25
Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura Marcio Farias Resumo Raça e classe na obra de Clóvis Moura. O objetivo deste trabalho é refletir sobre a apropriação que o cientista social Clóvis Moura faz da teoria social marxista para desenvolver sua teoria em torno da relação entre raça e classe no Brasil. Para tanto, o texto será divido em três partes. Na primeira, apresenta-se um panorama da vida e obra desse intelectual. No segundo momento, apresentaremos algumas questões em torno da teoria social marxista e a questão do método na obra de Moura. Por último, faremos um pequeno esboço do sistema interpretativo de Brasil empreendido por Clóvis Moura, trazendo a lume elementos que estão contidos em duas obras: Sociologia do Negro Brasileiro (1988);e Dialética Radical do Brasil Negro (1994); Palavras chaves: Pensamento social- Relações Raciais- Luta de classes Parte I Clóvis Steiger de Assis Moura se situa dentre mais os importantes intelectuais que no século XX se propuseram a interpretar o Brasil, enfatizando a dimensão das relações raciais como elemento estruturante da formação do país. 1 Nascido em 1925, na cidade de Amarante,Piauí, Moura foi pertencente a uma família de classe média, o que explica seu acesso ao ensino formal e depois ao ensino superior, situação experimentada por uma pequena parcela da população brasileira daquele período, sobretudo se tratando do contexto da região nordeste do país. Filho de mãe branca, Elvira Moura, e pai negro, 1 Apesar de sua obra não figurar entre as mais destacadas análises que estudam o pensamento social brasileiro, Clóvis Moura é bastante prestigiado pelos pesquisadores que estudam a questão das relações raciais no Brasil. Dada a amplitude de seus estudos, pesquisadores das mais diversas áreas das ciências humanas tem nos escritos de Moura subsídios para estudos sobre o tema das relações raciais no Brasil. Clóvis Moura também é autor de destaque entre as referências teóricas do movimento negro que travam suas lutas e ateiam as bandeiras nos setores de esquerda (grupos como Kilombagem do ABC, Força Ativa da Cidade Tiradentes, Círculo Palmarino, Unegro, Uneafro , entre outros).

Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura

Marcio Farias Resumo Raça e classe na obra de Clóvis Moura.

O objetivo deste trabalho é refletir sobre a apropriação que o cientista social

Clóvis Moura faz da teoria social marxista para desenvolver sua teoria em torno

da relação entre raça e classe no Brasil. Para tanto, o texto será divido em três

partes. Na primeira, apresenta-se um panorama da vida e obra desse

intelectual. No segundo momento, apresentaremos algumas questões em torno

da teoria social marxista e a questão do método na obra de Moura. Por último,

faremos um pequeno esboço do sistema interpretativo de Brasil empreendido

por Clóvis Moura, trazendo a lume elementos que estão contidos em duas

obras: Sociologia do Negro Brasileiro (1988);e Dialética Radical do Brasil Negro

(1994);

Palavras chaves: Pensamento social- Relações Raciais- Luta de classes

Parte I

Clóvis Steiger de Assis Moura se situa dentre mais os importantes

intelectuais que no século XX se propuseram a interpretar o Brasil, enfatizando

a dimensão das relações raciais como elemento estruturante da formação do

país.1 Nascido em 1925, na cidade de Amarante,Piauí, Moura foi pertencente a

uma família de classe média, o que explica seu acesso ao ensino formal e

depois ao ensino superior, situação experimentada por uma pequena parcela

da população brasileira daquele período, sobretudo se tratando do contexto da

região nordeste do país. Filho de mãe branca, Elvira Moura, e pai negro,

1 Apesar de sua obra não figurar entre as mais destacadas análises que estudam o pensamento social brasileiro, Clóvis Moura é bastante prestigiado pelos pesquisadores que estudam a questão das relações raciais no Brasil. Dada a amplitude de seus estudos, pesquisadores das mais diversas áreas das ciências humanas tem nos escritos de Moura subsídios para estudos sobre o tema das relações raciais no Brasil. Clóvis Moura também é autor de destaque entre as referências teóricas do movimento negro que travam suas lutas e ateiam as bandeiras nos setores de esquerda (grupos como Kilombagem do ABC, Força Ativa da Cidade Tiradentes, Círculo Palmarino, Unegro, Uneafro , entre outros).

Page 2: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

Francisco de Assis Moura, teve como bisavô pelo lado materno um barão do

império prussiano, Ferdinando vön Steiger, e pelo lado paterno a avó Carlota,

escrava de seu avô, que era senhor de engenho na zona da mata

pernambucana (Mesquita, 2003).

Moura mudou-se com a família para Natal, capital do Rio Grande do Norte,

onde residiu de 1935 a 1941. Parte dos seus estudos ocorreu no Colégio Santo

Antônio, administrado por padres Maristas2. É desse período seu envolvimento

com política e literatura, duas paixões as quais ele se dedicou durante toda a

vida. Muito jovem fundou, à revelia dos padres Maristas, o Grêmio Cívico-

Literário 12 de Outubro, onde eram realizadas reuniões semanais para

discussão de literatura e política. O grêmio possuía também um jornal de nome

O Potiguar, dirigido por Clóvis Moura, no qual publicou seu primeiro artigo não

literário, que versava sobre a Inconfidência Mineira. Ele e seu irmão se

mudaram para Salvador em 1942, quando tinha 17 anos (Mesquita, 2003).

Na Bahia, Clóvis Moura entrou para a Faculdade de Direito, em 1944, curso

que não concluiu. Naquele mesmo ano ingressou na carreira jornalística,

trabalhando no jornal O Momento, diário do Partido Comunista do Brasil. Foi

seu primeiro contato com o PCB, e contribuiu para aprofundar-se na teoria

marxista e nas discussões envolvendo o movimento comunista internacional.

Em 1945 tornou-se militante partidário, aos 20 anos (Mesquita, 2003).

Por conta desse revés político, Moura se transferiu para São Paulo em 1949,

onde integraria a Frente Cultural do PCB, organismo que reunia Caio Prado

Júnior, Villanova Artigas, Artur Neves, dentre outros intelectuais. Além de

militar no PCB, Moura atuaria profissionalmente como jornalista, trabalhando

para Samuel Wainer e posteriormente para Assis Chateaubriand nos Diários

Associados. Concomitante a sua atividade profissional, pesquisava história, em

particular sobre a rebeldia negra no tempo da escravidão, tendo como objetivo

demonstrar o importante e ativo papel do negro na formação da nação, não só

do ponto de vista cultural, muito abordado naquele momento, mas — e

principalmente — social, se desdobrando para os planos políticos e econômico.

2 Em recente texto, escrito para o encarte especial da Revista Principio: Clóvis Moura: pensador das raízes da opressão e do protesto negro no Brasil, a historiadora Soraya Moura, filha de Clóvis Moura, relata que seu pai sempre comentava seu afastamento de doutrinas religiosas muito por conta da experiência “traumática” quando estudante de colégio confessional.

Page 3: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

Em 1959 publicou seu primeiro e marcante livro, Rebeliões da Senzala, uma

interpretação marxista da escravidão no país pelo viés da resistência escrava

(Mesquita, 2003).

