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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO ÀS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS CHRISTINA CELINA SCHULTZ DA SILVA Florianópolis (SC) 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO ÀS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

CHRISTINA CELINA SCHULTZ DA SILVA

Florianópolis (SC) 2009

CHRISTINA CELINA SCHULTZ DA SILVA

A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO ÀS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí para obtenção do título de Especialização em Direito Penal e Processo Penal.Orientador: Prof. MSc. Marcelo Gomes Silva.

Florianópolis (SC) 2009

RESUMO

O principal foco a ser estudado nesta pesquisa é a possibilidade de aplicação do instituto da prescrição às medidas socioeducativas, passando-se pelo esclarecimento da natureza das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e do instituto da prescrição. Inicialmente, far-se-á uma pequena incursão pelas principais normativas internacionais atinentes aos direitos de crianças e adolescentes, as quais acabaram por influenciar a elaboração legislativa brasileira. Logo após, apresentar-se-á uma crítica ao sistema adotado pelo Código de Menores de 1979, demostrando-se as principais conquistas obtidas com a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente. Posteriormente, passar-se-á à análise do instituto da prescrição, verificando-se sua natureza jurídica e as principais formas de sua aplicação, tendo em vista a prescrição da pretensão punitiva, da pretensão executória, bem como da prescrição da multa e da medida de segurança. Em seguida, será realizada uma leitura dos entendimentos jurisprudenciais dos Tribunais Superiores sobre a prescrição das medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional será realizada. Por fim, uma análise será elaborada acerca da (im)possibilidade da aplicação do instituto da prescrição previsto na parte geral do Código Penal às medidas socioeducativa.

Palavras-Chave: Medida Socioeducativa. Natureza Jurídica. Doutrina da Situação Irregular. Doutrina da Proteção Integral. Prescrição. Pretensão Punitiva. Pretensão Executória. Prescrição de Multa. Prescrição de Medida de Segurança. Jurisprudência. Tribunais Superiores. Súmula 338 Superior Tribunal de Justiça.

ABSTRACT

The main issue to be studied in this research is the possibility of applying the limitation to institute socioeducative measures, passing for clarifying the nature of socialeducative measures in the Child and Adolescent Institute of the prescription. Initially, there will be a small incursion by the major international instruments pertaining to the rights of children and adolescents, which ultimately influence the lawmaking Brazil. Soon after, present will be a critique of the system adopted by the Code of Minors of 1979, demonstrating the principal achievements in the development of the Children and Adolescents. Later, the examination of the Institute of the prescription, checking its legal nature and the main forms of implementation, in view of the limitation of the criminal charges, the claim would run as well as the limitation of the fine and the extent security. Then there will be a reading of jurisprudential understanding of the Superior Courts on the prescription of educational measures applied to adolescents who have an infraction will be held. Finally, an analysis will be drawn about the (im) possibility of application of the Institute of limitation provided in the general section of the Criminal Code socioeducative measures.

Keywords: Socioeducative-Measure. Legal Nature. Doctrine of the Undocumented. Doctrine of Integral Protection. Prescription. Punitive claim. Enforceable claim. Prescription Fine. Prescription Safety Measure. Reports. Courts. Precedent 338 Superior Court of Justice.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 8

1. A natureza da medida socioeducativa .............................................................. 11 1.1 NORMATIVAS INTERNACIONAIS ........................................................................................... 11 1.2 O CÓDIGO DE MENORES DE 1979 ...................................................................................... 26 1.3 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .................................................................... 34

2. O instituto da Prescrição .................................................................................. 41 2.1 NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO ................................................................................. 41 2.2 ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO ................................................................................................... 47

2.2.1 Prescrição da Pretensão Punitiva ........................................................................... 50 2.2.2 Prescrição da Pretensão Executória ....................................................................... 55 2.2.3 Prescrição da Multa ............................................................................................... 61 2.2.4 Prescrição da Medida de Segurança ...................................................................... 63

3. A (im)possibilidade da aplicação do instituto da prescrição previsto na parte geral do código penal às medidas socioeducativas ....................................................... 66

3.1 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DOS TRIBUNAIS SUPERIORES SOBRE A PRESCRIÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS .................................................................................................................. 66 3.2 A (IM)POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO ÀS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS 78

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 86

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 89

6

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresentado como requisito para obtenção do título de

Especialização em Direito Penal e Processo Penal tomará por base a doutrina atinente aos

Direitos da Criança e do Adolescente, com auxílio do Direito Constitucional, Direito Penal,

Direito Processual Penal e Legislações pertinentes.

O principal foco a ser estudado nesta pesquisa é a possibilidade de aplicação

do instituto da prescrição às medidas socioeducativas, passando-se pelo esclarecimento da

natureza das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e

do instituto da prescrição.

Aborda-se-á a evolução da natureza jurídica das medidas aplicadas aos

adolescentes autores de ato infracional ao longo da história e o seu reflexo na atualidade,

que está intimamente ligado com o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento

da República Federativa do Brasil.

Atualmente, o assunto se reveste de especial importância devido à imensa

repercussão na mídia e intensa discussão no Poder Legislativo quanto aos direitos e

garantias dos adolescentes autores de ato infracional.

Diante disso, importante estudar quais os critérios que devem orientar os

doutrinadores e legisladores para a aplicação ou não do instituto da prescrição às medidas

socioeducativas, para que as decisões sejam as mais sensatas tanto do ponto de vista

coletivo, quanto do individual.

No mais, este trabalho se propõe a esclarecer as inovações trazidas pela

Doutrina da Proteção Integral para melhor compreensão do seu alcance e da sua

profundidade.

Por fim, demostrar-se-á que o presente tema é pertence a uma temática muito

atual, principalmente no que diz respeito aos direito da criança e do adolescente por ser de

7grande aplicabilidade prática e envolver o adolescente, sujeito de direito, o qual se encontra

em condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Mais especificamente, o trabalho em voga tratará da discussão nacional

acerca da aplicação do instituto da prescrição aos adolescentes autores de ato infracional,

bem como a recente edição da Súmula n. 338 do Superior Tribunal de Justiça, a qual

assevera que “a prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas”1.

Inicialmente, far-se-á uma pequena incursão pelas principais normativas

internacionais atinentes aos direitos de crianças e adolescentes, as quais acabaram por

influenciar a elaboração legislativa brasileira.

Logo após, apresentar-se-á uma crítica ao sistema adotado pelo Código de

Menores de 1979, demostrando-se as principais conquistas obtidas com a elaboração do

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Posteriormente, passar-se-á à análise do instituto da prescrição, verificando-

se sua natureza jurídica e as principais formas de sua aplicação, tendo em vista a prescrição

da pretensão punitiva, da pretensão executória, bem como da prescrição da multa e da

medida de segurança.

Em seguida, será realizada uma leitura dos entendimentos jurisprudenciais

dos Tribunais Superiores sobre a prescrição das medidas socioeducativas aplicadas aos

adolescentes autores de ato infracional será realizada.

Após, uma análise será elaborada acerca da (im)possibilidade da aplicação

do instituto da prescrição previsto na parte geral do Código Penal às medidas

socioeducativa.

Consigna-se, ainda, que o método a ser utilizado neste trabalho será

dedutivo, sendo a revisão bibliográfica o modo de pesquisa que se empregará. Para fins de

1 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 338. A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn+338&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=1> Acesso em: 27 set 2009.

8metodologia, adotar-se-á a segunda edição do Manual de Metodologia da Pesquisa no

Direito, escrito por Orides Mezzaroba e Cláudia Servilha Monteiro.

Por fim, destaca-se que o principal objetivo deste estudo é a efetiva

contribuição para futuras discussões diretamente ligadas à novidade do tema a ser

abordado, bem como a pretensão de se contribuir para debates já existentes acerca da

interpretação destes dispositivos.

9

1. A NATUREZA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

1.1 Normativas Internacionais

O debate acerca da responsabilização de crianças e adolescentes autores de

atos infracionais é consideravelmente moderno, tanto para o Brasil, quanto para toda a

história mundial. Desse modo, faz-se necessária uma breve introdução ao tema em voga,

por meio de uma pequena incursão pela evolução normativa internacional dos Direitos da

Criança e do Adolescente.

Cabe destacar que muitos atos normativos e diversas diretivas

supranacionais foram aprovados para convocar os Estados a discutirem e editarem

legislações objetivando à proteção da infância e da juventude. Isso porque, as organizações

internacionais desejavam evitar que crianças e adolescentes fossem expostos à situações

desumanas ou incompatíveis com suas índoles de sujeitos em desenvolvimento físico e

mental.

A Declaração dos Direitos da Criança da Sociedade das Nações,

posteriormente denominada de Declaração de Genebra dos Direitos da Criança, de 26 de

setembro de 1924, firmada pela Liga das Nações e elaborada pela União Internacional do

Bem-estar Infantil, foi um dos grandes marcos na busca pela efetiva garantia dos direitos

das crianças e dos adolescentes, constituindo a primeira formulação de um direito

internacional das crianças.

Cabe destacar que, em 1948, a Declaração sofreu algumas mudanças, as

quais, de certa forma, trouxeram engrandecimento e enriquecimento ao conteúdo disposto

em sua primeira versão.

10A declaração em voga era composta por um pequeno texto, dividido em um

preâmbulo e cinco artigos na primeira versão e seis na segunda. Entretanto, em nenhuma de

suas edições, o texto empreendia um caráter vinculativo. Frisa-se, por oportuno, que sua

principal característica era sua não obrigatoriedade.

De facto, e apesar do texto ter sido aprovado pelos estados membros de uma assembleia internacional, é de realçar que se caracterizava por não atender a uma obrigatoriedade da sua aplicação, na medida em que não evocava, de forma precisa e clara, obrigações a serem seguidas Estados signatários, o que, mediante isto, nos leva a questionar em que medida podemos estar convictos de que este dispositivo correspondia, de per si, a efectivas garantias de aplicação2.

Nesse sentido, é de realçar que as duas versões da Declaração de Genebra

promoveram a conscientização do dever que os adultos têm de garantir a proteção de todas

as pessoas, menores de idade, em desenvolvimento físico e mental. Porém, em momento

algum, a declaração deixa sobressair qualquer indício que faça da criança sujeito de

direitos-liberdades. O texto apenas destaca, como ideia central, que os menores de idade

merecem proteção e defesa.

Apesar das poucas disposições e do formato sintético, o texto foi exposto em

princípios abertos, os quais deveriam ser avaliados por cada Estado membro objetivando a

melhor aplicação em seus territórios. Contudo, não há dúvidas que a Declaração de

Genebra constituiu o primeiro documento de salvaguarda para a criança.

O diploma em voga nada asseverou acerca das medidas adotas diante do

cometimento de atos infracionais. Em resumo, o mencionado documento internacional

dispunha sobre

os recursos para o desenvolvimento material, moral e espiritual; à ajuda especial em caso de fome, doença, incapacitação ou orfandade; à prioridade no atendimento em condições de perigo; à proteção contra a exploração econômica; e a uma educação que inspire um sentimento de responsabilidade social3.

2 MONTEIRO, Lígia Claúdia Gonçalves. Educação e direitos da criança: perspectiva histórica e desafios pedagógicos. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, jul. 2006. p. 118.3 SILVA, Marcelo Gomes. Ato infracional e garantias: uma crítica ao direito penal juvenil. Florianópolis: Conceito, 2008. p. 26.

11Ademais, iniciou-se uma nova dinâmica na proteção desses sujeitos em

peculiar condição de desenvolvimento, os quais, progressivamente, passariam a ter o

reconhecimento de principais atores sociais, alvo, felizmente, de inúmeras atenções e

preocupações.

Posteriormente, em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das

Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Não obstante, por incluir no seu texto uma fração destinada aos direitos e

liberdades dos menores de idade, a obra não apresentava como objetivo principal a proteção

e o apregoamento dos direitos da criança, sendo, inclusive, abertas diversas discussões

sobre sua validade para esses sujeitos em desenvolvimento físico e mental.

Entretanto, frisa-se, por oportuno, que a normativa internacional em tela

asseverou, de modo categórico, que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em

direitos”.

No mais, em seu artigo 25, estabelecia que “a maternidade e a infância têm

direito a cuidados e a assistência especiais”, bem como que “todas as crianças, nascidas

dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social”.

Em virtude de terem sido levantadas questões que problematizavam a

validade da Declaração Universal dos Direitos Humanos no tocante à proteção das crianças

e adolescentes, a Organização das Nações Unidas concluiu que era essencial a elaboração

de um documento com redação especial e específica, incorporando de forma mais concreta

as condições sui generis da infância.

Sobre o assunto, Saunier discorre o seguinte:

[...] a declaração tinha que impor-se pelo seu próprio valor. Em vez de forçar através de uma série de sanções aos transgressores, devia expor, convencer, seduzir. Não sendo nenhum texto jurídico para uso de homens de leis, nem um tratado científico para sábios especializados, nem um guia prático para trabalhadores sociais, tinha que satisfazer estas três espécies de pessoas ao mesmo tempo; não dar o flanco às suas críticas, responder

12se necessário às suas questões, levá-las a agir para que a criança “tenha uma infância feliz, no seu próprio interesse e no interesse da sociedade”.4

Desta feita, proclamada em 20 de novembro de 1959, a Declaração dos

Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas concedeu grande progresso à

importância outorgada aos direitos da criança, principalmente no que diz respeito ao

entendimento dos legisladores acerca da infância, cujas particularidades remeteram para um

efetivo reconhecimento dos Estados membros.

Levando em consideração um olhar mais protecionista, fica evidente que

entre as declarações de 1924 e 1959 uma substancial evolução, principalmente no que diz

respeito ao reconhecimento da criança como sujeito de direitos. Entretanto, a mencionada

normativa internacional, tal como refere João Batista da Costa Saraiva, apesar do imenso

progresso, ainda, necessitava de melhorias.

A Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil, se constituiu em um novo episódio fundamental no ordenamento jurídico internacional na afirmação dos direitos da criança. É lançado neste documento o embrião de uma nova concepção jurídica de infância, que irá evoluir, no final da década de oitenta, no século XX, para a formulação da Doutrina da Proteção Integral.

Ainda impregnada pela cultura tutelar, a legislação internacional começa a esboçar os primeiros passos para promover a criança de sua condição de objeto da norma, conquistada no início do século XX, superada a etapa da indiferença, para a nova condição (a partir da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança) de sujeito do processo, titular de direitos e obrigações próprios de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento5.

No mais, cabe ressaltar que a Declaração de 1959 elaborou dez princípios,

duplicando o número daqueles que incorporavam o texto da normativa internacional

anterior. Contudo, o pergaminho em voga permaneceu a não reivindicar o carácter

obrigatório da sua aplicação, em termos jurídicos, pelos seus setenta e oito Estados

4 SAUNIER, Francis. Em defesa da criança. Lisboa: Edições Pórtico. p. 18. apud MONTEIRO, Lígia Claúdia Gonçalves. Educação e direitos da criança: perspectiva histórica e desafios pedagógicos. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, jul. 2006. p. 125.5 SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. pp. 41-42.

13membros. Vale salientar, também, a inexistência de qualquer referência aos direitos-

liberdades de crianças e adolescentes.

Em suma, a Declaração dispõe dez princípios que ratificam os direitos da

criança

[…] à proteção especial e o dever de lhe propiciar oportunidades e facilidades capazes de permitir o seu desenvolvimento; o direito a um nome e a uma nacionalidade; a gozar os benefícios da previdência social; a criar-se num ambiente de afeto e segurança; a receber educação; a figurar entre os primeiros a receber proteção e socorro, em caso de calamidade pública; a proteção contra todas as formas de negligência, crueldade e exploração; e a proteção contra todos os atos que possam dar lugar a qualquer forma de discriminação6.

Desse modo, pode-se concluir que a Declaração dos Direitos da Criança de

1959 sugere, de modo prioritário e quase exclusivamente, o 'direito a', atribuindo à criança

os direitos que lhe são permitidos desfrutar.

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, a qual foi aprovada

na Resolução 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989,

e devidamente ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990, destacou-se pelo processo

de reconhecimento da infância e dos seus direitos, que, após as Declarações de 1924 e de

1959, prescreveu não apenas os direitos à proteção como também, e pela primeira vez, os

direitos-liberdades.

Essa maravilhosa inovação, operada com o desencadear desse processo de

proclamação da criança, aqui considerado como “todo ser humano com menos de 18 anos

de idade”7, como sujeito de liberdades, “representou um surpreendente sintoma de

transformação em matéria de libertação das crianças na dinâmica das sociedades

democráticas, aspecto que promoveu a cimentação de um andaime crucial para a edificação

da história da infância”8.6 SILVA, Marcelo Gomes. Ato infracional e garantias: uma crítica ao direito penal juvenil. Florianópolis: Conceito, 2008. p. 27.7 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Edição Especial 12 anos. Brasília: Ministério da Justiça, 2002. p. 88. 8 MONTEIRO, Lígia Claúdia Gonçalves. Educação e direitos da criança: perspectiva histórica e desafios pedagógicos. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, jul. 2006. p. 147.

14Em seu preâmbulo, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança

aponta os princípios básicos das Nações Unidas e as disposições específicas de

determinados tratados e declarações de suma importância para os Direitos Humanos.

Aproveita, ainda, para marcar com segurança que as crianças, por serem pessoas

vulneráveis, necessitam de cuidados e proteções especiais.

O documento também aponta a fundamental importância dos cuidados

primários e da necessária proteção que a família deve despender com estas crianças. No

mais, está elencada a necessidade de proteção legal e de outras formas de resguardar a

criança, antes e depois de seu nascimento, a importância do respeito aos valores culturais da

comunidade em que a criança está inserida e o papel vital da cooperação internacional para

o cumprimento dos Direitos das Crianças.

Este acordo internacional foi fundamental no que diz respeito à elaboração

dos princípios básicos que cercam os Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Nesse

ordenamento foram reconhecidos os direitos fundamentais, os princípios da proteção

integral da criança, da prioridade imediata para a infância e do melhor interesse da criança,

entre outros.

Segundo José Afonso da Silva, os direitos fundamentais referem-se a

princípios que resumem a concepção do mundo e confirmam o sistema de ideias políticas

de cada normativa jurídica. O direito só é designado com tal característica quando os

benefícios e instituições que são apontados por aquele ordenamento concretizam-se através

de garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.

No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concretamente e materialmente efetivados9.

Com o claro escopo de alcançar os objetivos acima citados, a Convenção das

Nações Unidas de 1989, não apenas enumera os direitos de não-discriminação, de possuir

9 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 178.

