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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁSUNU DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS
Priscila Hanako Ishy
UMA ANÁLISE FONOLÓGICA DA LÍNGUA KAXARARI (PANO)
ANÁPOLIS/GO2009
PRISCILA HANAKO ISHY
UMA ANÁLISE DA LÍNGUA KAXARARI (PANO)
Trabalho de Conclusão de Curso de Letras da Universidade Estadual de Goiás, UnU de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas, apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de licenciatura em Letras Português/Inglês.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Gláucia Vieira Cândido
ANÁPOLIS2009
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
AUTORA: Priscila Hanako Ishy
TÍTULO: Uma análise fonológica da língua Kaxarari (Pano)
DATA DE DEFESA: 23 de novembro de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
Prof.ª Dr.ª Gláucia Vieira Cândido (Orientadora)
Prof.º Ms. Marco Antônio Rosa Machado
CONCEITO: Aprovado
COORDENAÇÃO DE TCC
Prof.º Ms. Sóstenes Cezar de LimaCoordenador Adjunto de TCC – UnUCSEH/UEG
3
RESUMO
Este trabalho apresenta um estudo fonológico da língua Kaxarari, pertencente à família linguística Pano, e falada pela etnia de mesmo nome localizada no sudeste do estado do Amazonas e no noroeste do Estado de Rondônia. O objetivo da pesquisa é definir os fonemas e alofones Kaxarari, visto que os quadros fonológicos propostos pelos pesquisadores da língua divergem entre si. Para isso, foram coletados dados dos trabalhos existentes sobre a língua e, a partir disso, montou-se o quadro fonético da mesma. Posteriormente, pesquisou-se pares mínimos na língua e, finalmente, apresentou-se uma proposta para o quadro fonêmico do Kaxarari, bem como seus alofones.
PALAVRAS-CHAVE: Linguística. Língua Kaxarari. Fonologia.
4
ABSTRACT
This project presents a phonological study of the language Kaxarari, which belongs to the linguistic family Panoan, and it´s spoken by an ethnic group, called by the same name of the language, and localized in the southeast area of the state of Amazonas and in the northwest of the state of Rondônia. The purpose of this research is to define the phonemes and allophones of the Kaxarari language, since the phones inventory of this language proposed by its researchers presents divergences among each work. To do so, the data displayed in these studies were used to establish the phones inventory of Kaxarari. Posteriorly, the minimal pairs in the language were researched and, finally, it was possible to present a proposal of the phonemes inventory of Kaxarari, as well as its allophones.
KEYWORDS: Linguistics. Kaxarari Language. Phonology.
5
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO …......................................................................................................... 7
2. O POVO E A LÍNGUA KAXARARI …....................................................................... 7
2.1. A Família Linguística Pano ….................................................................................... 7
2.2. O Povo Kaxarari …..................................................................................................... 8
2.3. A Língua Kaxarari ….................................................................................................. 9
2.4. Estudos Linguísticos sobre a Língua Kaxarari ….......................................................10
2.5. Metodologia …............................................................................................................10
3. O QUADRO FONÉTICO DA LÍNGUA KAXARARI …........................................... 11
3.1. Os Fones Consonantais ….......................................................................................... 11
3.2. Os Fones Vocálicos …............................................................................................... 12
4. A ANÁLISE FONÊMICA DA LÍNGUA KAXARARI …........................................ 12
4.1. Os Fonemas Consonantais …..................................................................................... 13
4.2. Os Fonemas Vocálicos ….......................................................................................... 17
5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS …........................................................................ 18
6. CONCLUSÃO ….......................................................................................................... 20
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS …...................................................................... 21
6
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho consiste em um estudo linguístico sobre a língua Kaxarari e é baseado no
projeto de pesquisa realizado de agosto de 2007 a julho de 2008, com o título Um estudo
sobre a língua Kaxarari da família Pano: análise de alguns aspectos fonológicos e uma
proposta de léxico Português-Kaxarari-Português, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Gláucia
Vieira Cândido e a co-orientação do Prof. Dr. Lincoln Almir Amarante Ribeiro1. Nessa
pesquisa, a presente autora ficou responsável pela parte do projeto referente ao estudo da
fonologia da língua Kaxarari. Para o atual trabalho, considerou-se o estudo realizado
anteriormente em forma de um artigo final de pesquisa de Iniciação Científica, fez-se uma
nova análise dos dados para a verificação de omissão ou erros de resultados e aprofundou-se
no tema proposto. Em ambos estudos, o objetivo principal é definir o quadro fonêmico da
língua, identificando os fonemas e alofones existentes nela. Faz-se relevante essa pesquisa,
pois nos trabalhos de estudiosos dessa língua, existem certas divergências no que diz respeito
aos fonemas Kaxarari. Diante disso, viu-se a necessidade de uma análise que tentasse definir
o quadro de fonemas Kaxarari. Como fonte de dados da língua, utilizou-se todas as pesquisas
publicadas. E a partir desses dados, definiu-se o quadro de fones, procurou-se pares mínimos
na língua, para então, definir os alofones e os fonemas e, por conseguinte, elaborar o quadro
fonêmico.
