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Noções Gerais de Direito
1.º Semestre
Ano Lectivo 2010/2011
Patrícia Anjos Azevedo(Grupo de Direito)
ESG / IPCA
A norma jurídica
1.º - Remissão para o que já foi leccionado anteriormente.
As normas jurídicas, como normas de conduta social que são,
prevêem as situações que visam regular e fixam as condutas
que querem que se observem.
Noção de Oliveira Ascensão: “critério de qualificação e
decisão de casos concretos”.
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Estrutura da norma jurídica Chama-se justamente previsão à primeira fase (representação
da situação da vida social e regular) e estatuição à segunda
(estabelecimento da conduta a observar).
A previsão faz-se de forma geral e abstracta (com vista a
contemplar todas as realidades futuras), mas pode haver
normas em que a previsão é um acontecimento singular e
concreto: “Quando vagar o lugar de escrivão no tribunal
de…será extinto esse lugar”.
A estatuição é sempre geral e abstracta.
Na norma “Quem encontrar coisa perdida e souber a quem
pertence, deve restitui-la ao seu dono”, a primeira parte constitui a
previsão (quem encontrar e souber) e a segunda a estatuição
(deve restitui-la).
A ordem pode ser diferente: “o professor marcará falta (estatuição)
aos alunos ausentes” (previsão).5
Aplicação prática
Ex: art. 483.º CC – Aquele que, com dolo ou mera culpa,
violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer
disposição legal destinada a proteger interesses alheios//
fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes da violação.
Que estrutura segue a norma?
Norma jurídica = previsão (ou hipótese legal) + estatuição
Previsão: antecedente; descrição de determinados factos,
comportamentos, estados, acontecimentos. Descrição da
factualidade que vai ter relevância para o direito (situações típicas
da vida)
Estatuição: consequente. É a consequência jurídica, o que de
facto vai despoletar no mundo do direito. São os direitos e deveres
(efeitos jurídicos) que surgem por força do preenchimento da
previsão.6
Aplicação prática II
Artigo 502.º CC: Quem no seu próprio interesse utilizar
quaisquer animais//responde pelos danos que eles
causarem, desde que os danos resultem do perigo especial
que envolve a sua utilização.
Artigo 1340.º CC: Se alguém de boa fé construir obra em
terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o
valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem
trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que
este tinha antes// o autor da incorporação adquire a
propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes
das obras, sementeiras ou plantações.
Nota adicional: Como sinónimos de norma usam-se regra,
comando, preceito, disposição, lei.
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Um outro exemplo…
Art.º 200.º do C. Penal (Omissão de auxílio)
“Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente
provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou
situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a
integridade física ou a liberdade de outra pessoa, deixar de lhe
prestar ou auxílio necessário ao afastamento do perigo, seja
por acção pessoal, seja promovendo o socorro, é punido com
pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.”
Previsão - “Quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente
provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação
de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física
ou a liberdade de outra pessoa…
Estatuição – …deixar de lhe prestar ou auxílio necessário ao
afastamento do perigo, seja por acção pessoal, seja promovendo o
socorro,…
Sanção - … é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena
de multa até 120 dias.”8
Características dominantes das
normas jurídicas (revisão)
Imperatividade: as normas impõem comandos, regras, ordens de
conduta. Podem ser positivas (“o inquilino tem de pagar a renda”) ou
negativas (“ não matarás”), ou apenas declarativas. Por isso é que as
normas jurídicas são tão diferentes das leis científicas, que se limitam a
observar a realidade e a descrevê-la como ela é. O Direito não: é o
“dever-ser”, não o “ser”.
Generalidade e abstracção: as normas jurídicas são sempre
genéricas (aplicam-se a uma generalidade de pessoas), aplicam-se a
todos que praticarem determinada acção ou omissão, ou que estiverem
em certa situação. Abstracta porque também não é concebida para
casos concretos, mas para um conjunto abstracto de potenciais
situações.