15nome e nacionalidade, da preservação da identidade – entre outros – como aponta diretrizes

básicas para real implementação destes dispositivos. Assim dispõe o artigo 4.° da

Convenção:

Os Estados Partes adotarão todas as medidas administrativas, legislativas e de outra natureza, visando à implantação dos direitos reconhecidos nesta Convenção. Com relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, os Estados Partes adotarão essas medidas utilizando ao máximo os recursos disponíveis e, quando necessário, dentro de um quadro de cooperação internacional10.

A doutrina da proteção integral, que modificou totalmente a antiga visão

existente no Direito da Criança e do Adolescente, a chamada doutrina da situação irregular,

consagra totalmente os direitos inerentes à criança e ao adolescente, tendo como ápice a

declaração de que estes são sujeitos plenos de direitos. Nesta doutrina foram incorporados

os princípios fundamentais, sendo a igualdade e a liberdade as diretrizes mais relevantes, e

com a consequente proibição das detenções ilegais e arbitrárias.

A proteção integral fez desaparecer o termo menor, expressão muito

estigmatizada porque “o termo era sinônimo de criança abandonada, carente, com desvio de

conduta, vítima de maus tratos ou mesmo infratora de algum tipo penal”11, e trouxe a tona a

criança e o adolescente como sujeitos de direitos, com interesses juridicamente tutelados,

podendo contar com os direitos especiais que possuem por se tratarem de pessoas em

desenvolvimento. Quando se afirma que há aplicação da doutrina da proteção integral, está

se dizendo, essencialmente, que tal ordenamento se aplica a todos e não apenas aqueles

sujeitos em situação irregular.

Conforme o ensinamento de Antonio Carlos Gomes da Costa, quando a

normativa é redigida por meio dos conceitos basilares da doutrina da proteção integral,

aquela deve ser dirigida a todo conjunto populacional infanto-juvenil e abranger todas as

crianças e adolescentes, sem exceção12.

10 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Edição Especial 12 anos. Brasília: Ministério da Justiça, 2002. p. 89.11 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo, LTR, 1999. p. 48.12 BERTONCINI, Cristina Mendes. Responsabilização estatuária juvenil: uma resposta aos atos infracionais. Florianópolis: UFSC: 1999. Monografia (graduado em Direito) - Universidade Federal Santa Catarina, 1999. Orientador(es): VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVA, Antonio Fernando do Amaral e. p. 11

16De acordo com o pensamento de Mário Luiz Ramidoff, a proteção integral

vem assegurar, de forma ampla, os direitos peculiares e intrínsecos das crianças e dos

adolescentes, como um todo, pelo simples fato de serem pessoas em desenvolvimento, não

precisando que tais sujeitos se encontrem em conflito com a lei para que tenham

assegurados seus direitos. O autor ainda adverte que:

A doutrina da proteção integral, especial e prioritária, não precisa explicar todos os fatos com os quais possa ser confrontada, mas, deve, sim, parecer ser melhor que suas competidoras, precisamente, por apresentar resultados mais adequados na resolução das questões que lhes são propostas13.

No instante em que um país adota a doutrina da proteção integral ele está

fazendo uma opção que implicará em um projeto político-social para toda nação. Tal fato

ocorrerá, pois tal recepção impõe a contemplação da criança e do adolescente como sujeitos

únicos, de características incomparáveis ante ao processo de desenvolvimento em que se

encontram, e transformação das políticas públicas em uma ação conjunta, envolvendo a

família, o Estado e a sociedade.

A prioridade imediata para a infância e do melhor interesse da criança

tendem a ser consequência da aplicação da doutrina da proteção integral. Assim sendo,

indispensável a seguinte compreensão:

1 – A infância e a adolescência admitidas como prioridade imediata e absoluta exigindo uma consideração especial, o que significa que a sua proteção deve sobrepor-se a quaisquer outras medidas, objetivando o resguardo de seus direitos fundamentais.

2 – O princípio do melhor interesse da criança, que não deve ser visto de uma forma fantasiosa ou sonhadora, mas como algo concreto, considerando que cabe à família, portanto aos pais ou responsáveis, garantir-lhe proteção e cuidados especiais; ressalta-se o papel importante da comunidade, na efetiva intervenção/responsabilização com os infantes e adolescentes, daí decorre a criação dos Conselhos [...] e, ainda, a atuação do Poder Público com a criação de meios instrumentos que assegurem os direitos proclamados14.

13 RAMIDOFF, Mário Luiz. A redução da idade penal: do estigma à subjetividade. Florianópolis : UFSC : 2002. 216 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal Santa Catarina, 2002. Orientador(es): VERONESE, Josiane Rose Petry. p. 46.14 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 10.

17Em continuidade, é importante destacar outro movimento internacional.

Durante os dias seis e oito de setembro de 2000, a chamada Cúpula do Milênio se reuniu

em Nova York para discutir e traçar os principais objetivos de todos os Estados-Membros

da Organização das Nações Unidas no intuito de tornar melhor a vida de todas as pessoas

neste planeta no século XXI.

Esse encontro envolveu e acabou por revelar as preocupações de cento e

quarenta e sete chefes de Estado e de cento e noventa e um países que participaram da

maior reunião de chefes mundiais já realizada até aquele momento. Desse encontro,

resultou a Declaração do Milênio das Nações Unidas, um documento histórico para o novo

século, ´posteriormente, aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas.

A Declaração do Milênio deu origem aos oito Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio (ODMs) que deverão ser alcançados até 2015 por todas as

nações participantes deste movimento.

Vale ressaltar que a Declaração em tela teve como ponto de partida, apoiado

nos inúmeros instrumentos espalhados pelo mundo, a busca pela proteção dos Direitos

Humanos. Deste modo, os objetivos elencados naquele documento seguem a orientação de

por um fim a trajetória de pobreza e fome vivenciada por diversas famílias; transformar o

ensino básico em uma realidade acessível a todos os povos; lutar pela igualdade entre os

sexos; minimizar os índices de mortalidade infantil; aperfeiçoar a saúde materna; batalhar

de forma conjunta contra o HIV/AIDS, a malária e outras moléstias; estabelecer de forma

efetiva a sustentabilidade ambiental e uma parceria mundial para o desenvolvimento.

É evidente que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio auxiliam, e

muito, a ampliar os cuidados com crianças e adolescentes, pois dentre as oito metas

apontadas, sete tratam como sujeitos de direitos estas pessoas em desenvolvimento. Um

marco paradigmático dos ODMs é

[...] a Convenção dos Direitos da Criança, que reconhece, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social, posição econômica e nascimento, que toda criança tem direito a

18sobrevivência sadia, desenvolvimento pleno e proteção contra todas formas de discriminação, exploração e abuso15.

Bem se sabe que as circunstâncias podem vir a serem modificadas de modo

significativo nos próximos quinze anos, mas isto dependerá, em grande parte, do

compromisso e da capacidade que tem o país de impulsionar e desenvolver políticas

públicas, programas e ações coerentes, relevantes, pertinentes e articuladas na busca de seu

objetivo.

No intuito de distanciar as normativas penais do sistema criado para atender

crianças e adolescente em situação de risco ou conflito com a lei, cabe destacar as

principais normativas internacionais que sugerem a aplicação de legislações diferenciadas

aos dois grupos, estabelecendo, inclusive, a idade da maioridade penal consoante as

diretrizes da Declaração das Nações Unidas de 1989.

Muito mais do que um problema jurídico, a exclusão da imputabilidade em

razão da idade do agente, apresenta uma faceta de caráter psicológico, sociológico,

econômico e de política criminal. De toda forma, é necessário lembrar que a escolha da

idade é feita pelo país após a análise detalhada de sua nação.

Salienta-se, ainda, que, apesar de não obrigar que o signatário estipule a

maioridade penal em 18 anos, são muitos os tratados e convenções que influenciam o país

no instante da escolha. Dentre estas normativas internacionais, destacam-se a Convenção

das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, as Regras de Beijing, as Diretrizes de Riad

e as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos jovens Privados de Liberdade.

A Convenção dos Direitos da Criança, adotada em assembleia geral das

Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, em seu primeiro artigo afirma que se

considera criança todo sujeito que ainda não tenha alcançado dezoito anos completos,

acrescentando que tal conceito pode ser alterado pela legislação nacional.

Já as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da

Infância e da Juventude, também conhecidas como Regras de Beijing, declaradas em 29 de 15 SPRANDEL, Márcia Anita (Coo). Situação das crianças e dos adolescentes na tríplice fronteira entre a Argentina, Brasil e Paraguai: desafios e recomendações. Curitiba: ITAIPU Binacional, 2005. p. 15.

19novembro de 1985, não indica a idade a ser adotada pelo país no âmbito da

responsabilização penal, apenas recomenda que aquela não seja fixada em fase

demasiadamente precoce, “levando-se em conta as circunstâncias que acompanham a

maturidade emocional, mental e intelectual”16.

No que tange as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos

Jovens Privados de Liberdade, em seu capítulo segundo, em aplicações das regras, a

normativa define como criança ou adolescente todo ser humano que seja menor de 18 anos.

Por fim, as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência

Juvenil (Diretrizes de Riad), comprovando a extrema importância da garantia de um

desenvolvimento saudável e sem estigmas, destacam como um princípio fundamental:

A prevenção da delinquência juvenil é parte essencial do delito na sociedade. Dedicados a atividades lícitas e socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a vida com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não criminais17.

Apesar de não tratar diretamente dos direitos pertinentes as crianças e aos

adolescentes, o Pacto de San José da Costa Rica pode ser compreendido como outra fonte

de influência na escolha do limite para a maioridade penal. Por se tratar de uma Convenção

sobre os direitos humanos, declarada em 22 de novembro de 1969, o Pacto de Costa Rica,

ditou, em seu artigo quinto, número cinco, uma normativa bastante relevante e muito

inovadora, para a época: “Os menores, quando puderem ser processados, devem ser

separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível,

para seu tratamento”18.

De modo geral todas as normativas internacionais recomendam que os países

signatários tenham legislações e instrumentos de aplicação especificamente voltados aos

seres humanos em especial fase de desenvolvimento, de modo distinto daquelas leis e

organismos que aplicam a lei penal aos totalmente capazes.

16 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Edição Especial 12 anos. Brasília: Ministério da Justiça, 2002. p. 119.17 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Edição Especial 12 anos. Brasília: Ministério da Justiça, 2002. p. 163.18 BRASIL. Código de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. p. 333.

20Contudo, estas são apenas recomendações, o que evidencia que a escolha da

idade penal nada mais é do que uma decisão política da nação, respaldada em critérios

básicos, levando-se em conta a sociedade na qual ela será aplicada.

Atualmente, tem-se notado que no instante da escolha, geralmente, o

principal elemento considerado pela nação é a política criminal aplicável aos imputáveis,

como, por exemplo, as espécies de prisões existentes, a qualidade dos presídios e os níveis

de reincidência.

A pena privativa de liberdade, um dos institutos mais difundidos no Direito

Penal, vista como a principal sanção e de aplicação generalizada, é considerada, hoje, por

muito estudiosos, um elemento em ruínas. Esta pena-prisão, outrora considerada o melhor

meio de se evitar a vingança privada e de se ampliar a prevenção dos crimes, atualmente é

vista como um artifício dissocializante.

O ingresso nas ‘instituições totais’ supõe a redução do novo interno a um estado infantil, mediante a destruição de seu prévio sentido de identidade e auto-estima (p. ex.: o que entra em uma prisão perde, além da liberdade, o status que tinha na rua: seu trabalho, sua família, sua propriedade. O novo interno perde contato com o mundo exterior. Aos poucos, se obriga a realizar tarefas estúpidas e humilhantes. Se obriga, com freqüência, a pedir permissão para realizar atividades cotidianas menores, tais como fumar, deitar-se, ir ao serviço, telefonar, enviar cartas, gastar seu próprio dinheiro. Se eliminam características diferenciais (muito ligadas à auto-imagem). Se viola sua intimidade e todo o processo de degradação implica uma volta ao estado de uma criança muito pequena e anormalmente submetida à disciplina19.

Situação ainda mais deplorável é encontrada quando se analisam os presídios

nos quais as penas privativas de liberdade são cumpridas. Segundo ANTONIO NABOR

AREIAS BULHÕES20, a América do Sul vive a beira de um colapso prisional, sendo as

piores circunstâncias vivenciadas pela Bolívia e pelo Paraguai.

Não há dúvidas que as penitenciárias transformaram-se em locais onde a

violência se reproduz de modo rápido e eficaz, tornando ainda mais degradante a condição

19 ROMERO, Juan José Caballero. In: BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.163.20 BULHÕES, Antônio Nabor Areias et alli. A razão da idade: mitos e verdades. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 18.

21a qual se submetem os detentos. Assim, não há como se falar em ressocialização do

condenado dentro do presídio, esta idéia, “aliás, é equivocada, porque os condenados ao

cumprimento de pena privativa de liberdade, em sua imensa maioria, já não integram a

sociedade, vivendo à margem do consumo, da saúde, do emprego, da educação, do lazer,

etc”21.

A cadeia é uma gaiola, um aparelho, uma máquina de fixar os comportamentos desviados das pessoas e de agravá-los. Só serve para isso. É a estrutura da cadeia que é assim. Há 200 anos nós sabemos que a cadeia do século passado fazia a mesma coisa que a cadeia de hoje. Os mesmos problemas, as mesmas dificuldades, tudo igual22.

Além dos locais inadequados, da falta de infraestrutura dos presídios, da

ausência de capacitação de agentes prisionais objetivando a efetiva socialização do

condenado, outros problemas constantes são a superlotação e a insegurança que permeiam a

grande maioria das penitenciárias de todo o mundo.

As penitenciárias, efetivamente, estão superlotadas, inclusive nos países do primeiro mundo e, em muitas delas, os condenados, esquecidos pela sociedade, que os esconde atrás dos muros, amontoam-se em celas coletivas, dormindo no piso, sem colchões e agasalhos. Noutras, de segurança máxima, o risco é tal que as autoridades só conseguem ingressar nas galerias se forem acompanhados pela polícia de choque. Não raro, os conflitos interpessoais são resolvidos pelos próprios apenados, haja vista a insuficiência de funcionários e o perigo constante de motins, que os fazem reféns23.

Todos estes dados são essenciais no momento de se avaliar e indicar a idade

que fará o limite entre um sistema falido e uma nova chance de se construir um ser humano

com princípios e qualidades louváveis. Cabe salientar que o impacto de uma medida

drástica, que macula os antecedentes e coroe a índole do indivíduo que fica privado de sua

liberdade em locais inadequados, é ainda maior em pessoas que estão em fase de

desenvolvimento, físico e psíquico.

21 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.163.22 ZAFFARONI, Raul Eugênio. Desafios do direito penal na era da globalização. Revista Cidadania e Justiça da Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 2, n. 5, 1998. p. 202.23 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.164.

22[...] toda medida de efeito estigmatizante é mais grave para o adolescente do que para o adulto, pois pode mais facilmente afetar a auto-estima da pessoa, levando-a a assumir uma conduta desviante em função de sua autopercepção, provocada iterativamente pela reação das pessoas que a rodeiam ou com as quais trata24.

Evidente que a escolha da idade penal mínima nada tem haver com o critério

de compreensão dos fatos vivenciados e dos atos praticados pelo adolescente, pois bem se

sabe que os jovens têm plena capacidade de compreensão e de autodeterminação perante

este entendimento. A determinação da maioridade penal parte de um âmbito político, e não

puramente biológico, onde se reconhece a valorização da dignidade humana das pessoas

consideradas inimputáveis.

Ressalta-se, também, que muitos são os defensores de que a idade de dezoito

anos é a mais adequada para marcar a divisão entre adultos e adolescentes. Isto porque o

sujeito demonstra possuir condições de compreensão e estabilidade perante a sociedade que

antes não tinha. De toda forma, vale lembrar os ensinamentos de JÉSUS-MARIA SILVA

SÁNCHEZ:

[...] debe sostenerse que hay buenas razones derivadas del principio de necesidad de pena, entendido este como necesidad en términos preventivo-generales positivos, preventivos-generales negativos y preventivo-generales-especiales, situar en los dieciocho años el punto de partida para la imposición de penas convencionales a los sujeitos de hechos antijurídicos. Expresado em términos clásicos, hay buenas razones para situar en los dieciocho años la frontera de la culpabilidad, como categoría sistemática del Derecho Penal, o mejor dicho, de la responsabilidad penal a los efectos de la imposición de uma pena convencional de adultos25.

Este estabelecimento da idade em dezoito anos deve ser interpretado como

uma garantia individual assegurada a todos as pessoas menores de dezoito anos, colocando-

as em uma situação jurídica privilegiada, a condição de inimputável diante do sistema penal

vigente.

24 ZAFFARONI, Raul; Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. In: BULHÕES, Antônio Nabor Areias et alli. A razão da idade: mitos e verdades. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 1925 BULHÕES, Antônio Nabor Areias et alli. A razão da idade: mitos e verdades. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 23.

23A maioridade penal deve ser aceita e respeitada como um direito

fundamental sempre, isso porque os “[...] direitos fundamentais do homem-indivíduo [...]

são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e

independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do

próprio Estado”26.

Considerando que o sistema adotado para responsabilizar os adolescentes

pelos atos contrários ao ordenamento jurídico por eles cometidos, é totalmente

diferenciado, distinto daquele aplicado aos imputáveis, inegável, portanto, que estas

pessoas, menores de dezoito anos, possuem garantias especificas que os individualizam

como seres detentores de direitos e deveres.

Num enfoque do ponto de vista individual de todo cidadão menor de dezoito anos, trata-se de garantia assegurada, em última análise, do direito de liberdade. É, em verdade, uma explicação do alcance que tem o direito de liberdade em relação aos menores de dezoito anos. Exerce uma típica função de defesa contra o Estado, que fica proibido de proceder a persecução penal.

Trata-se, portanto, de garantia individual, com caráter de fundamentabilidade, pois diretamente ligada ao exercício do direito de liberdade de todo cidadão menor de dezoito anos. E não se pode olvidar que a liberdade sempre está vinculada ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, especialmente em relação às crianças e adolescentes, pois foram reconhecidos como merecedores de absoluta prioridade da atenção da família, da sociedade e do Estado, em face da peculiar condição de seres humanos em desenvolvimento27.

Conclui-se, deste modo, que apesar da escolha da idade penal ser uma

atitude de cunho político, onde o governo deverá analisar as mazelas e as glórias de seu

sistema penal e carcerário, depois de feita a opção, esta idade torna-se uma garantia

fundamental, que acompanhará o Estado protegendo, de forma coerente, a segurança

jurídica de toda nação.

26 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 182.27 BULHÕES, Antônio Nabor Areias et alli. A razão da idade: mitos e verdades. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001. p. 60.