2. O POVO E A LÍNGUA KAXARARI
2.1. A Família Linguística Pano
Dentre as famílias linguísticas existentes em território brasileiro, encontra-se a família
Pano. As línguas pertencentes a essa família são faladas por povos localizados nos estados do
Acre, Rondônia e Amazonas, além dos países Bolívia e Peru. Mais especificamente são 26
línguas vivas, sendo duas faladas na Bolívia, 12 no Brasil, nove no Peru, além de mais duas
faladas tanto no Peru como no Brasil e mais uma falada em ambos os três países. (CÂNDIDO
& RIBEIRO, 2007). Acredita-se que a denominação dessa família tenha origem no nome de
uma de suas línguas já extintas: o Panobo ou Wariapano (RIBEIRO, 2006). Quanto à
1 Agradecemos em especial ao Prof. Lincoln Amarante Ribeiro pela idealização dessa pesquisa e dedicamos esse trabalho em homenagem à sua memória.
7
significação do nome Pano, Tessman (1999 apud RIBEIRO, 2006) presume que seja ´Tatu
gigante`.
Vários são os pesquisadores que vêm estudando essa família linguística, o que tem
resultado em algumas propostas de classificações das línguas Pano. Segundo Ribeiro (2006),
o surgimento oficial da família Pano foi marcado pelo trabalho de Raoul de la Grasserie
(1888), apesar de a primeira menção às línguas Pano na literatura ter sido feita por Martius
(1867), por meio de um glossário de línguas brasileiras. Já a primeira classificação das línguas
dessa família foi feita pelo antropólogo norte-americano Brinton (1891).
Posteriormente, outros estudiosos acrescentaram suas contribuições na classificação
das línguas Pano, seja por meio de acréscimo de línguas à família Pano ou através de divisões
e classificações das línguas por aspectos geográficos. Dentre esses pesquisadores, destacam-
se as classificações feitas por Greenberg (1956) e por Swadesh (1964). Não obstante as várias
classificações, ainda há falhas que necessitam ser aperfeiçoadas, o que só poderá ocorrer
mediante os estudos de outras línguas ainda pouco estudadas ou desconhecidas,pois quanto
maior o número de dados disponíveis, maior a contribuição para a Línguística Histórica no
seu estudo do parentesco genético das línguas e do desenvolvimento diacrônico das mesmas.
Quanto a isso Ribeiro (2006, p.21) afirma: “somente uma classificação final, feita com base
em aspectos fonológicos e morfossintáticos, poderá resultar em uma classificação definitiva
dessas línguas (Línguas Pano)” e Shell (1965) presume que futuras investigações na Bolívia e
no Brasil poderão fornecer dados que remetam a um Pano mais primitivo, possível de ser
reconstruído a partir de dados de várias línguas.
Ainda de acordo com Ribeiro (2006), sobre as classificações das línguas Pano, talvez a
que mais se aproxime de uma classificação genuínamente linguística seja a de Loos (1999).
Em sua catalogação das línguas Pano, Loos divide-as em quatro subgrupos: o Yaminawa, o
Chacobo, o Capanawa e o de línguas não agrupáveis.
2.2. O Povo Kaxarari
Estima-se que a população Kaxarari seja composta de 260 a 270 indivíduos, os quais
vivem em uma área de 145 mil hectares, no município de Labrea, às margens da rodovia BR
364, no sudeste do estado do Amazonas e também no município de Porto Velho no noroeste
do Estado de Rondônia. Suas terras localizam-se entre os igarapés Mucurenem e Azul.
