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CERS 2013 – Módulo 2 – Civil Profº. Cristiano Chaves AULA 16 I. SUCESSÃO LEGÍTIMA 1. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA A ordem de vocação hereditária nada mais que o rol de sucessíveis. É o rol daquelas pessoas que serão chamadas a suceder por força de lei, já que se trata de sucessão legítima. Esse rol se chama ordem de vocação hereditária. 1.1. Ordem de vocação hereditária no CC16 (art. 1.603): 1 – Descendentes; 2 – Ascendente; 3 – Cônjuge sobrevivente – cônjuge supérsiste. Vieram duas leis que acrescentaram ao lado do cônjuge o companheiro; 4 – Colaterais até o 4º grau; 5 – Fazenda Pública; Perceba que a ordem de vocação hereditária no CC16 não dependia do casamento. Até porque são dois direitos distintos com situações distintas (meação é diferente de herança). Havia uma crítica de que o cônjuge somente recebia a herança na ausência de ascendente e descendente, o que é muito raro. Por isso, como tentativa de compensar o cônjuge, permitia-se o usufruto vidual . Era um usufruto em razão da viuvez (usufruto = direito de retirar o fruto e administrar). Permitia-se o usufruto de metade ou um quarto do patrimônio transmitido, a depender do regime de bens. Era uma confusão, porque a herança seria transmitida para os descendentes e ascendentes, mas quem teria direito de administrar seria o cônjuge sobrevivente. Quando da vigência do CC16 não havia muita confusão, porque não se admitia o divórcio e como o cônjuge era o pai ou mãe dos descendentes não causaria muito desconforto a administração pelo cônjuge dos bens. No entanto, a partir de 1977, quando se admitiu o divórcio, passou-se a ter uma situação inusitada, porque havia a possibilidade de o cônjuge não ser pai ou mãe dos descendentes, mas administrador dos bens. Depois da admissibilidade do divórcio, o cônjuge sobrevivente nem sempre é pai ou mãe dos descendentes e, portanto, o usufruto vidual se tornou alvo de conflitos. A herança era transmitida para os descendentes, mas quem administrava ou retirava os frutos dessa herança era o cônjuge, que não era pai nem mãe do descendente (padrasto ou madrasta). O CC02 extingui o usufruto vidual, mas compensou o cônjuge. O CC02, inspirando-se no modelo sucessório alemão, estabelece uma nova ordem de vocação sucessória. 1.2. Nova ordem sucessória (CC, 1.829 e 1.790):

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CERS 2013 – Módulo 2 – CivilProfº. Cristiano Chaves

AULA 16

I. SUCESSÃO LEGÍTIMA

1. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

A ordem de vocação hereditária nada mais que o rol de sucessíveis. É o rol daquelas pessoas que serão chamadas a suceder por força de lei, já que se trata de sucessão legítima. Esse rol se chama ordem de vocação hereditária.

1.1. Ordem de vocação hereditária no CC16 (art. 1.603):

1 – Descendentes;2 – Ascendente;3 – Cônjuge sobrevivente – cônjuge supérsiste. Vieram duas leis que acrescentaram ao lado do cônjuge o companheiro;4 – Colaterais até o 4º grau;5 – Fazenda Pública;

Perceba que a ordem de vocação hereditária no CC16 não dependia do casamento. Até porque são dois direitos distintos com situações distintas (meação é diferente de herança).

Havia uma crítica de que o cônjuge somente recebia a herança na ausência de ascendente e descendente, o que é muito raro. Por isso, como tentativa de compensar o cônjuge, permitia-se o usufruto vidual. Era um usufruto em razão da viuvez (usufruto = direito de retirar o fruto e administrar). Permitia-se o usufruto de metade ou um quarto do patrimônio transmitido, a depender do regime de bens.

Era uma confusão, porque a herança seria transmitida para os descendentes e ascendentes, mas quem teria direito de administrar seria o cônjuge sobrevivente. Quando da vigência do CC16 não havia muita confusão, porque não se admitia o divórcio e como o cônjuge era o pai ou mãe dos descendentes não causaria muito desconforto a administração pelo cônjuge dos bens.