241.2 O Código de Menores de 1979

A Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979, a qual ficou conhecida como o

novo Código de Menores, entrou em vigor a partir de 11 de fevereiro de 1980. Essa

legislação foi a última normativa brasileira a utilizar a doutrina da situação irregular, por

isso sua importância no presente estudo.

O Código de Menores sistematizou os preceitos legais objetivando a

aplicação coerente do chamado 'Direito do Menor', que, segundo Alyrio Cavallieri, “é o

conjunto de normas jurídicas relativas à definição da situação irregular do menor, seu

tratamento e prevenção”28.

O pergaminho em tela compunha-se de dois livros. O primeiro livro versava

sobre os preceitos de direito substantivo, nomeado de parte geral. O segundo, denominado

de parte especial, versava sobre as normas de direito adjetivo.

Inicialmente, cabe ressaltar que o Código de Menores dispunha sobre a

assistência, proteção e vigilância de todos os menores de dezoito anos, que se encontrassem

em situação irregular, bem como dos menores entre dezoito e vinte e um ano, nos casos

expressos na lei.

Escolheu-se a idade de dezoito anos, em virtude do critério estabelecido no

Código Penal, fato que perdura até os dias de hoje. Utilizou-se o sistema biológico.

No conceito etiológico, como também é conhecido o sistema biológico, há

uma presunção legal de que determinado sujeito é incapaz. Este critério é geralmente

utilizado no caso de pessoas que apresentem alguma anomalia psíquica, a legislação deduz

que o individuo é desprovido de discernimento e não indaga se esta anormalidade

realmente causou qualquer perturbação que poderia ter privado o agente da inteligência e

da vontade essencial no momento da ocorrência criminosa.

[...] o sistema biológico (ou etiológico), segundo o qual aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável, não se indagando se essa anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a

28CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978. p. 9.

25inteligência e a vontade do momento do fato. É, evidente, um critério falho, que deixa impune aquele que tem entendimento e capacidade de determinação apesar de ser portador de doença mental, desenvolvimento mental incompleto, etc.29

Assim sendo, no Código de Menores havia a presunção absoluta da

inimputabilidade penal. Não existia qualquer avaliação acerca da real capacidade do

adolescente entender o caráter ilícito do ocorrido e de se determinar conforme este

entendimento. O menor sempre era considerado portador de desenvolvimento mental

incompleto.

No que tange a expressão 'situação irregular', vale destacar que essa foi

adotada pelo Instituto Interamericano da Criança, órgão das Organizações dos Estados

Americanos. Frisa-se, por oportuno, que o idiomatismo abrangia inúmeras “qualificações

casuísticas dadas ao menor: assistido, abandonado, exposto, delinquente, infrator, com

problema de conduta anti-social etc.”30.

Evidente, pois, que a percepção da infância, nesta doutrina, apenas

contempla as crianças e os adolescentes que se encontram em circunstâncias de alta

vulnerabilidade, como, por exemplo, privado de condições essenciais à sua saúde, sendo

vítima de maus-tratos ou cometendo atos infracionais. Deste modo, a aplicação da lei

destinava-se somente aos infantes tidos, conforme termo utilizado pela doutrina da situação

irregular, como “menores”.

La doctrina de la situación irregular es la douctrina de las dos niñeces y de las dos adolescencias. (...) no se dirige a todos los niños, pero si a uma parte de los niños, que son los niños carentes, los niños abandonados, los niños inadaptados, los niños infractores. Tampoco trata de todos los derechos; solamente de la protección y de la vigilancia. La protección para los carentes y los abandonados, y la vigilancia para los inadaptados y los infractores. Entonces, solamente estos niños son objeto de los códigos de menores (...).31

29 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 202.30 MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Código de menores comentado. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 3.31 GOMES DA COSTA, Antonio Carlos. In: BOGARÍN, Irmã Alfonso. Derecho de la niñez y la adolescência: enfoque procesal. Asunción: Litocolor, 2005. p. 33.

26Este menor não era considerado sujeito de direito, mas sim um objeto de

aplicação da legislação. O infante não passava de um componente necessário, de uma peça

utilizada pelo Poder Judiciário.

Cabe destacar que a expressão “menor” foi, por muito tempo, utilizada como

uma “categoria jurídica”, conforme destaca JOSIANE ROSE PETRY VERONESE:

[...] constatamos que a expressão “menor” fora usada desde as Ordenações do Reino, como categoria jurídica, como caracterizadora da criança ou adolescente envolvido com a prática de infrações penais. Já no Código de Menores de 1927, o termo foi utilizado para designar aqueles que se encontravam em situações de carência material ou moral, além das infratoras32.

O magistrado, visto sob a ótica menorista, intervinha apenas quando se

considerava que o adolescente ou a criança estava em perigo evidente, seja a sua moral ou

ao seu sustento material.

Porém, um amplo poder era conferido ao juiz, através da utilização de um

conceito aberto (perigo evidente), permitindo que o judiciário aplicasse, ao menor, qualquer

medida, de forma aleatória e sem prazo determinado, bastando que o magistrado entendesse

ser esta a atitude mais adequada ante a situação vivenciada pelo infante.

Uma das hipóteses em que o perigo evidente poderia ser detectado era no

caso da criança encontrar-se em estado de abandono. Destaca-se que esta circunstância não

era apenas constatada pela ausência de seus familiares, mas também pela situação de

extrema pobreza do grupo familiar.

Quanto às causas determinantes da situação irregular do menor dentro na nossa realidade hodierna, é oportuno destacar as referência feitas por dois ilustres magistrados que, ao lado da função de juiz de menores, vivenciaram experiências pela efetiva atuação no campo da assistência aos menores.

Paulo Lúcio Nogueira, que durante muitos anos exerceu o cargo de juiz de menores das comarcas de Tupã e Marília, Estado de São Paulo, assinala: 'a situação irregular do menor é, em regra, consequência da situação

32 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o conceito de sujeito-cidadão. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Os “novos” direitos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p.35.

27irregular da família, principalmente com sua desagregação. É comum o marido abandonar a mulher com filhos, desaparecendo. A mulher, por sua vez, para sustentar os filho, vê-se obrigada a trabalhar fora, deixando-os ao abandono material e moral, perambulando pelas ruas. E os filhos começam a viver soltos, passando fome, esmolando nas casas, em contato com outros marginalizados, aprendendo toda sorte de malandragem, acabando pelos caminhos da criminalidade'. E prossegue o ilustre magistrado: 'O problema todo se resume na reestruturação da própria família, que é o fundamento primeiro da formação humana. A situação irregular da família gera a situação irregular do menor'33.

Deste modo, a falta de recursos materiais de uma família era interpretada

como motivo suficiente para que o menor fosse afastado daquele convívio. Tendo em vista

que a teoria do Direito Tutelar, caracterizador da doutrina da situação irregular, não previa

o princípio do contraditório e da ampla defesa, o destino da criança poderia ser decidido

pelo magistrado sem qualquer avaliação da vontade de seus familiares ou do próprio

infante.

O Código revogado [Lei n. 6.697/79] não passava de um Código Penal do 'Menor', disfarçado em sistema tutelar; suas medidas de proteção de verdadeiras sanções, ou seja, penas, disfarçadas em medidas de proteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele sobre a assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família; tratava da situação irregular da criança e do jovem, que, na realidade, eram seres privados de seus direitos.

Na verdade, em situação irregular estão a família, que não tem estrutura e que abandona a criança; os pais, que descumprem os deveres do poder familiar; o Estado, que não cumpre as suas políticas sociais básicas; nunca a criança ou o jovem.34

Ainda dentro da doutrina da situação irregular, cabe destacar o tratamento

dispensado aos adolescentes que supostamente tinham praticado algum ato contrário às

normativas penais. Estes jovens não tinham assegurado o direito à defesa e sequer eram

necessariamente ouvidos perante as autoridades. Cabe destacar, conforme a doutrinadora

JOSIANE ROSE PETRY VERONESE,

[...] aspectos controversos que permitiam questionamentos e críticas, como é o caso das características inquisitórias do processo envolvendo crianças e adolescentes, quando a própria constituição garantia ao maior

33 MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Código de menores comentado. São Paulo: Saraiva, 1986. pp. 5/6.34 LIBERATTI. Wilson Donizeti. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Malheiros, 2008. pp. 13/14.

28de 18 anos ampla defesa; o referido Código [de menores] não previa o princípio do contraditório35.

Outro fato marcante era a possibilidade do adolescente ser privado de sua

liberdade mesmo após ser prolatada sentença que declarasse sua inocência. Isto porque, no

que tange a aplicação de medidas sob a ótica da teoria menorista, a autoridade judiciária

poderia determinar, além das medidas expressamente previstas nas legislações ordinárias,

“outras de ordem geral, que, ao seu prudente arbítrio, se demonstrarem necessárias à

assistência, proteção e vigilância ao menor”36.

Mais uma atitude, comumente julgada pelos doutrinadores atuais como

infeliz, própria da doutrina da situação irregular, era a não distinção entre os adolescentes

autores de atos infracionais e as crianças vítimas de crimes. “Evidencia-se que ocorreu uma

reunião das terminologias existentes, até então, para designar a criança, ‘exposto,

abandonado, delinquente, transviado, infrator, vadio, libertino’, sob a mesma condição:

situação irregular”37. Todos estes personagens, totalmente distintos, eram objetos de

tratamentos rigorosamente idênticos, podendo, inclusive, serem privados de sua liberdade.

A função do Estado, quando analisada a luz da doutrina do Direito Tutelar, é

de mero interventor, nunca promotor. Vale destacar que aquela atividade, de interferência

necessária, só poderia ser desenvolvida através do sistema judicial. Deste modo conclui-se

que “el Estado interviene frente a los problemas econômico sociales que atraviesa el nino a

través del ‘Patronato’, ejercido por el sistema judicial como um patrón que ‘dispone’ de su

vida”38.

Por fim, ressalta-se, ainda, que este sistema judicial, inserido na esfera do

Direito Tutelar, funcionava através do juiz de menores, que tratava dos problemas

assistenciais e jurídicos, seja no âmbito penal ou civil.

35 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o conceito de sujeito-cidadão. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Os “novos” direitos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2003. p.36.36 MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Código de menores comentado. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 14.37 VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA, Marli Marlene Moraes da. Violência Doméstica: quando a vítima é criança ou adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 45.38 CORREA, Alicia Beatriz Pucheta de. Manual de derecho de la niñez y la adolescencia. Asunción: QR Producciones Gráficas, 2001. p. 167.

29No que diz respeito às medidas aplicáveis aos menores de idade pela

autoridade judiciária competente, vale citar o disposto no artigo 14 do diploma legislativo

em voga:

Art 14. São medidas aplicáveis ao menor pela autoridade judiciária:

I – advertência;

II – entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade;

III – colocação em lar substituto;

IV – imposição do regime de liberdade assistida;

V – colocação em casa de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado39.

Inicialmente, cabe destacar que “essas medidas dizem respeito a todos os

menores em situação irregular, cabendo à autoridade judiciária adequá-las a cada caso”40,

inexistindo previa determinação legal das eventualidades de aplicação individual das

hipóteses descritas no artigo em tela.

Durante a leitura do Código de Menores de 1979, é evidente que o juiz

possui amplos poderes para decidir acerca da medida mais adequada para cada ocorrência,

“tendo em vista o princípio de que a proteção aos interesses do menor sobrevalecerá

qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado”41, segundo pensamento de Antonio

Luiz Ribeiro Machado.

Não existiam previsões expressas acerca da idade mínima para aplicações

das medidas, nem mesmo para as medidas, evidentemente, mais gravosas, como a

imposição do regime de liberdade assistida, a colocação em casa de semiliberdade e a

internação em estabelecimento educacional.

39 MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Código de menores comentado. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 21.40 MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Código de menores comentado. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 21.41 MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Código de menores comentado. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 22.

30É importante destacar que essas medidas eram aplicáveis “ao menor com

desvio de conduta em virtude de grave inadaptação familiar e comunitária (art. 2º, V) e ao

menor autor de infração penal (art. 2º, VI)”42.

Dessa forma, em consonância com o Código de Menores, uma criança ou adolescente, sobre a qual se entendeu como tendo uma conduta desviante, mesmo que jamais tivesse cometido um ato anti-social, poderia ser privada de sua liberdade de ir e vir, e perder os vínculos familiares e comunitários, pelo simples fato de estar em situação irregular (grifo no original)43.

Outro fato merecedor de destaque é o prazo máximo determinado para o

reexame da medida mais gravosa prevista no Código de Menores de 1979. O parágrafo 1º

do artigo 41 da legislação em estudo asseverava que “o menor sujeito à medida referida

neste artigo será reexaminado periodicamente, com o intervalo máximo de dois anos, para

verificação da necessidade de manutenção de medida”44.

Além disso, caso o jovem completasse vinte e um anos durante o período de

internação e o magistrado não observasse motivos para cessar a medida que lhe foi

impingida, o, agora, adulto seria imediatamente transferido para o Juízo Criminal,

independente de novo julgamento ou de prática de ato definido como crime,

desobedecendo, claramente, o princípio da tipicidade prevista no ordenamento jurídico

brasileiro.

Para melhor elucidar os problemas relatados acerca da internação aplicada

no pergaminho em voga, vale citar o disposto no artigo 41:

Art. 41. O menor com desvio de conduta ou autor de infração penal poderá ser internado em estabelecimento adequado, até que a autoridade judiciária, em despacho fundamentado, determine o desligamento, podendo, conforme a natureza do caso, requisitar parecer técnico do serviço competente e ouvir o Ministério Público.

§ 1º O menor sujeito à medida referida neste artigo será reexaminado periodicamente, com o intervalo máximo de dois anos, para verificação da necessidade de manutenção de medida.

42 MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Código de menores comentado. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 51.43 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo, LTR, 1999. p. 41.44 MACHADO, Antonio Luiz Ribeiro. Código de menores comentado. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 57.

31§ 2º Na falta de estabelecimento adequado, a internação do menor poderá ser feita, excepcionalmente, em seção de estabelecimento destinado a maiores, desde que isolada destes e com instalações apropriadas, de modo a garantir absoluta incomunicabilidade.

§ 3º Se o menor completar vinte e um anos sem que tenha sido declarada a cessação da medida, passará à jurisdição do Juízo incumbido das Execuções Penais.

§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o menor será removido para estabelecimento adequado, até que o Juízo incumbido das Execuções Penais julgue extinto o motivo em que se fundamentara a medida, na forma estabelecida na legislação penal.

No início de sua vigência, o fato da legislação de 1979 não dispor,

expressamente, o período máximo de internação não era algo questionado. Isso porque, “a

duração máxima da internação está vinculada às condições de recuperação do menor com

vista à sua reintegração familiar e comunitária, sendo, pois, por tempo indeterminado”.

Com o decorrer dos anos, fatalmente, muitas críticas foram dirigidas ao

sistema vigente. Nesse contexto, vale mencionar o disposto por Josiane Rose Petry

Veronese:

Desta maneira, uma criança ou adolescente, que fosse juridicamente considerado como portador de desvio de conduta que, como se percebe, se tratava de um conceito subjetivo, construído dentre os padrões que o magistrado entendesse como éticos; ou autor de infração penal, poderia ser internado, submetido a tratamento educacional, psicopedagógico, ocupacional e outros que os técnicos da instituição julgassem necessários. No entanto, como se expressa Thompson, na realidade a instituição 'inoferece consistência e se traduz, de fato, na cassação da liberdade do paciente'. Há que se colocar que as instituições de internamento ofereciam à criança ou adolescente, como método que supunham ressocializá-lo, a profissionalização. Se esta não se efetivasse ou se o 'menor' se recusasse a seguir os modelos padronizados, seria mantido internado até completar 21 anos, quando então seria transferido para o juiz das execuções penais. Este último determinaria a sua soltura se julgasse, novamente por critérios, ter cessado a causa que o levou à restrição de sua liberdade: a internação.

Assim, quando se tratava de menor de idade, o trancafiamento legal não estava condicionado a prazo fixo, como o é para o adulto, podendo aquele ficar 'recluso' indefinidamente, semelhante a uma prisão perpétua, isto em consonância com a letra da Lei 6.697/79 (grifo no original)45.

45 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo, LTR, 1999. p. 401.

32Diante das diversas situações de desrespeito à condição de ser criança e

adolescente, compreendidos como sujeitos de direitos e deveres, bem como da influência

das normativas internacionais, inevitável a adequação da legislação Brasileira ao novo

contexto legislativo. Deste modo, em 13 de julho de 1990, foi sancionado o Estatuto da

Criança e do Adolescente, uma lei mais compatível com a realidade do país, a qual

revolucionou o Direito Infanto-Juvenil inovando e adotando a doutrina da proteção integral

e do melhor interesse da criança.

1.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente

Inicialmente, cabe evidenciar que a doutrina da situação irregular, adotada

no Código de Menores de 1979, e a doutrina da proteção integral, utilizada como cerne da

Lei 8.069/90, são muito distintas, principalmente no que tange a compreensão do que são as

crianças e os adolescentes.

Neste tocante, destaca a doutrinadora JOSIANE ROSE PETRY

VERONESE:

A criança e o adolescente na ótica menorista eram meros objetos de toda uma ideologia tutelar, de uma cultura que coisificava a infância. Já na ótica desse novo direito [doutrina da proteção integral], a criança e o adolescente são compreendidos como sujeitos, cujas autonomias estão se desenvolvendo, elevando-os a autores da própria história, enquanto atores sociais46.

Ademais, ainda no que tange as modificações vivenciadas pela alteração da

visão direcionada ao público infanto-juvenil, cabe destacar o quadro comparativo elaborado

por Leoberto Narciso Brancher47:

46 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o conceito de sujeito-cidadão. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Os “novos” direitos no Brasil.São Paulo: Saraiva, 2003. p. 32.47 BRANCHER, Leoberto Narciso. Organização e gestão do sistema de garantia de direitos da infância e da juventude. In: MARQUES, Antonio Emílio Sendim; BRANCHER, Leoberto Narciso (Coo). Pela justiça na educação. Disponível em <ftp://ftp.fnde.gov.br/web/fundescola/publicacoes_manuais_tecnicos/pela_justica_educacao.pdf>. Acesso em 13 set 2009. p. 123.

