribulaccedilatildeo em si Mas se o duplo sentido eacute intencional o capiacutetulo mostra como cristatildeos li-dam coma tribulaccedilatildeo quando no calor da mesma ndash como eles satildeo protegidos no tempo de prova que viraacute sobre o mundo todo (310)

Consideraccedilotildees finaisNo comeccedilo deste artigo duas questotildees foram levantadas A primeira

delas eacute quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que nos permitem traccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil

Para que a questatildeo seja respondida deve-se lembrar que Apocalipse 7 pa-rece responder a pergunta ldquoquem eacute que pode suster-serdquo (Ap 617) com os 144 mil sendo preparados para a tribulaccedilatildeo Mais adiante (v 10) eacute demonstrado que uma das caracteriacutesticas marcantes dos 144 mil eacute que eles proclamam com grande voz a mensagem de justificaccedilatildeo pela feacute que eacute a obra do Terceiro Anjo6

Quando considerado o duplo sentido joanino e se observa Apocalipse 7 agrave luz do que foi analisado ateacute aqui pode-se perceber que ao passo que as maldiccedilotildees se abateratildeo sobre a terra aqueles que forem fieis a Deus perma-neceratildeo inabalados perante o seu juiacutezo

6 A mensagem do Terceiro Anjo eacute juntamente com a restauraccedilatildeo de outras verdades a exaltaccedilatildeo de Jesus e a inteireza de seu ministeacuterio por noacutes (WHITE 2006 p 3624 2010 p 19-20)

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Agrave luz da evidencia biacuteblica recapitulada neste artigo os 144 mil satildeo uma figura da Igreja Militante que permaneceraacute fiel ateacute a volta de Cristo Sob esse prisma o motivo do selamento eacute crucial para identificar o propoacutesito da Igreja de Deus na atualidade O selamento agrave luz do contexto de Apocalipse 71-3 e Ezequiel 9 ocorre imediatamente antes do encerramento do dia da expiaccedilatildeo antitiacutepico

Ao selar Seu povo Deus se coloca como seu proprietaacuterio e portan-to a diretiva biacuteblica ldquoSejam santos porque eu sou santordquo (1Pe 11 cf Lv 114445 192 207) nunca foi tatildeo atual O mesmo selo que define o povo de Deus tambeacutem protege da ira divina contra aqueles que violaram sua alianccedila Ao passo que o selo de Deus dentro do contexto do adventismo do seacutetimo dia tem sido relacionado com os 10 mandamentos e com o quarto manda-mento em especial existe uma segunda dimensatildeo para o significado deste selo que transcende e abarca o primeiro Antes mesmo de accedilotildees (o selo de Deus agrave luz da evidecircncia biacuteblica exposta [Dt 65-8 Ap 73 Ez 94]) o sela-mento eacute um simbolo da resposta do ser inteiro abarcando todas as aacutereas da vida ao chamado divino agrave santidade

Se agrave luz de Deuteronocircmio 65-8 e outros inuacutemeros textos natildeo citados neste artigo percebe-se que a segunda dimensatildeo do selo eacute mais inclusiva ao se refletir acerca do selo escatoloacutegico de Apocalipse 73 e 141 sob o pano de fundo de Ezequiel 9 (especialmente o v 4) percebe-se que o selamento eacute a obra de Cristo nos crentes atraveacutes de Seu Espiacuterito (ver Ef 113-14) que os faz natildeo somente pertencer a Ele mas possuir o seu caraacuteter estampado sobre o deles mesmos Mesmo natildeo refletindo a sua inteireza de santidade o caraacuteter de Cristo nos crentes jaacute pode apresentar parte do aspecto ldquosem maacute-culardquo (Ap 145b) diante do Pai No contexto da alianccedila ldquosem maacuteculardquo natildeo significa ldquonatildeo pecarrdquo mas andar com Deus como Abraatildeo Noeacute e outros o fizeram (ver Gn 69 171 cf Hb 11) Deus intenciona que sua igreja cada membro individualmente e diariamente receba o selo divino em suas vidas e demonstre ao mundo que estaacute em harmonia com Deus e Seus imperati-vos ndash natildeo soacute o saacutebado e os outros mandamentos mas todo o ser deve ser consagrado ao Criador

Uma das caracteriacutesticas dos 144 mil em Apocalipse 145 eacute que ldquonatildeo se achou mentira em sua bocardquo Deus espera por uma Igreja e seus mem-bros individuais apenas a verdade No verso 4 eles satildeo caracterizados como

ldquoseguidores do Cordeirordquo Antes de ser sua tarefa futura no ceacuteu eacute dever da Igreja e de cada indiviacuteduo nos dias atuais seguir os passos de Cristo co-nhecer sua voz (ver Jo 102-5) e apegar-se ao ldquoassim diz o Senhorrdquo natildeo ao

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assim diz a sociedade agraves financcedilas ou qualquer outra desculpa para a natildeo conformidade com o evangelho de Cristo Eacute por isso que em Apocalipse 144 eles satildeo declarados ldquocastosrdquo e incontaminados com mulheres preservando-

-se uma em vida de fidelidade ao SalvadorA segunda pergunta a ser respondida por este artigo eacute qual eacute a relaccedilatildeo

das caracteriacutesticas dos 144 mil com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje Agrave luz do que foi recapitulado neste artigo parece clara a funccedilatildeo de Apocalipse 7 alertar a Igreja de Deus agrave necessidade de uma reforma e rea-vivamento diaacuterio e constante na vida do indiviacuteduo e da comunidade

Por fim a perfeiccedilatildeo numeacuterica do nuacutemero 144 mil eacute uma forte indica-ccedilatildeo daquilo que jaacute eacute evidente na Biacuteblia Deus cumpriraacute a risca seus planos e promessas para o seu Israel a despeito dos eventos que acontecem no mun-do ou na igreja ou a despeito da preparaccedilatildeo dos crentes

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Enviado dia 14112012Aceito dia 04012013

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual

de Lucas 2243-44Agony at Gethsemane a critical-textual study

of Luke 2243-44

Luan Henrique Gomes Ribeiro1 Wilson Paroschi2

Resumo Abstract

O texto de Lucas 2243-44 representa grande dificuldade textual agraves consi-deraccedilotildees a respeito da Paixatildeo de Cristo Isso ocorre porque o texto suge-rido natildeo pode ser encontrado nos melhores manuscritos que evidenciam

os relatos no Getsecircmani como consta no evangelho de Lucas Assim a fim de considerar tal problemaacutetica este artigo procura analisar alguns comentaacuterios dos Pais da Igreja do segundo seacuteculo e sugestotildees de alteraccedilatildeo escribal a fim de constatar a histoacuteria do texto problemaacutetico Por fim entende-se que o texto de Lucas foi uma legiacutetima interpolaccedilatildeo ocasionada por questotildees teoloacutegicas Contu-do em vista da importacircncia da tradiccedilatildeo fundamentada sobre a ocasiatildeo descrita no texto e antiguidade do mesmo o relato deve ser considerado verdadeiro Palavras-chave Lucas 2243-44 Criacutetica textual Getsecircmani Agonia

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) e poacutes-gra-duando lato senso em teologia biacuteblica pela mesma universidade E-mail lhgr21gmailcom2 PhD em Teologia do Novo Testamento pela Andrews University (2003) e poacutes-doutorado em Novo Testamento pela Ruprecht-Karls-Universitaumlt Heidelberg (2011) Atua como professor na Faculdade Adventista de Teologia no Unasp E-mail wilsonparoschiunaspedubr

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Luke 22 43-44 brings great textual difficulties to the considerations about The Passion of Christ This happens because this text cannot be found in the best manuscripts containing the story of Gethsemane as

it is told in the book of Luke Thus to consider this issue this article objectifies to analyze some comments of the Fathers of Church from the second century and some suggestions of scribes about changes on the writing so that the history of the text can be understood At last we conclude that this text was a lawful interpolation occasioned by theological needs However due to the important tradition based on the event described in the text and how old it is the story should be taken as real Keywords Luke 2243-44 Keywords extual criticism Gethsemane Agony

Ao longo da histoacuteria cristatilde o relato da Paixatildeo de Cristo tem sido o cen-tro natildeo somente da teologia mas tambeacutem da liturgia da igreja (BARBOUR 1969-70 p 231-251) Isso tambeacutem eacute verdade em relaccedilatildeo aos escritos dos proacuteprios evangelistas que dedicam uma consideraacutevel porccedilatildeo de seus relatos agrave prisatildeo e morte de Jesus

Como parte da narrativa existe um episoacutedio que eacute considerado o cen-tro de toda a Paixatildeo de Cristo a oraccedilatildeo de Jesus no jardim do Getsecircmani Todos os quatro evangelhos trazem esse relato (ver Mt 2647-56 Mc 1443-50 Lc 2247-53 Jo 181-11) poreacutem apenas os sinoacuteticos descrevem a difiacutecil oraccedilatildeo feita por Cristo aleacutem do fracasso dos disciacutepulos (ver Mt 2636-46 Mc 1432-42 Lc 2239-46)

Entre as poucas diferenccedilas e as muitas semelhanccedilas entre os trecircs evan-gelistas um relato aparece como uacutenico o suor de sangue produzido por Cristo e o anjo vindo do Ceacuteu para fortalececirc-lo (Lc 2243-44) A passagem de Lucas 2243-44 pode ser considerada um ldquoclaacutessicordquo quando se fala em criacute-tica textual e tradiccedilatildeo da igreja A passagem se demonstra problemaacutetica no aspecto textual pois natildeo aparece em boa parte dos melhores e mais antigos manuscritos disponiacuteveis (P69 75 01C1 A B N R T W 0211 13 579 1071 pc4 f SyrS sa bo Hiermss arm geo) assim como no aspecto teoloacutegico pois tanto a presenccedila como a ausecircncia do texto altera de maneira draacutestica a visatildeo

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que Lucas tem de Jesus De forma semelhante haacute implicaccedilotildees no conheci-mento cristoloacutegico que pode ser extraiacutedo do relato

Em vista das divergecircncias trazidas pelos manuscritos e pelos comentaacute-rios dos Pais da Igreja pode-se formular duas hipoacuteteses experimentais ou 1) o texto de 2243-44 foi omitido do texto original de Lucas ou 2) este foi ateacute aqui transmitido atraveacutes de uma interpolaccedilatildeo A partir destas hipoacuteteses duas perguntas surgem de maneira inevitaacutevel Lucas foi o autor do texto Qual o motivo da omissatildeointerpolaccedilatildeo do mesmo O presente trabalho tem como objetivo tentar encontrar respostas para as duas questotildees assim como fazer uma anaacutelise teoloacutegica sobre a relaccedilatildeo da igreja contemporacircnea com a do passado Atraveacutes da anaacutelise das diferentes ideias e comentaacuterios relacionados ao texto e sua transcriccedilatildeo assim como comparaccedilotildees gramaacuteticas e teoloacutegicas seratildeo apresentadas algumas consideraccedilotildees sobre o problema proposto

Histoacuteria do textoA lista de testemunhas do referido texto podem ser organizadas da se-

guinte forma 1) incluem os versos 43-44 א b D Κ L Χ Θ Δ Π Ψ 0171 f1 565 700 892 1009 1010 1071mg 1230 1241 1242 1253 1344 1365 1546 1646 2148 2174 Byz vg syrc p h pal arm eth Diatessarone

e arm i n Justino Irineu Hipolito Dionisio Eusebio Didimo Jeronimo e muitos outros pais da igreja 2) incluem os versos 43-44 com asteriscos Dc Pc 892mg 1079 1195 1216 bopt 3) transpotildeem os versos 43-44 logo apoacutes Mt 2639 f13 4) omitem os versos 43-44 P69vid 75 Ka Α Β Ν R Τ W 579 1071 pc Lectpt itf syrs sa bopt armmss geo Marcion Clement Origen MSSacc para Hilary Athanasius Ambrose Cyril John-Damascus

De maneira geral eacute possiacutevel alegar que os manuscritos ocidentais tra-zem os versiacuteculos ao passo que os de Alexandria o omitem3 Mesmo que os manuscritos alexandrinos sejam considerados dignos de confianccedila espe-cialmente quando colocados em comparaccedilatildeo com documentos ocidentais (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 66) natildeo haacute necessidade de ser categoacuteri-co ou precipitado ao afirmar que no caso em questatildeo a discussatildeo pode ser estabelecida com tais bases

Guumlnther Zuntz (1953 p 55-56 213-215) por exemplo argumenta que documentos natildeo alexandrinos lidos na tradiccedilatildeo ocidental e bizantina

3 Para uma descriccedilatildeo mais detalhada dos manuscristos ver BD Ehrman e APlunkett (1983 p 402 403)

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possuem grande chance de ser genuiacutenos (ver METZGER 1968 p 214) Por outro lado eacute legiacutetima a ideia de que muitos eruditos consideram Lucas 2243-44 uma distorccedilatildeo textual vinda do Egito4 Independentemente da preferecircncia textual a discussatildeo acaba sendo conduzida em direccedilatildeo agrave esco-lha de uma ou outra escola

A partir da anaacutelise das testemunhas tambeacutem eacute possiacutevel identificar uma data para a mudanccedila do texto Visto que a referecircncia mais antiga para o texto vem antes do ano 160 dC com Justino Martir (DONALDSON COXE 1997 p 251) e uma omissatildeo posterior a 200-230 dC (p69 p75) eacute possiacutevel afirmar que se o texto foi omitido isso ocorreu antes de 230 dC e se inse-rido antes de 160 aC

Probabilidades de transcriccedilatildeoQuando se trata de um problema textual a possibilidade de uma omis-

satildeo acidental deve sempre ser levada em consideraccedilatildeo Neste caso poreacutem a ocorrecircncia de tal possibilidade de erro escribal eacute dificultada por vaacuterias razotildees

Primeiramente o tamanho do texto em questatildeo (26 palavras) torna a possibilidade de que o escriba tenha intencionalmente alterado o texto im-provaacutevel Turner (1957 p 1-4) argumenta que erros dessa natureza devem ser considerados plausiacuteveis apenas quando o intervalo natildeo eacute longo Aleacutem disso natildeo eacute possiacutevel encontrar nenhum tipo de homoioteleuton (frases com finais semelhantes) no texto para que algueacutem tenha simplesmente confundido o texto com outro descrito algumas linhas abaixo Igualmente eacute difiacutecil ima-ginar que uma passagem dessa importacircncia fosse retirada do texto mesmo que involuntariamente sem correccedilatildeo Diante disso a transcriccedilatildeo do texto eacute melhor compreendida como alterada de maneira consciente e deliberada

Alguns autores tecircm sugerido que o texto teria sido omitido com o intui-to de harmonizar os evangelhos (LAGRANGE 1921 p 563 DUPLACY 1981 p 79 BRUN 1933 p 276) Apesar da aparente soluccedilatildeo do problema natildeo se encontra razatildeo para acreditar em tal teoria por representar um exem-plo sem precedentes aleacutem de que muitas outras diferenccedilas foram deixadas no texto como por exemplo a tripla oraccedilatildeo de Jesus ou a menccedilatildeo de Pedro Tiago e Joatildeo estando com Ele Se de fato uma tentativa de harmonizaccedilatildeo tivesse sido feita muitas outras alteraccedilotildees no texto seriam encontradas

4 Uma lista dos eruditos que incluem e excluem os versos pode ser encontrada em Marshall (1978)

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Como muitos autores tecircm sugerido o problema textual de Lucas 2243-44 deve ser entendido agrave luz das discussotildees teoloacutegicas dos primeiros seacuteculos De fato essa ideia natildeo eacute nova e pode ser remetida ao seacuteculo 4 dC com Epi-facircnio (Ancoratus 31 4-5)

[Essa passagem] eacute encontrada nas coacutepias natildeo revistas do Evange-lho de Lucas e Santo Irineu usou seu testemunho em seu trabalho Adversus Haereses contra aqueles que dizem que Cristo [apenas] parecia se manifestar [na carne] Mas aqueles que eram ortodoxos omitiram a passagem por medo natildeo compreendendo o seu propoacute-sito e grande forccedila Assim ldquoquando ele estava em agonia Ele suou e o seu suor tornou-se como grandes gotas de sangue E um anjo apareceu fortalecendo-Ordquo

Da mesma maneira Hilaacuterio (350 dC) recorda em De Trinitate (1041)

Certamente natildeo podemos nos esquecer de que em muitos manus-critos em grego e em latim nada eacute registrado da vinda do anjo e o suor como sangue Entatildeo algueacutem pode ter duacutevida se este em di-ferentes livros estaacute ausente ou eacute considerado redundante ndash este eacute deixado indeterminado por causa das diferenccedilas nos livros Algumas heresias utilizam as palavras para afirmar a fraqueza de Jesus que precisava da ajuda de um anjo mas por favor considere que o criador dos anjos natildeo precisa desta proteccedilatildeo [hellip] O suor de sangue eacute um testemunho contra a heresia que fala falsamente de uma ilusatildeo [do corpo de Jesus docetismo] o suor manifesta a verdade do corpo

Severo de Antioquia preserva uma declaraccedilatildeo de Cirilo de Alexandria (375-444 dC) a partir de um trabalho perdido de outra forma Severo es-creve na ldquo3ordf carta do sexto livro das pessoas depois do exiacuteliordquo para a ldquoglo-riosa Cesareiardquo

Mas a respeito da passagem sobre o suor e as gotas de sangue saiba que nas divinas Escrituras e Evangelhos que estatildeo em Alexandria esta natildeo estaacute escrita Por isso tambeacutem o Santo Cirilo no 12ordm dos livros escritos por ele em nome da religiatildeo de todos os cristatildeos contra o iacutem-pio adorador de democircnios Julio claramente declarou como segue

ldquoMas desde que ele disse que o divino Lucas inseriu entre suas

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proacuteprias palavras a afirmaccedilatildeo de que um anjo apareceu e for-taleceu Jesus e seu suor escorria como gotas de sangue ou san-gue deixe-o saber de noacutes que natildeo encontramos nada deste tipo inserido na obra de Lucas a natildeo ser talvez que uma interpola-ccedilatildeo foi feita de fora e que natildeo eacute genuiacutena Os livros portanto que estatildeo entre noacutes natildeo contecircm absolutamente nada desse tipo e eu portanto acho que eacute uma loucura para noacutes dizer qualquer coi-sa a ele sobre essas coisas e eacute supeacuterfluo se opor a ele com base em textos que de maneira nenhuma foram escritos e se o fizer-mos seremos condenados a ser ridicularizados e isto seraacute justordquo Nos livros portanto que estatildeo em Antioquia e em outros paiacuteses a passagem estaacute escrita e alguns dos pais a mencionam entre os quais Gregoacuterio o Teoacutelogo fez menccedilatildeo desta mesma passagem na segunda homilia sobre o Filho e Joatildeo bispo de Constantinopla na exposiccedilatildeo composta por ele sobre a passagem lsquoMeu Pai se possiacutevel passa de mim este caacutelicersquo

A partir do quinto seacuteculo os dois textos jaacute haviam sido amplamente di-vulgados e as escolas optavam pelo texto mais curto ou mais longo de acordo com suas preferecircncias e tradiccedilotildees textuais motivo pelo qual natildeo podem ser utilizados textos posteriores para comprovar a autenticidade dos versiacuteculos em questatildeo ao menos natildeo sem incorrer em anacronismo Eacute interessante poreacutem o fato de que ao longo dos seguintes seacuteculos a versatildeo mais longa de Lucas foi aceita Anastaacutecio Sinaiacuteta (ou do Sinai) proliacutefico escritor eclesiaacutes-tico padre monge e abade do Mosteiro de Santa Catarina (do Sinai) no seacuteculo 7 dC escreve (Viae Dux 223)

Pois mesmo se algueacutem tentar adulterar os livros de uma ou ateacute mesmo duas liacutenguas imediatamente sua fraude eacute refutada pelas outras setenta liacutenguas De qualquer forma esteja ciente de que alguns tentaram apagar as gotas de sangue o suor de Cristo do Evangelho de Lucas e natildeo foram capazes Porque aqueles que natildeo possuem a seccedilatildeo satildeo refutados por muitos e vaacuterios evangelhos que a possuem pois em todos os evangelhos das naccedilotildees o relato conti-nua a existir e na maioria daqueles [manuscritos] em grego

Jaacute na eacutepoca da Reforma vemos que Lutero natildeo apenas incluiu a passa-gem em sua traduccedilatildeo mas tambeacutem comentava os versiacuteculos de maneira livre

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Como eacute grande o sabor da dor da morte que podemos discernir em Cristo quando disse ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute agrave morterdquo [Mt 2638] Considero estas como as maiores palavras em todas as Escrituras embora tambeacutem seja uma grande e inexpli-caacutevel coisa que Cristo clamou na cruz ldquoEli Elirdquo [Mt 2746] Ne-nhum anjo compreende quatildeo grande coisa eacute que Ele tenha suado sangue [Lucas 2244] Isto ocorreu com o sabor e temor da morte (HARITAGE 1997 c1996)

Tambeacutem Calvino em seu comentaacuterio cita livremente os versos contudo mais do que isso ele introduz um argumento que quase 1400 anos depois da primeira referecircncia que temos do texto via o sofrimento de Cristo como algo repulsivo Ele diz ldquoAqui pessoas ignorantes se levantam e exclamam que teria sido indigno Cristo ter medo de ser engolido pela morte Mas eu desejo que eles respondam a esta pergunta que espeacutecie de surdo eles supotildeem que tenha sido aquele [Deus] que extraiu de Cristo gotas de sanguerdquo(CALVIN 2002)

De fato assim como nos dias de Calvino algumas caracteriacutesticas do texto poderiam ofender os cristatildeos dos primeiros seacuteculos Primeiramente um anjo fortalecendo a Jesus poderia gerar problemas quanto a sua divin-dade O fato de estar em profunda agonia e suar sangue poderiam fortalecer a ideia ariana a respeito da natureza de Cristo por fim a intensa oraccedilatildeo de Jesus para que o ldquocaacutelicerdquo fosse passado adiante poderia facilmente colocar a voluntariedade de Jesus ao ir para a cruz em descreacutedito

Da mesma maneira a interpolaccedilatildeo do texto seria nas palavras de Wes-tcott e Hort ldquoadequado para citaccedilotildees em controveacutersias contra doutrinas do-ceacuteticas e apoliniarianistasrdquo (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 64) De fato deve-se considerar o fato de que as trecircs mais antigas citaccedilotildees preservadas de Lucas 2243-44 satildeo colocadas diretamente contra fortes heresias cristo-loacutegicas Justino Maacutertir (Dia 1038) e Irineu contra docetistas (Adv Haer 3222) e Hipolito contra um patripassionista (Contra Noetum 182)

Em vista das evidecircncias apresentadas acima haacute de se considerar mais uma questatildeo qual leitura eacute melhor entendida como sido originada em meio agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo Como observado por Ehrman e Plunkett ldquoa preocupaccedilatildeo teoloacutegica do Cristianismo ortodoxo do segundo seacuteculo era a afirmaccedilatildeo da verdadeira humanidade de Jesus em face de diver-sas vertentes da heresia doceacuteticardquo (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 407)

Outro fator decisivo eacute que os Pais que citam os versiacuteculos satildeo auto-res ortodoxos tentando de maneira incisiva combater heresias Eacute pouco

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provaacutevel que o trabalho de exclusatildeo do texto por autores natildeo ortodoxos defendendo ideias contraacuterias teria ganhado vasta aceitaccedilatildeo em escolas que natildeo sofreram influecircncias doceacuteticas como por exemplo Alexandria Caso o texto seja considerado como uma omissatildeo haveria ainda outra dificuldade se o texto foi realmente omitido por motivos teoloacutegicos por que outros textos que tratam da natureza humana de Jesus continuaram inalterados E tambeacutem como grupos considerados hereges vieram a ter tanta influecircncia na tradiccedilatildeo textual

Em vista da presenccedila e ausecircncia do texto de Lucas 2243-44 nos vaacuterios manuscritos preservados torna-se impossiacutevel determinar qual leitura deve-ria ser considerada autecircntica Quando recorremos aos pais da igreja vemos os que citam o texto o fazem no combate a conhecidas heresias da eacutepoca e que sua utilizaccedilatildeo como referecircncia era temida por alguns e defendida por outros com base em sua relevacircncia

Quando a discussatildeo eacute analisada agrave luz das tensotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo vemos que o texto eacute melhor compreendido como uma interpolaccedilatildeo quase tatildeo antiga quanto o proacuteprio evangelista

Anaacutelise do textoDados os devidos comentaacuterios a respeito dos manuscritos relaciona-

dos ao texto de Lucas 2243-44 o trabalho avanccedila em direccedilatildeo agraves evidencias internas natildeo apenas dos versiacuteculos em questatildeo mas tambeacutem do Evangelho de Lucas como um todo Assim seraacute feita uma anaacutelise leacutexica dos versos e entatildeo uma anaacutelise teoloacutegica dos mesmos

Vocabulaacuterio e estiloA primeira referecircncia do versiacuteculo 43 eacute feita em relaccedilatildeo a um anjo que

desce do Ceacuteu para confortar a Jesus A referecircncia a anjos dentro da litera-tura lucana pode ser vista em vaacuterias passagens (ver Lc 1 e 2 128 9 1510 2423 At 519 826 103 7 22 1113 127 23 239 2723) demonstrando certa preferecircncia pelo tema Eacute notoacuterio poreacutem o fato de que estes satildeo des-critos como ldquode Deusrdquo (ver 128 9 1510 At 103 2723) ou ldquodo Senhorrdquo (ver 29 At 519 826 12723) e nunca ldquodo Ceacuteurdquo Aleacutem disso em outras partes do Evangelho os anjos soacute aparecem nas histoacuterias de nascimento e ressurreiccedilatildeo ademais em nenhuma outra apariccedilatildeo em Lucas ou Atos um anjo permanece em silecircncio (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 409) Tais

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fatores conduzem o pesquisador a um uacutenico paralelo que pode ser visto nas primeiras palavras do versiacuteculo 43 em comparaccedilatildeo com Lucas 111 ldquoE eis que lhe apareceu um anjo [ὤφθη δὲ αὐτῷ ἄγγελος]rdquo

Existem trecircs hapax legomena no texto (ἀγωνίᾳ ἱδρὼς e θρόμβοι) ou seja 115 do total do texto comparados a um total de 11 em Lucas Tal concen-traccedilatildeo de hapax legomena pode comprometer qualquer reivindicaccedilatildeo de uma linguagem tiacutepica de Lucas o que tambeacutem eacute argumento a favor de uma interpo-laccedilatildeo pois Lucas eacute amplamente conhecido por seu vocabulaacuterio singular (ver Lc 48 638 1034) O que pode ser dito eacute que nesse caso reivindicaccedilotildees de uma

ldquolinguagem caracteriacutesticardquo satildeo ineficazes para ambos os lados da discussatildeoO aspeto mais evidente na anaacutelise do texto eacute que este se torna mais

claro quando entendido sem os versiacuteculos 43 e 44 Natildeo eacute necessaacuteria neste caso uma leitura no texto grego para que se evidencie a interrupccedilatildeo que os versiacuteculos trazem Na ordem do relato de Lucas Jesus chega ao Getsecircmani ordena que os disciacutepulos orem afasta-se deles ajoelha-se e entatildeo ora a Deus Dessa forma encontramos um parecircntese uma interrupccedilatildeo na narra-tiva que do contraacuterio descreve Jesus se levantando e voltando aos disciacutepulos (v 45) aquilo que era esperado dele

Aspectos teoloacutegicosComo dito anteriormente somente o Evangelho de Lucas nos traz o

relato do auxiacutelio angelical e de Jesus suando sangue Sem duacutevida o episoacute-dio retrata Jesus sofrendo de uma maneira inimaginaacutevel tanto mentalmente devido a sua ἀγωνία quanto fisicamente podendo ser facilmente identifica-do em seu suor tornando-se sangue

Em vista de tanto sofrimento devemos nos perguntar se era do interes-se de Lucas apresentar Jesus sofrendo Deve-se levar em consideraccedilatildeo que a pergunta natildeo eacute se Jesus sofreu o que eacute um fato bem estabelecido e vastamen-te trabalhado nos Evangelhos mas se Lucas tinha o interesse de apresentar esse aspecto da vida de Cristo Na tentativa de identificar tal relaccedilatildeo (Evan-gelho de Lucas e o tema do sofrimento) seraacute feita uma anaacutelise comparativa do texto de Lucas com os demais sinoacuteticos

Na cena do Monte das Oliveiras Lucas omite as palavras de Jesus ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute a morterdquo (Mc 1434 ver Mt 2638) assim como natildeo diz que Cristo estava ldquotomado de pavor e de anguacutestiardquo (Mc 1433) No Getsemani Jesus se ajoelha para orar (Lc 2242) ao contraacuterio dos demais evangelistas que descrevem Jesus ldquocaindo com o rosto em terrardquo (Mc 1435 cf Mt 2639) Em Lucas Jesus ora ao Pai apenas uma vez mas

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nos demais evangelhos trecircs ldquoAo reduzir agrave uma a tripla oraccedilatildeo de Marcos Lucas daacute a impressatildeo de que Jesus sabia imediatamente o que estava por vir e que era a vontade de Deus Ele natildeo estava atordoado como em Marcos Lucas reformulou a histoacuteria de Marcos de tal modo que Jesus tivesse uma maior capacidade de resistecircncia e obediecircnciardquo (NEYREY 1980 p 158) Em Lucas Jesus natildeo ora para que a ldquohorardquo lhe fosse poupada (Mc 1435) assim como adiciona ldquose queresrdquo no lugar de ldquose possiacutevelrdquo (Mc 1436)

No momento de sua prisatildeo Jesus natildeo permite que Judas o beije (Lc 2247-48) diferentemente dos outros Evangelhos (ver Mc 1445 cf Mt 2649) Jesus conversa com mulheres durante a via dolorosa e as aconselha que natildeo chorem por Ele (Lc 2328-31) Lucas eacute o uacutenico que descreve Jesus perdoando seus executores (Lc 2334) e conversando com os dois demais crucificados (Lc 2339-43)

Por fim em vez do alto clamor ldquomeu Deus meu Deus por que me desamparasterdquo (Mc 1534) Jesus clama ldquoPai nas tuas matildeos entrego o meu espiacuteritordquo (Lc 2346) e com total controle de si mesmo da hora de sua morte Cristo sem nenhum grito adicional (Mc 1537 Mt 2750) morre

Em vista do fato de que Jesus se demonstra calmo e com o domiacutenio da situaccedilatildeo Lucas 2243-44 aparenta ser um intruso teologicamente falando no Evangelho de Lucas Se os versiacuteculos satildeo originais somente nessa oca-siatildeo Cristo seria descrito com tanta dor somente nesse momento Ele perde o controle e se aproxima de sua morte com medo

A partir do estudo da linguagem do texto vemos que natildeo encontramos paralelos estiliacutesticos perfeitos em relaccedilatildeo ao restante da literatura lucana e que devido ao seu peculiar estilo literaacuterio natildeo haacute como manter um posi-cionamento na discussatildeo Aliaacutes deve-se considerar tambeacutem que o texto eacute claramente mais coerente quando o verso 45 eacute lido na sequecircncia do verso 43

Lucas natildeo possui a preocupaccedilatildeo de apresentar a Cristo sofrendo pelo contraacuterio Jesus eacute amiuacutede descrito como possuidor de total controle das situaccedilotildees fazendo com que os versiacuteculos em discussatildeo aparentem ser intrusos ao texto

AvaliaccedilatildeoApoacutes reconhecer que as evidecircncias apontam na direccedilatildeo que compreen-

de o texto como uma interpolaccedilatildeo resta analisar as implicaccedilotildees teoloacutegicas de tal leitura A primeira e mais importante questatildeo que surge eacute se o texto natildeo foi escrito por Lucas o relato pode ser considerado como verdadeiro A

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resposta para essa pergunta pode variar de maneira draacutestica de acordo com a forma que o inteacuterprete se aproxima do texto

Como analisado anteriormente a referecircncia mais antiga que temos eacute proveniente pelo menos do ano 165 dC ano da morte de Justino Martir Contudo isso natildeo significa necessariamente que outros jaacute natildeo houvessem citado a passagem e principalmente que esta natildeo fosse conhecida Implica-

-se apenas que natildeo pode ser comprovada atraveacutes dos manuscritos e que o texto jaacute era usado anteriormente

A falta dos manuscritos poreacutem natildeo impede a afirmar de que o texto necessariamente deveria ser conhecido de maneira preacutevia Seria impossiacutevel considerar estes versiacuteculos como um mero produto da criatividade dos escri-bas (PLUMMER 1896 p 509) Tamanha mudanccedila seria facilmente perce-bida e rejeitada pela comunidade da eacutepoca

Mesmo quando os textos alexandrinos satildeo tratados deve-se ter em mente que possivelmente eles tenham rejeitado o texto natildeo pela falta de ve-racidade no relato mas pelo simples fato de que o texto primeiramente natildeo se encontrava em meio as palavras de Lucas e que pelo bem da originalidade do texto este devesse sobreviver de outra maneira

Natildeo seria correto desvalorizar de maneira apressada as tradiccedilotildees mais antigas agrave disposiccedilatildeo Estas nos trazem natildeo somente o modo como os cristatildeos dos primeiros seacuteculos enxergavam a Biacuteblia (o que eacute por si soacute uma grande fonte de conhecimento) mas tambeacutem eventos sobre a vida da comunidade dos apoacutestolos e ateacute do proacuteprio Cristo Seria insensato desconsiderar o aviso deixado ao final do Evangelho ldquoHaacute poreacutem ainda muitas outras coisas que Jesus fez e se cada uma das quais fosse escrita cuido que nem ainda o mun-do todo poderia conter os livros que se escrevessemrdquo (Jo 2125)

Natildeo somente nesse caso mas em vaacuterios outros podemos identificar a influecircncia da tradiccedilatildeo apostoacutelica dentro do texto biacuteblico Em Atos 2035 Paulo fala aos presbiacuteteros da igreja de Eacutefeso advertindo-os a ldquorecordar as palavras do proacuteprio Senhor Jesus melhor eacute dar do que receberrdquo Mas onde pode ser encontrado dentro dos Evangelhos canocircnicos Jesus dizendo tal coi-sa Da mesma forma existem as referecircncias de 1 Coriacutentios 710 e 914 onde palavras que natildeo encontram nenhuma correspondecircncia exata com os textos evangeacutelicos satildeo atribuiacutedas a Jesus ldquoConquanto Paulo afirme que a essecircncia do evangelho ele natildeo a havia recebido lsquode homem algum mas mediante revelaccedilatildeo de Jesus Cristorsquo (Gl 112) as referencias que faz agraves declaraccedilotildees de Jesus certamente foram obtidas junto agraves tradiccedilotildees orais ou fragmentaacuterias que circulavam na igreja apostoacutelicardquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

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Natildeo somente Paulo mas tambeacutem Lucas declara que ldquomuitos houve que empreenderam uma narraccedilatildeo coordenadardquo e que esta foi transmitida a ele desde o principio atraveacutes de ldquotestemunhas ocularesrdquo (Lc 11-2) Mui-to daquilo que Jesus fez e falou foi preservado e transmitido de forma oral e escrita mesmo que fora dos Evangelhos Isso se comprova nas palavras de Euseacutebio falando a respeito de Papias que este ldquojulgava que natildeo poderia obter tanto proveito da leitura dos livros quanto da viva voz dos homens que ainda viviamrdquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

Da mesma maneira os versiacuteculos em questatildeo possivelmente tenham sido um fragmento de alguma tradiccedilatildeo seja esta escrita ou oral que foi por algum tempo em algum lugar anotada agrave margem de algum Evangelho ca-nocircnico e que sem duacutevida incluiacuteam em sua narrativa um alto grau de auten-ticidade e valor intriacutenseco (PLUMMER 1896 p 509) Por fim devemos entender que nas palavras de Plummer (PLUMMER 1896 p 544)

pouco importa se Lucas incluiu os textos em sua narrativa con-tanto que a autenticidade destes seja reconhecida como tradiccedilatildeo evangeacutelica Neste contexto a passagem eacute como aquela que diz respeito agrave mulher apanhada em adulteacuterio [hellip] Noacutes natildeo preci-samos ter nenhuma hesitaccedilatildeo em mantecirc-la como uma genuiacutena parte da tradiccedilatildeo histoacuterica A histoacuteria eacute verdadeira quem quer que tenha escrito ela

Consideraccedilotildees finaisConsiderando toda a argumentaccedilatildeo proposta ao longo do trabalho

pode-se chegar a pelo menos cinco conclusotildees 1) os versiacuteculos 43 e 44 de Lucas 22 satildeo omitidos em diversos manuscritos antigos principalmente da famiacutelia alexandrina marcados com asteriscos em outros e transpostos den-tro do evangelho de Mateus em f13 2) a discussatildeo eacute melhor entendida quando vista em relaccedilatildeo agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo e neste sentido o texto eacute compreendido como sendo uma interpolaccedilatildeo feita provavelmente por razotildees teoloacutegicas 3) discussotildees a respeito de uma linguagem lucana natildeo conduzem a nenhuma conclusatildeo plausiacutevel sendo verdade que posto dentro de sua periacutecope os versos devem ser considerados no miacutenimo como uma quebra no texto um parecircntese na narraccedilatildeo 4) a figura de Jesus apresentada nos versiacuteculo 43 e 44 natildeo estaacute de acordo com o restante do Evangelho que

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apresenta Cristo sempre de maneira calma com o controle dele mesmo e da situaccedilatildeo sem medo da morte e 5) em vista de sua antiga data e clara impor-tacircncia dentro da tradiccedilatildeo cristatilde o relato deve ser considerado verdadeiro e um resgate feito por escribas do segundo seacuteculo salvando uma histoacuteria que de outra maneira teria sido esquecida E a estes escribas a nossa gratidatildeo

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Enviado dia 14012013Aceito dia 11032013

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedico-social

Church discipline and juridic-social reality

Jorge Lucien Burlandy1

ResumoAbstract

Durante o desenvolvimento da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) diver-sas mudanccedilas foram realizadas nas ediccedilotildees do Manual da Igreja (1932-2010) em especial no item de disciplina eclesiaacutestica a fim de aprimorar

sua praacutetica Natildeo obstante a lideranccedila da IASD costuma falhar na aplicaccedilatildeo desses princiacutepios em virtude do desconhecimento das implicaccedilotildees judiciais na praacutetica da disciplina Atraveacutes da anaacutelise do funcionamento de algumas normas da legislaccedilatildeo brasileira relacionadas com as praacuteticas religiosas e seus principais reflexos na apli-caccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica este artigo procura contextualizar a praacutetica discipli-nar e evitar desentendimentos correntes na administraccedilatildeo da igreja Palavras-chave Disciplina Legislaccedilatildeo Eclesiologia Manual da igreja

During the development of the Seventh Day Adventist Church several changes were made in the editions of the Church Manual (1932-2010) The ecclesiastical discipline had several modifications so it could be

applied in better ways However church leaders sometimes fail when applying discipline because they donrsquot know its judicial implications This article aims to approach the ecclesiastical discipline to the Brazilian legislation recommenda-tions about religious practices and how it interferes in the common procedure of discipline In this sense it may be possible to avoid misunderstandings and complications for the church administrators resulted from disciplineKey-words Discipline Legislation Ecclesiology Church Manual

1 Ex-diretor e professor do Seminaacuterio Latino-Americano de Teologia e pastor jubilado E-mail jorgeburlandyhotmailcom

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O Antigo Testamento apresenta ocasiotildees especiacuteficas onde Deus procu-ra orientar ou corrigir o seu povo atraveacutes de prescriccedilotildees legais (Ecircx 201-17 3225-28 Lv 101-6 Dt 134-35 171-7) Essas prescriccedilotildees variam abran-gendo tanto os elementos lituacutergicos como civis entre a naccedilatildeo teocraacutetica ndash principalmente apoacutes o estabelecimento das 12 tribos em Canaatilde sob a lide-ranccedila dos profetas e juiacutezes (Jz 37-114478 11 e 15 1Sm 72-4) Assim cada prescriccedilatildeo possui caraacuteter de beneficecircncia onde o proacuteprio Deus procura orientar Israel a fim de conservaacute-los no caminho da vida (Dt 624 3015 e 19 3247) O sentido juriacutedico dos mandamentos foi igualmente enfatizado no Novo Testamento atraveacutes das abordagens de Cristo em algumas ocasiotildees onde procura reutilizar-se de algumas das preleccedilotildees divinas (Mt 1815 191-8 Mc 101-8) Dessa forma eacute atraveacutes das prescriccedilotildees neotestamentaacuterias que encontramos as bases fundamentais para a praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica na Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) tema do nosso estudo2

Muito embora os apoacutestolos tenham seguido as prescriccedilotildees de Cristo a respeito da Disciplina Eclesiaacutestica (At 51-10 1Co 51-7) as proacuteprias Es-crituras atestam que apoacutes a morte dos uacuteltimos disciacutepulos de Jesus boa parte do cristianismo lentamente se afastava da Biacuteblia sendo assim influenciado por pensamentos e costumes pagatildeos (At 2029-30 2Ts 23 e 7)3 A Disciplina Eclesiaacutestica foi considerada como accedilatildeo redentiva e praticada com base nos princiacutepios biacuteblicos ateacute aproximadamente o seacuteculo IV Eacute compreendido que nos primeiros anos do cristianismo apoacutes Constantino as heresias eram pu-nidas apenas como castigos eclesiaacutesticos (como a excomunhatildeo) No periacuteodo da Idade Meacutedia (sec 12) que ela intensificou seu significado punitivo atraveacutes da ldquoSanta Inquisiccedilatildeordquo que inicialmente tratando de heresias praticaram brutalidades injustificaacuteveis em nome da suposta feacute cristatilde Com o passar do tempo a violenta correccedilatildeo praticada pelo pretenso cristianismo foi associa-da agrave praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica como um elemento essencialmente punitivo (JESCHKE 1972 p 10)

2 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste estudo o aprofundamento biacuteblico na teologia da Disciplina Eclesi-aacutestica As consideraccedilotildees que se seguem pressupotildeem um fundamento biacuteblico como princiacutepio norteador da praacutetica da disciplina 3 Durante os primeiros quatro seacuteculos as doutrinas de Cristo foram alteradas e cada mu-danccedila concedeu mais poder ao bispo ldquoJuntamente com tais pessoas de fora Paulo tambeacutem menciona a possibilidade de pessoas de dentro da igreja que adotariam ensinos pervertidos para seduzir a congregaccedilatildeordquo (MARSHALL 2006 p 312) Ellen G White (1999 p 587) alega que ldquoCedo na histoacuteria da igreja o misteacuterio da iniquidade predito pelo apoacutestolo Paulo iniciou sua calamitosa obra e quando os falsos ensinadores a cujo respeito Pedro advertiu os crentes exibiram suas heresias muitos foram seduzidos pelas falsas doutrinasrdquo

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Em ocasiotildees posteriores a feacute reformada (sec 16) procurou restabelecer as antigas praacuteticas biacuteblicas relacionadas agrave Disciplina Eclesiaacutestica A fim de apregoar a ldquopura doutrina do evangelhordquo segundo J Carl Laney (1985 p 43) a Confissatildeo Belga (1561) em solo reformado identificou a Discipli-na Eclesiaacutestica como ldquouma das marcas da verdadeira igrejardquo Isso tambeacutem ocorreu em situaccedilotildees posteriores como eacute o caso da IASD que procurou atraveacutes dos anos de seu desenvolvimento institucional aprimorar as orienta-ccedilotildees eclesiaacutesticas a respeito dessa praacutetica

Natildeo obstante algumas questotildees em relaccedilatildeo agrave praacutetica da disciplina ain-da continuam em parte pendentes em virtude do pouco conhecimento e das aplicaccedilotildees e conceitos errocircneos que continuam correntes por parte da membresia e da administraccedilatildeo pastoral Atraveacutes da anaacutelise histoacuterica do marco regulatoacuterio e teoacuterico-praacutetico acerca da Disciplina Eclesiaacutestica tal como apre-sentado no Manual da Igreja a seguinte questatildeo precisa ser debatida quais satildeo as principais dificuldades na praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica e como resolvecirc-

-las dentro da realidade juriacutedico-social brasileira Neste artigo trataremos de responder essa questatildeo a fim de sugerir praacuteticas que podem ser realizadas na Disciplina Eclesiaacutestica segundo o Manual da Igreja Adventista

A disciplina eclesiaacutestica e o Manual da Igreja

Os pioneiros da IASD antes de sua organizaccedilatildeo formal sentiram a ne-cessidade de adquirir propriedades para a construccedilatildeo de igrejas e de empre-ender a obra de publicaccedilotildees visto que a mensagem adventista estava sendo levada a novos territoacuterios Com o desenvolvimento da Igreja4 alguns liacutederes perceberam que a fim de que o movimento se fortalecesse algum tipo de ordem e disciplina deveria prevalecer em consenso Com a organizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral ndash oacutergatildeo administrativo mundial da Igreja ndash em 1863 se comeccedilou a registrar votos em suas assembleias relacionados com a adminis-traccedilatildeo eclesiaacutestica Contudo a ideia de se imprimir um manual foi rejeita-da pensava-se que com isso estaria tolhendo a liberdade de accedilatildeo dos seus

4 Neste trabalho utilizaremos o termo ldquoIgrejardquo com letra maiuacutescula para fazer referecircncia agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia como instituiccedilatildeo ou agrave Igreja cristatilde em geral perceptiacutevel em seu contexto Por outro lado utilizaremos o termo ldquoigrejardquo em letra minuacutescula a fim de fazer referecircncia agrave igreja local composta por uma comunidade comum de membros

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ministros (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 17)5 Somente no ano de 1932 eacute que foi publicado um manual por iniciativa da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral conforme solicitado ao vice-presidente JL McElhany apoacutes a aprovaccedilatildeo das mesas (BEACH 1979 p 11-13)

Foi a partir da impressatildeo do primeiro manual em inglecircs publicado em 1932 que se percebeu a necessidade de constantes atualizaccedilotildees a fim de aperfeiccediloar as praacuteticas eclesiaacutesticas Fatos como estes levaram a Igreja em assembleias mundiais posteriores a aperfeiccediloar a redaccedilatildeo e a introdu-zir orientaccedilotildees sobre aspectos novos natildeo abordados no manual anterior O multiculturalismo regional e mundial que influenciava as variadas formas de crenccedilas nas igrejas locais criou a necessidade de posicionamentos e votos especiais que levaram a votar o Conciacutelio Outonal de 1950 (apud GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p xxi)

que cada divisatildeo do campo mundial inclusive a Divisatildeo Norte--Americana prepare um suplemento do Novo Manual da Igreja natildeo para modificaacute-lo mas contendo o material adicional que seja aplicaacutevel agraves condiccedilotildees e circunstacircncias que prevaleccedilam na respec-tiva Divisatildeo Os manuscritos desses suplementos deveratildeo ser sub-metidos agrave consideraccedilatildeo da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral para serem por ela referendados antes de impressos

Sobre as alteraccedilotildees encontradas no Manual da Igreja em inglecircs da primei-ra impressatildeo em 1932 ateacute a de 1942 (1932 1934 1938 1940 1942) a seccedilatildeo sobre Disciplina Eclesiaacutestica que estava no capiacutetulo 4 a partir das ediccedilotildees de 1951 ateacute 1963 (1951 1959 e 1963) passaram a compor o capiacutetulo de nuacutemero 13 Quanto ao toacutepico ldquoRazotildees Para a Disciplina dos Membrosrdquo a ediccedilatildeo de 1967 teve uma pequena alteraccedilatildeo a seguinte de 1971 permaneceu igual agrave anterior As ediccedilotildees de 1976 1981 e 1986 tiveram alteraccedilotildees Na ediccedilatildeo de 1990 constata-se apenas uma nota contendo uma errata Quanto agraves ediccedilotildees de 1995 ateacute 2010 (1995 2000 2005 e 2010) todas tiveram alteraccedilotildees no capiacutetulo sobre a disciplina6

5 No entanto a mais alta instacircncia eclesiaacutestica continuava a registrar votos relativos agrave adminis-traccedilatildeo isto levou alguns influentes liacutederes a desejarem reunir esses votos num livro O Pastor JN Loughborough por iniciativa pessoal no ano de 1907 reuniu os votos em um livro de 184 paacutegi-nas intitulado A Igreja sua Organizaccedilatildeo Ordem e Disciplina (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 18) Essa obra ocupou por muito tempo um lugar de honra no movimento6 Todos os manuais em inglecircs citados estatildeo disponiacuteveis online no site da Conferecircncia Geral (1983) da Igreja Adventista do Seacutetimo dia Este trabalho foi baseado numa Tese doutoral com o mesmo tiacutetulo O capiacutetulo dois (ldquoDisciplina Eclesiaacutestica e o Manual da Igrejardquo) explo-

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Analisando os manuais publicados percebe-se que nos uacuteltimos anos a IASD preocupou-se em adequar as normas instrutivas do seu manual pro-porcionando natildeo apenas a adequaccedilatildeo das suas normas7 mas tambeacutem a refor-mulaccedilatildeo da estrutura da Disciplina Eclesiaacutestica aleacutem da ampliaccedilatildeo8 da seccedilatildeo sobre disciplina (notadamente as ldquoRazotildees para Disciplina dos Membrosrdquo)

Obstaacuteculos agrave aplicaccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica

Apesar de trabalhar intensamente em prol do aperfeiccediloamento da Dis-ciplina Eclesiaacutestica atraveacutes das vaacuterias reformulaccedilotildees dos seus manuais (edi-ccedilotildees de 1932 a 2010) a Igreja tem encontrado atraveacutes dos tempos diversos empecilhos que tecircm dificultado a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Den-tre as principais dificuldades estatildeo alguns empecilhos que tecircm se manifes-tado atraveacutes das diversas correntes filosoacuteficas e eclesiaacutesticas que moldam a sociedade e acabam influindo nas atividades da Igreja

Obstaacuteculos filosoacuteficosO movimento filosoacutefico-cultural que se constituiu num entrave e se

contrapocircs aos ensinos da Biacuteblia por exemplo foi o Iluminismo Apoacutes a Ida-de Meacutedia cresceram os movimentos anticlericais e os ataques ao dogmatismo

rou de maneira mais demorada cada alteraccedilatildeo encontrada no manual (tanto em inglecircs como em portuguecircs) do ano de 1932 ao ano de 20107 Como por exemplo quando a Igreja percebeu que os atos de violecircncia fiacutesica eram co-muns entre os da feacute bem como entre familiares Por isso um novo toacutepico passou a tratar da nova realidade Ateacute entatildeo os termos em portuguecircs usados nos manuais (1936 1958 1965 1981 1992 e 1996) para significar o desligamento de um membro da comunhatildeo eclesiaacutestica eram ldquoeliminaccedilatildeordquo e ldquoexclusatildeordquo na ediccedilatildeo de 2001 aparece a palavra ldquoremoccedilatildeordquo (GENE-RAL CONFERENCE OF SDA 2001 p 191)8 Na sexta ediccedilatildeo do manual em inglecircs foi ampliado o toacutepico de ldquoRazotildees para a Disciplina dos Membrosrdquo de quatro para sete itens com pequenas alteraccedilotildees nos itens jaacute existentes O primeiro item intitulado ldquoFalta de feacuterdquo mudou para ldquoNegaccedilatildeo da feacuterdquo O terceiro item passou a ser ldquoFraude ou deliberada falsidade no comeacuterciordquo o quarto item passou a ser ldquoProcedimento desordenado que traga oproacutebrio sobre a causardquo o quinto item passou a ser intitulado ldquoPer-sistente negativa quanto a reconhecer as autoridades da igreja devidamente constituiacutedas ou por natildeo querer submeter-se agrave ordem e agrave disciplina da igrejardquo o quarto item da ediccedilatildeo anterior foi desdobrado o sexto passou a ser ldquoO uso o fabrico ou venda de bebidas alcooacutelicasrdquo e o seacutetimo foi redigido como ldquoO uso ou o haacutebito de drogas narcoacuteticasrdquo (GENERAL CONFE-RENCE OF SDA 1951 p 224)

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religioso A Igreja Catoacutelica Romana dita cristatilde havia fortalecido as suas es-truturas hieraacuterquicas dominadoras Os que natildeo se submetiam ao clero eram perseguidos e destruiacutedos Ela dominava todos os aspectos da vida humana no mundo civilizado e impunha suas ideias e crenccedilas Quando a Europa cansada de tantas guerras e desiludida com o domiacutenio do clero comeccedilou a experimentar mudanccedilas culturais surgiram forccedilas que deram outro rumo agrave vida social e poliacutetica do continente europeu Estas forccedilas minaram o domiacute-nio da Igreja Catoacutelica Romana Assim os seacuteculos 14 15 e 16 viram nascer e se desenvolver o que hoje se conhece como o Renascimento Neste tempo comeccedilou-se a esboccedilar o emprego de meacutetodos cientiacuteficos na busca da verda-de cresceu o interesse no estudo da natureza e passou-se a valorizar mais o ser humano As trevas intelectuais predominantes na Idade Meacutedia foram substituiacutedas pelo Iluminismo que fez nascer a Idade da Razatildeo

Durante o Iluminismo buscou-se enaltecer o ser humano exaltando suas potencialidades valorizou-se as iniciativas dos leigos em detrimento das atividades da Igreja cristatilde Houve um esforccedilo consciente no sentido de se endeusar a razatildeo e incentivar o abandono de preceitos tradicionais do cristia-nismo9 Objetivaram o progresso de todas as atividades humanas sobretudo propugnando pela liberdade de exteriorizaccedilatildeo do pensamento (GEISLER 2002 p 410) O Iluminismo abriu as portas para o pluralismo religioso para a criacutetica biacuteblica e a rejeiccedilatildeo dela por influecircncia do Iluminismo passou-se a deslocar Deus do centro e a valorizar em demasia o potencial humano

Em virtude do combate frontal contra o professo cristianismo o con-ceito de pecado foi esquecido e a Igreja cristatilde perdeu sua relevacircncia Grenz (1997 p 109) comenta que os eacuteticos do Iluminismo afastaram-se da crenccedila de que todos os seres humanos nascem em pecado e satildeo naturalmente incli-nados agrave praacutetica do mal acolheram a afirmaccedilatildeo de John Locke (1632-1704) de que a mente humana a princiacutepio ldquoeacute como dissemos um papel branco desprovido de todos os caracteres sem quaisquer ideiasrdquo (LOCKE 1978 p 159) Tal postura por conseguinte distorce o ensino biacuteblico acerca da peca-minosidade intriacutenseca do ser humano (ver Sl 515 583 Ef 23) e abre ca-minho para reduzir a responsabilidade na praacutetica de atos maus enfraquece a ideia de que o pecado deve ser controlado pela graccedila de Deus e finalmente

9 Nesse sentido o Racionalismo apresentou-se ldquocomo filosofia que enfatiza a razatildeo como meio de determinar a verdaderdquo (GEISLER 2002 p 735) Para o racionalista a razatildeo eacute o uacutenico meio de se chegar agrave verdade Ao se exaltar a razatildeo eacute excluiacuteda a utilidade praacutetica da Biacuteblia Embora se encontre teses racionalistas desde os dias de Platatildeo na Greacutecia antiga o racionalismo ganhou im-portacircncia no meio cientiacutefico a partir do Iluminismo europeu com Descartes Spinoza e Leibniz

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vencido A uacutenica autoridade responsaacutevel pelos atos do ser humano eacute ele mes-mo natildeo devendo assim prestar contas a ningueacutem atraveacutes da disciplina

Com o crescimento do Iluminismo surge o Individualismo que em sua forma radical contraria posiccedilotildees da feacute cristatilde Este eacute o sistema de pen-samento que considera a sociedade apenas como um grupo de indiviacuteduos em que a pessoa tem um direito proacuteprio acima dos direitos coletivos10 Ateacute onde se pode concordar com o Individualismo sem afastar o ser humano da influecircncia beneacutefica de uma instituiccedilatildeo religiosa Segundo Melbourne (2007 p 126) ldquoa cultura ocidental eacute individualista Para muitos cristatildeos eacute gostoso fazer as coisas a sua maneirardquo Alguns aspectos desta corrente poreacutem po-dem receber o apoio cristatildeo quando fundamentados na Biacuteblia No dizer de Grenz (1997 p 243) ldquodevemos ter sempre em vista os temas biacuteblicos do cuidado de Deus para com cada pessoa a responsabilidade de todo ser humano diante de Deus e a orientaccedilatildeo individual que faz parte da mensa-gem de salvaccedilatildeordquo Deus criou cada ser humano com individualidade proacutepria que precisa ser respeitada Se por um lado o Individualismo fortalece a luta contra todas as formas de absolutismo e totalitarismo por outro lado quando levado aos extremos anula alguns aspectos positivos da vida em co-munidade ndash do ponto de vista social poliacutetico e econocircmico

Essa filosofia propagou os ldquodireitos inatos do indiviacuteduordquo como liber-dade para usar a razatildeo para determinar por si o que eacute certo e o que eacute erra-do poreacutem fez com que fossem extrapolados certos limites e se criassem

ldquodireitosrdquo que dificultaram a proclamaccedilatildeo da salvaccedilatildeo baseada na Biacuteblia O Individualismo extremado que rejeita a interferecircncia de outros em sua vida rejeita a accedilatildeo da igreja para ajudaacute-lo a direcionar as accedilotildees Essa posiccedilatildeo di-ficulta a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Por outro lado a igreja esti-mula a disciplina pessoal de cada crente promove a disciplina preventiva e quando necessaacuterio aplica a corretiva Para tudo isso eacute imprescindiacutevel a atuaccedilatildeo da comunidade de feacute e o respeito que eacute a consideraccedilatildeo bem como a responsabilidade que o cristatildeo deve ter quando pratica essa accedilatildeo

10 Por outro lado o coletivo levado a extremos tambeacutem eacute prejudicial Os ensinos de Je-sus conduzem agrave valorizaccedilatildeo e ao respeito do indiviacuteduo todavia o leva a uma nova vida e agrave inserccedilatildeo do mesmo na Igreja Aquele que entra para a Igreja (o Corpo de Cristo) pelo batismo compromete-se agrave submissatildeo aos princiacutepios e crenccedilas ensinados pela Igreja base-ados na Biacuteblia Os pilares da feacute cristatilde satildeo oriundos da Biacuteblia que juntamente com a accedilatildeo eclesiaacutestica exerceratildeo um saudaacutevel controle das accedilotildees individuais para o bem de todos O Individualismo tem algumas influecircncias positivas para sociedade humana ocidental foi agrave radicalizaccedilatildeo que o tornou prejudicial

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Ademais o ser humano poacutes-moderno resiste agrave ideia da existecircncia de uma verdade universal o que implica na perda de todo criteacuterio final para se avaliar as vaacuterias interpretaccedilotildees da realidade A verdade seria definida como aquilo que a sociedade crecirc ou ldquoo que eu creiordquo Nietzsche (1974 p 241-242) chegou a afirmar que ldquonada haacute que sustente os valores humanos exceto a vontade da pessoa que os possui As coisas tecircm valor em nosso mundo so-mente agrave medida que lhes damos valor A mente humana eacute a uacutenica fonte de valoresrdquo Esta posiccedilatildeo eacute contraacuteria ao ensinamento Biacuteblico e tambeacutem inviabi-liza o trabalho de recuperaccedilatildeo do pecador atraveacutes da Disciplina Eclesiaacutestica

Obstaacuteculos eclesiaacutesticos

A negligecircncia eclesiaacutestica

Segundo John White e Ken Blue ldquoa disciplina corretiva da igreja sempre esteve oprimida pelo conceito de que a pregaccedilatildeo da Biacuteblia inspirada pelo Es-piacuterito Santo gera por si soacute uma congregaccedilatildeo santificadardquo (WHITE BLUE 1985 p 26) Esse conceito parece promulgar a desconsideraccedilatildeo da praacutetica dis-ciplinar e enfatizar a pregaccedilatildeo biacuteblica como suficiente para corrigir e instruir a membresia Contudo eacute essencial termos em conta o que Berkhof (2002 p 528-529) considera como a ldquoterceira marca da igreja verdadeirardquo que aleacutem da pregaccedilatildeo e da celebraccedilatildeo dos ritos representa a praacutetica da disciplina11

A Disciplina Eclesiaacutestica contribui para a manutenccedilatildeo qualitativa da igreja A utilizaccedilatildeo da pregaccedilatildeo biacuteblica na educaccedilatildeo dos membros eacute essen-cial para a formaccedilatildeo do caraacuteter cristatildeo (ver 1Co 118 21) mas a exortaccedilatildeo eacutetica do puacutelpito natildeo pode excluir a Disciplina Eclesiaacutestica por esta constituir-

-se de uma praacutetica que edifica o corpo administrativo e relacional da igreja (Mt 1815-18 At 51-10 1Co 51-7) A pregaccedilatildeo Biacuteblica quando utilizada de maneira repreensiva estaacute limitada agrave aceitaccedilatildeo ou desconsideraccedilatildeo do ouvinte independentemente de sua relevacircncia Em ocasiotildees de necessidade extrema de correccedilatildeo ela natildeo eacute capaz de inverter o quadro organizacional da igreja tor-nando necessaacuteria a Disciplina Eclesiaacutestica Nas palavras de John White e Ken Blue (1985 p 27) o trato imediato das problemaacuteticas da igreja ldquonatildeo eacute reavi-vamento episoacutedico Eacute a igreja tratando com o pecado atraveacutes da disciplinardquo

11 O princiacutepio da disciplina estaria no sentido da ldquoconversatildeordquo que segundo Douglas (1999 p 319) significa ldquovoltar-se ou retornar para Deus As principais palavras originais para ex-pressar essa ideia satildeo no Antigo Testamento shuv (traduzida por lsquovoltar-sersquo ou lsquoretornarrsquo) e no Novo testamento strefomai (Mt 183 Jo 1240) [hellip] cf o portuguecircs lsquoconverter-sersquordquo

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O zelo quantitativo

Algumas igrejas podem manifestar certo receio no que se refere agrave aplica-ccedilatildeo da disciplina em virtude da diminuiccedilatildeo do nuacutemero de membros da comu-nidade Esse temor poreacutem natildeo parece ser justificaacutevel a menos que se deixe de implementar outras medidas (por exemplo o discipulado as classes biacuteblicas etc) para a conservaccedilatildeo dos membros juntamente com a aplicaccedilatildeo da disci-plina Por outro lado haacute igrejas mais preocupadas com nuacutemeros de membros do que com a pureza do caraacuteter deles Embora seja natural que se busque o crescimento da igreja a Biacuteblia parece valorizar mais o caraacuteter do crente do que a quantidade de pessoas que servem na congregaccedilatildeo (ver Jz 719 1Co 51-7)

Nesse sentido ldquoa disciplina natildeo faraacute com que a igreja recue Faraacute com que ela cresccedila natildeo apenas numericamente mas em poder de combate [hellip] As pessoas satildeo atraiacutedas agraves igrejas onde haacute disciplina de fatordquo (WHITE BLUE 1985 p 30) A igreja natildeo pode ser um exeacutercito recuado Na verdade uma congregaccedilatildeo forte espiritualmente experimentaraacute crescimento numeacuteri-co e tambeacutem quanto agrave pureza e santidade

A condiccedilatildeo imperfeita da comissatildeo

Haacute quem considere inapropriada a situaccedilatildeo em que um conjunto de membros se reuacutena a fim de julgar o caso de um faltoso visto que em ambos os lados nenhum deles possui um caraacuteter cristatildeo perfeito De fato a igreja eacute um lugar para pecadores poreacutem os que estatildeo sob influecircncia do Espiacuterito Santo natildeo desejam permanecer sob o jugo do pecado eles procuram permanecer em Cristo mesmo natildeo sendo perfeitos (ver 1Jo 229 39) Nesse caso a Discipli-na Eclesiaacutestica trataraacute de pecados manifestados publicamente Essa disciplina tambeacutem ajuda as pessoas a manterem-se distantes do erro cometido

O voto num processo disciplinar natildeo objetiva prejudicar o faltoso mas despertaacute-lo para a consciecircncia do mal praticado visto que o seu pecado se tor-nou puacuteblico Sobre uma experiecircncia de disciplina White e Blue (1985 p 77) escrevem ldquoEu natildeo havia percebido antes natildeo tinha consciecircncia de quatildeo enga-noso e doente era meu coraccedilatildeo nem quatildeo bom era Deus Nunca havia sentido antes Deus transformar meu coraccedilatildeo de pedrardquo Nesse caso o voto natildeo eacute prati-cado a fim de denegrir a imagem do proacuteximo mas para redimi-lo Contudo ldquoo homem natural natildeo aceita as coisas do Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 214) mesmo que o processo disciplinar seja bem conduzido alguns o rejeitaratildeo

A vista das dificuldades listadas acima nota-se que embora corren-tes elas natildeo satildeo inteiramente justificaacuteveis poreacutem ainda assim constituem

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obstaacuteculos para a aplicaccedilatildeo dos princiacutepios contidos no Manual da Igreja por acatarem questotildees filosoacuteficas baacutesicas que em certas ocasiotildees natildeo satildeo perce-bidas pelos membros da igreja Dessa forma como a Disciplina Eclesiaacutestica poderia atuar diante destas dificuldades sem ferir os direitos da Igreja e a dignidade dos membros

A disciplina eclesiaacutestica e a legislaccedilatildeo brasileira

A praacutetica eclesiaacutestica de disciplina natildeo pode estar limitada ao ambiente igrejeiro sem nenhuma participaccedilatildeo ou interferecircncias do Estado existem aspec-tos juriacutedicos que devem ser compreendidos antes da promulgaccedilatildeo de qualquer ato de correccedilatildeo principalmente quando envolve pessoas fiacutesicas Para compre-ender melhor o modo como a Legislaccedilatildeo Brasileira torna legiacutetimos os cuidados com a administraccedilatildeo da Igreja e em particular com aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica eacute necessaacuteria a compreensatildeo em suma do funcionamento de al-gumas leis especiacuteficas A Constituiccedilatildeo Federal eacute a lei maior as demais (Coacutedigo Civil o Comercial o de Processo Civil o Coacutedigo Penal e leis complementares os ldquoCoacutedigos Legaisrdquo) satildeo hierarquicamente inferiores mas estatildeo amparadas agrave medida que se sustentem na lei superior Elas formam um sistema unitaacuterio pois estatildeo interligadas (SIQUEIRA JR 2010 p 100-101) As leis menores devem concordar com a maior ou seja com a Constituiccedilatildeo Federal

As organizaccedilotildees religiosas no Brasil satildeo protegidas pela lei e devem funcionar respeitando as leis civis Na IASD o Estatuto Social das Uni-otildees12 e o Manual da Igreja satildeo fonte de conduta Uma vez estando em consonacircncia com as leis da Federaccedilatildeo as igrejas teratildeo o amparo delas este eacute o caso da IASD

A Constituiccedilatildeo Federal por exemplo proclama a dignidade humana Eacute reconhecido que o ser humano possui o poder de escolha ele natildeo somente tem vontade ele a exerce em seu proacuteprio paiacutes (BRASIL 2007) Por respeitar o livre arbiacutetrio humano a Legislaccedilatildeo Brasileira garante a livre crenccedila e culto no paiacutes ndash garantia aos direitos sociais e individuais A dignidade humana

12 Uniotildees compreendem unidades administrativas da IASD com igrejas num determinado territoacuterio de uma regiatildeo de proximidade geograacutefica formadas por alguns campos como as-sociaccedilotildees e missotildees As associaccedilotildees quase sempre abarcam as igrejas dentro de um Estado da Federaccedilatildeo Os estados com grande territoacuterio podem ser subdivididos em mais de um campo (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2000a p 26)

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ampara a capacidade de autodeterminaccedilatildeo todavia ressalta a responsabi-lidade moral do indiviacuteduo pelo exerciacutecio da sua vontade ao fazer escolhas tendo a liberdade religiosa como uma delas

Por consequecircncia a dignidade do ser humano preceituada na Cons-tituiccedilatildeo Federal conduz ao fato de que este tem o direito agrave autonomia da vontade sobretudo quando expressa desejos existenciais dentre as quais se inclui a dignidade religiosa (BARROSO 2010 p 28) ndash seu direito contu-do natildeo pode coligir com o direito de outros O ser humano tem responsabi-lidade moral por suas escolhas e deve dar conta delas A liberdade humana natildeo eacute total ela eacute limitada pela lei para preservar o harmonioso conviacutevio social13 Neste aspecto

eacute necessaacuterio estabelecer um limite entre a esfera da atividade do Estado e uma esfera proacutepria da liberdade individual O Direito natildeo eacute suficiente e apropriado para assuntos de pensamento consciecircn-cia e religiatildeo Portanto natildeo seratildeo as regras do direito que regeratildeo as regras desse homem as atitudes desse homem mas as suas atitu-des seratildeo regidas pelas regras ditadas pela sua consciecircncia tomaraacute esta ou aquela atitude segundo melhor lhe aprouver e de acordo com seus pensamentos e decisotildees (PALAIO 2005 p 4)

A praacutetica de uma religiatildeo eacute assunto de consciecircncia de foro iacutentimo sen-do assim livre da intromissatildeo do Estado desde que a praacutetica religiosa natildeo estimule a violaccedilatildeo da dignidade humana o Brasil natildeo tem uma religiatildeo ofi-cial ndash embora natildeo trabalhe de forma antirreligiosa (MENDES et al 2008 p 418) como pode ser notado na promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 onde os constituintes escreveram no preacircmbulo ldquonoacutes representantes do povo brasileiro [hellip] promulgamos sob a proteccedilatildeo de Deus a seguinte Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasilrdquo (BRASIL 2011a p 15) Assim o Estado brasileiro permite a celebraccedilatildeo de todos os tipos de cultos consente que toda e qualquer religiatildeo se estabeleccedila em seu territoacuterio desde que respeitem as leis do paiacutes Segundo Mendes et al (2008 p 417) ldquona liber-dade de religiatildeo inclui-se a liberdade de organizaccedilatildeo religiosa O Estado natildeo pode interferir sobre a economia interna das Associaccedilotildees religiosasrdquo Por

13 Em Romanos 131 Paulo alega que ldquotodo homem esteja sujeito agraves autoridades superiores porque natildeo haacute autoridade que natildeo proceda de Deus e as autoridades que existem foram por ele constituiacutedasrdquo Pedro 213-15 tambeacutem procura exortar os crentes a sujeitarem-se ldquoa toda instituiccedilatildeo humanardquo e isso ldquopor causa do Senhorrdquo (ver Ec 82-4)

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conseguinte uma vez que o Estatuto Social (normas que regem as Uniotildees na IASD) e o Manual da Igreja (normas que regem a IASD no mundo todo) es-tejam em conformidade com as leis do paiacutes como eacute o caso a Igreja tem todo o direito de reger a vida dos que pertencem a esta entidade religiosa ela pode se pronunciar livremente a respeito da conduta de seus membros quando em conformidade com as leis nacionais14 Pode-se dizer que no Brasil qual-quer pessoa pode professar a feacute que escolher

A Igreja passa a existir do ponto de vista legal no momento em que o seu Ato Constitutivo (ou Estatuto Social15) eacute registrado no Cartoacuterio de Registro Civil Passa entatildeo a ser uma pessoa juriacutedica de direito privado A Igreja como personalidade juriacutedica possui seus direitos Sobre isto diz Garcia (2003 p 47)

Por serem entidades dotadas de personalidade pelo ordenamen-to juriacutedico-positivo as pessoas juriacutedicas tem direitos de perso-nalidade ou seja direito ao nome agrave marca agrave honra objetiva agrave imagem ao segredo etc [hellip] Como exemplo de construccedilatildeo ju-

14 Nas palavras de Mendes et al (2008 p 417) ldquona liberdade religiosa incluem-se a liberda-de de crenccedila de aderir a alguma religiatildeo e a liberdade do exerciacutecio do culto respectivo A lei deve proteger os templos e natildeo deve interferir nas liturgias a natildeo ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipoacutetese consideradardquo15 Ato Constitutivo eacute o documento que torna legal a existecircncia de uma pessoa juriacutedica apoacutes ser registrado no Cartoacuterio ou Oficio de Registro Civil de Pessoas Juriacutedicas da comarca onde ela estaacute estabelecida Estes atos satildeo chamados na maioria das vezes de Estatuto Social Nele deve constar sua denominaccedilatildeo seus objetivos sociais sua constituiccedilatildeo (por exemplo uma associaccedilatildeo de pessoas fiacutesicas) a localizaccedilatildeo da sua sede o territoacuterio de sua abrangecircncia como seraacute administrada como se processa a eleiccedilatildeo de seus diretores por quanto tempo eacute o mandato da diretoria quais satildeo as atribuiccedilotildees principais de cada membro da diretoria as responsabilidades de natureza civil fiscal e tributaacuteria trabalhista previdenciaacuteria fundiaacuteria e sindical dos seus empregados como seus objetivos sociais deveratildeo ser alcanccedilados qual o pro-cedimento para que ela possa ser desconstituiacuteda e a declaraccedilatildeo da sua duraccedilatildeo (se por tempo determinado ou indeterminado) No caso de firmas comerciais o Ato Constitutivo eacute chama-do de Contrato Social e eacute registrado nas Juntas Comercias dos Estados (DINIZ 2005 v 2 p 378-493) O Estatuto impresso pela Uniatildeo Central Brasileira da IASD que compreende o Estado de Satildeo Paulo prevecirc o seguinte ldquoArt1ordm ndash [hellip] ldquoUniatildeo Central Brasileirardquo regida e administrada pelo presente Estatuto eacute uma organizaccedilatildeo religiosa pessoa juriacutedica de direito privado nos termos da Constituiccedilatildeo Federal e do inciso IV do art 44 da lei nordm 104062002 de fins eclesiaacutesticos e evangeliacutesticos natildeo lucrativos [hellip] Art 3ordm ndash O Manual da Igreja e os Regulamentos Eclesiaacutestico-Administrativos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia constituem normas subsidiaacuterias da Legislaccedilatildeo Brasileira e do presente Estatuto na gestatildeo e administra-ccedilatildeo da Uniatildeo Central (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2008 p 1-2)rdquo

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risprudencial sobre danos morais citamos a Suacutemula 227 de 8 de setembro de 1999 do Superior Tribunal de Justiccedila A pessoa ju-riacutedica pode sofrer dano moral

Dessa forma assim como a Igreja que na qualidade de instituiccedilatildeo goza de proteccedilatildeo legal o cidadatildeo brasileiro vive tambeacutem sob o amparo da lei O que significa que se algueacutem ou alguma instituiccedilatildeo de alguma forma for atingido em sua imagem fama honra ou respeitabilidade tem amparo legal para se defender (BRASIL 2011b p 228) A vista disto eacute necessaacuterio que haja cuidado no caso aqui na igreja em natildeo atingir com palavras faladas ou escritas a dignidade de alguma pessoa (GARCIA 2003 p 48) Se isso ocorrer e o ofendido quiser processar judicialmente o ofensor e requerer in-denizaccedilatildeo por danos materiais ou morais teraacute o direito de fazecirc-lo Contudo o mesmo direito ao reclame por danos morais pode ser postulado pela Igreja

Assim deve-se estar atento para os seguintes aspectos 1) razotildees para disciplina satildeo apenas as que constam no Manual da Igreja no capiacutetulo que trata do assunto 2) um membro que falhou na vida espiritual deve ser con-frontado ouvido e aconselhado para que tudo se esclareccedila e se escolha as melhores accedilotildees futuras 3) caso o pecado seja grave havendo comprovaccedilatildeo a comissatildeo da igreja deve se reunir para tratar do assunto o faltoso deve ser avisado por escrito a fim de que tome as providecircncias pessoais necessaacuterias16 4) O Manual da igreja (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p 198) veda a representaccedilatildeo da pessoa cujo caso a comissatildeo vai analisar por um advogado 5) todo membro tem o direito de ser ouvido em defesa proacute-pria 6) deve-se dar ao faltoso o tempo necessaacuterio para organizar a sua defe-sa 7) o faltoso permaneceraacute na sala ateacute o esclarecimento do ocorrido 8) a deliberaccedilatildeo final da igreja deve ser feita num saacutebado de manhatilde 9) a decisatildeo seraacute tomada pela maioria dos presentes 10) quando a igreja for tratar o caso em assembleia o faltoso natildeo poderaacute falar em sua defesa (isso deve ter sido feito anteriormente) 11) o secretaacuterio(a) deve ser instruiacutedo(a) a registrar o ocorrido de forma geneacuterica atraveacutes de uma fraseologia que englobe o que

16 O secretaacuterio deve ficar com uma coacutepia do aviso pois a igreja pode precisar dele mais tarde Isso se justifica caso ocorra um possiacutevel processo judicial no qual conste o local o dia e a hora em que a comissatildeo da igreja vai se reunir visto que o faltoso tem o direito de estar presente caso queira ouvir o que se tem a dizer sobre o seu procedimento e se desejar contar a sua versatildeo dos fatos se defender produzindo provas e levando testemunhas a seu favor O aviso de que a comissatildeo vai estudar o seu caso deve ser formal

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aconteceu como ldquotransgressatildeo de mandamento da lei de Deusrdquo17 12) a ata deve ser cuidadosamente guardada

Sobre o recebimento ou desligamento de membros ningueacutem eacute forccedilado a se unir agrave Igreja nem a permanecer nela O ingresso como membro regular da igreja pode ocorrer pelos seguintes modos i) transferecircncia por carta de uma agrave outra igreja ii) por profissatildeo de feacute18 iii) ou por batismo Em todos os casos os membros da igreja local reunidos em assembleia votam se aceitam ou natildeo o candidato como membro A ldquoprofissatildeo de feacuterdquo confirmaraacute agrave igreja a tomada de decisatildeo quanto agrave aceitaccedilatildeo ou natildeo do indiviacuteduo Do mesmo modo se achar por bem assim fazecirc-lo a igreja pode retirar do registro de membros aqueles que natildeo vivem mais os princiacutepios ensinados por ela Quan-do um caso disciplinar for levado agrave consideraccedilatildeo da igreja reunida adminis-trativamente em assembleia cogita-se que o faltoso estaacute no uacuteltimo estaacutegio da disciplina As praacuteticas de disciplina preventiva foram esgotadas foi advertido e repreendido sem resultados O degrau posterior agrave disciplina eacute a remoccedilatildeo

Assim as leis brasileiras amparam o exerciacutecio da Disciplina Eclesiaacutesti-ca contudo elas devem ser observadas tambeacutem dentro da praacutetica do Manual da Igreja Agir dessa forma traacutes paz e seguranccedila para a accedilatildeo disciplinar

Exemplos de casos disciplinaresAgraves vezes a sentenccedila do juiz eacute favoraacutevel agrave Igreja outras vezes natildeo Veja-

-se os exemplos que seguem 1) Foi movida uma accedilatildeo cautelar agrave Uniatildeo Central Brasileira da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia19 pois uma das igrejas desse territoacuterio removeu do

17 Quanto ao pecado especiacutefico for o ldquoadulteacuteriordquo esta palavra natildeo deve constar na ata bem como qualquer outro que embora evidente seja difiacutecil de provar Caso ali se escreva alguma coisa que for julgado ofensivo a algueacutem e a pessoa entender que sua imagem foi atingida e tiver acesso agrave ata se ele quiser poderaacute mover um processo contra os responsaacute-veis pela declaraccedilatildeo levando-os a uma corte de justiccedila18 Para explicar o que eacute profissatildeo de feacute eacute necessaacuterio analisar o capiacutetulo que fala sobre esse assunto no Manual da Igreja (GENERAL CONFERENCE SDA 2010 p 55) ldquoRe-cebimento de Membros Sob Condiccedilotildees Difiacuteceis ndash Algumas vezes condiccedilotildees mundiais impedem a comunicaccedilatildeo para transferecircncia de membros Em tais circunstacircncias a igreja que recebe o membro em conselho com a Associaccedilatildeo se certificaraacute da situaccedilatildeo dessa pessoa e entatildeo receberaacute como membro por profissatildeo de feacute Se posteriormente as vias de comunicaccedilatildeo com a igreja ou Associaccedilatildeo de origem do membro se abrirem a igreja onde foi recebido enviaraacute uma carta informando o que foi feitordquo 19 Uniatildeo Central Brasileira refere-se agrave unidade administrativa da Igreja que tem atuaccedilatildeo e

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rol de membros algumas pessoas julgadas passiacuteveis de disciplina eclesiaacutestica O grupo removido entrou com processo contra a igreja local alegando que natildeo tiveram oportunidade de demonstrar suas razotildees de defesa ferindo as-sim o texto expresso da Constituiccedilatildeo Federal Os removidos exigiram con-cessatildeo de uma liminar para que fossem reintegrados ao quadro de membros novamente o que natildeo conseguiram

O magistrado reconheceu a condiccedilatildeo laica do Estado ao declarar que os que elaboraram a Constituiccedilatildeo Brasileira escolheram entre outros dois pos-tulados como seguem no Inciso I da Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a)

Art 19 Eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios I ndash estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionaacute-los embaraccedilar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relaccedilotildees de dependecircncia ou alianccedila ressalvada na forma da lei a colaboraccedilatildeo de interesse puacuteblico II ndash recusar feacute aos documentos puacuteblicos III ndash criar distinccedilotildees entre brasileiros ou preferecircncias entre si

A juiacuteza de Direito Rebeca Mendes Batista Mazzo citou o artigo 267ordm inciso VI do Coacutedigo de Processo Civil e vendo que tudo fora feito den-tro da legalidade natildeo encontrou motivos nem propriedade para atender ao pedido dos requerentes deu ganho de causa agrave Igreja em seu direito de deli-berar sobre a condiccedilatildeo de seus membros assinando a sentenccedila na cidade de Sertatildeozinho em Satildeo Paulo em 25 de Outubro de 2005

2) Um membro da IASD no Estado de Satildeo Paulo entrou com um processo contra a igreja que o disciplinou removendo-o do rol de mem-bros alegando que a accedilatildeo disciplinar ocorreu ldquosem que fosse adotado o procedimento previsto no Manual da Igreja uma vez que natildeo teve oportu-nidade de apresentar defesardquo como pode ser visto nos autos do processo nordm 23452002 sob jurisdiccedilatildeo da Juiacuteza Substituta Alexandra Laskowki (2003) no Foacuterum de Sorocaba (SP) Cartoacuterio do 2deg Oficio Civil Ele requereu sus-pensatildeo da decisatildeo de remoccedilatildeo e a determinaccedilatildeo para que seja notificado das acusaccedilotildees com antecedecircncia miacutenima de dez dias e que haja convoca-ccedilatildeo por edital da reuniatildeo A igreja apresentou contestaccedilatildeo alegando que a pessoa foi convocada para uma reuniatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo

abarca os campos como as associaccedilotildees e missotildees que estatildeo no estado de Satildeo Paulo

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e deixou de comparecer e acrescentou que o faltoso natildeo negou os motivos que ensejaram a sua remoccedilatildeo

A pessoa implicada apresentou reacuteplica alegando a natildeo observaccedilatildeo do procedimento adequado Consta nos autos do processo

com efeito o manual da igreja requerida determina o direito de defesa antes da votaccedilatildeo de exclusatildeo do membro conforme docu-mento de fls 5152 O requerente foi comunicado sobre a reuniatildeo para a sua exclusatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo conforme confessa a requerida em sua contestaccedilatildeo assim evidente que natildeo foi possiacutevel a apresentaccedilatildeo de sua defesa (LASKOWKI 2003)20

ldquoRequeridardquo no texto supracitado se refere agrave igreja A justiccedila deu ga-nho de causa agrave pessoa removida suspendendo os efeitos da decisatildeo da as-sembleia da igreja local Os defensores da igreja entraram com uma apelaccedilatildeo ciacutevel pedindo revisatildeo a justiccedila negou provimento ao pedido ficando anu-lada a decisatildeo de excluir a pessoa ateacute que ocorresse um reestudo do caso agora tendo de ser atendido o Manual da Igreja

Consideraccedilotildees finaisNatildeo se deve pensar a Disciplina Eclesiaacutestica apenas no seu aspecto

corretivo fornecendo assim conotaccedilatildeo negativa a ela muitos confundem disciplina com castigo e rejeiccedilatildeo a Disciplina Eclesiaacutestica tem caraacuteter re-tentivo Deste modo pode-se promover o amadurecimento espiritual do cristatildeo com os recursos da disciplina preventiva e estimular a jornada cristatilde evitando futuros tropeccedilos Estes procedimentos visam sobretudo trazer de volta o membro afastado zelar pelo bom nome da Igreja e desestimular os outros a atitudes semelhantes

A vista disso eacute importante lembrarmos que as accedilotildees da Igreja satildeo cir-cunscritas agrave sua jurisdiccedilatildeo e devem ser aplicadas dentro das normas estabe-lecidas no Manual da Igreja que diante da Legislaccedilatildeo Brasileira eacute um do-cumento restrito aos adeptos da IASD Como pessoa juriacutedica a instituiccedilatildeo

20 Direito de defesa e contraditoacuterio Na Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a) no art 5ordm inciso LV encontra-se que ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e os acu-sados em geral satildeo assegurado o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo O desdobramento deste inciso daacute ao que esta sendo julgado direito a informaccedilatildeo direito a manifestaccedilatildeo e direito de ver seus argumentos considerados

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procura trabalhar em sintonia com a legislaccedilatildeo em questotildees ligadas agrave digni-dade humana agrave autonomia de vontade etc consoante agrave legislaccedilatildeo as praacute-ticas eclesiaacutesticas referentes agrave disciplina tecircm caraacuteter legal entre os adeptos da comunidade que concordaram ser regidos pelos costumes e crenccedilas da instituiccedilatildeo Por outro lado existem ainda condiccedilotildees de jurisdiccedilatildeo pessoal que quando desrespeitadas na ocasiatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica podem ocasionar em processos contra a Igreja

Atraveacutes da praacutetica da disciplina em conformidade com as normas preacute-estabelecidas no Manual da Igreja os membros da comunidade po-deratildeo agir com respeito agrave dignidade do membro disciplinado Mesmo quando confrontados com obstaacuteculos que parecem constranger a aplica-ccedilatildeo da disciplina a comissatildeo deve considerar que as accedilotildees eclesiaacutesticas satildeo legiacutetimas diante da lei e que em nenhuma hipoacutetese procuram traba-lhar a fim de prejudicar seus membros

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Enviado dia 20112012Aceito dia 10032013

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de

L R ConradiA historical survey about L R Conrad dissidence

Renato Stencel1 Alex Voos2

ResumoAbstract

As crises ocorridas na Igreja Adventista tecircm sido frequentemente recon-tadas Geralmente tem-se enfatizado as crises e dissidecircncias envolven-do personagens da ala estadunidense da Igreja entretanto outras alas

da denominaccedilatildeo tambeacutem sofreram com o ataque de criacuteticos e desertores Neste cenaacuterio a apostasia de Ludwig Richard Conradi se destaca por ter sido um marco histoacuterico proporcional agrave outros eventos Ademais a atuaccedilatildeo negativa de Conradi contra o ministeacuterio de Ellen G White eacute de particular interesse para aqueles que discutem sua autoridade profeacutetica Este artigo visa a traccedilar um breve relato his-toacuterico da dissidecircncia de Conradi e constatar as consequecircncias de sua apostasia no desenvolvimento da Igreja Adventista no cenaacuterio EuropeuPalavras-chave Dom Profeacutetico Ludwig R Conradi Dissidentes Identida-de Denominacional

1 Doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Metodista de Piracicaba (2006) mestre em Educaccedilatildeo pela Andrews University (1993) e bacharel em Teologia e Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Atualmente atua como professor no Unasp e como diretor do Centro Nacional de Memoacuteria Adventista do Centro de Pesquisas Ellen G White E-mail renatostencelunaspedubr2 Bacharelando em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail alxvoosgmailcom

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The crises from the Seventh-Day Adventist Church have been frequently re-told The crises and dissidences involving personalities from the north-Ame-rican part of church tend to be more emphasized Therefore other groups

from church also suffered attacks of dissidents Proportionally to other events the apostasy of Ludwig Richard Conradi is historically remarkable in the scenario Fur-thermore Conradirsquos negative behavior against Ellen G Whitersquos ministry is particularly interesting for those who discuss her prophetical authority This article aims to trace a brief historical narrative of Conradirsquos dissidence and to identify the consequences of his apostasy on the development of the European SDA ChurchKeywords Prophetic gift Ludwig R Conradi Dissidents Church Identity

Origem e ministeacuterio3

Ludwig Richard Conradi nasceu em Karlsruhe Alemanha no ano de 1856 Desde cedo foi apaixonado pelos estudos (RANDOLPH 1940 p 5-12) e aos 15 anos jaacute possuiacutea boas noccedilotildees de latim grego e francecircs e uma voracidade pelas disciplinas de histoacuteria e geografia Contudo enquanto se preparava para ser padre Conradi perdeu o pai e foi forccedilado a abandonar o seminaacuterio catoacutelico4 Migrou entatildeo para os EUA e conheceu a mensagem adventista enquanto trabalhava em um fazenda do estado de Iowa

Juntando suas poucas economias e contando com o sacrifiacutecio dos irmatildeos de Iowa Conradi se dirigiu em 1879 ao Batlle Creek College (HEINZ 1987 p 19 SCHWARZ 2009 p 137) Acostumado com uma vida que exigia todas suas energias Conradi terminou seus estudos em 18 meses apenas um terccedilo do tempo estimado Ao mesmo tempo em que estudava ele tambeacutem era a principal forccedila por detraacutes da publicaccedilatildeo do

3 Este artigo eacute um resumo da monografia natildeo publicada ldquoLudwig R Conradi Finis Origini Dependet uma anaacutelise de sua vida e ministeacuteriordquo originalmente apresentada na XI Jornada Biacuteblico-Teoloacutegica da Faculdade Adventista de Teologia Engenheiro Coelho (VOOS 2011) A monografia se encontra arquivada no Centro de Pesquisas Ellen G White ndash Brasil4 Mais dados biograacuteficos a respeito dos primeiros anos de L R Conradi ateacute o seu ingresso no meio adventista podem ser encontrados em Heinz (1987) Strayer (1996) The Departmet (1944) Delafield (1957 p 286) Grob (1974 p 1-2) e Neufeld (1996 v 10 p 406)

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Stimme der Wahrheit primeiro perioacutedico adventista a ser enviado para o Brasil (HEINZ 1987 p 19 NEUFELD 1996 v 10 p 406 SCHWARZ 2009 p 222 GREENLEAF 2011 p 24)5

Ministeacuterio nos EUAApoacutes sua graduaccedilatildeo o carente e dedicado estudante foi presenteado com

uma beca de formatura pelo casal White Tiago White na eacutepoca presidente da Associaccedilatildeo Geral percebendo as competecircncias do jovem alematildeo convidou--o para ser seu secretaacuterio particular entretanto Conradi recusou o convite de White e preferiu engajar-se diretamente no trabalho evangeliacutestico (RANDOL-PH 1940 p 6 DELAFIELD 1957 p 289 GROB 1974 p 3 GERHAR-DT 1977 p 3 HEINZ 1987 p 19) e se destacou como um dos pioneiros ao trabalhar com a comunidade de imigrante alematildees nos EUA Logo o trabalho progrediu e em abril de 1882 foi organizada em Milltown a primeira Igreja Adventista de fala alematilde (REIMCHE 1982 p 9 WEARNER 1984 p 4-5 WEARNER1995 p 14 SCHWARZ 2009 p 137) Entre os conversos de origem alematilde se encontrava George Riffel que posteriormente emigrou para a argentina e se tornou o primeiro difusor da mensagem adventista na Ameacuterica do Sul (WEARNMER 1984 p 4-6 WEARNMER 1995 p 13-15 NEU-FELD 1996 v 11 p 870 SCHWARZ 2009 GREENLEAF 2011 p 22-23)

Embora no comeccedilo dos anos 1880 a Igreja estivesse apenas ensaiando seus primeiros desafios missionaacuterios natildeo era possiacutevel imaginar que o traba-lho de Conradi entre os imigrantes alematildees fosse influenciar tanto o avanccedilo das missotildees Os novos conversos passaram a enviar folhetos para Ruacutessia e outros difundiram a mensagem mudando-se para outras regiotildees dos EUA e Canadaacute (DUPUY 1976 p 6 REIMCHE 1982 p 9 LOHNE 1988 SCHWARZ 2009 p 211) Sob a lideranccedila de Conradi a ala germacircnica da Igreja constituiria nas primeiras deacutecadas do seacuteculo vinte os pilares do avan-ccedilo missionaacuterio Adventista sob o mundo

Ministeacuterio na EuropaEm 1886 a Conferecircncia Geral votou o envio de Conradi agrave Europa para

assumir a carecircncia de lideranccedila que J N Andrews deixaraacute ao morrer ldquoDentro de cinco anos ele havia organizado um instituto de treinamento para colpor-tores e obreiros biacuteblicos uma missatildeo urbana e um complexo de publicaccedilotildees

5 Para uma maior compreensatildeo da relaccedilatildeo entre o envio das primeiras correspondecircncias e o surgi-mento do adventismo no Brasil ver Borges (2000 p 45-62) e Rosa (2004 p 17-20)

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em Hamburgordquo (SCHWARZ 2009 p 211) Em 1890 os campos alematildeo e russo foram unificados sob sua lideranccedila (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Os colportores passaram a agir natildeo apenas em territoacuterio alematildeo mas tambeacutem em outros paiacuteses Cedo a literatura adventista comeccedilou a ser distribu-iacuteda entre os Paiacuteses Baixos Aacuteustria Checoslovaacutequia Polocircnia e outros lugares O campo europeu era fragmentado em diversas liacutenguas e a toleracircncia religiosa se mostrava muitas vezes precaacuteria Conradi entendeu que a colportagem era a estrateacutegia perfeita esse contexto missionaacuterio (HEINZ 1984 p 19 HEINZ 1987 p 13 SCHWARZ 2009 p 212 276)

Temporariamente os adventistas alematildees conseguiram auto sustentar-se financeiramente e financiaram obreiros em outros campos Seus primeiros re-presentantes foram enviados para o Brasil em 1895 (SCHWARZ 2009 p 276)

Em meio a todo esse processo Conradi parece ter mantido o vigor e o ritmo dos anos de estudante em Battle Creek Entre os anos 1890-1896 o trabalho de Conradi resumiu-se em 1) Batizar e organizar muitas igrejas 2) traduzir livros e 3) liderar a Igreja na Alemanha e Ruacutessia (GROB 1974 p 6) Durante sua vida Conradi manteve um niacutevel de atividade incriacutevel e se sen-tia bem dormindo somente de 3 agrave 4 horas por noite (HEINZ 1987 p 17 STRAYER 1996 p 10-11)

Durante a Conferecircncia Geral de 1901 foi criada no campo europeu a Primeira Divisatildeo da histoacuteria da Igreja Adventista e Conradi eleito o seu pre-sidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Levando a igreja aleacutemEm 1902 a Igreja na Alemanha contava com uma ativa comunidade

de quatro mil membros batizados Essa numeraccedilatildeo era duvidosa mas Con-radi entendeu que o predomiacutenio da Alemanha sob suas colocircnias africanas natildeo poderia deixar de ser aproveitado Apoacutes persuadir funcionaacuterios de alta influecircncia no governo alematildeo as portas foram abertas para que as missotildees adventistas atuassem com liberdade irrestrita nos territoacuterios sob coloniza-ccedilatildeo alematilde o que compreendia boa parte do continente africano (MORRIS 1911 p 5 HAY 1991 p 4-5)

Em 1903 Conradi foi eleito vice-presidente da Associaccedilatildeo Geral ao lado de W W Prescott enquanto Arthur Daniells era o presidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406) Conradi tambeacutem direcionou o avanccedilo missionaacuterio para a regiatildeo dos Baacutelcatildes o Impeacuterio Turco e o Egito Com a perda das colocircnias alematildes apoacutes a I Guerra Mundial o esforccedilo missionaacuterio foi realinhado em direccedilatildeo agraves Iacutendias Orientais e Holandesas e partes da China (SCHWARZ 2009 p 276)

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O desenrolar do progresso da Igreja na Alemanha natildeo soacute revelou uma estaacutevel comunidade adventista mas tambeacutem o despertar de uma consciecircncia evangeliacutesticomissionaacuteria muito forte nos anos que se seguiram Durante as primeiras deacutecadas do seacuteculo 20 a comunidade alematilde veio a se tornar ao lado dos EUA o segundo pilar do movimento adventista natildeo soacute no nuacutemero de membros e estrutura organizacional como tambeacutem no esforccedilo missionaacuterio

Desenvolvimento teoloacutegico e dissidecircncia

Agrave semelhanccedila de outras a apostasia de Conradi foi um processo longo e gradual Desde os primeiros ldquosintomas apoacutestatasrdquo ateacute o seu desligamento defi-nitivo da Igreja no final de 1931 haacute um longo periacuteodo de mais ou menos 45 anos

Conversatildeo e formaccedilatildeo adventistaEmbora Conradi tenha no tempo de seminarista recebido uma consi-

deraacutevel formaccedilatildeo catoacutelica natildeo parece que esse fator desempenhado um pa-pel relevante em sua apostasia Desvencilhar-se das antigas pressuposiccedilotildees pode natildeo ter sido um problema mas a raacutepida passagem pelo Battle Creek College provavelmente tenha proporcionado uma base adventista pouco soacute-lida (GERHARDT 1977 p 8)

O primeiro contado de Conradi com os adventistas ocorreu em uma regiatildeo do estado de Iowa onde a igreja havia sido afetada por um movimento dissidente denominado Marion Party (NEUFELD 1996 v 11 p 32) Pou-co se falava sobre o dom profeacutetico de Ellen G White em Iowa mas quando o assunto surgia era sempre evitado (HEINZ 1998 p 32) B F Snook e W H Brinkerhoff liacutederes do movimento dissidente haviam levantado uma campanha contra Ellen G White e a lideranccedila de James White presidente da Associaccedilatildeo Geral Quando Conradi se converteu ainda pairavam sobre a igreja em Iowa algumas reminiscecircncias desta crise

Ingresso no ministeacuterioEm 1883 enquanto Conradi estava trabalhando entre os imigrantes

alematildees ele enviou um exemplar do livro de Ellen G White Steps to Christ (Caminho agrave Cristo) para Joseph Szalay editor do The Christian um perioacutedi-co presbiteriano impresso em Budapeste Hungria O Pastor Szalay retornou

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a correspondecircncia a Conradi dizendo que tambeacutem gostaria de publicar o livro em Huacutengaro Feliz com a resposta Conradi teceu elogios ao conteuacutedo escrito por Ellen G White e publicou seu testemunho na Review and Herald reportando que o livro havia provocado uma profunda impressatildeo no prega-dor presbiteriano (CONRADI 1894 p 20-21 SZIGETI 1983 p 19)6

Durante os primeiros anos do trabalho de Conradi nos EUA Ellen G White apreciou a obra do eneacutergico e jovem pastor No sermatildeo da uacuteltima sessatildeo da Conferecircncia Geral de 1883 ela disse

Quando eu ouviu o testemunho do irmatildeo Conradi eu pude ver porque ele foi tatildeo bem sucedido Ele foi extremamente sincero na obra Ele toma a obra como se ele pretendesse fazer algo com ela Natildeo eacute somente a habilidade que confere sucesso conquanto o ta-lento e a habilidade santificados satildeo instrumentos refinados nas matildeos de Deus ela deve ser aplicada de maneira sincera na obra (WHITE E G 1990 1994 v 2 p 12 traduccedilatildeo livre)

Crises na EuropaEm 1886 quando Conradi foi enviado para o continente europeu encon-

trou-se com Ellen G White que estava em viagem pela Europa desde agosto de 1885 (DELAFIELD 1957 p 286 WHITE A L 1984 p 264) Esse foi pro-vavelmente o periacuteodo de convivecircncia mais proacutexima que os dois tiveram Con-radi acompanhou-a em algumas viagens e atuou como seu tradutor em vaacuterias ocasiotildees (DELAFIELD 1957 p 286) Alguns meses depois Conradi foi preso na Ruacutessia apoacutes organizar uma Igreja e realizar alguns batismos A situaccedilatildeo legal dele parecia muito delicada e ela lhe enviou uma confortante carta

Querido irmatildeo [hellip] Noacutes podemos ver agora mais claramente algu-mas das dificuldades que existem no caminho daqueles que que-rem obedecer a Deus Noacutes natildeo poderiacuteamos reconciliar este fato com as circunstancias agora mas Deus trabalha de uma misteriosa maneira para cumprir suas maravilhas [hellip] Mantenha a coragem e relembre que o Senhor eacute o Supremo Governador [hellip] Pense no que Jesus o Priacutencipe da Vida sofreu neste mundo o justo pelo in-justo para que Ele pudesse salvar homens da morte e da miseacuteria

6 Ver tambeacutem Review and Herald (1984 p 23)

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Deus governa neste mundo Ele eacute o Onipotente Tenha certeza entatildeo que tudo o que ele deseja na sua sabedoria ou o que seu amor intenta Seu poder executaraacute [hellip] Noacutes cuidaremos de sua esposa e de sua crianccedila de maneira especial [hellip] Noacutes natildeo esque-cemos vocecirc e temos apresentado seu caso ao tribunal mais elevado (DELAFIELD 1957 p 287 traduccedilatildeo livre)

Entretanto Conradi declarou que foi exatamente neste periacuteodo de convi-vecircncia com Ellen G White na Europa que ele desenvolveu certa antipatia por ela (DELAFIELD 1957 p 288) Alguns tem sugerido que para Conradi Ellen G White fugia do conceito de uma boa housfrau (dona-de-casa) alematilde ndash uma figura sujeita ao marido e restrita agraves atividades domeacutesticas Era difiacutecil aceitar uma mu-lher tomar parte nas reuniotildees da igreja influenciar decisotildees administrativas e ateacute repreender proeminentes liacutederes (GROB 1974 p 13 SCHWARZ 1979 p 475)

Tendo em vista os recentes sucessos no campo americano e os grandes progressos realizados no desafiante campo europeu era de se esperar que Conradi se sentisse realizado e satisfeito com sua obra ministerial Todavia em uma carta enviada ela em 1891 ele disse ter passado por uma profunda crise espiritual quando comeccedilou o trabalho na Europa De maneira bastante pessoal ele confessou

Quando juntei-me a este povo [o povo adventista] mais de 13 anos atraacutes eu aprendi por experiecircncia proacutepria o que eacute experimentar da paz de Deus e da certeza dos pecados perdoados tambeacutem o que eacute ser livre da escravidatildeo do pecado Em teoria eu confesso que tive pouca luz a respeito desse assunto como em muitos outros Por quase 7 anos eu permaneci vitorioso fazendo estaacutevel progresso [hellip] mas quan-do eu cheguei na Europa mais apropriadamente um pouco antes derrotas vieram primeiramente de leve durante longos intervalos Enquanto o meu desejo fosse trabalhar por uniatildeo eu nem sempre tinha o sentimento correto para com a sua pessoa [EGW] As circunstancias peculiares em Basel [Suiacuteccedila] natildeo foram de nenhuma ajuda para mim e eu fui lentamente perdendo o chatildeo Quando eu fui para a Ameacuterica [1888] eu esperei ser ajudado mas a reuniatildeo de Minneapolis somente adicionou escuridatildeo Suas palavras provaram-se verdadeiras em meu caso Eu tentei superar isso atraveacutes do trabalho o que por vezes aju-dou parcialmente mas a escravidatildeo permaneceu Oh Quatildeo escuro satildeos as horas de escravidatildeo (DELAFIELD 1957 p 288)

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A confissatildeo de Conradi evidencia que uma deacutebil compreensatildeo sobre o perdatildeo de Deus seria a raiz do problema O proacuteprio Conradi era um dos que naquele momento precisavam da reconfortante mensagem de Justificaccedilatildeo pela Feacute Entretanto ele decididamente assumiu partido ao lado dos que dis-cordavam de A T Jones E J Waggoner e Ellen G White nas reuniotildees de Minneapolis tendo sido lembrado como ldquoum dos mais tagarelas e criacuteticosrdquo do grupo que tratou com severo deboche e descaso as exposiccedilotildees de Waggo-ner e Jones (FROOM 1971 p 248)

Oposiccedilatildeo em MinneapolisEnquanto na conferecircncia Conradi ficou hospedado juntamente com

outros 25 advogados de Iowa em uma grande e espaccedilosa casa McReynold que estava hospedado com ele disse que a atmosfera espiritual dos dele-gados naquele lugar era nada mais do que ldquodeprimenterdquo Natildeo houveram

ldquomomentos de culto ou o som de um grupo de oraccedilatildeo agrave noite ou pela ma-nhatilde ndash apenas gargalhadas e criacuteticas por alguns especialmente por Conradirdquo (FROOM 1971 p 259 traduccedilatildeo livre) Foi talvez por possuir esse espiacuterito zombeteiro que W G C Murdoch um antigo colega de Conradi observou muitos anos depois de sua apostasia ldquoEu era bem familiar ao pastor Conradi e viajei com eles muitas milhas o caraacuteter do pastor Conradi natildeo se adequava ao de um ministro do evangelhordquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo livre)

Quando chegou em Minneapolis as contendas talvez tenham surpre-endido-o jaacute que ele vinha da Europa e a discussatildeo efervescia entre os esta-dunidenses Pouco tempo antes das reuniotildees de Minneapolis em outubro de 1888 Ellen G White lamentou que Conradi deveria ter recebido cartas dela Pelo contexto entretanto natildeo eacute possiacutevel determinar se ela desejava escrever sobre o debate que vinha se arrastando nos EUA Mas por estar ocupada com os problemas ldquodeste lado do Atlacircnticordquo natildeo chegou a escrever nada para ele (WHITE E 1987 v 1 p 156)

Segundo Conradi ldquoo encontro de Minneapolis soacute adicionou escuri-datildeordquo agrave sua condiccedilatildeo espiritual W C White disse que os delegados parti-ram ldquocom uma grande variedade de sentimentos Alguns achavam que essa tinha sido a maior becircnccedilatildeo de sua vida outros que ela assinalava o iniacutecio de um periacuteodo de trevas e que os efeito malignos do que havia sido feito na conferecircncia jamais poderiam ser apagadosrdquo (SCHWARZ 2009 p 182) Ellen G White poucos anos depois comentou o espiacuterito daqueles que ha-viam feito parte do grupo de gozadores

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Enquanto eu estava em Minneapolis Ele me fez segui-lo de quarto em quarto de forma que eu pudesse ouvir o que estava sendo falado no dormitoacuterio O inimigo tinha tudo indo do seu jeito Eu natildeo ouvi ne-nhuma oraccedilatildeo mas ouvi meu nome sendo mencionado e difamado Nos quartos ocupados com nosso pessoal noacutes ouvimos piadas criacutetica risos e zombaria As manifestaccedilotildees do Espiacuterito Santo estavam sendo atribuiacutedas ao fanatismo [hellip] O mesmo Espiacuterito que moveu os rejeitores de Cristo colocava raiva em seus coraccedilotildees e se eles tivessem vivido na eacutepoca de Cristo teriam agido de forma similar aos Judeus descrentes e sem Deus (WHITE E G 1987 v 4 p 1564-1565 traduccedilatildeo livre)

Dois anos apoacutes Minneapolis sua disposiccedilatildeo quanto a Ellen G Whi-te parece ter mudado visto que foi publicado na Review o relatoacuterio de uma recente viagem missionaacuteria que ele fizera agrave Ruacutessia Em uma das comissotildees presididas por ele foi votado ldquogratidatildeo a Deus pela manifestaccedilatildeo dos dons Espirituais entre noacutes e especialmente pelo Espiacuterito de Profeciardquo (GERHAR-DT 1977 p 10-11 grifo nosso)

No ano seguinte em agosto de 1891 Conradi pediu desculpas agrave Ellen G White por sua atitude em Minneapolis e disse

Em vista dos sentimentos que eu nutria contra vocecirc e suas palavras os quais eu deixei transparecer na reuniatildeo de Minneapolis eu peccedilo perdatildeo E se vocecirc e meus irmatildeos ainda me garantirem um lugar na causa de Deus eu posso dizer com a ajuda de Deus ndash e eu tenho evidecircncias dela ndash eu serei um diferente ministro membro e irmatildeo [hellip] Eu posso agora apreciar as suas admoestaccedilotildees feitas no passado e ver a luz onde antes havia trevas Natildeo deveria ser meu privileacutegio encontrar vocecirc no proacuteximo ano Eu posso lhe garantir que em Cristo eu serei um com vocecirc no trabalho e que minhas oraccedilotildees estaratildeo com vocecirc Eu agradeceria se vocecirc pudesse proferir algumas palavras dizendo se vocecirc recebeu a minha carta e se vocecirc me perdoaria e me daria tambeacutem alguns conselhos conselhos e reprovaccedilotildees seratildeo agradecidamente re-cebidos (DELAFIELD 1957 p 288 traduccedilatildeo proacutepria)

Reprovado por Ellen G WhitePouco contato parece ter ocorrido entre os dois apoacutes esta carta Ateacute

que cinco anos depois por volta de 1896 Conradi teve uma filha em um

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caso extraconjugal Ellen G White que nessa eacutepoca estava na Austraacutelia o repreendeu pelo adulteacuterio Poucas pessoas na Igreja alematilde ficaram sabendo do ocorrido e o caso natildeo chegou a se tornar um escacircndalo puacuteblico Como consequecircncia Conradi foi removido de seu cargo administrativo e resignado a trabalhar fora da Alemanha visitando e dando suporte aos campos missio-naacuterios (HEINZ 1987 p 24 HEINZ 1998 p 95-96)7

Algum tempo depois de perder seus cargos em outubro de 1897 ele en-viou da Ruacutessia uma carta para Ellen G White em que afirmava estar encon-trando ldquoluzrdquo na Palavra de Deus e nos ldquotestemunhos do Seu Espiacuteritordquo ndash ou seja no que ela escrevia (DELAFIELD 1957 p 291) Ele expressava

gratidatildeo a Cristo o qual provou ser um amigo fiel e o meu sumo sacerdote Quando tudo parecia escuro e Satanaacutes instava nenhu-ma esperanccedila [hellip] Minha oraccedilatildeo hoje eacute Senhor unge meus olhos deixe-me perceber a minha proacutepria salvaccedilatildeo guarda todos os meus passos nos caminhos do dever e me permita saber o Teu desejo para a minha vida [hellip] Eu natildeo quero arruinar o Seu traba-lho por causa do passado mas ele foi graciosamente perdoado Eu estarei satisfeito se vocecirc tiver alguma luz ou exortaccedilatildeo e conselho [hellip] (DELAFIELD 1957 p 291 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Daniel Heinz considerando a atitude ambiacutegua que ao longo dos anos Conradi manteve em relaccedilatildeo a Ellen G White julga que ele sabia que sem a aprovaccedilatildeo dela seria mais difiacutecil de retornar ao elevado cargo que ele ante-riormente ocupava (HEINZ 1998 p 96)

A questatildeo do ldquodiaacuteriordquoDurante o periacuteodo que esteve afastado da presidecircncia do campo Russo-Ale-

matildeo Conradi comeccedilou a revisar a obra de J N Andrews History of the Sabbath Analisando profundamente as obras dos reformadores protestantes se sentiu atra-iacutedo pela ideia de que Lutero um alematildeo tivesse sido o primeiro a proclamar as trecircs mensagens angeacutelicas O que consequentemente neutralizava a importacircncia do Movimento Milerita (SCHWARZ 1979 p 475 SCHWARZ 2009 p 288)

Conradi apesar de ser naturalizado americano tinha um forte senti-mento nacionalista em relaccedilatildeo ao seu paiacutes natal Isso pode ter influenciado

7 Conferir tambeacutem Grob (1974 p 15-16)

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sua interpretaccedilatildeo teoloacutegica que dava preferecircncia a Martinho Lutero e o Mo-vimento da Reforma Tambeacutem explica em parte suas atitudes precipitadas tomadas posteriormente durante a I Guerra Mundial (GERHARDT 1977 p 21-22 SCHWARZ 1979 STRAYER 1996 p 10)

Conradi comeccedilou a escrever seu proacuteprio comentaacuterio sobre o livro de Daniel desenvolvendo uma nova interpretaccedilatildeo para a questatildeo do ldquodiaacuteriordquo de Daniel 812 Poreacutem antes de publicar suas novas ideias enviou uma carta para Ellen G White perguntando se ela tinha mais luz agrave respeito do assunto Ela natildeo respondeu sua carta e ele seguiu avante com a impressatildeo do livro Como ela explicou mais tarde natildeo era seu objetivo alimentar tal discussatildeo (SCHWARZ 2009 p 609) podemos entender entatildeo por que a carta de Conradi a respeito do ldquodiaacuteriordquo nunca foi respondida

S N Haskell G I Butler e George Irwin se posicionaram ao lado da antiga interpretaccedilatildeo de Guilherme Miller e Uriah Smith (HALOVIAK 1980 p 36 SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609) Quando Conradi buscou publicar seus escritos na Ameacuterica Edwin R Palmer editor da Review and Herald disse-lhe ldquoAqui na Ameacuterica natildeo nos eacute permitido publicar nada que mesmo em pequena parcela possa estar contra o irmatildeo Uriah Smith por que a irmatilde White ajudou o irmatildeo Smith quando ele escreveu Daniel e Apocalipserdquo8 Conradi procurou ainda o proacuteprio Uriah Smith que lhe respondeu ldquoNenhum iota seraacute mudado do que nossos pioneiros disseram [hellip] o que eles fixaram eacute divinordquo9 Em contra partida Conradi usou sua influecircncia para natildeo permitir que os livros de Smith fossem publicados na Inglaterra (HALOVIAK 1979 p 38)

8 Taquigrafia abreviada da resposta dada por Conradi perante a comissatildeo da Divisatildeo Eu-ropeia em Fridensau em 22 de julho de 1932 depois dos irmatildeos Gilbert Crisler G W Schubert e W Muumlller terem replicado a apresentaccedilatildeo de Conradi disponiacutevel no Arquivo do Centro de Pesquisas Ellen G White A resposta de Palmer a Conradi eacute melhor compreen-dida tendo em vista a crenccedila muito comum entre os adventistas daquela eacutepoca de que Ellen G White havia declarado ter visto um anjo ao lado de Uriah Smith conduzindo-o enquanto escrevia o livro Thoughts on Daniel and the Revelation Os testemunhos histoacutericos de tal declaraccedilatildeo natildeo satildeo muito seguros mas mesmo que ela tenha realmente dito isto Palmer e muitos outros natildeo estavam sendo sensatos no juiacutezo que faziam A declaraccedilatildeo deve ser com-preendida da mesma maneira como entendemos que os anjos estatildeo ao redor de qualquer um que esteja consagradamente envolvido na causa de Deus Isso natildeo quer dizer que tais pessoas sejam inspiradas ou infaliacuteveis em suas atitudes (WHITE A L 1957 ver tambeacutem KNIGHT 2003 p 74-75 e GOUGLAS 2009 p 402-403)9 Independentemente da opiniatildeo defendida por Uriah Smith estar equivocada ou natildeo o argumento apresentado por ele desconsiderava o princiacutepio de que ldquoa luz da verdade biacuteblica eacute progressiva e deve brilhar lsquomais e mais ateacute ser dia perfeitorsquo(Pv 418)rdquo (QUESTOtildeES 2011 p 55-57 ver tambeacutem NISTO CREMOS 1989 p 11-13)

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Agrave medida em que a discussatildeo progredia o grupo que se opunha a Conradi passou a usar declaraccedilotildees do livro Early Writings para combatecirc-lo e defender a antiga interpretaccedilatildeo de Daniel 812 Ellen G White no entan-to reagiu repreendendo-os pelo uso arbitraacuterio de seus escritos e disse que

ldquosuas observaccedilotildees anteriores tinham o propoacutesito de dar validade agrave profecia dos 2300 dias natildeo definir o [termo] diaacuteriordquo (SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609)

Na Conferecircncia Geral de 1901 Conradi discutiu a questatildeo em niacutevel particular com outros delegados e afirmou ldquoa declaraccedilatildeo de [Ellen G] White no [livro] Primeiros Escritos a respeito da questatildeo do santuaacuterio natildeo foi uma autoridade para mimrdquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo proacutepria)

Subindo de postoAteacute 1901 Conradi havia sido responsaacutevel apenas pelos campos alematildeo

e russo10 onde o adventismo vinha se desenvolvendo acentuadamente de forma que sua lideranccedila continuava sendo muito estimada pelos liacutederes ame-ricanos Os debates teoloacutegicos natildeo afetaram a reputaccedilatildeo de Conradi e ele foi eleito presidente da receacutem criada Divisatildeo Europeia Ellen G White em um de seus discursos durante a Conferecircncia enquanto comentava os avanccedilos na Europa disse ldquoo irmatildeo Conradi tem carregado uma pesada carga do traba-lho na Europardquo e dirigindo-se diretamente a ele aconselhou

Deus quer que vocecirc tenha pessoas ao seu lado e Ele quer que vocecirc decirc a elas toda motivaccedilatildeo possiacutevel Ele quer que o trabalho que vocecirc estaacute fazendo vaacute com toda a forccedila e todo o poder Vocecirc tem feito o traba-lho de muitos homens Deus tem abenccediloado os seus trabalhadores de forma imensuraacutevel Os Anjos de Deus tem feito esse trabalho natildeo o irmatildeo Conradi Ele tem aberto as portas para os anjos e dado a Deus uma oportunidade para trabalhar deixe-me dizer-lhe que Ele iraacute implantar uma operaccedilatildeo que iraacute para frente com tanta forccedila e poder que vocecirc nem sonha ldquoFeacute eacute a certeza das coisas pelas quais se esperam a evidencia das coisas que se natildeo veemrdquo Deus quer que noacutes trabalhemos pela feacute Deixe de lado toda a criacutetica toda incredulidade todo o desejo de medir os seus companheiros de trabalho que talvez

10 Em 1891 os campos Alematildeo e Russo foram separados do Campo da Europa Central e colocados sobre os cuidados de Conradi (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

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natildeo tenho tido um mileacutesimo da oportunidade que vocecirc teve (WHITE E G 1901 p 27 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Conradi era um liacuteder de muitas capacidades possuiacutea uma oratoacuteria fasci-nante11 e ao que tudo indica uma impressatildeo carismaacutetica No entanto a convi-vecircncia sobre sua lideranccedila natildeo era das mais simples Alfred Vaucher relatou que como um jovem pastor ele nunca gostou muito de se encontrar com Conra-di pois sua saudaccedilatildeo de praxe sempre era um inconveniente ldquoQuantas almasrdquo Pode-se dizer que a atitude das pessoas se polarizavam entre admiraccedilatildeo ou aversatildeo a ele (HEINZ 1987 p 18) Ou o seguiam sem questionar ou o ignora-vam (GERHARDT 1977 p 3) ldquoConradi era visto como uma personalidade patriarcal e depois de ele ter falado natildeo havia nada mais a declararrdquo(SIMON apud GROB 1974 p 12 ver tambeacutem STRAYER 1996 p 10)

Ningueacutem havia ateacute aquele momento notado ou avaliado os desvios teoloacutegicos de Conradi Aliaacutes ao que tudo indica suas opiniotildees natildeo eram perceptiacuteveis agrave lideranccedila da Associaccedilatildeo Geral localizada nos EUA Perigosa-mente quando foi eleito presidente da Divisatildeo Europeia ele jaacute havia fixado grande parte das opiniotildees problemaacuteticas que se manifestariam nos anos sub-sequentes Conradi comeccedilou a disseminar as ideias contraacuterias agraves doutrinas da Igreja e a semear duacutevidas com respeito ao ministeacuterio de Ellen G White (HEINZ 1998 p 102 SCHWARZ 1979 p 475)

Em 1910 Conradi em uma carta para Daniells falando sobre a discus-satildeo do ldquodiaacuteriordquo comentou

Eu estou feliz que a Sr White tenha falado tatildeo abertamente que eles natildeo deveriam citaacute-la a favor de certas opiniotildees Eu penso que se isso fosse colocado como um princiacutepio o estudo cuidadoso da Biacuteblia passaria a ser mais faacutecil para nossos irmatildeos no futuro (HA-LOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre ver HALOVIAK 1979 p 37)

Embora Conradi estivesse certo em reprovar aqueles que recorriam di-retamente aos escritos de Ellen G White como se assim fosse dispensaacutevel o

11 Nas palavras de quem o ouviu pregar ldquoL R Conradi era meu pregador favorito quando eu ainda jovem frequentava as campais em Dakota do Norte [hellip] Ele tinha a habilidade de estimular ambos jovens e velhos [hellip] Seus gestos eram dramaacuteticos e ele sabia como manter as pessoas jovens atentas e as pessoas idosas acordadasrdquo (BIETZ 1996 p 1-2 traduccedilatildeo livre ver tambeacutem WESTPHAL 1911 p 17 SPIES 1911 p 1 e 6 PAGES 1926 p 4)

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cuidadoso estudo da Biacuteblia havia ainda mais por detraacutes de sua declaraccedilatildeo Sua intenccedilatildeo natildeo era desenvolver um modelo correto para a interpretaccedilatildeo dos escritos de Ellen G White mas anular por completo a validade do seu ministeacuterio profeacutetico

Um novo paradigma de interpretaccedilatildeoEm fevereiro de 1910 Z G Baharian um missionaacuterio no campo turco