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Características dominantes das
normas jurídicas (revisão) Coercibilidade: no fundo, todas estas características também
se aplicam às normas de cortesia, religiosas e morais. Também
impõem comandos e também se destinam a um conjunto
indeterminado de pessoas e situações. O que realmente
diferencia as normas jurídicas das outras é a sua
coercibilidade. Quem não cumprir o comando imposto pelo
Direito sofrerá sanções.
E a ordem jurídica apressa-se a repor a situação que deveria
existir se não tivesse havido violação, nomeadamente através
da força pública, recurso a tribunais, etc. Se o inquilino não
pagar o preço, pode obter-se uma decisão judicial que o force a
pagar, executando-se o seu património. Se alguém furtar um
relógio, será obrigado a devolve-lo, ou pelo menos o valor
equivalente. Se alguém matar uma pessoa será sancionado,
por exemplo, com pena de prisão. Se alguém violar uma regra
de trânsito, paga uma coima…
Ou seja, pode usar-se a força para impedir ou reprimir a
violação das normas jurídicas.10
Classificações das normas
jurídicas – perceptivas, proibitivas
e permissivas A ordem jurídica ordena ou proíbe através de imposições;
Normas preceptivas: v.g. as normas que nos obrigam a pagar impostos ou a circular pela direita;
Normas proibitivas: v.g. as normas que punem o homicídio, as ofensas corporais, o furto ou o roubo;
Normas permissivas ou concessivas: a ordem jurídica também autoriza certas condutas, concedendo aos sujeitos certos poderes (direitos, permissões); exemplo de permissão pura: 1450º CC; exemplo de concessão de autonomia à vontade dos interessados para produzirem efeitos jurídicos (cfr. art.s 405º, 1698º CC, 339º e 337º CC, 32º CP).
Normas permissivas-justificativas: quando permitem em certas condições praticar actos que, se não fosse a permissão contida nessas normas, seriam proibidos, ilícitos (337º ou 339º CC:
legítima defesa e direito de necessidade)11
Classificação das normas jurídicas
– universais, regionais e locais
Universais: as que se aplicam em todo o território do Estado
(v.g.: CRP, CP, CC, maioria das Leis e D.L.’s);
Regionais: aquelas que apenas se aplicam numa região
autónoma (Decretos das Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira);
Locais: as que apenas se aplicam no território de uma
autarquia local (posturas e regulamentos locais);
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Classificação das normas jurídicas
– gerais (ou Direito-regra) e
excepcionais
Normas gerais: regime-regra para o sector da vida que regulam (v.g. art. 219º CC: “consensualidade”);
Normas excepcionais: recortam uma parte daquele sector e estabelecem para essa parte restrita, por razões privativas dele, um “regime oposto àquele regime-regra” (v.g. 1143º CC: escritura pública);
N.B.: a distinção é muito importante porque o art. 11º CC dispõe que as normas excepcionais não comportam aplicação analógica;
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Classificação das normas jurídicas –
Direito comum e de Direito especial;
gerais e especiais
A) Existe um regime especial para um facto ou situação que se não fosse objecto da norma especial (v.g. art. 131º CP), caberia inteiramente na norma geral (v.g. art. 132º CP: “especial censurabilidade”);
B) Há um regime-regra, comum para todo o sector de relações ou situações jurídicas (v.g. CC ou CP) e depois a lei recorta um subconjunto ou subsector de relações ou situações dentro daquele conjunto e estabelece para o subconjunto uma disciplina especial (v.g. Código do Trabalho ou Código de Justiça Militar);
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Classificação das normas jurídicas – leges
plus quam perfectae, leges perfectae, leges
minus quam perfectae e leges imperfectae
N.B.: atende-se agora às sanções aplicáveis pela violação da norma
Leges plus quam perfectae: são as normas cuja violação importa ao mesmo tempo a nulidade do acto e ainda outra sanção: v.g. contrato de usura (art. 282º CC) em que à nulidade do negócio acresce a redução dos juros para a taxa legal (art. 1146º/3 e 4);