No entanto, a partir de 1977, quando se admitiu o divórcio, passou-se a ter uma situação inusitada, porque havia a possibilidade de o cônjuge não ser pai ou mãe dos descendentes, mas administrador dos bens. Depois da admissibilidade do divórcio, o cônjuge sobrevivente nem sempre é pai ou mãe dos descendentes e, portanto, o usufruto vidual se tornou alvo de conflitos. A herança era transmitida para os descendentes, mas quem administrava ou retirava os frutos dessa herança era o cônjuge, que não era pai nem mãe do descendente (padrasto ou madrasta).

O CC02 extingui o usufruto vidual, mas compensou o cônjuge. O CC02, inspirando-se no modelo sucessório alemão, estabelece uma nova ordem de vocação sucessória.

1.2. Nova ordem sucessória (CC, 1.829 e 1.790):

1 – Descendentes, em concorrência com cônjuge ou companheiro sobrevivente;2 – Ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente;3 – Cônjuge sobrevivente (sozinho);4 – Colaterais até o 4º grau (primo, tio-avó e sobrinho-neto) e companheiro sobrevivente;5 – Companheiro sobrevivente (sozinho);

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

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I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;III - ao cônjuge sobrevivente;IV - aos colaterais.

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Conclusões:

1) Os grandes prejudicados foram os descendentes e ascendentes, porque perderam parte de suas heranças para o cônjuge ou companheiros. O cônjuge e companheiro foram os grandes beneficiados porque terão direito a herança em qualquer situação;

2) Quebra da histórica paridade/igualdade entre cônjuge e companheiro. O CC02 terão sistemas sucessórios diferenciados;

3) A Fazenda Pública não é mais herdeira. Neste ponto, podemos dizer que o CC02 evolui. Porque de fato a FP não é herdeira. Ela recebe na ausência de herdeiros. Ela recebe por meio de procedimento especial de jurisdição voluntária chamado de herança jacente e vacante. Esse procedimento é bifásico escalonado. A primeira fase é de jacência e a segunda de vacância. Este procedimento arrecadará o patrimônio. A FP não é herdeira, logo não é beneficiada pela transmissão automática do princípio de saisine. A propriedade daqueles bens sem herdeiros só será adquirida pela FP pela decisão judicial de vacância (STJ, REsp 253.719/RJ). Por isso, antes da decisão judicial de vacância é possível o usucapião (STJ, AR em AI 851.228/RJ). “Art. 1.819, CC: Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância.”

Obs.: Abertura simplificada da herança vacante: “Art. 1.823, CC: Quando todos os chamados a suceder renunciarem à herança, será esta desde logo declarada vacante.” O CC02 diz que se todos os herdeiros renunciam não precisa a fase de jacente e vai já para a segunda fase de vacância.

2. HERDEIROS LEGÍTIMOS

Art. 1.829, CC: A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.

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Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Quem são os herdeiros legítimos:1 – Descendentes, em concorrência com cônjuge ou companheiro sobrevivente;2 – Ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente;3 – Cônjuge sobrevivente (sozinho);4 – Colaterais até o 4º grau (primo, tio-avó e sobrinho-neto) e companheiro sobrevivente;5 – Companheiro sobrevivente (sozinho);

Essa qualidade de herdeiro legítimo não admite ato de renúncia antes da abertura da sucessão. Isso porque o art. 426 do CC proíbe todo e qualquer ato que tenha por objeto herança de pessoa viva (proibição de pacta corvina ou de pacto sucessório).

É importante observar que os descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente são considerados herdeiros necessários segundo art. 1.845 do CC e, portanto, têm direito à legítima (metade do patrimônio líquido disponível). Numa interpretação conforme a CF dá para acrescentar o companheiro. Na letra fria do CC o companheiro não é herdeiro necessário, mas sim herdeiro facultativo. Por isso, o companheiro e o colateral poderiam ser privados da herança, pois não haveria a limitação da legítima.

