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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS E LINGUSTICA
RENATA GOMES DA COSTA
CONSCINCIA FONOLGICA EM ADULTOS DA EJA
Salvador
2012
RENATA GOMES DA COSTA
CONSCINCIA FONOLGICA EM ADULTOS DA EJA
Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduao
em Letras e Lingustica da Universidade Federal da Bahia,
como requisito parcial para obteno do grau de Mestre
em Letras e Lingustica.
Orientadora: Profa Dra. Elizabeth Reis Teixeira.
Salvador
2012
Sistema de Bibliotecas - UFBA
Costa, Renata Gomes da. Conscincia fonolgica em adultos da EJA / Renata Gomes da Costa. - 2012. 150 f. : il.
Orientadora: Prof PhD. Elizabeth Reis Teixeira. Dissertao (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2012. 1. Fonologia. 2. Lngua portuguesa - Escrita - Aquisio. 3. Educao de crianas. 4. Educao de adultos. 5. Letramento. I. Teixeira, Elizabeth Reis. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Ttulo.
CDD - 414 CDU - 81344
RENATA GOMES DA COSTA
CONSCINCIA FONOLGICA EM ADULTOS DA EJA
Dissertao apresentada como requisito parcial para
obteno do grau de Mestre em Letras e Lingustica, pelo
Instituto de Letras, junto ao Programa de Ps-graduao
em Letras e Lingustica da Universidade Federal da Bahia.
Aprovada em 12 de Junho de 2012.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
Prof Dr Elizabeth Reis Teixeira (Orientadora)
Doutora em Fontica e Lingustica - Universidade de Londres
Universidade Federal da Bahia UFBA
________________________________________
Prof Dr Claudia Tereza Sobrinho da Silva
Doutora em Letras e Lingustica - UFBA
Universidade Federal da Bahia UFBA
________________________________________
Prof Dr Claudia Martins Moreira
Doutora em Letras e Lingustica - UFBA
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Aos meus pais e irmo pelo amor, credibilidade, incentivo, esforo e
investimento.
AGRADECIMENTOS
No seria possvel concluir esta etapa sem agradecer a ajuda de pessoas essenciais
para a concluso deste trabalho.
Meu primeiro agradecimento dirigido minha querida orientadora, Professora
Doutora Elizabeth Reis Teixeira, pela simplicidade em compartilhar os conhecimentos e pela
conduo suave e segura deste trabalho. T-la como orientadora foi um privilgio!
Ao programa de ps-graduao em Letras e Lingustica da Universidade Federal da
Bahia PPGLL por estar aberto ao dilogo interdisciplinar e contribuir, enormemente, com a
minha qualificao acadmica, profissional e pessoal.
CAPES pelo essencial incentivo pesquisa durante os dois anos de formao.
Aos professores do PPGLL pela contribuio com conhecimentos tcnicos e pelos
bons exemplos de mestres. Em especial Claudia Sobrinho e Carola Rapp por me acolherem
no estgio docente, momento mpar da minha trajetria.
s fonoaudilogas Mara Gentil e Lays Melo pelas ricas discusses acerca de diversos
temas da rea fonoaudiolgica e pelas contribuies para este trabalho.
SECULT (Secretaria Municipal da Educao, Cultura, Esporte e Lazer) por aceitar
este trabalho de forma to solcita.
Aos professores da banca examinadora, por aceitarem o convite, pela leitura cuidadosa
da dissertao e importantes contribuies.
s professoras das turmas de educao de jovens e adultos pelo envolvimento e ajuda
constante na captura de sujeitos para a pesquisa, pela solicitude e simpatia com que receberam
a pesquisa e a pesquisadora.
Aos adultos participantes da pesquisa pela contribuio com o meu enriquecimento
pessoal atravs do conhecimento das suas histrias de vida e pela disposio em colaborar
com o andamento do trabalho.
Aos meus pais e irmo pelo incentivo incondicional e torcida eterna.
Danilo, pela pacincia, incentivo, encorajamento, e principalmente pela escuta.
E, por fim, mas no menos importante, a Deus por ter me dado sade para completar
mais esta jornada e por continuar preenchendo e abrilhantando o meu caminho com pessoas
extraordinrias.
No me envergonho de mudar de ideia porque
no tenho vergonha de pensar (Pascal-
matemtico).
COSTA, Renata Gomes da. Conscincia fonolgica em adultos da EJA. Dissertao
(mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2012.
RESUMO
O objetivo da presente dissertao investigar a relao entre a conscincia fonolgica e o
aprendizado da escrita em indivduos jovens e adultos em sries iniciais atravs da anlise do
desempenho no teste de conscincia fonolgica e em tarefas de escrita. Trata-se de um estudo
transversal realizado com jovens e adultos participantes do programa de alfabetizao de
jovens e adultos Salvador Cidade Das Letras. Para alcanarmos o objetivo proposto, foi
aplicado teste de conscincia fonolgica (CONFIAS) e analisada amostra de escrita
controlada (ditado de palavras) e espontnea. Os dados foram analisados individualmente e
enquanto grupo. Como resultados pde-se observar que nenhum dos sujeitos apresentou xito
em todas as tarefas de conscincia fonolgica e todos utilizaram estratgias para alcanar a
escrita convencional das palavras. Enquanto grupo foi verificado que no nvel da slaba
menos complexo que o nvel da conscincia do fonema e nas tarefas de escrita o tipo de erro
mais cometido na escrita controlada foi com relao acentuao, mais especificamente
falta de acento, enquanto que na escrita espontnea os erros estavam relacionados,
majoritariamente, aplicao de processos fonolgicos, ou seja, justificados pelo apoio na
oralidade. Tambm foi verificado que no necessrio ser proficiente em todas as tarefas de
conscincia fonolgica para adquirir e/ou desenvolver a escrita. Os resultados indicam que a
conscincia fonolgica parece no configurar-se como uma condio necessria aquisio
da escrita e, principalmente em pesquisa que envolve indivduos jovens e adultos importante
considerar fatores extralingusticos tais como histria de vida, escolarizao prvia e
experincias letradas. Alm disso, testes como o CONFIAS, que avaliam a conscincia
fonolgica com fins diagnsticos, devem ser investigados e analisados criteriosamente com
relao sua validade.
Palavras-chave: Conscincia fonolgica. Escrita. Educao de jovens e adultos.
COSTA, Renata Gomes da. Conscincia fonolgica em adultos da EJA. Dissertao
(mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2012.
ABSTRACT
The objective of the present work is to investigate possible relations between phonological
awareness and the learning of reading and writing skills in youngsters and adult learners in
early school years through the analysis of their performance in written tasks of a phonological
awareness test. For that matter, youngsters and adult learners taking part in the project
"Salvador - the City of Letters" were cross-sectionally examined. With this purpose, the
phonological exam CONFIAS was applied and subjects' samples in written controlled (word
dictation) and spontaneous tasks were obtained. Data elicited were then analyzed individually
and in groups. Results indicate that none of the subjects was successful in all phonological
awareness tasks presented and all subjects used different strategies to target conventional
forms of writing. In terms of group behavior, the syllable level seems to be less complex than
that of phoneme awareness, and in terms of written tasks the most recurrent type of error was
that of accent notation, particularly its absence. In terms of spontaneous writing, most errors
related to the application of phonological processes, that is, resulted from speech interference.
It was also noted that it is not necessary to be proficient in all phonological awareness tasks to
acquire and/or develop writing abilities. Results seem to indicate that besides the fact that
phonological awareness is not a necessary condition for the acquisition of writing,
extralinguistic factors should be accounted for when dealing with youngsters and adult
learners, such as life history, previous schooling and literacy experiences. Additionally,
validity should be critically examined in exams such as CONFIAS, with the aim of assessing
phonological awareness for diagnostic purposes.
Keywords: Phonological Awareness. Writing. Youngsters and Adult Education.
