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CONDIÇÕES DE COLABORAÇÃO

A revista Administração está aberta à colaboração de todos os interessados. Reserva-se, no entanto, o direito de recusar os trabalhos que não considere adequados ao espírito, objectivos e âmbito do seu conteúdo. Serão, do mesmo modo, recusados os trabalhos que se considere não possuírem um nível de tratamento e elaboração suficiente. Além da aceitação ou da simples recusa, a publicação de trabalho pode também ser condicionada à introdução de alterações ou correcções, propostas aos autores pelo Conselho de Redacção da revista.

Os interessados em colaborar em Administração poderão contactar a Direcção para esse efeito ou enviar directamente os seus trabalhos para a revista.

Os trabalhos publicados em Administração serão remunerados em função do respectivo mérito, sendo designadamente considerado o trabalho de investigação envolvido na sua elaboração.

Concepção da capa: António Conceição Júnior Coordenação da execução: Henry Má

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ADMINISTRAÇÃO

Revista da Administração

Pública de Macau

MACAU, 1996

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ADMINISTRA ÇÃO

Revista da Administração Pública de Macau

Quatro números por ano

Director: Jorge Bruxo

Director-Adjunto: Ngai Mei Cheong (Gary)

Directora-Executiva: Celina Veiga de Oliveira

Secretários da Redacção: José Côrte-Real, Cheang A Chao (Rogério)

Conselho de Redacção: Amável Afonso Barata Camões,

Gonçalo Amarante Xavier, José Angelo Lobo do Amaral, José António Pinto Belo, José Manuel da Silva Agordela,

Rui Daniel Ferreira do Rosário

Propriedade: Administração Pública de Macau

Edição: Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública

Direcção, redacção e administração: Calçada de Santo Agostinho, n." 19

Apartado 463, Macau (Ásia) Telef. 323623

Fax (853) 594000 Distribuição e assinaturas: telef. 5995/861-862

Composição e impressão: Imprensa Oficial de Macau 2 500 exemplares

ISSN 0872-9174

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Número 34 (4.° de 1996) • Volume IX • Dezembro de 1996

SUMÁRIO

EDUCAÇÃO E CULTURA

873 O Neoconfucionismo na educação portuguesa: Pedro Nolasco da Silva na História da Educação em Macau de António Aresta

DIREITO

899 Do âmbito de protecção das Convenções de Genebra e dos Protocolos Adicionais de Filipa Delgado Lourenço

913 Introdução ao Direito Aéreo Internacional (I Parte) de José Tomás Baganha

ECONOMIA

927 Notas sobre objectivos e instrumentos de política económica de Macau (I Parte) de José Hermínio Paulo Rato Rainha

CONCERTAÇÃO SOCIAL

947 A Concertação Social em Macau: um caminho para o desenvolvimento económico e social de José António Pinto Belo

SEGURANÇA

959 Polícia Judiciária de Macau: de Inspecção a Directo- ria de Fernando Passos

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SAÚDE

977 Situação geral de Saúde em Macau de Tong Ka Io

989 Saúde Mental e Clínica Geral em Macau

de José Armando C. Baptista Pereira

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

999 Regime da Função Pública de Macau e sua reforma

de Ilídio Duarte Rodrigues

1015 A Administração de Macau ao longo da sua História de Ng Sio Yu

1029 DOCUMENTAÇÃO 1191 ABSTRACTS

NOTA DA DIRECÇÃO

Os trabalhos assinados publicados na revista Administração são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.

Os trabalhos originais publicados em Administração podem, em princípio, ser transcritos ou traduzidos noutras publicações, desde que se indique a sua origem e autoria. É, no entanto, necessário um pedido de autorização para cada caso.

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educação

e

cultura

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º, 873-896

O NEOCONFUCIONISMO NA EDUCAÇÃO PORTUGUESA: PEDRO NOLASCO DA SILVA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM MACAU

António Aresta *

Quem observar imagens litografadas, gravuras ou pinturas a óleo 1

referentes aos primeiros cinquenta anos da vida de Macau no século XIX não pode permanecer insensível a toda uma atmosfera de sereno encantamento e de indolente quietude que deles transparece. As figu-ras humanas recortam-se com graciosidade na geometria familiar de um casario, com fachadas suavemente aguareladas em nada dissonan-tes da moldura paisagística, por vezes mediterranicamente bela.

O artista ou o pintor não trabalham para a História, eternizam no papel ou na tela uma comoção estética plena de artificialidade simbólica, fazendo sobressair um estupendo brilho cenográfico. A uma realidade virtual é adicionado um novo ingrediente cultural, uma cosmovisão peculiar que se enlaça num maneirismo de afectos, surgindo uma realidade outra, uma nova realidade perfeitamente tipificada. A burguesia mer-cantil terá uma ética e uma estética edificadas sob o signo do dinheiro, entendido este como uma progressão social legitimadora de um ascen-dente moral incontestado.