33ASPECTO ANTERIOR ATUALDoutrinário Situação Irregular Proteção Integral

Caráter Filantrópico Política PúblicaFundamento Assistencialista Direito Subjetivo

Centralidade Local Judiciário MunicípioCompetência Executória União/Estado Município

Decisório Centralizador ParticipativoInstitucional Estatal Co-gestão Sociedade CivilOrganização Piramidal Hierárquica Rede

Gestão Monocrática Democrática

O Estatuto da Criança e do Adolescente, sancionado em 13 de julho de 1990,

firmou-se como a primeira legislação específica do país integralmente voltada aos

interesses da juventude e da infância que adotou a doutrina da proteção integral. Esta tutela

democrática deve ser entendida de forma ampla, onde:

La familia, la sociedad y el Estado tienen obligación de garantizar al nino su desarrollo armónico e integral, así como el ejercicio pleno de sus derechos, protegiéndolo contra el abandono, la desnutrición, la violência, el abuso, el tráfico y la explotación. Cualquier persona puede exigir a la autoridad competente el cumprimiento de tales garantías y la sanción de los infractores.

Los derechos del nino, en caso de conflicto, tienen caráter prevaleciente48.

Diversas foram as modificações introduzidas pela adoção dessa nova

sistemática, “entre os diversos avanços, chama a atenção a transição da Doutrina da

Situação Irregular para a da Proteção Integral, mudança já estampada no art. 1º do Estatuto,

verbis: 'Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente'”49 (grifo no

original).

Muitas são as mudanças introduzidas pela doutrina protetiva, no entanto três dessas alterações podem ser citadas como o pilar da nova doutrina, são elas:

48 CORREA, Alicia Beatriz Pucheta de. Manual de derecho de la niñez y la adolescencia. Asunción: QR Producciones Gráficas, 2001. p. 169.49SILVA, Marcelo Gomes. Ato infracional e garantias: uma crítica ao direito penal juvenil. Florianópolis: Conceito, 2008. p. 40.

34- A criança e o adolescente deixam a categoria de objeto de tutela estatal e passam a sujeitos de direitos, sendo-lhes conferidas todas as garantias fundamentais a essa condição (art. 3º do Estatuto).

- A criança e o adolescente tornam-se prioridades absolutas, tendo seus reflexos indicados no art. 4º do Estatuto, a saber: 'a primazia de de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; a preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude'.

- A criança e o adolescente são reconhecidamente pessoas em desenvolvimento, devendo a família, a sociedade e o Estado respeitarem essa condição (art. 6º do Estatuto)50.

A exclusão do Direito Tutelar, já muito desprestigiado, e a adoção do Direito

Protetor-responsabilizador, adotando-se a terminologia ‘Direito da Criança e do

Adolescente’, demostrou um imenso avanço na proteção dos direitos da criança e do

adolescente. Essa expressão vocálica deve ser compreendida, no entendimento da

professora ALICIA BEATRIZ PUCHETA DE CORREA, como:

[...] um derecho singular eminentemente tuitivo, que tiene por objeto la proteción integral del ser humano, desde su concepción hasta que alcanza, tras su nacimiento, la plena capacidad de obrar, que se inicia com la mayoría de edad, para integrarle armónica y plenamente em la convivência social51.

A proteção integral abarca todas as dimensões da vida e desenvolvimento

das crianças e dos adolescentes. A infância é percebida de maneira distinta da adolescência.

Aquela merece maior proteção, que deve ser expressa através da formulação de políticas

básicas que possam ser adequadas as crianças de forma universal. Os jovens, agora, são,

independente da sua situação econômica ou social, sujeitos de direitos e a garantia destes

devem ser defendida pelo Estado.

O sistema judicial, no método inserido pelo Direito Protetor-

responsabilizador, trata os aspectos civis (a adoção e guarda de crianças, por exemplo) e

50 SILVA, Marcelo Gomes (Coo). Manual do promotor de justiça da infância e da juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social do Ministério Público de Santa Catarina, 2008. p. 26.51 CORREA, Alicia Beatriz Pucheta de. Manual de derecho de la niñez y la adolescencia. Asunción: QR Producciones Gráficas, 2001. p. 20.

35penais (cometimento de atos infracionais) de modo distinto, com procedimentos específicos

para cada área.

De forma distinta do que ocorria na doutrina da situação irregular, a criança

vítima não recebe aplicação de medidas judiciais, mas sim de assistência. “El niño que há

sido víctima de um delito no puede ser objeto de tratamiento judicial. La juticia no puede

victimizar ulteriormente a la víctima sino actuar sobre el victima”52.

O papel do magistrado, neste novo âmbito, é determinado em lei, sem a

concessão de poderes demasiadamente amplos. O juiz só intervirá quando existirem

problemas na ordem jurídica ou relato de atos praticados por adolescentes que estejam em

conflito com a legislação penal.

Cabe destacar que o magistrado, no instante em que empregar uma medida,

seja a crianças ou aos adolescentes, deverá estipular um prazo razoável para o seu

cumprimento, sendo vedada à estipulação de providências por tempo indeterminada ou sem

a devida fundamentação legal.

A doutrina da proteção integral descarta totalmente a discriminação dos

sujeitos de direitos ante a precariedade econômica em que vivem. A situação econômica e

social da família não é mais vista como motivação suficiente para separar a criança ou o

adolescente de sua família.

Entretanto, aquela circunstância não é totalmente desprezada, constituindo

uma condição que insere todo o grupo familiar em programas de apoio, necessários para a

proteção dos menores de idade daquele núcleo familiar.

Esta inserção da família em programas de apoio, em regra, não é

competência do Poder Judiciário. O Estatuto da Criança e do Adolescente criou organismos

específicos encarregados da proteção dos menores de idade, como por exemplo o Conselho

Tutelar, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho

Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.

52 CORREA, Alicia Beatriz Pucheta de. Manual de derecho de la niñez y la adolescencia. Asunción: QR Producciones Gráficas, 2001. p. 165.

36Nesse sentido, cabe destacar o disposto por Patrícia Silveira Tavares:

A instituição dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, determinada pela Lei n. 8.069/90 (ECA) como uma das diretrizes da política de atendimento, teve como objetivo materializar aquela última diretiva, sendo tais órgãos legítimos instrumentos de democracia participativa na matéria infanto-juvenil.

Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente foram idealizados pelo legislador infraconstitucional no art. 88, inciso II, do ECA, como detentores da missão institucional de deliberar, bem como controlar as ações da política de atendimento nas esferas federal, estadual e municipal; devem, portanto, ser criados por todos os entes federativos. Têm como característica fundamental a composição paritária, ou seja, a formação por igual número de representantes do governo e da sociedade civil, garantida a participação desta última por meio de organizações representativas53.

No que diz respeito às obrigações do Poder Judiciário, cabe ressaltar, por

oportuno, as principais alterações realizadas no atendimento de crianças e adolescentes

autores de atos infracionais.

Inicialmente, ressalta-se que “ao ato infracional praticado por criança

corresponderão as medidas previstas no art. 101”54, ou seja, medidas específicas de

proteção dos infantes em situação de risco.

Com relação às crianças, ou seja, às pessoas de até doze anos de idade incompletos, que cometem infrações análogas às penais, o Estatuto da Criança e do Adolescente as exclui da aplicação de medida socioeducativa, determinando, no seu art. 105, que ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas de proteção previstas no art. 101, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente (art. 99, ECA).

Não estabeleceu o ECA um procedimento específico para a apuração do ato infracional praticado por criança, deixando claro apenas que cabe ao Conselho Tutelar, e não ao Juízo da Infância e da Juventude, o atendimento e a aplicação das medidas de proteção de proteção que se afigurem mais adequadas, na forma do disposto no art. 136, I, do ECA55.

53 TAVARES, Patrícia Silveira. Os Conselhos dos direitos da criança e do adolescente. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coo). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 311.54 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Edição Especial 12 anos. Brasília: Ministério da Justiça, 2002. p. 43.55 MORAES, Bianca Mota de; RAMOS, Helane Vieira. A prática de ato infracional. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coo). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 753.

37Já os adolescentes, por sua vez, têm direito a um defensor e a um julgamento

coeso, amparado por todas as garantias processuais existentes, sendo que somente poderão

ser privado de sua liberdade caso a sentença prolatada os considerem culpados no

cometimento de alguma infração grave.

Assim, a internação será aplicada excepcionalmente quando “tratar-se de ato

infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no

cometimento de outras infrações graves; por descumprimento reiterado e injustificável da

medida anteriormente imposta” 56.

O magistrado pode aplicar medidas alternativas, de acordo com a gravidade

do ato infracional praticado, distintas da internação, com caráter socioeducativo

(advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade

assistida; inserção em regime de semi-liberdade; internação em estabelecimento

educacional;) com revisão periódica e tempo máximo de duração expresso na legislação

estatutária.

Visivelmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi elaborado de

forma a romper definitivamente com a doutrina da situação irregular adotada no revogado

Código de Menores de 1979.

Estabelece o diploma em questão uma série de garantias que visam a

proteger, integralmente, os interesses das denominadas 'pessoas em desenvolvimento', bem

como assegurar o cumprimento da norma insculpida no art. 227 da Constituição Federal de

1988:

Art. 127 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão57.

56 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Edição Especial 12 anos. Brasília: Ministério da Justiça, 2002. p. 47.57 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 28 ago 2009.

38Deste modo, tendo em o disposto na Constituição Federal, evidente a

natureza protetiva do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como de todas as medidas

previstas nesse microssistema, sem dúvida, “a natureza jurídica da medida socioeducativa

não se confunde com o caráter punitivo da pena, na proporção em que almeja intervir

pedagogicamente no universo do adolescente, resgatando sua cidadania e reintroduzindo-o

ao convívio pacífico na sociedade”58.

58 SILVA, Marcelo Gomes (Coo). Manual do promotor de justiça da infância e da juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social, 2008. p. 46.

39

2. O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO

2.1 Natureza Jurídica da Prescrição

O ordenamento jurídico brasileiro está repleto de efeitos relevantes que

sobrevêm em decorrência do passar do tempo, sucedendo-se, por exemplo, a alteração, a

perda e a transmissão de direitos.

No campo penal o transcurso do tempo incide sobre a conveniência política de ser mantida a persecução criminal contra o autor de uma infração ou de ser executada a sanção em face de lapso temporal minuciosamente determinado pela norma. Com a prescrição o Estado limita o jus puniendi concreto e o jus punitionis a lapsos temporais, cujo decurso faz com que considere inoperante manter a situação criada pela violação da norma de proibição violada pelo sujeito59.

O Código Penal, em seu artigo 107, inciso IV, previu a prescrição como uma

das causas de extinção da punibilidade. Regulou, ainda, o mencionado instituto por meio

dos artigos 109 e seguintes.

O Dicionário Aurélio60 define o verbo prescrever como o ato de ordenar de

antemão e explicitamente, quando o fato é indicado com precisão, ou, ainda, quando algo

cai em desuso. No sentido mais habitual do vocábulo, ele é interpretado como o feito de

fixar, limitar e determinar alguma coisa. Já “no sentido jurídico, quer dizer ficar sem efeito

um direito por ter decorrido certo prazo legal”61.

Nesse sentido, importante destacar que, consoante o ensinamento de Julio

Fabbrini Mirabete, a prescrição pode ser definida, principalmente, como “a perda do direito

de punir do Estado pelo decurso do tempo”62.

59 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 629.60 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini aurélio: o dicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2008. p.651.61 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 629.62 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 424.

40Cabe salientar, que a existência do instituto se justifica porque, com passar

dos anos, ocorrido o esquecimento do delito praticado, bem como sobrevindo a superação

do alarma social, também deve desaparecer o interesse estatal na reprimenda do crime

cometido.

Nesse mesmo sentido, também concorda Damásio de Jesus, ele assevera que

“a prescrição, em face de nossa legislação penal, tem tríplice fundamento: 1º) o decurso do

tempo (teoria do esquecimento do fato); 2º) a correção do condenado; e 3º) a negligência da

autoridade”63

Todos essas hipóteses, evidentemente, acarretam a perda do ius puniendi

estatal.

Nos termos do art. 107, IV, 1ª figura, do CP, a prescrição constitui causa de extinção da punibilidade. A prescrição faz desaparecer o direito de o Estado exercer o jus persequendi in juditio ou o jus punitionis, subsistindo o crime em todos os seus requisitos. Se a prescrição ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, esta subsiste com seus efeitos secundários, como, por exemplo, o de forjar a reincidência. Se a prescrição ocorre antes do trânsito em julgado da sentença final, vindo o sujeito a cometer novo crime, não é considerado reincidente, pois falta o pressuposto da recidiva (sentença condenatória anterior com trânsito em julgado)64.

Vale ressaltar, nesse ponto, que não se trata de renúncia do poder punitivo,

fato que ocorre na concessão de anistia, graça ou indulto, momento em que o Estado,

embora ainda possa dar continuidade aos feitos punitivos, abre mão.

Nas palavras de Aloysio de Carvalho Filho, a concessão de anistia, graça ou

indulto exprime o “esquecimento total. Nada, do crime, subsiste, para punição. Suprime-se

do rol dos culpados o nome dos criminosos. Um 'perpétuo silêncio' desce sobre os fatos e os

seus autores. O Estado renuncia, formalmente, ao exercício do poder repressivo”65.

Assim, apesar de algumas divergências doutrinárias, no trabalho em tela, a

prescrição deve ser lida como “o instituto mediante o qual o Estado, por não ter tido 63 JESUS, Damásio Evangelista. Prescrição penal. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 2264 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 629.65 CARVALHO FILHO, Aloysio de; ROMEIRO, Jorge Alberto. Comentários ao Código Penal. v. IV. São Paulo: Forense, 1919. p. 122.

41capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado espaço de tempo previsto

na lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade”66.

Ademais, frisa-se, por oportuno, a diferença existente entre a prescrição, na

qual o direito estatal de punir é diretamente atingido, com o instituto da decadência, no qual

o direito de punir é afetado de modo secundário.

Decadência é a perda do direito de ação privada ou de representação, em decorrência de não ter sido exercido no prazo previsto em lei. Por via de consequência, ela atinge o próprio direito de punir, de forma direta nos casos de ação privada, em que ocorre a decadência do direito de queixa, e de forma indireta nas ações penais públicas sujeitas à prévia representação do ofendido, porque, desaparecido o direito de delatar, não pode agir o Promotor de Justiça67.

Além disso, a prescrição não pode ser tomada como sinônimo de perempção,

na qual o direito de prosseguir na ação é atingido diretamente, sendo secundários os

reflexos no direito de punir.

A perempção não visa ao direito de punir, é, sim, “uma pena ao ofendido

pelo mau uso da faculdade, que o poder público lhe outorgou, de agir preferentemente na

punição de certos crimes”68.

Em matéria penal, a prescrição, conforme o disposto no artigo 61 do Código

de Processo Penal, é de ordem pública. Assim sendo, deve ser declarada, em qualquer

momento processual, mediante requerimento de qualquer uma das partes ou de ofício pelo

juiz.

Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício.

Parágrafo único. No caso de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do réu, o juiz mandará autuá-lo em apartado, ouvirá a parte contrária e, se o julgar conveniente, concederá o prazo de cinco dias para a prova, proferindo a decisão dentro de cinco dias ou reservando-se para apreciar a matéria na sentença final69.

66 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 781.67 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 406.68 CARVALHO FILHO, Aloysio de; ROMEIRO, Jorge Alberto. Comentários ao Código Penal. v. IV. São Paulo: Forense, 1919. p. 222.

42Destarte, inequívoco que a prescrição, uma das causas de extinção da

punibilidade previstas no Código Penal, é considerada matéria de ordem pública e deve ser

decretada de ofício “ou sob provocação das partes, inclusive em ações de impugnação ou

por meio de recursos (habeas corpus, revisão criminal e outros). Trata-se de matéria

preliminar, ou seja, impede a análise do mérito”70.

Ademais, em qualquer fase processual a prescrição pode ser declarada de

ofício, independente de requerimento ou pré-questionamento. Nesse sentido, é a lição de

Nelson Nery Júnior:

Casos há, entretanto, em que o sistema processual autoriza o órgão ad quem a julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, ocasião em que não se pode falar em julgamento extra, ultra ou infra petita. Isto ocorre normalmente com as questões de ordem pública, que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz, a cujo respeito não se opera a preclusão 71.

Cabe apenas destacar que, em se tratando de prescrição da pretensão

executória, ante o trânsito em julgado da sentença condenatória, a sua declaração é de

competência originária do magistrado atuante na vara de execuções penais, mas nada

impede que essa análise seja feita por outro juiz.

Como regra geral, a prescrição, tanto da pretensão punitiva quanto da

executória, deve alcançar todas as infrações penais. Entretanto, tendo em vista a normativa

apresentada no artigo 5º, inciso XLII e XLIV, da Constituição Federal, o instituto da

prescrição não é aplicável aos crimes de racismo, bem como aos referentes à atuação de

grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático

de Direito.

Frisa-se, por oportuno, o disposto no mencionado pergaminho:

69 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Promulga o Código de processo penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm> Acesso em: 23 set 2009.70 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 514.71 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2000. p.415.

43Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…] XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

[…] XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático72;

Inquestionável, pois, que o decurso do tempo, nas hipóteses acima referidas,

não prejudica o jus persequendi in juditio ou o jus punitionis do ente estatal, contrariando a

linha mestre de que há prescritibilidade em todos os ilícitos penais.

Apesar do exposto, é veemente a crítica proferida por Eugenio Zaffaroni e

José Henrique Pirangeli:

Todos os tipos de crime deveriam estar sujeitos à prescrição, sem qualquer consideração pela sua natureza ou pela sua gravidade. No entanto, este princípio não vem sendo sufragado por todas as ordens jurídico-penais, e, ainda recentemente, tem-se assistido, em vários movimentos internacionais, a um redobrado esforço em favor da imprescritibilidade – tanto no âmbito do direito penal como no do processo penal –, quanto aos crimes atentatórios à paz e a humanidade, muito especialmente ao genocídio, e a outros, puníveis com pena de morte e de prisão perpétua.

Não nos parece existir fundamentação suficiente para isso. Não existe na listagem penal crime que, por mais hediondo que se apresente ao sentimento jurídico e ao consenso da comunidade, possa merecer a imprescritibilidade, máxime se atentarmos que as expectativas comunitárias de reafirmação da validade da ordem jurídica não perduram indefinidamente73.

No que diz respeito à natureza jurídica da prescrição, inevitável destacar a

divergência existente na doutrina, sendo três as orientações principais que se destacam

nessa área, a saber:

jurídico-material: a prescrição é instituto que ocupa unicamente o campo do direito material (Direito Criminal), sem qualquer relação com o direito

72 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 15 set 2009.73 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 645.