(NEUFELD 1996 v 10 p 154) informou W C White e W A Spicer pre-sidente da Conferencia Geral que Conradi vinha levantando crescentes duacute-vidas a respeito do Espiacuterito de Profecia Ele traccedilou um histoacuterico do que vinha acontecendo desde 1898 quando a mensagem de Reforma de Sauacutede comeccedilou a ser introduzida na Europa ateacute onde um conciacutelio ocorrido em Constantino-pla Conradi havia buscado provar que os escritos de EGW possuiacuteam diferentes niacuteveis de inspiraccedilatildeo e que os escritos com as orientaccedilotildees sobre sauacutede natildeo esta-vam no ldquocluberdquo dos inspirados Portanto nas palavras de Conradi ldquoos escritos dela natildeo eram um guia segurordquo para eles (HALOVIAK 1979 p 28-29)

Depois de se desligar da Igreja Adventista Conradi escreveu que um de seus motivos para rejeitar Ellen G White foi a descoberta da omissatildeo de algumas palavras entre a primeira e a segunda publicaccedilatildeo de suas primeiras visotildees (CONRADI 1932) Mudanccedilas tais como as que aconteceram entre a primeira e a segunda ediccedilatildeo do livro The Great Controversy12 tambeacutem foram estranhas agrave compreensatildeo de inspiraccedilatildeo que ele detinha Em uma carta tro-cada com Conradi W A Spicer argumentou com ele

Uma questatildeo mais importante do que o assunto dos meros deta-lhes de uma correccedilatildeo ou de uma declaraccedilatildeo equivocada (nos li-vros Spirit of Prophecy) eacute a questatildeo de como trataremos dos toacutepicos que tem passado pela matildeo de vaacuterios editores Noacutes temos tido um pequeno conflito com alguns de noacutes por muitos anos tentando fazer os irmatildeos verem que natildeo seria correto conferir qualquer au-toridade extraordinaacuteria para detalhes dessa natureza [hellip] Mas uma coisa eacute certa irmatildeo Conradi seguramente essas frases e declaraccedilotildees histoacutericas nesses livros tecircm sido corrigidas da mesma forma que em qualquer outro livro Claro que noacutes devemos levar em consideraccedilatildeo

12 Para uma anaacutelise sobre essas duas ediccedilotildees do livro ldquoO Grande Conflitordquo consultar Dou-glas (2009 p 446-450)

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todos os conselhos com o autor em fazer correccedilotildees (HALOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Conradi se revelou um ferrenho defensor da inspiraccedilatildeo verbal o que o impedia de compreender as modificaccedilotildees editoriais nos livros de Ellen G White e suas declaraccedilotildees agrave respeito ldquodo diaacuteriordquo Muitas dificuldades po-deriam ter sido evitadas caso Conradi entendesse o processo de inspiraccedilatildeo ocorrendo por pensamento e natildeo de palavra em palavra13

Em 1911 apoacutes o livro The Acts of the Apostles ser publicado W C White enviou uma interessante carta para Conradi em que ele explicava como sua matildee havia trabalhado na composiccedilatildeo do livro

O trabalho preliminar levou mais ou menos cinco meses de lei-tura e pesquisa entatildeo se seguiu o trabalho de selecionar aqueles artigos porccedilotildees e manuscritos que mais claramente representa-ram o que ela desejava dizer [hellip] Dia a dia os manuscritos foram submetidos a leitura da Mamatildee [hellip] Ela marcou os manuscritos livremente escreveu e adicionou palavras frases e periacuteodos para fazer afirmaccedilotildees mais claras e mais fortes Por fim estas foram submetidas para serem copiadas uma segunda vez (WHITE W C 1981 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Sendo que W C White neste momento jaacute havia sido informado por Baharian o missionaacuterio em campo turco do meacutetodo de ldquoseleccedilatildeo de conteuacutedo inspiradordquo que Conradi vinha seguindo eacute de se esperar que os pormenores da redaccedilatildeo de The Acts of the Apostles natildeo foram mencionados por acaso W C White queria descrever de maneira mais clara para Conradi como sua matildee nor-malmente procedia na composiccedilatildeo dos escritos Seguramente The Acts of the Apostles foi um dos livros em que Ellen G White mais livremente editou o con-teuacutedo ateacute que ele chegasse a sua forma final sendo portanto um bom exemplo de como a noccedilatildeo de inspiraccedilatildeo verbal natildeo se adequava ao seu ministeacuterio

13 Resumidamente temos aqui duas teorias de inspiraccedilatildeo a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo do pen-samentordquo e a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo verbalrdquo A inspiraccedilatildeo do pensamento entende que Deus daacute a mensagem ao profeta e permite-lhe transmiti-la com suas proacuteprias caracteriacutesticas de lin-guagem numa associaccedilatildeo do divino com o humano Jaacute a teoria de inspiraccedilatildeo verbal propotildee que Deus age diretamente na escolha das palavras usadas na comunicaccedilatildeo da mensagem Este modelo impotildee seacuterias dificuldades para harmonizar questotildees como a supressatildeo de conteuacutedo ou a reformulaccedilatildeo de frases em uma mensagem jaacute transmitida pelo profeta anteriormente Para uma melhor entendimento do assunto ver por exemplo Douglas (2009 p 16-17)

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A Conradi foi posto um dilema ou rejeitava seu paradigma do proces-so de revelaccedilatildeo-inspiraccedilatildeo ou rejeitava o dom profeacutetico de Ellen G White Mas as explicaccedilotildees dadas por W C White ao inveacutes de esclarecedoras so-aram gritantes agraves convicccedilotildees que Conradi defendia14 Quatro anos depois (1914) Conradi comentou de forma aberta e declarada qual era sua opiniatildeo a respeito do livro The Acts of the Apostles

As chapas [para a impressatildeo do livro] Atos dos Apoacutestolos chegaram mas eu me senti desanimado quando vi a paacutegina do tiacutetulo e sobre ela a Sra Ellen G White Talvez em menor instacircncia de certo porque ele seraacute disseminado entre o nosso proacuteprio povo Mas noacutes desco-brimos que toda a Europa tem uma grande aversatildeo a escritos reli-giosos e teoloacutegicos escritos por mulheres e entatildeo vocecirc perceberaacute que nas ediccedilotildees [do livro] para a colportagem noacutes simplesmente dizemos E G White e dessa forma de maneira alguma a primei-ra paacutegina indica que [o livro] eacute escrito por uma mulher (GROB 1974 p 13-14 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Aleacutem da crescente dissonacircncia doutrinaacuteria com o tempo surgiram tambeacutem choques administrativos entre Conradi e a direccedilatildeo mundial da Igre-ja que vieram abalar fatalmente sua feacute adventista

O surgimento dos Adventistas da Reforma

Em 1914 com o comeccedilo da I Guerra Mundial as comunicaccedilotildees entre a Alemanha e os EUA se tornaram difiacuteceis e a Divisatildeo Europeia cuja sede

14 Herbert Douglas faz um interessante comentaacuterio sobre o grupo dos defensores da inspiraccedilatildeo verbal no meio adventista ldquoOs deste grupo (e satildeo muitos) que permaneceram na igreja como liacutederes de influecircncia na administraccedilatildeo ou no evangelismo criam que eram os uacutenicos capazes de salvar a denominaccedilatildeo da apostasia Podiam [sic] citar como exemplos de onde esse pensamento os levaria muitos que tentaram lsquoreinterpretarrsquo Ellen G White ndash homens como os irmatildeos Bal-lenger (A F e E S) J H Kellogg A T Jones W A Colcord E J Waggoner L R Conradi e W W Fletcher Um traccedilo comum a todos esses liacutederes notoacuterios que desertaram era a decisatildeo de lsquoque o Espiacuterito de Profecia podia ser dividido em partes lsquoinspiradasrsquo e lsquonatildeo inspiradasrsquo Parece relevante que na maioria dos casos os que comeccedilaram a fazer essas classificaccedilotildees perderam finalmente a confianccedila no Espiacuterito de Profeciardquo (DOUGLAS 2009 p 441)

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e a maior parte dos membros ficava na Alemanha se isolou do restante da Igreja mundial A Igreja europeia natildeo tinha a mesma experiecircncia que a Igreja nos EUA acumulara durante a Guerra Civil nem buscara desenvolver contatos com as autoridades militares durante os tempos de paz Faltava orientaccedilatildeo de como proceder em tempos de guerra Logo problemas com o saacutebado e o por-te de armas comeccedilaram a aparecer e alguns adventistas negaram-se a apoiar qualquer esforccedilo beacutelico levando ao fechamento de todas as igrejas adventistas em uma regiatildeo da Alemanha Sabendo da execuccedilatildeo de membros de um gru-po religioso que mantivera suas fortes convicccedilotildees pacifistas a lideranccedila alematilde

ldquoinformou por escrito ao ministro de guerra alematildeo [hellip] que os recrutas adven-tistas do seacutetimo dia portariam armas como combatentes e prestariam serviccedilo no dia de saacutebado em defesa de seu paiacutesrdquo Tambeacutem era obrigatoacuterio o envio das crianccedilas para escola aos saacutebados sobre pena de prisatildeo dos pais caso elas faltas-sem Com respeito a isso foi feito um acordo para que pudessem levar a Biacuteblia e lecirc-la em sala de aula (SCHWARZ 2009 p 364-365 372)

A declaraccedilatildeo emitida pela lideranccedila alematilde negava a postura pacifista que os adventistas historicamente defendiam e comprometia seriamente a observacircncia do saacutebado como um princiacutepio inegociaacutevel Previamente um grupo dissidente que viria a se tornar o Movimento dos Adventistas da Re-forma havia se revoltado contra a administraccedilatildeo da Igreja A falha cometida por Conradi e os demais liacutederes subordinados a ele deram ao grupo um pre-texto para continuar a rebeliatildeo Caso a lideranccedila encabeccedilada por Conradi houvesse se mantido firme aos princiacutepios adventistas o Movimento Adven-tista da Reforma dificilmente haveria se concretizado (OLIVEIRA 1985 p 129-132 SCHWARZ 2009 p 619-132)15 Como resultado da crise ocorrida na Alemanha na Conferecircncia Geral de 1918 foram tomadas medidas para evitar que uma Divisatildeo da Igreja agisse de maneira tatildeo independente em relaccedilatildeo ao restante da Igreja mundial (SCHWARZ 2009 p 315)

Revolta contra a lideranccedilaApoacutes o teacutermino da guerra uma delegaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral se dirigiu a

Alemanha com o objetivo de resolver os equiacutevocos cometidos durante a I Guerra Mundial Boa parte dos liacutederes alematildees reconheceram suas atitudes precipitadas mas Conradi prosseguiu irredutiacutevel afirmando que havia tomado as decisotildees certas segundo as exigecircncias da circunstacircncia (SCHWARZ 2009 p 620)

15 Com respeito ao surgimento do Movimento Reformista e suas praacuteticas ver Kramer (1991)

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Em 1922 Conradi foi afastado da presidecircncia da Divisatildeo Europeia Um dos motivos da natildeo reeleiccedilatildeo de Conradi pode ter sido sua avanccedilada idade na eacutepoca 66 anos (SCHWARZ 2009 p 475) suas orientaccedilotildees doutrinaacuterias e prin-cipalmente pelos erros cometidos durante a I Guerra Mundial (GROB 1974 p 7) L H Christhian um americano foi eleito em seu lugar A reaccedilatildeo de Conradi na eacutepoca natildeo foi das melhores pouco antes de morrer ele expressou por escrito os seus sentimentos com respeito ao evento ldquoIsso eacute demais para suportar fazer tal coisa a um pioneiro maduro que construiu tudo por si mesmo e agora tudo eacute dado agrave um jovem um rapaz inexperiente rdquo (CONRADI apud GROB 1974 p 10 ver tambeacutem GERHARDT 1977 p 22 SCHWARZ 2009 p 476)

Conradi foi remanejado para a secretaria da Associaccedilatildeo Geral um posto de pouca expressatildeo administrativa o que representou uma mudanccedila draacutestica na rotina profissional de um homem acostumado agrave lideranccedila ativa Profundamente ofendido (GROB 1974 p 8 GERHARDT 1977 p 21 HEINZ 1987 24) e com a convicccedilatildeo de que ningueacutem poderia substituiacute-lo Conradi passou a agir como um ldquoconsultorrdquo dos campos missionaacuterios uma funccedilatildeo sem muito poder e influecircncia (GERHARDT 1977 p 7)

Ele passou entatildeo a dedicar bastante tempo para escrever e publicar Em 1923 no livro Das Golden Zeitalter ele enfatizou que ldquoo Movimento Adventista natildeo eacute um movimento estatunidense mas que remonta aos tempos da Reformardquo (DELAFIELD 1957 p 288 HEINZ 1987 p 22) e buscou desenvolver uma identidade independente para o adventismo europeu A partir de 1925 ele co-meccedilou a visitar as principais bibliotecas europeias e americanas onde costumava pesquisar sem interrupccedilatildeo das 9 horas da manhatilde ateacute as 18 horas da tarde (GROB 1974 p 9 19 RANDOLPH 1940 p 8) Somente no Museu Britacircnico ele de-dicou seis meses dessa carregada rotina (RANDOLPH 1940 p 8) Enquanto explorava a Biblioteca de Nova Iorque disse ter encontrado a prova para alegar que as primeiras visotildees de Ellen G White foram intencionalmente deixadas de fora das ediccedilotildees posteriores o que justificava ainda mais suas duacutevidas com res-peito ao livro Early Writings (CONRADI 1932 HEINZ 1998 p 102)

Desligando-se definitivamenteEm 1930 por volta dos 75 anos de idade Conradi ainda alimentava

esperanccedilas de ser eleito presidente da Associaccedilatildeo Geral mas foi desapon-tado pela escolha do australiano C H Watson (ADVENTIST 1985 p 52) No veratildeo de 1931 um comitecirc se reuniu no Coleacutegio de Fridensau Alemanha para ouvir Conradi e tentar convencecirc-lo a abandonar as ideias de desarmonia

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com a Igreja Entretanto a reconciliaccedilatildeo natildeo foi possiacutevel Encolerizado em um dos momentos da reuniatildeo esbravejou ldquoEu lhes dei tudo eu lhes dei as instituiccedilotildees e as igrejas Vocecircs tecircm o dinheiro o diacutezimo e as ofertas Vocecircs tecircm tudo eu natildeo tenho nadardquo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 22) Posteriormente seguiu argumentando

De onde Tiago White retirou o seu material nos primeiros dias Dos Batistas do Seacutetimo Dia [hellip] Irmatildeos orem por mim assim como oro por vocecircs Se algueacutem quisesse harmonia eu seria essa pessoa [hellip] Eu acredito na vitoacuteria da mensagem mas isso natildeo significa que cada tijolo estaacute posto corretamente [hellip] Eu devo seguir o meu caminho Eacute algo estranho algo peculiar [hellip] Acredite em mim haacute Algueacutem que examina tudo e ante Quem eu devo prestar contas16

A Associaccedilatildeo Geral tentou novamente reconciliaccedilatildeo e em outubro do mesmo ano Conradi se dirigiu aos EUA agrave sessatildeo do Conciacutelio Outonal da Associaccedilatildeo Geral uma seleta comissatildeo de presidentes e professores de teo-logia17 onde se dispuseram a ouvir suas opiniotildees A comissatildeo natildeo aceitou sua posiccedilatildeo teoloacutegica mas propocircs que se ele parasse de atacar a Igreja publi-camente sua credencial poderia ser mantida normalmente (GROB 1974 p 9-10 HEINZ 1998 p 107-108)

Ainda em 1928 Conradi havia recebido um livro com a histoacuteria da Igreja Batista do Seacutetimo Dia Em novembro de 1931 um mecircs apoacutes o acordo de ldquonatildeo ataque a Igrejardquo entrou em contato com os lideres da denominaccedilatildeo Batista do Seacutetimo Dia nos EUA e apoacutes uma bem sucedida aproximaccedilatildeo foi-lhe con-cedida uma credencial Assim Conradi partiu novamente para a Alemanha desta vez sem relaccedilatildeo com os Adventistas do Seacutetimo Dia mas para lanccedilar as bases da Igreja Batista do Seacutetimo Dia em solo alematildeo Em 1939 ele jaacute havia organizado 27 igrejas reunido cerca de 500 membros dos quais a maior parte era anteriormente adventista (RANDOLPH 1940 p 9 FROOM 1971 p 678 GROB 1974 p 3 SCHWARZ 2009 p 621) A despeito destes nuacuteme-ros Daniel Heinz comenta que a lideranccedila de Conradi agrave frente dos batistas do

16 Pasta DF 96 Centro de pesquisas Ellen G White ndash Brasil17 Dentre a seleta lista de pessoas presentes se encontravam C H Watson presidente da Asso-ciaccedilatildeo Geral I H Evans W H Branson E Kotz M E Kern J L McElbany L H Christian H F Schuberth W A Spicer F M Wilcox J J Nethery A G Daniells M L Andreasen W Mueller W W Prescott R Ruumlhling W C White e G W Schubert (HEINZ 1998 p 107)

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seacutetimo dia foi um total fracasso se comparada com sua atuaccedilatildeo pioneira nos primeiros anos do adventismo (HEINZ 1987 p 24)

Conradi morreu em 1939 Um pouco antes da sua morte terminou de escre-ver The Founders of the Seventh-Day Adventist Denomination (CONRADI 1939) um pequeno livreto cheio de amarguras e rancores contra sua antiga denomina-ccedilatildeo atacando pessoalmente Joseacute Bates Guilherme Miller Tiago White Ellen G White e outros Seu filho um notaacutevel meacutedico continuou sendo adventista (DE-LAFIELD 1957 p 296) e destacou-se pela manutenccedilatildeo do sanatoacuterio de Zeh-lendorf Berlim durante a Segunda Guerra Mundial (CHRISTIAN 1947 p 24)

Em vista do ofensivo conteuacutedo que Conradi havia publicado antes de sua apostasia Le Roy Edwin Fromm foi impelido a escrever os quatro volumes da seacuterie The Profetic Faith of Our Fathers em reposta aos desafios lanccedilados por Conradi (FROOM 1971 p 259 SCHWARZ 2009 p 397) Conradi ldquofez muito para desenvolver a obra na Alemanha apenas para mais tarde se voltar abertamente contra elardquo (SCHWARZ 2009 p 186)

Como Conradi chegou agrave apostasiaA apostasia de Conradi natildeo foi simplesmente doutrinaacuteria Ao lado de

suas convicccedilotildees teoloacutegicas de amplo amparo acadecircmico pode-se facilmente identificar motivaccedilotildees pessoais contra Ellen G White e a lideranccedila da Igreja Conradi foi desde cedo atraiacutedo pelo lado abstrato e impessoal da verdade Para ele verdade se resumia primariamente a uma ldquoteoria ou postuladordquo sendo experimentada apenas em seu acircmbito seco e racional (FROMM 1971 p 259 e 679 GROB 1974 p 20-21) Natildeo havia espaccedilo para experiecircncias mais pessoais e profundas com Deus e ele passou a enterrar suas frustraccedilotildees individuais em baixo de teologia associada agrave erudiccedilatildeo

Eacute difiacutecil indicar algum momento na vida de Conradi em que ele aceitou seguramente Ellen G White como profetisa (GROB 1974 p 15 HEINZ 1987 p 10) Antes de seus problemas pessoais com o adulteacuterio a reaccedilatildeo dele para com ela foi indefinida e duacutebia Contudo a partir da discussatildeo sobre o ldquodiaacuteriordquo uma clara postura contra Ellen G White foi sendo assumida O contexto de sua conversatildeo em um ciacuterculo adventista afetado pelas criacuteticas de Snook e Brinkerhoff criou duacutevidas desde a primeira vez em que ele ouviu falar do casal White Sua ida para estudar em Battle Creek foi uma boa oportuni-dade para conhecer pessoalmente Tiago e Ellen G White e tirar suas proacuteprias conclusotildees Por outro lado seus questionamentos ao inveacutes de sanados com o tempo se tornaram ainda mais fortes Aleacutem dos fatores de ordem pessoal

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Conradi manteve sua convicccedilatildeo na inspiraccedilatildeo verbal em oposiccedilatildeo agrave maneira livre com a que Ellen G White trabalhava na composiccedilatildeo de seus escritos

ConsequecircnciasJohann Helmut Gerhardt avalia que Conradi foi para a Igreja na Eu-

ropa o que J H Kellogg significou para a Igreja nos EUA (GERHARDT 1977 p 3) Todavia em contraste com a apostasia de Kellogg as consequecircn-cias deixadas por Conradi foram bem mais duradouras e proporcionalmente mais catastroacuteficas Conradi apoacutes se separar do adventismo natildeo poupou es-forccedilos em atacaacute-lo (FROOM 1971 p 483) O pior natildeo foram os 500 mem-bros que ele reuniu na Igreja Batista do Seacutetimo Dia mas as ideias que ele difundiu dentro do adventismo e a heranccedila que ele deixou mesmo depois de abandonar suas fileiras Durante muitos anos Conradi natildeo promoveu suas ideias abertamente principalmente quando em contato com os liacutederes ame-ricanos ldquoEmbora na aparecircncia exterior tudo parecesse ir bem estavam em operaccedilatildeo influecircncias sutis que posteriormente afetariam de forma negativa a igreja na Europa durante muitos anosrdquo (SCHWARZ 1979 p 475)

Influecircncia pela paacutegina impressaEmbora fosse um bom orador sua influecircncia foi sentida principalmente

atraveacutes do que ele publicou (GROB 1974 p 19) Sendo um haacutebil e proliacutefi-co escritor sua erudiccedilatildeo e talento conferiram bastante peso a suas opiniotildees No total a circulaccedilatildeo dos livros e panfletos escritos por Conradi eacute estimada entre 12 agrave 15 milhotildees de unidades (HEINZ 1987 p 22 e 24) Apenas seu comentaacuterio sobre Daniel e Apocalipse foi reimpresso 40 vezes chegando agrave soma de 4 milhotildees de exemplares (GROB 1974 p 19)18 Segundo dados es-tatiacutesticos tardios de 1953 apenas 1232629 livros de Ellen G White haviam sido vendidos na Europa (GROB 1974 p 18) em contraste com os 12 agrave 15 milhotildees de Conradi A correlaccedilatildeo destes dados mostra que a divulgaccedilatildeo dos livros de Conradi superou em muito a difusatildeo dos escritos de Ellen G White ou qualquer outro autor denominacional No quadro americano vaacuterios liacutede-res expunham seus entendimentos teoloacutegicos Embora por vezes a livre ma-nifestaccedilatildeo de ideias provocasse acalorados debates ela impedia a prevalecircncia

18 Segundo Algusto Pages (1926 p 4) ateacute 1926 2485000 exemplares dos livros de Conradi haviam sido vendidos

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de opiniotildees precipitadas Em contraste no contexto europeu Conradi atuou praticamente sozinho sem ningueacutem para criticaacute-lo ou avaliar suas opiniotildees

A dependecircncia que a Europa adventista tinha da imprensa alematilde e o su-porte que ela dava agrave obra de colportagem atuante em vaacuterios paiacuteses resultou na vasta disseminaccedilatildeo das obras de Conradi por todo o territoacuterio europeu Por volta de 1898 ano em que Conradi passou a rejeitar Ellen G White de-finitivamente ateacute 1931 quando sua credencial adventista foi retirada com-preende-se um periacuteodo de 33 anos dos quais 22 correspondem ao apogeu de sua influecircncia administrativa como presidente da Divisatildeo Europeia Mesmo depois de 1922 quando Conradi deixou de ser presidente sua figura pa-triarcal continuou sendo respeitada e admirada pela comunidade adventista (GROB 1974 p 20)19 Foi a partir desse periacuteodo que ele encontrou mais tempo para escrever e desenvolver melhor o que pensava

Os fatores soacutecioculturaisConradi comeccedilou em 1898 a minimizar a importacircncia do Movimento

Milerita Americano e transferir a interpretaccedilatildeo do anuacutencio das trecircs mensagens angeacutelicas para Lutero enfatizando a Reforma Protestante Os europeus jaacute pa-reciam estar menos dispostos agrave mudanccedila espiritual promovida pelo adventis-mo em parte por causa de sua origem americana (SCHWARZ 2009 p 278-279) Conradi contribuiu para que essa barreira fosse fortalecida tanto no que diz respeito a Ellen G White quanto agrave aceitaccedilatildeo do adventismo como um todo

Pode-se pressupor que naturalmente devido aos fatores soacutecioculturais se encontrou oposiccedilatildeo aos escritos de Ellen G White na Europa por causa de sua origem estadunidense e por ser mulher Contudo nos primeiros anos da obra adventista europeia a Igreja natildeo encontrou tal predisposiccedilatildeo dentro do ciacuterculo iacutentimo de membros O proacuteprio Conradi fez algumas traduccedilotildees dos escritos dela para o alematildeo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 10) Em 1903 os adventistas alematildees organizaram uma campanha baseada na venda do receacutem lanccedilado livro dela Paraacutebolas de Jesus com a intenccedilatildeo de arrecadar fundos para a construccedilatildeo do coleacutegio de Fridensau (SCHWARZ 2009 p 212 e 276)20 Se nesse momento jaacute existissem predisposiccedilotildees natu-

19 Pode-se ver como exemplo de sua popularidade uma festa que foi organizada em Ham-burgo nas dependecircncias da Casa Publicadora para o seu aniversaacuterio de 70 anos com a presen-ccedila de 500 pessoas (PAGES 1926 p 4)20 A seguir se encontra uma carta em que Ellen G White comenta as doaccedilotildees que vinha fa-zendo para o campo europeu ldquoOntem a tarde apoacutes a conferecircncia eu apelei por uma contri-

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rais contra ela natildeo seria comercialmente estrateacutegico arrecadar fundos com a venda de um livro de autoria impopular

Conradi alegou que sua ruptura natildeo comeccedilou diretamente com a Igreja mas com a aceitaccedilatildeo do ministeacuterio profeacutetico de Ellen G White (CONRADI 1932) A partir de entatildeo ele passou a minimizar o trabalho e os escritos dela numa tentativa de ldquosalvarrdquo a Igreja de sua influecircncia A intenccedilatildeo de Conradi pode ter sido facilitada pelo crescente nacionalismo ocorrido nos anos seguin-tes da Alemanha nazista quando foi incutida a convicccedilatildeo de que a cultura alematilde apresentava um paradigma mais elevado e eficiente para todas as aacutere-as praacuteticas e filosoacuteficas da cultura Consequentemente criou-se uma repulsa por tudo o que era de origem estrangeira principalmente no que se referia ao acircmbito ideoloacutegico Conradi jaacute havia rivalizado em seus escritos a Igreja alematilde com a americana e soava antipatrioacutetico depender da Igreja nos EUA

Legalismo e enfraquecimento da identidade denominacional

Segundo Fredy Grob e J H Gerhardt um outro fator a ser destacado eacute o forte cunho legalista que Conradi imprimiu na formaccedilatildeo adventista europeia A mentalidade formada por Conradi nunca levou as pessoas a entenderem as dimensotildees espirituais do saacutebado da doutrina do santuaacuterio e das trecircs mensa-gens angeacutelicas Levando tudo a ser tratado apenas no seu acircmbito seco e racio-nal (GROB 1974 p 21-22 GERHARDT 1977 p 3) ldquoIsso tudo por causa de um homemrdquo questiona Grob ldquoEu estou seguro que ele teve muito a verrdquo (GORB 1974 p 21 traduccedilatildeo livre)

A experiecircncia individual dos liacutederes em Minneapolis resultou na recu-peraccedilatildeo de um adventismo doutrinariamente fragilizado onde quer que eles atuassem (SCHWARZ 2009 p 183-185) Em contraste a atitude insolente de Conradi em 1888 impediu que sua visatildeo administrativa se importasse com a justificaccedilatildeo pela feacute ou com a eliminaccedilatildeo do legalismo A esfera da Igreja

buiccedilatildeo para as missotildees estrageiras e aproximadamente 100 doacutelares foram levantados Isso seraacute enviado para o pastor [L R] Conradi Ele estaacute impulsionando o trabalho na Europa com todas as suas forccedilas e estaacute explorando novos campos Ele precisa de dinheiro Eu jaacute tenho dado agrave aqueles que estatildeo encarregados do trabalho na Europa permissatildeo para usar mil doacutelares dos di-reitos dos meus livros no pagamento de traduccedilotildeesrdquo (WHITE E G v 10 p 64 traduccedilatildeo livre)

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que esteve sob sua tutela natildeo passou pela reforma21 que naquele momento o adventismo tanto precisava

As criacuteticas de Conradi tambeacutem afetaram o senso de identidade denomi-nacional um dos assuntos mais cruciais e sensiacuteveis (ver KNIGHT 2006) para a sobrevivecircncia de qualquer movimento religioso Na sua opiniatildeo a experiecircn-cia milerita natildeo apontava para o surgimento de um remanescente responsaacutevel pela restauraccedilatildeo da Verdade e a pregaccedilatildeo das trecircs mensagens angeacutelicas Por fim ele concluiu assim como qualquer outro evangeacutelico que o santuaacuterio celestial nem sequer existia e que Cristo fez expiaccedilatildeo pelos pecados da humanidade logo que subiu ao Ceacuteu22 Essas e outras convicccedilotildees abalaram a consideraccedilatildeo denominacional pela Doutrina do Santuaacuterio eliminando as caracteriacutesticas distintivas do adventismo em relaccedilatildeo a outros grupos religiosos

Consideraccedilotildees finaisA eficiente administraccedilatildeo de Conradi foi durante muito tempo analisada

pelo vigor das instituiccedilotildees crescimento de membros arrecadaccedilatildeo de recursos e envio de missionaacuterios Em outras palavras Conradi foi avaliado apenas por nuacute-meros O futuro parecia ser glorioso mas com o decorrer dos anos os valores que deveriam mover a igreja foram invalidados pelo espiacuterito denominacional que Conradi modelou A qualificaccedilatildeo moral de Conradi e as motivaccedilotildees por detraacutes de suas decisotildees eacute que determinaram os reais resultados de sua influecircncia natildeo simplesmente como administrador mas tambeacutem como guia espiritual

Historiadores adventistas podem apenas imaginar o tremendo impacto ne-gativo que a influecircncia de Conradi produziu atraveacutes dos anos (WIDNER 1996 p 2) Entretanto seguramente pode-se delinear sua influecircncia no que diz respeito agrave Ellen G White e o enfraquecimento da identidade adventista Conradi plantou duacutevidas e questionamentos a respeito do ministeacuterio de Ellen G White que anula-ram a influecircncia dela sob pastores liacutederes e a comunidade leiga em geral

Um dos detalhes mais baacutesicos e determinantes para qualquer grupo re-ligioso eacute o que se escolhe como fonte de autoridade (ver KNIGHT 2006 p 59) ndash se a Biacuteblia a filosofia a tradiccedilatildeo etc ndash e as suas pressuposiccedilotildees herme-necircuticas para interpretaacute-la Eacute com base em tal elemento que a identidade o

21 Com respeito ao legalismo e a reforma que o Adventismo em meados de 1880 necessitava (ver KNIGHT 2003 p 85-87)22 Com respeito agraves convicccedilotildees pessoais de Conradi conferir sua declaraccedilatildeo em Fridensau peran-te os liacutederes da Igreja (Centro de pesquisas Ellen G White DF 96 ver tambeacutem RANDOLPH 1940 p 8 DELAFIELD 1957 p 288 e 294 FROOM 1971 679 GROB 1974 p 8-9 e 19)

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propoacutesito e todas as demais noccedilotildees caracteriacutesticas de uma denominaccedilatildeo satildeo formadas Como consequecircncia da influecircncia negativa de Conradi sob o dom profeacutetico de Ellen G White criou-se dentro do adventismo uma fraccedilatildeo que natildeo compartilha da mesma base comum de interpretaccedilatildeo e autoridade Natildeo conservando assim um consenso comum de estilo de vida missatildeo e identi-dade No sermatildeo do monte Cristo disse que ldquopelos seus frutos os conhecereisrdquo (Mt 716) Muitos consideram essa prova a mais soacutelida e segura para se testar um profeta verdadeiro ndash natildeo por acaso esse teste foi proferido pelo proacuteprio Jesus Desafortunadamente tal garantia natildeo pode ser obtida de forma instan-tacircnea Eacute necessaacuterio esperar os anos para enxergar que espeacutecie de frutos a obra de um profeta produz Em geral os maus frutos nascem primeiro

Curiosamente a igreja que deu ouvidos a Ellen G White superou crises ndash tais como a de Kellogg por exemplo ndash e manteve a unidade conservando-se em constante desenvolvimento Infelizmente o mesmo otimismo natildeo pode ser mantido quando se observa os lugares que agrave rejeitou Seriam todas as di-ficuldades que a Igreja na Europa enfrenta hoje consequecircncias do legado de Conradi Certamente que natildeo Muitos outros fatores histoacutericos e sociocul-turais tambeacutem devem ser considerados Contudo a interferecircncia de Conradi enfraqueceu o senso de identidade e a aplicaccedilatildeo da orientaccedilatildeo divina para a Igreja nos dias de hoje Dois aspectos cruciais para superar os momentos difiacute-ceis de crise Agrave luz de sua expereecircncias sraacute bom relembrar o conselho biacuteblico

ldquoAquele pois que pensa estar em peacute veja que natildeo caiardquo (1Co 1012)

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VOOS A Ludwig R Conradi finis origini dependet uma anaacutelise de sua vida e ministeacuterio Monografia In JORNADA BIacuteBLICO-TEOLOacuteGICA DA FACULDADE ADVENTISTA DE TEOLOGIA XI 2011 Anais do Congresso Engenheiro Coelho 2011

Enviado dia 15052013Aceito dia 10062013

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica1

Macro-assumption and biblical hermeneutics

Reacutegerson Molitor da Silva2

ResumoAbstract

Este estudo tem como objetivo averiguar o princiacutepio macro hermenecircutico da (a)temporalidade e sua influecircncia sobre os outros niacuteveis de interpretaccedilatildeo (micro e meso) Para poder alcanccedilar o resultado esperado o autor lanccedilou

matildeo do trabalho de Martin Heidegger Ser e tempo A posiccedilatildeo heideggeriana parece se alinhar com o pensamento biacuteblico de um Deus temporal que atua na histoacuteria de forma corrente diferente da preacute-concepccedilatildeo dogmaacutetica da atualidade onde Deus eacute atemporal Portanto se faz possiacutevel uma avaliaccedilatildeo dos pressupostos hermenecircuticos em especial a macro pressuposiccedilatildeo para uma construccedilatildeo interpretativa da Biacuteblia Palavras-chave Hermenecircutica Pressuposiccedilotildees Metafiacutesica Atemporal

The objective of this study is to verify the macro hermeneutical principle of the temporality or timelessness and its influence over the other interpreta-tion levels (micro and medium) In order to fulfill this study the author used

the work of Martin Heidegger Being and Time The position of Heidegger seems to match the biblical thought of a temporal God who acts currently in History oppo-sing the dogmatic preconception of our days when God is seen as timeless Hence it is possible to evaluate the hermeneutical presuppositions specially the macro presuppositions for an interpretative construction of the BibleKeywords Hermeneutics Assumptions Metaphysics Timeless

1 Este artigo foi baseado no segundo capiacutetulo da dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoA eterna e ontoloacutegica geraccedilatildeo do Filho enunciada no Credo Niceno-Constantinopolitano um estudo de suas implicaccedilotildees para o cristianismo biacuteblicordquo apresentado pelo mesmo autor na sua conclusatildeo do curso em 20122 Poacutes-graduado em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) bacharel em Teologia pela mesma universidade e Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) E-mail molitor7hotmailcom

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Haacute certo desconforto quando teoacutelogos com resultados interpretati-vos opostos sobre um mesmo assunto dizerm usar os mesmos conceitos de Tota e Sola Scriptura Assim eacute natural o surgimento de algumas indaga-ccedilotildees qual eacute a razatildeo para essas contradiccedilotildees teoloacutegicas sendo que a Biacuteblia eacute a fonte dos dois estudos Qual o motivo das divergecircncias interpretativas Muitas respostas a estes ldquoporquecircsrdquo poderiam ser consideradas no entan-to uma em especial merece destaque as diferenccedilas pressuposicionais de cada exegeta Em outras palavras os paradigmas hermenecircuticos satildeo res-ponsaacuteveis pela orientaccedilatildeo do modelo interpretativo (CANALE 2011 p 252) Ou seja as interpretaccedilotildees claramente contraditoacuterias sobre um mes-mo tema ocorrem devido a pressuposiccedilotildees diametralmente opostas ado-tadas por cada interprete

A proposta deste artigo eacute analisar a base pressuposicional em seus vaacute-rios niacuteveis hermenecircuticos destacando em especial o niacutevel macro hermenecircu-tico de interpretaccedilatildeo Para tanto partiremos primeiramente na busca de uma definiccedilatildeo do que seria a hemenecircutica Para facilitar o estudo seraacute conside-rada a divisatildeo de Hans Kuumlng (1999 p 162-163) a qual delimita trecircs niacuteveis hermenecircuticos micro meso e macro hermenecircutico

Breve definiccedilatildeo de hermenecircuticaA palavra ldquohermenecircuticardquo proveacutem do verbo grego hermeneuein e signi-

fica ldquodeclarar anunciar interpretar esclarecer e por uacuteltimo traduzirrdquo (PA-COMIO 2003 p 335) De forma geral segundo Kaiser e Silva (2002 p 13) a hermenecircutica ldquoeacute a disciplina que lida com os princiacutepios de interpretaccedilatildeordquo ou seja ela torna aquilo que outrora era velado em algo compreensiacutevel

Deve-se destacar que a hermenecircutica eacute considerada tanto uma ciecircn-cia ldquoporque ela tem normas ou regras e essas podem ser classificadas num sistema ordenadordquo sendo considerada tambeacutem ldquouma arte porque a comu-nicaccedilatildeo eacute flexiacutevelrdquo (VIRKLER 2001 p 9) Isto eacute ela ldquoindica uma dupla operaccedilatildeo ad extra no sentido de exprimir comunicar um significado ad in-tra como exerciacutecio de interpretaccedilatildeo que patenteia aquilo que se compreenderdquo (PACOMIO 2003 p 334)

Em siacutentese a principal tarefa da hermenecircutica eacute a interpretaccedilatildeo dos textos e a busca pela correta comunicaccedilatildeo do seu significado Para que isso ocorra eacute preciso levar em conta a relaccedilatildeo triangular entre autor-texto-leitor Logo cada texto representa a objetivaccedilatildeo escrita de um autor com uma linguagem peculiar e com um contexto especiacutefico (PACOMIO 2003 p 335-336)

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Aleacutem da linguagem e de seu significado no contexto histoacuterico especiacutefico eacute preciso levar em consideraccedilatildeo na hora da interpretaccedilatildeo os frameworks3 Em ou-tros termos o nosso quadro de leitura do mundo preconcepccedilotildees que surgem do nosso proacuteprio contexto vital que iraacute de forma consciente ou inconscientemen-te condicionar a leitura Segundo Basevi (1986 p 159 traduccedilatildeo livre) ldquotoda compreensatildeo supotildee uma preacute-compreensatildeo que estaacute por sua vez submetida a condicionamentos externos do texto (a intertextualidade)rdquo4 Portanto ao que parece deve-se identificar tais frameworks e suas pressuposiccedilotildees hermenecircuticas natildeo num niacutevel exegeacutetico (micro hermenecircutico) mas num niacutevel que sobrepotildee o framework textual Em outras palavras eacute necessaacuterio compreender o quadro que

lsquoenquadrarsquo nossa estrutura de pensamento os arqueacutetipos hermenecircuticos Na sequecircncia seraacute ponderada a diferenccedila entre a micro meso e macro

moldura [frameworks] hermenecircutica Espera-se com isso que a razatildeo do distanciamento interpretativo fique mais clara ao se compreender os dife-rentes niacuteveis hermenecircuticos que orientam uma visatildeo de mundo A anaacutelise comeccedilaraacute com a micro hermenecircutica e avanccedilaraacute pela meso ateacute a macro pres-suposiccedilatildeo Esta uacuteltima receberaacute maior atenccedilatildeo por se tratar de um elemento pouco discutido entre os estudiosos

Micro hermenecircuticaSegundo Canale (2011 p 20) a micro hermenecircutica se refere agrave exe-

gese que se aplica ao texto Ela faz uma anaacutelise detalhada e cuidadosa com o intuito de trazer agrave lume o ensino do mesmo Gordon D Fee (1983 p 21 traduccedilatildeo livre) entende assim o conceito sobre exegese

O termo ldquoexegeserdquo eacute usado [hellip] em um sentido conscientemente limitado para se referir agrave investigaccedilatildeo histoacuterica do significado do texto biacuteblico A exegese portanto responde agrave questatildeo ldquoo que o autor biacuteblico quis dizerrdquo Ela tem a ver com o que ele disse (o con-teuacutedo em si mesmo) e por que ele disse aquilo naquele momento (o contexto literaacuterio) Ainda mais a exegese estaacute primariamente preocupada com a intencionalidade ldquoo que o autor pretendia que seus leitores originais compreendessemrdquo5

3 Framework sistema de referecircncia esquema estruturaarmaccedilatildeo arcabouccediloesqueleto (ou seja a parte de uma construccedilatildeo que se destina a resistir a cargas) contexto sistema modelo4 ldquoToda comprensioacuten supone una pre comprensioacuten que estaacute a su vez sometida a condicio-namientos externos al texto (es la intertextualidad)rdquo5 ldquoThe term lsquoexegesisrsquo is used [hellip] in a consciously limited sense to refer to the historical

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Apesar da citaccedilatildeo acima conferir resumidamente o conceito de exegese e suas preocupaccedilotildees como ciecircncia o problema hermenecircutico vai aleacutem da inter-pretaccedilatildeo do texto De acordo com Sarmento (2003 p 141-142) o inteacuterprete natildeo eacute um agente passivo dessa forma seria ingenuidade negar a influecircncia dos pressupostos externos conscientes e inconscientes que cada leitor possui ao entrar em contato com o texto biacuteblico Por mais que se tente manter uma abor-dagem neutra as preacute-concepccedilotildees afetam a hermenecircutica O caminho natildeo eacute ne-gar a existecircncia das pressuposiccedilotildees ou tentar suprimi-las existe uma possibili-dade muito maior de se entender a ideia original do autor se as preacute-concepccedilotildees forem consideradas de forma consciente Para isso eacute preciso deliberadamente identificaacute-las e entatildeo fazer uso das mesmas no processo exegeacutetico (SILVA 2000 p 9) No proacuteximo toacutepico seraacute apresentado um niacutevel intermediaacuterio entre micro e macro hermenecircuticas isto eacute a meso hermenecircutica

Meso hermenecircutica

Uma questatildeo [hellip] controvertida tem a ver com o relacionamento entre a teologia e a exegese [micro hermenecircutica] Enquanto que os estu-diosos biacuteblicos tendem a ignorar ou ateacute mesmo rejeitar o valor da te-ologia sistemaacutetica [meso hermenecircutica] para o seu trabalho de inter-pretaccedilatildeo pode-se argumentar que os comprometimentos teoloacutegicos afetam inevitavelmente o processo de exegese e que tal influecircncia eacute tanto essencial quanto desejaacutevel (SILVA 2000 p 1 grifo nosso)

A ldquomeso hermenecircutica trata da interpretaccedilatildeo de questotildees teoloacutegicas e portanto pertence agrave aacuterea de teologia sistemaacuteticardquo6 (CANALE 2001 p 21 traduccedilatildeo livre) Logo diferente da micro hermenecircutica que estaacute preocupa-da com o texto em si e o seu significado histoacuterico-gramatical7 a meso her-menecircutica tem um olhar mais amplo e se preocupa com a sistematizaccedilatildeo de

investigation into the meaning of the Biblical text Exegesis therefore answers the question What did the Biblical author mean It has to do both with what he said (the-content itself) and why he said it at any given point (the literary context) Furthermore exegesis is primarily concerned with intentionality What did the author intend his original readers to understandrdquo6 ldquoMeso hermeneutics deals with the interpretation of theological issues and therefore be-longs properly to the area of systematic theologyrdquo7 O autor desta pesquisa considera o meacutetodo lsquohistoacuterico gramaticalrsquo de interpretaccedilatildeo como a ferramenta mais fiel ao interpretar o texto biacuteblico Para uma maior compreensatildeo do assunto ver Gerhard F Hasel (sd)

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um determinado tema isto eacute a visatildeo geral de determinado assunto Todavia ainda existem por traacutes da meso e da micro hermenecircutica as preacute-concepccedilotildees macro hermenecircuticas que seratildeo delineadas logo a seguir

MacrohermenecircuticaSegundo Canale

Enquanto a micro hermenecircutica se refere agrave interpretaccedilatildeo textual e a meso hermenecircutica trata da questatildeo ou interpretaccedilatildeo doutrinaacute-ria a macro hermenecircutica lida com a interpretaccedilatildeo dos primeiros princiacutepios que operam dentro da doutrina e hermenecircutica textual A macro hermenecircutica estaacute relacionada com o estudo e o esclare-cimento de questotildees filosoacuteficas direta ou indiretamente relaciona-das agrave criacutetica e formulaccedilatildeo de princiacutepios de interpretaccedilatildeo heuriacutestica concreta (CANALE 2001 p 20-21 traduccedilatildeo livre)8

Em outras palavras a macro hermenecircutica condiciona a maneira pela qual os teoacutelogos entendem a ontologia Ela conduz a reflexotildees sobre o ser de Deus que por conseguinte orientaraacute o pesquisador agrave meso (formaccedilatildeo doutrinaacuteria) e agrave micro hermenecircutica (exegese do texto) Desse modo a me-tafiacutesica confere sustentaccedilatildeo ao pensar filosoacutefico nas suas diversas aacutereas do conhecimento Essa sustentaccedilatildeo da filosofia pela metafiacutesica pode ser ilustra-da segundo o filoacutesofo Reneacute Descartes (2009 p 13 traduccedilatildeo livre) ldquocomo uma aacutervore [filosoacutefica] cujas raiacutezes eacute a Metafiacutesica o tronco eacute a Fiacutesica e os galhos que saem deste tronco satildeo todas as outras ciecircnciasrdquo9 Aparentemente a citaccedilatildeo de Descartes se mostra completa pois vai desde da metafiacutesica ateacute a moral passando pela Fiacutesica

No entanto de acordo com o filoacutesofo alematildeo Martin Heidegger exis-te um aspecto inexplorado pelo filoacutesofo francecircs e natildeo soacute despercebido por ele mas por todos os outros filoacutesofos anteriores e posteriores O que Heide-gger destaca como negligenciado de Platatildeo a Nietzsche eacute o solo em que se

8 ldquoWhile micro hermeneutics refers to textual interpretation and meso hermeneutics to is-sue or doctrinal interpretation macro hermeneutics deals with the interpretation of the first principles from within which doctrinal and textual hermeneutics operate Macro hermeneu-tics is related to the study and clarification of philosophical issues directly or indirectly related to the criticism and formulation of concrete heuristic principles of interpretationrdquo9 ldquo[Thus all Philosophy is] like a tree of which Metaphysic is the root the Physic the trunk and all the other sciences the branches that grow out of this trunkrdquo

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encontram as raiacutezes (metafiacutesica) desta grande aacutervore (HEIDEGGER 1969 p 61) A hermenecircutica estaraacute condicionada pelo solo no qual a metafiacutesica se encontra fixada (macro pressuposiccedilotildees) oferecendo uma interpretaccedilatildeo dis-crepante do mesmo assunto em relaccedilatildeo a uma hermenecircutica cujo solo (ma-cro pressuposiccedilatildeo) seja diferente Portanto macro pressuposiccedilotildees diferentes geram interpretaccedilotildees desiguais Infelizmente a influecircncia ontoloacutegica (macro pressuposiccedilatildeo) eacute negada ou passa despercebida pela maioria dos interpretes

No proacuteximo toacutepico seraacute abordado com mais detalhes a proposta de Heidegger onde se questiona segundo o mesmo autor aquilo que nunca foi questionado desde Platatildeo ateacute o segundo milecircnio de nossa era (HEIDEGGER 2005a p 27-30) O objetivo dele ao entrar na problemaacutetica da hermenecircutica tem como ldquofinalidade ontoloacutegica de desenvolver a partir delas a preacute-estrutu-ra da compreensatildeordquo (GADAMER 1999 p 44) Essa pesquisa tem o interesse nas preacute-compreensotildees ontoloacutegicas que a metafiacutesica trabalha Neste trabalho isto seraacute chamado de ldquomacro hermenecircuticardquo ou ldquomacro pressuposiccedilotildeesrdquo

Metafiacutesica como macropressuposiccedilatildeoDevo alertar que a palavra metafiacutesica no pensamento de Heidegger teoacute-

rico de maior importacircncia neste ponto da pesquisa natildeo possui apenas um sen-tido Haacute pelo menos dois sentidos atribuiacutedos em suas discussotildees O primeiro se refere agrave metafiacutesica como algo negativo ldquouma fatalidaderdquo (HEIDEGGER 2002 p 67) Essa eacute a metafiacutesica contemporacircnea que ele critica pois eacute um en-trave ao conhecimento do verdadeiro ser O segundo sentido que Heidegger usa eacute aquele que vai aleacutem do ente do ocircntico (HEIDEGGER 1969 p 39) Em ou-tras palavras Heidegger busca o que estaacute aleacutem da metafiacutesica isto eacute ele busca o verdadeiro significado do ser Portanto eacute preciso desconstruir os pressupostos dogmaacuteticos usados por vaacuterias deacutecadas como fonte legiacutetima do conhecer Essa parte do pensamento eacute importante ao presente estudo pois todas as ciecircncias estatildeo em maior ou menor grau comprometidas com a macro pressuposiccedilatildeo Portanto partindo da criacutetica heideggeriana feita agrave macro pressuposiccedilatildeo claacutes-sica seraacute investigado o sentido macro hermenecircutico dominante e seus efeitos sobre o pensamento ocidental Esse seraacute o assunto explorado a seguir

Entendendo o paradigma metafiacutesicoO sentido etimoloacutegico da palavra metafiacutesica eacute meta (ldquoaleacutemrdquo) e tagrave

physikaacute (ldquoente naturalrdquo) isto eacute a metafiacutesica busca o que estaacute aleacutem do

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ente sua investigaccedilatildeo eacute o ser ontoloacutegico natildeo o ente (ocircntico) Pode-se dizer que ldquoo paradigma metafiacutesico eacute a histoacuteria de nossa permanecircncia ele natildeo eacute entretanto o iniacutecio do nosso pensarrdquo (MICHELAZZO 2010 p 30) ou seja existe uma archeacute antes da metafiacutesica atual e eacute exatamente isso que Heidegger busca

O grande problema apontado por Heidegger em relaccedilatildeo agrave metafiacutesi-ca dogmaacutetica que tem dominado o pensamento ocidental eacute que a mesma deixou de ir aleacutem do ente Para o mesmo autor os primeiros pensadores antes de Platatildeo entendiam a phyacutesis como o surgimento ou presenccedila ma-nifesta por isso a phyacutesis era vista como a unidade ordinaacuteria que congrega tanto aquilo que brota (movimento) quanto o que se reteacutem (permanece em repouso) Para eles natildeo havia separaccedilatildeo do real em dois grandes blocos em permanente oposiccedilatildeo denominados de temporal e atemporal

sensiacutevel e supra-sensiacutevel material e espiritual imanente e transcen-dente ou entatildeo conforme o dualismo moderno realista e idealista subjetivo e objetivo O fundo escuro da caverna e a claridade do sol na pradaria eram para eles formas ou manifestaccedilotildees de uma uacutenica realidade porque procediam de uma mesma fonte Natildeo havia moti-vo para duvidar da realidade (MICHELAZZO 2010 p 31)

Essa forma de pensar dualiacutestica para Heidegger eacute o grande problema da metafiacutesica desde os tempos de Platatildeo ele considera essa ldquointerpretaccedilatildeo ontologicamente inadequadardquo (HEIDEGGER 2005a p 97) Isso porque ela elimina o ser como ser (real no sentido total de phyacutesis) e passa a viver a imagem de um ente extramundano em outras palavras a realidade eacute apenas sombra de uma realidade superior e atemporal portanto o ser no sentido ocircntico coisificado estaacute longe do ser ontoloacutegico por mais que se tente al-canccedilar o ente supremo ainda deixaraacute a desejar por isso confere-se tanto va-lor agraves coisas (no sentido de ser isso ou aquilo) e o proacuteprio ser humano passa a ser um objeto em si (HEIDEGGER 2005a p 84) Para Heidegger essa visatildeo ontoloacutegica modela nossa visatildeo de mundo

No proacuteximo toacutepico seraacute analisada a chave para a compreensatildeo da ma-cro pressuposiccedilatildeo isto eacute ldquoo tempo eacute o ponto de partida do qual a presen-ccedila sempre compreende e interpreta implicitamente o serrdquo (HEIDEGGER 2005a p 45) Em outras palavras a forma como se entende o conceito de tempo moldaraacute a visatildeo ontoloacutegica e por conseguinte as possibilidades her-menecircuticas de interpretaccedilatildeo

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O tempo agrave luz da problemaacutetica da temporalidade

Segundo Heidegger (2005 p 46) o tempo funciona como criteacuterio on-toloacutegico ldquopara distinguir as regiotildees e modos do serrdquo por isso dependendo do conceito de tempo estabelecido a visatildeo do ser seraacute diferenciada isto eacute

ldquoa problemaacutetica central de toda a ontologia se funda e lanccedila suas raiacutezes no fenocircmeno do tempordquo (HEIDEGGER 2005a p 46) Basicamente existem duas formas (macro pressuposiccedilotildees) de entender a questatildeo do tempo todas as outras satildeo derivaccedilotildees de uma delas

A primeira maneira de conceber a natureza do tempo tem sua origem em Platatildeo (2011 p 119) que constitui o ldquotempordquo (kroacutenos) como a ldquoimagem moacutevel da eternidade [aioacuten] [hellip] uma imagem eterna que avanccedila de acordo com o nuacutemerordquo Partindo do dualismo entre mundo supra-sensiacutevel e mundo sensiacutevel Platatildeo assume o tempo como uma aparecircncia mutaacutevel e pereciacutevel de uma essecircncia imutaacutevel e impereciacutevel Enquanto o ldquotempordquo (kroacutenos) eacute a esfe-ra tangiacutevel moacutebil a ldquoeternidaderdquo (aioacuten) eacute a esfera intangiacutevel e imoacutevel Posto que o ldquotempordquo representa uma imagem ele natildeo passa de uma imitaccedilatildeo (miacute-mesis) da eternidade (aioacuten) Ou seja o tempo eacute uma coacutepia imperfeita de um modelo perfeito a eternidade

Essa parece ser a visatildeo que a grande parte dos teoacutelogos sustentam a respeito do tempo e por conseguinte da eternidade (ver HODGE 2001 p 189)10 Portanto esta primeira concepccedilatildeo de tempo concorda com uma separaccedilatildeo entre o mundo sensiacutevel lsquotemporalrsquo e supra-sensiacutevel lsquoatemporalrsquo A variaccedilatildeo dessa percepccedilatildeo se daacute nas diversas formas onde satildeo construiacutedas pontes para acessar ou natildeo11 o tόpυς ούρανου (HEIDEGGER 2005a p 46) Desde Platatildeo ateacute Nietzsche a macro pressuposiccedilatildeo dualiacutestica de tempo (temporal e atemporal) tem reinado como base do pensar filosoacutefico e teo-loacutegico orientando assim toda a estrutura hermenecircutica do conhecimento (MICHELAZZO 2010 p 35-66) O tempo ideal eacute algo que acontece fora do ser humano ou seja num mundo supra-sensiacutevel ou na percepccedilatildeo do mo-vimento da coisa (ente) vindo ao encontro no horizonte temporal

10 Hodge (2001 p 189) alega que ldquoa eternidade o presente sem mudanccedila sem princiacutepio e sem fim compreende o tempo inteiro e coexiste como um momento natildeo divididordquo11 Descarte eacute um exemplo de filoacutesofo que nega o mundo supra-sensiacutevel no entanto coloca no lugar do mesmo o lsquocogito ergo sumrsquo (ldquopenso logo existordquo) isto eacute continua com a mesma base dua-liacutestica (res cogitans e extensa) onde o referencial continua fora do ser (ver MICHELZZO 2010 p 60)

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A segunda forma de conceber o tempo pode ser conhecida em especial na filosofia de Heidegger Tal filosofia nega o conceito de tempo platocircnico (kroacutenos como uma imagem do aiacuteon) e apodera-se do conceito de tempo lsquonatu-ralrsquo de Aristoacuteteles que pela primeira vez conceituou a compreensatildeo vulgar do tempo a sua ldquointerpretaccedilatildeo do tempo movimenta-se sobretudo na direccedilatildeo da compreensatildeo ontoloacutegica lsquonaturalrsquordquo (HEIDEGGER 2005b p 233) Contu-do apesar de aceitar o conceito aristoteacutelico de tempo natural como movimen-to ele nega o referencial que o mesmo toma (NUNES 2000 p 188-192) Em outras palavras para Aristoacuteteles assim como para Platatildeo a referecircncia tempo-ral estaacute fora do sujeito no caso de Platatildeo ldquoacimardquo num mundo supra-sensiacutevel e em Aristoacuteteles (Fiacutesica 219b) no ldquodevirrdquo interpretando o tempo em funccedilatildeo do presente a intuiccedilatildeo de um agora ldquoo tempo eacute justamente isto nuacutemero do movimento segundo o anterior e o posteriorrdquo Portanto a visatildeo de tempo de Aristoacuteteles eacute dirigida ldquocomo [uma] sequecircncia de agoras que emergem e desa-parecem [onde] temos a imagem derivada da eternidade [aiacuteon] jaacute tecida por Platatildeordquo (BLASIO 2007 grifo nosso) Heidegger ao contraacuterio interpretou o tempo em termos de possibilidade ou de projeccedilatildeo o tempo eacute originariamente o ldquoporvirrdquo (Zu-kunft) o porvir do ente para si mesmo na manutenccedilatildeo da pos-sibilidade caracteriacutestica como tal (HEIDEGGER 2005b p 123)

ldquoPorvirrdquo natildeo significa aqui um agora que ainda-natildeo tendo se tor-nado ldquorealrdquo algum dia o seraacute Porvir significa o advento em que a presenccedila vem a si em seu poder-ser mais proacuteprio Eacute a antecipaccedilatildeo que torna a presenccedila [ser-aiacute] propriamente porvindoura de tal ma-neira que a proacutepria antecipaccedilatildeo soacute eacute possiacutevel na medida em que a presenccedila [ser-aiacute] enquanto ente sempre jaacute vem a si ou seja em seu ser eacute e estaacute por vir (HEIDEGGER 2005b p 119 grifo nosso)

ldquoEnquanto o futuro proacuteprio tem o caraacuteter de lsquoanteciparrsquo ou lsquoprecursarrsquo [Vorlaufen] o improacuteprio eacute um lsquoestar agrave esperarsquo [Gewaumlrtigen]rdquo (SEIBT 2010 p 255) Isto eacute no futuro no modo inapropriado o Dasein (ldquoser-aiacuterdquo) espera que o futuro faccedila algo dele (sujeito passivo diante do ente ativo ldquoo tempo passardquo) enquanto que no modo proacuteprio ele se resolve e antecipa nas possi-bilidades Para isso o Dasein faz uso do passado como um ldquoter-sidordquo que eacute condicionado pelo porvir porque assim como satildeo possibilidades autecircnticas aquelas que jaacute foram tambeacutem jaacute foram agraves possibilidades agraves quais o ser hu-mano pode autenticamente retornar e apropriar-se (HEIDEGGER 2005b p 122) Dessa forma o ldquoser-aiacuterdquo atraveacutes do porvir retoma o passado e com

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base na antecipaccedilatildeo constroacutei as possibilidades temporais Assim o tempo do mundo se encontra tanto no sujeito (Dasein) quanto no fiacutesico (movimen-to do ente que vem ao encontro no horizonte)

ldquoO tempordquo natildeo eacute e nunca estaacute simplesmente dado no ldquosujeitordquo nem no ldquoobjetordquo e nem tampouco ldquodentrordquo ou ldquoforardquo O tempo ldquoeacuterdquo

ldquoanteriorrdquo a toda subjetividade e objetividade porque constitui a proacute-pria possibilidade desse ldquoanteriorrdquo (HEIDEGGER 2005b p 231)

Ou seja para Heidegger o ldquoser-aiacuterdquo se destaca pois eacute o ser no mun-do que percebe os entes intramundanos E o ser soacute pode ser percebido na anguacutestia do natildeo ser isto eacute na morte e esta eacute certa para todo ser (terreno) Portanto partindo dessa certeza que estaacute no porvir que antecipa o agora que jaacute estaacute anteriormente mergulhado no passado do ser no mundo o tempo se temporaliza O tempo ao mesmo tempo que existe fora do ser humano no movimento dos entes tambeacutem eacute subjetivo pois parte do perceber de cada Dasein No momento em que o ser encontra a morte e passa a natildeo ser o tempo eacute interrompido (SEIBT 2010 p 264) (ver Ec 95)

O projetar-se ldquoem funccedilatildeo de si-mesmordquo fundado no porvir eacute um caraacuteter essencial da existencialidade [hellip] portanto o tempo do mundo pertence agrave temporalizaccedilatildeo da temporalidade entatildeo ele natildeo pode se evaporar ldquosubjetivisticamenterdquo e nem se ldquocoisificarrdquo numa ldquomaacute objetivaccedilatildeordquo (HEIDEGGER 2005b p 122 e 232)

Com efeito pode-se constatar que a interpretaccedilatildeo modal da temporalidade de Heidegger do Dasein potildee o conceito de existecircncia dentro de seus limites e repete do mesmo modo a questatildeo do tempo (como movimento) eliminando com base na possibilidade o modelo ldquoimortalista da filosofiardquo e com este o seu caraacuteter de ldquoinfinituderdquo e ldquopresentidaderdquo (HEIDEGGER 2005 p 236)

Em linhas gerais Heidegger ldquofez a distinccedilatildeo entre o tempo originaacuterio [na-turalproacuteprio] e finito regido pelo instante da antecipaccedilatildeo e o tempo vulgar e infinito [inapropriado] regido pela sucessatildeo ininterrupta de agorasrdquo (FERREI-RA 2003 p 12 grifo nosso) Diferente de Platatildeo e dos demais filoacutesofos Heide-gger vai aleacutem da metafiacutesica ele se debruccedila na anaacutelise do solo onde a metafiacutesica estaacute plantada ele vai ateacute agrave macro pressuposiccedilatildeo e traz um desvelamento onde todos satildeo chamados para refletir sobre as ditas ldquoverdadesrdquo que durante seacuteculos tecircm sido sustentadas como lsquoabsolutasrsquo sem se considerar onde estatildeo firmadas

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O que Heidegger propotildee eacute um processo de desconstruccedilatildeo do antigo paracircmetro macro estrutural e ao mesmo tempo a construccedilatildeo de um novo paradigma hermenecircutico Para a presente pesquisa tal questionamento eacute de grande valia pois a proposta da mesma eacute buscar uma abordagem que mantenha a Biacuteblia (Sola Scriptura) como o uacutenico referencial confiaacutevel na construccedilatildeo e na revisatildeo de doutrinas em todos os niacuteveis pressuposicionais Portanto como ponto de partida deve-se identificar qual a macro pressu-posiccedilatildeo que rege a estrutura de uma doutrina Para que isso ocorra pode-se comeccedilar com as seguintes perguntas a doutrina em estudo estaacute de acordo com a visatildeo metafiacutesica das Escrituras Ou estaacute seguindo uma macro pressu-posiccedilatildeo contraacuteria agrave revelaccedilatildeo escrituriacutestica Qual a visatildeo biacuteblica de tempo e eternidade Com essas indagaccedilotildees em pauta seraacute dado o proacuteximo passo nas consideraccedilotildees que se seguem

Noccedilatildeo de tempo e eternidade na Biacuteblia

Para continuar seraacute preciso responder uma importante questatildeo a teo-logia deve continuar interpretando e construindo o sistema doutrinal atraveacutes de uma perspectiva hermenecircutica atemporal (macro pressuposiccedilatildeo) provin-da da ontologia grega (platocircnica) Ou seria necessaacuterio partir de uma nova perspectiva temporal como por exemplo a apresentada por Heidegger e as-sim revisar ou reconstruir o corpo de crenccedilas cristatildes Para isso precisamos entender a visatildeo biacuteblica sobre ldquotempordquo e ldquoeternidaderdquo aleacutem de analisar se a mesma apoia a macro pressuposiccedilatildeo proposta por Heidegger ou se apresenta outra perspectiva temporal a ser adotada

A primeira situaccedilatildeo biacuteblica de destaque poacutes-queda onde o sobrenatural transpotildee e se faz presente no mundo natural eacute o momento poacutes-libertaccedilatildeo do cativeiro egiacutepcio Nessa ocasiatildeo Deus surpreendentemente confere uma ordem a Moiseacutes para construir um santuaacuterio onde possa habitar no meio do povo ldquoE me faratildeo um santuaacuterio para que eu habite no meio delesrdquo (Ecircx 258 itaacutelicos acrescentados) O verbo hebraico shakan ldquolsquohabitarrsquo significa ser um residente permanente numa comunidaderdquo (NICHOL 2011 v 1 p 685) De fato numa visatildeo claacutessica (platocircnica) esse texto seria interpretado como metafoacuterico contudo admitir tal meacutetodo de interpretaccedilatildeo significa trabalhar sobre uma base ilusoacuteria negando que a esfera sobrenatural se mostra perfeitamente compatiacutevel com a temporalidade e historicidade do

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mundo natural e impor ao texto biacuteblico uma realidade metafiacutesica ausente no mesmo (CANALE 2011 p 97)

Uma segunda situaccedilatildeo ocorre quando Ele (Deus) que ldquomora em luz inacessiacutevelrdquo (1Tm 616) encarnou como um semelhante a noacutes O apoacutestolo Joatildeo faz eco agrave passagem de Ecircxodo 258 quando escreve ldquoE o Verbo se fez carne e habitou entre noacutesrdquo (Jo 114 itaacutelicos acrescentados) Literalmen-te ldquoo Verbo lsquotabernaculoursquo entre noacutesrdquo ldquofez moradardquo ldquoarmou sua tendardquo O divino pertencente agrave esfera do sobrenatural (Jo 11-2) ldquose fez carnerdquo Logo o sobrenatural estaacute imerso no natural Na visatildeo claacutessica ldquoDeus e o mundo sobrenatural satildeo atemporais uma mudanccedila na natureza divina do Verbo da forma natildeo encarnada para a encarnada eacute impossiacutevelrdquo (CANA-LE 2011 p 98) Por conseguinte a encarnaccedilatildeo requer uma compreensatildeo histoacuterico-temporal onde o sobrenatural e o natural apesar de diferentes (natildeo opostos) se harmonizam

Seguindo a mesma ecircnfase em Apocalipse 213 na promessa de res-tauraccedilatildeo da Nova Terra aparece o sobrenatural habitando para sempre no mundo natural ldquoEis aqui o tabernaacuteculo de Deus com os homens pois com eles habitaraacute [do grego Skecircnecirc ndash ldquotenda tabernaacuteculo residecircnciardquo] e eles seratildeo o seu povo e o mesmo Deus estaraacute com eles e seraacute o seu Deusrdquo Portanto a promessa eacute que Deus habitaraacute com os homens no mundo tem-poral pela eternidade o proacuteprio trono de Deus a nova Jerusaleacutem desce do ldquoceacuteu adereccedilada como uma esposa ataviada para o seu maridordquo (Ap 212) Nesse sentido ldquoa Biacuteblia desconhece um Deus atemporal ou um ceacuteu sem acontecimentosrdquo (SHEDD PIERATT 2000 p 12) Segundo Canale (2011 p 97 itaacutelicos acrescentados) ldquoo ponto eacute que natildeo existe ne-nhuma razatildeo seja biacuteblica loacutegica ou filosoacutefica [hellip] [para] aceitar a noccedilatildeo atemporal da esfera sobrenaturalrdquo

Aleacutem das situaccedilotildees que negam a macro pressuposiccedilatildeo hermenecircutica de dois domiacutenios (temporal e atemporal) apresentadas acima tambeacutem eacute possiacutevel recorrer agrave anaacutelise da palavra hebraica lsquoolam (ldquoeternidaderdquo) que no Antigo Testamento ldquonatildeo designa a eternidade como atemporal isto eacute tem-po imutaacutevel nem como tempo ainda oculto no presente mas םלוש significa sobretudo o tempo mais distante e isso tanto em direccedilatildeo ao passado quanto em direccedilatildeo ao futurordquo (WOLFF 2007 p 148-149) Da mesma forma Os-car Cullmann (2003 p 83) assegura que no Novo Testamento a palavra grega aiocircn equivalente a lsquoolam tem o mesmo sentido ldquopara designar seja um espaccedilo de tempo delimitado com precisatildeo seja uma duraccedilatildeo ilimitada e incalculaacutevel que noacutes traduzimos por ldquoeternidaderdquordquo Em suma

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Segundo a Biacuteblia Deus estaacute consciente da ordem temporal e vi-talmente vinculado a ela O Deus eterno natildeo estaacute separado do mundo temporal e espacial Isso significa que o conceito biacuteblico de eternidade de Deus natildeo eacute idecircntico agrave atemporalidade platocircnica e agrave negaccedilatildeo do tempo ou o tempo como ldquoa sombra do eternordquo (GARRETT 2003 p 229-230 traduccedilatildeo livre)12

Segundo a visatildeo claacutessica do mundo natural e sobrenatural o que faz sepa-raccedilatildeo entre Deus e o ser humano eacute a natureza ontoloacutegica atemporal de Deus e por isso eacute impossiacutevel agrave presenccedila do sobrenatural no tempo espaccedilo Todavia ao averiguar o conceito biacuteblico do que de fato faz separaccedilatildeo entre Deus e a huma-nidade conclui-se que eacute o pecado e natildeo a natureza temporal versos atemporal que separam a humanidade da divindade ldquoMas as vossas iniquidades fazem se-paraccedilatildeo entre voacutes e o vosso Deus e os vossos pecados encobrem o seu rosto de voacutes para que natildeo vos ouccedilardquo (Is 592) Deus na histoacuteria do ser humano todavia a marca da lsquoausecircncia de Deusrsquo eacute por conta do pecado e natildeo por causa de sua natureza sobrenatural em oposiccedilatildeo agrave nossa natureza (CANALE 2011 p 100)

Consideraccedilotildees finaisPor fim entende-se que as pressuposiccedilotildees afetam de forma consciente ou

inconsciente a hermenecircutica e que dependendo do referencial tomado a in-terpretaccedilatildeo poderaacute ser diametralmente oposta Como foi dito acima existem dois tipos baacutesicos de macro pressuposiccedilatildeo a primeira adotada pela maioria dos teoacutelogos (de Platatildeo ao seacutec 19) assume que a visatildeo de mundo eacute dualiacutestica isto eacute o mundo sensiacutevel (temporal) eacute apenas a imagem do mundo supra-sensiacutevel que possui um tempo infinito (atemporal) regido pelo agora

Por outro lado em segundo lugar haacute de se considerar a proposta ino-vadora de Heidegger de desconstruir esta forma de pensar a partir do real isto eacute este mundo natildeo eacute uma sombra de um mundo superior e atemporal O tempo se temporaliza a partir do ldquoser-aiacuterdquo logo o tempo eacute finito assim como cada ser num mundo finito pois a temporalizaccedilatildeo se temporaliza na relaccedilatildeo do ser no mundo com os outros entes percebidos pelo Dasein

12 ldquoSeguacuten la Biblia Dios estaacute consciente del orden temporal e vitalmente vinculado a eacutel El Dios eterno no estaacute divorciado del mundo temporal y espacial Esto significa que el concepto biacuteblico de la eternidad de Dios no es ideacutentico a la intemporalidad platoacutenica y a la negacioacuten del tiempo o al tiempo como ldquola sombra de lo eternordquo

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Diante das duas perspectivas macro pressuposicionais apresentadas se existe a necessidade ter um resultado interpretativo de acordo com o prin-ciacutepio Sola Scriptura deve-se usar o conceito temporal de Deus pois estaacute de acordo com a revelaccedilatildeo Por outro lado a visatildeo platocircnica de um mundo sobrenatural atemporal natildeo deve ser aceita pois a mesma natildeo tem amparo biacuteblico Assim todo exegeta deve questionar suas preacute-concepccedilotildees a niacutevel micro (exegese) meso (doutrinaacuterio) e macro de pressuposiccedilotildees a fim de adotar a visatildeo biacuteblica de esfera sobrenatural histoacuterico-temporal Dessa ma-neira ele poderaacute argumentar a partir de alicerce adequado e assim obter uma interpretaccedilatildeo mais fidedigna ao texto biacuteblico

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Enviado dia 17012013Aceito dia 15042013

Estudo sobre a morte em Lucas 1619-31A study about death in Luke 1619-31

Adenilton T de Aguiar1 Diego Rafael da S Barros2

ResumoAbstract

Este artigo tem como objetivo verificar a plausibilidade da crenccedila na imortalidade inerente da alma a partir da leitura da paraacutebola do homem rico e Laacutezaro contidaem Lucas 16 Para tanto o cenaacuterio

histoacuterico eacute remontado a partir de uma leitura de textos judaicos e greco--romanos da eacutepoca e da anaacutelise linguiacutestico-cultural especificamente do termo hades utilizado em Lc 1623 Com base nos dados bibliograacuteficos que ampararam esta pesquisa conclui-se que autores deste seacuteculo e do seacuteculo passado concordam que natildeo pode ser extraiacuteda uma base doutrinaacuteria para a imortalidade inerente da alma a partir dessa narrativa nem sequer um endosso da mesmaPalavras-Chave Rico e Laacutezaro Paraacutebolas de Jesus Lucas 1619-31 Hades Imortalidade da alma

This paper aims to verify the plausibility of the soulrsquos inherent immor-tality belief based on the reading of the parable of the rich man and Lazarus in Luke 16 Thereunto the historic setting is remounted by a

reading of Jewish and Greco-Roman texts from that time and linguistic-cultural

1 Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Catoacutelica de Pernambuco professor de liacutenguas Biacuteblicas no SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adventista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste editor geral da Revista Hermenecircutica e do Ce-PLiB ndash Centro de Pesquisa de Literatura Biacuteblica Email adeniltonaguiargmailcom 2 Bacharelado em Teologia do SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adentista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste Email diegorafaelbarrosgmailcom

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analysis mainly focusing the term hades in Luke 1623 Based on the biblio-graphical data it is possible to conclude that the authors of this century and of the past century agree that itrsquos impossible to maintain the doctrine of the soulrsquos inherent immortality based on this narrativeKeywords Lazarus and the rich man Jesusrsquo parables Luke 1619-31 Hades Soul immortality

A assim chamada paraacutebola do Rico e Laacutezaro registrada em Lucas 16 tem sido largamente utilizada para defender a doutrina da imortalidade ine-rente da alma Os comentaristas que utilizam essa paraacutebola em busca de apoio para sustentar a crenccedila acima mencionada entendem que esta narra-tiva revela o aleacutem e demonstra o futuro poacutes-morte de iacutempios e justos

Apesar das discussotildees que envolvem esse relato3 curiosamente perce-be-se que haacute um esquecimento dessa paraacutebola dentro da erudiccedilatildeo uma vez que ela natildeo tem recebido tanta atenccedilatildeo dos estudiosos quanto outras paraacute-bolas de Jesus Kissinger (apud HOCK 1987 p 447) em seu livro Parables of Jesus a history of interpretation and Bibliography lista 123 estudos da paraacutebola do Bom Samaritano e 254 estudos da paraacutebola do Filho Proacutedigo em contra-partida a obra lista apenas 68 estudos da paraacutebola do Rico e Laacutezaro

A escassez de pesquisa sobre essa narrativa natildeo se justifica principal-mente quando se leva em conta o grau de discordacircncia entre comentaristas sobre as questotildees que giram em torno dela Seria esta paraacutebola um ensino claro de Jesus sobre a condiccedilatildeo da vida apoacutes a morte Se sim entatildeo haacute pos-sibilidade de diaacutelogo entre justos no paraiacuteso e iacutempios no inferno Se natildeo qual a mensagem da paraacutebola E qual eacute o propoacutesito de Jesus ao utilizaacute-la Estaria ela corroborando uma cosmovisatildeo dualista da natureza humana O presente estudo propotildee a responder a estas questotildees atraveacutes de uma pesquisa na literatura judaica e greco-romana aleacutem eacute claro do escrutiacutenio apurado do proacuteprio texto biacuteblico em questatildeo

3 Aleacutem das discussotildees sobre a questatildeo da imortalidade da alma as pesquisas mais recentes defendem que esta narrativa natildeo passa de uma interpolaccedilatildeo apoacutecrifa uma vez que natildeo eacute encon-trada em alguns dos manuscritos mais antigos Para detalhes sobre o assunto ver Cairus (2006)

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A mensagem e as paraacutebolas do evangelho de Lucas

O Evangelho de Lucas ldquopotildee Jesus em contato [hellip] com as necessida-des das pessoasrdquo (NICHOL 1995 p 650) e focaliza temas eacuteticos de seu kerygma Sem duacutevida um dos temas sobresselentes deste Evangelho eacute o comportamento adequado daquele que participa do reino de Deus Neste Evangelho mais do que nos demais o leitor eacute colocado diante de situa-ccedilotildees (reais e imaginaacuterias) que quebram os paradigmas e destroem os tabus da audiecircncia primaacuteria do Filho do Homem Especialmente nas paraacutebolas de Lucas pode-se contemplar como protagonistas personagens margi-nalizados no mundo judeu do seacuteculo I o bom samaritano (Lc 1025-37) o filho proacutedigo (Lc 1511-32) o cobrador de impostos (Lc 189-14) o mordomo infiel (Lc 161-13) dentre outros Estas figuras corroboram a hipoacutetese de Schottroff (2007 p 208) de que este evangelho apresenta uma anaacutelise social radical

Integrando este grupo de paraacutebolas inusitadas situa-se uma das narra-tivas de exemplo4 mais famosas a paraacutebola do homem rico e Laacutezaro Nesta narrativa apresentam-se choques profundos de valores tanto judaicos quan-to greco-romanos Embora a riqueza fosse considerada signo de favor divi-no em ambas as culturas esperava-se uma atitude diferente do homem rico principalmente tendo a lei de Moiseacutes e os escritos profeacuteticos como pano de fundo metanarrativo Em outras palavras ldquoo fato de o rico natildeo cuidar de Laacutezaro natildeo estava de acordo com o AT (1619-31) e com o ensinamento de Jesus (169)rdquo (KARRIS 2011 p 283)

Os temas da benevolecircncia para com os pobres e da armadilha das ri-quezas eram recorrentes tanto na cultura judaica5 quanto no mundo gre-co-romano No apoacutecrifo livro de Tobias 411 estaacute escrito ldquo[hellip] a entrega de esmolas livra da morte e vos guarda de serem lanccedilados nas trevasrdquo Ou-tros escritos judaicos primitivos alegavam que a riqueza eacute uma das trecircs re-des pelas quais Belial captura Israel (SNODGRASS 2010 p 549) Secircneca

4 As narrativas de exemplo satildeo inerentes ao Evangelho de Lucas e exclusivas dele (SCHNEL-LE 2010 p 663) Tais histoacuterias visam demonstrar o procedimento padratildeo do reino de Deus5 A Toraacute e os escritos profeacuteticos repetem por diversas vezes o tema do cuidado com os pobres oacuterfatildeos viuacutevas e estrangeiros como obrigaccedilatildeo moral religiosa e legal Ver por exemplo Ex 2220-26 236 11 Lv 1910 2322 Dt 1018-19 157 9 e 11 2414 Is 314 15 Jr 528 Ez 1649 22 29 Am 8 4 6

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ceacutelebre escritor e advogado do seacuteculo I em sua obra De Brevitae Vitae 137 escreveu ldquoAh como eacute grande a cegueira que a prosperidade excessiva pro-voca em nossas mentesrdquo

O capiacutetulo 16 de LucasPesquisadores contemporacircneos colocam a paraacutebola do Rico e Laacutezaro

no mesmo grupo das paraacutebolas do rico insensato (12 13-21) e do mordomo infiel (161-13) sugerindo que o foco dessa paraacutebola diz respeito agrave utilizaccedilatildeo adequada dos recursos materiais ndash tema enfatizado por Lucas (ver SNOD-GRASS 2010 p 547) Uma anaacutelise da estrutura de Lucas 16 onde se situa a paraacutebola em anaacutelise pode aprofundar essa compreensatildeo

O capiacutetulo 16 de Lucas pode ser dividido em quatro partes (v 1-8a v 8b-13 v 14-18 v 19-31) (ver KARRIS 2011 p 281) e inicia com a inusita-da paraacutebola do mordomo infiel No iniacutecio da narrativa natildeo eacute faacutecil identificar e compreender o que motiva Jesus a contar esta paraacutebola Contudo a partir do verso 13 fica claro que Jesus queria demonstrar que ldquoningueacutem pode servir a Deus e agraves riquezasrdquo Em seguida o verso 14 condena os fariseus os quais por assim dizer satildeo os antagonistas da paraacutebola dada a sua patente avareza em relaccedilatildeo aos pobres

Assim Jesus reprova os fariseus apontando para a Lei e os Profetas o que parece indicar que o tema de seu discurso possuiacutea raiacutezes veterotesta-mentaacuterias Na cena seguinte que mais se parece com uma suacutebita mudanccedila de assunto Jesus trata da questatildeo do divoacutercio Contudo natildeo haacute uma des-continuidade de temas ao contraacuterio Lucas estaacute associando a avareza aos pecados sexuais (KARRIS 2011) Tal comparaccedilatildeo eacute comum tanto no dis-curso biacuteblico (Ef 53-5) quanto na literatura judaica O apoacutecrifo Testamento de Judaacute em 182 afirma ldquoque a promiscuidade sexual e o amor ao dinhei-ro ndash dentre outras coisas ndash nos distanciam da lei de Deus cegam a nossa alma e impedem a pessoa de demonstrar misericoacuterdia para com o proacuteximordquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Portanto se natildeo haacute de fato uma descontinuidade de temas no capiacutetu-lo 16 de Lucas deve-se ver a paraacutebola do Rico e Laacutezaro como uma continu-accedilatildeo do conflito de Jesus com os fariseus acerca das riquezas (RICHARDS 2007 p 176) Diante disto parece razoaacutevel afirmar que esta paraacutebola discu-te questotildees sociais e natildeo escatoloacutegicas Todavia a fim de tornar claro esse ponto faz-se necessaacuterio um estudo mais aprofundado de alguns aspectos culturais e linguiacutesticos do texto

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Notas exegeacuteticas em Lucas 1619-31Uma premissa baacutesica para a interpretaccedilatildeo dessa narrativa eacute que deve-

mos compreendecirc-la como uma paraacutebola e natildeo como um relato literal Por mais que pareccedila redundante esta explicaccedilatildeo natildeo se pode negar a existecircncia de um grupo que defende a literalidade desta narrativa Esse grupo defende que uma leitura literal do texto indicaria a possibilidade de conceber o relato como um indicador do estado do homem na morte De forma geral poreacutem haacute um consenso de que esta narrativa deve ser compreendida como paraacutebo-la6 Por isso Snodgrass (2010 p 604) conclui

Quando prestamos atenccedilatildeo agravequilo que a paraacutebola ensina acerca da vida apoacutes a morte nas abordagens mais acadecircmicas percebemos uma precauccedilatildeo quanto agrave ideia de que esta paraacutebola tenha mesmo a intenccedilatildeo de descrever a vida poacutes-morte

Plummer (1896) eacute mais categoacuterico ao afirmar que nessa histoacuteria ateacute mesmo as condiccedilotildees corporais tais como dedo e liacutengua bem como as con-diccedilotildees sensoriais tais como sede e calor natildeo ultrapassam o campo da faacutebula e por isso natildeo devem ser vistas como aspectos literais

Natildeo obstante alguns comentaristas levantaram a hipoacutetese de que o fato de esta ser a uacutenica paraacutebola contada por Jesus que conteacutem um personagem que eacute explicitamente nomeado por exemplo Laacutezaro eacute um indiacutecio de lite-ralidade Um exame mais cuidadoso desse ponto no entanto pode levar as conclusotildees para outra direccedilatildeo Em hebraico o nome לעזר (Laacutezaro) eacute uma contraccedilatildeo de אלעזר (Eleazar) e significa ldquoDeus ajudardquo (BOCK 1996 p 1365) O nome eacute significativo e seu emprego indica que o mendigo eacute algueacutem que depende de Deus Poreacutem este fato natildeo deve ser usado como argumento para defender a literalidade da paraacutebola A propoacutesito o uso do nome Laacutezaro (Deus ajuda) assume um tom irocircnico na narrativa tendo em vista que apon-ta para o fato de que a uacutenica esperanccedila de ajuda para o homem pobre estaacute fundamentada em Deus embora conforme ficou claro no discurso de Jesus Ele esperasse que os ricos fossem ldquouma ajudardquo aos pobres

De fato a paraacutebola do Rico e Laacutezaro irrompe como uma continuaccedilatildeo da disputa de Jesus com os fariseus sobre as riquezas Sua afirmaccedilatildeo anterior

6 Esta leitura paraboacutelica fica mais evidente no Coacutedice Beza ldquoE lhes contou uma paraacutebolardquo (SNODGRASS 2010 p 1040)

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de que ldquoo que eacute elevado diante dos homens eacute abominaccedilatildeo diante de Deusrdquo (v 15) prepara a audiecircncia para uma inusitada demonstraccedilatildeo de quebra de paradigmas da mentalidade judaica

Para a audiecircncia de Jesus o homem rico era algueacutem abenccediloado por Deus uma vez que prosperidade significava naquela cultura favor divino Jaacute o mendigo que jazia agrave porta do homem abastado era visto como um mo-delo de algueacutem que certamente havia sido abandonado pelo Senhor de Israel Entretanto ainda que o homem rico gozasse do favor de Deus a eacutetica do AT exigia dele uma postura de cuidado com os pobres7

Durante muito tempo alegou-se que natildeo havia indiacutecios de falta moral por parte desse homem rico que o condenasse ao tormento descrito poste-riormente na paraacutebola Entretanto sua figura eacute construiacuteda a partir da ima-gem de um homem cheio de luxo e esbanjador Suas vestes demonstram o elevado grau de sua riqueza Barclay (2000 p 213) observa que puacuterpura e linho finiacutessimo eram o material utilizado na confecccedilatildeo dos trajes sacerdo-tais os quais chegavam a custar uma soma equivalente ao salaacuterio de vaacuterios anos de trabalho de um operaacuterio comum Ademais eacute dito que o rico ldquovivia todos os dias regalada e esplendidamenterdquo (AEC) A palavra grega euphrainō traduzida neste contexto como ldquoregalarrdquo eacute utilizada na literatura claacutessica geralmente como a alegria que eacute fruto da participaccedilatildeo de eventos tais quais um banquete (BEYREUTHER 2000 p 52) Em Lucas 1619 a palavra certamente ldquorefere-se ao comer beber e divertir-serdquo ou em outras palavras a ldquofolguedos entre amigos festeirosrdquo (BEYREUTHER 2000 p 53)

Outro detalhe que pode passar despercebido ao leitor comum diz respeito ao desejo de Laacutezaro de fartar-se das migalhas que caiacuteam da mesa daquele homem rico Ainda que o termo migalhas natildeo seja encontrado em muitos manuscritos8 haacute um acordo geral de que o alimento desejado por Laacutezaro natildeo se tratava de um simples farelo ou porccedilotildees que caiacuteam acidental-mente da mesa do rico Jeremias (1986 p 195) e Snodgrass (2010 p 597) atestam que a comida que caiacutea da mesa do rico tratava-se de pedaccedilos de patildeo que eram utilizados tanto para a limpeza dos pratos quanto para enxugar as matildeos e que em seguida eram atirados para debaixo da mesa Langner (2004 p 116) por sua vez comenta que tais pedaccedilos referem-se a sobras de comida que os convidados de banquetes natildeo comiam e por isso levavam

7 De acordo com a eacutetica do Antigo Testamento o cuidado com os pobres fazia parte das obrigaccedilotildees de um judeu piedoso ver por exemplo Dt 157 8 A leitura sugerida pode ser traduzida da seguinte forma ldquodesejava alimentar-se com o que caiacutea da mesa do ricordquo Ver aparato criacutetico do Novo Testamento grego (ALLAND et al 2009 p 236)

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consigo ou davam aos catildees De qualquer forma esta postura de desperdiacutecio em face da obrigaccedilatildeo legal de auxiacutelio ao necessitado torna o rico da paraacutebola culpado de indiferenccedila para com o mendigo

Apoacutes a morte de ambos a narrativa segue com uma inversatildeo irocircnica de papeis a qual deve ter causado surpresa em alguns da audiecircncia de Jesus

ldquoComo poderia um homem que goza do favor de Deus na terra ser amaldi-ccediloado na vida por virrdquo Ainda que parte da audiecircncia de Jesus se surpre-endesse com a possibilidade de um homem rico ser amaldiccediloado na vida vindoura isto natildeo deve ter afetado a todos Escritos judaicos do tempo de Jesus demonstram que a sabedoria popular jaacute advertia ricos de uma possiacutevel condenaccedilatildeo eterna

Sobre este assunto dois textos satildeo especialmente valiosos para enten-dermos a mentalidade daquela eacutepoca Exod Rab 315 trata da inversatildeo que ocorreraacute entre ricos e pobres no mundo por vir Neste mundo os iacutempios podem ser ricos e proacutesperos enquanto justos satildeo acometidos pela pobreza No mundo vindouro no entanto Deus abriraacute os tesouros do paraiacuteso para os justos e quanto aos ricos que exploraram homens justos estes comeratildeo da sua proacutepria carne Por sua vez 1ordm Enoque 1035-1046 menciona que os ricos pecadores que natildeo foram punidos em vida experimentaratildeo o mal a tribulaccedilatildeo as trevas e as chamas ardentes no Sheol

Vale destacar que a paraacutebola possui um paralelo na literatura judaica que pode ser encontrada no Talmude de Jerusaleacutem pelo menos nos trata-dos Sanhedrin 66 (23c) e Hagigah 22 (77d) e eacute resumidamente descrita por Richards (2007 p 175) da seguinte forma

Dois companheiros iacutempios morreram Um morreu penitente o outro natildeo Quando o homem no Gehinom viu a becircnccedilatildeo de seu amigo e foi informado de que era por causa da penitecircncia de seu amigo ele suplicou que pudesse ter a oportunidade de se arrepen-der tambeacutem A resposta veio na explicaccedilatildeo de que esta vida eacute a veacutespera do saacutebado

Jeremias (1986 p 184) defende que as raiacutezes desta histoacuteria remontam agrave faacutebula egiacutepcia da viagem de Si-Osiacuteris e de seu pai ao reino dos mortos Para ele judeus alexandrinos levaram o conto para a Palestina onde ela foi refor-mulada como a histoacuteria do pobre escriba e do rico publicano Bar Marsquoyan9

9 Para Jeremias (1986 p 184) Jesus utiliza-se deste conto judaico natildeo somente nesta paraacute-

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Ainda que diferente dessa narrativa paralela a paraacutebola de Jesus valendo-se do folclore judaico forma um pano de fundo cultural para seu ensinamento principal na periacutecope o perigo do amor agraves riquezas

Outro aspecto importante eacute o pedido do rico para que Laacutezaro voltasse dos mortos e advertisse seus irmatildeos com respeito ao destino deles (v 27-30) Este pedido encontra paralelos no apoacutecrifo judeu de Janes e Jambres 24afp que ldquorelata que a lsquosombrarsquo de Janes (sua existecircncia poacutes-morte) retornou do Hades para alertar Jambres sobre o fogo e sobre as trevas a fim de que ele passasse a fazer o bemrdquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Todavia em conexatildeo com a resposta dada aos fariseus nos v 16-17 onde Jesus faz sua primeira referecircncia agrave Lei e aos Profetas Abraatildeo evoca novamente a Escritura como revelaccedilatildeo suficiente para chamar os homens agrave crenccedila e ao comprometimento (v 29) Assim percebe-se novamente a co-nexatildeo de temas no capiacutetulo 16

O termo Hades em Lucas 1623Embora tenha o significado baacutesico de sepulcro (BIENTENHARD 2000

p 1022) o termo grego hades possui um significado diferente em Lc 1623 Tal significado eacute inerente agrave cultura da eacutepoca Richards (2007 p 1755) afirma que

Nos tempos do NT lsquoHadesrsquo (heb sheol) era um termo geral para o lugarestado dos mortos enquanto aguardavam o juiacutezo final A opiniatildeo popular defendia que os justos descansavam no Gan Eden enquanto os iacutempios poderiam ser vistos no Gehinom

Esse conceito pode ser visto especialmente no Discurso aos gregos sobre o Hades atribuiacutedo por um tempo a Josefo10 (1974 p 637 traduccedilatildeo livre)

Hades eacute uma regiatildeo subterracircnea onde a luz do mundo natildeo brilha [hellip] esta regiatildeo eacute destinada a ser um lugar de custoacutedia para as almas

bola mas tambeacutem na paraacutebola do banquete Isto demonstraria que Jesus tomava o imaginaacuterio popular e o inseria em suas paraacutebolas com um objetivo especiacutefico10 Os autores natildeo conhecem na atualidade algueacutem que atribua a autoria do Discurso aos gregos sobre o Hades a Josefo A maioria dos eruditos defende a ideia de que essa seja uma inserccedilatildeo cristatilde no texto todavia o texto eacute um exemplar autecircntico da mentalidade judaica e ainda que seu autor seja desconhecido pode-se perceber que o texto estaacute impregnado do pensamento judeu sobre o estado intermediaacuterio do homem no poacutes-vida

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em que anjos satildeo designados como seus guardiotildees os quais lhes atribuem puniccedilotildees temporaacuterias de acordo com o comportamento e maneiras de cada um

Na continuaccedilatildeo do texto o Hades eacute descrito como sendo dividido em duas partes o seio de Abraatildeo para onde vatildeo os justos e as trevas perpeacutetuas para onde os anjos arrastam os iacutempios Para os autores essas trevas natildeo satildeo o inferno em si mas a vizinhanccedila do inferno de modo que os iacutempios podem sentir o calor do castigo que lhes estaacute reservado depois do juiacutezo

Eacute importante perceber que o Discurso aos gregos sobre o Hades natildeo eacute um exemplar sem precedentes O pseudoepiacutegrafo de 1 Enoque (escrito cerca de 200 aC) em 221-14 relata que Enoque foi levado a um lugar com quatro cantos onde as almas aguardavam o Juiacutezo Laacute os justos eram separados dos pecadores por uma fonte de aacutegua e luz Richards (2007 p 175-176) acrescenta que

Natildeo soacute se pensava que o Hades era dividido em dois compartimentos mas a crenccedila popular ressaltava que era possiacutevel manter conversas entre as pessoas no Gan Eden e no Gehinom Escritos judaicos tambeacutem des-crevem o primeiro como uma terra verdejante com aacuteguas doces brotan-do de vaacuterias fontes enquanto que o Gehinom natildeo soacute eacute uma terra seca mas as aacuteguas do rio que o separam do Gan Eden retrocedem sempre que o iacutempio desesperadamente sedento se ajoelha e tenta beber

Ademais agrave luz de textos da tradiccedilatildeo judaica (como por exemplo 4 Es-dras 775-99 859 4 Macabeus 1317) percebe-se que os judeus dos tempos de Jesus imaginavam que parte do tormento dos iacutempios consistia no fato de eles poderem observar o galardatildeo dos fieacuteis Em contrapartida parte do descanso dos justos eacute que estes podem observar a perplexidade dos iacutempios em face de seu tormento Assim percebemos que esta paraacutebola reflete de diversas maneiras as opiniotildees judaicas contemporacircneas da vida apoacutes a morte

Contudo eacute oacutebvio que a audiecircncia primaacuteria do evangelho de Lucas natildeo era composta por judeus Haacute um consideraacutevel grau de acordo entre os eru-ditos de que o puacuteblico principal do evangelho de Lucas era composto de cristatildeos gentiacutelicos (ver CARSON 1997 p 131 PLUMMER 1986 p xxxiv) Portanto eacute inapropriado limitar a paraacutebola ao background judaico Gilmour (1999 p 33) observou similaridades desta narrativa com textos greco-roma-nos especialmente com a Odisseia de Homero Este natildeo eacute um fato de difiacutecil

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aceitaccedilatildeo uma vez que em Jerusaleacutem bem como no mundo greco-romano a educaccedilatildeo infantil tambeacutem era permeada pelo conhecimento da literatura grega (ver GILMOUR 1999 p 25)

O imaginaacuterio gentiacutelico sobre o estado do homem apoacutes a morte natildeo era muito diferente do pensamento judaico do seacuteculo I ndash talvez porque o judaiacutes-mo dos dias de Jesus havia passado por um processo de helenizaccedilatildeo mesmo em face da resistecircncia dos ortodoxos Podemos perceber essa semelhanccedila de pensamentos por exemplo no famoso claacutessico de Platatildeo A Repuacuteblica

A Repuacuteblica 10614B-616A fala de um soldado chamado de Er que foi morto mas depois de doze dias tornou a viver dizendo que havia sido enviado de volta a esta vida para falar agraves pessoas sobre o mundo do aleacutem Ele teria visto duas aberturas na terra e duas no ceacuteu entre as quais havia um corpo de juiacutezes sentados que enviavam os justos dire-tamente para a direita e para cima ao ceacuteu e os injustos para esquerda e para baixo para serem castigados embaixo da terra (Entretanto estes juiacutezos natildeo eram permanentes) (SNODGRASS 2010 p 593)

Portanto tendo em vista o significado de hades em Lucas 1623 propotildee--se que se a paraacutebola ensina algo sobre o estado do homem na morte tal es-tado eacute extremamente diferente do proposto pelos defensores da imortalidade inerente da alma Se esta paraacutebola apoia essa teoria deve-se ressaltar que o local para onde vatildeo os homens depois de sua morte eacute o ambiente descrito na paraacutebola um lugar onde justos e injustos satildeo separados apenas por um rio

Assim eacute razoaacutevel supor que o pano de fundo por traacutes da paraacutebola o qual nos oferece a base de como devemos interpretaacute-la eacute que Jesus toma emprestada a mentalidade folcloacuterica do judaiacutesmo rabiacutenico de sua eacutepoca a fim de impressionar sua audiecircncia quanto ao amor agrave riqueza e natildeo quanto ao estado do homem na morte Uma questatildeo que se levanta poreacutem diz res-peito a por que Jesus faria uso do folclore judeu para transmitir seus ensina-mentos Agindo assim ele natildeo estaria endossando o ponto de vista cultural Bacchiocchi (2007 p 168) afirma que natildeo defendendo que

Nesta paraacutebola Jesus fez uso de uma crenccedila popular natildeo para endossaacute-la mas para impressionar as mentes de seus ouvintes com uma importante liccedilatildeo espiritual Deve-se notar que na paraacutebola do mordomo infiel (Lc 161-12) Jesus emprega uma histoacuteria que natildeo representa com precisatildeo a verdade biacuteblica

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John Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) reconhece que a paraacutebola do rico e Laacutezaro natildeo demonstra o pensamento lucano nem muito menos o de Cristo a respeito da vida por vir Antes Jesus apenas emprega o imaginaacuterio popular para ressaltar a eacutetica do reino vindouro Assim ciente de que este imaginaacuterio natildeo passava de faacutebulas judaicas ele natildeo poderia endos-sar este conceito Portanto como esclarece Snodgrass (2010 p 607) tal pa-raacutebola ldquonatildeo tem o objetivo de apresentar um esquema ou mesmo detalhes precisos acerca do que ocorre depois da morterdquo

O fato de a paraacutebola do Rico e Laacutezaro estar situada ao lado de outra paraacutebola controversa por exemplo a do mordomo infiel tambeacutem nos mos-tra que Jesus usava conceitos do cotidiano (ainda que errocircneos) para atrair a atenccedilatildeo do povo para seus novos ensinos Por isso para Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) a melhor resposta para a pergunta ldquoO que esta passagem nos diz a respeito do estado intermediaacuterio eacute lsquoNadarsquordquo

Pode-se entatildeo concluir que apesar de os rabinos dividirem o estado poacutes-morte (Sheol) em um lugar para os justos e os maus11 eacute improvaacutevel que o quadro apresentado por Jesus na paraacutebola corresponda bem a esta ideia (ORR 1999) Jesus lida nesta estoacuteria natildeo com os temas do paraiacuteso e do ha-des mas com temas eacuteticos fundamentais de seu ensino Assim ldquoa mensagem de Jesus chama o povo a ouvir a exortaccedilatildeo de Deus para mostrar compaixatildeo com o pobrerdquo (BOCK 1997 p 71) Na atualidade pode parecer estranho que Jesus tenha utilizado uma narrativa puramente folcloacuterica em seu discur-so para apresentar verdades que nada tem a ver com o pano de fundo lendaacute-rio da paraacutebola Apesar de a paraacutebola estar no plano da crenccedila popular seu emprego justifica-se pelo fato de que tal imaginaacuterio seria familiar e inteligiacutevel para a audiecircncia (HASTINGS 2004 p 9) Precedentes vindos das paraacutebo-las anteriores demonstram como era do costume de Jesus falar a linguagem de Seus ouvintes para atingir sua compreensatildeo e seus coraccedilotildees

Consideraccedilotildees finaisEste artigo buscou demonstrar que a interpretaccedilatildeo da paraacutebola do Rico

e Laacutezaro deve levar em consideraccedilatildeo o emprego que Jesus fez do imaginaacuterio

11 Deve-se salientar que segundo Mathews (1909 p 6) natildeo haacute sequer clara evidecircncia de que os judeus nos dias de Jesus cressem num estado intermediaacuterio Ele defende que eacute inseguro ver na ex-pressatildeo seio de Abraatildeo uma referecircncia segura para tal crenccedila Tomando este fato em consideraccedilatildeo haacute ainda mais indiacutecios de que natildeo era objetivo de Jesus endossar a crenccedila neste estaacutegio poacutes-morte Apesar disso natildeo se pode anular a hipoacutetese de houvesse indiviacuteduos que a sustentassem

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judaico atribuindo-lhe poreacutem significados que transcenderam aos signifi-cados que lhe eram atribuiacutedos na eacutepoca Assim Jesus usa uma histoacuteria fami-liar repleta da cosmovisatildeo pagatilde acerca da vida apoacutes a morte poreacutem desmi-tificando seu conteuacutedo Desse modo ainda que isto natildeo esteja em primeiro plano a paraacutebola veicula uma criacutetica sutil agrave ideia equivocada da vida apoacutes a morte (GILMOUR 1999) De fato o grande tema da paraacutebola diz respeito ao uso responsaacutevel das becircnccedilatildeos materiais

Ademais no empreendimento de interpretaccedilatildeo dessa paraacutebola deve-se levar em consideraccedilatildeo o princiacutepio hermenecircutico theologia parabolica non est demonstrativa Conforme frisou Smith (1869 p 1038) eacute impossiacutevel embasar a prova de uma importante doutrina teoloacutegica em uma passagem que abunda em metaacuteforas judaicas Aleacutem disso visto que o diaacutelogo ocupa grande parte do espaccedilo da paraacutebola compreende-se que o conteuacutedo de tal diaacutelogo eacute mais importante do que o cenaacuterio no qual ele se desenrola Aqui Jesus direciona sim o seu foco para o mundo por vir todavia natildeo o apresenta em termos claros atraveacutes desta paraacutebola Assim parece que o objetivo principal da pa-raacutebola eacute ensinar que toda preparaccedilatildeo para o poacutes-morte deve ser feita em vida

Enfim eacute razoaacutevel supor que Jesus tenha utilizado o imaginaacuterio judai-co para prender a atenccedilatildeo de seu puacuteblico poreacutem o ensino da paraacutebola natildeo repousa na imortalidade inerente da alma senatildeo no amor ao dinheiro Des-tarte esta eacute uma histoacuteria fictiacutecia da vida apoacutes a morte que reflete e comenta a vida anterior agrave morte (SCHOTTROFF 2007 p 205) Portanto para usar as palavras de Smith (1869 p 1038) ldquose quisermos transformar retoacuterica em loacutegica [hellip] e construir um dogma em cada metaacutefora nossa crenccedila seraacute de caraacuteter vago e contraditoacuteriordquo

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SNODGRASS K Compreendendo todas as paraacutebolas de Jesus guia completo Rio de Janeiro Casa Publicadora das Assembleias de Deus 2010

SCHOTTROFF L As paraacutebolas de Jesus uma nova hermenecircutica Satildeo Leopoldo Sinodal 2007

Enviado dia 03052013Aceito dia 20062013

Os adventistas e a identidade da lei em gaacutelatas

SILVA P C Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

Leandro Quadros1

A superficialidade muitas vezes pode contribuir para que apologistas brasileiros apresentem uma imagem distorcida dos assuntos que anali-sam Isso natildeo eacute diferente quando o adventismo eacute o foco de suas criacuteticas

A abordagem de Paulo Cristiano da Silva pode ter sido viacutetima desse fenocircmeno quando apresenta suas consideraccedilotildees pessoais a respeito da teologia adventista da Lei Em seu artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo publicado pela revista Apologeacutetica Cristatilde o presbiacutetero da igreja Assembleia de Deus afirma que ldquofinalmente os adventistas estatildeo admitindo aquilo que sempre foi oacutebvio aos cristatildeos evangeacutelicos isto eacute a identidade da lei nos escritos paulinosrdquo (SILVA sd p 7) Silva parte do pressuposto de que os teoacutelogos adventistas atuais estatildeo apre-sentando uma nova teologia sobre o assunto e que a distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial ldquoserviu de aacutelibirdquo para os adventistas ldquoescaparem de textos claros que mostram a ab-rogaccedilatildeo de toda lei em 2 Coriacutentios 37-11 e Colossenses 214rdquo2

Ao que parece o autor desconhece como se deu o desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a Lei em Gaacutelatas Atraveacutes da leitura de algu-mas fontes primaacuterias ele natildeo teria se equivocado em sua anaacutelise chegando a conclusotildees bem diferentes das que apresentou na publicaccedilatildeo Assim na

1 Poacutes-graduado em jornalismo cientiacutefico e Mestrando em Teologia pela Universidade Ad-ventista del Plata na Argentina Eacute produtor e apresentador dos programas ldquoNa Mira da Verdaderdquo e ldquoLiccedilotildees da Biacutebliardquo na Rede Novo Tempo2 Uma abordagem biacuteblica contextual e teoloacutegica desses textos pode ser vista no Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia (DEDEREN 2011 p 312 530 531 563 e 564)

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presente resenha seraacute apresentada uma raacutepida consideraccedilatildeo a respeito do relacionamento dos adventistas com a Lei em Gaacutelatas para que o texto de Paulo Cristiano da Silva seja avaliado a partir de um contexto mais amplo

Origem da distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial

Atraveacutes da leitura do artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo o leitor entende que a distinccedilatildeo entre ldquolei moral e cerimonialrdquo pode ser considerada como um ldquoaacutelibirdquo adventista utilizado para se esquivar de textos a respeito da ldquoab-rogaccedilatildeo da leirdquo segundo o apoacutestolo Paulo Entretanto o livro Questotildees Sobre Doutrina (KNIGHT 2009 p 126) afirma que ldquoas principais confissotildees de feacute e os credos histoacutericos da cristandade reconhecem a diferenccedila e distinccedilatildeo entre a lei moral de Deus os Dez Mandamentos ou Decaacutelogo e os preceitos cerimoniaisrdquo A referida obra3 lista oito fontes histoacutericas que evi-denciam que tal distinccedilatildeo entre leis natildeo eacute uma invenccedilatildeo dos adventistas 1) a Segunda Confissatildeo Helveacutetica de 1566 da Igreja Reformada de Zurique que no capiacutetulo 12 intitulado ldquoDa Lei de Deusrdquo contrasta as leis moral e cerimonial 2) os Trinta e Nove Artigos de Religiatildeo da Igreja da Inglaterra de 1571 que no Artigo VII tambeacutem faz tal distinccedilatildeo 3) a Revisatildeo Americana dos Trinta e Nove Artigos da Igreja Protestante Episcopal de 1801 4) os Artigos Irlandeses de Re-ligiatildeo de 1615 5) a Confissatildeo de Feacute de Westminster de 1647 que inclusive foi citada na Biacuteblia Apologeacutetica de Estudos (p 1341) comercializada pela institui-ccedilatildeo de Paulo Cristiano faz parte (CACP) 6) a Declaraccedilatildeo de Savoia das Igrejas Congregacionais de 1658 7) a Confissatildeo Batista de 1688 (Filadeacutelfia) e 8) os Vinte e Cinco Artigos Metodistas de Religiatildeo de 1875 redigidos por Joatildeo Wesley onde tambeacutem se encontra a distinccedilatildeo entre leis moral e cerimonial

Citando Schaff o Questotildees Sobre Doutrina (2008 p 126) afirma

Embora a lei dada por Deus a Moiseacutes no que se refere a cerimocircnias e ritos natildeo obrigue os cristatildeos e nem os preceitos civis necessitem ser recebidos em qualquer comunidade Entretanto nenhum cris-tatildeo estaacute livre da obediecircncia aos mandamentos chamados morais

3 A ediccedilatildeo anotada George Knight atualiza algumas interpretaccedilotildees antigas dos adventistas especialmente no que diz respeito ao termo ldquoescrito de diacutevidardquo presente em Colossenses 214 Para maiores informaccedilotildees ler as notas das paacuteginas 124 e 125

Os adventistas e a identidade da lei em gaacutelatas

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Entende-se dessa forma que a distinccedilatildeo entre lei moral e lei cerimo-nial natildeo representa uma invenccedilatildeo adventista mas parte da heranccedila evangeacute-lica que os pioneiros do adventismo trouxeram consigo4 Essa contudo natildeo representa as opiniatildeo de Paulo Cristiano da Silva do posicionamento do Centro Apologeacutetico Cristatildeo de Pesquisas (CACP) e da postura do Instituto Cristatildeo de Pesquisas (ICP) Atitudes como essas parecem estar em conflito com a crenccedila dos fundamentos do protestantismo a respeito da Lei de Deus Por outro lado mesmo sendo fontes histoacutericas importantes as confissotildees de feacute e credos natildeo se constituem a regra de feacute dos adventistas do seacutetimo dia que procuram se manter fieis ao princiacutepio de Sola Scriptura5

O desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a lei em Gaacutelatas

Se Paulo Cristiano da Silva estivesse familiarizado com algumas obras que tratam da histoacuteria do adventismo sua posiccedilatildeo certamente seria outra a respeito da compreensatildeo adventista da Lei em Gaacutelatas A leitura do li-vro A Mensagem de 1888 de George R Knight (2003 p 37) por exemplo auxiliaria na descoberta de que em 1854 J H Waggoner (pai de E J Wa-ggoner) publicou The Law of God An Examination of the Testimony of Both Testaments onde ldquoadotava o ponto de vista de que a lei em Gaacutelatas era os Dez Mandamentosrdquo de forma que o artigo do vice-presidente do CACP natildeo traria tantas novidades

A anaacutelise dessa obra levaria ao conhecimento de que entre 1884 e 1886 ldquoAlonzo T Jones (1850-1923) e Ellet J Waggoner (1855-1916) co-meccedilaram a ensinar que a epiacutestola [aos Gaacutelatas] tinha os Dez Mandamen-tos em foco e natildeo as leis cerimoniaisrdquo (KNIGHT 2003 p 37) Esses dois pioneiros foram assistentes de JH Waggoner na revista The Signs of

4 O Dicionaacuterio Vine publicado pela CPAD afirma que mesmo a distinccedilatildeo de leis natildeo sendo ldquofeita ou mesmo presumida na Escriturardquo ldquoa lei mosaica seja de fato divisiacutevel em cerimonial e em moralrdquo (VINE et al 2010 p 743) 5 Em 1850 Ellen G White (2009 p 78) cofundadora da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia es-creveu ldquoRecomendo-vos caro leitor a Palavra de Deus como regra de vossa feacute e praacutetica Por essa Palavra seremos julgados Nela Deus prometeu dar visotildees nos ldquouacuteltimos diasrdquo natildeo para uma nova regra de feacute mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade biacuteblica Assim tratou Deus com Pedro quando estava para enviaacute-lo a pregar aos gentios (Atos 10)rdquo

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the Times e ldquodecidiram exaltar em seus escritos o tema da justificaccedilatildeo pela feacute nos meacuteritos de Cristordquo (TIMM 1988 p 10)

Entre 8 de julho a 2 de setembro de 1866 E J Waggoner publicou na Signs uma seacuterie de nove artigos argumentando que Paulo na epiacutestola aos Gaacutelatas estava discutindo a lei moral No ano seguinte no mecircs de feverei-ro Waggoner concluiu uma resposta de 71 paacuteginas intitulada ldquoThe Gospel in the Book of Galatiansrdquo [O Evangelho no Livro de Gaacutelatas] reafirman-do claramente sua posiccedilatildeo contraacuteria agrave dos editores da Review and Herald Uriah Smith e George L Butler

A partir disso conclui-se que o tiacutetulo do artigo publicado pela revis-ta Apologeacutetica Cristatilde aleacutem muito limitado em questatildeo de informaccedilatildeo estaacute atrasado pelo menos 158 anos (1854-2012) A teologia adventista da lei jaacute estava sofrendo transformaccedilotildees significativas quando os adventistas desco-briram uma ldquoponterdquo entre a lei e o evangelho que havia sido construiacuteda pelo apoacutestolo Paulo6 Desse modo a afirmaccedilatildeo de Paulo Cristiano em seu artigo

ldquomais de um seacuteculo para que eles [os adventistas] admitissem esse erro her-menecircutico rdquo (SILVA sd p 7) parece insustentaacutevel Ainda mais quando se considera outra fonte primaacuteria Ellen G White

A leitura do capiacutetulo 31 do primeiro volume de Mensagens Escolhidas seria o suficiente para que Silva percebe-se que Ellen G White jaacute acreditava ser o termo ldquoleirdquo em Gaacutelatas uma referecircncia tanto agrave lei Moral quanto agrave lei cerimonial bem antes dos teoacutelogos Samuele Bacchiocchi (1995 p 9-11) e Wilson Paroschi (2012 p 18-20) citados por ele em seu artigo Ela escreveu em 1900 ldquoPerguntam-me acerca da lei em Gaacutelatas Que lei eacute o aio que nos deve levar a Cristo Respondo Tanto o coacutedigo cerimonial como o moral dos Dez Mandamentosrdquo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)

Ao comentar sobre Gaacutelatas 324 na paacutegina seguinte ela afirma

Nesta passagem o Espiacuterito Santo pelo apoacutestolo refere-se especial-mente agrave lei moral A lei nos revela o pecado levando-nos a sen-tir nossa necessidade de Cristo e a fugirmos para Ele em busca de perdatildeo e paz mediante o arrependimento para com Deus e a feacute em nosso Senhor Jesus Cristo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)7

6 Em Efeacutesios 28-10 ele coloca as obras natildeo como o evangelho da graccedila em si mas como fruto do evangelho na vida do crente convertido7 Mesmo que Wilson Paroschi (2012 p 18-20) inclua ambas as citaccedilotildees de Ellen G Whi-te em seu artigo Silva parece omitir isso em suas consideraccedilotildees tornando o seu texto um tanto quanto duvidoso

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Eacute inadequado abordar a compreensatildeo da lei em Gaacutelatas entre os adven-tistas sem contextualizar o leitor a respeito das discussotildees teoloacutegicas sobre o as-sunto realizadas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas dos Seacuteti-mo Dia (em Minneaacutepolis Minessota entre 17 de outubro e 4 de novembro de 1888) Paulo Cristiano da Silva poderia ter evitado um possiacutevel reducionismo histoacuterico se considerado o livro Portadores de Luz (SCHWARZ GREENLE-AF 2009 p 175-188) capiacutetulo 12 intitulado ldquoJustificaccedilatildeo pela feacute Minneaacutepo-lis e seus resultadosrdquo Nesse capiacutetulo demonstram-se um pouco das disputas teoloacutegicas entre Urias Smith e George I Butler de um lado defendendo a antiga posiccedilatildeo adventista sobre a identidade da lei em Gaacutelatas e EJ Waggoner e AT Jones de outro em defesa de um posicionamento mais exegeacutetico Se consultada essa fonte o leitor da revista Apologeacutetica Cristatilde natildeo seria privado da informaccedilatildeo completa sobre o assunto seria sabido que apesar das acirra-das disputas entre os pastores adventistas da eacutepoca posteriormente Smith e Butler reconheceriam seus equiacutevocos teoloacutegicos e equilibrariam a sua proacutepria teologia anteriormente enfatizando mais a Lei do que a graccedila de Cristo

O Dicionaacuterio Brasileiro de Teologia (BORTOLLETO 2008 p 18) publicado pela Associaccedilatildeo de Seminaacuterios Teoloacutegicos Evangeacutelicos (ASTE) em 2008 tambeacutem seria de grande importacircncia na pesquisa do redator do CACP Na referida obra aleacutem de obter uma visatildeo mais acertada acerca do adventismo seria conhecido que ldquoessa conferecircncia [de Mineaacutepolis jaacute em 1888] contribuiu para que o adventismo equilibrasse sua ecircnfase distintiva nos lsquomandamentos de Deusrsquo com o compromisso evangeacutelico relacionado agrave lsquofeacute em Jesusrsquo (Ap 1412)rdquo (TIMM 2008 p 18)

O adventismo natildeo eacute estaacutetico Alguns criacuteticos alegam que os adventistas fazem uso de um recurso bem

utilizado pelas seitas para ldquomascararrdquo os proacuteprios ldquoerrosrdquo Eles afirmam que qualquer mudanccedila na teologia evidencia ldquofalsidaderdquo e que portanto todo o sistema doutrinaacuterio do adventismo desenvolvido ao longo dos anos estaacute sob a ldquoareia movediccedilardquo Entretanto deve-se destacar que o adventismo desde os seus primoacuterdios possui um conceito dinacircmico da teologia

As ecircnfases teoloacutegicas podem mudar com o passar do tempo agrave medida que o Espiacuterito Santo traz agrave luz novas verdades biacuteblicas ou uma nova compre-ensatildeo das mesmas jaacute reveladas (ver Pv 418 Jo 1612) Assim o estudioso das Escrituras natildeo teraacute receios em reconhecer que precisa reformular os proacuteprios conceitos teoloacutegicos agrave medida que cresce em sua experiecircncia espiritual com

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Cristo Na obra Em Busca de Identidade (KNIGHT 2005 p 16-27 208-210) o autor esclarece que os pioneiros adventistas acreditavam na possibilidade de progredir no conhecimento da verdade biacuteblica Isso parece perceptiacutevel vis-to que depois de observar a mudanccedila dos adventistas em relaccedilatildeo ao horaacuterio correto de se observar o saacutebado Tiago White (1856 p 148-149) afirmou na Review and Herald que os adventistas ldquomudariam outros pontos de sua feacute caso tivessem uma boa razatildeo para fazecirc-lo com base nas Escriturasrdquo

Isso natildeo significa poreacutem que os teoacutelogos adventistas modernos sintam a necessidade de alterar a teologia adventista a respeito da perpetuidade da Lei moral apenas porque essa distinccedilatildeo talvez natildeo possa ser validada exe-geticamente Silva deve conhecer a diferenccedila entre hermenecircutica (exegese) e teologia Mesmo que ajustes exegeacuteticos sejam necessaacuterios tanto Wilson Pa-roschi quanto Samuele Bacchiocchi entre outros sustentam a mesma opi-niatildeo sobre a interpretaccedilatildeo adventista concernente agrave validade da Lei na Nova Alianccedila O que foi anulado pela morte de Cristo na cruz eacute a condenaccedilatildeo da Lei (ver Rm 79-11 2Co 37-9 Gl 322-25 Cl 214) e natildeo a Lei em si ou a necessidade de observaacute-la como uma expressatildeo da vontade e do imutaacutevel caraacuteter de Deus (ver Rm 615-22 74-6 12-14 83-4 Hb 88-12 Ap 1412)

Consideraccedilotildees finaisA presente resenha argumentou que o artigo de Paulo Cristiano da Silva

natildeo fez o devido uso de fontes baacutesicas para compreender o desenvolvimento dao pensamento adventista sobre a lei em Gaacutelatas Ao que parece o articu-lista foi parcial em sua pesquisa em natildeo considerar o que os pioneiros adven-tistas diziam sobre o assunto especialmente Ellen G White

Aleacutem disso Silva natildeo fez menccedilatildeo das discussotildees teoloacutegicas sobre a jus-tificaccedilatildeo pela feacute e a lei em Gaacutelatas feitas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas do Seacutetimo Dia em novembro de 1888 Uma anaacutelise desse evento na histoacuteria da Igreja eacute fundamental para que o pesquisador possa discutir acerca da compreensatildeo adventista da Lei na carta aos Gaacutelatas O articulista da revista Apologeacutetica Cristatilde citou dos artigos de Wilson Paroschi e Samuele Bacchiocchi8 mas desconsiderou o conteuacutedo dos artigos citados enfatizando apenas o que lhe parecia razoaacutevel Se o autor tivesse considerado

8 Tambeacutem foi mencionada a resposta de Ozeas C Moura na seccedilatildeo ldquoBoa Perguntardquo onde ele responde uma duacutevida referente ao texto de Colossenses 216 Ver Revista Adventista ja-neiro de 2009 paacuteginas 18 e 19

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em seu artigo a conclusatildeo de Bacchiocchi apoacutes sua exposiccedilatildeo a respeito da compreensatildeo paulina da Lei leria-se