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Representao da noo de continuum da conscincia fonolgica 27
Figura 2 Esquemas sobre os nveis de conscincia fonolgica 32
Quadro 1 Comparao entre fala e escrita 40
Quadro 2 Relaes biunvocas entre grafema-fonema do portugus do Brasil 43
Quadro 3 Uma letra representando diferentes sons (a depender da posio) 44
Quadro 4 Representao das letras que representam fones idnticos em contextos
idnticos
44-5
Figura 3 Esquema da relao de reciprocidade entre conscincia fonolgica e
aprendizado/aquisio da escrita
51
Quadro 5 Demonstrao da evoluo da amostra da pesquisa 66-7
Quadro 6 Tarefas dos nveis da conscincia da slaba e do fonema 68-9
Quadro 7 Lista de palavras contidas na escrita controlada (ditado) 71
Quadro 8 Anlise das estratgias utilizadas atravs da escrita controlada por S1 77-8
Grfico 1 Tipos de erros depreendidos da amostra de escrita controlada de S1 79
Grfico 2 Detalhamento da categoria outros tipos de erros depreendidos da escrita
controlada de S1
80
Quadro 9 Anlise das estratgias utilizadas atravs da escrita no controlada por
S1
80-1
Grfico 3 Tipos de erros depreendidos da escrita no controlada de S1 81
Grfico 4 Anlise do desempenho geral nas tarefas de escrita por S1 82
Quadro 10 Anlise das estratgias utilizadas atravs da escrita controlada por S2 84-5
Grfico 5 Tipos de erros depreendidos da amostra de escrita controlada de S2 85
Quadro 11 Anlise das estratgias utilizadas atravs da escrita no controlada por
S2
86
Grfico 6 Anlise do desempenho geral nas tarefas de escrita por S2 86
Quadro 12 Anlise das estratgias utilizadas atravs da escrita controlada por S3 89-90
Grfico 7 Tipos de erros depreendidos da amostra de escrita controlada de S3 90
Quadro 13 Anlise das estratgias utilizadas atravs da escrita no controlada por
S3
91
Grfico 8 Tipos de erros depreendidos da escrita no controlada de S3 91
Grfico 9 Anlise do desempenho geral nas tarefas de escrita por S3 92
Quadro 14 Anlise das estratgias utilizadas atravs da escrita controlada por S4 94-5
Grfico 10 Tipos de erros depreendidos da amostra de escrita controlada de S4 95
Grfico 11 Detalhamento da categoria outros tipos de erros depreendidos da escrita
controlada de S4
96
Quadro 15 Anlise das estratgias utilizadas atravs da escrita no controlada por
S4
96-7
Grfico 12 Anlise do desempenho geral nas tarefas de escrita por S4 97
Quadro 16 Perfil geral dos sujeitos participantes da pesquisa 98
Quadro 17 Representao do tempo mdio de afastamento da escola por sujeito 98
Quadro 18 Apresentao da escolaridade pessoal e parental dos sujeitos 99
participantes da pesquisa
Quadro 19 Classificao das tarefas do nvel da slaba do teste de conscincia
fonolgica de acordo com o grau de complexidade
103
Quadro 20 Classificao das tarefas do nvel do fonema no teste de conscincia
fonolgica de acordo com o grau de complexidade
103
Quadro 21 Exposio das operaes envolvidas nas tarefas complexas 103-4
Grfico 13 Apresentao do desempenho geral do grupo na tarefa de escrita
controlada
104
Grfico 14 Apresentao do desempenho geral do grupo na escrita espontnea 105
Grfico 15 Apresentao do desempenho geral do grupo nas tarefas de escrita 105
Quadro 22 Nmero mnimos e mximos de acertos apresentados no nvel de escrita
alfabtica
106
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Resultado do desempenho no teste de conscincia fonolgica de S1 76-7
Tabela 2 Resultado do desempenho no teste de conscincia fonolgica de S2 83-4
Tabela 3 Resultado do desempenho no teste de conscincia fonolgica de S3 88
Tabela 4 Resultado do desempenho no teste de conscincia fonolgica de S4 93-4
Tabela 5 Desempenho geral no teste de conscincia fonolgica em termos
percentuais
100
Tabela 6 Desempenho do grupo nas diferentes tarefas no nvel da slaba 101
Tabela 7 Desempenho do grupo nas diferentes tarefas no nvel do fonema 102
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AVC Acidente Vascular Cerebral
C Consoante
CF Conscincia Fonolgica
EJA Educao de Jovens e Adultos
MEC Ministrio da Educao
PBA Programa Brasil Alfabetizado
S Semivogal
SECULT Secretaria Municipal da Educao, Cultura, Esporte e Lazer
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNESCO Organizao das naes unidas para a Educao, a Cincia e a
Cultura
UNIFACS Universidade Salvador
V Vogal
SUMRIO
1 INTRODUO 16
2 PRESSUPOSTOS TERICOS 20
2.1 CONSCINCIA LINGUISTICA 20
2.2 CONSCIENCIA FONOLGICA 22
2.2.1 Unidades fonolgicas 25
2.2.2 Nveis de conscincia fonolgica 27
2.2.3 Tarefas de avaliao de conscincia fonolgica 32
2.3 ASPECTOS IMPORTANTES SOBRE AQUISIO E DESENVOLVIMENTO DA
LINGUAGEM ESCRITA 36
2.3.1 A relao do sujeito com a escrita 36
2.3.2 A relao entre fala e escrita e a relao grafema-fonema 38
2.3.3 Os tipos de relaes entre os sons da fala e as letras do alfabeto 42
2.3.4 Hipteses sobre a construo da escrita: a psicognese 45
2.4 A RELAO ENTRE CONSCINCIA FONOLGICA E O APRENDIZADO DA
ESCRITA 47
2.5 EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS 50
2.5.1 Letramento e educao de jovens e adultos 50
2.5.2 Educao de jovens e adultos: contextualizando a populao do estudo 52
2.5.3 Conscincia fonolgica em indivduos jovens e adultos 58
3 MTODOS E TCNICAS ADOTADOS 63
3.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA 63
3.2 CONTEXTO E PARTICIPANTES 63
3.3 ESTRATGIAS DE PESQUISA E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
66
3.3.1 Entrevista inicial 66
3.3.2 Aplicao do teste de conscincia fonolgica CONFIAS 67
3.3.3 Amostra de escrita controlada e no controlada 69
3.4 PROCEDIMENTOS PARA ORGANIZAO E ANLISE DOS DADOS 71
3.5 LIMITAES METODOLGICAS 71
3.6 ASPECTOS TICOS 72
4 APRESENTAO DOS DADOS 74
4.1 ANLISE INDIVIDUAL 74
4.1.2 Sujeito 1 (S1) 74
4.1.2.1 Anlise do desempenho no teste de conscincia fonolgica CONFIAS 75
4.1.2.2 Anlise da escrita controlada (ditado de palavras) 76
4.1.2.3 Anlise da escrita no controlada 79
4.1.2.4 Desempenho geral nas tarefas de escrita 80
4.1.3 Sujeito 2 (S2) 81
4.1.3.1 Anlise do desempenho no teste de conscincia fonolgica CONFIAS 82
4.1.3.2 Anlise da escrita controlada (ditado de palavras) 83
4.1.3.3 Anlise da escrita no controlada 84
4.1.3.4 Desempenho geral nas tarefas de escrita 85
4.1.4 Sujeito 3 (S3) 86
4.1.4.1 Anlise do desempenho no teste de conscincia fonolgica CONFIAS 87
4.1.4.2 Anlise da escrita controlada (ditado de palavras) 87
4.1.4.3 Anlise da escrita no controlada 89
4.1.4.4 Desempenho geral nas tarefas de escrita 90
4.1.5 Sujeito 4 (S4) 91
4.1.5.1 Anlise do desempenho no teste de conscincia fonolgica CONFIAS 92
4.1.5.2 Anlise da escrita controlada (ditado de palavras) 93
4.1.5.3 Anlise da escrita no controlada 95
4.1.5.4 Desempenho geral nas tarefas de escrita 96
4.2 ANLISE DO GRUPO 97
4.2.1 Anlise dos dados scio-demogrficos 99
4.2.2 Anlise do desempenho do grupo no teste de conscincia fonolgica 100
4.2.3 Anlise do desempenho do grupo nas tarefas de escrita 103
4.2.4 Anlise da relao entre o desempenho no teste de conscincia fonolgica e nas
tarefas de escrita 106
5 DISCUSSO DOS RESULTADOS 108
5.1 PERFIL GERAL DOS APRENDIZES JOVENS E ADULTOS 108
5.2 O QUE REVELA O DESEMPENHO NO TESTE DE CONSCINCIA FONOLGICA?
113
5.3 CONSIDERAES SOBRE O TESTE DE CONSCINCIA FONOLGICA 118
5.4 A RELAO ENTRE O DESEMPENHO EM CONSCINCIA FONOLGICA E O
DESEMPENHO NA ESCRITA 121
6 CONSIDERAES FINAIS 125
REFERNCIAS 129
APNDICE A - Termo de consentimento Livre e esclarecido 135
APNDICE B Roteiro para entrevista semi-estruturada 136
APNDICE C Aprovao do comit de tica em pesquisa 137
APNDICE D Classificao dos erros produzidos na escrita dos sujeitos 138
APNDICE E Escrita no controlada do Sujeito 1 140
APNDICE F Escrita no controlada do Sujeito 2 141
APNDICE G Escrita no controlada do Sujeito 3 142
APNDICE H Escrita no controlada do Sujeito 4 143
ANEXO A Instrumento para avaliao da conscincia fonolgica (CONFIAS)
144
ANEXO B Protocolo de respostas do instrumento para avaliao da conscincia
fonolgica 148
ANEXO C Critrios para pontuao do teste de conscincia fonolgica 149
16
1 INTRODUO
Um panorama atual da rea da lingustica e dos estudos sobre alfabetizao revela que
h um aumento visvel nos estudos envolvendo a Conscincia Fonolgica (doravante, CF)1,
muito provavelmente pela relao de reciprocidade entre o desenvolvimento da conscincia
fonolgica e o aprendizado e desenvolvimento da linguagem escrita.
A conscincia fonolgica encontra-se no contexto da conscincia lingustica e
configura-se como a capacidade que o ser humano possui de refletir e manipular as unidades
fonolgicas (slabas, as unidades intrassilbicas e os fonemas). A conscincia fonolgica
assume importncia especial para aquisio da lngua escrita em lnguas com escrita
alfabtica j que nestas so estabelecidas relaes entre os fonemas (no nvel da linguagem
oral) e os grafemas (no nvel da linguagem escrita).
Esta relao entre CF e escrita ainda no consenso e isso se d, principalmente, pela
enorme diversidade de tarefas utilizadas para avaliar os diferentes nveis de conscincia
fonolgica. E, a grande variabilidade de resultados obtidos dificulta a classificao das tarefas
sobre a conscincia fonolgica e suas possveis interpretaes.
A escrita no se configura como uma transcrio da fala, prova disto o fato de que
fala e escrita possuem caractersticas essencialmente diversas. Por exemplo, a fala permite
variaes enquanto que a escrita possui uma representao uniformizada, fruto de um
processo histrico e institucionalizado que, com auxlio da ortografia, cristaliza essas
variaes.
Portanto, o escritor2 depara-se com conflitos ao tentar estabelecer uma relao direta
entre fonemas e grafemas. Contudo, a descoberta desta relao s alcanada atravs da
reflexo sobre os sons da fala e sua relao com os grafemas, reflexo esta que exige o acesso
conscincia fonolgica.
Apesar de existirem trs correntes acerca da relao entre conscincia fonolgica e
aquisio da escrita (1- A conscincia fonolgica como pr-requisito para aquisio da escrita,
2- Aquisio da escrita como pr-requisito para desenvolvimento da conscincia fonolgica e
3- Relao recproca entre conscincia fonolgica e aquisio da escrita) a relao de
reciprocidade tem sido mais aceita.
1 Devido alta recorrncia de aparecimento do termo conscincia fonolgica, a sigla CF ser utilizada em
substituio a este termo. 2 Aqui escritor refere-se ao autor do texto e no a atividade profissional.
17
Por isso, muitas pesquisas tm sido realizadas com o intuito de compreender melhor
esta relao e colaborar para o sucesso de programas de alfabetizao.
Em pesquisa realizada a fim de identificar, descrever e analisar a produo brasileira
sobre habilidades metalingusticas e aquisio da linguagem escrita, foi revelado que nos
ltimos 30 anos houve progresso nos conhecimentos acerca da relao entre as habilidades
metafonolgicas e a aprendizagem da linguagem escrita. As autoras Maluf, Zanella, Pagnez
(2006) destacaram que as diferentes habilidades metalingusticas esto sendo estudadas em
suas relaes com a alfabetizao, mas aquela sobre a qual foram produzidas maiores
evidncias foi, sem dvida, a conscincia fonolgica. Aps o levantamento, as autoras
verificaram que a grande maioria das pesquisas trabalha com crianas com desenvolvimento
tpico, sendo escassos os estudos brasileiros realizados com adultos, mesmo considerando os
esforos, em todo o pas, para sanar os baixos nveis de alfabetismo entre jovens e adultos,
resultante da excluso educacional por que passam esses indivduos. Portanto, esses dados
chamam a ateno para a necessidade de avanar nesse conhecimento, dada a importncia de
se atender educacionalmente o nmero significativo de aprendizes na idade adulta.
