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____________________________________________________________________________________________ ___ Programa de Estudos sobre a Esfera Pública Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas - Fundação Getúlio Vargas 1 CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO – CNPq PROJETO DE PESQUISA BOLSA DE PRODUTIVIDADE EM PESQUISA COESÃO SOCIAL, DEMOCRACIA E SEGURIDADE FUNDAMENTOS PARA A INOVAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS Profa. Dra. Sonia Fleury Observatório da Inovação Social do Programa de Estudos sobre a Esfera Pública Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas – EBAPE Fundação Getulio Vargas 2009

COESÃO SOCIAL, DEMOCRACIA E SEGURIDADE …ebape.fgv.br/sites/ebape.fgv.br/files/coesao_social_democracia... · A transição para um modelo de economia globalizada e informal está

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Programa de Estudos sobre a Esfera Pública Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas - Fundação Getúlio Vargas

1

CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E T ECNOLÓGICO –

CNPq

PROJETO DE PESQUISA

BOLSA DE PRODUTIVIDADE EM PESQUISA

COESÃO SOCIAL, DEMOCRACIA E SEGURIDADE

FUNDAMENTOS PARA A INOVAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

Profa. Dra. Sonia Fleury

Observatório da Inovação Social do Programa de Estudos sobre a Esfera Pública

Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas – EBAPE

Fundação Getulio Vargas

2009

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ÍNDICE

1. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ......................... .......................................................... 3

2. JUSTIFICATIVA DA PESQUISA ...................... ............................................................... 6

2.1 Relevância teórica e política ................................................................................................................................ 6

2.2 Acervo teórico-metodológico e bases de dados do PEEP ........................................................................... 7

3. METODOLOGIA, PRODUTOS E CRONOGRAMA ............. ............................................ 9

4. OBJETIVOS ...................................... ............................................................................ 10

4.1 Objetivo Geral ........................................................................................................................................................ 10

4. 2 Objetivos Específicos ......................................................................................................................................... 11

5. BIBLIOGRAFIA ................................... .......................................................................... 11

ANEXO 1: MARCO CONCEITUAL ......................... .......................................................... 19

A) América Latina: dilemas da coesão, democracia e governabilidade ........................................................ 19

B) Cidadania, Democracia e Atores Políticos ....................................................................................................... 27

C) Exclusão, Desrespeito, Emancipação ............................................................................................................... 34

D) Esfera Pública e Democracia ............................................................................................................................... 43

E) Em Busca de um Conceito de Inovação social ............................................................................................... 49

ANEXO 2: PESQUISAS E BANCOS DE DADOS DO PEEP ..... ...................................... 70

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PROJETO DE PESQUISA

1. Formulação do Problema

Quais são os âmbitos nos quais operam os principais processos geradores de

insegurança social? Em que espaços, portanto, é prioritário articular as respostas? O que

em cada um deles se pode fazer a partir do local? Acreditamos que uma forma adequada

de subscrever essas questões seja nos remetendo à já clássica distinção entre as esferas

econômica (produtiva), política (re-distributiva) e comunitária (de reciprocidade), como as

principais esferas da integração social (Polanyi, 1944). É em cada uma destas três

esferas onde nós - as pessoas e as comunidades - alcançamos os recursos que nos

mantêm “integrados” socialmente e, portanto, é também em cada uma delas onde podem

atuar aqueles fatores que nos situam numa posição de risco ou de exclusão social. São

exatamente as grandes mudanças ocorridas nas últimas décadas em cada um desses

três âmbitos que estão gerando novas realidades de insegurança social.

A dimensão central - ou ao menos mais evidente - da globalização é a econômica.

A transição para um modelo de economia globalizada e informal está causando impactos

importantes no mercado de trabalho, na ocupação e nas relações laborais. Hoje, palavras

como flexibilização, adaptabilidade ou mobilidade têm substituído a especialização,

estabilidade ou continuidade. Para certos setores sociais, a mudança econômica produziu

um leque de novas oportunidades impensáveis em períodos anteriores. Para outros, ao

contrário, significou a exposição a crescentes riscos de exclusão vinculados à esfera

trabalhista: trabalhos com salários muito baixos, insuficientes para ter acesso a bens

básicos como uma moradia digna, empregos de caráter temporário e precário; altamente

vulneráveis ante os vai-e-véns da economia ou as reestruturações empresariais; setores

de atividade não-cobertos por convênios coletivos; o crescente peso da economia

informal; a persistência ou a re-emergência da ameaça do desemprego de longo prazo,

tanto para pessoas adultas afetadas por processos de reestruturação empresarial como

por jovens que não dispõem das habilidades cognitivas que hoje se exige para a inserção

no mercado de trabalho formal. Em resumo, setores sociais cada vez mais extensos

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estão expostos à precariedade no trabalho ou o que é pior, em termos de Bauman

(2000), à superfluidade econômica.

Não nos parecem menos importantes as transformações que se estão produzindo

na esfera da reciprocidade interpessoal. Começando pela unidade primária de

convivência: a família, que mudou completamente de aspecto – tanto que Beck a inclui

dentro das categorias sociais que denomina “categorias zumbi” (Beck e Beck-Gernsheim,

2001). A equiparação formativa entre homens e mulheres é muito elevada, e a

incorporação da mulher no mercado de trabalho não para de crescer. Contudo as

discriminações no mercado de trabalho em relação à mulher se mantêm e a distribuição

de papéis e tarefas no interior do lar quase não se modificou, provocando tensões fortes

pela dupla jornada de trabalho e pela alteração da estrutura tradicional de organização

familiar. Mas não somente as redes familiares estão se enfraquecendo, também as redes

de tipo comunitário. Pautas tradicionais de confiança e de reciprocidade interpessoal,

constitutivas do que Putnam (2003) denominaria o capital social “que lança pontes”

(bridging), estão sendo substituídas por novos valores que exaltam a competência

individual. A individualização nos obriga a procurar “soluções biográficas a problemas

sistêmicos” (Beck e Beck-Gernsheim, 2001), perdendo-se oportunidades para a

cooperação e a solidariedade interpessoal. Da mesma forma, o enfraquecimento das

redes comunitárias afeta de forma especialmente grave os coletivos sociais mais

vulneráveis, menos autônomos individualmente e mais necessitados da “rede de

segurança” (Moreno, 2001) que a comunidade oferece. Este fenômeno é agravado pelas

permanentes formas de discriminação de populações socialmente excluídas, seja pelo

mercado, pela sociedade em geral e mesmo em serviços públicos que deveriam ser de

acesso e utilização universais.

O que acontece com a política? Neste contexto de grande transformação social, é

capaz de seguir exercendo a mesma função redistributiva que, em maior ou menor

medida, vinha desenvolvendo através do Estado de Bem-Estar

Continua tendo a mesma capacidade de integração e de representação dos

interesses coletivos? Sem pretender cair no pessimismo absoluto, são muitos os

indicadores de crise também nesta dimensão. Por um lado são evidentes os “déficits de

inclusão” de uns estados de bem-estar desbordados pelas pressões derivadas de

crescentes demandas sociais e, simultaneamente, crescentes pressões para a contenção

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do gasto público (Adelantado, 2000). A presença pública em mercados com fortes

dinâmicas segregacionistas, como o mercado da moradia, é alarmantemente escassa. A

capacidade redistributiva de algumas políticas centrais do Estado de Bem-Estar, como as

políticas educativas, se mostra muito limitada. A excessiva dependência dos sistemas de

seguridade social aos mecanismos contributivos se vê defasada pelas mudanças no

mercado de trabalho. A capacidade de reação frente a necessidades sociais emergentes

é claramente insuficiente. Por outro lado, se observa na maioria das democracias um

evidente declínio da confiança pública na forma de operar e no rendimento das

instituições representativas. Ainda que os sinais de preferências alternativas por formas

de governo não-democráticas ou autoritárias são residuais; é notório que as atitudes

públicas em relação às principais instituições das democracias representativas, como os

partidos políticos, as eleições, os parlamentos ou os governos, expressam cada vez mais

desconfiança (Pharr e Putnam, 2000; Dalton, 2004). Trata-se de um fenômeno bastante

generalizado entre todos os setores sociais, é verdade; mas também é certo que se

mostra de forma particularmente intensa entre os setores sociais mais vulneráveis, talvez

porque eles tenham motivos especiais para desconfiar da capacidade transformadora das

instituições políticas tradicionais.

Em suma, as novas inseguranças sociais procedem das mudanças que

simultaneamente estão operando nas esferas produtiva, comunitária e política. A

precariedade econômica, a individualização, o desengajamento político e o insuficiente

reconhecimento de direitos sociais são algumas de suas principais expressões (figura 1).

Fig. 1 Inseguranças sociais

Fonte: elaboração própria

Esfera econômica – de

mercado: superfluidade/

Precariedade econômica

Esfera política –

redistributiva:

desengajamento político/

não-acesso a direitos sociais

Esfera relacional- Comunitária: Individualização/ Isolamento

Inse

gura

nças

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Que tipo de impacto todos esses processos de mudança global geram na escala

local? A escala global desses processos permite imaginar respostas articuladas desde o

âmbito local? Que tipo de respostas? Protagonizadas por quem? Com quais potenciais e

com quais limitações?

Nesse contexto, como assegurar condições de governabilidade democrática e de

políticas públicas que promovam a inclusão social e a constituição de uma esfera pública

ampliada? Quais fatores determinam a constituição de novos sujeitos políticos

conscientes de sua condição de cidadania e condições inovadoras na gestão pública?

Ou, inversamente, em que condições as políticas públicas se tornam incapazes de

promover a inclusão na condição de cidadania e os serviços públicos terminam por

reproduzir discriminações que favorecem a exclusão social?

2. Justificativa da pesquisa

2.1 Relevância teórica e política

A consolidação da democracia em bases que permitam condições de

governabilidade democrática e governança depende, cada vez mais, de ações da

sociedade e do governo que promovam a ampliação da esfera pública, a inclusão social

na comunidade de cidadãos, a exigibilidade dos direitos de cidadania e construção de

novas formas institucionais para as políticas governamentais.

Essa afirmativa é cada vez mais consensual entre estudiosos e políticos da região

Latino-americana. No entanto, ela envolve conceitos e suposições de relações que ainda

requerem maior precisão conceitual e melhor formulação programática em termos de

instrumentos gerenciais e desenho de políticas públicas.

Conceitos como exclusão social, inovação e tecnologia social são ainda pouco

consistentes, embora sirvam de embasamento a estas discussões. Por outro lado,

suposições sobre as relações causais entre descentralização, poder local, inovação,

participação e inclusão social são cada vez mais freqüentes, ainda que careçam de rigor

metodológico e consistência empírica e conceitual.

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2.2 Acervo teórico-metodológico e bases de dados do PEEP

O PROGRAMA DE ESTUDOS SOBRE A ESFERA PÚBLICA – PEEP está sendo

organizado desde o ano 2000 na EBAPE/FGV, desenvolvendo conhecimentos, formando

recursos humanos e prestando assessoria a diferentes instituições em relação aos temas

desenvolvidos em suas linhas de estudos e pesquisas que são:

Reforma do Estado e Governabilidade Democrática

Políticas Sociais, Cidadania e Exclusão

Poder local

Redes de Políticas

Atores, Identidades e Estratégias Políticas

Inovação Social

O objetivo geral do Programa é identificar as transformações nas relações entre

Estado e Sociedade que fundam novas práticas orientadas à governabilidade

democrática, por meio da institucionalização de espaços públicos que garantam a

participação cidadã, plural e deliberativa.

O OBSERVATÓRIO DA INOVAÇÃO SOCIAL articula diferentes projetos do

Programa e vem sendo desenvolvido desde 2001, com o apoio institucional do

PROPESQUISA da EBAPE, do CNPq/PIBIC, do CNPq/ Ministério da Saúde, da FAPERJ

e em associação com o Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da

UFF, da Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ, além das ONG’s CRIOLA,

INESC e CEBES.

Nossos objetivos são a identificação de experiências inovadoras que permitem a

construção de uma esfera pública democrática e o desenvolvimento de uma metodologia

capaz de identificar e escalonar os fatores que viabilizam a transformação das estruturas

sociais e das relações de poder, entendendo, assim, a dinâmica criadora desde a

interação entre Estado e sociedade.

Assume-se como critério de análise e avaliação das políticas públicas a sua

capacidade de alterar as relações de poder existentes de forma a permitir a

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transformação das estruturas burocráticas do Estado e das organizações da sociedade,

em direção à construção de uma esfera pública democrática.

Em nossos estudos buscamos identificar elementos críticos que se constituem em

condição para que uma política pública possa influenciar de forma positiva na construção

de uma esfera pública democrática e emancipatória.

Como conseqüência, o grau de inovação social pode ser aferido a partir da

presença desses elementos que emergem desde a sociedade e na implementação ou

como resultado de uma política pública e de seus impactos em relação às dimensões de

integração, participação e distribuição.

Com esses objetivos foram desenvolvidas, nos últimos anos, algumas

investigações que constituem um importante acervo teórico e bancos de dados originais.

São elas:

- Avaliação da Inovação Social em Políticas Públicas: Estudo dos Programas

Favela-Bairro e Morar Legal

- Municipalização da Saúde: Inovação na Gestão e Democracia Local no Brasil

- Determinantes Sociais da Saúde: Desigualdades Injustas no Acesso e Utilização

dos Serviços de Saúde

- Constituição de Sujeitos Políticos e Cidadãos - estudo de caso das experiências:

“Nós do Morro ” do Rio de Janeiro, “Rádio Favela ” de Minas Gerais,

“Associação Quilombola de Conceição das Crioulas ” de Pernambuco e

“Banco Palmas ” do Ceará.

Ao longo dessa década temos feito um esforço conceitual de problematizar as

relações entre democracia, atores sociais, cidadania e inclusão social, políticas públicas e

gestão local. Publicamos vários artigos sobre essas temáticas em periódicos nacionais e

internacionais que constituem o marco conceitual do projeto atual (Anexo 1). Também

acumulamos no programa, diferentes Bancos de Dados, fruto das múltiplas pesquisas

que desenvolvemos nesse campo. Além de um grande Banco de Dados sobre

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municipalização da política de saúde com ênfase na inovação social, com dados

quantitativos, possuímos um acervo de entrevistas e grupos focais que cobrem as

temáticas da discriminação, exclusão e cidadania. Tais bancos de entrevistas foram fruto

das pesquisas sobre o programa Favela Bairro, sobre casos exitosos de constituição de

sujeitos políticos e a investigação sobre discriminação em hospitais públicos. (Anexo 2)

A proposta atual é de aprofundar o estudo dessas temáticas, a partir das

investigações já realizadas, utilizando a base teórica e os bancos de dados construídos a

partir dos estudos mencionados.

3. Metodologia, Produtos e Cronograma

Por se tratar de um estudo teórico conceitual a pesquisa que se propõe é de caráter

analítico, tanto em relação à bibliografia selecionada, quanto ao uso dos bancos de dados

do PEEP para construção de estudos de casos que venham a ilustrar as relações que se

pretendem exemplificar.

Portanto, não se trata de uma investigação empírica, mas sim de um estudo teórico, que,

no entanto, utilizará diferentes bases de dados, qualitativos e quantitativos, como recurso

para construção de estudos de casos que possam melhor elucidar e demonstrar as

relações conceituais e analíticas propostas.

As perguntas que pretendemos serem respondidas são:

- Quais as bases existentes para promover a coesão social e a inclusão na comunidade

de cidadãos e assegurar condições de governabilidade democrática?

- Como entender a exclusão social e sua dinâmica relacional para além de uma versão

negativa da inclusão social?

- Quais os fatores que podem ser destacados no estudo de governos locais como

promotores da inovação gerencial?

- Que características são comuns na trajetória de sujeitos políticos que se emancipam da

condição de exclusão social?

- em que medida políticas públicas de combate à exclusão atendem às expectativas dos

seus usuários em relação à construção de cidadania?

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Neste sentido, pretende-se nos próximos três anos, realizar as seguintes atividades e

apresentar os seguintes produtos:

- 1º. Semestre – levantamento bibliográfico e organização das bases de dados, com a

divulgação parcial destes resultados na página web do PEEP;

- 2º. Semestre – Estudo das condições de governabilidade democrática e coesão social

na América Latina, com produção de um artigo sobre o tema;

-3º. Semestre – Estudo sobre coesão e exclusão social e aplicação da discussão sobre

exclusão em análise dos dados sobre discriminação de usuários em serviços públicos do

PEEP, com produção de um artigo;

- 4º. Semestre – Aplicação da discussão sobre governabilidade democrática a partir dos

dados produzidos sobre poder local e inovação gerencial em saúde, com produção de um

artigo;

- 5º. Semestre – Estudo sobre constituição de sujeitos políticos e inclusão social a partir

da percepção de usuários de políticas públicas como favela-bairro, produção de um artigo

e estudo sobre constituição de sujeitos políticos a partir de experiência exitosas do banco

de dados do PEEP, com produção de um artigo.

- 6º. Semestre – redação do relatório final para publicação em livro.

4. Objetivos

4.1 Objetivo Geral

Produzir uma reflexão teórica sobre as possibilidades e limites das condições

atuais da democracia no país e da implementação de políticas públicas inovadoras

gerarem coesão social a partir da constituição de sujeitos políticos incluídos na condição

de cidadania.

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4. 2 Objetivos Específicos

A) Revisar a literatura sobre as características da democracia, em especial na

América Latina, em suas formas representativa, participativa e deliberativa;

B) Precisar o conceito de Inovação Social e identificar na literatura as relações entre

políticas públicas, inovação social, poder local e constituição de sujeitos políticos;

C) Utilizar as bases de dados do PEEP/ Observatório da Inovação Social para

demonstrar, a partir de estudos de casos as dimensões dos conceitos acima

mencionados, bem como os fatores que, em cada caso, favoreceram relações

virtuosas entre políticas públicas e construção de uma esfera pública ampliada.

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ANEXO 1: Marco Conceitual

A) América Latina: dilemas da coesão, democ racia e governabilidade

Na América Latina, o tema da coesão social tem sido fortemente impulsionado

pela CEPAL, a partir de uma revisão da sua ênfase inicial na modernização produtiva

como eixo decisivo de articulação entre o crescimento econômico e a integração social.

Segundo seu dirigente Machinea (2007:23) o novo marco prolonga a vocação secular da

instituição na busca de sinergias positivas entre crescimento econômico e equidade

social, dando agora maior ênfase à melhoria da competitividade e ao fortalecimento da

democracia política participativa e inclusiva. Considera, outrossim, a proteção social como

um direito básico de pertencimento à sociedade, e propõe um pacto social de proteção

regido pelos princípios de universalidade, solidariedade e eficiência.

Colocando ênfase na condição de cidadania como parte do desenvolvimento com

direitos, a CEPAL (2006:10) identifica a pobreza como uma condição que vai além do

nível socioeconômico e de falta de acesso mínimo ao suprimento das necessidades

básicas. Assim, afirmando que ser pobre ou excluído é, sobretudo, carência de cidadania

ou condição pré-cidadã, na medida em que se nega a titularidade de direitos sociais e de

participação.