Herdeiros legítimos:

Necessários: são aqueles que têm direito a uma participação mínima e só podem ser excluídos por indignidade ou deserdação. São os descendentes, ascendentes e cônjuge;Facultativos: são aqueles que podem ser excluídos pela mera deixa testamentária de todos os bens a terceiros. Não têm parcela mínima. São os colaterais até 4º grau e os companheiros;

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

2.1. Sucessão dos descendentes:

A sucessão dos descendentes se norteia por duas regras fundamentais:

1º. Regra da isonomia entre os descendentes. Aplica-se o princípio da igualdade. Não pode haver discriminação entre os descendentes. Para o sistema jurídico pouco interessa a origem do filho. Antigamente o filho adotivo não tinha direito à herança e o filho incestuoso ou adulterino tinha direito à metade do que cabia ao filho legítimo.

2º. Regra da preferência. A presença do descendente mais próximo afasta o mais remoto. Isso significa que se tem neto, não chama o bisneto. Se tem filho, não chama o neto. Com isso podemos perceber que basicamente a sucessão do descendente é uma sucessão por direito próprio. Ordinariamente ele terá direito aquilo que lhe pertence.

Existem exceções – sucessão por representação:

A sucessão pode ser por direito próprio (sucessão por cabeça) e sucessão por representação (por estirpe). Regra geral é a sucessão por direito próprio, recebe aquilo que é seu, aquilo que lhe cabe.

Existem três casos em que a sucessão não será por direito próprio. São os casos de sucessão por estirpe (são os únicos casos de sucessão por representação):

1 – Indignidade;

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2 – Deserdação;3 – Pré-morte;

Nessas três hipóteses pode haver uma concomitância entre filhos e netos (ou netos e bisnetos). Aquele indigno/deserdado/pré-morto não recebe e seu descendente, eventualmente, pode concorrer com neto.

Ex.: Pai/Avô: deixou 300,00.Filho 1 – tem 2 filhos (netos);Filho 2 – tem 4 filhos (netos);Filho 3 – tem 2 filhos (netos);

Cada filho receberá um terço da herança (100,00) e os netos não recebem. Mas se o filho 1 for indigno/deserdado/pré-morto os dois netos receberam a parte do filho 1 (um terço) que será dividido por 2 (um terço dividido por 2 será o que cabe a cada neto). Neto 1 e neto 2 concorre com filho 2 e filho 3.

PAI/ AVÔ

Filho 1 (indigno, deserdado/pré-morto)

Filho 21/3

Filho 31/3

Neto 1 e Neto 2Recebe por representação

(1/3 dividido para os dois netos)

Neto 1, 2, 3 e 4 Neto 1 e neto 2

Excepcionalmente nesses casos haverá uma concorrência entre filhos e netos. Regra geral é sucessão por direito próprio. A exceção é a sucessão em categorias diferentes.

Pegadinha: só há sucessão por representação em favor de descendentes. Não há direito de sucessão por representação em favor de ascendente. Só no caso de pré-morte em que morreu o filho primeiro e não deixou descendentes, os ascendentes irão recolher (mas não é representação!!! – não entendi). No caso de indignidade e deserdação são exclusivas dos descendentes.

2.2. Sucessão dos ascendentes:

Existem 3 regras:

1º. Regra da isonomia. Igualdade entre os ascendentes. Se há reciprocidade sucessória, há igualdade. Se não há discriminação entre descendentes, também não há entre ascendentes.

2º. Regra da preferência. Ascendente mais próximo exclui ascendente mais remoto. Se tem pai, não chama avô. Se tem avô, não chama bisavô. Lembrando que não há sucessão por representação. Não há em nenhum caso a concomitância entre pai e avô. Não há exatamente em razão da terceira regra.

3º. Divisão sucessória por linhas. Divisão entre linha paterna e linha materna. Na ausência de representante de uma linha, a outra acresce, de modo que não há necessidade de representação. A ausência de representante em uma linha acresce a outra linha.

Ex1.: Pessoa faleceu e deixou herança de 100. Se deixou pai e mãe, 50 para cada. Mas se deixou só pai ou só a mãe, quem estiver vivo recebe os 100.

Ex2.: Se deixou o pai e não deixou a mãe, mas deixou avós maternos? Os avôs maternos não irão acrescer a parte da mãe, porque não existe direito de representação na linha ascendente. Linha paterna recebe tudo.