A educao de jovens e adultos (EJA) revela uma falha em relao educao bsica
visto que, no momento esperado infncia esses sujeitos no tiveram acesso educao ou
o acesso no foi suficiente para promover, principalmente, o aprendizado da leitura e escrita.
O governo tm tentado diminuir os ndices de analfabetismo no pas. Apesar disso, um
olhar sobre os indicadores de analfabetismo no Brasil revela um quadro de excluso
educacional que atinge jovens e adultos, agravado pelo fato de que a maioria dos adultos
alfabetizados sequer teve oportunidade de iniciao escolar quando crianas.
Desse modo, considera-se a alfabetizao de jovens e adultos um campo complexo,
pois alm de envolver o campo da educao, envolve a questo da desigualdade
socioeconmica em que se encontra grande parte da populao brasileira (DURANTE, 1998).
Alm disso, a populao de jovens e adultos apresenta uma peculiaridade em relao a
esta temtica: de um lado ainda no adquiriram a linguagem escrita, nem tampouco o domnio
da base alfabtica da escrita do portugus brasileiro e no passaram por um processo de
escolarizao formal. De outro lado, estes indivduos tm uma vasta experincia de vida,
enorme experincia com a linguagem oral e vivem em uma sociedade letrada e grafocntrica,
portanto, so permeados pela linguagem escrita seja em letreiros de nibus, rtulos em
supermercados, em outdoors e panfletos nas ruas, bulas de remdios, etc.
Portanto, a questo que se coloca com toda essa vivncia na lngua oral,
conhecimento de mundo e provavelmente de experincia com as prticas de letramento, como
18
se d o desenvolvimento da CF nesses sujeitos? Todos os nveis de conscincia fonolgica
so necessrios para o aprendiz se apropriar da escrita? De que maneira a conscincia
fonolgica dos aprendizes jovens e adultos em sries iniciais se relaciona com a escrita? Os
adultos, com algum nvel de escolarizao prvia, apresentaro melhor desempenho que os
seus pares sem escolarizao prvia?
Em suma, podemos dizer que esta Dissertao tem como objetivo geral investigar a
relao entre a conscincia fonolgica e o aprendizado da escrita em indivduos jovens e
adultos em sries iniciais. A fim de contribuir para a ampliao do conhecimento geral sobre
o tema, foram propostos os seguintes objetivos especficos: (1) traar o perfil dos aprendizes
jovens e adultos, (2)verificar se a CF mesmo um preditor para alfabetizao (4) analisar se o
nvel da slaba menos complexo que o nvel do fonema para os indivduos jovens e adultos e
(5) verificar quais tarefas de CF influenciam de maneira mais significativa a aquisio da
escrita em jovens e adultos.
Esta Dissertao pretende agregar conhecimentos para a discusso sobre a relao
entre conscincia fonolgica e escrita, colaborar para o aprimoramento do ensino de jovens e
adultos, revelando o que crucial neste processo. Alm disto, pretende-se contribuir para a
discusso ainda incipiente na rea da Fonoaudiologia sobre qual contribuio podemos
oferecer para essa modalidade de ensino (EJA) visto que j so desenvolvidos programas para
desenvolvimento da CF na educao infantil.
A realizao deste trabalho justifica-se pela escassez de estudos endereados
conscincia fonolgica relacionada ao desenvolvimento da escrita de jovens e adultos, o que
faz com que o conhecimento sobre a apropriao da escrita por jovens e adultos seja pouco
expressivo num pas em que o nmero de pessoas que buscam a escolarizao na vida adulta
cada vez maior (CALIATTO, MARTINELLI, 2008). Devido ao fato de, por um lado, os
indivduos que cursam a educao de jovens e adultos terem grande carga experiencial
(experincia de vida e lingustica, especialmente com a linguagem oral) e por outro, de no
terem adquirido a escrita, resta saber se esta experincia tem influncia na CF desses sujeitos
e, consequentemente, contribui para maior facilidade na aquisio do sistema alfabtico da
escrita, considerando que estes adultos tm uma viso de mundo, ouvem e usam a lngua
antes de ler e escrever.
Para cumprir com o proposto, a presente Dissertao est organizada em 4 (quatro)
captulos, alm da introduo (CAPTULO 1), que apresenta brevemente a temtica deste
trabalho. O Captulo 2 (PRESSUPOSTOS TERICOS) composto por trs subdivises. A
primeira delas (2.1 CONSCINCIA LINGUSTICA) situa o leitor sobre o contexto em que se
19
origina o estudo da conscincia fonolgica; a segunda (2.2 CONSCINCIA FONOLGICA)
versa sobre o tema central do trabalho, delimitando as unidades envolvidas nesta habilidade
(2.2.1 Unidades fonolgicas), os nveis de conscincia fonolgica (2.2.2 Nveis de
conscincia fonolgica), e finaliza mencionando as tarefas utilizadas para avaliao da
conscincia fonolgica e problematizando a dificuldade de operacionalizar a conscincia
fonolgica devido diversidade de tarefas investigadas nas diferentes pesquisas (2.2.3
Tarefas de avaliao de conscincia fonolgica).
O Captulo 3 (MTODOS E TCNICAS ADOTADOS) trata da metodologia
utilizada no estudo (3.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA), caracteriza os sujeitos que
compem a amostra (3.2 CONTEXTO E PARTICIPANTES), bem como a elaborao e
aplicao dos instrumentos utilizados para a coleta de dados (3.3 ESTRATGIAS DE
PESQUISA E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS) alm de descrever como foi
realizada a anlise dos dados (3.4 PROCEDIMENTOS PARA ORGANIZAO E
ANLISE DOS DADOS). Aprecia tambm as limitaes da pesquisa (3.5 LIMITAES
METODOLGICAS) e os aspectos ticos envolvidos (3.6 ASPECTOS TICOS).
No Captulo 4 (APRESENTAO DOS DADOS) so apresentados os dados
encontrados, incialmente de forma individual (4.1 ANLISE INDIVIDUAL) e,
posteriormente, uma anlise grupal (4.2 ANLISE DO GRUPO).
No Captulo 5 (DISCUSSO DOS RESULTADOS) os dados so discutidos, bem
como sero estabelecidas relaes com outros estudos e suas implicaes.
O Captulo 6 (CONSIDERAES FINAIS) traz as principais consideraes obtidas
atravs do que foi exposto nos itens anteriores que no pretendem esgotar a discusso sobre
o tema expe as lacunas que no puderam ser preenchidas a partir da presente pesquisa e
sugere novas propostas de trabalho (prospeco) ou possveis estudos que possam ampliar a
temtica investigada.
20
2 PRESSUPOSTOS TERICOS
Neste captulo, so abordados conceitos, caractersticas e classificaes a respeito da
conscincia fonolgica. Alm de situar a conscincia fonolgica no contexto da conscincia
lingustica, so apresentadas as unidades fonolgicas, os nveis e as tarefas utilizadas para a
avaliao da conscincia fonolgica.
2.1 CONSCINCIA LINGUSTICA
Em condies ideais, desde cedo, as crianas utilizam a linguagem com funo
comunicativa, isto , como instrumento de expresso e compreenso de significados e
contedos, sendo capazes de comunicar-se verbalmente. Durante o processo de socializao,
essa competncia lingustica adquirida naturalmente, resultando no domnio de uma srie de
regras gramaticais, internalizadas e utilizadas de forma no-consciente, mas que orientam a
atividade lingustica espontnea da criana, isto , o seu desempenho lingustico (BARRERA,
2003).
O processamento lingustico das habilidades de compreenso e produo, devido
rapidez inerente situao scio-comunicativa, evidencia o carter espontneo, automtico e
sem requerer ateno voluntria (CARVALHO, 2003). Alm disso, na interao com o outro,
o foco o contedo da situao dialgica, enquanto que os aspectos formais da linguagem (a
estrutura das palavras, como elas se organizam em uma sentena, por exemplo, no so
enfatizados.
Entretanto, nota-se que o ser humano capaz de atentar e refletir criticamente sobre o
objeto lingustico, tomando-o como objeto de anlise (SCLIAR-CABRAL, 2002).
Sendo assim, a criana pode ser capaz de perceber e refletir sobre alguns elementos,
mas ainda no ser capaz de explicitar ou explicar essas reflexes. At que, em um dado
momento, capaz de fazer uso de reflexo e manipulao consciente da lngua em seus
diferentes nveis, lanando mo desta capacidade de conscientizao denominada conscincia
lingustica (ALVES, 2009. p. 32).
A conscincia lingustica, portanto, permite refletir sobre a lngua, trat-la como objeto
de anlise e reflexo, focalizar a ateno nas suas formas, concentrar-se na expresso
lingustica, dissociando-a do contedo lingustico, permitindo ver as palavras como entidades
independentes de seus referentes, das coisas e fatos que nomeiam (CIELO, 1998).
21
Essa dissociao do contedo da mensagem fornecida pela conscincia lingustica
permite ao sujeito atentar expresso lingustica, sendo um tipo de processamento
psicolingustico lento e intencional que se desenvolve espontaneamente com a idade,
tornando-se mais consistente durante a segunda infncia (CIELO, 1998).
Entretanto, de acordo com Yavas (1989), o processamento lingustico, responsvel
pelas atividades metalingusticas, difere, consideravelmente, daquele responsvel pela
comunicao. Enquanto o processamento referente a atividades metalingusticas
considerado deliberado e consciente, j o processamento responsvel pela comunicao
visto como no-deliberado e automtico.
Isto ocorre porque, conforme Silva (2003), em situaes de comunicao natural, as
crianas focam no significado dos enunciados, ativando processos de anlise automticos e
inconscientes necessrios percepo e compreenso do discurso, no manipulando, nesse
momento, dimenses estruturais da linguagem (segmentos fonolgicos, estruturas sintticas,
etc.). Por consequncia, as capacidades metalingusticas parecem surgir mais tardiamente e de
forma relativamente independente da prpria aquisio da linguagem, na medida em que o
sujeito no necessita de ter conscincia das unidades do discurso para process-lo.
No processamento lingustico que ocorre durante a comunicao podem surgir
percepes e reflexes que no so, necessariamente, metalingusticas. Portanto, convm aqui
ressaltar a diferena entre os termos epilingustico e metalingustico. Gombert (2003) prope
utilizar o termo epilingustico para designar comportamentos que se assemelham ao
comportamento metalingustico, mas que no so conscientemente controlados pelo sujeito.
