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1 CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS DA AGROENERGIA NA BAHIA: ANÁLISE DA RICINOCULTURA NA MICRORREGIÃO GEOGRÁFICA DE IRECÊ – BAHIA. Leandro Pessoa Vieira Universidade Federal da Bahia-UFBA [email protected] Resumo O atual uso político da noção de natureza implica em modificações em diversas dimensões. As alterações espaciais são inicialmente, observadas no arranjo paisagístico, reorganizado por convenções, normatizações e práticas na escala global, nacional, local. No Brasil a introdução de medidas para uma produção energética, via biomassa, contempla esta utilização política do conceito de natureza. Na microrregião geográfica de Irecê – Bahia, a configuração paisagística está sendo moldada, em consonância com esta ordem nacional e global. Desta forma é possível observar o surgimento de um circuito espacial produtivo para produção de agroenergia. Com isto objetivou-se compreender as implicações territoriais da reorganização produtiva, considerando que está se configurando um circuito espacial produtivo em torno desta oleaginosa, o que pode implicar em problemas para a segurança alimentar. Palavras-chave: Mamona. Paisagem. Circuito. Espacial produtivo. Agroenergia. Introdução O estado da Bahia é maior produtor de mamona (ricinus communis L.) do Brasil. Historicamente essa produção ocupa as propriedades rurais da microrregião geográfica de Irecê (MRG Irecê 1 ). Esta oleaginosa possui importância econômica devido à extração do óleo de rícino que é direcionado a diversas indústrias que o utilizam como matéria- prima de inúmeros produtos desde óleos lubrificantes para motores de alta rotação como aviões e foguetes a plásticos e fibras sintéticas. Entre as décadas de 1970 e 1980 o Brasil possuía a maior produção mundial de mamona, com área plantada de aproximadamente 500 mil hectares 1 e era o maior exportador de seu óleo, tendo o estado da Bahia como seu expoente nesta atividade. Ao final da década de 1980 e início de 1990 a produção declinou devido a ausências de investimento e de assistência tecnológica. Quando lançado o Programa Nacional de Produção de Biodiesel – PNPB em 2004, houve mais uma possibilidade de fomento ao destino do óleo de mamona: a produção de combustível renovável de fonte alternativa à fossilista. Com este advento, a ricinocultura foi inserida no contexto de produção energética, via biomassa, introduzida numa lógica global de utilização de insumos agrícolas para a produção de combustíveis,

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CIRCUITOS ESPACIAIS PRODUTIVOS DA AGROENERGIA NA BAHIA: ANÁLISE DA RICINOCULTURA NA MICRORREGIÃO GEOGRÁFICA DE

IRECÊ – BAHIA.

Leandro Pessoa Vieira Universidade Federal da Bahia-UFBA

[email protected]

Resumo O atual uso político da noção de natureza implica em modificações em diversas dimensões. As alterações espaciais são inicialmente, observadas no arranjo paisagístico, reorganizado por convenções, normatizações e práticas na escala global, nacional, local. No Brasil a introdução de medidas para uma produção energética, via biomassa, contempla esta utilização política do conceito de natureza. Na microrregião geográfica de Irecê – Bahia, a configuração paisagística está sendo moldada, em consonância com esta ordem nacional e global. Desta forma é possível observar o surgimento de um circuito espacial produtivo para produção de agroenergia. Com isto objetivou-se compreender as implicações territoriais da reorganização produtiva, considerando que está se configurando um circuito espacial produtivo em torno desta oleaginosa, o que pode implicar em problemas para a segurança alimentar. Palavras-chave: Mamona. Paisagem. Circuito. Espacial produtivo. Agroenergia.

Introdução

O estado da Bahia é maior produtor de mamona (ricinus communis L.) do Brasil.

Historicamente essa produção ocupa as propriedades rurais da microrregião geográfica

de Irecê (MRG Irecê1). Esta oleaginosa possui importância econômica devido à extração

do óleo de rícino que é direcionado a diversas indústrias que o utilizam como matéria-

prima de inúmeros produtos desde óleos lubrificantes para motores de alta rotação como

aviões e foguetes a plásticos e fibras sintéticas.

Entre as décadas de 1970 e 1980 o Brasil possuía a maior produção mundial de

mamona, com área plantada de aproximadamente 500 mil hectares1 e era o maior

exportador de seu óleo, tendo o estado da Bahia como seu expoente nesta atividade. Ao

final da década de 1980 e início de 1990 a produção declinou devido a ausências de

investimento e de assistência tecnológica.

Quando lançado o Programa Nacional de Produção de Biodiesel – PNPB em 2004,

houve mais uma possibilidade de fomento ao destino do óleo de mamona: a produção

de combustível renovável de fonte alternativa à fossilista. Com este advento, a

ricinocultura foi inserida no contexto de produção energética, via biomassa, introduzida

numa lógica global de utilização de insumos agrícolas para a produção de combustíveis,

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difundindo cada vez mais os agrocombustíveis. O último levantamento realizado pelo

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2010, identificou que a área

plantada de mamona, no Brasil, foi de aproximadamente 158 mil hectares, sendo que 72

mil hectares estão localizados na MRG Irecê, o que corresponde a cerca de 65% da área

plantada de mamona, no estado da Bahia.