Segundo Moreira (2005), esse povo encontra-se dividido em três aldeias, chamadas de Bueira,
Pedreira e Paxiúba, além disso, há algumas famílias Kaxarari que vivem isoladamente.
8
O povo Kaxarari organiza-se por meio de clãs patrilineares, em que cada membro está
ligado à linhagem masculina, ou seja, a do seu próprio pai, e o casamento é com a filha do tio
materno ou com a filha da tia materna. Depois de casado, o homem deve morar com a família
de sua esposa, para trabalhar para o pai de sua mulher (AQUINO apud MOREIRA, 2005)
Quanto aos seus rituais, estes não são mais praticados e suas moradias não determinam suas
habitações tradicionais, vivem em moradias no estilo regional. Atualmente os Kaxarari
possuem a Associação das Comunidades Indígenas Kaxarari, criada com a finalidade de
fortalecer, organizar e incentivar a prática cultural Kaxarari e buscar alternativas econômicas
para o sustento do povo.
Por vários anos, os Kaxarari lutaram pelo reconhecimento de suas terras e contra a
exploração de pedras e o desmatamento de suas áreas. Durantes os anos de 1988 e 1990, a
Empresa Mendes Júnior, responsável pelo construção da BR 364, explorou o território
Kaxarari a fim de adquirir o material necessário para o asfaltamento, o que ocasionou graves
problemas ao meio ambiente, à saúde e à sobrevivência dos índios, além de terem que
enfrentar madereiros e posseiros (MOREIRA, 2005).
Em 1991, o governo brasileiro reconhece todas as áreas Kaxarari, proibindo o trânsito
e a permanência de não-índios nesses territórios, exceto se autorizado pela FUNAI. Apesar
disso, sabe-se que existem madeireiros que exploram essas terras com a permissão dos índios
que, em troca, recebem algum dinheiro para sua sobrevivência. Após a exploração da
Empresa Mendes Júnior, a caça, a pesca e a coleta de alimentos é cada vez menor, por isso
muitos se submetem à exploração de madeireiros e comerciantes da região e por medo, a
maioria não denuncia as explorações ainda existentes em seus territórios.
2.3. A Língua Kaxarari
A língua dessa etnia, também denominada Kaxarari e pertencente à família linguística
Pano, ainda é falada nas aldeias, porém corre o risco de deixar de existir já que o contato com
as áreas urbanas levou muitos Kaxarari a abandonarem sua língua materna para falarem
apenas o Português. Ainda assim há o uso da língua principalmente por parte das crianças e
das mulheres, que não falam Português, mas entendem. Os homens falam Português quando
estão com não-índios, na sua própria comunidade falam Kaxarari ou Português (MOREIRA,
2005).
A escolha pelo Português ocorreu pela necessidade de se relacionar em outra cultura,
na qual são considerados inferiores. “A fluência na língua do grupo “dominante” lhes permite
9
uma maior inserção, além de facilitar o relacionamento”(MOREIRA, 2005, p. 54). Ainda
segundo Moreira (2005), a rejeição pela sua língua materna foi agravada no período da
extração da borracha, quando eram proibidos de falarem sua língua materna, o que ocasionou
o esquecimento de sua língua e pôs em perigo sua existência.
Entretanto, passado o período da extração da borracha, os índios perceberam que havia
a necessidade de lutarem pelas suas terras e para isso deveriam retomar sua condição de índio.
Assim, na década de 70, voltam a valorizar sua cultura, incluindo sua língua.
2.4. Estudos Linguísticos sobre a Língua Kaxarari
A língua Kaxarari ainda é pouco estudada, as principais fontes de dados linguísticos
provêm de Wilbur Pickering (1973), Isaac Costa de Souza (1986), Élder José Lanes (2000),
Gladys Cavalcante Sousa (2004) e Alexandre Couto (2005). Sendo que a maioria dos estudos
concentra-se primordialmente sobre a fonologia da língua.
O material do primeiro autor consiste em uma lista de 72 vocábulos e frases em
Kaxarari. Já os dados de Souza (1986) são compostos por informações manuscritas de uma
lista de 177 palavras e expressões Kaxarari e com seu respectivo significado em português,
um quadro fonético da língua, os tipos de sílabas, a ordem das palavras, o aspecto, algumas
orações nominais e lista de alguns pronomes e advérbios.