44formal (Direito Processual), visto que constitui a perda do ius puniendi, em face do decurso do tempo;

jurídico-processual: prende-se, principalmente, aos efeitos que o tempo exerce sobre os vestígios, fazendo com que estes desapareçam, sendo um instituto que encontra fulcro em razões de natureza processual, eis que voltado ao desaparecimento das provas, essenciais à instrução do processo; e

mista: volta-se tanto à dificuldade da pena, que tem sua utilidade mitigada pelo decurso do tempo (de cunho material). Essa é a posição predominante atualmente, mas, mesmo sendo reconhecida sua natureza mista, tendência atual é de dar maior prestígio à sua natureza material da prescrição, levando-se mais em conta os fins da pena74.

Apesar do entendimento majoritário defender a natureza penal da prescrição,

ainda existem estudiosos que defendem outros posicionamentos. É o caso de René Ariel

Dotti.

O referido autor esclarece que a natureza das causas extintivas da

punibilidade, entre elas a da prescrição, “é mista posto constituírem institutos de Direito

Penal e de Direito Processual Penal, estando previstas e reguladas em ambos os códigos”75.

Em suma, Dotti assevera que esse é um instituto que possui dupla face, como

também ocorre com a suspensão condicional da pena, o livramento condicional, a ação, o

perdão e a renúncia.

Entretanto, a corrente predominante esclarece que:

Parte da doutrina entende que a prescrição tem natureza mista, pertencendo ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Sob o aspecto material (penal), o Estado, diante do decurso do tempo, não tem mais razões para aplicar ao fato o Direito Penal objetivo, extinguindo-se a exigência de punição. Pelo prisma processual, a passagem do tempo faz com que a proibição das provas se dilua e surja a possibilidade de sentenças injustas. Por isso, fica impedida a iniciativa da persecução penal. Cremos, entretanto, que a prescrição tem natureza exclusivamente penal. Tanto que, constituindo causa extintiva da punibilidade, vem disciplinada no CP. O impedimento à persecução penal que dela decorre configura simples efeito de natureza processual penal, como acontece com

74 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. São Paulo: Atlas, 2007. p. 68.75 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. pp. 271/672.

45outras causas, como a anistia, a renúncia do direito de queixa, a reparação do dano no peculado culposo etc76. (sem grifo no original).

Explicados os principais fundamentos acerca da prescrição penal, bem como

sobre a divergência existente no que tange a sua natureza jurídica, passa-se a análise de

suas espécies.

2.2 Espécies de prescrição

Duas espécies de prescrição, no que diz respeito ao momento de sua

ocorrência, foram previstas pela legislação penal brasileira, a saber: prescrição da pretensão

punitiva e prescrição da pretensão executória, também conhecidas, respectivamente, como

prescrição antes do trânsito em julgado e depois de transitar em julgado a sentença

condenatória.

Prescrição antes de transitar em julgado a sentençaArt. 109 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;VI - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.[...]Prescrição depois de transitar em julgado sentença final condenatóriaArt. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 77.

76 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1991. pp. 629/630.77 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 23 set 2009.

46Por meio da declaração da prescrição da pretensão punitiva, o Estado, não

apenas deixará de executar a pena culminada, mas perderá a possibilidade de realizar a

formação do título executivo de natureza judicial.

No momento processual em que se concluir pela prescrição da pretensão

punitiva, muitas repercussões, todas importantíssimas, ocorrerão, tanto na esfera penal

como na área civil.

O réu do processo no qual foi reconhecida a prescrição da pretensão punitiva ainda continuará a gozar do status de primário, e não poderá ver maculado os seus antecedentes penais, ou seja, será como se não tivesse praticado a infração penal. Na esfera cível, a vítima não terá como executar o decreto condenatório, quando houver, visto que a prescrição da pretensão punitiva impede a formação do título executivo judicial 78.

Entretanto, caso a prescrição diga respeito à pretensão executória, o Estado

só terá perdido, ante o decurso do tempo, o direito de executar a sentença condenatória

prolatada pelo magistrado.

Isso porque, o título executório já se encontra formado com o trânsito em

julgado da decisão penal proferida. Contudo, diante da constatação da existência de

prescrição da pretensão executória, o título judicial não poderá ser executado pelo ente

estatal.

Ante o exposto, evidentemente que os efeitos do prescrição da pretensão

executória em muito se diferem das impressões estabelecidas com a prescrição da pretensão

punitiva. Nesse sentido, cabe ressaltar que na perda do direito de punir, consoante

ensinamento de Rogério Greco, “o condenado, se vier a praticar novo crime, poderá ser

considerado reincidente”79.

Ainda sobre o assunto, frisa-se, por oportuno, que, no que tange ao âmbito

civil, “a vítima do delito terá à sua disposição o título executivo judicial criado pela

sentença condenatória transitada em julgado, nos termos do art. 584, II, do Código de

Processo Civil”80.78 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 782.79 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 783.80 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 783.

47A prescrição da pretensão punitiva, também conhecida como prescrição da

ação penal, bem como a prescrição da pretensão executória, chamada, habitualmente, de

prescrição da pena, tomam “por base a pena máxima cominada, ou a aplicada, obedecendo

ao contido no art. 109 do Código Penal”81.

Nesse sentido, considerando o disposto no artigo 109 do referido

pergaminho, cabe destacar o quadro comparativo dos prazos prescricionais elaborado por

Sidio Rosa de Mesquita Júnior82:

Pena máxima cominada ou aplicada(base para o cálculo prescricional) Prazo da prescrição

De 1 dia até 11 meses e 29 dias 02 anosDe 1 ano até 2 anos 04 anos

De 2 anos e 1 dia até 4 anos 08 anosDe 4 anos e 1 dia até 8 anos 12 anosDe 8 anos e 1 dia até 12 anos 16 anos

Pena superior a 12 anos 20 anosDelitos do art. 5º, incisos XLII e XLIV, da CF

(crimes de racismo e ação de grupos armados contra o estado democrático brasileiro)

Imprescritíveis (podem ser punidos a qualquer

tempo)

Vale salientar que, os prazos apresentados no artigo 109 do Código Penal

são aplicados em todas as hipóteses acima relacionadas. Entretanto, como se verá

oportunamente, a forma de contabilização desses períodos será flexibilizada consoante as

necessidades de cada penalidade aplicada.

Realizada essa pequena introdução ao tema, passa-se ao estudo mais

profundo desses quatro modelos de prescrição (prescrição da pretensão punitiva, da

pretensão executória, da medida de segurança e da multa).

No mais, cabe ressaltar que o foco do presente trabalho não é elucidar as

questões atinentes aos prazos prescricionais do sistema penal, mas sim obter o

conhecimento necessário para compreensão de como é realizada a aplicação comparativa 81 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. São Paulo: Atlas, 2007. p. 71.82 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. São Paulo: Atlas, 2007. p. 72.

48desses institutos às medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes autores de atos

infracionais.

Feita essa ressalva, prossegue-se com a análise, inicialmente, da prescrição

da pretensão punitiva.

2.2.1 Prescrição da Pretensão Punitiva

Inicialmente, conforme já exposto anteriormente, vale ressaltar que na

prescrição da pretensão punitiva, a ausência do exercício, como o decurso dos dias, faz com

que “o Estado perca o poder-dever de punir no que tange à pretensão (punitiva) de o Poder

Judiciário apreciar a lide surgida com a prática da infração penal e aplicar a sanção

restritiva”83.

Ademais, não apenas a prestação jurisdicional fica condicionada aos prazos

prescricionais. A abertura do competente inquérito policial, determinando o princípio da

persecução criminal, bem como o início da ação penal também estão condicionados a um

certo lapso temporal. “Depois de determinado período temporal o inquérito policial não

pode ser instaurado nem a ação penal iniciada”84.

Assim, suponhamos que alguém tenha praticado um delito de lesões corporais cuja pena máxima seja de um ano de detenção. Em razão do disposto no inciso V do art. 109 do Código Penal, a prescrição pela pena máxima em abstrato ocorrerá em quatro anos. Se, por exemplo, durante a instrução do processo, após o recebimento da denúncia, já tiver decorrido período igual ou superior a quatro anos, o juiz interromperá a instrução do feito e reconhecerá a extinção da punibilidade com base na prescrição da pretensão punitiva do Estado85.

Diante disso, na hipótese de incidência de mencionado instituto, o

encerramento do processo judicial ou do inquérito policial deve ser determinado,

imediatamente, pela autoridade competente, pois seu prosseguimento constituiria

constrangimento ilegal.

83 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 23.84 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 24.85 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 784.

49Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS'. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO. TENDO O ESTADO PERDIDO O DIREITO DE PUNIR, PELO DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL, CONSTITUI CONSTRANGIMENTO ILEGAL O PROSSEGUIMENTO DO INQUERITO POLICIAL PARA A APURAÇÃO DA VIOLAÇÃO A LEI PENAL, E SUA AUTORIA.

[…] Uma vez demonstrada a prescrição, não há mais que cogitar quem falsificou o documento ou quem o usou. O inquérito deve ser trancado exatamente porque o Estado perdeu o poder de punir o infrator, embora não se desconheça ter havido violação à lei penal. O prosseguimento do inquérito, assim, constituiria constrangimento ilegal àquele contra o qual foi instaurado86 (sem grifo no original).

Assim sendo, extinta a punibilidade em razão da prescrição da pretensão

punitiva, nenhuma anotação referente a eventual condenação deve ser mencionada nas

certidões dos livros do Juízo e folhas de antecedentes, “salvo para instruir processo pela

prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”87.

De toda forma, conforme já exposto, a prescrição da pretensão punitiva é

matéria de ordem pública, sendo irrenunciável e, em regra geral, imprescritível, razão pela

qual deve ser reconhecida a qualquer tempo e fase processual, podendo ser declarada “em

grau de habeas corpus; (STJ, HC 2.510, 5ª Turma, DJU, 2 de maio de 1994, p. 10014),

apelação, recurso em sentido estrito, embargos de declaração, embargos infringentes,

revisão e agravo em execução”88.

A apreciação do mérito da imputação fica impedida com a incidência da

prescrição da pretensão punitiva, tanto no âmbito do primeiro grau de jurisdição, quanto no

caso do Tribunal verificar ter decorrido o lapso prescricional.

86 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 63.180. Recorrente Francisco Cassemiro Melo e Recorrido Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Relator Ministro Carlos Madeira. j. 05 de setembro de 1986. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2863180.NUME.%20OU%2063180.ACMS.%29&base=baseAcordaos> Acesso em: 24 set 2009.87 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 1000.88 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 27.

50“Nesse caso, não pode apreciar a procedência da acusação, ficando impedida

a decisão de absolvição ou de condenação. Deve declarar a extinção da punibilidade,

encerrando-se a ação penal”89.

É a quantidade da pena abstrata ou concreta que mesura os prazos

prescricionais. Como é cediço, a pena em abstrato é aquela cominada pelo legislador, no

preceito secundário da norma incriminadora, para determinada infração penal. Já a pena em

concreto é a pena impingida pelo magistrado ao caso concreto, após análise de mérito do

fato.

Assim, no homicídio simples, sanção abstrata é a reclusão, de seis a vinte anos. Pena concreta é a imposta pelo Juiz na sentença. Se em um crime de lesão corporal leve, a sentença condenatória impõe ao réu detenção de três meses, esta é a pena concreta.

Tratando-se de prescrição da pretensão punitiva, leva-se em consideração o máximo da pena punitiva, leva-se em consideração o máximo da pena punitiva de liberdade cominada em abstrato (CP, art. 109, caput) com desprezo da pena de multa, quando aplicada cumulativamente ou alternativamente. Cuidando-se de prescrição da pretensão executória, é regulada pela pena imposta (CP, art. 110, caput)90.

Transitado em julgado a sentença condenatória, tem-se início a contagem do

prazo prescricional da pretensão executória. Ou seja, a partir do momento em que a

sentença condenatória tornar-se irrecorrível, haverá o nascimento do cálculo prescricional

da pena.

Vale destacar, ainda, que “o prazo prescricional deve ser considerado em

face do fato narrado na peça de acusação e não pela capitulação legal”91, bem como que ele

não é suspenso por férias, feriados ou domingos.

No mais, consoante o disposto no parágrafo único do artigo 109 do Código

Penal “aplicam-se as penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as

privativas de liberdade”92.

89 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 27.90 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 27.91 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 32.92 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 23 set 2009.

51No que diz respeito à contagem do ano prescricional, primeiramente, deve-se

recordar que tal prazo é relativo à matéria penal. Ante o exposto, é importante ressaltar que

a previsão contida no artigo 10 do Código Penal Brasileiro assevera o seguinte: “o dia do

começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo

calendário comum”93.

Dessa forma, dois princípios primordiais são determinados pelo mencionado

dispositivo legal: 1. no cômputo do prazo, o dia do início deverá ser incluído; 2. os anos são

contados pelo calendário habitual.

De acordo com a primeira regra, qualquer que seja a fração do primeiro dia a ser contado, deve ela ser considerada como um dia por inteiro. Suponha-se que o prazo prescricional deva ser contado a partir do dia 1º de setembro, data da consumação de um furto. Verifica-se que o crime foi cometido às 23 horas. Na verdade, nesse primeiro dia o curso prescricional percorreu apenas uma hora. Essa hora, entretanto, vale como um dia por inteiro. O dia do começo inclui-se no prazo, como preceitua o primeiro princípio, pouco importando a hora da realização do fato.

[…] Nos termos do segundo princípio, o ano deve ser contado de acordo com o calendário comum, entre nós o gregoriano. Significa que o direito penal não possui um calendário especial. Nosso calendário é o comum, de todos os dias. E o ano não tem 365 ou 366 dias. O ano em matéria penal tem exatamente quantos dias existem no calendário comum, sejam 365 ou 366. Assim, no campo penal o ano não tem um número fixo de dias, mas quantos dias, nos termos do calendário gregoriano, tem determinado ano94.

Por fim, salienta-se que o ano deve ser contado apanhando-se o dia de início

do prazo prescricional, por exemplo 24 de março de 1985, dirigindo-se, posteriormente, ao

ano subsequente, no mesmo mês, terminando-se a contagem às 24 horas do dia anterior ao

mencionado (23 de março de 1986).

Nessa ocasião, faz-se essencial destacar quais são os termos iniciais da

prescrição antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O Código Penal

Brasileiro é extremamente claro ao dispor o seguinte:

93 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 23 set 2009.94 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 33.

52Termo inicial da prescrição antes de transitar em julgado a sentença final

Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - do dia em que o crime se consumou; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)95.

Pelo disposto no referido pergaminho, é de fácil visualização que a

prescrição pode ter como marco inicial a data de consumação da infração penal, não sendo,

obrigatoriamente, o dia em que a ação criminosa foi praticada. Nota-se, portanto, que,

diferentemente da regra geral prevista no artigo 4º do Código Penal, na qual considera-se

praticado o crime no instante da ação ou da omissão (teoria da atividade), no inciso I do

artigo 111, adotou-se a teoria do resultado.

Ocorrendo a hipótese prevista no inciso II do referido artigo, o prazo

prescricional terá início no dia em que findar a postura criminosa, assim, poderão existir

casos em que os “atos de execução se distanciem no tempo, a exemplo daquele que quer

matar alguém por envenenamento e aplica-lhe, diariamente, doses que, se conjugadas, o

levarão a morte. A partir da ministração da última dose é que o prazo prescricional terá

início”96.

No caso dos crimes permanentes, nos quais a execução e a consumação se

prolongam no tempo, o prazo prescricional só terá início no instante em que acabar a

permanência da atividade criminosa.

95 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 23 set 2009.96 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 790.

53Nos crimes de bigamia e de falsificação ou alteração de assentamento do

registro civil, por exceção, o fluxo prescricional não se inicia com a consumação da prática

delituosa, mas no instante em que tais atitudes venham a se tornar conhecidas da autoridade

competente.

No mais, vale ressaltar que os prazos prescricionais da pretensão punitiva do

ente estatal podem decorrer, em regra, conforme o ensinamento de Damásio Evangelista de

Jesus, durante os seguintes períodos: “1º) entre a data da consumação do crime e a do

recebimento da denúncia; 2º) entre a data do recebimento da denúncia ou queixa e a da

publicação da sentença final; 3º) a partir da publicação da sentença condenatória”97.

2.2.2 Prescrição da Pretensão Executória

O jus executionis nasce após a concretização do direito de punir do ente

estatal, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Nessa

oportunidade, “o Estado adquire o poder-dever de impor concretamente a sanção imposta

ao autor da infração penal pelo Poder Judiciário”98.

Com o decurso do tempo, o Estado deixa de possuir o direito de punir,

perdendo esse poder-dever de efetivar a pretensão executória. Assim, ocorrerá a prescrição

da pretensão executória, também conhecida como prescrição da pena e prescrição da

condenação.

O Código Penal, no caput de seu artigo 110, assevera que “a prescrição

depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e

verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o

condenado é reincidente”99.

97 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. pp. 34/35.98 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 88.99 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 23 set 2009.

54Ante o exposto, cabe salientar que a prescrição antes do trânsito em julgado

da sentença penal condenatória, conforme visto no item anterior, regula-se por meio da

pena máxima cominada no preceito secundário do dispositivo penal lesionado.

Já no que diz respeito a prescrição posterior a sentença condenatória, seu

cálculo deverá ser realizado sobre a pena concretizada na decisão judicial.

Entretanto, a leitura do caput do artigo 110 do Código Penal precisar ser

observada conjuntamente com o explicitado no parágrafo 1º do referido dispositivo legal, o

qual afirma que “a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado

para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada”100 (sem

grifo no original).

Isso porque caso ambas as partes tenham recorrido, ou seja, Ministério Público, por exemplo, e sentenciado, não havendo, ainda, o trânsito em jugado para o Ministério Público, tal sentença ainda poderá sofrer modificações, elevando-se, v.g., a pena aplicada, razão pela qual a contagem do prazo prescricional, nessa hipótese, deverá ser ainda realizada levando-se em consideração a pena máxima cominada à infração penal.

Contudo, caso não tenha havido recurso do Ministério Público, ou depois de ter sido ele improvido, como a pena aplicada não poderá ser elevada em face do princípio que impede a sua reforma para pior (non reformatio in pejus), a contagem do prazo prescricional já poderá ser levada a efeito com base na pena concretizada na sentença101.

Frisa-se, por oportuno, que a prescrição disposta no parágrafo 1º do artigo

110 do Código Penal, conhecida como prescrição intercorrente, é da pretensão punitiva,

“uma vez que somente podemos falar em prescrição da pretensão executória quando o

Estado já tiver formado o seu título executivo judicial”102.

Isso porque, a efetiva possibilidade de execução do título judicial nasce

apenas com o trânsito em julgado para ambas as partes. Antes desse marco, o ente estatal

não possui, por um minuto sequer, o direito de fazer valer a sentença penal condenatória,

100 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 23 set 2009.101 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 785.102 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 785.

