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BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales 1929-1989. Tradução Nilo Odália. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. A importância dos ensaios de Chartier está em que exemplificam e discutem uma mudança na abordagem, como ele diz, “da história social da cultura para a história cultural da sociedade”. Isto é, os ensaios sugerem que o que os historiadores anteriores, pertencentes ou não à tradição dos Annales, geralmente aceitavam como estruturas objetivas, devem ser vistas como culturalmente “constituídas” ou “construídas”. A sociedade em si mesma é uma representação coletiva (p. 69) Importante também no desenvolvimento intelectual de muitos historiadores da terceira geração foi sua crítica aos historiadores, em razão de sua “pobre ideia do real”; em outras palavras, a redução do real ao domínio do social, deixando de fora o pensamento. A recente virada em direção à “história cultural da sociedade”, bem exemplificada em Chartier, deve muito à obra de Foucault (p.69). Um ponto mais geral enfatizado por Chartier é que é impossível “estabelecer relações exclusivas entre formas culturais específicas e grupos sociais particulares”. Isto claramente torna a história da cultura serial bem mais difícil, se não mesmo impossível. Chartier mudou, portanto, sua atenção, seguindo Pierre Bourdieu e Michel De Certeau, para as “práticas” culturais compartilhadas por vários grupos (Bourdieu, 1972, De Certeau, 1980). (p.70) A necessidade de uma história mais abrangente e totalizante nascia do fato de que o homem se sentia como um ser cuja complexidade em sua maneira de sentir, pensar e agir, não podia reduzir-se a um pálido reflexo de jogos de poder, ou de maneiras de sentir, pensar e agir dos poderosos do momento. Fazer outra história, na expressão usada por Febvre, era, portanto, menos redescobrir o homem do que, enfim, descobri-lo na plenitude de suas virtualidades, que se inscreviam concretamente em suas realizações históricas. Abre-se, em consequência, o leque de possibilidades do fazer historiográfico, da mesma maneira que se impõe a esse

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BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales 1929-1989. Tradução Nilo Odália. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.

A importância dos ensaios de Chartier está em que exemplificam e discutem uma mudança na abordagem, como ele diz, “da história social da cultura para a história cultural da sociedade”. Isto é, os ensaios sugerem que o que os historiadores anteriores, pertencentes ou não à tradição dos Annales, geralmente aceitavam como estruturas objetivas, devem ser vistas como culturalmente “constituídas” ou “construídas”. A sociedade em si mesma é uma representação coletiva (p. 69)

Importante também no desenvolvimento intelectual de muitos historiadores da terceira geração foi sua crítica aos historiadores, em razão de sua “pobre ideia do real”; em outras palavras, a redução do real ao domínio do social, deixando de fora o pensamento. A recente virada em direção à “história cultural da sociedade”, bem exemplificada em Chartier, deve muito à obra de Foucault (p.69).

Um ponto mais geral enfatizado por Chartier é que é impossível “estabelecer relações exclusivas entre formas culturais específicas e grupos sociais particulares”. Isto claramente torna a história da cultura serial bem mais difícil, se não mesmo impossível. Chartier mudou, portanto, sua atenção, seguindo Pierre Bourdieu e Michel De Certeau, para as “práticas” culturais compartilhadas por vários grupos (Bourdieu, 1972, De Certeau, 1980). (p.70) A necessidade de uma história mais abrangente e totalizante nascia do fato de que o homem se sentia como um ser cuja complexidade em sua maneira de sentir, pensar e agir, não podia reduzir-se a um pálido reflexo de jogos de poder, ou de maneiras de sentir, pensar e agir dos poderosos do momento. Fazer outra história, na expressão usada por Febvre, era, portanto, menos redescobrir o homem do que, enfim, descobri-lo na plenitude de suas virtualidades, que se inscreviam concretamente em suas realizações históricas. Abre-se, em consequência, o leque de possibilidades do fazer historiográfico, da mesma maneira que se impõe a esse fazer a necessidade de ir buscar junto a outras ciências do homem os conceitos e os instrumentos que permitiriam ao historiador ampliar sua visão do homem. (p.4 apresentação Nilo Odália)

A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é constituída, pensada, dada a ler. (CHARTIER, 2002, p.16)

Ao trabalhar sobre as lutas de representação, cuja questão é o ordenamento, portanto a hierarquização da própria estrutura social, a história cultural separa-se sem dúvida de uma dependência demasiadamente estrita de uma história social dedicada exclusivamente ao estudo das lutas econômicas, porém opera um retorno hábil também sobre o social, pois centra a atenção sobre as estratégias simbólicas que determinam posições e relações e que constroem, para cada classe, grupo ou meio, um ser percebido constitutivo de sua identidade (CHARTIER, 2010, p.183).

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que a forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.