O que sempre preocupou Moura e dirigiu suas indagações foram os dilemas

da constituição da nação, evidenciando a marginalização da população negra,

tendo como um dos muitos resultados um racismo “tipicamente à brasileira”,

que se expressa de forma contunde em relação ao fenótipo do que na origem

racial. A obra de Moura sobre os africanos escravizados e seus descendentes

parte de uma interpretação oposta à de Gilberto Freyre e outros escritores que

entendiam a escravidão como sendo um sistema basicamente convergente,

composto por escravos, em geral, ajustados à sua condição servil e senhores

despóticos, ainda que protetores. Moura buscou valorizar a resistência dos

negros e seu importante papel na transformação ou destruição de sua condição

de escravo, portanto, seu caráter dinâmico na história do país (Mesquita,

2003).

Após sua saída do PCB, Clóvis Moura nunca mais integrará as fileiras de

nenhum partido, mantendo apenas um bom diálogo com a fração que participa

do “racha” do partidão e que em 1962 funda o PC do B. Da década de 1960 até

a década de 1980, Moura se dedica aos estudos, participação em congressos,

elaboração de artigos para revista cientificas, jornais e revistas, além da

publicação de algumas obras de importância singular para os estudos sobre

relações raciais no Brasil e para o pensamento social brasileiro.

Do período supracitada, o primeiro trabalho de destaque é o livro Introdução

ao Pensamento de Euclides da Cunha, lançado em 1964. O tema deste

trabalho já aparece, de maneira tímida e pouco desenvolvida em artigos de

Moura na década de 1950, como também é tratado de forma mais efetiva no

seu livro de estreia, Rebeliões na Senzala, quando no capítulo 9 discute a

inserção do negro no sertão brasileiro.

Neste livro, não temos uma análise especificamente do trabalho que

consagrou Euclides da Cunha: Os Sertões. Temos aqui uma discussão que

abrangeu o conjunto da obra do autor carioca, levando em conta inclusive

manuscritos de estudos não publicados. A análise de Clóvis Moura tem como

objetivo apresentar um Euclides da Cunha menos progressista, tal como alguns

Page 4: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

setores de esquerda o reinvidicavam naquele período. Ao contrário, a análise

mouriana apresenta-o como um autor vinculado ao pensamento conservador

brasileiro, cuja matriz está alicerçada no pensamento racista europeu do século

XIX.

Segundo Moura, a principal influência teórica de Euclides da Cunha é o

célebre pensador inglês Herbert Spencer, filósofo consagrado como mentor do

darwinismo social. Entendendo a raiz conservadora de Euclides da Cunha,

Moura explica a análise feita por ele sobre os sertanejos que empreenderam a

mais importante e impactante revolta popular do primeiro período da Primeira

Republica, a Revolta de Canudos. O destaque do livro Introdução ao

Pensamento de Euclides da Cunha está na contribuição de Clóvis Moura para

compreensão do pensamento conservador brasileiro e como esses intelectuais

que interpretaram Brasil, enraizados no pensamento racista do século XIX, não

puderem entender de outra maneira se não como negativa as influências

africanas e de seus descendentes para formação do Estado Nação brasileiro.

Uma segunda obra relevante para compreensão do pensamento mouriana

sobre as relações de classe e raça no Brasil também foi publicada em 1976.

Trata se de um estudo sobre cultural popular e racismo chamado: O

preconceito de cor na literatura de cordel. Neste ensaio exploratório, o escritor

piauiense analisou 25 folhetos de cordel, estabelecendo categorias de análises

descritivas e sistematizando questões de conteúdo desses materiais. Levando-

se em conta que o Cordel sempre gozou de grande prestígio por ser uma

expressão cultural muito significativa entre as classes oprimidas e exploradas

do nordeste brasileiro, Moura se propôs a demonstrar que o preconceito de cor,

ideologia forjada pela elite branca brasileira, penetrou no imaginário das

classes populares que reproduziam os estereótipos que colocavam o negro

como inferior. O resultado foi que, em torno de 60% dos folhetos refletiam

direta ou indiretamente o preconceito contra o negro.

Analisando este trabalho diante do conjunto da obra de Clóvis Moura,

percebe-se que há uma guinada no sentido de aperfeiçoamento qualitativo da

maneira de pesquisar. Essa inflexão permite a Moura, a partir de vários

instrumentos e materiais, ter acesso à conteúdos mais específicos para

entender e refletir de como a ideologia do racismo se faz presente também na

Page 5: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

classe trabalhadora, de maneira a tentar entender e refletir a modernidade

brasileira sobre a antinomia do racismo.

O próximo livro que discutiremos, Sociologia de la práxis (1976), foi lançado

no México e depois traduzido para o português no ano de 1978 com o título:

Sociologia Posta em Questão. Obra de característica epistemológica, nela

Clóvis Moura sustenta a impossibilidade de se fazer uma sociologia critica

voltada às demandas da classe trabalhadora em meios universitários daquele

período, demonstrando quais eram as raízes que sustentavam o pensamento

hegemônico na academia. Segundo o autor, todo cientista social comprometido

com a transformação do sistema social do capital, por conta dos entraves

acadêmicos, deveria ser um pensador autônomo vinculado apenas às

demandas dos movimentos sociais e dos setores ligados às causas populares.

Nas palavras do próprio autor:

Conforme tentaremos demonstrar nas páginas que se

seguem, a sociologia acadêmica- respeitável, tranquila e institucionalizada- passou a ser um enclave que se situa entre os elementos do conhecimento social e sua prática dinâmico/radical (...) Transformou-se em uma ideologia que faz parte do mecanismos reguladores e controladores da sociedade burguesa (MOURA, p. 9, 1978).

Segundo Nogueira (2007) este texto marca um ponto de inflexão na obra do

autor, agora sustentando com rigor cientifico as já precisas afirmações que

havia delineado em trabalhos anteriores.Essa inflexão Nogueira chamou de

práxis negra, pois segundo ele, Clóvis Moura foi o primeiro autor a colocar o

negro como sujeito da história na formação do Brasil, atentando aos elementos

constitutivos de uma rebelião durante o Brasil colônia e seus desdobramentos

no Brasil Moderno.

Para os objetivos deste texto, gostaria de ressaltar uma consideração feita

por Moura nesta obra. É nesse momento que Moura aponta o livro Miséria da

Filosofia (1847) de Marx como texto do fundador do marxismo científico e base

teórica de seus estudos.Discutiremos na própria sessão quais são os

elementos metodológicos que estão colocados na obra supracitada diante do

conjunto da teoria social marxista.

Page 6: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

Retomando o panorama da obra de Moura, ainda do período da década de

1960-1970, Sacco e Vanzetti- o protesto brasileiro (1978) e Diário da guerrilha

do Araguaia (1979) são textos que destoam, em alguma medida, da linha de

estudos que Clóvis Moura desenvolvia. Por outro lado, Moura foi um escritor

comprometido com as lutas contra injustiças, opressões e negligências

perpetradas pelo sistema do capital, apontando a centralidade da díade raça e

classe para compreensão do conjunto da luta anticapitalista no Brasil. Isso não

impediu, e não parece ter sido a proposta dele, atomizar a luta do negro em

relação às demais demandas do classe trabalhadora, ao contrário, sua

elaboração teórica vai de encontro em tentar aproximar essa experiência

especifica com o conjunto de lutas dos oprimidos e explorados.

