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Comportamento

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Page 1: Comportamento

COMPORTAMENTO

março de 2010 00março de 2010

memória de infância de muita gente guarda a

imagem de um circo, aquele espaço de lona colorida, montado em chão de terra batida, com cadeiras

de plástico nem sempre em perfeito estado. Um mestre de cerimônias de cartola e paletó apresenta

a seu respeitável público as atrações da noite – trapezistas, malabares, mulher barbada, domador de

leões – e só no final chama ao palco o mais esperado dos personagens: o palhaço.

Esta intrigante figura está no imaginário popular e na história de muitas culturas, mas há muito

tempo ultrapassou as portas do circo. Além de ruas, praças ou palcos de teatros, os palhaços agora

também estão em quartos de hospitais mostrando que o riso pode ser remédio poderoso ou em uma

partida de futebol com torcida composta por executivos de uma multinacional.

Os espaços se expandiram, a relação com a plateia tomou novas proporções e os próprios artis-

tas se recriaram. Mas há quem mantenha a tradição do circo e a figura do palhaço clássico, aquele

com rosto pintado de branco e figurino típico. Este arquétipo – tal qual o conhecemos hoje – surgiu

na Itália, no século 16, no movimento Commedia Dell'arte, que sofreu influência dos antigos bobos da

corte e explorou o uso das máscaras. É representado em nossa história por figuras como Picolino,

Piolim, Carequinha e Arrelia, e continua vivo no trabalho de muitos outros artistas.

Os palhaços que conhecemos já não são mais os mesmos.

Agora eles ocupam novos espaços, adquirem diversas formas

e conquistam outras plateias

Texto RENATA BORTOLETO

Além do picadeiro

A

Fotos: Divulga

ção

Acima e à esquerda, palhaços do grupo

Doutores da Alegria: atuação em hospitais

em São Paulo, Belo Horizonte e Recife

00

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COMPORTAMENTO

00 março de 2010

Entre eles estão os atores Raul Barreto e Hugo Possolo (também dra-

maturgo), que há 20 anos comandam os Parlapatões, em São Paulo. O grupo

começou com números circenses nas ruas da capital – que logo se transfor-

maram em espetáculos – e desenvolveu sua pesquisa artística na junção do

circo com o teatro. Há quatro anos, chegou à Praça Roosevelt para estabele-

cer sede própria, reforçando o movimento de revitalização desse trecho do

centro da cidade. Do início para cá, foram mais de 25 montagens, a maioria

preservando a tônica do palhaço clássico.

Os Parlapatões defendem que o papel do palhaço é o de fazer rir, de

divertir. Para isso, buscam movimentos que possam tirar o riso da plateia,

cujas reações são previamente estudadas. Levam da experiência nas ruas a

busca pela quebra da chamada “quarta parede”, que no espaço do teatro é

a linha imaginária que separa o elenco do espectador, propondo o diálogo

direto. “Buscamos o olho no olho com o público, a interação antes mesmo

do espetáculo, já na porta de entrada”, conta Raul.

Assim, o grupo preserva o circo como espaço popular de entreteni-

mento, mantendo as piadas tradicionais, que podem mudar conforme peça,

público ou cidade. E não abre mão do humor e do trabalho estético: “o espe-

táculo tem que ser bonito, espalhafatoso”, defende Raul.

Esse tal de clown

A linha artística conhecida por clown é uma versão mais contemporâ-

nea do palhaço, mas bebe das mesmas fontes históricas. Privilegia o estado

natural do artista e a interferência de sua personalidade na criação. É uma

figura que pode fazer tanto rir como chorar, muitas vezes usando elemen-

tos poéticos de expressão. Mais do que entreter, expõe a fragilidade huma-

na em sua forma de ver e se relacionar com o mundo, revelando até certa

ingenuidade e lirismo. Na história do teatro mundial, o Carlitos, persona-

gem de Charles Chaplin, continua sendo o maior expoente.

março de 2010 00

Nesta página e à esquerda, Parlapatões

em cena: mais de 25 montagens usando

técnicas clássicas da arte dos palhaços

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COMPORTAMENTO

Para saber mais:Parlapatões: www2.uol.com.br/parlapatoes

Doutores da Alegria: www.doutoresdaalegria.org.br

Jogando no Quintal: www.jogandonoquintal.com.br

00março de 2010

Este é o palhaço que entra nos quartos de hospitais onde estão as cri -

anças assistidas pelos Doutores da Alegria, grupo hoje presente em São

Paulo, Belo Horizonte e Recife. Em um ambiente de doença e tristeza, os 47

artistas que compõem o elenco chegam para brincar e alegrar, mas também

para provocar reflexão, questionar valores e relativizar situações. “É no hospi-

tal que a alegria acontece e inspira as pessoas à mudança”, afirma o fundador

Wellington Andrade. “Nosso trabalho é mudar o jeito de ver a vida e ter um

olhar mais amplo da saúde, que é a nossa relação com o mundo”, explica.

Diante de uma criança ou da equipe médica, os Doutores criam um espe-

táculo pessoal, exclusivo, construído junto com seu público daquele momento

a partir da relação criada entre eles. Para Wellington, o corpo a corpo é o encon-

tro de uma nova criação artística. “Hoje esta troca me modifica e possivelmen-

te modifica o outro. Nós temos, então, a possibilidade de transformar”, diz.

Esse corpo a corpo é coisa séria para o pessoal do Jogando no Quintal.

O grupo de artistas, com sede em São Paulo, também segue a linha clown

em seus espetáculos, que têm a proposta de simular uma partida de fute-

bol, com os palhaços divididos em dois times, juiz e torcida formada pela

plateia, além de música ao vivo. Os times fazem um jogo de improvisações

em cima de um tema qualquer sugerido pelo público e sempre procuram

contar uma história. “Criamos uma relação de intimidade para que todos se

sintam parte da brincadeira, como em um quintal mesmo”, explica César

Gouveia, que começou este trabalho há nove anos com o ator Marcio Ballas.

A turma – que realizou 150 espetáculos nos últimos três anos – estendeu

sua atuação também para o universo das empresas. No ambiente corpora-

tivo, o palhaço pode mostrar a força da relação e do espírito de equipe.

Parece que estes especialistas comungam da mesma opinião. Onde

quer que ele esteja, sendo clown ou do circo, o palhaço ainda é um arquéti-

po importante da sociedade. Quando um artista coloca seu nariz vermelho,

tem autorização para subverter a ordem, livre e anarquicamente, com o olhar

de quem vê o mundo pela primeira vez.

Nesta página, o grupo Jogando no

Quintal: interatividade e improvisações

marcam as apresentações da trupe.

À direita, clowns dos Doutores da Alegria