Em consonância com o PNPB, no estado da Bahia foi lançado em 2007, o Programa

Estadual de Produção de Bioenergia – BAHIABIO, com o intuito de estimular a cadeia

produtiva dos agrocombustíveis, além de gerir ações nesta área produtiva. Assim como

o PNPB a argumentação principal para implantação deste programa é a temática

ambiental com ênfase no “aquecimento global”. Para isto, agricultores familiares,

sindicatos, cooperativas, associações se unem as indústrias, a PBIO- Petrobrás

Biocombustíveis2, as instituições governamentais e reguladoras, para garantir o

funcionamento deste circuito produtivo.

Em estudo de viabilidade agrícola efetuado pela EMBRAPA - Empresa Brasileira de

Pesquisa Agropecuária, de acordo com alguns critérios geoambientais foram

identificados, na Bahia, 189 municípios considerados aptos ao cultivo, a maioria destes

localizados em áreas de incidência da tipologia climática semi-árida.

Com a adequação do circuito produtivo da mamona ao PNPB, esta cultura foi inserida

na circuito produtivo de agroenergia e por esta condição, introduzido em uma lógica

mercantilizada que envolve processos na escala global. Desta forma, o lugar está se

especializando mediante informação técnico-científica e se adapta a uma racionalidade

hegemônica, cabendo uma análise para verificar se esta adaptação adquire viabilidade

ambiental, ou seja, convertendo em benefícios à natureza e à sociedade.

Estimativa realizada pela SEAGRI – Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma

Agrária do Estado da Bahia, em 2007, aproximadamente 85% dos produtores de

mamona no estado eram oriundos da agricultura familiar. Sabe-se que esta categoria

sócio-ocupacional é responsável por elevada quantidade na produção de alimentos, e na

Bahia é responsável pela produção de feijão e milho que estão sendo utilizados,

atualmente, em cultivo consorciado com a mamona em diversas propriedades rurais.

Ainda segundo a EMBRAPA, em 2008, apenas 30% da produção de mamona estava

sendo direcionada para indústria energética. Porém, neste mesmo ano foi inaugurada

uma usina da Petrobras, no município de Candeias para produzir Biodiesel. Antes da

usina já existia outras duas na MRG Irecê que processavam a mamona para a retirada do

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óleo de rícino, no município de Lapão ou para a produção do “Biodiesel”, localizada no

município de Iraquara.

A instalação da usina no munnicípio de Candeias, localizado na região metropolitana de

Salvador visa também estimular a produção de oleaginosas no estado para seu

abastecimento. Além disso, desde 1º de Janeiro de 2010 é necessário adicionar 5% de

“biodiesel” a todo óleo diesel de matriz fossilista fator este que pode incrementar a

demanda para o cultivo de matéria-prima para a produção deste combustível.

Com este cenário, incentivos estão sendo dirigidos a esta produção, seja através de

linhas de crédito bancário, ou em benefícios fiscais às indústrias de refino de agrodiesel,

podem implicar na organização social dos produtores. Outro possível problema social,

com repercussões ambientais, que pode ser causado com a atividade é a busca da

segurança energética causar transtornos à produção de alimentos na referida região

gerando problemas que ultrapassem os limites da área em estudo.

As implicações ambientais negativas podem ser originadas de diversas maneiras no

cultivo da mamona e no seu processamento desde utilização de produtos agroquímicos,

que podem potencializar contaminação do aquífero cárstico de Irecê até a liberação dos

rejeitos da usina que processa a mamona no município de Iraquara.

Diversas instituições públicas e privadas estão com o intuito de fomentar este circuito

produtivo, ainda carente de um estudo integrado, sobre as implicações causadas ao

ambiente da MRG Irecê.

A Paisagem: epistemologia e metodologia

A paisagem é a categoria de análise que se tornou a fonte desta pesquisa. Entende-se

que em um estudo geográfico a paisagem é o ponto de partida e o ponto de chagada,

pois “analisar espacialmente o fenômeno implica antes descrevê-lo na paisagem e a

seguir analisa-lo em termos de tritório, a ffim de compreender-se o mundo como

espaço” (Moreira, 2008, p.116) Desta forma esta análise geográfica foi originada, nutre-

se e flui, a partir da paisagem.

Este conceito possui um movimento dentro das ciências (inclusive geográfica) que o

proporciona múltiplos sentidos. Nos estudos ambientais em geografia ainda se evoca a

característica descritiva e a análise fracionada. A paisagem, nesta perspectiva, é vista

como objeto como uma realidade independente dos olhares e percepções dos sujeitos.

Com a introdução de um panorama subjetivo a paisagem se torna

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um objeto socializado, uma imagem, que só existe através do fenômeno fisiológico da percepção e de uma interpretação sociopsicológica [...] nem por isso deixa de ser uma estrutura natural, concreta e objetiva, isto é independente do observador (Bertrand e Bertrand, 2009, p.218).

A partir desta reflexão percebe-se um dos motivos para uma recorrente exclusão da

paisagem nos estudos ambientais contemporâneos. Este conceito está repleto de tensões

e desconfortos, proporcionados pelas conexões entre noções aparentemente antagônicas

e contraditórias tais como objetividade–subjetividade e natureza-cultura, parte-todo. A

paisagem não é apenas estética, ela é representação.

A paisagem é estrutura e sistema a um só tempo (Bertrand e Bertrand, 2009). Estrutura

devido a sua materialidade adaptada na dialética sociedade-natureza. Sistema, pois, é

uma tradução das coexistências de processos naturais e sociais. Os sistemas de

produções econômicos estão esteticamente registrados na paisagem. Afinal a paisagem

é sempre uma herança (Ab’Saber 2003), pois é um legado dos processos fisiográficos e

biológicos e dos processos históricos de produção societária. Esta combinação

materializa e simboliza, a um só tempo, as paisagens geográficas. Ordem e desordem

convivendo dialogicamente. É a natureza na dimensão social e a sociedade numa

dinâmica natural.