55razão pela qual, “a prescrição não poderá ser considerada como da pretensão executória,

mas sim da pretensão punitiva”103.

Nesse sentido, vale mencionar o ensinamento de Eugenio Raúl Zaffaroni e

José Henrique Pierangeli:

Consequentemente, uma vez individualizada a resposta penal na sentença, e em não havendo recurso da acusação, a partir da data da publicação começa a contar o prazo prescricional intercorrente, com cálculo que se faz sobre essa pena concretizada. Ocorre, pois, a prescrição da pretensão punitiva ou prescrição intercorrente, mesmo quando inexiste trânsito em julgado para a defesa ou de julgamento eventual de recurso interposto pelo réu. Pode, pois, haver prescrição intercorrente durante a tramitação de recurso especial e extraordinário, como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça104.

Na parte final do caput do artigo 110 do Código Penal há a afirmação que,

em se tratando de condenado reincidente, o prazo prescricional será aumentado em um

terço. Dessa forma, “cabe 1/3 a mais no cálculo – acrescentando-se nos prazos

estabelecidos no mencionado art. 109 – se o condenado for reincidente, assim reconhecido

na sentença condenatória”105.

Cabe destacar, consoante previsão do artigo 63 do pergaminho em voga,

somente é admissível falar em reincidência “quando o agente comete novo crime, depois de

transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime

anterior”106

Todavia, uma vez identificada a reincidência, “não importa quando se tenha

realizado a condenação. A sua influência não prescreve, qualquer que seja o transcurso de

tempo que medeia entre ela e a prática do novo crime”107.

103 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 785.104 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 655.105 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de penal comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 502.106 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.107 BRUNO, Anibal. Direito penal: tomo III. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 119.

56Em suma, firmado, noutro local do Código, o conceito legal de reincidência, nas suas duas modalidades de genérica e específica, e feita, aqui, referência indistinta a condenado reincidente, é intuitivo que em qualquer das hipóteses ocorre o aumento do prazo. A reincidência é, por si só, penhor de perigosidade, e isso autoriza o indicado efeito sobre o tempo para prescrição108.

Porém, apesar de indiscutível o efeito da reincidência no âmbito do direito

penal, muito já se questionou sobre o momento de sua aplicação.

No tocante a prescrição da pretensão punitiva, a qual acontece antes do

trânsito em julgado da sentença, sendo o seu prazo calculado com base no máximo da pena

cominada ao crime praticado, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em afirmar que o

acréscimo do tempo determinado para a prescrição, tendo em vista a reincidência do réu,

não é aplicável.

Assim sendo, cabe destacar que “o princípio agravador se encontra no art.

110 do CP, que disciplina a prescrição da pretensão executória. Em face disso, por ser

prejudicial ao réu, não pode ser ampliada sua incidência, vedada, pois sua extensão ao art.

109 do CP”109.

Nesse sentido é a súmula 220 do Superior Tribunal de Justiça: “a

reincidência não influi no prazo da prescrição punitiva”110.

Contudo, no que tange à aplicação do acréscimo de um terço ao prazo

prescricional da pretensão punitiva intercorrente, vale mencionar a lição de Julio Fabbrini

Mirabete:

Sempre se entendeu que o prazo da prescrição punitiva com base na pena em concreto para o condenado reincidente não era aumentada de um terço, visto que tal aumento incidiria apenas no prazo de prescrição da pretensão executória. Entretanto, em recentes julgados, inclusive do STJ, tem-se adotado melhor orientação, no sentido de que tal aumento refere-se também à prescrição da pretensão punitiva, a prescrição intercorrente está

108 CARVALHO FILHO, Aloysio de; ROMEIRO, Jorge Alberto. Comentários ao Código Penal. v. IV. São Paulo: Forense, 1919. p. 366.109 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 95.110 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 220. A reincidência não influi no prazo da prescrição punitiva. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn+220&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=1> Acesso em: 26 set 2009.

57disciplinada nos §§ 1º e 2º do art. 110, que, em seu caput, prevê o aumento do prazo da prescrição para o reincidente. Não se podendo, na interpretação e aplicação da lei, dissociar os parágrafos do artigo correspondente, essa posição é perfeitamente admissível111.

Já no que diz respeito à aplicação do aumento do prazo prescricional da

pretensão executiva, cuja ocorrência é visualizada após o trânsito em julgado da sentença

penal condenatória, ante o reconhecimento da reincidência, a doutrina é uníssona em

afirmar sua aplicabilidade.

Frisa-se, por oportuno, que a espécie da penalidade impingida ao condenado

em crime anterior, não é relevante para a aplicação do ampliação do período prescricional.

Entretanto, mesmo em se tratando de prescrição da pretensão executória, “o aumento do

prazo prescricional pressupõe que a sentença condenatória tenha reconhecido a

reincidência”112.

Quanto ao termo inicial da prescrição após a sentença penal condenatória

irrecorrível, dispõe o artigo 112 do Código Penal:

Termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível

Art. 112 - No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)113

Excetuando-se o exposto na primeira parte do inciso I do artigo em voga, o

qual diz respeito a prescrição da pretensão punitiva chamada de intercorrente ou

superveniente, as demais situações elencadas nos inciso I e II do artigo 112 do Código

Penal cuidam do princípio do lapso temporal da prescrição da pretensão executória do ente

estatal.

111 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 440.112 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 94.113 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.

58No momento em que o réu não realiza adequadamente as condições

sursitárias ou as imposições especificadas na oportunidade de seu livramento condicional,

os benefícios serão revogados, obrigando que os agentes cumpram, integralmente, a pena

inicialmente aplicada, disposta na sentença penal condenatória.

Sobre a suspensão condicional da pena, ressalta-se que o condenado deverá

desempenhar, integralmente, a penalidade que lhe foi impingida, uma vez que essa foi

devidamente suspensa mediante determinadas condicionantes. Assim, “a partir da data do

trânsito em julgado da decisão que revogou o sursis, tem-se início o prazo prescricional,

que será contado considerando-se a pena privativa de liberdade cujo cumprimento havia

sido suspenso condicionalmente”114.

No livramento condicional, assim como na revogação da suspensão

condicional da pena, dar-se-á início a contagem do lapso temporal necessário para a

prescrição no instante em que a sentença que revogar o benefício transite em julgado.

Todavia, o prazo será computado em conformidade com o restante da pena não executada,

consoante disposto no artigo 113 do Código Penal.

A hipótese prevista no inciso II do mencionado artigo diz respeito ao caso de

interrupção da execução da pena aplicada. Nessa circunstância, vale, igualmente, o previsto

no artigo 113 do pergaminho em tela: “no caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se

o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena”115.

Assim, se o sentenciado cumpriu três anos e dois meses de uma pena imposta em um total de cinco anos, evadindo-se a seguir, a partir da data da fuga passa a correr o lapso prescricional sobre o restante da pena, um ano e dez meses, ou seja, prescreverá em quatro anos (art. 109, inciso V). Estando em liberdade condicional e revogado o benefício, deverá o prazo prescricional ser calculado com base na pena que o sentenciado tem a cumprir [...]. Nessas hipótese, não se calcula maio o prazo prescricional na pena aplicada na sentença116.

114 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 791.115 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.116 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 428.

59Por fim, vale refrisar que “a declaração da extinção da punibilidade pela

prescrição da pretensão executória impede a execução das penas”117, contudo, as

consequências subsidiárias são mantidas, realizando-se, por exemplo, o lançamento do

nome do condenado no rol dos culpados.

2.2.3 Prescrição da Multa

Inicialmente, cabe destacar que “a pena de multa consiste no pagamento ao

fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa”118.

Posteriormente, em seu artigo 50, o Código Penal fixa o prazo de dez dias,

após o trânsito em julgado da sentença condenatória, para o pagamento integral ou

parceladamente da multa imposta.

Ainda no mencionado artigo, fica clara a possibilidade da cobrança da multa

por meio de desconto direto no vencimento ou salário do condenado, desde que essa

quantia não incida “sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua

família”119. No mais,

O valor da multa não pode sofrer qualquer correção monetária, levando em consideração data anterior à do trânsito em julgado da sentença condenatória, tendo em vista que o título executivo só existirá quando a sentença tornar-se irrecorrível. Dessa forma, se o condenado atender ao chamado judicial, pagará o valor da multa sem qualquer correção monetária. No entanto, se o condenado não pagar o valor devido, o Juiz, atendendo ao disposto no art. 51 do CP, deverá encaminhar a sentença e a certidão de trânsito em julgado para a Fazenda Pública, a fim de que se proceda a execução fiscal120.

Nesse sentido, vale ressaltar que “transitada em julgado a sentença

condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da

117 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 96.118 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.119 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.120 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. São Paulo: Atlas, 2007. p. 144.

60legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas

interruptivas e suspensivas da prescrição”121.

Entretanto, faz-se imprescindível asseverar o entendimento da doutrina

majoritária de que, apesar de ser considerada uma dívida de valor, a multa não perde sua

natureza penal, ficando vinculada aos dispositivos desse pergaminho de direito material,

seguindo apenas os trâmites da Vara da Fazenda Pública.

Diante do art. 51 do CP, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 9.268, de 1º-4-96, transitada em julgado a sentença condenatória, a multa não seria mais considerada uma sanção e sim dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa a dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. Nesse caso, não haveria de se falar na prescrição executória da pena de multa, mas sim da dívida de valor. Contudo, deve prevalecer a idéia de que a multa, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, continua sendo sanção penal, seguindo as regras de prescrição do Código Penal, exceto quanto às hipóteses de suspensão e interrupção122.

Em sentido contrário, Fernando Capez afirma que o lapso temporal da

prescrição da pretensão executória da multa será “sempre em 5 anos, e a execução será

realizada separadamente da pena privativa de liberdade, perante à Vara da Fazenda Pública,

uma vez que a nova lei determinou que, para fins de execução, a pena fosse considerada

dívida de valor”123.

Sobre o prazo prescricional estabelecido na legislação brasileira para a pena

de multa, vale destacar o exposto no artigo 114 do Código Penal:

Prescrição da multa

Art. 114 - A prescrição da pena de multa ocorrerá: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

I - em 2 (dois) anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

121 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.122 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 428.123 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2004. p.396.

61II - no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)124.

No tocante a aplicação da pena de multa cumulada com penalidade privativa

de liberdade, evidente que ambas prescreverão consoante os prazos estabelecidos para a

última.

Já nas circunstâncias em que a multa for a única sanção aplicada, sua

prescrição, tanto da pretensão punitiva, quanto da pretensão executória, tendo em vista a

visão majoritária da doutrina e da jurisprudência nacional, ocorrerá, em todas as hipóteses,

no prazo de dois anos.

2.2.4 Prescrição da Medida de Segurança

A medida de segurança é um tratamento a que deve ser submetido o autor de

crime portador de transtorno mental.

Entretanto, entende-se que esse instituto “não deixa de ser uma sanção penal

e, embora mantenha semelhança com a pena, diminuindo um bem jurídico, visa

precipuamente à prevenção, no sentido de preservar a sociedade da ação de delinquentes

temíveis e de recuperá-los com tratamento curativo”125.

Para o trabalho em tela, cabe salientar o disposto no parágrafo único do

artigo 96 do Código Penal: “extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem

subsiste a que tenha sido imposta”126.

Assim, diante do explicitado na mencionada normativa, todas as causas de

extinção da punibilidade previstas na legislação penal são aplicáveis às medidas de

segurança. Ante o exposto, sendo a prescrição uma forma de extinção da punibilidade,

124 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.125 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 375.126 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.

62consoante a redação do inciso IV do artigo 107 do Código Penal, é perfeitamente

admissível o emprego do instituto em voga nas hipóteses de concessão de medidas de

segurança.

No que tange, especificamente, ao instituto da prescrição, vale ressaltar a

existência de acentuadas distinções frente a aplicação de medida de segurança ao

absolutamente inimputável e ao semi-imputável.

Como bem se sabe, “é isento de pena o agente que, por doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,

inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo

com esse entendimento”127.

Porém, o semi-imputável que comete uma conduta descrita em tipo penal

necessariamente será condenado. Após, verificando-se a necessidade de disponibilização de

tratamento curativo, a pena privativa de liberdade deverá ser substituída por medida de

segurança.

Assim sendo, aos agentes inteiramente incapazes, na opinião de Rogério

Greco, considerando o “fato de o agente inimputável não poder ser condenado, em face da

determinação contida no caput do art. 26 do Código Penal, o cálculo da prescrição deverá

ser realizado sempre pela pena máxima cominada ao fato definido como crime por ele

levado a efeito”128 (sem grifo no original).

Entretanto, há doutrinadores que não partilham de tal pensamento. Adotando

pensamento diverso, destaca-se o ensinamento de Damásio Evangelista de Jesus: “Se o juiz

aplicou a medida de segurança substitutiva sem dosar a pena, de aplicar-se o prazo

prescricional do mínimo abstrato cominado ao delito cometido pelo condenado” (sem

grifo no original)129.

127 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.128 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Niterói: Impetus, 2006. p. 791.129 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 92.

63Por fim, vale salientar que a prescrição da medida de segurança impingida de

modo substitutivo, “para efeito da extinção da pretensão executória, considera-se a pena

imposta”130.

Terminado esse estudo preliminar, passa-se a análise da aplicação do

instituto da prescrição às medidas socioeducativas estabelecidas no Estatuto da Criança e

do Adolescente.

130 JESUS, Damásio Evangelista de. Prescrição Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 92.

64

3. A (IM)POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO PREVISTO NA

PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL ÀS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

3.1 O Entendimento Jurisprudencial dos Tribunais Superiores sobre a Prescrição das

Medidas Socioeducativas

Muito já se discutiu nos Tribunais de Justiça brasileiros sobre a possibilidade

de aplicação do instituto da prescrição previsto na parte geral do Código Penal às medidas

socioeducativas aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional.

Anteriormente à edição da Súmula n. 338, datada de 16 de maio de 2007, do

Superior Tribunal de Justiça, a qual assevera que “a prescrição penal é aplicável nas

medidas sócio-educativas”131, a jurisprudência era visivelmente dividida.

Inicialmente, com o intuito de consignar maior dinamicidade ao trabalho em

voga, tratar-se-á dos julgados de modo cronológico, sempre se destacando os principais

pontos acerca da possibilidade, ou não, do emprego da prescrição às medidas

socioeducativas.

Em 18 de agosto de 1998, o Superior Tribunal de Justiça foi categórico ao

afirmar que as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não poderiam ser

aproximadas às penalidades estabelecidas no Código Penal, razão pela qual inaplicáveis as

disposições da lei penal acerca da prescrição.

PROCESSO PENAL. HABEAS-CORPUS. DELITO PRATICADO POR MENORES INIMPUTÁVEIS. MEDIDA SOCIO-EDUCATIVO. LEI Nº 8.069/90 – ECA. NATUREZA JURÍDICCA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – INAPLICABILIDADE.

131 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 338. A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn+338&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=1> Acesso em: 27 set 2009.

65- Na aplicação das medidas socio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – , leva-se em consideração a idade do menor ao tempo da prática do fato, sendo irrelevante a circunstância de atingir o agente a maioridade (art. 104, parágrafo único).

- Tratando-se de menores inimputáveis as medidas socio-educativas previstas no art. 112 do ECA não se revestem da mesma natureza jurídica das penas restritivas de direito, em razão do que não se lhes aplicam às disposições previstas na lei processual penal relativas a prescrição da pretensão punitiva.

- Recurso ordinário desprovido132 (sem grifo no original).

Contudo, sendo evidente a inexistência de entendimento dominante no

próprio Superior Tribunal de Justiça, menos de dois anos após ser proferido o acórdão

anteriormente citado, decidiu de modo distinto.

No dia 27 de abril de 2000, em total dissonância com o posicionamento

existente em 1998, a Sexta Turma, por maioria, asseverou que o instituto da prescrição

poderia ser perfeitamente aplicado nos casos em que fosse verificada a imposição de

medida socioeducativa ante a prática de ato infracional.

RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRESCRIÇÃO. NÃO CONHECIMENTO.

1. As medidas sócio-educativas, induvidosamente protetivas, são também de natureza retributivo-repressiva, como na boa doutrina, não havendo razão para excluí-las do campo da prescrição, até porque, em sede de reeducação, a imersão do fato infracional no tempo reduz a um nada a tardia resposta estatal.

2. O instituto da prescrição responde aos anseios de segurança, sendo induvidosamente cabível relativamente a medidas impostas coercitivamente pelo Estado, enquanto importam em restrições à liberdade.

3. Tendo caráter também protetivo-educativo, não há porque aviventar resposta do Estado que ficou defasada no tempo.

132 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso de Habeas Corpus n. 7.698/MG. Recorrente Wagner de Almeida Tavares e outros e Recorrido Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Relator Ministro Vicente Leal. j. 18 de agosto de 1998. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ita/abreDocumento.jsp?num_registro=199800391452&dt_publicacao=14-09-1998&cod_tipo_documento=> Acesso em: 27 set 2009.

664. Tem-se, pois, que o instituto da prescrição penal é perfeitamente aplicável aos atos infracionais praticados por menores 133 (sem grifo no original).

Dando continuidade à defesa das origens, inquestionavelmente diversas, do

sistema penal e do disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que o último

possui o objetivo de “promover a sua [do adolescente] reintegração na sociedade, e não a

sua punição pela prática de ato infracional. Negar isso é recusar existência ao próprio

Estatuto e aos esforços empreendidos no sentido de fazer com que o mesmo seja

eficazmente aplicado”134.

Assim, novamente a jurisprudência assevera que na Lei n. 8.069/90 “adotou-

se a medida sócio-educativa em lugar da pena, como retribuição ao cometimento daquilo

que denominou de ato infracional e não de crime”135.

No mais, o emprego, perante as diretrizes apregoadas pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente, das normativas atinentes ao instituto, evidentemente penal, da

prescrição, “esbarra, de imediato, nas definições acima relacionadas que, longe de

constituírem meras diferenças de nomenclatura são, antes de tudo, de natureza

filosoficamente diversa”136.