Flres (2011) tambm estabelece uma diferena entre atividades metalingusticas e
epilingusticas. Para esta autora, na atividade epilingustica o sujeito atenta para a linguagem
(a sua ou a do outro), revela sua autopercepo, mas sem o conhecimento tcnico. Sendo
assim, no utiliza a metalinguagem para julgar, corrigir ou avaliar as expresses lingusticas
utilizadas. Entretanto, na atividade de metalinguagem, o sujeito focaliza a linguagem e
fornece uma explicao ou faz um julgamento (que possui uma base terica), fazendo uso da
metalinguagem. Silva (2003) corrobora a ideia do termo epilingustico, pois para esta autora,
esse comportamento revela algumas intuies lingusticas, mas no revela ainda uma reflexo
e um controle deliberado sobre a linguagem e suas estruturas.
Nesta perspectiva, Poersch (1998) afirma que o termo metalinguagem refere-se
descrio da linguagem como produto de uma atividade reflexiva em relao aos prprios
objetos lingusticos. Porm, de acordo com o autor, s possvel declarar sobre aquilo que se
22
tem conscincia. Ento, para que exista metalinguagem, pressupe-se conscincia. Sobre este
fato, ele coloca que
, sem dvida, a conscincia o elemento que nos permite fazer declaraes
explcitas sobre a linguagem e seus usos. Se possuirmos um nvel mais baixo de
conscincia dos fatos no permitindo uma descrio plena embora se consiga dar
conta de sua existncia em vez de falar de conscincia, mais correto seria falar de
sensibilidade, de um mero dar-se conta de (POERSCH, 1998. p. 515).
Ainda de acordo com o autor, o que os psicolinguistas chamam de sensibilidade seria
um meio-termo entre o inconsciente e o consciente (POERSCH, 1998).
Da surge a noo de continuum no processo de conscientizao em relao
conscincia lingustica, em que o processamento lingustico controlado intencionalmente e o
das atividades comunicativas bsicas, automtico e no reflexivo, compem extremos de uma
escala de comportamentos lingusticos que vai do menos ao mais consciente.
Flres (1998) acrescenta que a conscincia lingustica no um estado uniforme e
esttico, mas um processo que evolui a partir de uma sensibilidade inicial baseada,
sobretudo, no conhecimento de mundo do sujeito at se manifestar atravs de avaliaes
que envolvam metalinguagem. Assim, quando a conscincia lingustica pode ser explicitada
verbalmente que entra em cena a metalinguagem. Nesta concepo, lanar mo da
linguagem para falar sobre a prpria linguagem (metalinguagem), pressupe haver
conscincia lingustica. Dessa forma, somente quando externalizadas verbalmente e
desempenhadas intencionalmente, as habilidades de conscincia lingustica podem ser
consideradas verdadeiramente metalingusticas.
Scliar-Cabral (1995) define a conscincia metalingustica como o ato de reflexo que o
ser humano capaz de fazer da sua prpria lngua, o qual pode envolver os nveis fonolgico,
sinttico, semntico e pragmtico. Quando fonolgico, denominado de conscincia
fonolgica, e neste nvel, a habilidade pode ser caracterizada como a representao consciente
das propriedades fonolgicas e das unidades constituintes da fala.
Neste trabalho, enfocado este subtipo de conscincia lingustica: a conscincia
fonolgica. Foi necessrio introduzir e contextualizar a conscincia lingustica a fim de
esboar o cenrio em que se inicia a discusso sobre conscincia fonolgica.
2.2 CONSCINCIA FONOLGICA
Como mencionado anteriormente, dentre os subtipos de conscincia lingustica a mais
estudada e investigada atualmente tem sido a conscincia fonolgica. Talvez este fato seja
explicado pela relao existente entre a conscincia fonolgica e o aprendizado de leitura e
23
escrita. Adiante sero expostos os principais conceitos de CF, destacando que no h um
consenso.
Lamprecht (2009) coloca a conscincia fonolgica como sendo a capacidade humana
de pensar a lngua como objeto, de analisar, reconhecer e manipular os sons da fala. Rigati-
Scherer (2009) complementa este conceito trazendo que tambm estar consciente de que a
palavra falada constituda de partes que podem ser segmentadas e manipuladas.
A conscincia fonolgica tambm considerada como a conscincia dos sons que
compem as palavras que ouvimos e falamos (CARDOSO-MARTINS, 1995).
De acordo com Alves (2009), a conscincia fonolgica deve ser vista como muito
mais do que apenas um conhecimento acerca dos sons, nesse sentido, fundamental a
capacidade de manipulao, ou seja, a capacidade de apagar, adicionar ou substituir sons.
Para Melo (2006), a conscincia fonolgica a habilidade de prestar ateno aos sons
da fala como unidades independentes do significado da palavra.
Freitas (2004) considera que a conscincia fonolgica pode ser definida como a
habilidade do ser humano de refletir conscientemente sobre os sons da fala. A conscincia
fonolgica permite que a lngua seja um objeto de pensamento, possibilitando a reflexo sobre
os sons da fala, o julgamento e a manipulao da estrutura sonora das palavras. A mesma
autora coloca que a conscincia fonolgica pressupe a capacidade de identificar que as
palavras so constitudas por sons que podem ser manipulados conscientemente. Ela permite
criana reconhecer que as palavras rimam, terminam ou comeam com o mesmo som e so
compostas por sons individuais que podem ser manipulados para a formao de novas
palavras (FREITAS, 2003).
Carvalho (2003) coloca que a conscincia fonolgica permite criana analisar, de
diferentes maneiras, a estrutura fonolgica de sua lngua. Alm disso Carvalho (2003)
corrobora com Poersch (1998) ao adotar um nvel de sensibilidade de conscincia fonolgica
e um nvel de conscincia fonolgica plena. Desse modo, as anlises se dariam de forma
diferente a depender de qual momento de desenvolvimento da conscincia fonolgica a
criana se encontra.
O desenvolvimento da conscincia fonolgica ocorre gradualmente, na medida em que
a criana passa de um momento em que no separa a linguagem do contexto semntico para
outra na qual capaz de pensar a linguagem como objeto (BLANCO-DUTRA, 2009).
Antigamente, a conscincia fonolgica era considerada como uma estrutura nica
que a criana tinha ou no. Entretanto, a partir da realizao de diferentes tarefas de
conscincia fonolgica, verificou-se um desempenho desigual, em que as mesmas crianas
24
eram bem sucedidas em algumas tarefas e no eram em outras. A partir de ento, questionou-
se a pertinncia da estrutura unitria da conscincia fonolgica. Pois, se a CF era uma
estrutura nica, como isso poderia acontecer? Alm da noo dos nveis (que ser discutida
adiante), outra possibilidade que as diferenas resultem de distintas exigncias cognitivas
daquelas tarefas. Sendo assim, as medidas para avaliar a conscincia fonolgica so indiretas
e cada uma das tarefas tem suas prprias exigncias cognitivas. Deste modo, talvez as
diferenas nos desempenhos dos diversos testes possam ser atribudas a diferenas nas
exigncias cognitivas das tarefas (GOUGH, LARSON, YOPP, 1996).
Para Moojen et al (2003), parece haver um consenso em considerar a CF como uma
habilidade cognitiva geral, composta por uma combinao complexa de diferentes
habilidades, e no como um constructo unitrio e organizado, como era considerada a CF
anteriormente.
Consequentemente, no se pode pensar em CF como algo que os indivduos tm ou
no tm, mas como habilidades apresentadas em maior ou menor grau, que so desenvolvidas
ao longo da infncia (FREITAS, 2004). Uma soluo para esta questo seria a noo de o
sujeito inicialmente apresentar uma sensibilidade conscincia fonolgica, e posteriormente
conscincia fonolgica plena (POERSCH, 1998).
Alm disso, para que a CF se estabelea de maneira adequada, necessrio que o
desenvolvimento cognitivo das capacidades de reflexo sobre a prpria linguagem seja
acompanhado do desenvolvimento adequado das operaes e processos lingusticos (VILA,
2004).
Diante do exposto, nota-se que apesar das diversas definies, todos os estudos
concordam, de maneira geral, que a conscincia fonolgica tem relao com a capacidade de
o ser humano refletir conscientemente sobre os sons que compem a fala. Neste sentido,
Barrera & Maluf (2003, p. 492) colocam que:
De forma genrica o termo conscincia fonolgica tem sido utilizado para referir-se
habilidade em analisar as palavras da linguagem oral de acordo com as diferentes
unidades sonoras que as compem. Operacionalmente, a conscincia fonolgica tem
sido estudada a partir de provas visando avaliar a habilidade do sujeito, seja para
realizar julgamentos sobre caractersticas sonoras das palavras (tamanho,
semelhana, diferena), seja para isolar e manipular fonemas e outras unidades
supra-segmentares da fala, tais como slabas e rimas.
25
Portanto, como exposto anteriormente, a CF no mais considerada como uma
estrutura nica, ao contrrio, ela tem sido estudada como sendo composta por diferentes
nveis.
Diante da diversidade conceitual adotada pelos diferentes autores na literatura, no
presente trabalho adota-se o conceito de conscincia fonolgica assumido por Moojen et. al.
(2003) visto que o conceito adotado no teste de conscincia fonolgica utilizado neste
trabalho (CONFIAS).
A conscincia fonolgica envolve o reconhecimento pelo indivduo de que as
palavras so formadas por diferentes sons que podem ser manipulados, abrangendo
no s a capacidade de reflexo (constatar e comparar), mas tambm a de operao
com fonemas, slabas, rimas e aliteraes (contar, segmentar, unir, adicionar,
suprimir, substituir, transpor). Moojen e. al. (2003, p.11).
2.2.1 Unidades fonolgicas
De modo geral, os pesquisadores que se dedicam ao estudo da conscincia fonolgica
assumem a noo de nveis, concordando que esta conscincia desenvolve-se num continuum
(FREITAS, 2004).
Alves (2009) coloca que a CF caracteriza-se como uma gama de habilidades que, por
serem distintas e por envolverem unidades lingusticas diferenciadas, revelam-se em
momentos especficos da maturao da criana.
Os diferentes nveis e os diferentes graus de complexidades entre os nveis tornam a
noo de conscincia fonolgica ampla. Contudo, sabe-se que ainda no existe um consenso
entre os pesquisadores, sobre o nmero de nveis e quais seriam os nveis da conscincia
fonolgica. Entretanto, assim como Moojen et.al. (2003), a maioria deles classifica as
habilidades metafonolgicas em trs tipos: conscincia da slaba, das unidades intrassilbicas
e dos fonemas.