A paisagem está “inserida em uma rede coerente de significantes sociais” (Bertrand e

Bertrand 2009, p.224). Ela não é um registro neutro dos fenômenos naturais. A

paisagem não é apenas aparência. Nela estão incutidos, olhares penetrados de diversos

valores sociais, sejam estes econômicos, estéticos, religiosos, morais, ou seja, a

paisagem é um produto social. Mas não se pode esquecer que

mesmo as paisagens mais artificializadas permanecem sempre dominadas por mecanismos naturais: energia solar, fotossíntese que elabora a matéria viva, ciclos biogeoquímicos, energia gravitacional, etc. Não há paisagem sem dimensão ecológica. (Bertrand e Bertrand, 2009, p.172)

Nos estudos geográficos a paisagem pode ser vista como objeto, mas não apenas como

tal. E o distanciamento desta visão centralizadora objetiva pode ser obtido quando

considerado o tempo das análises paisagísticas, que é o tempo do sociocultural, das

múltiplas temporalidades das representações.

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Em alguns momentos se faz necessário conjugar esta categoria com outras para

obtenção de análises que sejam associadas as dimensões jurídica, econômica, cultural e,

sobretudo, política das ações e relações societárias envoltas em relações de poder, tal

como os conceitos de território e espaço.

A conexão da paisagem com outros conceitos possibilitam uma visão transversal, em

multiescalas temporais e espaciais de um determinado fenômeno geográfico.

A ricinocultura no contexto da produção de agrocombustíveis na Bahia, no Brasil e no mundo. Nos últimos vinte anos houve ampla de divulgação e apropriação de uma causa: o

aquecimento global. E esta apropriação ocorreu por setores que buscavam desqualificar

esta própria causa (Gonçalves, 2006, p.329). Nos últimos tempos houve a indicação de

que o vilão principal, do chamado aquecimento global é a queima de combustíveis

fósseis. Neste cenário, seria necessária a diminuição da emissão dos gases poluentes e

isso aconteceria por meio da elaboração e utilização de outras fontes energéticas.

Nas estimativas realizadas por ONGs apontam que, com a utilização de

agrocombustíveis será emitido 70% menos de gases poluentes na atmosfera. Inicia-se

assim o uso político intensivo da noção de natureza, inclusive com a introdução da

noção de desenvolvimento sustentável, da qual a obtenção de energia a partir de

agrocombustíveis é uma via.

Assim toda vez que o preço do petróleo está elevado busca-se alternativas substitutivas

de seus direcionamentos e a questão político-econômico-financeira transmuta-se em

causa ambiental. Na década de 1970 quando houve a primeira crise do petróleo,

surgiram avanços tecnológicos para substituir o combustível de matriz fossilista. No

Brasil foi lançado o Proálcool – Programa Nacional de Álcool que tinha como objetivo

estimular a produção de álcool combustível (etanol) que tinha como matéria-prima a

cana-de-açúcar3.

No final da década de 1970 já havia produção de carros com motores movidos a álcool.

Além destes motores, o álcool também foi acrescentado a gasolina pura em mistura que

ao longo destes quarenta anos alternaram entre 1,1 a 25%. Atualmente com a difusão da

tecnologia dos motores flex fuel4 o consumo interno de etanol aumentou, sobretudo

diante das constantes oscilações no preço do petróleo.

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E neste mesmo contexto, cria-se a necessidade de surgimento de outras fontes

energéticas para não permanecer apenas na dependência dos combustíveis fossilistas. O

lançamento do Programa Nacional de Produção e uso de Biodiesel - PNPB em 2004,

estimulou a produção de Biodiesel proveniente de oleaginosas, inclusive da mamona. É

importante considera que o termo Biodiesel é ideológico, pois, utiliza o prefixo “Bio”,

que significa vida. Como alerta Leff

a referência nominalista emerge sempre das práticas sociais e produtivas da cultura, condicionada pelos efeitos de sentido que se produzem nas práticas discursivas como efeito da ordem simbólica e das formações ideológicas de grupos sociais diversos que atravessam o campo do poder e do saber (2010,p.26).

Entende-se assim que o termo “Biodiesel” sugere algo que não contempla sua condição:

vida. O prefixo “Bio” então emerge como uma oposição da queima dos combustíveis

fósseis causadores da “morte”, com o nome de degradação ambiental. Por isto este

trabalho apenas utilizará o termo Biodiesel ou quando se referir ao programa PNPB,

pois está na nomenclatura do projeto. No mais, será utilizado o termo agrocombustível

ou agrodiesel.

Com emprego do óleo de rícino para a produção de agrodiesel, o cultivo de mamona foi

inserido no contexto de produção energética, via biomassa, introduzida numa lógica

global de utilização de insumos agrícolas para a produção de combustíveis. Na Bahia há

o cultivo de outras oleaginosas para esta finalidade produtiva. Destaca-se a soja, pinhão-

manso, algodão, girassol e dendê. Assim, entende-se que as paisagens estão sendo

moldada e (re) modeladas a partir de marcos territoriais histórico-políticos com

centralidade econômico-financeira.

Estima-se que, aproximadamente 85% dos produtores de mamona, no estado, são

oriundos da agricultura familiar. Sabe-se que esta categoria socio-ocupacional é

responsável por elevada quantidade na produção de alimentos, e na Bahia é responsável

pela produção de feijão e milho que estão sendo utilizados, atualmente, em cultivo

consorciado com a mamona em diversas propriedades rurais.