Quanto ao trabalho de Lanes (2000), tem-se uma dissertação de mestrado em que o
autor utiliza dados de cinco línguas Pano, dentre elas o Kaxarari, para uma análise da
mudança fonológica na família Pano. Outra dissertação de que se faz uso é a de Sousa (2004),
nela há um estudo sobre a descrição da fonologia da língua Kaxarari. E finalmente, tem-se a
monografia de Couto (2005) em que se faz uma proposta de ortografia Kaxarari.
2.5. Metodologia
Dadas as circunstâncias para a realização dessa pesquisa, utilizou-se uma metodologia
diferenciada, visto que não foi possível um trabalho de campo e os únicos dados disponíveis
foram os estudos dos pesquisadores já mencionados acima. Assim, levando em conta os dados
fonéticos obtidos pelos pesquisadores, considerou-se como se cada pesquisador fosse um
informante Kaxarari, o que tornou razoável que esse estudo se desenvolvesse com base nos
moldes tradicionais.
10
Como fundamento teórico para a análise dos dados, apoiou-se em aspectos
elementares da fonética/fonologia usados no estudo de transcrição e descrição das línguas
ágrafas segundo o modelo fonêmico. Desse modo, teve-se como base os estudos de Pike
(1947), Kindell (1981), Silva (1999), Callou & Leite (2003), Santos (2003) e Souza (2003).
Os conceitos linguísticos fundamentais usados para realização desse trabalho podem
ser explicados sinteticamente como: fones, todos os segmentos consonantais e vocálicos
encontrados na transcrição fonética; fonemas, sons que apresentam distinção funcional das
outras unidades fonéticas da língua; alofones, sons que realizam o mesmo fonema; e par
mínimo, método de identificação que consiste em um par de palavras com significados
diferentes cuja cadeia sonora tenha apenas um segmento que diferencie uma palavra da outra.
Baseando-se ainda nos métodos da análise fonêmica, a qual os conceitos linguísticos
já mencionados servem de ferramentas indispensáveis, realizou-se alguns procedimentos
propostos por Pike (1947 apud SILVA, 2002) com o objetivo de definir os fonemas e os
alofones de qualquer língua pesquisada. Portanto, esse estudo iniciou-se com a coleta do
corpus da língua Kaxarari, para então reunir todos os fones encontrados na mesma e registrá-
los na tabela fonética. Posteriormente, buscou-se pares mínimos na língua a fim de identificar
os fonemas e os alofones Kaxarari e consequentemente definir a sua tabela fonêmica.
3. O QUADRO FONÉTICO DA LÍNGUA KAXARARI
3.1. Os Fones Consonantais
De acordo com a análise dos fones levantados por todos os pesquisadores da língua
Kaxarari, pôde-se montar o quadro fonético dos sons consonantais dessa língua, tal como se
vê na Tabela I, abaixo:
BILABIAL LÁBIO-DENTAL
ALVEOLAR ÁLVEO-PALATAL
RETRO
FLEXO
PALATAL VELAR GLOTAL
OCLUSIVA OCLUSIVA PALATALIZADA
OCLUSIVA LABIALIZADA
OCLUSIVA ASPIRADA OCLUSIVA PRÉ-VOCALIZADA
NASAL NASAL PALATALIZADA
VIBRANTE
11
TEPE AFRICADA AFRICADA ASPIRADA FRICATIVA FRICATIVA LABIALIZADA
FRICATIVA PRÉ-VOCALIZADA
APROXIMANTE APROX. LATERAL
Tabela I: Quadro Fonético da Língua Kaxarari – os fones consonantais.
3.2. Os Fones Vocálicos
Também com base na análise dos fones levantados por todos os pesquisadores da
língua Kaxarari, o quadro fonético dos sons vocálicos pode ser apresentado, conforme mostra
a Tabela II, a seguir:
ANTERIOR CENTRAL POSTERIOR
NÃO ARREDONDADANÃO
ARREDONDADA ARREDONDADA
ORAL NASAL ORAL NASAL ORAL NASAL ORAL NASALALTO-FECHADO i SEMI-FECHADO MÉDIO-ALTO MÉDIO MÉDIO-BAIXO SEMI-ABERTO BAIXO
Tabela II: Quadro Fonético da Língua Kaxarari – os fones vocálicos.