O que Paulo ataca natildeo eacute o valor da lei como um guia para a conduta cristatilde [hellip] Paulo critica natildeo a moral mas a compreensatildeo soterio-loacutegica da lei isto eacute a lei vista como um documento de eleiccedilatildeo que inclui os judeus e exclui os gentios [hellip] A incapacidade de discernir nos escritos de Paulo entre seu uso moral e o uso soterioloacutegico da lei e a incapacidade de reconhecer que sua criacutetica da lei eacute dirigida natildeo aos cristatildeos judeus mas aos judaizantes gentios tem levado mui-tos concluir erroneamente (inclusive Paulo Silva) que Paulo era um antinomista que rejeitava a validade da lei como um todo Tal visatildeo eacute inteiramente injustificada porque como jaacute mostramos Paulo re-jeita a lei como um meacutetodo de salvaccedilatildeo mas a exalta como norma moral de conduta cristatilde (BACCHIOCCHI 1985 p 11)

Por fim Silva conclui de maneira equivocada seu artigo afirmando que os teoacutelogos adventistas acima tiveram ldquocoragem e acima de tudo honesti-dade em admitir um erro exegeacutetico perpetuado como tradiccedilatildeo por mais de um seacuteculo dentro dessa igrejardquo (SILVA sd p 7)

Referecircncias

BACCHIOCCHI S Paulo e a lei Revista Adventista jun 1995

BORTOLLETO F (Org) Dicionaacuterio brasileiro de teologia Satildeo Paulo ASTE 2008

SCHWARZ R GREENLEAF F Portadores de Luz histoacuteria da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Engenheiro Coelho Unaspress 2009

DEDEREN R (Ed) Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2011

KNIGHT G A Mensagem de 1888 Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2003

Em busca de identidade o desenvolvimento das doutrinas adventistas do seacutetimo dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2005

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Questotildees sobre doutrina o claacutessico mais polecircmico da histoacuteria do adventismo Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

MOURA O Boa pergunta Revista Adventista jan de 2009

PAROSCHI W Liccedilotildees de Gaacutelatas Revista Adventista mai de 2012

PREEZ R Judging the Sabbath discovering what canrsquot be found in Colossians 216 Berrien Springs Andrews University Press 2008

SILVA P Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

TIMM A O movimento adventista e a justificaccedilatildeo pela feacute Artur Nogueira Centro de Pesquisas Ellen G White 1988

VINE W et al Dicionaacuterio Vine o significado exegeacutetico e expositivo das palavras do antigo e do novo testamento Rio de Janeiro CPAD 2010

WHITE E Primeiros Escritos Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

Mensagens Escolhidas Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 1985 v 1

WHITE T The word Review and Herald v 7 n 19 1856

Enviado dia 15052013Aceito dia 26062013

Normas para publicaccedilatildeo

A revista Kerygma recebe trabalhos para os proacuteximos nuacutemeros em re-gime de fluxo contiacutenuo natildeo sendo necessaacuteria a abertura de chamadas es-peciais No entanto a periodicidade eacute semestral Para ser aceitos os textos devem observar rigorosamente as normas descritas abaixo

B A revista Kerygma tem como objetivo a divulgaccedilatildeo de trabalhos de pesquisa originais publicados em liacutengua portuguesa inglesa ou es-panhola relacionados agraves diversas temaacuteticas das aacutereas de Teologia e Ciecircncias da Religiatildeo

B O trabalho a ser submetido deve estar enquadrado em uma das se-guintes categorias

ndash Artigo cientiacutefico Dossiecirc Ensaio a publicaccedilatildeo se destina a divulgar re-sultados ineacuteditos de estudos e pesquisa compreendendo os seguintes itens tiacutetulo (em portuguecircs e inglecircs) nome(s) do(s) autor(es) [observaccedilatildeo a(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) devem ser registradas como notas de rodapeacute] resumo (com meacutedia de 900 toques ou 150 palavras) com a respectiva traduccedilatildeo para o inglecircs (abstract) e cinco palavras-chave em portu-guecircs e inglecircs introduccedilatildeo meacutetodo desenvolvimento e resultados (descriccedilatildeo e dis-cussatildeo) consideraccedilotildees finais e referecircncias bibliograacuteficas Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras incluindo figuras tabelas e lista de referecircncias

ndash Resenha de livros balanccedilo criacutetico de livros recentemente publicados (maacuteximo 4 anos) ou de obras consideradas claacutessicas nas aacutereas de estudo abor-dadas pela revista Deveraacute conter tiacutetulo do livro autor local de ediccedilatildeo editora e ano de publicaccedilatildeo (em formato ABNT) tiacutetulo para a resenha nome do(s) autor(es) da resenha sua(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras

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B O texto deve ser editado no programa Word configurado em pa-pel tamanho A4 (21 x 297 cm) fonte Arial corpo 12 espaccedilamento 15 e alinhamento justificado exceto as citaccedilotildees diretas com mais de 3 linhas (recuo) O tiacutetulo natildeo deve ultrapassar 12 palavras As margens devem ter a seguinte conformaccedilatildeo superior e direita 3cm inferior e esquerda 2cm

B O texto deve seguir o novo acordo ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa

B Caso haja imagens devem ser apresentadas em alta resoluccedilatildeo (300 dpi no formato jpg ou tif) e largura miacutenima de 10 cm (altura proporcional) Devem ser colocadas no corpo do texto e enviadas em arquivo separado

B As referecircncias bibliograacuteficas devem se basear nas normas da ABNT-NBR 60232002

B As citaccedilotildees podem ser diretas ou indiretas

ndash Citaccedilotildees indiretasSatildeo aquelas em que as ideias ou fatos apresentados pelo autor original

satildeo resumidos ou reapresentados com o cuidado de natildeo haver prejuiacutezo da exatidatildeo dessas informaccedilotildees Pode-se optar por escrever o sobrenome do autor dentro ou fora dos parecircntesis da referecircncia Se estiver fora dos parecircnte-sis ele deve vir em caixa baixa no corpo do texto seguido dos parecircntesis com o ano de publicaccedilatildeo da obra e nuacutemero da paacutegina No caso de o sobrenome vir dentro dos parecircntesis deve ser escrito todo em caixa alta seguido do ano de publicaccedilatildeo e nuacutemero da paacutegina Exemplos

a) Para um autor ldquoRodrigues (1998 p 25) observou [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES 1998 p 25)rdquo

b) Para dois autores ldquoRodrigues e Veiga (1999 p 39) pesquisando [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES VEIGA 1999 p 39)rdquo

c) Para trecircs ou mais autores o sobrenome do primeiro autor deve ser seguido da expressatildeo et al ldquoPradela et al (1998 p 129) constata-ram[hellip]rdquo ou ldquo(PRADELA et al 1998 p 129)rdquo

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ndash Citaccedilotildees diretas literais ou textuaisAs referecircncias obedecem agraves mesmas especificaccedilotildees acima Se o texto direta-

mente citado contiver ateacute trecircs linhas deve ser incluiacutedo no proacuteprio corpo do texto entre aspas Exemplos Segundo a autora ldquoo estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jovens da referida pesquisa possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11) Ou De acordo com Ruth Derevecki (2011 p 11) ldquoo estudo mostra[hellip]rdquo

Por outro lado se o texto diretamente citado contiver mais de trecircs linhas deve aparecer em paraacutegrafo(s) destacado(s) do corpo do texto (com recuo na margem de 4 cm agrave esquerda corpo 11 em espaccedilamento simples entre linhas) Exemplo

Como Lima (2010 p 12) sustenta

Atualmente a gestatildeo tem se tornado participativa De acordo com a diretora do coleacutegio adventista de Hortolacircndia Eli Albuquerque muitas escolas ainda natildeo aderiram ao novo padratildeo poreacutem haacute mui-tas unidades que jaacute implantaram a administraccedilatildeo colegiada com-posta por professores equipe administrativa pais e alunos

B Utiliza-se a expressatildeo latina apud para citar um documento ao qual natildeo se teve acesso direto mas por intermeacutedio de uma citaccedilatildeo em outra obra Exemplo ldquoSegundo Esther Rodrigues apud Follis (2011 p 42)rdquo ou ldquoEs-ther Rodrigues afirma que o sol faz bem agrave pele (apud FOLLIS 2011 p 42)rdquo Atenccedilatildeo deve-se na medida do possiacutevel para garantir a exatidatildeo da informaccedilatildeo procurar usar citaccedilotildees diretas Ou seja deve-se procurar obter as informaccedilotildees das fontes originais sempre que estas estiverem disponiacuteveis deixando este recurso apenas para obras difiacuteceis de ser localizadas

B Em caso de coincidecircncia de datas de texto ou obra citadas distinguir com letras respeitando a ordem de entrada no artigo (1915a 1915b) Jaacute em casos de coincidecircncia de sobrenomes colocam-se os prenomes abre-viados apoacutes o sobrenome (FOLLIS R 2010 FOLLIS E 2014)

B Toda citaccedilatildeo provinda da Biacuteblia deve seguir a seguinte formataccedilatildeo fora dos parecircntesis deve vir por extenso (Ex Em Apocalipse 1232 2 Coriacutentios 318 diz que [hellip] dentro dos parecircntesis deve ser abreviada de acordo com o padratildeo de duas letras sem ponto da Biacuteblia Joatildeo Ferreira de Almeida revista e atualizada 2ordm ediccedilatildeo (Ap 1232 2Co 318) Natildeo se usa algarismos romanos

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B Toda citaccedilatildeo originaacuteria de fonte em liacutengua estrangeira deve ser traduzida no corpo do texto e referenciada da seguinte forma (ABREU 2009 p 12 tra-duccedilatildeo livre) A citaccedilatildeo na liacutengua original deve ser mantida em nota de rodapeacute

B A supressatildeo ldquo[hellip]rdquo e a interlocuccedilatildeo devem ser indicadas entre col-chetes Exemplo ldquoO estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jo-vens [hellip] possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11)

B As notas de rodapeacute devem ser usadas apenas para acrescentar infor-maccedilotildees relacionadas ao texto e importantes para o entendimento deste Natildeo confundir nota de rodapeacute com referecircncia bibliograacutefica que apare-ce soacute no final do trabalho

B Expressotildees estrangeiras ou tiacutetulos de obras devem figurar em itaacutelico Exemplos ldquoFelipe Carmo (2009 p 42) em seu livro Hipnose sustenta que croissaint natildeo pode ser utilizado como sujestatildeo hipnoacuteticardquo Certas palavras mesmo sendo de origem estrangeira jaacute satildeo de uso corrente nos textos em portuguecircs e portanto natildeo devem vir em itaacutelico Exem-plos internet mouse link site e-mail etc

B Os casos de destaque de partes do texto para ecircnfase devem ser evi-tados ou restringidos ao miacutenimo possiacutevel devendo aparecer em itaacutelico

ldquoFulano (2000 p 12) sustenta que ocorre reversatildeo se e somente se aque-las condiccedilotildees satildeo satisfeitasrdquo

B Capiacutetulos de livros e artigos de perioacutedicos quando citados no corpo do texto devem aparecer entre ldquoaspasrdquo e sem o uso de itaacutelico Exemplo Flavio Luiacutes (2011 p 12) em seu artigo ldquoComo cultivar um bigode agrave luz de Friedrich Nietzscherdquo afirma que [hellip]

B Citaccedilotildees referentes aos manuscritos e cartas de Ellen G White de-vem ser feitas no corpo do texto da seguinte maneira (Ellen G White Carta 16 1890) (Ellen G White Manuscrito 21 1846)

B Citaccedilotildees referentes aos pais da igreja devem ser acrescentadas ao corpo do texto corrido como por exemplo a obra de Josefo (Jewish Antiquities IX206 ndash 214)

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B Na lista de referecircncias bibliograacuteficas deveratildeo constar os nomes de todos os autores de um trabalho consultado As referecircncias seratildeo ordenadas al-fabeticamente pelo uacuteltimo sobrenome do autor seguido no miacutenimo da inicial maiuacutescula do primeiro nome Natildeo usar nomes por extenso na lista

a) Para livrosCARMO F Hipnose a arte da seduccedilatildeo Satildeo Paulo Editora Madras 2009

b) Capiacutetulo de livroFERCH A Autoria teologia e propoacutesito de Daniel In HOLBROOK F (Ed) Estudos sobre Daniel origem uni-dade e relevacircncia profeacutetica Engenheiro Coelho Unaspress 2009 (Seacuterie Santuaacuterio e Profecias Apocaliacutepticas 2)

c) Artigos de perioacutedicosBERTONI E Arte induacutestria cultural e educaccedilatildeo Cadernos cedes centro de estudos educaccedilatildeo e sociedade ndash Unicamp Ano 21 n 54 2001

d) Monografias dissertaccedilotildees e tesesFERREIRA L O processo da aprendizagem conflitos emocionais desvirtuamento e caminhos para a superaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Unasp Campus En-genheiro Coelho Engenheiro Coelho 1999

e) Publicaccedilotildees referentes a eventos publicados em anais ou similares (congressos reuniotildees seminaacuterios encontros etc)

LIMA P Caminhos da universidade rumo ao seacuteculo 21 es-tagnaccedilatildeo ou dialeacutetica da construccedilatildeo In 7ordm congresso anual de estudantes do cesulon (Centro de Estudos Superiores de Londrina PR) Londrina 25 a 20 de outubro de 1999

f) Informaccedilotildees verbaisPara informaccedilotildees obtidas por meio verbal (palestras debates entrevistas etc) deve-se indicar no texto corrido a expressatildeo

ldquoinformaccedilatildeo verbalrdquo entre parecircnteses mencionando-se os da-dos disponiacuteveis em nota de rodapeacute

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Exemplo ldquoA maioria dos que sustentam uma opiniatildeo sobre a alegaccedilatildeo das sugestotildees hipnoacuteticas atraveacutes de alimentos gordu-rosos normalmente fariam qualquer coisa por um croissaintrdquo (informaccedilatildeo verbal)1

No rodapeacute da paacutegina1 Comentaacuterio proferido por Felipe Carmo em palestra rea-lizada no Unasp-EC por ocasiatildeo do Simpoacutesio Universitaacuterio Adventista em setembro de 2011

g) Legislaccedilatildeo (constituiccedilatildeo emendas constitucionais textos legais infra-constitucionais)

SAtildeO PAULO (Estado) Decreto nordm 42822 de 20 de janeiro de 1998 Lex coletacircnea de legislaccedilatildeo e jurisprudecircncia Satildeo Paulo v 62 n3 p 217 ndash 220 1998

BRASIL Medida provisoacuteria nordm 1569-9 de 11 de fevereiro de 1997 Diaacuterio Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Po-der Executivo Brasiacutelia DF 14 dez 1997 Seccedilatildeo 1 p 29514

BRASIL Coacutedigo Civil 46 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

h) Referecircncias de sites Acrescentar no final da referecircncia ldquoDis-poniacutevel emrdquo endereccedilo eletrocircnico e a data de acesso ao documen-to precedida da expressatildeo ldquoAcesso emrdquo

SILVA I Pena de morte para o nascituro O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 set 1998 Disponiacutevel em ltwwwestadaocombr1212343htmgt Acesso em 19 set 1998

B Os textos devem ser submetidos unicamente por meio do site da re-vista Kerygma Os passos satildeo os seguintes

ndash Acessar httpwwwunaspedubractacientificandash Caso se trate do primeiro acesso preencher os dados pessoais no

item ldquocadastrordquo (lembre-se de assinalar a opccedilatildeo ldquoautorrdquo) Se jaacute tiver cadastro basta preenher nome e senha

ndash Para submeter trabalhos siga as demais instruccedilotildees do proacuteprio sistemaObs o autor deveraacute acompanhar o andamento do trabalho subme-

tido no proacuteprio sistema on-line

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B O tempo entre a submissatildeo aprovaccedilatildeo ou rerpovaccedilatildeo e a publi-caccedilatildeo do artigoresenha seraacute de cerca de 14 meses As informaccedilotildees sobre o status da submissatildeo se daraacute apenas via Sistema Eletrocircnico de Revistas (SEER) software para a construccedilatildeo e gestatildeo de publi-caccedilotildees perioacutedica traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informaccedilatildeo em Ciecircncia e Tecnologia (IBICT)

B A revista Kerygma estaacute sob a Licenccedila Creative Commons Attribution 30 o que indica natildeo existir lucro atrelado agrave publicaccedilatildeo e portanto natildeo havendo nenhuma obrigaccedilatildeo de remuneraccedilatildeo dos autores publica-dos Estes ao submeterem suas contribuiccedilotildees cedem agrave revista os direi-tos de publicaccedilatildeo nos formatos impresso e online

Permutas

Associaccedilatildeo Educacional Frei Nivaldo Liebel ndash Revista RethoacuterikaUSP de Ribeiratildeo Preto ndash ABOPCenter for Adventist Research James White Library ndash AUCentro Universitaacuterio Feevale ndash Revista Gestatildeo e DesenvolvimentoCentro Universitaacuterio Claretiano ndash Linguagem AcadecircmicaCentro Universitaacuterio de Barra Mansa ndash Revista CientiacuteficaCentro Universitaacuterio de Brusque (Unifebe) ndash Revista da UnifebeCentro Universitaacuterio de Franca (Uni-FACEF) ndash Facef pesquisaCentro Universitaacuterio de Patos de Minas (Unipam) ndash JurivoxRevista AlphaCentro Universitaacuterio do Espiacuterito Santo (Unesc) ndash Unesc em RevistaCentro Universitaacuterio La Salle (Unilasalle) ndash Revista de Educaccedilatildeo Ciecircncia e CulturaCentro Universitaacuterio Metodista (IPA) ndash Ciecircncia em MovimentoCentro Universitaacuterio Nove de Julho (Uninove) ndash Conscientiae-SauacutedeEccosCentro Universitaacuterio Salesiano de Satildeo Paulo (Unisal) ndash Revista Ciencia e TecnoloacutegiaCentro Universitaacuterio Univates ndash Caderno Pedagoacutegico Estudo amp DebateEscola Superior de teologia da IECLB ndash Estudos teoloacutegicosFaculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP) ndash Revista do curso de direitoFaculdade de Administraccedilatildeo Santa Cruz (FAFILFASC) ndash Revista de AdministraccedilatildeoFaculdade de Ciecircncias Administrativas e Contaacutebeis Santa Luacutecia ndash UniversitaFaculdades Integradas Adventistas de Minas gerais (Fadminas) ndash Revista SymposiumFundaccedilatildeo Educacional da Regiatildeo de Joinvile (Univille) ndash Revista da UnivilleFundaccedilatildeo Teacutecnico Educacional Souza Marques ndash Revista Souza MarquesFaculdade Teoloacutegica Batista de Satildeo Paulo ndash TeoloacutegicaFundaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande ndash MomentoPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute (PUC-PR) ndash Revista de Estudos da Comunicaccedilatildeo Revista Psicoloacutegica ArgumentoUniversidad Adventista Del Plata ndash Enfoques DavarlogosUniversidad Catoacutelica Argentina ndash Cultura EconoacutemicaUniversidade de Caxias do Sul (UCS) ndash ConjecturaUniversidade de Satildeo Paulo (USP) ndash Contabilidade amp FinanccedilasUniversidade de Sorocaba (Uniso) ndash Revista de Estudos UniversitariosUniversidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) ndash Linguagem em DisCurso

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Universidade Estadual de Londrina (UEL) ndash Boletim do Centro de LetrasUniversidade Estadual de Ponta Grossa ndash Olhar do Professor PublicatioUniversidade Estadual Paulista (Unesp) ndash Alimentos e NutriccedilatildeoUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ndash Varia histoacuteriaUniversidade Federal de Pelotas ndash Histoacuteria da EducaccedilatildeoUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ndash Caderno do Ensino da FiacutesicaUniversidade Federal de Santa Maria ndash Revista de Educaccedilatildeo EspecialUniversidade Norte do Paranaacute ndash (Unopar) ndash Unopar CientiacuteficaUniversidade Paranaense (Unipar) ndash AkroacutepolisUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missotildees ndash Revista PerspectUniversidade Santa Cecilia ndash Seleccedilatildeo DocumentalUniversidade Satildeo Judas Tadeu ndash Integraccedilatildeo

  • Expediente
  • Editorial
  • 1
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  • Normas
Page 5: Centro Universitário Adventista de São Paulo

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica 115Reacutegerson Molitor da Silva

Um estudo sobre a morte em Lucas 1619-31 131Adenilton T de Aguiar Diego Rafael da S Barros

Resenha

Os adventistas e a identidade da Lei em Gaacutelatas 147Leandro Quadros

Normas para publicaccedilatildeo 155

Permutas 163

bullEditorialbull

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo

Rodrigo Follis1

Muitas epistemologias teoloacutegicas aceitas na atualidade foram produzi-das na proacutepria modernidade ou se utilizaram dos recursos argumentativos inerentes a tal periacuteodo Assim eacute possiacutevel argumentar que ainda vivemos em grande parte uma religiosidade calcada em diversos pensamentos filosoacutefi-cos provindos da modernidade

Ao abordar o sentido do termo ldquomodernidaderdquo Pierre Sanchis (1997) afirma que ela seria ldquoa representaccedilatildeo ideal do indiviacuteduo portador de uma ra-zatildeo uacutenica de uma decisatildeo soberana que se exerce nos quadros de uma loacutegica universalrdquo Assim no auge da ciecircncia moderna se delimitava a atitude cien-tiacutefica agrave busca de conhecimentos de leis e princiacutepios que regessem a realidade Sendo que por realidade se entendia algo estaacutetico determinado mecacircnico e regulado por leis fixas (vemos tal realidade por exemplo na doutrina posi-tivista) Um conhecimento baseado na formulaccedilatildeo de leis tem como pres-suposto a noccedilatildeo de ordem e de estabilidade do mundo de que o passado se repete no futuro (SANTOS 1999 p 17 ver 2000)

Alguns autores chegam a afirmar que a exacerbaccedilatildeo de tal pensamento foi uma das causadoras da atual fragmentaccedilatildeo do modernismo Assim a desilusatildeo humana com as promessas da era da razatildeo e da ciecircncia teriam sido enormes Para exemplificar podem ser citadas a ldquourbanizaccedilatildeo extremamen-te desumanizante a monstruosa desigualdade social a induacutestria de morte de armas e das drogas a construccedilatildeo de campos de concentraccedilatildeo a confec-ccedilatildeo e explosatildeo das bombas atocircmicasrdquo (LIBAcircNIO 1998 p 62)

1 Doutorando em Ciecircncias da Religiatildeo e Mestre em Comunicaccedilatildeo Social pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo Editor-associado da revista Kerygma e professor no Centro Univer-sitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail rodrigofollisunaspedubr

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Afinal a ciecircncia [moderna] natildeo fornece as respostas que a maio-ria de noacutes exige Sua histoacuteria a respeito de nossas origens e nosso fim eacute no miacutenimo insatisfatoacuteria Para a pergunta ldquoComo tudo comeccedilourdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo Para a pergunta ldquoComo tudo terminaraacuterdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo E para muitas pessoas a vida acidental natildeo vale a pena ser vivida (POSTMAN 1994 p 168)

Por um lado a modernidade trouxe grandes avanccedilos ao tentar melho-rar o mundo a nossa volta atraveacutes de uma iluminaccedilatildeo e da busca racional por evidecircncias que dessem sentido a existecircncia humana E isso foi aceito como forma de afirmar ou mesmo combater a ortodoxia teoloacutegica Sobre isto Leonildo Campos (2008) aponta a tensatildeo entre ldquoa letra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo que ficou como marca principal de vaacuterios reaviva-mentos religiosos como o ldquosurgimento do pietismo alematildeo do avivalismo inglecircs e norte-americano e no iniacutecio do seacuteculo XX da explosatildeo do Pente-costalismordquo Assim ele nos lembra das tensotildees jaacute apontadas por Mendonccedila (2008 p 78) quando afirma a existecircncia de conflitos ligados de um lado a uma racionalidade defendida por grupos mais ortodoxos e de outro a um misticismo emocional provindo de diversos novos grupos

Natildeo parece metodologicamente coerente esquecer de que cada vez mais a sociedade se abre para uma religiatildeo e uma vida regida pela loacutegica da emoccedilatildeo e do entretenimento e que isso tem relaccedilatildeo direta na construccedilatildeo de muitas das teologias contemporacircneas (ver BERGER ZIJDERVELD 2012) Entretan-to parece ser preciso reafirmar que dependemos de vaacuterios preceitos da ciecircncia modernista ou seja da suposta ldquoletra que matardquo Ela ainda perpassa todas as produccedilotildees ditas acadecircmicas encontradas natildeo apenas na presente ediccedilatildeo da re-vista Kerygma mas em todo o fazer da ciecircncia Afinal toda discussatildeo provinda da academia sempre se relaciona agraves ldquoletrasrdquo teoacutericas que objetivam encontrar as ldquoleis fixasrdquo que esclareceratildeo nossa realidade e sociedade

Sem sombra de duacutevidas a presente ediccedilatildeo da Kerygma faz parte dessa realidade Ao se buscar que padratildeo pode ser encontrado nas cartas paulinas acerca do uso da palavra grega Pneuma estamos fazendo ciecircncia ao estilo modernista Na discussatildeo epistemoloacutegica para se entender corretamente os meios de interpretaccedilatildeo biacuteblica estamos em uma discussatildeo calcada tambeacutem no modernismo e em sua forma de ver e estudar o mundo E isso ocorreraacute em todos os demais artigos seja na relaccedilatildeo sobre os 144 mil de Apocalipse no entendimento dos textos biacuteblicos de Lucas na relaccedilatildeo histoacuterica acerca da

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apostasia do pastor adventista Conrad no uso da disciplina eclesial ou na re-senha de um artigo apologeacutetico Todas essas discussotildees podem ter seus dis-tanciamentos do modernismo mas paradoxalmente o fazem estando dentro desse processo cientiacutefico

Baseado nisso alguns acusam a Teologia como sendo a personificaccedilatildeo da ldquoletra que matardquo e portanto seria preciso evitaacute-la na busca por uma ver-dadeira comunhatildeo com a divindade Entretanto isso natildeo nos parece coerente Natildeo estamos aqui para condenar a ciecircncia moderna nem o seu meacutetodo racio-nalista mesmo agrave luz das diversas consequecircncias ruins ou no miacutenimo esteacutereis produzidas em seu nome Tambeacutem natildeo acreditamos que recusar ou abraccedilar cegamente um reavivamento emocionalista venha a ser a melhor soluccedilatildeo Como contraponto parece interessante a proposta acerca do ldquolsquopensamento liminarrsquo como defendida por Mignolo (2003) Esse tipo de pensamento ser-viria para ldquoobter ou recuperar o direito de serrdquo Ou seja seria

uma maneira de pensar que natildeo seja inspirada em suas proacuteprias limi-taccedilotildees e que natildeo pretenda dominar e humilhar uma maneira de pen-sar que seja universalmente marginal fragmentaacuteria e aberta e como tal uma maneira de pensar que por ser universalmente marginal e fragmentaacuteria natildeo seja etnocida (MIGNOLO 2003 p 235)

Dadas essas consideraccedilotildees eacute coerente acreditar na busca por uma Teo-logia que una o melhor desses dois mundos o da letra e o do espiacuterito Cons-truindo assim uma tensatildeo hegemocircnica paradoxal ao mesmo tempo em que busca utilizar um meacutetodo loacutegico-racionalista como forma de interpretar a realidade e a histoacuteria tambeacutem nos coloca abertos a um aceite emocional e mais humano de tal realidade sendo este o objetivo de toda a produccedilatildeo cientiacutefica (FOLLIS 2012) Com isso nosso objetivo deixa de ser encontrar uma mera resposta e passa a ser o de mudar e melhorar vidas humanas Ellen G White (2007 p 309) ilustra como poderia ser essa uniatildeo Torcermos para que tal pensamento seja um guia para a construccedilatildeo teoloacutegica que continua-remos a produzir na academia

O maior dos enganos do espiacuterito humano nos dias de Cristo era que um mero assentimento agrave verdade constituiacutesse justiccedila Em toda experiecircncia humana o conhecimento teoacuterico da verdade se tem demonstrado insuficiente para a salvaccedilatildeo da alma Natildeo produz os frutos de justiccedila Uma cuidadosa consideraccedilatildeo pelo

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que eacute classificado verdade teoloacutegica acompanha frequentemente o oacutedio pela verdade genuiacutena segundo se manifesta na vida Os mais tristes capiacutetulos da Histoacuteria acham-se repletos do registro de crimes cometidos por fanaacuteticos adeptos de religiotildees Os fariseus pretendiam ser filhos de Abraatildeo e vangloriavam-se de possuir os oraacuteculos de Deus todavia essas vantagens natildeo os preservavam do egoiacutesmo da malignidade da ganacircncia e da mais baixa hipocrisia Julgavam-se os maiores religiosos do mundo mas sua chamada ortodoxia os levou a crucificar o Senhor da gloacuteria O mesmo peri-go existe ainda Muitos se tecircm na conta de cristatildeos simplesmente porque concordam com certos dogmas teoloacutegicos Natildeo introdu-ziram poreacutem a verdade na vida praacutetica Natildeo creram nela nem a amaram natildeo receberam portanto o poder e a graccedila que advecircm mediante a santificaccedilatildeo da verdade

Referecircncias

BERGER P ZIJDERVELD A Em favor da duacutevida como ter convicccedilotildees sem se tornar um fanaacutetico Satildeo Paulo Elsevier 2012

CAMPOS L S Evangeacutelicos e Miacutedia no Brasil ndash Uma Histoacuteria de Acertos e Desacertosrdquo Rever - Revista de Estudos da Religiatildeo nordm 3 1-26 2008 Disponiacutevel em httpwwwpucspbrreverrv3_2008t_campospdf Acesso em 25122012

FOLLIS R Teologia e Marxismo em busca de pontes de esperanccedila Kerygma Engenheiro Coelho SP v 8 n 2 p 7-9 2o sem de 2012

LIBAcircNIO J B O sagrado na poacutes-modernidade In CALIMAN C (org) A seduccedilatildeo do sagrado o fenocircmeno religioso na virada do milecircnio Petroacutepolis RJ Vozes 1998

MEDONCcedilA A G Protestantes pentecostais e ecumecircnicos o campo religioso e seus personagens Satildeo Bernardo do Campo Universidade Metodista de Satildeo Paulo 2008

MIGNOLO W D Histoacuterias locais projetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Belo Horizonte UFMG 2003

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

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POSTMAN N Tecnopoacutelio a rendiccedilatildeo da cultura agrave tecnologia Satildeo Paulo Nobel 1994

SANCHIS P O campo religioso contemporacircneo no Brasil In ORO A STEIL C (Orgs) Globalizaccedilatildeo e religiatildeo Petroacutepolis Vozes Porto Alegre UFRGS 1997

SANTOS B A criacutetica da razatildeo indolente contra o desperdiacutecio da experiecircncia Satildeo Paulo Cortez 2000

Um discurso sobre a ciecircncia Porto-Portugal Ediccedilotildees Afrontamento 1999

WHITE E O desejado de todas as naccedilotildees Tatuiacute CPB 2007

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

The Holy Spirit in the pauline epistles

Roberto Pereyra Suaacuterez1

ResumoAbstract

O artigo objetiva pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo abordando um dos temas mais desafiadores do seu pensamento te-oloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneu-

matologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia Neste estudo preliminar busca-se apenas introduzir o vasto tema sobre o uso da palavra πνευμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais relevantes acerca do EspiacuteritoPalavras-chave Espiacuterito Santo πνεūμα Paulo Teologia Biacuteblica Epiacutestolas paulinas

This article aims to research about the Holy Spirit in the books of Paul discussing one of the most challenging subjects of his theological thought Some researchers even say that the pneumatology of Paul

should be considered the central aspect of his theology The objective of this preliminary study is only to introduce this vast theme about the use of the word πνευμα in the epistles of Paul and also to interpret the most relevant theological affirmations about the Holy SpiritKeywords Holy Spirit πνεūμα Paul Biblical Theology Epistles of Paul

1 Doutor em Novo Testamento pela Andrews University (PhD) Diretor da Poacutes-Gradua-ccedilatildeo do Salt-Unasp Professor na Faculdade de Teologia do Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail robertopereyraunaspedubr

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Pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo significa abordar um dos temas mais desafiadores do seu pensamento teoloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneumatologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia2

Neste estudo preliminar natildeo exaustivo pelo limitado espaccedilo busca se apenas introduzir o vastiacutessimo tema sobre o uso da palavra πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais re-levantes acerca do Espiacuterito

O uso da palavra πνεūμα em PauloMesmo desconsiderando as formas de uso (substantivo adjetivo ou

adveacuterbio) do vocaacutebulo Πνευματικός 3 e da expressatildeo ldquopoderrdquo (tambeacutem em diversas formas) em referecircncia ao Espiacuterito Santo4 eacute possiacutevel encontrar 384 referecircncias agrave πνευμα no Novo Testamento Sendo que apenas Paulo a usa

2 Sendo que haacute uma literatura muito rica tratando com o pensamento de Paulo sobre este tema gostaria de mencionar as referecircncias que considero mais relevantes publicadas nos uacutel-timos 50 anos Pinnock (1963) Turner (1975 p 56-69) Dobbin (1976a p 5-19 1976b p 129-149) Meyer (1979 p 3-18) Congar (1983) Francis (1984 p 299-313) Easley (1984 p 299-313) Huumlbner (1989 p 324-338) Friedrich Wilhelm Horn (1992) nega a dimensatildeo experi-mental da recepccedilatildeo do Espiacuterito no iniacutecio do cristianismo e propotildee que Paulo desenvolveu sig-nificativamente sua pneumatologia durante os anos de seu ministeacuterio Paige (1993 p 404-413) Gordon D Fee (1994 1996) apresenta o trabalho mais completo sobre pneumatologia Paulina disponiacutevel sendo uma fonte primaacuteria relevante para consultas sobre questotildees exegeacuteticas Vol-lenweider (1996 p 163-192) Gaffin (1998 p 573-589) Daniel B Wallace (2003 p 97-125) Monika Christoph (2005) Finny Philip (2005) John A Bertone (2005) Mark Pretorius (2006 p253-262) Clint Tibbs (2007) Erik Konsmo (2010) examina como as metaacuteforas de Paulo ex-pressam a presenccedila tangiacutevel do espiacuterito intangiacutevel na vida do cristatildeo e afirma que o ponto de vista de Paulo sobre o rol do Espiacuterito Santo natildeo eacute perifeacuterico mas sim central em sua Teologia3 De 26 vezes que se usa no NT 24 satildeo as referecircncias no conteuacutedo paulino (Rm 111 714 1527 1 Co 213 2x 15 31 911 103 4 2x121 141 37 1544 2x 46 2x Gl 61 Ef 13 519 61 Cl 19 316)4 Aparentemente os destinataacuterios das cartas paulinas entenderam que o Espiacuterito se manifes-tava em ldquopoderrdquo em razatildeo da utilizaccedilatildeo dos termos δύναμις e πνεῡμα de forma alternada nas epiacutestolas de Paulo Sobre isso veja a argumentaccedilatildeo de J D G Dunn (1998a p 851) Natildeo se faz apenas o uso combinado de ambos os sentidos (Rm 1513 19) mas se usa os vocaacutebulos de tal maneira que a presenccedila de πνεῡμα poderia significar a presenccedila de δύναμις (Rm 14 1Co 24 Gl 35 Ef 316 1Ts 15 2 Tm 17) Sendo assim se pode deduzir que as referecircncias agrave δύναμις implicariam a presenccedila de πνεῡμα (1Co 420 54 2Co 47 66-7 12912 134 Ef 119 21 37 20 Cl 111 29 2 Tm 18)

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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160 vezes5 nas 14 epiacutestolas que lhe satildeo atribuidas aqui considerando tam-beacutem o livro de Hebreus6 A frequecircncia de πνευμα nas epiacutestolas paulinas se daacute da seguinte forma

RmI 1CoII 2CoII GlIV EfV FpVI ClVII 1TsVIII 2TsIX 1TmX 2TmXI TtXII FmXIII HbXIV Total

35 40 17 18 16 5 2 5 3 3 3 2 1 10 160

I Em Rm 81-27 Paulo usa 22 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα sendo que 5 delas possuem significado antropoloacutegico ao referir-se ao espiacuterito humano (810 15 3x 16) e 17 com sentido teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo (82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 13 14 16 23 26 2x 27)II Em 1 Coriacutentios 24-14 Paulo usa 9 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (211 12) e 7 com sentido teoloacutegico (24 10 2x 11 12 13 14) em 1Co 123-13 Paulo usa 12 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x)III Em 2 Coriacutentios Paulo usa 17 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 8 possuem significado antropoloacutegico (213 36 2x 413 71 13 1114 1218) e 9 com sentido teoloacutegico (122 33 8 17 2x 18 55 66 1313)IV Em Gaacutelatas Paulo usa 18 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (61 18) e 16 com sentido teoloacute-gico (32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x) com maior concentraccedilatildeo em 55 a 68V Em Efeacutesios Paulo usa 16 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 3 possuem significado antropoloacutegico (117 22 423) e 13 com sentido teoloacutegico (113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18)

VI Em Filipenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (127 423) e 3 com sentido teoloacutegico (119 21 33)

VII Em Colossenses Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (25) e 1 com sentido teoloacutegico (18)

VIII Em 1 Tessalonicenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (523) e 4 com sentido teoloacutegico (15 6 48 519)

IX Em 2 Tessalonicenses Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (22) e 2 com sentido teoloacutegico (28 13)

X Em 1 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (41) e 2 possuem sentido teoloacutegico (316 41)

XI Em 2 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (17 422) e 1 com sentido teoloacutegico (114)XII Em Tito Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (35 6)XIII Em Filemom Paulo usa 1 vez o vocaacutebulo πνεῡμα com significado antropoloacutegico (25)XIV Em Hebreus Paulo usa 10 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (412 1223) e 8 possuem sentido teoloacutegico (114 24 37 64 98 14 1015 29)

5 Aparece 53 vezes o vocaacutebulo (Rm 14 84 5 9 2x 1011 15 2x 16 26 2x 118 1Co 210 11 2x 12 2x 316 55 617 740 124 8 11 13 1414 1545 168 2Co 36 17 2x 413 713 114 Gl 32 5 46 29 517 68 Ef 117 44 30 1Ts 48 519 23 1Tm 41 2x 2Tm 17 Hb 37 1015 29) 53 vezes πνεύματος (Rm 55 76 82 5 6 11 23 27 1513 19 30 1Co 24 10 13 14 54 619 127 8 10 1432 2Co 122 36 8 18 55 71 1313 Gl 314 517 22 68 18 Ef 22 316 43 617 Fp 119 21 423 1Ts 16 2Ts 22 13 2Tm 114 422 Tt 35 Fm 125 Hb 114 24 412 64 98 14) 49 vezes πνεύματι (Rm 19 229 89 13 14 16 91 1211 1417 1516 1Co 421 53 611 734 123 2x 9 2x 13 142 15 2x 16 2Co 213 33 66 1218 Gl 33 55 16 18 25 2x 61 Ef 113 218 22 35 423 518 618 Fp 127 33 Cl 18 25 1Ts 15 2Ts 28 1Tm 316 Hb 1223) e em cinco cir-cunstancias se emprega um pronome relativo para se referir ao espiacuterito humano em geral (Rm 815) ao Espiacuterito Santo (1Co 619 Ef 114 Tt 36) e ao Espiacuterito de Deus (Ef 430)6 Raymond Edward Brown (1983 p 227) encontra 380 usos enquanto que Tibbs (2007 p 306) encontra 384

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Segundo a ordem de tamanho das epiacutestolas a maior incidencia no uso do vocaacutebulo πνεῡμα se encontra em Gaacutelatas seguida por Efeacutesios 1 Coriacutentios Romanos e 2 Coriacutentios Contudo se observa uma concentraccedilatildeo especial no conteuacutedo das cartas o que responde aos propoacutesitos teoloacutegicos do autor em diaacutelogo com seus destinataacuterios Por exemplo Romanos 81-27 constitui o ponto de mais destaque da teologia paulina sobre o Espiacuterito ao se referir a Ele 22 vezes a maior concentraccedilatildeo de referencias nas epiacutestolas (DUNN 1998 p 423)

A partir daqui inicia-se uma breve menccedilatildeo sobre o uso antropoloacutegico de πνεῡμα nos escritos de Paulo

Uso antropoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos gerais Paulo utiliza 45 vezes o vocaacutebulo com significa-do antropoloacutegico se referindo ao espiacuterito humano7 Ele faz referecircncia a si mesmo (Rm 19 1 Co 421 53-4 1414-15 1618 2 Co 213 Cl 25) a mulher (1Co 734) aos profetas (1Co 1432) ao segundo Adatildeo (1 Co 1545) a Tito (2Co 713) a Timoacuteteo (2 Tm 422) a Filemom (Fm 25) e aos seres humanos em geral8 Obviamente eacute no uso teoloacutegico do vocaacutebulo que teremos a maior relevancia e significado

Uso teoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos especiacuteficos o apoacutestolo usa πνεῡμα 115 vezes com senti-do teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo9 de diversas formas ldquoEspiacuterito

7 Rm 19 229 76 810 15 3x 816 118 1211 1Co 211 12 421 53 4 5 617 734 1414 15 2x 1432 1545 1618 2Co 213 36 2x 413 7113 114 1218 Gl 61 18 Ef 117 22 423 Fp 127 423 Cl 25 1Ts 523 2Ts 22 2Tm 17 422 Fm 25 Hb 412 Embora existam discussotildees se a referecircncia eacute ao espiacuterito humano ou ao divino os seguintes textos tambeacutem podem ser aqui incluiacutedos 1Co 53 4 617 1414 152 e Cl 25 (ver Fee 1996 p 24-26 123-27 229-30 462 645)8 Rm 229 76 81015 x3 16 118 1211 1Co 211 12 55 6 17 2Co 36 2x 413 71 114 1218 Ef 117 423 Fp 127 423 1 Ts 523 2 Ts 22 2Ti 17 Hb 412 12239 Rm 14 55 82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 1314 16 23 26 2x 27 2x 91 1417 1513 16 19 30 1Co 24 10 2x 11 12 13 14 16 611 19 2x 740 123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x 142 16

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

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Santordquo10 ldquoEspiacuterito de santidaderdquo (Rm 14) ldquoEspiacuterito de vidardquo (Rm 82) ldquoEspiacuteritordquo11 ldquoEspiacuterito de Deusrdquo12 ldquoEspiacuterito de Cristordquo (Rm 89) ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo (2Co 317) ldquoEspiacuterito de Seu Filhordquo(Gl 46) ldquoEspiacuterito de sabe-doria e de revelaccedilatildeordquo (Ef 117) ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo (Fp 119) ldquosopro de sua bocardquo (de Jesus Cristo 2 Ts 28) e ldquoEspiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

O fato de Paulo nomear o ldquoEspiacuteritordquo como ldquoEspiacuterito de Deusrdquo ldquoEs-piacuterito de Seu Filhordquo ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo ldquoEspiacuterito de Cristordquo ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo e inclusive ldquoEspiacuterito Santordquo e ldquoEspiacuterito da Graccedilardquo sugere claramente um enfoque trino do vocaacutebulo πνεῡμα em suas epiacutestolas o que parece ser um axioma trinitaacuterio baacutesico13 para entender o uso teoloacutegico de πνεῡμα nessas epiacutestolas

Axioma trinitaacuterio baacutesico nas Epiacutestolas Paulinas

Nos escritos de Paulo 1) Deus eacute um 2) Deus eacute trecircs 3) os trecircs satildeo plenamente Deus 4) cada um dos trecircs eacute diferente dos outros dois 5) os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente um com o outro como Pai Filho e Espiacuterito Santo14

A Trindade pertence agrave vida existecircncia e forma de ser do Deus trino Realidade que soacute poderia ser conhecida se algum de seus membros a revelas-se Como sugeriu Sinclair Ferguson (1985 p 18-37) Jesus no caminho da cruz eacute quem revelou a seus disciacutepulos essa realidade trina da Divindade sua relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito (Jo 13-17)

2Co 122 33 8 17 2x 18 55 66 1313 Gl 32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18 Fp 119 21 33 Cl 18 1Ts 15 6 48 519 2Ts 28 13 1Tm 316 41 2Tm 114 Tt 35 6 Hb 24 37 64 98 14 1015 2910 Rm 55 91 1417 1513 16 1 Co 619 2x 2 Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2 Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 101511 Rm 84 5 2x 6 9 11 2x 13 16 23 26 2x 27 2x 1530 1 Co 24 10 2x 12 13 124 7 8 2x 9 2x 11 13 2x 2 Co 122 38 18 55 Gl 32 3 5 14 429 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 218 22 35 16 43 4 518 617 18 Fp 21 Cl 18 2 Ts 213 1 Tm 316 41 Hb 3712 Rm 89 14 1519 1 Co 211 14 316 611 740 123 2x 2 Co 33 Ef 430 2x Fp 3313 Para um estudo sobre as evidecircncias biacuteblicas que contribuem para a doutrina da trindade veja Arthur William Wainwrigth (1962) Leonard Hodgson (1944 p 38-84) E J Fortman (1982 p 3-33) Aubrey William Argyle (1966 p 173-181)14 Para um estudo exaustivo destes conceitos nas Escrituras veja a John M Frame (2002)

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Eacute o envio do Deus feito carne que revela a relaccedilatildeo existente entre o Pai e o Filho (Jo 7111 22-26) Sua encarnaccedilatildeo (Lc 134-35 Jo 1711 22-26) ministeacuterio (Mt 41 Mr 112 Lc 41 Mt 1228 At 1038) morte ressurreiccedilatildeo (Rm 811 1 Pd 318) e ascensatildeo (At 232 33) revelam a relaccedilatildeo existente entre o Filho e o Espiacuterito Santo (Jo 1416-17 26 1526 1613) o que pro-vavelmente se constituiacutea nas fontes das formulaccedilotildees trinitaacuterias do apoacutestolo

Deus eacute umO conceito da unidade eacute desenvolvido no fato de que Ele eacute Deus tanto

dos judeus como dos gentios (Rm 329-30 1012-13 Gl 320) Pai tanto dos incircuncisos como dos circuncidados (Rm 411-12) uacutenico em sua relaccedilatildeo com os seres humanos (1Tm 25) jaacute que natildeo existem outros deuses Haacute um soacute Deus (1Co 84-6) o verdadeiro (1Ts 19) o uacutenico e saacutebio Deus (Rm 1627 1 Tm 117) a uacutenica fonte dos dons espirituais (1Co 124-6 Ef 44-6)15

Deus eacute trecircsEmbora seja problemaacutetico determinar o nuacutemero dos seres divinos a

partir do Antigo Testamento Paulo usa especiacuteficas formulaccedilotildees trinitaacuterias nas quais apresenta a existecircncia de trecircs seres divinos θεόϛ (Deus) o Pai κύριος (Senhor) ou υἱός (Filho) o Filho e πνεῡμα (Espiacuterito) o Espiacuterito

Paulo distingue claramente os trecircs seres aos quais se refere como ldquoum Espiacuterito [hellip] um Senhor [hellip] um Deusrdquo (1Co 124-6 e Ef 44-60) Menciona os trecircs juntos em Romanos Efeacutesios Filipenses Colossenses 1 Tessalonicenses 2 Tessalonicenses 1 Timoacuteteo Tito Hebreus ou seja em 9 das 14 epiacutestolas

Por outro lado existem diversas passagens nas quais dois dos trecircs se-res aparecem como fonte comum de becircnccedilatildeos o Pai e o Filho por um lado (Rm 64 1Co 1524-28) Cristo e o Espiacuterito por outro (Rm 82 9 2Co 317 Gl 46 Fp 119)

Nas saudaccedilotildees e becircnccedilatildeos apostoacutelicas Paulo sempre menciona a ldquoDeus nosso Pairdquo e ldquoa nosso Senhor Jesus Cristordquo16 no entanto em 2 Coriacutentios 1313 (14) ele integra os trecircs ldquoA graccedila do Senhor Jesus Cristo o amor de Deus e a comunhatildeo do Espiacuterito Santo sejam com todos vocecircsrdquo

Eacute surpreendente a afirmaccedilatildeo feita aos coriacutentios quanto agrave relaccedilatildeo interna existente entre o Espiacuterito e Deus o Pai e o Pai com o Espiacuterito ldquoO Espiacuterito

15 Satildeo textos trinitaacuterianos que distinguem as trecircs pessoas da divindade como fontes de dons espirituais atributo que implica na unidade trina16 1 Co 13 2 Co 12 Gl 13 Ef 13 623-24 1 Ts 11 2 Ts 12 1 Tm 12 2 Tm 12 Tt 14

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sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 210) ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Tambeacutem eacute afirmado aos membros da igreja de Roma que

ldquoaquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuterito porque o Es-piacuterito intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

E quanto ao relacionamento interno existente entre o Espiacuterito e Jesus Cristo o Filho Os leitores de Coriacutentio satildeo advertidos de que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123)

Paulo se referindo aos crentes em Roma em um soacute versiacuteculo apresenta a relaccedilatildeo trina na vida do crente ldquovocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito se de fato o Espiacuterito de Deus habita em vocecirc E se algueacutem natildeo tem o Espiacuterito de Cristo natildeo pertence a Cristordquo (Rm 89) Eacute notaacutevel a siacutentese das accedilotildees trinas relacionadas na vida do crente Deus Cristo e o Espiacuterito atuam na vida de quem estaacute em Jesus A accedilatildeo trina eacute vida no crente vida que provem da accedilatildeo do Deus trino O que eacute muito sugestivo pois usa a mesma estrutura e organizaccedilatildeo literaacuteria dos primeiros oito capiacutetulos da carta aos Romanos nos quais eacute exposto o tema da salvaccedilatildeo e santificaccedilatildeo pela feacute Parece existir um pa-dratildeo claramente trinitaacuterio o juiacutezo de Deus o Pai sobre o pecado (118-320) a obra expiatoacuteria do Filho pela qual Deus justifica e santifica (321-725) e a liberdade e guia do Espiacuterito (81-39)

Uma estrutura semelhante se encontra na epiacutestola aos Gaacutelatas A NVI intitula os versos 326-47 como ldquoFilhos de Deusrdquo 51-15 de ldquoLivres em Cristordquo e 516-26 por ldquoVida pelo Espiacuteritordquo o que caminha na direccedilatildeo da afirmativa de que para Paulo Deus eacute um mas tambeacutem eacute trecircs Efeacutesios 218 afirma que ldquopor meio dele tanto noacutes como vocecircs temos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo o que parece ser uma clara premissa paulina por meio de Cristo ao Pai atraveacutes do Espiacuterito Assim a evidecircncia paulina para a concep-ccedilatildeo trinitaacuteria de Deus poderia ser sintetizada em trecircs grupos de passagens

B No primeiro grupo eacute apresentado um trinitarianismo ex professo Por exemplo em sua benccedilatildeo de 2 Coriacutentios 1314 Paulo envolve a Deus ao Senhor Jesus Cristo e ao Espiacuterito Santo sem fazer nenhu-ma distinccedilatildeo entre essas trecircs pessoas Portanto parece razoaacutevel afirmar que ele os percebe como Pessoas coiguais

B No segundo grupo de passagens Paulo apresenta uma forma triacuteade Em Efeacutesios 44-6 faz menccedilatildeo de ldquoum soacute Espiacuterito [hellip] um soacute Senhor [hellip]

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um soacute Deus e Pairdquo Em 1Coriacutentios 123-6 cada Pessoa eacute introduzida com o artigo ldquoumrdquo na sequecircncia de maneira parecida com Efeacutesios 4 Em uma referecircncia mais indireta as trecircs pessoas satildeo mencionadas tam-beacutem em Efeacutesios 13-14

B No terceiro grupo de textos paulinos as trecircs pessoas satildeo menciona-das juntas mas sem nenhuma estrutura triacuteade clara Um bom exemplo disso eacute Gaacutelatas 44-6 ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filhordquo (o mesmo ocorre em Rm 81ss 2Ts 213ss e Tt 34-6)

Os trecircs satildeo DeusEmbora natildeo haja dificuldades em perceber que o primeiro teoacutelogo do

periacuteodo neotestamentaacuterio descreve o Espiacuterito e o Filho como sendo total-mente Deus haacute os que argumentam contra a divindade do Espiacuterito Santo

Argumenta-se que nos textos trinitaacuterios paulinos o Espiacuterito aparece apenas junto ao Pai eou ao Filho (Rm 1519 2 Co 1313 [14] Ef 221-22 44-6 Fp 33 Hb 23-4 64-6 914 1029-31) Jaacute foi mencionado que existem textos nos quais se incluem dois membros da Trindade por um lado o Pai e o Filho (Rm 64 1Co 1524-28) por outro o Filho e o Espiacute-rito (Rm 1530 1Co 611 Fp 21 Hb 1029) onde ambos o Filho e o Es-piacuterito satildeo dispostos de forma igualitaacuteria a Deus Seria estranho considerar nestes textos um dos seres como natildeo tendo total divindade Aleacutem disso Paulo cita textos do Antigo Testamento que se referem a Yahweh e os aplica ao Espiacuterito Santo (exemplos Jr 3133-34 em Hb 1015-17 Ecircx 251 em Hb 98 Sl 957-11 em Hb 37-11 Is 644 em 1Co 29) O Espiacuterito derrama a graccedila amor divino ao crente (Rm 55 1530 2Co 66 Gl 516-17 Fp 21 Cl 18) e eacute poder de Deus (Rm 1513 19)

De igual forma ao Pai e ao Filho o Espiacuterito eacute eterno (Hb 914) onis-ciente (1Co 210-11) e eacute chamado de santo17 o que implica que sua san-tidade eacute a de Deus e por isso natildeo derivada das criaturas Como o Filho o Espiacuterito realiza atos que correspondem a Deus Eacute doador da vida tanto fiacutesica como espiritual (Rm 811 1Co 1545 2Co 36) testemunha da ado-ccedilatildeo do crente como filho de Deus (Rm 815) Atraveacutes dele o crente eacute lavado justificado e santificado (1Co 611) O Espiacuterito outorga dons espirituais

17 Rm 55 91 1417 1513 16 1Co 619 (2x) 2Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 1015

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(1Co 126-11) para servir na missatildeo divina de salvar Dele eacute a fonte de ins-piraccedilatildeo da Bibliacutea (2Tm 316)

Pai Filho e Espiacuterito Santo trecircs pessoas distintasPara Paulo o Pai o Filho e o Espiacuterito satildeo seres ou pessoas distintas Eacute

comum concordar que o Pai e o Filho sejam pessoas diferentes mas vaacuterios teoacutericos questionam se o Espiacuterito seria uma terceira pessoa relacionada com o Pai e com o Filho ou se seria apenas uma forccedila ou poder impessoal que se associa a Deus ou mesmo emana dele O Espiacuterito eacute relacionado com o poder de Deus (Rm 14 1513 19 1Co 24 2Co 66-7 1Ts 15 2Tm 17) o qual nunca eacute impessoal Ele natildeo apenas representa o poder de Deus mas tambeacutem sua sabedoria (1Co 24 1218 Ef 117)

Note como Paulo apresenta o Pai o Filho e o Espiacuterito em accedilatildeo trina embora sejam seres diferentes ao explicar aos Efeacutesios sobre a revelaccedilatildeo do ldquomisteacuterio de Cristordquo

Certamente vocecircs ouviram falar da responsabilidade imposta a mim em favor de vocecircs pela graccedila de Deus isto eacute o ministeacuterio que me foi dado a conhecer por revelaccedilatildeo [dativo instrumental - inspi-rador] como jaacute lhes escrevi em poucas palavras [hellip] Esse ministeacuterio natildeo foi dado a conhecer aos homens doutras geraccedilotildees mas agora foi revelado pelo Espiacuterito aos santos apoacutestolos e profetas de Deus significando que diante do evangelho os gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da pro-messa em Cristo Jesus (Ef 32-6)

A principal funccedilatildeo ou papel do Espiacuterito eacute fazer conhecido o plano de Deus em Cristo o misteacuterio revelado E tambeacutem mostrar o Filho depois da ascensatildeo porque ldquoningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123) Paulo demonstra que a obra salvadora de Jesus se relaciona diretamente com o ministeacuterio do Espiacuterito Santo e vice e versa Cristo ofereceu seu sacrifiacutecio expiatoacuterio pelos pecados da humanidade (Rm 86-8) e aplica os meacuteritos desse sacrifiacutecio por meio do ministeacuterio sacerdotal no santuaacuterio celestial (Hb 725) poreacutem eacute o Espiacuterito que faz eficaz o que realiza o Salvador do mundo (1Co 123)

O Espiacuterito prepara o caminho para a conversatildeo convencendo a cada in-diviacuteduo do pecado da justiccedila e do juiacutezo levando-lhe ao pleno conhecimento de Jesus e do evangelho (1Co 123) Produz arrependimento (Rm 24) gera feacute

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(1Co 129 Rm 123) e novo nascimento (Tt 35) sela o crente (Ef 113) teste-munhando que este pertence a Deus (Ef 114 2Co 121-22 55 Rm 822-23 Ef 430) produz crescimento (Gl 516 22 23) santificaccedilatildeo (Ro 83 5-10 1Co 611 2Ts 213) e serviccedilo (1Co 12 2Co 36) Neste processo de tornar efi-caz a obra de Cristo o Espiacuterito revela interpreta inspira fala testemunha envia conhece ensina guia intercede o que Paulo deixa claro em suas epiacutes-tolas ao usar πνεῡμα de forma nominativa genitiva acusativa e dativa

Πνεūμα em caso nominativo18

Usando o caso nominativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacute-rito realiza accedilotildees determinadas e especiacuteficas num fluxo do tempo e da histoacuteria

E dito aos crentes de Roma que ldquoo Espiacuterito de Deus viverdquo neles cuja evidecircncia eacute que ldquoentretanto vocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuteritordquo (Rm 89-11)

Aos coriacutentios eacute dito que ldquosatildeo santuaacuterios de Deusrdquo e como tais ldquoo Es-piacuterito de Deus habitardquo neles (1Co 316) que ldquoo proacuteprio Espiacuterito testemunha ao nosso espiacuterito que somos filhos de Deusrdquo (Rm 816) e ldquonos ajuda em nossa fraquezardquo intercedendo ldquopor noacutes com gemidos inexprimiacuteveisrdquo (Rm 826) assim como ldquosonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profun-das de Deusrdquo (1Co 210) pois ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Eacute dito tambeacutem que ldquoo Espiacuterito eacute o mesmordquo embora os dons que outorgue sejam diversos (1Co 124) sendo que ldquoo Espiacuterito [hellip] distribui individualmente a cada um como querrdquo (1Co 1211) ldquoVivificardquo o crente (2Co 36) e ldquoonde estaacute o Espiacuterito do Senhor19 ali haacute liberdaderdquo (2 Co 317)

Paulo lembra aos Gaacutelatas de que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (Gl 517) a Timoacuteteo eacute dito que ldquoo Espiacuterito diz claramente que nos uacuteltimos tempos alguns abandonaratildeo a feacute e seguiratildeo espiacuteritos enganadores e doutrinas de democircniosrdquo (1Tm 41) jaacute aos Hebreus eacute afirmado que ldquoassim como diz o Espiacuterito Santo hoje se vocecircs ouvirem a sua voz natildeo endureccedilam o coraccedilatildeo como na rebeliatildeo durante o tempo da provaccedilatildeo no desertordquo de Cades Barnea (Hb 37 8) e tambeacutem que o Espiacuterito Santo nos testifica a

18 Nesse caso πνεῡμα funciona como sujeito indicando quem faz a accedilatildeo verbal ou como nuacutecleo do predicado nominal descrevendo o sujeito da oraccedilatildeo19 Para Dunn o ldquolsquoEspiacuterito do Senhorrsquo aqui eacute o Espiacuterito de Deus = lsquoo Senhorrsquo de Ecircxodo 3434rdquo (DUNN 1998b p 419-425)

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respeito da nova alianccedila que Jeovaacute prometeu realizar ldquoPorei minhas leis em seu coraccedilatildeo e as escreverei em sua mente [hellip] Dos seus pecados e iniquida-des natildeo me lembrarei maisrdquo (Hb 1015-17)

Πνεūμα em caso genitivo20

Usando o caso genitivo Paulo faz afirmaccedilotildees nas quais se descreve o Espiacuterito como sendo origem fonte procedecircncia ou posse de algum bem coisa ou serviccedilo

Aos Romanos ele declara que ldquoem Cristordquo o ldquoEspiacuterito de vidardquo (geni-tivo - posse) liberta da lei do pecado e da morte (Rm 82) que ldquoquem vive de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (genitivo - procedecircncia) (Rm 85) jaacute que a ldquomentalidade do Espiacuterito (geni-tivo - procedecircncia) eacute vida e pazrdquo (Rm 86) acrescenta que os que tecircm ldquoos primeiros frutos do Espiacuteritordquo (genitivo - posse) aguardam a redenccedilatildeo de seus corpos (Rm 823) e que ldquoAquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) o qual ldquointercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

Aos Coriacutentios o apoacutestolo lhes informa que natildeo lhes falou nem pregou ldquoem palavras persuasivas de sabedoria mas consistiram em demonstraccedilatildeo do poder do Espiacuterito (genitivo - procedecircncia) para que a feacuterdquo deles ldquonatildeo se baseasse em sabedoria humana mas no poder de Deusrdquo (1Co 24 5) isto eacute

ldquonatildeo com palavras ensinadas pela sabedoria humana mas com palavras en-sinadas pelo Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (1Co 213) que ldquoquem natildeo tem o Espiacuterito natildeo aceita as coisas que vem do Espiacuterito de Deus (genitivo - procedecircncia) pois lhes satildeo loucurardquo (1Co 214) Ainda abordando a Igreja de Corinto Paulo menciona que ldquoo corpordquo fiacutesico do crente eacute um ldquotemplo do Espiacuterito Santo (genitivo - posse) [hellip] dado por Deusrdquo (1Co 619) ele diz tambeacutem que ldquoa cada um poreacutem eacute dada a manifestaccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) para o bem comum (1Co 127) Aleacutem disso Paulo assinala que Deus tem ldquodado o penhor do Espiacuterito (genitivo - posse) em nossos coraccedilotildees como garantia do que estaacute por virrdquo (2Co 122 55 [geni-tivo - posse]) Ele acrescrenta que Deus daacutendo-nos o Espiacuterito ldquonos fez competentes como ministros de uma nova alianccedila natildeo da letra mas do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (2Co 36) Para Paulo ldquoo ministeacuterio do

20 Neste caso πνεῡμα descreve (no sentido de possessatildeo origem procedecircncia) define e limita o substantivo o adjetivando ou o qualificando

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Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) eacute mais glorioso que o ministeacuterio da letra (2Co 38) O apoacutestolo termina sua segunda carta aos Coriacutentios desejando que ldquoa comunhatildeo do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) seja com todos (2Co 1313 [14])

Aos Gaacutelatas lhes faz lembrar que ldquomediante a feacuterdquo se recebe ldquoa pro-messa do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Gl 314) Indica-lhes que ldquoo fruto do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute amor alegria paz paciecircncia ama-bilidade bondade fidelidade mansidatildeo e domiacutenio proacutepriordquo (Gl 522) Jaacute com os Efeacutesios os desafia a se esforccedilarem ldquopara conservar a unidade do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Ef 43) e revela que ldquoa espada do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute a palavra de Deusrdquo (Ef 617) No caacutercere confessa aos Filipenses que se alegra em suas prisotildees porque sabe que graccedilas a suas oraccedilotildees e ldquoao auxiacutelio do Espiacuterito de Jesus Cristordquo (genitivo - procedecircncia) tudo resultaraacute em libertaccedilatildeo (Fl 119)

Aos de Tessalocircnica reconhece que apesar de muitas afliccedilotildees ldquorecebe-ram a palavra com a alegria que vem do Espiacuterito Santordquo (genitivo - proce-decircncia) (1Ts 16) Agradece a Deus porque ldquodesde o princiacutepio Deus os es-colheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espiacuterito (genitivo

- procedecircncia) e a feacute na verdaderdquo (2Ts 213) E na carta a Tito disse que Deus ldquonos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) (Tt 35)

O uso de πνεῡμα no caso genitivo com preposiccedilotildees eacute revelador Paulo diz aos de Roma que ldquoDeus derramou seu amor em nossos coraccedilotildees por meio do Espiacuterito Santo (genitivo - descriccedilatildeo) que Ele nos concedeurdquo (Rm 55) e Deus ldquodaraacute vidardquo aos ldquocorpos mortais por meio do Espiacuteritordquo (geniti-vo - descriccedilatildeo) (Rm 811) entatildeo deseja que ldquoo Deus da esperanccedila os encha de toda alegria e paz por sua confianccedila nEle para que vocecircs transbordem de Esperanccedila pelo poder do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) (Rm 1513) Tam-beacutem recomenda que ldquopor nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) se unam com o apoacutestolo em sua missatildeo orando a Deus por ele (Rm 1530)

A igreja em Corinto lhes declara que embora ldquoolho nenhum viu ouvi-do nenhum ouviu mente humana nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam [hellip] Deus o revelou a noacutes por meio do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) O Espiacuterito sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 29-10)

Aos Gaacutelatas diz que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (ge-nitivo - descriccedilatildeo) (Gl 517) que ldquoquem semeia para o Espiacuterito (genitivo

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- descriccedilatildeo) do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) colheraacute a vida eternardquo (Gl 68) Para os de Eacutefeso informa que pede ao Pai que ldquocom suas gloriosas riquezas [hellip] por meio do seu Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) fortaleccedila o iacutentimo do ser deles (Ef 314-16) Recomenda a Timoacuteteo que ldquopor meio do Espiacuterito Santordquo (genitivo - descriccedilatildeo) cuide dos preciosos ensinamentos que lhe foi confiado (2Tm 114)

Πνεūμα em caso acusativo21

Usando o caso acusativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Es-piacuterito estaacute envolvido em accedilotildees especiacuteficas no fluxo do tempo e da histoacuteria

Ele afirma aos membros de Corinto que ldquonatildeo recebemos o espiacuterito do mundo mas o Espiacuterito procedente de Deus para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamenterdquo (1Co 212) Pergunta aos Gaacutelatas

ldquofoi pela praacutetica da Lei que vocecircs receberam o Espiacuterito ou pela feacute naquilo que ouviram [hellip] Aquele que lhes daacute o seu Espiacuterito e opera milagres entre vocecircs realiza estas coisas pela praacutetica da Lei ou pela feacute com a qual receberam a palavrardquo (Gl 32 5) Diz-lhes que ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filho ao coraccedilatildeo de vocecircs e Ele clama Aba Pairdquo (Gl 46)Paulo exorta os Efeacutesios que ldquonatildeo entristeccedilam o Espiacuterito Santo de Deus com o qual vocecircs foram se-lados para o dia da redenccedilatildeordquo (Ef 430) Aos Tessalonicenses diz que aquele que rejeita o chamado agrave santidade ldquonatildeo estaacute rejeitando o homem mas a Deus que lhes daacute seu Espiacuterito Santordquo e lhes exorta ldquonatildeo apaguem o Es-piacuteritordquo (1Ts 48 519) Aos destinataacuterios da homilia aos Hebreus pergunta

ldquoQuatildeo mais severo castigo julgam vocecircs merece aquele que pisou aos peacutes o Filho de Deus profanou o sangue da alianccedila pelo qual ele foi santificado e insultou o Espiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

Numa construccedilatildeo preposicional no caso acusativo Paulo afirma aos leitores Romanos que ldquoo Evangelho fala do Filho [de Deus]rdquo o qual de acor-do com a natureza humana era descendente de Davi mas que ldquomediante o Espiacuterito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder pela sua ressur-reiccedilatildeo entre os mortosrdquo (Rm 14) e que ldquoDeus [hellip] enviando seu proacuteprio Fi-lho [hellip] como oferta pelo pecado [hellip] a fim de que as justas exigecircncias da Lei fossem plenamente satisfeitas em noacutes que natildeo vivemos segundo a carne mas segundo o Espiacuteritordquo E declara que aqueles ldquovivem de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (Rm 83-5)

21 Neste caso πνεῡμα eacute o objeto direto do verbo complementando seu significado

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Πνεūμα em caso dativo22

Usando o caso dativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacuterito eacute o lugar meio agencia ou instrumento do qual utiliza o sujeito para realizar certa accedilatildeo expressada pelo verbo

Aos leitores em Roma afirma que eles ldquonatildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito (locativo - esfera) se de fato o Espiacuterito de Deus ha-bitardquo neles (Rm 89) portanto ldquose pelo Espiacuterito (instrumental - agente) fi-zerem morrer os atos do corpo viveratildeordquo (Rm 813) Afirma tambeacutem que

ldquotodos os que satildeo guiados pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) satildeo filhos de Deusrdquo (Rm 814) Paulo confessa que tem ldquouma grande tristezardquo e

ldquoconstante angustiardquo pois desejaria ser ldquoamaldiccediloado e separado de Cristo por amorrdquo de seus ldquoirmatildeosrdquo de sua proacutepria ldquoraccedila o povo de Israelrdquo ldquoNatildeo mintordquo disse Paulo ldquominha consciecircncia o confirma no Espiacuterito Santordquo (lo-cativo - esfera) (Rm 91-4)

Em exortaccedilatildeo pede que ldquoaceitem o que eacute fraco na feacuterdquo e explica que ldquoo Reino de Deus natildeo eacute comida nem bebida mas justiccedila paz e alegria no Es-piacuterito Santordquo (instrumental - agente) Tambeacutem acrescenta que ldquoaquele que assim serve a Cristo eacute agradaacutevel a Deus e aprovado pelos homensrdquo (Rm 14 1 17 18) Como ministros dos gentios Paulo manifesta a seus leitores em Roma que tem ldquoo dever sacerdotal de proclamar o evangelho de Deus para que os gentios se tornem uma oferta aceitaacutevees a Deus santificados pelo Espiacuterito Santordquo (Rm 1516)

Em sua correspondecircncia aos crentes em Corinto Paulo destaca a fun-ccedilatildeo instrumental do Espiacuterito ao fazer com que venham a entender em ter-mos categoacutericos que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus (instrumental

- inspirador) diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) (1Co 123) Referindo-se aos dons espirituais ele declara que Deus daacute a alguns ldquofeacute pelo mesmo Espiacuterito A outros dons de curar pelo uacutenico Espiacuteritordquo (instrumental

- agente) (1Co 129) ldquoTodosrdquo afirma o apoacutestolo ldquoem um soacute corpo fomos batizados em um uacutenico Espiacuterito (locativo - elemento) quer judeus quer gre-gos quer escravos quer livresrdquo (1Co 1213)

Paulo declara que ldquoquem fala em uma liacutengua natildeo fala aos homens mas a Deus De fato ningueacutem entende em Espiacuterito (instrumental - modo)

22 Neste caso πνεῡμα expressa lugar agecircncia ou instrumento com o qual se faz algo Indica o instrumento o meio do que se utiliza o sujeito para realizar uma accedilatildeo verbal

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fala misteacuteriosrdquo(1Co 142) Ele reconhece que os coriacutentios satildeo ldquouma carta de Cristo [hellip] escrita natildeo com tinta mas com o Espiacuterito do Deus vivo (ins-trumental - agente) natildeo em taacutebuas de pedra mas em taacutebuas de coraccedilotildees humanosrdquo (2Co 33) a eles mostra que o testemunho serve com ldquopureza conhecimento paciecircncia e bondade no Espiacuterito Santo (dativo - acampa-nhamento) e no amor sincerordquo (2Co 66)

Pergunta aos Gaacutelatas em processo de apostasia ldquodepois de ter comeccedila-do pelo Espiacuteritordquo (instrumental - agente) ldquoquerem agora se aperfeiccediloar pelo esforccedilo proacutepriordquo(Gl 33) a quem recomenda ldquoVivam pelo Espiacuteritordquo (ins-trumental - agente) (Gl 516) porque ldquose vocecircs guiados pelo Espiacuterito (ins-trumental - agente) natildeo estatildeo debaixo da Leirdquo (Gl 518) Por fim os exorta que se deixem guiar pelo Espiacuterito (instrumental - agente) jaacute que o Espiacuterito eacute vida (instrumental - agente) (Gl 525)

Paulo lembra aos crentes de Eacutefeso que quando ouviram e creram na palavra da verdade ldquoforam selados em Cristo com o Espiacuterito Santordquo (instru-mental - elemento) (Ef 113) Declara que atraveacutes de Cristo ldquotemos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo (locativo - esfera) (Ef 218) por cujo Espiacuterito (locativo - esfera) ldquoestatildeo sendo edificados juntos para se tornarem morada de Deus por seu Espiacuteritordquo (Ef 222) Passa a explicar que o misteacuterio de Jesus o plano da graccedila de Deus era oculto a outras geraccedilotildees mas ldquofoi revelado pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) ldquoos gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesusrdquo (Ef 32-6) Portanto ldquonatildeo se embriaguem com vinho que leva a li-bertinagem mas deixem-se encher pelo Espiacuteritordquo (instrumental - elemento) (Ef 518) Finalmente lhes aconselha a empunhar um elemento relevante da armadura cristatilde ldquoOrem no Espiacuterito (instrumental - inspirador) em todas as ocasiotildees com toda oraccedilatildeo e suacuteplicardquo (Ef 618)

Paulo exorta aos irmatildeos filipenses em termos metafoacutericos muito duros em razatildeo da dissidecircncia ldquoCuidado com os lsquocatildeesrsquo cuidado com esses que praticam o mal cuidado com a falsa circuncisatildeordquo e explica o porque ldquopois noacutes eacute que somos a circuncisatildeo noacutes que adoramos pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) que nos gloriemos em Cristo Jesus e natildeo temos confianccedila alguma na carnerdquo (Fl 32-3) Acerca do Deus encarnado Jesus Cristo o ldquogrande misteacuterio da piedaderdquo Paulo diz a Timoacuteteo ldquoDeus foi manifestado em corpo justificado no Espiacuterito (locativo - esfera)rdquo(1Tm 316) Quem eacute esse do qual Paulo fala em suas epiacutestolas Quem eacute Ele Nessas epistolas Ele eacute o protagonista e responsaacutevel de atos histoacutericos em quem se originam certas realidades e do qual procedem outras Ele eacute o agente instrumental Afinal quem eacute Ele

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Consideraccedilotildees finaisDepois de ter explorado parcialmente o uso teoloacutegico de πνεῡμα nas

epiacutestolas paulinas pode-se concluir que

1) A maioria das afirmaccedilotildees teoloacutegicas de Paulo ao usar πνεῡμα anali-sadas mais detidamente em seu contexto histoacuterico literaacuterio e teoloacutegico parecem ser axiomaacuteticas Satildeo proposiccedilotildees maacuteximas ou verdades que o apoacutestolo assume mas natildeo explica embora constituam um fundamento de sua pneumatologia a subestrutura de seu pensamento

2) Paulo eacute trinitaacuterio Entende que Deus eacute verdadeiramente um embora sejam trecircs Os trecircs satildeo plenamente Deus Cada um dos trecircs eacute diferente dos outros Os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente como Pai Filho e Espiacuterito Santo

3) Paulo chama o Espiacuterito Santo de ldquoEspiacuterito de Deusrdquo e ldquoEspiacuterito de Cristordquo o que pressupotildee a divindade do Espiacuterito a existecircncia de trecircs seres distintos e a unidade trina em natureza propoacutesito e missatildeo

4) O Espiacuterito Santo eacute para Paulo um ser real histoacuterico e atual Natildeo uma simples forccedila ou um poder vago efeito ou energia impessoal Eacute a presenccedila pessoal e plena de Deus que habita em seu povo

5) A possessatildeo plena do Espiacuterito Santo soacute eacute possiacutevel ldquoem Cristordquo Natildeo eacute uma possessatildeo da humanidade em geral

6) O Espiacuterito Santo eacute o agente divino na missatildeo evangeacutelica do corpo de Cristo capacitando o instrumento humano na transmissatildeo da mensa-gem confirmando a verdade nos ouvintes transformando seus cora-ccedilotildees e assegurando-lhes que satildeo filhos de Deus

7) Todo crente em Cristo expressa agrave presenccedila visiacutevel do Espiacuterito Santo pelas suas atitudes forma de pensar falar e agir

8) O Espiacuterito Santo conduz o crente a uma vida em santidade e teste-munho desenvolvendo uma dimensatildeo eacutetica moral e espiritual que eacute unicamente possiacutevel por meio dele

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9) Pela razatildeo de que o crente eacute membro do corpo de Cristo tem uma funccedilatildeo especiacutefica outorgada pelo Espiacuterito um ministeacuterio particular para executar em missatildeo

10) As accedilotildees do Deus trino na histoacuteria da salvaccedilatildeo eacute a pressuposiccedilatildeo hermenecircutica fundamental na interpretaccedilatildeo e compreensatildeo do uso teoloacutegico de πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas

No contexto do grande conflito Paulo expotildee uma clara compreensatildeo trinitaacuteria e fundamental do plano de salvaccedilatildeo Cristo eacute a figura central o grande protagonista no ato da salvaccedilatildeo o cordeiro providenciado por Deus que tira os pecados do mundo sentado aacute destra da Majestade nas al-turas eacute o sumo sacerdote rei e juiz ministro no Santuaacuterio Celestial autor e consumador da salvaccedilatildeo

Enquanto o Filho eacute redentor em seu sacerdoacutecio expiatoacuterio pleno o Es-piacuterito permite agrave humanidade descobri-lo se apropriar da salvaccedilatildeo oferecida reconhececirc-lo como Senhor (1Co 123) e restaurar sua plena relaccedilatildeo com Deus (Ef 218) No entanto as origens desta histoacuteria de salvaccedilatildeo como sua execuccedilatildeo provecircm das matildeos de Deus o Pai o qual ldquotudo sujeitou debaixordquo dos peacutes de Cristo ldquoQuando poreacutem tudo lhe estiver sujeito entatildeo o proacuteprio Filho se sujeitaraacute agravequele que todas as coisas lhe sujeitaram afim de que Deus seja tudo em todosrdquo (1Co 1527-28)

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Enviado dia 06112012Aceito dia 20122012

144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja

The 144000 their identity and purpose for the church

Mabio Coelho1

ResumoAbstract

Muito se fala sobre os 144 mil o misterioso grupo introduzido no capiacute-tulo 7 de Apocalipse As especulaccedilotildees e teorias sobre esse grupo tecircm fascinado os estudiosos da Biacuteblia atraveacutes dos seacuteculos Sem se deter

muito em todas as vaacuterias teorias este artigo resume as teorias mais conhecidas aglutinando-as em 4 grandes grupos para entatildeo introduzir quais caracteriacutesticas deste grupo satildeo autoevidentes no texto Biacuteblico e a relaccedilatildeo que elas tecircm com a Igreja hoje vivendo nos momentos finais do tempo do fimPalavras-chave 144 mil Igreja Identidade

Much is said about the 144000 the mysterious group introduced in Chap-ter 7 of Revelation Speculation and theories about this group have fas-cinated scholars of the Bible through the centuries Without dwelling

much in all the various theories this article summarizes the best known theories coalescing them into 4 groups to outline which characteristics of this group are self-evident in the Biblical text and the relationship they have with the Church today living in the final moments of the end-timeKeywords 144000 Church Identity

O capiacutetulo sete de Apocalipse eacute um capiacutetulo parenteacutetico exatamente entre os eventos catacliacutesmicos do sexto e seacutetimo selo que narra uma cena

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Engenheiro de Telecomunicaccedilotildees com Mestrado em Engenharia de Software pela SIACSMU (Southern Methodist University) e Doctor of Professional Studies (DPS) em Seguranccedila de Informaccedilatildeo pela SICACPace

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escatoloacutegica muito significativa o selamento dos 144 mil Atraveacutes dos seacutecu-los a identificaccedilatildeo deste grupo tem deixado perplexos os leitores que bus-cam uma identificaccedilatildeo positiva e inequiacutevoca

Natildeo eacute o propoacutesito deste artigo esgotar o assunto dos 144 mil mas pro-curar prover informaccedilotildees relevantes para identificaacute-los extraindo suas ca-racteriacutesticas principais e procurando descobrir como eles se relacionam com o propoacutesito de Deus para sua Igreja Assim seratildeo revistos de maneira breve as principais teorias sobre este grupo para entatildeo se examinar com mais pro-fundidade ndash mesmo que natildeo se chegue a uma identificaccedilatildeo total e inequiacute-voca ndash as caracteriacutesticas dos ldquoseladosrdquo que podem ser compreendidas de maneira clara agrave luz das Escrituras As perguntas a serem respondidas satildeo 1) Quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que permitem tra-ccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil e 2) Qual eacute a sua relaccedilatildeo com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje

O textoA periacutecope analisada vai de Apocalipse 71 ateacute 717 Essa delimitaccedilatildeo

foi deduzida do fluxo natural do texto pois desde Apocalipse 61 ateacute 617 uma sucessatildeo de eventos acontecem como consequecircncia da abertura de cada um dos seis primeiros selos dos sete descritos no comeccedilo da sequecircncia A sequecircncia eacute interrompida entre o sexto e o seacutetimo selo como num interluacutedio no capiacutetulo sete

Ao analisarmos o texto grego encontrou-se 39 variantes2 natildeo tra-zendo alteraccedilotildees significativas no texto que modificassem o entendimen-to da identidade e das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil Como texto-base para este artigo seraacute utilizada a versatildeo Joatildeo Ferreira de Almeida Revista e Atualizada (ARA)

Depois disto vi quatro anjos em peacute nos quatro cantos da ter-ra conservando seguros os quatro ventos da terra para que ne-nhum vento soprasse sobre a terra nem sobre o mar nem sobre aacutervore alguma Vi outro anjo que subia do nascente do sol tendo o selo do Deus vivo e clamou em grande voz aos quatro anjos

2 9 variantes no verso 1 1 no verso 2 5 no verso 3 1 em cada um dos versos 4567 e 8 6 no verso 9 3 no verso 10 1 no verso 12 1 no verso 13 4 no verso 14 1 em cada um dos versos 15 e 16 e 2 no verso 17

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aqueles aos quais fora dado fazer dano agrave terra e ao mar dizendo Natildeo danifiqueis nem a terra nem o mar nem as aacutervores ateacute selarmos na fronte os servos do nosso Deus Entatildeo ouvi o nuacute-mero dos que foram selados que era cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos dos filhos de Israel da tribo de Judaacute foram selados doze mil da tribo de Ruacuteben doze mil da tribo de Gade doze mil da tribo de Aser doze mil da tribo de Naftali doze mil da tribo de Manasseacutes doze mil da tribo de Zebulom doze mil da tribo de Joseacute doze mil da tribo de Benjamim foram selados doze mil Depois destas coisas vi e eis grande multidatildeo que ningueacutem podia enumerar de todas as naccedilotildees tribos povos e liacutenguas em peacute diante do trono e diante do Cordeiro vestidos de vestiduras brancas com palmas nas matildeos e clamavam em grande voz dizendo Ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeiro pertence a salvaccedilatildeo Todos os anjos estavam de peacute rodeando o trono os anciatildeos e os quatro seres viventes e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto e adoraram a Deus di-zendo Ameacutem O louvor e a gloacuteria e a sabedoria e as accedilotildees de graccedilas e a honra e o poder e a forccedila sejam ao nosso Deus pe-los seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem Um dos anciatildeos tomou a palavra dizendo Estes que se vestem de vestiduras brancas quem satildeo e donde vieram Respondi-lhe meu Senhor tu o sabes Ele en-tatildeo me disse Satildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeo lava-ram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro razatildeo por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuaacuterio e aquele que se assenta no trono es-tenderaacute sobre eles o seu tabernaacuteculo Jamais teratildeo fome nunca mais teratildeo sede natildeo cairaacute sobre eles o sol nem ardor algum pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentaraacute e os guiaraacute para as fontes da aacutegua da vida E Deus lhes enxugaraacute dos olhos toda laacutegrima (Ap 11-17)

Contexto histoacutericoO autor do Apocalipse identifica-se vaacuterias vezes como ldquoJoatildeordquo (ver

Ap 11 4 9 228) O autor tambeacutem afirma que estava na ilha de Pat-mos quando recebeu sua primeira visatildeo (Ap 119) Apesar de natildeo ser

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explicitamente nomeado entende-se que o autor do livro tenha sido o apoacutestolo Joatildeo isto por uma tradiccedilatildeo muito antiga que se harmoniza com as informaccedilotildees fornecidas pelo o texto biacuteblico O The Seventh-day Adven-tist Bible Commentary (SDABC) afirma

Quase por unanimidade a tradiccedilatildeo cristatilde reconhece-o como o autor do Apocalipse Na verdade todo escritor cristatildeo ateacute mea-dos do seacuteculo 3ordm cujas obras ainda existem hoje e que menciona o assunto de alguma forma atribui o Apocalipse de Joatildeo o apoacutes-tolo (NICHOL 2002 p 716)

Esses escritores satildeo Justino Maacutertir em Roma (c100-c165 dC em ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo) Irineu de Liatildeo (c130-c202 dC em ldquoContra as Heresiasrdquo v iv) Tertuliano de Cartago (c160-c240 dC em ldquoPrescriccedilatildeo contra Hereacuteticosrdquo) Hipoacutelito de Roma (morreu c220 dC em ldquoQuem eacute o homem rico seraacute salvordquo v Xlii) Eacute tambeacutem apoiado pelo testemunho desses autores que o livro foi escrito num contexto de perseguiccedilatildeo religiosa3

Contexto literaacuterioO livro do Apocalipse de acordo com a maioria dos especialistas tem

a forma literaacuteria de apocaliacuteptica biacuteblica (AUNE 2002 p lxxxii NICHOL 2002 p 724) Kenneth A Strand propotildee que o livro aleacutem de um proacutelogo e epiacutelogo possui oito visotildees principais dispostas numa estrutura quiaacutesti-ca enfatizando os capiacutetulos 14 e 15 como pivocirc central com um interluacutedio profeacutetico com exceccedilatildeo da primeira e da uacuteltima (STRAND 1992a) cada uma das visotildees satildeo introduzidas por cenas de vitoacuteria (ver NEAL 1992) Mesmo que alguns teoacutelogos e estudantes do livro de Apocalipse fiquem desconfortaacuteveis com a superutilizaccedilatildeo de ldquoquiasmosrdquo mesmo onde eles natildeo existam os paralelismos temaacuteticos em Apocalipse satildeo evidentes entre as visotildees estruturadas conforme sugeridas por Strand Em anos recentes foi proposto pelo teoacutelogo adventista Jacques Doukan que essas oito visotildees

3 Para um apanhado geral do debate sobre a autoria joanina de Apocalipse local e data da composiccedilatildeo veja a introduccedilatildeo do comentaacuterio sobre o livro do Apocalipse no SDABC (NICHOL 2002 p 715-720) para mais detalhes sobre a rejeiccedilatildeo da autoria joanina por uma parte significativa do escolasticismo moderno consulte a introduccedilatildeo do comentaacuterio de Apocalipse no World Biblical Commentary (AUNE 2002 p xlvii-lvi)

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baacutesicas poderiam ser agrupadas em uma estrutura seacutetupla pois cada cena introdutoacuteria ldquoretorna ao templo com uma nota lituacutergica que faz alusatildeo ao calendaacuterio das grandes festas santas de Israel (como prescrito em Leviacutetico 23)rdquo (DOUKHAN 2002 p 13-14)

Kenneth Strand procura delinear as influecircncias da estrutura literaacuteria e dos temas e siacutembolos veterotestamentaacuterios na interpretaccedilatildeo do livro do Apocalipse (STRAND 1992b p 28-24 24-25) Reinaldo Siqueira (2004 p 85-101) expande estas ideias sugerindo que o Apocalipse natildeo soacute utiliza-se de figuras to Antigo Testamento mas ajuda a explicar e definir o sentido das profecias claacutessicas ligando ambas claacutessica e apocaliacuteptica Estas ideias de fato natildeo satildeo de todo novas ou estranhas tanto entre cristatildeos de confissatildeo adventistas (ver NEAL 1992 PAULIEN 1995 TREIYER 1992 p 466-468) quanto evangeacutelicos (ver DRAPER 1983 LAacuteSZLOacute GALLUSZ 2011 p 122-124 SWEET 1979 ULFGARD 1989 p 2-5 35-41) e catoacutelicos (ver KOESTER 1989) Tais discussotildees da influecircncia dos motivos do santuaacuterio e festas de Israel natildeo satildeo estranhas ou novas ateacute mesmo seio do judaiacutesmo (SINGER ADLER 1912 p 390)

Com uma nota final sobre a estrutura geral do livro Richard Davidson (1992 p 115-116) salienta que as cenas introdutoacuterias quando comparadas umas com as outras mostram uma progressatildeo dos ldquoacontecimentos pro-feacuteticosrdquo enquanto as seccedilotildees que introduzem geralmente apresentam uma recapitulaccedilatildeo Sobre esses relacionamentos entre as seccedilotildees do livro de Apo-calipse Bruce Metzger (1994 p 55-54) mesmo concebendo uma estrutura literaacuteria diferente (por exemplo diferente agrupamento de visotildees) do que a proposta neste artigo sumariza

Seguindo esse padratildeo complicado e repetitivo Joatildeo preserva a unidade em seu trabalho travando as diversas partes umas as outras e ao mesmo tempo desenvolvendo seus temas O desen-volvimento poreacutem natildeo eacute de forma estritamente loacutegica como estamos familiarizados com a escrita ocidental eacute sim um pro-duto da mente semita que atravessa toda a imagem novamente e novamente Assim os sete selos e as sete trombetas essencial-mente a mesma coisa dizer cada vez enfatizando um ou outro aspecto do todo

A estrutura proposta desenvolvida com base nos princiacutepios menciona-dos acima estaacute ilustrada na proacutexima paacutegina por uma figura

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Figura 1 Estrutura do LivroTexto que sugerem paralelos na estrutura Quiaacutestica do ApocalipseCopilados pelo Dr K A Strand

A periacutecope esta inserida no terceiro bloco da estrutura proposta na Figura 1 acima

Estrutura da periacutecopeSugere-se a seguinte estrutura para a periacutecope estudada (Ap 7) I ndash Os 144 mil Selados e o Selo de Deus ndash 71-8 a) O Selo Protetor de Deus ndash 71-3 b) O selamento do povo de Deus ndash 74-8 II ndash O Povo de Deus Glorificado ndash 79-17 a) A visatildeo e o Cacircntico dos salvos ndash 79-12 b) A descriccedilatildeo dos salvos ndash 713-17 i ndash O Caraacuteter dos salvos ndash 713-15 ii ndash Promessas especiais aos salvos ndash 716-17

Textos paralelosApocalipse 141-5 apresenta-se como um claro paralelo das partes da

periacutecope estudada Outro paralelo natildeo tatildeo evidente que lanccedila luz sobre agrave

1113

178

A1Proacutelogo11-10a

A1

2735

312312314

27 11

B1Igreja

Militante110b-322

B1

A2

226227

221213

A2Epiacutelogo226-21

E

146 a 154

Suma Escatoloacutegica

Final

42465135662

61561179

71-3715717610

C1Accedilatildeo Divinaem Curso

41-81

C1 C2

1941916197919111918198213214192

C2Juiacutezo DivinoConcluiacutedo191-214

B2

22221272110224215217

B2Igreja

Triunfante215-225

D1

Advertecircnciaaos iacutempios82-1118

8788

81081292

9141115

PoderesOponentes a Deus e a Seu

Povo

1119-1420

1119121

123131

D2

Puniccedilatildeoaos iacutempios

PoderesOponentes

julgados por Deus

151-1617

162163164168

161016121617

1618-1824

161821171173

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identidade e o caraacuteter dos 144 mil eacute o capiacutetulo 9 de Ezequiel Ambos seratildeo brevemente abordados posteriomente para ldquoclarearrdquo o entendimento em re-laccedilatildeo ao caraacuteter dos 144 mil e o propoacutesito de Deus para sua Igreja

Motivos literaacuteriosO livro de apocalipse estaacute repleto de instacircncias que mostram como as

promessas da alianccedila sobre um futuro glorioso iratildeo se cumprir (SIQUEIRA 2004 p 98) O Capiacutetulo 7 desenvolve os temas do concerto introduzidos nos capiacutetulos anteriores (AUNE 2002 p 247)

Becircnccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedilaTanto no Pentateuco quanto no livro de Apocalipse o tema das

benccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedila estatildeo presentes delineando as con-sequecircncias da obediecircncia ou desobediecircncia (SHEA 1983) Como no Pentateuco o livro do Apocalipse inicia com a enunciaccedilatildeo da alian-ccedila ndash enfatizando basicamente 1) a bondade anterior do soberano e 2) estabelecendo a benevolecircncia do mesmo como parte das estipulaccedilotildees

ndash enquanto o resto do livro delineia o que acontece em consequecircncia do cumprimento ou violaccedilatildeo da alianccedila (STRAND 1983)

Na periacutecope estudada vemos os 144 mil de peacute no monte de Siatildeo en-quanto que no outro lado do quiasmo (veja a Figura 1) no capiacutetulo 19 a besta o falso profeta e os adoradores da besta satildeo lanccedilados no lago de fogo

TribulaccedilatildeoO capiacutetulo sete inicia a descriccedilatildeo de um periacuteodo na histoacuteria da terra onde

os ldquoquatro ventosrdquo estatildeo sendo seguros para que natildeo causassem nenhum mal ao soprar ldquona terra no mar ou em qualquer aacutervorerdquo (v 1-3) Na sequecircncia na segunda parte da periacutecope (v 14) encontra-se uma referecircncia agravequeles que escaparam da ldquogrande tribulaccedilatildeordquo provavelmente o mesmo evento descrito nos versos 1-3 apoacutes o acontecimento sob a perspectiva dos salvos

O vocaacutebulo grego utilizado eacute θλιψεως derivado de θλῖψις Pesqui-sando as ocorrecircncias do termo na LXX no contexto profeacutetico encontra-se a ocorrecircncia de uma construccedilatildeo muito similar em Daniel 121 que fala de um ldquotempo de anguacutestia qual nunca houve desde que houve naccedilatildeo ateacute agravequele tempordquo aparecendo no final da narrativa ldquoapocaliacutepticardquo de Daniel no con-texto do ataque final do rei do norte No sermatildeo profeacutetico conforme narrado por Mateus e Marcos Jesus faz referecircncia agrave ldquogrande tribulaccedilatildeordquo de Daniel

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aplicando-a primeiramente agrave destruiccedilatildeo do templo e a um periacuteodo posterior de perseguiccedilatildeo que se estende ateacute a sua volta (ver Mt 2415-30 Mc 1314-20)

Nestas passagens Jesus associa esta tribulaccedilatildeo com outro evento men-cionado por Daniel a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo como verte a Almeida Revista e Atualizada (ARA) ou o ldquogrande terrorrdquo como o faz a Nova Ver-satildeo Internacional (NVI) Segundo Beatrice Neal (1992 p 253 grifo nosso) Daniel identifica trecircs ocasiotildees onde a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo atingiria o templo e atacaria o povo de Deus bem como as analisa agrave luz do sermatildeo profeacutetico de Jesus

1) a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Dn 926-27) 2) a opressatildeo do povo da alianccedila quando eles seriam ldquomortos agrave espada ou no fogo ou seratildeo mandados para fora do paiacutes como prisioneiros ou perderatildeo todos os seus bensrdquo por ldquotempo dois tempos e metade de um tempordquo (1131-35 75) e 3) um ataque final no ldquotempo do fimrdquo (1140-121) Jesus parece misturar estes dois eventos claramente fazendo refe-recircncia para a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Mt 2415-20 cf Lc 2120) e para um periacuteodo posterior mais longo de perseguiccedilatildeo (Mt 2421 ver tambeacutem o ldquoapostasiardquo dos versiacuteculos 9-10 uma alusatildeo a Dn 113 b-35) Assim como a presenccedila dos romanos nas aacutereas sagradas de Jerusaleacutem marcaram o tempo do povo de Deus fugir nos tempos apostoacutelicos e o anticristo entronizando-se no temploigreja de Deus (2Te 23-4) marcou o um tempo de grande perseguiccedilatildeo na Idade Meacutedia assim do mesmo modo o ataque final de Satanaacutes contra a igreja do tempo do fim (Ap 1217 1315-17) precipitaraacute a grande tribulaccedilatildeo dos uacuteltimos dias

SelamentoAntes que esta ldquogrande tribulaccedilatildeordquo recaia sobre a Terra Joatildeo mostra ou-

tro anjo voando do oriente bradando em ldquoalta vozrdquo que nada fosse feito ateacute que o povo de Deus estivesse marcado na fronte (Ap 72-3) Nos tempos do Antigo Testamento especialmente no contexto da alianccedila selar ou marcar coisas e pessoas tinha diversos significados (ver FRIEDRICH 1976 p 939-953)

1) Propriedade a circuncisatildeo era uma marca de propriedade mostran-do que Israel pertencia ao Senhor (Gn 179-12) De modo anaacutelogo o sumo sacerdote de Israel tinha em sua mitra uma placa com a frase ldquoSantidade ao SENHORrdquo (Ecircx 2836-38) indicado sua especial consagraccedilatildeo a Deus No

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livro de Apocalipse por diversas vezes os santos satildeo chamados de ldquosacer-dotesrdquo (ver Ap 161 510 206) portanto a marca na fronte sugeriria sua dedicaccedilatildeo especial a Deus

2) Proteccedilatildeo desde os tempos antigos o objeto ou a pessoa que fosse to-mado como propriedade imediatamente ficava sob proteccedilatildeo Talvez a ocor-recircncia mais antiga de um selo com essa funccedilatildeo seja o selamento de Caim (Gn 415) Em Ecircxodo 12 haacute outro exemplo onde o sangue do cordeiro mar-cava e dava proteccedilatildeo aos primogecircnitos contra o Anjo da morte (Ecircx 1212-13) A esse respeito o livro de Ezequiel apresenta uma cena muito similar agrave de Apocalipse 71-3 tanto no aspecto temporal (ambas parecem situar-se em uma cena de juiacutezo do Dia da expiaccedilatildeo) quanto nas figuras utilizadas Em Ezequiel 9 o selamento na fronte dos fieis protege-os dos anjos executores do juiacutezo de Deus (Ez 94-6) Assim o Selo de Deus em Apocalipse natildeo os protege necessariamente dos poderes humanos mas da ira de Deus contra aqueles que violaram sua alianccedila

3) Outros aspectos relacionados ao selamento em Deuteronocircmio 68 lecirc-se ldquoTambeacutem as ataraacutes como sinal na tua matildeo e te seratildeo por frontal entre os olhosrdquo Aqui os israelitas foram ordenados a colocar os mandamentos de Deus como um sinal atado em seus braccedilos e fronte Nos versos anterio-res (Dt 65-7) haacute fortes indicaccedilotildees de que esse ato deveria simbolizar uma resposta do ser inteiro ndash no campo dos pensamentos emoccedilotildees e mesmo comportamento ndash e deveria permear todas as aacutereas da vida Portanto o sim-bolismo do selamento na fronte (Ap 73) e a marca falsificada da besta na matildeo (Ap 1317) simbolizam respectivamente uma resposta integral do ser a Deus ou conformidade agrave vontade do inimigo

Em Apocalipse 141 quando os 144 mil estatildeo no monte de Siatildeo vi-toriosos com o cordeiro eles satildeo descritos como tendo ldquoescritos na testa o nome dele [do Cordeiro] e o nome de seu Pairdquo Em Ezequiel 94 onde costumeiramente se lecirc na NVI ldquoponha um sinalrdquo ou na ARA ldquomarca com um sinalrdquo no hebraico se lecirc literalmente ldquomarca com um tavrdquo Deve-se notar que nos tempos do profeta Ezequiel o tav era grafado como uma cruz (BYRNE 2008)

Visto que na mentalidade biacuteblica o nome de um sujeito representa o caraacuteter de seu possuidor agrave luz dos textos acima Joatildeo parece sugerir que os vitoriosos da uacuteltima crise seratildeo aqueles que tecircm o caraacuteter semelhante ao de Cristo ldquoestampadordquo sobre o seu proacuteprio Na temaacutetica de Apocalipse 7 e 14 em contraste com Apocalipse 13 no conflito final todos refletiratildeo o caraacuteter de Cristo ou de Satanaacutes

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Os 144 mil e a grande multidatildeoApocalipse 7 mostra duas cenas distintas uma que introduz os 144

mil e outra que introduz a ldquoGrande Multidatildeordquo Nesta seccedilatildeo seraacute conside-rado mais diretamente o assunto sobre os 144 mil e o seu relacionamento com a grande multidatildeo para encontrar marcas identificaacuteveis dos 144 mil e tentar relacionaacute-las ao propoacutesito de Deus para a sua Igreja com base nas mesmas caracteriacutesticas

Significado do nuacutemeroOs 144 mil jaacute foram caracterizados como ldquoa ala humana do exeacutercito

coacutesmico de Deusrdquo (BLOUNT 2009 p 145) Joatildeo ouve o nuacutemero (Ap 74) e sua composiccedilatildeo (Ap 75-8) ndash 12000 de cada uma das 12 tribos de Israel

ndash sem no entanto nenhuma explicaccedilatildeo posterior fornecida A identidade desse grupo jaacute foi extensamente debatida e atualmente poucos sustentam a interpretaccedilatildeo de que o nuacutemero eacute uma referecircncia literal agrave naccedilatildeo de Israel (BLOUNT 2009 p 158)

O pesquisador e pastor britacircnico Michael Wilcock (1991 p 8) afirma

A figura eacute presumivelmente outra das figuras simboacutelicas do Apo-calipse e de fato aparenta ser muito estilizada para ser qualquer outra coisas ndash o tipo de nuacutemero suspeitosamente arrumado que eacute muito mais provaacutevel que seja um siacutembolo do que uma estatiacutestica

De fato o nuacutemero 144 mil (12 x 12 x 1000) eacute baseado no nuacutemero de tribos de Israel em nuacutemero de 12 e tambeacutem como alguns tecircm sugerido 12 apoacutestolos do cordeiro (JOHNSON 2004 p 184) Na mentalidade he-braica 12 eacute o nuacutemero da perfeiccedilatildeo de governo (BULLINGER 2006 p 253) e 1000 e o nuacutemero da plenitude divina Portanto 144 mil sugere uma simetria perfeita uma vastidatildeo dos selados e a perfeiccedilatildeo e completeza da Igreja de Deus

Relacionamento com a grande multidatildeoDepois que Joatildeo ouve o ldquocensordquo dos remidos ele os vecirc como uma grande

multidatildeo no ceacuteu Muito jaacute se discutiu e publicou sobre o assunto dando abertura a vaacuterias teorias Beatrice Neal (1992 p 267-272) agrupa as principais visotildees do relacionamento entre os 144 mil e a grande multidatildeo em 4 grupos de propostas

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1) Judeus literais contrastados com os gentios os maiores defensores desta posiccedilatildeo satildeo os dispensacionalistas identificando os 144 mil como o nuacutemeros de Judeus convertidos que seratildeo protegidos da tribulaccedilatildeo enquan-to a grande multidatildeo seraacute martirizada (PENTECOST 2010 p 214297-298300 WALVOORD 1989 p 143-146) Uma das dificuldades dessa in-terpretaccedilatildeo eacute que a distinccedilatildeo entre judeus e gentios natildeo e feita em nenhum lugar do livro de Apocalipse (NEAL 1992 p 268)

2) A uacuteltima geraccedilatildeo de santos contrastada com os redimidos de todas as eras alguns sustentam que os 144 mil satildeo os crentes selados durante a crise final uma espeacutecie de ldquoexeacutercito de Deusrdquo enquanto que a grande multidatildeo seratildeo os salvos de todas as eacutepocas (MOUNCE 1998 p 171 SMITH 2004 p 470-471) No entanto em Apocalipse 713-14 surge a pergunta ldquoEstes [hellip] quem satildeo e donde vieramrdquo e a subsequente resposta de que ldquosatildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeordquo essa questatildeo introduz um problema para esta interpretaccedilatildeo pois nas palavras do anciatildeo de Apocalipse 714 eles natildeo satildeo os remidos de todas as eras mas os que passaram pela grande tribulaccedilatildeo

3) Ambos satildeo o mesmo grupo em circunstacircncias diferentes a conclu-satildeo que ambos os grupos retratados no capiacutetulo 7 satildeo os mesmos apenas representados em momentos diferentes ndash respectivamente a Igreja militan-te e a Igreja triunfante ndash eacute partilhada por muitos estudiosos (HOEKSEMA 2000 p 265-266 NICHOL 2002 p 785) Apesar de ser uma interpretaccedilatildeo loacutegica e fiel ao texto aleacutem de resolver os problemas das interpretaccedilotildees ante-riores ela ainda apresenta um problema que natildeo eacute percebido facilmente se a segunda cena de Apocalipse sete representa a igreja no ceacuteu depois da segun-da vinda de Cristo entatildeo os santos de todas as eacutepocas devem estar presentes ao redor do trono natildeo somente a uacuteltima geraccedilatildeo

4) A igreja na tribulaccedilatildeo que estaacute espiritualmente diante do trono esta interpretaccedilatildeo foi originalmente proposta por Beatrice Neal (1992 p 270-272) durante sua participaccedilatildeo no Daniel and Revelation Committee a qual eacute adotado no restante deste artigo e complementada com elementos expostos anteriormente para se definir com base em Apocalipse 7 a Identidade e o propoacutesito da Igreja de Deus

Para comeccedilar a entender essa proposta faz-se necessaacuterio observar que em Apocalipse 714 o texto grego natildeo afirma ldquoestes que vieram da grande tri-bulaccedilatildeordquo mas ldquoestes os que estatildeo vindo [ἐρχόμενοι] da grande tribulaccedilatildeordquo4

4 O verbo ἔρχομαι estaacute no plural masculino no particiacutepio presente meacutedio ou passivo do nominativo

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Aparentemente a tribulaccedilatildeo estaacute em andamento Nesse sentido tem-se a im-pressatildeo de que algo estaacute errado com a traduccedilatildeo ateacute que seja observado um pa-dratildeo marcante dos escritos joaninos o conceito de ldquovida eterna agora ceacuteu nesta vidardquo (NEAL 1992 p 270) algo que de certo modo reflete o conceito teoloacute-gico conhecido com ldquoJaacute mas natildeo aindardquo Muitos exemplos satildeo observaacuteveis em especial no evangelho de Joatildeo5 Essa proposta sugere que o mesmo modo de pensamento ndash onde o que eacute real e literal no futuro avanccedila para o presente como uma experiecircncia espiritual ndash aparece no livro de Apocalipse

Beatrice Neal (1992 p 270) em sua proposta cita algumas evidecircncias internas destes paradoxos no livro de Apocalipse

B Os santos reinaratildeo para sempre (Ap 225) mas Joatildeo jaacute compartilha do Reino (Ap 19) mesmo no exiacutelio

B O Rio da Vida fluiacute pela Nova Jerusaleacutem (Ap 221-2) mas quem tem sede pode beber agora (Ap 717)

B Cristo viraacute em breve com a recompensa (Ap 2212) mas Ele vem jaacute para a Sua Igreja (Ap 25 16 25)

B A nova Jerusaleacutem viraacute do ceacuteu para a Nova Terra (Ap 212) mas ela desce agora mesmo para aquele que vence (Ap 312)

Em harmonia com essa visatildeo Joatildeo consistentemente se refere aos ini-migos de Deus como aqueles que ldquohabitam sobre a terrardquo (Ap 138) ao pas-so que aos santos chama de aqueles que ldquohabitam [σκηνοῦντας] no ceacuteurdquo (Ap 135) portanto viver no ceacuteu eacute uma experiecircncia presente (NEAL 1992 p 271) tendo acesso ao trono atraveacutes do cordeiro (ver Hb 1019-23)

O duplo sentido joanino eacute evidente nas palavras de Jesus em Joatildeo 525 ldquoEm verdade em verdade vos digo que vem a hora e jaacute chegou em que os mortos ouviratildeo a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viveratildeordquo Na mesma passa-gem o significado futuro eacute claro na volta de Cristo os mortos seratildeo ressuscita-dos Mas o significado presente estaacute tambeacutem evidente aqueles que estatildeo espiri-tualmente mortos satildeo trazidos de volta agrave vida ao ouvirem Jesus chamar Com o

5 Veja alguns exemplos no quarto evangelho 1) absolviccedilatildeo do julgamento (524) 2) ressurreiccedilatildeo da morte (525) 3) vida eterna (647) e 4) volta de Jesus (no futuro 141-3 e no presente em 141823)

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duplo sentido em mente Apocalipse 7 se enche de significados e os problemas expostos satildeo resolvidos respeitando-se a fidelidade ao texto No caso do texto em estudo visto que a grande multidatildeo ainda estaacute emergindo da grande tribula-ccedilatildeo (v 14) mesmo na terra os crentes podem estar no ceacuteu em sentido espiritual pelos meacuteritos do cordeiro e a obra do Espiacuterito Santo Quando eles cantam ldquoA salvaccedilatildeo pertence ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeirordquo (Ap 710) este cacircntico como os salmos imprecatoacuterios se torna um pedido de ajuda que acende aos ceacuteus sendo respondido por Deus que os protege dos ventos de destruiccedilatildeo (Ap 71) e das pragas vindouras (Ap 716 cf 168)

Dra Neal (1992 p 272) sumariza

Como eacute comumente entendido a primeira cena de Apocalipse 7 descreve a preparaccedilatildeo para a tribulaccedilatildeo e na segunda cena liber-taccedilatildeo da tribulaccedilatildeo sem menccedilatildeo da tribulaccedilatildeo em si Mas se o duplo sentido eacute intencional o capiacutetulo mostra como cristatildeos li-dam coma tribulaccedilatildeo quando no calor da mesma ndash como eles satildeo protegidos no tempo de prova que viraacute sobre o mundo todo (310)

Consideraccedilotildees finaisNo comeccedilo deste artigo duas questotildees foram levantadas A primeira

delas eacute quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que nos permitem traccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil

Para que a questatildeo seja respondida deve-se lembrar que Apocalipse 7 pa-rece responder a pergunta ldquoquem eacute que pode suster-serdquo (Ap 617) com os 144 mil sendo preparados para a tribulaccedilatildeo Mais adiante (v 10) eacute demonstrado que uma das caracteriacutesticas marcantes dos 144 mil eacute que eles proclamam com grande voz a mensagem de justificaccedilatildeo pela feacute que eacute a obra do Terceiro Anjo6

Quando considerado o duplo sentido joanino e se observa Apocalipse 7 agrave luz do que foi analisado ateacute aqui pode-se perceber que ao passo que as maldiccedilotildees se abateratildeo sobre a terra aqueles que forem fieis a Deus perma-neceratildeo inabalados perante o seu juiacutezo

6 A mensagem do Terceiro Anjo eacute juntamente com a restauraccedilatildeo de outras verdades a exaltaccedilatildeo de Jesus e a inteireza de seu ministeacuterio por noacutes (WHITE 2006 p 3624 2010 p 19-20)

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Agrave luz da evidencia biacuteblica recapitulada neste artigo os 144 mil satildeo uma figura da Igreja Militante que permaneceraacute fiel ateacute a volta de Cristo Sob esse prisma o motivo do selamento eacute crucial para identificar o propoacutesito da Igreja de Deus na atualidade O selamento agrave luz do contexto de Apocalipse 71-3 e Ezequiel 9 ocorre imediatamente antes do encerramento do dia da expiaccedilatildeo antitiacutepico

Ao selar Seu povo Deus se coloca como seu proprietaacuterio e portan-to a diretiva biacuteblica ldquoSejam santos porque eu sou santordquo (1Pe 11 cf Lv 114445 192 207) nunca foi tatildeo atual O mesmo selo que define o povo de Deus tambeacutem protege da ira divina contra aqueles que violaram sua alianccedila Ao passo que o selo de Deus dentro do contexto do adventismo do seacutetimo dia tem sido relacionado com os 10 mandamentos e com o quarto manda-mento em especial existe uma segunda dimensatildeo para o significado deste selo que transcende e abarca o primeiro Antes mesmo de accedilotildees (o selo de Deus agrave luz da evidecircncia biacuteblica exposta [Dt 65-8 Ap 73 Ez 94]) o sela-mento eacute um simbolo da resposta do ser inteiro abarcando todas as aacutereas da vida ao chamado divino agrave santidade

Se agrave luz de Deuteronocircmio 65-8 e outros inuacutemeros textos natildeo citados neste artigo percebe-se que a segunda dimensatildeo do selo eacute mais inclusiva ao se refletir acerca do selo escatoloacutegico de Apocalipse 73 e 141 sob o pano de fundo de Ezequiel 9 (especialmente o v 4) percebe-se que o selamento eacute a obra de Cristo nos crentes atraveacutes de Seu Espiacuterito (ver Ef 113-14) que os faz natildeo somente pertencer a Ele mas possuir o seu caraacuteter estampado sobre o deles mesmos Mesmo natildeo refletindo a sua inteireza de santidade o caraacuteter de Cristo nos crentes jaacute pode apresentar parte do aspecto ldquosem maacute-culardquo (Ap 145b) diante do Pai No contexto da alianccedila ldquosem maacuteculardquo natildeo significa ldquonatildeo pecarrdquo mas andar com Deus como Abraatildeo Noeacute e outros o fizeram (ver Gn 69 171 cf Hb 11) Deus intenciona que sua igreja cada membro individualmente e diariamente receba o selo divino em suas vidas e demonstre ao mundo que estaacute em harmonia com Deus e Seus imperati-vos ndash natildeo soacute o saacutebado e os outros mandamentos mas todo o ser deve ser consagrado ao Criador

Uma das caracteriacutesticas dos 144 mil em Apocalipse 145 eacute que ldquonatildeo se achou mentira em sua bocardquo Deus espera por uma Igreja e seus mem-bros individuais apenas a verdade No verso 4 eles satildeo caracterizados como

ldquoseguidores do Cordeirordquo Antes de ser sua tarefa futura no ceacuteu eacute dever da Igreja e de cada indiviacuteduo nos dias atuais seguir os passos de Cristo co-nhecer sua voz (ver Jo 102-5) e apegar-se ao ldquoassim diz o Senhorrdquo natildeo ao

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assim diz a sociedade agraves financcedilas ou qualquer outra desculpa para a natildeo conformidade com o evangelho de Cristo Eacute por isso que em Apocalipse 144 eles satildeo declarados ldquocastosrdquo e incontaminados com mulheres preservando-

-se uma em vida de fidelidade ao SalvadorA segunda pergunta a ser respondida por este artigo eacute qual eacute a relaccedilatildeo

das caracteriacutesticas dos 144 mil com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje Agrave luz do que foi recapitulado neste artigo parece clara a funccedilatildeo de Apocalipse 7 alertar a Igreja de Deus agrave necessidade de uma reforma e rea-vivamento diaacuterio e constante na vida do indiviacuteduo e da comunidade

Por fim a perfeiccedilatildeo numeacuterica do nuacutemero 144 mil eacute uma forte indica-ccedilatildeo daquilo que jaacute eacute evidente na Biacuteblia Deus cumpriraacute a risca seus planos e promessas para o seu Israel a despeito dos eventos que acontecem no mun-do ou na igreja ou a despeito da preparaccedilatildeo dos crentes

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Enviado dia 14112012Aceito dia 04012013

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual

de Lucas 2243-44Agony at Gethsemane a critical-textual study

of Luke 2243-44

Luan Henrique Gomes Ribeiro1 Wilson Paroschi2

Resumo Abstract

O texto de Lucas 2243-44 representa grande dificuldade textual agraves consi-deraccedilotildees a respeito da Paixatildeo de Cristo Isso ocorre porque o texto suge-rido natildeo pode ser encontrado nos melhores manuscritos que evidenciam

os relatos no Getsecircmani como consta no evangelho de Lucas Assim a fim de considerar tal problemaacutetica este artigo procura analisar alguns comentaacuterios dos Pais da Igreja do segundo seacuteculo e sugestotildees de alteraccedilatildeo escribal a fim de constatar a histoacuteria do texto problemaacutetico Por fim entende-se que o texto de Lucas foi uma legiacutetima interpolaccedilatildeo ocasionada por questotildees teoloacutegicas Contu-do em vista da importacircncia da tradiccedilatildeo fundamentada sobre a ocasiatildeo descrita no texto e antiguidade do mesmo o relato deve ser considerado verdadeiro Palavras-chave Lucas 2243-44 Criacutetica textual Getsecircmani Agonia

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) e poacutes-gra-duando lato senso em teologia biacuteblica pela mesma universidade E-mail lhgr21gmailcom2 PhD em Teologia do Novo Testamento pela Andrews University (2003) e poacutes-doutorado em Novo Testamento pela Ruprecht-Karls-Universitaumlt Heidelberg (2011) Atua como professor na Faculdade Adventista de Teologia no Unasp E-mail wilsonparoschiunaspedubr

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Luke 22 43-44 brings great textual difficulties to the considerations about The Passion of Christ This happens because this text cannot be found in the best manuscripts containing the story of Gethsemane as

it is told in the book of Luke Thus to consider this issue this article objectifies to analyze some comments of the Fathers of Church from the second century and some suggestions of scribes about changes on the writing so that the history of the text can be understood At last we conclude that this text was a lawful interpolation occasioned by theological needs However due to the important tradition based on the event described in the text and how old it is the story should be taken as real Keywords Luke 2243-44 Keywords extual criticism Gethsemane Agony

Ao longo da histoacuteria cristatilde o relato da Paixatildeo de Cristo tem sido o cen-tro natildeo somente da teologia mas tambeacutem da liturgia da igreja (BARBOUR 1969-70 p 231-251) Isso tambeacutem eacute verdade em relaccedilatildeo aos escritos dos proacuteprios evangelistas que dedicam uma consideraacutevel porccedilatildeo de seus relatos agrave prisatildeo e morte de Jesus

Como parte da narrativa existe um episoacutedio que eacute considerado o cen-tro de toda a Paixatildeo de Cristo a oraccedilatildeo de Jesus no jardim do Getsecircmani Todos os quatro evangelhos trazem esse relato (ver Mt 2647-56 Mc 1443-50 Lc 2247-53 Jo 181-11) poreacutem apenas os sinoacuteticos descrevem a difiacutecil oraccedilatildeo feita por Cristo aleacutem do fracasso dos disciacutepulos (ver Mt 2636-46 Mc 1432-42 Lc 2239-46)

Entre as poucas diferenccedilas e as muitas semelhanccedilas entre os trecircs evan-gelistas um relato aparece como uacutenico o suor de sangue produzido por Cristo e o anjo vindo do Ceacuteu para fortalececirc-lo (Lc 2243-44) A passagem de Lucas 2243-44 pode ser considerada um ldquoclaacutessicordquo quando se fala em criacute-tica textual e tradiccedilatildeo da igreja A passagem se demonstra problemaacutetica no aspecto textual pois natildeo aparece em boa parte dos melhores e mais antigos manuscritos disponiacuteveis (P69 75 01C1 A B N R T W 0211 13 579 1071 pc4 f SyrS sa bo Hiermss arm geo) assim como no aspecto teoloacutegico pois tanto a presenccedila como a ausecircncia do texto altera de maneira draacutestica a visatildeo

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que Lucas tem de Jesus De forma semelhante haacute implicaccedilotildees no conheci-mento cristoloacutegico que pode ser extraiacutedo do relato

Em vista das divergecircncias trazidas pelos manuscritos e pelos comentaacute-rios dos Pais da Igreja pode-se formular duas hipoacuteteses experimentais ou 1) o texto de 2243-44 foi omitido do texto original de Lucas ou 2) este foi ateacute aqui transmitido atraveacutes de uma interpolaccedilatildeo A partir destas hipoacuteteses duas perguntas surgem de maneira inevitaacutevel Lucas foi o autor do texto Qual o motivo da omissatildeointerpolaccedilatildeo do mesmo O presente trabalho tem como objetivo tentar encontrar respostas para as duas questotildees assim como fazer uma anaacutelise teoloacutegica sobre a relaccedilatildeo da igreja contemporacircnea com a do passado Atraveacutes da anaacutelise das diferentes ideias e comentaacuterios relacionados ao texto e sua transcriccedilatildeo assim como comparaccedilotildees gramaacuteticas e teoloacutegicas seratildeo apresentadas algumas consideraccedilotildees sobre o problema proposto

Histoacuteria do textoA lista de testemunhas do referido texto podem ser organizadas da se-

guinte forma 1) incluem os versos 43-44 א b D Κ L Χ Θ Δ Π Ψ 0171 f1 565 700 892 1009 1010 1071mg 1230 1241 1242 1253 1344 1365 1546 1646 2148 2174 Byz vg syrc p h pal arm eth Diatessarone

e arm i n Justino Irineu Hipolito Dionisio Eusebio Didimo Jeronimo e muitos outros pais da igreja 2) incluem os versos 43-44 com asteriscos Dc Pc 892mg 1079 1195 1216 bopt 3) transpotildeem os versos 43-44 logo apoacutes Mt 2639 f13 4) omitem os versos 43-44 P69vid 75 Ka Α Β Ν R Τ W 579 1071 pc Lectpt itf syrs sa bopt armmss geo Marcion Clement Origen MSSacc para Hilary Athanasius Ambrose Cyril John-Damascus

De maneira geral eacute possiacutevel alegar que os manuscritos ocidentais tra-zem os versiacuteculos ao passo que os de Alexandria o omitem3 Mesmo que os manuscritos alexandrinos sejam considerados dignos de confianccedila espe-cialmente quando colocados em comparaccedilatildeo com documentos ocidentais (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 66) natildeo haacute necessidade de ser categoacuteri-co ou precipitado ao afirmar que no caso em questatildeo a discussatildeo pode ser estabelecida com tais bases

Guumlnther Zuntz (1953 p 55-56 213-215) por exemplo argumenta que documentos natildeo alexandrinos lidos na tradiccedilatildeo ocidental e bizantina