O primeiro texto discute a repercussão do assassinato dos operários Sacco

e Vanzetti, caso ocorrido em Massachusetts, EUA,na década de 1920, crime

político contra militantes anarquistas, corrente de pensamento que

impulsionava lutas contra o capital no mundo inteiro, inclusive no Brasil, sendo

que várias lutas dos operários nas primeiras décadas do século XX foram

travadas sobre a bandeiras do anarco sindicalismo. O segundo livro, aborda

tema contemporâneo da época: as lutas contra a ditadura no campo,

relembrando uma das mais emblemáticas lutas armadas orquestrada por

grupos guerrilheiros.

Em fins da década de 1970 e inicio da década de 1980, Moura se aproxima

de setores do Movimento Negro, sobretudo o Movimento Negro Unificado

(MNU) 3 que o reconhecia como um dos grandes mentores intelectuais,

sobretudo seu livro Rebeliões na Senzala. Este processo de diálogo entre o

intelectual e os ativistas do movimento negro se estreita na década de 1980 e

1990, quando da publicação dos notáveis livros: Sociologia do Negro Brasileiro

(1988) e Dialética Radical do Brasil Negro (1994).

Precedendo este momento de difusão de sua obra no seio do movimento

negro brasileiro, o primeiro livro pela qual o autor se dedica a pensar a

participação do negro não só na colônia, mas também na modernidade é a

4 O Movimento negro unificado (MNU) surge em meados do ano de 1978 como uma frente ampla que unificou vários setores da luta antirracista. A mola propulsora dessa organização foi o assassinato do trabalhador negro Robson Silveira da Luz, no mês de maio daquele ano, por policiais no bairro de Guaianases, bairro localizado no extremo leste da capital paulista.

Page 7: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

obra: Negro, de bom escravo a mau cidadão?(1977). Aqui há uma elaborada

discussão sobre a presença negra na América Latina com ênfase na

Revolução Haitiana. Explicitamente influenciado por C.R.M. James autor da

obra clássica de análise da revolução haitiana Os Jacobinos Negros (1944),

Clóvis Moura apresenta uma discussão inovadora sobre o processo de

independência da colônia francesa de maioria negra, que foi a única revolta

bem sucedida de escravizados no mundo inteiro. Para Moura, ainda que pese

a importância de uma elite negra letrada consciente dos desígnios de um

processo de independência e formação de uma sociedade moderna, a massa

dos escravizados foi muito importante na tomada de poder e vitória dos

colonizados. A mediação que possibilitou, segundo Moura, aos escravizados

tomarem consciência do processo histórico e exercerem um papel decisivo na

revolução foi a religiosidade. Foi o Vodu praticado pelos escravizados que

restitui a condição psicossocial desses sujeitos e forjou uma possibilidade aos

escravizados de negarem a condição imposta pelo julgo colonial e efetivarem

um processo de ruptura radical.

Na década de 1980, Moura intensifica a sua produção teórica em torno da

temática do negro, publicando um conjunto de livros que subsidiarão esses

setores. A Sociologia do Negro Brasileiro quilombos e a rebelião negra (1981);

Brasil: as raízes do protesto negro (1983); A impressa negra (1984);

Quilombos: resistência ao escravismo (1987); Sociologia do negro brasileiro

(1988); História do negro no Brasil (1989); As Injustiças de Clio: o negro na

historiografia brasileira (1990); e Dialética radical do Brasil negro (1994);

Desse grupo de obras, alguns são ensaios e introduções à temática das

relações raciais, cujo intuito de lançamento foi dialogar com um público maior,

não especialista. Com fins temáticos, levando em conta o objetivo da primeira

parte deste trabalho, farei a exposição de alguns livros em que pese a

importância do caráter inovador do ponto de vista conceitual em relação ao

conjunto da obra do autor. Assim sendo, destacarei as obras: As raízes do

protesto negro (1983); História do Negro no Brasil; As obras (1988); e Dialética

Radical do Brasil Negro (1994); discutirei na segunda parte do texto.

O livro As raízes do protesto negro (1983) é uma coletânea de artigos

escritos durante três décadas. Segundo o autor: “Com o presente trabalho

Page 8: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

encerramos o primeiro ciclo dos nossos estudos sobre o escravo negro no

Brasil, a importância do escravismo colonial e os desdobramentos relevantes

que esse modo de produção exerceu na formação dos hábitos, da família e da

situação social, econômica e ideológica do brasileiro e do negro em particular”

(MOURA, p. 9, 1983).

Ainda no encalço de argumentar a importância e relevância dessa obra, o

autor prossegue: “O ciclo começa com Rebeliões na Senzala (1959) e termina

com o presente volume. A partir daqui iremos questionar a problemática do

negro inserida no painel do processo revolucionário brasileiro em curso”

(MOURA, p. 9, 1983).

Vou me valer de mais uma citação direta (ainda que entenda como exaustivo

para o leitor esse recurso) pois entendo que estes trechos explicam não só a

importância desse volume da obra mouriana, mas, sobretudo porque sintetiza

ideias centrais do conjunto do pensamento deste autor. Nessa introdução,

Moura ainda afirma:

Este primeiro ciclo procurou demonstrar a situação do negro atualmente, as origens históricas deste posicionamento social na nossa estrutura, a ideologia racista subjacente do brasileiro e, através desta constatação, injetar consciência crítica e revolucionária na comunidade negra e nas camadas e segmentos realmente democráticos no país (MOURA, p. 9, 1983).

Como vimos, o conjunto das obras que antecedem esta publicação são:

Rebeliões na Senzala (1959); O preconceito de cor na literatura de Cordel

(1974); Negro de bom escravo a mau cidadão?(1977); Os Quilombos e a

rebelião negra (1981); Além dos diversos artigos e textos publicados nas mais

variadas fontes.

Diante dessas informações, é possível inferir que, primeiro, trata-se de

enfatizar a centralizada da temática racial para Moura como elemento chave da

contradição capital VS trabalho no Brasil. Na conjuntura da década de 1980, ou

seja, redemocratização pós Estado de exceção vivido pelos brasileiros por

duas décadas existiam vários setores que lutavam para a abertura política,

fator que era entendido por Moura como apaziguador das dimensões mais

pauperizadas desse processo. Por isso, em segundo plano, quando se volta

para as classes populares, sobretudo a população negra, propõe que esse

Page 9: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

segmento é possivelmente a parcela potencialmente mais revolucionária

naquele processo em curso, pois está diante de duas contradições mais

elementares da modernidade brasileira: classe e raça. Por último, conforme

podemos observar na última afirmação, existe uma lógica interna na obra de

Clóvis Moura, composta por ciclos, cuja maturidade se dá na década de 1980,

culminando no clássico Sociologia do Negro Brasileiro (1988).