A ênfase colocada em aspectos pragmáticos como o acordo fiscal que permita

viabilizar a proteção social e reduzir a pobreza na região é relativizada por Sorj e

Martuccelli (2008) que criticam a visão unilateral que vem sendo dada aos aspectos

redistributivos na discussão da coesão social na região. Estes autores reivindicam a

necessidade de compreender a natureza da coesão social partindo de contextos e

condições de vida específicos, afirmando que os indivíduos “inclusive (em condições) de

pobreza e de limitadas oportunidades de vida, são produtores de sentido e de estratégias

e de formas de solidariedade inovadoras, que não estão inscritas a priori na história ou

nas estruturas sociais, embora obviamente sejam influenciadas por elas (Sorj e

Martuccelli 2008:2).

A constatação de que houve um intenso processo de diferenciação dos atores

sociais é percebida por estes autores como um indicador da profunda democratização da

sociedade, com ampliação do campo de ação individual, permitindo aos cidadãos

elaborarem expectativas e crescentes demandas de igualdade e passarem a interagir de

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forma diferente com as instituições. Ao contrário de perceberem estas mudanças como

uma ameaça à coesão social, o estudo procura encontrar as novas formas emergentes

de coesão social, para além dos marcos nos quais ela foi tradicionalmente pensada na

região, quais sejam: o laço social; as mobilizações coletivas; as normas e o direito; o

Estado e a nação.

As conclusões a que chegam Sorj e Martuccelli são que a América Latina viveu

recentemente um processo sem precedentes de democratização, assegurando uma

profunda transformação da sociedade, cuja maior individualização e autonomia de ação

dos sujeitos serão as bases de construção de novas dinâmicas culturais e sociais de

sociabilidade e coesão social. No entanto, a ausência de transformações similares no

Estado e na economia gera uma tensão democratizadora constante que se expressa

como um recurso renovado ao direito e uma demanda crescente, em especial por parte

das classes médias, pela democratização do Estado a serviço do bem público em contra

das transgressões patrimonialistas. Ainda com relação à necessidade de transformação

do Estado, o estudo conclui:

“aqui se encontra o desafio central dos processos de coesão social nas sociedades

latino-americanas contemporâneas: à medida que o social, cada vez mais penetrado pelo

mercado, não se sustenta mais nos laços sociais de dependência, favoritismo,

paternalismo, hierarquia, o Estado deve assumir o papel de fiador do pacto social entre

cidadãos livres e iguais, através da imposição da lei e da proteção social”...

Mas também insiste em que os novos desafios que estes devem enfrentar hoje em dia

em termos de liberdades, de políticas ou de regulamentação econômica supõem uma

transição na qual progressivamente se deve passar de uma lógica exclusiva de

participação ou de representação para uma lógica generalizada do acesso aos serviços

públicos, bens de consumo e inclusão simbólica. (Sorj e Matuccelli, 2008: 3 e 12)

A preocupação de não reduzir a discussão da coesão a esquemas simplistas, nos

quais passa a haver um uso indiscriminado da expressão exclusão social vinculando-a, no

caso das economias emergentes, com a pobreza é também observada por Calderón

(2007), para quem é necessário refletir sobre as novas condições socioculturais da

democracia e do desenvolvimento na globalização. O autor assinala que a globalização

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vem gerando assimetrias nos padrões de inclusão e exclusão, tanto simbólicas como

materiais, com movimentos contraditórios entre dinâmicas democráticas de inclusão

política e tendências econômicas que levam à maior exclusão. Além disso, chama

atenção para a existência de maior complexificação dos sistemas de inclusão e exclusão

social, com a crescente diferenciação dos sujeitos e o aumento de demandas por

reconhecimento e promoção da diversidade. Outro ponto de destaque é o fato da

migração que reforça os padrões de exclusão social e acentua a cultura das

desigualdades.

A preocupação crescente dos organismos internacionais com o tema da coesão é

explicada em artigo de Hopenhayn (2007) que aponta as apreensões existentes em

relação à ameaças atuais à coesão por processos globais que impactam as realidades

nacionais. O autor destaca como aspectos relevantes que colocam ameaças à coesão

social:

1- A dificuldade de alcançar taxas de crescimento necessárias a assegurar recursos

para o bem-estar social e a volatilidade deste crescimento, que termina por ser

regressiva em termos distributivos;

2- As restrições no mundo do trabalho para atuar como eixo de integração e inclusão

social;

3- A dissociação entre ativos materiais e simbólicos que se traduz em outras

assimetrias, com, por exemplo, mais educação maior consumo de meios de

comunicação e menos emprego;

4- A negação do outro como marca secular da cidadania incompleta;

5- As mudanças culturais que promovem maior individuação, mas que não está claro

como recriam os vínculos sociais;

6- A maior complexidade e fragmentação no mapa dos atores sociais torna mais

difusa a confluência em aspirações comum;

7- Menor clareza a respeito da ordem simbólica, o que implica em menor certeza a

respeito das normas mínimas de sociabilidade.

8- A brecha entre o de jure e o de fato, ou entre a titularidade formal de direitos e a

ineficácia do sistema judicial ou das políticas públicas.

Estas preocupações, ainda que justas, parecem estar eivadas do pessimismo das

análises em que Bauman (1998) caracterizou o mal-estar da pós-modernidade afirmando

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que se bem todas as sociedades produzam estranhos, na sociedade moderna houve

duas estratégias de enfrentamento desta questão, reconstruindo a ordem social:

assimilando-s ou excluindo-os. No entanto, na pós-modernidade houve um aumento da

incerteza, gerado por fenômenos como a desordem do mundo, a desregulamentação

universal, a desintegração das redes tradicionais de proteção e as transformações das

relações entre o mundo material e simbólico, com predomínio do último.

“a diferença essencial entre as modalidades socialmente produzidas de estranhos

modernos e pós-modernos, pelos motivos acima relacionados, é que, enquanto os

estranhos modernos tinham a marca do gado da aniquilação, e serviam como marcas

divisórias para a fronteira em progressão da ordem a ser constituída, os pós-modernos,

alegres ou relutantemente, mas por consenso unânime ou por resignação, estão aqui

para ficar”. (Bauman, 1998)

Frente ao pessimismo da constatação de profundas transformações que ameaçam

ainda mais as possibilidades de coesão na região, a resposta encontrada tem sido

enfatizar a possibilidade de potencializar os atores políticos e socioeconômicos que sejam

capazes de reconstruir um projeto de desenvolvimento humano com crescente inclusão

social. Essa alternativa é defendida por Calderón (2007:53) em termos da razão

comunicativa de Habermas:

“La idea de la democracia de ciudadanas y ciudadanos está asociada a la renovación de

la política, a una democracia de lo público y a una sociedad deliberativa; en definitiva,

supone un retorno a la idea republicana de espacio pública como bien común.”

Ainda que a construção teórica de Habermas afaste-se da noção de consenso

como integração normativa presente em Durkheim, sua postura consensualista em

relação às regras não leva em conta os problemas de fragmentação e conflitos de

interesses que estão presentes na esfera pública pluralista e que ameaçam os

imprescindíveis acordos procedimentais.

De todas as maneiras, o reconhecimento de que a democracia não pode ser

reduzida apenas a um regime político parece ser a indicação mais importante da

constatação das dificuldades atuais de convivência de regime democráticos em

sociedades com persistência de culturas autoritárias, políticas excludentes e de Estados

patrimoniais.

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O entendimento atual é de que a governabilidade democrática dependerá da

capacidade de inclusão dos indivíduos na comunidade política dos cidadãos, fundada em

uma cultura de solidariedade e um uma institucionalidade que assegure a exigibilidade

dos direitos e redução das desigualdades impostas pelo mercado.

O lançamento do Relatório de 2004 do PNUD- Programa das Nações Unidas para

o Desenvolvimento sobre a Democracia na América Latina sobre A Democracia na

América Latina representa um grande esforço para estabelecer um marco teórico comum

e levantar informações que nos permitam analisar a situação política e social na região,

definindo um conjunto de indicadores para comparar as condições de desenvolvimento

da democracia na região. O relatório do PNUD contribui para lançar luz sobre uma

possível resposta à pergunta que nos parece crucial: é a democracia compatível com a

exclusão social?

Considerando que a região está vivendo sob regime democrático há cerca de 30

anos, o informe das Nações Unidas faz um balanço deste período e conclui que hoje se

reconhece o direito universal ao voto, sem restrições; as reformas estruturais da

economia tiveram aplicação sustentável; o PIB médio per capita não variou

significativamente; os níveis de pobreza tiveram uma redução mínima em termos

relativos, enquanto o número absoluto de pobres cresceu significativamente; a

desigualdade na região aumentou; também aumentaram a insegurança no trabalho, o

desemprego e a informalidade, e consequentemente, reduziu-se a proteção social.

Todos estes dados nos levam a responder afirmativamente à pergunta colocada

anteriormente, isto é, sustentamos que a democracia foi compatível com a e xclusão

social neste último quarto de século em nossa regiã o. Poderíamos mesmo hipotetizar

que a instauração dos regimes democráticos e a canalização das demandas sociais para

os canais de representação e as arenas parlamentares, reduziu os riscos de convulsão

social e crises de ingovernabilidade, impossíveis de seguirem sendo controlados

exclusivamente pelos mecanismos repressivos que caracterizaram as ditaduras dos anos

70 e 80.

Apesar do regime democrático não ter gerado condições mais igualitárias na

região, especialmente em um período em que se reduziu a participação estatal e se

fomentou a economia de mercado, tanto a democracia como a economia de mercado são

vistos, pela população, como condições imprescindíveis para que os países possam se

desenvolver (conforme séries do Latinobarômetro). No entanto, estas atitudes favoráveis

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à democracia e à economia de mercado, não garantem coerência nas percepções e

comportamentos que assegurem a sua sustentabilidade, já que, predominam percepções

e atitudes que mostram a vulnerabilidade da democracia, tais como desconfiança, medo

do desemprego, indiferença em relação ao regime, redução da confiança no conjunto de

instituições, baixos índices de confiança e aprovação dos governos vistos, na maioria das

vezes, como corruptos, além de baixos níveis de satisfação com a democracia. Neste

sentido, as ameaças à governabilidade democrática seguem presentes no cenário latino-

americano, recolocando a discussão sobre a democracia desde o prisma da

governabilidade. Em outros termos, é a presença de ameaças à governabilidade que

recoloca e faz aprofundar a discussão sobre a democracia na região, superando o

entendimento da democracia como mero regime democrático que garante eleições

periódicas competitivas para os cargos de governo.

Uma boa parte dos analistas atribuem à fragilidade da arquitetura político-

institucional - em especial a ausência do Estado de Direito e as debilidades do sistema

partidário e ao funcionamento precário do parlamento - o déficit que ameaça a

governabilidade na região. Para estes autores a ingovernabilidade é uma decorrência da

institucionalização da democracia. As explicações para a permanente crise de

governabilidade na região atribuem à combinação do regime presidencialista com um

sistema partidário altamente fragmentado e com baixa identidade ideológica, o que

resulta em um modelo de um instável presidencialismo de coalizões. O principal problema

destas análises é a redução da problemática da governabilidade ao encaminhamento de

uma reforma política que conduza ao parlamentarismo e a restrição ao funcionamento

dos pequenos partidos. A simplificação da questão deixa de lado as origens dos

problemas, situadas no âmbito da preservação e acomodação das relações de poder

entre as oligarquias políticas e econômicas, garantindo a estabilidade da vigência de sua

condição de mando a partir de processos de barganha e troca de favores, que

descaracterizam os partidos e instabilizam o poder executivo.

A identificação da democracia como o estado democrático de direito – democratic

rule of law – é defendida por Guillermo O’Donnell (2001:69) no documento que embasou

o estudo do PNUD, incluindo no Estado de Direito, que garante a igualdade diante da lei,

as relações entre Estado e cidadãos e entre os próprios cidadãos e uma rede completa

de prestação de contas dos que exercem o poder.

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O coração da democracia residiria na extensão dos direitos civis e na efetividade

da legalidade estatal em difundir-se igualmente sobre o território nacional. Para O’Donnell

(2002), em muitas das democracias latino-americanas persistem áreas “marrons”, às

quais a legalidade do estado não chega a alcançar, prevalecendo aí relações de poder

personalistas, patrimoniais e mafiosas. Nestes casos, o Estado seria territorialmente

evanescente e as burocracias colonizadas por interesses privados.

No momento em que a existência de regimes democráticos, com sistemas

eleitorais competitivos e formas institucionalizadas de representação não parece garantir

condições de governabilidade na região, o debate teve que incorporar outros atributos da

democracia, seja em relação à cultura política, seja em relação à institucionalidade e

funcionamento estatal. Neste sentido, são apontados os déficits de “estatalidade” e a

permanente subordinação da burocrática republicana à lógica patrimonial e clientelista

como responsáveis pela não democratização do Estado, gerando a persistência de

fenômenos como a corrupção e a inefetividade das políticas públicas.

Retomando a questão inicialmente colocada, sobre a compatibilização entre

democracia e exclusão social, podemos agora aprofun dar nossa análise e afirmar

que esta compatibilização é possível, sempre e quan do, restringimos a democracia

a um regime democrático, mesmo que com eleições per iódicas e

institucionalizadas, relativamente livres, para o a cesso às principais posições

governamentais. Nesta concepção, os direitos de par ticipação se identificariam

com os mecanismos de representação.

Ao apontar a persistência de um modelo econômico excludente como o fator

central para a fragilização das instituições democráticas, especialistas sustentam que, no

caso da América Latina, cujo desenvolvimento econômico e social tem como traço mais

notório precisamente o elevado nível de desigualdade e exclusão, a gobernabilidade

democrática não pode separar-se da busca de soluções para a inclusão social e a

redução das desigualdades. A criação de mecanismos de integração social, definida por

Calderón (1995) como “a capacidade da sociedade para construir cidadania ativa,

eliminar as barreiras discriminatórias no mercado e diseminar uma cultura de

solidaridade” - é novamente reposta no cenário político e requer um outro tipo de

institucionalidade para a democracia.

Segundo O’Donnell (2002) no documento que serviu de base teórica para o

Relatório do PNUD 2004, o cidadão deve ser visto como um agente, isto é um ser

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autônomo, razoável e responsável, que goza de dois tipos de direitos. São eles: direitos

que são liberdades, tais como associação, expressão, acesso à informação, e direitos

de participação, entendida como eleger e eventualmente ser eleito para posições de

governo. Já para nós, a cidadania, entendida como dimensão pública dos indivíduos,

pressupõe um modelo de integração e de sociabilidade, que transcende os interesses

egoístas do indivíduo no mercado, em direção a uma atitude generosa e solidária.

A cidadania deve ser concebida como construção de sujeitos políticos em um

paradoxal processo de inserção em uma comunidade política ao mesmo tempo em que

construção de autonomia ativa, definida por Oliveira (2001) como o gozo da plena

capacidade de intervir nos negócios da sociedade. Longe da passiva visão do cidadão

como portador autônomo de direitos, capaz de fazer opções racionais, pensamos o

cidadão como parte de um coletivo em construção, sendo sua autonomia a capacidade

de forjar as soluções e opções sociais.

Esta concepção de cidadania entende que é necessário pensar a democracia

desde outro paradigma, que se centra na expansão da esfera pública e na construção de

um novo pacto de poder. Em outro momento afirmei:

“el problema central de gobernabilidad en América Latina esta fundamentado en la

convivencia paradójica entre una orden jurídica y política basada en el principio de

igualdad básica entre los ciudadanos y la preservación simultánea del mayor nivel de

desigualdad en el acceso a la distribución de riquezas y a los bienes públicos. La

pérdida de legitimidad del pacto corporativo y de los actores tradicionales vinculados al

Estado desarrollista requiere la construcción de un nuevo pacto de poder que contemple

las transformaciones que se procesaron con el adensamiento reciente del tejido social y

sea capaz de incorporar, plenamente, a aquellos que hoy se encuentran excluidos. Sin

embargo, las posibilidades de generar estrategias de institucionalización del poder y

cohesión social están determinadas por la reducción del poder del Estado y por la

inserción de estas sociedades en una economía globalizada, profundizando la disyuntiva

entre economía/política, estado/nación.” (Fleury, 2003)

A possibilidade de expansão da esfera pública e de construção de um novo bloco

de poder requer e exige um novo modelo de democracia, que vá além do

aprofundamento da democracia representativa, em direção a um modelo de democracia

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deliberativa e de reconstrução do Estado que permita a inclusão dos interesses excluídos

ate agora, por meio de processos de co-gestão social.

Nossa tese é que a construção da democracia na regi ão introduz a

reivindicação cidadã de um direito de quinta geraçã o (para além dos direitos civis,

políticos, sociais e difusos), que corresponde à de manda por uma gestão

deliberativa das políticas públicas, em especial, d as políticas sociais.

Neste sentido, diferimos daqueles que vêem os direitos sociais como resultantes

da expansão dos direitos civis e políticos e entendemos que na América Latina, são as

lutas pelos direitos sociais que estruturam as identidades dos sujeitos políticos,

transformam a institucionalidade estatal e introduzem modalidades democráticas

inovadoras, especialmente ao nível local.

Até o momento desconhecemos os mecanismos requeridos para que se construa

um novo desenho institucional do Estado que permita a articulação desta nova realidade

do poder local em um pacto político que garanta a governabilidade do Estado nacional e

fortaleça sua posição nos fóruns supranacionais.

A busca de uma nova institucionalidade para a democracia, que seja capaz de

atender conjuntamente aos princípios de reconhecimento, participação e redistribuição

(Fraser,2001) marca o momento atual. Trata-se de uma articulação entre inovação social

e inovação institucional que permitiria a construção de uma nova institucionalidade para a

democracia.

Mais do que um conjunto de regras, a democracia implica o reconhecimento do

outro, a inclusão de todos os cidadãos em uma comunidade política, a promoção da

participação ativa e o combate à toda forma de exclusão. Enfim, a democracia requer o

primado de um principio de justiça social, além de sujeitos políticos e instituições. A

opção por uma democracia concertada em torno a consensos estratégicos, onde as

políticas sejam negociadas com os diferentes atores sociais envolvidos no processo e

cujos interesses serão afetados é recomendada em situações de alta complexidade,

envolvendo fortes expectativas e interesses altamente contraditórios, em especial em

sociedades com elevado grau de fragmentação social e econômica.

B) Cidadania, Democracia e Atores Políticos

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A idéia do sujeito pleno como aquele que reclama o controle sobre sua vida não

subsume a autonomia ao individualismo, pois a transcendência do sujeito se baseia em

suas características de universalidade e diversidade, além de dignidade e capacidade.

Neste sentido, a construção da subjetividade se dá dentro das normas vigentes, que

definem parâmetros sociais de dignidade e se aplicam sobre a vida individual e coletiva.

O sujeito é, pois, parte de um mundo social baseado em regras de conduta morais e

legais que organizam as relações de poder.

Guendel (2007) chama atenção para o fato de que o sujeito é parte de um entorno

político e, portanto, pode participar do exercício, produção e legitimação de suas regras.

Mas, mais importante ainda, as regras só são legitimadas com o acordo social, o que

pressupõe a existência dos sujeitos. A legitimação do exercício do poder político vai

encontrar no desenvolvimento do conceito de cidadania a mediação necessária que

resgata a comunidade política, gerando possibilidades de coesão e integração sociais

(Fleury, 1994), ameaçadas pela fragmentação inerente ao individualismo. No entanto, a

existência de diferenças e conflitos sociais em uma comunidade política de cidadãos,

onde a norma estabelece as condições de igualdade e inclusão, dá lugar às disputas pela

boa ordem.