3 Para uma descriccedilatildeo mais detalhada dos manuscristos ver BD Ehrman e APlunkett (1983 p 402 403)

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possuem grande chance de ser genuiacutenos (ver METZGER 1968 p 214) Por outro lado eacute legiacutetima a ideia de que muitos eruditos consideram Lucas 2243-44 uma distorccedilatildeo textual vinda do Egito4 Independentemente da preferecircncia textual a discussatildeo acaba sendo conduzida em direccedilatildeo agrave esco-lha de uma ou outra escola

A partir da anaacutelise das testemunhas tambeacutem eacute possiacutevel identificar uma data para a mudanccedila do texto Visto que a referecircncia mais antiga para o texto vem antes do ano 160 dC com Justino Martir (DONALDSON COXE 1997 p 251) e uma omissatildeo posterior a 200-230 dC (p69 p75) eacute possiacutevel afirmar que se o texto foi omitido isso ocorreu antes de 230 dC e se inse-rido antes de 160 aC

Probabilidades de transcriccedilatildeoQuando se trata de um problema textual a possibilidade de uma omis-

satildeo acidental deve sempre ser levada em consideraccedilatildeo Neste caso poreacutem a ocorrecircncia de tal possibilidade de erro escribal eacute dificultada por vaacuterias razotildees

Primeiramente o tamanho do texto em questatildeo (26 palavras) torna a possibilidade de que o escriba tenha intencionalmente alterado o texto im-provaacutevel Turner (1957 p 1-4) argumenta que erros dessa natureza devem ser considerados plausiacuteveis apenas quando o intervalo natildeo eacute longo Aleacutem disso natildeo eacute possiacutevel encontrar nenhum tipo de homoioteleuton (frases com finais semelhantes) no texto para que algueacutem tenha simplesmente confundido o texto com outro descrito algumas linhas abaixo Igualmente eacute difiacutecil ima-ginar que uma passagem dessa importacircncia fosse retirada do texto mesmo que involuntariamente sem correccedilatildeo Diante disso a transcriccedilatildeo do texto eacute melhor compreendida como alterada de maneira consciente e deliberada

Alguns autores tecircm sugerido que o texto teria sido omitido com o intui-to de harmonizar os evangelhos (LAGRANGE 1921 p 563 DUPLACY 1981 p 79 BRUN 1933 p 276) Apesar da aparente soluccedilatildeo do problema natildeo se encontra razatildeo para acreditar em tal teoria por representar um exem-plo sem precedentes aleacutem de que muitas outras diferenccedilas foram deixadas no texto como por exemplo a tripla oraccedilatildeo de Jesus ou a menccedilatildeo de Pedro Tiago e Joatildeo estando com Ele Se de fato uma tentativa de harmonizaccedilatildeo tivesse sido feita muitas outras alteraccedilotildees no texto seriam encontradas

4 Uma lista dos eruditos que incluem e excluem os versos pode ser encontrada em Marshall (1978)

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Como muitos autores tecircm sugerido o problema textual de Lucas 2243-44 deve ser entendido agrave luz das discussotildees teoloacutegicas dos primeiros seacuteculos De fato essa ideia natildeo eacute nova e pode ser remetida ao seacuteculo 4 dC com Epi-facircnio (Ancoratus 31 4-5)

[Essa passagem] eacute encontrada nas coacutepias natildeo revistas do Evange-lho de Lucas e Santo Irineu usou seu testemunho em seu trabalho Adversus Haereses contra aqueles que dizem que Cristo [apenas] parecia se manifestar [na carne] Mas aqueles que eram ortodoxos omitiram a passagem por medo natildeo compreendendo o seu propoacute-sito e grande forccedila Assim ldquoquando ele estava em agonia Ele suou e o seu suor tornou-se como grandes gotas de sangue E um anjo apareceu fortalecendo-Ordquo

Da mesma maneira Hilaacuterio (350 dC) recorda em De Trinitate (1041)

Certamente natildeo podemos nos esquecer de que em muitos manus-critos em grego e em latim nada eacute registrado da vinda do anjo e o suor como sangue Entatildeo algueacutem pode ter duacutevida se este em di-ferentes livros estaacute ausente ou eacute considerado redundante ndash este eacute deixado indeterminado por causa das diferenccedilas nos livros Algumas heresias utilizam as palavras para afirmar a fraqueza de Jesus que precisava da ajuda de um anjo mas por favor considere que o criador dos anjos natildeo precisa desta proteccedilatildeo [hellip] O suor de sangue eacute um testemunho contra a heresia que fala falsamente de uma ilusatildeo [do corpo de Jesus docetismo] o suor manifesta a verdade do corpo

Severo de Antioquia preserva uma declaraccedilatildeo de Cirilo de Alexandria (375-444 dC) a partir de um trabalho perdido de outra forma Severo es-creve na ldquo3ordf carta do sexto livro das pessoas depois do exiacuteliordquo para a ldquoglo-riosa Cesareiardquo

Mas a respeito da passagem sobre o suor e as gotas de sangue saiba que nas divinas Escrituras e Evangelhos que estatildeo em Alexandria esta natildeo estaacute escrita Por isso tambeacutem o Santo Cirilo no 12ordm dos livros escritos por ele em nome da religiatildeo de todos os cristatildeos contra o iacutem-pio adorador de democircnios Julio claramente declarou como segue

ldquoMas desde que ele disse que o divino Lucas inseriu entre suas

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proacuteprias palavras a afirmaccedilatildeo de que um anjo apareceu e for-taleceu Jesus e seu suor escorria como gotas de sangue ou san-gue deixe-o saber de noacutes que natildeo encontramos nada deste tipo inserido na obra de Lucas a natildeo ser talvez que uma interpola-ccedilatildeo foi feita de fora e que natildeo eacute genuiacutena Os livros portanto que estatildeo entre noacutes natildeo contecircm absolutamente nada desse tipo e eu portanto acho que eacute uma loucura para noacutes dizer qualquer coi-sa a ele sobre essas coisas e eacute supeacuterfluo se opor a ele com base em textos que de maneira nenhuma foram escritos e se o fizer-mos seremos condenados a ser ridicularizados e isto seraacute justordquo Nos livros portanto que estatildeo em Antioquia e em outros paiacuteses a passagem estaacute escrita e alguns dos pais a mencionam entre os quais Gregoacuterio o Teoacutelogo fez menccedilatildeo desta mesma passagem na segunda homilia sobre o Filho e Joatildeo bispo de Constantinopla na exposiccedilatildeo composta por ele sobre a passagem lsquoMeu Pai se possiacutevel passa de mim este caacutelicersquo

A partir do quinto seacuteculo os dois textos jaacute haviam sido amplamente di-vulgados e as escolas optavam pelo texto mais curto ou mais longo de acordo com suas preferecircncias e tradiccedilotildees textuais motivo pelo qual natildeo podem ser utilizados textos posteriores para comprovar a autenticidade dos versiacuteculos em questatildeo ao menos natildeo sem incorrer em anacronismo Eacute interessante poreacutem o fato de que ao longo dos seguintes seacuteculos a versatildeo mais longa de Lucas foi aceita Anastaacutecio Sinaiacuteta (ou do Sinai) proliacutefico escritor eclesiaacutes-tico padre monge e abade do Mosteiro de Santa Catarina (do Sinai) no seacuteculo 7 dC escreve (Viae Dux 223)

Pois mesmo se algueacutem tentar adulterar os livros de uma ou ateacute mesmo duas liacutenguas imediatamente sua fraude eacute refutada pelas outras setenta liacutenguas De qualquer forma esteja ciente de que alguns tentaram apagar as gotas de sangue o suor de Cristo do Evangelho de Lucas e natildeo foram capazes Porque aqueles que natildeo possuem a seccedilatildeo satildeo refutados por muitos e vaacuterios evangelhos que a possuem pois em todos os evangelhos das naccedilotildees o relato conti-nua a existir e na maioria daqueles [manuscritos] em grego

Jaacute na eacutepoca da Reforma vemos que Lutero natildeo apenas incluiu a passa-gem em sua traduccedilatildeo mas tambeacutem comentava os versiacuteculos de maneira livre

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Como eacute grande o sabor da dor da morte que podemos discernir em Cristo quando disse ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute agrave morterdquo [Mt 2638] Considero estas como as maiores palavras em todas as Escrituras embora tambeacutem seja uma grande e inexpli-caacutevel coisa que Cristo clamou na cruz ldquoEli Elirdquo [Mt 2746] Ne-nhum anjo compreende quatildeo grande coisa eacute que Ele tenha suado sangue [Lucas 2244] Isto ocorreu com o sabor e temor da morte (HARITAGE 1997 c1996)

Tambeacutem Calvino em seu comentaacuterio cita livremente os versos contudo mais do que isso ele introduz um argumento que quase 1400 anos depois da primeira referecircncia que temos do texto via o sofrimento de Cristo como algo repulsivo Ele diz ldquoAqui pessoas ignorantes se levantam e exclamam que teria sido indigno Cristo ter medo de ser engolido pela morte Mas eu desejo que eles respondam a esta pergunta que espeacutecie de surdo eles supotildeem que tenha sido aquele [Deus] que extraiu de Cristo gotas de sanguerdquo(CALVIN 2002)

De fato assim como nos dias de Calvino algumas caracteriacutesticas do texto poderiam ofender os cristatildeos dos primeiros seacuteculos Primeiramente um anjo fortalecendo a Jesus poderia gerar problemas quanto a sua divin-dade O fato de estar em profunda agonia e suar sangue poderiam fortalecer a ideia ariana a respeito da natureza de Cristo por fim a intensa oraccedilatildeo de Jesus para que o ldquocaacutelicerdquo fosse passado adiante poderia facilmente colocar a voluntariedade de Jesus ao ir para a cruz em descreacutedito

Da mesma maneira a interpolaccedilatildeo do texto seria nas palavras de Wes-tcott e Hort ldquoadequado para citaccedilotildees em controveacutersias contra doutrinas do-ceacuteticas e apoliniarianistasrdquo (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 64) De fato deve-se considerar o fato de que as trecircs mais antigas citaccedilotildees preservadas de Lucas 2243-44 satildeo colocadas diretamente contra fortes heresias cristo-loacutegicas Justino Maacutertir (Dia 1038) e Irineu contra docetistas (Adv Haer 3222) e Hipolito contra um patripassionista (Contra Noetum 182)

Em vista das evidecircncias apresentadas acima haacute de se considerar mais uma questatildeo qual leitura eacute melhor entendida como sido originada em meio agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo Como observado por Ehrman e Plunkett ldquoa preocupaccedilatildeo teoloacutegica do Cristianismo ortodoxo do segundo seacuteculo era a afirmaccedilatildeo da verdadeira humanidade de Jesus em face de diver-sas vertentes da heresia doceacuteticardquo (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 407)

Outro fator decisivo eacute que os Pais que citam os versiacuteculos satildeo auto-res ortodoxos tentando de maneira incisiva combater heresias Eacute pouco

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provaacutevel que o trabalho de exclusatildeo do texto por autores natildeo ortodoxos defendendo ideias contraacuterias teria ganhado vasta aceitaccedilatildeo em escolas que natildeo sofreram influecircncias doceacuteticas como por exemplo Alexandria Caso o texto seja considerado como uma omissatildeo haveria ainda outra dificuldade se o texto foi realmente omitido por motivos teoloacutegicos por que outros textos que tratam da natureza humana de Jesus continuaram inalterados E tambeacutem como grupos considerados hereges vieram a ter tanta influecircncia na tradiccedilatildeo textual

Em vista da presenccedila e ausecircncia do texto de Lucas 2243-44 nos vaacuterios manuscritos preservados torna-se impossiacutevel determinar qual leitura deve-ria ser considerada autecircntica Quando recorremos aos pais da igreja vemos os que citam o texto o fazem no combate a conhecidas heresias da eacutepoca e que sua utilizaccedilatildeo como referecircncia era temida por alguns e defendida por outros com base em sua relevacircncia

Quando a discussatildeo eacute analisada agrave luz das tensotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo vemos que o texto eacute melhor compreendido como uma interpolaccedilatildeo quase tatildeo antiga quanto o proacuteprio evangelista

Anaacutelise do textoDados os devidos comentaacuterios a respeito dos manuscritos relaciona-

dos ao texto de Lucas 2243-44 o trabalho avanccedila em direccedilatildeo agraves evidencias internas natildeo apenas dos versiacuteculos em questatildeo mas tambeacutem do Evangelho de Lucas como um todo Assim seraacute feita uma anaacutelise leacutexica dos versos e entatildeo uma anaacutelise teoloacutegica dos mesmos

Vocabulaacuterio e estiloA primeira referecircncia do versiacuteculo 43 eacute feita em relaccedilatildeo a um anjo que

desce do Ceacuteu para confortar a Jesus A referecircncia a anjos dentro da litera-tura lucana pode ser vista em vaacuterias passagens (ver Lc 1 e 2 128 9 1510 2423 At 519 826 103 7 22 1113 127 23 239 2723) demonstrando certa preferecircncia pelo tema Eacute notoacuterio poreacutem o fato de que estes satildeo des-critos como ldquode Deusrdquo (ver 128 9 1510 At 103 2723) ou ldquodo Senhorrdquo (ver 29 At 519 826 12723) e nunca ldquodo Ceacuteurdquo Aleacutem disso em outras partes do Evangelho os anjos soacute aparecem nas histoacuterias de nascimento e ressurreiccedilatildeo ademais em nenhuma outra apariccedilatildeo em Lucas ou Atos um anjo permanece em silecircncio (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 409) Tais

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fatores conduzem o pesquisador a um uacutenico paralelo que pode ser visto nas primeiras palavras do versiacuteculo 43 em comparaccedilatildeo com Lucas 111 ldquoE eis que lhe apareceu um anjo [ὤφθη δὲ αὐτῷ ἄγγελος]rdquo

Existem trecircs hapax legomena no texto (ἀγωνίᾳ ἱδρὼς e θρόμβοι) ou seja 115 do total do texto comparados a um total de 11 em Lucas Tal concen-traccedilatildeo de hapax legomena pode comprometer qualquer reivindicaccedilatildeo de uma linguagem tiacutepica de Lucas o que tambeacutem eacute argumento a favor de uma interpo-laccedilatildeo pois Lucas eacute amplamente conhecido por seu vocabulaacuterio singular (ver Lc 48 638 1034) O que pode ser dito eacute que nesse caso reivindicaccedilotildees de uma

ldquolinguagem caracteriacutesticardquo satildeo ineficazes para ambos os lados da discussatildeoO aspeto mais evidente na anaacutelise do texto eacute que este se torna mais

claro quando entendido sem os versiacuteculos 43 e 44 Natildeo eacute necessaacuteria neste caso uma leitura no texto grego para que se evidencie a interrupccedilatildeo que os versiacuteculos trazem Na ordem do relato de Lucas Jesus chega ao Getsecircmani ordena que os disciacutepulos orem afasta-se deles ajoelha-se e entatildeo ora a Deus Dessa forma encontramos um parecircntese uma interrupccedilatildeo na narra-tiva que do contraacuterio descreve Jesus se levantando e voltando aos disciacutepulos (v 45) aquilo que era esperado dele

Aspectos teoloacutegicosComo dito anteriormente somente o Evangelho de Lucas nos traz o

relato do auxiacutelio angelical e de Jesus suando sangue Sem duacutevida o episoacute-dio retrata Jesus sofrendo de uma maneira inimaginaacutevel tanto mentalmente devido a sua ἀγωνία quanto fisicamente podendo ser facilmente identifica-do em seu suor tornando-se sangue

Em vista de tanto sofrimento devemos nos perguntar se era do interes-se de Lucas apresentar Jesus sofrendo Deve-se levar em consideraccedilatildeo que a pergunta natildeo eacute se Jesus sofreu o que eacute um fato bem estabelecido e vastamen-te trabalhado nos Evangelhos mas se Lucas tinha o interesse de apresentar esse aspecto da vida de Cristo Na tentativa de identificar tal relaccedilatildeo (Evan-gelho de Lucas e o tema do sofrimento) seraacute feita uma anaacutelise comparativa do texto de Lucas com os demais sinoacuteticos

Na cena do Monte das Oliveiras Lucas omite as palavras de Jesus ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute a morterdquo (Mc 1434 ver Mt 2638) assim como natildeo diz que Cristo estava ldquotomado de pavor e de anguacutestiardquo (Mc 1433) No Getsemani Jesus se ajoelha para orar (Lc 2242) ao contraacuterio dos demais evangelistas que descrevem Jesus ldquocaindo com o rosto em terrardquo (Mc 1435 cf Mt 2639) Em Lucas Jesus ora ao Pai apenas uma vez mas

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nos demais evangelhos trecircs ldquoAo reduzir agrave uma a tripla oraccedilatildeo de Marcos Lucas daacute a impressatildeo de que Jesus sabia imediatamente o que estava por vir e que era a vontade de Deus Ele natildeo estava atordoado como em Marcos Lucas reformulou a histoacuteria de Marcos de tal modo que Jesus tivesse uma maior capacidade de resistecircncia e obediecircnciardquo (NEYREY 1980 p 158) Em Lucas Jesus natildeo ora para que a ldquohorardquo lhe fosse poupada (Mc 1435) assim como adiciona ldquose queresrdquo no lugar de ldquose possiacutevelrdquo (Mc 1436)

No momento de sua prisatildeo Jesus natildeo permite que Judas o beije (Lc 2247-48) diferentemente dos outros Evangelhos (ver Mc 1445 cf Mt 2649) Jesus conversa com mulheres durante a via dolorosa e as aconselha que natildeo chorem por Ele (Lc 2328-31) Lucas eacute o uacutenico que descreve Jesus perdoando seus executores (Lc 2334) e conversando com os dois demais crucificados (Lc 2339-43)

Por fim em vez do alto clamor ldquomeu Deus meu Deus por que me desamparasterdquo (Mc 1534) Jesus clama ldquoPai nas tuas matildeos entrego o meu espiacuteritordquo (Lc 2346) e com total controle de si mesmo da hora de sua morte Cristo sem nenhum grito adicional (Mc 1537 Mt 2750) morre

Em vista do fato de que Jesus se demonstra calmo e com o domiacutenio da situaccedilatildeo Lucas 2243-44 aparenta ser um intruso teologicamente falando no Evangelho de Lucas Se os versiacuteculos satildeo originais somente nessa oca-siatildeo Cristo seria descrito com tanta dor somente nesse momento Ele perde o controle e se aproxima de sua morte com medo

A partir do estudo da linguagem do texto vemos que natildeo encontramos paralelos estiliacutesticos perfeitos em relaccedilatildeo ao restante da literatura lucana e que devido ao seu peculiar estilo literaacuterio natildeo haacute como manter um posi-cionamento na discussatildeo Aliaacutes deve-se considerar tambeacutem que o texto eacute claramente mais coerente quando o verso 45 eacute lido na sequecircncia do verso 43

Lucas natildeo possui a preocupaccedilatildeo de apresentar a Cristo sofrendo pelo contraacuterio Jesus eacute amiuacutede descrito como possuidor de total controle das situaccedilotildees fazendo com que os versiacuteculos em discussatildeo aparentem ser intrusos ao texto

AvaliaccedilatildeoApoacutes reconhecer que as evidecircncias apontam na direccedilatildeo que compreen-

de o texto como uma interpolaccedilatildeo resta analisar as implicaccedilotildees teoloacutegicas de tal leitura A primeira e mais importante questatildeo que surge eacute se o texto natildeo foi escrito por Lucas o relato pode ser considerado como verdadeiro A

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resposta para essa pergunta pode variar de maneira draacutestica de acordo com a forma que o inteacuterprete se aproxima do texto

Como analisado anteriormente a referecircncia mais antiga que temos eacute proveniente pelo menos do ano 165 dC ano da morte de Justino Martir Contudo isso natildeo significa necessariamente que outros jaacute natildeo houvessem citado a passagem e principalmente que esta natildeo fosse conhecida Implica-

-se apenas que natildeo pode ser comprovada atraveacutes dos manuscritos e que o texto jaacute era usado anteriormente

A falta dos manuscritos poreacutem natildeo impede a afirmar de que o texto necessariamente deveria ser conhecido de maneira preacutevia Seria impossiacutevel considerar estes versiacuteculos como um mero produto da criatividade dos escri-bas (PLUMMER 1896 p 509) Tamanha mudanccedila seria facilmente perce-bida e rejeitada pela comunidade da eacutepoca

Mesmo quando os textos alexandrinos satildeo tratados deve-se ter em mente que possivelmente eles tenham rejeitado o texto natildeo pela falta de ve-racidade no relato mas pelo simples fato de que o texto primeiramente natildeo se encontrava em meio as palavras de Lucas e que pelo bem da originalidade do texto este devesse sobreviver de outra maneira

Natildeo seria correto desvalorizar de maneira apressada as tradiccedilotildees mais antigas agrave disposiccedilatildeo Estas nos trazem natildeo somente o modo como os cristatildeos dos primeiros seacuteculos enxergavam a Biacuteblia (o que eacute por si soacute uma grande fonte de conhecimento) mas tambeacutem eventos sobre a vida da comunidade dos apoacutestolos e ateacute do proacuteprio Cristo Seria insensato desconsiderar o aviso deixado ao final do Evangelho ldquoHaacute poreacutem ainda muitas outras coisas que Jesus fez e se cada uma das quais fosse escrita cuido que nem ainda o mun-do todo poderia conter os livros que se escrevessemrdquo (Jo 2125)

Natildeo somente nesse caso mas em vaacuterios outros podemos identificar a influecircncia da tradiccedilatildeo apostoacutelica dentro do texto biacuteblico Em Atos 2035 Paulo fala aos presbiacuteteros da igreja de Eacutefeso advertindo-os a ldquorecordar as palavras do proacuteprio Senhor Jesus melhor eacute dar do que receberrdquo Mas onde pode ser encontrado dentro dos Evangelhos canocircnicos Jesus dizendo tal coi-sa Da mesma forma existem as referecircncias de 1 Coriacutentios 710 e 914 onde palavras que natildeo encontram nenhuma correspondecircncia exata com os textos evangeacutelicos satildeo atribuiacutedas a Jesus ldquoConquanto Paulo afirme que a essecircncia do evangelho ele natildeo a havia recebido lsquode homem algum mas mediante revelaccedilatildeo de Jesus Cristorsquo (Gl 112) as referencias que faz agraves declaraccedilotildees de Jesus certamente foram obtidas junto agraves tradiccedilotildees orais ou fragmentaacuterias que circulavam na igreja apostoacutelicardquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

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Natildeo somente Paulo mas tambeacutem Lucas declara que ldquomuitos houve que empreenderam uma narraccedilatildeo coordenadardquo e que esta foi transmitida a ele desde o principio atraveacutes de ldquotestemunhas ocularesrdquo (Lc 11-2) Mui-to daquilo que Jesus fez e falou foi preservado e transmitido de forma oral e escrita mesmo que fora dos Evangelhos Isso se comprova nas palavras de Euseacutebio falando a respeito de Papias que este ldquojulgava que natildeo poderia obter tanto proveito da leitura dos livros quanto da viva voz dos homens que ainda viviamrdquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

Da mesma maneira os versiacuteculos em questatildeo possivelmente tenham sido um fragmento de alguma tradiccedilatildeo seja esta escrita ou oral que foi por algum tempo em algum lugar anotada agrave margem de algum Evangelho ca-nocircnico e que sem duacutevida incluiacuteam em sua narrativa um alto grau de auten-ticidade e valor intriacutenseco (PLUMMER 1896 p 509) Por fim devemos entender que nas palavras de Plummer (PLUMMER 1896 p 544)

pouco importa se Lucas incluiu os textos em sua narrativa con-tanto que a autenticidade destes seja reconhecida como tradiccedilatildeo evangeacutelica Neste contexto a passagem eacute como aquela que diz respeito agrave mulher apanhada em adulteacuterio [hellip] Noacutes natildeo preci-samos ter nenhuma hesitaccedilatildeo em mantecirc-la como uma genuiacutena parte da tradiccedilatildeo histoacuterica A histoacuteria eacute verdadeira quem quer que tenha escrito ela

Consideraccedilotildees finaisConsiderando toda a argumentaccedilatildeo proposta ao longo do trabalho

pode-se chegar a pelo menos cinco conclusotildees 1) os versiacuteculos 43 e 44 de Lucas 22 satildeo omitidos em diversos manuscritos antigos principalmente da famiacutelia alexandrina marcados com asteriscos em outros e transpostos den-tro do evangelho de Mateus em f13 2) a discussatildeo eacute melhor entendida quando vista em relaccedilatildeo agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo e neste sentido o texto eacute compreendido como sendo uma interpolaccedilatildeo feita provavelmente por razotildees teoloacutegicas 3) discussotildees a respeito de uma linguagem lucana natildeo conduzem a nenhuma conclusatildeo plausiacutevel sendo verdade que posto dentro de sua periacutecope os versos devem ser considerados no miacutenimo como uma quebra no texto um parecircntese na narraccedilatildeo 4) a figura de Jesus apresentada nos versiacuteculo 43 e 44 natildeo estaacute de acordo com o restante do Evangelho que

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apresenta Cristo sempre de maneira calma com o controle dele mesmo e da situaccedilatildeo sem medo da morte e 5) em vista de sua antiga data e clara impor-tacircncia dentro da tradiccedilatildeo cristatilde o relato deve ser considerado verdadeiro e um resgate feito por escribas do segundo seacuteculo salvando uma histoacuteria que de outra maneira teria sido esquecida E a estes escribas a nossa gratidatildeo

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Enviado dia 14012013Aceito dia 11032013

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedico-social

Church discipline and juridic-social reality

Jorge Lucien Burlandy1

ResumoAbstract

Durante o desenvolvimento da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) diver-sas mudanccedilas foram realizadas nas ediccedilotildees do Manual da Igreja (1932-2010) em especial no item de disciplina eclesiaacutestica a fim de aprimorar

sua praacutetica Natildeo obstante a lideranccedila da IASD costuma falhar na aplicaccedilatildeo desses princiacutepios em virtude do desconhecimento das implicaccedilotildees judiciais na praacutetica da disciplina Atraveacutes da anaacutelise do funcionamento de algumas normas da legislaccedilatildeo brasileira relacionadas com as praacuteticas religiosas e seus principais reflexos na apli-caccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica este artigo procura contextualizar a praacutetica discipli-nar e evitar desentendimentos correntes na administraccedilatildeo da igreja Palavras-chave Disciplina Legislaccedilatildeo Eclesiologia Manual da igreja

During the development of the Seventh Day Adventist Church several changes were made in the editions of the Church Manual (1932-2010) The ecclesiastical discipline had several modifications so it could be

applied in better ways However church leaders sometimes fail when applying discipline because they donrsquot know its judicial implications This article aims to approach the ecclesiastical discipline to the Brazilian legislation recommenda-tions about religious practices and how it interferes in the common procedure of discipline In this sense it may be possible to avoid misunderstandings and complications for the church administrators resulted from disciplineKey-words Discipline Legislation Ecclesiology Church Manual

1 Ex-diretor e professor do Seminaacuterio Latino-Americano de Teologia e pastor jubilado E-mail jorgeburlandyhotmailcom

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O Antigo Testamento apresenta ocasiotildees especiacuteficas onde Deus procu-ra orientar ou corrigir o seu povo atraveacutes de prescriccedilotildees legais (Ecircx 201-17 3225-28 Lv 101-6 Dt 134-35 171-7) Essas prescriccedilotildees variam abran-gendo tanto os elementos lituacutergicos como civis entre a naccedilatildeo teocraacutetica ndash principalmente apoacutes o estabelecimento das 12 tribos em Canaatilde sob a lide-ranccedila dos profetas e juiacutezes (Jz 37-114478 11 e 15 1Sm 72-4) Assim cada prescriccedilatildeo possui caraacuteter de beneficecircncia onde o proacuteprio Deus procura orientar Israel a fim de conservaacute-los no caminho da vida (Dt 624 3015 e 19 3247) O sentido juriacutedico dos mandamentos foi igualmente enfatizado no Novo Testamento atraveacutes das abordagens de Cristo em algumas ocasiotildees onde procura reutilizar-se de algumas das preleccedilotildees divinas (Mt 1815 191-8 Mc 101-8) Dessa forma eacute atraveacutes das prescriccedilotildees neotestamentaacuterias que encontramos as bases fundamentais para a praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica na Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) tema do nosso estudo2

Muito embora os apoacutestolos tenham seguido as prescriccedilotildees de Cristo a respeito da Disciplina Eclesiaacutestica (At 51-10 1Co 51-7) as proacuteprias Es-crituras atestam que apoacutes a morte dos uacuteltimos disciacutepulos de Jesus boa parte do cristianismo lentamente se afastava da Biacuteblia sendo assim influenciado por pensamentos e costumes pagatildeos (At 2029-30 2Ts 23 e 7)3 A Disciplina Eclesiaacutestica foi considerada como accedilatildeo redentiva e praticada com base nos princiacutepios biacuteblicos ateacute aproximadamente o seacuteculo IV Eacute compreendido que nos primeiros anos do cristianismo apoacutes Constantino as heresias eram pu-nidas apenas como castigos eclesiaacutesticos (como a excomunhatildeo) No periacuteodo da Idade Meacutedia (sec 12) que ela intensificou seu significado punitivo atraveacutes da ldquoSanta Inquisiccedilatildeordquo que inicialmente tratando de heresias praticaram brutalidades injustificaacuteveis em nome da suposta feacute cristatilde Com o passar do tempo a violenta correccedilatildeo praticada pelo pretenso cristianismo foi associa-da agrave praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica como um elemento essencialmente punitivo (JESCHKE 1972 p 10)

2 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste estudo o aprofundamento biacuteblico na teologia da Disciplina Eclesi-aacutestica As consideraccedilotildees que se seguem pressupotildeem um fundamento biacuteblico como princiacutepio norteador da praacutetica da disciplina 3 Durante os primeiros quatro seacuteculos as doutrinas de Cristo foram alteradas e cada mu-danccedila concedeu mais poder ao bispo ldquoJuntamente com tais pessoas de fora Paulo tambeacutem menciona a possibilidade de pessoas de dentro da igreja que adotariam ensinos pervertidos para seduzir a congregaccedilatildeordquo (MARSHALL 2006 p 312) Ellen G White (1999 p 587) alega que ldquoCedo na histoacuteria da igreja o misteacuterio da iniquidade predito pelo apoacutestolo Paulo iniciou sua calamitosa obra e quando os falsos ensinadores a cujo respeito Pedro advertiu os crentes exibiram suas heresias muitos foram seduzidos pelas falsas doutrinasrdquo

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Em ocasiotildees posteriores a feacute reformada (sec 16) procurou restabelecer as antigas praacuteticas biacuteblicas relacionadas agrave Disciplina Eclesiaacutestica A fim de apregoar a ldquopura doutrina do evangelhordquo segundo J Carl Laney (1985 p 43) a Confissatildeo Belga (1561) em solo reformado identificou a Discipli-na Eclesiaacutestica como ldquouma das marcas da verdadeira igrejardquo Isso tambeacutem ocorreu em situaccedilotildees posteriores como eacute o caso da IASD que procurou atraveacutes dos anos de seu desenvolvimento institucional aprimorar as orienta-ccedilotildees eclesiaacutesticas a respeito dessa praacutetica

Natildeo obstante algumas questotildees em relaccedilatildeo agrave praacutetica da disciplina ain-da continuam em parte pendentes em virtude do pouco conhecimento e das aplicaccedilotildees e conceitos errocircneos que continuam correntes por parte da membresia e da administraccedilatildeo pastoral Atraveacutes da anaacutelise histoacuterica do marco regulatoacuterio e teoacuterico-praacutetico acerca da Disciplina Eclesiaacutestica tal como apre-sentado no Manual da Igreja a seguinte questatildeo precisa ser debatida quais satildeo as principais dificuldades na praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica e como resolvecirc-

-las dentro da realidade juriacutedico-social brasileira Neste artigo trataremos de responder essa questatildeo a fim de sugerir praacuteticas que podem ser realizadas na Disciplina Eclesiaacutestica segundo o Manual da Igreja Adventista

A disciplina eclesiaacutestica e o Manual da Igreja

Os pioneiros da IASD antes de sua organizaccedilatildeo formal sentiram a ne-cessidade de adquirir propriedades para a construccedilatildeo de igrejas e de empre-ender a obra de publicaccedilotildees visto que a mensagem adventista estava sendo levada a novos territoacuterios Com o desenvolvimento da Igreja4 alguns liacutederes perceberam que a fim de que o movimento se fortalecesse algum tipo de ordem e disciplina deveria prevalecer em consenso Com a organizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral ndash oacutergatildeo administrativo mundial da Igreja ndash em 1863 se comeccedilou a registrar votos em suas assembleias relacionados com a adminis-traccedilatildeo eclesiaacutestica Contudo a ideia de se imprimir um manual foi rejeita-da pensava-se que com isso estaria tolhendo a liberdade de accedilatildeo dos seus

4 Neste trabalho utilizaremos o termo ldquoIgrejardquo com letra maiuacutescula para fazer referecircncia agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia como instituiccedilatildeo ou agrave Igreja cristatilde em geral perceptiacutevel em seu contexto Por outro lado utilizaremos o termo ldquoigrejardquo em letra minuacutescula a fim de fazer referecircncia agrave igreja local composta por uma comunidade comum de membros

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ministros (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 17)5 Somente no ano de 1932 eacute que foi publicado um manual por iniciativa da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral conforme solicitado ao vice-presidente JL McElhany apoacutes a aprovaccedilatildeo das mesas (BEACH 1979 p 11-13)

Foi a partir da impressatildeo do primeiro manual em inglecircs publicado em 1932 que se percebeu a necessidade de constantes atualizaccedilotildees a fim de aperfeiccediloar as praacuteticas eclesiaacutesticas Fatos como estes levaram a Igreja em assembleias mundiais posteriores a aperfeiccediloar a redaccedilatildeo e a introdu-zir orientaccedilotildees sobre aspectos novos natildeo abordados no manual anterior O multiculturalismo regional e mundial que influenciava as variadas formas de crenccedilas nas igrejas locais criou a necessidade de posicionamentos e votos especiais que levaram a votar o Conciacutelio Outonal de 1950 (apud GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p xxi)

que cada divisatildeo do campo mundial inclusive a Divisatildeo Norte--Americana prepare um suplemento do Novo Manual da Igreja natildeo para modificaacute-lo mas contendo o material adicional que seja aplicaacutevel agraves condiccedilotildees e circunstacircncias que prevaleccedilam na respec-tiva Divisatildeo Os manuscritos desses suplementos deveratildeo ser sub-metidos agrave consideraccedilatildeo da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral para serem por ela referendados antes de impressos

Sobre as alteraccedilotildees encontradas no Manual da Igreja em inglecircs da primei-ra impressatildeo em 1932 ateacute a de 1942 (1932 1934 1938 1940 1942) a seccedilatildeo sobre Disciplina Eclesiaacutestica que estava no capiacutetulo 4 a partir das ediccedilotildees de 1951 ateacute 1963 (1951 1959 e 1963) passaram a compor o capiacutetulo de nuacutemero 13 Quanto ao toacutepico ldquoRazotildees Para a Disciplina dos Membrosrdquo a ediccedilatildeo de 1967 teve uma pequena alteraccedilatildeo a seguinte de 1971 permaneceu igual agrave anterior As ediccedilotildees de 1976 1981 e 1986 tiveram alteraccedilotildees Na ediccedilatildeo de 1990 constata-se apenas uma nota contendo uma errata Quanto agraves ediccedilotildees de 1995 ateacute 2010 (1995 2000 2005 e 2010) todas tiveram alteraccedilotildees no capiacutetulo sobre a disciplina6

5 No entanto a mais alta instacircncia eclesiaacutestica continuava a registrar votos relativos agrave adminis-traccedilatildeo isto levou alguns influentes liacutederes a desejarem reunir esses votos num livro O Pastor JN Loughborough por iniciativa pessoal no ano de 1907 reuniu os votos em um livro de 184 paacutegi-nas intitulado A Igreja sua Organizaccedilatildeo Ordem e Disciplina (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 18) Essa obra ocupou por muito tempo um lugar de honra no movimento6 Todos os manuais em inglecircs citados estatildeo disponiacuteveis online no site da Conferecircncia Geral (1983) da Igreja Adventista do Seacutetimo dia Este trabalho foi baseado numa Tese doutoral com o mesmo tiacutetulo O capiacutetulo dois (ldquoDisciplina Eclesiaacutestica e o Manual da Igrejardquo) explo-

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Analisando os manuais publicados percebe-se que nos uacuteltimos anos a IASD preocupou-se em adequar as normas instrutivas do seu manual pro-porcionando natildeo apenas a adequaccedilatildeo das suas normas7 mas tambeacutem a refor-mulaccedilatildeo da estrutura da Disciplina Eclesiaacutestica aleacutem da ampliaccedilatildeo8 da seccedilatildeo sobre disciplina (notadamente as ldquoRazotildees para Disciplina dos Membrosrdquo)

Obstaacuteculos agrave aplicaccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica

Apesar de trabalhar intensamente em prol do aperfeiccediloamento da Dis-ciplina Eclesiaacutestica atraveacutes das vaacuterias reformulaccedilotildees dos seus manuais (edi-ccedilotildees de 1932 a 2010) a Igreja tem encontrado atraveacutes dos tempos diversos empecilhos que tecircm dificultado a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Den-tre as principais dificuldades estatildeo alguns empecilhos que tecircm se manifes-tado atraveacutes das diversas correntes filosoacuteficas e eclesiaacutesticas que moldam a sociedade e acabam influindo nas atividades da Igreja

Obstaacuteculos filosoacuteficosO movimento filosoacutefico-cultural que se constituiu num entrave e se

contrapocircs aos ensinos da Biacuteblia por exemplo foi o Iluminismo Apoacutes a Ida-de Meacutedia cresceram os movimentos anticlericais e os ataques ao dogmatismo

rou de maneira mais demorada cada alteraccedilatildeo encontrada no manual (tanto em inglecircs como em portuguecircs) do ano de 1932 ao ano de 20107 Como por exemplo quando a Igreja percebeu que os atos de violecircncia fiacutesica eram co-muns entre os da feacute bem como entre familiares Por isso um novo toacutepico passou a tratar da nova realidade Ateacute entatildeo os termos em portuguecircs usados nos manuais (1936 1958 1965 1981 1992 e 1996) para significar o desligamento de um membro da comunhatildeo eclesiaacutestica eram ldquoeliminaccedilatildeordquo e ldquoexclusatildeordquo na ediccedilatildeo de 2001 aparece a palavra ldquoremoccedilatildeordquo (GENE-RAL CONFERENCE OF SDA 2001 p 191)8 Na sexta ediccedilatildeo do manual em inglecircs foi ampliado o toacutepico de ldquoRazotildees para a Disciplina dos Membrosrdquo de quatro para sete itens com pequenas alteraccedilotildees nos itens jaacute existentes O primeiro item intitulado ldquoFalta de feacuterdquo mudou para ldquoNegaccedilatildeo da feacuterdquo O terceiro item passou a ser ldquoFraude ou deliberada falsidade no comeacuterciordquo o quarto item passou a ser ldquoProcedimento desordenado que traga oproacutebrio sobre a causardquo o quinto item passou a ser intitulado ldquoPer-sistente negativa quanto a reconhecer as autoridades da igreja devidamente constituiacutedas ou por natildeo querer submeter-se agrave ordem e agrave disciplina da igrejardquo o quarto item da ediccedilatildeo anterior foi desdobrado o sexto passou a ser ldquoO uso o fabrico ou venda de bebidas alcooacutelicasrdquo e o seacutetimo foi redigido como ldquoO uso ou o haacutebito de drogas narcoacuteticasrdquo (GENERAL CONFE-RENCE OF SDA 1951 p 224)

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religioso A Igreja Catoacutelica Romana dita cristatilde havia fortalecido as suas es-truturas hieraacuterquicas dominadoras Os que natildeo se submetiam ao clero eram perseguidos e destruiacutedos Ela dominava todos os aspectos da vida humana no mundo civilizado e impunha suas ideias e crenccedilas Quando a Europa cansada de tantas guerras e desiludida com o domiacutenio do clero comeccedilou a experimentar mudanccedilas culturais surgiram forccedilas que deram outro rumo agrave vida social e poliacutetica do continente europeu Estas forccedilas minaram o domiacute-nio da Igreja Catoacutelica Romana Assim os seacuteculos 14 15 e 16 viram nascer e se desenvolver o que hoje se conhece como o Renascimento Neste tempo comeccedilou-se a esboccedilar o emprego de meacutetodos cientiacuteficos na busca da verda-de cresceu o interesse no estudo da natureza e passou-se a valorizar mais o ser humano As trevas intelectuais predominantes na Idade Meacutedia foram substituiacutedas pelo Iluminismo que fez nascer a Idade da Razatildeo

Durante o Iluminismo buscou-se enaltecer o ser humano exaltando suas potencialidades valorizou-se as iniciativas dos leigos em detrimento das atividades da Igreja cristatilde Houve um esforccedilo consciente no sentido de se endeusar a razatildeo e incentivar o abandono de preceitos tradicionais do cristia-nismo9 Objetivaram o progresso de todas as atividades humanas sobretudo propugnando pela liberdade de exteriorizaccedilatildeo do pensamento (GEISLER 2002 p 410) O Iluminismo abriu as portas para o pluralismo religioso para a criacutetica biacuteblica e a rejeiccedilatildeo dela por influecircncia do Iluminismo passou-se a deslocar Deus do centro e a valorizar em demasia o potencial humano

Em virtude do combate frontal contra o professo cristianismo o con-ceito de pecado foi esquecido e a Igreja cristatilde perdeu sua relevacircncia Grenz (1997 p 109) comenta que os eacuteticos do Iluminismo afastaram-se da crenccedila de que todos os seres humanos nascem em pecado e satildeo naturalmente incli-nados agrave praacutetica do mal acolheram a afirmaccedilatildeo de John Locke (1632-1704) de que a mente humana a princiacutepio ldquoeacute como dissemos um papel branco desprovido de todos os caracteres sem quaisquer ideiasrdquo (LOCKE 1978 p 159) Tal postura por conseguinte distorce o ensino biacuteblico acerca da peca-minosidade intriacutenseca do ser humano (ver Sl 515 583 Ef 23) e abre ca-minho para reduzir a responsabilidade na praacutetica de atos maus enfraquece a ideia de que o pecado deve ser controlado pela graccedila de Deus e finalmente

9 Nesse sentido o Racionalismo apresentou-se ldquocomo filosofia que enfatiza a razatildeo como meio de determinar a verdaderdquo (GEISLER 2002 p 735) Para o racionalista a razatildeo eacute o uacutenico meio de se chegar agrave verdade Ao se exaltar a razatildeo eacute excluiacuteda a utilidade praacutetica da Biacuteblia Embora se encontre teses racionalistas desde os dias de Platatildeo na Greacutecia antiga o racionalismo ganhou im-portacircncia no meio cientiacutefico a partir do Iluminismo europeu com Descartes Spinoza e Leibniz

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vencido A uacutenica autoridade responsaacutevel pelos atos do ser humano eacute ele mes-mo natildeo devendo assim prestar contas a ningueacutem atraveacutes da disciplina

Com o crescimento do Iluminismo surge o Individualismo que em sua forma radical contraria posiccedilotildees da feacute cristatilde Este eacute o sistema de pen-samento que considera a sociedade apenas como um grupo de indiviacuteduos em que a pessoa tem um direito proacuteprio acima dos direitos coletivos10 Ateacute onde se pode concordar com o Individualismo sem afastar o ser humano da influecircncia beneacutefica de uma instituiccedilatildeo religiosa Segundo Melbourne (2007 p 126) ldquoa cultura ocidental eacute individualista Para muitos cristatildeos eacute gostoso fazer as coisas a sua maneirardquo Alguns aspectos desta corrente poreacutem po-dem receber o apoio cristatildeo quando fundamentados na Biacuteblia No dizer de Grenz (1997 p 243) ldquodevemos ter sempre em vista os temas biacuteblicos do cuidado de Deus para com cada pessoa a responsabilidade de todo ser humano diante de Deus e a orientaccedilatildeo individual que faz parte da mensa-gem de salvaccedilatildeordquo Deus criou cada ser humano com individualidade proacutepria que precisa ser respeitada Se por um lado o Individualismo fortalece a luta contra todas as formas de absolutismo e totalitarismo por outro lado quando levado aos extremos anula alguns aspectos positivos da vida em co-munidade ndash do ponto de vista social poliacutetico e econocircmico

Essa filosofia propagou os ldquodireitos inatos do indiviacuteduordquo como liber-dade para usar a razatildeo para determinar por si o que eacute certo e o que eacute erra-do poreacutem fez com que fossem extrapolados certos limites e se criassem

ldquodireitosrdquo que dificultaram a proclamaccedilatildeo da salvaccedilatildeo baseada na Biacuteblia O Individualismo extremado que rejeita a interferecircncia de outros em sua vida rejeita a accedilatildeo da igreja para ajudaacute-lo a direcionar as accedilotildees Essa posiccedilatildeo di-ficulta a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Por outro lado a igreja esti-mula a disciplina pessoal de cada crente promove a disciplina preventiva e quando necessaacuterio aplica a corretiva Para tudo isso eacute imprescindiacutevel a atuaccedilatildeo da comunidade de feacute e o respeito que eacute a consideraccedilatildeo bem como a responsabilidade que o cristatildeo deve ter quando pratica essa accedilatildeo

10 Por outro lado o coletivo levado a extremos tambeacutem eacute prejudicial Os ensinos de Je-sus conduzem agrave valorizaccedilatildeo e ao respeito do indiviacuteduo todavia o leva a uma nova vida e agrave inserccedilatildeo do mesmo na Igreja Aquele que entra para a Igreja (o Corpo de Cristo) pelo batismo compromete-se agrave submissatildeo aos princiacutepios e crenccedilas ensinados pela Igreja base-ados na Biacuteblia Os pilares da feacute cristatilde satildeo oriundos da Biacuteblia que juntamente com a accedilatildeo eclesiaacutestica exerceratildeo um saudaacutevel controle das accedilotildees individuais para o bem de todos O Individualismo tem algumas influecircncias positivas para sociedade humana ocidental foi agrave radicalizaccedilatildeo que o tornou prejudicial

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Ademais o ser humano poacutes-moderno resiste agrave ideia da existecircncia de uma verdade universal o que implica na perda de todo criteacuterio final para se avaliar as vaacuterias interpretaccedilotildees da realidade A verdade seria definida como aquilo que a sociedade crecirc ou ldquoo que eu creiordquo Nietzsche (1974 p 241-242) chegou a afirmar que ldquonada haacute que sustente os valores humanos exceto a vontade da pessoa que os possui As coisas tecircm valor em nosso mundo so-mente agrave medida que lhes damos valor A mente humana eacute a uacutenica fonte de valoresrdquo Esta posiccedilatildeo eacute contraacuteria ao ensinamento Biacuteblico e tambeacutem inviabi-liza o trabalho de recuperaccedilatildeo do pecador atraveacutes da Disciplina Eclesiaacutestica

Obstaacuteculos eclesiaacutesticos

A negligecircncia eclesiaacutestica

Segundo John White e Ken Blue ldquoa disciplina corretiva da igreja sempre esteve oprimida pelo conceito de que a pregaccedilatildeo da Biacuteblia inspirada pelo Es-piacuterito Santo gera por si soacute uma congregaccedilatildeo santificadardquo (WHITE BLUE 1985 p 26) Esse conceito parece promulgar a desconsideraccedilatildeo da praacutetica dis-ciplinar e enfatizar a pregaccedilatildeo biacuteblica como suficiente para corrigir e instruir a membresia Contudo eacute essencial termos em conta o que Berkhof (2002 p 528-529) considera como a ldquoterceira marca da igreja verdadeirardquo que aleacutem da pregaccedilatildeo e da celebraccedilatildeo dos ritos representa a praacutetica da disciplina11

A Disciplina Eclesiaacutestica contribui para a manutenccedilatildeo qualitativa da igreja A utilizaccedilatildeo da pregaccedilatildeo biacuteblica na educaccedilatildeo dos membros eacute essen-cial para a formaccedilatildeo do caraacuteter cristatildeo (ver 1Co 118 21) mas a exortaccedilatildeo eacutetica do puacutelpito natildeo pode excluir a Disciplina Eclesiaacutestica por esta constituir-

-se de uma praacutetica que edifica o corpo administrativo e relacional da igreja (Mt 1815-18 At 51-10 1Co 51-7) A pregaccedilatildeo Biacuteblica quando utilizada de maneira repreensiva estaacute limitada agrave aceitaccedilatildeo ou desconsideraccedilatildeo do ouvinte independentemente de sua relevacircncia Em ocasiotildees de necessidade extrema de correccedilatildeo ela natildeo eacute capaz de inverter o quadro organizacional da igreja tor-nando necessaacuteria a Disciplina Eclesiaacutestica Nas palavras de John White e Ken Blue (1985 p 27) o trato imediato das problemaacuteticas da igreja ldquonatildeo eacute reavi-vamento episoacutedico Eacute a igreja tratando com o pecado atraveacutes da disciplinardquo

11 O princiacutepio da disciplina estaria no sentido da ldquoconversatildeordquo que segundo Douglas (1999 p 319) significa ldquovoltar-se ou retornar para Deus As principais palavras originais para ex-pressar essa ideia satildeo no Antigo Testamento shuv (traduzida por lsquovoltar-sersquo ou lsquoretornarrsquo) e no Novo testamento strefomai (Mt 183 Jo 1240) [hellip] cf o portuguecircs lsquoconverter-sersquordquo

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O zelo quantitativo

Algumas igrejas podem manifestar certo receio no que se refere agrave aplica-ccedilatildeo da disciplina em virtude da diminuiccedilatildeo do nuacutemero de membros da comu-nidade Esse temor poreacutem natildeo parece ser justificaacutevel a menos que se deixe de implementar outras medidas (por exemplo o discipulado as classes biacuteblicas etc) para a conservaccedilatildeo dos membros juntamente com a aplicaccedilatildeo da disci-plina Por outro lado haacute igrejas mais preocupadas com nuacutemeros de membros do que com a pureza do caraacuteter deles Embora seja natural que se busque o crescimento da igreja a Biacuteblia parece valorizar mais o caraacuteter do crente do que a quantidade de pessoas que servem na congregaccedilatildeo (ver Jz 719 1Co 51-7)

Nesse sentido ldquoa disciplina natildeo faraacute com que a igreja recue Faraacute com que ela cresccedila natildeo apenas numericamente mas em poder de combate [hellip] As pessoas satildeo atraiacutedas agraves igrejas onde haacute disciplina de fatordquo (WHITE BLUE 1985 p 30) A igreja natildeo pode ser um exeacutercito recuado Na verdade uma congregaccedilatildeo forte espiritualmente experimentaraacute crescimento numeacuteri-co e tambeacutem quanto agrave pureza e santidade

A condiccedilatildeo imperfeita da comissatildeo

Haacute quem considere inapropriada a situaccedilatildeo em que um conjunto de membros se reuacutena a fim de julgar o caso de um faltoso visto que em ambos os lados nenhum deles possui um caraacuteter cristatildeo perfeito De fato a igreja eacute um lugar para pecadores poreacutem os que estatildeo sob influecircncia do Espiacuterito Santo natildeo desejam permanecer sob o jugo do pecado eles procuram permanecer em Cristo mesmo natildeo sendo perfeitos (ver 1Jo 229 39) Nesse caso a Discipli-na Eclesiaacutestica trataraacute de pecados manifestados publicamente Essa disciplina tambeacutem ajuda as pessoas a manterem-se distantes do erro cometido

O voto num processo disciplinar natildeo objetiva prejudicar o faltoso mas despertaacute-lo para a consciecircncia do mal praticado visto que o seu pecado se tor-nou puacuteblico Sobre uma experiecircncia de disciplina White e Blue (1985 p 77) escrevem ldquoEu natildeo havia percebido antes natildeo tinha consciecircncia de quatildeo enga-noso e doente era meu coraccedilatildeo nem quatildeo bom era Deus Nunca havia sentido antes Deus transformar meu coraccedilatildeo de pedrardquo Nesse caso o voto natildeo eacute prati-cado a fim de denegrir a imagem do proacuteximo mas para redimi-lo Contudo ldquoo homem natural natildeo aceita as coisas do Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 214) mesmo que o processo disciplinar seja bem conduzido alguns o rejeitaratildeo

A vista das dificuldades listadas acima nota-se que embora corren-tes elas natildeo satildeo inteiramente justificaacuteveis poreacutem ainda assim constituem

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obstaacuteculos para a aplicaccedilatildeo dos princiacutepios contidos no Manual da Igreja por acatarem questotildees filosoacuteficas baacutesicas que em certas ocasiotildees natildeo satildeo perce-bidas pelos membros da igreja Dessa forma como a Disciplina Eclesiaacutestica poderia atuar diante destas dificuldades sem ferir os direitos da Igreja e a dignidade dos membros

A disciplina eclesiaacutestica e a legislaccedilatildeo brasileira

A praacutetica eclesiaacutestica de disciplina natildeo pode estar limitada ao ambiente igrejeiro sem nenhuma participaccedilatildeo ou interferecircncias do Estado existem aspec-tos juriacutedicos que devem ser compreendidos antes da promulgaccedilatildeo de qualquer ato de correccedilatildeo principalmente quando envolve pessoas fiacutesicas Para compre-ender melhor o modo como a Legislaccedilatildeo Brasileira torna legiacutetimos os cuidados com a administraccedilatildeo da Igreja e em particular com aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica eacute necessaacuteria a compreensatildeo em suma do funcionamento de al-gumas leis especiacuteficas A Constituiccedilatildeo Federal eacute a lei maior as demais (Coacutedigo Civil o Comercial o de Processo Civil o Coacutedigo Penal e leis complementares os ldquoCoacutedigos Legaisrdquo) satildeo hierarquicamente inferiores mas estatildeo amparadas agrave medida que se sustentem na lei superior Elas formam um sistema unitaacuterio pois estatildeo interligadas (SIQUEIRA JR 2010 p 100-101) As leis menores devem concordar com a maior ou seja com a Constituiccedilatildeo Federal

As organizaccedilotildees religiosas no Brasil satildeo protegidas pela lei e devem funcionar respeitando as leis civis Na IASD o Estatuto Social das Uni-otildees12 e o Manual da Igreja satildeo fonte de conduta Uma vez estando em consonacircncia com as leis da Federaccedilatildeo as igrejas teratildeo o amparo delas este eacute o caso da IASD

A Constituiccedilatildeo Federal por exemplo proclama a dignidade humana Eacute reconhecido que o ser humano possui o poder de escolha ele natildeo somente tem vontade ele a exerce em seu proacuteprio paiacutes (BRASIL 2007) Por respeitar o livre arbiacutetrio humano a Legislaccedilatildeo Brasileira garante a livre crenccedila e culto no paiacutes ndash garantia aos direitos sociais e individuais A dignidade humana

12 Uniotildees compreendem unidades administrativas da IASD com igrejas num determinado territoacuterio de uma regiatildeo de proximidade geograacutefica formadas por alguns campos como as-sociaccedilotildees e missotildees As associaccedilotildees quase sempre abarcam as igrejas dentro de um Estado da Federaccedilatildeo Os estados com grande territoacuterio podem ser subdivididos em mais de um campo (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2000a p 26)

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ampara a capacidade de autodeterminaccedilatildeo todavia ressalta a responsabi-lidade moral do indiviacuteduo pelo exerciacutecio da sua vontade ao fazer escolhas tendo a liberdade religiosa como uma delas

Por consequecircncia a dignidade do ser humano preceituada na Cons-tituiccedilatildeo Federal conduz ao fato de que este tem o direito agrave autonomia da vontade sobretudo quando expressa desejos existenciais dentre as quais se inclui a dignidade religiosa (BARROSO 2010 p 28) ndash seu direito contu-do natildeo pode coligir com o direito de outros O ser humano tem responsabi-lidade moral por suas escolhas e deve dar conta delas A liberdade humana natildeo eacute total ela eacute limitada pela lei para preservar o harmonioso conviacutevio social13 Neste aspecto

eacute necessaacuterio estabelecer um limite entre a esfera da atividade do Estado e uma esfera proacutepria da liberdade individual O Direito natildeo eacute suficiente e apropriado para assuntos de pensamento consciecircn-cia e religiatildeo Portanto natildeo seratildeo as regras do direito que regeratildeo as regras desse homem as atitudes desse homem mas as suas atitu-des seratildeo regidas pelas regras ditadas pela sua consciecircncia tomaraacute esta ou aquela atitude segundo melhor lhe aprouver e de acordo com seus pensamentos e decisotildees (PALAIO 2005 p 4)

A praacutetica de uma religiatildeo eacute assunto de consciecircncia de foro iacutentimo sen-do assim livre da intromissatildeo do Estado desde que a praacutetica religiosa natildeo estimule a violaccedilatildeo da dignidade humana o Brasil natildeo tem uma religiatildeo ofi-cial ndash embora natildeo trabalhe de forma antirreligiosa (MENDES et al 2008 p 418) como pode ser notado na promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 onde os constituintes escreveram no preacircmbulo ldquonoacutes representantes do povo brasileiro [hellip] promulgamos sob a proteccedilatildeo de Deus a seguinte Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasilrdquo (BRASIL 2011a p 15) Assim o Estado brasileiro permite a celebraccedilatildeo de todos os tipos de cultos consente que toda e qualquer religiatildeo se estabeleccedila em seu territoacuterio desde que respeitem as leis do paiacutes Segundo Mendes et al (2008 p 417) ldquona liber-dade de religiatildeo inclui-se a liberdade de organizaccedilatildeo religiosa O Estado natildeo pode interferir sobre a economia interna das Associaccedilotildees religiosasrdquo Por

13 Em Romanos 131 Paulo alega que ldquotodo homem esteja sujeito agraves autoridades superiores porque natildeo haacute autoridade que natildeo proceda de Deus e as autoridades que existem foram por ele constituiacutedasrdquo Pedro 213-15 tambeacutem procura exortar os crentes a sujeitarem-se ldquoa toda instituiccedilatildeo humanardquo e isso ldquopor causa do Senhorrdquo (ver Ec 82-4)

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conseguinte uma vez que o Estatuto Social (normas que regem as Uniotildees na IASD) e o Manual da Igreja (normas que regem a IASD no mundo todo) es-tejam em conformidade com as leis do paiacutes como eacute o caso a Igreja tem todo o direito de reger a vida dos que pertencem a esta entidade religiosa ela pode se pronunciar livremente a respeito da conduta de seus membros quando em conformidade com as leis nacionais14 Pode-se dizer que no Brasil qual-quer pessoa pode professar a feacute que escolher

A Igreja passa a existir do ponto de vista legal no momento em que o seu Ato Constitutivo (ou Estatuto Social15) eacute registrado no Cartoacuterio de Registro Civil Passa entatildeo a ser uma pessoa juriacutedica de direito privado A Igreja como personalidade juriacutedica possui seus direitos Sobre isto diz Garcia (2003 p 47)

Por serem entidades dotadas de personalidade pelo ordenamen-to juriacutedico-positivo as pessoas juriacutedicas tem direitos de perso-nalidade ou seja direito ao nome agrave marca agrave honra objetiva agrave imagem ao segredo etc [hellip] Como exemplo de construccedilatildeo ju-

14 Nas palavras de Mendes et al (2008 p 417) ldquona liberdade religiosa incluem-se a liberda-de de crenccedila de aderir a alguma religiatildeo e a liberdade do exerciacutecio do culto respectivo A lei deve proteger os templos e natildeo deve interferir nas liturgias a natildeo ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipoacutetese consideradardquo15 Ato Constitutivo eacute o documento que torna legal a existecircncia de uma pessoa juriacutedica apoacutes ser registrado no Cartoacuterio ou Oficio de Registro Civil de Pessoas Juriacutedicas da comarca onde ela estaacute estabelecida Estes atos satildeo chamados na maioria das vezes de Estatuto Social Nele deve constar sua denominaccedilatildeo seus objetivos sociais sua constituiccedilatildeo (por exemplo uma associaccedilatildeo de pessoas fiacutesicas) a localizaccedilatildeo da sua sede o territoacuterio de sua abrangecircncia como seraacute administrada como se processa a eleiccedilatildeo de seus diretores por quanto tempo eacute o mandato da diretoria quais satildeo as atribuiccedilotildees principais de cada membro da diretoria as responsabilidades de natureza civil fiscal e tributaacuteria trabalhista previdenciaacuteria fundiaacuteria e sindical dos seus empregados como seus objetivos sociais deveratildeo ser alcanccedilados qual o pro-cedimento para que ela possa ser desconstituiacuteda e a declaraccedilatildeo da sua duraccedilatildeo (se por tempo determinado ou indeterminado) No caso de firmas comerciais o Ato Constitutivo eacute chama-do de Contrato Social e eacute registrado nas Juntas Comercias dos Estados (DINIZ 2005 v 2 p 378-493) O Estatuto impresso pela Uniatildeo Central Brasileira da IASD que compreende o Estado de Satildeo Paulo prevecirc o seguinte ldquoArt1ordm ndash [hellip] ldquoUniatildeo Central Brasileirardquo regida e administrada pelo presente Estatuto eacute uma organizaccedilatildeo religiosa pessoa juriacutedica de direito privado nos termos da Constituiccedilatildeo Federal e do inciso IV do art 44 da lei nordm 104062002 de fins eclesiaacutesticos e evangeliacutesticos natildeo lucrativos [hellip] Art 3ordm ndash O Manual da Igreja e os Regulamentos Eclesiaacutestico-Administrativos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia constituem normas subsidiaacuterias da Legislaccedilatildeo Brasileira e do presente Estatuto na gestatildeo e administra-ccedilatildeo da Uniatildeo Central (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2008 p 1-2)rdquo

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risprudencial sobre danos morais citamos a Suacutemula 227 de 8 de setembro de 1999 do Superior Tribunal de Justiccedila A pessoa ju-riacutedica pode sofrer dano moral

Dessa forma assim como a Igreja que na qualidade de instituiccedilatildeo goza de proteccedilatildeo legal o cidadatildeo brasileiro vive tambeacutem sob o amparo da lei O que significa que se algueacutem ou alguma instituiccedilatildeo de alguma forma for atingido em sua imagem fama honra ou respeitabilidade tem amparo legal para se defender (BRASIL 2011b p 228) A vista disto eacute necessaacuterio que haja cuidado no caso aqui na igreja em natildeo atingir com palavras faladas ou escritas a dignidade de alguma pessoa (GARCIA 2003 p 48) Se isso ocorrer e o ofendido quiser processar judicialmente o ofensor e requerer in-denizaccedilatildeo por danos materiais ou morais teraacute o direito de fazecirc-lo Contudo o mesmo direito ao reclame por danos morais pode ser postulado pela Igreja

Assim deve-se estar atento para os seguintes aspectos 1) razotildees para disciplina satildeo apenas as que constam no Manual da Igreja no capiacutetulo que trata do assunto 2) um membro que falhou na vida espiritual deve ser con-frontado ouvido e aconselhado para que tudo se esclareccedila e se escolha as melhores accedilotildees futuras 3) caso o pecado seja grave havendo comprovaccedilatildeo a comissatildeo da igreja deve se reunir para tratar do assunto o faltoso deve ser avisado por escrito a fim de que tome as providecircncias pessoais necessaacuterias16 4) O Manual da igreja (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p 198) veda a representaccedilatildeo da pessoa cujo caso a comissatildeo vai analisar por um advogado 5) todo membro tem o direito de ser ouvido em defesa proacute-pria 6) deve-se dar ao faltoso o tempo necessaacuterio para organizar a sua defe-sa 7) o faltoso permaneceraacute na sala ateacute o esclarecimento do ocorrido 8) a deliberaccedilatildeo final da igreja deve ser feita num saacutebado de manhatilde 9) a decisatildeo seraacute tomada pela maioria dos presentes 10) quando a igreja for tratar o caso em assembleia o faltoso natildeo poderaacute falar em sua defesa (isso deve ter sido feito anteriormente) 11) o secretaacuterio(a) deve ser instruiacutedo(a) a registrar o ocorrido de forma geneacuterica atraveacutes de uma fraseologia que englobe o que

16 O secretaacuterio deve ficar com uma coacutepia do aviso pois a igreja pode precisar dele mais tarde Isso se justifica caso ocorra um possiacutevel processo judicial no qual conste o local o dia e a hora em que a comissatildeo da igreja vai se reunir visto que o faltoso tem o direito de estar presente caso queira ouvir o que se tem a dizer sobre o seu procedimento e se desejar contar a sua versatildeo dos fatos se defender produzindo provas e levando testemunhas a seu favor O aviso de que a comissatildeo vai estudar o seu caso deve ser formal

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aconteceu como ldquotransgressatildeo de mandamento da lei de Deusrdquo17 12) a ata deve ser cuidadosamente guardada

Sobre o recebimento ou desligamento de membros ningueacutem eacute forccedilado a se unir agrave Igreja nem a permanecer nela O ingresso como membro regular da igreja pode ocorrer pelos seguintes modos i) transferecircncia por carta de uma agrave outra igreja ii) por profissatildeo de feacute18 iii) ou por batismo Em todos os casos os membros da igreja local reunidos em assembleia votam se aceitam ou natildeo o candidato como membro A ldquoprofissatildeo de feacuterdquo confirmaraacute agrave igreja a tomada de decisatildeo quanto agrave aceitaccedilatildeo ou natildeo do indiviacuteduo Do mesmo modo se achar por bem assim fazecirc-lo a igreja pode retirar do registro de membros aqueles que natildeo vivem mais os princiacutepios ensinados por ela Quan-do um caso disciplinar for levado agrave consideraccedilatildeo da igreja reunida adminis-trativamente em assembleia cogita-se que o faltoso estaacute no uacuteltimo estaacutegio da disciplina As praacuteticas de disciplina preventiva foram esgotadas foi advertido e repreendido sem resultados O degrau posterior agrave disciplina eacute a remoccedilatildeo

Assim as leis brasileiras amparam o exerciacutecio da Disciplina Eclesiaacutesti-ca contudo elas devem ser observadas tambeacutem dentro da praacutetica do Manual da Igreja Agir dessa forma traacutes paz e seguranccedila para a accedilatildeo disciplinar

Exemplos de casos disciplinaresAgraves vezes a sentenccedila do juiz eacute favoraacutevel agrave Igreja outras vezes natildeo Veja-

-se os exemplos que seguem 1) Foi movida uma accedilatildeo cautelar agrave Uniatildeo Central Brasileira da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia19 pois uma das igrejas desse territoacuterio removeu do

17 Quanto ao pecado especiacutefico for o ldquoadulteacuteriordquo esta palavra natildeo deve constar na ata bem como qualquer outro que embora evidente seja difiacutecil de provar Caso ali se escreva alguma coisa que for julgado ofensivo a algueacutem e a pessoa entender que sua imagem foi atingida e tiver acesso agrave ata se ele quiser poderaacute mover um processo contra os responsaacute-veis pela declaraccedilatildeo levando-os a uma corte de justiccedila18 Para explicar o que eacute profissatildeo de feacute eacute necessaacuterio analisar o capiacutetulo que fala sobre esse assunto no Manual da Igreja (GENERAL CONFERENCE SDA 2010 p 55) ldquoRe-cebimento de Membros Sob Condiccedilotildees Difiacuteceis ndash Algumas vezes condiccedilotildees mundiais impedem a comunicaccedilatildeo para transferecircncia de membros Em tais circunstacircncias a igreja que recebe o membro em conselho com a Associaccedilatildeo se certificaraacute da situaccedilatildeo dessa pessoa e entatildeo receberaacute como membro por profissatildeo de feacute Se posteriormente as vias de comunicaccedilatildeo com a igreja ou Associaccedilatildeo de origem do membro se abrirem a igreja onde foi recebido enviaraacute uma carta informando o que foi feitordquo 19 Uniatildeo Central Brasileira refere-se agrave unidade administrativa da Igreja que tem atuaccedilatildeo e

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rol de membros algumas pessoas julgadas passiacuteveis de disciplina eclesiaacutestica O grupo removido entrou com processo contra a igreja local alegando que natildeo tiveram oportunidade de demonstrar suas razotildees de defesa ferindo as-sim o texto expresso da Constituiccedilatildeo Federal Os removidos exigiram con-cessatildeo de uma liminar para que fossem reintegrados ao quadro de membros novamente o que natildeo conseguiram

O magistrado reconheceu a condiccedilatildeo laica do Estado ao declarar que os que elaboraram a Constituiccedilatildeo Brasileira escolheram entre outros dois pos-tulados como seguem no Inciso I da Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a)

Art 19 Eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios I ndash estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionaacute-los embaraccedilar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relaccedilotildees de dependecircncia ou alianccedila ressalvada na forma da lei a colaboraccedilatildeo de interesse puacuteblico II ndash recusar feacute aos documentos puacuteblicos III ndash criar distinccedilotildees entre brasileiros ou preferecircncias entre si

A juiacuteza de Direito Rebeca Mendes Batista Mazzo citou o artigo 267ordm inciso VI do Coacutedigo de Processo Civil e vendo que tudo fora feito den-tro da legalidade natildeo encontrou motivos nem propriedade para atender ao pedido dos requerentes deu ganho de causa agrave Igreja em seu direito de deli-berar sobre a condiccedilatildeo de seus membros assinando a sentenccedila na cidade de Sertatildeozinho em Satildeo Paulo em 25 de Outubro de 2005

2) Um membro da IASD no Estado de Satildeo Paulo entrou com um processo contra a igreja que o disciplinou removendo-o do rol de mem-bros alegando que a accedilatildeo disciplinar ocorreu ldquosem que fosse adotado o procedimento previsto no Manual da Igreja uma vez que natildeo teve oportu-nidade de apresentar defesardquo como pode ser visto nos autos do processo nordm 23452002 sob jurisdiccedilatildeo da Juiacuteza Substituta Alexandra Laskowki (2003) no Foacuterum de Sorocaba (SP) Cartoacuterio do 2deg Oficio Civil Ele requereu sus-pensatildeo da decisatildeo de remoccedilatildeo e a determinaccedilatildeo para que seja notificado das acusaccedilotildees com antecedecircncia miacutenima de dez dias e que haja convoca-ccedilatildeo por edital da reuniatildeo A igreja apresentou contestaccedilatildeo alegando que a pessoa foi convocada para uma reuniatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo

abarca os campos como as associaccedilotildees e missotildees que estatildeo no estado de Satildeo Paulo

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e deixou de comparecer e acrescentou que o faltoso natildeo negou os motivos que ensejaram a sua remoccedilatildeo

A pessoa implicada apresentou reacuteplica alegando a natildeo observaccedilatildeo do procedimento adequado Consta nos autos do processo

com efeito o manual da igreja requerida determina o direito de defesa antes da votaccedilatildeo de exclusatildeo do membro conforme docu-mento de fls 5152 O requerente foi comunicado sobre a reuniatildeo para a sua exclusatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo conforme confessa a requerida em sua contestaccedilatildeo assim evidente que natildeo foi possiacutevel a apresentaccedilatildeo de sua defesa (LASKOWKI 2003)20

ldquoRequeridardquo no texto supracitado se refere agrave igreja A justiccedila deu ga-nho de causa agrave pessoa removida suspendendo os efeitos da decisatildeo da as-sembleia da igreja local Os defensores da igreja entraram com uma apelaccedilatildeo ciacutevel pedindo revisatildeo a justiccedila negou provimento ao pedido ficando anu-lada a decisatildeo de excluir a pessoa ateacute que ocorresse um reestudo do caso agora tendo de ser atendido o Manual da Igreja

Consideraccedilotildees finaisNatildeo se deve pensar a Disciplina Eclesiaacutestica apenas no seu aspecto

corretivo fornecendo assim conotaccedilatildeo negativa a ela muitos confundem disciplina com castigo e rejeiccedilatildeo a Disciplina Eclesiaacutestica tem caraacuteter re-tentivo Deste modo pode-se promover o amadurecimento espiritual do cristatildeo com os recursos da disciplina preventiva e estimular a jornada cristatilde evitando futuros tropeccedilos Estes procedimentos visam sobretudo trazer de volta o membro afastado zelar pelo bom nome da Igreja e desestimular os outros a atitudes semelhantes

A vista disso eacute importante lembrarmos que as accedilotildees da Igreja satildeo cir-cunscritas agrave sua jurisdiccedilatildeo e devem ser aplicadas dentro das normas estabe-lecidas no Manual da Igreja que diante da Legislaccedilatildeo Brasileira eacute um do-cumento restrito aos adeptos da IASD Como pessoa juriacutedica a instituiccedilatildeo

20 Direito de defesa e contraditoacuterio Na Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a) no art 5ordm inciso LV encontra-se que ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e os acu-sados em geral satildeo assegurado o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo O desdobramento deste inciso daacute ao que esta sendo julgado direito a informaccedilatildeo direito a manifestaccedilatildeo e direito de ver seus argumentos considerados

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procura trabalhar em sintonia com a legislaccedilatildeo em questotildees ligadas agrave digni-dade humana agrave autonomia de vontade etc consoante agrave legislaccedilatildeo as praacute-ticas eclesiaacutesticas referentes agrave disciplina tecircm caraacuteter legal entre os adeptos da comunidade que concordaram ser regidos pelos costumes e crenccedilas da instituiccedilatildeo Por outro lado existem ainda condiccedilotildees de jurisdiccedilatildeo pessoal que quando desrespeitadas na ocasiatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica podem ocasionar em processos contra a Igreja

Atraveacutes da praacutetica da disciplina em conformidade com as normas preacute-estabelecidas no Manual da Igreja os membros da comunidade po-deratildeo agir com respeito agrave dignidade do membro disciplinado Mesmo quando confrontados com obstaacuteculos que parecem constranger a aplica-ccedilatildeo da disciplina a comissatildeo deve considerar que as accedilotildees eclesiaacutesticas satildeo legiacutetimas diante da lei e que em nenhuma hipoacutetese procuram traba-lhar a fim de prejudicar seus membros

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Enviado dia 20112012Aceito dia 10032013

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de

L R ConradiA historical survey about L R Conrad dissidence

Renato Stencel1 Alex Voos2

ResumoAbstract

As crises ocorridas na Igreja Adventista tecircm sido frequentemente recon-tadas Geralmente tem-se enfatizado as crises e dissidecircncias envolven-do personagens da ala estadunidense da Igreja entretanto outras alas

da denominaccedilatildeo tambeacutem sofreram com o ataque de criacuteticos e desertores Neste cenaacuterio a apostasia de Ludwig Richard Conradi se destaca por ter sido um marco histoacuterico proporcional agrave outros eventos Ademais a atuaccedilatildeo negativa de Conradi contra o ministeacuterio de Ellen G White eacute de particular interesse para aqueles que discutem sua autoridade profeacutetica Este artigo visa a traccedilar um breve relato his-toacuterico da dissidecircncia de Conradi e constatar as consequecircncias de sua apostasia no desenvolvimento da Igreja Adventista no cenaacuterio EuropeuPalavras-chave Dom Profeacutetico Ludwig R Conradi Dissidentes Identida-de Denominacional

1 Doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Metodista de Piracicaba (2006) mestre em Educaccedilatildeo pela Andrews University (1993) e bacharel em Teologia e Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Atualmente atua como professor no Unasp e como diretor do Centro Nacional de Memoacuteria Adventista do Centro de Pesquisas Ellen G White E-mail renatostencelunaspedubr2 Bacharelando em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail alxvoosgmailcom

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The crises from the Seventh-Day Adventist Church have been frequently re-told The crises and dissidences involving personalities from the north-Ame-rican part of church tend to be more emphasized Therefore other groups

from church also suffered attacks of dissidents Proportionally to other events the apostasy of Ludwig Richard Conradi is historically remarkable in the scenario Fur-thermore Conradirsquos negative behavior against Ellen G Whitersquos ministry is particularly interesting for those who discuss her prophetical authority This article aims to trace a brief historical narrative of Conradirsquos dissidence and to identify the consequences of his apostasy on the development of the European SDA ChurchKeywords Prophetic gift Ludwig R Conradi Dissidents Church Identity

Origem e ministeacuterio3

Ludwig Richard Conradi nasceu em Karlsruhe Alemanha no ano de 1856 Desde cedo foi apaixonado pelos estudos (RANDOLPH 1940 p 5-12) e aos 15 anos jaacute possuiacutea boas noccedilotildees de latim grego e francecircs e uma voracidade pelas disciplinas de histoacuteria e geografia Contudo enquanto se preparava para ser padre Conradi perdeu o pai e foi forccedilado a abandonar o seminaacuterio catoacutelico4 Migrou entatildeo para os EUA e conheceu a mensagem adventista enquanto trabalhava em um fazenda do estado de Iowa

Juntando suas poucas economias e contando com o sacrifiacutecio dos irmatildeos de Iowa Conradi se dirigiu em 1879 ao Batlle Creek College (HEINZ 1987 p 19 SCHWARZ 2009 p 137) Acostumado com uma vida que exigia todas suas energias Conradi terminou seus estudos em 18 meses apenas um terccedilo do tempo estimado Ao mesmo tempo em que estudava ele tambeacutem era a principal forccedila por detraacutes da publicaccedilatildeo do

3 Este artigo eacute um resumo da monografia natildeo publicada ldquoLudwig R Conradi Finis Origini Dependet uma anaacutelise de sua vida e ministeacuteriordquo originalmente apresentada na XI Jornada Biacuteblico-Teoloacutegica da Faculdade Adventista de Teologia Engenheiro Coelho (VOOS 2011) A monografia se encontra arquivada no Centro de Pesquisas Ellen G White ndash Brasil4 Mais dados biograacuteficos a respeito dos primeiros anos de L R Conradi ateacute o seu ingresso no meio adventista podem ser encontrados em Heinz (1987) Strayer (1996) The Departmet (1944) Delafield (1957 p 286) Grob (1974 p 1-2) e Neufeld (1996 v 10 p 406)

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Stimme der Wahrheit primeiro perioacutedico adventista a ser enviado para o Brasil (HEINZ 1987 p 19 NEUFELD 1996 v 10 p 406 SCHWARZ 2009 p 222 GREENLEAF 2011 p 24)5

Ministeacuterio nos EUAApoacutes sua graduaccedilatildeo o carente e dedicado estudante foi presenteado com

uma beca de formatura pelo casal White Tiago White na eacutepoca presidente da Associaccedilatildeo Geral percebendo as competecircncias do jovem alematildeo convidou--o para ser seu secretaacuterio particular entretanto Conradi recusou o convite de White e preferiu engajar-se diretamente no trabalho evangeliacutestico (RANDOL-PH 1940 p 6 DELAFIELD 1957 p 289 GROB 1974 p 3 GERHAR-DT 1977 p 3 HEINZ 1987 p 19) e se destacou como um dos pioneiros ao trabalhar com a comunidade de imigrante alematildees nos EUA Logo o trabalho progrediu e em abril de 1882 foi organizada em Milltown a primeira Igreja Adventista de fala alematilde (REIMCHE 1982 p 9 WEARNER 1984 p 4-5 WEARNER1995 p 14 SCHWARZ 2009 p 137) Entre os conversos de origem alematilde se encontrava George Riffel que posteriormente emigrou para a argentina e se tornou o primeiro difusor da mensagem adventista na Ameacuterica do Sul (WEARNMER 1984 p 4-6 WEARNMER 1995 p 13-15 NEU-FELD 1996 v 11 p 870 SCHWARZ 2009 GREENLEAF 2011 p 22-23)

Embora no comeccedilo dos anos 1880 a Igreja estivesse apenas ensaiando seus primeiros desafios missionaacuterios natildeo era possiacutevel imaginar que o traba-lho de Conradi entre os imigrantes alematildees fosse influenciar tanto o avanccedilo das missotildees Os novos conversos passaram a enviar folhetos para Ruacutessia e outros difundiram a mensagem mudando-se para outras regiotildees dos EUA e Canadaacute (DUPUY 1976 p 6 REIMCHE 1982 p 9 LOHNE 1988 SCHWARZ 2009 p 211) Sob a lideranccedila de Conradi a ala germacircnica da Igreja constituiria nas primeiras deacutecadas do seacuteculo vinte os pilares do avan-ccedilo missionaacuterio Adventista sob o mundo

Ministeacuterio na EuropaEm 1886 a Conferecircncia Geral votou o envio de Conradi agrave Europa para

assumir a carecircncia de lideranccedila que J N Andrews deixaraacute ao morrer ldquoDentro de cinco anos ele havia organizado um instituto de treinamento para colpor-tores e obreiros biacuteblicos uma missatildeo urbana e um complexo de publicaccedilotildees

5 Para uma maior compreensatildeo da relaccedilatildeo entre o envio das primeiras correspondecircncias e o surgi-mento do adventismo no Brasil ver Borges (2000 p 45-62) e Rosa (2004 p 17-20)

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em Hamburgordquo (SCHWARZ 2009 p 211) Em 1890 os campos alematildeo e russo foram unificados sob sua lideranccedila (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Os colportores passaram a agir natildeo apenas em territoacuterio alematildeo mas tambeacutem em outros paiacuteses Cedo a literatura adventista comeccedilou a ser distribu-iacuteda entre os Paiacuteses Baixos Aacuteustria Checoslovaacutequia Polocircnia e outros lugares O campo europeu era fragmentado em diversas liacutenguas e a toleracircncia religiosa se mostrava muitas vezes precaacuteria Conradi entendeu que a colportagem era a estrateacutegia perfeita esse contexto missionaacuterio (HEINZ 1984 p 19 HEINZ 1987 p 13 SCHWARZ 2009 p 212 276)

Temporariamente os adventistas alematildees conseguiram auto sustentar-se financeiramente e financiaram obreiros em outros campos Seus primeiros re-presentantes foram enviados para o Brasil em 1895 (SCHWARZ 2009 p 276)

Em meio a todo esse processo Conradi parece ter mantido o vigor e o ritmo dos anos de estudante em Battle Creek Entre os anos 1890-1896 o trabalho de Conradi resumiu-se em 1) Batizar e organizar muitas igrejas 2) traduzir livros e 3) liderar a Igreja na Alemanha e Ruacutessia (GROB 1974 p 6) Durante sua vida Conradi manteve um niacutevel de atividade incriacutevel e se sen-tia bem dormindo somente de 3 agrave 4 horas por noite (HEINZ 1987 p 17 STRAYER 1996 p 10-11)

Durante a Conferecircncia Geral de 1901 foi criada no campo europeu a Primeira Divisatildeo da histoacuteria da Igreja Adventista e Conradi eleito o seu pre-sidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Levando a igreja aleacutemEm 1902 a Igreja na Alemanha contava com uma ativa comunidade

de quatro mil membros batizados Essa numeraccedilatildeo era duvidosa mas Con-radi entendeu que o predomiacutenio da Alemanha sob suas colocircnias africanas natildeo poderia deixar de ser aproveitado Apoacutes persuadir funcionaacuterios de alta influecircncia no governo alematildeo as portas foram abertas para que as missotildees adventistas atuassem com liberdade irrestrita nos territoacuterios sob coloniza-ccedilatildeo alematilde o que compreendia boa parte do continente africano (MORRIS 1911 p 5 HAY 1991 p 4-5)

Em 1903 Conradi foi eleito vice-presidente da Associaccedilatildeo Geral ao lado de W W Prescott enquanto Arthur Daniells era o presidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406) Conradi tambeacutem direcionou o avanccedilo missionaacuterio para a regiatildeo dos Baacutelcatildes o Impeacuterio Turco e o Egito Com a perda das colocircnias alematildes apoacutes a I Guerra Mundial o esforccedilo missionaacuterio foi realinhado em direccedilatildeo agraves Iacutendias Orientais e Holandesas e partes da China (SCHWARZ 2009 p 276)

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O desenrolar do progresso da Igreja na Alemanha natildeo soacute revelou uma estaacutevel comunidade adventista mas tambeacutem o despertar de uma consciecircncia evangeliacutesticomissionaacuteria muito forte nos anos que se seguiram Durante as primeiras deacutecadas do seacuteculo 20 a comunidade alematilde veio a se tornar ao lado dos EUA o segundo pilar do movimento adventista natildeo soacute no nuacutemero de membros e estrutura organizacional como tambeacutem no esforccedilo missionaacuterio

Desenvolvimento teoloacutegico e dissidecircncia

Agrave semelhanccedila de outras a apostasia de Conradi foi um processo longo e gradual Desde os primeiros ldquosintomas apoacutestatasrdquo ateacute o seu desligamento defi-nitivo da Igreja no final de 1931 haacute um longo periacuteodo de mais ou menos 45 anos

Conversatildeo e formaccedilatildeo adventistaEmbora Conradi tenha no tempo de seminarista recebido uma consi-

deraacutevel formaccedilatildeo catoacutelica natildeo parece que esse fator desempenhado um pa-pel relevante em sua apostasia Desvencilhar-se das antigas pressuposiccedilotildees pode natildeo ter sido um problema mas a raacutepida passagem pelo Battle Creek College provavelmente tenha proporcionado uma base adventista pouco soacute-lida (GERHARDT 1977 p 8)

O primeiro contado de Conradi com os adventistas ocorreu em uma regiatildeo do estado de Iowa onde a igreja havia sido afetada por um movimento dissidente denominado Marion Party (NEUFELD 1996 v 11 p 32) Pou-co se falava sobre o dom profeacutetico de Ellen G White em Iowa mas quando o assunto surgia era sempre evitado (HEINZ 1998 p 32) B F Snook e W H Brinkerhoff liacutederes do movimento dissidente haviam levantado uma campanha contra Ellen G White e a lideranccedila de James White presidente da Associaccedilatildeo Geral Quando Conradi se converteu ainda pairavam sobre a igreja em Iowa algumas reminiscecircncias desta crise

Ingresso no ministeacuterioEm 1883 enquanto Conradi estava trabalhando entre os imigrantes

alematildees ele enviou um exemplar do livro de Ellen G White Steps to Christ (Caminho agrave Cristo) para Joseph Szalay editor do The Christian um perioacutedi-co presbiteriano impresso em Budapeste Hungria O Pastor Szalay retornou

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a correspondecircncia a Conradi dizendo que tambeacutem gostaria de publicar o livro em Huacutengaro Feliz com a resposta Conradi teceu elogios ao conteuacutedo escrito por Ellen G White e publicou seu testemunho na Review and Herald reportando que o livro havia provocado uma profunda impressatildeo no prega-dor presbiteriano (CONRADI 1894 p 20-21 SZIGETI 1983 p 19)6

Durante os primeiros anos do trabalho de Conradi nos EUA Ellen G White apreciou a obra do eneacutergico e jovem pastor No sermatildeo da uacuteltima sessatildeo da Conferecircncia Geral de 1883 ela disse

Quando eu ouviu o testemunho do irmatildeo Conradi eu pude ver porque ele foi tatildeo bem sucedido Ele foi extremamente sincero na obra Ele toma a obra como se ele pretendesse fazer algo com ela Natildeo eacute somente a habilidade que confere sucesso conquanto o ta-lento e a habilidade santificados satildeo instrumentos refinados nas matildeos de Deus ela deve ser aplicada de maneira sincera na obra (WHITE E G 1990 1994 v 2 p 12 traduccedilatildeo livre)

Crises na EuropaEm 1886 quando Conradi foi enviado para o continente europeu encon-

trou-se com Ellen G White que estava em viagem pela Europa desde agosto de 1885 (DELAFIELD 1957 p 286 WHITE A L 1984 p 264) Esse foi pro-vavelmente o periacuteodo de convivecircncia mais proacutexima que os dois tiveram Con-radi acompanhou-a em algumas viagens e atuou como seu tradutor em vaacuterias ocasiotildees (DELAFIELD 1957 p 286) Alguns meses depois Conradi foi preso na Ruacutessia apoacutes organizar uma Igreja e realizar alguns batismos A situaccedilatildeo legal dele parecia muito delicada e ela lhe enviou uma confortante carta

Querido irmatildeo [hellip] Noacutes podemos ver agora mais claramente algu-mas das dificuldades que existem no caminho daqueles que que-rem obedecer a Deus Noacutes natildeo poderiacuteamos reconciliar este fato com as circunstancias agora mas Deus trabalha de uma misteriosa maneira para cumprir suas maravilhas [hellip] Mantenha a coragem e relembre que o Senhor eacute o Supremo Governador [hellip] Pense no que Jesus o Priacutencipe da Vida sofreu neste mundo o justo pelo in-justo para que Ele pudesse salvar homens da morte e da miseacuteria

6 Ver tambeacutem Review and Herald (1984 p 23)

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Deus governa neste mundo Ele eacute o Onipotente Tenha certeza entatildeo que tudo o que ele deseja na sua sabedoria ou o que seu amor intenta Seu poder executaraacute [hellip] Noacutes cuidaremos de sua esposa e de sua crianccedila de maneira especial [hellip] Noacutes natildeo esque-cemos vocecirc e temos apresentado seu caso ao tribunal mais elevado (DELAFIELD 1957 p 287 traduccedilatildeo livre)

Entretanto Conradi declarou que foi exatamente neste periacuteodo de convi-vecircncia com Ellen G White na Europa que ele desenvolveu certa antipatia por ela (DELAFIELD 1957 p 288) Alguns tem sugerido que para Conradi Ellen G White fugia do conceito de uma boa housfrau (dona-de-casa) alematilde ndash uma figura sujeita ao marido e restrita agraves atividades domeacutesticas Era difiacutecil aceitar uma mu-lher tomar parte nas reuniotildees da igreja influenciar decisotildees administrativas e ateacute repreender proeminentes liacutederes (GROB 1974 p 13 SCHWARZ 1979 p 475)

Tendo em vista os recentes sucessos no campo americano e os grandes progressos realizados no desafiante campo europeu era de se esperar que Conradi se sentisse realizado e satisfeito com sua obra ministerial Todavia em uma carta enviada ela em 1891 ele disse ter passado por uma profunda crise espiritual quando comeccedilou o trabalho na Europa De maneira bastante pessoal ele confessou

Quando juntei-me a este povo [o povo adventista] mais de 13 anos atraacutes eu aprendi por experiecircncia proacutepria o que eacute experimentar da paz de Deus e da certeza dos pecados perdoados tambeacutem o que eacute ser livre da escravidatildeo do pecado Em teoria eu confesso que tive pouca luz a respeito desse assunto como em muitos outros Por quase 7 anos eu permaneci vitorioso fazendo estaacutevel progresso [hellip] mas quan-do eu cheguei na Europa mais apropriadamente um pouco antes derrotas vieram primeiramente de leve durante longos intervalos Enquanto o meu desejo fosse trabalhar por uniatildeo eu nem sempre tinha o sentimento correto para com a sua pessoa [EGW] As circunstancias peculiares em Basel [Suiacuteccedila] natildeo foram de nenhuma ajuda para mim e eu fui lentamente perdendo o chatildeo Quando eu fui para a Ameacuterica [1888] eu esperei ser ajudado mas a reuniatildeo de Minneapolis somente adicionou escuridatildeo Suas palavras provaram-se verdadeiras em meu caso Eu tentei superar isso atraveacutes do trabalho o que por vezes aju-dou parcialmente mas a escravidatildeo permaneceu Oh Quatildeo escuro satildeos as horas de escravidatildeo (DELAFIELD 1957 p 288)

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A confissatildeo de Conradi evidencia que uma deacutebil compreensatildeo sobre o perdatildeo de Deus seria a raiz do problema O proacuteprio Conradi era um dos que naquele momento precisavam da reconfortante mensagem de Justificaccedilatildeo pela Feacute Entretanto ele decididamente assumiu partido ao lado dos que dis-cordavam de A T Jones E J Waggoner e Ellen G White nas reuniotildees de Minneapolis tendo sido lembrado como ldquoum dos mais tagarelas e criacuteticosrdquo do grupo que tratou com severo deboche e descaso as exposiccedilotildees de Waggo-ner e Jones (FROOM 1971 p 248)

Oposiccedilatildeo em MinneapolisEnquanto na conferecircncia Conradi ficou hospedado juntamente com

outros 25 advogados de Iowa em uma grande e espaccedilosa casa McReynold que estava hospedado com ele disse que a atmosfera espiritual dos dele-gados naquele lugar era nada mais do que ldquodeprimenterdquo Natildeo houveram

ldquomomentos de culto ou o som de um grupo de oraccedilatildeo agrave noite ou pela ma-nhatilde ndash apenas gargalhadas e criacuteticas por alguns especialmente por Conradirdquo (FROOM 1971 p 259 traduccedilatildeo livre) Foi talvez por possuir esse espiacuterito zombeteiro que W G C Murdoch um antigo colega de Conradi observou muitos anos depois de sua apostasia ldquoEu era bem familiar ao pastor Conradi e viajei com eles muitas milhas o caraacuteter do pastor Conradi natildeo se adequava ao de um ministro do evangelhordquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo livre)

Quando chegou em Minneapolis as contendas talvez tenham surpre-endido-o jaacute que ele vinha da Europa e a discussatildeo efervescia entre os esta-dunidenses Pouco tempo antes das reuniotildees de Minneapolis em outubro de 1888 Ellen G White lamentou que Conradi deveria ter recebido cartas dela Pelo contexto entretanto natildeo eacute possiacutevel determinar se ela desejava escrever sobre o debate que vinha se arrastando nos EUA Mas por estar ocupada com os problemas ldquodeste lado do Atlacircnticordquo natildeo chegou a escrever nada para ele (WHITE E 1987 v 1 p 156)

Segundo Conradi ldquoo encontro de Minneapolis soacute adicionou escuri-datildeordquo agrave sua condiccedilatildeo espiritual W C White disse que os delegados parti-ram ldquocom uma grande variedade de sentimentos Alguns achavam que essa tinha sido a maior becircnccedilatildeo de sua vida outros que ela assinalava o iniacutecio de um periacuteodo de trevas e que os efeito malignos do que havia sido feito na conferecircncia jamais poderiam ser apagadosrdquo (SCHWARZ 2009 p 182) Ellen G White poucos anos depois comentou o espiacuterito daqueles que ha-viam feito parte do grupo de gozadores

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Enquanto eu estava em Minneapolis Ele me fez segui-lo de quarto em quarto de forma que eu pudesse ouvir o que estava sendo falado no dormitoacuterio O inimigo tinha tudo indo do seu jeito Eu natildeo ouvi ne-nhuma oraccedilatildeo mas ouvi meu nome sendo mencionado e difamado Nos quartos ocupados com nosso pessoal noacutes ouvimos piadas criacutetica risos e zombaria As manifestaccedilotildees do Espiacuterito Santo estavam sendo atribuiacutedas ao fanatismo [hellip] O mesmo Espiacuterito que moveu os rejeitores de Cristo colocava raiva em seus coraccedilotildees e se eles tivessem vivido na eacutepoca de Cristo teriam agido de forma similar aos Judeus descrentes e sem Deus (WHITE E G 1987 v 4 p 1564-1565 traduccedilatildeo livre)

Dois anos apoacutes Minneapolis sua disposiccedilatildeo quanto a Ellen G Whi-te parece ter mudado visto que foi publicado na Review o relatoacuterio de uma recente viagem missionaacuteria que ele fizera agrave Ruacutessia Em uma das comissotildees presididas por ele foi votado ldquogratidatildeo a Deus pela manifestaccedilatildeo dos dons Espirituais entre noacutes e especialmente pelo Espiacuterito de Profeciardquo (GERHAR-DT 1977 p 10-11 grifo nosso)

No ano seguinte em agosto de 1891 Conradi pediu desculpas agrave Ellen G White por sua atitude em Minneapolis e disse

Em vista dos sentimentos que eu nutria contra vocecirc e suas palavras os quais eu deixei transparecer na reuniatildeo de Minneapolis eu peccedilo perdatildeo E se vocecirc e meus irmatildeos ainda me garantirem um lugar na causa de Deus eu posso dizer com a ajuda de Deus ndash e eu tenho evidecircncias dela ndash eu serei um diferente ministro membro e irmatildeo [hellip] Eu posso agora apreciar as suas admoestaccedilotildees feitas no passado e ver a luz onde antes havia trevas Natildeo deveria ser meu privileacutegio encontrar vocecirc no proacuteximo ano Eu posso lhe garantir que em Cristo eu serei um com vocecirc no trabalho e que minhas oraccedilotildees estaratildeo com vocecirc Eu agradeceria se vocecirc pudesse proferir algumas palavras dizendo se vocecirc recebeu a minha carta e se vocecirc me perdoaria e me daria tambeacutem alguns conselhos conselhos e reprovaccedilotildees seratildeo agradecidamente re-cebidos (DELAFIELD 1957 p 288 traduccedilatildeo proacutepria)

Reprovado por Ellen G WhitePouco contato parece ter ocorrido entre os dois apoacutes esta carta Ateacute

que cinco anos depois por volta de 1896 Conradi teve uma filha em um

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caso extraconjugal Ellen G White que nessa eacutepoca estava na Austraacutelia o repreendeu pelo adulteacuterio Poucas pessoas na Igreja alematilde ficaram sabendo do ocorrido e o caso natildeo chegou a se tornar um escacircndalo puacuteblico Como consequecircncia Conradi foi removido de seu cargo administrativo e resignado a trabalhar fora da Alemanha visitando e dando suporte aos campos missio-naacuterios (HEINZ 1987 p 24 HEINZ 1998 p 95-96)7

Algum tempo depois de perder seus cargos em outubro de 1897 ele en-viou da Ruacutessia uma carta para Ellen G White em que afirmava estar encon-trando ldquoluzrdquo na Palavra de Deus e nos ldquotestemunhos do Seu Espiacuteritordquo ndash ou seja no que ela escrevia (DELAFIELD 1957 p 291) Ele expressava

gratidatildeo a Cristo o qual provou ser um amigo fiel e o meu sumo sacerdote Quando tudo parecia escuro e Satanaacutes instava nenhu-ma esperanccedila [hellip] Minha oraccedilatildeo hoje eacute Senhor unge meus olhos deixe-me perceber a minha proacutepria salvaccedilatildeo guarda todos os meus passos nos caminhos do dever e me permita saber o Teu desejo para a minha vida [hellip] Eu natildeo quero arruinar o Seu traba-lho por causa do passado mas ele foi graciosamente perdoado Eu estarei satisfeito se vocecirc tiver alguma luz ou exortaccedilatildeo e conselho [hellip] (DELAFIELD 1957 p 291 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Daniel Heinz considerando a atitude ambiacutegua que ao longo dos anos Conradi manteve em relaccedilatildeo a Ellen G White julga que ele sabia que sem a aprovaccedilatildeo dela seria mais difiacutecil de retornar ao elevado cargo que ele ante-riormente ocupava (HEINZ 1998 p 96)

A questatildeo do ldquodiaacuteriordquoDurante o periacuteodo que esteve afastado da presidecircncia do campo Russo-Ale-

matildeo Conradi comeccedilou a revisar a obra de J N Andrews History of the Sabbath Analisando profundamente as obras dos reformadores protestantes se sentiu atra-iacutedo pela ideia de que Lutero um alematildeo tivesse sido o primeiro a proclamar as trecircs mensagens angeacutelicas O que consequentemente neutralizava a importacircncia do Movimento Milerita (SCHWARZ 1979 p 475 SCHWARZ 2009 p 288)

Conradi apesar de ser naturalizado americano tinha um forte senti-mento nacionalista em relaccedilatildeo ao seu paiacutes natal Isso pode ter influenciado

7 Conferir tambeacutem Grob (1974 p 15-16)

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sua interpretaccedilatildeo teoloacutegica que dava preferecircncia a Martinho Lutero e o Mo-vimento da Reforma Tambeacutem explica em parte suas atitudes precipitadas tomadas posteriormente durante a I Guerra Mundial (GERHARDT 1977 p 21-22 SCHWARZ 1979 STRAYER 1996 p 10)

Conradi comeccedilou a escrever seu proacuteprio comentaacuterio sobre o livro de Daniel desenvolvendo uma nova interpretaccedilatildeo para a questatildeo do ldquodiaacuteriordquo de Daniel 812 Poreacutem antes de publicar suas novas ideias enviou uma carta para Ellen G White perguntando se ela tinha mais luz agrave respeito do assunto Ela natildeo respondeu sua carta e ele seguiu avante com a impressatildeo do livro Como ela explicou mais tarde natildeo era seu objetivo alimentar tal discussatildeo (SCHWARZ 2009 p 609) podemos entender entatildeo por que a carta de Conradi a respeito do ldquodiaacuteriordquo nunca foi respondida

S N Haskell G I Butler e George Irwin se posicionaram ao lado da antiga interpretaccedilatildeo de Guilherme Miller e Uriah Smith (HALOVIAK 1980 p 36 SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609) Quando Conradi buscou publicar seus escritos na Ameacuterica Edwin R Palmer editor da Review and Herald disse-lhe ldquoAqui na Ameacuterica natildeo nos eacute permitido publicar nada que mesmo em pequena parcela possa estar contra o irmatildeo Uriah Smith por que a irmatilde White ajudou o irmatildeo Smith quando ele escreveu Daniel e Apocalipserdquo8 Conradi procurou ainda o proacuteprio Uriah Smith que lhe respondeu ldquoNenhum iota seraacute mudado do que nossos pioneiros disseram [hellip] o que eles fixaram eacute divinordquo9 Em contra partida Conradi usou sua influecircncia para natildeo permitir que os livros de Smith fossem publicados na Inglaterra (HALOVIAK 1979 p 38)

8 Taquigrafia abreviada da resposta dada por Conradi perante a comissatildeo da Divisatildeo Eu-ropeia em Fridensau em 22 de julho de 1932 depois dos irmatildeos Gilbert Crisler G W Schubert e W Muumlller terem replicado a apresentaccedilatildeo de Conradi disponiacutevel no Arquivo do Centro de Pesquisas Ellen G White A resposta de Palmer a Conradi eacute melhor compreen-dida tendo em vista a crenccedila muito comum entre os adventistas daquela eacutepoca de que Ellen G White havia declarado ter visto um anjo ao lado de Uriah Smith conduzindo-o enquanto escrevia o livro Thoughts on Daniel and the Revelation Os testemunhos histoacutericos de tal declaraccedilatildeo natildeo satildeo muito seguros mas mesmo que ela tenha realmente dito isto Palmer e muitos outros natildeo estavam sendo sensatos no juiacutezo que faziam A declaraccedilatildeo deve ser com-preendida da mesma maneira como entendemos que os anjos estatildeo ao redor de qualquer um que esteja consagradamente envolvido na causa de Deus Isso natildeo quer dizer que tais pessoas sejam inspiradas ou infaliacuteveis em suas atitudes (WHITE A L 1957 ver tambeacutem KNIGHT 2003 p 74-75 e GOUGLAS 2009 p 402-403)9 Independentemente da opiniatildeo defendida por Uriah Smith estar equivocada ou natildeo o argumento apresentado por ele desconsiderava o princiacutepio de que ldquoa luz da verdade biacuteblica eacute progressiva e deve brilhar lsquomais e mais ateacute ser dia perfeitorsquo(Pv 418)rdquo (QUESTOtildeES 2011 p 55-57 ver tambeacutem NISTO CREMOS 1989 p 11-13)

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Agrave medida em que a discussatildeo progredia o grupo que se opunha a Conradi passou a usar declaraccedilotildees do livro Early Writings para combatecirc-lo e defender a antiga interpretaccedilatildeo de Daniel 812 Ellen G White no entan-to reagiu repreendendo-os pelo uso arbitraacuterio de seus escritos e disse que

ldquosuas observaccedilotildees anteriores tinham o propoacutesito de dar validade agrave profecia dos 2300 dias natildeo definir o [termo] diaacuteriordquo (SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609)

Na Conferecircncia Geral de 1901 Conradi discutiu a questatildeo em niacutevel particular com outros delegados e afirmou ldquoa declaraccedilatildeo de [Ellen G] White no [livro] Primeiros Escritos a respeito da questatildeo do santuaacuterio natildeo foi uma autoridade para mimrdquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo proacutepria)

Subindo de postoAteacute 1901 Conradi havia sido responsaacutevel apenas pelos campos alematildeo

e russo10 onde o adventismo vinha se desenvolvendo acentuadamente de forma que sua lideranccedila continuava sendo muito estimada pelos liacutederes ame-ricanos Os debates teoloacutegicos natildeo afetaram a reputaccedilatildeo de Conradi e ele foi eleito presidente da receacutem criada Divisatildeo Europeia Ellen G White em um de seus discursos durante a Conferecircncia enquanto comentava os avanccedilos na Europa disse ldquoo irmatildeo Conradi tem carregado uma pesada carga do traba-lho na Europardquo e dirigindo-se diretamente a ele aconselhou

Deus quer que vocecirc tenha pessoas ao seu lado e Ele quer que vocecirc decirc a elas toda motivaccedilatildeo possiacutevel Ele quer que o trabalho que vocecirc estaacute fazendo vaacute com toda a forccedila e todo o poder Vocecirc tem feito o traba-lho de muitos homens Deus tem abenccediloado os seus trabalhadores de forma imensuraacutevel Os Anjos de Deus tem feito esse trabalho natildeo o irmatildeo Conradi Ele tem aberto as portas para os anjos e dado a Deus uma oportunidade para trabalhar deixe-me dizer-lhe que Ele iraacute implantar uma operaccedilatildeo que iraacute para frente com tanta forccedila e poder que vocecirc nem sonha ldquoFeacute eacute a certeza das coisas pelas quais se esperam a evidencia das coisas que se natildeo veemrdquo Deus quer que noacutes trabalhemos pela feacute Deixe de lado toda a criacutetica toda incredulidade todo o desejo de medir os seus companheiros de trabalho que talvez

10 Em 1891 os campos Alematildeo e Russo foram separados do Campo da Europa Central e colocados sobre os cuidados de Conradi (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

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natildeo tenho tido um mileacutesimo da oportunidade que vocecirc teve (WHITE E G 1901 p 27 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Conradi era um liacuteder de muitas capacidades possuiacutea uma oratoacuteria fasci-nante11 e ao que tudo indica uma impressatildeo carismaacutetica No entanto a convi-vecircncia sobre sua lideranccedila natildeo era das mais simples Alfred Vaucher relatou que como um jovem pastor ele nunca gostou muito de se encontrar com Conra-di pois sua saudaccedilatildeo de praxe sempre era um inconveniente ldquoQuantas almasrdquo Pode-se dizer que a atitude das pessoas se polarizavam entre admiraccedilatildeo ou aversatildeo a ele (HEINZ 1987 p 18) Ou o seguiam sem questionar ou o ignora-vam (GERHARDT 1977 p 3) ldquoConradi era visto como uma personalidade patriarcal e depois de ele ter falado natildeo havia nada mais a declararrdquo(SIMON apud GROB 1974 p 12 ver tambeacutem STRAYER 1996 p 10)

Ningueacutem havia ateacute aquele momento notado ou avaliado os desvios teoloacutegicos de Conradi Aliaacutes ao que tudo indica suas opiniotildees natildeo eram perceptiacuteveis agrave lideranccedila da Associaccedilatildeo Geral localizada nos EUA Perigosa-mente quando foi eleito presidente da Divisatildeo Europeia ele jaacute havia fixado grande parte das opiniotildees problemaacuteticas que se manifestariam nos anos sub-sequentes Conradi comeccedilou a disseminar as ideias contraacuterias agraves doutrinas da Igreja e a semear duacutevidas com respeito ao ministeacuterio de Ellen G White (HEINZ 1998 p 102 SCHWARZ 1979 p 475)

Em 1910 Conradi em uma carta para Daniells falando sobre a discus-satildeo do ldquodiaacuteriordquo comentou

Eu estou feliz que a Sr White tenha falado tatildeo abertamente que eles natildeo deveriam citaacute-la a favor de certas opiniotildees Eu penso que se isso fosse colocado como um princiacutepio o estudo cuidadoso da Biacuteblia passaria a ser mais faacutecil para nossos irmatildeos no futuro (HA-LOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre ver HALOVIAK 1979 p 37)

Embora Conradi estivesse certo em reprovar aqueles que recorriam di-retamente aos escritos de Ellen G White como se assim fosse dispensaacutevel o

11 Nas palavras de quem o ouviu pregar ldquoL R Conradi era meu pregador favorito quando eu ainda jovem frequentava as campais em Dakota do Norte [hellip] Ele tinha a habilidade de estimular ambos jovens e velhos [hellip] Seus gestos eram dramaacuteticos e ele sabia como manter as pessoas jovens atentas e as pessoas idosas acordadasrdquo (BIETZ 1996 p 1-2 traduccedilatildeo livre ver tambeacutem WESTPHAL 1911 p 17 SPIES 1911 p 1 e 6 PAGES 1926 p 4)

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cuidadoso estudo da Biacuteblia havia ainda mais por detraacutes de sua declaraccedilatildeo Sua intenccedilatildeo natildeo era desenvolver um modelo correto para a interpretaccedilatildeo dos escritos de Ellen G White mas anular por completo a validade do seu ministeacuterio profeacutetico

Um novo paradigma de interpretaccedilatildeoEm fevereiro de 1910 Z G Baharian um missionaacuterio no campo turco

(NEUFELD 1996 v 10 p 154) informou W C White e W A Spicer pre-sidente da Conferencia Geral que Conradi vinha levantando crescentes duacute-vidas a respeito do Espiacuterito de Profecia Ele traccedilou um histoacuterico do que vinha acontecendo desde 1898 quando a mensagem de Reforma de Sauacutede comeccedilou a ser introduzida na Europa ateacute onde um conciacutelio ocorrido em Constantino-pla Conradi havia buscado provar que os escritos de EGW possuiacuteam diferentes niacuteveis de inspiraccedilatildeo e que os escritos com as orientaccedilotildees sobre sauacutede natildeo esta-vam no ldquocluberdquo dos inspirados Portanto nas palavras de Conradi ldquoos escritos dela natildeo eram um guia segurordquo para eles (HALOVIAK 1979 p 28-29)

Depois de se desligar da Igreja Adventista Conradi escreveu que um de seus motivos para rejeitar Ellen G White foi a descoberta da omissatildeo de algumas palavras entre a primeira e a segunda publicaccedilatildeo de suas primeiras visotildees (CONRADI 1932) Mudanccedilas tais como as que aconteceram entre a primeira e a segunda ediccedilatildeo do livro The Great Controversy12 tambeacutem foram estranhas agrave compreensatildeo de inspiraccedilatildeo que ele detinha Em uma carta tro-cada com Conradi W A Spicer argumentou com ele

Uma questatildeo mais importante do que o assunto dos meros deta-lhes de uma correccedilatildeo ou de uma declaraccedilatildeo equivocada (nos li-vros Spirit of Prophecy) eacute a questatildeo de como trataremos dos toacutepicos que tem passado pela matildeo de vaacuterios editores Noacutes temos tido um pequeno conflito com alguns de noacutes por muitos anos tentando fazer os irmatildeos verem que natildeo seria correto conferir qualquer au-toridade extraordinaacuteria para detalhes dessa natureza [hellip] Mas uma coisa eacute certa irmatildeo Conradi seguramente essas frases e declaraccedilotildees histoacutericas nesses livros tecircm sido corrigidas da mesma forma que em qualquer outro livro Claro que noacutes devemos levar em consideraccedilatildeo

12 Para uma anaacutelise sobre essas duas ediccedilotildees do livro ldquoO Grande Conflitordquo consultar Dou-glas (2009 p 446-450)

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todos os conselhos com o autor em fazer correccedilotildees (HALOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Conradi se revelou um ferrenho defensor da inspiraccedilatildeo verbal o que o impedia de compreender as modificaccedilotildees editoriais nos livros de Ellen G White e suas declaraccedilotildees agrave respeito ldquodo diaacuteriordquo Muitas dificuldades po-deriam ter sido evitadas caso Conradi entendesse o processo de inspiraccedilatildeo ocorrendo por pensamento e natildeo de palavra em palavra13

Em 1911 apoacutes o livro The Acts of the Apostles ser publicado W C White enviou uma interessante carta para Conradi em que ele explicava como sua matildee havia trabalhado na composiccedilatildeo do livro

O trabalho preliminar levou mais ou menos cinco meses de lei-tura e pesquisa entatildeo se seguiu o trabalho de selecionar aqueles artigos porccedilotildees e manuscritos que mais claramente representa-ram o que ela desejava dizer [hellip] Dia a dia os manuscritos foram submetidos a leitura da Mamatildee [hellip] Ela marcou os manuscritos livremente escreveu e adicionou palavras frases e periacuteodos para fazer afirmaccedilotildees mais claras e mais fortes Por fim estas foram submetidas para serem copiadas uma segunda vez (WHITE W C 1981 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Sendo que W C White neste momento jaacute havia sido informado por Baharian o missionaacuterio em campo turco do meacutetodo de ldquoseleccedilatildeo de conteuacutedo inspiradordquo que Conradi vinha seguindo eacute de se esperar que os pormenores da redaccedilatildeo de The Acts of the Apostles natildeo foram mencionados por acaso W C White queria descrever de maneira mais clara para Conradi como sua matildee nor-malmente procedia na composiccedilatildeo dos escritos Seguramente The Acts of the Apostles foi um dos livros em que Ellen G White mais livremente editou o con-teuacutedo ateacute que ele chegasse a sua forma final sendo portanto um bom exemplo de como a noccedilatildeo de inspiraccedilatildeo verbal natildeo se adequava ao seu ministeacuterio

13 Resumidamente temos aqui duas teorias de inspiraccedilatildeo a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo do pen-samentordquo e a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo verbalrdquo A inspiraccedilatildeo do pensamento entende que Deus daacute a mensagem ao profeta e permite-lhe transmiti-la com suas proacuteprias caracteriacutesticas de lin-guagem numa associaccedilatildeo do divino com o humano Jaacute a teoria de inspiraccedilatildeo verbal propotildee que Deus age diretamente na escolha das palavras usadas na comunicaccedilatildeo da mensagem Este modelo impotildee seacuterias dificuldades para harmonizar questotildees como a supressatildeo de conteuacutedo ou a reformulaccedilatildeo de frases em uma mensagem jaacute transmitida pelo profeta anteriormente Para uma melhor entendimento do assunto ver por exemplo Douglas (2009 p 16-17)

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A Conradi foi posto um dilema ou rejeitava seu paradigma do proces-so de revelaccedilatildeo-inspiraccedilatildeo ou rejeitava o dom profeacutetico de Ellen G White Mas as explicaccedilotildees dadas por W C White ao inveacutes de esclarecedoras so-aram gritantes agraves convicccedilotildees que Conradi defendia14 Quatro anos depois (1914) Conradi comentou de forma aberta e declarada qual era sua opiniatildeo a respeito do livro The Acts of the Apostles

As chapas [para a impressatildeo do livro] Atos dos Apoacutestolos chegaram mas eu me senti desanimado quando vi a paacutegina do tiacutetulo e sobre ela a Sra Ellen G White Talvez em menor instacircncia de certo porque ele seraacute disseminado entre o nosso proacuteprio povo Mas noacutes desco-brimos que toda a Europa tem uma grande aversatildeo a escritos reli-giosos e teoloacutegicos escritos por mulheres e entatildeo vocecirc perceberaacute que nas ediccedilotildees [do livro] para a colportagem noacutes simplesmente dizemos E G White e dessa forma de maneira alguma a primei-ra paacutegina indica que [o livro] eacute escrito por uma mulher (GROB 1974 p 13-14 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Aleacutem da crescente dissonacircncia doutrinaacuteria com o tempo surgiram tambeacutem choques administrativos entre Conradi e a direccedilatildeo mundial da Igre-ja que vieram abalar fatalmente sua feacute adventista

O surgimento dos Adventistas da Reforma

Em 1914 com o comeccedilo da I Guerra Mundial as comunicaccedilotildees entre a Alemanha e os EUA se tornaram difiacuteceis e a Divisatildeo Europeia cuja sede

14 Herbert Douglas faz um interessante comentaacuterio sobre o grupo dos defensores da inspiraccedilatildeo verbal no meio adventista ldquoOs deste grupo (e satildeo muitos) que permaneceram na igreja como liacutederes de influecircncia na administraccedilatildeo ou no evangelismo criam que eram os uacutenicos capazes de salvar a denominaccedilatildeo da apostasia Podiam [sic] citar como exemplos de onde esse pensamento os levaria muitos que tentaram lsquoreinterpretarrsquo Ellen G White ndash homens como os irmatildeos Bal-lenger (A F e E S) J H Kellogg A T Jones W A Colcord E J Waggoner L R Conradi e W W Fletcher Um traccedilo comum a todos esses liacutederes notoacuterios que desertaram era a decisatildeo de lsquoque o Espiacuterito de Profecia podia ser dividido em partes lsquoinspiradasrsquo e lsquonatildeo inspiradasrsquo Parece relevante que na maioria dos casos os que comeccedilaram a fazer essas classificaccedilotildees perderam finalmente a confianccedila no Espiacuterito de Profeciardquo (DOUGLAS 2009 p 441)

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e a maior parte dos membros ficava na Alemanha se isolou do restante da Igreja mundial A Igreja europeia natildeo tinha a mesma experiecircncia que a Igreja nos EUA acumulara durante a Guerra Civil nem buscara desenvolver contatos com as autoridades militares durante os tempos de paz Faltava orientaccedilatildeo de como proceder em tempos de guerra Logo problemas com o saacutebado e o por-te de armas comeccedilaram a aparecer e alguns adventistas negaram-se a apoiar qualquer esforccedilo beacutelico levando ao fechamento de todas as igrejas adventistas em uma regiatildeo da Alemanha Sabendo da execuccedilatildeo de membros de um gru-po religioso que mantivera suas fortes convicccedilotildees pacifistas a lideranccedila alematilde

ldquoinformou por escrito ao ministro de guerra alematildeo [hellip] que os recrutas adven-tistas do seacutetimo dia portariam armas como combatentes e prestariam serviccedilo no dia de saacutebado em defesa de seu paiacutesrdquo Tambeacutem era obrigatoacuterio o envio das crianccedilas para escola aos saacutebados sobre pena de prisatildeo dos pais caso elas faltas-sem Com respeito a isso foi feito um acordo para que pudessem levar a Biacuteblia e lecirc-la em sala de aula (SCHWARZ 2009 p 364-365 372)

A declaraccedilatildeo emitida pela lideranccedila alematilde negava a postura pacifista que os adventistas historicamente defendiam e comprometia seriamente a observacircncia do saacutebado como um princiacutepio inegociaacutevel Previamente um grupo dissidente que viria a se tornar o Movimento dos Adventistas da Re-forma havia se revoltado contra a administraccedilatildeo da Igreja A falha cometida por Conradi e os demais liacutederes subordinados a ele deram ao grupo um pre-texto para continuar a rebeliatildeo Caso a lideranccedila encabeccedilada por Conradi houvesse se mantido firme aos princiacutepios adventistas o Movimento Adven-tista da Reforma dificilmente haveria se concretizado (OLIVEIRA 1985 p 129-132 SCHWARZ 2009 p 619-132)15 Como resultado da crise ocorrida na Alemanha na Conferecircncia Geral de 1918 foram tomadas medidas para evitar que uma Divisatildeo da Igreja agisse de maneira tatildeo independente em relaccedilatildeo ao restante da Igreja mundial (SCHWARZ 2009 p 315)

Revolta contra a lideranccedilaApoacutes o teacutermino da guerra uma delegaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral se dirigiu a

Alemanha com o objetivo de resolver os equiacutevocos cometidos durante a I Guerra Mundial Boa parte dos liacutederes alematildees reconheceram suas atitudes precipitadas mas Conradi prosseguiu irredutiacutevel afirmando que havia tomado as decisotildees certas segundo as exigecircncias da circunstacircncia (SCHWARZ 2009 p 620)

15 Com respeito ao surgimento do Movimento Reformista e suas praacuteticas ver Kramer (1991)

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Em 1922 Conradi foi afastado da presidecircncia da Divisatildeo Europeia Um dos motivos da natildeo reeleiccedilatildeo de Conradi pode ter sido sua avanccedilada idade na eacutepoca 66 anos (SCHWARZ 2009 p 475) suas orientaccedilotildees doutrinaacuterias e prin-cipalmente pelos erros cometidos durante a I Guerra Mundial (GROB 1974 p 7) L H Christhian um americano foi eleito em seu lugar A reaccedilatildeo de Conradi na eacutepoca natildeo foi das melhores pouco antes de morrer ele expressou por escrito os seus sentimentos com respeito ao evento ldquoIsso eacute demais para suportar fazer tal coisa a um pioneiro maduro que construiu tudo por si mesmo e agora tudo eacute dado agrave um jovem um rapaz inexperiente rdquo (CONRADI apud GROB 1974 p 10 ver tambeacutem GERHARDT 1977 p 22 SCHWARZ 2009 p 476)

Conradi foi remanejado para a secretaria da Associaccedilatildeo Geral um posto de pouca expressatildeo administrativa o que representou uma mudanccedila draacutestica na rotina profissional de um homem acostumado agrave lideranccedila ativa Profundamente ofendido (GROB 1974 p 8 GERHARDT 1977 p 21 HEINZ 1987 24) e com a convicccedilatildeo de que ningueacutem poderia substituiacute-lo Conradi passou a agir como um ldquoconsultorrdquo dos campos missionaacuterios uma funccedilatildeo sem muito poder e influecircncia (GERHARDT 1977 p 7)