4. A ANÁLISE FONÊMICA DA LÍNGUA KAXARARI
Considerando o pressuposto teórico da análise fonêmica que diz que se dois sons
diferentes ocorrem em ambientes idênticos ocasionando diferença de significado em uma
determinada língua, tais sons corresponderão a unidades distintas no sistema sonoro dessa
língua. Assim sendo, pode-se demonstrar a partir de pares mínimos, ou seja, de pares de
12
palavras que se diferem em apenas um som e que tenham diferença de sentido, quais são os
fonemas pertencentes à língua, em específico, ao Kaxarari.
Portanto, após a definição do quadro fonético da língua, iniciou-se uma pesquisa para
definir, por meio da verificação da ocorrência de pares mínimos, quais eram os fonemas do
idioma Kaxarari e, por conseguinte, determinar o quadro fonológico do mesmo. O resultado
disso, vê-se nas seções seguintes.
4.1. Os Fonemas Consonantais
A partir da análise fonêmica simples, pautada nos pressupostos teóricos de Pike
(1947), com a verificação de pares mínimos concluiu-se que a língua Kaxarari possui os
seguintes fonemas consonantais: /p/, /t/, /k/, //, /m/, /n/, /r/, //, /s/, //, //, /h/, //, //, /l/, /
/, /ts/ e /t/. Na seqüência, são apresentados todos os pares mínimos que serviram à análise
fonêmica que definiram os fonemas consonantais da língua Kaxarari.
Os sons /p/ e /h/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[pi´i] – pena
[hi´i] – muçum (tipo de peixe)
Os sons /t/ e /p/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[tu´o] – guariba
[pu´o] – seco
Os sons /k/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[i´ki] – homem
[i´i] – tamanduá pequeno
Os sons /h/ e /w/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ha´ na] – língua
[wa´na] – tucumã
Os sons /n/ e /w/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
13
[ha´na] – língua
[ha´wa] – dele
Os sons /h/ e /n/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ha´na] – língua
[na´na] – irmão
Os sons // e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[u´i] – lua
[u´i] – paxiúba
Os sons // e /w/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ina´a] – animal de estimação
[ina´wa] – onça
Os sons /k/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[pa´ki] – sombra
[pa´i] – muru-muru
Os sons /k/ e /ts/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[pa´ki] – sombra
[pa´tsi] – macio
Os sons /k/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[pa´ki] – sombra
[pa´i] – pescaria
Os sons /w/ e /j/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[wa´ka] – água
[ja´ka] – este, esta
Os sons /k/ e /t/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
14
[wa´ka] – água
[wa´ta] – lá
Os sons /k/ e /s/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[wa´ka] – água
[wa´sa] – macaco mão-de-ouro
Os sons /t/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[i´tu] – gavião
[i´u] – então
Os sons /n/ e /m/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[na´li] – bicho-preguiça
[ma´li] – facão
Os sons /t/ e /ts/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ka´ta] – rã
[ka´tsa] – azedo
Os sons /w/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[hi´wi] – árvore / madeira
[hi´i] – muçum
Os sons /k/ e /s/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ka´ta] – rã
[sa´ta] – claro
Os sons /p/ e /n/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ta´pa] – avô, velho
[ta´na] – joelho
15
Os sons /p/ e /m/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[pa´li] tapiri
[ma´li] facão
Os sons // e /k/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[na´a] ninho
[na´ka] cara (rosto)
Os sons /r/ e /l/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[p´rhi] tomar
[p´lhi] pernoitar
[ta´lahi]experimentar
[ta´rahi] ferir
Os sons /n/ e /l/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ja´n] lago
[ja´l] carrapato
[ha´n] cheiro, perfume
[ha´l] nome
[k´na] fundo
[k´la] arara canindé
Os sons /s/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[hu´su] mariposa
[hu´u] pálido
Os sons // e /t/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ku´ahi] resguardo
[ku´tahi] empurrar
Assim, é possível organizar o quadro fonológico de sons consonantais da língua
16
Kaxarari, tal como exposto na Tabela III, a seguir:
BILABIAL ALVEOLAR ÁLVEO-
PALATAL
RETRO
FLEXO
PALATAL VELAR GLOTAL
OCLUSIVA t NASAL VIBRANTE AFRICADA t tFRICATIVA APROXIMANTE APROXIMANTE
LATERAL
Tabela III: Quadro Fonológico da Língua Kaxarari – os fonemas consonantais.