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Avô/AvóNão recebe, porque não há direito derepresentação na linha ascendente

PaiRecebe tudo (100)

Mãe

Filho

Ex3.: Se deixou um avô paterno e 2 maternos, sem pai, nem mãe? Será 50 para o avô paterno e 25 para o avô materno e 25 para a avó materna, porque a divisão é por linhas. Metade para cada linha. 50 para linha paterna e 50 para linha materna. Nesse caso não há representação, mas sucessão por direito próprio.

AvôMetade (50)

Avô/AvóMetade (25 para avô e 25 para avó)

Pai Mãe

Filho

2.3. Sucessão do cônjuge:

Já dá para perceber que o cônjuge ficou numa posição privilegiada, porque recebe junto com descendente, com ascendente ou sozinho. Portanto, o cônjuge sempre sucede. Só não sucede se não existir.

Podemos dizer, então, que o casamento produz: Efeitos meatórios – depende do regime de bens; Efeitos sucessórios;

Além da meação, o cônjuge tem direito à herança em três diferentes níveis.1. Concorre com os descendentes;2. Concorre com os ascendentes;3. Recebe sozinho;

Descendentes Ascendentes Sozinho

HerançaCônjuge

Depende do regime de bens;

Independe do regime de bens. Sempre sucede;

Sempre sucede. Recebe TODO o patrimônio sozinho, independente do regime de

bens;

Incide somente sobre os bens particulares. Bens comuns tem meação;

Recebe sobre TODO o patrimônio. Incide sobre os

bens particulares e bens comuns, excetuada a

meação;

Mesmo percentual dos descendentes;

Percentual de 1/2 ou de 1/3;

Concorrência com descendentes:

Porque a concorrência entre cônjuge e descendente depende do regime? Em três casos o cônjuge não terá direito à herança:

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1 – Comunhão universal: porque o CC estabelece que neste regime o cônjuge tem metade de tudo. Por isso, ele não terá direito à herança. A metade dos bens pertence ao cônjuge a título de meação;

2 – Comunhão parcial sem bens particulares: significa na pratica comunhão universal, porque só tem bens comuns. Cônjuge receberá a meação dos bens comuns. Se deixou apenas bens comuns, o cônjuge receberá a título de meação;

3 – Separação obrigatória de bens: não há vontade em vida para dividir os bens, portanto, permanece essa vontade na morte; Nesses três regimes não haverá direito à herança.

Na concorrência com os descendentes, o cônjuge terá meação dos bens comuns e herança sobre os bens particulares. Simbolicamente, na concorrência do cônjuge com os descendentes, onde se meia, não herda, e onde se herda, não meia. Onde há herança não há meação e vice e versa.

Separação convencional? Não terá meação, mas terá herança, porque todos os bens são particulares. A separação convencional é aquela escolhida pelas partes que não querem comunhão de bens. Neste caso, em que os cônjuges não querem comunicar os bens, o CC comunica e impõe o direito de herança. Não há meação, mas há herança. A doutrina entende que concorrerá, porque a lei não excepcionou o regime como fez com a separação obrigatória (legal). Exceção: STJ – Resp. 992.749/MS. Neste julgado, o STJ afastou o direito à herança no regime convencional, prestigiando a autonomia privada. O que se separou em vida não comunicará na morte.

Percentual sucessório do cônjuge: o cônjuge herderá o mesmo percentual do descendente (art. 1.832, CC). Se o falecido deixou um filho e um cônjuge caberá metade para cada um sobre os bens particulares. Sobre os bens comuns, o cônjuge receberá a meação e o restante caberá aos herdeiros. Se tinha 2 filhos, um terço para cada; se tinha 3 filhos, um quarto para cada; e assim sucessivamente.

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Este artigo estabelece que o cônjuge terá um percentual mínimo de um quarto se ele for ascendente (pai/mãe) do descendente com quem ele concorre. Ex. Um homem faleceu e deixou 6 filhos e a viúva. Se os 6 filhos são da viúva, ela terá a garantia de ¼ e os outros ¾ serão divididos por 6. Se os 6 filhos não são dela, ela não terá garantia de ¼ e terá o mesmo percentual que dos filhos, ou seja, 1/7 para cada.