Ele passou entatildeo a dedicar bastante tempo para escrever e publicar Em 1923 no livro Das Golden Zeitalter ele enfatizou que ldquoo Movimento Adventista natildeo eacute um movimento estatunidense mas que remonta aos tempos da Reformardquo (DELAFIELD 1957 p 288 HEINZ 1987 p 22) e buscou desenvolver uma identidade independente para o adventismo europeu A partir de 1925 ele co-meccedilou a visitar as principais bibliotecas europeias e americanas onde costumava pesquisar sem interrupccedilatildeo das 9 horas da manhatilde ateacute as 18 horas da tarde (GROB 1974 p 9 19 RANDOLPH 1940 p 8) Somente no Museu Britacircnico ele de-dicou seis meses dessa carregada rotina (RANDOLPH 1940 p 8) Enquanto explorava a Biblioteca de Nova Iorque disse ter encontrado a prova para alegar que as primeiras visotildees de Ellen G White foram intencionalmente deixadas de fora das ediccedilotildees posteriores o que justificava ainda mais suas duacutevidas com res-peito ao livro Early Writings (CONRADI 1932 HEINZ 1998 p 102)

Desligando-se definitivamenteEm 1930 por volta dos 75 anos de idade Conradi ainda alimentava

esperanccedilas de ser eleito presidente da Associaccedilatildeo Geral mas foi desapon-tado pela escolha do australiano C H Watson (ADVENTIST 1985 p 52) No veratildeo de 1931 um comitecirc se reuniu no Coleacutegio de Fridensau Alemanha para ouvir Conradi e tentar convencecirc-lo a abandonar as ideias de desarmonia

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com a Igreja Entretanto a reconciliaccedilatildeo natildeo foi possiacutevel Encolerizado em um dos momentos da reuniatildeo esbravejou ldquoEu lhes dei tudo eu lhes dei as instituiccedilotildees e as igrejas Vocecircs tecircm o dinheiro o diacutezimo e as ofertas Vocecircs tecircm tudo eu natildeo tenho nadardquo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 22) Posteriormente seguiu argumentando

De onde Tiago White retirou o seu material nos primeiros dias Dos Batistas do Seacutetimo Dia [hellip] Irmatildeos orem por mim assim como oro por vocecircs Se algueacutem quisesse harmonia eu seria essa pessoa [hellip] Eu acredito na vitoacuteria da mensagem mas isso natildeo significa que cada tijolo estaacute posto corretamente [hellip] Eu devo seguir o meu caminho Eacute algo estranho algo peculiar [hellip] Acredite em mim haacute Algueacutem que examina tudo e ante Quem eu devo prestar contas16

A Associaccedilatildeo Geral tentou novamente reconciliaccedilatildeo e em outubro do mesmo ano Conradi se dirigiu aos EUA agrave sessatildeo do Conciacutelio Outonal da Associaccedilatildeo Geral uma seleta comissatildeo de presidentes e professores de teo-logia17 onde se dispuseram a ouvir suas opiniotildees A comissatildeo natildeo aceitou sua posiccedilatildeo teoloacutegica mas propocircs que se ele parasse de atacar a Igreja publi-camente sua credencial poderia ser mantida normalmente (GROB 1974 p 9-10 HEINZ 1998 p 107-108)

Ainda em 1928 Conradi havia recebido um livro com a histoacuteria da Igreja Batista do Seacutetimo Dia Em novembro de 1931 um mecircs apoacutes o acordo de ldquonatildeo ataque a Igrejardquo entrou em contato com os lideres da denominaccedilatildeo Batista do Seacutetimo Dia nos EUA e apoacutes uma bem sucedida aproximaccedilatildeo foi-lhe con-cedida uma credencial Assim Conradi partiu novamente para a Alemanha desta vez sem relaccedilatildeo com os Adventistas do Seacutetimo Dia mas para lanccedilar as bases da Igreja Batista do Seacutetimo Dia em solo alematildeo Em 1939 ele jaacute havia organizado 27 igrejas reunido cerca de 500 membros dos quais a maior parte era anteriormente adventista (RANDOLPH 1940 p 9 FROOM 1971 p 678 GROB 1974 p 3 SCHWARZ 2009 p 621) A despeito destes nuacuteme-ros Daniel Heinz comenta que a lideranccedila de Conradi agrave frente dos batistas do

16 Pasta DF 96 Centro de pesquisas Ellen G White ndash Brasil17 Dentre a seleta lista de pessoas presentes se encontravam C H Watson presidente da Asso-ciaccedilatildeo Geral I H Evans W H Branson E Kotz M E Kern J L McElbany L H Christian H F Schuberth W A Spicer F M Wilcox J J Nethery A G Daniells M L Andreasen W Mueller W W Prescott R Ruumlhling W C White e G W Schubert (HEINZ 1998 p 107)

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seacutetimo dia foi um total fracasso se comparada com sua atuaccedilatildeo pioneira nos primeiros anos do adventismo (HEINZ 1987 p 24)

Conradi morreu em 1939 Um pouco antes da sua morte terminou de escre-ver The Founders of the Seventh-Day Adventist Denomination (CONRADI 1939) um pequeno livreto cheio de amarguras e rancores contra sua antiga denomina-ccedilatildeo atacando pessoalmente Joseacute Bates Guilherme Miller Tiago White Ellen G White e outros Seu filho um notaacutevel meacutedico continuou sendo adventista (DE-LAFIELD 1957 p 296) e destacou-se pela manutenccedilatildeo do sanatoacuterio de Zeh-lendorf Berlim durante a Segunda Guerra Mundial (CHRISTIAN 1947 p 24)

Em vista do ofensivo conteuacutedo que Conradi havia publicado antes de sua apostasia Le Roy Edwin Fromm foi impelido a escrever os quatro volumes da seacuterie The Profetic Faith of Our Fathers em reposta aos desafios lanccedilados por Conradi (FROOM 1971 p 259 SCHWARZ 2009 p 397) Conradi ldquofez muito para desenvolver a obra na Alemanha apenas para mais tarde se voltar abertamente contra elardquo (SCHWARZ 2009 p 186)

Como Conradi chegou agrave apostasiaA apostasia de Conradi natildeo foi simplesmente doutrinaacuteria Ao lado de

suas convicccedilotildees teoloacutegicas de amplo amparo acadecircmico pode-se facilmente identificar motivaccedilotildees pessoais contra Ellen G White e a lideranccedila da Igreja Conradi foi desde cedo atraiacutedo pelo lado abstrato e impessoal da verdade Para ele verdade se resumia primariamente a uma ldquoteoria ou postuladordquo sendo experimentada apenas em seu acircmbito seco e racional (FROMM 1971 p 259 e 679 GROB 1974 p 20-21) Natildeo havia espaccedilo para experiecircncias mais pessoais e profundas com Deus e ele passou a enterrar suas frustraccedilotildees individuais em baixo de teologia associada agrave erudiccedilatildeo

Eacute difiacutecil indicar algum momento na vida de Conradi em que ele aceitou seguramente Ellen G White como profetisa (GROB 1974 p 15 HEINZ 1987 p 10) Antes de seus problemas pessoais com o adulteacuterio a reaccedilatildeo dele para com ela foi indefinida e duacutebia Contudo a partir da discussatildeo sobre o ldquodiaacuteriordquo uma clara postura contra Ellen G White foi sendo assumida O contexto de sua conversatildeo em um ciacuterculo adventista afetado pelas criacuteticas de Snook e Brinkerhoff criou duacutevidas desde a primeira vez em que ele ouviu falar do casal White Sua ida para estudar em Battle Creek foi uma boa oportuni-dade para conhecer pessoalmente Tiago e Ellen G White e tirar suas proacuteprias conclusotildees Por outro lado seus questionamentos ao inveacutes de sanados com o tempo se tornaram ainda mais fortes Aleacutem dos fatores de ordem pessoal

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Conradi manteve sua convicccedilatildeo na inspiraccedilatildeo verbal em oposiccedilatildeo agrave maneira livre com a que Ellen G White trabalhava na composiccedilatildeo de seus escritos

ConsequecircnciasJohann Helmut Gerhardt avalia que Conradi foi para a Igreja na Eu-

ropa o que J H Kellogg significou para a Igreja nos EUA (GERHARDT 1977 p 3) Todavia em contraste com a apostasia de Kellogg as consequecircn-cias deixadas por Conradi foram bem mais duradouras e proporcionalmente mais catastroacuteficas Conradi apoacutes se separar do adventismo natildeo poupou es-forccedilos em atacaacute-lo (FROOM 1971 p 483) O pior natildeo foram os 500 mem-bros que ele reuniu na Igreja Batista do Seacutetimo Dia mas as ideias que ele difundiu dentro do adventismo e a heranccedila que ele deixou mesmo depois de abandonar suas fileiras Durante muitos anos Conradi natildeo promoveu suas ideias abertamente principalmente quando em contato com os liacutederes ame-ricanos ldquoEmbora na aparecircncia exterior tudo parecesse ir bem estavam em operaccedilatildeo influecircncias sutis que posteriormente afetariam de forma negativa a igreja na Europa durante muitos anosrdquo (SCHWARZ 1979 p 475)

Influecircncia pela paacutegina impressaEmbora fosse um bom orador sua influecircncia foi sentida principalmente

atraveacutes do que ele publicou (GROB 1974 p 19) Sendo um haacutebil e proliacutefi-co escritor sua erudiccedilatildeo e talento conferiram bastante peso a suas opiniotildees No total a circulaccedilatildeo dos livros e panfletos escritos por Conradi eacute estimada entre 12 agrave 15 milhotildees de unidades (HEINZ 1987 p 22 e 24) Apenas seu comentaacuterio sobre Daniel e Apocalipse foi reimpresso 40 vezes chegando agrave soma de 4 milhotildees de exemplares (GROB 1974 p 19)18 Segundo dados es-tatiacutesticos tardios de 1953 apenas 1232629 livros de Ellen G White haviam sido vendidos na Europa (GROB 1974 p 18) em contraste com os 12 agrave 15 milhotildees de Conradi A correlaccedilatildeo destes dados mostra que a divulgaccedilatildeo dos livros de Conradi superou em muito a difusatildeo dos escritos de Ellen G White ou qualquer outro autor denominacional No quadro americano vaacuterios liacutede-res expunham seus entendimentos teoloacutegicos Embora por vezes a livre ma-nifestaccedilatildeo de ideias provocasse acalorados debates ela impedia a prevalecircncia

18 Segundo Algusto Pages (1926 p 4) ateacute 1926 2485000 exemplares dos livros de Conradi haviam sido vendidos

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de opiniotildees precipitadas Em contraste no contexto europeu Conradi atuou praticamente sozinho sem ningueacutem para criticaacute-lo ou avaliar suas opiniotildees

A dependecircncia que a Europa adventista tinha da imprensa alematilde e o su-porte que ela dava agrave obra de colportagem atuante em vaacuterios paiacuteses resultou na vasta disseminaccedilatildeo das obras de Conradi por todo o territoacuterio europeu Por volta de 1898 ano em que Conradi passou a rejeitar Ellen G White de-finitivamente ateacute 1931 quando sua credencial adventista foi retirada com-preende-se um periacuteodo de 33 anos dos quais 22 correspondem ao apogeu de sua influecircncia administrativa como presidente da Divisatildeo Europeia Mesmo depois de 1922 quando Conradi deixou de ser presidente sua figura pa-triarcal continuou sendo respeitada e admirada pela comunidade adventista (GROB 1974 p 20)19 Foi a partir desse periacuteodo que ele encontrou mais tempo para escrever e desenvolver melhor o que pensava

Os fatores soacutecioculturaisConradi comeccedilou em 1898 a minimizar a importacircncia do Movimento

Milerita Americano e transferir a interpretaccedilatildeo do anuacutencio das trecircs mensagens angeacutelicas para Lutero enfatizando a Reforma Protestante Os europeus jaacute pa-reciam estar menos dispostos agrave mudanccedila espiritual promovida pelo adventis-mo em parte por causa de sua origem americana (SCHWARZ 2009 p 278-279) Conradi contribuiu para que essa barreira fosse fortalecida tanto no que diz respeito a Ellen G White quanto agrave aceitaccedilatildeo do adventismo como um todo

Pode-se pressupor que naturalmente devido aos fatores soacutecioculturais se encontrou oposiccedilatildeo aos escritos de Ellen G White na Europa por causa de sua origem estadunidense e por ser mulher Contudo nos primeiros anos da obra adventista europeia a Igreja natildeo encontrou tal predisposiccedilatildeo dentro do ciacuterculo iacutentimo de membros O proacuteprio Conradi fez algumas traduccedilotildees dos escritos dela para o alematildeo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 10) Em 1903 os adventistas alematildees organizaram uma campanha baseada na venda do receacutem lanccedilado livro dela Paraacutebolas de Jesus com a intenccedilatildeo de arrecadar fundos para a construccedilatildeo do coleacutegio de Fridensau (SCHWARZ 2009 p 212 e 276)20 Se nesse momento jaacute existissem predisposiccedilotildees natu-

19 Pode-se ver como exemplo de sua popularidade uma festa que foi organizada em Ham-burgo nas dependecircncias da Casa Publicadora para o seu aniversaacuterio de 70 anos com a presen-ccedila de 500 pessoas (PAGES 1926 p 4)20 A seguir se encontra uma carta em que Ellen G White comenta as doaccedilotildees que vinha fa-zendo para o campo europeu ldquoOntem a tarde apoacutes a conferecircncia eu apelei por uma contri-

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rais contra ela natildeo seria comercialmente estrateacutegico arrecadar fundos com a venda de um livro de autoria impopular

Conradi alegou que sua ruptura natildeo comeccedilou diretamente com a Igreja mas com a aceitaccedilatildeo do ministeacuterio profeacutetico de Ellen G White (CONRADI 1932) A partir de entatildeo ele passou a minimizar o trabalho e os escritos dela numa tentativa de ldquosalvarrdquo a Igreja de sua influecircncia A intenccedilatildeo de Conradi pode ter sido facilitada pelo crescente nacionalismo ocorrido nos anos seguin-tes da Alemanha nazista quando foi incutida a convicccedilatildeo de que a cultura alematilde apresentava um paradigma mais elevado e eficiente para todas as aacutere-as praacuteticas e filosoacuteficas da cultura Consequentemente criou-se uma repulsa por tudo o que era de origem estrangeira principalmente no que se referia ao acircmbito ideoloacutegico Conradi jaacute havia rivalizado em seus escritos a Igreja alematilde com a americana e soava antipatrioacutetico depender da Igreja nos EUA

Legalismo e enfraquecimento da identidade denominacional

Segundo Fredy Grob e J H Gerhardt um outro fator a ser destacado eacute o forte cunho legalista que Conradi imprimiu na formaccedilatildeo adventista europeia A mentalidade formada por Conradi nunca levou as pessoas a entenderem as dimensotildees espirituais do saacutebado da doutrina do santuaacuterio e das trecircs mensa-gens angeacutelicas Levando tudo a ser tratado apenas no seu acircmbito seco e racio-nal (GROB 1974 p 21-22 GERHARDT 1977 p 3) ldquoIsso tudo por causa de um homemrdquo questiona Grob ldquoEu estou seguro que ele teve muito a verrdquo (GORB 1974 p 21 traduccedilatildeo livre)

A experiecircncia individual dos liacutederes em Minneapolis resultou na recu-peraccedilatildeo de um adventismo doutrinariamente fragilizado onde quer que eles atuassem (SCHWARZ 2009 p 183-185) Em contraste a atitude insolente de Conradi em 1888 impediu que sua visatildeo administrativa se importasse com a justificaccedilatildeo pela feacute ou com a eliminaccedilatildeo do legalismo A esfera da Igreja

buiccedilatildeo para as missotildees estrageiras e aproximadamente 100 doacutelares foram levantados Isso seraacute enviado para o pastor [L R] Conradi Ele estaacute impulsionando o trabalho na Europa com todas as suas forccedilas e estaacute explorando novos campos Ele precisa de dinheiro Eu jaacute tenho dado agrave aqueles que estatildeo encarregados do trabalho na Europa permissatildeo para usar mil doacutelares dos di-reitos dos meus livros no pagamento de traduccedilotildeesrdquo (WHITE E G v 10 p 64 traduccedilatildeo livre)

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que esteve sob sua tutela natildeo passou pela reforma21 que naquele momento o adventismo tanto precisava

As criacuteticas de Conradi tambeacutem afetaram o senso de identidade denomi-nacional um dos assuntos mais cruciais e sensiacuteveis (ver KNIGHT 2006) para a sobrevivecircncia de qualquer movimento religioso Na sua opiniatildeo a experiecircn-cia milerita natildeo apontava para o surgimento de um remanescente responsaacutevel pela restauraccedilatildeo da Verdade e a pregaccedilatildeo das trecircs mensagens angeacutelicas Por fim ele concluiu assim como qualquer outro evangeacutelico que o santuaacuterio celestial nem sequer existia e que Cristo fez expiaccedilatildeo pelos pecados da humanidade logo que subiu ao Ceacuteu22 Essas e outras convicccedilotildees abalaram a consideraccedilatildeo denominacional pela Doutrina do Santuaacuterio eliminando as caracteriacutesticas distintivas do adventismo em relaccedilatildeo a outros grupos religiosos

Consideraccedilotildees finaisA eficiente administraccedilatildeo de Conradi foi durante muito tempo analisada

pelo vigor das instituiccedilotildees crescimento de membros arrecadaccedilatildeo de recursos e envio de missionaacuterios Em outras palavras Conradi foi avaliado apenas por nuacute-meros O futuro parecia ser glorioso mas com o decorrer dos anos os valores que deveriam mover a igreja foram invalidados pelo espiacuterito denominacional que Conradi modelou A qualificaccedilatildeo moral de Conradi e as motivaccedilotildees por detraacutes de suas decisotildees eacute que determinaram os reais resultados de sua influecircncia natildeo simplesmente como administrador mas tambeacutem como guia espiritual

Historiadores adventistas podem apenas imaginar o tremendo impacto ne-gativo que a influecircncia de Conradi produziu atraveacutes dos anos (WIDNER 1996 p 2) Entretanto seguramente pode-se delinear sua influecircncia no que diz respeito agrave Ellen G White e o enfraquecimento da identidade adventista Conradi plantou duacutevidas e questionamentos a respeito do ministeacuterio de Ellen G White que anula-ram a influecircncia dela sob pastores liacutederes e a comunidade leiga em geral

Um dos detalhes mais baacutesicos e determinantes para qualquer grupo re-ligioso eacute o que se escolhe como fonte de autoridade (ver KNIGHT 2006 p 59) ndash se a Biacuteblia a filosofia a tradiccedilatildeo etc ndash e as suas pressuposiccedilotildees herme-necircuticas para interpretaacute-la Eacute com base em tal elemento que a identidade o

21 Com respeito ao legalismo e a reforma que o Adventismo em meados de 1880 necessitava (ver KNIGHT 2003 p 85-87)22 Com respeito agraves convicccedilotildees pessoais de Conradi conferir sua declaraccedilatildeo em Fridensau peran-te os liacutederes da Igreja (Centro de pesquisas Ellen G White DF 96 ver tambeacutem RANDOLPH 1940 p 8 DELAFIELD 1957 p 288 e 294 FROOM 1971 679 GROB 1974 p 8-9 e 19)

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propoacutesito e todas as demais noccedilotildees caracteriacutesticas de uma denominaccedilatildeo satildeo formadas Como consequecircncia da influecircncia negativa de Conradi sob o dom profeacutetico de Ellen G White criou-se dentro do adventismo uma fraccedilatildeo que natildeo compartilha da mesma base comum de interpretaccedilatildeo e autoridade Natildeo conservando assim um consenso comum de estilo de vida missatildeo e identi-dade No sermatildeo do monte Cristo disse que ldquopelos seus frutos os conhecereisrdquo (Mt 716) Muitos consideram essa prova a mais soacutelida e segura para se testar um profeta verdadeiro ndash natildeo por acaso esse teste foi proferido pelo proacuteprio Jesus Desafortunadamente tal garantia natildeo pode ser obtida de forma instan-tacircnea Eacute necessaacuterio esperar os anos para enxergar que espeacutecie de frutos a obra de um profeta produz Em geral os maus frutos nascem primeiro

Curiosamente a igreja que deu ouvidos a Ellen G White superou crises ndash tais como a de Kellogg por exemplo ndash e manteve a unidade conservando-se em constante desenvolvimento Infelizmente o mesmo otimismo natildeo pode ser mantido quando se observa os lugares que agrave rejeitou Seriam todas as di-ficuldades que a Igreja na Europa enfrenta hoje consequecircncias do legado de Conradi Certamente que natildeo Muitos outros fatores histoacutericos e sociocul-turais tambeacutem devem ser considerados Contudo a interferecircncia de Conradi enfraqueceu o senso de identidade e a aplicaccedilatildeo da orientaccedilatildeo divina para a Igreja nos dias de hoje Dois aspectos cruciais para superar os momentos difiacute-ceis de crise Agrave luz de sua expereecircncias sraacute bom relembrar o conselho biacuteblico

ldquoAquele pois que pensa estar em peacute veja que natildeo caiardquo (1Co 1012)

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Enviado dia 15052013Aceito dia 10062013

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica1

Macro-assumption and biblical hermeneutics

Reacutegerson Molitor da Silva2

ResumoAbstract

Este estudo tem como objetivo averiguar o princiacutepio macro hermenecircutico da (a)temporalidade e sua influecircncia sobre os outros niacuteveis de interpretaccedilatildeo (micro e meso) Para poder alcanccedilar o resultado esperado o autor lanccedilou

matildeo do trabalho de Martin Heidegger Ser e tempo A posiccedilatildeo heideggeriana parece se alinhar com o pensamento biacuteblico de um Deus temporal que atua na histoacuteria de forma corrente diferente da preacute-concepccedilatildeo dogmaacutetica da atualidade onde Deus eacute atemporal Portanto se faz possiacutevel uma avaliaccedilatildeo dos pressupostos hermenecircuticos em especial a macro pressuposiccedilatildeo para uma construccedilatildeo interpretativa da Biacuteblia Palavras-chave Hermenecircutica Pressuposiccedilotildees Metafiacutesica Atemporal

The objective of this study is to verify the macro hermeneutical principle of the temporality or timelessness and its influence over the other interpreta-tion levels (micro and medium) In order to fulfill this study the author used

the work of Martin Heidegger Being and Time The position of Heidegger seems to match the biblical thought of a temporal God who acts currently in History oppo-sing the dogmatic preconception of our days when God is seen as timeless Hence it is possible to evaluate the hermeneutical presuppositions specially the macro presuppositions for an interpretative construction of the BibleKeywords Hermeneutics Assumptions Metaphysics Timeless

1 Este artigo foi baseado no segundo capiacutetulo da dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoA eterna e ontoloacutegica geraccedilatildeo do Filho enunciada no Credo Niceno-Constantinopolitano um estudo de suas implicaccedilotildees para o cristianismo biacuteblicordquo apresentado pelo mesmo autor na sua conclusatildeo do curso em 20122 Poacutes-graduado em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) bacharel em Teologia pela mesma universidade e Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) E-mail molitor7hotmailcom

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Haacute certo desconforto quando teoacutelogos com resultados interpretati-vos opostos sobre um mesmo assunto dizerm usar os mesmos conceitos de Tota e Sola Scriptura Assim eacute natural o surgimento de algumas indaga-ccedilotildees qual eacute a razatildeo para essas contradiccedilotildees teoloacutegicas sendo que a Biacuteblia eacute a fonte dos dois estudos Qual o motivo das divergecircncias interpretativas Muitas respostas a estes ldquoporquecircsrdquo poderiam ser consideradas no entan-to uma em especial merece destaque as diferenccedilas pressuposicionais de cada exegeta Em outras palavras os paradigmas hermenecircuticos satildeo res-ponsaacuteveis pela orientaccedilatildeo do modelo interpretativo (CANALE 2011 p 252) Ou seja as interpretaccedilotildees claramente contraditoacuterias sobre um mes-mo tema ocorrem devido a pressuposiccedilotildees diametralmente opostas ado-tadas por cada interprete

A proposta deste artigo eacute analisar a base pressuposicional em seus vaacute-rios niacuteveis hermenecircuticos destacando em especial o niacutevel macro hermenecircu-tico de interpretaccedilatildeo Para tanto partiremos primeiramente na busca de uma definiccedilatildeo do que seria a hemenecircutica Para facilitar o estudo seraacute conside-rada a divisatildeo de Hans Kuumlng (1999 p 162-163) a qual delimita trecircs niacuteveis hermenecircuticos micro meso e macro hermenecircutico

Breve definiccedilatildeo de hermenecircuticaA palavra ldquohermenecircuticardquo proveacutem do verbo grego hermeneuein e signi-

fica ldquodeclarar anunciar interpretar esclarecer e por uacuteltimo traduzirrdquo (PA-COMIO 2003 p 335) De forma geral segundo Kaiser e Silva (2002 p 13) a hermenecircutica ldquoeacute a disciplina que lida com os princiacutepios de interpretaccedilatildeordquo ou seja ela torna aquilo que outrora era velado em algo compreensiacutevel

Deve-se destacar que a hermenecircutica eacute considerada tanto uma ciecircn-cia ldquoporque ela tem normas ou regras e essas podem ser classificadas num sistema ordenadordquo sendo considerada tambeacutem ldquouma arte porque a comu-nicaccedilatildeo eacute flexiacutevelrdquo (VIRKLER 2001 p 9) Isto eacute ela ldquoindica uma dupla operaccedilatildeo ad extra no sentido de exprimir comunicar um significado ad in-tra como exerciacutecio de interpretaccedilatildeo que patenteia aquilo que se compreenderdquo (PACOMIO 2003 p 334)

Em siacutentese a principal tarefa da hermenecircutica eacute a interpretaccedilatildeo dos textos e a busca pela correta comunicaccedilatildeo do seu significado Para que isso ocorra eacute preciso levar em conta a relaccedilatildeo triangular entre autor-texto-leitor Logo cada texto representa a objetivaccedilatildeo escrita de um autor com uma linguagem peculiar e com um contexto especiacutefico (PACOMIO 2003 p 335-336)

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Aleacutem da linguagem e de seu significado no contexto histoacuterico especiacutefico eacute preciso levar em consideraccedilatildeo na hora da interpretaccedilatildeo os frameworks3 Em ou-tros termos o nosso quadro de leitura do mundo preconcepccedilotildees que surgem do nosso proacuteprio contexto vital que iraacute de forma consciente ou inconscientemen-te condicionar a leitura Segundo Basevi (1986 p 159 traduccedilatildeo livre) ldquotoda compreensatildeo supotildee uma preacute-compreensatildeo que estaacute por sua vez submetida a condicionamentos externos do texto (a intertextualidade)rdquo4 Portanto ao que parece deve-se identificar tais frameworks e suas pressuposiccedilotildees hermenecircuticas natildeo num niacutevel exegeacutetico (micro hermenecircutico) mas num niacutevel que sobrepotildee o framework textual Em outras palavras eacute necessaacuterio compreender o quadro que

lsquoenquadrarsquo nossa estrutura de pensamento os arqueacutetipos hermenecircuticos Na sequecircncia seraacute ponderada a diferenccedila entre a micro meso e macro

moldura [frameworks] hermenecircutica Espera-se com isso que a razatildeo do distanciamento interpretativo fique mais clara ao se compreender os dife-rentes niacuteveis hermenecircuticos que orientam uma visatildeo de mundo A anaacutelise comeccedilaraacute com a micro hermenecircutica e avanccedilaraacute pela meso ateacute a macro pres-suposiccedilatildeo Esta uacuteltima receberaacute maior atenccedilatildeo por se tratar de um elemento pouco discutido entre os estudiosos

Micro hermenecircuticaSegundo Canale (2011 p 20) a micro hermenecircutica se refere agrave exe-

gese que se aplica ao texto Ela faz uma anaacutelise detalhada e cuidadosa com o intuito de trazer agrave lume o ensino do mesmo Gordon D Fee (1983 p 21 traduccedilatildeo livre) entende assim o conceito sobre exegese

O termo ldquoexegeserdquo eacute usado [hellip] em um sentido conscientemente limitado para se referir agrave investigaccedilatildeo histoacuterica do significado do texto biacuteblico A exegese portanto responde agrave questatildeo ldquoo que o autor biacuteblico quis dizerrdquo Ela tem a ver com o que ele disse (o con-teuacutedo em si mesmo) e por que ele disse aquilo naquele momento (o contexto literaacuterio) Ainda mais a exegese estaacute primariamente preocupada com a intencionalidade ldquoo que o autor pretendia que seus leitores originais compreendessemrdquo5

3 Framework sistema de referecircncia esquema estruturaarmaccedilatildeo arcabouccediloesqueleto (ou seja a parte de uma construccedilatildeo que se destina a resistir a cargas) contexto sistema modelo4 ldquoToda comprensioacuten supone una pre comprensioacuten que estaacute a su vez sometida a condicio-namientos externos al texto (es la intertextualidad)rdquo5 ldquoThe term lsquoexegesisrsquo is used [hellip] in a consciously limited sense to refer to the historical

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Apesar da citaccedilatildeo acima conferir resumidamente o conceito de exegese e suas preocupaccedilotildees como ciecircncia o problema hermenecircutico vai aleacutem da inter-pretaccedilatildeo do texto De acordo com Sarmento (2003 p 141-142) o inteacuterprete natildeo eacute um agente passivo dessa forma seria ingenuidade negar a influecircncia dos pressupostos externos conscientes e inconscientes que cada leitor possui ao entrar em contato com o texto biacuteblico Por mais que se tente manter uma abor-dagem neutra as preacute-concepccedilotildees afetam a hermenecircutica O caminho natildeo eacute ne-gar a existecircncia das pressuposiccedilotildees ou tentar suprimi-las existe uma possibili-dade muito maior de se entender a ideia original do autor se as preacute-concepccedilotildees forem consideradas de forma consciente Para isso eacute preciso deliberadamente identificaacute-las e entatildeo fazer uso das mesmas no processo exegeacutetico (SILVA 2000 p 9) No proacuteximo toacutepico seraacute apresentado um niacutevel intermediaacuterio entre micro e macro hermenecircuticas isto eacute a meso hermenecircutica

Meso hermenecircutica

Uma questatildeo [hellip] controvertida tem a ver com o relacionamento entre a teologia e a exegese [micro hermenecircutica] Enquanto que os estu-diosos biacuteblicos tendem a ignorar ou ateacute mesmo rejeitar o valor da te-ologia sistemaacutetica [meso hermenecircutica] para o seu trabalho de inter-pretaccedilatildeo pode-se argumentar que os comprometimentos teoloacutegicos afetam inevitavelmente o processo de exegese e que tal influecircncia eacute tanto essencial quanto desejaacutevel (SILVA 2000 p 1 grifo nosso)

A ldquomeso hermenecircutica trata da interpretaccedilatildeo de questotildees teoloacutegicas e portanto pertence agrave aacuterea de teologia sistemaacuteticardquo6 (CANALE 2001 p 21 traduccedilatildeo livre) Logo diferente da micro hermenecircutica que estaacute preocupa-da com o texto em si e o seu significado histoacuterico-gramatical7 a meso her-menecircutica tem um olhar mais amplo e se preocupa com a sistematizaccedilatildeo de

investigation into the meaning of the Biblical text Exegesis therefore answers the question What did the Biblical author mean It has to do both with what he said (the-content itself) and why he said it at any given point (the literary context) Furthermore exegesis is primarily concerned with intentionality What did the author intend his original readers to understandrdquo6 ldquoMeso hermeneutics deals with the interpretation of theological issues and therefore be-longs properly to the area of systematic theologyrdquo7 O autor desta pesquisa considera o meacutetodo lsquohistoacuterico gramaticalrsquo de interpretaccedilatildeo como a ferramenta mais fiel ao interpretar o texto biacuteblico Para uma maior compreensatildeo do assunto ver Gerhard F Hasel (sd)

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um determinado tema isto eacute a visatildeo geral de determinado assunto Todavia ainda existem por traacutes da meso e da micro hermenecircutica as preacute-concepccedilotildees macro hermenecircuticas que seratildeo delineadas logo a seguir

MacrohermenecircuticaSegundo Canale

Enquanto a micro hermenecircutica se refere agrave interpretaccedilatildeo textual e a meso hermenecircutica trata da questatildeo ou interpretaccedilatildeo doutrinaacute-ria a macro hermenecircutica lida com a interpretaccedilatildeo dos primeiros princiacutepios que operam dentro da doutrina e hermenecircutica textual A macro hermenecircutica estaacute relacionada com o estudo e o esclare-cimento de questotildees filosoacuteficas direta ou indiretamente relaciona-das agrave criacutetica e formulaccedilatildeo de princiacutepios de interpretaccedilatildeo heuriacutestica concreta (CANALE 2001 p 20-21 traduccedilatildeo livre)8

Em outras palavras a macro hermenecircutica condiciona a maneira pela qual os teoacutelogos entendem a ontologia Ela conduz a reflexotildees sobre o ser de Deus que por conseguinte orientaraacute o pesquisador agrave meso (formaccedilatildeo doutrinaacuteria) e agrave micro hermenecircutica (exegese do texto) Desse modo a me-tafiacutesica confere sustentaccedilatildeo ao pensar filosoacutefico nas suas diversas aacutereas do conhecimento Essa sustentaccedilatildeo da filosofia pela metafiacutesica pode ser ilustra-da segundo o filoacutesofo Reneacute Descartes (2009 p 13 traduccedilatildeo livre) ldquocomo uma aacutervore [filosoacutefica] cujas raiacutezes eacute a Metafiacutesica o tronco eacute a Fiacutesica e os galhos que saem deste tronco satildeo todas as outras ciecircnciasrdquo9 Aparentemente a citaccedilatildeo de Descartes se mostra completa pois vai desde da metafiacutesica ateacute a moral passando pela Fiacutesica

No entanto de acordo com o filoacutesofo alematildeo Martin Heidegger exis-te um aspecto inexplorado pelo filoacutesofo francecircs e natildeo soacute despercebido por ele mas por todos os outros filoacutesofos anteriores e posteriores O que Heide-gger destaca como negligenciado de Platatildeo a Nietzsche eacute o solo em que se

8 ldquoWhile micro hermeneutics refers to textual interpretation and meso hermeneutics to is-sue or doctrinal interpretation macro hermeneutics deals with the interpretation of the first principles from within which doctrinal and textual hermeneutics operate Macro hermeneu-tics is related to the study and clarification of philosophical issues directly or indirectly related to the criticism and formulation of concrete heuristic principles of interpretationrdquo9 ldquo[Thus all Philosophy is] like a tree of which Metaphysic is the root the Physic the trunk and all the other sciences the branches that grow out of this trunkrdquo

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encontram as raiacutezes (metafiacutesica) desta grande aacutervore (HEIDEGGER 1969 p 61) A hermenecircutica estaraacute condicionada pelo solo no qual a metafiacutesica se encontra fixada (macro pressuposiccedilotildees) oferecendo uma interpretaccedilatildeo dis-crepante do mesmo assunto em relaccedilatildeo a uma hermenecircutica cujo solo (ma-cro pressuposiccedilatildeo) seja diferente Portanto macro pressuposiccedilotildees diferentes geram interpretaccedilotildees desiguais Infelizmente a influecircncia ontoloacutegica (macro pressuposiccedilatildeo) eacute negada ou passa despercebida pela maioria dos interpretes

No proacuteximo toacutepico seraacute abordado com mais detalhes a proposta de Heidegger onde se questiona segundo o mesmo autor aquilo que nunca foi questionado desde Platatildeo ateacute o segundo milecircnio de nossa era (HEIDEGGER 2005a p 27-30) O objetivo dele ao entrar na problemaacutetica da hermenecircutica tem como ldquofinalidade ontoloacutegica de desenvolver a partir delas a preacute-estrutu-ra da compreensatildeordquo (GADAMER 1999 p 44) Essa pesquisa tem o interesse nas preacute-compreensotildees ontoloacutegicas que a metafiacutesica trabalha Neste trabalho isto seraacute chamado de ldquomacro hermenecircuticardquo ou ldquomacro pressuposiccedilotildeesrdquo

Metafiacutesica como macropressuposiccedilatildeoDevo alertar que a palavra metafiacutesica no pensamento de Heidegger teoacute-

rico de maior importacircncia neste ponto da pesquisa natildeo possui apenas um sen-tido Haacute pelo menos dois sentidos atribuiacutedos em suas discussotildees O primeiro se refere agrave metafiacutesica como algo negativo ldquouma fatalidaderdquo (HEIDEGGER 2002 p 67) Essa eacute a metafiacutesica contemporacircnea que ele critica pois eacute um en-trave ao conhecimento do verdadeiro ser O segundo sentido que Heidegger usa eacute aquele que vai aleacutem do ente do ocircntico (HEIDEGGER 1969 p 39) Em ou-tras palavras Heidegger busca o que estaacute aleacutem da metafiacutesica isto eacute ele busca o verdadeiro significado do ser Portanto eacute preciso desconstruir os pressupostos dogmaacuteticos usados por vaacuterias deacutecadas como fonte legiacutetima do conhecer Essa parte do pensamento eacute importante ao presente estudo pois todas as ciecircncias estatildeo em maior ou menor grau comprometidas com a macro pressuposiccedilatildeo Portanto partindo da criacutetica heideggeriana feita agrave macro pressuposiccedilatildeo claacutes-sica seraacute investigado o sentido macro hermenecircutico dominante e seus efeitos sobre o pensamento ocidental Esse seraacute o assunto explorado a seguir

Entendendo o paradigma metafiacutesicoO sentido etimoloacutegico da palavra metafiacutesica eacute meta (ldquoaleacutemrdquo) e tagrave

physikaacute (ldquoente naturalrdquo) isto eacute a metafiacutesica busca o que estaacute aleacutem do

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ente sua investigaccedilatildeo eacute o ser ontoloacutegico natildeo o ente (ocircntico) Pode-se dizer que ldquoo paradigma metafiacutesico eacute a histoacuteria de nossa permanecircncia ele natildeo eacute entretanto o iniacutecio do nosso pensarrdquo (MICHELAZZO 2010 p 30) ou seja existe uma archeacute antes da metafiacutesica atual e eacute exatamente isso que Heidegger busca

O grande problema apontado por Heidegger em relaccedilatildeo agrave metafiacutesi-ca dogmaacutetica que tem dominado o pensamento ocidental eacute que a mesma deixou de ir aleacutem do ente Para o mesmo autor os primeiros pensadores antes de Platatildeo entendiam a phyacutesis como o surgimento ou presenccedila ma-nifesta por isso a phyacutesis era vista como a unidade ordinaacuteria que congrega tanto aquilo que brota (movimento) quanto o que se reteacutem (permanece em repouso) Para eles natildeo havia separaccedilatildeo do real em dois grandes blocos em permanente oposiccedilatildeo denominados de temporal e atemporal

sensiacutevel e supra-sensiacutevel material e espiritual imanente e transcen-dente ou entatildeo conforme o dualismo moderno realista e idealista subjetivo e objetivo O fundo escuro da caverna e a claridade do sol na pradaria eram para eles formas ou manifestaccedilotildees de uma uacutenica realidade porque procediam de uma mesma fonte Natildeo havia moti-vo para duvidar da realidade (MICHELAZZO 2010 p 31)

Essa forma de pensar dualiacutestica para Heidegger eacute o grande problema da metafiacutesica desde os tempos de Platatildeo ele considera essa ldquointerpretaccedilatildeo ontologicamente inadequadardquo (HEIDEGGER 2005a p 97) Isso porque ela elimina o ser como ser (real no sentido total de phyacutesis) e passa a viver a imagem de um ente extramundano em outras palavras a realidade eacute apenas sombra de uma realidade superior e atemporal portanto o ser no sentido ocircntico coisificado estaacute longe do ser ontoloacutegico por mais que se tente al-canccedilar o ente supremo ainda deixaraacute a desejar por isso confere-se tanto va-lor agraves coisas (no sentido de ser isso ou aquilo) e o proacuteprio ser humano passa a ser um objeto em si (HEIDEGGER 2005a p 84) Para Heidegger essa visatildeo ontoloacutegica modela nossa visatildeo de mundo

No proacuteximo toacutepico seraacute analisada a chave para a compreensatildeo da ma-cro pressuposiccedilatildeo isto eacute ldquoo tempo eacute o ponto de partida do qual a presen-ccedila sempre compreende e interpreta implicitamente o serrdquo (HEIDEGGER 2005a p 45) Em outras palavras a forma como se entende o conceito de tempo moldaraacute a visatildeo ontoloacutegica e por conseguinte as possibilidades her-menecircuticas de interpretaccedilatildeo

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O tempo agrave luz da problemaacutetica da temporalidade

Segundo Heidegger (2005 p 46) o tempo funciona como criteacuterio on-toloacutegico ldquopara distinguir as regiotildees e modos do serrdquo por isso dependendo do conceito de tempo estabelecido a visatildeo do ser seraacute diferenciada isto eacute

ldquoa problemaacutetica central de toda a ontologia se funda e lanccedila suas raiacutezes no fenocircmeno do tempordquo (HEIDEGGER 2005a p 46) Basicamente existem duas formas (macro pressuposiccedilotildees) de entender a questatildeo do tempo todas as outras satildeo derivaccedilotildees de uma delas

A primeira maneira de conceber a natureza do tempo tem sua origem em Platatildeo (2011 p 119) que constitui o ldquotempordquo (kroacutenos) como a ldquoimagem moacutevel da eternidade [aioacuten] [hellip] uma imagem eterna que avanccedila de acordo com o nuacutemerordquo Partindo do dualismo entre mundo supra-sensiacutevel e mundo sensiacutevel Platatildeo assume o tempo como uma aparecircncia mutaacutevel e pereciacutevel de uma essecircncia imutaacutevel e impereciacutevel Enquanto o ldquotempordquo (kroacutenos) eacute a esfe-ra tangiacutevel moacutebil a ldquoeternidaderdquo (aioacuten) eacute a esfera intangiacutevel e imoacutevel Posto que o ldquotempordquo representa uma imagem ele natildeo passa de uma imitaccedilatildeo (miacute-mesis) da eternidade (aioacuten) Ou seja o tempo eacute uma coacutepia imperfeita de um modelo perfeito a eternidade

Essa parece ser a visatildeo que a grande parte dos teoacutelogos sustentam a respeito do tempo e por conseguinte da eternidade (ver HODGE 2001 p 189)10 Portanto esta primeira concepccedilatildeo de tempo concorda com uma separaccedilatildeo entre o mundo sensiacutevel lsquotemporalrsquo e supra-sensiacutevel lsquoatemporalrsquo A variaccedilatildeo dessa percepccedilatildeo se daacute nas diversas formas onde satildeo construiacutedas pontes para acessar ou natildeo11 o tόpυς ούρανου (HEIDEGGER 2005a p 46) Desde Platatildeo ateacute Nietzsche a macro pressuposiccedilatildeo dualiacutestica de tempo (temporal e atemporal) tem reinado como base do pensar filosoacutefico e teo-loacutegico orientando assim toda a estrutura hermenecircutica do conhecimento (MICHELAZZO 2010 p 35-66) O tempo ideal eacute algo que acontece fora do ser humano ou seja num mundo supra-sensiacutevel ou na percepccedilatildeo do mo-vimento da coisa (ente) vindo ao encontro no horizonte temporal

10 Hodge (2001 p 189) alega que ldquoa eternidade o presente sem mudanccedila sem princiacutepio e sem fim compreende o tempo inteiro e coexiste como um momento natildeo divididordquo11 Descarte eacute um exemplo de filoacutesofo que nega o mundo supra-sensiacutevel no entanto coloca no lugar do mesmo o lsquocogito ergo sumrsquo (ldquopenso logo existordquo) isto eacute continua com a mesma base dua-liacutestica (res cogitans e extensa) onde o referencial continua fora do ser (ver MICHELZZO 2010 p 60)

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A segunda forma de conceber o tempo pode ser conhecida em especial na filosofia de Heidegger Tal filosofia nega o conceito de tempo platocircnico (kroacutenos como uma imagem do aiacuteon) e apodera-se do conceito de tempo lsquonatu-ralrsquo de Aristoacuteteles que pela primeira vez conceituou a compreensatildeo vulgar do tempo a sua ldquointerpretaccedilatildeo do tempo movimenta-se sobretudo na direccedilatildeo da compreensatildeo ontoloacutegica lsquonaturalrsquordquo (HEIDEGGER 2005b p 233) Contu-do apesar de aceitar o conceito aristoteacutelico de tempo natural como movimen-to ele nega o referencial que o mesmo toma (NUNES 2000 p 188-192) Em outras palavras para Aristoacuteteles assim como para Platatildeo a referecircncia tempo-ral estaacute fora do sujeito no caso de Platatildeo ldquoacimardquo num mundo supra-sensiacutevel e em Aristoacuteteles (Fiacutesica 219b) no ldquodevirrdquo interpretando o tempo em funccedilatildeo do presente a intuiccedilatildeo de um agora ldquoo tempo eacute justamente isto nuacutemero do movimento segundo o anterior e o posteriorrdquo Portanto a visatildeo de tempo de Aristoacuteteles eacute dirigida ldquocomo [uma] sequecircncia de agoras que emergem e desa-parecem [onde] temos a imagem derivada da eternidade [aiacuteon] jaacute tecida por Platatildeordquo (BLASIO 2007 grifo nosso) Heidegger ao contraacuterio interpretou o tempo em termos de possibilidade ou de projeccedilatildeo o tempo eacute originariamente o ldquoporvirrdquo (Zu-kunft) o porvir do ente para si mesmo na manutenccedilatildeo da pos-sibilidade caracteriacutestica como tal (HEIDEGGER 2005b p 123)

ldquoPorvirrdquo natildeo significa aqui um agora que ainda-natildeo tendo se tor-nado ldquorealrdquo algum dia o seraacute Porvir significa o advento em que a presenccedila vem a si em seu poder-ser mais proacuteprio Eacute a antecipaccedilatildeo que torna a presenccedila [ser-aiacute] propriamente porvindoura de tal ma-neira que a proacutepria antecipaccedilatildeo soacute eacute possiacutevel na medida em que a presenccedila [ser-aiacute] enquanto ente sempre jaacute vem a si ou seja em seu ser eacute e estaacute por vir (HEIDEGGER 2005b p 119 grifo nosso)

ldquoEnquanto o futuro proacuteprio tem o caraacuteter de lsquoanteciparrsquo ou lsquoprecursarrsquo [Vorlaufen] o improacuteprio eacute um lsquoestar agrave esperarsquo [Gewaumlrtigen]rdquo (SEIBT 2010 p 255) Isto eacute no futuro no modo inapropriado o Dasein (ldquoser-aiacuterdquo) espera que o futuro faccedila algo dele (sujeito passivo diante do ente ativo ldquoo tempo passardquo) enquanto que no modo proacuteprio ele se resolve e antecipa nas possi-bilidades Para isso o Dasein faz uso do passado como um ldquoter-sidordquo que eacute condicionado pelo porvir porque assim como satildeo possibilidades autecircnticas aquelas que jaacute foram tambeacutem jaacute foram agraves possibilidades agraves quais o ser hu-mano pode autenticamente retornar e apropriar-se (HEIDEGGER 2005b p 122) Dessa forma o ldquoser-aiacuterdquo atraveacutes do porvir retoma o passado e com

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base na antecipaccedilatildeo constroacutei as possibilidades temporais Assim o tempo do mundo se encontra tanto no sujeito (Dasein) quanto no fiacutesico (movimen-to do ente que vem ao encontro no horizonte)

ldquoO tempordquo natildeo eacute e nunca estaacute simplesmente dado no ldquosujeitordquo nem no ldquoobjetordquo e nem tampouco ldquodentrordquo ou ldquoforardquo O tempo ldquoeacuterdquo

ldquoanteriorrdquo a toda subjetividade e objetividade porque constitui a proacute-pria possibilidade desse ldquoanteriorrdquo (HEIDEGGER 2005b p 231)

Ou seja para Heidegger o ldquoser-aiacuterdquo se destaca pois eacute o ser no mun-do que percebe os entes intramundanos E o ser soacute pode ser percebido na anguacutestia do natildeo ser isto eacute na morte e esta eacute certa para todo ser (terreno) Portanto partindo dessa certeza que estaacute no porvir que antecipa o agora que jaacute estaacute anteriormente mergulhado no passado do ser no mundo o tempo se temporaliza O tempo ao mesmo tempo que existe fora do ser humano no movimento dos entes tambeacutem eacute subjetivo pois parte do perceber de cada Dasein No momento em que o ser encontra a morte e passa a natildeo ser o tempo eacute interrompido (SEIBT 2010 p 264) (ver Ec 95)

O projetar-se ldquoem funccedilatildeo de si-mesmordquo fundado no porvir eacute um caraacuteter essencial da existencialidade [hellip] portanto o tempo do mundo pertence agrave temporalizaccedilatildeo da temporalidade entatildeo ele natildeo pode se evaporar ldquosubjetivisticamenterdquo e nem se ldquocoisificarrdquo numa ldquomaacute objetivaccedilatildeordquo (HEIDEGGER 2005b p 122 e 232)

Com efeito pode-se constatar que a interpretaccedilatildeo modal da temporalidade de Heidegger do Dasein potildee o conceito de existecircncia dentro de seus limites e repete do mesmo modo a questatildeo do tempo (como movimento) eliminando com base na possibilidade o modelo ldquoimortalista da filosofiardquo e com este o seu caraacuteter de ldquoinfinituderdquo e ldquopresentidaderdquo (HEIDEGGER 2005 p 236)

Em linhas gerais Heidegger ldquofez a distinccedilatildeo entre o tempo originaacuterio [na-turalproacuteprio] e finito regido pelo instante da antecipaccedilatildeo e o tempo vulgar e infinito [inapropriado] regido pela sucessatildeo ininterrupta de agorasrdquo (FERREI-RA 2003 p 12 grifo nosso) Diferente de Platatildeo e dos demais filoacutesofos Heide-gger vai aleacutem da metafiacutesica ele se debruccedila na anaacutelise do solo onde a metafiacutesica estaacute plantada ele vai ateacute agrave macro pressuposiccedilatildeo e traz um desvelamento onde todos satildeo chamados para refletir sobre as ditas ldquoverdadesrdquo que durante seacuteculos tecircm sido sustentadas como lsquoabsolutasrsquo sem se considerar onde estatildeo firmadas

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O que Heidegger propotildee eacute um processo de desconstruccedilatildeo do antigo paracircmetro macro estrutural e ao mesmo tempo a construccedilatildeo de um novo paradigma hermenecircutico Para a presente pesquisa tal questionamento eacute de grande valia pois a proposta da mesma eacute buscar uma abordagem que mantenha a Biacuteblia (Sola Scriptura) como o uacutenico referencial confiaacutevel na construccedilatildeo e na revisatildeo de doutrinas em todos os niacuteveis pressuposicionais Portanto como ponto de partida deve-se identificar qual a macro pressu-posiccedilatildeo que rege a estrutura de uma doutrina Para que isso ocorra pode-se comeccedilar com as seguintes perguntas a doutrina em estudo estaacute de acordo com a visatildeo metafiacutesica das Escrituras Ou estaacute seguindo uma macro pressu-posiccedilatildeo contraacuteria agrave revelaccedilatildeo escrituriacutestica Qual a visatildeo biacuteblica de tempo e eternidade Com essas indagaccedilotildees em pauta seraacute dado o proacuteximo passo nas consideraccedilotildees que se seguem

Noccedilatildeo de tempo e eternidade na Biacuteblia

Para continuar seraacute preciso responder uma importante questatildeo a teo-logia deve continuar interpretando e construindo o sistema doutrinal atraveacutes de uma perspectiva hermenecircutica atemporal (macro pressuposiccedilatildeo) provin-da da ontologia grega (platocircnica) Ou seria necessaacuterio partir de uma nova perspectiva temporal como por exemplo a apresentada por Heidegger e as-sim revisar ou reconstruir o corpo de crenccedilas cristatildes Para isso precisamos entender a visatildeo biacuteblica sobre ldquotempordquo e ldquoeternidaderdquo aleacutem de analisar se a mesma apoia a macro pressuposiccedilatildeo proposta por Heidegger ou se apresenta outra perspectiva temporal a ser adotada

A primeira situaccedilatildeo biacuteblica de destaque poacutes-queda onde o sobrenatural transpotildee e se faz presente no mundo natural eacute o momento poacutes-libertaccedilatildeo do cativeiro egiacutepcio Nessa ocasiatildeo Deus surpreendentemente confere uma ordem a Moiseacutes para construir um santuaacuterio onde possa habitar no meio do povo ldquoE me faratildeo um santuaacuterio para que eu habite no meio delesrdquo (Ecircx 258 itaacutelicos acrescentados) O verbo hebraico shakan ldquolsquohabitarrsquo significa ser um residente permanente numa comunidaderdquo (NICHOL 2011 v 1 p 685) De fato numa visatildeo claacutessica (platocircnica) esse texto seria interpretado como metafoacuterico contudo admitir tal meacutetodo de interpretaccedilatildeo significa trabalhar sobre uma base ilusoacuteria negando que a esfera sobrenatural se mostra perfeitamente compatiacutevel com a temporalidade e historicidade do

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mundo natural e impor ao texto biacuteblico uma realidade metafiacutesica ausente no mesmo (CANALE 2011 p 97)

Uma segunda situaccedilatildeo ocorre quando Ele (Deus) que ldquomora em luz inacessiacutevelrdquo (1Tm 616) encarnou como um semelhante a noacutes O apoacutestolo Joatildeo faz eco agrave passagem de Ecircxodo 258 quando escreve ldquoE o Verbo se fez carne e habitou entre noacutesrdquo (Jo 114 itaacutelicos acrescentados) Literalmen-te ldquoo Verbo lsquotabernaculoursquo entre noacutesrdquo ldquofez moradardquo ldquoarmou sua tendardquo O divino pertencente agrave esfera do sobrenatural (Jo 11-2) ldquose fez carnerdquo Logo o sobrenatural estaacute imerso no natural Na visatildeo claacutessica ldquoDeus e o mundo sobrenatural satildeo atemporais uma mudanccedila na natureza divina do Verbo da forma natildeo encarnada para a encarnada eacute impossiacutevelrdquo (CANA-LE 2011 p 98) Por conseguinte a encarnaccedilatildeo requer uma compreensatildeo histoacuterico-temporal onde o sobrenatural e o natural apesar de diferentes (natildeo opostos) se harmonizam

Seguindo a mesma ecircnfase em Apocalipse 213 na promessa de res-tauraccedilatildeo da Nova Terra aparece o sobrenatural habitando para sempre no mundo natural ldquoEis aqui o tabernaacuteculo de Deus com os homens pois com eles habitaraacute [do grego Skecircnecirc ndash ldquotenda tabernaacuteculo residecircnciardquo] e eles seratildeo o seu povo e o mesmo Deus estaraacute com eles e seraacute o seu Deusrdquo Portanto a promessa eacute que Deus habitaraacute com os homens no mundo tem-poral pela eternidade o proacuteprio trono de Deus a nova Jerusaleacutem desce do ldquoceacuteu adereccedilada como uma esposa ataviada para o seu maridordquo (Ap 212) Nesse sentido ldquoa Biacuteblia desconhece um Deus atemporal ou um ceacuteu sem acontecimentosrdquo (SHEDD PIERATT 2000 p 12) Segundo Canale (2011 p 97 itaacutelicos acrescentados) ldquoo ponto eacute que natildeo existe ne-nhuma razatildeo seja biacuteblica loacutegica ou filosoacutefica [hellip] [para] aceitar a noccedilatildeo atemporal da esfera sobrenaturalrdquo

Aleacutem das situaccedilotildees que negam a macro pressuposiccedilatildeo hermenecircutica de dois domiacutenios (temporal e atemporal) apresentadas acima tambeacutem eacute possiacutevel recorrer agrave anaacutelise da palavra hebraica lsquoolam (ldquoeternidaderdquo) que no Antigo Testamento ldquonatildeo designa a eternidade como atemporal isto eacute tem-po imutaacutevel nem como tempo ainda oculto no presente mas םלוש significa sobretudo o tempo mais distante e isso tanto em direccedilatildeo ao passado quanto em direccedilatildeo ao futurordquo (WOLFF 2007 p 148-149) Da mesma forma Os-car Cullmann (2003 p 83) assegura que no Novo Testamento a palavra grega aiocircn equivalente a lsquoolam tem o mesmo sentido ldquopara designar seja um espaccedilo de tempo delimitado com precisatildeo seja uma duraccedilatildeo ilimitada e incalculaacutevel que noacutes traduzimos por ldquoeternidaderdquordquo Em suma

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Segundo a Biacuteblia Deus estaacute consciente da ordem temporal e vi-talmente vinculado a ela O Deus eterno natildeo estaacute separado do mundo temporal e espacial Isso significa que o conceito biacuteblico de eternidade de Deus natildeo eacute idecircntico agrave atemporalidade platocircnica e agrave negaccedilatildeo do tempo ou o tempo como ldquoa sombra do eternordquo (GARRETT 2003 p 229-230 traduccedilatildeo livre)12

Segundo a visatildeo claacutessica do mundo natural e sobrenatural o que faz sepa-raccedilatildeo entre Deus e o ser humano eacute a natureza ontoloacutegica atemporal de Deus e por isso eacute impossiacutevel agrave presenccedila do sobrenatural no tempo espaccedilo Todavia ao averiguar o conceito biacuteblico do que de fato faz separaccedilatildeo entre Deus e a huma-nidade conclui-se que eacute o pecado e natildeo a natureza temporal versos atemporal que separam a humanidade da divindade ldquoMas as vossas iniquidades fazem se-paraccedilatildeo entre voacutes e o vosso Deus e os vossos pecados encobrem o seu rosto de voacutes para que natildeo vos ouccedilardquo (Is 592) Deus na histoacuteria do ser humano todavia a marca da lsquoausecircncia de Deusrsquo eacute por conta do pecado e natildeo por causa de sua natureza sobrenatural em oposiccedilatildeo agrave nossa natureza (CANALE 2011 p 100)

Consideraccedilotildees finaisPor fim entende-se que as pressuposiccedilotildees afetam de forma consciente ou

inconsciente a hermenecircutica e que dependendo do referencial tomado a in-terpretaccedilatildeo poderaacute ser diametralmente oposta Como foi dito acima existem dois tipos baacutesicos de macro pressuposiccedilatildeo a primeira adotada pela maioria dos teoacutelogos (de Platatildeo ao seacutec 19) assume que a visatildeo de mundo eacute dualiacutestica isto eacute o mundo sensiacutevel (temporal) eacute apenas a imagem do mundo supra-sensiacutevel que possui um tempo infinito (atemporal) regido pelo agora

Por outro lado em segundo lugar haacute de se considerar a proposta ino-vadora de Heidegger de desconstruir esta forma de pensar a partir do real isto eacute este mundo natildeo eacute uma sombra de um mundo superior e atemporal O tempo se temporaliza a partir do ldquoser-aiacuterdquo logo o tempo eacute finito assim como cada ser num mundo finito pois a temporalizaccedilatildeo se temporaliza na relaccedilatildeo do ser no mundo com os outros entes percebidos pelo Dasein

12 ldquoSeguacuten la Biblia Dios estaacute consciente del orden temporal e vitalmente vinculado a eacutel El Dios eterno no estaacute divorciado del mundo temporal y espacial Esto significa que el concepto biacuteblico de la eternidad de Dios no es ideacutentico a la intemporalidad platoacutenica y a la negacioacuten del tiempo o al tiempo como ldquola sombra de lo eternordquo

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Diante das duas perspectivas macro pressuposicionais apresentadas se existe a necessidade ter um resultado interpretativo de acordo com o prin-ciacutepio Sola Scriptura deve-se usar o conceito temporal de Deus pois estaacute de acordo com a revelaccedilatildeo Por outro lado a visatildeo platocircnica de um mundo sobrenatural atemporal natildeo deve ser aceita pois a mesma natildeo tem amparo biacuteblico Assim todo exegeta deve questionar suas preacute-concepccedilotildees a niacutevel micro (exegese) meso (doutrinaacuterio) e macro de pressuposiccedilotildees a fim de adotar a visatildeo biacuteblica de esfera sobrenatural histoacuterico-temporal Dessa ma-neira ele poderaacute argumentar a partir de alicerce adequado e assim obter uma interpretaccedilatildeo mais fidedigna ao texto biacuteblico

ReferecircnciasARISTOacuteTELES Fiacutesica Madrid Editorial Gredos SA 1995

BASEVI C La funcioacuten hermeneacuteutica de la tradicioacuten de la Iglesia Scripta Theologica v 18 n 1 p 159-174 1986

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Enviado dia 17012013Aceito dia 15042013

Estudo sobre a morte em Lucas 1619-31A study about death in Luke 1619-31

Adenilton T de Aguiar1 Diego Rafael da S Barros2

ResumoAbstract

Este artigo tem como objetivo verificar a plausibilidade da crenccedila na imortalidade inerente da alma a partir da leitura da paraacutebola do homem rico e Laacutezaro contidaem Lucas 16 Para tanto o cenaacuterio

histoacuterico eacute remontado a partir de uma leitura de textos judaicos e greco--romanos da eacutepoca e da anaacutelise linguiacutestico-cultural especificamente do termo hades utilizado em Lc 1623 Com base nos dados bibliograacuteficos que ampararam esta pesquisa conclui-se que autores deste seacuteculo e do seacuteculo passado concordam que natildeo pode ser extraiacuteda uma base doutrinaacuteria para a imortalidade inerente da alma a partir dessa narrativa nem sequer um endosso da mesmaPalavras-Chave Rico e Laacutezaro Paraacutebolas de Jesus Lucas 1619-31 Hades Imortalidade da alma

This paper aims to verify the plausibility of the soulrsquos inherent immor-tality belief based on the reading of the parable of the rich man and Lazarus in Luke 16 Thereunto the historic setting is remounted by a

reading of Jewish and Greco-Roman texts from that time and linguistic-cultural

1 Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Catoacutelica de Pernambuco professor de liacutenguas Biacuteblicas no SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adventista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste editor geral da Revista Hermenecircutica e do Ce-PLiB ndash Centro de Pesquisa de Literatura Biacuteblica Email adeniltonaguiargmailcom 2 Bacharelado em Teologia do SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adentista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste Email diegorafaelbarrosgmailcom

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analysis mainly focusing the term hades in Luke 1623 Based on the biblio-graphical data it is possible to conclude that the authors of this century and of the past century agree that itrsquos impossible to maintain the doctrine of the soulrsquos inherent immortality based on this narrativeKeywords Lazarus and the rich man Jesusrsquo parables Luke 1619-31 Hades Soul immortality

A assim chamada paraacutebola do Rico e Laacutezaro registrada em Lucas 16 tem sido largamente utilizada para defender a doutrina da imortalidade ine-rente da alma Os comentaristas que utilizam essa paraacutebola em busca de apoio para sustentar a crenccedila acima mencionada entendem que esta narra-tiva revela o aleacutem e demonstra o futuro poacutes-morte de iacutempios e justos

Apesar das discussotildees que envolvem esse relato3 curiosamente perce-be-se que haacute um esquecimento dessa paraacutebola dentro da erudiccedilatildeo uma vez que ela natildeo tem recebido tanta atenccedilatildeo dos estudiosos quanto outras paraacute-bolas de Jesus Kissinger (apud HOCK 1987 p 447) em seu livro Parables of Jesus a history of interpretation and Bibliography lista 123 estudos da paraacutebola do Bom Samaritano e 254 estudos da paraacutebola do Filho Proacutedigo em contra-partida a obra lista apenas 68 estudos da paraacutebola do Rico e Laacutezaro

A escassez de pesquisa sobre essa narrativa natildeo se justifica principal-mente quando se leva em conta o grau de discordacircncia entre comentaristas sobre as questotildees que giram em torno dela Seria esta paraacutebola um ensino claro de Jesus sobre a condiccedilatildeo da vida apoacutes a morte Se sim entatildeo haacute pos-sibilidade de diaacutelogo entre justos no paraiacuteso e iacutempios no inferno Se natildeo qual a mensagem da paraacutebola E qual eacute o propoacutesito de Jesus ao utilizaacute-la Estaria ela corroborando uma cosmovisatildeo dualista da natureza humana O presente estudo propotildee a responder a estas questotildees atraveacutes de uma pesquisa na literatura judaica e greco-romana aleacutem eacute claro do escrutiacutenio apurado do proacuteprio texto biacuteblico em questatildeo

3 Aleacutem das discussotildees sobre a questatildeo da imortalidade da alma as pesquisas mais recentes defendem que esta narrativa natildeo passa de uma interpolaccedilatildeo apoacutecrifa uma vez que natildeo eacute encon-trada em alguns dos manuscritos mais antigos Para detalhes sobre o assunto ver Cairus (2006)

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A mensagem e as paraacutebolas do evangelho de Lucas

O Evangelho de Lucas ldquopotildee Jesus em contato [hellip] com as necessida-des das pessoasrdquo (NICHOL 1995 p 650) e focaliza temas eacuteticos de seu kerygma Sem duacutevida um dos temas sobresselentes deste Evangelho eacute o comportamento adequado daquele que participa do reino de Deus Neste Evangelho mais do que nos demais o leitor eacute colocado diante de situa-ccedilotildees (reais e imaginaacuterias) que quebram os paradigmas e destroem os tabus da audiecircncia primaacuteria do Filho do Homem Especialmente nas paraacutebolas de Lucas pode-se contemplar como protagonistas personagens margi-nalizados no mundo judeu do seacuteculo I o bom samaritano (Lc 1025-37) o filho proacutedigo (Lc 1511-32) o cobrador de impostos (Lc 189-14) o mordomo infiel (Lc 161-13) dentre outros Estas figuras corroboram a hipoacutetese de Schottroff (2007 p 208) de que este evangelho apresenta uma anaacutelise social radical

Integrando este grupo de paraacutebolas inusitadas situa-se uma das narra-tivas de exemplo4 mais famosas a paraacutebola do homem rico e Laacutezaro Nesta narrativa apresentam-se choques profundos de valores tanto judaicos quan-to greco-romanos Embora a riqueza fosse considerada signo de favor divi-no em ambas as culturas esperava-se uma atitude diferente do homem rico principalmente tendo a lei de Moiseacutes e os escritos profeacuteticos como pano de fundo metanarrativo Em outras palavras ldquoo fato de o rico natildeo cuidar de Laacutezaro natildeo estava de acordo com o AT (1619-31) e com o ensinamento de Jesus (169)rdquo (KARRIS 2011 p 283)

Os temas da benevolecircncia para com os pobres e da armadilha das ri-quezas eram recorrentes tanto na cultura judaica5 quanto no mundo gre-co-romano No apoacutecrifo livro de Tobias 411 estaacute escrito ldquo[hellip] a entrega de esmolas livra da morte e vos guarda de serem lanccedilados nas trevasrdquo Ou-tros escritos judaicos primitivos alegavam que a riqueza eacute uma das trecircs re-des pelas quais Belial captura Israel (SNODGRASS 2010 p 549) Secircneca

4 As narrativas de exemplo satildeo inerentes ao Evangelho de Lucas e exclusivas dele (SCHNEL-LE 2010 p 663) Tais histoacuterias visam demonstrar o procedimento padratildeo do reino de Deus5 A Toraacute e os escritos profeacuteticos repetem por diversas vezes o tema do cuidado com os pobres oacuterfatildeos viuacutevas e estrangeiros como obrigaccedilatildeo moral religiosa e legal Ver por exemplo Ex 2220-26 236 11 Lv 1910 2322 Dt 1018-19 157 9 e 11 2414 Is 314 15 Jr 528 Ez 1649 22 29 Am 8 4 6

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ceacutelebre escritor e advogado do seacuteculo I em sua obra De Brevitae Vitae 137 escreveu ldquoAh como eacute grande a cegueira que a prosperidade excessiva pro-voca em nossas mentesrdquo

O capiacutetulo 16 de LucasPesquisadores contemporacircneos colocam a paraacutebola do Rico e Laacutezaro

no mesmo grupo das paraacutebolas do rico insensato (12 13-21) e do mordomo infiel (161-13) sugerindo que o foco dessa paraacutebola diz respeito agrave utilizaccedilatildeo adequada dos recursos materiais ndash tema enfatizado por Lucas (ver SNOD-GRASS 2010 p 547) Uma anaacutelise da estrutura de Lucas 16 onde se situa a paraacutebola em anaacutelise pode aprofundar essa compreensatildeo

O capiacutetulo 16 de Lucas pode ser dividido em quatro partes (v 1-8a v 8b-13 v 14-18 v 19-31) (ver KARRIS 2011 p 281) e inicia com a inusita-da paraacutebola do mordomo infiel No iniacutecio da narrativa natildeo eacute faacutecil identificar e compreender o que motiva Jesus a contar esta paraacutebola Contudo a partir do verso 13 fica claro que Jesus queria demonstrar que ldquoningueacutem pode servir a Deus e agraves riquezasrdquo Em seguida o verso 14 condena os fariseus os quais por assim dizer satildeo os antagonistas da paraacutebola dada a sua patente avareza em relaccedilatildeo aos pobres

Assim Jesus reprova os fariseus apontando para a Lei e os Profetas o que parece indicar que o tema de seu discurso possuiacutea raiacutezes veterotesta-mentaacuterias Na cena seguinte que mais se parece com uma suacutebita mudanccedila de assunto Jesus trata da questatildeo do divoacutercio Contudo natildeo haacute uma des-continuidade de temas ao contraacuterio Lucas estaacute associando a avareza aos pecados sexuais (KARRIS 2011) Tal comparaccedilatildeo eacute comum tanto no dis-curso biacuteblico (Ef 53-5) quanto na literatura judaica O apoacutecrifo Testamento de Judaacute em 182 afirma ldquoque a promiscuidade sexual e o amor ao dinhei-ro ndash dentre outras coisas ndash nos distanciam da lei de Deus cegam a nossa alma e impedem a pessoa de demonstrar misericoacuterdia para com o proacuteximordquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Portanto se natildeo haacute de fato uma descontinuidade de temas no capiacutetu-lo 16 de Lucas deve-se ver a paraacutebola do Rico e Laacutezaro como uma continu-accedilatildeo do conflito de Jesus com os fariseus acerca das riquezas (RICHARDS 2007 p 176) Diante disto parece razoaacutevel afirmar que esta paraacutebola discu-te questotildees sociais e natildeo escatoloacutegicas Todavia a fim de tornar claro esse ponto faz-se necessaacuterio um estudo mais aprofundado de alguns aspectos culturais e linguiacutesticos do texto

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Notas exegeacuteticas em Lucas 1619-31Uma premissa baacutesica para a interpretaccedilatildeo dessa narrativa eacute que deve-

mos compreendecirc-la como uma paraacutebola e natildeo como um relato literal Por mais que pareccedila redundante esta explicaccedilatildeo natildeo se pode negar a existecircncia de um grupo que defende a literalidade desta narrativa Esse grupo defende que uma leitura literal do texto indicaria a possibilidade de conceber o relato como um indicador do estado do homem na morte De forma geral poreacutem haacute um consenso de que esta narrativa deve ser compreendida como paraacutebo-la6 Por isso Snodgrass (2010 p 604) conclui

Quando prestamos atenccedilatildeo agravequilo que a paraacutebola ensina acerca da vida apoacutes a morte nas abordagens mais acadecircmicas percebemos uma precauccedilatildeo quanto agrave ideia de que esta paraacutebola tenha mesmo a intenccedilatildeo de descrever a vida poacutes-morte

Plummer (1896) eacute mais categoacuterico ao afirmar que nessa histoacuteria ateacute mesmo as condiccedilotildees corporais tais como dedo e liacutengua bem como as con-diccedilotildees sensoriais tais como sede e calor natildeo ultrapassam o campo da faacutebula e por isso natildeo devem ser vistas como aspectos literais

Natildeo obstante alguns comentaristas levantaram a hipoacutetese de que o fato de esta ser a uacutenica paraacutebola contada por Jesus que conteacutem um personagem que eacute explicitamente nomeado por exemplo Laacutezaro eacute um indiacutecio de lite-ralidade Um exame mais cuidadoso desse ponto no entanto pode levar as conclusotildees para outra direccedilatildeo Em hebraico o nome לעזר (Laacutezaro) eacute uma contraccedilatildeo de אלעזר (Eleazar) e significa ldquoDeus ajudardquo (BOCK 1996 p 1365) O nome eacute significativo e seu emprego indica que o mendigo eacute algueacutem que depende de Deus Poreacutem este fato natildeo deve ser usado como argumento para defender a literalidade da paraacutebola A propoacutesito o uso do nome Laacutezaro (Deus ajuda) assume um tom irocircnico na narrativa tendo em vista que apon-ta para o fato de que a uacutenica esperanccedila de ajuda para o homem pobre estaacute fundamentada em Deus embora conforme ficou claro no discurso de Jesus Ele esperasse que os ricos fossem ldquouma ajudardquo aos pobres

De fato a paraacutebola do Rico e Laacutezaro irrompe como uma continuaccedilatildeo da disputa de Jesus com os fariseus sobre as riquezas Sua afirmaccedilatildeo anterior

6 Esta leitura paraboacutelica fica mais evidente no Coacutedice Beza ldquoE lhes contou uma paraacutebolardquo (SNODGRASS 2010 p 1040)

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de que ldquoo que eacute elevado diante dos homens eacute abominaccedilatildeo diante de Deusrdquo (v 15) prepara a audiecircncia para uma inusitada demonstraccedilatildeo de quebra de paradigmas da mentalidade judaica

Para a audiecircncia de Jesus o homem rico era algueacutem abenccediloado por Deus uma vez que prosperidade significava naquela cultura favor divino Jaacute o mendigo que jazia agrave porta do homem abastado era visto como um mo-delo de algueacutem que certamente havia sido abandonado pelo Senhor de Israel Entretanto ainda que o homem rico gozasse do favor de Deus a eacutetica do AT exigia dele uma postura de cuidado com os pobres7

Durante muito tempo alegou-se que natildeo havia indiacutecios de falta moral por parte desse homem rico que o condenasse ao tormento descrito poste-riormente na paraacutebola Entretanto sua figura eacute construiacuteda a partir da ima-gem de um homem cheio de luxo e esbanjador Suas vestes demonstram o elevado grau de sua riqueza Barclay (2000 p 213) observa que puacuterpura e linho finiacutessimo eram o material utilizado na confecccedilatildeo dos trajes sacerdo-tais os quais chegavam a custar uma soma equivalente ao salaacuterio de vaacuterios anos de trabalho de um operaacuterio comum Ademais eacute dito que o rico ldquovivia todos os dias regalada e esplendidamenterdquo (AEC) A palavra grega euphrainō traduzida neste contexto como ldquoregalarrdquo eacute utilizada na literatura claacutessica geralmente como a alegria que eacute fruto da participaccedilatildeo de eventos tais quais um banquete (BEYREUTHER 2000 p 52) Em Lucas 1619 a palavra certamente ldquorefere-se ao comer beber e divertir-serdquo ou em outras palavras a ldquofolguedos entre amigos festeirosrdquo (BEYREUTHER 2000 p 53)

Outro detalhe que pode passar despercebido ao leitor comum diz respeito ao desejo de Laacutezaro de fartar-se das migalhas que caiacuteam da mesa daquele homem rico Ainda que o termo migalhas natildeo seja encontrado em muitos manuscritos8 haacute um acordo geral de que o alimento desejado por Laacutezaro natildeo se tratava de um simples farelo ou porccedilotildees que caiacuteam acidental-mente da mesa do rico Jeremias (1986 p 195) e Snodgrass (2010 p 597) atestam que a comida que caiacutea da mesa do rico tratava-se de pedaccedilos de patildeo que eram utilizados tanto para a limpeza dos pratos quanto para enxugar as matildeos e que em seguida eram atirados para debaixo da mesa Langner (2004 p 116) por sua vez comenta que tais pedaccedilos referem-se a sobras de comida que os convidados de banquetes natildeo comiam e por isso levavam

7 De acordo com a eacutetica do Antigo Testamento o cuidado com os pobres fazia parte das obrigaccedilotildees de um judeu piedoso ver por exemplo Dt 157 8 A leitura sugerida pode ser traduzida da seguinte forma ldquodesejava alimentar-se com o que caiacutea da mesa do ricordquo Ver aparato criacutetico do Novo Testamento grego (ALLAND et al 2009 p 236)

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consigo ou davam aos catildees De qualquer forma esta postura de desperdiacutecio em face da obrigaccedilatildeo legal de auxiacutelio ao necessitado torna o rico da paraacutebola culpado de indiferenccedila para com o mendigo

Apoacutes a morte de ambos a narrativa segue com uma inversatildeo irocircnica de papeis a qual deve ter causado surpresa em alguns da audiecircncia de Jesus

ldquoComo poderia um homem que goza do favor de Deus na terra ser amaldi-ccediloado na vida por virrdquo Ainda que parte da audiecircncia de Jesus se surpre-endesse com a possibilidade de um homem rico ser amaldiccediloado na vida vindoura isto natildeo deve ter afetado a todos Escritos judaicos do tempo de Jesus demonstram que a sabedoria popular jaacute advertia ricos de uma possiacutevel condenaccedilatildeo eterna

Sobre este assunto dois textos satildeo especialmente valiosos para enten-dermos a mentalidade daquela eacutepoca Exod Rab 315 trata da inversatildeo que ocorreraacute entre ricos e pobres no mundo por vir Neste mundo os iacutempios podem ser ricos e proacutesperos enquanto justos satildeo acometidos pela pobreza No mundo vindouro no entanto Deus abriraacute os tesouros do paraiacuteso para os justos e quanto aos ricos que exploraram homens justos estes comeratildeo da sua proacutepria carne Por sua vez 1ordm Enoque 1035-1046 menciona que os ricos pecadores que natildeo foram punidos em vida experimentaratildeo o mal a tribulaccedilatildeo as trevas e as chamas ardentes no Sheol

Vale destacar que a paraacutebola possui um paralelo na literatura judaica que pode ser encontrada no Talmude de Jerusaleacutem pelo menos nos trata-dos Sanhedrin 66 (23c) e Hagigah 22 (77d) e eacute resumidamente descrita por Richards (2007 p 175) da seguinte forma

Dois companheiros iacutempios morreram Um morreu penitente o outro natildeo Quando o homem no Gehinom viu a becircnccedilatildeo de seu amigo e foi informado de que era por causa da penitecircncia de seu amigo ele suplicou que pudesse ter a oportunidade de se arrepen-der tambeacutem A resposta veio na explicaccedilatildeo de que esta vida eacute a veacutespera do saacutebado

Jeremias (1986 p 184) defende que as raiacutezes desta histoacuteria remontam agrave faacutebula egiacutepcia da viagem de Si-Osiacuteris e de seu pai ao reino dos mortos Para ele judeus alexandrinos levaram o conto para a Palestina onde ela foi refor-mulada como a histoacuteria do pobre escriba e do rico publicano Bar Marsquoyan9

9 Para Jeremias (1986 p 184) Jesus utiliza-se deste conto judaico natildeo somente nesta paraacute-

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Ainda que diferente dessa narrativa paralela a paraacutebola de Jesus valendo-se do folclore judaico forma um pano de fundo cultural para seu ensinamento principal na periacutecope o perigo do amor agraves riquezas

Outro aspecto importante eacute o pedido do rico para que Laacutezaro voltasse dos mortos e advertisse seus irmatildeos com respeito ao destino deles (v 27-30) Este pedido encontra paralelos no apoacutecrifo judeu de Janes e Jambres 24afp que ldquorelata que a lsquosombrarsquo de Janes (sua existecircncia poacutes-morte) retornou do Hades para alertar Jambres sobre o fogo e sobre as trevas a fim de que ele passasse a fazer o bemrdquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Todavia em conexatildeo com a resposta dada aos fariseus nos v 16-17 onde Jesus faz sua primeira referecircncia agrave Lei e aos Profetas Abraatildeo evoca novamente a Escritura como revelaccedilatildeo suficiente para chamar os homens agrave crenccedila e ao comprometimento (v 29) Assim percebe-se novamente a co-nexatildeo de temas no capiacutetulo 16

O termo Hades em Lucas 1623Embora tenha o significado baacutesico de sepulcro (BIENTENHARD 2000

p 1022) o termo grego hades possui um significado diferente em Lc 1623 Tal significado eacute inerente agrave cultura da eacutepoca Richards (2007 p 1755) afirma que

Nos tempos do NT lsquoHadesrsquo (heb sheol) era um termo geral para o lugarestado dos mortos enquanto aguardavam o juiacutezo final A opiniatildeo popular defendia que os justos descansavam no Gan Eden enquanto os iacutempios poderiam ser vistos no Gehinom

Esse conceito pode ser visto especialmente no Discurso aos gregos sobre o Hades atribuiacutedo por um tempo a Josefo10 (1974 p 637 traduccedilatildeo livre)

Hades eacute uma regiatildeo subterracircnea onde a luz do mundo natildeo brilha [hellip] esta regiatildeo eacute destinada a ser um lugar de custoacutedia para as almas

bola mas tambeacutem na paraacutebola do banquete Isto demonstraria que Jesus tomava o imaginaacuterio popular e o inseria em suas paraacutebolas com um objetivo especiacutefico10 Os autores natildeo conhecem na atualidade algueacutem que atribua a autoria do Discurso aos gregos sobre o Hades a Josefo A maioria dos eruditos defende a ideia de que essa seja uma inserccedilatildeo cristatilde no texto todavia o texto eacute um exemplar autecircntico da mentalidade judaica e ainda que seu autor seja desconhecido pode-se perceber que o texto estaacute impregnado do pensamento judeu sobre o estado intermediaacuterio do homem no poacutes-vida

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em que anjos satildeo designados como seus guardiotildees os quais lhes atribuem puniccedilotildees temporaacuterias de acordo com o comportamento e maneiras de cada um

Na continuaccedilatildeo do texto o Hades eacute descrito como sendo dividido em duas partes o seio de Abraatildeo para onde vatildeo os justos e as trevas perpeacutetuas para onde os anjos arrastam os iacutempios Para os autores essas trevas natildeo satildeo o inferno em si mas a vizinhanccedila do inferno de modo que os iacutempios podem sentir o calor do castigo que lhes estaacute reservado depois do juiacutezo

Eacute importante perceber que o Discurso aos gregos sobre o Hades natildeo eacute um exemplar sem precedentes O pseudoepiacutegrafo de 1 Enoque (escrito cerca de 200 aC) em 221-14 relata que Enoque foi levado a um lugar com quatro cantos onde as almas aguardavam o Juiacutezo Laacute os justos eram separados dos pecadores por uma fonte de aacutegua e luz Richards (2007 p 175-176) acrescenta que

Natildeo soacute se pensava que o Hades era dividido em dois compartimentos mas a crenccedila popular ressaltava que era possiacutevel manter conversas entre as pessoas no Gan Eden e no Gehinom Escritos judaicos tambeacutem des-crevem o primeiro como uma terra verdejante com aacuteguas doces brotan-do de vaacuterias fontes enquanto que o Gehinom natildeo soacute eacute uma terra seca mas as aacuteguas do rio que o separam do Gan Eden retrocedem sempre que o iacutempio desesperadamente sedento se ajoelha e tenta beber

Ademais agrave luz de textos da tradiccedilatildeo judaica (como por exemplo 4 Es-dras 775-99 859 4 Macabeus 1317) percebe-se que os judeus dos tempos de Jesus imaginavam que parte do tormento dos iacutempios consistia no fato de eles poderem observar o galardatildeo dos fieacuteis Em contrapartida parte do descanso dos justos eacute que estes podem observar a perplexidade dos iacutempios em face de seu tormento Assim percebemos que esta paraacutebola reflete de diversas maneiras as opiniotildees judaicas contemporacircneas da vida apoacutes a morte

Contudo eacute oacutebvio que a audiecircncia primaacuteria do evangelho de Lucas natildeo era composta por judeus Haacute um consideraacutevel grau de acordo entre os eru-ditos de que o puacuteblico principal do evangelho de Lucas era composto de cristatildeos gentiacutelicos (ver CARSON 1997 p 131 PLUMMER 1986 p xxxiv) Portanto eacute inapropriado limitar a paraacutebola ao background judaico Gilmour (1999 p 33) observou similaridades desta narrativa com textos greco-roma-nos especialmente com a Odisseia de Homero Este natildeo eacute um fato de difiacutecil

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aceitaccedilatildeo uma vez que em Jerusaleacutem bem como no mundo greco-romano a educaccedilatildeo infantil tambeacutem era permeada pelo conhecimento da literatura grega (ver GILMOUR 1999 p 25)

O imaginaacuterio gentiacutelico sobre o estado do homem apoacutes a morte natildeo era muito diferente do pensamento judaico do seacuteculo I ndash talvez porque o judaiacutes-mo dos dias de Jesus havia passado por um processo de helenizaccedilatildeo mesmo em face da resistecircncia dos ortodoxos Podemos perceber essa semelhanccedila de pensamentos por exemplo no famoso claacutessico de Platatildeo A Repuacuteblica

A Repuacuteblica 10614B-616A fala de um soldado chamado de Er que foi morto mas depois de doze dias tornou a viver dizendo que havia sido enviado de volta a esta vida para falar agraves pessoas sobre o mundo do aleacutem Ele teria visto duas aberturas na terra e duas no ceacuteu entre as quais havia um corpo de juiacutezes sentados que enviavam os justos dire-tamente para a direita e para cima ao ceacuteu e os injustos para esquerda e para baixo para serem castigados embaixo da terra (Entretanto estes juiacutezos natildeo eram permanentes) (SNODGRASS 2010 p 593)

Portanto tendo em vista o significado de hades em Lucas 1623 propotildee--se que se a paraacutebola ensina algo sobre o estado do homem na morte tal es-tado eacute extremamente diferente do proposto pelos defensores da imortalidade inerente da alma Se esta paraacutebola apoia essa teoria deve-se ressaltar que o local para onde vatildeo os homens depois de sua morte eacute o ambiente descrito na paraacutebola um lugar onde justos e injustos satildeo separados apenas por um rio

Assim eacute razoaacutevel supor que o pano de fundo por traacutes da paraacutebola o qual nos oferece a base de como devemos interpretaacute-la eacute que Jesus toma emprestada a mentalidade folcloacuterica do judaiacutesmo rabiacutenico de sua eacutepoca a fim de impressionar sua audiecircncia quanto ao amor agrave riqueza e natildeo quanto ao estado do homem na morte Uma questatildeo que se levanta poreacutem diz res-peito a por que Jesus faria uso do folclore judeu para transmitir seus ensina-mentos Agindo assim ele natildeo estaria endossando o ponto de vista cultural Bacchiocchi (2007 p 168) afirma que natildeo defendendo que

Nesta paraacutebola Jesus fez uso de uma crenccedila popular natildeo para endossaacute-la mas para impressionar as mentes de seus ouvintes com uma importante liccedilatildeo espiritual Deve-se notar que na paraacutebola do mordomo infiel (Lc 161-12) Jesus emprega uma histoacuteria que natildeo representa com precisatildeo a verdade biacuteblica

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John Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) reconhece que a paraacutebola do rico e Laacutezaro natildeo demonstra o pensamento lucano nem muito menos o de Cristo a respeito da vida por vir Antes Jesus apenas emprega o imaginaacuterio popular para ressaltar a eacutetica do reino vindouro Assim ciente de que este imaginaacuterio natildeo passava de faacutebulas judaicas ele natildeo poderia endos-sar este conceito Portanto como esclarece Snodgrass (2010 p 607) tal pa-raacutebola ldquonatildeo tem o objetivo de apresentar um esquema ou mesmo detalhes precisos acerca do que ocorre depois da morterdquo

O fato de a paraacutebola do Rico e Laacutezaro estar situada ao lado de outra paraacutebola controversa por exemplo a do mordomo infiel tambeacutem nos mos-tra que Jesus usava conceitos do cotidiano (ainda que errocircneos) para atrair a atenccedilatildeo do povo para seus novos ensinos Por isso para Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) a melhor resposta para a pergunta ldquoO que esta passagem nos diz a respeito do estado intermediaacuterio eacute lsquoNadarsquordquo

Pode-se entatildeo concluir que apesar de os rabinos dividirem o estado poacutes-morte (Sheol) em um lugar para os justos e os maus11 eacute improvaacutevel que o quadro apresentado por Jesus na paraacutebola corresponda bem a esta ideia (ORR 1999) Jesus lida nesta estoacuteria natildeo com os temas do paraiacuteso e do ha-des mas com temas eacuteticos fundamentais de seu ensino Assim ldquoa mensagem de Jesus chama o povo a ouvir a exortaccedilatildeo de Deus para mostrar compaixatildeo com o pobrerdquo (BOCK 1997 p 71) Na atualidade pode parecer estranho que Jesus tenha utilizado uma narrativa puramente folcloacuterica em seu discur-so para apresentar verdades que nada tem a ver com o pano de fundo lendaacute-rio da paraacutebola Apesar de a paraacutebola estar no plano da crenccedila popular seu emprego justifica-se pelo fato de que tal imaginaacuterio seria familiar e inteligiacutevel para a audiecircncia (HASTINGS 2004 p 9) Precedentes vindos das paraacutebo-las anteriores demonstram como era do costume de Jesus falar a linguagem de Seus ouvintes para atingir sua compreensatildeo e seus coraccedilotildees

Consideraccedilotildees finaisEste artigo buscou demonstrar que a interpretaccedilatildeo da paraacutebola do Rico

e Laacutezaro deve levar em consideraccedilatildeo o emprego que Jesus fez do imaginaacuterio

11 Deve-se salientar que segundo Mathews (1909 p 6) natildeo haacute sequer clara evidecircncia de que os judeus nos dias de Jesus cressem num estado intermediaacuterio Ele defende que eacute inseguro ver na ex-pressatildeo seio de Abraatildeo uma referecircncia segura para tal crenccedila Tomando este fato em consideraccedilatildeo haacute ainda mais indiacutecios de que natildeo era objetivo de Jesus endossar a crenccedila neste estaacutegio poacutes-morte Apesar disso natildeo se pode anular a hipoacutetese de houvesse indiviacuteduos que a sustentassem

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judaico atribuindo-lhe poreacutem significados que transcenderam aos signifi-cados que lhe eram atribuiacutedos na eacutepoca Assim Jesus usa uma histoacuteria fami-liar repleta da cosmovisatildeo pagatilde acerca da vida apoacutes a morte poreacutem desmi-tificando seu conteuacutedo Desse modo ainda que isto natildeo esteja em primeiro plano a paraacutebola veicula uma criacutetica sutil agrave ideia equivocada da vida apoacutes a morte (GILMOUR 1999) De fato o grande tema da paraacutebola diz respeito ao uso responsaacutevel das becircnccedilatildeos materiais

Ademais no empreendimento de interpretaccedilatildeo dessa paraacutebola deve-se levar em consideraccedilatildeo o princiacutepio hermenecircutico theologia parabolica non est demonstrativa Conforme frisou Smith (1869 p 1038) eacute impossiacutevel embasar a prova de uma importante doutrina teoloacutegica em uma passagem que abunda em metaacuteforas judaicas Aleacutem disso visto que o diaacutelogo ocupa grande parte do espaccedilo da paraacutebola compreende-se que o conteuacutedo de tal diaacutelogo eacute mais importante do que o cenaacuterio no qual ele se desenrola Aqui Jesus direciona sim o seu foco para o mundo por vir todavia natildeo o apresenta em termos claros atraveacutes desta paraacutebola Assim parece que o objetivo principal da pa-raacutebola eacute ensinar que toda preparaccedilatildeo para o poacutes-morte deve ser feita em vida

Enfim eacute razoaacutevel supor que Jesus tenha utilizado o imaginaacuterio judai-co para prender a atenccedilatildeo de seu puacuteblico poreacutem o ensino da paraacutebola natildeo repousa na imortalidade inerente da alma senatildeo no amor ao dinheiro Des-tarte esta eacute uma histoacuteria fictiacutecia da vida apoacutes a morte que reflete e comenta a vida anterior agrave morte (SCHOTTROFF 2007 p 205) Portanto para usar as palavras de Smith (1869 p 1038) ldquose quisermos transformar retoacuterica em loacutegica [hellip] e construir um dogma em cada metaacutefora nossa crenccedila seraacute de caraacuteter vago e contraditoacuteriordquo

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SCHOTTROFF L As paraacutebolas de Jesus uma nova hermenecircutica Satildeo Leopoldo Sinodal 2007

Enviado dia 03052013Aceito dia 20062013

Os adventistas e a identidade da lei em gaacutelatas

SILVA P C Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

Leandro Quadros1

A superficialidade muitas vezes pode contribuir para que apologistas brasileiros apresentem uma imagem distorcida dos assuntos que anali-sam Isso natildeo eacute diferente quando o adventismo eacute o foco de suas criacuteticas

A abordagem de Paulo Cristiano da Silva pode ter sido viacutetima desse fenocircmeno quando apresenta suas consideraccedilotildees pessoais a respeito da teologia adventista da Lei Em seu artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo publicado pela revista Apologeacutetica Cristatilde o presbiacutetero da igreja Assembleia de Deus afirma que ldquofinalmente os adventistas estatildeo admitindo aquilo que sempre foi oacutebvio aos cristatildeos evangeacutelicos isto eacute a identidade da lei nos escritos paulinosrdquo (SILVA sd p 7) Silva parte do pressuposto de que os teoacutelogos adventistas atuais estatildeo apre-sentando uma nova teologia sobre o assunto e que a distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial ldquoserviu de aacutelibirdquo para os adventistas ldquoescaparem de textos claros que mostram a ab-rogaccedilatildeo de toda lei em 2 Coriacutentios 37-11 e Colossenses 214rdquo2

Ao que parece o autor desconhece como se deu o desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a Lei em Gaacutelatas Atraveacutes da leitura de algu-mas fontes primaacuterias ele natildeo teria se equivocado em sua anaacutelise chegando a conclusotildees bem diferentes das que apresentou na publicaccedilatildeo Assim na

1 Poacutes-graduado em jornalismo cientiacutefico e Mestrando em Teologia pela Universidade Ad-ventista del Plata na Argentina Eacute produtor e apresentador dos programas ldquoNa Mira da Verdaderdquo e ldquoLiccedilotildees da Biacutebliardquo na Rede Novo Tempo2 Uma abordagem biacuteblica contextual e teoloacutegica desses textos pode ser vista no Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia (DEDEREN 2011 p 312 530 531 563 e 564)

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presente resenha seraacute apresentada uma raacutepida consideraccedilatildeo a respeito do relacionamento dos adventistas com a Lei em Gaacutelatas para que o texto de Paulo Cristiano da Silva seja avaliado a partir de um contexto mais amplo

Origem da distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial

Atraveacutes da leitura do artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo o leitor entende que a distinccedilatildeo entre ldquolei moral e cerimonialrdquo pode ser considerada como um ldquoaacutelibirdquo adventista utilizado para se esquivar de textos a respeito da ldquoab-rogaccedilatildeo da leirdquo segundo o apoacutestolo Paulo Entretanto o livro Questotildees Sobre Doutrina (KNIGHT 2009 p 126) afirma que ldquoas principais confissotildees de feacute e os credos histoacutericos da cristandade reconhecem a diferenccedila e distinccedilatildeo entre a lei moral de Deus os Dez Mandamentos ou Decaacutelogo e os preceitos cerimoniaisrdquo A referida obra3 lista oito fontes histoacutericas que evi-denciam que tal distinccedilatildeo entre leis natildeo eacute uma invenccedilatildeo dos adventistas 1) a Segunda Confissatildeo Helveacutetica de 1566 da Igreja Reformada de Zurique que no capiacutetulo 12 intitulado ldquoDa Lei de Deusrdquo contrasta as leis moral e cerimonial 2) os Trinta e Nove Artigos de Religiatildeo da Igreja da Inglaterra de 1571 que no Artigo VII tambeacutem faz tal distinccedilatildeo 3) a Revisatildeo Americana dos Trinta e Nove Artigos da Igreja Protestante Episcopal de 1801 4) os Artigos Irlandeses de Re-ligiatildeo de 1615 5) a Confissatildeo de Feacute de Westminster de 1647 que inclusive foi citada na Biacuteblia Apologeacutetica de Estudos (p 1341) comercializada pela institui-ccedilatildeo de Paulo Cristiano faz parte (CACP) 6) a Declaraccedilatildeo de Savoia das Igrejas Congregacionais de 1658 7) a Confissatildeo Batista de 1688 (Filadeacutelfia) e 8) os Vinte e Cinco Artigos Metodistas de Religiatildeo de 1875 redigidos por Joatildeo Wesley onde tambeacutem se encontra a distinccedilatildeo entre leis moral e cerimonial

Citando Schaff o Questotildees Sobre Doutrina (2008 p 126) afirma

Embora a lei dada por Deus a Moiseacutes no que se refere a cerimocircnias e ritos natildeo obrigue os cristatildeos e nem os preceitos civis necessitem ser recebidos em qualquer comunidade Entretanto nenhum cris-tatildeo estaacute livre da obediecircncia aos mandamentos chamados morais

3 A ediccedilatildeo anotada George Knight atualiza algumas interpretaccedilotildees antigas dos adventistas especialmente no que diz respeito ao termo ldquoescrito de diacutevidardquo presente em Colossenses 214 Para maiores informaccedilotildees ler as notas das paacuteginas 124 e 125

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Entende-se dessa forma que a distinccedilatildeo entre lei moral e lei cerimo-nial natildeo representa uma invenccedilatildeo adventista mas parte da heranccedila evangeacute-lica que os pioneiros do adventismo trouxeram consigo4 Essa contudo natildeo representa as opiniatildeo de Paulo Cristiano da Silva do posicionamento do Centro Apologeacutetico Cristatildeo de Pesquisas (CACP) e da postura do Instituto Cristatildeo de Pesquisas (ICP) Atitudes como essas parecem estar em conflito com a crenccedila dos fundamentos do protestantismo a respeito da Lei de Deus Por outro lado mesmo sendo fontes histoacutericas importantes as confissotildees de feacute e credos natildeo se constituem a regra de feacute dos adventistas do seacutetimo dia que procuram se manter fieis ao princiacutepio de Sola Scriptura5

O desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a lei em Gaacutelatas

Se Paulo Cristiano da Silva estivesse familiarizado com algumas obras que tratam da histoacuteria do adventismo sua posiccedilatildeo certamente seria outra a respeito da compreensatildeo adventista da Lei em Gaacutelatas A leitura do li-vro A Mensagem de 1888 de George R Knight (2003 p 37) por exemplo auxiliaria na descoberta de que em 1854 J H Waggoner (pai de E J Wa-ggoner) publicou The Law of God An Examination of the Testimony of Both Testaments onde ldquoadotava o ponto de vista de que a lei em Gaacutelatas era os Dez Mandamentosrdquo de forma que o artigo do vice-presidente do CACP natildeo traria tantas novidades

A anaacutelise dessa obra levaria ao conhecimento de que entre 1884 e 1886 ldquoAlonzo T Jones (1850-1923) e Ellet J Waggoner (1855-1916) co-meccedilaram a ensinar que a epiacutestola [aos Gaacutelatas] tinha os Dez Mandamen-tos em foco e natildeo as leis cerimoniaisrdquo (KNIGHT 2003 p 37) Esses dois pioneiros foram assistentes de JH Waggoner na revista The Signs of

4 O Dicionaacuterio Vine publicado pela CPAD afirma que mesmo a distinccedilatildeo de leis natildeo sendo ldquofeita ou mesmo presumida na Escriturardquo ldquoa lei mosaica seja de fato divisiacutevel em cerimonial e em moralrdquo (VINE et al 2010 p 743) 5 Em 1850 Ellen G White (2009 p 78) cofundadora da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia es-creveu ldquoRecomendo-vos caro leitor a Palavra de Deus como regra de vossa feacute e praacutetica Por essa Palavra seremos julgados Nela Deus prometeu dar visotildees nos ldquouacuteltimos diasrdquo natildeo para uma nova regra de feacute mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade biacuteblica Assim tratou Deus com Pedro quando estava para enviaacute-lo a pregar aos gentios (Atos 10)rdquo

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the Times e ldquodecidiram exaltar em seus escritos o tema da justificaccedilatildeo pela feacute nos meacuteritos de Cristordquo (TIMM 1988 p 10)

Entre 8 de julho a 2 de setembro de 1866 E J Waggoner publicou na Signs uma seacuterie de nove artigos argumentando que Paulo na epiacutestola aos Gaacutelatas estava discutindo a lei moral No ano seguinte no mecircs de feverei-ro Waggoner concluiu uma resposta de 71 paacuteginas intitulada ldquoThe Gospel in the Book of Galatiansrdquo [O Evangelho no Livro de Gaacutelatas] reafirman-do claramente sua posiccedilatildeo contraacuteria agrave dos editores da Review and Herald Uriah Smith e George L Butler

A partir disso conclui-se que o tiacutetulo do artigo publicado pela revis-ta Apologeacutetica Cristatilde aleacutem muito limitado em questatildeo de informaccedilatildeo estaacute atrasado pelo menos 158 anos (1854-2012) A teologia adventista da lei jaacute estava sofrendo transformaccedilotildees significativas quando os adventistas desco-briram uma ldquoponterdquo entre a lei e o evangelho que havia sido construiacuteda pelo apoacutestolo Paulo6 Desse modo a afirmaccedilatildeo de Paulo Cristiano em seu artigo

ldquomais de um seacuteculo para que eles [os adventistas] admitissem esse erro her-menecircutico rdquo (SILVA sd p 7) parece insustentaacutevel Ainda mais quando se considera outra fonte primaacuteria Ellen G White

A leitura do capiacutetulo 31 do primeiro volume de Mensagens Escolhidas seria o suficiente para que Silva percebe-se que Ellen G White jaacute acreditava ser o termo ldquoleirdquo em Gaacutelatas uma referecircncia tanto agrave lei Moral quanto agrave lei cerimonial bem antes dos teoacutelogos Samuele Bacchiocchi (1995 p 9-11) e Wilson Paroschi (2012 p 18-20) citados por ele em seu artigo Ela escreveu em 1900 ldquoPerguntam-me acerca da lei em Gaacutelatas Que lei eacute o aio que nos deve levar a Cristo Respondo Tanto o coacutedigo cerimonial como o moral dos Dez Mandamentosrdquo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)

Ao comentar sobre Gaacutelatas 324 na paacutegina seguinte ela afirma

Nesta passagem o Espiacuterito Santo pelo apoacutestolo refere-se especial-mente agrave lei moral A lei nos revela o pecado levando-nos a sen-tir nossa necessidade de Cristo e a fugirmos para Ele em busca de perdatildeo e paz mediante o arrependimento para com Deus e a feacute em nosso Senhor Jesus Cristo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)7

6 Em Efeacutesios 28-10 ele coloca as obras natildeo como o evangelho da graccedila em si mas como fruto do evangelho na vida do crente convertido7 Mesmo que Wilson Paroschi (2012 p 18-20) inclua ambas as citaccedilotildees de Ellen G Whi-te em seu artigo Silva parece omitir isso em suas consideraccedilotildees tornando o seu texto um tanto quanto duvidoso

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Eacute inadequado abordar a compreensatildeo da lei em Gaacutelatas entre os adven-tistas sem contextualizar o leitor a respeito das discussotildees teoloacutegicas sobre o as-sunto realizadas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas dos Seacuteti-mo Dia (em Minneaacutepolis Minessota entre 17 de outubro e 4 de novembro de 1888) Paulo Cristiano da Silva poderia ter evitado um possiacutevel reducionismo histoacuterico se considerado o livro Portadores de Luz (SCHWARZ GREENLE-AF 2009 p 175-188) capiacutetulo 12 intitulado ldquoJustificaccedilatildeo pela feacute Minneaacutepo-lis e seus resultadosrdquo Nesse capiacutetulo demonstram-se um pouco das disputas teoloacutegicas entre Urias Smith e George I Butler de um lado defendendo a antiga posiccedilatildeo adventista sobre a identidade da lei em Gaacutelatas e EJ Waggoner e AT Jones de outro em defesa de um posicionamento mais exegeacutetico Se consultada essa fonte o leitor da revista Apologeacutetica Cristatilde natildeo seria privado da informaccedilatildeo completa sobre o assunto seria sabido que apesar das acirra-das disputas entre os pastores adventistas da eacutepoca posteriormente Smith e Butler reconheceriam seus equiacutevocos teoloacutegicos e equilibrariam a sua proacutepria teologia anteriormente enfatizando mais a Lei do que a graccedila de Cristo

O Dicionaacuterio Brasileiro de Teologia (BORTOLLETO 2008 p 18) publicado pela Associaccedilatildeo de Seminaacuterios Teoloacutegicos Evangeacutelicos (ASTE) em 2008 tambeacutem seria de grande importacircncia na pesquisa do redator do CACP Na referida obra aleacutem de obter uma visatildeo mais acertada acerca do adventismo seria conhecido que ldquoessa conferecircncia [de Mineaacutepolis jaacute em 1888] contribuiu para que o adventismo equilibrasse sua ecircnfase distintiva nos lsquomandamentos de Deusrsquo com o compromisso evangeacutelico relacionado agrave lsquofeacute em Jesusrsquo (Ap 1412)rdquo (TIMM 2008 p 18)

O adventismo natildeo eacute estaacutetico Alguns criacuteticos alegam que os adventistas fazem uso de um recurso bem

utilizado pelas seitas para ldquomascararrdquo os proacuteprios ldquoerrosrdquo Eles afirmam que qualquer mudanccedila na teologia evidencia ldquofalsidaderdquo e que portanto todo o sistema doutrinaacuterio do adventismo desenvolvido ao longo dos anos estaacute sob a ldquoareia movediccedilardquo Entretanto deve-se destacar que o adventismo desde os seus primoacuterdios possui um conceito dinacircmico da teologia

As ecircnfases teoloacutegicas podem mudar com o passar do tempo agrave medida que o Espiacuterito Santo traz agrave luz novas verdades biacuteblicas ou uma nova compre-ensatildeo das mesmas jaacute reveladas (ver Pv 418 Jo 1612) Assim o estudioso das Escrituras natildeo teraacute receios em reconhecer que precisa reformular os proacuteprios conceitos teoloacutegicos agrave medida que cresce em sua experiecircncia espiritual com

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Cristo Na obra Em Busca de Identidade (KNIGHT 2005 p 16-27 208-210) o autor esclarece que os pioneiros adventistas acreditavam na possibilidade de progredir no conhecimento da verdade biacuteblica Isso parece perceptiacutevel vis-to que depois de observar a mudanccedila dos adventistas em relaccedilatildeo ao horaacuterio correto de se observar o saacutebado Tiago White (1856 p 148-149) afirmou na Review and Herald que os adventistas ldquomudariam outros pontos de sua feacute caso tivessem uma boa razatildeo para fazecirc-lo com base nas Escriturasrdquo

Isso natildeo significa poreacutem que os teoacutelogos adventistas modernos sintam a necessidade de alterar a teologia adventista a respeito da perpetuidade da Lei moral apenas porque essa distinccedilatildeo talvez natildeo possa ser validada exe-geticamente Silva deve conhecer a diferenccedila entre hermenecircutica (exegese) e teologia Mesmo que ajustes exegeacuteticos sejam necessaacuterios tanto Wilson Pa-roschi quanto Samuele Bacchiocchi entre outros sustentam a mesma opi-niatildeo sobre a interpretaccedilatildeo adventista concernente agrave validade da Lei na Nova Alianccedila O que foi anulado pela morte de Cristo na cruz eacute a condenaccedilatildeo da Lei (ver Rm 79-11 2Co 37-9 Gl 322-25 Cl 214) e natildeo a Lei em si ou a necessidade de observaacute-la como uma expressatildeo da vontade e do imutaacutevel caraacuteter de Deus (ver Rm 615-22 74-6 12-14 83-4 Hb 88-12 Ap 1412)

Consideraccedilotildees finaisA presente resenha argumentou que o artigo de Paulo Cristiano da Silva

natildeo fez o devido uso de fontes baacutesicas para compreender o desenvolvimento dao pensamento adventista sobre a lei em Gaacutelatas Ao que parece o articu-lista foi parcial em sua pesquisa em natildeo considerar o que os pioneiros adven-tistas diziam sobre o assunto especialmente Ellen G White

Aleacutem disso Silva natildeo fez menccedilatildeo das discussotildees teoloacutegicas sobre a jus-tificaccedilatildeo pela feacute e a lei em Gaacutelatas feitas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas do Seacutetimo Dia em novembro de 1888 Uma anaacutelise desse evento na histoacuteria da Igreja eacute fundamental para que o pesquisador possa discutir acerca da compreensatildeo adventista da Lei na carta aos Gaacutelatas O articulista da revista Apologeacutetica Cristatilde citou dos artigos de Wilson Paroschi e Samuele Bacchiocchi8 mas desconsiderou o conteuacutedo dos artigos citados enfatizando apenas o que lhe parecia razoaacutevel Se o autor tivesse considerado

8 Tambeacutem foi mencionada a resposta de Ozeas C Moura na seccedilatildeo ldquoBoa Perguntardquo onde ele responde uma duacutevida referente ao texto de Colossenses 216 Ver Revista Adventista ja-neiro de 2009 paacuteginas 18 e 19

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em seu artigo a conclusatildeo de Bacchiocchi apoacutes sua exposiccedilatildeo a respeito da compreensatildeo paulina da Lei leria-se

O que Paulo ataca natildeo eacute o valor da lei como um guia para a conduta cristatilde [hellip] Paulo critica natildeo a moral mas a compreensatildeo soterio-loacutegica da lei isto eacute a lei vista como um documento de eleiccedilatildeo que inclui os judeus e exclui os gentios [hellip] A incapacidade de discernir nos escritos de Paulo entre seu uso moral e o uso soterioloacutegico da lei e a incapacidade de reconhecer que sua criacutetica da lei eacute dirigida natildeo aos cristatildeos judeus mas aos judaizantes gentios tem levado mui-tos concluir erroneamente (inclusive Paulo Silva) que Paulo era um antinomista que rejeitava a validade da lei como um todo Tal visatildeo eacute inteiramente injustificada porque como jaacute mostramos Paulo re-jeita a lei como um meacutetodo de salvaccedilatildeo mas a exalta como norma moral de conduta cristatilde (BACCHIOCCHI 1985 p 11)

Por fim Silva conclui de maneira equivocada seu artigo afirmando que os teoacutelogos adventistas acima tiveram ldquocoragem e acima de tudo honesti-dade em admitir um erro exegeacutetico perpetuado como tradiccedilatildeo por mais de um seacuteculo dentro dessa igrejardquo (SILVA sd p 7)

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DEDEREN R (Ed) Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2011

KNIGHT G A Mensagem de 1888 Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2003

Em busca de identidade o desenvolvimento das doutrinas adventistas do seacutetimo dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2005

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Questotildees sobre doutrina o claacutessico mais polecircmico da histoacuteria do adventismo Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

MOURA O Boa pergunta Revista Adventista jan de 2009

PAROSCHI W Liccedilotildees de Gaacutelatas Revista Adventista mai de 2012

PREEZ R Judging the Sabbath discovering what canrsquot be found in Colossians 216 Berrien Springs Andrews University Press 2008

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VINE W et al Dicionaacuterio Vine o significado exegeacutetico e expositivo das palavras do antigo e do novo testamento Rio de Janeiro CPAD 2010

WHITE E Primeiros Escritos Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

Mensagens Escolhidas Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 1985 v 1

WHITE T The word Review and Herald v 7 n 19 1856

Enviado dia 15052013Aceito dia 26062013

Normas para publicaccedilatildeo

A revista Kerygma recebe trabalhos para os proacuteximos nuacutemeros em re-gime de fluxo contiacutenuo natildeo sendo necessaacuteria a abertura de chamadas es-peciais No entanto a periodicidade eacute semestral Para ser aceitos os textos devem observar rigorosamente as normas descritas abaixo

B A revista Kerygma tem como objetivo a divulgaccedilatildeo de trabalhos de pesquisa originais publicados em liacutengua portuguesa inglesa ou es-panhola relacionados agraves diversas temaacuteticas das aacutereas de Teologia e Ciecircncias da Religiatildeo

B O trabalho a ser submetido deve estar enquadrado em uma das se-guintes categorias

ndash Artigo cientiacutefico Dossiecirc Ensaio a publicaccedilatildeo se destina a divulgar re-sultados ineacuteditos de estudos e pesquisa compreendendo os seguintes itens tiacutetulo (em portuguecircs e inglecircs) nome(s) do(s) autor(es) [observaccedilatildeo a(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) devem ser registradas como notas de rodapeacute] resumo (com meacutedia de 900 toques ou 150 palavras) com a respectiva traduccedilatildeo para o inglecircs (abstract) e cinco palavras-chave em portu-guecircs e inglecircs introduccedilatildeo meacutetodo desenvolvimento e resultados (descriccedilatildeo e dis-cussatildeo) consideraccedilotildees finais e referecircncias bibliograacuteficas Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras incluindo figuras tabelas e lista de referecircncias

ndash Resenha de livros balanccedilo criacutetico de livros recentemente publicados (maacuteximo 4 anos) ou de obras consideradas claacutessicas nas aacutereas de estudo abor-dadas pela revista Deveraacute conter tiacutetulo do livro autor local de ediccedilatildeo editora e ano de publicaccedilatildeo (em formato ABNT) tiacutetulo para a resenha nome do(s) autor(es) da resenha sua(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras

Revista Kerygma

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B O texto deve ser editado no programa Word configurado em pa-pel tamanho A4 (21 x 297 cm) fonte Arial corpo 12 espaccedilamento 15 e alinhamento justificado exceto as citaccedilotildees diretas com mais de 3 linhas (recuo) O tiacutetulo natildeo deve ultrapassar 12 palavras As margens devem ter a seguinte conformaccedilatildeo superior e direita 3cm inferior e esquerda 2cm

B O texto deve seguir o novo acordo ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa

B Caso haja imagens devem ser apresentadas em alta resoluccedilatildeo (300 dpi no formato jpg ou tif) e largura miacutenima de 10 cm (altura proporcional) Devem ser colocadas no corpo do texto e enviadas em arquivo separado

B As referecircncias bibliograacuteficas devem se basear nas normas da ABNT-NBR 60232002

B As citaccedilotildees podem ser diretas ou indiretas

ndash Citaccedilotildees indiretasSatildeo aquelas em que as ideias ou fatos apresentados pelo autor original

satildeo resumidos ou reapresentados com o cuidado de natildeo haver prejuiacutezo da exatidatildeo dessas informaccedilotildees Pode-se optar por escrever o sobrenome do autor dentro ou fora dos parecircntesis da referecircncia Se estiver fora dos parecircnte-sis ele deve vir em caixa baixa no corpo do texto seguido dos parecircntesis com o ano de publicaccedilatildeo da obra e nuacutemero da paacutegina No caso de o sobrenome vir dentro dos parecircntesis deve ser escrito todo em caixa alta seguido do ano de publicaccedilatildeo e nuacutemero da paacutegina Exemplos

a) Para um autor ldquoRodrigues (1998 p 25) observou [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES 1998 p 25)rdquo

b) Para dois autores ldquoRodrigues e Veiga (1999 p 39) pesquisando [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES VEIGA 1999 p 39)rdquo

c) Para trecircs ou mais autores o sobrenome do primeiro autor deve ser seguido da expressatildeo et al ldquoPradela et al (1998 p 129) constata-ram[hellip]rdquo ou ldquo(PRADELA et al 1998 p 129)rdquo

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ndash Citaccedilotildees diretas literais ou textuaisAs referecircncias obedecem agraves mesmas especificaccedilotildees acima Se o texto direta-

mente citado contiver ateacute trecircs linhas deve ser incluiacutedo no proacuteprio corpo do texto entre aspas Exemplos Segundo a autora ldquoo estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jovens da referida pesquisa possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11) Ou De acordo com Ruth Derevecki (2011 p 11) ldquoo estudo mostra[hellip]rdquo

Por outro lado se o texto diretamente citado contiver mais de trecircs linhas deve aparecer em paraacutegrafo(s) destacado(s) do corpo do texto (com recuo na margem de 4 cm agrave esquerda corpo 11 em espaccedilamento simples entre linhas) Exemplo

Como Lima (2010 p 12) sustenta

Atualmente a gestatildeo tem se tornado participativa De acordo com a diretora do coleacutegio adventista de Hortolacircndia Eli Albuquerque muitas escolas ainda natildeo aderiram ao novo padratildeo poreacutem haacute mui-tas unidades que jaacute implantaram a administraccedilatildeo colegiada com-posta por professores equipe administrativa pais e alunos

B Utiliza-se a expressatildeo latina apud para citar um documento ao qual natildeo se teve acesso direto mas por intermeacutedio de uma citaccedilatildeo em outra obra Exemplo ldquoSegundo Esther Rodrigues apud Follis (2011 p 42)rdquo ou ldquoEs-ther Rodrigues afirma que o sol faz bem agrave pele (apud FOLLIS 2011 p 42)rdquo Atenccedilatildeo deve-se na medida do possiacutevel para garantir a exatidatildeo da informaccedilatildeo procurar usar citaccedilotildees diretas Ou seja deve-se procurar obter as informaccedilotildees das fontes originais sempre que estas estiverem disponiacuteveis deixando este recurso apenas para obras difiacuteceis de ser localizadas

B Em caso de coincidecircncia de datas de texto ou obra citadas distinguir com letras respeitando a ordem de entrada no artigo (1915a 1915b) Jaacute em casos de coincidecircncia de sobrenomes colocam-se os prenomes abre-viados apoacutes o sobrenome (FOLLIS R 2010 FOLLIS E 2014)

B Toda citaccedilatildeo provinda da Biacuteblia deve seguir a seguinte formataccedilatildeo fora dos parecircntesis deve vir por extenso (Ex Em Apocalipse 1232 2 Coriacutentios 318 diz que [hellip] dentro dos parecircntesis deve ser abreviada de acordo com o padratildeo de duas letras sem ponto da Biacuteblia Joatildeo Ferreira de Almeida revista e atualizada 2ordm ediccedilatildeo (Ap 1232 2Co 318) Natildeo se usa algarismos romanos

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B Toda citaccedilatildeo originaacuteria de fonte em liacutengua estrangeira deve ser traduzida no corpo do texto e referenciada da seguinte forma (ABREU 2009 p 12 tra-duccedilatildeo livre) A citaccedilatildeo na liacutengua original deve ser mantida em nota de rodapeacute

B A supressatildeo ldquo[hellip]rdquo e a interlocuccedilatildeo devem ser indicadas entre col-chetes Exemplo ldquoO estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jo-vens [hellip] possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11)

B As notas de rodapeacute devem ser usadas apenas para acrescentar infor-maccedilotildees relacionadas ao texto e importantes para o entendimento deste Natildeo confundir nota de rodapeacute com referecircncia bibliograacutefica que apare-ce soacute no final do trabalho

B Expressotildees estrangeiras ou tiacutetulos de obras devem figurar em itaacutelico Exemplos ldquoFelipe Carmo (2009 p 42) em seu livro Hipnose sustenta que croissaint natildeo pode ser utilizado como sujestatildeo hipnoacuteticardquo Certas palavras mesmo sendo de origem estrangeira jaacute satildeo de uso corrente nos textos em portuguecircs e portanto natildeo devem vir em itaacutelico Exem-plos internet mouse link site e-mail etc

B Os casos de destaque de partes do texto para ecircnfase devem ser evi-tados ou restringidos ao miacutenimo possiacutevel devendo aparecer em itaacutelico

ldquoFulano (2000 p 12) sustenta que ocorre reversatildeo se e somente se aque-las condiccedilotildees satildeo satisfeitasrdquo

B Capiacutetulos de livros e artigos de perioacutedicos quando citados no corpo do texto devem aparecer entre ldquoaspasrdquo e sem o uso de itaacutelico Exemplo Flavio Luiacutes (2011 p 12) em seu artigo ldquoComo cultivar um bigode agrave luz de Friedrich Nietzscherdquo afirma que [hellip]

B Citaccedilotildees referentes aos manuscritos e cartas de Ellen G White de-vem ser feitas no corpo do texto da seguinte maneira (Ellen G White Carta 16 1890) (Ellen G White Manuscrito 21 1846)

B Citaccedilotildees referentes aos pais da igreja devem ser acrescentadas ao corpo do texto corrido como por exemplo a obra de Josefo (Jewish Antiquities IX206 ndash 214)

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B Na lista de referecircncias bibliograacuteficas deveratildeo constar os nomes de todos os autores de um trabalho consultado As referecircncias seratildeo ordenadas al-fabeticamente pelo uacuteltimo sobrenome do autor seguido no miacutenimo da inicial maiuacutescula do primeiro nome Natildeo usar nomes por extenso na lista

a) Para livrosCARMO F Hipnose a arte da seduccedilatildeo Satildeo Paulo Editora Madras 2009

b) Capiacutetulo de livroFERCH A Autoria teologia e propoacutesito de Daniel In HOLBROOK F (Ed) Estudos sobre Daniel origem uni-dade e relevacircncia profeacutetica Engenheiro Coelho Unaspress 2009 (Seacuterie Santuaacuterio e Profecias Apocaliacutepticas 2)

c) Artigos de perioacutedicosBERTONI E Arte induacutestria cultural e educaccedilatildeo Cadernos cedes centro de estudos educaccedilatildeo e sociedade ndash Unicamp Ano 21 n 54 2001

d) Monografias dissertaccedilotildees e tesesFERREIRA L O processo da aprendizagem conflitos emocionais desvirtuamento e caminhos para a superaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Unasp Campus En-genheiro Coelho Engenheiro Coelho 1999

e) Publicaccedilotildees referentes a eventos publicados em anais ou similares (congressos reuniotildees seminaacuterios encontros etc)