Leges perfectae: são normas cuja violação importa como sanção apenas a nulidade do acto, como v.g.: o contrato de mútuo celebrado por documento particular quando a lei exige escritura pública (o compromisso de, v.g., um cônjuge “confessar” perante o outro a violação dos seus deveres conjugais, é nulo, por contrário aos bons costumes, mas não é punível; em Direito penal o “direito ao silêncio” é um direito fundamental;
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Classificação das normas jurídicas – leges
plus quam perfectae, leges perfectae, leges
minus quam perfectae e leges imperfectae
Leges minus quam perfectae: normas cuja violação importa
uma sanção diferente da nulidade do acto, i.e., o acto mantém-
se válido, mas o agente sofre uma sanção diferente da
nulidade (v.g. a venda de um produto fora da hora
regulamentar da abertura do estabelecimento não implica a
nulidade da venda, mas acarreta uma sanção como v.g. a
coima para o comerciante);
Leges imperfectae: são normas cuja violação não acarreta
qualquer sanção, como v.g. no Código da Estrada de 1994, a
passagem dos peões fora das passadeiras, era proibida, mas a
violação da norma não implicava qualquer sanção;
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Classificação das normas jurídicas
– autónomas e não-autónomas ou
completas e incompletas
Autónoma ou completa: aquela que, por si só, tem um sentido completo, produz efeitos só por si, contém em si a regulamentação completa de uma situação jurídica (v.g. 131º CP);
Não-autónoma ou incompleta: não produz efeitos só por si (v.g. 994º CC: “é nula a cláusula…”; 23º/2 CP: tentativa; 25º e ss. CC: norma de conflitos)
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Classificação das normas jurídicas
– imperativas; dispositivas;
supletivas, interpretativas Normas imperativas, cogentes ou injuntivas: quando a
conduta que estatuem é obrigatória, verificada a sua previsão
(v.g. art. 1874º ou art. 1877º CC), podendo ser preceptivas ou
proibitivas, conforme vimos;
Normas dispositivas: podem ser facultativas ou permissivas
(já estivemos a ver), interpretativas e supletivas;
“Normas interpretativas”: são as normas cuja função é
determinar o alcance e sentido de certas expressões ou de
determinadas condutas declarativas ou actos das partes, em
caso de dúvida; entre elas: definições legais (artigos 1º/2, 349º
e 363º CC) e as enunciações legais de categorias
compreendidas num conceito (artigos 1º, 1363º/1 CC);
exemplos de normas interpretativas de declarações das partes
(artigos 2262º, 2263º, entre outras); em matéria de obrigações
(artigo 840º CC);18
Classificação das normas jurídicas
– imperativas; dispositivas;
supletivas, interpretativas
“Normas supletivas”: são as normas que se destinam a suprir
a falta de manifestação da vontade das partes sobre
determinados pontos do negócio que carecem de
regulamentação (exemplos: artigos 772º/1 e 1717º CC);
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A codificação como técnica
normativa: noções
Código: é uma lei em sentido material; tem a força própria da
lei que o aprova ou na qual está contido; formalmente tanto
pode ser uma lei da Assembleia da República como um
Decreto-Lei do Governo ou qualquer outro diploma;
É, contudo, uma lei que reúne, de um modo sistemático e, tanto
quanto possível, completo, toda a regulamentação de um certo
ramo de Direito ou parte importante deste; ao três “SS”:
sintético, sistemático e (s)científico; ex.s (…);
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A codificação como técnica
normativa: noções
Estatuto: lei que regula de forma sistemática e unitária uma
certa actividade, carreira ou profissão.
(v.g. Estatuto da Ordem dos Advogados, Estatuto dos
Magistrados Judiciais, Estatuto do Ministério Público, Estatuto
dos Técnicos, ou dos Revisores, Oficiais de Contas, entre
muitos outros);
(leis orgânicas: leis que organizam e regulam o funcionamento
de um serviço (v.g. Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais);
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A codificação como técnica
normativa: noções
Lei avulsa ou extravagante: quando uma “lei” (ou, mutatis
mutandis, outro tipo de legislação, conforme referido antes)
altera uma norma de um código ou lhe acrescenta alguma
norma nova, mas não a introduz no texto do código;
Há prós e contras no que concerne a discussão codificação vs
leis avulsas.
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