Filhos comuns – garantia comum de ¼ (quando tiver mais de 4 filhos); Filhos não comuns – mesma cota para todos;

E se tiver filho comum e filho não comum? O CC não deu resposta. É chamada de sucessão híbrida. Como o CC não disciplinou, a doutrina apresenta as seguintes soluções:

Basta ter um filho comum que já terá garantia de ¼ (menos adotada).

Tem a garantia se todos os filhos forem comuns. Se tiver 1 não comum não terá ¼. Este entendimento se sustenta na regra de que todo privilégio deve ser interpretado restritivamente.

Aplica-se a garantia de ¼ para os filhos comuns e não se aplica para os demais filhos. É um cálculo proporcional (prevalece este entendimento).

Para o professor, este artigo é de duvidosa constitucionalidade. Porque este artigo trata de forma diferenciada os filhos.

Ex.: Um homem tinha um terreno ao se casar (bem particular). Casou, teve 3 filhos e faleceu. Na constância do casamento comprou um apartamento (bem comum). A viúva terá direito à metade do apartamento a título de meação, supondo se tratar de comunhão parcial. E a outra metade será dividida entre os três filhos. Sobre o apartamento (bem particular) a

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esposa não terá meação, ela terá herança de ¼, o mesmo percentual dos descendentes. Se ao invés de 4 filhos, tivesse deixado 5 filhos, ela terá a garantia de ¼, se comuns, ou 1/5, se não comuns.

Bem Comum Bem ParticularApartamento Terreno

Meação

½Herança dos 3 filhos

½

Herança do cônjuge (garantia mínima)

¼

Filho 1

¼Filho 2

¼Filho 3

¼

Obs.: Não herda sobre bem comum. Se tivesse só bem comum (apartamento), não receberia HERANÇA.

Concorrência com ascendentes:

Independe de regime de bens, ou seja, o cônjuge tem direito à herança sobre TODO o patrimônio (sobre os bens comuns e particulares). O cônjuge terá direito sobre os bens comuns, excetuados a meação.

Tirando a meação dos bens comuns, soma-se todo o patrimônio restante para herança: parte dos bens comuns sem meação e bens particulares. Sobre todo o acervo patrimonial, excetuada a meação, o cônjuge terá direito à herança junto com os ascendentes.

Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau (pai e mãe), ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente (pai ou mãe), ou se maior for aquele grau (avó e avô; avó ou avô).

Percentual do cônjuge: tem direito a metade, exceto se estiver concorrendo com o pai e a mãe. Se concorrer com pai e a mãe, ou com os avós, concorre a 1/3.

Ex.: Homem tinha um terreno (bem particular) e casou no regime de comunhão parcial. Depois do casamento adquiriu um apartamento (bem comum). Deixou pai e mãe, sem filhos. Esposa terá metade do apartamento, porque é bem comum (meação). A outra metade do apartamento soma-se ao terreno (bem particular) e sobre tudo ela terá herança em concorrência aos ascendentes. Será 1/3 para o cônjuge, 1/3 para o pai e 1/3 para a mãe.

Bem comum Bem particularApartamento Terreno

Meação

½Herança dos pais e do

cônjuge1/3

Herança dos pais e dos cônjuges

1/3

Herança dos pais e do cônjuge

1/3

A porcentagem de 1/3 recairá sobre todo o restante dos bens, tirando a meação.

Se neste mesmo exemplo sobrou somente o pai ou a mãe, o cônjuge sobrevivente recebe a metade. Será ½ para o cônjuge e a outra metade para o pai ou para a mãe (ou para avós).

Bem comum Bem particularApartamento Terreno

Meação

½Herança do cônjuge

½Herança do pai, ou da mãe, ou dos avós

½

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Separação de fato ou divórcio:

Este direito sucessório do cônjuge cessará se houver divórcio (porque não tem mais separação judicial – entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência) ou se houve separação de fato há mais de 2 anos.

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente (não tem mais separação judicial), nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

“Sem culpa do sobrevivente” – Culpa de quem morreu (culpa mortuária ou funerária).

STJ, REsp 555.771/SP – O STJ entendeu que a simples separação de fato, independente de qualquer prazo, já é suficiente para pôr fim ao casamento. Invocando este precedente, podemos afirmar que por analogia é provável que o STJ entenda que a simples separação de fato já é suficiente para pôr fim ao direito sucessório.