4.2 Os Fonemas Vocálicos
Já os fonemas vocálicos são: /i/, //, /u/, //, // e /a/. Cada um desses fones foi definido
como fonema da língua também por meio da constatação de sua ocorrência em um par
mínimo em contraste com outro som, tal como podemos ver na seqüência:
Os sons /u/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[u´i] – lua
[´i] – mês
Os sons // e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[k´na] – macaxeira
[k´na] – fundo
Os sons /a/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ha´na] – língua
[ha´n] – cheiro, perfume
Os sons /u/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[u´ja] – inverno
[´ja] – meu piolho
17
[bu´hi] sair
[b´hi] comprar, buscar
Os sons /u/ e /a/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[mu´li] – minhoca
[ma´li] – facão
Os sons /i/ e /a/ são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[hi´wa] – flor
[ha´wa] – dele
Os sons /a/ e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[´wa] mãe
[´w] meu
Os sons // e // são fonemas, porque ocorrem em ambientes idênticos causando
distinção de significado.
[ml´hi] mudar
[ml´hi] esperar
Dessa forma, pode-se organizar o quadro fonológico de sons vocálicos da língua
Kaxarari, conforme exposto na Tabela IV, a seguir:
ARREDONDADOORAL ORAL ORAL
ALTO-FECHADO MÉDIO-FECHADO MÉDIO-ABERTO BAIXO
Tabela IV: Quadro Fonológico da Língua Kaxarari – os fonemas vocálicos.
5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Avaliando os objetivos da pesquisa em questão, ou seja, procurar definir o quadro
fonético da língua Kaxarari a partir de todos os levantamentos já feitos por outros estudiosos e
definir, por meio da análise fonêmica desses dados, o quadro fonológico dessa língua, convém
18
registrar uma breve discussão sobre os resultados obtidos aqui em confronto com aqueles
apresentados pelos demais estudiosos da língua Kaxarari.
Como foi mostrado anteriormente, propõe-se que o quadro fonológico do Kaxarari
seja constituído pelos sons consonantais //, /t/, //, //, //, //, //, /t/, /t/, //, //, //, //, //,
//, //, // e //, e pelos vocálicos //, //, //, //, // e //. Isso faz com que, do levantamento
de fones apresentado nas Tabelas I e II desse texto, fiquem de fora do quadro de fonemas os
seguintes sons: [], [], [], [], [], [], [] e [o]. E isso ocorreu porque não foi possível
encontrar pares mínimos e nem análogos impossibilitando suas comprovações como fonemas
ou mesmo alofones da língua. Todavia, como se sabe, um dos princípios da análise fonológica
é o de que os sons foneticamente semelhantes são, potencialmente, pronúncias alternantes de
uma só unidade relevante do sistema de sons, o que os tornam alofones de um fonema
(KINDELL, 1981). Tem-se, portanto, que os casos não resolvidos com pares mínimos podem
ser alofones do Kaxarari. Visto que nenhum deles ocorre em todos os pesquisadores e, mesmo
naqueles em que são descritos, poucas são suas ocorrências.
Assim, quanto ao fone [], pode-se levar em consideração a segunda premissa de Pike,
ou seja, a que diz que os sistemas de sons mostram uma tendência à simetria fonética
(KINDELL, 1981). Diante disso, observou-se que esse fonema tornaria a língua Kaxarari
assimétrica, já que, comprovadamente o fonema // faz parte do sistema de sons do Kaxarari.
O fone [] foi encontrado em três palavras nos registros de Pickering (1973), enquanto em
Couto (2005), o mesmo som aparece apenas uma vez na palavra [´] ‘remar’ e, ainda
assim, este pesquisador demonstra dúvida quanto à sua descrição, pois registra também a
palavra remar como [´] e observa que a ocorrência de uma fricativa labiodental, tanto
surda quanto sonora, só aparece na língua Kaxarari nesse caso mencionado e aparentemente
não pertence à etimologia Kaxarari. Os fones [], [] e [] ocorrem apenas uma vez no
levantamento de dados, respectivamente, em Souza (1986), Lanes (2000) e Couto (2005). Já
para o fone [] foram registradas dez ocorrências nos dados de Lanes (op. cit.). O som [], por
sua vez, encontra-se apenas nos dados de Lanes (op. cit.), apesar de serem várias as
ocorrências.