Entendendo a divisão do trabalho e a configuração do poder político como

repartições pré-simbólicas, Landi (1981) chama atenção para a disputa de regimes de

verdades que se dá em torno de enunciados e significados, um conflito por diferentes

propostas de boa ordem. É no interior destas disputas que o indivíduo se constitui como

sujeito, construindo sua identidade social e política por meio da apropriação de

significantes, através de suas relações colaterais com outros significantes, já que os

significados não pré-existem às disputas por hegemonia.

A noção de sujeitos como cidadãos, ou portadores de direitos implicaria, na

concepção hegeliana, no reconhecimento de uma singularidade individualizada em um

universal ou “outro generalizado”, reproduzindo, nesta perspectiva normativa, a relação

entre reconhecimento da individualidade como parte do reconhecimento de outros

membros da coletividade na mesma condição de portadores de direitos.

Nas palavras de Honneth (2003:182),

“visto que desse modo uma disposição para a obediência de normas jurídicas

só pode ser esperada dos parceiros de interação quando eles puderem assentir

a elas, em princípio como seres livres e iguais, migra para a relação de

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reconhecimento do direito uma nova forma de reciprocidade, altamente

exigente: obedecendo à mesma lei, os sujeitos de direito se reconhecem

reciprocamente como pessoas capazes de decidir com autonomia individual

sobre normas morais”.

A tensionalidade entre a regulação normativa necessária à igualação jurídica na

condição de cidadania e o respeito à diferença é inerente à democracia moderna, em

outras palavras, a democracia deve combinar a garantia da igualdade de direitos dos

cidadãos com o respeito à diferença dos indivíduos. Seguindo a Tocqueville (1977), a

democracia tem sido vista como a resistência ao domínio crescente do poder social sobre

a personalidade e a cultura. Esta afirmação é fruto da capacidade dos indivíduos se

associarem na defesa de seus interesses, constituindo-se como atores políticos.

Tourraine (1996:23) designa “por sujeito a construção do indivíduo (ou grupo)

como ator, através da associação de sua liberdade afirmada com sua experiência de vida

assumida e reinterpretada”. Para a teoria do ator, o sujeito que resiste “afirma-se ao

mesmo tempo por seu particularismo e seu desejo de liberdade, isto é, pela criação de si

mesmo como ator, capaz de transformar seu meio ambiente” (Tourraine, 1996:24).

Uma cultura democrática combinaria unidade e diversidade, liberdade e

integração. Enquanto a cidadania implica a unidade generalizante e a integração na

totalidade, a construção do sujeito é uma afirmação da diversidade e da sua liberdade de

criação. A cidadania implica a filiação a uma cultura, o compartilhamento de valores e

normas, assim como a legitimação e subordinação ao poder Estatal que afiança o

universalismo dos direitos.

Portanto, para a teoria do ator proposta por Tourraine, a democracia deve

combinar um princípio de individualidade (liberdade), com um princípio de particularismo

(cultura) e um princípio universalista (razão).

Os conflitos inerentes às tensões entre estes três princípios, que haviam sido

acomodados por meio da expansão da cidadania com seus instrumentos de

representação (sistema eleitoral e partidário) e de distribuição (Welfare State), no ciclo

virtuoso do capitalismo organizado por meio de políticas públicas, voltaram a mostrar seu

vigor e antagonismos nos anos mais recentes.

Por um lado, a individualização se vê ameaçada pelos poderes normalizador e

moralizador, exercidos pelo Estado e ampliados pelo crescente papel da mídia; por outro

lado, o crescimento dos particularismos culturais na definição das identidades impede

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tanto a generalização dos direitos quanto a liberdade de escolha entre identidades

competitivas. Por fim, a exacerbação do individualismo como um padrão de consumo

impede a transcendência necessária à constituição de sujeitos e restringe a ação

universalizadora das políticas.

A questão da identidade dos indivíduos passa a ser central na discussão atual da

teoria social, face à hegemonia da concepção liberal que reduz a dimensão libertária ao

individualismo, e, também, pela força da corrente comunitarista, que atribui a uma

característica ou tradição grupal o poder de definição de identidades.

Muitos autores e militantes têm defendido a liberdade do sujeito de construção de sua

identidade, frente à força das tradições comunitárias (Sen, 2005; Tourraine, 1996; Young,

2000). Por outro lado, também alertam para a fragmentação inerente à valorização dos

particularismos e a formação de poderes comunitários que ameacem a unidade nacional.

Em relação à questão da relação entre identidade e grupos sociais, Young (2000)

é enfática na crítica àqueles que, com uma visão essencialista, reduzem as diferenças de

grupos a identidades, desconsiderando as diferenças no seu interior, bem como as

determinações estruturais. Em termos relacionais, propõe que um grupo seja visto como

constituído menos por uma série de atributos que seus membros partilham do que pelas

relações nas quais eles se posicionam frente uns aos outros e ao mundo. Ou seja, em

uma concepção mais estrutural que cultural, “um grupo social é a coleção de pessoas

que está similarmente posicionada em relações interativas e institucionais que

condicionam suas oportunidades e perspectivas de vida” (Young, 2000:97).

A construção de identidades é um processo que depende destas posições, pois os

indivíduos as constroem em condições que permitem ou constrangem suas

possibilidades de ação. Mas, estes constrangimentos funcionam como um marco, não

determinando integralmente as identidades individuais, pois, se bem os sujeitos são

condicionados por sua posição na estrutura das relações sociais, eles também são

agentes de seu próprio devir, enfrentando-se com estas possibilidades e

condicionalidades para traçar o seu curso de ação.

Amartya Sen (2005) inclui a liberdade cultural dentro da lista de capacidades dos

seres humanos e defende que a identidade cultural seja apenas uma das muitas

identidades, não sendo mesmo nem única nem homogênea. A identidade não é um

objeto de descoberta, mas de escolha, ainda que em alguns casos os constrangimentos

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limitem muito o campo destas escolhas. Mesmo assim, uma sociedade democrática deve

resistir à imposição de identidades.

A tensa combinação entre igualdade e diferenças na democracia é assinalada por

Tourraine (1996:26) ao defender que a igualdade, para ser democrática, deve assegurar

o direito de cada um escolher e governar sua própria existência, o direito à individuação

contra todas as pressões em favor da “moralização” e da normalização.

O risco de o comunitarismo ameaçar a unidade nacional é tratado por Kymlicka e

Norman (1997) já que a cidadania requer a existência de um vínculo a uma comunidade

nacional, sobrepondo-se aos vínculos e associações particulares. A valorização das

diferenças e particularismos ameaçaria a democracia na medida em que os direitos

especiais se colocassem como direitos de autogoverno, mas não nos casos de

reivindicação de direitos especiais de representação e de multiculturalidade, já que, nos

dois últimos casos, trata-se de reparações temporárias que não se pretendem instituir

como poder.

A combinação das liberdades dos indivíduos e coletividades com a unidade da

atividade econômica e das regras jurídicas é o desafio institucional e cultural da

democracia.

A gestão das diferenças constitui-se no centro da vida política: “toda atividade

democrática consiste em delimitar o campo do que deve ser igual e o que pode seguir

sendo desigual” (Fitoussi e Rosavallon, 2003:213).

A cidadania como concepção igualitária e normalização dos indivíduos tem na

dimensão jurídica um ponto central, que se sobrepõe às demais dimensões como a

subjetivação, civismo e a comunidade de cidadãos. A hipertrofia da normalização e

igualação na cidadania encontra no direito sua expressão mais positiva, já que ela borra

as diferenças e se sobrepõe aos conflitos. O estado tende a criar e manter certo tipo de

civilização e de cidadão, fazendo desaparecer certas atitudes e costumes e difundindo

outras, o que, para Gramsci (1971:160) atribui ao Estado o papel de educador, sendo um

instrumento de racionalização da vida social e de punição das transgressões. No entanto,

a hegemonia se constrói na base dos consensos e na redução do uso punitivo das

normas legais, no papel educador de difusão de cultura e modos de vida.

A igualdade garantida pelo direito como parte da construção da cidadania requerer

a existência de mecanismos miúdos, micropoderes assimétricos e inigualitários,

cotidianos e físicos, que Foucault (1977:195) denominou como disciplinas: “as disciplinas

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reais e corporais constituíram-se como o subsolo das liberdades formais e jurídicas...

aparentemente um infradireito” No entanto, ele prefere qualificá-las como um

contradireito, já que se situam na esfera do privado, fora das relações contratuais que

definem a modernidade. Foucault (1977) vai mais além ao afirmar que o indivíduo é uma

realidade fabricada pelo tipo específico de tecnologia do poder que ele chamou disciplina.

Para Santos (1994) a tensão permanente entre a subjetividade dos agentes sociais

e o poder regulador do Estado é constante, embora sua dinâmica caracterize diferentes

fases da modernidade capitalista. Esta tensão é mediada pela cidadania, que, de um lado

reduz o poder do Estado e, de outro lado, universaliza e iguala os indivíduos, permitindo

maior controle social. Ao mesmo tempo em que a igualdade da cidadania enriquece a

subjetividade, ela tendeu a fortalecer o poder nomalizador do Estado do Bem-Estar, em

detrimento do reconhecimento e aceitação das singularidades. Mais ainda, a igualdade

proposta pela cidadania para a esfera pública não se transmitiu às esferas da produção e

da reprodução, a empresa e a família, considerados universos privados e,

intrinsecamente, desiguais.

A hipertrofia do mercado nos dias atuais leva a uma subjetivação sem cidadania,

sobrepondo os interesses narcísicos, individuais e de consumo às demanda e

necessidades coletivas, mas, para Santos (1994), tiveram o papel de resgatar o caráter

emancipatório da cidadania como afirmação de subjetividades e lutas contra a opressão.

O surgimento de novos atores políticos que tomam o lugar que a classe operária ocupara

na luta contra as desigualdades dá lugar a uma esfera política plural e descentrada, com

movimentos sociais que constroem novas subjetividades em base a singularidades e

reivindicam direitos de reconhecimento e cidadania.

A situação atual na pós-modernidade é representada pela crescente distancia

entre a produção e a reprodução, sendo o lugar central atribuído pela sociologia clássica

à racionalização, princípio secular e não estatal da unidade social, deslocado pelo da

liberação da capacidade criativa. (Tourraine, 1996:39) Este deslocamento implicaria na

crise estrutural da legitimação política nas sociedades atuais, onde o princípio da

racionalização encontra-se restringido à esfera da produção, enquanto outros princípios

competem pela organização da vida social.

A esfera pública democrática, como ordem simbólica relacional, é o espaço em

que os sujeitos assim constituídos afirmam sua identidade e trocam significados que dão

sentido e direção à suas ações. A igualdade requerida na esfera pública é politicamente

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construída, já que na natureza humana o que encontramos é a diferença (Arendt,

1993:227).

A cidadania, hipótese jurídico-política igualitária inscrita como possibilidade na natureza

do estado moderno, foi a mediação mais importante na reconstituição da totalidade

(comunidade) necessária à integração social (Fleury, 1994:45). Tal mediação -

juntamente com o sistema de representação - e as instituições a que deram origem

conformaram a engenharia institucional democrática, materializando a emergência de

uma esfera social que Habermas (1984:177) denominou repolitizada, ou Estado-social,

onde as instituições estatais e sociais se sintetizam em um único complexo

indiferenciado. Este fenômeno nos remeteria à dissolução da divisão liberal

público/privado, Estado/sociedade civil.

No entanto, estas dicotomias só se superam, sem escamotear as diferenciações

se nos encaminhamos em direção à concepção de Estado ampliado (Buci-Gluksmann,

1980:98), já que esta não elude a questão dos conflitos de poder e de suas origens

materiais. Em outros termos Gramscianos, a hegemonia não só não exclui como requer

a dominação e a coerção.

Para além de seus determinantes materiais os processos de inclusão e de

exclusão fundam-se em uma dimensão simbólica, ou civilizatória. Por meio desta,

definem-se e reproduzem-se as regras e rituais de inclusão/exclusão, em uma

comunidade político/jurídica (de cidadãos), mas que é, fundamentalmente, uma

comunidade de sentidos (Fleury 1998:82).

A equalização político-jurídica alcançada com a aquisição do status da cidadania

confere um fundamento legítimo ao exercício do poder, ao mesmo tempo em que nega

as clivagens sociais e os atores coletivos, absolutizando o indivíduo como o portador

material dos direitos e deveres da cidadania.

No entanto, este efeito de obscurecimento da dinâmica conflituosa em uma

sociedade de classes é reposto, a cada momento, pela impossibilidade de

concretização da igualdade pressuposta na cidadania, contradição que será o núcleo

central que anima a dinâmica social e reivindica uma nova institucionalidade

democrática para o Estado.

No entanto, a cidadania, como qualquer outro sistema classificatório implica um

critério de inclusão que deve ser visto também como um critério de exclusão, já que os

critérios que definem a inclusão na comunidade política e de direitos são, ao mesmo

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tempo, aqueles que sancionam as normas de exclusão. Enquanto outros critérios

classificatórios têm pouco impacto em relação à distribuição do poder, a cidadania é um

sistema de classificação que implica a questão do poder e, portanto, gera problema de

exclusão e déficits de justiça.

A construção de uma identidade comum, sobrepujando as diferenças, não está

isenta de sua diferenciação em relação a outros grupos sociais, gerando um sistema de

privilégios para aqueles que foram incluídos em tal comunidade, politicamente

construída.

C) Exclusão, Desrespeito, Emancipação

A exclusão se refere à não incorporação de uma parte significativa da população à

comunidade social e política, negando sistematicamente seus direitos de cidadania –

destituindo-a de direitos ou envolvendo a desigualdade de tratamento ante a lei e as

instituições públicas - e impedindo seu acesso à riqueza produzida no país.

De uma forma mais profunda, a exclusão implica a construção de uma

normatividade que separa os indivíduos, impedindo sua participação na esfera pública.

Trata-se de um processo relacional e cultural que regula a diferença como condição de

não inclusão, apresentando também uma manifestação territorial, seja como gueto ou

favela.

Esta fratura socio-política, que se manifesta na convivência em uma mesma

sociedade de uma dupla institucionalidade- uma democrática e outra excludente - impede

a constituição das dimensões nacional, republicana e democrática, retirando legitimidade

ao exercício do poder e restringindo a esfera pública (Fleury, 2002).

Grande parte dos estudos econômicos e políticos tem se dedicado à questão da

pobreza, tratando-a como uma questão de desigualdade, sem distinguí-la analiticamente

da exclusão. No entanto, Boaventura de Souza Santos sublinha a diferença entre

desigualdade e exclusão:

"Se a desigualdade é um fenômeno socio-econômico, a exclusão é, sobretudo,

um fenômeno cultural e social, um fenômeno de civilização. Trata-se de um

processo histórico através do qual uma cultura, por via de um discurso de

verdade, cria a interdição e a rechaça".

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"O sistema da desigualdade se assenta, paradóxicamente, no caráter essencial

da igualdade; o sistema da exclusão se assenta no caráter essencial da

diferença... o grau extremo da exclusão é o extermínio; o grau extremo da

desigualdade é a escravidão."

A solidariedade requerida pela cidadania está ligada ao pressuposto de relações

de estima simétrica ou confiança entre sujeitos individualizados, autônomos e anônimos.

O entrelaçamento entre individualismo e reconhecimento gera as condições de liberdade,

aceitação social e tolerância necessárias à construção desta comunidade política de

cidadãos.

Para se compreender como sendo portadores de direitos é necessário um

processo de auto-afirmação, no qual o singular seja reconhecido como parte de um

universal, sendo que a obediência de normas jurídicas só pode ser esperada de uma

relação que se dá entre indivíduos livres e iguais, que podem compartilhar esta norma e

serem reconhecidos como tal.

Para Honneth (2003), as formas de reconhecimento dizem respeito às relações

primárias de amor, as relações jurídicas de reconhecimento de direitos e as relações

sociais de estima. A elas se correspondem, respectivamente, o desenvolvimento da

autoconfiança, auto-respeito e auto-estima.

Honneth (2003:157) encontra o reconhecimento denegado, nas formas de

desrespeito que podem ser vividas por alguns atores sociais, a qualidade de um

equivalente negativo das correspondentes relações de reconhecimento: as formas de

desrespeito podem ser distinguidas lançando-se mão do critério de saber qual nível de

auto-relação de uma pessoa, intersubjetivamente adquirida, elas lesam ou chegam a

destruir.

O desrespeito também se colocaria nas mesmas relações primárias, jurídicas e

comunitárias, correspondendo a ameaças à integridade física, integridade social honra e

dignidade. Suas formas são: a violação, a privação dos direitos e a degradação. Se os

maus-tratos corporais destroem a autoconfiança da pessoa, a negação dos direitos é

uma experiência de rebaixamento que afeta seu auto-respeito moral e a negação da

estima social ou honra afeta sua dignidade, porque lhe é negada a imputabilidade moral

que é assegurada aos demais membros da sociedade.

Por isso, a particularidade nas formas de desrespeito, como as existentes na

privação de direitos ou na exclusão social, não representa somente a limitação

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violenta da autonomia pessoal, mas também sua associação com o sentimento

de não possuir o status de um parceiro da interação com igual valor,

moralmente em pé de igualdade; para o indivíduo, a denegação de pretensões

jurídicas socialmente vigentes significa ser lesado na expectativa intersubjetiva

de ser reconhecido como sujeito capaz de formar juízo moral; nesse sentido, de

maneira típica, vai de par com a experiência da privação de direitos uma perda

de auto-respeito, ou seja, uma perda da capacidade de ser referir a si mesmo

como parceiro em pé de igualdade na interação com todos os próximos.”

(Honneth, 2003: 216-217).

Um dos primeiros estudiosos dos processos sociais de "apartação" foi certamente

Fannon, em seus trabalhos sobre a ordem e as identidades sociais que caracterizam o

mundo colonial, nos quais ele introduz a questão central para a compreensão da

exclusão, como um processo que despoja aos indivíduos de sua dimensão humana,

impedindo-lhes que se tornem sujeitos de seu processo social. Para Hannah Arendt

(1993:31-34) os fundamentos da condição humana encontram-se na relação entre o

discurso e a ação, pois aí encontramos o lugar do sujeito. Por conseguinte, se a

apropriação discursiva é o fundamento da condição humana, é a proibição do discurso o

que despoja aos indivíduos de sua condição de atores, da possibilidade de inclusão em

uma ordem simbólica relacional, constituída por uma trama de atos e palavras. A

constituição de sujeitos de ação, sua possibilidade de inserção, passa, necessariamente,

pelo resgate de sua possibilidade discursiva.

Em resumo, a exclusão é um processo cultural que implica o estabelecimento de

uma norma que proíbe a inclusão de indivíduos, grupos ou populações em uma

comunidade socio-política. Rejeitando a identificação de cultura como saber

enciclopédico, Gramsci identifica-o à noção de civilitá como conjunto de modos de vidas,

comportamentos e valores ideológicos originários da organização do trabalho e das

relações de produção e ao papel adaptativo-educativo do Estado, na busca da

adequação ente o aparelho produtivo e a moralidade das massas populares.(Buci-

Glucksman, 1980:115 e 128)·

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Desta forma, os grupos excluídos estão, em geral, impossibilitados de participar

das relações econômicas predominantes --no mercado, como produtores e/ou

consumidores-- e das relações políticas vigentes, os direitos de cidadania.