Ainda discutindo a obra de 1983, agora atento aos conteúdos existentes

nesse livro, alguns artigos nos ajudam a entender lacunas que as obras de

mais fôlego não se atém, muito por conto dos objetivos que cada uma delas

pretende alcançar. Sendo assim, os artigos Dilemas da Negritude e

Lusotropicalismo são exemplares para compreendermos posicionamentos

ideo-politicos presentes na obra de Clóvis Moura.

Dilemas da Negritude é um artigo que surge a partir da participação de

Clóvis Moura na reunião realizada em Dakar no ano de 1974 cujo tema era:

“Negritude e América Latina”. Do ponto de vista da forma, a estrutura do texto

tem três partes. Na primeira, Clóvis Moura apresenta a configuração do

encontro, apontando as principais discussões empreendidas pelos

participantes. Segundo Moura, há um forte apelo academicista para o encontro,

justamente pela distância dos autores em relação à experiência da negritude,

pois as exposições destes expoentes em relação ao tema é de distância

objetal, ou seja, são cientistas sociais que analisam negritude como conceito

analítico apenas e não conseguem apreender, pelos seus métodos científicos,

as dimensões políticas da categoria.

Na segunda parte do texto, Moura historiciza a categoria, apontando para o

surgimento da temática em relação ás contradições perpetradas em

sociedades nacionais racializadas. O movimento negritude, portanto, passar a

existir como fruto de um acúmulo histórico no que diz respeito às condições de

vida dos africanos e dos afro descendentes. A desestabilização cultural,

psíquica e social surgiu como estepe a qualquer tipo de contestação política

por parte do colonizado. O interessante é que o movimento negritude é

construído e sistematizado por um grupo de indivíduos negros que estavam na

França ou nas colônias francesas e conseguiram acessar alguns espaços

sociais bem como bens materiais, constituindo assim uma pequena burguesia

Page 10: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

negra. O fato de terem se tornado membros de uma classe intermediária não

os colocaram distantes da sua situação anterior, permaneciam negros e vitimas

das mais diversas discriminações em decorrência de sua cor (Domingues,

2005).

A forma de expressão da revolta foi a literatura, em prosa e versos,

negros entoavam seu orgulho, a afirmação positiva de ser negro, recuperando

o orgulho de sua condição, resgatando a memória e reivindicando as matrizes

africanas do mundo, ressignificando termos pejorativos, visando assim devolver

ao negro em forma de poesia aquilo que lhe fora retirado pelo grilhões do

racismo e do capitalismo (Bernd, 1984).

Na famosa introdução à Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache

(1948), organizada por Leopold Sedar Senghor, livro de poemas que marca a

conceituação e divulgação do movimento negritude, o filósofo francês Jean

Paul Sartre comenta sobre esse movimento político literário:

Numa palavra, dirijo-me aqui aos brancos e gostaria de explicar-lhes o que os negros já sabem: porque é necessariamente através de uma experiência poética que o negro, na sua situação presente, deve primeiro tomar consciência de si mesmo e, inversamente, porque a poesia negra de língua francesa é, em nossos dias, a única grande poesia revolucionária (SARTRE,1965, p. 92).

Para Sartre (1965) a situação do negro no seio da classe trabalhadora

ganha uma dimensão especifica, sobretudo pelo contexto histórico que o

coloca e o condiciona como ser humano inferior, havendo, portanto a

necessidade posta, dada as condições objetivas, de uma consciência racial por

parte do negro, pois o movimento literário negritude é a emergência de algo

que pulsa e que foi solapado na subjetividade e através da poesia se

materializa novamente. O referido autor prossegue:

Na realidade, a Negritude aparece como o tempo fraco de uma progressão dialética: a afirmação teórica e prática da supremacia do branco constitui a tese; a posição da Negritude como valor antitético é o momento da negatividade. Mas este momento negativo não possui autossuficiência e os negros que o usam o sabem muito bem. Sabem que visa preparar a síntese ou a realização do humano numa sociedade sem raças. Assim a Negritude é para se destruir, é passagem e não término, meio e não fim último. (SARTRE,1968, p. 122)

Page 11: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

Moura discorda relativamente da afirmação positiva do Movimento

Negritude, pois segundo ele, o movimento negritude tem contradições internas

mais intricadas, favorecendo setores muitas vezes mais abastados da

população negra, distante das contradições vividas pela massa dos

trabalhadores negros. Segundo Moura:

Historicamente isto correspondia ao grau de conscientização que essas elites intelectuais negras tinham da sua problemática, ainda que embrionariamente, sem um horizonte projetivo definido. Esses intelectuais transformaram-se, assim, de um lado conscientes da opressão que sofriam como negros letrados, mas, ao mesmo tempo, não incorporavam o seu protesto estético ao protesto social e político passivo e muitas vezes ativos de milhões negros africanos os quais, sob as condições do colonialismo, sobreviviam explorados na África Negra. (MOURA, 1983, p. 102).

Para Moura, a negritude no Brasil também incorporou essas contradições

das vertentes internacionais. As contradições das relações raciais no Brasil

possibilitaram a emergência de uma luta negra no Brasil na década de 1930,

com a Frente Negra Brasileira. Nesse momento, não existe um ligação direta

com as correntes europeias, mas do ponto de vista da organização e das

reinvidicações políticas, o embate contra a opressão racista é muito

semelhante.

Segundo Clóvis Moura, apesar das coincidências existentes na luta

antirracista no Brasil e no Mundo antes da década de 1940, é somente em

1944 com o surgimento do Teatro experimental do Negro que essas lutas

ganham contornos verossimilhantes:

(...) surge, em 1944, o Teatro Experimental do Negro, liderado por Abdias do Nascimento.Era de fato, um conjunto que apresentava a negritude de forma consciente, desejando, através da ideologia, organizar os negros no Brasil. O movimento editou ainda o jornal Quilombo no qual o pensamento e a proposta do TEM se expressavam. Mas, o que esse grupo apresentava à grande comunidade negra marginalizada nas favelas, nas fazendas de cacau e de algodão, nas usinas de açúcar, nos alagados e nos pardieiros das grandes cidades? Nada.(MOURA, p. 103, 1983).

Para Moura, e compreenderemos melhor essa questão quando discutirmos

as categorias centrais no conjunto da obra - empreitada relegada para a

terceira parte deste artigo - dada as contradições capital e trabalho, tendo

como mediador o racismo, o elemento negro pauperizado criou e criará

Page 12: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

elementos simbólicos para resignificar sua existência na sociedade de classes,

portanto, caberia aos setores organizados da população negra se aproximar

dessas manifestações culturais e artísticas fornecendo subsídios para o salto

qualitativo do ponto de vista da consciência política a uma consciência

revolucionária, ao invés de utilizar recursos “pequeno burguês” para inserir o

negro na sociedade de classes.

Abdias do Nascimento, foi um autor importante na luta antirracista no Brasil

e no mundo.Sua proposta política está sintetizada na ideia de Quilombação. A

origem dessa plataforma é de fato o Teatro Experimental do Negro.