LIMA P Caminhos da universidade rumo ao seacuteculo 21 es-tagnaccedilatildeo ou dialeacutetica da construccedilatildeo In 7ordm congresso anual de estudantes do cesulon (Centro de Estudos Superiores de Londrina PR) Londrina 25 a 20 de outubro de 1999

f) Informaccedilotildees verbaisPara informaccedilotildees obtidas por meio verbal (palestras debates entrevistas etc) deve-se indicar no texto corrido a expressatildeo

ldquoinformaccedilatildeo verbalrdquo entre parecircnteses mencionando-se os da-dos disponiacuteveis em nota de rodapeacute

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Exemplo ldquoA maioria dos que sustentam uma opiniatildeo sobre a alegaccedilatildeo das sugestotildees hipnoacuteticas atraveacutes de alimentos gordu-rosos normalmente fariam qualquer coisa por um croissaintrdquo (informaccedilatildeo verbal)1

No rodapeacute da paacutegina1 Comentaacuterio proferido por Felipe Carmo em palestra rea-lizada no Unasp-EC por ocasiatildeo do Simpoacutesio Universitaacuterio Adventista em setembro de 2011

g) Legislaccedilatildeo (constituiccedilatildeo emendas constitucionais textos legais infra-constitucionais)

SAtildeO PAULO (Estado) Decreto nordm 42822 de 20 de janeiro de 1998 Lex coletacircnea de legislaccedilatildeo e jurisprudecircncia Satildeo Paulo v 62 n3 p 217 ndash 220 1998

BRASIL Medida provisoacuteria nordm 1569-9 de 11 de fevereiro de 1997 Diaacuterio Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Po-der Executivo Brasiacutelia DF 14 dez 1997 Seccedilatildeo 1 p 29514

BRASIL Coacutedigo Civil 46 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

h) Referecircncias de sites Acrescentar no final da referecircncia ldquoDis-poniacutevel emrdquo endereccedilo eletrocircnico e a data de acesso ao documen-to precedida da expressatildeo ldquoAcesso emrdquo

SILVA I Pena de morte para o nascituro O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 set 1998 Disponiacutevel em ltwwwestadaocombr1212343htmgt Acesso em 19 set 1998

B Os textos devem ser submetidos unicamente por meio do site da re-vista Kerygma Os passos satildeo os seguintes

ndash Acessar httpwwwunaspedubractacientificandash Caso se trate do primeiro acesso preencher os dados pessoais no

item ldquocadastrordquo (lembre-se de assinalar a opccedilatildeo ldquoautorrdquo) Se jaacute tiver cadastro basta preenher nome e senha

ndash Para submeter trabalhos siga as demais instruccedilotildees do proacuteprio sistemaObs o autor deveraacute acompanhar o andamento do trabalho subme-

tido no proacuteprio sistema on-line

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B O tempo entre a submissatildeo aprovaccedilatildeo ou rerpovaccedilatildeo e a publi-caccedilatildeo do artigoresenha seraacute de cerca de 14 meses As informaccedilotildees sobre o status da submissatildeo se daraacute apenas via Sistema Eletrocircnico de Revistas (SEER) software para a construccedilatildeo e gestatildeo de publi-caccedilotildees perioacutedica traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informaccedilatildeo em Ciecircncia e Tecnologia (IBICT)

B A revista Kerygma estaacute sob a Licenccedila Creative Commons Attribution 30 o que indica natildeo existir lucro atrelado agrave publicaccedilatildeo e portanto natildeo havendo nenhuma obrigaccedilatildeo de remuneraccedilatildeo dos autores publica-dos Estes ao submeterem suas contribuiccedilotildees cedem agrave revista os direi-tos de publicaccedilatildeo nos formatos impresso e online

Permutas

Associaccedilatildeo Educacional Frei Nivaldo Liebel ndash Revista RethoacuterikaUSP de Ribeiratildeo Preto ndash ABOPCenter for Adventist Research James White Library ndash AUCentro Universitaacuterio Feevale ndash Revista Gestatildeo e DesenvolvimentoCentro Universitaacuterio Claretiano ndash Linguagem AcadecircmicaCentro Universitaacuterio de Barra Mansa ndash Revista CientiacuteficaCentro Universitaacuterio de Brusque (Unifebe) ndash Revista da UnifebeCentro Universitaacuterio de Franca (Uni-FACEF) ndash Facef pesquisaCentro Universitaacuterio de Patos de Minas (Unipam) ndash JurivoxRevista AlphaCentro Universitaacuterio do Espiacuterito Santo (Unesc) ndash Unesc em RevistaCentro Universitaacuterio La Salle (Unilasalle) ndash Revista de Educaccedilatildeo Ciecircncia e CulturaCentro Universitaacuterio Metodista (IPA) ndash Ciecircncia em MovimentoCentro Universitaacuterio Nove de Julho (Uninove) ndash Conscientiae-SauacutedeEccosCentro Universitaacuterio Salesiano de Satildeo Paulo (Unisal) ndash Revista Ciencia e TecnoloacutegiaCentro Universitaacuterio Univates ndash Caderno Pedagoacutegico Estudo amp DebateEscola Superior de teologia da IECLB ndash Estudos teoloacutegicosFaculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP) ndash Revista do curso de direitoFaculdade de Administraccedilatildeo Santa Cruz (FAFILFASC) ndash Revista de AdministraccedilatildeoFaculdade de Ciecircncias Administrativas e Contaacutebeis Santa Luacutecia ndash UniversitaFaculdades Integradas Adventistas de Minas gerais (Fadminas) ndash Revista SymposiumFundaccedilatildeo Educacional da Regiatildeo de Joinvile (Univille) ndash Revista da UnivilleFundaccedilatildeo Teacutecnico Educacional Souza Marques ndash Revista Souza MarquesFaculdade Teoloacutegica Batista de Satildeo Paulo ndash TeoloacutegicaFundaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande ndash MomentoPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute (PUC-PR) ndash Revista de Estudos da Comunicaccedilatildeo Revista Psicoloacutegica ArgumentoUniversidad Adventista Del Plata ndash Enfoques DavarlogosUniversidad Catoacutelica Argentina ndash Cultura EconoacutemicaUniversidade de Caxias do Sul (UCS) ndash ConjecturaUniversidade de Satildeo Paulo (USP) ndash Contabilidade amp FinanccedilasUniversidade de Sorocaba (Uniso) ndash Revista de Estudos UniversitariosUniversidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) ndash Linguagem em DisCurso

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Universidade Estadual de Londrina (UEL) ndash Boletim do Centro de LetrasUniversidade Estadual de Ponta Grossa ndash Olhar do Professor PublicatioUniversidade Estadual Paulista (Unesp) ndash Alimentos e NutriccedilatildeoUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ndash Varia histoacuteriaUniversidade Federal de Pelotas ndash Histoacuteria da EducaccedilatildeoUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ndash Caderno do Ensino da FiacutesicaUniversidade Federal de Santa Maria ndash Revista de Educaccedilatildeo EspecialUniversidade Norte do Paranaacute ndash (Unopar) ndash Unopar CientiacuteficaUniversidade Paranaense (Unipar) ndash AkroacutepolisUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missotildees ndash Revista PerspectUniversidade Santa Cecilia ndash Seleccedilatildeo DocumentalUniversidade Satildeo Judas Tadeu ndash Integraccedilatildeo

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bullEditorialbull

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo

Rodrigo Follis1

Muitas epistemologias teoloacutegicas aceitas na atualidade foram produzi-das na proacutepria modernidade ou se utilizaram dos recursos argumentativos inerentes a tal periacuteodo Assim eacute possiacutevel argumentar que ainda vivemos em grande parte uma religiosidade calcada em diversos pensamentos filosoacutefi-cos provindos da modernidade

Ao abordar o sentido do termo ldquomodernidaderdquo Pierre Sanchis (1997) afirma que ela seria ldquoa representaccedilatildeo ideal do indiviacuteduo portador de uma ra-zatildeo uacutenica de uma decisatildeo soberana que se exerce nos quadros de uma loacutegica universalrdquo Assim no auge da ciecircncia moderna se delimitava a atitude cien-tiacutefica agrave busca de conhecimentos de leis e princiacutepios que regessem a realidade Sendo que por realidade se entendia algo estaacutetico determinado mecacircnico e regulado por leis fixas (vemos tal realidade por exemplo na doutrina posi-tivista) Um conhecimento baseado na formulaccedilatildeo de leis tem como pres-suposto a noccedilatildeo de ordem e de estabilidade do mundo de que o passado se repete no futuro (SANTOS 1999 p 17 ver 2000)

Alguns autores chegam a afirmar que a exacerbaccedilatildeo de tal pensamento foi uma das causadoras da atual fragmentaccedilatildeo do modernismo Assim a desilusatildeo humana com as promessas da era da razatildeo e da ciecircncia teriam sido enormes Para exemplificar podem ser citadas a ldquourbanizaccedilatildeo extremamen-te desumanizante a monstruosa desigualdade social a induacutestria de morte de armas e das drogas a construccedilatildeo de campos de concentraccedilatildeo a confec-ccedilatildeo e explosatildeo das bombas atocircmicasrdquo (LIBAcircNIO 1998 p 62)

1 Doutorando em Ciecircncias da Religiatildeo e Mestre em Comunicaccedilatildeo Social pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo Editor-associado da revista Kerygma e professor no Centro Univer-sitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail rodrigofollisunaspedubr

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Afinal a ciecircncia [moderna] natildeo fornece as respostas que a maio-ria de noacutes exige Sua histoacuteria a respeito de nossas origens e nosso fim eacute no miacutenimo insatisfatoacuteria Para a pergunta ldquoComo tudo comeccedilourdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo Para a pergunta ldquoComo tudo terminaraacuterdquo a ciecircncia responde ldquoTalvez por acidenterdquo E para muitas pessoas a vida acidental natildeo vale a pena ser vivida (POSTMAN 1994 p 168)

Por um lado a modernidade trouxe grandes avanccedilos ao tentar melho-rar o mundo a nossa volta atraveacutes de uma iluminaccedilatildeo e da busca racional por evidecircncias que dessem sentido a existecircncia humana E isso foi aceito como forma de afirmar ou mesmo combater a ortodoxia teoloacutegica Sobre isto Leonildo Campos (2008) aponta a tensatildeo entre ldquoa letra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivificardquo que ficou como marca principal de vaacuterios reaviva-mentos religiosos como o ldquosurgimento do pietismo alematildeo do avivalismo inglecircs e norte-americano e no iniacutecio do seacuteculo XX da explosatildeo do Pente-costalismordquo Assim ele nos lembra das tensotildees jaacute apontadas por Mendonccedila (2008 p 78) quando afirma a existecircncia de conflitos ligados de um lado a uma racionalidade defendida por grupos mais ortodoxos e de outro a um misticismo emocional provindo de diversos novos grupos

Natildeo parece metodologicamente coerente esquecer de que cada vez mais a sociedade se abre para uma religiatildeo e uma vida regida pela loacutegica da emoccedilatildeo e do entretenimento e que isso tem relaccedilatildeo direta na construccedilatildeo de muitas das teologias contemporacircneas (ver BERGER ZIJDERVELD 2012) Entretan-to parece ser preciso reafirmar que dependemos de vaacuterios preceitos da ciecircncia modernista ou seja da suposta ldquoletra que matardquo Ela ainda perpassa todas as produccedilotildees ditas acadecircmicas encontradas natildeo apenas na presente ediccedilatildeo da re-vista Kerygma mas em todo o fazer da ciecircncia Afinal toda discussatildeo provinda da academia sempre se relaciona agraves ldquoletrasrdquo teoacutericas que objetivam encontrar as ldquoleis fixasrdquo que esclareceratildeo nossa realidade e sociedade

Sem sombra de duacutevidas a presente ediccedilatildeo da Kerygma faz parte dessa realidade Ao se buscar que padratildeo pode ser encontrado nas cartas paulinas acerca do uso da palavra grega Pneuma estamos fazendo ciecircncia ao estilo modernista Na discussatildeo epistemoloacutegica para se entender corretamente os meios de interpretaccedilatildeo biacuteblica estamos em uma discussatildeo calcada tambeacutem no modernismo e em sua forma de ver e estudar o mundo E isso ocorreraacute em todos os demais artigos seja na relaccedilatildeo sobre os 144 mil de Apocalipse no entendimento dos textos biacuteblicos de Lucas na relaccedilatildeo histoacuterica acerca da

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

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apostasia do pastor adventista Conrad no uso da disciplina eclesial ou na re-senha de um artigo apologeacutetico Todas essas discussotildees podem ter seus dis-tanciamentos do modernismo mas paradoxalmente o fazem estando dentro desse processo cientiacutefico

Baseado nisso alguns acusam a Teologia como sendo a personificaccedilatildeo da ldquoletra que matardquo e portanto seria preciso evitaacute-la na busca por uma ver-dadeira comunhatildeo com a divindade Entretanto isso natildeo nos parece coerente Natildeo estamos aqui para condenar a ciecircncia moderna nem o seu meacutetodo racio-nalista mesmo agrave luz das diversas consequecircncias ruins ou no miacutenimo esteacutereis produzidas em seu nome Tambeacutem natildeo acreditamos que recusar ou abraccedilar cegamente um reavivamento emocionalista venha a ser a melhor soluccedilatildeo Como contraponto parece interessante a proposta acerca do ldquolsquopensamento liminarrsquo como defendida por Mignolo (2003) Esse tipo de pensamento ser-viria para ldquoobter ou recuperar o direito de serrdquo Ou seja seria

uma maneira de pensar que natildeo seja inspirada em suas proacuteprias limi-taccedilotildees e que natildeo pretenda dominar e humilhar uma maneira de pen-sar que seja universalmente marginal fragmentaacuteria e aberta e como tal uma maneira de pensar que por ser universalmente marginal e fragmentaacuteria natildeo seja etnocida (MIGNOLO 2003 p 235)

Dadas essas consideraccedilotildees eacute coerente acreditar na busca por uma Teo-logia que una o melhor desses dois mundos o da letra e o do espiacuterito Cons-truindo assim uma tensatildeo hegemocircnica paradoxal ao mesmo tempo em que busca utilizar um meacutetodo loacutegico-racionalista como forma de interpretar a realidade e a histoacuteria tambeacutem nos coloca abertos a um aceite emocional e mais humano de tal realidade sendo este o objetivo de toda a produccedilatildeo cientiacutefica (FOLLIS 2012) Com isso nosso objetivo deixa de ser encontrar uma mera resposta e passa a ser o de mudar e melhorar vidas humanas Ellen G White (2007 p 309) ilustra como poderia ser essa uniatildeo Torcermos para que tal pensamento seja um guia para a construccedilatildeo teoloacutegica que continua-remos a produzir na academia

O maior dos enganos do espiacuterito humano nos dias de Cristo era que um mero assentimento agrave verdade constituiacutesse justiccedila Em toda experiecircncia humana o conhecimento teoacuterico da verdade se tem demonstrado insuficiente para a salvaccedilatildeo da alma Natildeo produz os frutos de justiccedila Uma cuidadosa consideraccedilatildeo pelo

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que eacute classificado verdade teoloacutegica acompanha frequentemente o oacutedio pela verdade genuiacutena segundo se manifesta na vida Os mais tristes capiacutetulos da Histoacuteria acham-se repletos do registro de crimes cometidos por fanaacuteticos adeptos de religiotildees Os fariseus pretendiam ser filhos de Abraatildeo e vangloriavam-se de possuir os oraacuteculos de Deus todavia essas vantagens natildeo os preservavam do egoiacutesmo da malignidade da ganacircncia e da mais baixa hipocrisia Julgavam-se os maiores religiosos do mundo mas sua chamada ortodoxia os levou a crucificar o Senhor da gloacuteria O mesmo peri-go existe ainda Muitos se tecircm na conta de cristatildeos simplesmente porque concordam com certos dogmas teoloacutegicos Natildeo introdu-ziram poreacutem a verdade na vida praacutetica Natildeo creram nela nem a amaram natildeo receberam portanto o poder e a graccedila que advecircm mediante a santificaccedilatildeo da verdade

Referecircncias

BERGER P ZIJDERVELD A Em favor da duacutevida como ter convicccedilotildees sem se tornar um fanaacutetico Satildeo Paulo Elsevier 2012

CAMPOS L S Evangeacutelicos e Miacutedia no Brasil ndash Uma Histoacuteria de Acertos e Desacertosrdquo Rever - Revista de Estudos da Religiatildeo nordm 3 1-26 2008 Disponiacutevel em httpwwwpucspbrreverrv3_2008t_campospdf Acesso em 25122012

FOLLIS R Teologia e Marxismo em busca de pontes de esperanccedila Kerygma Engenheiro Coelho SP v 8 n 2 p 7-9 2o sem de 2012

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MEDONCcedilA A G Protestantes pentecostais e ecumecircnicos o campo religioso e seus personagens Satildeo Bernardo do Campo Universidade Metodista de Satildeo Paulo 2008

MIGNOLO W D Histoacuterias locais projetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Belo Horizonte UFMG 2003

Teologia entre a ldquoletra que matardquo e o ldquoespiacuterito que vivifiardquo

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 7-11 1ordm sem de 2013

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POSTMAN N Tecnopoacutelio a rendiccedilatildeo da cultura agrave tecnologia Satildeo Paulo Nobel 1994

SANCHIS P O campo religioso contemporacircneo no Brasil In ORO A STEIL C (Orgs) Globalizaccedilatildeo e religiatildeo Petroacutepolis Vozes Porto Alegre UFRGS 1997

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Um discurso sobre a ciecircncia Porto-Portugal Ediccedilotildees Afrontamento 1999

WHITE E O desejado de todas as naccedilotildees Tatuiacute CPB 2007

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

The Holy Spirit in the pauline epistles

Roberto Pereyra Suaacuterez1

ResumoAbstract

O artigo objetiva pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo abordando um dos temas mais desafiadores do seu pensamento te-oloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneu-

matologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia Neste estudo preliminar busca-se apenas introduzir o vasto tema sobre o uso da palavra πνευμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais relevantes acerca do EspiacuteritoPalavras-chave Espiacuterito Santo πνεūμα Paulo Teologia Biacuteblica Epiacutestolas paulinas

This article aims to research about the Holy Spirit in the books of Paul discussing one of the most challenging subjects of his theological thought Some researchers even say that the pneumatology of Paul

should be considered the central aspect of his theology The objective of this preliminary study is only to introduce this vast theme about the use of the word πνευμα in the epistles of Paul and also to interpret the most relevant theological affirmations about the Holy SpiritKeywords Holy Spirit πνεūμα Paul Biblical Theology Epistles of Paul

1 Doutor em Novo Testamento pela Andrews University (PhD) Diretor da Poacutes-Gradua-ccedilatildeo do Salt-Unasp Professor na Faculdade de Teologia do Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail robertopereyraunaspedubr

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Pesquisar sobre o Espiacuterito Santo nos livros de Paulo significa abordar um dos temas mais desafiadores do seu pensamento teoloacutegico chegando ao ponto de alguns teoacutericos discutirem se a pneumatologia paulina natildeo deveria ser colocada como um dos aspectos centrais em sua teologia2

Neste estudo preliminar natildeo exaustivo pelo limitado espaccedilo busca se apenas introduzir o vastiacutessimo tema sobre o uso da palavra πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas e tambeacuterm interpretar as afirmaccedilotildees teoloacutegicas mais re-levantes acerca do Espiacuterito

O uso da palavra πνεūμα em PauloMesmo desconsiderando as formas de uso (substantivo adjetivo ou

adveacuterbio) do vocaacutebulo Πνευματικός 3 e da expressatildeo ldquopoderrdquo (tambeacutem em diversas formas) em referecircncia ao Espiacuterito Santo4 eacute possiacutevel encontrar 384 referecircncias agrave πνευμα no Novo Testamento Sendo que apenas Paulo a usa

2 Sendo que haacute uma literatura muito rica tratando com o pensamento de Paulo sobre este tema gostaria de mencionar as referecircncias que considero mais relevantes publicadas nos uacutel-timos 50 anos Pinnock (1963) Turner (1975 p 56-69) Dobbin (1976a p 5-19 1976b p 129-149) Meyer (1979 p 3-18) Congar (1983) Francis (1984 p 299-313) Easley (1984 p 299-313) Huumlbner (1989 p 324-338) Friedrich Wilhelm Horn (1992) nega a dimensatildeo experi-mental da recepccedilatildeo do Espiacuterito no iniacutecio do cristianismo e propotildee que Paulo desenvolveu sig-nificativamente sua pneumatologia durante os anos de seu ministeacuterio Paige (1993 p 404-413) Gordon D Fee (1994 1996) apresenta o trabalho mais completo sobre pneumatologia Paulina disponiacutevel sendo uma fonte primaacuteria relevante para consultas sobre questotildees exegeacuteticas Vol-lenweider (1996 p 163-192) Gaffin (1998 p 573-589) Daniel B Wallace (2003 p 97-125) Monika Christoph (2005) Finny Philip (2005) John A Bertone (2005) Mark Pretorius (2006 p253-262) Clint Tibbs (2007) Erik Konsmo (2010) examina como as metaacuteforas de Paulo ex-pressam a presenccedila tangiacutevel do espiacuterito intangiacutevel na vida do cristatildeo e afirma que o ponto de vista de Paulo sobre o rol do Espiacuterito Santo natildeo eacute perifeacuterico mas sim central em sua Teologia3 De 26 vezes que se usa no NT 24 satildeo as referecircncias no conteuacutedo paulino (Rm 111 714 1527 1 Co 213 2x 15 31 911 103 4 2x121 141 37 1544 2x 46 2x Gl 61 Ef 13 519 61 Cl 19 316)4 Aparentemente os destinataacuterios das cartas paulinas entenderam que o Espiacuterito se manifes-tava em ldquopoderrdquo em razatildeo da utilizaccedilatildeo dos termos δύναμις e πνεῡμα de forma alternada nas epiacutestolas de Paulo Sobre isso veja a argumentaccedilatildeo de J D G Dunn (1998a p 851) Natildeo se faz apenas o uso combinado de ambos os sentidos (Rm 1513 19) mas se usa os vocaacutebulos de tal maneira que a presenccedila de πνεῡμα poderia significar a presenccedila de δύναμις (Rm 14 1Co 24 Gl 35 Ef 316 1Ts 15 2 Tm 17) Sendo assim se pode deduzir que as referecircncias agrave δύναμις implicariam a presenccedila de πνεῡμα (1Co 420 54 2Co 47 66-7 12912 134 Ef 119 21 37 20 Cl 111 29 2 Tm 18)

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 15-33 1ordm sem de 2013

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160 vezes5 nas 14 epiacutestolas que lhe satildeo atribuidas aqui considerando tam-beacutem o livro de Hebreus6 A frequecircncia de πνευμα nas epiacutestolas paulinas se daacute da seguinte forma

RmI 1CoII 2CoII GlIV EfV FpVI ClVII 1TsVIII 2TsIX 1TmX 2TmXI TtXII FmXIII HbXIV Total

35 40 17 18 16 5 2 5 3 3 3 2 1 10 160

I Em Rm 81-27 Paulo usa 22 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα sendo que 5 delas possuem significado antropoloacutegico ao referir-se ao espiacuterito humano (810 15 3x 16) e 17 com sentido teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo (82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 13 14 16 23 26 2x 27)II Em 1 Coriacutentios 24-14 Paulo usa 9 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (211 12) e 7 com sentido teoloacutegico (24 10 2x 11 12 13 14) em 1Co 123-13 Paulo usa 12 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x)III Em 2 Coriacutentios Paulo usa 17 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 8 possuem significado antropoloacutegico (213 36 2x 413 71 13 1114 1218) e 9 com sentido teoloacutegico (122 33 8 17 2x 18 55 66 1313)IV Em Gaacutelatas Paulo usa 18 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (61 18) e 16 com sentido teoloacute-gico (32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x) com maior concentraccedilatildeo em 55 a 68V Em Efeacutesios Paulo usa 16 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 3 possuem significado antropoloacutegico (117 22 423) e 13 com sentido teoloacutegico (113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18)

VI Em Filipenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (127 423) e 3 com sentido teoloacutegico (119 21 33)

VII Em Colossenses Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (25) e 1 com sentido teoloacutegico (18)

VIII Em 1 Tessalonicenses Paulo usa 5 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (523) e 4 com sentido teoloacutegico (15 6 48 519)

IX Em 2 Tessalonicenses Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (22) e 2 com sentido teoloacutegico (28 13)

X Em 1 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 1 possui significado antropoloacutegico (41) e 2 possuem sentido teoloacutegico (316 41)

XI Em 2 Timoacuteteo Paulo usa 3 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα dos quais 2 possuem significado antropoloacutegico (17 422) e 1 com sentido teoloacutegico (114)XII Em Tito Paulo usa 2 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα com sentido teoloacutegico (35 6)XIII Em Filemom Paulo usa 1 vez o vocaacutebulo πνεῡμα com significado antropoloacutegico (25)XIV Em Hebreus Paulo usa 10 vezes o vocaacutebulo πνεῡμα das quais 2 possuem significado antropoloacutegico (412 1223) e 8 possuem sentido teoloacutegico (114 24 37 64 98 14 1015 29)

5 Aparece 53 vezes o vocaacutebulo (Rm 14 84 5 9 2x 1011 15 2x 16 26 2x 118 1Co 210 11 2x 12 2x 316 55 617 740 124 8 11 13 1414 1545 168 2Co 36 17 2x 413 713 114 Gl 32 5 46 29 517 68 Ef 117 44 30 1Ts 48 519 23 1Tm 41 2x 2Tm 17 Hb 37 1015 29) 53 vezes πνεύματος (Rm 55 76 82 5 6 11 23 27 1513 19 30 1Co 24 10 13 14 54 619 127 8 10 1432 2Co 122 36 8 18 55 71 1313 Gl 314 517 22 68 18 Ef 22 316 43 617 Fp 119 21 423 1Ts 16 2Ts 22 13 2Tm 114 422 Tt 35 Fm 125 Hb 114 24 412 64 98 14) 49 vezes πνεύματι (Rm 19 229 89 13 14 16 91 1211 1417 1516 1Co 421 53 611 734 123 2x 9 2x 13 142 15 2x 16 2Co 213 33 66 1218 Gl 33 55 16 18 25 2x 61 Ef 113 218 22 35 423 518 618 Fp 127 33 Cl 18 25 1Ts 15 2Ts 28 1Tm 316 Hb 1223) e em cinco cir-cunstancias se emprega um pronome relativo para se referir ao espiacuterito humano em geral (Rm 815) ao Espiacuterito Santo (1Co 619 Ef 114 Tt 36) e ao Espiacuterito de Deus (Ef 430)6 Raymond Edward Brown (1983 p 227) encontra 380 usos enquanto que Tibbs (2007 p 306) encontra 384

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Segundo a ordem de tamanho das epiacutestolas a maior incidencia no uso do vocaacutebulo πνεῡμα se encontra em Gaacutelatas seguida por Efeacutesios 1 Coriacutentios Romanos e 2 Coriacutentios Contudo se observa uma concentraccedilatildeo especial no conteuacutedo das cartas o que responde aos propoacutesitos teoloacutegicos do autor em diaacutelogo com seus destinataacuterios Por exemplo Romanos 81-27 constitui o ponto de mais destaque da teologia paulina sobre o Espiacuterito ao se referir a Ele 22 vezes a maior concentraccedilatildeo de referencias nas epiacutestolas (DUNN 1998 p 423)

A partir daqui inicia-se uma breve menccedilatildeo sobre o uso antropoloacutegico de πνεῡμα nos escritos de Paulo

Uso antropoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos gerais Paulo utiliza 45 vezes o vocaacutebulo com significa-do antropoloacutegico se referindo ao espiacuterito humano7 Ele faz referecircncia a si mesmo (Rm 19 1 Co 421 53-4 1414-15 1618 2 Co 213 Cl 25) a mulher (1Co 734) aos profetas (1Co 1432) ao segundo Adatildeo (1 Co 1545) a Tito (2Co 713) a Timoacuteteo (2 Tm 422) a Filemom (Fm 25) e aos seres humanos em geral8 Obviamente eacute no uso teoloacutegico do vocaacutebulo que teremos a maior relevancia e significado

Uso teoloacutegico de πνεūμα nas Epiacutestolas Paulinas

Em termos especiacuteficos o apoacutestolo usa πνεῡμα 115 vezes com senti-do teoloacutegico se referindo ao Espiacuterito Santo9 de diversas formas ldquoEspiacuterito

7 Rm 19 229 76 810 15 3x 816 118 1211 1Co 211 12 421 53 4 5 617 734 1414 15 2x 1432 1545 1618 2Co 213 36 2x 413 7113 114 1218 Gl 61 18 Ef 117 22 423 Fp 127 423 Cl 25 1Ts 523 2Ts 22 2Tm 17 422 Fm 25 Hb 412 Embora existam discussotildees se a referecircncia eacute ao espiacuterito humano ou ao divino os seguintes textos tambeacutem podem ser aqui incluiacutedos 1Co 53 4 617 1414 152 e Cl 25 (ver Fee 1996 p 24-26 123-27 229-30 462 645)8 Rm 229 76 81015 x3 16 118 1211 1Co 211 12 55 6 17 2Co 36 2x 413 71 114 1218 Ef 117 423 Fp 127 423 1 Ts 523 2 Ts 22 2Ti 17 Hb 412 12239 Rm 14 55 82 4 5 2x 6 9 3x 11 2x 1314 16 23 26 2x 27 2x 91 1417 1513 16 19 30 1Co 24 10 2x 11 12 13 14 16 611 19 2x 740 123 2x 4 7 8 2x 9 2x 10 11 13 2x 142 16

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 15-33 1ordm sem de 2013

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Santordquo10 ldquoEspiacuterito de santidaderdquo (Rm 14) ldquoEspiacuterito de vidardquo (Rm 82) ldquoEspiacuteritordquo11 ldquoEspiacuterito de Deusrdquo12 ldquoEspiacuterito de Cristordquo (Rm 89) ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo (2Co 317) ldquoEspiacuterito de Seu Filhordquo(Gl 46) ldquoEspiacuterito de sabe-doria e de revelaccedilatildeordquo (Ef 117) ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo (Fp 119) ldquosopro de sua bocardquo (de Jesus Cristo 2 Ts 28) e ldquoEspiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

O fato de Paulo nomear o ldquoEspiacuteritordquo como ldquoEspiacuterito de Deusrdquo ldquoEs-piacuterito de Seu Filhordquo ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo ldquoEspiacuterito de Cristordquo ldquoEspiacuterito de Jesus Cristordquo e inclusive ldquoEspiacuterito Santordquo e ldquoEspiacuterito da Graccedilardquo sugere claramente um enfoque trino do vocaacutebulo πνεῡμα em suas epiacutestolas o que parece ser um axioma trinitaacuterio baacutesico13 para entender o uso teoloacutegico de πνεῡμα nessas epiacutestolas

Axioma trinitaacuterio baacutesico nas Epiacutestolas Paulinas

Nos escritos de Paulo 1) Deus eacute um 2) Deus eacute trecircs 3) os trecircs satildeo plenamente Deus 4) cada um dos trecircs eacute diferente dos outros dois 5) os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente um com o outro como Pai Filho e Espiacuterito Santo14

A Trindade pertence agrave vida existecircncia e forma de ser do Deus trino Realidade que soacute poderia ser conhecida se algum de seus membros a revelas-se Como sugeriu Sinclair Ferguson (1985 p 18-37) Jesus no caminho da cruz eacute quem revelou a seus disciacutepulos essa realidade trina da Divindade sua relaccedilatildeo com o Pai e com o Espiacuterito (Jo 13-17)

2Co 122 33 8 17 2x 18 55 66 1313 Gl 32 3 5 14 46 29 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 113 14 218 22 35 16 43 4 30 2x 518 617 18 Fp 119 21 33 Cl 18 1Ts 15 6 48 519 2Ts 28 13 1Tm 316 41 2Tm 114 Tt 35 6 Hb 24 37 64 98 14 1015 2910 Rm 55 91 1417 1513 16 1 Co 619 2x 2 Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2 Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 101511 Rm 84 5 2x 6 9 11 2x 13 16 23 26 2x 27 2x 1530 1 Co 24 10 2x 12 13 124 7 8 2x 9 2x 11 13 2x 2 Co 122 38 18 55 Gl 32 3 5 14 429 55 16 17 2x 18 22 25 2x 68 2x Ef 218 22 35 16 43 4 518 617 18 Fp 21 Cl 18 2 Ts 213 1 Tm 316 41 Hb 3712 Rm 89 14 1519 1 Co 211 14 316 611 740 123 2x 2 Co 33 Ef 430 2x Fp 3313 Para um estudo sobre as evidecircncias biacuteblicas que contribuem para a doutrina da trindade veja Arthur William Wainwrigth (1962) Leonard Hodgson (1944 p 38-84) E J Fortman (1982 p 3-33) Aubrey William Argyle (1966 p 173-181)14 Para um estudo exaustivo destes conceitos nas Escrituras veja a John M Frame (2002)

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Eacute o envio do Deus feito carne que revela a relaccedilatildeo existente entre o Pai e o Filho (Jo 7111 22-26) Sua encarnaccedilatildeo (Lc 134-35 Jo 1711 22-26) ministeacuterio (Mt 41 Mr 112 Lc 41 Mt 1228 At 1038) morte ressurreiccedilatildeo (Rm 811 1 Pd 318) e ascensatildeo (At 232 33) revelam a relaccedilatildeo existente entre o Filho e o Espiacuterito Santo (Jo 1416-17 26 1526 1613) o que pro-vavelmente se constituiacutea nas fontes das formulaccedilotildees trinitaacuterias do apoacutestolo

Deus eacute umO conceito da unidade eacute desenvolvido no fato de que Ele eacute Deus tanto

dos judeus como dos gentios (Rm 329-30 1012-13 Gl 320) Pai tanto dos incircuncisos como dos circuncidados (Rm 411-12) uacutenico em sua relaccedilatildeo com os seres humanos (1Tm 25) jaacute que natildeo existem outros deuses Haacute um soacute Deus (1Co 84-6) o verdadeiro (1Ts 19) o uacutenico e saacutebio Deus (Rm 1627 1 Tm 117) a uacutenica fonte dos dons espirituais (1Co 124-6 Ef 44-6)15

Deus eacute trecircsEmbora seja problemaacutetico determinar o nuacutemero dos seres divinos a

partir do Antigo Testamento Paulo usa especiacuteficas formulaccedilotildees trinitaacuterias nas quais apresenta a existecircncia de trecircs seres divinos θεόϛ (Deus) o Pai κύριος (Senhor) ou υἱός (Filho) o Filho e πνεῡμα (Espiacuterito) o Espiacuterito

Paulo distingue claramente os trecircs seres aos quais se refere como ldquoum Espiacuterito [hellip] um Senhor [hellip] um Deusrdquo (1Co 124-6 e Ef 44-60) Menciona os trecircs juntos em Romanos Efeacutesios Filipenses Colossenses 1 Tessalonicenses 2 Tessalonicenses 1 Timoacuteteo Tito Hebreus ou seja em 9 das 14 epiacutestolas

Por outro lado existem diversas passagens nas quais dois dos trecircs se-res aparecem como fonte comum de becircnccedilatildeos o Pai e o Filho por um lado (Rm 64 1Co 1524-28) Cristo e o Espiacuterito por outro (Rm 82 9 2Co 317 Gl 46 Fp 119)

Nas saudaccedilotildees e becircnccedilatildeos apostoacutelicas Paulo sempre menciona a ldquoDeus nosso Pairdquo e ldquoa nosso Senhor Jesus Cristordquo16 no entanto em 2 Coriacutentios 1313 (14) ele integra os trecircs ldquoA graccedila do Senhor Jesus Cristo o amor de Deus e a comunhatildeo do Espiacuterito Santo sejam com todos vocecircsrdquo

Eacute surpreendente a afirmaccedilatildeo feita aos coriacutentios quanto agrave relaccedilatildeo interna existente entre o Espiacuterito e Deus o Pai e o Pai com o Espiacuterito ldquoO Espiacuterito

15 Satildeo textos trinitaacuterianos que distinguem as trecircs pessoas da divindade como fontes de dons espirituais atributo que implica na unidade trina16 1 Co 13 2 Co 12 Gl 13 Ef 13 623-24 1 Ts 11 2 Ts 12 1 Tm 12 2 Tm 12 Tt 14

O Espiacuterito Santo nas epiacutestolas paulinas

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 15-33 1ordm sem de 2013

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sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 210) ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Tambeacutem eacute afirmado aos membros da igreja de Roma que

ldquoaquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuterito porque o Es-piacuterito intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

E quanto ao relacionamento interno existente entre o Espiacuterito e Jesus Cristo o Filho Os leitores de Coriacutentio satildeo advertidos de que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123)

Paulo se referindo aos crentes em Roma em um soacute versiacuteculo apresenta a relaccedilatildeo trina na vida do crente ldquovocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito se de fato o Espiacuterito de Deus habita em vocecirc E se algueacutem natildeo tem o Espiacuterito de Cristo natildeo pertence a Cristordquo (Rm 89) Eacute notaacutevel a siacutentese das accedilotildees trinas relacionadas na vida do crente Deus Cristo e o Espiacuterito atuam na vida de quem estaacute em Jesus A accedilatildeo trina eacute vida no crente vida que provem da accedilatildeo do Deus trino O que eacute muito sugestivo pois usa a mesma estrutura e organizaccedilatildeo literaacuteria dos primeiros oito capiacutetulos da carta aos Romanos nos quais eacute exposto o tema da salvaccedilatildeo e santificaccedilatildeo pela feacute Parece existir um pa-dratildeo claramente trinitaacuterio o juiacutezo de Deus o Pai sobre o pecado (118-320) a obra expiatoacuteria do Filho pela qual Deus justifica e santifica (321-725) e a liberdade e guia do Espiacuterito (81-39)

Uma estrutura semelhante se encontra na epiacutestola aos Gaacutelatas A NVI intitula os versos 326-47 como ldquoFilhos de Deusrdquo 51-15 de ldquoLivres em Cristordquo e 516-26 por ldquoVida pelo Espiacuteritordquo o que caminha na direccedilatildeo da afirmativa de que para Paulo Deus eacute um mas tambeacutem eacute trecircs Efeacutesios 218 afirma que ldquopor meio dele tanto noacutes como vocecircs temos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo o que parece ser uma clara premissa paulina por meio de Cristo ao Pai atraveacutes do Espiacuterito Assim a evidecircncia paulina para a concep-ccedilatildeo trinitaacuteria de Deus poderia ser sintetizada em trecircs grupos de passagens

B No primeiro grupo eacute apresentado um trinitarianismo ex professo Por exemplo em sua benccedilatildeo de 2 Coriacutentios 1314 Paulo envolve a Deus ao Senhor Jesus Cristo e ao Espiacuterito Santo sem fazer nenhu-ma distinccedilatildeo entre essas trecircs pessoas Portanto parece razoaacutevel afirmar que ele os percebe como Pessoas coiguais

B No segundo grupo de passagens Paulo apresenta uma forma triacuteade Em Efeacutesios 44-6 faz menccedilatildeo de ldquoum soacute Espiacuterito [hellip] um soacute Senhor [hellip]

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um soacute Deus e Pairdquo Em 1Coriacutentios 123-6 cada Pessoa eacute introduzida com o artigo ldquoumrdquo na sequecircncia de maneira parecida com Efeacutesios 4 Em uma referecircncia mais indireta as trecircs pessoas satildeo mencionadas tam-beacutem em Efeacutesios 13-14

B No terceiro grupo de textos paulinos as trecircs pessoas satildeo menciona-das juntas mas sem nenhuma estrutura triacuteade clara Um bom exemplo disso eacute Gaacutelatas 44-6 ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filhordquo (o mesmo ocorre em Rm 81ss 2Ts 213ss e Tt 34-6)

Os trecircs satildeo DeusEmbora natildeo haja dificuldades em perceber que o primeiro teoacutelogo do

periacuteodo neotestamentaacuterio descreve o Espiacuterito e o Filho como sendo total-mente Deus haacute os que argumentam contra a divindade do Espiacuterito Santo

Argumenta-se que nos textos trinitaacuterios paulinos o Espiacuterito aparece apenas junto ao Pai eou ao Filho (Rm 1519 2 Co 1313 [14] Ef 221-22 44-6 Fp 33 Hb 23-4 64-6 914 1029-31) Jaacute foi mencionado que existem textos nos quais se incluem dois membros da Trindade por um lado o Pai e o Filho (Rm 64 1Co 1524-28) por outro o Filho e o Espiacute-rito (Rm 1530 1Co 611 Fp 21 Hb 1029) onde ambos o Filho e o Es-piacuterito satildeo dispostos de forma igualitaacuteria a Deus Seria estranho considerar nestes textos um dos seres como natildeo tendo total divindade Aleacutem disso Paulo cita textos do Antigo Testamento que se referem a Yahweh e os aplica ao Espiacuterito Santo (exemplos Jr 3133-34 em Hb 1015-17 Ecircx 251 em Hb 98 Sl 957-11 em Hb 37-11 Is 644 em 1Co 29) O Espiacuterito derrama a graccedila amor divino ao crente (Rm 55 1530 2Co 66 Gl 516-17 Fp 21 Cl 18) e eacute poder de Deus (Rm 1513 19)

De igual forma ao Pai e ao Filho o Espiacuterito eacute eterno (Hb 914) onis-ciente (1Co 210-11) e eacute chamado de santo17 o que implica que sua san-tidade eacute a de Deus e por isso natildeo derivada das criaturas Como o Filho o Espiacuterito realiza atos que correspondem a Deus Eacute doador da vida tanto fiacutesica como espiritual (Rm 811 1Co 1545 2Co 36) testemunha da ado-ccedilatildeo do crente como filho de Deus (Rm 815) Atraveacutes dele o crente eacute lavado justificado e santificado (1Co 611) O Espiacuterito outorga dons espirituais

17 Rm 55 91 1417 1513 16 1Co 619 (2x) 2Co 66 1313 Ef 113 14 1Ts 15 6 48 519 2Tm 114 Tt 35-6 Hb 24 64 98 14 1015

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(1Co 126-11) para servir na missatildeo divina de salvar Dele eacute a fonte de ins-piraccedilatildeo da Bibliacutea (2Tm 316)

Pai Filho e Espiacuterito Santo trecircs pessoas distintasPara Paulo o Pai o Filho e o Espiacuterito satildeo seres ou pessoas distintas Eacute

comum concordar que o Pai e o Filho sejam pessoas diferentes mas vaacuterios teoacutericos questionam se o Espiacuterito seria uma terceira pessoa relacionada com o Pai e com o Filho ou se seria apenas uma forccedila ou poder impessoal que se associa a Deus ou mesmo emana dele O Espiacuterito eacute relacionado com o poder de Deus (Rm 14 1513 19 1Co 24 2Co 66-7 1Ts 15 2Tm 17) o qual nunca eacute impessoal Ele natildeo apenas representa o poder de Deus mas tambeacutem sua sabedoria (1Co 24 1218 Ef 117)

Note como Paulo apresenta o Pai o Filho e o Espiacuterito em accedilatildeo trina embora sejam seres diferentes ao explicar aos Efeacutesios sobre a revelaccedilatildeo do ldquomisteacuterio de Cristordquo

Certamente vocecircs ouviram falar da responsabilidade imposta a mim em favor de vocecircs pela graccedila de Deus isto eacute o ministeacuterio que me foi dado a conhecer por revelaccedilatildeo [dativo instrumental - inspi-rador] como jaacute lhes escrevi em poucas palavras [hellip] Esse ministeacuterio natildeo foi dado a conhecer aos homens doutras geraccedilotildees mas agora foi revelado pelo Espiacuterito aos santos apoacutestolos e profetas de Deus significando que diante do evangelho os gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da pro-messa em Cristo Jesus (Ef 32-6)

A principal funccedilatildeo ou papel do Espiacuterito eacute fazer conhecido o plano de Deus em Cristo o misteacuterio revelado E tambeacutem mostrar o Filho depois da ascensatildeo porque ldquoningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuterito Santordquo (1Co 123) Paulo demonstra que a obra salvadora de Jesus se relaciona diretamente com o ministeacuterio do Espiacuterito Santo e vice e versa Cristo ofereceu seu sacrifiacutecio expiatoacuterio pelos pecados da humanidade (Rm 86-8) e aplica os meacuteritos desse sacrifiacutecio por meio do ministeacuterio sacerdotal no santuaacuterio celestial (Hb 725) poreacutem eacute o Espiacuterito que faz eficaz o que realiza o Salvador do mundo (1Co 123)

O Espiacuterito prepara o caminho para a conversatildeo convencendo a cada in-diviacuteduo do pecado da justiccedila e do juiacutezo levando-lhe ao pleno conhecimento de Jesus e do evangelho (1Co 123) Produz arrependimento (Rm 24) gera feacute

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(1Co 129 Rm 123) e novo nascimento (Tt 35) sela o crente (Ef 113) teste-munhando que este pertence a Deus (Ef 114 2Co 121-22 55 Rm 822-23 Ef 430) produz crescimento (Gl 516 22 23) santificaccedilatildeo (Ro 83 5-10 1Co 611 2Ts 213) e serviccedilo (1Co 12 2Co 36) Neste processo de tornar efi-caz a obra de Cristo o Espiacuterito revela interpreta inspira fala testemunha envia conhece ensina guia intercede o que Paulo deixa claro em suas epiacutes-tolas ao usar πνεῡμα de forma nominativa genitiva acusativa e dativa

Πνεūμα em caso nominativo18

Usando o caso nominativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacute-rito realiza accedilotildees determinadas e especiacuteficas num fluxo do tempo e da histoacuteria

E dito aos crentes de Roma que ldquoo Espiacuterito de Deus viverdquo neles cuja evidecircncia eacute que ldquoentretanto vocecircs natildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuteritordquo (Rm 89-11)

Aos coriacutentios eacute dito que ldquosatildeo santuaacuterios de Deusrdquo e como tais ldquoo Es-piacuterito de Deus habitardquo neles (1Co 316) que ldquoo proacuteprio Espiacuterito testemunha ao nosso espiacuterito que somos filhos de Deusrdquo (Rm 816) e ldquonos ajuda em nossa fraquezardquo intercedendo ldquopor noacutes com gemidos inexprimiacuteveisrdquo (Rm 826) assim como ldquosonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profun-das de Deusrdquo (1Co 210) pois ldquoningueacutem conhece os pensamentos de Deus a natildeo ser o Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 211) Eacute dito tambeacutem que ldquoo Espiacuterito eacute o mesmordquo embora os dons que outorgue sejam diversos (1Co 124) sendo que ldquoo Espiacuterito [hellip] distribui individualmente a cada um como querrdquo (1Co 1211) ldquoVivificardquo o crente (2Co 36) e ldquoonde estaacute o Espiacuterito do Senhor19 ali haacute liberdaderdquo (2 Co 317)

Paulo lembra aos Gaacutelatas de que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (Gl 517) a Timoacuteteo eacute dito que ldquoo Espiacuterito diz claramente que nos uacuteltimos tempos alguns abandonaratildeo a feacute e seguiratildeo espiacuteritos enganadores e doutrinas de democircniosrdquo (1Tm 41) jaacute aos Hebreus eacute afirmado que ldquoassim como diz o Espiacuterito Santo hoje se vocecircs ouvirem a sua voz natildeo endureccedilam o coraccedilatildeo como na rebeliatildeo durante o tempo da provaccedilatildeo no desertordquo de Cades Barnea (Hb 37 8) e tambeacutem que o Espiacuterito Santo nos testifica a

18 Nesse caso πνεῡμα funciona como sujeito indicando quem faz a accedilatildeo verbal ou como nuacutecleo do predicado nominal descrevendo o sujeito da oraccedilatildeo19 Para Dunn o ldquolsquoEspiacuterito do Senhorrsquo aqui eacute o Espiacuterito de Deus = lsquoo Senhorrsquo de Ecircxodo 3434rdquo (DUNN 1998b p 419-425)

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respeito da nova alianccedila que Jeovaacute prometeu realizar ldquoPorei minhas leis em seu coraccedilatildeo e as escreverei em sua mente [hellip] Dos seus pecados e iniquida-des natildeo me lembrarei maisrdquo (Hb 1015-17)

Πνεūμα em caso genitivo20

Usando o caso genitivo Paulo faz afirmaccedilotildees nas quais se descreve o Espiacuterito como sendo origem fonte procedecircncia ou posse de algum bem coisa ou serviccedilo

Aos Romanos ele declara que ldquoem Cristordquo o ldquoEspiacuterito de vidardquo (geni-tivo - posse) liberta da lei do pecado e da morte (Rm 82) que ldquoquem vive de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (genitivo - procedecircncia) (Rm 85) jaacute que a ldquomentalidade do Espiacuterito (geni-tivo - procedecircncia) eacute vida e pazrdquo (Rm 86) acrescenta que os que tecircm ldquoos primeiros frutos do Espiacuteritordquo (genitivo - posse) aguardam a redenccedilatildeo de seus corpos (Rm 823) e que ldquoAquele que sonda os coraccedilotildees conhece a intenccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) o qual ldquointercede pelos santos de acordo com a vontade de Deusrdquo (Rm 827)

Aos Coriacutentios o apoacutestolo lhes informa que natildeo lhes falou nem pregou ldquoem palavras persuasivas de sabedoria mas consistiram em demonstraccedilatildeo do poder do Espiacuterito (genitivo - procedecircncia) para que a feacuterdquo deles ldquonatildeo se baseasse em sabedoria humana mas no poder de Deusrdquo (1Co 24 5) isto eacute

ldquonatildeo com palavras ensinadas pela sabedoria humana mas com palavras en-sinadas pelo Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (1Co 213) que ldquoquem natildeo tem o Espiacuterito natildeo aceita as coisas que vem do Espiacuterito de Deus (genitivo - procedecircncia) pois lhes satildeo loucurardquo (1Co 214) Ainda abordando a Igreja de Corinto Paulo menciona que ldquoo corpordquo fiacutesico do crente eacute um ldquotemplo do Espiacuterito Santo (genitivo - posse) [hellip] dado por Deusrdquo (1Co 619) ele diz tambeacutem que ldquoa cada um poreacutem eacute dada a manifestaccedilatildeo do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) para o bem comum (1Co 127) Aleacutem disso Paulo assinala que Deus tem ldquodado o penhor do Espiacuterito (genitivo - posse) em nossos coraccedilotildees como garantia do que estaacute por virrdquo (2Co 122 55 [geni-tivo - posse]) Ele acrescrenta que Deus daacutendo-nos o Espiacuterito ldquonos fez competentes como ministros de uma nova alianccedila natildeo da letra mas do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (2Co 36) Para Paulo ldquoo ministeacuterio do

20 Neste caso πνεῡμα descreve (no sentido de possessatildeo origem procedecircncia) define e limita o substantivo o adjetivando ou o qualificando

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Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) eacute mais glorioso que o ministeacuterio da letra (2Co 38) O apoacutestolo termina sua segunda carta aos Coriacutentios desejando que ldquoa comunhatildeo do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) seja com todos (2Co 1313 [14])

Aos Gaacutelatas lhes faz lembrar que ldquomediante a feacuterdquo se recebe ldquoa pro-messa do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Gl 314) Indica-lhes que ldquoo fruto do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute amor alegria paz paciecircncia ama-bilidade bondade fidelidade mansidatildeo e domiacutenio proacutepriordquo (Gl 522) Jaacute com os Efeacutesios os desafia a se esforccedilarem ldquopara conservar a unidade do Espiacuteritordquo (genitivo - procedecircncia) (Ef 43) e revela que ldquoa espada do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) eacute a palavra de Deusrdquo (Ef 617) No caacutercere confessa aos Filipenses que se alegra em suas prisotildees porque sabe que graccedilas a suas oraccedilotildees e ldquoao auxiacutelio do Espiacuterito de Jesus Cristordquo (genitivo - procedecircncia) tudo resultaraacute em libertaccedilatildeo (Fl 119)

Aos de Tessalocircnica reconhece que apesar de muitas afliccedilotildees ldquorecebe-ram a palavra com a alegria que vem do Espiacuterito Santordquo (genitivo - proce-decircncia) (1Ts 16) Agradece a Deus porque ldquodesde o princiacutepio Deus os es-colheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espiacuterito (genitivo

- procedecircncia) e a feacute na verdaderdquo (2Ts 213) E na carta a Tito disse que Deus ldquonos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espiacuterito Santordquo (genitivo - procedecircncia) (Tt 35)

O uso de πνεῡμα no caso genitivo com preposiccedilotildees eacute revelador Paulo diz aos de Roma que ldquoDeus derramou seu amor em nossos coraccedilotildees por meio do Espiacuterito Santo (genitivo - descriccedilatildeo) que Ele nos concedeurdquo (Rm 55) e Deus ldquodaraacute vidardquo aos ldquocorpos mortais por meio do Espiacuteritordquo (geniti-vo - descriccedilatildeo) (Rm 811) entatildeo deseja que ldquoo Deus da esperanccedila os encha de toda alegria e paz por sua confianccedila nEle para que vocecircs transbordem de Esperanccedila pelo poder do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) (Rm 1513) Tam-beacutem recomenda que ldquopor nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) se unam com o apoacutestolo em sua missatildeo orando a Deus por ele (Rm 1530)

A igreja em Corinto lhes declara que embora ldquoolho nenhum viu ouvi-do nenhum ouviu mente humana nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam [hellip] Deus o revelou a noacutes por meio do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) O Espiacuterito sonda todas as coisas ateacute mesmo as coisas mais profundas de Deusrdquo (1Co 29-10)

Aos Gaacutelatas diz que ldquoa carne deseja o que eacute contraacuterio ao Espiacuteritordquo (ge-nitivo - descriccedilatildeo) (Gl 517) que ldquoquem semeia para o Espiacuterito (genitivo

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- descriccedilatildeo) do Espiacuterito (genitivo - descriccedilatildeo) colheraacute a vida eternardquo (Gl 68) Para os de Eacutefeso informa que pede ao Pai que ldquocom suas gloriosas riquezas [hellip] por meio do seu Espiacuteritordquo (genitivo - descriccedilatildeo) fortaleccedila o iacutentimo do ser deles (Ef 314-16) Recomenda a Timoacuteteo que ldquopor meio do Espiacuterito Santordquo (genitivo - descriccedilatildeo) cuide dos preciosos ensinamentos que lhe foi confiado (2Tm 114)

Πνεūμα em caso acusativo21

Usando o caso acusativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Es-piacuterito estaacute envolvido em accedilotildees especiacuteficas no fluxo do tempo e da histoacuteria

Ele afirma aos membros de Corinto que ldquonatildeo recebemos o espiacuterito do mundo mas o Espiacuterito procedente de Deus para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamenterdquo (1Co 212) Pergunta aos Gaacutelatas

ldquofoi pela praacutetica da Lei que vocecircs receberam o Espiacuterito ou pela feacute naquilo que ouviram [hellip] Aquele que lhes daacute o seu Espiacuterito e opera milagres entre vocecircs realiza estas coisas pela praacutetica da Lei ou pela feacute com a qual receberam a palavrardquo (Gl 32 5) Diz-lhes que ldquoDeus enviou o Espiacuterito de seu Filho ao coraccedilatildeo de vocecircs e Ele clama Aba Pairdquo (Gl 46)Paulo exorta os Efeacutesios que ldquonatildeo entristeccedilam o Espiacuterito Santo de Deus com o qual vocecircs foram se-lados para o dia da redenccedilatildeordquo (Ef 430) Aos Tessalonicenses diz que aquele que rejeita o chamado agrave santidade ldquonatildeo estaacute rejeitando o homem mas a Deus que lhes daacute seu Espiacuterito Santordquo e lhes exorta ldquonatildeo apaguem o Es-piacuteritordquo (1Ts 48 519) Aos destinataacuterios da homilia aos Hebreus pergunta

ldquoQuatildeo mais severo castigo julgam vocecircs merece aquele que pisou aos peacutes o Filho de Deus profanou o sangue da alianccedila pelo qual ele foi santificado e insultou o Espiacuterito da graccedilardquo (Hb 1029)

Numa construccedilatildeo preposicional no caso acusativo Paulo afirma aos leitores Romanos que ldquoo Evangelho fala do Filho [de Deus]rdquo o qual de acor-do com a natureza humana era descendente de Davi mas que ldquomediante o Espiacuterito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder pela sua ressur-reiccedilatildeo entre os mortosrdquo (Rm 14) e que ldquoDeus [hellip] enviando seu proacuteprio Fi-lho [hellip] como oferta pelo pecado [hellip] a fim de que as justas exigecircncias da Lei fossem plenamente satisfeitas em noacutes que natildeo vivemos segundo a carne mas segundo o Espiacuteritordquo E declara que aqueles ldquovivem de acordo com o Espiacuterito tem a mente voltada para o que o Espiacuterito desejardquo (Rm 83-5)

21 Neste caso πνεῡμα eacute o objeto direto do verbo complementando seu significado

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Πνεūμα em caso dativo22

Usando o caso dativo Paulo apresenta afirmaccedilotildees nas quais o Espiacuterito eacute o lugar meio agencia ou instrumento do qual utiliza o sujeito para realizar certa accedilatildeo expressada pelo verbo

Aos leitores em Roma afirma que eles ldquonatildeo estatildeo sob o domiacutenio da carne mas do Espiacuterito (locativo - esfera) se de fato o Espiacuterito de Deus ha-bitardquo neles (Rm 89) portanto ldquose pelo Espiacuterito (instrumental - agente) fi-zerem morrer os atos do corpo viveratildeordquo (Rm 813) Afirma tambeacutem que

ldquotodos os que satildeo guiados pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) satildeo filhos de Deusrdquo (Rm 814) Paulo confessa que tem ldquouma grande tristezardquo e

ldquoconstante angustiardquo pois desejaria ser ldquoamaldiccediloado e separado de Cristo por amorrdquo de seus ldquoirmatildeosrdquo de sua proacutepria ldquoraccedila o povo de Israelrdquo ldquoNatildeo mintordquo disse Paulo ldquominha consciecircncia o confirma no Espiacuterito Santordquo (lo-cativo - esfera) (Rm 91-4)

Em exortaccedilatildeo pede que ldquoaceitem o que eacute fraco na feacuterdquo e explica que ldquoo Reino de Deus natildeo eacute comida nem bebida mas justiccedila paz e alegria no Es-piacuterito Santordquo (instrumental - agente) Tambeacutem acrescenta que ldquoaquele que assim serve a Cristo eacute agradaacutevel a Deus e aprovado pelos homensrdquo (Rm 14 1 17 18) Como ministros dos gentios Paulo manifesta a seus leitores em Roma que tem ldquoo dever sacerdotal de proclamar o evangelho de Deus para que os gentios se tornem uma oferta aceitaacutevees a Deus santificados pelo Espiacuterito Santordquo (Rm 1516)

Em sua correspondecircncia aos crentes em Corinto Paulo destaca a fun-ccedilatildeo instrumental do Espiacuterito ao fazer com que venham a entender em ter-mos categoacutericos que ldquoningueacutem que fala pelo Espiacuterito de Deus (instrumental

- inspirador) diz lsquoJesus seja amaldiccediloadorsquo e ningueacutem pode dizer lsquoJesus eacute o Senhorrsquo a natildeo ser pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) (1Co 123) Referindo-se aos dons espirituais ele declara que Deus daacute a alguns ldquofeacute pelo mesmo Espiacuterito A outros dons de curar pelo uacutenico Espiacuteritordquo (instrumental

- agente) (1Co 129) ldquoTodosrdquo afirma o apoacutestolo ldquoem um soacute corpo fomos batizados em um uacutenico Espiacuterito (locativo - elemento) quer judeus quer gre-gos quer escravos quer livresrdquo (1Co 1213)

Paulo declara que ldquoquem fala em uma liacutengua natildeo fala aos homens mas a Deus De fato ningueacutem entende em Espiacuterito (instrumental - modo)

22 Neste caso πνεῡμα expressa lugar agecircncia ou instrumento com o qual se faz algo Indica o instrumento o meio do que se utiliza o sujeito para realizar uma accedilatildeo verbal

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fala misteacuteriosrdquo(1Co 142) Ele reconhece que os coriacutentios satildeo ldquouma carta de Cristo [hellip] escrita natildeo com tinta mas com o Espiacuterito do Deus vivo (ins-trumental - agente) natildeo em taacutebuas de pedra mas em taacutebuas de coraccedilotildees humanosrdquo (2Co 33) a eles mostra que o testemunho serve com ldquopureza conhecimento paciecircncia e bondade no Espiacuterito Santo (dativo - acampa-nhamento) e no amor sincerordquo (2Co 66)

Pergunta aos Gaacutelatas em processo de apostasia ldquodepois de ter comeccedila-do pelo Espiacuteritordquo (instrumental - agente) ldquoquerem agora se aperfeiccediloar pelo esforccedilo proacutepriordquo(Gl 33) a quem recomenda ldquoVivam pelo Espiacuteritordquo (ins-trumental - agente) (Gl 516) porque ldquose vocecircs guiados pelo Espiacuterito (ins-trumental - agente) natildeo estatildeo debaixo da Leirdquo (Gl 518) Por fim os exorta que se deixem guiar pelo Espiacuterito (instrumental - agente) jaacute que o Espiacuterito eacute vida (instrumental - agente) (Gl 525)

Paulo lembra aos crentes de Eacutefeso que quando ouviram e creram na palavra da verdade ldquoforam selados em Cristo com o Espiacuterito Santordquo (instru-mental - elemento) (Ef 113) Declara que atraveacutes de Cristo ldquotemos acesso ao Pai por um soacute Espiacuteritordquo (locativo - esfera) (Ef 218) por cujo Espiacuterito (locativo - esfera) ldquoestatildeo sendo edificados juntos para se tornarem morada de Deus por seu Espiacuteritordquo (Ef 222) Passa a explicar que o misteacuterio de Jesus o plano da graccedila de Deus era oculto a outras geraccedilotildees mas ldquofoi revelado pelo Espiacuteritordquo (instrumental - inspirador) ldquoos gentios satildeo coerdeiros com Israel membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesusrdquo (Ef 32-6) Portanto ldquonatildeo se embriaguem com vinho que leva a li-bertinagem mas deixem-se encher pelo Espiacuteritordquo (instrumental - elemento) (Ef 518) Finalmente lhes aconselha a empunhar um elemento relevante da armadura cristatilde ldquoOrem no Espiacuterito (instrumental - inspirador) em todas as ocasiotildees com toda oraccedilatildeo e suacuteplicardquo (Ef 618)

Paulo exorta aos irmatildeos filipenses em termos metafoacutericos muito duros em razatildeo da dissidecircncia ldquoCuidado com os lsquocatildeesrsquo cuidado com esses que praticam o mal cuidado com a falsa circuncisatildeordquo e explica o porque ldquopois noacutes eacute que somos a circuncisatildeo noacutes que adoramos pelo Espiacuterito de Deus (instrumental - agente) que nos gloriemos em Cristo Jesus e natildeo temos confianccedila alguma na carnerdquo (Fl 32-3) Acerca do Deus encarnado Jesus Cristo o ldquogrande misteacuterio da piedaderdquo Paulo diz a Timoacuteteo ldquoDeus foi manifestado em corpo justificado no Espiacuterito (locativo - esfera)rdquo(1Tm 316) Quem eacute esse do qual Paulo fala em suas epiacutestolas Quem eacute Ele Nessas epistolas Ele eacute o protagonista e responsaacutevel de atos histoacutericos em quem se originam certas realidades e do qual procedem outras Ele eacute o agente instrumental Afinal quem eacute Ele

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Consideraccedilotildees finaisDepois de ter explorado parcialmente o uso teoloacutegico de πνεῡμα nas

epiacutestolas paulinas pode-se concluir que

1) A maioria das afirmaccedilotildees teoloacutegicas de Paulo ao usar πνεῡμα anali-sadas mais detidamente em seu contexto histoacuterico literaacuterio e teoloacutegico parecem ser axiomaacuteticas Satildeo proposiccedilotildees maacuteximas ou verdades que o apoacutestolo assume mas natildeo explica embora constituam um fundamento de sua pneumatologia a subestrutura de seu pensamento

2) Paulo eacute trinitaacuterio Entende que Deus eacute verdadeiramente um embora sejam trecircs Os trecircs satildeo plenamente Deus Cada um dos trecircs eacute diferente dos outros Os trecircs existem e se relacionam eterna e funcionalmente como Pai Filho e Espiacuterito Santo

3) Paulo chama o Espiacuterito Santo de ldquoEspiacuterito de Deusrdquo e ldquoEspiacuterito de Cristordquo o que pressupotildee a divindade do Espiacuterito a existecircncia de trecircs seres distintos e a unidade trina em natureza propoacutesito e missatildeo

4) O Espiacuterito Santo eacute para Paulo um ser real histoacuterico e atual Natildeo uma simples forccedila ou um poder vago efeito ou energia impessoal Eacute a presenccedila pessoal e plena de Deus que habita em seu povo

5) A possessatildeo plena do Espiacuterito Santo soacute eacute possiacutevel ldquoem Cristordquo Natildeo eacute uma possessatildeo da humanidade em geral

6) O Espiacuterito Santo eacute o agente divino na missatildeo evangeacutelica do corpo de Cristo capacitando o instrumento humano na transmissatildeo da mensa-gem confirmando a verdade nos ouvintes transformando seus cora-ccedilotildees e assegurando-lhes que satildeo filhos de Deus

7) Todo crente em Cristo expressa agrave presenccedila visiacutevel do Espiacuterito Santo pelas suas atitudes forma de pensar falar e agir

8) O Espiacuterito Santo conduz o crente a uma vida em santidade e teste-munho desenvolvendo uma dimensatildeo eacutetica moral e espiritual que eacute unicamente possiacutevel por meio dele

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9) Pela razatildeo de que o crente eacute membro do corpo de Cristo tem uma funccedilatildeo especiacutefica outorgada pelo Espiacuterito um ministeacuterio particular para executar em missatildeo

10) As accedilotildees do Deus trino na histoacuteria da salvaccedilatildeo eacute a pressuposiccedilatildeo hermenecircutica fundamental na interpretaccedilatildeo e compreensatildeo do uso teoloacutegico de πνεῡμα nas epiacutestolas paulinas

No contexto do grande conflito Paulo expotildee uma clara compreensatildeo trinitaacuteria e fundamental do plano de salvaccedilatildeo Cristo eacute a figura central o grande protagonista no ato da salvaccedilatildeo o cordeiro providenciado por Deus que tira os pecados do mundo sentado aacute destra da Majestade nas al-turas eacute o sumo sacerdote rei e juiz ministro no Santuaacuterio Celestial autor e consumador da salvaccedilatildeo

Enquanto o Filho eacute redentor em seu sacerdoacutecio expiatoacuterio pleno o Es-piacuterito permite agrave humanidade descobri-lo se apropriar da salvaccedilatildeo oferecida reconhececirc-lo como Senhor (1Co 123) e restaurar sua plena relaccedilatildeo com Deus (Ef 218) No entanto as origens desta histoacuteria de salvaccedilatildeo como sua execuccedilatildeo provecircm das matildeos de Deus o Pai o qual ldquotudo sujeitou debaixordquo dos peacutes de Cristo ldquoQuando poreacutem tudo lhe estiver sujeito entatildeo o proacuteprio Filho se sujeitaraacute agravequele que todas as coisas lhe sujeitaram afim de que Deus seja tudo em todosrdquo (1Co 1527-28)

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Enviado dia 06112012Aceito dia 20122012

144 mil sua identidade e o propoacutesito da Igreja

The 144000 their identity and purpose for the church

Mabio Coelho1

ResumoAbstract

Muito se fala sobre os 144 mil o misterioso grupo introduzido no capiacute-tulo 7 de Apocalipse As especulaccedilotildees e teorias sobre esse grupo tecircm fascinado os estudiosos da Biacuteblia atraveacutes dos seacuteculos Sem se deter

muito em todas as vaacuterias teorias este artigo resume as teorias mais conhecidas aglutinando-as em 4 grandes grupos para entatildeo introduzir quais caracteriacutesticas deste grupo satildeo autoevidentes no texto Biacuteblico e a relaccedilatildeo que elas tecircm com a Igreja hoje vivendo nos momentos finais do tempo do fimPalavras-chave 144 mil Igreja Identidade

Much is said about the 144000 the mysterious group introduced in Chap-ter 7 of Revelation Speculation and theories about this group have fas-cinated scholars of the Bible through the centuries Without dwelling

much in all the various theories this article summarizes the best known theories coalescing them into 4 groups to outline which characteristics of this group are self-evident in the Biblical text and the relationship they have with the Church today living in the final moments of the end-timeKeywords 144000 Church Identity

O capiacutetulo sete de Apocalipse eacute um capiacutetulo parenteacutetico exatamente entre os eventos catacliacutesmicos do sexto e seacutetimo selo que narra uma cena

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Engenheiro de Telecomunicaccedilotildees com Mestrado em Engenharia de Software pela SIACSMU (Southern Methodist University) e Doctor of Professional Studies (DPS) em Seguranccedila de Informaccedilatildeo pela SICACPace

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escatoloacutegica muito significativa o selamento dos 144 mil Atraveacutes dos seacutecu-los a identificaccedilatildeo deste grupo tem deixado perplexos os leitores que bus-cam uma identificaccedilatildeo positiva e inequiacutevoca

Natildeo eacute o propoacutesito deste artigo esgotar o assunto dos 144 mil mas pro-curar prover informaccedilotildees relevantes para identificaacute-los extraindo suas ca-racteriacutesticas principais e procurando descobrir como eles se relacionam com o propoacutesito de Deus para sua Igreja Assim seratildeo revistos de maneira breve as principais teorias sobre este grupo para entatildeo se examinar com mais pro-fundidade ndash mesmo que natildeo se chegue a uma identificaccedilatildeo total e inequiacute-voca ndash as caracteriacutesticas dos ldquoseladosrdquo que podem ser compreendidas de maneira clara agrave luz das Escrituras As perguntas a serem respondidas satildeo 1) Quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que permitem tra-ccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil e 2) Qual eacute a sua relaccedilatildeo com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje

O textoA periacutecope analisada vai de Apocalipse 71 ateacute 717 Essa delimitaccedilatildeo

foi deduzida do fluxo natural do texto pois desde Apocalipse 61 ateacute 617 uma sucessatildeo de eventos acontecem como consequecircncia da abertura de cada um dos seis primeiros selos dos sete descritos no comeccedilo da sequecircncia A sequecircncia eacute interrompida entre o sexto e o seacutetimo selo como num interluacutedio no capiacutetulo sete

Ao analisarmos o texto grego encontrou-se 39 variantes2 natildeo tra-zendo alteraccedilotildees significativas no texto que modificassem o entendimen-to da identidade e das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil Como texto-base para este artigo seraacute utilizada a versatildeo Joatildeo Ferreira de Almeida Revista e Atualizada (ARA)

Depois disto vi quatro anjos em peacute nos quatro cantos da ter-ra conservando seguros os quatro ventos da terra para que ne-nhum vento soprasse sobre a terra nem sobre o mar nem sobre aacutervore alguma Vi outro anjo que subia do nascente do sol tendo o selo do Deus vivo e clamou em grande voz aos quatro anjos

2 9 variantes no verso 1 1 no verso 2 5 no verso 3 1 em cada um dos versos 4567 e 8 6 no verso 9 3 no verso 10 1 no verso 12 1 no verso 13 4 no verso 14 1 em cada um dos versos 15 e 16 e 2 no verso 17

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aqueles aos quais fora dado fazer dano agrave terra e ao mar dizendo Natildeo danifiqueis nem a terra nem o mar nem as aacutervores ateacute selarmos na fronte os servos do nosso Deus Entatildeo ouvi o nuacute-mero dos que foram selados que era cento e quarenta e quatro mil de todas as tribos dos filhos de Israel da tribo de Judaacute foram selados doze mil da tribo de Ruacuteben doze mil da tribo de Gade doze mil da tribo de Aser doze mil da tribo de Naftali doze mil da tribo de Manasseacutes doze mil da tribo de Zebulom doze mil da tribo de Joseacute doze mil da tribo de Benjamim foram selados doze mil Depois destas coisas vi e eis grande multidatildeo que ningueacutem podia enumerar de todas as naccedilotildees tribos povos e liacutenguas em peacute diante do trono e diante do Cordeiro vestidos de vestiduras brancas com palmas nas matildeos e clamavam em grande voz dizendo Ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeiro pertence a salvaccedilatildeo Todos os anjos estavam de peacute rodeando o trono os anciatildeos e os quatro seres viventes e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto e adoraram a Deus di-zendo Ameacutem O louvor e a gloacuteria e a sabedoria e as accedilotildees de graccedilas e a honra e o poder e a forccedila sejam ao nosso Deus pe-los seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem Um dos anciatildeos tomou a palavra dizendo Estes que se vestem de vestiduras brancas quem satildeo e donde vieram Respondi-lhe meu Senhor tu o sabes Ele en-tatildeo me disse Satildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeo lava-ram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro razatildeo por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuaacuterio e aquele que se assenta no trono es-tenderaacute sobre eles o seu tabernaacuteculo Jamais teratildeo fome nunca mais teratildeo sede natildeo cairaacute sobre eles o sol nem ardor algum pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os apascentaraacute e os guiaraacute para as fontes da aacutegua da vida E Deus lhes enxugaraacute dos olhos toda laacutegrima (Ap 11-17)

Contexto histoacutericoO autor do Apocalipse identifica-se vaacuterias vezes como ldquoJoatildeordquo (ver

Ap 11 4 9 228) O autor tambeacutem afirma que estava na ilha de Pat-mos quando recebeu sua primeira visatildeo (Ap 119) Apesar de natildeo ser

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explicitamente nomeado entende-se que o autor do livro tenha sido o apoacutestolo Joatildeo isto por uma tradiccedilatildeo muito antiga que se harmoniza com as informaccedilotildees fornecidas pelo o texto biacuteblico O The Seventh-day Adven-tist Bible Commentary (SDABC) afirma

Quase por unanimidade a tradiccedilatildeo cristatilde reconhece-o como o autor do Apocalipse Na verdade todo escritor cristatildeo ateacute mea-dos do seacuteculo 3ordm cujas obras ainda existem hoje e que menciona o assunto de alguma forma atribui o Apocalipse de Joatildeo o apoacutes-tolo (NICHOL 2002 p 716)

Esses escritores satildeo Justino Maacutertir em Roma (c100-c165 dC em ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo) Irineu de Liatildeo (c130-c202 dC em ldquoContra as Heresiasrdquo v iv) Tertuliano de Cartago (c160-c240 dC em ldquoPrescriccedilatildeo contra Hereacuteticosrdquo) Hipoacutelito de Roma (morreu c220 dC em ldquoQuem eacute o homem rico seraacute salvordquo v Xlii) Eacute tambeacutem apoiado pelo testemunho desses autores que o livro foi escrito num contexto de perseguiccedilatildeo religiosa3

Contexto literaacuterioO livro do Apocalipse de acordo com a maioria dos especialistas tem

a forma literaacuteria de apocaliacuteptica biacuteblica (AUNE 2002 p lxxxii NICHOL 2002 p 724) Kenneth A Strand propotildee que o livro aleacutem de um proacutelogo e epiacutelogo possui oito visotildees principais dispostas numa estrutura quiaacutesti-ca enfatizando os capiacutetulos 14 e 15 como pivocirc central com um interluacutedio profeacutetico com exceccedilatildeo da primeira e da uacuteltima (STRAND 1992a) cada uma das visotildees satildeo introduzidas por cenas de vitoacuteria (ver NEAL 1992) Mesmo que alguns teoacutelogos e estudantes do livro de Apocalipse fiquem desconfortaacuteveis com a superutilizaccedilatildeo de ldquoquiasmosrdquo mesmo onde eles natildeo existam os paralelismos temaacuteticos em Apocalipse satildeo evidentes entre as visotildees estruturadas conforme sugeridas por Strand Em anos recentes foi proposto pelo teoacutelogo adventista Jacques Doukan que essas oito visotildees

3 Para um apanhado geral do debate sobre a autoria joanina de Apocalipse local e data da composiccedilatildeo veja a introduccedilatildeo do comentaacuterio sobre o livro do Apocalipse no SDABC (NICHOL 2002 p 715-720) para mais detalhes sobre a rejeiccedilatildeo da autoria joanina por uma parte significativa do escolasticismo moderno consulte a introduccedilatildeo do comentaacuterio de Apocalipse no World Biblical Commentary (AUNE 2002 p xlvii-lvi)

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baacutesicas poderiam ser agrupadas em uma estrutura seacutetupla pois cada cena introdutoacuteria ldquoretorna ao templo com uma nota lituacutergica que faz alusatildeo ao calendaacuterio das grandes festas santas de Israel (como prescrito em Leviacutetico 23)rdquo (DOUKHAN 2002 p 13-14)

Kenneth Strand procura delinear as influecircncias da estrutura literaacuteria e dos temas e siacutembolos veterotestamentaacuterios na interpretaccedilatildeo do livro do Apocalipse (STRAND 1992b p 28-24 24-25) Reinaldo Siqueira (2004 p 85-101) expande estas ideias sugerindo que o Apocalipse natildeo soacute utiliza-se de figuras to Antigo Testamento mas ajuda a explicar e definir o sentido das profecias claacutessicas ligando ambas claacutessica e apocaliacuteptica Estas ideias de fato natildeo satildeo de todo novas ou estranhas tanto entre cristatildeos de confissatildeo adventistas (ver NEAL 1992 PAULIEN 1995 TREIYER 1992 p 466-468) quanto evangeacutelicos (ver DRAPER 1983 LAacuteSZLOacute GALLUSZ 2011 p 122-124 SWEET 1979 ULFGARD 1989 p 2-5 35-41) e catoacutelicos (ver KOESTER 1989) Tais discussotildees da influecircncia dos motivos do santuaacuterio e festas de Israel natildeo satildeo estranhas ou novas ateacute mesmo seio do judaiacutesmo (SINGER ADLER 1912 p 390)

Com uma nota final sobre a estrutura geral do livro Richard Davidson (1992 p 115-116) salienta que as cenas introdutoacuterias quando comparadas umas com as outras mostram uma progressatildeo dos ldquoacontecimentos pro-feacuteticosrdquo enquanto as seccedilotildees que introduzem geralmente apresentam uma recapitulaccedilatildeo Sobre esses relacionamentos entre as seccedilotildees do livro de Apo-calipse Bruce Metzger (1994 p 55-54) mesmo concebendo uma estrutura literaacuteria diferente (por exemplo diferente agrupamento de visotildees) do que a proposta neste artigo sumariza

Seguindo esse padratildeo complicado e repetitivo Joatildeo preserva a unidade em seu trabalho travando as diversas partes umas as outras e ao mesmo tempo desenvolvendo seus temas O desen-volvimento poreacutem natildeo eacute de forma estritamente loacutegica como estamos familiarizados com a escrita ocidental eacute sim um pro-duto da mente semita que atravessa toda a imagem novamente e novamente Assim os sete selos e as sete trombetas essencial-mente a mesma coisa dizer cada vez enfatizando um ou outro aspecto do todo

A estrutura proposta desenvolvida com base nos princiacutepios menciona-dos acima estaacute ilustrada na proacutexima paacutegina por uma figura

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Figura 1 Estrutura do LivroTexto que sugerem paralelos na estrutura Quiaacutestica do ApocalipseCopilados pelo Dr K A Strand

A periacutecope esta inserida no terceiro bloco da estrutura proposta na Figura 1 acima

Estrutura da periacutecopeSugere-se a seguinte estrutura para a periacutecope estudada (Ap 7) I ndash Os 144 mil Selados e o Selo de Deus ndash 71-8 a) O Selo Protetor de Deus ndash 71-3 b) O selamento do povo de Deus ndash 74-8 II ndash O Povo de Deus Glorificado ndash 79-17 a) A visatildeo e o Cacircntico dos salvos ndash 79-12 b) A descriccedilatildeo dos salvos ndash 713-17 i ndash O Caraacuteter dos salvos ndash 713-15 ii ndash Promessas especiais aos salvos ndash 716-17

Textos paralelosApocalipse 141-5 apresenta-se como um claro paralelo das partes da

periacutecope estudada Outro paralelo natildeo tatildeo evidente que lanccedila luz sobre agrave

1113

178

A1Proacutelogo11-10a

A1

2735

312312314

27 11

B1Igreja

Militante110b-322

B1

A2

226227

221213

A2Epiacutelogo226-21

E

146 a 154

Suma Escatoloacutegica

Final

42465135662

61561179

71-3715717610

C1Accedilatildeo Divinaem Curso

41-81

C1 C2

1941916197919111918198213214192

C2Juiacutezo DivinoConcluiacutedo191-214

B2

22221272110224215217

B2Igreja

Triunfante215-225

D1

Advertecircnciaaos iacutempios82-1118

8788

81081292

9141115

PoderesOponentes a Deus e a Seu

Povo

1119-1420

1119121

123131

D2

Puniccedilatildeoaos iacutempios

PoderesOponentes

julgados por Deus

151-1617

162163164168

161016121617

1618-1824

161821171173

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identidade e o caraacuteter dos 144 mil eacute o capiacutetulo 9 de Ezequiel Ambos seratildeo brevemente abordados posteriomente para ldquoclarearrdquo o entendimento em re-laccedilatildeo ao caraacuteter dos 144 mil e o propoacutesito de Deus para sua Igreja

Motivos literaacuteriosO livro de apocalipse estaacute repleto de instacircncias que mostram como as

promessas da alianccedila sobre um futuro glorioso iratildeo se cumprir (SIQUEIRA 2004 p 98) O Capiacutetulo 7 desenvolve os temas do concerto introduzidos nos capiacutetulos anteriores (AUNE 2002 p 247)

Becircnccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedilaTanto no Pentateuco quanto no livro de Apocalipse o tema das

benccedilatildeos e maldiccedilotildees da alianccedila estatildeo presentes delineando as con-sequecircncias da obediecircncia ou desobediecircncia (SHEA 1983) Como no Pentateuco o livro do Apocalipse inicia com a enunciaccedilatildeo da alian-ccedila ndash enfatizando basicamente 1) a bondade anterior do soberano e 2) estabelecendo a benevolecircncia do mesmo como parte das estipulaccedilotildees

ndash enquanto o resto do livro delineia o que acontece em consequecircncia do cumprimento ou violaccedilatildeo da alianccedila (STRAND 1983)

Na periacutecope estudada vemos os 144 mil de peacute no monte de Siatildeo en-quanto que no outro lado do quiasmo (veja a Figura 1) no capiacutetulo 19 a besta o falso profeta e os adoradores da besta satildeo lanccedilados no lago de fogo

TribulaccedilatildeoO capiacutetulo sete inicia a descriccedilatildeo de um periacuteodo na histoacuteria da terra onde

os ldquoquatro ventosrdquo estatildeo sendo seguros para que natildeo causassem nenhum mal ao soprar ldquona terra no mar ou em qualquer aacutervorerdquo (v 1-3) Na sequecircncia na segunda parte da periacutecope (v 14) encontra-se uma referecircncia agravequeles que escaparam da ldquogrande tribulaccedilatildeordquo provavelmente o mesmo evento descrito nos versos 1-3 apoacutes o acontecimento sob a perspectiva dos salvos

O vocaacutebulo grego utilizado eacute θλιψεως derivado de θλῖψις Pesqui-sando as ocorrecircncias do termo na LXX no contexto profeacutetico encontra-se a ocorrecircncia de uma construccedilatildeo muito similar em Daniel 121 que fala de um ldquotempo de anguacutestia qual nunca houve desde que houve naccedilatildeo ateacute agravequele tempordquo aparecendo no final da narrativa ldquoapocaliacutepticardquo de Daniel no con-texto do ataque final do rei do norte No sermatildeo profeacutetico conforme narrado por Mateus e Marcos Jesus faz referecircncia agrave ldquogrande tribulaccedilatildeordquo de Daniel

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aplicando-a primeiramente agrave destruiccedilatildeo do templo e a um periacuteodo posterior de perseguiccedilatildeo que se estende ateacute a sua volta (ver Mt 2415-30 Mc 1314-20)

Nestas passagens Jesus associa esta tribulaccedilatildeo com outro evento men-cionado por Daniel a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo como verte a Almeida Revista e Atualizada (ARA) ou o ldquogrande terrorrdquo como o faz a Nova Ver-satildeo Internacional (NVI) Segundo Beatrice Neal (1992 p 253 grifo nosso) Daniel identifica trecircs ocasiotildees onde a ldquoabominaccedilatildeo desoladorardquo atingiria o templo e atacaria o povo de Deus bem como as analisa agrave luz do sermatildeo profeacutetico de Jesus

1) a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Dn 926-27) 2) a opressatildeo do povo da alianccedila quando eles seriam ldquomortos agrave espada ou no fogo ou seratildeo mandados para fora do paiacutes como prisioneiros ou perderatildeo todos os seus bensrdquo por ldquotempo dois tempos e metade de um tempordquo (1131-35 75) e 3) um ataque final no ldquotempo do fimrdquo (1140-121) Jesus parece misturar estes dois eventos claramente fazendo refe-recircncia para a destruiccedilatildeo de Jerusaleacutem (Mt 2415-20 cf Lc 2120) e para um periacuteodo posterior mais longo de perseguiccedilatildeo (Mt 2421 ver tambeacutem o ldquoapostasiardquo dos versiacuteculos 9-10 uma alusatildeo a Dn 113 b-35) Assim como a presenccedila dos romanos nas aacutereas sagradas de Jerusaleacutem marcaram o tempo do povo de Deus fugir nos tempos apostoacutelicos e o anticristo entronizando-se no temploigreja de Deus (2Te 23-4) marcou o um tempo de grande perseguiccedilatildeo na Idade Meacutedia assim do mesmo modo o ataque final de Satanaacutes contra a igreja do tempo do fim (Ap 1217 1315-17) precipitaraacute a grande tribulaccedilatildeo dos uacuteltimos dias

SelamentoAntes que esta ldquogrande tribulaccedilatildeordquo recaia sobre a Terra Joatildeo mostra ou-

tro anjo voando do oriente bradando em ldquoalta vozrdquo que nada fosse feito ateacute que o povo de Deus estivesse marcado na fronte (Ap 72-3) Nos tempos do Antigo Testamento especialmente no contexto da alianccedila selar ou marcar coisas e pessoas tinha diversos significados (ver FRIEDRICH 1976 p 939-953)

1) Propriedade a circuncisatildeo era uma marca de propriedade mostran-do que Israel pertencia ao Senhor (Gn 179-12) De modo anaacutelogo o sumo sacerdote de Israel tinha em sua mitra uma placa com a frase ldquoSantidade ao SENHORrdquo (Ecircx 2836-38) indicado sua especial consagraccedilatildeo a Deus No

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livro de Apocalipse por diversas vezes os santos satildeo chamados de ldquosacer-dotesrdquo (ver Ap 161 510 206) portanto a marca na fronte sugeriria sua dedicaccedilatildeo especial a Deus

2) Proteccedilatildeo desde os tempos antigos o objeto ou a pessoa que fosse to-mado como propriedade imediatamente ficava sob proteccedilatildeo Talvez a ocor-recircncia mais antiga de um selo com essa funccedilatildeo seja o selamento de Caim (Gn 415) Em Ecircxodo 12 haacute outro exemplo onde o sangue do cordeiro mar-cava e dava proteccedilatildeo aos primogecircnitos contra o Anjo da morte (Ecircx 1212-13) A esse respeito o livro de Ezequiel apresenta uma cena muito similar agrave de Apocalipse 71-3 tanto no aspecto temporal (ambas parecem situar-se em uma cena de juiacutezo do Dia da expiaccedilatildeo) quanto nas figuras utilizadas Em Ezequiel 9 o selamento na fronte dos fieis protege-os dos anjos executores do juiacutezo de Deus (Ez 94-6) Assim o Selo de Deus em Apocalipse natildeo os protege necessariamente dos poderes humanos mas da ira de Deus contra aqueles que violaram sua alianccedila

3) Outros aspectos relacionados ao selamento em Deuteronocircmio 68 lecirc-se ldquoTambeacutem as ataraacutes como sinal na tua matildeo e te seratildeo por frontal entre os olhosrdquo Aqui os israelitas foram ordenados a colocar os mandamentos de Deus como um sinal atado em seus braccedilos e fronte Nos versos anterio-res (Dt 65-7) haacute fortes indicaccedilotildees de que esse ato deveria simbolizar uma resposta do ser inteiro ndash no campo dos pensamentos emoccedilotildees e mesmo comportamento ndash e deveria permear todas as aacutereas da vida Portanto o sim-bolismo do selamento na fronte (Ap 73) e a marca falsificada da besta na matildeo (Ap 1317) simbolizam respectivamente uma resposta integral do ser a Deus ou conformidade agrave vontade do inimigo

Em Apocalipse 141 quando os 144 mil estatildeo no monte de Siatildeo vi-toriosos com o cordeiro eles satildeo descritos como tendo ldquoescritos na testa o nome dele [do Cordeiro] e o nome de seu Pairdquo Em Ezequiel 94 onde costumeiramente se lecirc na NVI ldquoponha um sinalrdquo ou na ARA ldquomarca com um sinalrdquo no hebraico se lecirc literalmente ldquomarca com um tavrdquo Deve-se notar que nos tempos do profeta Ezequiel o tav era grafado como uma cruz (BYRNE 2008)

Visto que na mentalidade biacuteblica o nome de um sujeito representa o caraacuteter de seu possuidor agrave luz dos textos acima Joatildeo parece sugerir que os vitoriosos da uacuteltima crise seratildeo aqueles que tecircm o caraacuteter semelhante ao de Cristo ldquoestampadordquo sobre o seu proacuteprio Na temaacutetica de Apocalipse 7 e 14 em contraste com Apocalipse 13 no conflito final todos refletiratildeo o caraacuteter de Cristo ou de Satanaacutes

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Os 144 mil e a grande multidatildeoApocalipse 7 mostra duas cenas distintas uma que introduz os 144

mil e outra que introduz a ldquoGrande Multidatildeordquo Nesta seccedilatildeo seraacute conside-rado mais diretamente o assunto sobre os 144 mil e o seu relacionamento com a grande multidatildeo para encontrar marcas identificaacuteveis dos 144 mil e tentar relacionaacute-las ao propoacutesito de Deus para a sua Igreja com base nas mesmas caracteriacutesticas

Significado do nuacutemeroOs 144 mil jaacute foram caracterizados como ldquoa ala humana do exeacutercito

coacutesmico de Deusrdquo (BLOUNT 2009 p 145) Joatildeo ouve o nuacutemero (Ap 74) e sua composiccedilatildeo (Ap 75-8) ndash 12000 de cada uma das 12 tribos de Israel

ndash sem no entanto nenhuma explicaccedilatildeo posterior fornecida A identidade desse grupo jaacute foi extensamente debatida e atualmente poucos sustentam a interpretaccedilatildeo de que o nuacutemero eacute uma referecircncia literal agrave naccedilatildeo de Israel (BLOUNT 2009 p 158)

O pesquisador e pastor britacircnico Michael Wilcock (1991 p 8) afirma

A figura eacute presumivelmente outra das figuras simboacutelicas do Apo-calipse e de fato aparenta ser muito estilizada para ser qualquer outra coisas ndash o tipo de nuacutemero suspeitosamente arrumado que eacute muito mais provaacutevel que seja um siacutembolo do que uma estatiacutestica

De fato o nuacutemero 144 mil (12 x 12 x 1000) eacute baseado no nuacutemero de tribos de Israel em nuacutemero de 12 e tambeacutem como alguns tecircm sugerido 12 apoacutestolos do cordeiro (JOHNSON 2004 p 184) Na mentalidade he-braica 12 eacute o nuacutemero da perfeiccedilatildeo de governo (BULLINGER 2006 p 253) e 1000 e o nuacutemero da plenitude divina Portanto 144 mil sugere uma simetria perfeita uma vastidatildeo dos selados e a perfeiccedilatildeo e completeza da Igreja de Deus

Relacionamento com a grande multidatildeoDepois que Joatildeo ouve o ldquocensordquo dos remidos ele os vecirc como uma grande

multidatildeo no ceacuteu Muito jaacute se discutiu e publicou sobre o assunto dando abertura a vaacuterias teorias Beatrice Neal (1992 p 267-272) agrupa as principais visotildees do relacionamento entre os 144 mil e a grande multidatildeo em 4 grupos de propostas

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1) Judeus literais contrastados com os gentios os maiores defensores desta posiccedilatildeo satildeo os dispensacionalistas identificando os 144 mil como o nuacutemeros de Judeus convertidos que seratildeo protegidos da tribulaccedilatildeo enquan-to a grande multidatildeo seraacute martirizada (PENTECOST 2010 p 214297-298300 WALVOORD 1989 p 143-146) Uma das dificuldades dessa in-terpretaccedilatildeo eacute que a distinccedilatildeo entre judeus e gentios natildeo e feita em nenhum lugar do livro de Apocalipse (NEAL 1992 p 268)

2) A uacuteltima geraccedilatildeo de santos contrastada com os redimidos de todas as eras alguns sustentam que os 144 mil satildeo os crentes selados durante a crise final uma espeacutecie de ldquoexeacutercito de Deusrdquo enquanto que a grande multidatildeo seratildeo os salvos de todas as eacutepocas (MOUNCE 1998 p 171 SMITH 2004 p 470-471) No entanto em Apocalipse 713-14 surge a pergunta ldquoEstes [hellip] quem satildeo e donde vieramrdquo e a subsequente resposta de que ldquosatildeo estes os que vecircm da grande tribulaccedilatildeordquo essa questatildeo introduz um problema para esta interpretaccedilatildeo pois nas palavras do anciatildeo de Apocalipse 714 eles natildeo satildeo os remidos de todas as eras mas os que passaram pela grande tribulaccedilatildeo

3) Ambos satildeo o mesmo grupo em circunstacircncias diferentes a conclu-satildeo que ambos os grupos retratados no capiacutetulo 7 satildeo os mesmos apenas representados em momentos diferentes ndash respectivamente a Igreja militan-te e a Igreja triunfante ndash eacute partilhada por muitos estudiosos (HOEKSEMA 2000 p 265-266 NICHOL 2002 p 785) Apesar de ser uma interpretaccedilatildeo loacutegica e fiel ao texto aleacutem de resolver os problemas das interpretaccedilotildees ante-riores ela ainda apresenta um problema que natildeo eacute percebido facilmente se a segunda cena de Apocalipse sete representa a igreja no ceacuteu depois da segun-da vinda de Cristo entatildeo os santos de todas as eacutepocas devem estar presentes ao redor do trono natildeo somente a uacuteltima geraccedilatildeo

4) A igreja na tribulaccedilatildeo que estaacute espiritualmente diante do trono esta interpretaccedilatildeo foi originalmente proposta por Beatrice Neal (1992 p 270-272) durante sua participaccedilatildeo no Daniel and Revelation Committee a qual eacute adotado no restante deste artigo e complementada com elementos expostos anteriormente para se definir com base em Apocalipse 7 a Identidade e o propoacutesito da Igreja de Deus

Para comeccedilar a entender essa proposta faz-se necessaacuterio observar que em Apocalipse 714 o texto grego natildeo afirma ldquoestes que vieram da grande tri-bulaccedilatildeordquo mas ldquoestes os que estatildeo vindo [ἐρχόμενοι] da grande tribulaccedilatildeordquo4

4 O verbo ἔρχομαι estaacute no plural masculino no particiacutepio presente meacutedio ou passivo do nominativo

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Aparentemente a tribulaccedilatildeo estaacute em andamento Nesse sentido tem-se a im-pressatildeo de que algo estaacute errado com a traduccedilatildeo ateacute que seja observado um pa-dratildeo marcante dos escritos joaninos o conceito de ldquovida eterna agora ceacuteu nesta vidardquo (NEAL 1992 p 270) algo que de certo modo reflete o conceito teoloacute-gico conhecido com ldquoJaacute mas natildeo aindardquo Muitos exemplos satildeo observaacuteveis em especial no evangelho de Joatildeo5 Essa proposta sugere que o mesmo modo de pensamento ndash onde o que eacute real e literal no futuro avanccedila para o presente como uma experiecircncia espiritual ndash aparece no livro de Apocalipse

Beatrice Neal (1992 p 270) em sua proposta cita algumas evidecircncias internas destes paradoxos no livro de Apocalipse

B Os santos reinaratildeo para sempre (Ap 225) mas Joatildeo jaacute compartilha do Reino (Ap 19) mesmo no exiacutelio

B O Rio da Vida fluiacute pela Nova Jerusaleacutem (Ap 221-2) mas quem tem sede pode beber agora (Ap 717)

B Cristo viraacute em breve com a recompensa (Ap 2212) mas Ele vem jaacute para a Sua Igreja (Ap 25 16 25)

B A nova Jerusaleacutem viraacute do ceacuteu para a Nova Terra (Ap 212) mas ela desce agora mesmo para aquele que vence (Ap 312)

Em harmonia com essa visatildeo Joatildeo consistentemente se refere aos ini-migos de Deus como aqueles que ldquohabitam sobre a terrardquo (Ap 138) ao pas-so que aos santos chama de aqueles que ldquohabitam [σκηνοῦντας] no ceacuteurdquo (Ap 135) portanto viver no ceacuteu eacute uma experiecircncia presente (NEAL 1992 p 271) tendo acesso ao trono atraveacutes do cordeiro (ver Hb 1019-23)

O duplo sentido joanino eacute evidente nas palavras de Jesus em Joatildeo 525 ldquoEm verdade em verdade vos digo que vem a hora e jaacute chegou em que os mortos ouviratildeo a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viveratildeordquo Na mesma passa-gem o significado futuro eacute claro na volta de Cristo os mortos seratildeo ressuscita-dos Mas o significado presente estaacute tambeacutem evidente aqueles que estatildeo espiri-tualmente mortos satildeo trazidos de volta agrave vida ao ouvirem Jesus chamar Com o

5 Veja alguns exemplos no quarto evangelho 1) absolviccedilatildeo do julgamento (524) 2) ressurreiccedilatildeo da morte (525) 3) vida eterna (647) e 4) volta de Jesus (no futuro 141-3 e no presente em 141823)

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duplo sentido em mente Apocalipse 7 se enche de significados e os problemas expostos satildeo resolvidos respeitando-se a fidelidade ao texto No caso do texto em estudo visto que a grande multidatildeo ainda estaacute emergindo da grande tribula-ccedilatildeo (v 14) mesmo na terra os crentes podem estar no ceacuteu em sentido espiritual pelos meacuteritos do cordeiro e a obra do Espiacuterito Santo Quando eles cantam ldquoA salvaccedilatildeo pertence ao nosso Deus que se assenta no trono e ao Cordeirordquo (Ap 710) este cacircntico como os salmos imprecatoacuterios se torna um pedido de ajuda que acende aos ceacuteus sendo respondido por Deus que os protege dos ventos de destruiccedilatildeo (Ap 71) e das pragas vindouras (Ap 716 cf 168)

Dra Neal (1992 p 272) sumariza

Como eacute comumente entendido a primeira cena de Apocalipse 7 descreve a preparaccedilatildeo para a tribulaccedilatildeo e na segunda cena liber-taccedilatildeo da tribulaccedilatildeo sem menccedilatildeo da tribulaccedilatildeo em si Mas se o duplo sentido eacute intencional o capiacutetulo mostra como cristatildeos li-dam coma tribulaccedilatildeo quando no calor da mesma ndash como eles satildeo protegidos no tempo de prova que viraacute sobre o mundo todo (310)

Consideraccedilotildees finaisNo comeccedilo deste artigo duas questotildees foram levantadas A primeira

delas eacute quais satildeo as caracteriacutesticas autoevidentes no texto biacuteblico que nos permitem traccedilar um perfil da identidade das caracteriacutesticas constitucionais dos 144 mil

Para que a questatildeo seja respondida deve-se lembrar que Apocalipse 7 pa-rece responder a pergunta ldquoquem eacute que pode suster-serdquo (Ap 617) com os 144 mil sendo preparados para a tribulaccedilatildeo Mais adiante (v 10) eacute demonstrado que uma das caracteriacutesticas marcantes dos 144 mil eacute que eles proclamam com grande voz a mensagem de justificaccedilatildeo pela feacute que eacute a obra do Terceiro Anjo6

Quando considerado o duplo sentido joanino e se observa Apocalipse 7 agrave luz do que foi analisado ateacute aqui pode-se perceber que ao passo que as maldiccedilotildees se abateratildeo sobre a terra aqueles que forem fieis a Deus perma-neceratildeo inabalados perante o seu juiacutezo

6 A mensagem do Terceiro Anjo eacute juntamente com a restauraccedilatildeo de outras verdades a exaltaccedilatildeo de Jesus e a inteireza de seu ministeacuterio por noacutes (WHITE 2006 p 3624 2010 p 19-20)

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Agrave luz da evidencia biacuteblica recapitulada neste artigo os 144 mil satildeo uma figura da Igreja Militante que permaneceraacute fiel ateacute a volta de Cristo Sob esse prisma o motivo do selamento eacute crucial para identificar o propoacutesito da Igreja de Deus na atualidade O selamento agrave luz do contexto de Apocalipse 71-3 e Ezequiel 9 ocorre imediatamente antes do encerramento do dia da expiaccedilatildeo antitiacutepico

Ao selar Seu povo Deus se coloca como seu proprietaacuterio e portan-to a diretiva biacuteblica ldquoSejam santos porque eu sou santordquo (1Pe 11 cf Lv 114445 192 207) nunca foi tatildeo atual O mesmo selo que define o povo de Deus tambeacutem protege da ira divina contra aqueles que violaram sua alianccedila Ao passo que o selo de Deus dentro do contexto do adventismo do seacutetimo dia tem sido relacionado com os 10 mandamentos e com o quarto manda-mento em especial existe uma segunda dimensatildeo para o significado deste selo que transcende e abarca o primeiro Antes mesmo de accedilotildees (o selo de Deus agrave luz da evidecircncia biacuteblica exposta [Dt 65-8 Ap 73 Ez 94]) o sela-mento eacute um simbolo da resposta do ser inteiro abarcando todas as aacutereas da vida ao chamado divino agrave santidade

Se agrave luz de Deuteronocircmio 65-8 e outros inuacutemeros textos natildeo citados neste artigo percebe-se que a segunda dimensatildeo do selo eacute mais inclusiva ao se refletir acerca do selo escatoloacutegico de Apocalipse 73 e 141 sob o pano de fundo de Ezequiel 9 (especialmente o v 4) percebe-se que o selamento eacute a obra de Cristo nos crentes atraveacutes de Seu Espiacuterito (ver Ef 113-14) que os faz natildeo somente pertencer a Ele mas possuir o seu caraacuteter estampado sobre o deles mesmos Mesmo natildeo refletindo a sua inteireza de santidade o caraacuteter de Cristo nos crentes jaacute pode apresentar parte do aspecto ldquosem maacute-culardquo (Ap 145b) diante do Pai No contexto da alianccedila ldquosem maacuteculardquo natildeo significa ldquonatildeo pecarrdquo mas andar com Deus como Abraatildeo Noeacute e outros o fizeram (ver Gn 69 171 cf Hb 11) Deus intenciona que sua igreja cada membro individualmente e diariamente receba o selo divino em suas vidas e demonstre ao mundo que estaacute em harmonia com Deus e Seus imperati-vos ndash natildeo soacute o saacutebado e os outros mandamentos mas todo o ser deve ser consagrado ao Criador

Uma das caracteriacutesticas dos 144 mil em Apocalipse 145 eacute que ldquonatildeo se achou mentira em sua bocardquo Deus espera por uma Igreja e seus mem-bros individuais apenas a verdade No verso 4 eles satildeo caracterizados como

ldquoseguidores do Cordeirordquo Antes de ser sua tarefa futura no ceacuteu eacute dever da Igreja e de cada indiviacuteduo nos dias atuais seguir os passos de Cristo co-nhecer sua voz (ver Jo 102-5) e apegar-se ao ldquoassim diz o Senhorrdquo natildeo ao

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assim diz a sociedade agraves financcedilas ou qualquer outra desculpa para a natildeo conformidade com o evangelho de Cristo Eacute por isso que em Apocalipse 144 eles satildeo declarados ldquocastosrdquo e incontaminados com mulheres preservando-

-se uma em vida de fidelidade ao SalvadorA segunda pergunta a ser respondida por este artigo eacute qual eacute a relaccedilatildeo

das caracteriacutesticas dos 144 mil com o propoacutesito de Cristo para Sua Igreja hoje Agrave luz do que foi recapitulado neste artigo parece clara a funccedilatildeo de Apocalipse 7 alertar a Igreja de Deus agrave necessidade de uma reforma e rea-vivamento diaacuterio e constante na vida do indiviacuteduo e da comunidade

Por fim a perfeiccedilatildeo numeacuterica do nuacutemero 144 mil eacute uma forte indica-ccedilatildeo daquilo que jaacute eacute evidente na Biacuteblia Deus cumpriraacute a risca seus planos e promessas para o seu Israel a despeito dos eventos que acontecem no mun-do ou na igreja ou a despeito da preparaccedilatildeo dos crentes

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Enviado dia 14112012Aceito dia 04012013

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textual

de Lucas 2243-44Agony at Gethsemane a critical-textual study

of Luke 2243-44

Luan Henrique Gomes Ribeiro1 Wilson Paroschi2

Resumo Abstract

O texto de Lucas 2243-44 representa grande dificuldade textual agraves consi-deraccedilotildees a respeito da Paixatildeo de Cristo Isso ocorre porque o texto suge-rido natildeo pode ser encontrado nos melhores manuscritos que evidenciam

os relatos no Getsecircmani como consta no evangelho de Lucas Assim a fim de considerar tal problemaacutetica este artigo procura analisar alguns comentaacuterios dos Pais da Igreja do segundo seacuteculo e sugestotildees de alteraccedilatildeo escribal a fim de constatar a histoacuteria do texto problemaacutetico Por fim entende-se que o texto de Lucas foi uma legiacutetima interpolaccedilatildeo ocasionada por questotildees teoloacutegicas Contu-do em vista da importacircncia da tradiccedilatildeo fundamentada sobre a ocasiatildeo descrita no texto e antiguidade do mesmo o relato deve ser considerado verdadeiro Palavras-chave Lucas 2243-44 Criacutetica textual Getsecircmani Agonia

1 Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) e poacutes-gra-duando lato senso em teologia biacuteblica pela mesma universidade E-mail lhgr21gmailcom2 PhD em Teologia do Novo Testamento pela Andrews University (2003) e poacutes-doutorado em Novo Testamento pela Ruprecht-Karls-Universitaumlt Heidelberg (2011) Atua como professor na Faculdade Adventista de Teologia no Unasp E-mail wilsonparoschiunaspedubr

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Luke 22 43-44 brings great textual difficulties to the considerations about The Passion of Christ This happens because this text cannot be found in the best manuscripts containing the story of Gethsemane as

it is told in the book of Luke Thus to consider this issue this article objectifies to analyze some comments of the Fathers of Church from the second century and some suggestions of scribes about changes on the writing so that the history of the text can be understood At last we conclude that this text was a lawful interpolation occasioned by theological needs However due to the important tradition based on the event described in the text and how old it is the story should be taken as real Keywords Luke 2243-44 Keywords extual criticism Gethsemane Agony

Ao longo da histoacuteria cristatilde o relato da Paixatildeo de Cristo tem sido o cen-tro natildeo somente da teologia mas tambeacutem da liturgia da igreja (BARBOUR 1969-70 p 231-251) Isso tambeacutem eacute verdade em relaccedilatildeo aos escritos dos proacuteprios evangelistas que dedicam uma consideraacutevel porccedilatildeo de seus relatos agrave prisatildeo e morte de Jesus

Como parte da narrativa existe um episoacutedio que eacute considerado o cen-tro de toda a Paixatildeo de Cristo a oraccedilatildeo de Jesus no jardim do Getsecircmani Todos os quatro evangelhos trazem esse relato (ver Mt 2647-56 Mc 1443-50 Lc 2247-53 Jo 181-11) poreacutem apenas os sinoacuteticos descrevem a difiacutecil oraccedilatildeo feita por Cristo aleacutem do fracasso dos disciacutepulos (ver Mt 2636-46 Mc 1432-42 Lc 2239-46)

Entre as poucas diferenccedilas e as muitas semelhanccedilas entre os trecircs evan-gelistas um relato aparece como uacutenico o suor de sangue produzido por Cristo e o anjo vindo do Ceacuteu para fortalececirc-lo (Lc 2243-44) A passagem de Lucas 2243-44 pode ser considerada um ldquoclaacutessicordquo quando se fala em criacute-tica textual e tradiccedilatildeo da igreja A passagem se demonstra problemaacutetica no aspecto textual pois natildeo aparece em boa parte dos melhores e mais antigos manuscritos disponiacuteveis (P69 75 01C1 A B N R T W 0211 13 579 1071 pc4 f SyrS sa bo Hiermss arm geo) assim como no aspecto teoloacutegico pois tanto a presenccedila como a ausecircncia do texto altera de maneira draacutestica a visatildeo

A agonia no Getsecircmani um estudo criacutetico textualde Lucas 2243-44

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que Lucas tem de Jesus De forma semelhante haacute implicaccedilotildees no conheci-mento cristoloacutegico que pode ser extraiacutedo do relato

Em vista das divergecircncias trazidas pelos manuscritos e pelos comentaacute-rios dos Pais da Igreja pode-se formular duas hipoacuteteses experimentais ou 1) o texto de 2243-44 foi omitido do texto original de Lucas ou 2) este foi ateacute aqui transmitido atraveacutes de uma interpolaccedilatildeo A partir destas hipoacuteteses duas perguntas surgem de maneira inevitaacutevel Lucas foi o autor do texto Qual o motivo da omissatildeointerpolaccedilatildeo do mesmo O presente trabalho tem como objetivo tentar encontrar respostas para as duas questotildees assim como fazer uma anaacutelise teoloacutegica sobre a relaccedilatildeo da igreja contemporacircnea com a do passado Atraveacutes da anaacutelise das diferentes ideias e comentaacuterios relacionados ao texto e sua transcriccedilatildeo assim como comparaccedilotildees gramaacuteticas e teoloacutegicas seratildeo apresentadas algumas consideraccedilotildees sobre o problema proposto

Histoacuteria do textoA lista de testemunhas do referido texto podem ser organizadas da se-

guinte forma 1) incluem os versos 43-44 א b D Κ L Χ Θ Δ Π Ψ 0171 f1 565 700 892 1009 1010 1071mg 1230 1241 1242 1253 1344 1365 1546 1646 2148 2174 Byz vg syrc p h pal arm eth Diatessarone

e arm i n Justino Irineu Hipolito Dionisio Eusebio Didimo Jeronimo e muitos outros pais da igreja 2) incluem os versos 43-44 com asteriscos Dc Pc 892mg 1079 1195 1216 bopt 3) transpotildeem os versos 43-44 logo apoacutes Mt 2639 f13 4) omitem os versos 43-44 P69vid 75 Ka Α Β Ν R Τ W 579 1071 pc Lectpt itf syrs sa bopt armmss geo Marcion Clement Origen MSSacc para Hilary Athanasius Ambrose Cyril John-Damascus

De maneira geral eacute possiacutevel alegar que os manuscritos ocidentais tra-zem os versiacuteculos ao passo que os de Alexandria o omitem3 Mesmo que os manuscritos alexandrinos sejam considerados dignos de confianccedila espe-cialmente quando colocados em comparaccedilatildeo com documentos ocidentais (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 66) natildeo haacute necessidade de ser categoacuteri-co ou precipitado ao afirmar que no caso em questatildeo a discussatildeo pode ser estabelecida com tais bases

Guumlnther Zuntz (1953 p 55-56 213-215) por exemplo argumenta que documentos natildeo alexandrinos lidos na tradiccedilatildeo ocidental e bizantina

3 Para uma descriccedilatildeo mais detalhada dos manuscristos ver BD Ehrman e APlunkett (1983 p 402 403)

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possuem grande chance de ser genuiacutenos (ver METZGER 1968 p 214) Por outro lado eacute legiacutetima a ideia de que muitos eruditos consideram Lucas 2243-44 uma distorccedilatildeo textual vinda do Egito4 Independentemente da preferecircncia textual a discussatildeo acaba sendo conduzida em direccedilatildeo agrave esco-lha de uma ou outra escola

A partir da anaacutelise das testemunhas tambeacutem eacute possiacutevel identificar uma data para a mudanccedila do texto Visto que a referecircncia mais antiga para o texto vem antes do ano 160 dC com Justino Martir (DONALDSON COXE 1997 p 251) e uma omissatildeo posterior a 200-230 dC (p69 p75) eacute possiacutevel afirmar que se o texto foi omitido isso ocorreu antes de 230 dC e se inse-rido antes de 160 aC

Probabilidades de transcriccedilatildeoQuando se trata de um problema textual a possibilidade de uma omis-

satildeo acidental deve sempre ser levada em consideraccedilatildeo Neste caso poreacutem a ocorrecircncia de tal possibilidade de erro escribal eacute dificultada por vaacuterias razotildees

Primeiramente o tamanho do texto em questatildeo (26 palavras) torna a possibilidade de que o escriba tenha intencionalmente alterado o texto im-provaacutevel Turner (1957 p 1-4) argumenta que erros dessa natureza devem ser considerados plausiacuteveis apenas quando o intervalo natildeo eacute longo Aleacutem disso natildeo eacute possiacutevel encontrar nenhum tipo de homoioteleuton (frases com finais semelhantes) no texto para que algueacutem tenha simplesmente confundido o texto com outro descrito algumas linhas abaixo Igualmente eacute difiacutecil ima-ginar que uma passagem dessa importacircncia fosse retirada do texto mesmo que involuntariamente sem correccedilatildeo Diante disso a transcriccedilatildeo do texto eacute melhor compreendida como alterada de maneira consciente e deliberada

Alguns autores tecircm sugerido que o texto teria sido omitido com o intui-to de harmonizar os evangelhos (LAGRANGE 1921 p 563 DUPLACY 1981 p 79 BRUN 1933 p 276) Apesar da aparente soluccedilatildeo do problema natildeo se encontra razatildeo para acreditar em tal teoria por representar um exem-plo sem precedentes aleacutem de que muitas outras diferenccedilas foram deixadas no texto como por exemplo a tripla oraccedilatildeo de Jesus ou a menccedilatildeo de Pedro Tiago e Joatildeo estando com Ele Se de fato uma tentativa de harmonizaccedilatildeo tivesse sido feita muitas outras alteraccedilotildees no texto seriam encontradas

4 Uma lista dos eruditos que incluem e excluem os versos pode ser encontrada em Marshall (1978)

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Como muitos autores tecircm sugerido o problema textual de Lucas 2243-44 deve ser entendido agrave luz das discussotildees teoloacutegicas dos primeiros seacuteculos De fato essa ideia natildeo eacute nova e pode ser remetida ao seacuteculo 4 dC com Epi-facircnio (Ancoratus 31 4-5)

[Essa passagem] eacute encontrada nas coacutepias natildeo revistas do Evange-lho de Lucas e Santo Irineu usou seu testemunho em seu trabalho Adversus Haereses contra aqueles que dizem que Cristo [apenas] parecia se manifestar [na carne] Mas aqueles que eram ortodoxos omitiram a passagem por medo natildeo compreendendo o seu propoacute-sito e grande forccedila Assim ldquoquando ele estava em agonia Ele suou e o seu suor tornou-se como grandes gotas de sangue E um anjo apareceu fortalecendo-Ordquo

Da mesma maneira Hilaacuterio (350 dC) recorda em De Trinitate (1041)

Certamente natildeo podemos nos esquecer de que em muitos manus-critos em grego e em latim nada eacute registrado da vinda do anjo e o suor como sangue Entatildeo algueacutem pode ter duacutevida se este em di-ferentes livros estaacute ausente ou eacute considerado redundante ndash este eacute deixado indeterminado por causa das diferenccedilas nos livros Algumas heresias utilizam as palavras para afirmar a fraqueza de Jesus que precisava da ajuda de um anjo mas por favor considere que o criador dos anjos natildeo precisa desta proteccedilatildeo [hellip] O suor de sangue eacute um testemunho contra a heresia que fala falsamente de uma ilusatildeo [do corpo de Jesus docetismo] o suor manifesta a verdade do corpo

Severo de Antioquia preserva uma declaraccedilatildeo de Cirilo de Alexandria (375-444 dC) a partir de um trabalho perdido de outra forma Severo es-creve na ldquo3ordf carta do sexto livro das pessoas depois do exiacuteliordquo para a ldquoglo-riosa Cesareiardquo

Mas a respeito da passagem sobre o suor e as gotas de sangue saiba que nas divinas Escrituras e Evangelhos que estatildeo em Alexandria esta natildeo estaacute escrita Por isso tambeacutem o Santo Cirilo no 12ordm dos livros escritos por ele em nome da religiatildeo de todos os cristatildeos contra o iacutem-pio adorador de democircnios Julio claramente declarou como segue

ldquoMas desde que ele disse que o divino Lucas inseriu entre suas

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proacuteprias palavras a afirmaccedilatildeo de que um anjo apareceu e for-taleceu Jesus e seu suor escorria como gotas de sangue ou san-gue deixe-o saber de noacutes que natildeo encontramos nada deste tipo inserido na obra de Lucas a natildeo ser talvez que uma interpola-ccedilatildeo foi feita de fora e que natildeo eacute genuiacutena Os livros portanto que estatildeo entre noacutes natildeo contecircm absolutamente nada desse tipo e eu portanto acho que eacute uma loucura para noacutes dizer qualquer coi-sa a ele sobre essas coisas e eacute supeacuterfluo se opor a ele com base em textos que de maneira nenhuma foram escritos e se o fizer-mos seremos condenados a ser ridicularizados e isto seraacute justordquo Nos livros portanto que estatildeo em Antioquia e em outros paiacuteses a passagem estaacute escrita e alguns dos pais a mencionam entre os quais Gregoacuterio o Teoacutelogo fez menccedilatildeo desta mesma passagem na segunda homilia sobre o Filho e Joatildeo bispo de Constantinopla na exposiccedilatildeo composta por ele sobre a passagem lsquoMeu Pai se possiacutevel passa de mim este caacutelicersquo

A partir do quinto seacuteculo os dois textos jaacute haviam sido amplamente di-vulgados e as escolas optavam pelo texto mais curto ou mais longo de acordo com suas preferecircncias e tradiccedilotildees textuais motivo pelo qual natildeo podem ser utilizados textos posteriores para comprovar a autenticidade dos versiacuteculos em questatildeo ao menos natildeo sem incorrer em anacronismo Eacute interessante poreacutem o fato de que ao longo dos seguintes seacuteculos a versatildeo mais longa de Lucas foi aceita Anastaacutecio Sinaiacuteta (ou do Sinai) proliacutefico escritor eclesiaacutes-tico padre monge e abade do Mosteiro de Santa Catarina (do Sinai) no seacuteculo 7 dC escreve (Viae Dux 223)

Pois mesmo se algueacutem tentar adulterar os livros de uma ou ateacute mesmo duas liacutenguas imediatamente sua fraude eacute refutada pelas outras setenta liacutenguas De qualquer forma esteja ciente de que alguns tentaram apagar as gotas de sangue o suor de Cristo do Evangelho de Lucas e natildeo foram capazes Porque aqueles que natildeo possuem a seccedilatildeo satildeo refutados por muitos e vaacuterios evangelhos que a possuem pois em todos os evangelhos das naccedilotildees o relato conti-nua a existir e na maioria daqueles [manuscritos] em grego

Jaacute na eacutepoca da Reforma vemos que Lutero natildeo apenas incluiu a passa-gem em sua traduccedilatildeo mas tambeacutem comentava os versiacuteculos de maneira livre

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Como eacute grande o sabor da dor da morte que podemos discernir em Cristo quando disse ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute agrave morterdquo [Mt 2638] Considero estas como as maiores palavras em todas as Escrituras embora tambeacutem seja uma grande e inexpli-caacutevel coisa que Cristo clamou na cruz ldquoEli Elirdquo [Mt 2746] Ne-nhum anjo compreende quatildeo grande coisa eacute que Ele tenha suado sangue [Lucas 2244] Isto ocorreu com o sabor e temor da morte (HARITAGE 1997 c1996)

Tambeacutem Calvino em seu comentaacuterio cita livremente os versos contudo mais do que isso ele introduz um argumento que quase 1400 anos depois da primeira referecircncia que temos do texto via o sofrimento de Cristo como algo repulsivo Ele diz ldquoAqui pessoas ignorantes se levantam e exclamam que teria sido indigno Cristo ter medo de ser engolido pela morte Mas eu desejo que eles respondam a esta pergunta que espeacutecie de surdo eles supotildeem que tenha sido aquele [Deus] que extraiu de Cristo gotas de sanguerdquo(CALVIN 2002)

De fato assim como nos dias de Calvino algumas caracteriacutesticas do texto poderiam ofender os cristatildeos dos primeiros seacuteculos Primeiramente um anjo fortalecendo a Jesus poderia gerar problemas quanto a sua divin-dade O fato de estar em profunda agonia e suar sangue poderiam fortalecer a ideia ariana a respeito da natureza de Cristo por fim a intensa oraccedilatildeo de Jesus para que o ldquocaacutelicerdquo fosse passado adiante poderia facilmente colocar a voluntariedade de Jesus ao ir para a cruz em descreacutedito

Da mesma maneira a interpolaccedilatildeo do texto seria nas palavras de Wes-tcott e Hort ldquoadequado para citaccedilotildees em controveacutersias contra doutrinas do-ceacuteticas e apoliniarianistasrdquo (WESTCOTT HORT 1896 v 2 p 64) De fato deve-se considerar o fato de que as trecircs mais antigas citaccedilotildees preservadas de Lucas 2243-44 satildeo colocadas diretamente contra fortes heresias cristo-loacutegicas Justino Maacutertir (Dia 1038) e Irineu contra docetistas (Adv Haer 3222) e Hipolito contra um patripassionista (Contra Noetum 182)