Gough, Larson e Yopp (1996) referem que a conscincia fonolgica compreende uma
constelao de habilidades cujos componentes possuem diferentes propriedades e
desenvolvem-se em diferentes tempos. Sendo assim, no h como conceber a conscincia
fonolgica de forma unitria, mas por diferentes nveis lingusticos: slabas, unidades
intrassilbicas (rimas, aliteraes) e fonemas. Silva (2003) tambm considera que a estrutura
sonora das palavras pode ser decomposta em trs tipos de unidades fonolgicas: as slabas, os
fonemas e as unidades intrassilbicas.
26
A caracterizao dos diferentes nveis feita (tambm) a partir das habilidades
consideradas durante a manipulao das unidades fonolgicas, tais como a segmentao, o
apagamento, a adio ou substituio, dentre outras (CARVALHO, 2003). Ainda de acordo
com este autor, a partir desta caracterizao, podemos falar, por exemplo, de segmentao de
slabas ou de fonemas. Neste caso, o tipo de habilidade de manipulao que determina se o
sujeito possui ou no a representao consciente de determinada unidade fonolgica.
Alves (2009) coloca que cada unidade lingustica de anlise (slaba, fonema, e
unidades intrassilbicas) relaciona-se a um nvel de conscincia fonolgica. E, como se trata
de capacidades de operar sobre unidades bastantes distintas, v-se que os diferentes nveis de
conscincia fonolgica se desenvolvem em um continuum de complexidade, indo desde uma
sensibilidade s rimas de palavras, passando pela capacidade de manipulao de slabas e
unidades intrassilbicas (menores que uma slaba) at alcanar a menor unidade de som capaz
de alterar o significado, o fonema. Esta ideia apresentada abaixo na Figura 1.
Figura 1: Representao da noo de continuum da conscincia fonolgica.
Fonte: (ALVES, 2009, p.36).
Carvalho (2003) tambm adota uma proposta de hierarquia desenvolvimental que se
inicia com habilidades menos complexas em direo quelas mais complexas. Para este autor,
o desenvolvimento inicial das habilidades de conscincia fonolgica (que refletem uma
conscincia mais geral) inclui a percepo da rima em canes e a segmentao de sentenas.
Posteriormente, as crianas aprendem que as palavras so compostas por unidades menores,
as slabas, e que estas podem ser agrupadas ou separadas. Mais tarde, as crianas aprendem
que as slabas podem ser compostas por unidades subsilbicas e, em unidades ainda menores,
os fonemas. O autor faz uma ressalva para o fato de a habilidade para manipular os fonemas
ser a habilidade de conscincia fonolgica mais complexa e mais tardiamente desenvolvida.
Mesmo pensando a CF no como uma estrutura nica e sim composta por unidades
diversas e que se apresentam em um continuum, Freitas (2004) destaca que o
desenvolvimento da CF nem sempre se d na ordem palavras > rimas > aliteraes > slabas
27
> fonemas. Apesar de no conhecer a ordem exata de desenvolvimento (se que ela existe)
parece haver um consenso de que a ltima habilidade a surgir seja a conscincia fonmica e,
portanto, considerada como o nvel mais complexo da CF.
2.2.2 Nveis de conscincia fonolgica
Como j apresentado anteriormente, a conscincia fonolgica classificada em nveis;
nvel das slabas, unidades intrassilbicas e fonemas. A seguir, estes nveis sero detalhados.
Nvel da slaba
A conscincia fonolgica de nvel silbico compreende a habilidade de segmentar
palavras em slabas, aglutinar slabas para formar palavras e reconhecer que determinadas
slabas formam palavras (RIGATI-SCHERER, 2008).
Para Freitas (2004), o nvel da slaba refere-se capacidade de dividir as palavras em
slabas, e considera ser o primeiro e talvez o mais bvio caminho de segmentao sonora, e
que se apresenta como sendo de pouca dificuldade maioria das crianas.
A capacidade de segmentar as palavras em slabas constitui uma das primeiras
habilidades em CF que emerge entre as crianas. No portugus, a slaba facilmente distinta,
sendo a unidade natural de segmentao da fala. Desse modo, a conscincia da slaba
adquirida bastante cedo, anteriormente alfabetizao (ALVES, 2009).
Freitas (2004) complementa que as crianas apresentam a habilidade de dividir uma
palavra em suas slabas oralmente, desde cedo, e isto se configura como um excelente
indicativo de que possuem um nvel de conscincia fonolgica. Como exemplo desta situao
tem-se que a palavra MALA pode ser segmentada em MA-LA. Bem como, as slabas PE-
TE-CA formam a palavra PETECA.
Carvalho (2003) coloca que a slaba constitui-se como unidade natural do ato
articulatrio; por conta disto, a criana apresentaria certa prontido para manipular esse nvel
da estrutura fonolgica da palavra. Essa prontido faz com que o desenvolvimento da
conscincia silbica seja menos dependente da instruo sistemtica.
Seguindo esta mesma linha, Silva (2003, p. 106), coloca que o modo mais evidente
de analisar as palavras incide sobre as unidades silbicas. Para esta autora, a slaba possui
28
uma salincia perceptiva devido articulao da consoante e da vogal para o caso de slabas
simples CV3 ser consumada ao mesmo tempo (coarticulada).
Isto significa que os movimentos articulatrios necessrios para produzir cada um
destes componentes se combinam, assim como os seus efeitos acsticos, de modo que as
unidades acusticamente percebidas refletem os dois fones.
Nvel das unidades intrassilbicas
As palavras podem ser divididas em unidades que so maiores que um nico fonema,
mas menores que uma slaba e que tambm podem ser manipulados, ou seja, as unidades
intrassilbicas: ataque (ou onset) e rima (FREITAS, 2004; ALVES, 2009; RIGATI-SHERER,
2008).
O ataque ou onset a posio silbica que compreende os segmentos que antecedem a
vogal da slaba (que compe o ncleo silbico) (ALVES, 2009; FREITAS 2004; RIGATI-
SHERER, 2008). De acordo com Moreira (2009), o ataque pode ser simples ou complexo.
Tomemos como exemplos as palavras: ban-co bran-co. A palavra banco representa na
slaba inicial um ataque simples // enquanto que a palavra branco tem na slaba inicial um
ataque complexo //. Ainda de acordo com esta autora, no portugus do Brasil, todas as
consoantes podem aparecer no ataque da slaba quando ela simples, entretanto, quando
complexa, apenas fricativas labiais e oclusivas podem ocupar a margem inicial, mas apenas o
flepe e a lateral no palatal podem ocupar a segunda posio.
De outro lado, a rima abrange os segmentos que no fazem parte do ataque. Assim, a
rima inclui o ncleo silbico (obrigatrio) e os segmentos que podem ocupar a posio de
coda (facultativo). A coda composta por som ou sons que pode(m) seguir o ncleo e junto
com este constituem a rima da slaba. Ex: na palavra a-mor o est em posio de coda;
enquanto que na palavra n a posio de coda no preenchida (ALVES, 2009).
Utilizando os exemplos acima, na palavra a-mor a rima constituda pela sequncia
R, ou seja, pela vogal que ocupa o ncleo silbico e pela consoante que fecha a slaba,
preenchendo a posio de coda silbica.
Sendo assim, para Alves (2009) e Freitas (2004), a conscincia fonolgica no nvel
intrassilbico pode ser dividida em dois tipos: conscincia da rima e conscincia das
3 CV refere-se estrutura silbica cannica consoante-vogal.
29
aliteraes4. A primeira versa sobre a capacidade de identificar os sons finais (rima) e o
segundo sobre a capacidade de identificar as aliteraes.
Freitas (2004, p.181) ressalta que a rima pode englobar apenas a rima da slaba (caf-
bon), uma slaba inteira (salo-balo) ou mais que uma slaba (chocolate-abacate).
Com relao s rimas, sua conscincia de extrema significncia, pois estas fazem
parte do cotidiano das pessoas, sendo encontradas em poemas, msicas e slogans. Elas fazem
parte, tambm, do dia-a-dia das crianas, que, antes mesmo de entrarem na escola, j so
capazes de perceb-las. Crianas que reconhecem que duas palavras tm sons em comum, no
exatamente identificam que sons so esses, mas demonstram que possuem um tipo de
conscincia fonolgica (RIGATI-SCHERER, 2008).
Freitas (2004, p. 182) tambm menciona que a rima um nvel de conhecimento
fonolgico elementar que faz parte da vida das crianas desde cedo, estando presente em
msicas, brincadeiras e livros infantis.
A habilidade de categorizao de rimas ocorre independente da instruo escolar,
assim como a conscincia de slabas tambm menos dependente da instruo sistemtica
para o seu desenvolvimento. Ao contrrio, a habilidade de conscincia fonmica dependente
de instruo escolar, pois, como afirma Mann (1986), a conscincia de fonemas dependeria
fortemente da experincia de aprendizagem em leitura e escrita em um sistema alfabtico,
como veremos adiante.
O fato de a rima ser uma unidade intrassilbica, e na Figura 1 aparecer antes da
conscincia da silaba justificado por Alves (2009) em funo da precocidade. Para este
autor, atravs deste fato, pode-se considerar a sensibilidade rima como um nvel especfico
de conscincia fonolgica, que antecederia a prpria conscincia da slaba, pelo fato de
envolver unidades que podem ser maiores que uma nica slaba.
Roazzi, Peter, Bryant; (1991) apresentam um ponto de vista alternativo com relao ao
nvel da rima. Para esses autores a rima no deveria ser vista simplesmente como um sinal de
conscincia fonolgica. Mas, como uma capacidade especial que pode ocorrer
independentemente de outros aspectos da conscincia fonolgica. Essa ideia ser detalhada
adiante (2.5.3 Conscincia fonolgica em indivduos jovens e adultos).
4 Aliterao refere-se ao emparelhamento de palavras que apresentam sons iniciais iguais. Ex: macaco, mesada,
mala (LAMPRECHT et. al., 2004).
30
Nvel do fonema
Este nvel representa a capacidade de segmentar palavras e slabas em unidades
sonoras ainda menores do que as unidades intrassilbicas: os fonemas (RIGATI-SCHERER,
2008).
Freitas (2004) coloca que esse nvel est relacionado capacidade de segmentar
palavras nas menores unidades de sons que podem mudar o significado de uma palavra, o
fonema. Para isto, necessrio o reconhecimento de que uma palavra corresponde a um
conjunto de fonemas. Esta perspectiva corroborada por Alves (2009) que considera a
conscincia no nvel dos fonemas como a capacidade de reconhecer e de manipular as
menores unidades de som que possuem carter distintivo na lngua.