Ante o exposto, cabe colacionar os principais argumentos retratados no

ementário do acórdão proferido em de 11 de dezembro de 2001 pelo do Superior Tribunal

de Justiça:

133 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 226.370-SC. Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido Mário César Rotilli Filho. Relator Ministro Fernando Gonçalves. j. 27 de abril de 2000. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=20658&nreg=199900714121&dt=20020408&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.134 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 9.736-SP. Recorrente Flávio Mendes Morais e Recorrido Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Gilson Dipp. j. 11 de dezembro de 2001. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=28671&nreg=200000221333&dt=20020225&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.135 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 9.736-SP. Recorrente Flávio Mendes Morais e Recorrido Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Gilson Dipp. j. 11 de dezembro de 2001. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=28671&nreg=200000221333&dt=20020225&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.136 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 9.736-SP. Recorrente Flávio Mendes Morais e Recorrido Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Gilson Dipp. j. 11 de dezembro de 2001. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=28671&nreg=200000221333&dt=20020225&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.

67CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INTERNAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO REGULADO NO CÓDIGO PENAL. CARÁTER REPRESSIVO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. NEGATIVA DO ESPÍRITO DO ECA. FALTA DE FIXAÇÃO DE LAPSO TEMPORAL. [...]. I. A conclusão pelo caráter repressivo da medida sócio-educativa, que, em última análise, seria equivalente à pena, implicaria na negativa de todo o espírito do estatuto menorista, que tem por objetivo maior evitar a estigmatização do menor infrator, tratando-o, assim de forma diferenciada. II - Por ser a pena o pressuposto da prescrição e levando-se em conta que o prazo prescricional é regulado sempre pela quantidade de pena aplicada, in concreto ou in abstrato, não se pode permitir a incidência do instituto da prescrição nos feitos regidos pelo ECA, em função da não-fixação de lapso temporal na medida sócio-educativa. [...]137 (sem grifo no original).

Por fim, no corpo do referido julgamento, o relator ainda destaca que ambas,

tanto as sanções penais, quanto as medidas socioeducativas, possuem características,

sugestivamente, retributivas e reeducativas. “Contudo, a intensidade destes elementos é

diferentemente distribuída entre os institutos. Enquanto a pena possui uma carga retributiva

maior, a intenção de reeducação é a marca distintiva da medida aplicada aos menores

infratores”138.

Já em abril de 2002, em novo julgamento do Superior Tribunal de Justiça

sobre a possibilidade do emprego de um instituto inquestionavelmente penal, a

argumentação inicial permaneceu vigente.

Assim, por meio de discussão na Sexta Turma do mencionado órgão, por

unanimidade, afirmou-se, mais uma vez, que a aplicação do instituto da prescrição estaria

em total descompasso com a sistemática adotada pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente.

137 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 9.736-SP. Recorrente Flávio Mendes Morais e Recorrido Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Gilson Dipp. j. 11 de dezembro de 2001. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=28671&nreg=200000221333&dt=20020225&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.138 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 9.736-SP. Recorrente Flávio Mendes Morais e Recorrido Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Gilson Dipp. j. 11 de dezembro de 2001. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=28671&nreg=200000221333&dt=20020225&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.

68ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. PRESCRIÇÃO. INAPLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO PENAL.

- Ao menor infrator são impostas medidas sócio-educativas, que devem ser concebidas em consonância com os elevados objetivos da sua reeducação, sendo relevantes para a obtenção desse resultado o respeito à sua dignidade.

- As medidas sócio-educativas previstas no art. 112 do ECA não se revestem da mesma natureza jurídica das penas restritivas de direito, em razão do que não se lhes aplicam às disposições previstas na lei processual penal relativas a prescrição da pretensão punitiva.

- Recurso especial conhecido e provido139.

Vale ressaltar, ainda, que, nas palavras da relatoria, as medidas impingidas

aos adolescente autores de atos infracionais “devem ser concebidas em consonância com os

objetivos maiores da sua reeducação, sendo relevantes para a obtenção desse resultado o

respeito à sua dignidade como pessoa humana e adoção de posturas demonstrativas de

realização de justiça”140.

Em verdadeira defesa das diretrizes internacionais adotadas pelo Brasil

quando da elaboração da Lei n. 8.069/90, o acórdão em tela também destaca que “o Estado

não tem pretensão punitiva, mas tão-somente pretensão educativa. Porquanto, nem se diga

que a medida sócio-educativa é uma espécie de pena. Ao contrário, ela é imposta em favor

do menor, ainda que represente certo sacrifício para ele”141.

Em sentido diametralmente oposto, importante ressaltar o ensinamento do

Ministro Félix Fischer:

139 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 270.181-SC. Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido R R (menor). Relator Ministro Vicente Leal. j. 02 de abril de 2002. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=15353&nreg=200000774340&dt=20020506&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.140 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 270.181-SC. Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido R R (menor). Relator Ministro Vicente Leal. j. 02 de abril de 2002. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=15353&nreg=200000774340&dt=20020506&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.141 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 270.181-SC. Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido R R (menor). Relator Ministro Vicente Leal. j. 02 de abril de 2002. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=15353&nreg=200000774340&dt=20020506&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.

69Os que repudiam a aplicação da prescrição em sede de ato infracional justificam o posicionamento ao fundamento de que as medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não têm a mesma natureza jurídica das penas estabelecidas no ordenamento jurídico-penal. Entretanto, uma análise contextual e teleológica de tais medidas leva inevitavelmente a conclusão diversa. De ver-se que os infratores são submetidos às normas configuradoras de injustos para a caracterização do denominado ato infracional (art.103 do ECA), sujeitando-se, pois, a medidas restritivas de direitos e privativas de liberdade, às vezes, na prática, até mais gravosas que as impostas aos imputáveis. Portanto, não se pode negar que as medidas sócio-educativas têm, na realidade, uma certa conotação repressiva, ainda que formalmente sejam preventivas142.

Pouco a pouco, a compreensão de que se admitiria a declaração da

prescrição das medidas socioeducativas, nos moldes estabelecidos no Código Penal, tendo

em vista a sua “inegável característica punitiva, e considerando-se a ineficácia da

manutenção da medida sócio-educativa, nos casos em que já se ultrapassou a barreira da

menoridade e naqueles em que o decurso de tempo foi tamanho, que retirou, da medida, sua

função reeducativa”143, ganhou cada vez mais espaço no âmbito jurisprudencial,

principalmente perante o Superior Tribunal de Justiça.

Logo após, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça pacificou o

entendimento de que as medidas socioeducativas perdem a razão de ser com o decurso do

tempo.

Assim sendo, vale destacar o exposto na ementa do seguinte julgado do

mencionado grupo:

RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO ATO INFRACIONAL. PRESCRIÇÃO.

1. Consoante o entendimento pacificado nesta Egrégia Quinta Turma, aplica-se o instituto da prescrição aos atos infracionais praticados por menores, uma vez que as medidas sócio-educativas, a par de sua natureza

142 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 341.591-SC. Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido J V da S (menor). Relator Ministro Felix Fischer. j. 17 de dezembro de 2002. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=389687&sReg=200101021218&sData=20030224&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.143 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 489.188-SC. Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido Adriano Pietrasck. Relator Ministro Gilson Dipp. j. 26 de agosto de 2003. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=422988&sReg=200201660473&sData=20030929&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.

70preventiva e reeducativa, possuem também caráter retributivo e repressivo. Precedentes.

2. Reconhecimento da extinção da punibilidade do ato infracional imputado ao Recorrente, julgando prejudicado o mérito do recurso especial144 (sem grifo no original.)

No ano de 2005, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, decidiu o seguinte:

Adolescente. Ato infracional. Medida sócio-educativa (liberdade assistida). Prescrição penal (possibilidade).

1. Não obstante a finalidade pedagógica da medida sócio-educativa, não há como negar seu caráter repressivo.

2. Perfeitamente possível a aplicação da prescrição penal aos atos infracionais praticados por adolescentes.

3. Precedentes do Superior Tribunal (sem grifo no original).

4. Ordem concedida para extinguir, pela prescrição, a medida sócio-educativa imposta à paciente145.

No corpo do acórdão em tela, o Ministro Nilson Naves, então relator,

esclareceu que na hipótese da não aplicação do instituto da prescrição às medidas

socioeducativas, bem como aos atos infracionais, estar-se-ia criando “situações bem mais

severas e duradouras aos adolescentes do que em idênticas situações seriam impostas aos

imputáveis, o que é de todo desaconselhável e inaceitável”146.

No mais, destacou que as medidas previstas na Lei n. 8.069/90 “não têm a

mesma natureza e intensidade das penas estabelecidas no Cód. Penal, pois devem ser

144 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 602.178-MG. Recorrente S G da S J e Recorrido Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relatora Ministra Laurita Vaz. j. 13 de abril de 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=466671&sReg=200301972660&sData=20040517&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.145 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 45.667-SP. Impetrante João César Barvieri Bedran de Castro e Impetrado Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Nilson Naves. j. 27 de outubro de 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=590334&sReg=200501134323&sData=20051128&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.146 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 45.667-SP. Impetrante João César Barvieri Bedran de Castro e Impetrado Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Nilson Naves. j. 27 de outubro de 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=590334&sReg=200501134323&sData=20051128&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.

71regidas pelos princípios da brevidade, excepcionalidade e observância da condição peculiar

de pessoa em desenvolvimento”147.

Entretanto, preservado o escopo principal das medidas sócio-educativas (pedagógico), não há como negar o seu caráter repressivo (punitivo); admiti-lo, inclusive, é útil não só aos autores de atos infracionais (adolescentes), mas também às vítimas de tais condutas ilícitas. Assim, as medidas sócio-educativas são, tanto quanto as sanções penais, mecanismos de defesa social, porquanto permitem ao Estado delimitar a liberdade individual do adolescente infrator148.

Nesse diapasão, pacificou-se, perante o Superior Tribunal de Justiça, o

pensamento de que o instituto da prescrição, nos moldes previstos no Código Penal

Brasileiro, é aplicável ao sistema estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por fim, ante a existência de reiteradas decisões nesse sentido, o mencionado

órgão editou a Súmula n. 338: “A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-

educativas”149.

Ultrapassada essa leitura sobre a possibilidade do emprego da prescrição no

âmbito da Lei n. 8.069/90, cabe salientar o método utilizado pela jurisprudência para auferir

o prazo prescricional.

No que tange ao tema em voga, cabe, inicialmente, frisar o disposto no

artigo 115 do Código Penal: “São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o

criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença,

maior de 70 (setenta) anos”150 (sem grifo no original).

147 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 45.667-SP. Impetrante João César Barvieri Bedran de Castro e Impetrado Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Nilson Naves. j. 27 de outubro de 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=590334&sReg=200501134323&sData=20051128&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.148 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 45.667-SP. Impetrante João César Barvieri Bedran de Castro e Impetrado Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Ministro Nilson Naves. j. 27 de outubro de 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=590334&sReg=200501134323&sData=20051128&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.149 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 338. A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn+338&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=1> Acesso em: 27 set 2009.150 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 26 set 2009.

72Para Julio Fabbrini Mirabete, tal “dispositivo aplica-se a qualquer espécie de

prescrição: da pretensão punitiva com base na pena em abstrato, da pretensão punitiva com

base na pena em concreto (retroativa ou não) e na prescrição da pretensão executória (seja

ou não o sentenciado reincidente)”151.

Assim, a mesma interpretação foi aplicada pela jurisprudência no que diz

respeito à prescrição das medidas socioeducativas:

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. PRAZO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO REGULADO NO CÓDIGO PENAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. PRAZO PRESCRICIONAL REDUZIDO DA METADE. PRESCRIÇÃO IMPLEMENTADA. RECURSO PROVIDO.

[...]

II. Sendo o réu menor de 21 anos à época do fato delituoso, reduz-se à metade o prazo prescricional, nos termos do art. 115 do Código Penal.

III. Transcorrido mais de um ano, desde a sentença até a presente data, declara-se extinta a sua punibilidade, pela ocorrência da prescrição intercorrente ou superveniente.

IV. Recurso conhecido e provido152 (sem grifo no original).

No caso de aplicação de uma das várias medidas socioeducativas

estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente sem prazo previamente cominado,

como, por exemplo, a medida de internação ou de semiliberdade, a jurisprudência vem

aceitando que “o cálculo da prescrição, por analogia, deve ter em vista o limite de 3 (três)

anos previsto para a duração máxima da medida de internação, na forma do art. 121, § 3º,

do ECA”153.

151 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 429.152 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 546.353-MG. Recorrente M F da S e Recorrido Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relator Ministro Gilson Dipp. j. 26 de abril de 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=499177&sReg=200301421549&sData=20050523&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.153 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus n. 25.643-RS. Recorrente G da S L e Recorrido Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relator Ministro Felix Fischer. j. 26 de maio de 2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=886379&sReg=200900453478&sData=20090831&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.

73A diretriz jurisprudencial desta Corte assentou a orientação de que, para o cálculo do prazo prescricional da pretensão sócio-educativa, caso a medida tenha sido aplicada sem termo final, far-se-á uso do prazo máximo em abstrato de duração da medida de internação, que, à luz do disposto no art. 121, § 3o. do ECA, é de 3 anos; ao passo que, na hipótese de ter sido fixado um prazo final, terá como parâmetro a sua duração determinada na sentença. Uma vez fixado o prazo, este deve ser reduzido pela metade, em decorrência do disposto no art. 115 do CPB.

Isso porque, “assim como se dá na sistemática do Código Penal, a

prescrição, caso não ocorra condenação, deve levar em consideração a pena máxima em

abstrato”.

Ademais, “só se cogita de parâmetro de pena menor se esta tiver sido

concretamente aplicada”. Nesse sentido, destaca-se o posicionamento adotado no seguinte

julgamento:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL EQUIVALENTE AO CRIME DE FURTO QUALIFICADO. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO. [...]

III - Tratando-se de medida sócio-educativa aplicada sem prazo de duração certo, o cálculo da prescrição, por analogia, deve ter em vista o limite de 3 (três) anos previsto para a duração máxima da medida de internação, na forma do art. 121, § 3º, do ECA. (Precedentes). Frise-se que se a analogia com o Código Penal serve ao procedimento da medida sócio-educativa, deve servir em todos os seus termos. IV - O disposto no art. 115 do CP é aplicável ao cálculo do prazo prescricional da medida sócio-educativa. [...] O prazo prescricional seria, na hipótese, de 4 (quatro) anos (artigos 109, inciso VI, e 115 do CP). […] (sem grifo no original)154.

Por fim, cabe ressaltar que, o Supremo Tribunal Federal, durante julgamento

realizado pela Segunda Turma, em 22 de abril de 2008, entendeu ser possível o emprego do

instituto da prescrição, consoante as disposições previstas no Código Penal Brasileiro, às

medidas socioeducativas aplicáveis aos adolescentes autores de ato infracional,

regulamentadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

154 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus n. 25.643-RS. Recorrente G da S L e Recorrido Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relator Ministro Felix Fischer. j. 26 de maio de 2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=886379&sReg=200900453478&sData=20090831&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009.

74Assim dispunha a ementa do referido acórdão:

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. INTERNAÇÃO-SANÇÃO. LEGITIMIDADE. INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO. APLICABILIDADE. PARÂMETRO. PENA MÁXIMA COMINADA AO TIPO LEGAL. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL À METADE COM BASE NO ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. HIPÓTESE DE CRIME DE ROUBO. PRESCRIÇÃO NÃO CONSUMADA, NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.ORDEM DENEGADA155.

Em sequência, a relatoria ainda ressalta que “o instituto da prescrição não é

incompatível com a natureza não-penal das medidas sócio-educativas”156, afirmando que

“os casos de imprescritibilidade devem ser, apenas, aqueles expressamente previstos em

lei”157, razão pela qual, imprescindível a aplicação análoga do instituto da prescrição

previsto na normativa do direito penal.

Neste caso, “se o Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelece a

imprescritibilidade das medidas sócio-educativas, devem elas se submeter à regra geral,

como determina o art. 12 do Código Penal”158.

Joaquim Barbosa, então relator do acórdão em análise, destacou, também,

que “o transcurso do tempo, para um adolescente que está formando sua personalidade,

155 BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Habeas Corpus n. 88.788-SP. Impetrante Patrícia Helena Massa Arzabe e Coator Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Joaquim Barbosa. j.22 de abril de 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=88788&classe=HC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 27 set 2009.156 BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Habeas Corpus n. 88.788-SP. Impetrante Patrícia Helena Massa Arzabe e Coator Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Joaquim Barbosa. j.22 de abril de 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=88788&classe=HC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 27 set 2009.157 BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Habeas Corpus n. 88.788-SP. Impetrante Patrícia Helena Massa Arzabe e Coator Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Joaquim Barbosa. j.22 de abril de 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=88788&classe=HC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 27 set 2009.158 BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Habeas Corpus n. 88.788-SP. Impetrante Patrícia Helena Massa Arzabe e Coator Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Joaquim Barbosa. j.22 de abril de 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=88788&classe=HC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 27 set 2009.

75produz efeitos muito mais profundos do que para pessoa já biologicamente madura, o que

milita em favor da aplicabilidade do instituto da prescrição”159. Nesse âmbito, importante

salientar que, favorecendo o adolescente autor de ato infracional:

[…] O parâmetro adotado pelo Superior Tribunal de Justiça para o cálculo da prescrição foi o da pena máxima cominada em abstrato ao tipo penal correspondente ao ato infracional praticado pelo adolescente, combinado com a regra do art. 115 do Cód igo Penal, que reduz à metade o prazo prescricional quando o agente é menor de vinte e um anos à época dos fatos. 6. Referida solução é a que se mostra mais adequada, por respeitar os princípios da separação de poderes e da reserva legal. 7. A adoção de outros critérios, como a idade limite de dezoito ou vinte e um anos e/ou os prazos não cabais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente para duração inicial das medidas, além de criar um tertium genus, conduz a diferenças de tratamento entre pessoas em situações idênticas (no caso da idade máxima) e a distorções incompatíveis com nosso ordenamento jurídico (no caso dos prazos iniciais das medidas), deixando de considerar a gravidade em si do fato praticado, tal como considerada pelo legislador160.

Dessa forma, indiscutível o quão tormentosa é a matéria objeto desse tópico,

restando apenas a certeza de que, qualquer que seja a medida aplicada ao adolescente autor

de ato infracional, sua “liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade”161.

Feita essa breve leitura acerca do entendimento do Tribunais Superiores no

tocante a possibilidade do emprego do instituto da prescrição previsto na parte geral do

Código Penal às medidas socioeducativas aplicadas aos adolescente autores de ato

infracional, passa-se à crítica da visão jurisprudencial majoritária.

159 BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Habeas Corpus n. 88.788-SP. Impetrante Patrícia Helena Massa Arzabe e Coator Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Joaquim Barbosa. j.22 de abril de 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=88788&classe=HC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 27 set 2009.160 BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Habeas Corpus n. 88.788-SP. Impetrante Patrícia Helena Massa Arzabe e Coator Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Joaquim Barbosa. j.22 de abril de 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=88788&classe=HC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 27 set 2009.161 BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm> Acesso em: 27 set 2009.