No entanto, a coexistência, em um mesmo grupo populacional, de situações de

pobreza, ausência de direitos sociais ou de condições de exercê-los, e sua exclusão da

comunidade socio-política, não nos deve confundir e levar-nos a pensar que se trata de

um fenômeno simples, subordinado à dimensão econômica, o que implicaria em uma

estratégia técnico-redistributiva de enfrentamento desta complexa condição.

Em países como os latino-americanos em que a exclusão tem um forte conteúdo

econômico, não é possível combater a exclusão sem a redistribuição da riqueza. No

entanto, o combate à exclusão não se reduz a esta dimensão econômica, já que esta,

apesar de ser a dimensão fundamental, não existe isolada do contexto sociocultural que a

legitima e reproduz. Em outros termos, a concentração da riqueza é um fenômeno

político, que, sancionado culturalmente, impede a constituição de sujeitos políticos

capazes de reivindicar sua inserção na esfera pública.

A proposta de Fanon (1979) acerca da violência que se expande entre os

colonizados, como parte do domínio do colonizador, e que deveria ser canalizada contra

este é, nos dias atuais, amplamente criticada. No entanto, não há como negar a

associação entre exclusão e violência, tema que tem sido amplamente omitido no debate

atual, ainda sendo a violência a manifestação mais evidente da questão social.

A emergência de uma questão social requer e reivindica seu enquadramento por

meio de políticas e instituições específicas, em geral, as chamadas políticas sociais. Por

suposto, uma mesma questão será respondida de diferentes maneiras em contextos

políticos, culturais e institucionais distintos, gerando diversos padrões de proteção social.

Em uma mesma sociedade encontramos movimentos contraditórios, cuja

resultante conformará a resposta à questão social colocada.

Assim, se por um lado encontramos um grande desenvolvimento das ciências

sociais na mensuração da pobreza e na definição de estratégias individualizadas de

focalização e reformas dos sistemas de política social em direção às coberturas

individualizadas, por outro lado, assistimos ao crescente "cercamento" dos espaços

públicos e privados, como estratégia de defesa patrimonial contra os pobres coletivizados

como classes perigosas.

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Não podemos desprezar o papel da "mídia" na reprodução sistemática de normas

de exclusão e na reificação de identidades sociais polarizadas. A difusão de valores

individualistas e de consumo, prevalecendo sobre normas solidárias, mina as

possibilidades de construção de vínculos sociais que transitem e superem a fratura

urbana, denominada como "cidade partida".

Se a cultura de massa produz indivíduos normalizados e a exclusão degrada a

auto-estima dos indivíduos, como pensar a possibilidade de resistências, que permitam a

construção de novas subjetividades entre aqueles excluídos?

Seria possível a própria experiência do desrespeito transforma-se em motivação

para a resistência política? (como propõem Honneth, Marcuse, Foucault, Gatarri,

Rolnick).

Marion Young (2000:101) usa o conceito de Sartre de serialidade, que condiciona

seu posicionamento estrutural sem constituir sua identidade, para entender a dialética

entre determinação e resistência. Por serialidade entende um conjunto de condicionantes

estruturais que definem a posição dos indivíduos na estrutura social, como classe,

gênero, raça e idade. Os indivíduos constroem suas próprias identidades, mas não sob

condições que eles escolheram, pois as posições na estrutura social condicionam,

permitirem, ou constrangem suas possibilidades de ação, incluindo nelas as relações de

superioridade e diferença entre as pessoas. Mas Young afirma que nada disso, no

entanto, determina identidades individuais, encontrando no componente liberal da

autonomia a possibilidade da resistência.

“Os sujeitos não são condicionados somente por sua posição na estrutura de

relações sociais; os sujeitos são também agentes. Ser agente significa que

você pode tomar as restrições e possibilidades que condicionam sua vida e

fazer alguma coisa deles de sua própria maneira” (Young, 2000:101).

Guatarri (2005:42) opõe ao que chama a máquina de produção de subjetividades,

representada pela cultura de massa e pelas relações de produção econômica, a

possibilidade do desenvolvimento de modos de subjetivação singulares, ou processos de

singularização:

“A subjetividade está em circulação nos conjuntos sociais de diferentes

tamanhos: ela é essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em

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suas existências particulares. O modo pelo qual os indivíduos vivem essa

subjetividade oscila entre dois extremos: uma relação de alienação e opressão,

na qual o indivíduo se submete à subjetividade tal como a recebe, ou uma

relação de expressão e de criação, na qual o indivíduo se reapropriaria dos

componentes da subjetividade, produzindo um processo de singularização”.

Estes processos de desvio e reapropriação dizem também respeito ao campo da

micropolítica, não se restringindo ao plano da luta da economia política e passando ao

campo da economia subjetiva. A opressão opera tanto no campo da repressão direta e

material, quanto na produção da subjetividade, através dos processos de culpabilização,

segregação e infantilização.

Para Gatarri, o atrevimento de singularizar é uma experiência de automodelação

de um grupo ou sujeito social, que capta os elementos da situação e constrói seus

próprios tipos de referências práticas e teóricas (sua semiotização, sua cartografia, suas

alianças), sem ficar na dependência dos poderes instituídos e das relações de prestígio e

segregações que são difundidas. Trata-se de um processo de criação coletiva, que

permite preservar a autonomia do sujeito ou grupo social.

Para este autor a revolução molecular diz respeito, sincronicamente a todos os níveis de

relações – infrapessoais, pessoais e interpessoais, sendo a singularização identificada

com o ato da criação, sendo esta, por essência, sempre dissidente, transindividual e

transcultural (Gatarri,2005:46).

Neste sentido, as lutas dos movimentos sociais pelo reconhecimento são

portadoras de um devir que vai mais além da identidade do grupo, propondo uma nova

teia de relações sociais. Para ele, portanto, lutas como o feminismo são portadoras de

um devir feminino que envolve todas as relações sociais, todas as engrenagens da

sociedade, sendo processos transversais de devires subjetivos de sujeitos e grupos.

Por isto, a estes agenciamentos a normalização reage com formas sistemáticas de

ignorá-los ou então, tenta resgatá-los e integrá-los. A resistência só será uma revolução

molecular na medida em que seja capaz de articular estes agenciamentos em redes,

considerando que não será possível unificá-los, mas articulá-los em estruturas reticulares.

A compreensão da resistência como criação nos leva a pensar o papel da

dimensão estética na construção de subjetividades. Marcuse (1968) já apontava a

maturação da contradição entre libertação potencial e repressão, identificada na

racionalização do progresso e na irracionalidade de sua organização e direção. Com a

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racionalização do mecanismo produtivo toda dominação assume a forma de

administração, por isto, ele identificava na arte a possibilidade do desafio do princípio da

razão dominante, pois invoca a lógica da gratificação contra a da repressão (Marcuse,

1968:165), gerando condições de uma liberdade na realidade.

Embora onde haja poder haverá resistência, como formula Foucault, toda

resistência não é, necessariamente, portadora de um devir para a sociedade, mas a arte

representa a possibilidade de uma interpelação que, ao fugir da lógica racional que

justifica a dominação e ao inserir o indivíduo na universalidade da cultura, permite a

construção de novas subjetividades, baseadas na reconstrução da auto-estima e na

recolocação do lugar do sujeito no mundo, como portador de um projeto novo de

singularização.

A complexificação dos processos de inclusão e exclusão sociais na sociedade

contemporânea decorre também da fragilidade do vínculo entre inclusão simbólica e

material, aumentando a brecha entre a negação da inclusão material e as possibilidades

abertas de acesso aos bens simbólicos. Calderón (2006) vê nesta discrepância o

aumento das possibilidades de alcançar mais inclusão a partir do campo simbólico do que

do econômico.

A dinâmica entre inclusão e exclusão sociais, para este autor também está sendo

afetada pela diferenciação dos sujeitos, de tal forma que as demandas por inclusão

terminam por se cruzar com demandas por reconhecimento e promoção da diversidade.

Além disso, chama a atenção para a importância do fenômeno das migrações para a

exclusão social, pois este expõe de forma aberta às diferenças, desigualdades,

discriminações e debilita os laços de inclusão social.

Mas, Boaventura Santos (1994:227) já adverte para as possibilidades e limitações

do que ele denominou a politização do social, do cultural e, mesmo, do pessoal:

“abre um campo imenso para o exercício da cidadania e revela, no mesmo

passo, as limitações da cidadania de extração liberal, inclusive da cidadania

social, circunscrita ao marco do Estado e do político por ele constituído. ...

novas formas de cidadania – coletivas e não meramente individuais; assentes

em formas político-jurídicas que, ao contrário dos direitos gerais e abstratos,

incentivam a autonomia e combatam a dependência burocrática, personalizem

e localizem as competências interpessoais e coletivas em vez de as sujeitar a

padrões abstratos; atentas às novas formas de exclusão social baseadas no

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sexo, raça, na perda de qualidade de vida, no consumo, na guerra, que ora

ocultam ou legitimam ora complementam e aprofundam a exclusão baseada na

classe social”.

Este efeito de ocultamento que realiza a cidadania com a inclusão de novos

grupos e sujeitos em uma esfera pública revitalizada, requer a crítica ao argumento

principal deste trabalho, que diz respeito ao reconhecimento, assumido como categoria

central para a análise da construção dos sujeitos. No entanto, é preciso admitir o

argumento de Frazer de que o reconhecimento é essencial porque altera as relações

simbólicas de poder, incluindo na esfera pública aqueles que estavam excluídos, mas que

ele não esgota a questão da luta contra a dominação que, mais que simbólica, encontra

suas raízes na produção e redistribuição.

Portanto, para nós reconhecimento sem redistribuição gera novos sujeitos, mas

não uma nova sociedade. A redistribuição, no entanto, depende da possibilidade

alteração das práticas políticas

“O território em que vivemos é mais que um simples conjunto de objetos, mediante

os quais trabalhamos, circulamos, moramos, mas também um dado simbólico” (Santos,

1997:61). Mais do que a mera condição de viver em um dado território, a coesão das

pessoas se dá tanto pela produção social quanto elaboração simbólica que uma

coletividade faz sobre este espaço. Esta simbologia sobre o território no qual vivemos é

fruto de uma produção coletiva, portanto, ela é parte essencial da coesão social. O

compartilhamento de vivências e de uma histórica comum, faz com que cada indivíduo

isolado se sinta parte de uma coletividade, de um passado e de um devir. Neste sentido,

as cidades envolvem tanto a pluralidade de identidades quanto a sua interconectividade,

o que, nas metrópoles, vai além de um entremeado de histórias locais.

As cidades requerem esta experiência coletiva, ou solidariedade orgânica, seja

pela necessidades colocadas pela produção social, relativas ao provimento de bens e

serviços, seja na construção de instituições e de uma cultura comuns. Segundo Edward

Soja, os enfoques urbanos e espaciais não foram adiante suficientemente em sua análise

e explicação do fenômeno das cidades e da vida cotidiana dos seus habitantes, pois as

análises estiveram baseadas em descrições macro dos processos de desenvolvimento e

urbanização sem considerar a capacidade de viver juntos e de criar um território

habilitado para a ação e produção das sociedade complexas, aglomerações urbanas com

dinâmicas regenerativas.

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Santos (1996:5) formula sua proposta de enquadramento do espaço a partir do

que ele denomina modelo cívico: ”O modelo cívico forma-se, entre outros, de dois

componentes essenciais: a cultura e o território. O componente cívico supõe a definição

prévia de uma civilização, isto é, a civilização que se quer, o modo de vida que se deseja

para todos, uma visão comum do mundo e da sociedade, do indivíduo enquanto ser

social e das suas regras de convivência….O componente territorial supõe, de um lado,

uma instrumentação do território capaz de atribuir a todos os habitantes aqueles bens e

serviços indispensáveis, não importa onde esteja a pessoa; e, de outro lado, uma

adequada gestão do território, pela qual a distribuição geral dos bens e serviços públicos

seja assegurada.

A proposta de Santos (1996:5) de analisar o território a partir de um modelo cívico

visa a recuperar o cidadão como a perspectiva político-normativa, que inclui um

componente territorial e um componente cultural, definido pelo projeto de civilização que

se pretende para os cidadãos. Segundo Arocena (1995:20) “Un territorio con

determinados limites es entonces “sociedad local” cuando es portador de una identidad

colectiva expresada en valores y normas interiorizados por sus miembros, y cuando

conforma un sistema de relaciones de poder constituido en torno a procesos locales de

generación de riqueza. Dicho de otra forma, una sociedad local es un sistema de acción

sobre un territorio limitado, capaz de producir valores comunes y bienes localmente

gestionados”.

Entender a cidade como o território dos cidadãos implica assumir a construção

política de uma esfera pública, onde os indivíduos se encontram igualados na condição

de cidadãos. A esfera pública, como ordem simbólica relacional é o espaço em que os

sujeitos assim constituídos afirmam sua identidade e intercambiam significados que dão

sentido e direção à suas ações. Na relação entre discurso e ação encontramos o lugar do

sujeito.

No entanto, a emergência e recente proliferação de organizações e movimentos

sociais solidários demonstram a capacidade de reação da sociedade e dos governos

locais à ameaça de sua decomposição, recriando possibilidades de articulação social.

Ademais, observa-se que a dinâmica de luta e combate à exclusão possui uma dimensão

emancipadora, capaz de gerar a constituição de novos sujeitos sociais e de novas formas

de reivindicação do exercício dos direitos de cidadania, além de inaugurar possibilidades

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de alteração da dimensão institucional do Estado, dando lugar a novas formas de co-

gestão pública, como nos explica Genro:

"O surgimento de novas formas de dominação e exclusão também produzirá, espontaneamente ou não, novas formas de autonomia e de 'inclusão alternativa' --do lado do Estado ou contra ele -- uma esfera pública não estatal auto-organizada ou simplesmente organizada paralelamente ao Estado, mas que se obriga reiteradamente a recorrer ao Estado para interferir na vida pública ou sustentar seus interesses diretos."

Portanto, a nossa questão social - a exclusão - requer o posicionamento de

diferentes atores da sociedade, inaugura novas formas de sociabilidade, define o campo

estratégico de lutas, constrói novos sujeitos e novas subjetividades, demanda o

desenvolvimento de novos saberes e tecnologias disciplinares, produz novas estratégias

de reconstrução da ordem política e de enquadramento das demandas sociais e aponta

no sentido de processos de transformação das estruturas institucionais estatais.

D) Esfera Pública e Democracia

Entendida como sendo os nexos existentes entre Sociedade Civil e Estado

(Oxhorn, 1999:1),a esfera pública resulta da participação de atores com diferentes

identidades e estruturas organizativas formando uma rede comunicacional de informação

e pontos de vista.

Para Habermas (1996:359), as funções da esfera pública seriam a sinalização e

problematização das questões relevantes, gerando possíveis soluções e chamando a

atenção do aparato institucional para a necessidade de enquadrá-las e resolvê-las, já que

considera que a capacidade da esfera pública para resolvê-las por si mesma é limitada .

“The public sphere is a social phenomenon just as elementary as action,

actor, association or collectivity, but it eludes the conventional sociological

concepts of “social order”. Cannot be conceived as an institution and

certainly not as an organization, not even a framework of norms with

differentiated competences and roles... the public sphere can best be

described as a network for communicating information and points of view

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(i.e., opinions expressing affirmative or negative attitudes); the streams of

communication are, in the process, filtered and synthesized in such a way

that they coalesce into bundles of topically specified public opinions”.

(Habermas, 1996: 360).

Esta abordagem da esfera pública remete o político a questões relativas ao poder,

à igualdade, à diversidade, e às interações entre sociedade civil e Estado.

Hannah Arendt identifica na convivência entre os homens o fundamento material

do poder ao afirmar que “sempre que a relevância do discurso entra em jogo, a questão

torna-se política por definição, pois é o discurso que faz do homem um ser político”

(Arendt, 1993:11).

A alteridade é, portanto, inerente ao discurso, que implica o duplo aspecto da

igualdade e da diferença pois, se não fossem iguais não se compreenderiam, se não

fossem diferentes não precisariam do discurso para se fazer entender.

Por outro lado, na relação entre o discurso e a ação encontramos o lugar do sujeito

já que a

“ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a

mediação da coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da

pluralidade. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação

com a política: mas esta pluralidade é especificamente a condição... de toda

vida política” (Arendt, 1993:15).

A igualdade requerida na esfera pública é politicamente construída, já que na

natureza humana o que encontramos é a diferença (Arendt, 1993:227).

A cidadania, hipótese jurídica igualitária inscrita como possibilidade na natureza do

Estado moderno, foi a mediação mais importante na reconstituição da totalidade

(comunidade) necessária à integração social (Fleury, 1994:45). Tal mediação e as

instituições a que deu origem conformaram a engenharia institucional democrática,

materializando a emergência de uma esfera social que Habermas (1984:177) denominou

repolitizada, ou Estado-social, onde as instituições estatais e sociais se sintetizam em um

único complexo indiferenciado.

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Este fenômeno nos remeteria à dissolução da divisão liberal público/privado,

Estado/sociedade civil. No entanto, estas dicotomias só se superam, sem escamotear as

diferenciações se nos encaminhamos em direção à concepção gramsciana de Estado

ampliado (Buci-Gluksmann, 1980:98), já que esta não elude a questão dos conflitos de

poder e de suas origens materiais (Fleury, 1997:32). Em outros termos, a hegemonia não

só não exclui como requer a dominação e a coerção.

Para além de seus determinantes materiais os processos de inclusão e de

exclusão fundam-se em uma dimensão simbólica, ou civilizatória. Por meio desta,

definem-se e reproduzem-se as regras e rituais de inclusão/exclusão, em uma

comunidade político/jurídica (de cidadãos), mas que é, fundamentalmente, uma

comunidade de sentidos (Fleury 1998:82). Sendo a apropriação discursiva o fundamento

da condição humana (Arendt, 1993:31), a constituição dos sujeitos (o sujeito como um

ponto da verdade enunciado, em Badiou 1994:45) passa pelo resgate de sua

possibilidade discursiva.

A esfera pública, como ordem simbólica relacional é o espaço em que os sujeitos

assim constituídos afirmam sua identidade e intercambiam significados que dão sentido e

direção à suas ações. Na relação entre discurso e ação encontramos o lugar do sujeito, já

que na democracia moderna o lugar do poder torna-se um lugar vazio (Lefort, 1991:32).

No entanto, Lefort (1991:35) nos alerta para o fato de que a democracia moderna

pode dar lugar a modos de organização totalitários, quando o conflito exaspera-se e deixa

de encontrar uma solução simbólica na esfera pública, buscando um poder estatal que

encarne a superação das divisões sociais.

A proposta de uma democracia radical (Mouffe, 1996:26) desenvolve uma teoria

do sujeito descentrado, constituído na interseção de uma multiplicidade de posições

subjetivas, e exige o reconhecimento da diferença, da particularização do universal. Nesta

proposta a cidadania deixa de ser vista apenas como um estatuto legal e passa a ser

compreendida como

“a identidade política comum de pessoas, que podem estar empenhadas em

muitos empreendimentos com finalidades diferentes e com diversas

concepções de bem, mas que, na procura da sua satisfação e na execução

das suas ações, aceitam submeter-se às regras prescritas pela republica”

(Mouffe, 1996:95).