Desta forma, é possível compreender que “necessidades” geradas em escalas distintas

da local possuem implicações em diversas escalas, pois, a oscilação dos preços do

petróleo no mundo determinaram uma reorganização agrária, sobretudo aos agricultores

familiares na MRG Irecê que elevaram a produção desta oleaginosa, reflexo este de uma

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normatização proveniente da escala nacional (o PNPB) que por sua vez está em

consonância com os discursos e ações da escala global.

Breve histórico da atividade agrícola na microrregião geográfica de Irecê – Bahia. A configuração atual da MRG de Irecê (figura 1), é o recorte espacial deste trabalho,

pois uma das particularidades produtivas desta área é cadeia produtiva da mamona

desde a ricinocultura até o processamento da mamona. Esta atividade, neste espaço, se

destaca no contexto estadual e até nacional.

A regionalização do IBGE em meso e microrregiões pressupõe certa homogeneidade,

sobretudo nas relações produtivas e comerciais dos municípios que integram

determinada MRG além dos fatores geobiofísicos. A regionalização oficial do Estado da

Bahia atualmente são os Territórios de Identidade, mas a utilização da MRG será

efetuada, pois contempla uma maior parcela do circuito produtivo estudada. O

município de Irecê é o topônimo, tanto da microorregião geográfica (MRG) quanto do

território de identidade (TI). Enquanto a MRG é composta por dezenove municípios5, já

o TI é composto por vinte6. Dentre estes municípios, dezessete fazem parte das duas

regionalizações e estes são diferenciados por cinco municípios.

Para este trabalho a regionalização proposta pelo IBGE foi utilizada como referência

espacial desta análise, pois nesta área, estão localizadas com maior intensidade, as

atividades do circuito espacial produtivo da agroenergia, desde o cultivo de mamona ao

processamento industrial.

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Figura 1: Microrregião Geográfica de Irecê – Bahia.

Fonte: SEI,2010. Elaborado. VIEIRA, 2012. Além de se destacar no cultivo, há duas usinas de beneficiamento da mamona na MRG:

uma em Lapão, com a gestão efetuada pela COAFTI - Cooperativa da Agricultura

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Familiar do Território de Irecê Ltda.; e outra em Iraquara, sob tutela da Vanguarda

Agro7.

Com relação a atividade agrícola esta área possuiu, entre as décadas de 1960 até meados

da década 1980, elevada produção de feijão, e por esta condição era conhecida

nacionalmente como “região do feijão”. Até a implantação em larga escala do cultivo de

feijão, não havia uma intensificação do uso agrícola das terras e a produtividade do

feijão ocorria, de forma assessorada, por meio de diversos órgãos estaduais e federais.

Esta situação ocorreu em um período histórico no qual a intervenção do Estado

repercutiu na MRG pois, esta

se beneficiou da conjuntura histórica e econômica da época, caracterizada pela ação do Estado, através de uma política agrícola de incentivo à modernização da agricultura no país. Em função disso, sobretudo nos anos 60 e 70, houve maior facilidade de crédito agrícola, com juros subsidiados para possibilitar a mecanização da lavoura e a compra de insumos agrícolas, além do seguro do PROAGRO que cobria os riscos da produção (BARBOSA, 2000).

Porém o desenvolvimento da atividade agrícola em qualquer área precisa ser

compreendido através da relação mútua ente os fatores espaciais, sociais, econômicos

culturais, políticos com os fatores geobiofísicos, tais como relevo, clima, solo, ou seja,

considerando o hibridismo da interdependência orgânica da sociedade-natureza.

Desta forma, este contexto geo-histórico pode ser aproveitado socialmente na área

estudada, devido às condições geoambientais existentes, com ênfase na predominância

dos solos com presença de calcários, com destaque para os cambisssolos que são férteis

(BAHIA, 1995). No que tange a hidrologia, a área é beneficiada pela existência do

aqüífero cárstico Irecê, que promove o suprimento de água, e como relação ao relevo o

Planalto Cárstico que se estende por quase metade da área da MRG Irecê (BAHIA,

1995) e que possui da topografia plana, o que beneficia a mecanização da área.

Já no final da década de 1980 a monocultura do feijão declina, por diversos fatores, com

ênfase nas condições geoambientais que foram comprometidas com a utilização

inadequada do solo. A inadimplência dos agricultores também foi elevada, pois para

tentar manter a produção, em níveis considerados lucrativos, foi efetuado financiamento

com bancos e com a derrocada da produção este problema se apresentou de forma

ampla (Sobrinho, 2007, p.64).

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Ainda no período em que se plantava feijão com elevada produtividade foi intensificada

a ricinocultura nesta área. Em comparação com o cultivo de feijão a mamona necessita

de menos água e por esta condição logo foi introduzida entre os agricultores familiares

que não possuíam infra-estrutura de irrigação em suas propriedades rurais. A

ricinocultura desde sua implantação foi realizada de forma consorciada com o milho e o

feijão

Tabela 01-Área plantada das principais lavouras temporárias da MRG – Irecê

contextualizando com a produção estadual e nacional 1980/1990 (em hectares)

Lavoura

1980 1990

Brasil Bahia MRG -

Irecê Brasil Bahia

MRG-

Irecê

Mamona

Milho

Feijão

315.177

10.338.592

4.361.467

203.579

604.177

602.976

72.179

164.606

172.644

293.688

12.023.771

5.304.267

205.464

418.477

600.136

122.398

62.596

154.993

Fonte : IBGE: Censo Agropecuário, 1980 e Produção Agrícola Municipal, 1990.