763.2 A (Im)possibilidade da Aplicação do Instituto da Prescrição às Medidas

Socioeducativas

A Constituição Federal da República, em seu artigo 228, é clara ao

estabelecer que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às

normas da legislação especial”(sem grifo no original)162.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme estudado no primeiro

capítulo desse trabalho, foi elaborado de forma a coadunar-se com o texto da Carta

Constitucional de 1988 e romper definitivamente com a doutrina da situação irregular

adotada no revogado Código de Menores de 1979.

O diploma em questão estabeleceu uma série de garantias objetivando a

proteção integral dos interesses de crianças e adolescentes, agora denominadas "pessoas em

desenvolvimento"163, bem como garantir o pleno cumprimento da norma insculpida no art.

227 da Constituição Federal de 1988.

Tendo em vista a natureza protetiva do Estatuto da Criança e do

Adolescente, não se pode conceber a aproximação desta legislação especial com as

disposições expressas no Código Penal.

A inserção na Lei 8.069, de 13.07.1990, de direitos e garantias fundamentais (v.g., os individuais e os processuais), é decorrência da adoção da diretriz internacional da Doutrina da Proteção Integral, enquanto vertente dos Direitos Humanos especialmente para as crianças, as quais na seara internacional são consideradas todas as pessoas com idade inferior a dezoito (18) anos.

E isto é decorrência, na seara internacional, dos diversos Tratados (Declarações e Convenções) sobre os Direitos da Criança, e não diversamente, oriundos de um pretenso Direito Penal Internacional, inclusive, diga-se de passagem, de duvidosa aceitabilidade, segundo os princípios da universalidade e da internacionalidade. Pode-se, assim, legitimamente perceber que na elaboração da Lei 8.069, de 13.07.1990

162 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 27 set 2009.163 BRASIL. Lei n. 8.069, de 3 de julho de 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm> Acesso em: 27 set 2009.

77(Estatuto da Criança e do Adolescente), pretendeu-se espancar qualquer ranço penalista164 (sem grifo no original).

Do ponto de vista jurídico, a atribuição de qualquer característica do direito

penal aos menores de 18 anos contraria um direito individual fundamental.

Nesse diapasão, a medida socioeducativa aplicada aos adolescentes autores

de ato infracional “embora pertença ao gênero 'sanção estatal', posto que destinada

unicamente a adolescentes que tenham comprovadamente praticado um ato infracional

(conforme disposição expressa contida no art.114 da Lei nº 8.069/90), não possui natureza

penal”165.

A legislação brasileira garantiu aos adolescentes o direito a um tratamento

diferenciado, que pode chegar até à internação em um estabelecimento especializado, mas

em hipótese alguma, em uma prisão.

O adolescente, de acordo com o texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, não será “apenado” ou alvo de “sanção”. Pela ótica da doutrina da proteção integral, o adolescente autor de ato infracional deve passar por processo de responsabilização, que se desenvolve por meio da cominação de “medida socioeducativa”.

A natureza jurídica da medida socioeducativa não se confunde com o caráter punitivo da pena, na proporção em que almeja intervir pedagogicamente no universo do adolescente, resgatando sua cidadania e reintroduzindo-o ao convívio pacífico na sociedade166.

A previsão de tratamento jurídico dispare daquele que se aplica aos adultos é

um direito dos menores de 18 anos, que são pessoas, indivíduos, sujeitos de direitos em

condição peculiar de desenvolvimento.

Em se tratando de adolescente, portanto inimputável, o Estado não tem

pretensão punitiva, mas tão-somente pretensão educativa. Da mesma forma, não se pode

164 RAMIDOFF, Mário Luiz. Lições de direito da criança e do adolescente: ato infracional e medidas socioeducativas. Curitiba, Juruá, 2006. p. 63.165 DIGIÁCOMO, Murillo José. BRASIL. Breves considerações sobre a proposta de lei de diretrizes socioeducativas. Disponível em: <http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/8/docs/breves_consideracoes_sobre_a_proposta_de_lei_de_diretrizes_socio_educativas.pdf> Acesso em: 27 set 2009.166 SILVA, Marcelo Gomes (Coo). Manual do promotor de justiça da infância e da juventude. Florianópolis: Coordenadoria de Comunicação Social do Ministério Público de Santa Catarina, 2008. p. 46.

78dizer que a medida socioeducativa é uma espécie de pena. Ao contrário, ela é sempre

impingida em favor do adolescente, mesmo que tal imposição acabe representando alguma

forma de sacrifício para ele.

Bem se sabe que, por serem inimputáveis, a criança e o adolescente não

cometem crimes ou contravenções, incorrendo somente em ato infracional conforme

adotem conduta de tipicidade objetivamente idêntica.

Nesse sentido, cabe destacar que o artigo 103 do Estatuto da Criança e do

Adolescente dispõe o seguinte: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como

crime ou contravenção penal”167.

O fato da Lei n. 8.069/90 submeter as condutas dos adolescentes às

descrições previstas objetivamente na Lei Penal, não tem o condão de atrair para a seara da

infância e juventude as disposições relativas à prescrição, pois, em ultima ratio, as medidas

socioeducativas buscam a reeducação dos infratores e não uma punição, inexistindo, por

conseguinte, pretensão punitiva.

O entendimento de que o estabelecimento de prazos prescricionais, além de dar margem a uma indevida ilação com o Direito Penal, estaria em descompasso com a proposta do Estatuto da Criança e do Adolescente para o atendimento do adolescente em conflito com a lei, até porque não cabe ao Estado (latu sensu), abrir mão, sem motivo justificado, de seu dever de proporcionar ao jovem a resposta sócio-pedagógica adequada, enquanto esta ainda se fizer necessária. O estabelecimento de uma causa objetiva de "perda da pretensão sócio-educativa" seria contrária à proposta de proteção integral do adolescente, que mesmo após decorrido o "lapso prescricional" previsto ainda poderia estar a necessitar dos limites e das oportunidades decorrentes da medida originalmente aplicada168 (sem grifo no original).

Assim sendo, enquanto a pena aplicada aos maiores de 18 anos que cometem

infrações penais tem caráter retributivo e preservativo, as medidas socioeducativas

167 BRASIL. Lei n. 8.069, de 3 de julho de 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm> Acesso em: 27 set 2009.168 DIGIÁCOMO, Murillo José. BRASIL. Breves considerações sobre a proposta de lei de diretrizes socioeducativas. Disponível em: <http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/8/docs/breves_consideracoes_sobre_a_proposta_de_lei_de_diretrizes_socio_educativas.pdf> Acesso em: 27 set 2009.

79preconizadas na Lei n. 8.069/90, com natureza jurídica distinta daquelas, visam à proteção

e reeducação do menor, e, portanto, não devem se sujeitar às disposições penais relativas à

prescrição.

A esse respeito, cabe ressaltar o excelente argumento do Tribunal de Justiça

do Estado do Paraná:

A aplicação do prazos prescricionais previstos no Código Penal ao procedimento de apuração de ato infracional atribuído a adolescentes e regulado pela Lei n. 8.069/90, esbarra na diversidade da natureza e finalidade das medidas sócio-educativas e das penas previstas na legislação criminal. Por serem incompatíveis, não há possibilidade de aplicar-se a prescrição penal ao ato infracional. Com efeito, a Lei 8.069/90 foi editada visando dar cumprimento e proteção integral aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, tal como assegurados na Constituição Federal.[...] De sorte que as medidas sócio-educativas por sua natureza e finalidade divergem das penas previstas na legislação penal169.

E, não bastando a evidente distinção entre as sanções penais e as medidas

socioeducativas aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional é possível reforçar a

não aplicação do mencionado instituto estabelecido no Código Penal, com os seguintes

argumentos:

[…] a) o fato de inexistir norma constante do Estatuto da Criança e do Adolescente autorizando essa aplicação subsidiária;

b) a absoluta incompatibilidade das penas com as medidas sócio-educativas quanto à vinculação aos ilícitos penais;

c) no sistema do Estatuto da Criança e do Adolescente não há indicação, com vinculação a cada ato infracional, de que qual será a medida sócio-educativa a ser imposta e nem o seu prazo para execução, que podem ser elastecidos e diminuídos conforme o caso"170.

169 Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, Ministério Público do Paraná, vol. 9, outubro/dezembro/95, p. 74 apud BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 226.370-SC. Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido Mário César Rotilli Filho. Relator Ministro Fernando Gonçalves. j. 27 de abril de 2000. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=20658&nreg=199900714121&dt=20020408&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009..170 Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, Ministério Público do Paraná, vol. 9, outubro/dezembro/95, p. 74 apud BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 226.370-SC. Recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Recorrido Mário César Rotilli Filho. Relator Ministro Fernando Gonçalves. j. 27 de abril de 2000. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?

80Entretanto, apesar da excelente distinção traçada pela doutrina, em maio de

2007, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que “a prescrição penal é

aplicável nas medidas sócio-educativas”171.

Em discussão levada ao Supremo Tribunal Federal, o Ministro Joaquim

Barbosa Moreira, concordando com o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de

Justiça, destacou que é cabível a aplicação da prescrição às medidas socioeducativas,

salientando que:

É verdade que as medidas previstas no art. 112 da Lei n. 8069/90 não são penas, propriamente ditas. Contudo, considero que esse dado não configura obstáculo à aplicabilidade do instituto da prescrição, tendo em vista que, por exemplo, as medidas de segurança também não são pena propriamente dita, mas se submetem, sem sombra de dúvida, à prescritibilidade172.

Desta forma, o Supremo Tribunal Federal admitiu que a medida

socioeducativa tem natureza jurídica distinta dos dispositivos previstos no Código Penal

Brasileiro. Destacou, porém, que tal fato não é suficiente para afastar o emprego do

instituto mencionado, haja vista que fato idêntico ocorre na prescrição das medidas de

segurança.

Todavia, o próprio Supremo Tribunal Federal já asseverou que a medida de

segurança foi, distintamente das medidas socioeducativas, devidamente estabelecida no

Código Penal Brasileiro e propagada como uma espécie do gênero sanção penal, se

sujeitando, por esse motivo, às regras contidas no artigo 109 e seguintes do referida

codificação.

Nesse diapasão, vale mencionar o seguinte julgado:

seq=20658&nreg=199900714121&dt=20020408&formato=PDF> Acesso em: 27 set 2009..171 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 338. A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn+338&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=1> Acesso em: 27 set 2009.172 BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Habeas Corpus n. 88.788-SP. Impetrante Patrícia Helena Massa Arzabe e Coator Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Joaquim Barbosa. j.22 de abril de 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=88788&classe=HC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 27 set 2009.

81RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. LAUDO PERICIAL ASSINADO POR UM ÚNICO PERITO OFICIAL: VALIDADE. PRESCRIÇÃO PELA PENA MÍNIMA EM ABSTRATO: IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido da validade do laudo pericial assinado por um único perito oficial. 2. A medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal. Impossibilidade de considerar-se o mínimo da pena cominada em abstrato para efeito prescricional, por ausência de previsão legal [...]173.

Enquanto o antigo Código de Menores permitia lacunas que equiparavam,

em algumas situações, os menores aos adultos, como também, trazia mais proteções para os

adolescentes do que para as crianças, o Estatuto da Criança e do Adolescente diferencia os

menores de 18 anos dos adultos, além de estabelecer tratamentos distintos crianças e

adolescentes.

O Estatuto da Criança e do Adolescente jamais apareceu como coadjuvante

frente às regras consagradas pelo Código Penal ou Código de Processo. Isso porque, seu

advento serviu como marco histórico da vitória pela luta pelos direitos e garantias das

crianças e dos adolescentes.

A extinção da pretensão socioeducativa tem causa diversa e o que ocorre é de fácil compreensão: o aspecto a ser contabilizado é, exclusivamente, o relativo ao desenvolvimento biológico do jovem, porque esta foi a determinação legal ao impor sua liberação aos vinte e um anos de idade. O critério eleito foi outro e a preocupação legislativa se dirigiu tão somente à permeabilidade do adolescente aos efeitos da medida socioeducativa174.

Ante o exposto, a possibilidade da aplicação de instituto essencialmente

penal aos adolescentes autores de ato infracional mostra-se um retrocesso inquestionável

nas conquistas angariadas pelo legislador brasileiro.

173 BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 86.888-6 SP. Recorrentes Ministério Público Federal e Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e Recorrido Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Eros Grau. j.08 de novembro de 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=86888&classe=RHC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 27 set 2009.174 MORAES, Bianca Mota de; RAMOS, Helane Vieira. A prática de ato infracional. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coo). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 837.

82Por fim, cabe salientar que o cerne da questão encontra-se na

constitucionalidade da aplicação da Parte Geral do Código Penal Brasileiro nos feitos

atinentes aos atos infracionais praticados por adolescentes.

A Constituição Federal, em seu artigo 228 afirma que “são penalmente

inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (sem

grifo no original)175, tratando-se, portanto, de uma garantia fundamental da não aplicação

do direito penal.

Não há, no mencionado diploma constitucional, qualquer referência a

possível aplicação subsidiária do Código Penal perante as eventuais omissões existentes no

Estatuto da Criança e do Adolescente. Evidente que tal referência estaria na contramão da

história do direito infanto-juvenil, o qual luta, incansavelmente, pela aceitação do cidadão

menor de idade como pessoa em desenvolvimento.

A verdade é que a Constituição Federal permitiu, apenas, que os

inimputáveis menores de 18 anos estivessem sujeitos à normativa especial, qual seja, o

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cabe destacar que no sistema da Lei n. 8.069/90 inexiste norma autorizando

essa aplicação subsidiária do Código Penal aos atos praticados por adolescentes.

Bem se sabe que o artigo 12 do Código Penal assevera que “as regras gerais

deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de

modo diverso”176.

Deste modo, vale reafirmar que o Estatuto da Criança e do Adolescente não

define como crime os fatos praticados por crianças e adolescentes, sendo possível a

aplicação da sistemática do Código Penal, tão somente, às hipóteses dispostas no Capítulo I

do Título VII da Lei n. 8.069/90.

175 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 27 set 2009.176 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Promulga o Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 23 set 2009.

83Frisa-se, por oportuno, que a Parte Geral do Código Penal data de 11 de

julho de 1984, enquanto a redação disposta no artigo 228 da Carta Magna é de 5 de outubro

de 1988.

No mais, admitir regras de caráter penal em benefício do adolescente é abrir

uma brecha para que elas também sejam usadas em seu desfavor, reduzindo-se a idade para

imputação penal de forma transversa.

De fato, a teoria processual relativa ao Direito da Criança e do Adolescente

toma em consideração as categorias tempo e velocidade. O sujeito deste direito é um ser

humano vulnerável, cujas demandas devem ser resolvidas rapidamente, sob pena de se

tornarem ineficazes.

Entretanto, não se faz necessário o uso do instituto da prescrição para

garantir tal prerrogativa, sendo recomendável que os feitos sejam extintos pela perda do

interesse de agir, evitando qualquer correlação com o âmbito penal.

Destaca-se, por fim, que, apesar dos dispositivos penais atinentes à

prescrição possuírem caráter geral, a Constituição Federal foi clara ao afirmar que aos

adolescentes autores de ato infracional serão aplicadas as medidas descritas na legislação

especial, afastando, desta forma, a incidência do Código Penal.

84

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, o presente estudo analisou as principais normativas

internacionais atinentes aos direitos de crianças e adolescentes, as quais acabaram por

influenciar a elaboração legislativa brasileira. Dentre elas, podemos citar, como a principal

influência internacional a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, a qual foi

aprovada na Resolução 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro

de 1989.

Devidamente ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990, a mencionada

Convenção destacou-se pelo processo de reconhecimento da infância e dos seus direitos,

prescrevendo não apenas os direitos à proteção como também, e pela primeira vez, os

direitos-liberdades das crianças e dos adolescentes.

Posteriormente, em leitura feita da Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979, a

qual ficou conhecida como o novo Código de Menores, cuja a entrada em vigor deu-se em

11 de fevereiro de 1980, verificou-se que essa legislação foi a última normativa brasileira a

utilizar a doutrina da situação irregular, não distinguindo, adequadamente, os adolescentes

autores de ato infracional dos jovens em situação de risco.

Analisou-se, ainda, que o Estatuto da Criança e do Adolescente, por ser uma

lei elaborada de forma a coadunar-se com o texto da Carta Constitucional de 1988, rompeu,

definitivamente, com a doutrina da situação irregular adotada no revogado Código de

Menores de 1979.

Assim, determinou-se, portanto, que a medida socioeducativa aplicadas aos

adolescentes autores de atos infracionais possui natureza jurídica protetiva, garantido-se o

melhor interesse da criança.

No segundo momento deste trabalho examinou-se a prescrição como um

instituto jurídico de natureza penal (material), regulado pelo Código Penal, ressaltando-se o

estudo de duas espécies de prescrição previstas na legislação penal, a saber: prescrição da

pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória.

85Após, verificou-se o disposto no artigo 114 do Código Penal Brasileiro sobre

a regulamentação da prescrição da multa, constatando-se a existência de diversas

divergências doutrinárias.

Em continuidade, foi realizada a análise da possibilidade do emprego dos

lapsos temporais dispostos nos artigos 109 e seguintes do Código Penal às medidas de

segurança, concluindo-se que tais medidas são uma espécie do gênero sanção penal e, por

isso, se sujeitam às regras do direito penal.

Na terceira seção deste trabalho, as divergências jurisprudenciais existentes

sobre a possibilidade de aplicação do instituto da prescrição às medida socioeducativas foi

examinada. Destacando-se que os Tribunais Superiores já adotaram diversos

posicionamentos, sendo, o mais atual, o contido na Súmula n. 338 do Superior Tribunal de

Justiça.

No que diz respeito à importância da natureza jurídica das medidas

socioeducativas para a adoção ou não do instituto da prescrição, verificou-se que tal

característica possuiu uma relevância incomensurável.

Ainda, analisou-se, atentamente, a edição da Súmula n. 338 pelo Superior

Tribunal de Justiça, a qual dispõe que “a prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-

educativas”177.

Concluiu-se, finalmente, que a doutrina do melhor interesse da criança, bem

como da proteção integral determinam que o instituto da prescrição previsto no Código

Penal Brasileiro não pode ser aplicado às medidas socioeducativas destinadas aos

adolescentes autores de ato infracional.

Por fim, vale destacar que a aproximação desse direito inovador, o qual

garante a crianças e adolescentes a característica de sujeitos de direitos, com o sistema

177 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 338. A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn+338&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=1> Acesso em: 27 set 2009.

86penal ultrapassado da década de quarenta somente resultará no retrocesso ao direito

brasileiro.

87

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