Em vista das evidecircncias apresentadas acima haacute de se considerar mais uma questatildeo qual leitura eacute melhor entendida como sido originada em meio agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo Como observado por Ehrman e Plunkett ldquoa preocupaccedilatildeo teoloacutegica do Cristianismo ortodoxo do segundo seacuteculo era a afirmaccedilatildeo da verdadeira humanidade de Jesus em face de diver-sas vertentes da heresia doceacuteticardquo (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 407)

Outro fator decisivo eacute que os Pais que citam os versiacuteculos satildeo auto-res ortodoxos tentando de maneira incisiva combater heresias Eacute pouco

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provaacutevel que o trabalho de exclusatildeo do texto por autores natildeo ortodoxos defendendo ideias contraacuterias teria ganhado vasta aceitaccedilatildeo em escolas que natildeo sofreram influecircncias doceacuteticas como por exemplo Alexandria Caso o texto seja considerado como uma omissatildeo haveria ainda outra dificuldade se o texto foi realmente omitido por motivos teoloacutegicos por que outros textos que tratam da natureza humana de Jesus continuaram inalterados E tambeacutem como grupos considerados hereges vieram a ter tanta influecircncia na tradiccedilatildeo textual

Em vista da presenccedila e ausecircncia do texto de Lucas 2243-44 nos vaacuterios manuscritos preservados torna-se impossiacutevel determinar qual leitura deve-ria ser considerada autecircntica Quando recorremos aos pais da igreja vemos os que citam o texto o fazem no combate a conhecidas heresias da eacutepoca e que sua utilizaccedilatildeo como referecircncia era temida por alguns e defendida por outros com base em sua relevacircncia

Quando a discussatildeo eacute analisada agrave luz das tensotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo vemos que o texto eacute melhor compreendido como uma interpolaccedilatildeo quase tatildeo antiga quanto o proacuteprio evangelista

Anaacutelise do textoDados os devidos comentaacuterios a respeito dos manuscritos relaciona-

dos ao texto de Lucas 2243-44 o trabalho avanccedila em direccedilatildeo agraves evidencias internas natildeo apenas dos versiacuteculos em questatildeo mas tambeacutem do Evangelho de Lucas como um todo Assim seraacute feita uma anaacutelise leacutexica dos versos e entatildeo uma anaacutelise teoloacutegica dos mesmos

Vocabulaacuterio e estiloA primeira referecircncia do versiacuteculo 43 eacute feita em relaccedilatildeo a um anjo que

desce do Ceacuteu para confortar a Jesus A referecircncia a anjos dentro da litera-tura lucana pode ser vista em vaacuterias passagens (ver Lc 1 e 2 128 9 1510 2423 At 519 826 103 7 22 1113 127 23 239 2723) demonstrando certa preferecircncia pelo tema Eacute notoacuterio poreacutem o fato de que estes satildeo des-critos como ldquode Deusrdquo (ver 128 9 1510 At 103 2723) ou ldquodo Senhorrdquo (ver 29 At 519 826 12723) e nunca ldquodo Ceacuteurdquo Aleacutem disso em outras partes do Evangelho os anjos soacute aparecem nas histoacuterias de nascimento e ressurreiccedilatildeo ademais em nenhuma outra apariccedilatildeo em Lucas ou Atos um anjo permanece em silecircncio (EHRMAN PLUNKETT 1983 p 409) Tais

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fatores conduzem o pesquisador a um uacutenico paralelo que pode ser visto nas primeiras palavras do versiacuteculo 43 em comparaccedilatildeo com Lucas 111 ldquoE eis que lhe apareceu um anjo [ὤφθη δὲ αὐτῷ ἄγγελος]rdquo

Existem trecircs hapax legomena no texto (ἀγωνίᾳ ἱδρὼς e θρόμβοι) ou seja 115 do total do texto comparados a um total de 11 em Lucas Tal concen-traccedilatildeo de hapax legomena pode comprometer qualquer reivindicaccedilatildeo de uma linguagem tiacutepica de Lucas o que tambeacutem eacute argumento a favor de uma interpo-laccedilatildeo pois Lucas eacute amplamente conhecido por seu vocabulaacuterio singular (ver Lc 48 638 1034) O que pode ser dito eacute que nesse caso reivindicaccedilotildees de uma

ldquolinguagem caracteriacutesticardquo satildeo ineficazes para ambos os lados da discussatildeoO aspeto mais evidente na anaacutelise do texto eacute que este se torna mais

claro quando entendido sem os versiacuteculos 43 e 44 Natildeo eacute necessaacuteria neste caso uma leitura no texto grego para que se evidencie a interrupccedilatildeo que os versiacuteculos trazem Na ordem do relato de Lucas Jesus chega ao Getsecircmani ordena que os disciacutepulos orem afasta-se deles ajoelha-se e entatildeo ora a Deus Dessa forma encontramos um parecircntese uma interrupccedilatildeo na narra-tiva que do contraacuterio descreve Jesus se levantando e voltando aos disciacutepulos (v 45) aquilo que era esperado dele

Aspectos teoloacutegicosComo dito anteriormente somente o Evangelho de Lucas nos traz o

relato do auxiacutelio angelical e de Jesus suando sangue Sem duacutevida o episoacute-dio retrata Jesus sofrendo de uma maneira inimaginaacutevel tanto mentalmente devido a sua ἀγωνία quanto fisicamente podendo ser facilmente identifica-do em seu suor tornando-se sangue

Em vista de tanto sofrimento devemos nos perguntar se era do interes-se de Lucas apresentar Jesus sofrendo Deve-se levar em consideraccedilatildeo que a pergunta natildeo eacute se Jesus sofreu o que eacute um fato bem estabelecido e vastamen-te trabalhado nos Evangelhos mas se Lucas tinha o interesse de apresentar esse aspecto da vida de Cristo Na tentativa de identificar tal relaccedilatildeo (Evan-gelho de Lucas e o tema do sofrimento) seraacute feita uma anaacutelise comparativa do texto de Lucas com os demais sinoacuteticos

Na cena do Monte das Oliveiras Lucas omite as palavras de Jesus ldquoA minha alma estaacute profundamente triste ateacute a morterdquo (Mc 1434 ver Mt 2638) assim como natildeo diz que Cristo estava ldquotomado de pavor e de anguacutestiardquo (Mc 1433) No Getsemani Jesus se ajoelha para orar (Lc 2242) ao contraacuterio dos demais evangelistas que descrevem Jesus ldquocaindo com o rosto em terrardquo (Mc 1435 cf Mt 2639) Em Lucas Jesus ora ao Pai apenas uma vez mas

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nos demais evangelhos trecircs ldquoAo reduzir agrave uma a tripla oraccedilatildeo de Marcos Lucas daacute a impressatildeo de que Jesus sabia imediatamente o que estava por vir e que era a vontade de Deus Ele natildeo estava atordoado como em Marcos Lucas reformulou a histoacuteria de Marcos de tal modo que Jesus tivesse uma maior capacidade de resistecircncia e obediecircnciardquo (NEYREY 1980 p 158) Em Lucas Jesus natildeo ora para que a ldquohorardquo lhe fosse poupada (Mc 1435) assim como adiciona ldquose queresrdquo no lugar de ldquose possiacutevelrdquo (Mc 1436)

No momento de sua prisatildeo Jesus natildeo permite que Judas o beije (Lc 2247-48) diferentemente dos outros Evangelhos (ver Mc 1445 cf Mt 2649) Jesus conversa com mulheres durante a via dolorosa e as aconselha que natildeo chorem por Ele (Lc 2328-31) Lucas eacute o uacutenico que descreve Jesus perdoando seus executores (Lc 2334) e conversando com os dois demais crucificados (Lc 2339-43)

Por fim em vez do alto clamor ldquomeu Deus meu Deus por que me desamparasterdquo (Mc 1534) Jesus clama ldquoPai nas tuas matildeos entrego o meu espiacuteritordquo (Lc 2346) e com total controle de si mesmo da hora de sua morte Cristo sem nenhum grito adicional (Mc 1537 Mt 2750) morre

Em vista do fato de que Jesus se demonstra calmo e com o domiacutenio da situaccedilatildeo Lucas 2243-44 aparenta ser um intruso teologicamente falando no Evangelho de Lucas Se os versiacuteculos satildeo originais somente nessa oca-siatildeo Cristo seria descrito com tanta dor somente nesse momento Ele perde o controle e se aproxima de sua morte com medo

A partir do estudo da linguagem do texto vemos que natildeo encontramos paralelos estiliacutesticos perfeitos em relaccedilatildeo ao restante da literatura lucana e que devido ao seu peculiar estilo literaacuterio natildeo haacute como manter um posi-cionamento na discussatildeo Aliaacutes deve-se considerar tambeacutem que o texto eacute claramente mais coerente quando o verso 45 eacute lido na sequecircncia do verso 43

Lucas natildeo possui a preocupaccedilatildeo de apresentar a Cristo sofrendo pelo contraacuterio Jesus eacute amiuacutede descrito como possuidor de total controle das situaccedilotildees fazendo com que os versiacuteculos em discussatildeo aparentem ser intrusos ao texto

AvaliaccedilatildeoApoacutes reconhecer que as evidecircncias apontam na direccedilatildeo que compreen-

de o texto como uma interpolaccedilatildeo resta analisar as implicaccedilotildees teoloacutegicas de tal leitura A primeira e mais importante questatildeo que surge eacute se o texto natildeo foi escrito por Lucas o relato pode ser considerado como verdadeiro A

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resposta para essa pergunta pode variar de maneira draacutestica de acordo com a forma que o inteacuterprete se aproxima do texto

Como analisado anteriormente a referecircncia mais antiga que temos eacute proveniente pelo menos do ano 165 dC ano da morte de Justino Martir Contudo isso natildeo significa necessariamente que outros jaacute natildeo houvessem citado a passagem e principalmente que esta natildeo fosse conhecida Implica-

-se apenas que natildeo pode ser comprovada atraveacutes dos manuscritos e que o texto jaacute era usado anteriormente

A falta dos manuscritos poreacutem natildeo impede a afirmar de que o texto necessariamente deveria ser conhecido de maneira preacutevia Seria impossiacutevel considerar estes versiacuteculos como um mero produto da criatividade dos escri-bas (PLUMMER 1896 p 509) Tamanha mudanccedila seria facilmente perce-bida e rejeitada pela comunidade da eacutepoca

Mesmo quando os textos alexandrinos satildeo tratados deve-se ter em mente que possivelmente eles tenham rejeitado o texto natildeo pela falta de ve-racidade no relato mas pelo simples fato de que o texto primeiramente natildeo se encontrava em meio as palavras de Lucas e que pelo bem da originalidade do texto este devesse sobreviver de outra maneira

Natildeo seria correto desvalorizar de maneira apressada as tradiccedilotildees mais antigas agrave disposiccedilatildeo Estas nos trazem natildeo somente o modo como os cristatildeos dos primeiros seacuteculos enxergavam a Biacuteblia (o que eacute por si soacute uma grande fonte de conhecimento) mas tambeacutem eventos sobre a vida da comunidade dos apoacutestolos e ateacute do proacuteprio Cristo Seria insensato desconsiderar o aviso deixado ao final do Evangelho ldquoHaacute poreacutem ainda muitas outras coisas que Jesus fez e se cada uma das quais fosse escrita cuido que nem ainda o mun-do todo poderia conter os livros que se escrevessemrdquo (Jo 2125)

Natildeo somente nesse caso mas em vaacuterios outros podemos identificar a influecircncia da tradiccedilatildeo apostoacutelica dentro do texto biacuteblico Em Atos 2035 Paulo fala aos presbiacuteteros da igreja de Eacutefeso advertindo-os a ldquorecordar as palavras do proacuteprio Senhor Jesus melhor eacute dar do que receberrdquo Mas onde pode ser encontrado dentro dos Evangelhos canocircnicos Jesus dizendo tal coi-sa Da mesma forma existem as referecircncias de 1 Coriacutentios 710 e 914 onde palavras que natildeo encontram nenhuma correspondecircncia exata com os textos evangeacutelicos satildeo atribuiacutedas a Jesus ldquoConquanto Paulo afirme que a essecircncia do evangelho ele natildeo a havia recebido lsquode homem algum mas mediante revelaccedilatildeo de Jesus Cristorsquo (Gl 112) as referencias que faz agraves declaraccedilotildees de Jesus certamente foram obtidas junto agraves tradiccedilotildees orais ou fragmentaacuterias que circulavam na igreja apostoacutelicardquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

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Natildeo somente Paulo mas tambeacutem Lucas declara que ldquomuitos houve que empreenderam uma narraccedilatildeo coordenadardquo e que esta foi transmitida a ele desde o principio atraveacutes de ldquotestemunhas ocularesrdquo (Lc 11-2) Mui-to daquilo que Jesus fez e falou foi preservado e transmitido de forma oral e escrita mesmo que fora dos Evangelhos Isso se comprova nas palavras de Euseacutebio falando a respeito de Papias que este ldquojulgava que natildeo poderia obter tanto proveito da leitura dos livros quanto da viva voz dos homens que ainda viviamrdquo (PAROSCHI 1999 p 101-102)

Da mesma maneira os versiacuteculos em questatildeo possivelmente tenham sido um fragmento de alguma tradiccedilatildeo seja esta escrita ou oral que foi por algum tempo em algum lugar anotada agrave margem de algum Evangelho ca-nocircnico e que sem duacutevida incluiacuteam em sua narrativa um alto grau de auten-ticidade e valor intriacutenseco (PLUMMER 1896 p 509) Por fim devemos entender que nas palavras de Plummer (PLUMMER 1896 p 544)

pouco importa se Lucas incluiu os textos em sua narrativa con-tanto que a autenticidade destes seja reconhecida como tradiccedilatildeo evangeacutelica Neste contexto a passagem eacute como aquela que diz respeito agrave mulher apanhada em adulteacuterio [hellip] Noacutes natildeo preci-samos ter nenhuma hesitaccedilatildeo em mantecirc-la como uma genuiacutena parte da tradiccedilatildeo histoacuterica A histoacuteria eacute verdadeira quem quer que tenha escrito ela

Consideraccedilotildees finaisConsiderando toda a argumentaccedilatildeo proposta ao longo do trabalho

pode-se chegar a pelo menos cinco conclusotildees 1) os versiacuteculos 43 e 44 de Lucas 22 satildeo omitidos em diversos manuscritos antigos principalmente da famiacutelia alexandrina marcados com asteriscos em outros e transpostos den-tro do evangelho de Mateus em f13 2) a discussatildeo eacute melhor entendida quando vista em relaccedilatildeo agraves discussotildees teoloacutegicas do segundo seacuteculo e neste sentido o texto eacute compreendido como sendo uma interpolaccedilatildeo feita provavelmente por razotildees teoloacutegicas 3) discussotildees a respeito de uma linguagem lucana natildeo conduzem a nenhuma conclusatildeo plausiacutevel sendo verdade que posto dentro de sua periacutecope os versos devem ser considerados no miacutenimo como uma quebra no texto um parecircntese na narraccedilatildeo 4) a figura de Jesus apresentada nos versiacuteculo 43 e 44 natildeo estaacute de acordo com o restante do Evangelho que

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apresenta Cristo sempre de maneira calma com o controle dele mesmo e da situaccedilatildeo sem medo da morte e 5) em vista de sua antiga data e clara impor-tacircncia dentro da tradiccedilatildeo cristatilde o relato deve ser considerado verdadeiro e um resgate feito por escribas do segundo seacuteculo salvando uma histoacuteria que de outra maneira teria sido esquecida E a estes escribas a nossa gratidatildeo

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Enviado dia 14012013Aceito dia 11032013

Disciplina eclesiaacutestica e a realidade juriacutedico-social

Church discipline and juridic-social reality

Jorge Lucien Burlandy1

ResumoAbstract

Durante o desenvolvimento da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) diver-sas mudanccedilas foram realizadas nas ediccedilotildees do Manual da Igreja (1932-2010) em especial no item de disciplina eclesiaacutestica a fim de aprimorar

sua praacutetica Natildeo obstante a lideranccedila da IASD costuma falhar na aplicaccedilatildeo desses princiacutepios em virtude do desconhecimento das implicaccedilotildees judiciais na praacutetica da disciplina Atraveacutes da anaacutelise do funcionamento de algumas normas da legislaccedilatildeo brasileira relacionadas com as praacuteticas religiosas e seus principais reflexos na apli-caccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica este artigo procura contextualizar a praacutetica discipli-nar e evitar desentendimentos correntes na administraccedilatildeo da igreja Palavras-chave Disciplina Legislaccedilatildeo Eclesiologia Manual da igreja

During the development of the Seventh Day Adventist Church several changes were made in the editions of the Church Manual (1932-2010) The ecclesiastical discipline had several modifications so it could be

applied in better ways However church leaders sometimes fail when applying discipline because they donrsquot know its judicial implications This article aims to approach the ecclesiastical discipline to the Brazilian legislation recommenda-tions about religious practices and how it interferes in the common procedure of discipline In this sense it may be possible to avoid misunderstandings and complications for the church administrators resulted from disciplineKey-words Discipline Legislation Ecclesiology Church Manual

1 Ex-diretor e professor do Seminaacuterio Latino-Americano de Teologia e pastor jubilado E-mail jorgeburlandyhotmailcom

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O Antigo Testamento apresenta ocasiotildees especiacuteficas onde Deus procu-ra orientar ou corrigir o seu povo atraveacutes de prescriccedilotildees legais (Ecircx 201-17 3225-28 Lv 101-6 Dt 134-35 171-7) Essas prescriccedilotildees variam abran-gendo tanto os elementos lituacutergicos como civis entre a naccedilatildeo teocraacutetica ndash principalmente apoacutes o estabelecimento das 12 tribos em Canaatilde sob a lide-ranccedila dos profetas e juiacutezes (Jz 37-114478 11 e 15 1Sm 72-4) Assim cada prescriccedilatildeo possui caraacuteter de beneficecircncia onde o proacuteprio Deus procura orientar Israel a fim de conservaacute-los no caminho da vida (Dt 624 3015 e 19 3247) O sentido juriacutedico dos mandamentos foi igualmente enfatizado no Novo Testamento atraveacutes das abordagens de Cristo em algumas ocasiotildees onde procura reutilizar-se de algumas das preleccedilotildees divinas (Mt 1815 191-8 Mc 101-8) Dessa forma eacute atraveacutes das prescriccedilotildees neotestamentaacuterias que encontramos as bases fundamentais para a praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica na Igreja Adventista do Seacutetimo Dia (IASD) tema do nosso estudo2

Muito embora os apoacutestolos tenham seguido as prescriccedilotildees de Cristo a respeito da Disciplina Eclesiaacutestica (At 51-10 1Co 51-7) as proacuteprias Es-crituras atestam que apoacutes a morte dos uacuteltimos disciacutepulos de Jesus boa parte do cristianismo lentamente se afastava da Biacuteblia sendo assim influenciado por pensamentos e costumes pagatildeos (At 2029-30 2Ts 23 e 7)3 A Disciplina Eclesiaacutestica foi considerada como accedilatildeo redentiva e praticada com base nos princiacutepios biacuteblicos ateacute aproximadamente o seacuteculo IV Eacute compreendido que nos primeiros anos do cristianismo apoacutes Constantino as heresias eram pu-nidas apenas como castigos eclesiaacutesticos (como a excomunhatildeo) No periacuteodo da Idade Meacutedia (sec 12) que ela intensificou seu significado punitivo atraveacutes da ldquoSanta Inquisiccedilatildeordquo que inicialmente tratando de heresias praticaram brutalidades injustificaacuteveis em nome da suposta feacute cristatilde Com o passar do tempo a violenta correccedilatildeo praticada pelo pretenso cristianismo foi associa-da agrave praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica como um elemento essencialmente punitivo (JESCHKE 1972 p 10)

2 Natildeo eacute intenccedilatildeo deste estudo o aprofundamento biacuteblico na teologia da Disciplina Eclesi-aacutestica As consideraccedilotildees que se seguem pressupotildeem um fundamento biacuteblico como princiacutepio norteador da praacutetica da disciplina 3 Durante os primeiros quatro seacuteculos as doutrinas de Cristo foram alteradas e cada mu-danccedila concedeu mais poder ao bispo ldquoJuntamente com tais pessoas de fora Paulo tambeacutem menciona a possibilidade de pessoas de dentro da igreja que adotariam ensinos pervertidos para seduzir a congregaccedilatildeordquo (MARSHALL 2006 p 312) Ellen G White (1999 p 587) alega que ldquoCedo na histoacuteria da igreja o misteacuterio da iniquidade predito pelo apoacutestolo Paulo iniciou sua calamitosa obra e quando os falsos ensinadores a cujo respeito Pedro advertiu os crentes exibiram suas heresias muitos foram seduzidos pelas falsas doutrinasrdquo

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Em ocasiotildees posteriores a feacute reformada (sec 16) procurou restabelecer as antigas praacuteticas biacuteblicas relacionadas agrave Disciplina Eclesiaacutestica A fim de apregoar a ldquopura doutrina do evangelhordquo segundo J Carl Laney (1985 p 43) a Confissatildeo Belga (1561) em solo reformado identificou a Discipli-na Eclesiaacutestica como ldquouma das marcas da verdadeira igrejardquo Isso tambeacutem ocorreu em situaccedilotildees posteriores como eacute o caso da IASD que procurou atraveacutes dos anos de seu desenvolvimento institucional aprimorar as orienta-ccedilotildees eclesiaacutesticas a respeito dessa praacutetica

Natildeo obstante algumas questotildees em relaccedilatildeo agrave praacutetica da disciplina ain-da continuam em parte pendentes em virtude do pouco conhecimento e das aplicaccedilotildees e conceitos errocircneos que continuam correntes por parte da membresia e da administraccedilatildeo pastoral Atraveacutes da anaacutelise histoacuterica do marco regulatoacuterio e teoacuterico-praacutetico acerca da Disciplina Eclesiaacutestica tal como apre-sentado no Manual da Igreja a seguinte questatildeo precisa ser debatida quais satildeo as principais dificuldades na praacutetica da Disciplina Eclesiaacutestica e como resolvecirc-

-las dentro da realidade juriacutedico-social brasileira Neste artigo trataremos de responder essa questatildeo a fim de sugerir praacuteticas que podem ser realizadas na Disciplina Eclesiaacutestica segundo o Manual da Igreja Adventista

A disciplina eclesiaacutestica e o Manual da Igreja

Os pioneiros da IASD antes de sua organizaccedilatildeo formal sentiram a ne-cessidade de adquirir propriedades para a construccedilatildeo de igrejas e de empre-ender a obra de publicaccedilotildees visto que a mensagem adventista estava sendo levada a novos territoacuterios Com o desenvolvimento da Igreja4 alguns liacutederes perceberam que a fim de que o movimento se fortalecesse algum tipo de ordem e disciplina deveria prevalecer em consenso Com a organizaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral ndash oacutergatildeo administrativo mundial da Igreja ndash em 1863 se comeccedilou a registrar votos em suas assembleias relacionados com a adminis-traccedilatildeo eclesiaacutestica Contudo a ideia de se imprimir um manual foi rejeita-da pensava-se que com isso estaria tolhendo a liberdade de accedilatildeo dos seus

4 Neste trabalho utilizaremos o termo ldquoIgrejardquo com letra maiuacutescula para fazer referecircncia agrave Igreja Adventista do Seacutetimo Dia como instituiccedilatildeo ou agrave Igreja cristatilde em geral perceptiacutevel em seu contexto Por outro lado utilizaremos o termo ldquoigrejardquo em letra minuacutescula a fim de fazer referecircncia agrave igreja local composta por uma comunidade comum de membros

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ministros (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 17)5 Somente no ano de 1932 eacute que foi publicado um manual por iniciativa da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral conforme solicitado ao vice-presidente JL McElhany apoacutes a aprovaccedilatildeo das mesas (BEACH 1979 p 11-13)

Foi a partir da impressatildeo do primeiro manual em inglecircs publicado em 1932 que se percebeu a necessidade de constantes atualizaccedilotildees a fim de aperfeiccediloar as praacuteticas eclesiaacutesticas Fatos como estes levaram a Igreja em assembleias mundiais posteriores a aperfeiccediloar a redaccedilatildeo e a introdu-zir orientaccedilotildees sobre aspectos novos natildeo abordados no manual anterior O multiculturalismo regional e mundial que influenciava as variadas formas de crenccedilas nas igrejas locais criou a necessidade de posicionamentos e votos especiais que levaram a votar o Conciacutelio Outonal de 1950 (apud GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p xxi)

que cada divisatildeo do campo mundial inclusive a Divisatildeo Norte--Americana prepare um suplemento do Novo Manual da Igreja natildeo para modificaacute-lo mas contendo o material adicional que seja aplicaacutevel agraves condiccedilotildees e circunstacircncias que prevaleccedilam na respec-tiva Divisatildeo Os manuscritos desses suplementos deveratildeo ser sub-metidos agrave consideraccedilatildeo da Comissatildeo da Associaccedilatildeo Geral para serem por ela referendados antes de impressos

Sobre as alteraccedilotildees encontradas no Manual da Igreja em inglecircs da primei-ra impressatildeo em 1932 ateacute a de 1942 (1932 1934 1938 1940 1942) a seccedilatildeo sobre Disciplina Eclesiaacutestica que estava no capiacutetulo 4 a partir das ediccedilotildees de 1951 ateacute 1963 (1951 1959 e 1963) passaram a compor o capiacutetulo de nuacutemero 13 Quanto ao toacutepico ldquoRazotildees Para a Disciplina dos Membrosrdquo a ediccedilatildeo de 1967 teve uma pequena alteraccedilatildeo a seguinte de 1971 permaneceu igual agrave anterior As ediccedilotildees de 1976 1981 e 1986 tiveram alteraccedilotildees Na ediccedilatildeo de 1990 constata-se apenas uma nota contendo uma errata Quanto agraves ediccedilotildees de 1995 ateacute 2010 (1995 2000 2005 e 2010) todas tiveram alteraccedilotildees no capiacutetulo sobre a disciplina6

5 No entanto a mais alta instacircncia eclesiaacutestica continuava a registrar votos relativos agrave adminis-traccedilatildeo isto levou alguns influentes liacutederes a desejarem reunir esses votos num livro O Pastor JN Loughborough por iniciativa pessoal no ano de 1907 reuniu os votos em um livro de 184 paacutegi-nas intitulado A Igreja sua Organizaccedilatildeo Ordem e Disciplina (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2010 p 18) Essa obra ocupou por muito tempo um lugar de honra no movimento6 Todos os manuais em inglecircs citados estatildeo disponiacuteveis online no site da Conferecircncia Geral (1983) da Igreja Adventista do Seacutetimo dia Este trabalho foi baseado numa Tese doutoral com o mesmo tiacutetulo O capiacutetulo dois (ldquoDisciplina Eclesiaacutestica e o Manual da Igrejardquo) explo-

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Analisando os manuais publicados percebe-se que nos uacuteltimos anos a IASD preocupou-se em adequar as normas instrutivas do seu manual pro-porcionando natildeo apenas a adequaccedilatildeo das suas normas7 mas tambeacutem a refor-mulaccedilatildeo da estrutura da Disciplina Eclesiaacutestica aleacutem da ampliaccedilatildeo8 da seccedilatildeo sobre disciplina (notadamente as ldquoRazotildees para Disciplina dos Membrosrdquo)

Obstaacuteculos agrave aplicaccedilatildeo da disciplina eclesiaacutestica

Apesar de trabalhar intensamente em prol do aperfeiccediloamento da Dis-ciplina Eclesiaacutestica atraveacutes das vaacuterias reformulaccedilotildees dos seus manuais (edi-ccedilotildees de 1932 a 2010) a Igreja tem encontrado atraveacutes dos tempos diversos empecilhos que tecircm dificultado a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Den-tre as principais dificuldades estatildeo alguns empecilhos que tecircm se manifes-tado atraveacutes das diversas correntes filosoacuteficas e eclesiaacutesticas que moldam a sociedade e acabam influindo nas atividades da Igreja

Obstaacuteculos filosoacuteficosO movimento filosoacutefico-cultural que se constituiu num entrave e se

contrapocircs aos ensinos da Biacuteblia por exemplo foi o Iluminismo Apoacutes a Ida-de Meacutedia cresceram os movimentos anticlericais e os ataques ao dogmatismo

rou de maneira mais demorada cada alteraccedilatildeo encontrada no manual (tanto em inglecircs como em portuguecircs) do ano de 1932 ao ano de 20107 Como por exemplo quando a Igreja percebeu que os atos de violecircncia fiacutesica eram co-muns entre os da feacute bem como entre familiares Por isso um novo toacutepico passou a tratar da nova realidade Ateacute entatildeo os termos em portuguecircs usados nos manuais (1936 1958 1965 1981 1992 e 1996) para significar o desligamento de um membro da comunhatildeo eclesiaacutestica eram ldquoeliminaccedilatildeordquo e ldquoexclusatildeordquo na ediccedilatildeo de 2001 aparece a palavra ldquoremoccedilatildeordquo (GENE-RAL CONFERENCE OF SDA 2001 p 191)8 Na sexta ediccedilatildeo do manual em inglecircs foi ampliado o toacutepico de ldquoRazotildees para a Disciplina dos Membrosrdquo de quatro para sete itens com pequenas alteraccedilotildees nos itens jaacute existentes O primeiro item intitulado ldquoFalta de feacuterdquo mudou para ldquoNegaccedilatildeo da feacuterdquo O terceiro item passou a ser ldquoFraude ou deliberada falsidade no comeacuterciordquo o quarto item passou a ser ldquoProcedimento desordenado que traga oproacutebrio sobre a causardquo o quinto item passou a ser intitulado ldquoPer-sistente negativa quanto a reconhecer as autoridades da igreja devidamente constituiacutedas ou por natildeo querer submeter-se agrave ordem e agrave disciplina da igrejardquo o quarto item da ediccedilatildeo anterior foi desdobrado o sexto passou a ser ldquoO uso o fabrico ou venda de bebidas alcooacutelicasrdquo e o seacutetimo foi redigido como ldquoO uso ou o haacutebito de drogas narcoacuteticasrdquo (GENERAL CONFE-RENCE OF SDA 1951 p 224)

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religioso A Igreja Catoacutelica Romana dita cristatilde havia fortalecido as suas es-truturas hieraacuterquicas dominadoras Os que natildeo se submetiam ao clero eram perseguidos e destruiacutedos Ela dominava todos os aspectos da vida humana no mundo civilizado e impunha suas ideias e crenccedilas Quando a Europa cansada de tantas guerras e desiludida com o domiacutenio do clero comeccedilou a experimentar mudanccedilas culturais surgiram forccedilas que deram outro rumo agrave vida social e poliacutetica do continente europeu Estas forccedilas minaram o domiacute-nio da Igreja Catoacutelica Romana Assim os seacuteculos 14 15 e 16 viram nascer e se desenvolver o que hoje se conhece como o Renascimento Neste tempo comeccedilou-se a esboccedilar o emprego de meacutetodos cientiacuteficos na busca da verda-de cresceu o interesse no estudo da natureza e passou-se a valorizar mais o ser humano As trevas intelectuais predominantes na Idade Meacutedia foram substituiacutedas pelo Iluminismo que fez nascer a Idade da Razatildeo

Durante o Iluminismo buscou-se enaltecer o ser humano exaltando suas potencialidades valorizou-se as iniciativas dos leigos em detrimento das atividades da Igreja cristatilde Houve um esforccedilo consciente no sentido de se endeusar a razatildeo e incentivar o abandono de preceitos tradicionais do cristia-nismo9 Objetivaram o progresso de todas as atividades humanas sobretudo propugnando pela liberdade de exteriorizaccedilatildeo do pensamento (GEISLER 2002 p 410) O Iluminismo abriu as portas para o pluralismo religioso para a criacutetica biacuteblica e a rejeiccedilatildeo dela por influecircncia do Iluminismo passou-se a deslocar Deus do centro e a valorizar em demasia o potencial humano

Em virtude do combate frontal contra o professo cristianismo o con-ceito de pecado foi esquecido e a Igreja cristatilde perdeu sua relevacircncia Grenz (1997 p 109) comenta que os eacuteticos do Iluminismo afastaram-se da crenccedila de que todos os seres humanos nascem em pecado e satildeo naturalmente incli-nados agrave praacutetica do mal acolheram a afirmaccedilatildeo de John Locke (1632-1704) de que a mente humana a princiacutepio ldquoeacute como dissemos um papel branco desprovido de todos os caracteres sem quaisquer ideiasrdquo (LOCKE 1978 p 159) Tal postura por conseguinte distorce o ensino biacuteblico acerca da peca-minosidade intriacutenseca do ser humano (ver Sl 515 583 Ef 23) e abre ca-minho para reduzir a responsabilidade na praacutetica de atos maus enfraquece a ideia de que o pecado deve ser controlado pela graccedila de Deus e finalmente

9 Nesse sentido o Racionalismo apresentou-se ldquocomo filosofia que enfatiza a razatildeo como meio de determinar a verdaderdquo (GEISLER 2002 p 735) Para o racionalista a razatildeo eacute o uacutenico meio de se chegar agrave verdade Ao se exaltar a razatildeo eacute excluiacuteda a utilidade praacutetica da Biacuteblia Embora se encontre teses racionalistas desde os dias de Platatildeo na Greacutecia antiga o racionalismo ganhou im-portacircncia no meio cientiacutefico a partir do Iluminismo europeu com Descartes Spinoza e Leibniz

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vencido A uacutenica autoridade responsaacutevel pelos atos do ser humano eacute ele mes-mo natildeo devendo assim prestar contas a ningueacutem atraveacutes da disciplina

Com o crescimento do Iluminismo surge o Individualismo que em sua forma radical contraria posiccedilotildees da feacute cristatilde Este eacute o sistema de pen-samento que considera a sociedade apenas como um grupo de indiviacuteduos em que a pessoa tem um direito proacuteprio acima dos direitos coletivos10 Ateacute onde se pode concordar com o Individualismo sem afastar o ser humano da influecircncia beneacutefica de uma instituiccedilatildeo religiosa Segundo Melbourne (2007 p 126) ldquoa cultura ocidental eacute individualista Para muitos cristatildeos eacute gostoso fazer as coisas a sua maneirardquo Alguns aspectos desta corrente poreacutem po-dem receber o apoio cristatildeo quando fundamentados na Biacuteblia No dizer de Grenz (1997 p 243) ldquodevemos ter sempre em vista os temas biacuteblicos do cuidado de Deus para com cada pessoa a responsabilidade de todo ser humano diante de Deus e a orientaccedilatildeo individual que faz parte da mensa-gem de salvaccedilatildeordquo Deus criou cada ser humano com individualidade proacutepria que precisa ser respeitada Se por um lado o Individualismo fortalece a luta contra todas as formas de absolutismo e totalitarismo por outro lado quando levado aos extremos anula alguns aspectos positivos da vida em co-munidade ndash do ponto de vista social poliacutetico e econocircmico

Essa filosofia propagou os ldquodireitos inatos do indiviacuteduordquo como liber-dade para usar a razatildeo para determinar por si o que eacute certo e o que eacute erra-do poreacutem fez com que fossem extrapolados certos limites e se criassem

ldquodireitosrdquo que dificultaram a proclamaccedilatildeo da salvaccedilatildeo baseada na Biacuteblia O Individualismo extremado que rejeita a interferecircncia de outros em sua vida rejeita a accedilatildeo da igreja para ajudaacute-lo a direcionar as accedilotildees Essa posiccedilatildeo di-ficulta a aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica Por outro lado a igreja esti-mula a disciplina pessoal de cada crente promove a disciplina preventiva e quando necessaacuterio aplica a corretiva Para tudo isso eacute imprescindiacutevel a atuaccedilatildeo da comunidade de feacute e o respeito que eacute a consideraccedilatildeo bem como a responsabilidade que o cristatildeo deve ter quando pratica essa accedilatildeo

10 Por outro lado o coletivo levado a extremos tambeacutem eacute prejudicial Os ensinos de Je-sus conduzem agrave valorizaccedilatildeo e ao respeito do indiviacuteduo todavia o leva a uma nova vida e agrave inserccedilatildeo do mesmo na Igreja Aquele que entra para a Igreja (o Corpo de Cristo) pelo batismo compromete-se agrave submissatildeo aos princiacutepios e crenccedilas ensinados pela Igreja base-ados na Biacuteblia Os pilares da feacute cristatilde satildeo oriundos da Biacuteblia que juntamente com a accedilatildeo eclesiaacutestica exerceratildeo um saudaacutevel controle das accedilotildees individuais para o bem de todos O Individualismo tem algumas influecircncias positivas para sociedade humana ocidental foi agrave radicalizaccedilatildeo que o tornou prejudicial

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Ademais o ser humano poacutes-moderno resiste agrave ideia da existecircncia de uma verdade universal o que implica na perda de todo criteacuterio final para se avaliar as vaacuterias interpretaccedilotildees da realidade A verdade seria definida como aquilo que a sociedade crecirc ou ldquoo que eu creiordquo Nietzsche (1974 p 241-242) chegou a afirmar que ldquonada haacute que sustente os valores humanos exceto a vontade da pessoa que os possui As coisas tecircm valor em nosso mundo so-mente agrave medida que lhes damos valor A mente humana eacute a uacutenica fonte de valoresrdquo Esta posiccedilatildeo eacute contraacuteria ao ensinamento Biacuteblico e tambeacutem inviabi-liza o trabalho de recuperaccedilatildeo do pecador atraveacutes da Disciplina Eclesiaacutestica

Obstaacuteculos eclesiaacutesticos

A negligecircncia eclesiaacutestica

Segundo John White e Ken Blue ldquoa disciplina corretiva da igreja sempre esteve oprimida pelo conceito de que a pregaccedilatildeo da Biacuteblia inspirada pelo Es-piacuterito Santo gera por si soacute uma congregaccedilatildeo santificadardquo (WHITE BLUE 1985 p 26) Esse conceito parece promulgar a desconsideraccedilatildeo da praacutetica dis-ciplinar e enfatizar a pregaccedilatildeo biacuteblica como suficiente para corrigir e instruir a membresia Contudo eacute essencial termos em conta o que Berkhof (2002 p 528-529) considera como a ldquoterceira marca da igreja verdadeirardquo que aleacutem da pregaccedilatildeo e da celebraccedilatildeo dos ritos representa a praacutetica da disciplina11

A Disciplina Eclesiaacutestica contribui para a manutenccedilatildeo qualitativa da igreja A utilizaccedilatildeo da pregaccedilatildeo biacuteblica na educaccedilatildeo dos membros eacute essen-cial para a formaccedilatildeo do caraacuteter cristatildeo (ver 1Co 118 21) mas a exortaccedilatildeo eacutetica do puacutelpito natildeo pode excluir a Disciplina Eclesiaacutestica por esta constituir-

-se de uma praacutetica que edifica o corpo administrativo e relacional da igreja (Mt 1815-18 At 51-10 1Co 51-7) A pregaccedilatildeo Biacuteblica quando utilizada de maneira repreensiva estaacute limitada agrave aceitaccedilatildeo ou desconsideraccedilatildeo do ouvinte independentemente de sua relevacircncia Em ocasiotildees de necessidade extrema de correccedilatildeo ela natildeo eacute capaz de inverter o quadro organizacional da igreja tor-nando necessaacuteria a Disciplina Eclesiaacutestica Nas palavras de John White e Ken Blue (1985 p 27) o trato imediato das problemaacuteticas da igreja ldquonatildeo eacute reavi-vamento episoacutedico Eacute a igreja tratando com o pecado atraveacutes da disciplinardquo

11 O princiacutepio da disciplina estaria no sentido da ldquoconversatildeordquo que segundo Douglas (1999 p 319) significa ldquovoltar-se ou retornar para Deus As principais palavras originais para ex-pressar essa ideia satildeo no Antigo Testamento shuv (traduzida por lsquovoltar-sersquo ou lsquoretornarrsquo) e no Novo testamento strefomai (Mt 183 Jo 1240) [hellip] cf o portuguecircs lsquoconverter-sersquordquo

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O zelo quantitativo

Algumas igrejas podem manifestar certo receio no que se refere agrave aplica-ccedilatildeo da disciplina em virtude da diminuiccedilatildeo do nuacutemero de membros da comu-nidade Esse temor poreacutem natildeo parece ser justificaacutevel a menos que se deixe de implementar outras medidas (por exemplo o discipulado as classes biacuteblicas etc) para a conservaccedilatildeo dos membros juntamente com a aplicaccedilatildeo da disci-plina Por outro lado haacute igrejas mais preocupadas com nuacutemeros de membros do que com a pureza do caraacuteter deles Embora seja natural que se busque o crescimento da igreja a Biacuteblia parece valorizar mais o caraacuteter do crente do que a quantidade de pessoas que servem na congregaccedilatildeo (ver Jz 719 1Co 51-7)

Nesse sentido ldquoa disciplina natildeo faraacute com que a igreja recue Faraacute com que ela cresccedila natildeo apenas numericamente mas em poder de combate [hellip] As pessoas satildeo atraiacutedas agraves igrejas onde haacute disciplina de fatordquo (WHITE BLUE 1985 p 30) A igreja natildeo pode ser um exeacutercito recuado Na verdade uma congregaccedilatildeo forte espiritualmente experimentaraacute crescimento numeacuteri-co e tambeacutem quanto agrave pureza e santidade

A condiccedilatildeo imperfeita da comissatildeo

Haacute quem considere inapropriada a situaccedilatildeo em que um conjunto de membros se reuacutena a fim de julgar o caso de um faltoso visto que em ambos os lados nenhum deles possui um caraacuteter cristatildeo perfeito De fato a igreja eacute um lugar para pecadores poreacutem os que estatildeo sob influecircncia do Espiacuterito Santo natildeo desejam permanecer sob o jugo do pecado eles procuram permanecer em Cristo mesmo natildeo sendo perfeitos (ver 1Jo 229 39) Nesse caso a Discipli-na Eclesiaacutestica trataraacute de pecados manifestados publicamente Essa disciplina tambeacutem ajuda as pessoas a manterem-se distantes do erro cometido

O voto num processo disciplinar natildeo objetiva prejudicar o faltoso mas despertaacute-lo para a consciecircncia do mal praticado visto que o seu pecado se tor-nou puacuteblico Sobre uma experiecircncia de disciplina White e Blue (1985 p 77) escrevem ldquoEu natildeo havia percebido antes natildeo tinha consciecircncia de quatildeo enga-noso e doente era meu coraccedilatildeo nem quatildeo bom era Deus Nunca havia sentido antes Deus transformar meu coraccedilatildeo de pedrardquo Nesse caso o voto natildeo eacute prati-cado a fim de denegrir a imagem do proacuteximo mas para redimi-lo Contudo ldquoo homem natural natildeo aceita as coisas do Espiacuterito de Deusrdquo (1Co 214) mesmo que o processo disciplinar seja bem conduzido alguns o rejeitaratildeo

A vista das dificuldades listadas acima nota-se que embora corren-tes elas natildeo satildeo inteiramente justificaacuteveis poreacutem ainda assim constituem

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obstaacuteculos para a aplicaccedilatildeo dos princiacutepios contidos no Manual da Igreja por acatarem questotildees filosoacuteficas baacutesicas que em certas ocasiotildees natildeo satildeo perce-bidas pelos membros da igreja Dessa forma como a Disciplina Eclesiaacutestica poderia atuar diante destas dificuldades sem ferir os direitos da Igreja e a dignidade dos membros

A disciplina eclesiaacutestica e a legislaccedilatildeo brasileira

A praacutetica eclesiaacutestica de disciplina natildeo pode estar limitada ao ambiente igrejeiro sem nenhuma participaccedilatildeo ou interferecircncias do Estado existem aspec-tos juriacutedicos que devem ser compreendidos antes da promulgaccedilatildeo de qualquer ato de correccedilatildeo principalmente quando envolve pessoas fiacutesicas Para compre-ender melhor o modo como a Legislaccedilatildeo Brasileira torna legiacutetimos os cuidados com a administraccedilatildeo da Igreja e em particular com aplicaccedilatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica eacute necessaacuteria a compreensatildeo em suma do funcionamento de al-gumas leis especiacuteficas A Constituiccedilatildeo Federal eacute a lei maior as demais (Coacutedigo Civil o Comercial o de Processo Civil o Coacutedigo Penal e leis complementares os ldquoCoacutedigos Legaisrdquo) satildeo hierarquicamente inferiores mas estatildeo amparadas agrave medida que se sustentem na lei superior Elas formam um sistema unitaacuterio pois estatildeo interligadas (SIQUEIRA JR 2010 p 100-101) As leis menores devem concordar com a maior ou seja com a Constituiccedilatildeo Federal

As organizaccedilotildees religiosas no Brasil satildeo protegidas pela lei e devem funcionar respeitando as leis civis Na IASD o Estatuto Social das Uni-otildees12 e o Manual da Igreja satildeo fonte de conduta Uma vez estando em consonacircncia com as leis da Federaccedilatildeo as igrejas teratildeo o amparo delas este eacute o caso da IASD

A Constituiccedilatildeo Federal por exemplo proclama a dignidade humana Eacute reconhecido que o ser humano possui o poder de escolha ele natildeo somente tem vontade ele a exerce em seu proacuteprio paiacutes (BRASIL 2007) Por respeitar o livre arbiacutetrio humano a Legislaccedilatildeo Brasileira garante a livre crenccedila e culto no paiacutes ndash garantia aos direitos sociais e individuais A dignidade humana

12 Uniotildees compreendem unidades administrativas da IASD com igrejas num determinado territoacuterio de uma regiatildeo de proximidade geograacutefica formadas por alguns campos como as-sociaccedilotildees e missotildees As associaccedilotildees quase sempre abarcam as igrejas dentro de um Estado da Federaccedilatildeo Os estados com grande territoacuterio podem ser subdivididos em mais de um campo (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2000a p 26)

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ampara a capacidade de autodeterminaccedilatildeo todavia ressalta a responsabi-lidade moral do indiviacuteduo pelo exerciacutecio da sua vontade ao fazer escolhas tendo a liberdade religiosa como uma delas

Por consequecircncia a dignidade do ser humano preceituada na Cons-tituiccedilatildeo Federal conduz ao fato de que este tem o direito agrave autonomia da vontade sobretudo quando expressa desejos existenciais dentre as quais se inclui a dignidade religiosa (BARROSO 2010 p 28) ndash seu direito contu-do natildeo pode coligir com o direito de outros O ser humano tem responsabi-lidade moral por suas escolhas e deve dar conta delas A liberdade humana natildeo eacute total ela eacute limitada pela lei para preservar o harmonioso conviacutevio social13 Neste aspecto

eacute necessaacuterio estabelecer um limite entre a esfera da atividade do Estado e uma esfera proacutepria da liberdade individual O Direito natildeo eacute suficiente e apropriado para assuntos de pensamento consciecircn-cia e religiatildeo Portanto natildeo seratildeo as regras do direito que regeratildeo as regras desse homem as atitudes desse homem mas as suas atitu-des seratildeo regidas pelas regras ditadas pela sua consciecircncia tomaraacute esta ou aquela atitude segundo melhor lhe aprouver e de acordo com seus pensamentos e decisotildees (PALAIO 2005 p 4)

A praacutetica de uma religiatildeo eacute assunto de consciecircncia de foro iacutentimo sen-do assim livre da intromissatildeo do Estado desde que a praacutetica religiosa natildeo estimule a violaccedilatildeo da dignidade humana o Brasil natildeo tem uma religiatildeo ofi-cial ndash embora natildeo trabalhe de forma antirreligiosa (MENDES et al 2008 p 418) como pode ser notado na promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 onde os constituintes escreveram no preacircmbulo ldquonoacutes representantes do povo brasileiro [hellip] promulgamos sob a proteccedilatildeo de Deus a seguinte Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasilrdquo (BRASIL 2011a p 15) Assim o Estado brasileiro permite a celebraccedilatildeo de todos os tipos de cultos consente que toda e qualquer religiatildeo se estabeleccedila em seu territoacuterio desde que respeitem as leis do paiacutes Segundo Mendes et al (2008 p 417) ldquona liber-dade de religiatildeo inclui-se a liberdade de organizaccedilatildeo religiosa O Estado natildeo pode interferir sobre a economia interna das Associaccedilotildees religiosasrdquo Por

13 Em Romanos 131 Paulo alega que ldquotodo homem esteja sujeito agraves autoridades superiores porque natildeo haacute autoridade que natildeo proceda de Deus e as autoridades que existem foram por ele constituiacutedasrdquo Pedro 213-15 tambeacutem procura exortar os crentes a sujeitarem-se ldquoa toda instituiccedilatildeo humanardquo e isso ldquopor causa do Senhorrdquo (ver Ec 82-4)

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conseguinte uma vez que o Estatuto Social (normas que regem as Uniotildees na IASD) e o Manual da Igreja (normas que regem a IASD no mundo todo) es-tejam em conformidade com as leis do paiacutes como eacute o caso a Igreja tem todo o direito de reger a vida dos que pertencem a esta entidade religiosa ela pode se pronunciar livremente a respeito da conduta de seus membros quando em conformidade com as leis nacionais14 Pode-se dizer que no Brasil qual-quer pessoa pode professar a feacute que escolher

A Igreja passa a existir do ponto de vista legal no momento em que o seu Ato Constitutivo (ou Estatuto Social15) eacute registrado no Cartoacuterio de Registro Civil Passa entatildeo a ser uma pessoa juriacutedica de direito privado A Igreja como personalidade juriacutedica possui seus direitos Sobre isto diz Garcia (2003 p 47)

Por serem entidades dotadas de personalidade pelo ordenamen-to juriacutedico-positivo as pessoas juriacutedicas tem direitos de perso-nalidade ou seja direito ao nome agrave marca agrave honra objetiva agrave imagem ao segredo etc [hellip] Como exemplo de construccedilatildeo ju-

14 Nas palavras de Mendes et al (2008 p 417) ldquona liberdade religiosa incluem-se a liberda-de de crenccedila de aderir a alguma religiatildeo e a liberdade do exerciacutecio do culto respectivo A lei deve proteger os templos e natildeo deve interferir nas liturgias a natildeo ser que assim o imponha algum valor constitucional concorrente de maior peso na hipoacutetese consideradardquo15 Ato Constitutivo eacute o documento que torna legal a existecircncia de uma pessoa juriacutedica apoacutes ser registrado no Cartoacuterio ou Oficio de Registro Civil de Pessoas Juriacutedicas da comarca onde ela estaacute estabelecida Estes atos satildeo chamados na maioria das vezes de Estatuto Social Nele deve constar sua denominaccedilatildeo seus objetivos sociais sua constituiccedilatildeo (por exemplo uma associaccedilatildeo de pessoas fiacutesicas) a localizaccedilatildeo da sua sede o territoacuterio de sua abrangecircncia como seraacute administrada como se processa a eleiccedilatildeo de seus diretores por quanto tempo eacute o mandato da diretoria quais satildeo as atribuiccedilotildees principais de cada membro da diretoria as responsabilidades de natureza civil fiscal e tributaacuteria trabalhista previdenciaacuteria fundiaacuteria e sindical dos seus empregados como seus objetivos sociais deveratildeo ser alcanccedilados qual o pro-cedimento para que ela possa ser desconstituiacuteda e a declaraccedilatildeo da sua duraccedilatildeo (se por tempo determinado ou indeterminado) No caso de firmas comerciais o Ato Constitutivo eacute chama-do de Contrato Social e eacute registrado nas Juntas Comercias dos Estados (DINIZ 2005 v 2 p 378-493) O Estatuto impresso pela Uniatildeo Central Brasileira da IASD que compreende o Estado de Satildeo Paulo prevecirc o seguinte ldquoArt1ordm ndash [hellip] ldquoUniatildeo Central Brasileirardquo regida e administrada pelo presente Estatuto eacute uma organizaccedilatildeo religiosa pessoa juriacutedica de direito privado nos termos da Constituiccedilatildeo Federal e do inciso IV do art 44 da lei nordm 104062002 de fins eclesiaacutesticos e evangeliacutesticos natildeo lucrativos [hellip] Art 3ordm ndash O Manual da Igreja e os Regulamentos Eclesiaacutestico-Administrativos da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia constituem normas subsidiaacuterias da Legislaccedilatildeo Brasileira e do presente Estatuto na gestatildeo e administra-ccedilatildeo da Uniatildeo Central (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2008 p 1-2)rdquo

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risprudencial sobre danos morais citamos a Suacutemula 227 de 8 de setembro de 1999 do Superior Tribunal de Justiccedila A pessoa ju-riacutedica pode sofrer dano moral

Dessa forma assim como a Igreja que na qualidade de instituiccedilatildeo goza de proteccedilatildeo legal o cidadatildeo brasileiro vive tambeacutem sob o amparo da lei O que significa que se algueacutem ou alguma instituiccedilatildeo de alguma forma for atingido em sua imagem fama honra ou respeitabilidade tem amparo legal para se defender (BRASIL 2011b p 228) A vista disto eacute necessaacuterio que haja cuidado no caso aqui na igreja em natildeo atingir com palavras faladas ou escritas a dignidade de alguma pessoa (GARCIA 2003 p 48) Se isso ocorrer e o ofendido quiser processar judicialmente o ofensor e requerer in-denizaccedilatildeo por danos materiais ou morais teraacute o direito de fazecirc-lo Contudo o mesmo direito ao reclame por danos morais pode ser postulado pela Igreja

Assim deve-se estar atento para os seguintes aspectos 1) razotildees para disciplina satildeo apenas as que constam no Manual da Igreja no capiacutetulo que trata do assunto 2) um membro que falhou na vida espiritual deve ser con-frontado ouvido e aconselhado para que tudo se esclareccedila e se escolha as melhores accedilotildees futuras 3) caso o pecado seja grave havendo comprovaccedilatildeo a comissatildeo da igreja deve se reunir para tratar do assunto o faltoso deve ser avisado por escrito a fim de que tome as providecircncias pessoais necessaacuterias16 4) O Manual da igreja (GENERAL CONFERENCE OF SDA 2006 p 198) veda a representaccedilatildeo da pessoa cujo caso a comissatildeo vai analisar por um advogado 5) todo membro tem o direito de ser ouvido em defesa proacute-pria 6) deve-se dar ao faltoso o tempo necessaacuterio para organizar a sua defe-sa 7) o faltoso permaneceraacute na sala ateacute o esclarecimento do ocorrido 8) a deliberaccedilatildeo final da igreja deve ser feita num saacutebado de manhatilde 9) a decisatildeo seraacute tomada pela maioria dos presentes 10) quando a igreja for tratar o caso em assembleia o faltoso natildeo poderaacute falar em sua defesa (isso deve ter sido feito anteriormente) 11) o secretaacuterio(a) deve ser instruiacutedo(a) a registrar o ocorrido de forma geneacuterica atraveacutes de uma fraseologia que englobe o que

16 O secretaacuterio deve ficar com uma coacutepia do aviso pois a igreja pode precisar dele mais tarde Isso se justifica caso ocorra um possiacutevel processo judicial no qual conste o local o dia e a hora em que a comissatildeo da igreja vai se reunir visto que o faltoso tem o direito de estar presente caso queira ouvir o que se tem a dizer sobre o seu procedimento e se desejar contar a sua versatildeo dos fatos se defender produzindo provas e levando testemunhas a seu favor O aviso de que a comissatildeo vai estudar o seu caso deve ser formal

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aconteceu como ldquotransgressatildeo de mandamento da lei de Deusrdquo17 12) a ata deve ser cuidadosamente guardada

Sobre o recebimento ou desligamento de membros ningueacutem eacute forccedilado a se unir agrave Igreja nem a permanecer nela O ingresso como membro regular da igreja pode ocorrer pelos seguintes modos i) transferecircncia por carta de uma agrave outra igreja ii) por profissatildeo de feacute18 iii) ou por batismo Em todos os casos os membros da igreja local reunidos em assembleia votam se aceitam ou natildeo o candidato como membro A ldquoprofissatildeo de feacuterdquo confirmaraacute agrave igreja a tomada de decisatildeo quanto agrave aceitaccedilatildeo ou natildeo do indiviacuteduo Do mesmo modo se achar por bem assim fazecirc-lo a igreja pode retirar do registro de membros aqueles que natildeo vivem mais os princiacutepios ensinados por ela Quan-do um caso disciplinar for levado agrave consideraccedilatildeo da igreja reunida adminis-trativamente em assembleia cogita-se que o faltoso estaacute no uacuteltimo estaacutegio da disciplina As praacuteticas de disciplina preventiva foram esgotadas foi advertido e repreendido sem resultados O degrau posterior agrave disciplina eacute a remoccedilatildeo

Assim as leis brasileiras amparam o exerciacutecio da Disciplina Eclesiaacutesti-ca contudo elas devem ser observadas tambeacutem dentro da praacutetica do Manual da Igreja Agir dessa forma traacutes paz e seguranccedila para a accedilatildeo disciplinar

Exemplos de casos disciplinaresAgraves vezes a sentenccedila do juiz eacute favoraacutevel agrave Igreja outras vezes natildeo Veja-

-se os exemplos que seguem 1) Foi movida uma accedilatildeo cautelar agrave Uniatildeo Central Brasileira da Igreja

Adventista do Seacutetimo Dia19 pois uma das igrejas desse territoacuterio removeu do

17 Quanto ao pecado especiacutefico for o ldquoadulteacuteriordquo esta palavra natildeo deve constar na ata bem como qualquer outro que embora evidente seja difiacutecil de provar Caso ali se escreva alguma coisa que for julgado ofensivo a algueacutem e a pessoa entender que sua imagem foi atingida e tiver acesso agrave ata se ele quiser poderaacute mover um processo contra os responsaacute-veis pela declaraccedilatildeo levando-os a uma corte de justiccedila18 Para explicar o que eacute profissatildeo de feacute eacute necessaacuterio analisar o capiacutetulo que fala sobre esse assunto no Manual da Igreja (GENERAL CONFERENCE SDA 2010 p 55) ldquoRe-cebimento de Membros Sob Condiccedilotildees Difiacuteceis ndash Algumas vezes condiccedilotildees mundiais impedem a comunicaccedilatildeo para transferecircncia de membros Em tais circunstacircncias a igreja que recebe o membro em conselho com a Associaccedilatildeo se certificaraacute da situaccedilatildeo dessa pessoa e entatildeo receberaacute como membro por profissatildeo de feacute Se posteriormente as vias de comunicaccedilatildeo com a igreja ou Associaccedilatildeo de origem do membro se abrirem a igreja onde foi recebido enviaraacute uma carta informando o que foi feitordquo 19 Uniatildeo Central Brasileira refere-se agrave unidade administrativa da Igreja que tem atuaccedilatildeo e

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rol de membros algumas pessoas julgadas passiacuteveis de disciplina eclesiaacutestica O grupo removido entrou com processo contra a igreja local alegando que natildeo tiveram oportunidade de demonstrar suas razotildees de defesa ferindo as-sim o texto expresso da Constituiccedilatildeo Federal Os removidos exigiram con-cessatildeo de uma liminar para que fossem reintegrados ao quadro de membros novamente o que natildeo conseguiram

O magistrado reconheceu a condiccedilatildeo laica do Estado ao declarar que os que elaboraram a Constituiccedilatildeo Brasileira escolheram entre outros dois pos-tulados como seguem no Inciso I da Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a)

Art 19 Eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios I ndash estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionaacute-los embaraccedilar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relaccedilotildees de dependecircncia ou alianccedila ressalvada na forma da lei a colaboraccedilatildeo de interesse puacuteblico II ndash recusar feacute aos documentos puacuteblicos III ndash criar distinccedilotildees entre brasileiros ou preferecircncias entre si

A juiacuteza de Direito Rebeca Mendes Batista Mazzo citou o artigo 267ordm inciso VI do Coacutedigo de Processo Civil e vendo que tudo fora feito den-tro da legalidade natildeo encontrou motivos nem propriedade para atender ao pedido dos requerentes deu ganho de causa agrave Igreja em seu direito de deli-berar sobre a condiccedilatildeo de seus membros assinando a sentenccedila na cidade de Sertatildeozinho em Satildeo Paulo em 25 de Outubro de 2005

2) Um membro da IASD no Estado de Satildeo Paulo entrou com um processo contra a igreja que o disciplinou removendo-o do rol de mem-bros alegando que a accedilatildeo disciplinar ocorreu ldquosem que fosse adotado o procedimento previsto no Manual da Igreja uma vez que natildeo teve oportu-nidade de apresentar defesardquo como pode ser visto nos autos do processo nordm 23452002 sob jurisdiccedilatildeo da Juiacuteza Substituta Alexandra Laskowki (2003) no Foacuterum de Sorocaba (SP) Cartoacuterio do 2deg Oficio Civil Ele requereu sus-pensatildeo da decisatildeo de remoccedilatildeo e a determinaccedilatildeo para que seja notificado das acusaccedilotildees com antecedecircncia miacutenima de dez dias e que haja convoca-ccedilatildeo por edital da reuniatildeo A igreja apresentou contestaccedilatildeo alegando que a pessoa foi convocada para uma reuniatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo

abarca os campos como as associaccedilotildees e missotildees que estatildeo no estado de Satildeo Paulo

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e deixou de comparecer e acrescentou que o faltoso natildeo negou os motivos que ensejaram a sua remoccedilatildeo

A pessoa implicada apresentou reacuteplica alegando a natildeo observaccedilatildeo do procedimento adequado Consta nos autos do processo

com efeito o manual da igreja requerida determina o direito de defesa antes da votaccedilatildeo de exclusatildeo do membro conforme docu-mento de fls 5152 O requerente foi comunicado sobre a reuniatildeo para a sua exclusatildeo na data anterior a sua realizaccedilatildeo conforme confessa a requerida em sua contestaccedilatildeo assim evidente que natildeo foi possiacutevel a apresentaccedilatildeo de sua defesa (LASKOWKI 2003)20

ldquoRequeridardquo no texto supracitado se refere agrave igreja A justiccedila deu ga-nho de causa agrave pessoa removida suspendendo os efeitos da decisatildeo da as-sembleia da igreja local Os defensores da igreja entraram com uma apelaccedilatildeo ciacutevel pedindo revisatildeo a justiccedila negou provimento ao pedido ficando anu-lada a decisatildeo de excluir a pessoa ateacute que ocorresse um reestudo do caso agora tendo de ser atendido o Manual da Igreja

Consideraccedilotildees finaisNatildeo se deve pensar a Disciplina Eclesiaacutestica apenas no seu aspecto

corretivo fornecendo assim conotaccedilatildeo negativa a ela muitos confundem disciplina com castigo e rejeiccedilatildeo a Disciplina Eclesiaacutestica tem caraacuteter re-tentivo Deste modo pode-se promover o amadurecimento espiritual do cristatildeo com os recursos da disciplina preventiva e estimular a jornada cristatilde evitando futuros tropeccedilos Estes procedimentos visam sobretudo trazer de volta o membro afastado zelar pelo bom nome da Igreja e desestimular os outros a atitudes semelhantes

A vista disso eacute importante lembrarmos que as accedilotildees da Igreja satildeo cir-cunscritas agrave sua jurisdiccedilatildeo e devem ser aplicadas dentro das normas estabe-lecidas no Manual da Igreja que diante da Legislaccedilatildeo Brasileira eacute um do-cumento restrito aos adeptos da IASD Como pessoa juriacutedica a instituiccedilatildeo

20 Direito de defesa e contraditoacuterio Na Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2011a) no art 5ordm inciso LV encontra-se que ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e os acu-sados em geral satildeo assegurado o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo O desdobramento deste inciso daacute ao que esta sendo julgado direito a informaccedilatildeo direito a manifestaccedilatildeo e direito de ver seus argumentos considerados

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procura trabalhar em sintonia com a legislaccedilatildeo em questotildees ligadas agrave digni-dade humana agrave autonomia de vontade etc consoante agrave legislaccedilatildeo as praacute-ticas eclesiaacutesticas referentes agrave disciplina tecircm caraacuteter legal entre os adeptos da comunidade que concordaram ser regidos pelos costumes e crenccedilas da instituiccedilatildeo Por outro lado existem ainda condiccedilotildees de jurisdiccedilatildeo pessoal que quando desrespeitadas na ocasiatildeo da Disciplina Eclesiaacutestica podem ocasionar em processos contra a Igreja

Atraveacutes da praacutetica da disciplina em conformidade com as normas preacute-estabelecidas no Manual da Igreja os membros da comunidade po-deratildeo agir com respeito agrave dignidade do membro disciplinado Mesmo quando confrontados com obstaacuteculos que parecem constranger a aplica-ccedilatildeo da disciplina a comissatildeo deve considerar que as accedilotildees eclesiaacutesticas satildeo legiacutetimas diante da lei e que em nenhuma hipoacutetese procuram traba-lhar a fim de prejudicar seus membros

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Enviado dia 20112012Aceito dia 10032013

Levantamento histoacuterico da dissidecircncia de

L R ConradiA historical survey about L R Conrad dissidence

Renato Stencel1 Alex Voos2

ResumoAbstract

As crises ocorridas na Igreja Adventista tecircm sido frequentemente recon-tadas Geralmente tem-se enfatizado as crises e dissidecircncias envolven-do personagens da ala estadunidense da Igreja entretanto outras alas

da denominaccedilatildeo tambeacutem sofreram com o ataque de criacuteticos e desertores Neste cenaacuterio a apostasia de Ludwig Richard Conradi se destaca por ter sido um marco histoacuterico proporcional agrave outros eventos Ademais a atuaccedilatildeo negativa de Conradi contra o ministeacuterio de Ellen G White eacute de particular interesse para aqueles que discutem sua autoridade profeacutetica Este artigo visa a traccedilar um breve relato his-toacuterico da dissidecircncia de Conradi e constatar as consequecircncias de sua apostasia no desenvolvimento da Igreja Adventista no cenaacuterio EuropeuPalavras-chave Dom Profeacutetico Ludwig R Conradi Dissidentes Identida-de Denominacional

1 Doutor em Educaccedilatildeo pela Universidade Metodista de Piracicaba (2006) mestre em Educaccedilatildeo pela Andrews University (1993) e bacharel em Teologia e Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) Atualmente atua como professor no Unasp e como diretor do Centro Nacional de Memoacuteria Adventista do Centro de Pesquisas Ellen G White E-mail renatostencelunaspedubr2 Bacharelando em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) E-mail alxvoosgmailcom

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The crises from the Seventh-Day Adventist Church have been frequently re-told The crises and dissidences involving personalities from the north-Ame-rican part of church tend to be more emphasized Therefore other groups

from church also suffered attacks of dissidents Proportionally to other events the apostasy of Ludwig Richard Conradi is historically remarkable in the scenario Fur-thermore Conradirsquos negative behavior against Ellen G Whitersquos ministry is particularly interesting for those who discuss her prophetical authority This article aims to trace a brief historical narrative of Conradirsquos dissidence and to identify the consequences of his apostasy on the development of the European SDA ChurchKeywords Prophetic gift Ludwig R Conradi Dissidents Church Identity

Origem e ministeacuterio3

Ludwig Richard Conradi nasceu em Karlsruhe Alemanha no ano de 1856 Desde cedo foi apaixonado pelos estudos (RANDOLPH 1940 p 5-12) e aos 15 anos jaacute possuiacutea boas noccedilotildees de latim grego e francecircs e uma voracidade pelas disciplinas de histoacuteria e geografia Contudo enquanto se preparava para ser padre Conradi perdeu o pai e foi forccedilado a abandonar o seminaacuterio catoacutelico4 Migrou entatildeo para os EUA e conheceu a mensagem adventista enquanto trabalhava em um fazenda do estado de Iowa

Juntando suas poucas economias e contando com o sacrifiacutecio dos irmatildeos de Iowa Conradi se dirigiu em 1879 ao Batlle Creek College (HEINZ 1987 p 19 SCHWARZ 2009 p 137) Acostumado com uma vida que exigia todas suas energias Conradi terminou seus estudos em 18 meses apenas um terccedilo do tempo estimado Ao mesmo tempo em que estudava ele tambeacutem era a principal forccedila por detraacutes da publicaccedilatildeo do

3 Este artigo eacute um resumo da monografia natildeo publicada ldquoLudwig R Conradi Finis Origini Dependet uma anaacutelise de sua vida e ministeacuteriordquo originalmente apresentada na XI Jornada Biacuteblico-Teoloacutegica da Faculdade Adventista de Teologia Engenheiro Coelho (VOOS 2011) A monografia se encontra arquivada no Centro de Pesquisas Ellen G White ndash Brasil4 Mais dados biograacuteficos a respeito dos primeiros anos de L R Conradi ateacute o seu ingresso no meio adventista podem ser encontrados em Heinz (1987) Strayer (1996) The Departmet (1944) Delafield (1957 p 286) Grob (1974 p 1-2) e Neufeld (1996 v 10 p 406)

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Stimme der Wahrheit primeiro perioacutedico adventista a ser enviado para o Brasil (HEINZ 1987 p 19 NEUFELD 1996 v 10 p 406 SCHWARZ 2009 p 222 GREENLEAF 2011 p 24)5

Ministeacuterio nos EUAApoacutes sua graduaccedilatildeo o carente e dedicado estudante foi presenteado com

uma beca de formatura pelo casal White Tiago White na eacutepoca presidente da Associaccedilatildeo Geral percebendo as competecircncias do jovem alematildeo convidou--o para ser seu secretaacuterio particular entretanto Conradi recusou o convite de White e preferiu engajar-se diretamente no trabalho evangeliacutestico (RANDOL-PH 1940 p 6 DELAFIELD 1957 p 289 GROB 1974 p 3 GERHAR-DT 1977 p 3 HEINZ 1987 p 19) e se destacou como um dos pioneiros ao trabalhar com a comunidade de imigrante alematildees nos EUA Logo o trabalho progrediu e em abril de 1882 foi organizada em Milltown a primeira Igreja Adventista de fala alematilde (REIMCHE 1982 p 9 WEARNER 1984 p 4-5 WEARNER1995 p 14 SCHWARZ 2009 p 137) Entre os conversos de origem alematilde se encontrava George Riffel que posteriormente emigrou para a argentina e se tornou o primeiro difusor da mensagem adventista na Ameacuterica do Sul (WEARNMER 1984 p 4-6 WEARNMER 1995 p 13-15 NEU-FELD 1996 v 11 p 870 SCHWARZ 2009 GREENLEAF 2011 p 22-23)

Embora no comeccedilo dos anos 1880 a Igreja estivesse apenas ensaiando seus primeiros desafios missionaacuterios natildeo era possiacutevel imaginar que o traba-lho de Conradi entre os imigrantes alematildees fosse influenciar tanto o avanccedilo das missotildees Os novos conversos passaram a enviar folhetos para Ruacutessia e outros difundiram a mensagem mudando-se para outras regiotildees dos EUA e Canadaacute (DUPUY 1976 p 6 REIMCHE 1982 p 9 LOHNE 1988 SCHWARZ 2009 p 211) Sob a lideranccedila de Conradi a ala germacircnica da Igreja constituiria nas primeiras deacutecadas do seacuteculo vinte os pilares do avan-ccedilo missionaacuterio Adventista sob o mundo

Ministeacuterio na EuropaEm 1886 a Conferecircncia Geral votou o envio de Conradi agrave Europa para

assumir a carecircncia de lideranccedila que J N Andrews deixaraacute ao morrer ldquoDentro de cinco anos ele havia organizado um instituto de treinamento para colpor-tores e obreiros biacuteblicos uma missatildeo urbana e um complexo de publicaccedilotildees

5 Para uma maior compreensatildeo da relaccedilatildeo entre o envio das primeiras correspondecircncias e o surgi-mento do adventismo no Brasil ver Borges (2000 p 45-62) e Rosa (2004 p 17-20)

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em Hamburgordquo (SCHWARZ 2009 p 211) Em 1890 os campos alematildeo e russo foram unificados sob sua lideranccedila (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Os colportores passaram a agir natildeo apenas em territoacuterio alematildeo mas tambeacutem em outros paiacuteses Cedo a literatura adventista comeccedilou a ser distribu-iacuteda entre os Paiacuteses Baixos Aacuteustria Checoslovaacutequia Polocircnia e outros lugares O campo europeu era fragmentado em diversas liacutenguas e a toleracircncia religiosa se mostrava muitas vezes precaacuteria Conradi entendeu que a colportagem era a estrateacutegia perfeita esse contexto missionaacuterio (HEINZ 1984 p 19 HEINZ 1987 p 13 SCHWARZ 2009 p 212 276)

Temporariamente os adventistas alematildees conseguiram auto sustentar-se financeiramente e financiaram obreiros em outros campos Seus primeiros re-presentantes foram enviados para o Brasil em 1895 (SCHWARZ 2009 p 276)

Em meio a todo esse processo Conradi parece ter mantido o vigor e o ritmo dos anos de estudante em Battle Creek Entre os anos 1890-1896 o trabalho de Conradi resumiu-se em 1) Batizar e organizar muitas igrejas 2) traduzir livros e 3) liderar a Igreja na Alemanha e Ruacutessia (GROB 1974 p 6) Durante sua vida Conradi manteve um niacutevel de atividade incriacutevel e se sen-tia bem dormindo somente de 3 agrave 4 horas por noite (HEINZ 1987 p 17 STRAYER 1996 p 10-11)

Durante a Conferecircncia Geral de 1901 foi criada no campo europeu a Primeira Divisatildeo da histoacuteria da Igreja Adventista e Conradi eleito o seu pre-sidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

Levando a igreja aleacutemEm 1902 a Igreja na Alemanha contava com uma ativa comunidade

de quatro mil membros batizados Essa numeraccedilatildeo era duvidosa mas Con-radi entendeu que o predomiacutenio da Alemanha sob suas colocircnias africanas natildeo poderia deixar de ser aproveitado Apoacutes persuadir funcionaacuterios de alta influecircncia no governo alematildeo as portas foram abertas para que as missotildees adventistas atuassem com liberdade irrestrita nos territoacuterios sob coloniza-ccedilatildeo alematilde o que compreendia boa parte do continente africano (MORRIS 1911 p 5 HAY 1991 p 4-5)

Em 1903 Conradi foi eleito vice-presidente da Associaccedilatildeo Geral ao lado de W W Prescott enquanto Arthur Daniells era o presidente (NEUFELD 1996 v 10 p 406) Conradi tambeacutem direcionou o avanccedilo missionaacuterio para a regiatildeo dos Baacutelcatildes o Impeacuterio Turco e o Egito Com a perda das colocircnias alematildes apoacutes a I Guerra Mundial o esforccedilo missionaacuterio foi realinhado em direccedilatildeo agraves Iacutendias Orientais e Holandesas e partes da China (SCHWARZ 2009 p 276)

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O desenrolar do progresso da Igreja na Alemanha natildeo soacute revelou uma estaacutevel comunidade adventista mas tambeacutem o despertar de uma consciecircncia evangeliacutesticomissionaacuteria muito forte nos anos que se seguiram Durante as primeiras deacutecadas do seacuteculo 20 a comunidade alematilde veio a se tornar ao lado dos EUA o segundo pilar do movimento adventista natildeo soacute no nuacutemero de membros e estrutura organizacional como tambeacutem no esforccedilo missionaacuterio

Desenvolvimento teoloacutegico e dissidecircncia

Agrave semelhanccedila de outras a apostasia de Conradi foi um processo longo e gradual Desde os primeiros ldquosintomas apoacutestatasrdquo ateacute o seu desligamento defi-nitivo da Igreja no final de 1931 haacute um longo periacuteodo de mais ou menos 45 anos

Conversatildeo e formaccedilatildeo adventistaEmbora Conradi tenha no tempo de seminarista recebido uma consi-

deraacutevel formaccedilatildeo catoacutelica natildeo parece que esse fator desempenhado um pa-pel relevante em sua apostasia Desvencilhar-se das antigas pressuposiccedilotildees pode natildeo ter sido um problema mas a raacutepida passagem pelo Battle Creek College provavelmente tenha proporcionado uma base adventista pouco soacute-lida (GERHARDT 1977 p 8)

O primeiro contado de Conradi com os adventistas ocorreu em uma regiatildeo do estado de Iowa onde a igreja havia sido afetada por um movimento dissidente denominado Marion Party (NEUFELD 1996 v 11 p 32) Pou-co se falava sobre o dom profeacutetico de Ellen G White em Iowa mas quando o assunto surgia era sempre evitado (HEINZ 1998 p 32) B F Snook e W H Brinkerhoff liacutederes do movimento dissidente haviam levantado uma campanha contra Ellen G White e a lideranccedila de James White presidente da Associaccedilatildeo Geral Quando Conradi se converteu ainda pairavam sobre a igreja em Iowa algumas reminiscecircncias desta crise

Ingresso no ministeacuterioEm 1883 enquanto Conradi estava trabalhando entre os imigrantes

alematildees ele enviou um exemplar do livro de Ellen G White Steps to Christ (Caminho agrave Cristo) para Joseph Szalay editor do The Christian um perioacutedi-co presbiteriano impresso em Budapeste Hungria O Pastor Szalay retornou

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a correspondecircncia a Conradi dizendo que tambeacutem gostaria de publicar o livro em Huacutengaro Feliz com a resposta Conradi teceu elogios ao conteuacutedo escrito por Ellen G White e publicou seu testemunho na Review and Herald reportando que o livro havia provocado uma profunda impressatildeo no prega-dor presbiteriano (CONRADI 1894 p 20-21 SZIGETI 1983 p 19)6

Durante os primeiros anos do trabalho de Conradi nos EUA Ellen G White apreciou a obra do eneacutergico e jovem pastor No sermatildeo da uacuteltima sessatildeo da Conferecircncia Geral de 1883 ela disse

Quando eu ouviu o testemunho do irmatildeo Conradi eu pude ver porque ele foi tatildeo bem sucedido Ele foi extremamente sincero na obra Ele toma a obra como se ele pretendesse fazer algo com ela Natildeo eacute somente a habilidade que confere sucesso conquanto o ta-lento e a habilidade santificados satildeo instrumentos refinados nas matildeos de Deus ela deve ser aplicada de maneira sincera na obra (WHITE E G 1990 1994 v 2 p 12 traduccedilatildeo livre)

Crises na EuropaEm 1886 quando Conradi foi enviado para o continente europeu encon-

trou-se com Ellen G White que estava em viagem pela Europa desde agosto de 1885 (DELAFIELD 1957 p 286 WHITE A L 1984 p 264) Esse foi pro-vavelmente o periacuteodo de convivecircncia mais proacutexima que os dois tiveram Con-radi acompanhou-a em algumas viagens e atuou como seu tradutor em vaacuterias ocasiotildees (DELAFIELD 1957 p 286) Alguns meses depois Conradi foi preso na Ruacutessia apoacutes organizar uma Igreja e realizar alguns batismos A situaccedilatildeo legal dele parecia muito delicada e ela lhe enviou uma confortante carta

Querido irmatildeo [hellip] Noacutes podemos ver agora mais claramente algu-mas das dificuldades que existem no caminho daqueles que que-rem obedecer a Deus Noacutes natildeo poderiacuteamos reconciliar este fato com as circunstancias agora mas Deus trabalha de uma misteriosa maneira para cumprir suas maravilhas [hellip] Mantenha a coragem e relembre que o Senhor eacute o Supremo Governador [hellip] Pense no que Jesus o Priacutencipe da Vida sofreu neste mundo o justo pelo in-justo para que Ele pudesse salvar homens da morte e da miseacuteria

6 Ver tambeacutem Review and Herald (1984 p 23)

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Deus governa neste mundo Ele eacute o Onipotente Tenha certeza entatildeo que tudo o que ele deseja na sua sabedoria ou o que seu amor intenta Seu poder executaraacute [hellip] Noacutes cuidaremos de sua esposa e de sua crianccedila de maneira especial [hellip] Noacutes natildeo esque-cemos vocecirc e temos apresentado seu caso ao tribunal mais elevado (DELAFIELD 1957 p 287 traduccedilatildeo livre)

Entretanto Conradi declarou que foi exatamente neste periacuteodo de convi-vecircncia com Ellen G White na Europa que ele desenvolveu certa antipatia por ela (DELAFIELD 1957 p 288) Alguns tem sugerido que para Conradi Ellen G White fugia do conceito de uma boa housfrau (dona-de-casa) alematilde ndash uma figura sujeita ao marido e restrita agraves atividades domeacutesticas Era difiacutecil aceitar uma mu-lher tomar parte nas reuniotildees da igreja influenciar decisotildees administrativas e ateacute repreender proeminentes liacutederes (GROB 1974 p 13 SCHWARZ 1979 p 475)

Tendo em vista os recentes sucessos no campo americano e os grandes progressos realizados no desafiante campo europeu era de se esperar que Conradi se sentisse realizado e satisfeito com sua obra ministerial Todavia em uma carta enviada ela em 1891 ele disse ter passado por uma profunda crise espiritual quando comeccedilou o trabalho na Europa De maneira bastante pessoal ele confessou

Quando juntei-me a este povo [o povo adventista] mais de 13 anos atraacutes eu aprendi por experiecircncia proacutepria o que eacute experimentar da paz de Deus e da certeza dos pecados perdoados tambeacutem o que eacute ser livre da escravidatildeo do pecado Em teoria eu confesso que tive pouca luz a respeito desse assunto como em muitos outros Por quase 7 anos eu permaneci vitorioso fazendo estaacutevel progresso [hellip] mas quan-do eu cheguei na Europa mais apropriadamente um pouco antes derrotas vieram primeiramente de leve durante longos intervalos Enquanto o meu desejo fosse trabalhar por uniatildeo eu nem sempre tinha o sentimento correto para com a sua pessoa [EGW] As circunstancias peculiares em Basel [Suiacuteccedila] natildeo foram de nenhuma ajuda para mim e eu fui lentamente perdendo o chatildeo Quando eu fui para a Ameacuterica [1888] eu esperei ser ajudado mas a reuniatildeo de Minneapolis somente adicionou escuridatildeo Suas palavras provaram-se verdadeiras em meu caso Eu tentei superar isso atraveacutes do trabalho o que por vezes aju-dou parcialmente mas a escravidatildeo permaneceu Oh Quatildeo escuro satildeos as horas de escravidatildeo (DELAFIELD 1957 p 288)

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A confissatildeo de Conradi evidencia que uma deacutebil compreensatildeo sobre o perdatildeo de Deus seria a raiz do problema O proacuteprio Conradi era um dos que naquele momento precisavam da reconfortante mensagem de Justificaccedilatildeo pela Feacute Entretanto ele decididamente assumiu partido ao lado dos que dis-cordavam de A T Jones E J Waggoner e Ellen G White nas reuniotildees de Minneapolis tendo sido lembrado como ldquoum dos mais tagarelas e criacuteticosrdquo do grupo que tratou com severo deboche e descaso as exposiccedilotildees de Waggo-ner e Jones (FROOM 1971 p 248)

Oposiccedilatildeo em MinneapolisEnquanto na conferecircncia Conradi ficou hospedado juntamente com

outros 25 advogados de Iowa em uma grande e espaccedilosa casa McReynold que estava hospedado com ele disse que a atmosfera espiritual dos dele-gados naquele lugar era nada mais do que ldquodeprimenterdquo Natildeo houveram

ldquomomentos de culto ou o som de um grupo de oraccedilatildeo agrave noite ou pela ma-nhatilde ndash apenas gargalhadas e criacuteticas por alguns especialmente por Conradirdquo (FROOM 1971 p 259 traduccedilatildeo livre) Foi talvez por possuir esse espiacuterito zombeteiro que W G C Murdoch um antigo colega de Conradi observou muitos anos depois de sua apostasia ldquoEu era bem familiar ao pastor Conradi e viajei com eles muitas milhas o caraacuteter do pastor Conradi natildeo se adequava ao de um ministro do evangelhordquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo livre)

Quando chegou em Minneapolis as contendas talvez tenham surpre-endido-o jaacute que ele vinha da Europa e a discussatildeo efervescia entre os esta-dunidenses Pouco tempo antes das reuniotildees de Minneapolis em outubro de 1888 Ellen G White lamentou que Conradi deveria ter recebido cartas dela Pelo contexto entretanto natildeo eacute possiacutevel determinar se ela desejava escrever sobre o debate que vinha se arrastando nos EUA Mas por estar ocupada com os problemas ldquodeste lado do Atlacircnticordquo natildeo chegou a escrever nada para ele (WHITE E 1987 v 1 p 156)

Segundo Conradi ldquoo encontro de Minneapolis soacute adicionou escuri-datildeordquo agrave sua condiccedilatildeo espiritual W C White disse que os delegados parti-ram ldquocom uma grande variedade de sentimentos Alguns achavam que essa tinha sido a maior becircnccedilatildeo de sua vida outros que ela assinalava o iniacutecio de um periacuteodo de trevas e que os efeito malignos do que havia sido feito na conferecircncia jamais poderiam ser apagadosrdquo (SCHWARZ 2009 p 182) Ellen G White poucos anos depois comentou o espiacuterito daqueles que ha-viam feito parte do grupo de gozadores

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Enquanto eu estava em Minneapolis Ele me fez segui-lo de quarto em quarto de forma que eu pudesse ouvir o que estava sendo falado no dormitoacuterio O inimigo tinha tudo indo do seu jeito Eu natildeo ouvi ne-nhuma oraccedilatildeo mas ouvi meu nome sendo mencionado e difamado Nos quartos ocupados com nosso pessoal noacutes ouvimos piadas criacutetica risos e zombaria As manifestaccedilotildees do Espiacuterito Santo estavam sendo atribuiacutedas ao fanatismo [hellip] O mesmo Espiacuterito que moveu os rejeitores de Cristo colocava raiva em seus coraccedilotildees e se eles tivessem vivido na eacutepoca de Cristo teriam agido de forma similar aos Judeus descrentes e sem Deus (WHITE E G 1987 v 4 p 1564-1565 traduccedilatildeo livre)

Dois anos apoacutes Minneapolis sua disposiccedilatildeo quanto a Ellen G Whi-te parece ter mudado visto que foi publicado na Review o relatoacuterio de uma recente viagem missionaacuteria que ele fizera agrave Ruacutessia Em uma das comissotildees presididas por ele foi votado ldquogratidatildeo a Deus pela manifestaccedilatildeo dos dons Espirituais entre noacutes e especialmente pelo Espiacuterito de Profeciardquo (GERHAR-DT 1977 p 10-11 grifo nosso)

No ano seguinte em agosto de 1891 Conradi pediu desculpas agrave Ellen G White por sua atitude em Minneapolis e disse

Em vista dos sentimentos que eu nutria contra vocecirc e suas palavras os quais eu deixei transparecer na reuniatildeo de Minneapolis eu peccedilo perdatildeo E se vocecirc e meus irmatildeos ainda me garantirem um lugar na causa de Deus eu posso dizer com a ajuda de Deus ndash e eu tenho evidecircncias dela ndash eu serei um diferente ministro membro e irmatildeo [hellip] Eu posso agora apreciar as suas admoestaccedilotildees feitas no passado e ver a luz onde antes havia trevas Natildeo deveria ser meu privileacutegio encontrar vocecirc no proacuteximo ano Eu posso lhe garantir que em Cristo eu serei um com vocecirc no trabalho e que minhas oraccedilotildees estaratildeo com vocecirc Eu agradeceria se vocecirc pudesse proferir algumas palavras dizendo se vocecirc recebeu a minha carta e se vocecirc me perdoaria e me daria tambeacutem alguns conselhos conselhos e reprovaccedilotildees seratildeo agradecidamente re-cebidos (DELAFIELD 1957 p 288 traduccedilatildeo proacutepria)

Reprovado por Ellen G WhitePouco contato parece ter ocorrido entre os dois apoacutes esta carta Ateacute

que cinco anos depois por volta de 1896 Conradi teve uma filha em um

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caso extraconjugal Ellen G White que nessa eacutepoca estava na Austraacutelia o repreendeu pelo adulteacuterio Poucas pessoas na Igreja alematilde ficaram sabendo do ocorrido e o caso natildeo chegou a se tornar um escacircndalo puacuteblico Como consequecircncia Conradi foi removido de seu cargo administrativo e resignado a trabalhar fora da Alemanha visitando e dando suporte aos campos missio-naacuterios (HEINZ 1987 p 24 HEINZ 1998 p 95-96)7

Algum tempo depois de perder seus cargos em outubro de 1897 ele en-viou da Ruacutessia uma carta para Ellen G White em que afirmava estar encon-trando ldquoluzrdquo na Palavra de Deus e nos ldquotestemunhos do Seu Espiacuteritordquo ndash ou seja no que ela escrevia (DELAFIELD 1957 p 291) Ele expressava

gratidatildeo a Cristo o qual provou ser um amigo fiel e o meu sumo sacerdote Quando tudo parecia escuro e Satanaacutes instava nenhu-ma esperanccedila [hellip] Minha oraccedilatildeo hoje eacute Senhor unge meus olhos deixe-me perceber a minha proacutepria salvaccedilatildeo guarda todos os meus passos nos caminhos do dever e me permita saber o Teu desejo para a minha vida [hellip] Eu natildeo quero arruinar o Seu traba-lho por causa do passado mas ele foi graciosamente perdoado Eu estarei satisfeito se vocecirc tiver alguma luz ou exortaccedilatildeo e conselho [hellip] (DELAFIELD 1957 p 291 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Daniel Heinz considerando a atitude ambiacutegua que ao longo dos anos Conradi manteve em relaccedilatildeo a Ellen G White julga que ele sabia que sem a aprovaccedilatildeo dela seria mais difiacutecil de retornar ao elevado cargo que ele ante-riormente ocupava (HEINZ 1998 p 96)

A questatildeo do ldquodiaacuteriordquoDurante o periacuteodo que esteve afastado da presidecircncia do campo Russo-Ale-

matildeo Conradi comeccedilou a revisar a obra de J N Andrews History of the Sabbath Analisando profundamente as obras dos reformadores protestantes se sentiu atra-iacutedo pela ideia de que Lutero um alematildeo tivesse sido o primeiro a proclamar as trecircs mensagens angeacutelicas O que consequentemente neutralizava a importacircncia do Movimento Milerita (SCHWARZ 1979 p 475 SCHWARZ 2009 p 288)

Conradi apesar de ser naturalizado americano tinha um forte senti-mento nacionalista em relaccedilatildeo ao seu paiacutes natal Isso pode ter influenciado

7 Conferir tambeacutem Grob (1974 p 15-16)

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sua interpretaccedilatildeo teoloacutegica que dava preferecircncia a Martinho Lutero e o Mo-vimento da Reforma Tambeacutem explica em parte suas atitudes precipitadas tomadas posteriormente durante a I Guerra Mundial (GERHARDT 1977 p 21-22 SCHWARZ 1979 STRAYER 1996 p 10)

Conradi comeccedilou a escrever seu proacuteprio comentaacuterio sobre o livro de Daniel desenvolvendo uma nova interpretaccedilatildeo para a questatildeo do ldquodiaacuteriordquo de Daniel 812 Poreacutem antes de publicar suas novas ideias enviou uma carta para Ellen G White perguntando se ela tinha mais luz agrave respeito do assunto Ela natildeo respondeu sua carta e ele seguiu avante com a impressatildeo do livro Como ela explicou mais tarde natildeo era seu objetivo alimentar tal discussatildeo (SCHWARZ 2009 p 609) podemos entender entatildeo por que a carta de Conradi a respeito do ldquodiaacuteriordquo nunca foi respondida

S N Haskell G I Butler e George Irwin se posicionaram ao lado da antiga interpretaccedilatildeo de Guilherme Miller e Uriah Smith (HALOVIAK 1980 p 36 SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609) Quando Conradi buscou publicar seus escritos na Ameacuterica Edwin R Palmer editor da Review and Herald disse-lhe ldquoAqui na Ameacuterica natildeo nos eacute permitido publicar nada que mesmo em pequena parcela possa estar contra o irmatildeo Uriah Smith por que a irmatilde White ajudou o irmatildeo Smith quando ele escreveu Daniel e Apocalipserdquo8 Conradi procurou ainda o proacuteprio Uriah Smith que lhe respondeu ldquoNenhum iota seraacute mudado do que nossos pioneiros disseram [hellip] o que eles fixaram eacute divinordquo9 Em contra partida Conradi usou sua influecircncia para natildeo permitir que os livros de Smith fossem publicados na Inglaterra (HALOVIAK 1979 p 38)

8 Taquigrafia abreviada da resposta dada por Conradi perante a comissatildeo da Divisatildeo Eu-ropeia em Fridensau em 22 de julho de 1932 depois dos irmatildeos Gilbert Crisler G W Schubert e W Muumlller terem replicado a apresentaccedilatildeo de Conradi disponiacutevel no Arquivo do Centro de Pesquisas Ellen G White A resposta de Palmer a Conradi eacute melhor compreen-dida tendo em vista a crenccedila muito comum entre os adventistas daquela eacutepoca de que Ellen G White havia declarado ter visto um anjo ao lado de Uriah Smith conduzindo-o enquanto escrevia o livro Thoughts on Daniel and the Revelation Os testemunhos histoacutericos de tal declaraccedilatildeo natildeo satildeo muito seguros mas mesmo que ela tenha realmente dito isto Palmer e muitos outros natildeo estavam sendo sensatos no juiacutezo que faziam A declaraccedilatildeo deve ser com-preendida da mesma maneira como entendemos que os anjos estatildeo ao redor de qualquer um que esteja consagradamente envolvido na causa de Deus Isso natildeo quer dizer que tais pessoas sejam inspiradas ou infaliacuteveis em suas atitudes (WHITE A L 1957 ver tambeacutem KNIGHT 2003 p 74-75 e GOUGLAS 2009 p 402-403)9 Independentemente da opiniatildeo defendida por Uriah Smith estar equivocada ou natildeo o argumento apresentado por ele desconsiderava o princiacutepio de que ldquoa luz da verdade biacuteblica eacute progressiva e deve brilhar lsquomais e mais ateacute ser dia perfeitorsquo(Pv 418)rdquo (QUESTOtildeES 2011 p 55-57 ver tambeacutem NISTO CREMOS 1989 p 11-13)

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Agrave medida em que a discussatildeo progredia o grupo que se opunha a Conradi passou a usar declaraccedilotildees do livro Early Writings para combatecirc-lo e defender a antiga interpretaccedilatildeo de Daniel 812 Ellen G White no entan-to reagiu repreendendo-os pelo uso arbitraacuterio de seus escritos e disse que

ldquosuas observaccedilotildees anteriores tinham o propoacutesito de dar validade agrave profecia dos 2300 dias natildeo definir o [termo] diaacuteriordquo (SCHWARZ 1979 p 398 SCHWARZ 2009 p 609)

Na Conferecircncia Geral de 1901 Conradi discutiu a questatildeo em niacutevel particular com outros delegados e afirmou ldquoa declaraccedilatildeo de [Ellen G] White no [livro] Primeiros Escritos a respeito da questatildeo do santuaacuterio natildeo foi uma autoridade para mimrdquo (GROB 1974 p 7 traduccedilatildeo proacutepria)

Subindo de postoAteacute 1901 Conradi havia sido responsaacutevel apenas pelos campos alematildeo

e russo10 onde o adventismo vinha se desenvolvendo acentuadamente de forma que sua lideranccedila continuava sendo muito estimada pelos liacutederes ame-ricanos Os debates teoloacutegicos natildeo afetaram a reputaccedilatildeo de Conradi e ele foi eleito presidente da receacutem criada Divisatildeo Europeia Ellen G White em um de seus discursos durante a Conferecircncia enquanto comentava os avanccedilos na Europa disse ldquoo irmatildeo Conradi tem carregado uma pesada carga do traba-lho na Europardquo e dirigindo-se diretamente a ele aconselhou

Deus quer que vocecirc tenha pessoas ao seu lado e Ele quer que vocecirc decirc a elas toda motivaccedilatildeo possiacutevel Ele quer que o trabalho que vocecirc estaacute fazendo vaacute com toda a forccedila e todo o poder Vocecirc tem feito o traba-lho de muitos homens Deus tem abenccediloado os seus trabalhadores de forma imensuraacutevel Os Anjos de Deus tem feito esse trabalho natildeo o irmatildeo Conradi Ele tem aberto as portas para os anjos e dado a Deus uma oportunidade para trabalhar deixe-me dizer-lhe que Ele iraacute implantar uma operaccedilatildeo que iraacute para frente com tanta forccedila e poder que vocecirc nem sonha ldquoFeacute eacute a certeza das coisas pelas quais se esperam a evidencia das coisas que se natildeo veemrdquo Deus quer que noacutes trabalhemos pela feacute Deixe de lado toda a criacutetica toda incredulidade todo o desejo de medir os seus companheiros de trabalho que talvez

10 Em 1891 os campos Alematildeo e Russo foram separados do Campo da Europa Central e colocados sobre os cuidados de Conradi (NEUFELD 1996 v 10 p 406)

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natildeo tenho tido um mileacutesimo da oportunidade que vocecirc teve (WHITE E G 1901 p 27 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Conradi era um liacuteder de muitas capacidades possuiacutea uma oratoacuteria fasci-nante11 e ao que tudo indica uma impressatildeo carismaacutetica No entanto a convi-vecircncia sobre sua lideranccedila natildeo era das mais simples Alfred Vaucher relatou que como um jovem pastor ele nunca gostou muito de se encontrar com Conra-di pois sua saudaccedilatildeo de praxe sempre era um inconveniente ldquoQuantas almasrdquo Pode-se dizer que a atitude das pessoas se polarizavam entre admiraccedilatildeo ou aversatildeo a ele (HEINZ 1987 p 18) Ou o seguiam sem questionar ou o ignora-vam (GERHARDT 1977 p 3) ldquoConradi era visto como uma personalidade patriarcal e depois de ele ter falado natildeo havia nada mais a declararrdquo(SIMON apud GROB 1974 p 12 ver tambeacutem STRAYER 1996 p 10)

Ningueacutem havia ateacute aquele momento notado ou avaliado os desvios teoloacutegicos de Conradi Aliaacutes ao que tudo indica suas opiniotildees natildeo eram perceptiacuteveis agrave lideranccedila da Associaccedilatildeo Geral localizada nos EUA Perigosa-mente quando foi eleito presidente da Divisatildeo Europeia ele jaacute havia fixado grande parte das opiniotildees problemaacuteticas que se manifestariam nos anos sub-sequentes Conradi comeccedilou a disseminar as ideias contraacuterias agraves doutrinas da Igreja e a semear duacutevidas com respeito ao ministeacuterio de Ellen G White (HEINZ 1998 p 102 SCHWARZ 1979 p 475)

Em 1910 Conradi em uma carta para Daniells falando sobre a discus-satildeo do ldquodiaacuteriordquo comentou

Eu estou feliz que a Sr White tenha falado tatildeo abertamente que eles natildeo deveriam citaacute-la a favor de certas opiniotildees Eu penso que se isso fosse colocado como um princiacutepio o estudo cuidadoso da Biacuteblia passaria a ser mais faacutecil para nossos irmatildeos no futuro (HA-LOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre ver HALOVIAK 1979 p 37)

Embora Conradi estivesse certo em reprovar aqueles que recorriam di-retamente aos escritos de Ellen G White como se assim fosse dispensaacutevel o

11 Nas palavras de quem o ouviu pregar ldquoL R Conradi era meu pregador favorito quando eu ainda jovem frequentava as campais em Dakota do Norte [hellip] Ele tinha a habilidade de estimular ambos jovens e velhos [hellip] Seus gestos eram dramaacuteticos e ele sabia como manter as pessoas jovens atentas e as pessoas idosas acordadasrdquo (BIETZ 1996 p 1-2 traduccedilatildeo livre ver tambeacutem WESTPHAL 1911 p 17 SPIES 1911 p 1 e 6 PAGES 1926 p 4)

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cuidadoso estudo da Biacuteblia havia ainda mais por detraacutes de sua declaraccedilatildeo Sua intenccedilatildeo natildeo era desenvolver um modelo correto para a interpretaccedilatildeo dos escritos de Ellen G White mas anular por completo a validade do seu ministeacuterio profeacutetico

Um novo paradigma de interpretaccedilatildeoEm fevereiro de 1910 Z G Baharian um missionaacuterio no campo turco

(NEUFELD 1996 v 10 p 154) informou W C White e W A Spicer pre-sidente da Conferencia Geral que Conradi vinha levantando crescentes duacute-vidas a respeito do Espiacuterito de Profecia Ele traccedilou um histoacuterico do que vinha acontecendo desde 1898 quando a mensagem de Reforma de Sauacutede comeccedilou a ser introduzida na Europa ateacute onde um conciacutelio ocorrido em Constantino-pla Conradi havia buscado provar que os escritos de EGW possuiacuteam diferentes niacuteveis de inspiraccedilatildeo e que os escritos com as orientaccedilotildees sobre sauacutede natildeo esta-vam no ldquocluberdquo dos inspirados Portanto nas palavras de Conradi ldquoos escritos dela natildeo eram um guia segurordquo para eles (HALOVIAK 1979 p 28-29)

Depois de se desligar da Igreja Adventista Conradi escreveu que um de seus motivos para rejeitar Ellen G White foi a descoberta da omissatildeo de algumas palavras entre a primeira e a segunda publicaccedilatildeo de suas primeiras visotildees (CONRADI 1932) Mudanccedilas tais como as que aconteceram entre a primeira e a segunda ediccedilatildeo do livro The Great Controversy12 tambeacutem foram estranhas agrave compreensatildeo de inspiraccedilatildeo que ele detinha Em uma carta tro-cada com Conradi W A Spicer argumentou com ele

Uma questatildeo mais importante do que o assunto dos meros deta-lhes de uma correccedilatildeo ou de uma declaraccedilatildeo equivocada (nos li-vros Spirit of Prophecy) eacute a questatildeo de como trataremos dos toacutepicos que tem passado pela matildeo de vaacuterios editores Noacutes temos tido um pequeno conflito com alguns de noacutes por muitos anos tentando fazer os irmatildeos verem que natildeo seria correto conferir qualquer au-toridade extraordinaacuteria para detalhes dessa natureza [hellip] Mas uma coisa eacute certa irmatildeo Conradi seguramente essas frases e declaraccedilotildees histoacutericas nesses livros tecircm sido corrigidas da mesma forma que em qualquer outro livro Claro que noacutes devemos levar em consideraccedilatildeo

12 Para uma anaacutelise sobre essas duas ediccedilotildees do livro ldquoO Grande Conflitordquo consultar Dou-glas (2009 p 446-450)

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todos os conselhos com o autor em fazer correccedilotildees (HALOVIAK 1980 p 48 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Conradi se revelou um ferrenho defensor da inspiraccedilatildeo verbal o que o impedia de compreender as modificaccedilotildees editoriais nos livros de Ellen G White e suas declaraccedilotildees agrave respeito ldquodo diaacuteriordquo Muitas dificuldades po-deriam ter sido evitadas caso Conradi entendesse o processo de inspiraccedilatildeo ocorrendo por pensamento e natildeo de palavra em palavra13

Em 1911 apoacutes o livro The Acts of the Apostles ser publicado W C White enviou uma interessante carta para Conradi em que ele explicava como sua matildee havia trabalhado na composiccedilatildeo do livro

O trabalho preliminar levou mais ou menos cinco meses de lei-tura e pesquisa entatildeo se seguiu o trabalho de selecionar aqueles artigos porccedilotildees e manuscritos que mais claramente representa-ram o que ela desejava dizer [hellip] Dia a dia os manuscritos foram submetidos a leitura da Mamatildee [hellip] Ela marcou os manuscritos livremente escreveu e adicionou palavras frases e periacuteodos para fazer afirmaccedilotildees mais claras e mais fortes Por fim estas foram submetidas para serem copiadas uma segunda vez (WHITE W C 1981 traduccedilatildeo livre grifo nosso)

Sendo que W C White neste momento jaacute havia sido informado por Baharian o missionaacuterio em campo turco do meacutetodo de ldquoseleccedilatildeo de conteuacutedo inspiradordquo que Conradi vinha seguindo eacute de se esperar que os pormenores da redaccedilatildeo de The Acts of the Apostles natildeo foram mencionados por acaso W C White queria descrever de maneira mais clara para Conradi como sua matildee nor-malmente procedia na composiccedilatildeo dos escritos Seguramente The Acts of the Apostles foi um dos livros em que Ellen G White mais livremente editou o con-teuacutedo ateacute que ele chegasse a sua forma final sendo portanto um bom exemplo de como a noccedilatildeo de inspiraccedilatildeo verbal natildeo se adequava ao seu ministeacuterio

13 Resumidamente temos aqui duas teorias de inspiraccedilatildeo a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo do pen-samentordquo e a teoria da ldquoinspiraccedilatildeo verbalrdquo A inspiraccedilatildeo do pensamento entende que Deus daacute a mensagem ao profeta e permite-lhe transmiti-la com suas proacuteprias caracteriacutesticas de lin-guagem numa associaccedilatildeo do divino com o humano Jaacute a teoria de inspiraccedilatildeo verbal propotildee que Deus age diretamente na escolha das palavras usadas na comunicaccedilatildeo da mensagem Este modelo impotildee seacuterias dificuldades para harmonizar questotildees como a supressatildeo de conteuacutedo ou a reformulaccedilatildeo de frases em uma mensagem jaacute transmitida pelo profeta anteriormente Para uma melhor entendimento do assunto ver por exemplo Douglas (2009 p 16-17)

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A Conradi foi posto um dilema ou rejeitava seu paradigma do proces-so de revelaccedilatildeo-inspiraccedilatildeo ou rejeitava o dom profeacutetico de Ellen G White Mas as explicaccedilotildees dadas por W C White ao inveacutes de esclarecedoras so-aram gritantes agraves convicccedilotildees que Conradi defendia14 Quatro anos depois (1914) Conradi comentou de forma aberta e declarada qual era sua opiniatildeo a respeito do livro The Acts of the Apostles

As chapas [para a impressatildeo do livro] Atos dos Apoacutestolos chegaram mas eu me senti desanimado quando vi a paacutegina do tiacutetulo e sobre ela a Sra Ellen G White Talvez em menor instacircncia de certo porque ele seraacute disseminado entre o nosso proacuteprio povo Mas noacutes desco-brimos que toda a Europa tem uma grande aversatildeo a escritos reli-giosos e teoloacutegicos escritos por mulheres e entatildeo vocecirc perceberaacute que nas ediccedilotildees [do livro] para a colportagem noacutes simplesmente dizemos E G White e dessa forma de maneira alguma a primei-ra paacutegina indica que [o livro] eacute escrito por uma mulher (GROB 1974 p 13-14 traduccedilatildeo livre e grifo nosso)

Aleacutem da crescente dissonacircncia doutrinaacuteria com o tempo surgiram tambeacutem choques administrativos entre Conradi e a direccedilatildeo mundial da Igre-ja que vieram abalar fatalmente sua feacute adventista

O surgimento dos Adventistas da Reforma

Em 1914 com o comeccedilo da I Guerra Mundial as comunicaccedilotildees entre a Alemanha e os EUA se tornaram difiacuteceis e a Divisatildeo Europeia cuja sede

14 Herbert Douglas faz um interessante comentaacuterio sobre o grupo dos defensores da inspiraccedilatildeo verbal no meio adventista ldquoOs deste grupo (e satildeo muitos) que permaneceram na igreja como liacutederes de influecircncia na administraccedilatildeo ou no evangelismo criam que eram os uacutenicos capazes de salvar a denominaccedilatildeo da apostasia Podiam [sic] citar como exemplos de onde esse pensamento os levaria muitos que tentaram lsquoreinterpretarrsquo Ellen G White ndash homens como os irmatildeos Bal-lenger (A F e E S) J H Kellogg A T Jones W A Colcord E J Waggoner L R Conradi e W W Fletcher Um traccedilo comum a todos esses liacutederes notoacuterios que desertaram era a decisatildeo de lsquoque o Espiacuterito de Profecia podia ser dividido em partes lsquoinspiradasrsquo e lsquonatildeo inspiradasrsquo Parece relevante que na maioria dos casos os que comeccedilaram a fazer essas classificaccedilotildees perderam finalmente a confianccedila no Espiacuterito de Profeciardquo (DOUGLAS 2009 p 441)

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e a maior parte dos membros ficava na Alemanha se isolou do restante da Igreja mundial A Igreja europeia natildeo tinha a mesma experiecircncia que a Igreja nos EUA acumulara durante a Guerra Civil nem buscara desenvolver contatos com as autoridades militares durante os tempos de paz Faltava orientaccedilatildeo de como proceder em tempos de guerra Logo problemas com o saacutebado e o por-te de armas comeccedilaram a aparecer e alguns adventistas negaram-se a apoiar qualquer esforccedilo beacutelico levando ao fechamento de todas as igrejas adventistas em uma regiatildeo da Alemanha Sabendo da execuccedilatildeo de membros de um gru-po religioso que mantivera suas fortes convicccedilotildees pacifistas a lideranccedila alematilde

ldquoinformou por escrito ao ministro de guerra alematildeo [hellip] que os recrutas adven-tistas do seacutetimo dia portariam armas como combatentes e prestariam serviccedilo no dia de saacutebado em defesa de seu paiacutesrdquo Tambeacutem era obrigatoacuterio o envio das crianccedilas para escola aos saacutebados sobre pena de prisatildeo dos pais caso elas faltas-sem Com respeito a isso foi feito um acordo para que pudessem levar a Biacuteblia e lecirc-la em sala de aula (SCHWARZ 2009 p 364-365 372)

A declaraccedilatildeo emitida pela lideranccedila alematilde negava a postura pacifista que os adventistas historicamente defendiam e comprometia seriamente a observacircncia do saacutebado como um princiacutepio inegociaacutevel Previamente um grupo dissidente que viria a se tornar o Movimento dos Adventistas da Re-forma havia se revoltado contra a administraccedilatildeo da Igreja A falha cometida por Conradi e os demais liacutederes subordinados a ele deram ao grupo um pre-texto para continuar a rebeliatildeo Caso a lideranccedila encabeccedilada por Conradi houvesse se mantido firme aos princiacutepios adventistas o Movimento Adven-tista da Reforma dificilmente haveria se concretizado (OLIVEIRA 1985 p 129-132 SCHWARZ 2009 p 619-132)15 Como resultado da crise ocorrida na Alemanha na Conferecircncia Geral de 1918 foram tomadas medidas para evitar que uma Divisatildeo da Igreja agisse de maneira tatildeo independente em relaccedilatildeo ao restante da Igreja mundial (SCHWARZ 2009 p 315)

Revolta contra a lideranccedilaApoacutes o teacutermino da guerra uma delegaccedilatildeo da Associaccedilatildeo Geral se dirigiu a

Alemanha com o objetivo de resolver os equiacutevocos cometidos durante a I Guerra Mundial Boa parte dos liacutederes alematildees reconheceram suas atitudes precipitadas mas Conradi prosseguiu irredutiacutevel afirmando que havia tomado as decisotildees certas segundo as exigecircncias da circunstacircncia (SCHWARZ 2009 p 620)

15 Com respeito ao surgimento do Movimento Reformista e suas praacuteticas ver Kramer (1991)

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Em 1922 Conradi foi afastado da presidecircncia da Divisatildeo Europeia Um dos motivos da natildeo reeleiccedilatildeo de Conradi pode ter sido sua avanccedilada idade na eacutepoca 66 anos (SCHWARZ 2009 p 475) suas orientaccedilotildees doutrinaacuterias e prin-cipalmente pelos erros cometidos durante a I Guerra Mundial (GROB 1974 p 7) L H Christhian um americano foi eleito em seu lugar A reaccedilatildeo de Conradi na eacutepoca natildeo foi das melhores pouco antes de morrer ele expressou por escrito os seus sentimentos com respeito ao evento ldquoIsso eacute demais para suportar fazer tal coisa a um pioneiro maduro que construiu tudo por si mesmo e agora tudo eacute dado agrave um jovem um rapaz inexperiente rdquo (CONRADI apud GROB 1974 p 10 ver tambeacutem GERHARDT 1977 p 22 SCHWARZ 2009 p 476)

Conradi foi remanejado para a secretaria da Associaccedilatildeo Geral um posto de pouca expressatildeo administrativa o que representou uma mudanccedila draacutestica na rotina profissional de um homem acostumado agrave lideranccedila ativa Profundamente ofendido (GROB 1974 p 8 GERHARDT 1977 p 21 HEINZ 1987 24) e com a convicccedilatildeo de que ningueacutem poderia substituiacute-lo Conradi passou a agir como um ldquoconsultorrdquo dos campos missionaacuterios uma funccedilatildeo sem muito poder e influecircncia (GERHARDT 1977 p 7)

Ele passou entatildeo a dedicar bastante tempo para escrever e publicar Em 1923 no livro Das Golden Zeitalter ele enfatizou que ldquoo Movimento Adventista natildeo eacute um movimento estatunidense mas que remonta aos tempos da Reformardquo (DELAFIELD 1957 p 288 HEINZ 1987 p 22) e buscou desenvolver uma identidade independente para o adventismo europeu A partir de 1925 ele co-meccedilou a visitar as principais bibliotecas europeias e americanas onde costumava pesquisar sem interrupccedilatildeo das 9 horas da manhatilde ateacute as 18 horas da tarde (GROB 1974 p 9 19 RANDOLPH 1940 p 8) Somente no Museu Britacircnico ele de-dicou seis meses dessa carregada rotina (RANDOLPH 1940 p 8) Enquanto explorava a Biblioteca de Nova Iorque disse ter encontrado a prova para alegar que as primeiras visotildees de Ellen G White foram intencionalmente deixadas de fora das ediccedilotildees posteriores o que justificava ainda mais suas duacutevidas com res-peito ao livro Early Writings (CONRADI 1932 HEINZ 1998 p 102)

Desligando-se definitivamenteEm 1930 por volta dos 75 anos de idade Conradi ainda alimentava

esperanccedilas de ser eleito presidente da Associaccedilatildeo Geral mas foi desapon-tado pela escolha do australiano C H Watson (ADVENTIST 1985 p 52) No veratildeo de 1931 um comitecirc se reuniu no Coleacutegio de Fridensau Alemanha para ouvir Conradi e tentar convencecirc-lo a abandonar as ideias de desarmonia

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com a Igreja Entretanto a reconciliaccedilatildeo natildeo foi possiacutevel Encolerizado em um dos momentos da reuniatildeo esbravejou ldquoEu lhes dei tudo eu lhes dei as instituiccedilotildees e as igrejas Vocecircs tecircm o dinheiro o diacutezimo e as ofertas Vocecircs tecircm tudo eu natildeo tenho nadardquo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 22) Posteriormente seguiu argumentando

De onde Tiago White retirou o seu material nos primeiros dias Dos Batistas do Seacutetimo Dia [hellip] Irmatildeos orem por mim assim como oro por vocecircs Se algueacutem quisesse harmonia eu seria essa pessoa [hellip] Eu acredito na vitoacuteria da mensagem mas isso natildeo significa que cada tijolo estaacute posto corretamente [hellip] Eu devo seguir o meu caminho Eacute algo estranho algo peculiar [hellip] Acredite em mim haacute Algueacutem que examina tudo e ante Quem eu devo prestar contas16

A Associaccedilatildeo Geral tentou novamente reconciliaccedilatildeo e em outubro do mesmo ano Conradi se dirigiu aos EUA agrave sessatildeo do Conciacutelio Outonal da Associaccedilatildeo Geral uma seleta comissatildeo de presidentes e professores de teo-logia17 onde se dispuseram a ouvir suas opiniotildees A comissatildeo natildeo aceitou sua posiccedilatildeo teoloacutegica mas propocircs que se ele parasse de atacar a Igreja publi-camente sua credencial poderia ser mantida normalmente (GROB 1974 p 9-10 HEINZ 1998 p 107-108)

Ainda em 1928 Conradi havia recebido um livro com a histoacuteria da Igreja Batista do Seacutetimo Dia Em novembro de 1931 um mecircs apoacutes o acordo de ldquonatildeo ataque a Igrejardquo entrou em contato com os lideres da denominaccedilatildeo Batista do Seacutetimo Dia nos EUA e apoacutes uma bem sucedida aproximaccedilatildeo foi-lhe con-cedida uma credencial Assim Conradi partiu novamente para a Alemanha desta vez sem relaccedilatildeo com os Adventistas do Seacutetimo Dia mas para lanccedilar as bases da Igreja Batista do Seacutetimo Dia em solo alematildeo Em 1939 ele jaacute havia organizado 27 igrejas reunido cerca de 500 membros dos quais a maior parte era anteriormente adventista (RANDOLPH 1940 p 9 FROOM 1971 p 678 GROB 1974 p 3 SCHWARZ 2009 p 621) A despeito destes nuacuteme-ros Daniel Heinz comenta que a lideranccedila de Conradi agrave frente dos batistas do

16 Pasta DF 96 Centro de pesquisas Ellen G White ndash Brasil17 Dentre a seleta lista de pessoas presentes se encontravam C H Watson presidente da Asso-ciaccedilatildeo Geral I H Evans W H Branson E Kotz M E Kern J L McElbany L H Christian H F Schuberth W A Spicer F M Wilcox J J Nethery A G Daniells M L Andreasen W Mueller W W Prescott R Ruumlhling W C White e G W Schubert (HEINZ 1998 p 107)

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seacutetimo dia foi um total fracasso se comparada com sua atuaccedilatildeo pioneira nos primeiros anos do adventismo (HEINZ 1987 p 24)

Conradi morreu em 1939 Um pouco antes da sua morte terminou de escre-ver The Founders of the Seventh-Day Adventist Denomination (CONRADI 1939) um pequeno livreto cheio de amarguras e rancores contra sua antiga denomina-ccedilatildeo atacando pessoalmente Joseacute Bates Guilherme Miller Tiago White Ellen G White e outros Seu filho um notaacutevel meacutedico continuou sendo adventista (DE-LAFIELD 1957 p 296) e destacou-se pela manutenccedilatildeo do sanatoacuterio de Zeh-lendorf Berlim durante a Segunda Guerra Mundial (CHRISTIAN 1947 p 24)

Em vista do ofensivo conteuacutedo que Conradi havia publicado antes de sua apostasia Le Roy Edwin Fromm foi impelido a escrever os quatro volumes da seacuterie The Profetic Faith of Our Fathers em reposta aos desafios lanccedilados por Conradi (FROOM 1971 p 259 SCHWARZ 2009 p 397) Conradi ldquofez muito para desenvolver a obra na Alemanha apenas para mais tarde se voltar abertamente contra elardquo (SCHWARZ 2009 p 186)

Como Conradi chegou agrave apostasiaA apostasia de Conradi natildeo foi simplesmente doutrinaacuteria Ao lado de

suas convicccedilotildees teoloacutegicas de amplo amparo acadecircmico pode-se facilmente identificar motivaccedilotildees pessoais contra Ellen G White e a lideranccedila da Igreja Conradi foi desde cedo atraiacutedo pelo lado abstrato e impessoal da verdade Para ele verdade se resumia primariamente a uma ldquoteoria ou postuladordquo sendo experimentada apenas em seu acircmbito seco e racional (FROMM 1971 p 259 e 679 GROB 1974 p 20-21) Natildeo havia espaccedilo para experiecircncias mais pessoais e profundas com Deus e ele passou a enterrar suas frustraccedilotildees individuais em baixo de teologia associada agrave erudiccedilatildeo

Eacute difiacutecil indicar algum momento na vida de Conradi em que ele aceitou seguramente Ellen G White como profetisa (GROB 1974 p 15 HEINZ 1987 p 10) Antes de seus problemas pessoais com o adulteacuterio a reaccedilatildeo dele para com ela foi indefinida e duacutebia Contudo a partir da discussatildeo sobre o ldquodiaacuteriordquo uma clara postura contra Ellen G White foi sendo assumida O contexto de sua conversatildeo em um ciacuterculo adventista afetado pelas criacuteticas de Snook e Brinkerhoff criou duacutevidas desde a primeira vez em que ele ouviu falar do casal White Sua ida para estudar em Battle Creek foi uma boa oportuni-dade para conhecer pessoalmente Tiago e Ellen G White e tirar suas proacuteprias conclusotildees Por outro lado seus questionamentos ao inveacutes de sanados com o tempo se tornaram ainda mais fortes Aleacutem dos fatores de ordem pessoal

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Conradi manteve sua convicccedilatildeo na inspiraccedilatildeo verbal em oposiccedilatildeo agrave maneira livre com a que Ellen G White trabalhava na composiccedilatildeo de seus escritos

ConsequecircnciasJohann Helmut Gerhardt avalia que Conradi foi para a Igreja na Eu-

ropa o que J H Kellogg significou para a Igreja nos EUA (GERHARDT 1977 p 3) Todavia em contraste com a apostasia de Kellogg as consequecircn-cias deixadas por Conradi foram bem mais duradouras e proporcionalmente mais catastroacuteficas Conradi apoacutes se separar do adventismo natildeo poupou es-forccedilos em atacaacute-lo (FROOM 1971 p 483) O pior natildeo foram os 500 mem-bros que ele reuniu na Igreja Batista do Seacutetimo Dia mas as ideias que ele difundiu dentro do adventismo e a heranccedila que ele deixou mesmo depois de abandonar suas fileiras Durante muitos anos Conradi natildeo promoveu suas ideias abertamente principalmente quando em contato com os liacutederes ame-ricanos ldquoEmbora na aparecircncia exterior tudo parecesse ir bem estavam em operaccedilatildeo influecircncias sutis que posteriormente afetariam de forma negativa a igreja na Europa durante muitos anosrdquo (SCHWARZ 1979 p 475)