Entre as décadas de 1980 e início de 1990 a produção de mamona na MRG Irecê

aumentou sua porcentagem na área plantada na escala estadual e nacional passando de

aproximadamente 35% da produção estadual em 1980 para 59% em 1990 (tabela 01).

Desta forma, a crise agrícola e agrária local, se estabeleceu por meio do cultivo de

outras lavouras na MRG Irecê e com certa estabilização da ricinocultura, e com

destaque desta cultura na participação nacional.

Os eventos climáticos, como a seca, serviram para justificar a diminuição do

quantitativo das lavouras de milho e feijão, mas neste período ocorre apenas o declínio

destes cultivos. Porém, analisando com o período atual é possível observar que, a

decadência destas culturas se deu por diminuição da capacidade produtiva, por

problemas ambientais, não apenas de natureza geobiofísica como degradação do solo,

incluindo também as dimensões políticas e financeiras.

Tabela 02-Quantidade produzida das principais lavouras temporárias da MRG – Irecê

contextualizando com a produção estadual e nacional 1980/1990 (em toneladas)

Lavoura 1980 1990

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Brasil Bahia MRG -

Irecê Brasil Bahia

MRG-

Irecê

Mamona

Milho

Feijão

157.483

15.722.581

1.732.044

85.848

352.075

196.236

25.368

104.504

77.784

147.971

21.347.774

2.234.467

100.347

127.041

227.194

60.342

13.501

66.878

Com relação a quantidade produzida, a MRG Irecê teve sua participação acentuada, pois

em 1980 produzia 16% da produção nacional e em 1990, esta mesma produção na área,

correspondia a 40% do que era produzido no Brasil (tabela 02). É possível observar a

queda considerável da quantidade produzida de milho no mesmo período apresentado.

O perfil monocultor da agricultura na MRG Irecê estava alterado, pois diminuiu

consideravelmente a dependência da lavoura de feijão, ocasionada primeiramente por

uma degradação dos componentes geobiofísicos, no que concerne a produtividade dos

solos. Este fator se configurou também em uma crise econômica devido a suspensão do

crédito e descapitalização do produtor rural.

O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel e a reorganização produtiva

da microrregião geográfica de Irecê.

Diante das discussões sobre a necessidade diminuição de emissão de gases poluentes

derivados da queima de combustíveis fósseis e os debates sobre a geração de energias

alternativa a fossilista, o governo federal lança, em Dezembro de 2004 o PNPB –

Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. Este foi o marco que normatizou a

produção de combustíveis provenientes de óleos vegetais no Brasil.

O PNPB não foi a primeira política pública para incentivar a produção e uso energético

de óleos vegetais, já que outros programas semelhantes foram criados, na tentativa de

dinamizar esse setor produtivo, com intuito de diminuir a dependência dos

combustíveis provenientes de petróleo. Devido a alta do preço do petróleo durante a

década de 1970, e a ocorrência do chamado segundo choque do petróleo em 1979, foi

instituído pelo Conselho Nacional de Energia, em 1980, o Proóleo - Programa Nacional

de Produção de Óleos Vegetais para Fins Energéticos.

O objetivo deste projeto era produzir agrodiesel para combinar com o diesel fossilista,

sendo que a mistura teria inicialmente 30% de combustível proveniente de fontes

vegetais originando assim o (B308). As sementes oleaginosas utilizadas neste período

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foram as de soja, amendoim, girassol e dendê. Em 1983 foi lançado em escala nacional

pela então Secretaria de Tecnologia Industrial o OVEG – Programa de Óleos Vegetais,

programa técnico de pesquisa e desenvolvimento, no qual foi testada a utilização de

agrocombustíveis em veículos, sendo que foi utilizado o agrocombustível puro e o B30.

Esta iniciativa contou também com a participação de indústrias automobilísticas e de

óleos vegetais, de fabricantes de peças e de produtores de lubrificantes e combustíveis.

Apesar de concluir que o óleo vegetal possui um excelente potencial de alternativa

energética ao país, a viabilidade técnica não foi convertida em implantação efetiva desta

fonte. Assim, em 1985 estes programas não tiveram continuidade por dois motivos

fundamentais: a inviabilidade econômica, devido a diminuição do preço do petróleo,

como o desinteresse da Petrobras e a inexistência de motores multicombustíveis sendo

que os esforços se restringiam majoritariamente a produção do combustível e não o

advento técnico que permitiria sua utilização.

Com nova elevação do preço do petróleo no inicio dos anos 2000, novamente foi

evocada a utilização de combustíveis alternativos aos de fontes fossilistas. Desta forma,

institucionalizou a base normativa para a produção e comercialização dos

agrocombustíveis no país, o PNPB. Além do discurso de melhoria ambiental, devido a

diminuição da queima de combustíveis fósseis com a utilização de outras fontes

energéticas, o PNPB possui enfoque na inclusão social, devido a introdução da

agricultura familiar, com a intenção de contribuir com a capacidade de renda desta

categoria sócio-ocupacional e no desenvolvimento regional, pois insere modalidades

produtivas que evitam a monocultura e permitem o uso de áreas até então pouco

atrativas (Abramovay e Magalhães, 2011).