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A diferenciação estabelecida entre interesse público e bem comum, permite a

superação da perspectiva liberal da cidadania, homogeinizadora e incapaz de

compreender que todo consenso é produto de uma determinada hegemonia e se baseia,

necessariamente, em atos de exclusão.

A tensão entre conflito/consenso, igualdade/diferença é constitutiva do Estado

moderno e permeia as discussões sobre arranjos institucionais capazes de garantir a

democracia, referidos ao exercício da cidadania, a participação, a representação e

execução de políticas públicas.

Contudo, a esfera pública não pode ser identificada meramente à sociedade civil

de Hegel - instituições autônomas que mediam a relação entre o indivíduo e o Estado e

julgam a ação estatal de uma maneira racional e moral - configurando-se como um nível

meso-institucional à maneira das associações políticas de Tocqueville. Existe, atualmente

uma forte tendência a buscar nas organizações autônomas da sociedade civil a essência

da esfera pública por oposição à heteronomia da cidadania, que é definida pelo Estado.

Foweraker e Landman (1977), estudando os novos movimentos sociais buscam fugir

desta falsa oposição, confirmando o papel central da noção de direitos na modelagem de

novas formas de pensamento e ação das organizações sociais, universalizando

demandas particulares e disseminando a percepção dos direitos através da ação coletiva.

As lutas pela inclusão na condição de cidadania, iniciada pelos movimentos e

organizações sociais a partir da identificação de suas carências e da incapacidade do

Estado em atendê-las, têm sido, na América Latina, o principal fator de dinamização e

transformação, tanto da sociedade quanto do Estado.

O papel do Estado no processo de inclusão social é sublinhado por Reis (1993),

quando afirma que o nível de carência entre os setores populares é tão agudo que o

Estado, em nossas sociedades, termina por ser o agente produtor da própria capacidade

de reivindicação popular. Sua proposta é que a incorporação cidadã, nessas

circunstancias, somente será possível se o Estado for capaz de institucionalizar esta

relação, transformando os setores marginalizados em seus clientes reais sem recorrer a

mecanismos de manipulação política. No entanto, mais que um conjunto de benefícios, o

desafio da cidadania é construir um sentido de pertencimento. Segundo Telles (1994:45)

“é impossível fazer dos direitos referências que estruturem identidades cidadãs numa

sociedade que destitui, por todos os lados, cada um e todos, de um lugar de

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reconhecimento”. Para a autora a ausência de espaços de reconhecimento de vínculos

propriamente civis, traduz-se na dificuldade de formular os dramas cotidianos (individuais

e coletivos) na linguagem pública dos direitos, remetendo-os aos códigos morais da vida

privada. Portanto, a democratização da esfera-pública “depende de espaços públicos de

representação e negociação, nos quais os direitos possam se firmar como medida no

gerenciamento dos conflitos e como parâmetro no reordenamento da vida econômica e

social”.

A reconstrução da esfera pública deve ser claramente identificada como parte da

luta pela hegemonia e constituição de um novo bloco no poder, que atravessa o Estado

(Poulantzas, 1981) e requer novos aparatos, tecnologias e processos de exercício do

poder, que inscrevam as novas relações de poder na ossatura organizacional do Estado.

Este processo de interação e transformação, tanto do Estado quando da

sociedade, pode se dar simultaneamente e/ou impulsionado por uma ou outra direção

nestes dois pólos constitutivos da esfera pública.

Portanto, a esfera pública pode ser caracterizada por sua inclusividade , em

termos da multiplicidade de atores que podem participar nos processos de integração e

exercício do poder e por sua efetividade , ou seja, na capacidade de generalizar os

interesses dos cidadãos organizados, de tal forma que possam influenciar e controlar o

exercício e as estratégias de dispersão do poder político (Oxhorn, 1999:2).

À essas duas dimensões da esfera pública deveríamos acrescentar a inovação

social , entendida como a capacidade de transformação de uma sociedade, a partir de

assumir suas próprias necessidades e de modificar suas estruturas para incorporar novas

soluções tecnológicas (Tobar, 2000: 130). No contexto de construção de uma sociedade

democrática a dimensão da inovação social diz respeito, em primeiro lugar, à

transformação das estruturas de gestão pública no sentido de abrir o Estado a processos

de co-gestão pública, estatal e não estatal, como forma de inclusão dos interesses

dominados na esfera pública, para além da forma tradicional de representação (Genro,

1997:14).

A geração de redes associativas como formato predominante na estruturação da

esfera pública vem requerer uma nova tecnologia gerencial capaz de gerar processos

sinérgicos entre as instituições estatais democratizadas e as organizações da sociedade

que, por se basearem no alcance de bens públicos por meio das relações de confiança e

de cooperação, geram maior capital social.

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Fugindo da visão culturalista que identifica, principalmente, nos valores

compartilhados e nas relações de confiança (Putnam, 1996) a fortaleza e capacidade de

desenvolvimento de uma sociedade, entendemos a sociedade civil forte como aquela em

que diferentes atores podem lograr a projeção política dos seus interesses através de

suas organizações (Oxhorn, 1999), em processos de negociação dos seus conflitos com

os demais.

A tensão entre autonomia e inserção dos interesses em uma ação política é

inerente e constitutiva da Sociedade Civil. Sem dúvida, ela também se coloca da mesma

forma em relação ao Estado, cuja autonomia e inserção parecem ser as condições

imprescindíveis para gerar sinergia nas relações Estado/sociedade Civil (Evans, 1996).

Neste sentido, a democratização da esfera pública deve ter em conta aspectos

cruciais, tais como:

• a democracia não pode prescindir da dimensão liberal representada pela defesa

das liberdades individuais básicas;

• por conseguinte, a juridicização das relações políticas é uma conseqüência

inevitável, já que as liberdades se objetivam em um corpo de direitos positivos e

instituições estatais;

• a cidadania, como dimensão pública dos indivíduos resgata a mediação entre

Estado e sociedade, materializando-se em uma pauta de direitos e deveres,

restituindo e revitalizando a comunidade política;

• a cidadania, enquanto um processo de inclusão na comunidade política é a

expressão do processo de expansão da hegemonia, pelo qual o Estado restrito se

transforma em Estado ampliado;

• no entanto, os critérios que definem a inclusão na comunidade política e de direitos

são, ao mesmo tempo, aqueles que sancionam as normas de exclusão;

• a burocracia estatal é requerida como fundamento e suporte material da igualdade

política dos cidadãos;

• no entanto, a cidadania não pode deixar de ser reduzida à normatividade estatal,

perdendo desta forma sua dimensão subjetiva e emancipatória;

• neste sentido, a cidadania não pode deixar de ser compreendida em toda sua

complexidade contraditória: entre o individual e o coletivo; entre o público e o

privado; entre homogeneidade e singularidade;

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• a participação cidadã nas decisões coletivas que afetam a comunidade política

deve ser resguardada por um corpo de regras reconhecidas e aceitas, em relação

à representação dos interesses e à negociação dos conflitos;

• a sociedade civil revigora-se na medida em são garantidas a diversidade,

pluralidade e autonomia de sujeitos organizados que se encontram e interatuam

em busca da inserção dos seus interesses na arena pública;

• a esfera pública democrática deve ser encontrada na interação entre a sociedade

civil revigorada e mecanismos político-institucionais permeáveis às estas

demandas e responsáveis por políticas públicas transformadoras das relações de

poder e das práticas administrativas correspondentes;

• o sistema de representação de base territorial e a competição eleitoral são

imprescindíveis para garantir a pluralidade e a representação democrática, mas

são insuficientes, em função da distribuição desigual de recursos e dos

mecanismos de exclusão social;

• a combinação do sistema de representação territorial com mecanismos de

representação corporativa pode reduzir as disfuncionalidades do sistema

representativo;

• no entanto, novas formas e arranjos institucionais de combinação do sistema

representativo com a participação direta das organizações públicas auto-geridas

são requeridos para a transformação de sociedades onde a estrutura de poder é

caracterizada pela centralidade, iniquidade e exclusão.

• esta perspectiva nos remete a pensar as transformações na esfera pública desde o

ponto de vista da reforma do Estado e da governabilidade democrática. A

problemática da governabilidade envolvendo tanto o fortalecimento da capacidade

de governo para assegurar os bens públicos em uma sociedade, como também a

existência de normas e valores compartidos que organizem a interação coletiva,

gerando condições para uma ação cooperativa entre os diferentes atores e

agentes sociais.

E) Em Busca de um Conceito de Inovação soci al

Diferentes estudos parecem sinalizar que a tensionalidade entre autonomia e

inserção seria essencial para a compreensão da natureza e dinâmica da esfera pública.

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No entanto, se os sujeitos sociais - públicos e privados - reunidos na esfera pública

buscam uma ação efetiva, esta ação, para além da racionalidade comunicacional, das

estratégias de aliança e negociação, reivindica uma ação instrumental que seja capaz de

levar um resultado desejado.

Parte destas ações se desenvolvem em âmbito privado e outra parte significativa

em âmbito das políticas públicas, seja ao nível da gestão das macro políticas, seja ao

nível meso de gestão institucional, ou ao nível micro, que envolve gestão de decisões

cotidianas e projetos (Tobar e Pardo, 2000).

Em qualquer destes níveis a ação eficiente envolve um modelo de gestão, ou seja

a seqüência ordenada e racional de tomada de decisões ao interior das organizações. No

entanto, se a reconstrução da esfera pública é um processo de mudança ao nível social e

organizacional, ele vai requerer o desenvolvimento de inovações tecnológicas e sociais,

capazes de incorporar novos atores ao processo, novas demandas a serem

contempladas, novos papéis a antigos atores.

A inovação gerencial pode se dar em termos de invenção de novas idéias,

conversão desta idéias em produtos e processos, sua difusão e aprendizagem

organizacional.

Muitas vezes identifica-se a inovação com a criação, como vemos abaixo:

“A inovação é um processo de procura, descoberta, experimentação,

desenvolvimento, imitação e adoção efetiva de novos produtos, novos

processos de produção ou novos arranjos organizacionais. A inovação

envolve uma atividade intrinsecamente incerta de pesquisa e solução de

problemas, baseada em variadas combinações de conhecimentos públicos

e privados, princípios científicos gerais e experiências idiossincráticas,

procedimentos sistematizados e competências tácitas”.(Dosi, 1988: 37)

Outras vezes, a ênfase é posta no contexto organizacional:

“O processo de inovação corresponde à invenção e implementação de

novas idéias, que são desenvolvidas e conduzidas por pessoas, por sua vez

relacionadas a outras pessoas, em um determinado contexto

institucional.”(Van den Ven & Rogers, 1988: 72)

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Outras vezes ainda, sobressai-se a concepção de inovação como processo mais

amplo de mudança:

“A inovação é uma forma particular de mudança caracterizada pela

introdução de algo novo, que pode ser um produto, serviço, tecnologia,

práticas de gestão ou qualquer outro elemento da organização.” (Coopey,

Reegan & Emler 1998: 45).

Neste sentido a inovação pode variar de acordo com a magnitude de seus efeitos

sobre a organização e corresponde às etapas de geração, desenvolvimento,

implementação e institucionalização do novo fator na organização. Portanto, a mudança

decorrente da inovação deve ser analisada a partir da observação empírica de

diferenças, no tempo, em uma ou mais dimensões de uma organização.

Para Glynn (1996), o desafio está em transferir a criatividade dos indivíduos à

inovação organizacional. Isso demanda algumas características individuais, como a

motivação, personalidade, expectativas e metas desafiadoras, bem como características

organizacionais, como a orientação para a inovação, envolvendo tecnologia, cultura,

valores e capacidade de aprendizagem.

Outra associação importante é entre inovação, desenvolvimento tecnológico e

aprendizagem:

A definição mais ampla de competência tecnológica refere-se a incorporação de

recursos necessários para gerar e gerenciar a mudança tecnológica (Bell e Pavitt, 1993,

1995, acumulando tais recursos em indivíduos (habilidades, conhecimentos) e sistemas

organizacionais. As abordagens para o estudo da acumulação de competências

tecnológicas dividem-se em relação ao padrão “produção-investimento-inovação” e

aquelas que privilegiam a influencia dos processos de aprendizagem (Figueiredo, 2000).

Neste último caso, uma das ênfase recai sobre o papel da liderança na construção de

coalizões e consensos e na superação das crises.

Para além da criação, Bell e Pavitt (1995) chamam a atenção para o fato de que

aprender pela experiência de produção depende de tarefas individuais mas também de

mecanismos institucionalizados de geração, incorporação, revisão e interpretação da

experiência.

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A acumulação de competências tecnológicas torna-se tão crucial como a

capacidade de criar as condições organizacionais e sociais que possam garantir sua

institucionalidade e sustentabilidade, ou seja, a consolidação e difusão desta inovação.

Finalmente, a inovação é também vista como um processo de transformação

social. Para Tobar e Pardo (2000) a inovação tecnológica envolve novos atores, novos

papéis, novos valores. Só há mudança tecnológica onde mudam as relações sociais. Não

é outra coisa senão uma mudança de modelos.

A mudança tecnológica se manifesta de múltiplas formas, nas alterações ou

melhorias em produtos finais, processos de produção, produtos intermediários ou

métodos de gestão. O ciclo Schumpeteriano da inovação tecnológica envolve três

estágios da mudança: o primeiro é a invenção, entendida como a geração de novas

idéias; o segundo é a inovação, que supõe o desenvolvimento e conversão dessas novas

idéias em produtos e processos; o último estágio é a difusão, onde os novos produtos e

processo se estendem pelo mercado. Apesar dessa perspectiva ser desenvolvida para a

organização industrial, também é aplicável à organização social, desde que ocorram

mudanças sobre os agentes no plano simbólico, alterando suas percepções,

comportamentos e prioridades.

Em qualquer de suas acepções, a inovação é vista como um valor positivo (Dows e

Mohr, 1976), associada a mudanças benéficas (Coopey, Keegan e Emler, 1998) e

tomada como agregadora de valor à sociedade (Langley, 1995). No entanto, Dougherty

identifica algumas tensões inerentes ao processo de inovação. A primeira tensão se

encontra na relação entre os ambientes interno e externo da organização, isto é, entre as

operações organizacionais rotineiras e as reais necessidades dos clientes. Outra tensão

ocorre entre as práticas antigas e as novas, cada qual relacionada a produtos antigos e

novos, que coexistem na organização e competem pelos recursos disponíveis. Uma

terceira tensão é observada na disparidade entre os eventos planejados e os imprevistos,

tensão esta acirrada pelo processo de avaliação que se ocupa exclusivamente das metas

traçadas e não incorpora o reconhecimento de novos elementos, emergentes no decurso

da inovação. A última tensão está na necessidade de liberdade de criação das pessoas

que, ao mesmo tempo, têm a responsabilidade de alcançar metas estabelecidas,

resultando numa relação conflituosa entre autonomia e prestação de contas dos

indivíduos envolvidos no processo de inovação.

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Um ponto importante a ser considerado diz respeito aos tipos de instituições ou

organizações que seriam mais propensas à inovação e que tipos apresentariam maior

resistência à mudança. Guerreiro Ramos (1966) faz um levantamento das perspectivas

teóricas que revelam o conflito entre a burocracia e a inovação. Para muitos autores,

ninguém pode ser, ao mesmo tempo, um correto burocrata e inovador. O progresso é

precisamente aquilo que as regras e os regulamentos não prevêem; está

necessariamente fora do campo da atividade burocrática. Segundo esses autores, jamais

se poderia admitir que a burocracia pudesse assumir papel de agente ativo de mudanças

sociais, notadamente orientadas para a superação do status quo. No entanto, mudanças

positivas exigem boa dose de estabilidade, capacidade de gerar uma cultura de inovação

continua e a coordenação das competências tecnológicas acumuladas. Paradoxalmente,

um processo de mudança bem sucedido necessita de flexibilidade e de apoio em

elementos estáveis. Neste sentido, não se pode descartar a possibilidade das instituições

burocráticas desenvolverem processos inovadores, já que a dificuldade de inovação é

mais bem identificada como um problema das organizações complexas (Dougherty) do

que das organizações governamentais. Estudos recentes sobre organizações da

sociedade civil e governos locais também apontam as dificuldades destas organizações

para desempenharem-se de forma flexível e inovadora (TeIles, 1994 e Tendler, 1998),

desmistificando mitos grandemente difundidos pelos organismos internacionais que

identificam os governos centrais como burocráticos e resistentes à inovação.

Marcuse (1999), relaciona a tecnologia, como modo de produção, à formas de

organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais. O processo tecnológico é tanto

um resultado de uma nova racionalidade, como, por seu lado, dissemina novos padrões

de individualidade e de comportamento, funcionando como um instrumento de controle e

dominação.

A relação entre inovação, territorialidade e emancipação aparece na oposição

proposta por Milton Santos (2000) entre a nação passiva e a nação ativa. Enquanto a

nação ativa é identificada como a parte da população e da economia que participam do

mercado global, a nação passiva “mantém relações de simbiose com o entorno imediato,

relações cotidianas que criam, espontaneamente e à contracorrente, uma cultura própria,

endógena, resistente, que também constitui um alicerce, uma base sólida para a

produção de uma política”. Enquanto a nação ativa circula, a nação ativa vive em seu

território, e é exatamente seu enraizamento e sua experiência de escassez que torna

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possível a produção de um projeto, viabilizado por ser autenticamente fundado na

existência da maioria.

O processo de inovação tem o efeito de reconstruir os sistemas de relações

sociais e a estrutura de regras e recursos que reproduzem aqueles sistemas. Podemos

falar de uma inovação social quando as mudanças alteram os processos e relações

sociais, alterando as estruturas de poder preexistentes. Considerando que as inovações

tecnológicas são um produto tanto do conhecimento quanto da estrutura social (Motta,

1997:xii), sem dúvida, esta abertura do Estado aos novos atores sociais, suas demandas

e formas organizativas, não pode deixar de ser acompanhada de inovação gerencial

capaz de transformar os processos e tecnologias administrativos em direção à construção

de instituições públicas que favoreçam o processo de fortalecimento da sociedade civil e

sua capacidade de influenciar e controlar as políticas públicas.

Nesse sentido, somente muito recentemente a matéria vem despertando interesse

no Brasil. A introdução do tema ganha destaque como desdobramento de tendência

iniciada com o processo de redemocratização do país e do aumento do poder de

articulação dos movimentos sociais, em simultaneidade com a busca de soluções

alternativas para a prolongada crise estrutural iniciada no início da década de 80. Tal

conjuntura se refletiu na elaboração do texto constitucional de 1988, que reconheceu a

importância crescente da esfera sub-nacional de governo e alterou o padrão altamente

centralizado de gestão de políticas públicas consolidado nos anos 60.

Para Franklin Coelho (1996) é a partir do debate sobre descentralização, pacto

federativo e reforma do Estado na década de 80 que retoma-se a valorização do poder

local. A partir do desenvolvimento de um projeto inovador de democratização do poder

local por algumas prefeituras, este é incorporado como ação modernizadora de ação

municipal. O autor relaciona a democratização do poder local à ação econômica

empreendedora nos municípios, cujos traços centrais são (Coelho,1996:45):

“Democratização da sociedade e do Estado com a constituição de uma

esfera pública democrática e politicamente ativa, articulando as formas

institucionais de uma democracia representativa com as formas diretas de

representação da sociedade”;

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“Inverter prioridades de Governo em relação às formas tradicionais de

governar, direcionando nossos recursos – humanos e financeiros – para as

áreas mais carentes. Recuperar a qualidade do serviço público e garantir a

igualdade de acesso as serviços urbanos básicos”;

“Publicizar os serviços essenciais, desprivatizar o Estado, democratizá-lo,

transformar o estatal em público”.