Este nvel parece exigir alto grau de conscincia fonolgica, j que o sujeito est
lidando com unidades abstratas que esto colocadas em um segmento sonoro contnuo (na
oralidade) que dificulta a percepo individual dos sons (FREITAS, 2004). O nvel do fonema
constitui-se como um nvel mais complexo de conscincia fonolgica, pelo fato de que uma
unidade como a slaba, por exemplo, se discrimina auditivamente mais facilmente do que um
s segmento (ALVES, 2009).
Rigati-Scherer (2008) menciona que o nvel do fonema o que requer maior
maturidade lingustica do falante, pois necessita que este lide com as menores unidades de sua
lngua, que geralmente passam despercebidas para ele. Apesar de as crianas, em condies
normais, desde muito cedo j serem falantes bem sucedidas de sua lngua nativa e j
perceberem rimas, aliteraes e at mesmo semelhanas e/ou diferenas entre fonemas
iniciais de palavras, para elas no existe, ainda, a conscincia explcita do fonema. Neste
momento, as crianas podem perceber o segmento, mas ainda no so capazes de dominar
esta habilidade voluntariamente. A autora acrescenta que para desenvolver, de fato, a
conscincia fonmica, o papel da alfabetizao fundamental, pois, a conscincia em nvel
fonmico s vai completar-se no perodo escolar, quando a criana capaz de dominar as regras
do sistema de escrita de sua lngua.
Para Scliar-Cabral (2003), na conscincia fonmica esto envolvidos processos de
ateno, intencionalidade e o domnio de uma lngua escrita, particularmente a alfabtica.
H, praticamente, um consenso no sentido de que os nveis silbico e intrassilbico so
menos complexos e podem ocorrer antes do processo de alfabetizao. Entretanto, o nvel
fonmico considerado como mais complexo e, na maioria das vezes, ocorre a partir do
31
ensino formal da lngua escrita (BLANCO-DUTRA, RIGATI-SCHERER, BRISOLARA,
2009).
Contudo, Silva (2003) destaca que o desenvolvimento da conscincia de slabas e das
unidades intrassilbicas no conduz conscincia fonmica, ou seja, a sensibilidade s rimas
e slabas no , por si s, um percursor da conscincia fonmica.
Para fechar a ideia de nveis de conscincia fonolgica, vale ressaltar que, para alguns
autores (BLANCO-DUTRA, SCHERER, BRISOLARA, 2009), os nveis de conscincia
fonolgica desenvolvem-se de maneira diferenciada e individual, pois se organizam em nveis
de complexidade, enquanto que, para outros, a CF desenvolve-se de forma contnua e gradual,
ou seja, as habilidades em CF no se desenvolvem de forma estanque, uma de cada vez
(CARVALHO, 2003).
Por vezes, os termos conscincia fonmica e conscincia fonolgica so tratados como
sinnimos. Nesta pesquisa, os termos conscincia fonmica e conscincia fonolgica referem-
se a conceitos diferentes. O primeiro refere-se a um dos nveis de conscincia fonolgica,
como representado na figura a seguir, enquanto que o ltimo um termo amplo e abrange
todos os nveis de conscincia fonolgica.
Figura 2: Esquema sobre os nveis de conscincia fonolgica.
Fonte: FREITAS (2004).
Conscincia
silbica
Conscincia
fonmica
Conscincia
intrassilbica
CONSCINCIA FONOLGICA
32
2.2.3 Tarefas de avaliao de conscincia fonolgica
Para avaliar cada um dos nveis de conscincia fonolgica, so utilizadas diversas
tarefas. Blanco-Dutra (2009) coloca que os testes para investigar a conscincia fonolgica tm
por objetivo saber se as crianas e/ou adultos brincam com os sons da lngua, se eles podem
detectar similaridades e diferenas entre os sons, se podem dividir a palavra em sons e
manuse-los conscientemente.
Ainda de acordo com esta autora, os testes para avaliar a conscincia fonolgica
geralmente so estruturados em ordem crescente de complexidades das tarefas, a partir do
esforo cognitivo exigido pela tarefa. E as prprias tarefas tm graus de complexidade
diferentes, na medida em que tarefas simples exigem apenas a realizao de uma operao
acompanhada de resposta. Nas tarefas complexas, exigida a realizao de duas ou mais
operaes.
O mais coerente que as tarefas que testam a conscincia fonolgica sejam
concebidas num continuum, em que competncias como a deteco e produo de rimas, por
exigirem apenas sensibilidade a sequncias fonolgicas similares, estaro no nvel inferior, e
as habilidades para segmentar e inverter os fonemas de palavras estaro no nvel superior,
porque implicam uma atitude analtica, e uma representao explcita dos segmentos fonticos
(STANOVICH 1992).
Para Coimbra (1997), as tarefas aplicadas para testar habilidades de conscincia
fonolgica podem apresentar maior ou menor grau de dificuldade.
As de menor grau de complexidade so consideradas tarefas fceis que so aquelas
que exigem uma operao seguida de resposta, como, por exemplo, juntar as slabas MA
LA formando uma palavra (tarefa de sntese silbica). Por sua vez, as de maior grau de
complexidade so as tarefas difceis. Nestes casos, realizada uma primeira operao e seu
resultado guardado na memria, enquanto realizada a segunda operao. Um exemplo de
tarefa complexa retirar o [m] de MALA e substitu-lo por [b] = BALA (substituio de
fonema). Esta tarefa considerada complexa, pois primeiramente ter que se retirar o fonema
[m], reter na memria o que restou da palavra e, em seguida, substitu-lo por [b], formando
uma segunda palavra.
Alm do grau de complexidade, Freitas menciona que tarefas de conscincia
fonolgica podem variar de acordo com
33
[...] o tipo das unidades (palavras polissilbicas ou monossilbicas), o contexto no
qual as unidades esto inseridas (ataque simples ou complexo), a posio que a
unidade sonora ocupa na palavra (inicial, medial, final), a quantidade de operaes
cognitivas exigidas e o tipo de operao identificao, produo, apagamento,
transposio, sntese, segmentao (FREITAS, 2004, p184).
Ainda de acordo com esta autora, deve-se ter o cuidado de perceber se a criana est
tendo dificuldade em responder tarefa porque no capaz de manipular as unidades sonoras,
ou porque exigido algo muito complexo. A autora complementa que o nvel de
complexidade e o modo como as tarefas so explicadas para as crianas pode mascarar os
resultados em conscincia fonolgica (FREITAS, 2004).
Silva (2003) coloca que a diversidade de tarefas que tem sido utilizadas para avaliar a
CF, os diferentes graus de dificuldade das mesmas, impossibilita uma consensual
operacionalizao da CF. Ramos (2005), que em sua pesquisa avaliou cinco diferentes testes
para avaliar conscincia fonolgica, tambm verificou que os diferentes testes avaliam
habilidades diferentes.
Essa questo da diversidade das tarefas crucial e Silva (2003, p.121) afirma que
mesmo para tarefas similares o grau de complexidade pode variar em funo do tipo de itens
utilizados. Por exemplo, nas diferentes investigaes que usam tarefas de sntese fonmica, os
itens em alguns casos so palavras e em outros pseudopalavras5, usam palavras com estruturas
silbicas diferentes, tornando impossvel a comparao de resultados mesmo para tarefas
idnticas. Tambm em relao a provas de segmentao fonmica, esta comparao pode
revelar-se bastante complicada dadas as variaes no nmero de fonemas que fazem parte dos
itens utilizados nas investigaes. O grau de dificuldade da segmentao de pseudopalavras,
respectivamente com 3, 4 ou 5 fonemas, varia consideravelmente, sendo o desempenho
infantil no ltimo tipo de itens particularmente contaminada por fatores mnsicos.
Alm disso, no nvel do fonema, com relao aos requisitos cognitivos subjacentes
tarefa, pode-se considerar que as provas de segmentao so menos exigentes do que as que
implicam a supresso de um fonema, na medida em que estas ltimas envolvem uma maior
sobrecarga na memria de trabalho (YOP, 1988).
Sobre essa questo, Silva acrescenta que:
[...] A variedade e o grau de dificuldade das tarefas usadas fazem com que nas
diferentes investigaes se analisem dimenses diversas dessa habilidade, tanto que
5 Pseudopalavras ou logatomas so palavras que no existem na lngua em questo e a sua leitura exige o uso da
rota fonolgica.
34
uma mesma criana pode ter desempenho elevado num tipo de tarefa e baixo noutra
(SILVA, 2003, p. 121).
Para Morais & Leite (2005, p. 74), a existncia de discordncias deve-se ao fato de o
desenvolvimento da CF ser avaliado por diferentes tarefas nos diversos testes. Desse modo,
diferentes pesquisas solicitam que os sujeitos faam coisas to distintas como:
[...] encontrar as palavras que rimam em uma lista, identificar a presena ou
ausncia de determinado som em uma palavra, comparar o incio ou a terminao de
um conjunto de palavras, isolar o primeiro som de algo que pronunciado,
segmentar, combinar ou contar fonemas, eliminar determinado fonema de uma
palavra, etc.
Segundo esses autores, os alfabetizandos sejam crianas, jovens ou adultos tm
demonstrado diferentes graus de sucesso nestas diversas tarefas, pois elas exigem nveis
distintos de habilidades de segmentao e demandam aos aprendizes diferentes exigncias
cognitivas (MORAIS, LEITE, 2005).
Por conta desta disparidade entre as tarefas, alguns investigadores procuram proceder
a uma hierarquizao do grau de dificuldade relativo das vrias tarefas atravs da reviso de
investigaes neste domnio.
Frente vasta diversidade de tarefas utilizadas em diferentes pesquisas para avaliar a
conscincia fonolgica e sua relao com leitura e a escrita, Melo (2006) aponta que os
grandes desafios que perpassam estas pesquisas, dizem respeito descoberta das tarefas que
podem melhor mensur-la. E, tambm, essa diversidade dificulta o estabelecimento da relao
entre os diferentes achados.
Ramos (2005) menciona a necessidade de discusso dos tipos de tarefas de
conscincia fonolgica e elege critrios de caracterizao das tarefas metafonolgicas, sendo
eles: o tipo de habilidade metafonolgica, a unidade lingustica explorada, o grau de
complexidade da tarefa, as operaes cognitivas exigidas. A autora refere que, de modo geral,
a classificao de habilidades de conscincia fonolgica composta por oito categorias e
destaca que os vrios tipos de habilidades metafonolgicas devem abarcar, pelo menos, as
operaes mais comuns e frequentes no processo de aprendizagem da lngua escrita, atravs
dos quais o falante aprendiz percebe como podem ocorrer as diversas formas de manipulao
de slabas, unidades intrassilbicas e de fonemas.