As ações e diretrizes do PNPB contemplam boa parte da cadeia produtiva dos

agrocombustíveis e uma das ferramentas para a ocorrência deste acontecimento é a

utilização do certificado “Selo Combustível Social”. Este selo é concedido pelo MDA –

Ministério do Desenvolvimento Agrário as empresas produtoras de agrocombustíveis

desde que adquiram percentuais mínimos de matéria-prima provenientes da agricultura

familiar. Este percentual é diferenciado nas regiões brasileiras e no caso do Nordeste

este percentual é de 50%. Este advento além de incluir um importante quantitativo

sócio-ocupacional permite que, o mercado não fique dependente apenas de uma

oleaginosa e de poucos produtores. Para isto as empresas estabelecem contratos com o

sindicato dos trabalhadores rurais que na área estudada é representada pela COAFTI.

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No Brasil considerando as oleaginosas a mamona é o produto principal destes contratos

com 61% do total, seguido pela soja, com 29% (Abramovay e Magalhães, 2011).

As empresas que obtém este selo são credenciadas a participar dos leilões que

acontecem, regulamentada pela ANP– Agência Nacional do Petróleo, que permite a

compra do agrodiese peloa PBIO Petrobrás Biocombustível9que compra o agrodiesel e

realiza a mistura com o diesel fossilista. Em contrapartida, estas empresas recebem

incentivos fiscais para a manutenção da cadeia produtiva.

Como citado anteriormente, na MRG Irecê são duas usinas que processam a mamona. O

município de Iraquara é sede da usina de beneficiamento da Vanguarda Agro10, que

iniciou suas operações em 2006 e produz o biodiesel puro que é leiloado à PBIO através

dos leilões da ANP.

Já o outro estabelecimento industrial é uma esmagadora de mamona inaugurada em

2008 e está localizada no município de Lapão, e possui gestão compartilhada pela

COAFTI e prefeitura municipal de Lapão e foi financiada pelo MDA. Esta fábrica,

orçada em aproximadamente 1,8 milhões de reais sendo que 1,5 milhão foi financiada

pelo MDA e os outros 300 mil pela prefeitura de Lapão.

Além da gestão deste empreendimento ter sido financiada também pelo poder local,

outro agente social fundamental para seu funcionamento, efetuando a gestão é a

COAFTI. Em Janeiro de 2010 a prefeitura de Lapão celebrou um título de cessão de

uso11 da esmagadora a COAFTI, sendo de responsabilidade da cooperativa efetuar a

gestão nos próximos 20 anos. Entretanto a cooperativa recebe apoio técnico para cuidar

da gestão da empresa e do associativismo por parte do SEBRAE12 e da PBIO.

A COAFTI efetua assistência ao agricultor não apenas no ciclo produtivo em si, mas

desde a obtenção de crédito que pode ser obtido na própria sede da cooperativa além de

realizar assessoria indicado quais são as maneiras mais prudentes para investir o

dinheiro obtido a partir de financiamentos bancários.

Um benefício que os agricultores relatam sobre a funcionalidade da esmagadora é a

diminuição da ocorrência e da influência dos atravessadores permitindo ganho maior

para os produtores, pois a gestão elaborada pela cooperativa.

O contexto da formação da cadeia produtiva dos “agrocombustíveis” está conectando

agentes que contestavam entre si outras formas de condução de políticas de empresas,

movimentos sociais e os poderes públicos, federal, estadual e municipal. Sobre este

contexto Abramovay e Magalhães afirmam que

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essa inusitada configuração foi possível em função das substantivas mudanças na concepção de controle que orienta a ação dos três principais agentes responsáveis pela formação do mercado de biodiesel: empresas passaram a adotar a responsabilidade social como núcleo dos seus negócios, movimentos sociais trocaram a contestação pela parceria com empresas e o governo passou a exercer o papel de catalisador de agentes, antes antagônicos, ao invés da tradicional prática corporativista (2007, p.14).

É possível analisar que esta configuração é recente e que ainda não há tempo satisfatório

para saber se esta composição será benéfica para todos os entes que fazem parte deste

vínculo operacional. Estas relações na estrutura de governança oferecem influência

participativa e deliberativa importante às organizações sociais. É possível considerar

esse tipo de participação pode ser considerado o que Boaventura de Souza Santos

(2006) denomina de democracia de alta intensidade, pois vozes são atribuídas a todos os

participantes, sobretudo aos que anteriormente estava se situando em posições

subalternas. O mesmo autor reflete que

Desta maneira compreende-se que o pacto federativo frágil que observarmos na

atualidade na sociedade brasileira, está diante de uma nova configuração setorial que

possui características próprias. O pacto federativo por si só não torna a democracia mais

participativa ou de alta intensidade, mas cabe o acompanhamento desta articulação

propiciada pelo “apelo” mundial, e a da causa ambiental, inclusive a apropriação

simbólica dos Estados Unidos a esta causa, sobretudo para camuflar as pretensões de

controle das fontes de combustíveis fósseis.

Este fundamento está “inspirando” normatização no âmbito nacional, o PNPB, e

estadual que altera paisagens, organizações espaciais, por meio da intensificação de

circuitos espaciais produtivos

A ricnocultura para agroenergia na MRG Irecê

Retornando apenas a fase do cultivo, atualmente a ricinocultura é a quarta lavoura em

quantidade produzida na MRG Irecê atrás apenas da lavoura de cebola, tomate e

mandioca, sendo que os dois primeiros estão sendo beneficiados pelos projetos de

irrigação existentes a leste do Rio São Francisco. Ainda, o cultivo de mamona elevou

sua participação percentual na produção estadual e nacional, correspondendo a 69% e

54% respectivamente (tabela 03). Enquanto isto diminuiu-se sensivelmente os cultivos

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de milho e feijão na MRG nos últimos 10 anos, bem como sua proporção na lavoura

estadual e nacional.