E, por último, tem-se o caso não resolvido do fone [], que é registrado nas pesquisas
de Pickering (op. cit.), Lanes (op. cit.), Souza (1986) e Sousa (2004). Para o fonema // foram
encontrados pares mínimos como [´] ‘azul’ e [´] ‘sogra’; [´] ‘azul’ e [´] ‘este,
19
esta’. Contudo, ao se analisar os demais dados, percebeu-se que esses pares mínimos não
poderiam ser utilizados, pois [´], que é descrito por Couto (2005) com o significado de
‘azul’, pode se referir a [´], registrado por Sousa (2004) e a [´t], encontrado nos
registros de Souza (1986), mas com o significado em português da palavra ‘verde’. Como se
sabe que duas cores diferentes em uma língua podem se referir a um único termo em outra,
nota-se que há a possibilidade de [´] ser uma variação de [´] ou [´] e assim,
ambas se referirem a um mesmo significado. Por isso, considera-se, nesse trabalho, que o fone
[] seja apenas um alofone do som // da língua Kaxarari.
Outro problema quanto à definição dos fones do Kaxarari, diz respeito ao fone [o]. Se
for considerada novamente a segunda premissa de Pike (1947), perceber-se-á que a língua
Kaxarari será assimétrica, se houver a existência do fone [o] no seu sistema de sons, já que
não existe o fone [] no idioma Kaxarari. Além disso, os únicos pares mínimos encontrados
para esse som foram aqueles já registrados na pesquisa de Couto (2005). Considerando ainda
que, nas várias vezes em que o fone [o] aparece nos dados de um ou outro pesquisador, a
maioria dos demais pesquisadores descreve como [] ou [], o que leva à suposição de que
seja um alofone da língua.
Portanto, os fones [], [], [] e [o] seriam, respectivamente, alofones dos fonemas /
/, //, /r/ e /u/. Já os fones [] e [] corresponderiam ao fonema /h/, enquanto que os fones []
e [] não possuiriam correspondentes na língua Kaxarari por serem empréstimos de outras
línguas.
Devido aos poucos dados da língua e ao fato de que cada informação foi coletada em
lugares e datas diferentes, não é possível, neste artigo, definir categoricamente que tais fones
sejam alofones da língua Kaxarari. A definição destes fica sujeita a pesquisas futuras
realizadas em campo. Cabe a essa produção apenas apontar esses casos prováveis de alofonia
a serem confirmados futuramente.
6. CONCLUSÃO
Conforme a análise fonêmica feitas dos fones Kaxarari e os resultados obtidos, pôde-
se concluir que os sons [], [], [], [], [], [], [], [] e [] são alofones na língua e os
demais apresentados no quadro fonético do Kaxarari, fonemas. A relevância para esse estudo
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está no fato de haver discordâncias entre os estudos sobre a língua Kaxarari. Essa pesquisa,
portanto, procurou propor uma definição, ainda que preliminar, para essa questão. A isso, vale
acrescentar que esse trabalho está sujeito a comprovações futuras por meio de estudo de
campo. Além disso, poderá também ser possível a ratificação da metodologia utilizada nessa
pesquisa, certificando-se sua eficácia.
Sobre o estudo de línguas indígenas em geral, é proveitoso expor que o domínio que
uma etnia tem de sua própria língua é uma forma de garantir a permanência de sua cultura e
até mesmo de suas terras. É o caso do povo Kaxarari, por vários anos foram explorados e até
forçados a abandonarem sua língua no lugar da língua dominante da região, o português. Em
consequência a esse abandono da língua, muito de sua cultura também foi perdida.
A língua Kaxarari é apenas uma dentre as mais de 170 línguas existentes no Brasil,
sendo que cerca de 120 dessas não possuem uma escrita (CALLOU & LEITE, 2003). Diante
desse fato, nota-se a evidente necessidade de se estudar as línguas indígenas brasileiras, pois
essa é uma forma de garantir às diversas etnias do Brasil a manutenção de sua cultura que
também encontra-se presente em sua língua.
Quanto a essa questão, Callou & Leite reportam ao Estatuto do Índio (Lei 6.001 de
19/12/73) que, desde 1973, assegura a todos os indígenas o direito a uma educação especial e
bilíngue. Cabe aos pesquisadores, aptos aos estudos de línguas ágrafas, desenvolver estudos
dessas diversas línguas, a fim de proporcionar que os direitos indígenas sejam garantidos e
que tenham suas línguas registradas para seus descendentes, além de despertar o interesse da
sociedade em geral pela cultura de cada etnia.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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