De acordo com a autora as oito categorias so:
35
a) Anlise ou segmentao habilidade de separar a palavra em slabas, em unidades
intrassilbicas ou fonemas; esta habilidade permite que o falante perceba que as palavras ou
slabas so compostas por unidades menores que podem ser segmentadas,
b) Sntese ou agrupamento habilidade, oposta a anterior, requer agrupar as unidades
lingusticas, formando unidades maiores ou palavras; nestes casos o falante tem oportunidade
de perceber que segmentos menores formam slabas ou palavras,
c) Identificao ou reconhecimento habilidade de identificar ou reconhecer
determinada unidade, percebendo que uma mesma unidade pode compor inmeras palavras;
para haver este reconhecimento, necessariamente, o falante dever manter na memria o
segmento dado para ter o parmetro de identificao
d) Produo de unidade habilidade de produzir uma palavra a partir de uma unidade
dada. O falante deve manter na memria a unidade dada para possibilit-lo a produzir o que se
pede; esta habilidade, assim como a anterior, possibilita a verificao de que uma mesma
unidade pode aparecer em vrias palavras e em vrias posies,
e) Substituio ou troca habilidade de substituir uma unidade por outra, percebendo
que alguns signos lingusticos so formados a partir da simples troca ou substituio de certas
unidades em outros signos. Para isto, o falante deve manter na memria o segmento dado,
bem como o segmento a ser substitudo,
f) Transposio habilidade de reorganizar os segmentos de uma dada palavra ou
pseudopalavra, mostrando ao falante que algumas palavras podem ser fruto da inverso de
certas unidades em outros signos, bastando para tal apenas reorganiz-las,
g) Apagamento ou Excluso habilidade de excluir um dado segmento de uma
palavra determinada, percebendo que a excluso de uma unidade lingustica em uma palavra
pode formar uma nova palavra. O falante deve manter na memria o segmento a ser excludo
e identific-lo na palavra,
h) Acrscimo ou Aglutinao habilidade, contrria a anterior, que consiste em
acrescentar a uma palavra ou segmento a uma outra unidade dada. Trata-se de uma variao
da habilidade de sntese ou agrupamento em que se verifica que novos signos podem surgir a
partir do acrscimo de um segmento a um outro signo lingustico (RAMOS, 2005).
Contudo, apesar da diversidade de provas fonolgicas apresentadas s crianas, as
diversas investigaes realizadas revelam que as crianas em idade pr-escolar geralmente
apresentam bom desempenho em tarefas que envolvem a identificao e manipulao de
slabas e unidades intrassilbicas. Entretanto, elas geralmente falham nas tarefas que avaliam
36
as unidades fonmicas, apesar de existirem grandes diferenas individuais neste ltimo nvel
(SILVA, 2003).
2.3 ASPECTOS IMPORTANTES SOBRE AQUISIO E DESENVOLVIMENTO DA
LINGUAGEM ESCRITA
Neste item sero tratados alguns temas relevantes sobre a aquisio da escrita, visto
que este um campo bastante amplo e complexo. No seria possvel nesta dissertao esgotar
o tema, portanto, neste captulo discutiremos questes relevantes relao da escrita como a
noo psicolingustica de aquisio versus aprendizado, a relao grafema-fonema e,
finalmente, a relao entre conscincia fonolgica e a escrita.
2.3.1 A relao do sujeito com a escrita
Como comentado anteriormente, dentre os nveis de conscincia lingustica, o mais
investigado a conscincia fonolgica. Esse interesse referente ao fato de, em alguma
medida, a conscincia fonolgica ter relao com o aprendizado da escrita e,
consequentemente, com o sucesso na alfabetizao.
Antes de avanarmos nesta seo, vale destacar um aspecto importante: a noo
psciolingustica de aquisio versus aprendizagem. Teixeira (2011) utiliza a Teoria da
Monitorizao de Krashen (1976, 1981) e menciona que a aquisio depende de processos
inconscientes mediados pela interao, enquanto a aprendizagem est associada a processos
conscientes, resultantes do ensino formal.
Baseada nessa teoria, Teixeira estabelece uma relao entre aquisio e aprendizagem
e coloca que
Por aquisio da escrita, entende-se o processo pelo qual o sujeito vai lanando
hipteses, descobrindo e construindo, passo a passo, o complexo sistema de
relaes entre a lngua falada em sua comunidade lingustica e sua representao
grfica. Na aprendizagem, por outro lado, encontram-se implicados todos os
aspectos envolvidos no processo de alfabetizao, conforme prope Ferreiro e
Teberosky (1985): o conhecimento de certas convenes fixas, exteriores ao
sistema de escrita (como, por exemplo, orientao e tipos de letra); o conhecimento
da forma de representao da linguagem (se o sistema alfabtico ou no); o
conjunto de "ideias prvias", "esquemas de conhecimento", a partir dos quais so
construdas as convenes sociais que esto imbricadas nas atividades de leitura e
escrita; o uso de uma metodologia que viabilize o processo de apreenso desses
novos conhecimentos (TEIXEIRA, 2011, p. 2 - grifos originais da autora).
37
H autores que consideram que a relao do sujeito com a escrita deve ser vista como
sendo um aprendizado e no aquisio. Sobre o assunto, Scliar-Cabral (2003) coloca que
fundamentada na psicolingustica, existe uma ntida diferena entre os dois processos: o
processo de aquisio, que se refere compulso natural do humano, quando em interao
lingustica, para adquirir a variedade oral de uma ou mais lnguas, e o processo de
aprendizagem, que exige sistematizao, instruo e uma dada experincia para o domnio da
variedade escrita de uma lngua.
Scliar-Cabral acrescenta que
[...] Fica bem claro, dada a documentao histrica, que a linguagem verbal oral se
desenvolve espontaneamente, desde que haja traos de humanizao, enquanto a
linguagem escrita uma inveno, cuja aprendizagem intensiva e sistemtica
necessria, na maioria dos casos (Scliar-Cabral, 2003, p.26).
H um tempo falava-se apenas em aprendizado da escrita, considerando-se que esta
no era adquirida naturalmente atravs do contato com esta modalidade, como acontece com a
linguagem oral (em casos de ausncia de qualquer dficit sensorial, neuromotor, neurolgico,
psicolgico ou orgnico). Contudo, essa conceituao colocada por Teixeira (2011) considera
que a criana um ser ativo, que ao aprender, lana suas hipteses e todo o conhecimento de
mundo e de escrita que possui.
Sabe-se que, em condies tpicas, a grande maioria das crianas, jovens e adultos
quando aprendem a ler e a escrever j adquiriram e apresentam bom desenvolvimento da
linguagem oral, bem como possuem um vocabulrio extenso, conseguem organizar as ideias
em sequncia temporal lgica bem como um conhecimento sinttico que permite a correta
estruturao das sentenas.Alm disso, j apresentam o sistema de sons organizados e todas
as suas regras de combinaes estabelecidas, e os nveis mais elementares em conscincia
fonolgica, ou seja, j so falantes maduros6.
No primeiro contato com a escrita, alguns desses sujeitos, sejam crianas, jovens ou
adultos tambm trazem alguns conhecimentos acerca da escrita. Muitos j conhecem e
reconhecem alguns grafemas, j escrevem seus nomes, j conhecem as funes e fazem usos
da escrita, principalmente, levando-se em considerao que vivem em meio a uma cultura
grafocntrica.
6 Este termo utilizado por Cardoso-Martins (1996).
38
Alm disso, de acordo com Blanco-Dutra, Rigati-Scherer, Brisolara (2009), nesse
primeiro contato, esses sujeitos trazem consigo conhecimentos sobre a lngua falada que
auxiliam no entendimento do cdigo escrito, e o contato com esse desenvolve as habilidades
em conscincia fonolgica.
Uma prova de que crianas e adultos apresentam algum desenvolvimento de CF antes
mesmo do domnio do cdigo escrito, a capacidade das crianas em lidar com rimas durante
histrias, canes e brincadeiras, e que os adultos possuem para criar versos e repentes
(BLANCO-DUTRA, RIGATI-SCHERER, BRISOLARA, 2009).
Essas autoras colocam o letramento7 como forte alavanca para o desenvolvimento da
CF. Com base nisso, para as crianas, importante estar em um ambiente letrado, onde os
pais contem historias, brinquem com rimas, apresentem os nomes das letras, brinquem com
objetos que comecem com a mesma letra, etc. E no caso dos adultos, podem vivenciar essa
experincia na infncia, como tambm ao longo da vida, no contato com diversos materiais
escritos.
Apesar de toda essa bagagem, um grande problema na aquisio da escrita descobrir
e dominar quais sons que compem o fluxo de fala contnuo correspondem aos elementos
grafados na escrita alfabtica. Esses elementos discretos e abstratos que compem a fala so
os fonemas; de acordo com Yavas, Hernandorena e Lamprecht (2001) o fonema uma
unidade fonolgica abstrata, contrastiva em uma lngua. E, em outra esfera, os grafemas
constituem-se como uma ou mais letras que representam um fonema na escrita. Para Silva
(1981), a letra constitui a menor unidade segmental ortogrfica.
2.3.2 A relao entre fala e escrita e a relao grafema-fonema
Pensando a relao entre fala e escrita, observado que durante muito tempo foi dada
uma primazia fala que levou muitos linguistas a conceberem a escrita como mera
representao da fala. Desse modo, a relao entre fala e escrita foi ignorada e tornou-se
difcil revelar a relao existente entre ambas. Entretanto, nos ltimos anos as investigaes
apontam que as relaes entre ambas so complexas e que fala e escrita so duas modalidades
diferentes pertencentes ao mesmo sistema lingustico, embora interativas e complementares
(MARCUSCHI, 2001). Alm disso, em muitos estudos a fala figura como primria e a escrita
como dela derivada (FVERO, ANDRADE, AQUINO; 2000, p. 10).
7 O conceito de letramento ser explicado adiante (2.5.1 Letramento e educao de jovens e adultos).
39
Fala e escrita diferem quanto aos modos de aquisio, nas condies de produo,
transmisso e recepo e nos meios atravs dos quais so organizados. A seguir, o Quadro 1
retrata as diferenas de produo existentes entre fala e escrita.