Influecircncia pela paacutegina impressaEmbora fosse um bom orador sua influecircncia foi sentida principalmente

atraveacutes do que ele publicou (GROB 1974 p 19) Sendo um haacutebil e proliacutefi-co escritor sua erudiccedilatildeo e talento conferiram bastante peso a suas opiniotildees No total a circulaccedilatildeo dos livros e panfletos escritos por Conradi eacute estimada entre 12 agrave 15 milhotildees de unidades (HEINZ 1987 p 22 e 24) Apenas seu comentaacuterio sobre Daniel e Apocalipse foi reimpresso 40 vezes chegando agrave soma de 4 milhotildees de exemplares (GROB 1974 p 19)18 Segundo dados es-tatiacutesticos tardios de 1953 apenas 1232629 livros de Ellen G White haviam sido vendidos na Europa (GROB 1974 p 18) em contraste com os 12 agrave 15 milhotildees de Conradi A correlaccedilatildeo destes dados mostra que a divulgaccedilatildeo dos livros de Conradi superou em muito a difusatildeo dos escritos de Ellen G White ou qualquer outro autor denominacional No quadro americano vaacuterios liacutede-res expunham seus entendimentos teoloacutegicos Embora por vezes a livre ma-nifestaccedilatildeo de ideias provocasse acalorados debates ela impedia a prevalecircncia

18 Segundo Algusto Pages (1926 p 4) ateacute 1926 2485000 exemplares dos livros de Conradi haviam sido vendidos

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de opiniotildees precipitadas Em contraste no contexto europeu Conradi atuou praticamente sozinho sem ningueacutem para criticaacute-lo ou avaliar suas opiniotildees

A dependecircncia que a Europa adventista tinha da imprensa alematilde e o su-porte que ela dava agrave obra de colportagem atuante em vaacuterios paiacuteses resultou na vasta disseminaccedilatildeo das obras de Conradi por todo o territoacuterio europeu Por volta de 1898 ano em que Conradi passou a rejeitar Ellen G White de-finitivamente ateacute 1931 quando sua credencial adventista foi retirada com-preende-se um periacuteodo de 33 anos dos quais 22 correspondem ao apogeu de sua influecircncia administrativa como presidente da Divisatildeo Europeia Mesmo depois de 1922 quando Conradi deixou de ser presidente sua figura pa-triarcal continuou sendo respeitada e admirada pela comunidade adventista (GROB 1974 p 20)19 Foi a partir desse periacuteodo que ele encontrou mais tempo para escrever e desenvolver melhor o que pensava

Os fatores soacutecioculturaisConradi comeccedilou em 1898 a minimizar a importacircncia do Movimento

Milerita Americano e transferir a interpretaccedilatildeo do anuacutencio das trecircs mensagens angeacutelicas para Lutero enfatizando a Reforma Protestante Os europeus jaacute pa-reciam estar menos dispostos agrave mudanccedila espiritual promovida pelo adventis-mo em parte por causa de sua origem americana (SCHWARZ 2009 p 278-279) Conradi contribuiu para que essa barreira fosse fortalecida tanto no que diz respeito a Ellen G White quanto agrave aceitaccedilatildeo do adventismo como um todo

Pode-se pressupor que naturalmente devido aos fatores soacutecioculturais se encontrou oposiccedilatildeo aos escritos de Ellen G White na Europa por causa de sua origem estadunidense e por ser mulher Contudo nos primeiros anos da obra adventista europeia a Igreja natildeo encontrou tal predisposiccedilatildeo dentro do ciacuterculo iacutentimo de membros O proacuteprio Conradi fez algumas traduccedilotildees dos escritos dela para o alematildeo (GROB 1974 p 15 GERHARDT 1977 p 10) Em 1903 os adventistas alematildees organizaram uma campanha baseada na venda do receacutem lanccedilado livro dela Paraacutebolas de Jesus com a intenccedilatildeo de arrecadar fundos para a construccedilatildeo do coleacutegio de Fridensau (SCHWARZ 2009 p 212 e 276)20 Se nesse momento jaacute existissem predisposiccedilotildees natu-

19 Pode-se ver como exemplo de sua popularidade uma festa que foi organizada em Ham-burgo nas dependecircncias da Casa Publicadora para o seu aniversaacuterio de 70 anos com a presen-ccedila de 500 pessoas (PAGES 1926 p 4)20 A seguir se encontra uma carta em que Ellen G White comenta as doaccedilotildees que vinha fa-zendo para o campo europeu ldquoOntem a tarde apoacutes a conferecircncia eu apelei por uma contri-

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rais contra ela natildeo seria comercialmente estrateacutegico arrecadar fundos com a venda de um livro de autoria impopular

Conradi alegou que sua ruptura natildeo comeccedilou diretamente com a Igreja mas com a aceitaccedilatildeo do ministeacuterio profeacutetico de Ellen G White (CONRADI 1932) A partir de entatildeo ele passou a minimizar o trabalho e os escritos dela numa tentativa de ldquosalvarrdquo a Igreja de sua influecircncia A intenccedilatildeo de Conradi pode ter sido facilitada pelo crescente nacionalismo ocorrido nos anos seguin-tes da Alemanha nazista quando foi incutida a convicccedilatildeo de que a cultura alematilde apresentava um paradigma mais elevado e eficiente para todas as aacutere-as praacuteticas e filosoacuteficas da cultura Consequentemente criou-se uma repulsa por tudo o que era de origem estrangeira principalmente no que se referia ao acircmbito ideoloacutegico Conradi jaacute havia rivalizado em seus escritos a Igreja alematilde com a americana e soava antipatrioacutetico depender da Igreja nos EUA

Legalismo e enfraquecimento da identidade denominacional

Segundo Fredy Grob e J H Gerhardt um outro fator a ser destacado eacute o forte cunho legalista que Conradi imprimiu na formaccedilatildeo adventista europeia A mentalidade formada por Conradi nunca levou as pessoas a entenderem as dimensotildees espirituais do saacutebado da doutrina do santuaacuterio e das trecircs mensa-gens angeacutelicas Levando tudo a ser tratado apenas no seu acircmbito seco e racio-nal (GROB 1974 p 21-22 GERHARDT 1977 p 3) ldquoIsso tudo por causa de um homemrdquo questiona Grob ldquoEu estou seguro que ele teve muito a verrdquo (GORB 1974 p 21 traduccedilatildeo livre)

A experiecircncia individual dos liacutederes em Minneapolis resultou na recu-peraccedilatildeo de um adventismo doutrinariamente fragilizado onde quer que eles atuassem (SCHWARZ 2009 p 183-185) Em contraste a atitude insolente de Conradi em 1888 impediu que sua visatildeo administrativa se importasse com a justificaccedilatildeo pela feacute ou com a eliminaccedilatildeo do legalismo A esfera da Igreja

buiccedilatildeo para as missotildees estrageiras e aproximadamente 100 doacutelares foram levantados Isso seraacute enviado para o pastor [L R] Conradi Ele estaacute impulsionando o trabalho na Europa com todas as suas forccedilas e estaacute explorando novos campos Ele precisa de dinheiro Eu jaacute tenho dado agrave aqueles que estatildeo encarregados do trabalho na Europa permissatildeo para usar mil doacutelares dos di-reitos dos meus livros no pagamento de traduccedilotildeesrdquo (WHITE E G v 10 p 64 traduccedilatildeo livre)

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que esteve sob sua tutela natildeo passou pela reforma21 que naquele momento o adventismo tanto precisava

As criacuteticas de Conradi tambeacutem afetaram o senso de identidade denomi-nacional um dos assuntos mais cruciais e sensiacuteveis (ver KNIGHT 2006) para a sobrevivecircncia de qualquer movimento religioso Na sua opiniatildeo a experiecircn-cia milerita natildeo apontava para o surgimento de um remanescente responsaacutevel pela restauraccedilatildeo da Verdade e a pregaccedilatildeo das trecircs mensagens angeacutelicas Por fim ele concluiu assim como qualquer outro evangeacutelico que o santuaacuterio celestial nem sequer existia e que Cristo fez expiaccedilatildeo pelos pecados da humanidade logo que subiu ao Ceacuteu22 Essas e outras convicccedilotildees abalaram a consideraccedilatildeo denominacional pela Doutrina do Santuaacuterio eliminando as caracteriacutesticas distintivas do adventismo em relaccedilatildeo a outros grupos religiosos

Consideraccedilotildees finaisA eficiente administraccedilatildeo de Conradi foi durante muito tempo analisada

pelo vigor das instituiccedilotildees crescimento de membros arrecadaccedilatildeo de recursos e envio de missionaacuterios Em outras palavras Conradi foi avaliado apenas por nuacute-meros O futuro parecia ser glorioso mas com o decorrer dos anos os valores que deveriam mover a igreja foram invalidados pelo espiacuterito denominacional que Conradi modelou A qualificaccedilatildeo moral de Conradi e as motivaccedilotildees por detraacutes de suas decisotildees eacute que determinaram os reais resultados de sua influecircncia natildeo simplesmente como administrador mas tambeacutem como guia espiritual

Historiadores adventistas podem apenas imaginar o tremendo impacto ne-gativo que a influecircncia de Conradi produziu atraveacutes dos anos (WIDNER 1996 p 2) Entretanto seguramente pode-se delinear sua influecircncia no que diz respeito agrave Ellen G White e o enfraquecimento da identidade adventista Conradi plantou duacutevidas e questionamentos a respeito do ministeacuterio de Ellen G White que anula-ram a influecircncia dela sob pastores liacutederes e a comunidade leiga em geral

Um dos detalhes mais baacutesicos e determinantes para qualquer grupo re-ligioso eacute o que se escolhe como fonte de autoridade (ver KNIGHT 2006 p 59) ndash se a Biacuteblia a filosofia a tradiccedilatildeo etc ndash e as suas pressuposiccedilotildees herme-necircuticas para interpretaacute-la Eacute com base em tal elemento que a identidade o

21 Com respeito ao legalismo e a reforma que o Adventismo em meados de 1880 necessitava (ver KNIGHT 2003 p 85-87)22 Com respeito agraves convicccedilotildees pessoais de Conradi conferir sua declaraccedilatildeo em Fridensau peran-te os liacutederes da Igreja (Centro de pesquisas Ellen G White DF 96 ver tambeacutem RANDOLPH 1940 p 8 DELAFIELD 1957 p 288 e 294 FROOM 1971 679 GROB 1974 p 8-9 e 19)

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propoacutesito e todas as demais noccedilotildees caracteriacutesticas de uma denominaccedilatildeo satildeo formadas Como consequecircncia da influecircncia negativa de Conradi sob o dom profeacutetico de Ellen G White criou-se dentro do adventismo uma fraccedilatildeo que natildeo compartilha da mesma base comum de interpretaccedilatildeo e autoridade Natildeo conservando assim um consenso comum de estilo de vida missatildeo e identi-dade No sermatildeo do monte Cristo disse que ldquopelos seus frutos os conhecereisrdquo (Mt 716) Muitos consideram essa prova a mais soacutelida e segura para se testar um profeta verdadeiro ndash natildeo por acaso esse teste foi proferido pelo proacuteprio Jesus Desafortunadamente tal garantia natildeo pode ser obtida de forma instan-tacircnea Eacute necessaacuterio esperar os anos para enxergar que espeacutecie de frutos a obra de um profeta produz Em geral os maus frutos nascem primeiro

Curiosamente a igreja que deu ouvidos a Ellen G White superou crises ndash tais como a de Kellogg por exemplo ndash e manteve a unidade conservando-se em constante desenvolvimento Infelizmente o mesmo otimismo natildeo pode ser mantido quando se observa os lugares que agrave rejeitou Seriam todas as di-ficuldades que a Igreja na Europa enfrenta hoje consequecircncias do legado de Conradi Certamente que natildeo Muitos outros fatores histoacutericos e sociocul-turais tambeacutem devem ser considerados Contudo a interferecircncia de Conradi enfraqueceu o senso de identidade e a aplicaccedilatildeo da orientaccedilatildeo divina para a Igreja nos dias de hoje Dois aspectos cruciais para superar os momentos difiacute-ceis de crise Agrave luz de sua expereecircncias sraacute bom relembrar o conselho biacuteblico

ldquoAquele pois que pensa estar em peacute veja que natildeo caiardquo (1Co 1012)

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Enviado dia 15052013Aceito dia 10062013

Macropressuposiccedilatildeo e a hermenecircutica biacuteblica1

Macro-assumption and biblical hermeneutics

Reacutegerson Molitor da Silva2

ResumoAbstract

Este estudo tem como objetivo averiguar o princiacutepio macro hermenecircutico da (a)temporalidade e sua influecircncia sobre os outros niacuteveis de interpretaccedilatildeo (micro e meso) Para poder alcanccedilar o resultado esperado o autor lanccedilou

matildeo do trabalho de Martin Heidegger Ser e tempo A posiccedilatildeo heideggeriana parece se alinhar com o pensamento biacuteblico de um Deus temporal que atua na histoacuteria de forma corrente diferente da preacute-concepccedilatildeo dogmaacutetica da atualidade onde Deus eacute atemporal Portanto se faz possiacutevel uma avaliaccedilatildeo dos pressupostos hermenecircuticos em especial a macro pressuposiccedilatildeo para uma construccedilatildeo interpretativa da Biacuteblia Palavras-chave Hermenecircutica Pressuposiccedilotildees Metafiacutesica Atemporal

The objective of this study is to verify the macro hermeneutical principle of the temporality or timelessness and its influence over the other interpreta-tion levels (micro and medium) In order to fulfill this study the author used

the work of Martin Heidegger Being and Time The position of Heidegger seems to match the biblical thought of a temporal God who acts currently in History oppo-sing the dogmatic preconception of our days when God is seen as timeless Hence it is possible to evaluate the hermeneutical presuppositions specially the macro presuppositions for an interpretative construction of the BibleKeywords Hermeneutics Assumptions Metaphysics Timeless

1 Este artigo foi baseado no segundo capiacutetulo da dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoA eterna e ontoloacutegica geraccedilatildeo do Filho enunciada no Credo Niceno-Constantinopolitano um estudo de suas implicaccedilotildees para o cristianismo biacuteblicordquo apresentado pelo mesmo autor na sua conclusatildeo do curso em 20122 Poacutes-graduado em Teologia pelo Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo (Unasp) bacharel em Teologia pela mesma universidade e Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) E-mail molitor7hotmailcom

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Haacute certo desconforto quando teoacutelogos com resultados interpretati-vos opostos sobre um mesmo assunto dizerm usar os mesmos conceitos de Tota e Sola Scriptura Assim eacute natural o surgimento de algumas indaga-ccedilotildees qual eacute a razatildeo para essas contradiccedilotildees teoloacutegicas sendo que a Biacuteblia eacute a fonte dos dois estudos Qual o motivo das divergecircncias interpretativas Muitas respostas a estes ldquoporquecircsrdquo poderiam ser consideradas no entan-to uma em especial merece destaque as diferenccedilas pressuposicionais de cada exegeta Em outras palavras os paradigmas hermenecircuticos satildeo res-ponsaacuteveis pela orientaccedilatildeo do modelo interpretativo (CANALE 2011 p 252) Ou seja as interpretaccedilotildees claramente contraditoacuterias sobre um mes-mo tema ocorrem devido a pressuposiccedilotildees diametralmente opostas ado-tadas por cada interprete

A proposta deste artigo eacute analisar a base pressuposicional em seus vaacute-rios niacuteveis hermenecircuticos destacando em especial o niacutevel macro hermenecircu-tico de interpretaccedilatildeo Para tanto partiremos primeiramente na busca de uma definiccedilatildeo do que seria a hemenecircutica Para facilitar o estudo seraacute conside-rada a divisatildeo de Hans Kuumlng (1999 p 162-163) a qual delimita trecircs niacuteveis hermenecircuticos micro meso e macro hermenecircutico

Breve definiccedilatildeo de hermenecircuticaA palavra ldquohermenecircuticardquo proveacutem do verbo grego hermeneuein e signi-

fica ldquodeclarar anunciar interpretar esclarecer e por uacuteltimo traduzirrdquo (PA-COMIO 2003 p 335) De forma geral segundo Kaiser e Silva (2002 p 13) a hermenecircutica ldquoeacute a disciplina que lida com os princiacutepios de interpretaccedilatildeordquo ou seja ela torna aquilo que outrora era velado em algo compreensiacutevel

Deve-se destacar que a hermenecircutica eacute considerada tanto uma ciecircn-cia ldquoporque ela tem normas ou regras e essas podem ser classificadas num sistema ordenadordquo sendo considerada tambeacutem ldquouma arte porque a comu-nicaccedilatildeo eacute flexiacutevelrdquo (VIRKLER 2001 p 9) Isto eacute ela ldquoindica uma dupla operaccedilatildeo ad extra no sentido de exprimir comunicar um significado ad in-tra como exerciacutecio de interpretaccedilatildeo que patenteia aquilo que se compreenderdquo (PACOMIO 2003 p 334)

Em siacutentese a principal tarefa da hermenecircutica eacute a interpretaccedilatildeo dos textos e a busca pela correta comunicaccedilatildeo do seu significado Para que isso ocorra eacute preciso levar em conta a relaccedilatildeo triangular entre autor-texto-leitor Logo cada texto representa a objetivaccedilatildeo escrita de um autor com uma linguagem peculiar e com um contexto especiacutefico (PACOMIO 2003 p 335-336)

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Aleacutem da linguagem e de seu significado no contexto histoacuterico especiacutefico eacute preciso levar em consideraccedilatildeo na hora da interpretaccedilatildeo os frameworks3 Em ou-tros termos o nosso quadro de leitura do mundo preconcepccedilotildees que surgem do nosso proacuteprio contexto vital que iraacute de forma consciente ou inconscientemen-te condicionar a leitura Segundo Basevi (1986 p 159 traduccedilatildeo livre) ldquotoda compreensatildeo supotildee uma preacute-compreensatildeo que estaacute por sua vez submetida a condicionamentos externos do texto (a intertextualidade)rdquo4 Portanto ao que parece deve-se identificar tais frameworks e suas pressuposiccedilotildees hermenecircuticas natildeo num niacutevel exegeacutetico (micro hermenecircutico) mas num niacutevel que sobrepotildee o framework textual Em outras palavras eacute necessaacuterio compreender o quadro que

lsquoenquadrarsquo nossa estrutura de pensamento os arqueacutetipos hermenecircuticos Na sequecircncia seraacute ponderada a diferenccedila entre a micro meso e macro

moldura [frameworks] hermenecircutica Espera-se com isso que a razatildeo do distanciamento interpretativo fique mais clara ao se compreender os dife-rentes niacuteveis hermenecircuticos que orientam uma visatildeo de mundo A anaacutelise comeccedilaraacute com a micro hermenecircutica e avanccedilaraacute pela meso ateacute a macro pres-suposiccedilatildeo Esta uacuteltima receberaacute maior atenccedilatildeo por se tratar de um elemento pouco discutido entre os estudiosos

Micro hermenecircuticaSegundo Canale (2011 p 20) a micro hermenecircutica se refere agrave exe-

gese que se aplica ao texto Ela faz uma anaacutelise detalhada e cuidadosa com o intuito de trazer agrave lume o ensino do mesmo Gordon D Fee (1983 p 21 traduccedilatildeo livre) entende assim o conceito sobre exegese

O termo ldquoexegeserdquo eacute usado [hellip] em um sentido conscientemente limitado para se referir agrave investigaccedilatildeo histoacuterica do significado do texto biacuteblico A exegese portanto responde agrave questatildeo ldquoo que o autor biacuteblico quis dizerrdquo Ela tem a ver com o que ele disse (o con-teuacutedo em si mesmo) e por que ele disse aquilo naquele momento (o contexto literaacuterio) Ainda mais a exegese estaacute primariamente preocupada com a intencionalidade ldquoo que o autor pretendia que seus leitores originais compreendessemrdquo5

3 Framework sistema de referecircncia esquema estruturaarmaccedilatildeo arcabouccediloesqueleto (ou seja a parte de uma construccedilatildeo que se destina a resistir a cargas) contexto sistema modelo4 ldquoToda comprensioacuten supone una pre comprensioacuten que estaacute a su vez sometida a condicio-namientos externos al texto (es la intertextualidad)rdquo5 ldquoThe term lsquoexegesisrsquo is used [hellip] in a consciously limited sense to refer to the historical

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Apesar da citaccedilatildeo acima conferir resumidamente o conceito de exegese e suas preocupaccedilotildees como ciecircncia o problema hermenecircutico vai aleacutem da inter-pretaccedilatildeo do texto De acordo com Sarmento (2003 p 141-142) o inteacuterprete natildeo eacute um agente passivo dessa forma seria ingenuidade negar a influecircncia dos pressupostos externos conscientes e inconscientes que cada leitor possui ao entrar em contato com o texto biacuteblico Por mais que se tente manter uma abor-dagem neutra as preacute-concepccedilotildees afetam a hermenecircutica O caminho natildeo eacute ne-gar a existecircncia das pressuposiccedilotildees ou tentar suprimi-las existe uma possibili-dade muito maior de se entender a ideia original do autor se as preacute-concepccedilotildees forem consideradas de forma consciente Para isso eacute preciso deliberadamente identificaacute-las e entatildeo fazer uso das mesmas no processo exegeacutetico (SILVA 2000 p 9) No proacuteximo toacutepico seraacute apresentado um niacutevel intermediaacuterio entre micro e macro hermenecircuticas isto eacute a meso hermenecircutica

Meso hermenecircutica

Uma questatildeo [hellip] controvertida tem a ver com o relacionamento entre a teologia e a exegese [micro hermenecircutica] Enquanto que os estu-diosos biacuteblicos tendem a ignorar ou ateacute mesmo rejeitar o valor da te-ologia sistemaacutetica [meso hermenecircutica] para o seu trabalho de inter-pretaccedilatildeo pode-se argumentar que os comprometimentos teoloacutegicos afetam inevitavelmente o processo de exegese e que tal influecircncia eacute tanto essencial quanto desejaacutevel (SILVA 2000 p 1 grifo nosso)

A ldquomeso hermenecircutica trata da interpretaccedilatildeo de questotildees teoloacutegicas e portanto pertence agrave aacuterea de teologia sistemaacuteticardquo6 (CANALE 2001 p 21 traduccedilatildeo livre) Logo diferente da micro hermenecircutica que estaacute preocupa-da com o texto em si e o seu significado histoacuterico-gramatical7 a meso her-menecircutica tem um olhar mais amplo e se preocupa com a sistematizaccedilatildeo de

investigation into the meaning of the Biblical text Exegesis therefore answers the question What did the Biblical author mean It has to do both with what he said (the-content itself) and why he said it at any given point (the literary context) Furthermore exegesis is primarily concerned with intentionality What did the author intend his original readers to understandrdquo6 ldquoMeso hermeneutics deals with the interpretation of theological issues and therefore be-longs properly to the area of systematic theologyrdquo7 O autor desta pesquisa considera o meacutetodo lsquohistoacuterico gramaticalrsquo de interpretaccedilatildeo como a ferramenta mais fiel ao interpretar o texto biacuteblico Para uma maior compreensatildeo do assunto ver Gerhard F Hasel (sd)

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um determinado tema isto eacute a visatildeo geral de determinado assunto Todavia ainda existem por traacutes da meso e da micro hermenecircutica as preacute-concepccedilotildees macro hermenecircuticas que seratildeo delineadas logo a seguir

MacrohermenecircuticaSegundo Canale

Enquanto a micro hermenecircutica se refere agrave interpretaccedilatildeo textual e a meso hermenecircutica trata da questatildeo ou interpretaccedilatildeo doutrinaacute-ria a macro hermenecircutica lida com a interpretaccedilatildeo dos primeiros princiacutepios que operam dentro da doutrina e hermenecircutica textual A macro hermenecircutica estaacute relacionada com o estudo e o esclare-cimento de questotildees filosoacuteficas direta ou indiretamente relaciona-das agrave criacutetica e formulaccedilatildeo de princiacutepios de interpretaccedilatildeo heuriacutestica concreta (CANALE 2001 p 20-21 traduccedilatildeo livre)8

Em outras palavras a macro hermenecircutica condiciona a maneira pela qual os teoacutelogos entendem a ontologia Ela conduz a reflexotildees sobre o ser de Deus que por conseguinte orientaraacute o pesquisador agrave meso (formaccedilatildeo doutrinaacuteria) e agrave micro hermenecircutica (exegese do texto) Desse modo a me-tafiacutesica confere sustentaccedilatildeo ao pensar filosoacutefico nas suas diversas aacutereas do conhecimento Essa sustentaccedilatildeo da filosofia pela metafiacutesica pode ser ilustra-da segundo o filoacutesofo Reneacute Descartes (2009 p 13 traduccedilatildeo livre) ldquocomo uma aacutervore [filosoacutefica] cujas raiacutezes eacute a Metafiacutesica o tronco eacute a Fiacutesica e os galhos que saem deste tronco satildeo todas as outras ciecircnciasrdquo9 Aparentemente a citaccedilatildeo de Descartes se mostra completa pois vai desde da metafiacutesica ateacute a moral passando pela Fiacutesica

No entanto de acordo com o filoacutesofo alematildeo Martin Heidegger exis-te um aspecto inexplorado pelo filoacutesofo francecircs e natildeo soacute despercebido por ele mas por todos os outros filoacutesofos anteriores e posteriores O que Heide-gger destaca como negligenciado de Platatildeo a Nietzsche eacute o solo em que se

8 ldquoWhile micro hermeneutics refers to textual interpretation and meso hermeneutics to is-sue or doctrinal interpretation macro hermeneutics deals with the interpretation of the first principles from within which doctrinal and textual hermeneutics operate Macro hermeneu-tics is related to the study and clarification of philosophical issues directly or indirectly related to the criticism and formulation of concrete heuristic principles of interpretationrdquo9 ldquo[Thus all Philosophy is] like a tree of which Metaphysic is the root the Physic the trunk and all the other sciences the branches that grow out of this trunkrdquo

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encontram as raiacutezes (metafiacutesica) desta grande aacutervore (HEIDEGGER 1969 p 61) A hermenecircutica estaraacute condicionada pelo solo no qual a metafiacutesica se encontra fixada (macro pressuposiccedilotildees) oferecendo uma interpretaccedilatildeo dis-crepante do mesmo assunto em relaccedilatildeo a uma hermenecircutica cujo solo (ma-cro pressuposiccedilatildeo) seja diferente Portanto macro pressuposiccedilotildees diferentes geram interpretaccedilotildees desiguais Infelizmente a influecircncia ontoloacutegica (macro pressuposiccedilatildeo) eacute negada ou passa despercebida pela maioria dos interpretes

No proacuteximo toacutepico seraacute abordado com mais detalhes a proposta de Heidegger onde se questiona segundo o mesmo autor aquilo que nunca foi questionado desde Platatildeo ateacute o segundo milecircnio de nossa era (HEIDEGGER 2005a p 27-30) O objetivo dele ao entrar na problemaacutetica da hermenecircutica tem como ldquofinalidade ontoloacutegica de desenvolver a partir delas a preacute-estrutu-ra da compreensatildeordquo (GADAMER 1999 p 44) Essa pesquisa tem o interesse nas preacute-compreensotildees ontoloacutegicas que a metafiacutesica trabalha Neste trabalho isto seraacute chamado de ldquomacro hermenecircuticardquo ou ldquomacro pressuposiccedilotildeesrdquo

Metafiacutesica como macropressuposiccedilatildeoDevo alertar que a palavra metafiacutesica no pensamento de Heidegger teoacute-

rico de maior importacircncia neste ponto da pesquisa natildeo possui apenas um sen-tido Haacute pelo menos dois sentidos atribuiacutedos em suas discussotildees O primeiro se refere agrave metafiacutesica como algo negativo ldquouma fatalidaderdquo (HEIDEGGER 2002 p 67) Essa eacute a metafiacutesica contemporacircnea que ele critica pois eacute um en-trave ao conhecimento do verdadeiro ser O segundo sentido que Heidegger usa eacute aquele que vai aleacutem do ente do ocircntico (HEIDEGGER 1969 p 39) Em ou-tras palavras Heidegger busca o que estaacute aleacutem da metafiacutesica isto eacute ele busca o verdadeiro significado do ser Portanto eacute preciso desconstruir os pressupostos dogmaacuteticos usados por vaacuterias deacutecadas como fonte legiacutetima do conhecer Essa parte do pensamento eacute importante ao presente estudo pois todas as ciecircncias estatildeo em maior ou menor grau comprometidas com a macro pressuposiccedilatildeo Portanto partindo da criacutetica heideggeriana feita agrave macro pressuposiccedilatildeo claacutes-sica seraacute investigado o sentido macro hermenecircutico dominante e seus efeitos sobre o pensamento ocidental Esse seraacute o assunto explorado a seguir

Entendendo o paradigma metafiacutesicoO sentido etimoloacutegico da palavra metafiacutesica eacute meta (ldquoaleacutemrdquo) e tagrave

physikaacute (ldquoente naturalrdquo) isto eacute a metafiacutesica busca o que estaacute aleacutem do

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ente sua investigaccedilatildeo eacute o ser ontoloacutegico natildeo o ente (ocircntico) Pode-se dizer que ldquoo paradigma metafiacutesico eacute a histoacuteria de nossa permanecircncia ele natildeo eacute entretanto o iniacutecio do nosso pensarrdquo (MICHELAZZO 2010 p 30) ou seja existe uma archeacute antes da metafiacutesica atual e eacute exatamente isso que Heidegger busca

O grande problema apontado por Heidegger em relaccedilatildeo agrave metafiacutesi-ca dogmaacutetica que tem dominado o pensamento ocidental eacute que a mesma deixou de ir aleacutem do ente Para o mesmo autor os primeiros pensadores antes de Platatildeo entendiam a phyacutesis como o surgimento ou presenccedila ma-nifesta por isso a phyacutesis era vista como a unidade ordinaacuteria que congrega tanto aquilo que brota (movimento) quanto o que se reteacutem (permanece em repouso) Para eles natildeo havia separaccedilatildeo do real em dois grandes blocos em permanente oposiccedilatildeo denominados de temporal e atemporal

sensiacutevel e supra-sensiacutevel material e espiritual imanente e transcen-dente ou entatildeo conforme o dualismo moderno realista e idealista subjetivo e objetivo O fundo escuro da caverna e a claridade do sol na pradaria eram para eles formas ou manifestaccedilotildees de uma uacutenica realidade porque procediam de uma mesma fonte Natildeo havia moti-vo para duvidar da realidade (MICHELAZZO 2010 p 31)

Essa forma de pensar dualiacutestica para Heidegger eacute o grande problema da metafiacutesica desde os tempos de Platatildeo ele considera essa ldquointerpretaccedilatildeo ontologicamente inadequadardquo (HEIDEGGER 2005a p 97) Isso porque ela elimina o ser como ser (real no sentido total de phyacutesis) e passa a viver a imagem de um ente extramundano em outras palavras a realidade eacute apenas sombra de uma realidade superior e atemporal portanto o ser no sentido ocircntico coisificado estaacute longe do ser ontoloacutegico por mais que se tente al-canccedilar o ente supremo ainda deixaraacute a desejar por isso confere-se tanto va-lor agraves coisas (no sentido de ser isso ou aquilo) e o proacuteprio ser humano passa a ser um objeto em si (HEIDEGGER 2005a p 84) Para Heidegger essa visatildeo ontoloacutegica modela nossa visatildeo de mundo

No proacuteximo toacutepico seraacute analisada a chave para a compreensatildeo da ma-cro pressuposiccedilatildeo isto eacute ldquoo tempo eacute o ponto de partida do qual a presen-ccedila sempre compreende e interpreta implicitamente o serrdquo (HEIDEGGER 2005a p 45) Em outras palavras a forma como se entende o conceito de tempo moldaraacute a visatildeo ontoloacutegica e por conseguinte as possibilidades her-menecircuticas de interpretaccedilatildeo

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O tempo agrave luz da problemaacutetica da temporalidade

Segundo Heidegger (2005 p 46) o tempo funciona como criteacuterio on-toloacutegico ldquopara distinguir as regiotildees e modos do serrdquo por isso dependendo do conceito de tempo estabelecido a visatildeo do ser seraacute diferenciada isto eacute

ldquoa problemaacutetica central de toda a ontologia se funda e lanccedila suas raiacutezes no fenocircmeno do tempordquo (HEIDEGGER 2005a p 46) Basicamente existem duas formas (macro pressuposiccedilotildees) de entender a questatildeo do tempo todas as outras satildeo derivaccedilotildees de uma delas

A primeira maneira de conceber a natureza do tempo tem sua origem em Platatildeo (2011 p 119) que constitui o ldquotempordquo (kroacutenos) como a ldquoimagem moacutevel da eternidade [aioacuten] [hellip] uma imagem eterna que avanccedila de acordo com o nuacutemerordquo Partindo do dualismo entre mundo supra-sensiacutevel e mundo sensiacutevel Platatildeo assume o tempo como uma aparecircncia mutaacutevel e pereciacutevel de uma essecircncia imutaacutevel e impereciacutevel Enquanto o ldquotempordquo (kroacutenos) eacute a esfe-ra tangiacutevel moacutebil a ldquoeternidaderdquo (aioacuten) eacute a esfera intangiacutevel e imoacutevel Posto que o ldquotempordquo representa uma imagem ele natildeo passa de uma imitaccedilatildeo (miacute-mesis) da eternidade (aioacuten) Ou seja o tempo eacute uma coacutepia imperfeita de um modelo perfeito a eternidade

Essa parece ser a visatildeo que a grande parte dos teoacutelogos sustentam a respeito do tempo e por conseguinte da eternidade (ver HODGE 2001 p 189)10 Portanto esta primeira concepccedilatildeo de tempo concorda com uma separaccedilatildeo entre o mundo sensiacutevel lsquotemporalrsquo e supra-sensiacutevel lsquoatemporalrsquo A variaccedilatildeo dessa percepccedilatildeo se daacute nas diversas formas onde satildeo construiacutedas pontes para acessar ou natildeo11 o tόpυς ούρανου (HEIDEGGER 2005a p 46) Desde Platatildeo ateacute Nietzsche a macro pressuposiccedilatildeo dualiacutestica de tempo (temporal e atemporal) tem reinado como base do pensar filosoacutefico e teo-loacutegico orientando assim toda a estrutura hermenecircutica do conhecimento (MICHELAZZO 2010 p 35-66) O tempo ideal eacute algo que acontece fora do ser humano ou seja num mundo supra-sensiacutevel ou na percepccedilatildeo do mo-vimento da coisa (ente) vindo ao encontro no horizonte temporal

10 Hodge (2001 p 189) alega que ldquoa eternidade o presente sem mudanccedila sem princiacutepio e sem fim compreende o tempo inteiro e coexiste como um momento natildeo divididordquo11 Descarte eacute um exemplo de filoacutesofo que nega o mundo supra-sensiacutevel no entanto coloca no lugar do mesmo o lsquocogito ergo sumrsquo (ldquopenso logo existordquo) isto eacute continua com a mesma base dua-liacutestica (res cogitans e extensa) onde o referencial continua fora do ser (ver MICHELZZO 2010 p 60)

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A segunda forma de conceber o tempo pode ser conhecida em especial na filosofia de Heidegger Tal filosofia nega o conceito de tempo platocircnico (kroacutenos como uma imagem do aiacuteon) e apodera-se do conceito de tempo lsquonatu-ralrsquo de Aristoacuteteles que pela primeira vez conceituou a compreensatildeo vulgar do tempo a sua ldquointerpretaccedilatildeo do tempo movimenta-se sobretudo na direccedilatildeo da compreensatildeo ontoloacutegica lsquonaturalrsquordquo (HEIDEGGER 2005b p 233) Contu-do apesar de aceitar o conceito aristoteacutelico de tempo natural como movimen-to ele nega o referencial que o mesmo toma (NUNES 2000 p 188-192) Em outras palavras para Aristoacuteteles assim como para Platatildeo a referecircncia tempo-ral estaacute fora do sujeito no caso de Platatildeo ldquoacimardquo num mundo supra-sensiacutevel e em Aristoacuteteles (Fiacutesica 219b) no ldquodevirrdquo interpretando o tempo em funccedilatildeo do presente a intuiccedilatildeo de um agora ldquoo tempo eacute justamente isto nuacutemero do movimento segundo o anterior e o posteriorrdquo Portanto a visatildeo de tempo de Aristoacuteteles eacute dirigida ldquocomo [uma] sequecircncia de agoras que emergem e desa-parecem [onde] temos a imagem derivada da eternidade [aiacuteon] jaacute tecida por Platatildeordquo (BLASIO 2007 grifo nosso) Heidegger ao contraacuterio interpretou o tempo em termos de possibilidade ou de projeccedilatildeo o tempo eacute originariamente o ldquoporvirrdquo (Zu-kunft) o porvir do ente para si mesmo na manutenccedilatildeo da pos-sibilidade caracteriacutestica como tal (HEIDEGGER 2005b p 123)

ldquoPorvirrdquo natildeo significa aqui um agora que ainda-natildeo tendo se tor-nado ldquorealrdquo algum dia o seraacute Porvir significa o advento em que a presenccedila vem a si em seu poder-ser mais proacuteprio Eacute a antecipaccedilatildeo que torna a presenccedila [ser-aiacute] propriamente porvindoura de tal ma-neira que a proacutepria antecipaccedilatildeo soacute eacute possiacutevel na medida em que a presenccedila [ser-aiacute] enquanto ente sempre jaacute vem a si ou seja em seu ser eacute e estaacute por vir (HEIDEGGER 2005b p 119 grifo nosso)

ldquoEnquanto o futuro proacuteprio tem o caraacuteter de lsquoanteciparrsquo ou lsquoprecursarrsquo [Vorlaufen] o improacuteprio eacute um lsquoestar agrave esperarsquo [Gewaumlrtigen]rdquo (SEIBT 2010 p 255) Isto eacute no futuro no modo inapropriado o Dasein (ldquoser-aiacuterdquo) espera que o futuro faccedila algo dele (sujeito passivo diante do ente ativo ldquoo tempo passardquo) enquanto que no modo proacuteprio ele se resolve e antecipa nas possi-bilidades Para isso o Dasein faz uso do passado como um ldquoter-sidordquo que eacute condicionado pelo porvir porque assim como satildeo possibilidades autecircnticas aquelas que jaacute foram tambeacutem jaacute foram agraves possibilidades agraves quais o ser hu-mano pode autenticamente retornar e apropriar-se (HEIDEGGER 2005b p 122) Dessa forma o ldquoser-aiacuterdquo atraveacutes do porvir retoma o passado e com

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base na antecipaccedilatildeo constroacutei as possibilidades temporais Assim o tempo do mundo se encontra tanto no sujeito (Dasein) quanto no fiacutesico (movimen-to do ente que vem ao encontro no horizonte)

ldquoO tempordquo natildeo eacute e nunca estaacute simplesmente dado no ldquosujeitordquo nem no ldquoobjetordquo e nem tampouco ldquodentrordquo ou ldquoforardquo O tempo ldquoeacuterdquo

ldquoanteriorrdquo a toda subjetividade e objetividade porque constitui a proacute-pria possibilidade desse ldquoanteriorrdquo (HEIDEGGER 2005b p 231)

Ou seja para Heidegger o ldquoser-aiacuterdquo se destaca pois eacute o ser no mun-do que percebe os entes intramundanos E o ser soacute pode ser percebido na anguacutestia do natildeo ser isto eacute na morte e esta eacute certa para todo ser (terreno) Portanto partindo dessa certeza que estaacute no porvir que antecipa o agora que jaacute estaacute anteriormente mergulhado no passado do ser no mundo o tempo se temporaliza O tempo ao mesmo tempo que existe fora do ser humano no movimento dos entes tambeacutem eacute subjetivo pois parte do perceber de cada Dasein No momento em que o ser encontra a morte e passa a natildeo ser o tempo eacute interrompido (SEIBT 2010 p 264) (ver Ec 95)

O projetar-se ldquoem funccedilatildeo de si-mesmordquo fundado no porvir eacute um caraacuteter essencial da existencialidade [hellip] portanto o tempo do mundo pertence agrave temporalizaccedilatildeo da temporalidade entatildeo ele natildeo pode se evaporar ldquosubjetivisticamenterdquo e nem se ldquocoisificarrdquo numa ldquomaacute objetivaccedilatildeordquo (HEIDEGGER 2005b p 122 e 232)

Com efeito pode-se constatar que a interpretaccedilatildeo modal da temporalidade de Heidegger do Dasein potildee o conceito de existecircncia dentro de seus limites e repete do mesmo modo a questatildeo do tempo (como movimento) eliminando com base na possibilidade o modelo ldquoimortalista da filosofiardquo e com este o seu caraacuteter de ldquoinfinituderdquo e ldquopresentidaderdquo (HEIDEGGER 2005 p 236)

Em linhas gerais Heidegger ldquofez a distinccedilatildeo entre o tempo originaacuterio [na-turalproacuteprio] e finito regido pelo instante da antecipaccedilatildeo e o tempo vulgar e infinito [inapropriado] regido pela sucessatildeo ininterrupta de agorasrdquo (FERREI-RA 2003 p 12 grifo nosso) Diferente de Platatildeo e dos demais filoacutesofos Heide-gger vai aleacutem da metafiacutesica ele se debruccedila na anaacutelise do solo onde a metafiacutesica estaacute plantada ele vai ateacute agrave macro pressuposiccedilatildeo e traz um desvelamento onde todos satildeo chamados para refletir sobre as ditas ldquoverdadesrdquo que durante seacuteculos tecircm sido sustentadas como lsquoabsolutasrsquo sem se considerar onde estatildeo firmadas

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O que Heidegger propotildee eacute um processo de desconstruccedilatildeo do antigo paracircmetro macro estrutural e ao mesmo tempo a construccedilatildeo de um novo paradigma hermenecircutico Para a presente pesquisa tal questionamento eacute de grande valia pois a proposta da mesma eacute buscar uma abordagem que mantenha a Biacuteblia (Sola Scriptura) como o uacutenico referencial confiaacutevel na construccedilatildeo e na revisatildeo de doutrinas em todos os niacuteveis pressuposicionais Portanto como ponto de partida deve-se identificar qual a macro pressu-posiccedilatildeo que rege a estrutura de uma doutrina Para que isso ocorra pode-se comeccedilar com as seguintes perguntas a doutrina em estudo estaacute de acordo com a visatildeo metafiacutesica das Escrituras Ou estaacute seguindo uma macro pressu-posiccedilatildeo contraacuteria agrave revelaccedilatildeo escrituriacutestica Qual a visatildeo biacuteblica de tempo e eternidade Com essas indagaccedilotildees em pauta seraacute dado o proacuteximo passo nas consideraccedilotildees que se seguem

Noccedilatildeo de tempo e eternidade na Biacuteblia

Para continuar seraacute preciso responder uma importante questatildeo a teo-logia deve continuar interpretando e construindo o sistema doutrinal atraveacutes de uma perspectiva hermenecircutica atemporal (macro pressuposiccedilatildeo) provin-da da ontologia grega (platocircnica) Ou seria necessaacuterio partir de uma nova perspectiva temporal como por exemplo a apresentada por Heidegger e as-sim revisar ou reconstruir o corpo de crenccedilas cristatildes Para isso precisamos entender a visatildeo biacuteblica sobre ldquotempordquo e ldquoeternidaderdquo aleacutem de analisar se a mesma apoia a macro pressuposiccedilatildeo proposta por Heidegger ou se apresenta outra perspectiva temporal a ser adotada

A primeira situaccedilatildeo biacuteblica de destaque poacutes-queda onde o sobrenatural transpotildee e se faz presente no mundo natural eacute o momento poacutes-libertaccedilatildeo do cativeiro egiacutepcio Nessa ocasiatildeo Deus surpreendentemente confere uma ordem a Moiseacutes para construir um santuaacuterio onde possa habitar no meio do povo ldquoE me faratildeo um santuaacuterio para que eu habite no meio delesrdquo (Ecircx 258 itaacutelicos acrescentados) O verbo hebraico shakan ldquolsquohabitarrsquo significa ser um residente permanente numa comunidaderdquo (NICHOL 2011 v 1 p 685) De fato numa visatildeo claacutessica (platocircnica) esse texto seria interpretado como metafoacuterico contudo admitir tal meacutetodo de interpretaccedilatildeo significa trabalhar sobre uma base ilusoacuteria negando que a esfera sobrenatural se mostra perfeitamente compatiacutevel com a temporalidade e historicidade do

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mundo natural e impor ao texto biacuteblico uma realidade metafiacutesica ausente no mesmo (CANALE 2011 p 97)

Uma segunda situaccedilatildeo ocorre quando Ele (Deus) que ldquomora em luz inacessiacutevelrdquo (1Tm 616) encarnou como um semelhante a noacutes O apoacutestolo Joatildeo faz eco agrave passagem de Ecircxodo 258 quando escreve ldquoE o Verbo se fez carne e habitou entre noacutesrdquo (Jo 114 itaacutelicos acrescentados) Literalmen-te ldquoo Verbo lsquotabernaculoursquo entre noacutesrdquo ldquofez moradardquo ldquoarmou sua tendardquo O divino pertencente agrave esfera do sobrenatural (Jo 11-2) ldquose fez carnerdquo Logo o sobrenatural estaacute imerso no natural Na visatildeo claacutessica ldquoDeus e o mundo sobrenatural satildeo atemporais uma mudanccedila na natureza divina do Verbo da forma natildeo encarnada para a encarnada eacute impossiacutevelrdquo (CANA-LE 2011 p 98) Por conseguinte a encarnaccedilatildeo requer uma compreensatildeo histoacuterico-temporal onde o sobrenatural e o natural apesar de diferentes (natildeo opostos) se harmonizam

Seguindo a mesma ecircnfase em Apocalipse 213 na promessa de res-tauraccedilatildeo da Nova Terra aparece o sobrenatural habitando para sempre no mundo natural ldquoEis aqui o tabernaacuteculo de Deus com os homens pois com eles habitaraacute [do grego Skecircnecirc ndash ldquotenda tabernaacuteculo residecircnciardquo] e eles seratildeo o seu povo e o mesmo Deus estaraacute com eles e seraacute o seu Deusrdquo Portanto a promessa eacute que Deus habitaraacute com os homens no mundo tem-poral pela eternidade o proacuteprio trono de Deus a nova Jerusaleacutem desce do ldquoceacuteu adereccedilada como uma esposa ataviada para o seu maridordquo (Ap 212) Nesse sentido ldquoa Biacuteblia desconhece um Deus atemporal ou um ceacuteu sem acontecimentosrdquo (SHEDD PIERATT 2000 p 12) Segundo Canale (2011 p 97 itaacutelicos acrescentados) ldquoo ponto eacute que natildeo existe ne-nhuma razatildeo seja biacuteblica loacutegica ou filosoacutefica [hellip] [para] aceitar a noccedilatildeo atemporal da esfera sobrenaturalrdquo

Aleacutem das situaccedilotildees que negam a macro pressuposiccedilatildeo hermenecircutica de dois domiacutenios (temporal e atemporal) apresentadas acima tambeacutem eacute possiacutevel recorrer agrave anaacutelise da palavra hebraica lsquoolam (ldquoeternidaderdquo) que no Antigo Testamento ldquonatildeo designa a eternidade como atemporal isto eacute tem-po imutaacutevel nem como tempo ainda oculto no presente mas םלוש significa sobretudo o tempo mais distante e isso tanto em direccedilatildeo ao passado quanto em direccedilatildeo ao futurordquo (WOLFF 2007 p 148-149) Da mesma forma Os-car Cullmann (2003 p 83) assegura que no Novo Testamento a palavra grega aiocircn equivalente a lsquoolam tem o mesmo sentido ldquopara designar seja um espaccedilo de tempo delimitado com precisatildeo seja uma duraccedilatildeo ilimitada e incalculaacutevel que noacutes traduzimos por ldquoeternidaderdquordquo Em suma

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Segundo a Biacuteblia Deus estaacute consciente da ordem temporal e vi-talmente vinculado a ela O Deus eterno natildeo estaacute separado do mundo temporal e espacial Isso significa que o conceito biacuteblico de eternidade de Deus natildeo eacute idecircntico agrave atemporalidade platocircnica e agrave negaccedilatildeo do tempo ou o tempo como ldquoa sombra do eternordquo (GARRETT 2003 p 229-230 traduccedilatildeo livre)12

Segundo a visatildeo claacutessica do mundo natural e sobrenatural o que faz sepa-raccedilatildeo entre Deus e o ser humano eacute a natureza ontoloacutegica atemporal de Deus e por isso eacute impossiacutevel agrave presenccedila do sobrenatural no tempo espaccedilo Todavia ao averiguar o conceito biacuteblico do que de fato faz separaccedilatildeo entre Deus e a huma-nidade conclui-se que eacute o pecado e natildeo a natureza temporal versos atemporal que separam a humanidade da divindade ldquoMas as vossas iniquidades fazem se-paraccedilatildeo entre voacutes e o vosso Deus e os vossos pecados encobrem o seu rosto de voacutes para que natildeo vos ouccedilardquo (Is 592) Deus na histoacuteria do ser humano todavia a marca da lsquoausecircncia de Deusrsquo eacute por conta do pecado e natildeo por causa de sua natureza sobrenatural em oposiccedilatildeo agrave nossa natureza (CANALE 2011 p 100)

Consideraccedilotildees finaisPor fim entende-se que as pressuposiccedilotildees afetam de forma consciente ou

inconsciente a hermenecircutica e que dependendo do referencial tomado a in-terpretaccedilatildeo poderaacute ser diametralmente oposta Como foi dito acima existem dois tipos baacutesicos de macro pressuposiccedilatildeo a primeira adotada pela maioria dos teoacutelogos (de Platatildeo ao seacutec 19) assume que a visatildeo de mundo eacute dualiacutestica isto eacute o mundo sensiacutevel (temporal) eacute apenas a imagem do mundo supra-sensiacutevel que possui um tempo infinito (atemporal) regido pelo agora

Por outro lado em segundo lugar haacute de se considerar a proposta ino-vadora de Heidegger de desconstruir esta forma de pensar a partir do real isto eacute este mundo natildeo eacute uma sombra de um mundo superior e atemporal O tempo se temporaliza a partir do ldquoser-aiacuterdquo logo o tempo eacute finito assim como cada ser num mundo finito pois a temporalizaccedilatildeo se temporaliza na relaccedilatildeo do ser no mundo com os outros entes percebidos pelo Dasein

12 ldquoSeguacuten la Biblia Dios estaacute consciente del orden temporal e vitalmente vinculado a eacutel El Dios eterno no estaacute divorciado del mundo temporal y espacial Esto significa que el concepto biacuteblico de la eternidad de Dios no es ideacutentico a la intemporalidad platoacutenica y a la negacioacuten del tiempo o al tiempo como ldquola sombra de lo eternordquo

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Diante das duas perspectivas macro pressuposicionais apresentadas se existe a necessidade ter um resultado interpretativo de acordo com o prin-ciacutepio Sola Scriptura deve-se usar o conceito temporal de Deus pois estaacute de acordo com a revelaccedilatildeo Por outro lado a visatildeo platocircnica de um mundo sobrenatural atemporal natildeo deve ser aceita pois a mesma natildeo tem amparo biacuteblico Assim todo exegeta deve questionar suas preacute-concepccedilotildees a niacutevel micro (exegese) meso (doutrinaacuterio) e macro de pressuposiccedilotildees a fim de adotar a visatildeo biacuteblica de esfera sobrenatural histoacuterico-temporal Dessa ma-neira ele poderaacute argumentar a partir de alicerce adequado e assim obter uma interpretaccedilatildeo mais fidedigna ao texto biacuteblico

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Enviado dia 17012013Aceito dia 15042013

Estudo sobre a morte em Lucas 1619-31A study about death in Luke 1619-31

Adenilton T de Aguiar1 Diego Rafael da S Barros2

ResumoAbstract

Este artigo tem como objetivo verificar a plausibilidade da crenccedila na imortalidade inerente da alma a partir da leitura da paraacutebola do homem rico e Laacutezaro contidaem Lucas 16 Para tanto o cenaacuterio

histoacuterico eacute remontado a partir de uma leitura de textos judaicos e greco--romanos da eacutepoca e da anaacutelise linguiacutestico-cultural especificamente do termo hades utilizado em Lc 1623 Com base nos dados bibliograacuteficos que ampararam esta pesquisa conclui-se que autores deste seacuteculo e do seacuteculo passado concordam que natildeo pode ser extraiacuteda uma base doutrinaacuteria para a imortalidade inerente da alma a partir dessa narrativa nem sequer um endosso da mesmaPalavras-Chave Rico e Laacutezaro Paraacutebolas de Jesus Lucas 1619-31 Hades Imortalidade da alma

This paper aims to verify the plausibility of the soulrsquos inherent immor-tality belief based on the reading of the parable of the rich man and Lazarus in Luke 16 Thereunto the historic setting is remounted by a

reading of Jewish and Greco-Roman texts from that time and linguistic-cultural

1 Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Catoacutelica de Pernambuco professor de liacutenguas Biacuteblicas no SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adventista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste editor geral da Revista Hermenecircutica e do Ce-PLiB ndash Centro de Pesquisa de Literatura Biacuteblica Email adeniltonaguiargmailcom 2 Bacharelado em Teologia do SALT-IAENE ndash Seminaacuterio Adentista Latino-Americano de TeologiaInstituto Adventista de Ensino do Nordeste Email diegorafaelbarrosgmailcom

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analysis mainly focusing the term hades in Luke 1623 Based on the biblio-graphical data it is possible to conclude that the authors of this century and of the past century agree that itrsquos impossible to maintain the doctrine of the soulrsquos inherent immortality based on this narrativeKeywords Lazarus and the rich man Jesusrsquo parables Luke 1619-31 Hades Soul immortality

A assim chamada paraacutebola do Rico e Laacutezaro registrada em Lucas 16 tem sido largamente utilizada para defender a doutrina da imortalidade ine-rente da alma Os comentaristas que utilizam essa paraacutebola em busca de apoio para sustentar a crenccedila acima mencionada entendem que esta narra-tiva revela o aleacutem e demonstra o futuro poacutes-morte de iacutempios e justos

Apesar das discussotildees que envolvem esse relato3 curiosamente perce-be-se que haacute um esquecimento dessa paraacutebola dentro da erudiccedilatildeo uma vez que ela natildeo tem recebido tanta atenccedilatildeo dos estudiosos quanto outras paraacute-bolas de Jesus Kissinger (apud HOCK 1987 p 447) em seu livro Parables of Jesus a history of interpretation and Bibliography lista 123 estudos da paraacutebola do Bom Samaritano e 254 estudos da paraacutebola do Filho Proacutedigo em contra-partida a obra lista apenas 68 estudos da paraacutebola do Rico e Laacutezaro

A escassez de pesquisa sobre essa narrativa natildeo se justifica principal-mente quando se leva em conta o grau de discordacircncia entre comentaristas sobre as questotildees que giram em torno dela Seria esta paraacutebola um ensino claro de Jesus sobre a condiccedilatildeo da vida apoacutes a morte Se sim entatildeo haacute pos-sibilidade de diaacutelogo entre justos no paraiacuteso e iacutempios no inferno Se natildeo qual a mensagem da paraacutebola E qual eacute o propoacutesito de Jesus ao utilizaacute-la Estaria ela corroborando uma cosmovisatildeo dualista da natureza humana O presente estudo propotildee a responder a estas questotildees atraveacutes de uma pesquisa na literatura judaica e greco-romana aleacutem eacute claro do escrutiacutenio apurado do proacuteprio texto biacuteblico em questatildeo

3 Aleacutem das discussotildees sobre a questatildeo da imortalidade da alma as pesquisas mais recentes defendem que esta narrativa natildeo passa de uma interpolaccedilatildeo apoacutecrifa uma vez que natildeo eacute encon-trada em alguns dos manuscritos mais antigos Para detalhes sobre o assunto ver Cairus (2006)

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A mensagem e as paraacutebolas do evangelho de Lucas

O Evangelho de Lucas ldquopotildee Jesus em contato [hellip] com as necessida-des das pessoasrdquo (NICHOL 1995 p 650) e focaliza temas eacuteticos de seu kerygma Sem duacutevida um dos temas sobresselentes deste Evangelho eacute o comportamento adequado daquele que participa do reino de Deus Neste Evangelho mais do que nos demais o leitor eacute colocado diante de situa-ccedilotildees (reais e imaginaacuterias) que quebram os paradigmas e destroem os tabus da audiecircncia primaacuteria do Filho do Homem Especialmente nas paraacutebolas de Lucas pode-se contemplar como protagonistas personagens margi-nalizados no mundo judeu do seacuteculo I o bom samaritano (Lc 1025-37) o filho proacutedigo (Lc 1511-32) o cobrador de impostos (Lc 189-14) o mordomo infiel (Lc 161-13) dentre outros Estas figuras corroboram a hipoacutetese de Schottroff (2007 p 208) de que este evangelho apresenta uma anaacutelise social radical

Integrando este grupo de paraacutebolas inusitadas situa-se uma das narra-tivas de exemplo4 mais famosas a paraacutebola do homem rico e Laacutezaro Nesta narrativa apresentam-se choques profundos de valores tanto judaicos quan-to greco-romanos Embora a riqueza fosse considerada signo de favor divi-no em ambas as culturas esperava-se uma atitude diferente do homem rico principalmente tendo a lei de Moiseacutes e os escritos profeacuteticos como pano de fundo metanarrativo Em outras palavras ldquoo fato de o rico natildeo cuidar de Laacutezaro natildeo estava de acordo com o AT (1619-31) e com o ensinamento de Jesus (169)rdquo (KARRIS 2011 p 283)

Os temas da benevolecircncia para com os pobres e da armadilha das ri-quezas eram recorrentes tanto na cultura judaica5 quanto no mundo gre-co-romano No apoacutecrifo livro de Tobias 411 estaacute escrito ldquo[hellip] a entrega de esmolas livra da morte e vos guarda de serem lanccedilados nas trevasrdquo Ou-tros escritos judaicos primitivos alegavam que a riqueza eacute uma das trecircs re-des pelas quais Belial captura Israel (SNODGRASS 2010 p 549) Secircneca

4 As narrativas de exemplo satildeo inerentes ao Evangelho de Lucas e exclusivas dele (SCHNEL-LE 2010 p 663) Tais histoacuterias visam demonstrar o procedimento padratildeo do reino de Deus5 A Toraacute e os escritos profeacuteticos repetem por diversas vezes o tema do cuidado com os pobres oacuterfatildeos viuacutevas e estrangeiros como obrigaccedilatildeo moral religiosa e legal Ver por exemplo Ex 2220-26 236 11 Lv 1910 2322 Dt 1018-19 157 9 e 11 2414 Is 314 15 Jr 528 Ez 1649 22 29 Am 8 4 6

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ceacutelebre escritor e advogado do seacuteculo I em sua obra De Brevitae Vitae 137 escreveu ldquoAh como eacute grande a cegueira que a prosperidade excessiva pro-voca em nossas mentesrdquo

O capiacutetulo 16 de LucasPesquisadores contemporacircneos colocam a paraacutebola do Rico e Laacutezaro

no mesmo grupo das paraacutebolas do rico insensato (12 13-21) e do mordomo infiel (161-13) sugerindo que o foco dessa paraacutebola diz respeito agrave utilizaccedilatildeo adequada dos recursos materiais ndash tema enfatizado por Lucas (ver SNOD-GRASS 2010 p 547) Uma anaacutelise da estrutura de Lucas 16 onde se situa a paraacutebola em anaacutelise pode aprofundar essa compreensatildeo

O capiacutetulo 16 de Lucas pode ser dividido em quatro partes (v 1-8a v 8b-13 v 14-18 v 19-31) (ver KARRIS 2011 p 281) e inicia com a inusita-da paraacutebola do mordomo infiel No iniacutecio da narrativa natildeo eacute faacutecil identificar e compreender o que motiva Jesus a contar esta paraacutebola Contudo a partir do verso 13 fica claro que Jesus queria demonstrar que ldquoningueacutem pode servir a Deus e agraves riquezasrdquo Em seguida o verso 14 condena os fariseus os quais por assim dizer satildeo os antagonistas da paraacutebola dada a sua patente avareza em relaccedilatildeo aos pobres

Assim Jesus reprova os fariseus apontando para a Lei e os Profetas o que parece indicar que o tema de seu discurso possuiacutea raiacutezes veterotesta-mentaacuterias Na cena seguinte que mais se parece com uma suacutebita mudanccedila de assunto Jesus trata da questatildeo do divoacutercio Contudo natildeo haacute uma des-continuidade de temas ao contraacuterio Lucas estaacute associando a avareza aos pecados sexuais (KARRIS 2011) Tal comparaccedilatildeo eacute comum tanto no dis-curso biacuteblico (Ef 53-5) quanto na literatura judaica O apoacutecrifo Testamento de Judaacute em 182 afirma ldquoque a promiscuidade sexual e o amor ao dinhei-ro ndash dentre outras coisas ndash nos distanciam da lei de Deus cegam a nossa alma e impedem a pessoa de demonstrar misericoacuterdia para com o proacuteximordquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Portanto se natildeo haacute de fato uma descontinuidade de temas no capiacutetu-lo 16 de Lucas deve-se ver a paraacutebola do Rico e Laacutezaro como uma continu-accedilatildeo do conflito de Jesus com os fariseus acerca das riquezas (RICHARDS 2007 p 176) Diante disto parece razoaacutevel afirmar que esta paraacutebola discu-te questotildees sociais e natildeo escatoloacutegicas Todavia a fim de tornar claro esse ponto faz-se necessaacuterio um estudo mais aprofundado de alguns aspectos culturais e linguiacutesticos do texto

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Notas exegeacuteticas em Lucas 1619-31Uma premissa baacutesica para a interpretaccedilatildeo dessa narrativa eacute que deve-

mos compreendecirc-la como uma paraacutebola e natildeo como um relato literal Por mais que pareccedila redundante esta explicaccedilatildeo natildeo se pode negar a existecircncia de um grupo que defende a literalidade desta narrativa Esse grupo defende que uma leitura literal do texto indicaria a possibilidade de conceber o relato como um indicador do estado do homem na morte De forma geral poreacutem haacute um consenso de que esta narrativa deve ser compreendida como paraacutebo-la6 Por isso Snodgrass (2010 p 604) conclui

Quando prestamos atenccedilatildeo agravequilo que a paraacutebola ensina acerca da vida apoacutes a morte nas abordagens mais acadecircmicas percebemos uma precauccedilatildeo quanto agrave ideia de que esta paraacutebola tenha mesmo a intenccedilatildeo de descrever a vida poacutes-morte

Plummer (1896) eacute mais categoacuterico ao afirmar que nessa histoacuteria ateacute mesmo as condiccedilotildees corporais tais como dedo e liacutengua bem como as con-diccedilotildees sensoriais tais como sede e calor natildeo ultrapassam o campo da faacutebula e por isso natildeo devem ser vistas como aspectos literais

Natildeo obstante alguns comentaristas levantaram a hipoacutetese de que o fato de esta ser a uacutenica paraacutebola contada por Jesus que conteacutem um personagem que eacute explicitamente nomeado por exemplo Laacutezaro eacute um indiacutecio de lite-ralidade Um exame mais cuidadoso desse ponto no entanto pode levar as conclusotildees para outra direccedilatildeo Em hebraico o nome לעזר (Laacutezaro) eacute uma contraccedilatildeo de אלעזר (Eleazar) e significa ldquoDeus ajudardquo (BOCK 1996 p 1365) O nome eacute significativo e seu emprego indica que o mendigo eacute algueacutem que depende de Deus Poreacutem este fato natildeo deve ser usado como argumento para defender a literalidade da paraacutebola A propoacutesito o uso do nome Laacutezaro (Deus ajuda) assume um tom irocircnico na narrativa tendo em vista que apon-ta para o fato de que a uacutenica esperanccedila de ajuda para o homem pobre estaacute fundamentada em Deus embora conforme ficou claro no discurso de Jesus Ele esperasse que os ricos fossem ldquouma ajudardquo aos pobres

De fato a paraacutebola do Rico e Laacutezaro irrompe como uma continuaccedilatildeo da disputa de Jesus com os fariseus sobre as riquezas Sua afirmaccedilatildeo anterior

6 Esta leitura paraboacutelica fica mais evidente no Coacutedice Beza ldquoE lhes contou uma paraacutebolardquo (SNODGRASS 2010 p 1040)

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de que ldquoo que eacute elevado diante dos homens eacute abominaccedilatildeo diante de Deusrdquo (v 15) prepara a audiecircncia para uma inusitada demonstraccedilatildeo de quebra de paradigmas da mentalidade judaica

Para a audiecircncia de Jesus o homem rico era algueacutem abenccediloado por Deus uma vez que prosperidade significava naquela cultura favor divino Jaacute o mendigo que jazia agrave porta do homem abastado era visto como um mo-delo de algueacutem que certamente havia sido abandonado pelo Senhor de Israel Entretanto ainda que o homem rico gozasse do favor de Deus a eacutetica do AT exigia dele uma postura de cuidado com os pobres7

Durante muito tempo alegou-se que natildeo havia indiacutecios de falta moral por parte desse homem rico que o condenasse ao tormento descrito poste-riormente na paraacutebola Entretanto sua figura eacute construiacuteda a partir da ima-gem de um homem cheio de luxo e esbanjador Suas vestes demonstram o elevado grau de sua riqueza Barclay (2000 p 213) observa que puacuterpura e linho finiacutessimo eram o material utilizado na confecccedilatildeo dos trajes sacerdo-tais os quais chegavam a custar uma soma equivalente ao salaacuterio de vaacuterios anos de trabalho de um operaacuterio comum Ademais eacute dito que o rico ldquovivia todos os dias regalada e esplendidamenterdquo (AEC) A palavra grega euphrainō traduzida neste contexto como ldquoregalarrdquo eacute utilizada na literatura claacutessica geralmente como a alegria que eacute fruto da participaccedilatildeo de eventos tais quais um banquete (BEYREUTHER 2000 p 52) Em Lucas 1619 a palavra certamente ldquorefere-se ao comer beber e divertir-serdquo ou em outras palavras a ldquofolguedos entre amigos festeirosrdquo (BEYREUTHER 2000 p 53)

Outro detalhe que pode passar despercebido ao leitor comum diz respeito ao desejo de Laacutezaro de fartar-se das migalhas que caiacuteam da mesa daquele homem rico Ainda que o termo migalhas natildeo seja encontrado em muitos manuscritos8 haacute um acordo geral de que o alimento desejado por Laacutezaro natildeo se tratava de um simples farelo ou porccedilotildees que caiacuteam acidental-mente da mesa do rico Jeremias (1986 p 195) e Snodgrass (2010 p 597) atestam que a comida que caiacutea da mesa do rico tratava-se de pedaccedilos de patildeo que eram utilizados tanto para a limpeza dos pratos quanto para enxugar as matildeos e que em seguida eram atirados para debaixo da mesa Langner (2004 p 116) por sua vez comenta que tais pedaccedilos referem-se a sobras de comida que os convidados de banquetes natildeo comiam e por isso levavam

7 De acordo com a eacutetica do Antigo Testamento o cuidado com os pobres fazia parte das obrigaccedilotildees de um judeu piedoso ver por exemplo Dt 157 8 A leitura sugerida pode ser traduzida da seguinte forma ldquodesejava alimentar-se com o que caiacutea da mesa do ricordquo Ver aparato criacutetico do Novo Testamento grego (ALLAND et al 2009 p 236)

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consigo ou davam aos catildees De qualquer forma esta postura de desperdiacutecio em face da obrigaccedilatildeo legal de auxiacutelio ao necessitado torna o rico da paraacutebola culpado de indiferenccedila para com o mendigo

Apoacutes a morte de ambos a narrativa segue com uma inversatildeo irocircnica de papeis a qual deve ter causado surpresa em alguns da audiecircncia de Jesus

ldquoComo poderia um homem que goza do favor de Deus na terra ser amaldi-ccediloado na vida por virrdquo Ainda que parte da audiecircncia de Jesus se surpre-endesse com a possibilidade de um homem rico ser amaldiccediloado na vida vindoura isto natildeo deve ter afetado a todos Escritos judaicos do tempo de Jesus demonstram que a sabedoria popular jaacute advertia ricos de uma possiacutevel condenaccedilatildeo eterna

Sobre este assunto dois textos satildeo especialmente valiosos para enten-dermos a mentalidade daquela eacutepoca Exod Rab 315 trata da inversatildeo que ocorreraacute entre ricos e pobres no mundo por vir Neste mundo os iacutempios podem ser ricos e proacutesperos enquanto justos satildeo acometidos pela pobreza No mundo vindouro no entanto Deus abriraacute os tesouros do paraiacuteso para os justos e quanto aos ricos que exploraram homens justos estes comeratildeo da sua proacutepria carne Por sua vez 1ordm Enoque 1035-1046 menciona que os ricos pecadores que natildeo foram punidos em vida experimentaratildeo o mal a tribulaccedilatildeo as trevas e as chamas ardentes no Sheol

Vale destacar que a paraacutebola possui um paralelo na literatura judaica que pode ser encontrada no Talmude de Jerusaleacutem pelo menos nos trata-dos Sanhedrin 66 (23c) e Hagigah 22 (77d) e eacute resumidamente descrita por Richards (2007 p 175) da seguinte forma

Dois companheiros iacutempios morreram Um morreu penitente o outro natildeo Quando o homem no Gehinom viu a becircnccedilatildeo de seu amigo e foi informado de que era por causa da penitecircncia de seu amigo ele suplicou que pudesse ter a oportunidade de se arrepen-der tambeacutem A resposta veio na explicaccedilatildeo de que esta vida eacute a veacutespera do saacutebado

Jeremias (1986 p 184) defende que as raiacutezes desta histoacuteria remontam agrave faacutebula egiacutepcia da viagem de Si-Osiacuteris e de seu pai ao reino dos mortos Para ele judeus alexandrinos levaram o conto para a Palestina onde ela foi refor-mulada como a histoacuteria do pobre escriba e do rico publicano Bar Marsquoyan9

9 Para Jeremias (1986 p 184) Jesus utiliza-se deste conto judaico natildeo somente nesta paraacute-

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Ainda que diferente dessa narrativa paralela a paraacutebola de Jesus valendo-se do folclore judaico forma um pano de fundo cultural para seu ensinamento principal na periacutecope o perigo do amor agraves riquezas

Outro aspecto importante eacute o pedido do rico para que Laacutezaro voltasse dos mortos e advertisse seus irmatildeos com respeito ao destino deles (v 27-30) Este pedido encontra paralelos no apoacutecrifo judeu de Janes e Jambres 24afp que ldquorelata que a lsquosombrarsquo de Janes (sua existecircncia poacutes-morte) retornou do Hades para alertar Jambres sobre o fogo e sobre as trevas a fim de que ele passasse a fazer o bemrdquo (SNODGRASS 2010 p 592)

Todavia em conexatildeo com a resposta dada aos fariseus nos v 16-17 onde Jesus faz sua primeira referecircncia agrave Lei e aos Profetas Abraatildeo evoca novamente a Escritura como revelaccedilatildeo suficiente para chamar os homens agrave crenccedila e ao comprometimento (v 29) Assim percebe-se novamente a co-nexatildeo de temas no capiacutetulo 16

O termo Hades em Lucas 1623Embora tenha o significado baacutesico de sepulcro (BIENTENHARD 2000

p 1022) o termo grego hades possui um significado diferente em Lc 1623 Tal significado eacute inerente agrave cultura da eacutepoca Richards (2007 p 1755) afirma que

Nos tempos do NT lsquoHadesrsquo (heb sheol) era um termo geral para o lugarestado dos mortos enquanto aguardavam o juiacutezo final A opiniatildeo popular defendia que os justos descansavam no Gan Eden enquanto os iacutempios poderiam ser vistos no Gehinom

Esse conceito pode ser visto especialmente no Discurso aos gregos sobre o Hades atribuiacutedo por um tempo a Josefo10 (1974 p 637 traduccedilatildeo livre)

Hades eacute uma regiatildeo subterracircnea onde a luz do mundo natildeo brilha [hellip] esta regiatildeo eacute destinada a ser um lugar de custoacutedia para as almas

bola mas tambeacutem na paraacutebola do banquete Isto demonstraria que Jesus tomava o imaginaacuterio popular e o inseria em suas paraacutebolas com um objetivo especiacutefico10 Os autores natildeo conhecem na atualidade algueacutem que atribua a autoria do Discurso aos gregos sobre o Hades a Josefo A maioria dos eruditos defende a ideia de que essa seja uma inserccedilatildeo cristatilde no texto todavia o texto eacute um exemplar autecircntico da mentalidade judaica e ainda que seu autor seja desconhecido pode-se perceber que o texto estaacute impregnado do pensamento judeu sobre o estado intermediaacuterio do homem no poacutes-vida

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em que anjos satildeo designados como seus guardiotildees os quais lhes atribuem puniccedilotildees temporaacuterias de acordo com o comportamento e maneiras de cada um

Na continuaccedilatildeo do texto o Hades eacute descrito como sendo dividido em duas partes o seio de Abraatildeo para onde vatildeo os justos e as trevas perpeacutetuas para onde os anjos arrastam os iacutempios Para os autores essas trevas natildeo satildeo o inferno em si mas a vizinhanccedila do inferno de modo que os iacutempios podem sentir o calor do castigo que lhes estaacute reservado depois do juiacutezo

Eacute importante perceber que o Discurso aos gregos sobre o Hades natildeo eacute um exemplar sem precedentes O pseudoepiacutegrafo de 1 Enoque (escrito cerca de 200 aC) em 221-14 relata que Enoque foi levado a um lugar com quatro cantos onde as almas aguardavam o Juiacutezo Laacute os justos eram separados dos pecadores por uma fonte de aacutegua e luz Richards (2007 p 175-176) acrescenta que

Natildeo soacute se pensava que o Hades era dividido em dois compartimentos mas a crenccedila popular ressaltava que era possiacutevel manter conversas entre as pessoas no Gan Eden e no Gehinom Escritos judaicos tambeacutem des-crevem o primeiro como uma terra verdejante com aacuteguas doces brotan-do de vaacuterias fontes enquanto que o Gehinom natildeo soacute eacute uma terra seca mas as aacuteguas do rio que o separam do Gan Eden retrocedem sempre que o iacutempio desesperadamente sedento se ajoelha e tenta beber

Ademais agrave luz de textos da tradiccedilatildeo judaica (como por exemplo 4 Es-dras 775-99 859 4 Macabeus 1317) percebe-se que os judeus dos tempos de Jesus imaginavam que parte do tormento dos iacutempios consistia no fato de eles poderem observar o galardatildeo dos fieacuteis Em contrapartida parte do descanso dos justos eacute que estes podem observar a perplexidade dos iacutempios em face de seu tormento Assim percebemos que esta paraacutebola reflete de diversas maneiras as opiniotildees judaicas contemporacircneas da vida apoacutes a morte

Contudo eacute oacutebvio que a audiecircncia primaacuteria do evangelho de Lucas natildeo era composta por judeus Haacute um consideraacutevel grau de acordo entre os eru-ditos de que o puacuteblico principal do evangelho de Lucas era composto de cristatildeos gentiacutelicos (ver CARSON 1997 p 131 PLUMMER 1986 p xxxiv) Portanto eacute inapropriado limitar a paraacutebola ao background judaico Gilmour (1999 p 33) observou similaridades desta narrativa com textos greco-roma-nos especialmente com a Odisseia de Homero Este natildeo eacute um fato de difiacutecil

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aceitaccedilatildeo uma vez que em Jerusaleacutem bem como no mundo greco-romano a educaccedilatildeo infantil tambeacutem era permeada pelo conhecimento da literatura grega (ver GILMOUR 1999 p 25)

O imaginaacuterio gentiacutelico sobre o estado do homem apoacutes a morte natildeo era muito diferente do pensamento judaico do seacuteculo I ndash talvez porque o judaiacutes-mo dos dias de Jesus havia passado por um processo de helenizaccedilatildeo mesmo em face da resistecircncia dos ortodoxos Podemos perceber essa semelhanccedila de pensamentos por exemplo no famoso claacutessico de Platatildeo A Repuacuteblica

A Repuacuteblica 10614B-616A fala de um soldado chamado de Er que foi morto mas depois de doze dias tornou a viver dizendo que havia sido enviado de volta a esta vida para falar agraves pessoas sobre o mundo do aleacutem Ele teria visto duas aberturas na terra e duas no ceacuteu entre as quais havia um corpo de juiacutezes sentados que enviavam os justos dire-tamente para a direita e para cima ao ceacuteu e os injustos para esquerda e para baixo para serem castigados embaixo da terra (Entretanto estes juiacutezos natildeo eram permanentes) (SNODGRASS 2010 p 593)

Portanto tendo em vista o significado de hades em Lucas 1623 propotildee--se que se a paraacutebola ensina algo sobre o estado do homem na morte tal es-tado eacute extremamente diferente do proposto pelos defensores da imortalidade inerente da alma Se esta paraacutebola apoia essa teoria deve-se ressaltar que o local para onde vatildeo os homens depois de sua morte eacute o ambiente descrito na paraacutebola um lugar onde justos e injustos satildeo separados apenas por um rio

Assim eacute razoaacutevel supor que o pano de fundo por traacutes da paraacutebola o qual nos oferece a base de como devemos interpretaacute-la eacute que Jesus toma emprestada a mentalidade folcloacuterica do judaiacutesmo rabiacutenico de sua eacutepoca a fim de impressionar sua audiecircncia quanto ao amor agrave riqueza e natildeo quanto ao estado do homem na morte Uma questatildeo que se levanta poreacutem diz res-peito a por que Jesus faria uso do folclore judeu para transmitir seus ensina-mentos Agindo assim ele natildeo estaria endossando o ponto de vista cultural Bacchiocchi (2007 p 168) afirma que natildeo defendendo que

Nesta paraacutebola Jesus fez uso de uma crenccedila popular natildeo para endossaacute-la mas para impressionar as mentes de seus ouvintes com uma importante liccedilatildeo espiritual Deve-se notar que na paraacutebola do mordomo infiel (Lc 161-12) Jesus emprega uma histoacuteria que natildeo representa com precisatildeo a verdade biacuteblica

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John Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) reconhece que a paraacutebola do rico e Laacutezaro natildeo demonstra o pensamento lucano nem muito menos o de Cristo a respeito da vida por vir Antes Jesus apenas emprega o imaginaacuterio popular para ressaltar a eacutetica do reino vindouro Assim ciente de que este imaginaacuterio natildeo passava de faacutebulas judaicas ele natildeo poderia endos-sar este conceito Portanto como esclarece Snodgrass (2010 p 607) tal pa-raacutebola ldquonatildeo tem o objetivo de apresentar um esquema ou mesmo detalhes precisos acerca do que ocorre depois da morterdquo

O fato de a paraacutebola do Rico e Laacutezaro estar situada ao lado de outra paraacutebola controversa por exemplo a do mordomo infiel tambeacutem nos mos-tra que Jesus usava conceitos do cotidiano (ainda que errocircneos) para atrair a atenccedilatildeo do povo para seus novos ensinos Por isso para Cooper (apud BACCHIOCCHI 2007 p 168) a melhor resposta para a pergunta ldquoO que esta passagem nos diz a respeito do estado intermediaacuterio eacute lsquoNadarsquordquo

Pode-se entatildeo concluir que apesar de os rabinos dividirem o estado poacutes-morte (Sheol) em um lugar para os justos e os maus11 eacute improvaacutevel que o quadro apresentado por Jesus na paraacutebola corresponda bem a esta ideia (ORR 1999) Jesus lida nesta estoacuteria natildeo com os temas do paraiacuteso e do ha-des mas com temas eacuteticos fundamentais de seu ensino Assim ldquoa mensagem de Jesus chama o povo a ouvir a exortaccedilatildeo de Deus para mostrar compaixatildeo com o pobrerdquo (BOCK 1997 p 71) Na atualidade pode parecer estranho que Jesus tenha utilizado uma narrativa puramente folcloacuterica em seu discur-so para apresentar verdades que nada tem a ver com o pano de fundo lendaacute-rio da paraacutebola Apesar de a paraacutebola estar no plano da crenccedila popular seu emprego justifica-se pelo fato de que tal imaginaacuterio seria familiar e inteligiacutevel para a audiecircncia (HASTINGS 2004 p 9) Precedentes vindos das paraacutebo-las anteriores demonstram como era do costume de Jesus falar a linguagem de Seus ouvintes para atingir sua compreensatildeo e seus coraccedilotildees

Consideraccedilotildees finaisEste artigo buscou demonstrar que a interpretaccedilatildeo da paraacutebola do Rico

e Laacutezaro deve levar em consideraccedilatildeo o emprego que Jesus fez do imaginaacuterio

11 Deve-se salientar que segundo Mathews (1909 p 6) natildeo haacute sequer clara evidecircncia de que os judeus nos dias de Jesus cressem num estado intermediaacuterio Ele defende que eacute inseguro ver na ex-pressatildeo seio de Abraatildeo uma referecircncia segura para tal crenccedila Tomando este fato em consideraccedilatildeo haacute ainda mais indiacutecios de que natildeo era objetivo de Jesus endossar a crenccedila neste estaacutegio poacutes-morte Apesar disso natildeo se pode anular a hipoacutetese de houvesse indiviacuteduos que a sustentassem

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judaico atribuindo-lhe poreacutem significados que transcenderam aos signifi-cados que lhe eram atribuiacutedos na eacutepoca Assim Jesus usa uma histoacuteria fami-liar repleta da cosmovisatildeo pagatilde acerca da vida apoacutes a morte poreacutem desmi-tificando seu conteuacutedo Desse modo ainda que isto natildeo esteja em primeiro plano a paraacutebola veicula uma criacutetica sutil agrave ideia equivocada da vida apoacutes a morte (GILMOUR 1999) De fato o grande tema da paraacutebola diz respeito ao uso responsaacutevel das becircnccedilatildeos materiais

Ademais no empreendimento de interpretaccedilatildeo dessa paraacutebola deve-se levar em consideraccedilatildeo o princiacutepio hermenecircutico theologia parabolica non est demonstrativa Conforme frisou Smith (1869 p 1038) eacute impossiacutevel embasar a prova de uma importante doutrina teoloacutegica em uma passagem que abunda em metaacuteforas judaicas Aleacutem disso visto que o diaacutelogo ocupa grande parte do espaccedilo da paraacutebola compreende-se que o conteuacutedo de tal diaacutelogo eacute mais importante do que o cenaacuterio no qual ele se desenrola Aqui Jesus direciona sim o seu foco para o mundo por vir todavia natildeo o apresenta em termos claros atraveacutes desta paraacutebola Assim parece que o objetivo principal da pa-raacutebola eacute ensinar que toda preparaccedilatildeo para o poacutes-morte deve ser feita em vida

Enfim eacute razoaacutevel supor que Jesus tenha utilizado o imaginaacuterio judai-co para prender a atenccedilatildeo de seu puacuteblico poreacutem o ensino da paraacutebola natildeo repousa na imortalidade inerente da alma senatildeo no amor ao dinheiro Des-tarte esta eacute uma histoacuteria fictiacutecia da vida apoacutes a morte que reflete e comenta a vida anterior agrave morte (SCHOTTROFF 2007 p 205) Portanto para usar as palavras de Smith (1869 p 1038) ldquose quisermos transformar retoacuterica em loacutegica [hellip] e construir um dogma em cada metaacutefora nossa crenccedila seraacute de caraacuteter vago e contraditoacuteriordquo

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Enviado dia 03052013Aceito dia 20062013

Os adventistas e a identidade da lei em gaacutelatas

SILVA P C Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

Leandro Quadros1

A superficialidade muitas vezes pode contribuir para que apologistas brasileiros apresentem uma imagem distorcida dos assuntos que anali-sam Isso natildeo eacute diferente quando o adventismo eacute o foco de suas criacuteticas

A abordagem de Paulo Cristiano da Silva pode ter sido viacutetima desse fenocircmeno quando apresenta suas consideraccedilotildees pessoais a respeito da teologia adventista da Lei Em seu artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo publicado pela revista Apologeacutetica Cristatilde o presbiacutetero da igreja Assembleia de Deus afirma que ldquofinalmente os adventistas estatildeo admitindo aquilo que sempre foi oacutebvio aos cristatildeos evangeacutelicos isto eacute a identidade da lei nos escritos paulinosrdquo (SILVA sd p 7) Silva parte do pressuposto de que os teoacutelogos adventistas atuais estatildeo apre-sentando uma nova teologia sobre o assunto e que a distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial ldquoserviu de aacutelibirdquo para os adventistas ldquoescaparem de textos claros que mostram a ab-rogaccedilatildeo de toda lei em 2 Coriacutentios 37-11 e Colossenses 214rdquo2

Ao que parece o autor desconhece como se deu o desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a Lei em Gaacutelatas Atraveacutes da leitura de algu-mas fontes primaacuterias ele natildeo teria se equivocado em sua anaacutelise chegando a conclusotildees bem diferentes das que apresentou na publicaccedilatildeo Assim na

1 Poacutes-graduado em jornalismo cientiacutefico e Mestrando em Teologia pela Universidade Ad-ventista del Plata na Argentina Eacute produtor e apresentador dos programas ldquoNa Mira da Verdaderdquo e ldquoLiccedilotildees da Biacutebliardquo na Rede Novo Tempo2 Uma abordagem biacuteblica contextual e teoloacutegica desses textos pode ser vista no Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia (DEDEREN 2011 p 312 530 531 563 e 564)

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presente resenha seraacute apresentada uma raacutepida consideraccedilatildeo a respeito do relacionamento dos adventistas com a Lei em Gaacutelatas para que o texto de Paulo Cristiano da Silva seja avaliado a partir de um contexto mais amplo

Origem da distinccedilatildeo entre lei moral e cerimonial

Atraveacutes da leitura do artigo ldquoAdventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da leirdquo o leitor entende que a distinccedilatildeo entre ldquolei moral e cerimonialrdquo pode ser considerada como um ldquoaacutelibirdquo adventista utilizado para se esquivar de textos a respeito da ldquoab-rogaccedilatildeo da leirdquo segundo o apoacutestolo Paulo Entretanto o livro Questotildees Sobre Doutrina (KNIGHT 2009 p 126) afirma que ldquoas principais confissotildees de feacute e os credos histoacutericos da cristandade reconhecem a diferenccedila e distinccedilatildeo entre a lei moral de Deus os Dez Mandamentos ou Decaacutelogo e os preceitos cerimoniaisrdquo A referida obra3 lista oito fontes histoacutericas que evi-denciam que tal distinccedilatildeo entre leis natildeo eacute uma invenccedilatildeo dos adventistas 1) a Segunda Confissatildeo Helveacutetica de 1566 da Igreja Reformada de Zurique que no capiacutetulo 12 intitulado ldquoDa Lei de Deusrdquo contrasta as leis moral e cerimonial 2) os Trinta e Nove Artigos de Religiatildeo da Igreja da Inglaterra de 1571 que no Artigo VII tambeacutem faz tal distinccedilatildeo 3) a Revisatildeo Americana dos Trinta e Nove Artigos da Igreja Protestante Episcopal de 1801 4) os Artigos Irlandeses de Re-ligiatildeo de 1615 5) a Confissatildeo de Feacute de Westminster de 1647 que inclusive foi citada na Biacuteblia Apologeacutetica de Estudos (p 1341) comercializada pela institui-ccedilatildeo de Paulo Cristiano faz parte (CACP) 6) a Declaraccedilatildeo de Savoia das Igrejas Congregacionais de 1658 7) a Confissatildeo Batista de 1688 (Filadeacutelfia) e 8) os Vinte e Cinco Artigos Metodistas de Religiatildeo de 1875 redigidos por Joatildeo Wesley onde tambeacutem se encontra a distinccedilatildeo entre leis moral e cerimonial

Citando Schaff o Questotildees Sobre Doutrina (2008 p 126) afirma

Embora a lei dada por Deus a Moiseacutes no que se refere a cerimocircnias e ritos natildeo obrigue os cristatildeos e nem os preceitos civis necessitem ser recebidos em qualquer comunidade Entretanto nenhum cris-tatildeo estaacute livre da obediecircncia aos mandamentos chamados morais

3 A ediccedilatildeo anotada George Knight atualiza algumas interpretaccedilotildees antigas dos adventistas especialmente no que diz respeito ao termo ldquoescrito de diacutevidardquo presente em Colossenses 214 Para maiores informaccedilotildees ler as notas das paacuteginas 124 e 125

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Entende-se dessa forma que a distinccedilatildeo entre lei moral e lei cerimo-nial natildeo representa uma invenccedilatildeo adventista mas parte da heranccedila evangeacute-lica que os pioneiros do adventismo trouxeram consigo4 Essa contudo natildeo representa as opiniatildeo de Paulo Cristiano da Silva do posicionamento do Centro Apologeacutetico Cristatildeo de Pesquisas (CACP) e da postura do Instituto Cristatildeo de Pesquisas (ICP) Atitudes como essas parecem estar em conflito com a crenccedila dos fundamentos do protestantismo a respeito da Lei de Deus Por outro lado mesmo sendo fontes histoacutericas importantes as confissotildees de feacute e credos natildeo se constituem a regra de feacute dos adventistas do seacutetimo dia que procuram se manter fieis ao princiacutepio de Sola Scriptura5

O desenvolvimento da compreensatildeo adventista sobre a lei em Gaacutelatas

Se Paulo Cristiano da Silva estivesse familiarizado com algumas obras que tratam da histoacuteria do adventismo sua posiccedilatildeo certamente seria outra a respeito da compreensatildeo adventista da Lei em Gaacutelatas A leitura do li-vro A Mensagem de 1888 de George R Knight (2003 p 37) por exemplo auxiliaria na descoberta de que em 1854 J H Waggoner (pai de E J Wa-ggoner) publicou The Law of God An Examination of the Testimony of Both Testaments onde ldquoadotava o ponto de vista de que a lei em Gaacutelatas era os Dez Mandamentosrdquo de forma que o artigo do vice-presidente do CACP natildeo traria tantas novidades

A anaacutelise dessa obra levaria ao conhecimento de que entre 1884 e 1886 ldquoAlonzo T Jones (1850-1923) e Ellet J Waggoner (1855-1916) co-meccedilaram a ensinar que a epiacutestola [aos Gaacutelatas] tinha os Dez Mandamen-tos em foco e natildeo as leis cerimoniaisrdquo (KNIGHT 2003 p 37) Esses dois pioneiros foram assistentes de JH Waggoner na revista The Signs of

4 O Dicionaacuterio Vine publicado pela CPAD afirma que mesmo a distinccedilatildeo de leis natildeo sendo ldquofeita ou mesmo presumida na Escriturardquo ldquoa lei mosaica seja de fato divisiacutevel em cerimonial e em moralrdquo (VINE et al 2010 p 743) 5 Em 1850 Ellen G White (2009 p 78) cofundadora da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia es-creveu ldquoRecomendo-vos caro leitor a Palavra de Deus como regra de vossa feacute e praacutetica Por essa Palavra seremos julgados Nela Deus prometeu dar visotildees nos ldquouacuteltimos diasrdquo natildeo para uma nova regra de feacute mas para conforto do Seu povo e para corrigir os que se desviam da verdade biacuteblica Assim tratou Deus com Pedro quando estava para enviaacute-lo a pregar aos gentios (Atos 10)rdquo

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the Times e ldquodecidiram exaltar em seus escritos o tema da justificaccedilatildeo pela feacute nos meacuteritos de Cristordquo (TIMM 1988 p 10)

Entre 8 de julho a 2 de setembro de 1866 E J Waggoner publicou na Signs uma seacuterie de nove artigos argumentando que Paulo na epiacutestola aos Gaacutelatas estava discutindo a lei moral No ano seguinte no mecircs de feverei-ro Waggoner concluiu uma resposta de 71 paacuteginas intitulada ldquoThe Gospel in the Book of Galatiansrdquo [O Evangelho no Livro de Gaacutelatas] reafirman-do claramente sua posiccedilatildeo contraacuteria agrave dos editores da Review and Herald Uriah Smith e George L Butler

A partir disso conclui-se que o tiacutetulo do artigo publicado pela revis-ta Apologeacutetica Cristatilde aleacutem muito limitado em questatildeo de informaccedilatildeo estaacute atrasado pelo menos 158 anos (1854-2012) A teologia adventista da lei jaacute estava sofrendo transformaccedilotildees significativas quando os adventistas desco-briram uma ldquoponterdquo entre a lei e o evangelho que havia sido construiacuteda pelo apoacutestolo Paulo6 Desse modo a afirmaccedilatildeo de Paulo Cristiano em seu artigo

ldquomais de um seacuteculo para que eles [os adventistas] admitissem esse erro her-menecircutico rdquo (SILVA sd p 7) parece insustentaacutevel Ainda mais quando se considera outra fonte primaacuteria Ellen G White

A leitura do capiacutetulo 31 do primeiro volume de Mensagens Escolhidas seria o suficiente para que Silva percebe-se que Ellen G White jaacute acreditava ser o termo ldquoleirdquo em Gaacutelatas uma referecircncia tanto agrave lei Moral quanto agrave lei cerimonial bem antes dos teoacutelogos Samuele Bacchiocchi (1995 p 9-11) e Wilson Paroschi (2012 p 18-20) citados por ele em seu artigo Ela escreveu em 1900 ldquoPerguntam-me acerca da lei em Gaacutelatas Que lei eacute o aio que nos deve levar a Cristo Respondo Tanto o coacutedigo cerimonial como o moral dos Dez Mandamentosrdquo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)

Ao comentar sobre Gaacutelatas 324 na paacutegina seguinte ela afirma

Nesta passagem o Espiacuterito Santo pelo apoacutestolo refere-se especial-mente agrave lei moral A lei nos revela o pecado levando-nos a sen-tir nossa necessidade de Cristo e a fugirmos para Ele em busca de perdatildeo e paz mediante o arrependimento para com Deus e a feacute em nosso Senhor Jesus Cristo (Ellen G White Manuscrito 87 1900)7

6 Em Efeacutesios 28-10 ele coloca as obras natildeo como o evangelho da graccedila em si mas como fruto do evangelho na vida do crente convertido7 Mesmo que Wilson Paroschi (2012 p 18-20) inclua ambas as citaccedilotildees de Ellen G Whi-te em seu artigo Silva parece omitir isso em suas consideraccedilotildees tornando o seu texto um tanto quanto duvidoso

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Eacute inadequado abordar a compreensatildeo da lei em Gaacutelatas entre os adven-tistas sem contextualizar o leitor a respeito das discussotildees teoloacutegicas sobre o as-sunto realizadas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas dos Seacuteti-mo Dia (em Minneaacutepolis Minessota entre 17 de outubro e 4 de novembro de 1888) Paulo Cristiano da Silva poderia ter evitado um possiacutevel reducionismo histoacuterico se considerado o livro Portadores de Luz (SCHWARZ GREENLE-AF 2009 p 175-188) capiacutetulo 12 intitulado ldquoJustificaccedilatildeo pela feacute Minneaacutepo-lis e seus resultadosrdquo Nesse capiacutetulo demonstram-se um pouco das disputas teoloacutegicas entre Urias Smith e George I Butler de um lado defendendo a antiga posiccedilatildeo adventista sobre a identidade da lei em Gaacutelatas e EJ Waggoner e AT Jones de outro em defesa de um posicionamento mais exegeacutetico Se consultada essa fonte o leitor da revista Apologeacutetica Cristatilde natildeo seria privado da informaccedilatildeo completa sobre o assunto seria sabido que apesar das acirra-das disputas entre os pastores adventistas da eacutepoca posteriormente Smith e Butler reconheceriam seus equiacutevocos teoloacutegicos e equilibrariam a sua proacutepria teologia anteriormente enfatizando mais a Lei do que a graccedila de Cristo

O Dicionaacuterio Brasileiro de Teologia (BORTOLLETO 2008 p 18) publicado pela Associaccedilatildeo de Seminaacuterios Teoloacutegicos Evangeacutelicos (ASTE) em 2008 tambeacutem seria de grande importacircncia na pesquisa do redator do CACP Na referida obra aleacutem de obter uma visatildeo mais acertada acerca do adventismo seria conhecido que ldquoessa conferecircncia [de Mineaacutepolis jaacute em 1888] contribuiu para que o adventismo equilibrasse sua ecircnfase distintiva nos lsquomandamentos de Deusrsquo com o compromisso evangeacutelico relacionado agrave lsquofeacute em Jesusrsquo (Ap 1412)rdquo (TIMM 2008 p 18)

O adventismo natildeo eacute estaacutetico Alguns criacuteticos alegam que os adventistas fazem uso de um recurso bem

utilizado pelas seitas para ldquomascararrdquo os proacuteprios ldquoerrosrdquo Eles afirmam que qualquer mudanccedila na teologia evidencia ldquofalsidaderdquo e que portanto todo o sistema doutrinaacuterio do adventismo desenvolvido ao longo dos anos estaacute sob a ldquoareia movediccedilardquo Entretanto deve-se destacar que o adventismo desde os seus primoacuterdios possui um conceito dinacircmico da teologia

As ecircnfases teoloacutegicas podem mudar com o passar do tempo agrave medida que o Espiacuterito Santo traz agrave luz novas verdades biacuteblicas ou uma nova compre-ensatildeo das mesmas jaacute reveladas (ver Pv 418 Jo 1612) Assim o estudioso das Escrituras natildeo teraacute receios em reconhecer que precisa reformular os proacuteprios conceitos teoloacutegicos agrave medida que cresce em sua experiecircncia espiritual com

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Cristo Na obra Em Busca de Identidade (KNIGHT 2005 p 16-27 208-210) o autor esclarece que os pioneiros adventistas acreditavam na possibilidade de progredir no conhecimento da verdade biacuteblica Isso parece perceptiacutevel vis-to que depois de observar a mudanccedila dos adventistas em relaccedilatildeo ao horaacuterio correto de se observar o saacutebado Tiago White (1856 p 148-149) afirmou na Review and Herald que os adventistas ldquomudariam outros pontos de sua feacute caso tivessem uma boa razatildeo para fazecirc-lo com base nas Escriturasrdquo

Isso natildeo significa poreacutem que os teoacutelogos adventistas modernos sintam a necessidade de alterar a teologia adventista a respeito da perpetuidade da Lei moral apenas porque essa distinccedilatildeo talvez natildeo possa ser validada exe-geticamente Silva deve conhecer a diferenccedila entre hermenecircutica (exegese) e teologia Mesmo que ajustes exegeacuteticos sejam necessaacuterios tanto Wilson Pa-roschi quanto Samuele Bacchiocchi entre outros sustentam a mesma opi-niatildeo sobre a interpretaccedilatildeo adventista concernente agrave validade da Lei na Nova Alianccedila O que foi anulado pela morte de Cristo na cruz eacute a condenaccedilatildeo da Lei (ver Rm 79-11 2Co 37-9 Gl 322-25 Cl 214) e natildeo a Lei em si ou a necessidade de observaacute-la como uma expressatildeo da vontade e do imutaacutevel caraacuteter de Deus (ver Rm 615-22 74-6 12-14 83-4 Hb 88-12 Ap 1412)

Consideraccedilotildees finaisA presente resenha argumentou que o artigo de Paulo Cristiano da Silva

natildeo fez o devido uso de fontes baacutesicas para compreender o desenvolvimento dao pensamento adventista sobre a lei em Gaacutelatas Ao que parece o articu-lista foi parcial em sua pesquisa em natildeo considerar o que os pioneiros adven-tistas diziam sobre o assunto especialmente Ellen G White

Aleacutem disso Silva natildeo fez menccedilatildeo das discussotildees teoloacutegicas sobre a jus-tificaccedilatildeo pela feacute e a lei em Gaacutelatas feitas na Assembleia da Associaccedilatildeo Geral dos Adventistas do Seacutetimo Dia em novembro de 1888 Uma anaacutelise desse evento na histoacuteria da Igreja eacute fundamental para que o pesquisador possa discutir acerca da compreensatildeo adventista da Lei na carta aos Gaacutelatas O articulista da revista Apologeacutetica Cristatilde citou dos artigos de Wilson Paroschi e Samuele Bacchiocchi8 mas desconsiderou o conteuacutedo dos artigos citados enfatizando apenas o que lhe parecia razoaacutevel Se o autor tivesse considerado

8 Tambeacutem foi mencionada a resposta de Ozeas C Moura na seccedilatildeo ldquoBoa Perguntardquo onde ele responde uma duacutevida referente ao texto de Colossenses 216 Ver Revista Adventista ja-neiro de 2009 paacuteginas 18 e 19

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em seu artigo a conclusatildeo de Bacchiocchi apoacutes sua exposiccedilatildeo a respeito da compreensatildeo paulina da Lei leria-se

O que Paulo ataca natildeo eacute o valor da lei como um guia para a conduta cristatilde [hellip] Paulo critica natildeo a moral mas a compreensatildeo soterio-loacutegica da lei isto eacute a lei vista como um documento de eleiccedilatildeo que inclui os judeus e exclui os gentios [hellip] A incapacidade de discernir nos escritos de Paulo entre seu uso moral e o uso soterioloacutegico da lei e a incapacidade de reconhecer que sua criacutetica da lei eacute dirigida natildeo aos cristatildeos judeus mas aos judaizantes gentios tem levado mui-tos concluir erroneamente (inclusive Paulo Silva) que Paulo era um antinomista que rejeitava a validade da lei como um todo Tal visatildeo eacute inteiramente injustificada porque como jaacute mostramos Paulo re-jeita a lei como um meacutetodo de salvaccedilatildeo mas a exalta como norma moral de conduta cristatilde (BACCHIOCCHI 1985 p 11)

Por fim Silva conclui de maneira equivocada seu artigo afirmando que os teoacutelogos adventistas acima tiveram ldquocoragem e acima de tudo honesti-dade em admitir um erro exegeacutetico perpetuado como tradiccedilatildeo por mais de um seacuteculo dentro dessa igrejardquo (SILVA sd p 7)

Referecircncias

BACCHIOCCHI S Paulo e a lei Revista Adventista jun 1995

BORTOLLETO F (Org) Dicionaacuterio brasileiro de teologia Satildeo Paulo ASTE 2008

SCHWARZ R GREENLEAF F Portadores de Luz histoacuteria da Igreja Adventista do Seacutetimo Dia Engenheiro Coelho Unaspress 2009

DEDEREN R (Ed) Tratado de Teologia Adventista do Seacutetimo Dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2011

KNIGHT G A Mensagem de 1888 Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2003

Em busca de identidade o desenvolvimento das doutrinas adventistas do seacutetimo dia Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2005

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Questotildees sobre doutrina o claacutessico mais polecircmico da histoacuteria do adventismo Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

MOURA O Boa pergunta Revista Adventista jan de 2009

PAROSCHI W Liccedilotildees de Gaacutelatas Revista Adventista mai de 2012

PREEZ R Judging the Sabbath discovering what canrsquot be found in Colossians 216 Berrien Springs Andrews University Press 2008

SILVA P Adventistas admitem erro na interpretaccedilatildeo da lei Apologeacutetica Cristatilde v 4 n 15 p 7 [Sd]

TIMM A O movimento adventista e a justificaccedilatildeo pela feacute Artur Nogueira Centro de Pesquisas Ellen G White 1988

VINE W et al Dicionaacuterio Vine o significado exegeacutetico e expositivo das palavras do antigo e do novo testamento Rio de Janeiro CPAD 2010

WHITE E Primeiros Escritos Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 2009

Mensagens Escolhidas Tatuiacute Casa Publicadora Brasileira 1985 v 1

WHITE T The word Review and Herald v 7 n 19 1856

Enviado dia 15052013Aceito dia 26062013

Normas para publicaccedilatildeo

A revista Kerygma recebe trabalhos para os proacuteximos nuacutemeros em re-gime de fluxo contiacutenuo natildeo sendo necessaacuteria a abertura de chamadas es-peciais No entanto a periodicidade eacute semestral Para ser aceitos os textos devem observar rigorosamente as normas descritas abaixo

B A revista Kerygma tem como objetivo a divulgaccedilatildeo de trabalhos de pesquisa originais publicados em liacutengua portuguesa inglesa ou es-panhola relacionados agraves diversas temaacuteticas das aacutereas de Teologia e Ciecircncias da Religiatildeo

B O trabalho a ser submetido deve estar enquadrado em uma das se-guintes categorias

ndash Artigo cientiacutefico Dossiecirc Ensaio a publicaccedilatildeo se destina a divulgar re-sultados ineacuteditos de estudos e pesquisa compreendendo os seguintes itens tiacutetulo (em portuguecircs e inglecircs) nome(s) do(s) autor(es) [observaccedilatildeo a(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) devem ser registradas como notas de rodapeacute] resumo (com meacutedia de 900 toques ou 150 palavras) com a respectiva traduccedilatildeo para o inglecircs (abstract) e cinco palavras-chave em portu-guecircs e inglecircs introduccedilatildeo meacutetodo desenvolvimento e resultados (descriccedilatildeo e dis-cussatildeo) consideraccedilotildees finais e referecircncias bibliograacuteficas Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras incluindo figuras tabelas e lista de referecircncias

ndash Resenha de livros balanccedilo criacutetico de livros recentemente publicados (maacuteximo 4 anos) ou de obras consideradas claacutessicas nas aacutereas de estudo abor-dadas pela revista Deveraacute conter tiacutetulo do livro autor local de ediccedilatildeo editora e ano de publicaccedilatildeo (em formato ABNT) tiacutetulo para a resenha nome do(s) autor(es) da resenha sua(s) respectiva(s) qualificaccedilatildeo(otildees) e instituiccedilatildeo(otildees) a que pertence(m) Natildeo deve exceder a 30 laudas ou cerca de dez mil palavras

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B O texto deve ser editado no programa Word configurado em pa-pel tamanho A4 (21 x 297 cm) fonte Arial corpo 12 espaccedilamento 15 e alinhamento justificado exceto as citaccedilotildees diretas com mais de 3 linhas (recuo) O tiacutetulo natildeo deve ultrapassar 12 palavras As margens devem ter a seguinte conformaccedilatildeo superior e direita 3cm inferior e esquerda 2cm

B O texto deve seguir o novo acordo ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa

B Caso haja imagens devem ser apresentadas em alta resoluccedilatildeo (300 dpi no formato jpg ou tif) e largura miacutenima de 10 cm (altura proporcional) Devem ser colocadas no corpo do texto e enviadas em arquivo separado

B As referecircncias bibliograacuteficas devem se basear nas normas da ABNT-NBR 60232002

B As citaccedilotildees podem ser diretas ou indiretas

ndash Citaccedilotildees indiretasSatildeo aquelas em que as ideias ou fatos apresentados pelo autor original

satildeo resumidos ou reapresentados com o cuidado de natildeo haver prejuiacutezo da exatidatildeo dessas informaccedilotildees Pode-se optar por escrever o sobrenome do autor dentro ou fora dos parecircntesis da referecircncia Se estiver fora dos parecircnte-sis ele deve vir em caixa baixa no corpo do texto seguido dos parecircntesis com o ano de publicaccedilatildeo da obra e nuacutemero da paacutegina No caso de o sobrenome vir dentro dos parecircntesis deve ser escrito todo em caixa alta seguido do ano de publicaccedilatildeo e nuacutemero da paacutegina Exemplos

a) Para um autor ldquoRodrigues (1998 p 25) observou [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES 1998 p 25)rdquo

b) Para dois autores ldquoRodrigues e Veiga (1999 p 39) pesquisando [hellip]rdquo ou ldquo(RODRIGUES VEIGA 1999 p 39)rdquo

c) Para trecircs ou mais autores o sobrenome do primeiro autor deve ser seguido da expressatildeo et al ldquoPradela et al (1998 p 129) constata-ram[hellip]rdquo ou ldquo(PRADELA et al 1998 p 129)rdquo

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ndash Citaccedilotildees diretas literais ou textuaisAs referecircncias obedecem agraves mesmas especificaccedilotildees acima Se o texto direta-

mente citado contiver ateacute trecircs linhas deve ser incluiacutedo no proacuteprio corpo do texto entre aspas Exemplos Segundo a autora ldquoo estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jovens da referida pesquisa possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11) Ou De acordo com Ruth Derevecki (2011 p 11) ldquoo estudo mostra[hellip]rdquo

Por outro lado se o texto diretamente citado contiver mais de trecircs linhas deve aparecer em paraacutegrafo(s) destacado(s) do corpo do texto (com recuo na margem de 4 cm agrave esquerda corpo 11 em espaccedilamento simples entre linhas) Exemplo

Como Lima (2010 p 12) sustenta

Atualmente a gestatildeo tem se tornado participativa De acordo com a diretora do coleacutegio adventista de Hortolacircndia Eli Albuquerque muitas escolas ainda natildeo aderiram ao novo padratildeo poreacutem haacute mui-tas unidades que jaacute implantaram a administraccedilatildeo colegiada com-posta por professores equipe administrativa pais e alunos

B Utiliza-se a expressatildeo latina apud para citar um documento ao qual natildeo se teve acesso direto mas por intermeacutedio de uma citaccedilatildeo em outra obra Exemplo ldquoSegundo Esther Rodrigues apud Follis (2011 p 42)rdquo ou ldquoEs-ther Rodrigues afirma que o sol faz bem agrave pele (apud FOLLIS 2011 p 42)rdquo Atenccedilatildeo deve-se na medida do possiacutevel para garantir a exatidatildeo da informaccedilatildeo procurar usar citaccedilotildees diretas Ou seja deve-se procurar obter as informaccedilotildees das fontes originais sempre que estas estiverem disponiacuteveis deixando este recurso apenas para obras difiacuteceis de ser localizadas

B Em caso de coincidecircncia de datas de texto ou obra citadas distinguir com letras respeitando a ordem de entrada no artigo (1915a 1915b) Jaacute em casos de coincidecircncia de sobrenomes colocam-se os prenomes abre-viados apoacutes o sobrenome (FOLLIS R 2010 FOLLIS E 2014)

B Toda citaccedilatildeo provinda da Biacuteblia deve seguir a seguinte formataccedilatildeo fora dos parecircntesis deve vir por extenso (Ex Em Apocalipse 1232 2 Coriacutentios 318 diz que [hellip] dentro dos parecircntesis deve ser abreviada de acordo com o padratildeo de duas letras sem ponto da Biacuteblia Joatildeo Ferreira de Almeida revista e atualizada 2ordm ediccedilatildeo (Ap 1232 2Co 318) Natildeo se usa algarismos romanos

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B Toda citaccedilatildeo originaacuteria de fonte em liacutengua estrangeira deve ser traduzida no corpo do texto e referenciada da seguinte forma (ABREU 2009 p 12 tra-duccedilatildeo livre) A citaccedilatildeo na liacutengua original deve ser mantida em nota de rodapeacute

B A supressatildeo ldquo[hellip]rdquo e a interlocuccedilatildeo devem ser indicadas entre col-chetes Exemplo ldquoO estudo mostra que ateacute os 12 anos de idade os jo-vens [hellip] possuem o ceacuterebro mais suscetiacutevel a distraccedilotildees [relacionadas a diversatildeo] em comparaccedilatildeo com os adultosrdquo (DEREVECKI 2011 p 11)

B As notas de rodapeacute devem ser usadas apenas para acrescentar infor-maccedilotildees relacionadas ao texto e importantes para o entendimento deste Natildeo confundir nota de rodapeacute com referecircncia bibliograacutefica que apare-ce soacute no final do trabalho

B Expressotildees estrangeiras ou tiacutetulos de obras devem figurar em itaacutelico Exemplos ldquoFelipe Carmo (2009 p 42) em seu livro Hipnose sustenta que croissaint natildeo pode ser utilizado como sujestatildeo hipnoacuteticardquo Certas palavras mesmo sendo de origem estrangeira jaacute satildeo de uso corrente nos textos em portuguecircs e portanto natildeo devem vir em itaacutelico Exem-plos internet mouse link site e-mail etc

B Os casos de destaque de partes do texto para ecircnfase devem ser evi-tados ou restringidos ao miacutenimo possiacutevel devendo aparecer em itaacutelico

ldquoFulano (2000 p 12) sustenta que ocorre reversatildeo se e somente se aque-las condiccedilotildees satildeo satisfeitasrdquo

B Capiacutetulos de livros e artigos de perioacutedicos quando citados no corpo do texto devem aparecer entre ldquoaspasrdquo e sem o uso de itaacutelico Exemplo Flavio Luiacutes (2011 p 12) em seu artigo ldquoComo cultivar um bigode agrave luz de Friedrich Nietzscherdquo afirma que [hellip]

B Citaccedilotildees referentes aos manuscritos e cartas de Ellen G White de-vem ser feitas no corpo do texto da seguinte maneira (Ellen G White Carta 16 1890) (Ellen G White Manuscrito 21 1846)

B Citaccedilotildees referentes aos pais da igreja devem ser acrescentadas ao corpo do texto corrido como por exemplo a obra de Josefo (Jewish Antiquities IX206 ndash 214)

Normas para publicaccedilatildeo

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B Na lista de referecircncias bibliograacuteficas deveratildeo constar os nomes de todos os autores de um trabalho consultado As referecircncias seratildeo ordenadas al-fabeticamente pelo uacuteltimo sobrenome do autor seguido no miacutenimo da inicial maiuacutescula do primeiro nome Natildeo usar nomes por extenso na lista

a) Para livrosCARMO F Hipnose a arte da seduccedilatildeo Satildeo Paulo Editora Madras 2009

b) Capiacutetulo de livroFERCH A Autoria teologia e propoacutesito de Daniel In HOLBROOK F (Ed) Estudos sobre Daniel origem uni-dade e relevacircncia profeacutetica Engenheiro Coelho Unaspress 2009 (Seacuterie Santuaacuterio e Profecias Apocaliacutepticas 2)

c) Artigos de perioacutedicosBERTONI E Arte induacutestria cultural e educaccedilatildeo Cadernos cedes centro de estudos educaccedilatildeo e sociedade ndash Unicamp Ano 21 n 54 2001

d) Monografias dissertaccedilotildees e tesesFERREIRA L O processo da aprendizagem conflitos emocionais desvirtuamento e caminhos para a superaccedilatildeo Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo) Unasp Campus En-genheiro Coelho Engenheiro Coelho 1999

e) Publicaccedilotildees referentes a eventos publicados em anais ou similares (congressos reuniotildees seminaacuterios encontros etc)

LIMA P Caminhos da universidade rumo ao seacuteculo 21 es-tagnaccedilatildeo ou dialeacutetica da construccedilatildeo In 7ordm congresso anual de estudantes do cesulon (Centro de Estudos Superiores de Londrina PR) Londrina 25 a 20 de outubro de 1999

f) Informaccedilotildees verbaisPara informaccedilotildees obtidas por meio verbal (palestras debates entrevistas etc) deve-se indicar no texto corrido a expressatildeo

ldquoinformaccedilatildeo verbalrdquo entre parecircnteses mencionando-se os da-dos disponiacuteveis em nota de rodapeacute

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Exemplo ldquoA maioria dos que sustentam uma opiniatildeo sobre a alegaccedilatildeo das sugestotildees hipnoacuteticas atraveacutes de alimentos gordu-rosos normalmente fariam qualquer coisa por um croissaintrdquo (informaccedilatildeo verbal)1

No rodapeacute da paacutegina1 Comentaacuterio proferido por Felipe Carmo em palestra rea-lizada no Unasp-EC por ocasiatildeo do Simpoacutesio Universitaacuterio Adventista em setembro de 2011

g) Legislaccedilatildeo (constituiccedilatildeo emendas constitucionais textos legais infra-constitucionais)

SAtildeO PAULO (Estado) Decreto nordm 42822 de 20 de janeiro de 1998 Lex coletacircnea de legislaccedilatildeo e jurisprudecircncia Satildeo Paulo v 62 n3 p 217 ndash 220 1998

BRASIL Medida provisoacuteria nordm 1569-9 de 11 de fevereiro de 1997 Diaacuterio Oficial [da] Repuacuteblica Federativa do Brasil Po-der Executivo Brasiacutelia DF 14 dez 1997 Seccedilatildeo 1 p 29514

BRASIL Coacutedigo Civil 46 ed Satildeo Paulo Saraiva 1995

h) Referecircncias de sites Acrescentar no final da referecircncia ldquoDis-poniacutevel emrdquo endereccedilo eletrocircnico e a data de acesso ao documen-to precedida da expressatildeo ldquoAcesso emrdquo

SILVA I Pena de morte para o nascituro O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 set 1998 Disponiacutevel em ltwwwestadaocombr1212343htmgt Acesso em 19 set 1998

B Os textos devem ser submetidos unicamente por meio do site da re-vista Kerygma Os passos satildeo os seguintes

ndash Acessar httpwwwunaspedubractacientificandash Caso se trate do primeiro acesso preencher os dados pessoais no

item ldquocadastrordquo (lembre-se de assinalar a opccedilatildeo ldquoautorrdquo) Se jaacute tiver cadastro basta preenher nome e senha

ndash Para submeter trabalhos siga as demais instruccedilotildees do proacuteprio sistemaObs o autor deveraacute acompanhar o andamento do trabalho subme-

tido no proacuteprio sistema on-line

Normas para publicaccedilatildeo

Kerygma Engenheiro Coelho SP volume 9 nuacutemero 1 p 155-161 1ordm sem de 2013

161

B O tempo entre a submissatildeo aprovaccedilatildeo ou rerpovaccedilatildeo e a publi-caccedilatildeo do artigoresenha seraacute de cerca de 14 meses As informaccedilotildees sobre o status da submissatildeo se daraacute apenas via Sistema Eletrocircnico de Revistas (SEER) software para a construccedilatildeo e gestatildeo de publi-caccedilotildees perioacutedica traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informaccedilatildeo em Ciecircncia e Tecnologia (IBICT)

B A revista Kerygma estaacute sob a Licenccedila Creative Commons Attribution 30 o que indica natildeo existir lucro atrelado agrave publicaccedilatildeo e portanto natildeo havendo nenhuma obrigaccedilatildeo de remuneraccedilatildeo dos autores publica-dos Estes ao submeterem suas contribuiccedilotildees cedem agrave revista os direi-tos de publicaccedilatildeo nos formatos impresso e online

Permutas

Associaccedilatildeo Educacional Frei Nivaldo Liebel ndash Revista RethoacuterikaUSP de Ribeiratildeo Preto ndash ABOPCenter for Adventist Research James White Library ndash AUCentro Universitaacuterio Feevale ndash Revista Gestatildeo e DesenvolvimentoCentro Universitaacuterio Claretiano ndash Linguagem AcadecircmicaCentro Universitaacuterio de Barra Mansa ndash Revista CientiacuteficaCentro Universitaacuterio de Brusque (Unifebe) ndash Revista da UnifebeCentro Universitaacuterio de Franca (Uni-FACEF) ndash Facef pesquisaCentro Universitaacuterio de Patos de Minas (Unipam) ndash JurivoxRevista AlphaCentro Universitaacuterio do Espiacuterito Santo (Unesc) ndash Unesc em RevistaCentro Universitaacuterio La Salle (Unilasalle) ndash Revista de Educaccedilatildeo Ciecircncia e CulturaCentro Universitaacuterio Metodista (IPA) ndash Ciecircncia em MovimentoCentro Universitaacuterio Nove de Julho (Uninove) ndash Conscientiae-SauacutedeEccosCentro Universitaacuterio Salesiano de Satildeo Paulo (Unisal) ndash Revista Ciencia e TecnoloacutegiaCentro Universitaacuterio Univates ndash Caderno Pedagoacutegico Estudo amp DebateEscola Superior de teologia da IECLB ndash Estudos teoloacutegicosFaculdade Campo Limpo Paulista (FACCAMP) ndash Revista do curso de direitoFaculdade de Administraccedilatildeo Santa Cruz (FAFILFASC) ndash Revista de AdministraccedilatildeoFaculdade de Ciecircncias Administrativas e Contaacutebeis Santa Luacutecia ndash UniversitaFaculdades Integradas Adventistas de Minas gerais (Fadminas) ndash Revista SymposiumFundaccedilatildeo Educacional da Regiatildeo de Joinvile (Univille) ndash Revista da UnivilleFundaccedilatildeo Teacutecnico Educacional Souza Marques ndash Revista Souza MarquesFaculdade Teoloacutegica Batista de Satildeo Paulo ndash TeoloacutegicaFundaccedilatildeo Universidade Federal do Rio Grande ndash MomentoPontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Paranaacute (PUC-PR) ndash Revista de Estudos da Comunicaccedilatildeo Revista Psicoloacutegica ArgumentoUniversidad Adventista Del Plata ndash Enfoques DavarlogosUniversidad Catoacutelica Argentina ndash Cultura EconoacutemicaUniversidade de Caxias do Sul (UCS) ndash ConjecturaUniversidade de Satildeo Paulo (USP) ndash Contabilidade amp FinanccedilasUniversidade de Sorocaba (Uniso) ndash Revista de Estudos UniversitariosUniversidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) ndash Linguagem em DisCurso

Revista Kerygma

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Centro Universitaacuterio Adventista de Satildeo Paulo mdash Unasp

Universidade Estadual de Londrina (UEL) ndash Boletim do Centro de LetrasUniversidade Estadual de Ponta Grossa ndash Olhar do Professor PublicatioUniversidade Estadual Paulista (Unesp) ndash Alimentos e NutriccedilatildeoUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ndash Varia histoacuteriaUniversidade Federal de Pelotas ndash Histoacuteria da EducaccedilatildeoUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ndash Caderno do Ensino da FiacutesicaUniversidade Federal de Santa Maria ndash Revista de Educaccedilatildeo EspecialUniversidade Norte do Paranaacute ndash (Unopar) ndash Unopar CientiacuteficaUniversidade Paranaense (Unipar) ndash AkroacutepolisUniversidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missotildees ndash Revista PerspectUniversidade Santa Cecilia ndash Seleccedilatildeo DocumentalUniversidade Satildeo Judas Tadeu ndash Integraccedilatildeo

  • Expediente
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