Considerando a inovação como o rompimento com os padrões tradicionais de

gestão relativos às relações de poder entre os atores locais e com a identidade entre

poder econômico e elites locais, Moura e Pinho (1993:293-5) relacionam alguns aspectos

inovadores na gestão pública municipal:

“tendência à democratização das relações governo-sociedade, o que vem

se dando através da implementação de mecanismos e processos de

natureza pública, no sentido da informação, consulta e/ou negociação em

torno de problemáticas e políticas”;

“alteração da relação tradicional de subordinação/dependência na

perspectiva da afirmação da autonomia municipal. Uma das principais

alternativas é o desenvolvimento de uma política de recursos próprios

municipais”;

“conteúdo propriamente dito das políticas e programas municipais, cuja ótica

volta-se mais para o que denomina de promoção da cidadania ou do social”.

Entretanto, a noção de rompimento e, portanto, de inovação, não implica em

superação total dos traços considerados retrógrados, dependendo a maior ou menor

permanência dos padrões tradicionais de condicionantes relativas ao governo, a

densidade do tecido social e associativo existente, aos recursos disponíveis e potenciais,

etc. (Moura&Pinho, 1993:293).

Celso Daniel (1996) utiliza o conceito de “empreendedorismo urbano”, que está

vinculado a uma postura inovadora tanto em relação aos atores locais quanto ao

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desenvolvimento econômico local. O outro conceito que o autor utiliza é o de “governança

local”, que “tem como referência fundamental a idéia de que as decisões importantes

para a vida coletiva de uma localidade não são apenas do governo, mas de um conjunto

de atores sociais, tanto da iniciativa privada como da comunidade” (Daniel, 1996:23).

Tanto a crise econômica, por sua gravidade e persistência, como o avanço da

democratização no nível da sociedade fizeram com que mesmo os governos locais mais

conservadores buscassem uma certa ‘autonomia local’ e redefinição das relações

público-privado assim como algum tipo de compromisso popular, tornando imprescindível

a realização de iniciativas criativas e inovadoras que substituíssem as relações de poder

autoritárias por uma nova cultura democrática. Como apontam Moura & Pinho

(1993:302),

“o papel articulador dos governos locais volta-se agora em direção às forças

e atores locais como um todo, expressando a extensão da postura de

diálogo e negociação pública que antes dirigia-se basicamente aos atores

populares. Esse elemento e a perspectiva de conjugar desenvolvimento

econômico e promoção da cidadania podem ser um indicativo da ampliação

da agenda democrática nos anos 90 no Brasil”.

Dessa forma, tão somente na década de 90 foi que o tema da inovação na gestão

de políticas passou a ter importância, merecendo atenção da área acadêmica como, por

exemplo, as experiências sub-nacionais relatadas pelo programa Gestão Pública e

Cidadania da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Criado em 1996, o programa tem

se ocupado, entre outras coisas, em divulgar experiências consideradas inovadoras. Até

o ano de 2000, já havia recebido mais de 3.300 inscrições provenientes de todas as

regiões do país (Farah & Barboza, 2001). Anualmente, vinte experiências são premiadas

e relatadas em publicação específica, ao final de cada ciclo do programa (Spink &

Clemente, 1997; Fujiwara, Alessio e Farah, 1998, 1999; Farah & Barboza, 2000, 2001), e

diversos outros trabalhos são publicados na série “Cadernos de Gestão Pública e

Cidadania”.

Embora as primeiras publicações do programa enfatizassem as inovações

decorrentes do próprio processo de descentralização, focalizando as iniciativas exitosas

de governos sub-nacionais em diferentes áreas como modernização do aparato estatal e

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suas práticas, desenvolvimento sustentável, finanças públicas, entre outras,

recentemente verifica-se uma mudança de direção na premiação. A ênfase foi deslocada

para as iniciativas dedicadas ao enfrentamento dos desafios existentes no país,

notadamente o combate à exclusão, causada não só pela enorme disparidade de renda,

como também pela falta de acesso aos serviços públicos por parte de grandes

contingentes populacionais brasileiros.

Questões como a necessidade de articulação entre os diversos atores

governamentais e não governamentais; intersetorialidade; articulação intergovernamental

horizontal e vertical; participação da sociedade civil; entre outras tão ou mais importantes

têm, crescentemente, feito parte das iniciativas contempladas pela premiação.

Entretanto, apesar desse significativo e importante esforço do programa, ainda não

se logrou estabelecer um referencial teórico sobre inovação na gestão pública, como

observaram Pinho e Santana (1998), nem tampouco construiu-se um marco conceitual

para aquilo que chamamos inovação social.

Pinho e Santana (1998) buscam relacionar o pensamento shumpeteriano, voltado

para análise do processo de inovação nos sistemas produtivos do capitalismo, aos

sistemas políticos, permitindo uma abordagem no plano da gestão pública. Para tanto,

utiliza o conceito de ‘destruição criativa’, onde, no sistema econômico, velhas estruturas

são substituídas por novas conduzindo a economia a níveis mais elevados de renda e

bem-estar social. Para os autores, no plano político, os governos também têm de viver

dentro este arcabouço, não podendo ser compreendidos sob a hipótese da calmaria.

Pensando a especificidade dos sistemas políticos, portanto, levantam as seguintes

questões:

“1) governos não sucumbem exatamente da mesma forma que setores

econômicos (...) Governos são socorridos por níveis maiores de governo

e/ou pelo Tesouro, ou ainda problemas e soluções são empurrados para

gerações futuras, mascarando a situação existente; 2) fica muito difícil medir

o impacto que uma destruição criativa provocada por um governo causa em

outros governos, ou seja, medir, identificar que determinados governos

soçobram por conta da destruição criativa à qual eles não forma capazes de

resistir ou de interagir” (Pinho e Santana, 1998:3).

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Outro ponto a destacar é que a competição entre governos não ocorre da mesma

forma em que entre empresas produtoras do setor privado e, portanto comporta duas

formas: uma competição entre governos no sentido de ser feita uma comparação entre

partidos diferentes que estão à frente de governo; e uma competição por eleitores. Outra

diferença é que enquanto os bens convencionais estão no mercado todo dia, o mercado

de votos só acontece a cada quatro anos, embora esteja latente o tempo todo. Neste

contexto,

“a inovação entra justamente como uma estratégia de diferenciação de

governação, que deve se diferenciar de governance e governabilidade,

identificando-se com o ato de governar, de exercer o poder, de fazer o

governo. Em um mercado eleitoral competitivo, a governação fica sujeita à

destruição criativa, a recorrência à inovação no sentido de criar vantagens

competitivas para o partido no poder assegurar a manutenção do poder e a

renovação do seu monopólio” (Pinho e Santana, 1998:4).

Nesse sentido, se bem sucedida a inovação cria a imagem de um governo ativo,

sintonizado com as necessidades do eleitorado, transformando-se quase em paradigma,

enquanto um governo que não adota a inovação será visto com reservas, conservador.

No Brasil, o processo de inovação pela esfera municipal foi desencadeado

principalmente por três fatores: 1) a crise sobre a sociedade brasileira que provocou

transformações no Estado; 2) iniciativas de algumas prefeituras de esquerda, como

resposta à crise apontada, fazendo com que iniciativas de inovação também sejam

realizadas por partidos de centro-esquerda e direita encarregados da gestão pública; e 3)

mimetismo na gestão municipal: mesmo governos de perfil mais conservador acabam

copiando e adotando propostas e governos inovadores, adaptando-as ao seu perfil

ideológico (Pinho e Santana, 1998:5).

A partir dos projetos selecionados pelo Programa Gestão Pública e Cidadania em

1997, Pinho e Santana (1998) constróem categorias para expressar inovação na esfera

sub-nacional, embora alertem que essas categorias não esgotam as possibilidades de

inovação:

� Gestão democrática: construção de uma nova forma de relacionamento entre Estado

e sociedade civil, através de uma gestão participativa, comunitária, sem paternalismo,

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com combate ao clientelismo. Pode ser vista também como a deselitização de

políticas públicas, facilitando o acesso de bens normalmente direcionados à uma elite,

uma minoria.

� Descentralização e desburocratização dos serviços públicos: transferência para níveis

sub-nacionais de responsabilidades tradicionalmente localizadas na esfera federal e

de serviços públicos dentro da esfera sub-nacional, bem como de simplificação,

descomplexificação e desburocratização da gestão pública, levando os serviços aos

usuários e rompendo com as formas centralizadas tradicionais de gestão pública.

� Incorporação dos excluídos e minorias: enfrentamento da exclusão social, quebrando

a visão assistencialista e buscando ações auto-sustentáveis através do trabalho e da

geração de emprego e renda, bem como de melhorias no abastecimento alimentar e

habitacionais e projetos que visam integrar ou reintegrar minorias à sociedade.

� Valores para trás: resgate de valores que já estiveram presentes e que foram

abandonados, tanto no sentido de valorização de conceitos básicos de cidadania

quanto um resgate de valores tradicionais que opõem-se a uma visão tecnológica

dominante. Pode ser observada principalmente na área da saúde.

� Valores para frente: introdução de ações voltadas para valores que começam a ser

cultivados no presente como resultado de uma nova configuração econômica, social e

política, tais como valores relativos à área ecológica, apoio à mulher na terceira idade,

programas de conscientização das crianças sobre direitos e deveres do consumidor,

etc.

Analisando essas experiências, os autores observam que no caso da gestão

pública, ou seja, um sistema social, a inovação está associada muito mais a uma

mudança de postura e de posicionamento ideológico do que a uma inovação tecnológica.

Além disso, não se tratam de projetos grandiosos, mas de uma série de ações pontuais

que introduzem posições e valores de ruptura com a situação histórica do Brasil.

“A luta contra a pobreza, com a incorporação de excluídos, representa o

engajamento do nível local no combate a esta situação. A incorporação das

minorias representa também uma ampliação do conceito de democracia,

normalmente entendido como governo da maioria. Assim, inovação no setor

público no Brasil não pode ser vista fora do contexto de miséria, pobreza,

marginalidade, exclusão, clientelismo, paternalismo, etc. O que efetivamente

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rompe com esses valores e condições deve ser visto como inovação” (Pinho

e Santana, 1998:14).

A questão que perseguimos é a identificação de experiências inovadoras que

permitam a construção de uma esfera pública democrática e de uma metodologia capaz

de identificar e escalonar os fatores que viabilizam a transformação das estruturas sociais

e das relações de poder, entendendo assim a dinâmica criadora desde a interação entre

Estado e sociedade.

A literatura selecionada nos permite partir de alguns pressupostos teóricos que

orientam a identificação do objeto e possibilitam a escolha dos elementos necessários à

investigação. Para isto, cabe localizar, no debate teórico, a relação entre as questões

centrais aqui tratadas – inovação, democracia, cidadania e emancipação- no âmbito das

políticas públicas, buscando evidências de situações que possam ser replicáveis.

Situações nas quais, no desenvolvimento das relações entre Estado e sociedade, as

transformações se materializam em políticas que são sensíveis às demandas plurais

oriundas de grupos diferenciados possibilitando ações governamentais indutoras da

organização social, capazes de gerar mecanismos públicos de negociação e

redistribuição dos recursos.

Altman (2001) revisa as discussões da ciência política neste século em busca das

conexões entre desenvolvimento econômico e democracia. No pós guerra identifica a

importância dos estudos de Lerner e Lipset (1979) que consagraram a tese que quanto

melhor é o desenvolvimento econômico de um país maiores chances tem de manter um

governo democrático. Ao final dos anos 60, no entanto, Huntington (1968) argumenta que

uma rápida modernização pode levar a uma revolução de expectativa e minar a

estabilidade política. Outros estudiosos, como Przeworsky (1979) e O’Donnell (1979),

também desmistificaram a possível seqüência necessária a uma correlação ideal entre

alto nível de desenvolvimento econômico e democracia, mostrando, respectivamente, que

o desenvolvimento provoca estabilidade de qualquer regime e que a democracia é viável

em níveis intermediários de modernização.

Autores clássicos como Rustow (1970) e Barrington Moore (1966) buscam em

outros fatores responsáveis pelas possibilidades e opções por diferentes tipos de

modernização. Todas estas pesquisas comparativas de tipo quantitativo cross country ou

histórico não levaram a uma tese consensual, permitindo que Amartya Sen (1999)

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afirmasse que, juntos, estes estudos provam apenas que não ha uma relação clara entre

democracia e crescimento econômico, em qualquer das duas direções.

A partir dos anos 80, os estudos meta teóricos passam a ser substituídos por

investigações de nível meso, que tiveram seu maior destaque com o trabalho de Putnam

sobre a avaliação do desempenho institucional a partir de suas relações com o contexto

sociocultural, gerador dos estoques de capital social. Coleman (1990) estabeleceu a

relação complementar entre capital físico- econômico, capital humano e capital social. Os

benefícios potenciais do capital social seriam a informação, a influência, o controle e a

solidariedade social. Para Abu-El-Haj (1999:69) Putnam (1996) assume uma vertente

cultural na explanação das fontes de confiança, atribuindo à cultura política e à história

particular a determinação do associativismo horizontal, base do engajamento cívico.

Neste sentido, Putnam (1996) adota a demarcação clássica entre as esferas públicas e

privadas e enfatiza a necessária autonomia da sociedade em relação ao Estado.

A reação neo-institucionalista a esta abordagem culturalista foi expressa pelo

trabalho de Evans (1996), demonstrando que o Estado tem um papel crucial na

mobilização do capital social. Para Evans as instituições públicas tem, além do monopólio

da coerção, a exclusividade da mobilização dos recursos sociais. Sendo o Estado a

principal arena de convergência das demandas sociais, ele determina, em última

instância, o sucesso das iniciativas voluntárias (Abu-El-Haj, 1999). Evans resgata como

fatores que garantem a qualidade das instituições públicas o esprit de corps da

burocracia meritocrática que lhe garante autonomia em relação às pressões clientelistas

e, paradoxalmente, a inserção desta burocracia (embeddedness) em um projeto de

desenvolvimento, cruzando a linha de divisão entre o público e privado.

É importante ter em conta que esta mudança de abordagem teórica vai ser

baseada em um metodologia de estudos de casos exemplares, best practices, que

fundamentam as conclusões sobre as relações virtuosas entre o estatal, o privado e o

cívico. A grande interrogação que ainda persiste é em relação ao desenvolvimento do

capital social em sociedades que se caracterizam por elevada desigualdade e falta de

incentivos para participação em empreendimentos coletivos, o que poderia levar a

degeneração da confiança em relações de amoralismo (Reis, 1995; Banfield, 1958).

O estudo do PNUD sobre os paradoxos da modernização no Chile retoma esta

questão apontando a cisão entre modernização e subjetividade, tratados como processos

autônomos no desenvolvimento atual. Para Lechner (2000:14) os resultados encontrados

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podem ser explicados a partir da hipótese de que a individualização em curso requer uma

reconstrução do social, pondo acento na indagação das imagens do coletivo. Este

coletivo, que pode ser também identificado como capital social no nível simbólico

proposto por Bourdieu, é fruto do contexto no qual as relações se desenvolvem, o que

leva Lechner (2000) a retomar a proposta de Evans (1996) de que tal desenvolvimento

exige incentivos por parte das instituições. No entanto, as estratégias propostas como

mais profícuas, envolvendo a descentralização, municipalização e participação podem

cair em um vazio tecnocrático ou voluntarista, se não forem submetidas à uma

qualificação em termos da sua orientação política e da sua capacidade de gerar uma

nova base técnica, capaz de mobilizar e acionar o potencial organizativo da sociedade.

Torna-se necessário buscar, nas experiências concretas, quais os elementos desta

dinâmica entre Estado e sociedade que funcionam de forma a gerar sinergias e

transformações em ambos, revitalizando assim a esfera pública.

Se as políticas públicas são nosso campo de observação, um segundo elemento

metodológico é como avaliá-las, daí o recurso à avaliação de políticas. Embora bastante

em voga, a proliferação atual de estudos de avaliação, requeridos pelas agências

internacionais como parte dos processos de reforma administrativa do Estado, pouco tem

contribuído para esta finalidade. Em geral, esses estudos baseiam-se na análise de

atividades, produtos, objetivos intermediários e objetivos finais em relação a critérios de

eficácia, eficiência, equidade e sustentabilidade (Mokate, 2000) e assumem que as

políticas públicas, sendo ações racionais dirigidas aos propósitos formulados, devem ser

avaliadas em sua implementação, estratégias e atores, em relação aos resultados

propostos (Silva e Rosário, 2000).

A nossos ver, esta abordagem apresenta, pelo menos, dois problemas cruciais.

Em primeiro lugar, identifica políticas com projetos, característica comum à visão das

agências internacionais, que retira capacidade e direção política das atividades estatais.

Em segundo lugar, situa-se ao interior do projeto formulado, evitando explicitar critérios

normativos de análise, que possam julgar a política desde o modelo de sociedade que se

pretende construir.

Nosso projeto parte da afirmação de um critério normativo de avaliação, que se

funda na capacidade de resposta aos problemas envolvidos na construção de esfera

pública democrática, que dizem respeito à expansão da cidadania por meio da resolução

das questões relativas à integração, participação e distribuição.

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A integração está relacionada à noção de coesão social (Castel, 1998),

traduzindo-se no pertencimento a uma comunidade particular, o que envolve, tanto o

sentimento de identidade como a percepção dos conflitos e até mesmo a tolerância com

a diferença (Kymlicka, 1997; Walzer,1977). Inclui-se ainda a dimensão da

responsabilidade coletiva, da preocupação e responsabilização com o “outro” – o ser

humano e a natureza (Santos, 2000), e a existência de elos ou vínculos, envolvendo a

noção de solidariedade (Danzelot, 1998)

Discutir integração é discutir a relação inclusão/exclusão (Demo, 1998), seja na

comunidade de direitos (Marshall, 1987; Bobbio, 1992), seja nas instituições sociais,

sendo as principais delas o mercado de trabalho e o sistema de proteção social.

Aceitando-se que ninguém está fora da sociedade, a proposta de Castel (1998) de

buscar compreender a posição em relação aos eixos centrais de integração acima

mencionados, permite a construção de indicadores de posições de integração, inserção e

exclusão. Finalmente, a integração pressupõe a existência conflituosa entre autonomia e

inserção dos interesses dos grupos sociais em uma ação política, como fatores inerentes

e constitutivos da sociedade civil.

A participação corresponde à dimensão política da cidadania que inclui os direitos

políticos mas que não se reduz à ordem jurídica, já que requer dos indivíduos o desejo de

participar do processo político com o propósito de promover o bem público e controlar as

autoridades. Sem dúvidas a democracia requer a presença efetiva das condições sociais

e institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na

formação do governo e o controle da vida social (Coutinho, 1997:145). A resolução do

problema constitucional básico, representado pela acomodação dos conflitos subjacente

à realidade econômica e social e a construção da esfera política onde tais conflitos de

interesses possam ser processados institucionalmente é o dilema da democracia a ser

resolvido em cada país (Reis, 1993).