Outro artigo que compõe o livro As raízes do protesto negro é

Lusotropicalismo e Ciência. Nos dizeres de Moura: ““(...) lusotropicalismo do

sociólogo Gilberto Freyre, parceiro teórico de Marcelo Caetano, último chefe do

salazarismo governamental em Portugal, baseia-se na suposição de que os

portugueses (como raça), têm predileção pelos povos “de cor” (MOURA,p. 93,

1983).

Afirma ainda:

Esta teoria criada para justificar o colonialismo de Portugal e apresentar como idílica a escravidão que existiu no Brasil que, para Gilberto Freyre, foi muito mais benigna, paternal, protetora, compreensiva e humanitária do que o trabalho livre a substituiu (MOURA,p. 93, 1983).

Não adentrarei nos pormenores da discussão ideo-politica do

lusotropicalismo. Como já mencionado anteriormente, ao longo do

desenvolvimento de sua teoria, Moura sempre se colocou como antítese do

pensamento de Gilberto Freyre. Neste texto, Moura reúne elementos mais

efetivos para expor as dimensões políticas ligadas ao pensamento conservador

que estão imbricadas na teoria freyriana, bastante aceita pelos círculos

intelectuais brasileiros, mesmo entre os pensadores progressistas. A tese do

encontro harmônico entre colonizadores e colonizados, sintetizada na cozinha

da casa grande é uma elaborada teoria liberal cujo intuito é mascarar as

dimensões contraditórias da realidade nacional (Paixão, 2014).

O lusotropicalismo foi muito importante na elaboração da justificativa

ideológica da colonização portuguesa no continente Africano. É importante

destacar que, ao contrário do que ocorreu na América Latina que foi colonizada

Page 13: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

logo quando da chegada dos europeus, na África, esse processo só foi

possível no final do século XIX. A conferência de Berlim ,ocorrida no ano de

1885 , é um marco para compreender a penetração, divisão e ocupação do

continente africano pelas potências europeias. Não foi possível, antes desse

período, à Europa adentrar ao continente pois não haviam desenvolvido força

bélica suficiente para invadir o território africano.4

O discurso das potências europeias para a invasão africana tinha um apelo

humanistas. Nesse sentido, a interpretação sobre a colonização portuguesa

nos trópicos feita por Freyre foi um importante instrumento teórico para a

ditadura salazarista. Uma vez que a aventura portuguesa nas Américas foi bem

sucedida, possibilitando um processo de miscigenação que não gerou trauma

para o surgimento do Estado Nação Brasileiro, essa mesma capacidade

associativa do colono português deveria ser empregada em solo africano.

Freyre, a convite e financio do governo ditador de Portugal visitou os países

africanos de língua oficial portuguesas (Palop’s), que estavam sob à égide do

colonialismo português, e escreveu alguns livros sobre o tema: Um brasileiro

em terras portuguesas (1953); A integração Portuguesa nos trópicos (1958);

Parte II Sobre a gênese da Teoria social marxista existe uma série de divergências

teóricas. Algumas obras do período que compreende 1843 – período que

compreende o lançamento da Crítica a filosofia de Hegel e “A ideologia Alemã”

1846- só foram tornadas acessíveis ao grande público a partir da segunda e

terceira décadas do século XX. No ensaio “Considerações sobre o marxismo

ocidental”, Perry Anderson propõe uma sistematização das gerações pós-

marxista, abordando questões de temática e conteúdo de cada grupo. Naquilo

que Anderson chamou de “geração revolucionária” que era composta por

Lênin, Rosa Luxemburgo, Trotsky, Stalin e outros, nenhum deles teve contato

com obras centrais na compreensão do legado teórico marxista como, por

4 Diante da necessidade de expansão do capital monopolista, vários recursos naturais fundamentais para essa nova fase do capitalismo existiam em abundância no continente africano. Acordados com a elite africana daquele período, conseguiram enfim adentrar ao continente. Esse processo de dominação conheceu rapidamente a resistência africana que impediu o franco avanço das nações europeias imperialista.

Page 14: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

exemplo, Os manuscritos econômicos e filosófico e A ideologia Alemã , ambos

lançados na década de 1930.

Conforme Anderson, a emergência do marxismo ocidental se dá nos

contextos dos pós-guerras. Esse período de produção teórica marxista se

afirma enquanto momento afastamento dos teóricos dessa geração dos

espaços institucionais de organização da classe trabalhadora. O marxismo

ocidental se organiza majoritariamente na academia, discutindo premissas que

estão situadas, sobretudo, no campo da filosofia tais como estética, ética,

ontologia, epistemologia, etc. Essa inclinação acadêmica e o afastamento

desses pensadores marxistas das questões mais emergentes da luta dos

trabalhadores desse período, tem de ser compreendida a partir do marco do

que foi a URSS pós década de 1930 e o marxismo oficial. Diante da era

stalinista, o marxismo enquanto teoria social passa por um processo de

degeneração positivista, subtraindo aquilo que foi o marco mais subversivo da

teoria social, a dimensão dialética de compreensão da realidade. Estudos e

leituras que não conjugavam com a égide do partido oficial russo eram

compreendidos como desvio idealista burguês e passível de perseguição. Nos

marcos político, é desse período em diante que surgem as cartilhas de análises

da sociedade que eram enviadas pelo comitê central na Rússia para todos os

Pc’s no mundo como guia de orientação para interpretação da realidade. No

caso do Brasil a história não foi diferente, tanto que a leitura oficial do PCB até

a década de 1960 era de Brasil feudal, cabendo a militância revolucionária

forjar desenvolvimento do capitalismo em aliança com a burguesia nacional,

para numa segunda etapa a luta se orientar pela perspectiva socialista.

Portanto, o marxismo ocidental tinha como “tarefa” refundar o marxismo crítico

para poder formular teses e analises original diante do fosso estéril do

marxismo oficial.

Nesse ínterim, entre as décadas de 1940 e 1980 floresceu um conjunto de

estudos que elevou a teoria social marxista em bases conceituais e que

permitiram a renovação do legado de Marx e Engels. Ao observamos esse

período de maneira a tentar elencar características gerais desse momento de

inflexão da teoria social perceberemos que os autores e ou escolas do

pensamento durante o século XX fizeram alguns caminhos distintos. Alguns

Page 15: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

autores propuseram o retorno à obra de Marx e Engels para verificar aquilo que

foi efetivamente escrito por Marx em detrimento daquilo que foi distorcido.

Outros propuseram dialogo do marxismo com outras correntes do pensamento

social, outras aéreas do conhecimento, a fim de preencher possíveis lacunas

existentes na teoria. Outros acabaram por se situar na crítica ao capitalismo

por outros métodos e ferramentas analíticas, uma vez que, segundo alguns

autores, havia alterações históricas e sociais suficientes durante o século XX

para refutar o marxismo enquanto possibilidade de apreensão dos fenômenos

sociais.

Nesse momento, acompanharemos o debate empreendido pelo filósofo

húngaro Gyorgy Lukács (1885-1971). Lukács apresentou a tese da ontologia

do ser social em Marx. Segundo Lukács, as obras que compreendem o período

de 1843 a 1846 são textos que apresentam o período de maturação da teoria

social. Essa análise difere qualitativamente do seu contemporâneo Louis

Althusser que relega o surgimento do aparato cientifico marxista a partir da

obra Ideologia Alemã, quando há, em sua concepção, um corte epistemológico

entre a produção de caráter idealista que precede a obra efetivamente cientifica

de Marx.