CC02 diz separação há mais de 2 anos, cuidado!

Direito real de habitação:

O CC estabeleceu que a pessoa casada tem direito à meação, herança e direito real de habitação. Este direito é aquele reconhecido ao cônjuge sobrevivente de continuar morando no imóvel que servia de lar para o casal, desde que seja imóvel único. É direito recai sobre a residência única.

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

É importante se atentar para um detalhe: é um direito real de habitação vitalício incondicionado. É vitalício, porque o cônjuge só perde esse direito real quando morrer. Continua morando sem pagar aluguel. É incondicionada, porque mesmo se o cônjuge sobrevivente constituir nova família não perderá o direito real de habitação. Quando beneficiário falecer, extingue o direito de habitação.

Conclusões:

Direito à meação: dependerá do regime de bens no caso de descendentes. Se for separação obrigatória (legal) ou comunhão universal não haverá direito à herança, só meação. Também sempre se dará sobre os bens comuns.

Direito à herança: em concorrência com os descendentes, a depender do regime de bens (só quando for bens particulares). Nos demais casos, sobre todo o acervo patrimonial (bens particulares e comuns). Portanto, pode recair sobre bens comuns e particulares.

Direito real de habitação: moradia do imóvel que servia de lar para o casal, vitaliciamente, mesmo que constitua nova família. É vitalício e incondicionado.

2.4. Sucessão do companheiro:

A sucessão do companheiro não está disciplinada no CC dentro da parte da legítima. Está disciplinada no art. 1.790 do CC. A melhor técnica seria aplicar todas as disposições da sucessão do cônjuge ao companheiro, já que a UE equipara-se a casamento. Contudo, não foi o que o legislador fez.

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

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II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Para o professor o uso de “participará” indica que o companheiro é um herdeiro necessário. Quando fala em “participará” não quer dizer “pode participar”. Ele necessariamente participará.

O legislador quis estabelecer premissa ideológica para a sucessão do companheiro. O art. 1.790 estabelece como premissa: “quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”. O artigo diz que o companheiro só participará da herança sobre os bens onerosos adquiridos na constância da UE. Contudo, há um problema, pois sobre esses bens o companheiro já tem meação.

Premissa da sucessão do companheiro: direito aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. Portanto, a base de cálculo confunde meação e herança, porque sobre esses bens o companheiro já tem meação – art.1.725 do CC.

Este artigo determina que se aplique à UE as mesmas regras da comunhão parcial. Restringe o direito sucessório somente aos bens adquiridos onerosamente na constância da UE, sobre os bens que também incide a meação. Conclusão: Sobre os bens particulares o companheiro não tem nem meação, nem herança. Neste ponto, o sistema sucessório do companheiro é radicalmente diferente do cônjuge.

Bem Comum Bem Particular

Meação

½

Herança concorrendo com

descendentes, ascendentes ou

colaterais.

½

Companheiro NÃO recebe nada.

Portanto, se a pessoa vai se unir a alguém que já tem patrimônio o melhor caminho é o casamento. Isso porque, desses bens o cônjuge tem herança (bens particulares). E tudo que ele vier a ter terá meação (bens comuns).

Agora, se quiser se unir com pessoa que não tem patrimônio (bens particulares), mas com grande probabilidade ter patrimônio no futuro, o melhor caminho é a UE. Se viver em UE terá meação e herança sobre os bens comuns. E no casamento seria cabível somente meação (cônjuge tem direito só a meação de bens comuns e o companheiro tem direito a meação e herança sobre os bens comuns). Esse sistema discrimina a um só tempo o casamento e a UE. Lamentavelmente é o sistema da UE.

O direito sucessório da UE submete-se à prova da existência da UE. O sistema sucessório do companheiro (direito à herança) depende de prova da existência da união estável. Essa prova pode ocorrer numa ação autônoma ou dentro do próprio inventário, desde que não demande complexidade. Só não pode ser feita dentro do inventário se demandar questões de alta indagação (CPC, art. 984).