A subordinação temporal e normativa da participação (inclusividade) à

competitividade (liberalização) nos termos propostos na poliarquia de Dahl (1997) e

retomados por O’Donnell (1998) reduz o cidadão ao eleitor, no modelo democrático

formulado por Schumpeter. A proposta de uma democracia participativa (MCPherson,

1978) ainda que carecendo de maior consistência teórica já representa uma realidade

concreta (Carvalho, 2001) que criou formas institucionais de co-gestão das políticas

públicas que adensaram a esfera pública.

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Boaventura Santos (2000) argumenta que “quanto mais vasto for o domínio da

política, maior será a liberdade”, mas a dimensão da participação também envolve a

disposição dos cidadãos em auto-limitar-se e exercer a responsabilidade pessoal diante

de exigências econômicas (Kymlicka, 1997).

A discussão acerca da distribuição parte da constatação de que a possibilidade

de exercício da cidadania, envolvendo a integração e a participação, implica a satisfação

das chamadas necessidades humanas, ainda que socialmente produzidas (Heller, 1996 e

Macêdo, 1999). A construção de um padrão societário de civilidade (Sposati, 1997) é

sempre uma construção política, requerendo a intervenção do Estado para garantia dos

direitos sociais envolvidos. Neste sentido, Wanderley Guilherme dos Santos (1993:34)

afirma que “toda política social constitui-se em uma metapolítica, porque fornece o

princípio que permite ordenar escolhas trágicas”, sendo sempre uma política

redistributiva, referindo-se, na concepção de Oszlack (1997), ao plano material da

distribuição do excedente.

Tomando os eixos da integração, da participação e da distribuição, podemos

definir os parâmetros que vão nos guiar em nossa observação da inovação social, que

dizem respeito às transformações necessárias (tanto no Estado quanto na sociedade) à

construção da cidadania e combate à exclusão.

Como discutido, nossa proposta de criação do Observatório de Inovação Social

assume como critério da avaliação das políticas públicas a sua capacidade de alterar as

relações de poder existentes, de forma a permitir a transformação das estruturas

burocráticas do Estado e das organizações da sociedade em direção à construção de

uma esfera pública democrática. Nesse sentido, e com base nas experiências já

conhecidas, podemos identificar alguns elementos comuns àquelas políticas que são

capazes de atingir este objetivo. Ou seja, elementos que favorecem a construção de uma

esfera pública democrática e emancipatória. Por seu caráter transformador é que eles

representam, no âmbito das políticas públicas, o que aqui discutimos como inovação.

Os elementos identificados são:

• A criação de espaços públicos de representação e negociação, assumindo como

prioridade o gerenciamento dos conflitos

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• A combinação de modalidades de representação e participação direta na co-

gestão pública.

• O desenvolvimento de tecnologias gerenciais capazes de canalizar as demandas

sociais, propiciar a geração de consensos e permitir o planejamento, controle e

coordenação em um contexto não tecnocrático

• O estabelecimento de mecanismos, regras e sistemas de prioridades claramente

conhecidos e acordados.

• A construção de mecanismos e instrumentos de comunicação e publicidade da

ação publica capazes de difundir a proposta, gerar adesão e mobilização e permitir

o controle social.

• O desenvolvimento de formas de valorização e capacitação dos servidores

públicos conjugadas ao seu envolvimento com a redefinição da missão institucional

e com as novas formas de relacionamento com a sociedade

• A institucionalização da liderança carismática através de processos inovadores de

trabalho envolvendo construção de equipes e reconfiguração da divisão técnica e

social do trabalho

• Mecanismos de transmissão do saber técnico a comunidade e as instituições

locais, ao mesmo tempo em que se propicia a valorização do saber ali existente

• A reconstrução das identidades coletivas de todos os atores envolvidos em um

processo que pressupõe a alteridade

• A construção de coalizões políticas e canais institucionais que permitam

estabilidade e continuidade

• A flexibilidade e capacidades de adaptação dos princípios gerais das políticas

públicas à realidade específica, considerando suas potencialidades e limitações na

recondução do curso da ação.

• O redesenho das relações entre governo central e local, entre governo e

comunidade, entre governo e setor privado.

• O desenvolvimento de capacidade de gestão e estruturas plurais e policêntricas na

condução das políticas publicas.

De fato, a inovação social é preliminarmente por nós definida como o processo

de transformação e densificação da esfera pública e diz respeito à expansão da

cidadania por meio do tripé integração, participação e distribuição, tendo – no limite –

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como conseqüência fundamental, a possibilidade de construção de sujeitos autônomos e

emancipados. Pode ser melhor visualizada a partir do esquema a seguir:

Densidade da Esfera Pública

(capacidade de integração, participação e distribuição)

Dessa forma, tão mais inovadora será a política pública quanto maior for sua

capacidade de congregar, simultaneamente, altos índices de integração, participação e

distribuição.

Na verdade, o eixo acima é resultante de um esquema conceitual de análise que

se baseia em dois eixos perpendiculares entre si. O primeiro diz respeito à integração e

se traduz na relação de pertencimento a uma comunidade particular, o que envolve tanto

o sentimento de identidade como a percepção dos conflitos e, até mesmo, a tolerância

com a diferença (Kymilicka e Norman, 1997; Walzer, 1977). Inclui ainda a dimensão da

responsabilidade coletiva, da preocupação e responsabilização com o “outro” – o ser

humano e a natureza (Santos, 2000), e a existência de elos ou vínculos envolvendo a

noção de solidariedade (Donzelot, 1998). Portanto, discutir integração é discutir a relação

inclusão/exclusão (Demo, 1998), seja na comunidade de direitos (Marshall, 1987; Bobbio,

1992), seja nas instituições sociais, sendo as principais delas o mercado de trabalho e o

sistema de proteção social. Definimos que a mínima integração localiza-se na esfera da

sobrevivência física e se constitui em um dos extremos do continuum, cujo percurso

encaminha-se a outro extremo, a emancipação , entendida como processo histórico de

conquista da condição de sujeito autônomo, capaz de projeto próprio e coletivo (Demo,

2001).

Esfera Pública Ampliada

Esfera Pública Restringida

Baixa Alta Média

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Políticas Públicas

REGU L AÇÃO

Sobrevivência

Emancipação/ Autonomia

Esfera Pública Ampliada

Esfera Pública Restringida

E.P.Restringida E.P. Intermediária

E.P. Ampliada

Patrimonialismo Autoritarismo Clientelismo Exclusão

Regulação (buro- cracia/ Sist. Rep.) Igualdade homogênea Cidadania

Democracia Deliberativa Igualdade complexa Diversidade Cidadania diferenciada Emancipação

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O segundo eixo, da regulação indica a posição de crescente expansão do domínio

estatal como parte do processo de desenvolvimento da cidadania, sendo que, no

entanto, neste processo, aumentaram as tensões entre cidadania e subjetividade

(Boaventura Santos, 1994:211). A formalização da cidadania em aparatos jurídicos e

burocráticos e a tecnificação das políticas públicas que se responsabilizam pelos direitos

sociais definem um modelo de cidadania atomizada e estatizante em detrimento de sua

dimensão emancipatória.

Dessa forma, entende-se que, dentre os princípios básicos necessários à

construção da esfera pública ampliada, não se pode prescindir da autonomia e inserção.

Princípios Básicos Constitutivos da Esfera Pública

Autonomia/Inserção

Restringida Ampliada

Autoritarismo

Patrimonialismo

Tutela

Exclusão

Democracia

Procedural

Constitucional

Estado Burocrático

Direitos/deveres

Cidadania homogênea

Democracia deliberativa

Meso-democracia

Economia desacordo

moral

Reciprocidade

Magnanimidade cívica

Espaços de exerc.

Cidadania

Político

Doméstico

Produção

Mundial

Além da construção do marco teórico para cada um dos espaços delimitados no

continuum anterior, há que se privilegiar também o processo de construção de

identidade , dos sujeitos e dos atores coletivos.

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De acordo com Castells (1999), a identidade do ator se constrói a partir de um

significado, de seus papéis sociais. papéis são definidos institucionalmente. Ainda

segundo o autor, é construída simbolicamente e pode ser:

• Legitimadora: reforça a dominação ideológica.

• De Resistência: construída em contraposição à legitimadora, mas os atores

continuam em relação desprivilegiada (poder), reforçando a exclusão.

• De Projeto: redefinição de sua posição na sociedade, pretendendo participar da

própria construção do tecido social.

A esfera pública ampliada permite a construção da identidade de projeto diversos

atores assim como sua incorporação de forma diferenciada. Viabiliza a construção de

sujeitos como atores sociais, uma vez que as políticas possuem, além das dimensões

material e institucional, uma dimensão simbólica, espaço privilegiado da subjetividade e

da formação de identidades coletivas.

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ANEXO 2: Pesquisas e Bancos de Dados do PEEP

1. INTRODUÇÃO

Este relatório apresenta os produtos resultantes da pesquisa realizada pelo OBSERVATÓRIO DA INOVAÇÃO SOCIAL da Fundação Getulio Vargas, que tinha como objetivo realizar a avaliação da inovação social da política habitacional do Município do Rio de Janeiro, através dos Programas Favela-Bairro e Morar Legal.

O OBSERVATÓRIO DA INOVAÇÃO SOCIAL tem avaliado experiências capazes de transformar

as relações entre Estado e Sociedade que fundam novas práticas orientadas à

governabilidade democrática.

O OBSERVATÓRIO monitora e avalia políticas públicas no que tange à sua capacidade de tornar operativos os direitos constitucionais e proporcionar justiça social. Nesse sentido, assume como critério de avaliação de políticas públicas a sua capacidade de alterar as relações de poder existentes, de forma a permitir a transformação das estruturas burocráticas do Estado e das organizações da sociedade em direção à ampliação da esfera pública democrática. Por isso, diferentemente das metodologias tradicionais de avaliação de programas e projetos sociais, a proposta do OBSERVATÓRIO DA INOVAÇÃO

SOCIAL é avaliar a política pública em seu potencial de gerar cidadania.

1.1OS PROGRAMAS FAVELA-BAIRRO, GRANDES FAVELAS E MO RAR LEGAL

O Programa de Urbanização de Assentamentos Populares do Rio de Janeiro – o PROAP

- tem como objetivo dotar favelas e loteamentos irregulares de infra-estrutura e serviços

sociais básicos, regularizá-los e integrá-los aos bairros, para que as pessoas que residem

nestes locais sejam consideradas parte da cidade e tenham os mesmos direitos à

cidadania que as demais.

Os Programas Favela-Bairro e Morar Legal, que compõem o PROAP-RIO, investigam políticas sociais governamentais que visam atender necessidades básicas de segmentos da população considerados excluídos, com o objetivo de integrar esses segmentos à sociedade, favorecendo a ampliação de sua cidadania. Para tanto, utilizam-se de instrumentos não tradicionais na implementação de políticas sociais no Brasil, que podem se constituir em inovações a serem incorporadas a outras políticas.

Em função dos diferentes portes das áreas atendidas, o Programa Favela-Bairro foi subdividido, criando-se mais outros dois Programas em razão do número de domicílios: O Programa Grandes-Favelas e o Programa Bairrinho.

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O Programa Grandes-Favelas tem como característica atender a uma população acima

de 2.500 domicílios. O Programa Favela-Bairro objetiva atender uma população de 500 à

2.500 domicílios. E o Bairrinho atende a uma população de até 500 domicílios. As ações

estão voltadas para a urbanização e cada um dos respectivos Programas tem o seu

órgão financiador.

Em relação ao Favela-Bairro a contrapartida é da Prefeitura em parceria com o Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID). O Grandes Favelas tem a contrapartida da

Prefeitura juntamente com a Caixa Econômica Federal. Já o Bairrinho tem uma parceria

com a Caixa Econômica Federal e a União Européia, dependendo da articulação da

execução dos trabalhos de urbanização

O que diferencia estes programas é o número de domicílios atendidos, os órgãos

financiadores e a forma de intervenção na comunidade. No Programa Favela-Bairro a

intervenção é realizada em toda comunidade no mesmo período. Já no Programa

Grandes Favelas, a intervenção é realizada a partir da divisão da área que será

beneficiada em setores. As ações do Programa Grandes Favelas em Rio das Pedras

beneficiará 24 mil pessoas. O orçamento previsto para realização das ações nesta

comunidade gira em torno de R$ 27 milhões, sendo R$ 24,8 financiado pela Caixa

Econômica Federal.

1. OBJETIVOS

1.1. OBJETIVO GERAL

O Objetivo geral desta pesquisa foi avaliar o grau de Inovação Social dos Programas

Favela-Bairro e Morar Legal, a partir do estudo de três comunidades específicas:

Parque Proletário Vigário Geral, Loteamento Ana Gonzaga e Favela de Rio das

Pedras.

1.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Para isso, os objetivos específicos buscaram:

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a) avaliar os efeitos das ações desenvolvidas pelos Programas Favela-Bairro e Morar legal – a partir de seus componentes urbanístico, institucional e social - na construção da cidadania de seus usuários diretos;

b) avaliar os efeitos dessas ações sobre a estrutura política, institucional e social das localidades atendidas pelo Programa;

c) criar sistema integrado de indicadores objetivos e subjetivos de construção da cidadania como um efeito desejado das ações desenvolvidas nas dimensões institucionais e sociais do Favela-Bairro e Morar Legal;

d) identificar e definir níveis críticos, isto é, sinalizadores, para a identificação imediata dos problemas que requeiram alterações necessárias na construção dos Programas.

3. METODOLOGIA Para a consecução do objetivo geral da pesquisa, a investigação foi desenvolvida em dois níveis distintos. O primeiro, relativo à construção da metodologia de avaliação, foi fundado no estudo de caso do Programa Favela Bairro em Vigário Geral e no Programa Morar Legal no Loteamento Ana Gonzaga, em Campo Grande. O segundo nível englobava a aplicação dessa metodologia aos dois casos pré-selecionados. Assim, cada caso permitirá, ao mesmo tempo, a avaliação de uma política e o teste da metodologia. Nossa investigação focalizou-se nas transformações da esfera pública que incluem tanto as mudanças na política pública quanto as mudanças na sociedade civil e, fundamentalmente, na interação entre ambos. Neste sentido, a pesquisa envolveu um esforço de construção tanto teórica quanto empírica, na medida em que o estudo de casos permite o teste de certos indicadores assim como a sugestão de novos indicadores da inovação social. Existe uma vasta literatura sobre avaliação de políticas públicas, que trabalha com a construção de indicadores e índices de desempenho e produção em relação às fases de formulação e implementação de políticas e projetos. Estes estudos podem ser realizados a partir de uma base de dados ou mesmo de estudos de casos nos quais verificam-se as metas alcançadas e a comparação entre resultados esperados e alcançados. Ainda neste primeiro nível da investigação, realizou-se levantamento extensivo das possíveis inovações sociais identificadas pela literatura em casos nacionais. Para tanto, foram utilizados os bancos de dados disponíveis sobre o tema, em especial o do Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getulio Vargas, além da bibliografia afim. Posteriormente, estes indicadores relativos à política pública foram aplicados aos projetos em estudo, utilizando os dados recolhidos na pesquisa de campo. Construímos um

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conjunto de indicadores de inovação social calcado em quatro dimensões – integração, participação, distribuição e constitucionalização – a partir da observação de três componentes constitutivos fundamentais em qualquer política: • componente de atendimento à necessidades - engloba diferentes ações que estão

direcionadas para aquilo que se convencionou chamar “a ponta da linha”, ou seja, instrumentos gerenciais que visam alterar a qualidade e a efetividade do combate às carências sociais. Esse componente contempla aspectos referentes à garantia do acesso das famílias em situação de carência, grau de cobertura, utilização do benefício e aspectos de formação.

• componente institucional - diz respeito às condições reais de inclusão e exclusão criadas através do processo de formulação e desenho das políticas e dos mecanismos gerados para sua implementação, combinados à assignação de recursos e gestão. Traduz-se no tipo de mediação entre Estado e sociedade, na configuração organizacional, no modelo de gestão, na capacidade humana e técnica instalada e no aparato burocrático.

• componente de construção do sujeito - diz respeito ao processo pelo qual os indivíduos se autonomizam e adquirem a capacidade de desenvolvimento de projeto próprio e coletivo, notadamente no aspecto emancipatório da produção e das possibilidades de reprodução. Para além do nível material da sobrevivência, incorpora necessariamente uma dimensão simbólica pela qual os indivíduos atribuem especial significado a todo um conjunto de experiências de vida, traduzido basicamente pelo desempenho de seus papéis sociais. É a partir desse conjunto de significados que a identidade do sujeito se constrói.

Nesse sentido, como instrumentos de investigação a referente pesquisa adotou as seguintes técnicas de entrevistas: Grupo Focal e História Oral. A primeira tem como objetivo criar um ambiente adequado para diferentes pessoas sentirem-se confortáveis o bastante para partilhar num grupo o que pensam ou sentem sobre determinado assunto. A segunda é um instrumento de coleta de dados, com o objetivo de recolher informações históricas por meio da fala dos atores históricos envolvidos em um determinado fato a ser estudado. Utiliza-se da memória e da representação desses indivíduos para compreender a dinâmica social da qual fazem parte. Trabalha-se também com a experiência pessoal e com o papel do indivíduo na história da sociedade em eventos públicos, por exemplo. Para os Programas em questão, estas técnicas qualitativas de investigação são bastante indicadas. A partir das entrevistas abertas, foram selecionados e convidados indivíduos para participarem de grupos nos quais foram aprofundados temas que surgiram na investigação original mas não puderam ser bem explorados - como auto-estima, pertencimento e integração social, dependência -, que contudo são altamente relevantes ao objeto da inovação e portanto à construção da metodologia. A técnica de grupos focais visou ingressar na lógica do ator social, “reconstruir o sistema de sentido simbólico que sustenta a ação do sujeito”. Foram realizados dois grupos focais por localidade eleita para a investigação. No caso do Programa Favela-Bairro, onde foi restrita a investigação com usuários, pretende-se realizar entrevistas em profundidade e grupos focais com pessoas das comunidades atendidas, selecionadas, em princípio, segundo critérios de sexo, idade,

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escolaridade e área de moradia na favela. A opção por esses instrumentos de coleta de dados limita de antemão a possibilidade de amostragem estatística representativa. Assim, o critério de repetição de temas deve ser o orientador da condução da amostra. Outro grupo de pessoas será selecionado nos projetos sociais desenvolvidos pelo Programa, também procurando-se atender aqui aos critérios de idade, escolaridade e sexo, e cobrindo ao menos um projeto com crianças, um com jovens e um de geração de trabalho e renda. Para a cobertura dos atores, nesta nova pesquisa serão realizadas entrevistas com lideranças e agentes comunitários, com representantes de ONGs e técnicos governamentais responsáveis pela condução, nas comunidades, dos projetos sociais, assim como será ampliado o escopo de entrevistas com agentes governamentais. No Caso do Programa Morar Legal é necessário ampliar a investigação com os técnicos

responsáveis pelo programa, investir no estudo em relação aos usuários e aos atores e

órgãos envolvidos na formação de redes de políticas. A exemplo do Favela-Bairro,

pretende-se realizar entrevistas em profundidade e grupos focais com pessoas das

comunidades atendidas, selecionadas segundo os mesmos critérios de sexo, idade e

escolaridade. Outro grupo também será selecionado a partir das inserções em projetos

sociais desenvolvidos pelo Programa, segundo os critérios de idade, escolaridade e sexo,

e cobrindo ao menos um projeto com crianças, um com jovens e um de geração de

trabalho e renda. Para a cobertura dos atores, serão realizadas entrevistas com

lideranças e agentes comunitários, com representantes de ONGs e outros órgãos que

atuam numa perspectiva de rede, com técnicos governamentais responsáveis pela

condução, nas comunidades, dos projetos sociais.

4. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES

Atividades realizadas Atualmente a pesquisa encontra-se em fase de organização e análise do material coletado. A próxima etapa será a elaboração de um artigo com a proposta metodológica e dois artigos com os resultados de cada um dos casos. A pesquisa foi realizada em um período de 8 meses, onde foram realizadas as seguintes atividades:

• Levantamento e construção de um banco de dados com textos, livros e artigos ligados

ao tema da pesquisa.

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• Resumos e fichamentos do material coletado

• Planejamento e execução de 62 entrevistas assim divididas:

� 19 entrevistas em profundidade com os moradores do loteamento Ana Gonzaga

� 2 grupos focais (um de jovens e um de mulheres) no Loteamento Ana Gonzaga

� 14 entrevistas em profundidade na Comunidade de Vigário Geral

� 2 grupos focais (um de jovens e um de mulheres) em Vigário Geral

� 14 entrevistas em profundidade na Comunidade de Rio das Pedras

� 2 grupos focais (um de jovens e um de mulheres) em Rio das Pedras

� 9 entrevistas com os gestores dos 3 programas.

• Transcrição de mais de 50 horas de entrevistas e grupos focais gravados em fita K-7

• Construção de categorias de análise e separação das falas das entrevistas e dos grupos focais realizados em Vigário Geral

• Realização de reuniões semanais, onde são discutidas as estratégias de ida a campo; identificação dos atores-chave para as entrevistas em profundidade e grupos focais e ;elaboração de categorias de análise.

PRODUÇÃO CORRELATA

TRABALHOS CIENTÍFICOS Bicudo, Valéria. Efeitos de uma Política Pública na construção da ci dadania: Limites e Possibilidades. Pôster apresentado no III Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Saúde, realizada na UFSC.Florianópolis, 09-13 de julho de 2005.

MONOGRAFIAS

NEVES, Tatiana. "Análise da implementação do Plano de Ação Social I ntegrada (PASI) no lotemento Ana Gonzaga". Monografia apresentada à Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense como quesito para obter título de Bacharel em Serviço Social. Niterói, 03 de agosto de 2004.

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DISSERTAÇÕES

LAZO, Maria. As Políticas de Urbanização e Regularização Fundiá ria no Processo de Inclusão Social: O PROAP – Rio de Janeiro. Dissertação apresentada à EBAPE/FGV como quesito para obter o título de Mestre em Administração Pública. Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2005.

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1.2 Municipalização da Saúde: Inovação na Gestão e Democracia Local no Brasil

Introdução

A pergunta que este projeto pretende responder é o que ocorreu nos últimos dez

anos, a partir do aprofundamento da descentralização na saúde, em termos da inovação

gerencial introduzida pelos gestores municipais de saúde e, em que medida as mudanças

tanto no perfil do gestor quanto em suas ações podem indicar uma maior democratização

do poder local no Brasil.

O Brasil vem vivendo um significativo processo de d escentralização político-administrativa, principalmente a partir da Constitu ição de 1988. Ampliando a participação dos Estados e Municípios no bolo tribu tário nacional, a nova Carta dotou essas esferas governamentais de base material para o exercício de atribuições e encargos adicionais.

A Saúde foi a área de política social em que o modelo descentralizador foi mais

ampla e radicalmente aplicado, passando a servir de modelo para outras áreas das

políticas públicas, como a de assistência e de segurança. O Sistema Único de Saúde

(SUS) é hoje dotado de um arcabouço jurídico-normativo que lhe define uma arquitetura

institucional bastante consistente e adequada tanto à idéia da centralidade do município

no funcionamento do sistema, quanto à idéia de sua permeabilidade às demandas

sociais.

Os estudos dos processos de descentralização, regra geral atêm-se ao desenho

da descentralização, ou analisam este processo em um dado ponto, em um corte

sincrônico. Na verdade, trata-se de uma profunda limitação, já que todos reconhecem que

a descentralização, sendo um processo complexo, só pode ser compreendida ao longo

do seu desenvolvimento, em uma perspectiva diacrônica. No período de 1996-1997 foi

realizada uma pesquisa de nível nacional, intitulada “Municipalização da Saúde e Poder

Local no Brasil”, sob a responsabilidade da EBAPE/FGV, com a assessoria técnica da

ENSP/FIOCRUZ e com o apoio financeiro do Projeto Nordeste do Ministério de Saúde e

do PNUD. Esta investigação buscou verificar as possíveis transformações ocorridas na

gestão municipal da saúde, a partir da descentralização, tomando como unidade de

análise o gestor ou Secretário Municipal de Saúde, tanto em relação ao seu perfil quanto

em termos das inovações introduzidas seja quanto à participação social, aos mecanismos

gerenciais ou ao modelo assistencial.

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Desta forma, temos hoje uma base de dados excepcionalmente rica para

podermos comparar o processo de descentralização durante a última década. Além

disso, já foi desenvolvida uma metodologia de análise que permite aferir a diversidade em

relação aos perfis dos gestores e a inovação em relação à gestão nas dimensões social,

gerencial e assistencial. Os dados, naquele momento, indicavam uma defasagem entre

os avanços da descentralização, sendo maiores as inovações na dimensão social,

seguida da dimensão gerencial e só em último lugar na dimensão assistencial.

Objetivo geral

Verificar as possíveis transformações ocorridas na gestão municipal da saúde, a

partir da descentralização, caracterizando-as quanto ao seu eventual caráter

democratizante, em termos da diversidade e da inovação, comparando os resultados

obtidos na pesquisa de 1996 com o momento atual.

Objetivos específicos

• Caracterizar o perfil social e político dos novos dirigentes municipais de saúde,

comparando-o com o grupo já estudado;

• Caracterizar as inovações implementadas pelas novas equipes gestoras, cotejando-as

com o grupo já estudado;

• Mapear e discutir a evolução do perfil dos dirigentes, assim como a distribuição de

inovações na gestão, quanto aos diversos tamanhos de municípios e quanto à sua

localização geográfica;

• Aprimorar a metodologia e o modelo teórico para caracterizar a inovação nas suas

dimensões social, gerencial e assistencial;

• Estabelecer correlações entre o perfil do gestor e as dimensões da inovação e entre

as variáveis estudadas (inovações gerenciais e melhorias assistenciais; controle social

e desempenho institucional; etc.), possibilitando identificar as variáveis que maior peso

apresentam em relação à inovação e, desta forma, ampliar o campo de análise;

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• Discutir possíveis correlações entre as variáveis estudadas, de forma a determinar

padrões de apresentação das inovações, nos seus diversos graus e em suas diversas

modalidades;

• Selecionar experiências municipais significativas para fins de estudos de caso,

visando à verificação de hipóteses levantadas no estudo nacional;

• Aprofundar o marco teórico sobre descentralização, democracia local e sua relação

com a reforma do Estado;

• Criar e manter banco nacional de dados a respeito da gestão municipal em saúde, de

modo a permitir o contínuo acompanhamento das variáveis estudadas na pesquisa.

Metodologia

Em linhas gerais, deu-se continuidade à metodologia desenvolvida na pesquisa

anterior, realizada em 1996, com os aperfeiçoamentos decorrentes da avaliação

permanente de sua aplicação, tomando como unidade de análise o Secretário Municipal

de Saúde, e assumindo-o como fonte de informação principal.

A hipótese de trabalho que orientou a primeira etapa desta pesquisa é que o

processo de descentralização de recursos e atribuições legais dos níveis federal e

estadual para o nível municipal venha contribuindo para a democratização do sistema de

poder municipal.

Hipótese Atual

A hipótese principal desta fase da investigação é que haveria, ao longo do tempo,

com o aprofundamento do processo de descentralização, uma maior convergência entre

as curvas de inovação. Considerando-se que na primeira etapa encontramos uma

diferença de velocidade na inovação em relação às dimensões social, gerencial e

assistencial – nesta ordem – supõe-se uma maior convergência entre as três dimensões,

com a recuperação das velocidades de inovação relativas aos aspectos gerenciais e

assistenciais.

Categorias

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A comprovação desta hipótese indicaria que as defasagens iniciais poderiam ser

superadas no processo, enquanto sua negação indicaria que há aspectos que não são

alteráveis por este processo de descentralização, pelo menos com o seu desenho atual.

Neste acaso, haveria uma sinalização para o redesenho da descentralização.

As duas categorias de análise para fins de qualificar afirmativamente a

democratização do poder local são a diversificação e a inovação. Para a

operacionalização do modelo analítico, foram definidas dimensões para cada um dos dois

focos de análise - o gestor e a gestão. Assim, o gestor foi investigado em seu perfil sócio-

econômico, seu perfil profissional, sua trajetória política / vida pública e sua relação com o

cargo. A gestão foi caracterizada quanto à sua dimensão social, sua dimensão gerencial

e sua dimensão assistencial, além de aspectos da percepção do Secretário. Para cada

uma delas foi selecionado um conjunto de atributos e variáveis, de modo a orientar a

definição dos dados a serem coletados e analisados para a sua verificação empírica.

Para a coleta de dados foi realizado um inquérito nacional abrangendo a totalidade

dos municípios brasileiros. A consulta foi feita por via postal ou correio eletrônico, através

de questionário respondido pelo responsável municipal pela saúde.

O questionário conteve quesitos fechados e/ou semi-abertos, no caso das variáveis

passíveis de tratamento quantitativo, e também algumas questões abertas, permitindo

uma abordagem qualitativa acerca de temas selecionados. O processamento dos dados

envolveu a construção de tabulações que permitiram o cruzamento de variáveis e a

análise agregada dos municípios por Estado e por tamanho de população.

Atividades Concluídas

1. Levantamento bibliográfico e revisão da bibliografia para atualização do referencial

teórico;

2. Realização de oficina/workshop com especialistas e secretários de saúde, visando á

atualização dos indicadores de inovação em saúde;

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3. Revisão da metodologia: quadro de categorias de análise e suas respectivas variáveis,

atributos e fontes; aperfeiçoamento do instrumento de coleta de dados;

4. Envio do questionário;

5. Aperfeiçoamento e desenvolvimento do Índice de Inovação (parcialmente):

a. Revisão das variáveis utilizadas para definir o grau e os tipos de inovação (concluído);

b. Aperfeiçoamento do Índice com ponderação por critérios específicos e criação de sub-

índices para aprofundar a análise de correlação das variáveis (atividade em fase final);

6. Recebimento dos questionários respondidos e inserção dos dados em software

específico de análise;

7. Processamento dos dados;

8. Análise dos resultados;

9. Revisão das variáveis utilizadas para definir o grau e os tipos de inovação;

Produtos Finais

1. Três resenhas bibliográficas sobre as transformações ocorridas no período de 1996 a

2006:

a. Política econômica com ênfase nas mudanças macroeconômicas e os impactos sobre

a política fiscal;

b. Mudanças políticas (atores políticos, relações executivo-legislativo, federalismo, etc) e

as reformas estruturais produzidas, especificamente as relacionadas ao sistema de

proteção social;

c. A evolução do Sistema Único de Saúde - SUS em suas diversas dimensões e os

impactos sobre seu processo de descentralização (rede de serviços, financiamento,

conjunto de programas federais, relações intergovernamentais, principais marcos

normativos, etc);

2. Estudo sobre o Perfil dos Municípios Brasileiros;

3. Coletânea bibliográfica em CD contendo toda a literatura atualizada empregada nas

resenhas acima mencionadas;

4. Estudo de representatividade da amostra coletada pela pesquisa para validação dos

resultados em relação ao universo dos municípios brasileiros;

5. Um banco de dados atualizado com cerca de 360 tabelas e 62 gráficos contendo os

resultados do processamento completo dos 1.083 questionários recebidos;

6. Relatório de análise descritiva das tabelas com os resultados encontrados;

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7. Uma dissertação para o Programa de Mestrado em Administração Pública da

EBAPE/FGV de Maria Gabriela Monteiro sob minha orientação;

8. Proposta de aperfeiçoamento metodológico do índice de inovação ponderando-o por

porte do município, por modalidade de gestão do SUS (GPAB ou GPSMS) e por região

geográfica;

9. Comparação dos resultados obtidos em 1996 com os de 2006;

10. Finalização da proposta de aperfeiçoamento e desenvolvimento do Índice de

Inovação e sua aplicação ao conjunto de municípios da amostra coletada;

11. Comparação entre os resultados dos municípios mais e menos inovadores;

Banco de Dados Perfil do gestor: identificado a partir de 4 categorias (perfil sócio econômico, perfil profissional, trajetória política e vida pública e relação com o cargo de secretário(a) municipal de saúde, divididas em 26 variáveis (24 em 1996) captadas por 36 questões (30 em 1996). Características da gestão: identificada a partir de 4 categorias (dimensão social, dimensão gerencial, dimensão assistencial e percepção dos secretários(as) municipais de saúde, divididas em 26 variáveis (14 em 1996) captadas por 38 questões (24 em 1996). Total de questões: 74 questões na pesquisa de 2006 e 55 questões em 1996. As variáveis de estratificação dos dados: localização geográfica, modalidade de gestão em saúde e porte do município quanto ao número de habitantes. - Número de tabelas Mais de 300 tabelas sobre perfil do gestor e características da gestão. Mais de 70 tabelas sobre os municípios mais e menos inovadores. - Percentual de resposta ao questionário Em 1996, foram respondidos 1422 questionários, totalizando 28,6% do total de municípios. Em 2006, 1083 municípios responderam ao questionário, totalizando 19,5% do total. Durante o processo de retorno dos questionários da pesquisa de 2006, foram produzidas avaliações periódicas do volume e da distribuição territorial da amostra, bem como uma análise de representatividade amostral, o que não aconteceu em 1996. A pesquisa de 2006 contém um banco de dados atualizado com cerca de 370 tabelas contendo os resultados do processamento completo dos 1.083 questionários recebidos;

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1.1 Determinantes Sociais da Saúde: Desigualdades I njustas no Acesso e Utilização

dos Serviços de Saúde

Introdução

O projeto “Determinantes Sociais da Saúde: desigualdades injustas no acesso e

na utilização dos serviços de saúde” tem como propósito estudar as iniqüidades no

processo de atenção em saúde no município do RJ. A iniqüidade acontece no momento

em que diferentes grupos, a partir de características sociais e demográficas - como

renda, educação ou etnia – acabam tendo acesso diferenciado aos serviços de saúde. O

tratamento diferente, nesse caso, é desnecessário e evitável e, também, injusto e

indesejável.

Ao estudar a lógica de organização e funcionamento dos sistemas de saúde e sua

influência no acesso e na utilização dos serviços prestados, buscamos voltar nossa

atenção às evidências de discriminação social no processo de atenção à saúde em

hospitais públicos no município do Rio de Janeiro.

Objetivo Geral

Identificar evidências de desigualdades injustas – especificamente de discriminação

social - nas formas de acesso/utilização e atendimento no processo de atenção à saúde

em hospitais do município do Rio de Janeiro.

Objetivos Específicos

o Identificar atitudes, comportamentos e mecanismos que indiquem as desigualdades

injustas (discriminação social) nos atendimentos realizados nos serviços de saúde da

rede hospitalar do município do Rio de Janeiro;

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o Identificar percepções sobre as discriminações socias vivenciadas pelos usuários e

profissionais dos serviços de saúde;

o Mapear a ocorrência e os tipos de discriminação social predominantes na forma de

atendimento da rede hospitalar do município do Rio de Janeiro, considerando a sua

localização espacial, nível de complexidade e características da gestão;

o Avaliar os efeitos da discriminação social no processo de cuidado em saúde –

diagnóstico, terapêutica e segurança do usuário do serviço;

o Apresentar recomendações políticas que visem contribuir na redução

das desigualdades injustas/discriminações sociais em saúde, por meio de orientação

aos principais

níveis decisórios no desenho de políticas e na formação em recursos humanos

em Saúde;

o Construir indicadores de discriminação social em serviços de saúde.

Atividades

Em sua primeira fase a pesquisa desenvolveu um catálogo de sinopses,

fichamentos; levantamento de notícias em jornais sobre a temática da pesquisa; resenha

da literatura reunida; desenvolvimento do referencial teórico; elaboração de

hipóteses/pressupostos da pesquisa e elaboração de instrumentos de coleta de dados

(roteiro de observação em campo; roteiro de entrevista com usuários; roteiro de entrevista

com profissionais; roteiro de entrevista com gestores). Além disso, foram realizados um

workshop que reuniu ex-gestores de hospitais do RJ e especialistas com experiência na

gestão em saúde e um grupo focal com mulheres negras da ONG Criola, que são

usuárias do SUS e atuam enquanto lideranças em suas respectivas comunidades no

controle social da política de saúde. Foi realizada, também, uma oficina de dramatização

com estudantes de Medicina, Enfermagem e Serviço Social, conduzida pelo Centro do

Teatro do Oprimido – CTO. Já na fase da pesquisa de campo, que compreendeu o

período de outubro de 2007 a maio de 2008, o grupo de pesquisa realizou observações

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nos serviços de emergências em alguns dos hospitais estudados e entrevistas com

usuários, profissionais da área da saúde e gestores das unidades de saúde selecionadas.

As entrevistas semi-estruturadas centralizaram-se nas seguintes unidades: Hospital do

Andaraí, Hospital Geral de Bonsucesso, Hospital Miguel Couto, Hospital dos Servidores

do Estado e Hospital da Lagoa. Atualmente, a pesquisa se encontra em fase de revisão

do seu marco teórico e principais pressupostos, além da organização e análise do

extenso material de campo.

METODOLOGIA

A estratégia de pesquisa adotada é predominantemente qualitativa. O método de

pesquisa é o estudo de casos múltiplos, com os casos/hospitais selecionados no

município do Rio de Janeiro. Nesta pesquisa foram estudados cinco hospitais localizados

em áreas geográficas distintas e sob gestão federal ou municipal. Os hospitais foram

selecionados conforme as Àreas de Planejamento da prefeitura do Rio de Janeiro. A

opção pelas Áreas de Planejamento do município do Rio de Janeiro se deve ao fato de

que a localização de certa maneira determina o público usuário.

Os sujeitos da pesquisa são os usuários dos serviços de saúde ou familiares; os

profissionais do serviço de saúde (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, atendentes,

etc) e gestores dos serviços. Para a análise definiu-se quatro categorias de análise de

modo a identificar o tipo de discriminação em cada uma delas:

9- Em relação ao usuário – algumas variáveis analisadas foram: sexo, idade, raça,

patologia, etc;

10- Em relação ao processo de atendimento – algumas das variáveis foram:

acesso/utilização, acolhimento, procedimento e encaminhamento;

11- Em relação ao serviço de saúde – foram selecionados hospitais públicos e de alta

complexidade.

12- Em relação à localização – foram analisados hospitais situados em diferentes

Áreas de Planejamento do município do Rio de Janeiro.