Diante do legado interpretativo de Lukács, a compreensão em torno do

edifício teórico marxiano é de que seu surgimento se dá no ano 1843, quando

da publicação do livro “Crítica a filosofia do direito de Hegel”. Deste momento

em diante, a teoria social marxiana se constituirá entre continuidades e

rupturas até o desabrochar da obra de maturidade: “O Capital” lançado o

primeiro volume no ano de 1866. Não cabe nesse trabalho a reconstituição da

teoria social marxista. Falaremos apenas da obra Miséria da Filosofia (1847)

para compreendermos uma questão de método em Clóvis Moura. No livro

“Sociologia de la Práxis” Moura faz menção à esta obra de Marx como marco

conceitual para pensar analises pela perspectiva marxiana.

Conforme Lukács, Marx foi um autor que se propôs a pensar uma ontologia

e não uma ciência lógica, os textos que antecedem a publicação da Miséria da

Filosofia são de extrema relevância para a elaboração da teoria social

moderna. Desconsiderá-las não é apenas negligenciar um período de

Page 16: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

amadurecimento das teses marxianas, mas também deixar de lado categorias

de extrema relevância para compreensão do ser social inserido no contexto do

capital, bem como as mediações que esse novo modo de produção colocam

diante dos indivíduos. Miséria da Filosofia é uma obra que teve um impacto

muito relevante no conjunto da obra marxiana, pois a categoria totalidade está

presente pela primeira vez de forma a concatenar o ser social ao modo de

produção do capital. Porém, ainda é uma obra com diversas fraturas quando

comparamos as categorias econômicas desenvolvidas aqui e no Capital. Em

resumo, Miséria da Filosofia, pode ser entendida com uma síntese do período

de estudos de Marx que se inicia em 1843 até 1846. Em outros termos, todo

fenômeno social é determinado em última instancia pelo modo de produção,

ainda que exista uma independência entre os mais variados complexos sociais.

Dado ao que foi exposto- e é necessário um aprofundamento nessa

questão- ainda que possamos considerar muito hábil a apropriação que Moura

fez da teoria social marxiana e marxista, evitando se filiar ao pensamento oficial

de seu período, marcado pela análise histórica mecânica e pelo economicismo,

Moura, por sua vez, está circunscrito no debate do marxismo e teoria do

conhecimento, efetivamente um dos momentos mais marcantes do marxismo

da segunda metade do século XX. Quando o autor afirma que o “marxismo

cientifico” surge no Miséria da Filosofia, há uma aceitação tácita de que o

primeiro Marx é um filosofo idealista, furtando se de categorias de analise

existente na obra de Marx para crítica da modernidade do capital, como por

exemplo a teoria da alienação, presente já nos Manuscritos Econômicos e

Filosóficos de 1844.

Parte III

Nessa sessão apresentaremos os elementos centrais dos dois livros de

maturidade de Clóvis Moura: Sociologia do Negro Brasileiro (1988) e Dialética

Radical do Brasil Negro (1994). Escritos por um autor sexagenário, são as

obras que marcam um momento de inflexão no conjunto da obra do autor,

escrevendo- o no celeiro dos intelectuais que interpretaram o Brasil- ainda que

Clóvis Moura ainda esteja amargando um silêncio constrangedor por parte dos

Page 17: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

centros de estudos acadêmicos que não mencionam sequer a sua existência,

muita vezes pelo desconhecimento dessa produção – para transformá-lo.

O livro Sociologia do Negro Brasileiro foi lançado no ano do centenário da

abolição. Difere em forma das obras anteriores de Clóvis Moura. Ainda que

Moura tenha sido um autor que tenha discutido ao longo da sua vida as

condições das populações mais pauperizadas na sociedade brasileira, seus

escritos até esse momento, tem um caráter hermético, não acessível ao grande

público. Nessa obra, ao contrário,trata-se explicitamente de um texto para

diálogo com o conjunto da população, como maneira de divulgar o acúmulo

teórico que se produziu ao longo de quase quatro décadas de estudos e

pesquisas. Estamos diante de um escritor maduro, que alicerçou um

pensamento singular e se propõe a dialogar com os setores que entende como

estratégicos para a revolução socialista no Brasil. Na primeira parte, o autor

apresenta o legado teórico em torno dos estudos sobre relações raciais no

Brasil. Apresenta como ao longo do século XX foram produzidos estudos sobre

os mais variados aspectos das relações raciais no Brasil no que tange a

história da escravidão, os elementos constitutivos da cultura afro brasileira, o

pós-abolição e as relações raciais no Brasil moderno, de maneira a não

apresentar o caráter dinâmico e da inserção do negro na sociedade brasileira

tanto no período da escravidão, bem como na sociedade de classes durante o

século XX. Segundo Moura:

No Brasil a maioria dos estudiosos do problema do negro ou caem para o etnográfico, folclórico, ou escrevem como se estivessem falando de um cadáver. Na primeira posição, conforme veremos no decorrer deste livro, o contato entre culturas, o choque entre as mesmas, as reminiscências religiosas, de cozinha, linguísticas e outras ocupam o centro do universo desses cientistas. Na segunda, vemos o indiferentismo pela situação social do negro, destacando-se, pelo contrário, a imparcialidade cientifica do pesquisador em face dos problemas raciais e sociais da comunidade negra. O absenteísmo cientifico transforma-se em indiferença pelos valores humanos em conflito. E como isto o negro é transformado em simples objeto de laboratório (MOURA, 1988, p. 11)

Essa posição critica de Moura em relação aos estudos sobre relações raciais

no Brasil já está colocada em sua trajetória intelectual, conforme já

mencionamos, nas obras “Sociologia de la práxis” e “Raízes do Protesto Negro”

Page 18: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

em que ele refuta os estudos produzidos na academia justamente pelo seu

caráter técnico e descomprometido com as mudanças radicais necessárias

para o efetivo benefício do conjunto da população oprimida e explorada. Nesse

sentido, Moura afirma: Sabemos que não serão apenas estudos, livros e pesquisas

sem uma práxis política que irão produzir essa modificação desalienadora no pensamento do brasileiro preconceituoso e racista. Mas, de qualquer forma, esses trabalhos ajudarão a que se forme uma prática social capaz de romper a segregação invisível mas operante em que vive a população negra no Brasil (MOURA, 1988, p. 13).

Na segunda parte do livro, Moura apresenta alguns elementos de sua

interpretação da formação brasileira quando levado em conta a participação

ativa da população negra. O quilombo de Palmares é apresentado enquanto

primeira experiência política, das mais sofisticadas empreendida pelo africano

escravizado, a expressão mais acabada da capacidade dinamizadora do

africano escravizado de se colocar enquanto força opositora ao regime colonial,

estabelecendo explicitamente uma condição de contradição estrutural entre

senhores e escravos, primeira expressão da luta de classes no Brasil.