Tabela 03-Quantidade produzida das principais lavouras temporárias da MRG – Irecê

contextualizando com a produção estadual e nacional 2000/2010 (em toneladas)

Lavoura

2000 2010

Brasil Bahia MRG -

Irecê Brasil Bahia

MRG-

Irecê

Mamona

Milho

Feijão

112.497

32.321.000

3.056.289

83.953

1.321.569

540.125

42.806

98.427

163.055

95.183

51.724.749

2.293.077

74.055

2.223.302

316.377

51.504

49.736

10.157

Fonte : IBGE - Produção Agrícola Municipal, 2000 e 2010.

A produção de feijão da MRG Irecê basicamente abastece o mercado da área da

microrregião e algumas conseqüências já podem ser observadas como aumentos no

preço de até 20%, já foram registrados no mercado varejista em 2010 (ROCHA, 2010).

Outra problema se refere a questão nutricional pois, em pesquisa recente divulgada

pelo Ministério da Saúde (2010), aponta para a diminuição do consumo de feijão, arroz,

frutas e hortaliças e o aumento do consumo de alimentos com alto teor de sódio e

açúcar. Os alimentos industrializados aumentaram sua proporção na dieta nutricional

brasileira o que potencializa os riscos de doenças cardiovasculares.

Enquanto isto, a ricinocultura eleva sua participação na produção impulsionada pelo

contexto favorável a sua produção como o adiantamento da mistura do diesel de fontes

vegetais com o diesel fossilista. Em 2008 o combustível era o B2. Em 2010 foi

regulamentado o B5 (evento que estava previsto para acontecer em 2013) e os últimos

debates apontam para se institucionalizar um novo marco regulatório, para introduzir no

mercado o B10, já no ano de 2012.

Algumas conseqüências positivas são visualizadas como a inclusão dos agricultores

familiares, mas é necessário considerar que não se podem repetir os mesmos equívocos

do período em que esta área era conhecida como “região do feijão”.

A consideração do incremento que o PNPB ao cultivo da mamona, fez com que a ordem

agrária, em torno desta oleaginosa fosse reorganizada devido a nova configuração

geopolítica mundial em torno da necessidade de transição da matriz energética

(Gonçalves, 2006). Segundo Milton Santos (2004),

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a ordem global é “desterritorializada” no sentido que separa o centro da ação e sede da ação. Seu “espaço” movediço e inconstante, é formado de pontos cuja existência funcional é dependente de fatores externos[...]Cada lugar é, ao mesmo tempo objeto de uma razão global e uma razão local convivendo dialeticamente (2004, p.339)

Desta forma, entende-se que a microrregião geográfica de Irecê atua como um ponto

funcional da nova configuração geopolítica energética nacional e mundial. Através de

suas condições geobiofísicas, como: clima, solo, relevo, disponibilidade de recursos

hídricos, o agricultor percebe a necessidade de adaptação produtiva às culturas de

sequeiro, a “razão local” se manifesta.

Nos últimos dez anos a quantidade produzida de mamona oscilou nas três escalas

analisadas. Como 2005, foi o ano subsequente da introdução do óleo de rícino na cadeia

produtiva agroenergética através do marco regulatório político do PNPB, houve a maior

quantidade produzida de mamona no Brasil (gráfico 01), chegando a 15% da área

colhida no mundo (DESER, 2007). Porém o mercado ficou sobreofertado e os estoques

das indústrias abastecidos. Os preços diminuíram e muitos agricultores abandonaram o

cultivo desta oleaginosa.

Em Janeiro de 2008, com a mistura legalmente obrigatória do combustível B2, houve

acréscimo da quantidade produzida de mamona na no Brasil, na Bahia e na MRG Irecê,

quando comparado com os dois anos anteriores. Em 2010, houve outro marco

regulatório instituindo o B5, mas a ocorrência do fenômeno climático La Niña

(CONAB, 2010) não permitiu o aumento da quantidade produzida na escala nacional,

porém os agricultores da Bahia e da MRG – Irecê não tiveram conseqüências negativas

com este fenômeno e foi possível observar a elevação de suas participações na escala

nacional (gráfico 01).

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Gráfico 01-Quantidade produzida da lavoura de mamona da MRG – Irecê

contextualizando com a produção estadual e nacional 2000 a 2010 (em toneladas)

Fonte: IBGE – Pesquisa Agrícola Municipal 2000 a 2010.

Esta reorganização deste circuito espacial implica em consequências para o ambiente.

Um dos possíveis problemas advindos da cultura da mamona é desterritorializar o

agricultor, não de maneira material de deslocamento espacial, e sim de uma forma na

qual não haja possibilidade de comandar suas ações, estando sujeito a dependência de

fatores financeiros e geopolíticos. Um dos fatos que evidenciam isto é a situação da

mamona como uma commodity, submetendo os produtores, sobretudo os pequenos, a

uma lógica distante de sua realidade13. Além disto, o mercado da mamona é configurado

como uma estrutura de mercado oligopsônica o que pode configurar uma instabilidade

financeira dos pequenos produtores.

Outra questão é a possibilidade do cultivo da mamona se tornar uma monocultura, a

depender da sua importância estratégica, causando problema para o sistema ambiental,

como a incidência de processos erosivos além dos limites técnicos de tolerância e

causando implicações também na segurança alimentar, com a diminuição do estoque de

feijão e a consequente elevação do seu preço.