Fala Escrita
Interao face a face Interao distncia (espao-temporal)
Planejamento simultneo ou quase
simultneo produo
Planejamento anterior produo
Criao coletiva: administrada passo-a-
passo
Criao individual
Impossibilidade de apagamento Possibilidade de reviso
Sem condies de consulta a outros textos Livre consulta
A reformulao pode ser promovida tanto
pelo falante como pelo interlocutor
A reformulao promovida apenas pelo
escritor
Acesso imediato s reaes do
interlocutor
Sem possibilidade de acesso imediato
O falante pode processar o texto,
redirecionando-o a partir das reaes do
interlocutor
O escritor pode processar o texto a partir
das possveis reaes do leitor
O texto mostra todo o seu processo de
criao
O texto tende a esconder o seu processo
de criao, mostrando apenas o resultado Quadro1: Comparao entre fala e escrita.
Fonte: Fvero, Andrade & Aquino (2000, p. 74)
Portanto, fala e escrita so modalidades diferentes de uma mesma lngua, cada uma
com suas prprias regras e caractersticas. A escrita tem uma maneira prpria de representar a
fala que no corresponde a uma transcrio fontica. Dito isso, no h como conceber a
escrita como mera representao da fala.
Existem diferentes maneiras de representao escrita. Um delas a escrita
ideogrfica, que realiza registro escrito a partir dos significados, das ideias. utilizada
atualmente pela lngua chinesa, por exemplo. Enquanto que a escrita fonogrfica representa
a linguagem a partir dos sons da fala, contudo, no existe uma relao de superioridade entre
elas, so apenas diferentes formas de representar (MASSINI-CAGLIARI, 1999).
Existem alguns tipos de escrita fonogrfica: a silbica, que representa a escrita atravs
das slabas, utilizada no Japo. A silbica, como o nome j permite inferir, representa as
palavras atravs dos seus sons consonantais, era utilizada por lnguas que possuem um
repertrio restrito de vogais e devido a essa caracterstica as vogais no eram grafadas e sim,
40
descobertas pelo contexto. A escrita alfabtica representa os sons da fala conforme a
pronncia; modalidade em que se registra as nuances de pronncia.
Por conta da variao lingustica, se o nosso sistema de escrita fosse baseado apenas
na expresso fontica, seria difcil entender a escrita de indivduos de diferentes regies. Para
solucionar este problema de variao lingustica, foi criada a ortografia para neutralizar as
formas escritas das diferentes palavras da nossa lngua. Desse modo, a que se utiliza dos
princpios ortogrficos a escrita alfabtica ortogrfica (MASSINI-CAGLIARI, 1999).
A norma ortogrfica uma conveno social cuja finalidade ajudar na comunicao
escrita e funciona como um recurso capaz de neutralizar na escrita as diferentes maneiras de
falar dos usurios de uma mesma lngua. Quando compreende a escrita alfabtica e consegue
ler e escrever seus primeiros textos, a criana j apreendeu o funcionamento do sistema de
escrita alfabtica, mas ainda desconhece a norma ortogrfica. E incorpor-la ,
consequentemente, um longo processo para quem se apropriou da escrita alfabtica
(CAGLIARI, 2007; MORAIS, 1999).
Sobre o domnio das regras ortogrficas, Morais (1999) levanta uma questo crucial: o
fato de, equivocadamente, no dia-a-dia, os erros de ortografia funcionarem como fonte de
censura e de discriminao, tanto na escola como fora dela. Na escola, a questo se torna
extremamente grave, porque a competncia textual do aluno confundida com seu
rendimento ortogrfico, inclusive pelos professores.
Freitas (2004) coloca que a lngua portuguesa apresenta escrita alfabtica
essencialmente fonmica, baseada na relao entre sons e letras, ou seja, associa um
componente auditivo fonmico a um componente visual grfico (correspondncia grafema-
fonema).
O fato de toda lngua apresentar diferenas dialetais e variaes estilsticas que afetam
a pronncia faz com que a escrita alfabtica no seja estritamente fonmica (TESSARI,
2002).
Essa relao grafema-fonema, mencionada por Freitas (2004), estabelecida atravs
do princpio alfabtico da escrita: palavras escritas contm combinaes de unidades visuais
letras ou combinaes de letras que so relacionadas s unidades sonoras das palavras, os
fonemas (embora possa haver excees, haja vista o grafema , que no possui
correspondncia fonolgica, como pode ser comprovado na palavra Baia ou na palavra
otel) (MELO, 2010).
Com relao correspondncia grafema-fonema, as lnguas que apresentam um alto
grau de regularidade, ou seja, apresentam maior semelhana entre a quantidade de grafemas e
41
fonemas e refletem de modo fidedigno a superfcie fonolgica da lngua em questo, so
chamadas de transparentes, e as que apresentam baixo grau de regularidade, so chamadas
de opacas (SANTOS & NAVAS, 2002).
Diante disso, Silva (2003, p. 126) expe que o domnio do cdigo alfabtico obriga,
no apenas compreenso de que a linguagem escrita representa unidades da linguagem oral,
mas, tambm, apreenso de que as unidades codificadas so exatamente os fonemas. Ento,
a descoberta dessa relao grafema-fonema s alcanada atravs da reflexo sobre os sons
da fala e sua relao com os grafemas da escrita, reflexo esta que exige o acesso
conscincia fonolgica (FREITAS, 2004). Para Carvalho (2003), o sistema de escrita
alfabtico o que propicia o recorte da fala em suas unidades mnimas, os fonemas.
Sobre a importncia dessa relao grafo-fonolgica, Cielo (1998) considera que no
incio da aquisio da escrita, a criana precisa perceber e dominar a relao existente entre
grafema-fonema para conseguir extrair sentido do material escrito. Assim, a aquisio da
escrita coloca em jogo a capacidade de transcrever os sons de uma palavra individual em sua
forma escrita, realizando a converso de uma sequncia de sons em sinais grficos
correspondentes (correspondncia grafema-fonema).
O entendimento do princpio alfabtico parece ser uma das tarefas mais complexas que
as crianas tm que enfrentar no seu processo de aprendizagem da escrita, dadas as
caractersticas abstratas dos fonemas. Essa natureza abstrata uma consequncia de os
fonemas no serem produzidos na fala humana um por um, mas so, pelo contrrio,
coarticulados, sendo a percepo de cada segmento fonmico influenciada pelo contexto dos
outros sons prximos (SILVA, 2003).
Carvalho (2003, p. 80) faz uma considerao interessante sobre esse aspecto e
menciona que [...] no sistema de escrita do portugus do Brasil, h menor regularidade
(menor transparncia) na relao grafema-fonema, o que impossibilita muitas vezes, a
produo de grafias corretas a partir do uso das regras de converso fonema-grafema. Na
escrita, esses erros, decorrentes das tentativas de estabelecimento da relao grafema-fonema,
so considerados como erros provocados por apoio na oralidade.
Alm disso, necessrio destacar que a relao grafema-fonema, como vem sendo
descrita neste captulo, muito utilizada no momento inicial de aquisio da escrita ou em
momentos posteriores para a escrita de palavras novas ou pseudopalavras. Ao longo do
processo de aquisio e desenvolvimento da escrita, o aprendiz j ter representaes
ortogrficas dessas palavras e no necessitar recorrer relao grafema-fonema em todos os
momentos.
42
Sobre a relao oralidade-escrita no ensino, Fvero, Andrade e Aquino (2000)
defendem que a lngua falada deve ocupar lugar de destaque no ensino da lngua. Isso se deve
a dois motivos principais: primeiro, porque o aluno j sabe falar quando chega escola e,
segundo, porque a fala influencia a escrita, principalmente nos primeiros anos escolares, no
que se refere representao grfica dos sons.
2.3.3 Os tipos de relaes entre os sons da fala e as letras do alfabeto
Existem trs tipos de relao entre fonemas e letras do alfabeto que constituem o
sistema ortogrfico do portugus (LEMLE, 2005; SILVA, 1981)8.
O primeiro tipo a relao biunvoca que s acontece em poucos casos.
Correspondncia biunvoca a relao na qual um elemento de um conjunto corresponde a
apenas um elemento do outro conjunto, estabelecendo, assim, uma correspondncia de um
fonema para um grafema. O fonema representado entre barras inclinadas (/ /). No Quadro 2
esto representadas as letras cujos fonemas s tm uma representao, e cada letra s
corresponde a um nico fonema.
Para Silva (1981), esta a relao mais simples e ideal do ponto de vista pedaggico.
Correspondncia biunvoca entre grafema-fonema
p // b // t // d // f // v //
nh / / lh // Quadro 2: Relaes biunvocas entre grafema-fonema do portugus do Brasil.
Baseado em Lemle (2005), Silva (1981).
importante destacar que, no quadro original, Lemle (2005, p.17) representa a vogal
/a/ como pertencente ao grupo da relao biunvoca, entretanto, concordando com Silva
(1981), no adotamos a vogal /a/ como estabelecendo uma relao biunvoca, j que esta
vogal pode ser nasalizada e apresentar uma diferente realizao.
8 O portugus do Brasil composto por 07 fonemas voclicos: (/a/, /e/, //, /i/, /o/, //, /u/) e 19 fonemas
consonantais: (/p/, /b/, /t/, /d/, /k/, /g/, /f/, /v/,/s/, /z/, / /, //, /m/ , /n/, //, /l/, //, /R/ e //).
43
Silva (1981) tece uma considerao importante que Lemle (2005) no estabelece. Para
Silva (1981) em nh // e em lh //, tambm ocorre uma relao biunvoca. A autora
acrescenta que, embora o segmento // tambm sofra variao fontica, sua codificao
somente representada pelas letras lh, o que justificou a sua incluso no grupo de letras com
relao biunvoca em relao aos fonemas que apresentam.
O segundo tipo de relao o de que uma letra (grafema) representa diferentes
fonemas, conforme a posio, bem como um fonema representado por diferentes letras
tambm segundo a posio (Quadro 3).
Quadro 3: Uma letra representando diferentes sons (a depender da posio).
Fonte: TEIXEIRA, 2010. Baseado em LEMLE (2005).
O terceiro tipo de relao possvel entre fonemas e letras mostra uma relao de
concorrncia, j que mais de uma letra pode servir para representar o mesmo fonema.
Nesses casos, mesmos os sujeitos com maior domnio do cdigo escrito, precisaro consultar
o dicionrio eventualmente. (MATTOS E SILVA, 1997). No Quadro 4 esto expostos
exemplos originais de Lemle (2005).
Letras que representam fones idnticos em contextos idnticos
Fone Contexto Letras Exemplos
[z] Intervoclico s
z
x
mesa
certeza
exemplo
[s] Intervoclico diante
de a, o, u
ss
s
russo
ruo
cresa
Intervoclico diante