Regras sucessórias do companheiro:

Descendentes AscendentesColaterais até

4º grauSozinho

HerançaCompanheiro Só herda sobre

bens comuns;Só herda sobre bens comuns;

Só herda sobre bens comuns;

Recebe TODOS os bens comuns (há discussão);

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Filhos comuns: mesma quota;

Filhos não comuns: metade

do que couber aos descendentes;

Percentual de 1/3;

Percentual de 1/3;

Concorrente com descendentes:

Companheiro receberá herança concorrendo com os herdeiros descendentes sobre os bens comuns. Companheiro não terá herança sobre bens particulares. Os bens particulares caberão todos aos descendentes do companheiro falecido.

Percentual:

1º. O mesmo percentual que couber ao descendente: no casamento, quando o cônjuge concorre com o descendente ele tem a garantia de pelo menos 1/4 quando for pai ou mãe daquele descendente que está concorrendo. Esta garantia mínima não está prevista à UE. O companheiro não tem direito à garantia mínima. Se o companheiro tiver 6 filhos com o de cujus, receberá 1/7 da herança e cada filho também receberá 1/7.

2º. Percentual depende se for filho comum: Se concorrer com filhos comuns: tem direito à mesma cota do descendente

(igual exemplo acima); Se concorrer com filhos só do autor da herança: terá direito à metade da quota

que couber a cada descendente;

Ou seja, nesta última hipótese, em que o filho não é do companheiro sobrevivente, caberá a este último metade da cota que couber ao descendente. Ex. Deixou um filho e a companheira. Se o filho for também dela, cada um recebe a 1/2 dos bens comuns. Se não for dela, o filho recebe 2/3 e ela 1/3.

Ex. Suponha que o homem morreu e deixou dois filhos e a companheira. Se os dois filhos forem dela é fácil. Mesma cota para todos, ou seja, 1/3 para cada. Se os filhos não forem dela, será 1/5 para ela e 2/5 para cada um dos filhos.

Concorrendo com os ascendentes:

O companheiro terá direito à herança só sobre os bens comuns. Os bens particulares caberão TODOS aos ascendentes. Percentual: tem direito à 1/3 (se fosse cônjuge, teria direito a 1/2 caso houvesse só o pai, ou só a mãe ou só avós).

Concorrência com os colaterais:

A pior parte vem agora. Se não tem descendente, nem ascendente, se fosso o cônjuge receberia tudo sozinho, independente do patrimônio ser particular ou comum. Mas o companheiro não. Ele irá concorrer com os colaterais até 4º grau! Companheiro receberá herança sobre bens comuns em concorrência com colaterais e somente 1/3.

Sozinho:

E se não houver colateral? Sabe qual a chance de não haver colateral? Precisa ser filho único, de pais que sejam filhos únicos e avós que seja filhos únicos, ou seja, isso nunca vai acontecer. Neste caso o companheiro terá direito a todos os bens comuns! Somente os bens comuns. Os bens particulares iriam para Fazenda Pública.

O entendimento do professor é diverso. Ele interpreta o caput do art. 1.790 submetido ao inciso IV, que diz “totalidade da herança”, querendo dizer “bens particulares e bens

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comuns”. Interpretação do inciso IV de forma autônoma, dissociada do caput (Maria Berenice Dias partilha deste entendimento).

Direito Real de Habitação:

O CC se esqueceu do direito real de habitação ao companheiro. Contudo, doutrina dá solução. Enunciado 117 da JDC: “117 – Art. 1831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88”.

O único problema é que de acordo com o art. 7º da Lei 9.278/96, o direito de habitação é vitalício, mas condicionado. O companheiro só terá direito ao direito real de habitação, enquanto não constituir nova família (STJ, REsp 821.660/DF).

Conclusão:

Direito à meação: a depender do regime de bens (bens comuns);

Direito à herança: sempre sobre os bens comuns;

Direito real de habitação: moradia do imóvel que servia de lar para o casal, vitaliciamente, exceto se constituir nova família. É vitalício e condicionado.

O professor entende que o sistema sucessório do CC ao companheiro é inconstitucional. É posição da professora Maria Berenice Dias e de diversos outros doutrinadores. Porque ele está em total desarmonia com o sistema do cônjuge. O entendimento majoritário é pela inconstitucionalidade do sistema.