Por isto a Natureza e a sociedade estão diante de problemas que são difíceis de

compreender quando não analisados através da multidimensionalidade do espaço-tempo

Considerado isto é importante afirmar que as análises para o referido problema não

podem possuir uma primazia espacial, sendo que os tempos e as temporalidades devem

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ser ponderados, de forma equilibrada com o espaço, já que estes formam um par

dialógico, assim com a Natureza-Sociedade e não podem ser analisados separadamente.

Por esta condição do espaço-tempo, Gonçalves (2006b) afirma que Hoje o tempo de quem comanda a ação é mais rápido e, assim, os efeitos de sua ação tendem a ser mais imediatos em escalas cada vez mais ampliadas. Os ciclos biogeoquímicos, a biocenose de cada biótopo, assim como os ritmos socioculturais de cada lugar, sempre próprios ficam cada vez mais submetidos a ação de quem está fora e medindo sua ação em termos de rendimento monetário e exigindo de todos que suas vidas tomem o mercado como parâmetro e assim, que a quantidade torne-se mais importante que a qualidade. (p.135)

Desta forma compreende-se que a reorganização espacial produtiva, com a

intensificação da ricinocultura e a introdução de usinas de processamento, na MRG

Irecê, implicam em alterações paisagística contribuindo para elevar os problemas ao

ambiente, incluindo os indivíduos

Considerações finais

O uso político da noção de natureza, em busca do chamado desenvolvimento

sustentável condiciona paisagens, em sua dimensão ecológica e societária, material e

simbólica, podendo alterar ciclos biogeoquímicos e ritmos sociais de vida. A recente

conjuntura produtiva da MRG Irecê, diretamente ligada a utilização política desta noção

de desenvolvimento sustentável está reconfigurando o arranjo da paisagem local e

modificando a dinâmica dos indivíduos envolvidos neste circuito espacial de produção.

Como o contexto da formação da cadeia produtiva dos agrocombustíveis na MRG Irecê

está conectando agentes que contestavam entre si outras formas de condução de

políticas, seria necessária uma discussão mais ampla para democratizar as decisões

destes e que a centralidade econômico-financeira seja posta de lado para entender como

esta atividade pode beneficiar ou não, os indivíduos envolvidos, a população da área e

as condições naturais de reprodução de seus habitantes.

É importante recordar que a MRG Irecê já foi espaço de oscilações das atividades

agrícolas no estado da Bahia, sobretudo com o ápice do cultivo de feijão e seu posterior

declínio. Naquele cenário diversas instituições públicas e privadas, de forma

desarticulada, fomentaram o cultivo do feijão o que implicou em sérios problemas para

o ambiente e para os agricultores, com a diminuição da capacidade produtiva e

endividamento dos agricultores. Com a rinicocultura estes problemas podem surgir

novamente, com implicações à segurança alimentar.

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Esta é uma análise preliminar, pois cabe ainda avaliar continuidade deste circuito

espacial produtivo bem como das relações estabelecidas entre os agentes envolvidos na

produção para interpretar este fenômeno por meio de novas condicionantes que possam

surgir no contexto global, nacional e local.

Notas _________ 1-Regionalização instituída pelo IBGE em 1990, a microrregião geográfica é parte da mesorregião geográfica, sendo esta última caracterizada de acordo com os processos histórico-sociais e do quadro natural existente. Para a delimitação da microrregião geográfica é considerado também especificidades quanto à organização do espaço referentes à atividade agrícola, industrial e a articulação espacial. A de Irecê é composta por 19 municípios. 2De acordo com a SEAGRI (2007 ) no ano de 1974 o Brasil produziu 574 toneladas de mamona. 3Subsidiária da Petrobras, criada em 2008, e é responsável pela produção e gestaão do Biodiesel nacional. Possui três usinas para a produção de Biodiesel sendo que uma está situada em Candeias -BA, município integrante da RMS – Região Metropolitana de Salvador. 4 Até então a cana-de-açúcar tinha como seu principal direcionamento a produção de açúcar. Este direcionamento duplo ocasiona consequências no preço do açúcar no mundo. 5São motores bi-combustíveis que funcionam por meio de gasolina ou etanol. 6 São estes: América Dourada, Barra do Mendes, Barro Alto, Cafarnaum, Canarana, Central, Gentio do Ouro, Ibipeba, Ibititá, Iraquara, Irecê, João Dourado, Jussara, Lapão, Mulungu do Morro, Presidente Dutra, São Gabriel, Souto Soares e Uibaí. 7 Em comparação com a MRG, não integra o TI os municípios de Iraquara e Souto Soares e é acrescentado os municípios de Ipupiara, Itaguaçu da Bahia e Xique-Xique. 8 Até Setembro de 2011 o nome desta empresa era Brasil Ecodiesel. 9 A nomenclatura BX designa a composição do combustível. Onde B significa o termo biocombustível e X se refere a porcentagem em volume do biodiesel a mistura. No B30, a mistura contém 30% de agrocombustível e 70% de diesel fossilista. O Agrocombustível puro então seria o B100. 10 Subsidiária da Petrobras, criada em 2008, e é responsável pela produção e gestaão do Biodiesel nacional. Possui três usinas para a produção de Biodiesel sendo que uma está situada em Candeis (BA0, município integrante da RMS – Região Metropolitana de Salvador. 11 Até Setembro de 2011 o nome desta empresa era Brasil Ecodiesel. 12 É o ato unilateral de transferência gratuita de posse de um bem público de uma entidade ou órgão, para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas por tempo certo ou indeterminado. 13 Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas 14 O preço internacional do óleo de rícino é regulado pela Bolsa de Roterdã – Holanda.

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