Em linhas gerais, para Moura a história da população negra no Brasil, é a

história do segmento da sociedade que sustentou com sua energia, suor,

lágrimas e sangue a consolidação do país que se conhece hoje como Brasil.

Foi trazido como trabalhador forçado, tornado escravo aqui, sendo que sempre

lutou contra essa condição, desde os primeiros momentos ainda em seu

continente, na travessia, bem como no decorrer da sua experiência no outro

lado do Atlântico.

Com o incremento do trabalho escravo no país há praticamente a extinção

do trabalho livre. “O trabalho manual passa, por isto, a ser considerado infame,

somente praticável por escravos” (MOURA, 1988, p. 48) .

Esse trabalho será executado, quase que exclusivamente, pelo escravo

negro, conforme relata Moura (1988): “O escravo negro foi, em algumas

regiões, a mão de obra exclusiva desde os primórdios da colônia. Durante todo

esse período, a história do trabalho, é, sobretudo a história do escravo” (1988,

p. 14).

A escravidão surge em decorrência de dois fenômenos distintos, mas que se

entrelaçam. Primeiro, devido à continuação e desenvolvimento interno da

Page 19: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

sociedade colonial nos moldes em que se vinha realizando a sua evolução

desde as primeiras décadas do século XVI, quando da chegada dos

colonizadores portugueses ao país. Segundo, como consequência dos

interesses das nações colonizadoras em fase de expansão comercial e

mercantil, ou seja, desdobramento das grandes navegações e do primeiro

estágio do capitalismo, o mercantilismo (Moura, 1988).

A escravidão no Brasil e em outras partes do mundo a partir do século XVI

será uma das molas propulsoras para o capitalismo e o desenvolvimento

industrial da Europa. Devido a este aparato econômico envolvido no tráfico de

pessoas, as grandes metrópoles europeias intermediavam esse negócio, até o

momento em que ele virou exclusividade da Inglaterra que obteve o monopólio

da venda de humanos (Moura, 1988).

No Brasil, a primeira medida para por fim ao tráfico de africanos, ocorre nas

primeiras décadas do século XIX, tendo sua implementação efetiva somente

em 1850. A crise do escravismo golpeou fortemente as entranhas do regime

econômico baseado no trabalho compulsório instalado praticamente desde a

chegada dos colonizadores portugueses, pois com o fim do abastecimento de

escravos, os senhores não teriam mais como garantir por muitos anos a

escravidão (Moura, 1986) .

Começa, portanto, desde as primeiras décadas do século XVI a escravidão

do negro no Brasil, instituição essa que perdurará por quase quatro séculos.

Findada a escravidão e inserido o trabalho assalariado essa situação se

perpetua. Alguns mecanismos, tanto políticos como sociais, que barram a

inclusão dos ex-escravos no novo sistema de produção aparecem nesse

entorno, conforme Moura: Em vista disto a imagem do negro tinha de ser descartada da sua

dimensão humana. De um lado havia a necessidade de mecanismos poderosos de repressão para que ele permanecesse naqueles espaços sociais permitidos e, de outro, a sua dinâmica de rebeldia que a isso se opunha. Daí a necessidade de ser ele colocado como irracional, as suas atitudes de rebeldia como patologia social e mesmo biológica.(MOURA,1988, p. 23).

Outra questão importante é que quando da abolição, pensava-se que o

negro comporia as novas classes sociais dessa sociedade em construção, ou

seja, seria parte integrante da classe operária assalariada. “Neste processo

complexo e ao mesmo tempo contraditório da passagem da escravidão para o

Page 20: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

trabalho livre, o negro é logrado socialmente e apresentado, sistematicamente,

como sendo incapaz de trabalhar como assalariado” (MOURA, 1988, p.65) .

Para Moura (1988) o período exposto acima constitui-se no auge da

ideologia de branqueamento da população brasileira, sendo o estado conivente

com a exclusão do negro ao incentivar a vinda do trabalhador estrangeiro, e a

elite branca como arauto desse processo discriminador que segregou toda a

população de ex-escravos:

Essa elite de poder que se auto-identifica como branca escolheu, como tipo

ideal, representativo da superioridade étnica na nossa sociedade, o branco europeu e, em contrapartida, como tipo negativo, inferior, étnica e culturalmente, o negro. Em cima dessa dicotomia étnica estabeleceu-se, como já dissemos, uma escala de valores, sendo o indivíduo ou grupo mais reconhecido e aceito socialmente na medida em que se aproxima do tipo branco, e desvalorizado e socialmente repelido à medida quase aproxima do negro (MOURA, 1988, p. 62).

Segundo Moura, o negro no Brasil sempre se organizou em grupos ou se

envolveu em grupos já existentes no intuito de preserva-se, manter sua cultura,

tentar encontrar momentos de lazer entre os pequenos períodos de descansos

da labuta, preservar sua cultura e padrões africanos e resistir ao regime de

opressão durante a escravidão. No pós-abolição, diante da sociedade

competitiva e a marginalização ao qual a população negra foi exposta

deliberadamente, coube ao negro novamente se organizar em espaços e

grupos . “Podemos dizer, por isto (...) que o negro brasileiro, tanto durante a

escravidão como posteriormente, organizou-se de diversas formas, no sentido

de se auto-preservar tanto na situação de escravo, como de elemento marginal

após o 13 de maio” (Moura, 1988,p.112).

Esses grupos variam nos seus mais diversos objetivos, sendo que Moura

propõe que estas organizações, independente do motivo pelo qual se

aglutinavam,podem ser compreendidos por grupos diferenciados e grupos

específicos.

Os grupos diferenciados são “unidades organizacionais que, por um motivo

ou uma constelação de motivos ou racionalizações. é diferenciado por outros

que, no plano da interação, compõe a sociedade.” (Moura, 1988, p. 116) Os

grupos diferenciados são os que “(...) do ponto de vista interno do grupo, os

Page 21: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

padrões de comportamento que são criados a partir do momento em que seus

membros se sentem considerados e avaliados através da sua marca pela

sociedade.” (Moura, 1988, p. 116)

Ou seja, a relação de distinção entre esses grupos tem a ver com o fato de

que o grupo diferenciado é identificado, enquanto o grupo específico se

identifica. Essa qualidade que adquire o segundo grupo numa sociedade

dividida em classes sociais possibilita a criação de interioridade, identidade e a

partir disso a emergência de valores, ele adquire consciência e percebe que a

sociedade o diferencia, de uma maneira geral ,de forma depreciativa, e

confrontando a isso,”(...) passa a encarara a sua nova marca como valor

positivo, revaloriza aquilo que para a sociedade o inferioriza e sente-se um

grupo específico”.(Moura,1988,p.117)

Para Moura (1988) na sociedade brasileira, que preconiza o branqueamento

da população, “o negro somente poderá sobreviver social e culturalmente sem

se marginalizar totalmente, agrupando-se (...)” (p.120). Define assim o papel

dos grupos específicos:

Este é o papel contraditório, mas funcionamento relevante, das associações e grupos negros específicos que foram organizados ou continuam a existir no Brasil: elaborarem, a partir dos padrões culturais africanos e afro brasileiros, uma cultura de resistência à sua situação social (MOURA, 1988, p.120).

Em linhas gerias, Sociologia do Negro Brasileiro é um livro que tem como

função ser um instrumento de qualificação de uma militância negra e

anticapitalista inserida no contexto das luta pela redemocratização do país. No

entanto, o revés político da década de 1990, quando da desertificação

neoliberal, colocou novos desafios analíticos no horizonte dos militantes sociais

ligados a causa da classe trabalhadora.

É nesse contexto da década de 1990 que Clóvis Moura escreve sua obra

mais importante: Dialética radical do Brasil negro. A forma de apresentação

dessa obra volta a ter o caráter hermético de outros momentos da sua trajetória

intelectual. Esse livro apresenta se como uma espécie de tentativa de

reencontrar as frestas para a abertura da janela histórica para a revolução

brasileira. Ainda que nessa obra ele atualize categorias de analises que já

Page 22: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

haviam surgido na década de 1980, há nesse momento indiscutivelmente um

estudos minucioso da formação do Brasil, elevando as categorias que outrora

subsidiarão suas pesquisa à um grau teórico rico e sofisticado.

Em linhas gerais, a interpretação de Clóvis Moura sobre a formação de

Brasil tem os seguintes eixos conceituais: No Brasil colônia, ainda que esteja

colocado o papel de empreendimento comercial de extração de recursos

naturais, na fase do capitalismo comercial que possibilitou a acumulação

primitiva do capital na Europa, existe um eixo dinâmico interno nessa

sociedade constituída por escravizados e senhores. Como a revolta do

escravizado colocado na condição de objeto é constante, entende-se essa

ação permanente como "quilombagem", que dinamiza o período do escravismo

pleno. Por sua vez, as mudanças externas e internas por conta das alterações

na configuração do capital internacional consolidam uma nova perspectiva em

relação ao processo de exploração da mão de obra, ou seja, há uma pressão

para transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado. A burguesia

nacional enfrentou essa pressão de maneira distinta, transitou de um regime

político colonial para um regime monárquico, mantendo a escravidão. Por outro

lado, setores ligados ideologicamente ao capital inglês liberal, assumem a

postura abolicionista com fins de modernizar o estado brasileiro que era

estrangulado pela instituição escravidão. Ainda que a ação do escravizado em

relação a superação de sua condição de cativo permaneça ativa- vale pensar

nas revoltas baianas na primeira metade do século XIX, os motins, fugas e

demais ações nos centros urbanos do Rio de Janeiro e São Paulo, sobretudo

nas fugas em massa das fazendas de café – o abolicionismo no Brasil do ponto

de vista legal foi constituído majoritariamente por brancos da classe média que

queriam acabar com a instituição escravidão, mas não tinham, em geral,

nenhum projeto efetivo para a população negra pós liberdade. Esse último

período Clóvis Moura chamou de escravismo tardio.

Na transição para o trabalho livre assalariado, a sociedade brasileira se

torna mais complexa, sobretudo no que tange ao racismo, que inventando pela

elite branca brasileira, penetrou como ideário no seio da classe trabalhadora.

Portanto, diante de uma sociedade classista e racista, cabe ao negro o papel

Page 23: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

potencialmente revolucionário de explicitar uma das mais efetivas contradições

da modernidade brasileira: o mito da democracia racial.

Conclusão

A obra de Clóvis Moura ainda é uma incógnita. Não temos estudos

significativos sobre o legado teórico mouriano. Muito citado nas rodas de

discussões e debates do movimento negro, pouco se avançou em estudar

sistematicamente as categorias de análises que ele fez uso para elaborar sua

interpretação de Brasil. É preciso também investigar qual marxismo Clóvis

Moura está efetivamente filiado. Muitos de seus argumentos talvez

permaneçam consistes, ao que pese que algumas de suas avaliações possam

ter perdido o valor analítico. Essas são apenas algumas indagações sobre a

obra de Clóvis Moura. Portanto, Moura é um autor a ser estudado, ainda que

sua relevância se comprove, não sem discussão, pois foi um intelectual

exigente e rigoroso. Essa é a conclusão possível nesse pequeno esboço:

Clóvis Moura um autor a ser conhecido.

Bibliografia

ANDERSON, P. Considerações sobre o marxismo ocidental. São Paulo:

Brasiliense, 1989

BERND, Z. A questão da negritude. São Paulo: Brasiliense, 1984.

CESAIRE, A. Discurso sobre colonialismo. Lisboa: Sá da Costa, 1978.

FREYRE, G. Casa Grande e Senzala. São Paulo: Global. 2003

__________. Um brasileiro em terras portuguesas. Rio de Janeiro: José

Olympio, 1953.

__________. A integração portuguesa nos trópicos. Lisboa: Ministério do

Ultramar, 1958.

LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social I. São Paulo: Boitempo, 2012.

MESQUITA, É. Clóvis Moura (1925-2003) Afro-Ásia [en línea] 2004.

__________. Clóvis Moura e a Sociologia da Práxis. Estudos Afro-Asiáticos, Ano 25, no 3, 2003, pp. 557-577.

Page 24: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo

2010(1843).

________. Manuscritos econômicos e filosóficos. São Paulo:Boitempo

2004(1844).

________. Miséria da filosofia. Resposta à Filosofia da miséria, do Sr

Proudhon. São Paulo: Expressão Popular, 2009(1847).

________. O capital. Crítica da economia política. Livro I- O processo de

produção do capital. VOL 1. São Paulo: Difusão Europeia, 1985(1866).

MARX, K & ENGELS, F. A ideologia alemã. Expressão Popular, 2010(1846)

MOURA, C. Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha. São Paulo:

Civilização Brasileira, 1964.

___________. Preconceito de cor na literatura de Cordel. São Paulo:

Resenha São Paulo, 1976.

__________. Negro, de bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro

Conquista, 1977.

__________.Sociologia posta em questão. São Paulo: Ciências Humanas,

1978(Sociologia de la práxis).

__________. Diário da guerrilha do Araguaia. São Paulo: Alfa Ômega. 1979

A

_________. Sacco e Vanzetti: o protesto brasileiro. São Paulo: Brasil debates.

1979 B

__________. Brasil- raízes do protesto negro. São Paulo: Global. 1983

__________.Rebeliões na senzala.1986 (1959)

__________. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática.1988.

__________ História do negro brasileiro. São Paulo: Ática. 1989.

__________. Dialética Radical do Brasil negro. São Paulo: Anita. 1994

OLIVEIRA, F. N. Modernidade, política e práxis negra no pensamento de Clóvis

Moura. Plural (São Paulo. Online) [S.l.], v. 18, n. 1, p. 45-64, Jan. 2011.

Page 25: Classe e raça no pensamento de Clóvis Moura - fespsp.org.br · militar no PCB, Moura atuaria ... atentando aos elementos constitutivos de uma ... teórica de seus estudos.Discutiremos

PAIXÃO, M. A lenda da modernidade encantada: por uma crítica ao pensamento social brasileiro sobre relações raciais e projeto de Estado-Nação. Rio de Janeiro: CRV, 2014.

SARTRE, J.P. Reflexões sobre o racismo. São Paulo: Difel, 1965