Contudo, esta ideia de ordem, de hierarquias legítimas, essa pureza que nos é oferecida por essas imagens naturalistas, hieráticas e deletérias, escondem uma realidade substantivamente diferente, turbulenta

* Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Professor do Liceu de Macau (DSEJ). 1 A título de exemplo: «Macau Vista da Colina da Penha», de W. Heine

(1857); «A Praia Grande», de T. Allom (1843); «Street Scene in Macao», de C. Graham (1840). Haveria todo o interesse em fazer uma leitura da História de Macau através das obras de arte, sobretudo da pintura.

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e complexa à sua maneira. A coexistência pacífica implica o reconhe-cimento da imagem e dos hábitos dos outros. A tolerância e a benevo-lência, dirão os confucianos.

E nesses anos decisivos do século, Macau vive uma das maiores encruzilhadas da sua história, ela própria um verdadeiro tratado de so-brevivência política. A periclitante legitimidade jurídico-política que pairava sob o exercício da soberania real seria formalmente sublimada pelo seu cariz de cidade internacional, aberta, com uma valência cos-mopolita apreciável.

E o delta do Rio das Pérolas vai ser um cenário onde se fará História. A sombra do Comissário Lin e a sua cruzada anti-ópio irá ser apagada pelo febril expansionismo britânico cuja voracidade atingirá o clímax com o nascimento da colónia de Hong Kong. Aliás, a importância estratégica de Hong Kong foi imediatamente compreendida pelos homens de negócios, nomeadamente James Matheson e William Jardine. E a história registaria com ironia as palavras desdenhosas de Lord Pal-merston, ministro dos negócios estrangeiros inglês, quando o Capitão Charles Elliot lhe fez comunicar que Hong Kong já era parte integrante do império de Sua Majestade. 2

O trânsito fluvial para as feitorias de Cantão, em Whampoa, e o contínuo fluxo de estrangeiros que estanciavam em Macau por períodos mais ou menos dilatados, influenciaram muitíssimo o enclave português, estagnado por um cinzentismo económico-político. A sociedade macaense legitimava a custo a mudança social em Hong Kong, agarrando-se às tradições como uma forma de se precaver para as inevitáveis alterações no ritmo de vida, nas vivências, nos valores ou nas mentali-dades 3.

2 Pelo Tratado de Nanquim, assinado a bordo do HMS Cornwallis, em 29 de Agosto de 1842, por Henri Pottinger e Ke-Ying, a China pagou uma indemniza ção de 21 milhões de dólares. James Matheson, em Março de 1842, fez uma doa ção de cinco mil patacas, "para ser utilizada para algum fim permanente de bene ficência pública, como testemunho de gratidão pela protecção dispensada a ele e a outros pelo Governo de Macau” (“The Chinese Repository”, vol. XI, p. 181). Essa quantia foi entregue ao Senado que a aplicou numa Escola Primária.

3 William C. Hunter, «An American in Canton (1825-1844)» — Published originally as «The Fan Kwae at Canton Before Treaty Days (1825-1844) and Bits of Old China», Derwent Communications Ld.a, Hongkong, 1994, reedição facsimilada. Essa obra foi editada em Londres em 1882, reeditada em 1885 e 1911, em Xangai em 1938 e na Formosa em 1966, pelo que é lícito supor que a sua fortuna editorial tenha sido proporcional ao seu interesse. As referências a Macau são muito abundantes, permitindo uma reconstrução da vida social de então. E a história da vida privada com referências a Macau, no feminino, pode encontrar-se em Susanna Hoe, «The Private Life of Hongkong. Western Women in the British Colony (1841-1941)», Oxford University Press, 1991.

E um relato fascinante, com um enredo verdadeiramente fílmico, da vida de Macau nos anos primeiros do nosso século é-nos dado por Aleko E. Lilius, «I Sailed With Chinese Pirates», Oxford University Press, 1991 (sendo a primeira edição de 1930).

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E Macau começava a familiarizar-se 4 com o ritmo de vida dos es-trangeiros das Feitorias estabelecidas em Cantão. As senhoras inglesas e americanas animavam a sociedade local, sendo descrito como um acon-tecimento memorável a cerimónia do casamento de Miss Shillaber com Thomas Colledge. Ao mesmo tempo que o comerciante «Nanquim Jack», com as suas mercadorias finas e vistosas, fazia delirar o novo-riquismo consumista. Os próprios estaleiros navais não tinham mãos a medir visto que, em 1837, os membros das treze Feitorias fundaram o «Canton Regatta Club», tendo todos os barcos sido encomendados e construídos em Macau.

Esta vitalidade económico-social fez sobressair uma espantosa ani-mação cultural, intelectual e editorial sem precedentes.

O primeiro sinal de grande abertura a uma modernidade que se anunciava a passos largos era dado pela Educação, por uma nova cultura da educação. Assim, pode observar-se no jornal «A Abelha da China», um anúncio intitulado «Plano de Educação» 5: «O Padre Francisco Benedito Murphy, Religioso da Ordem de S. Francisco, natural da Irlanda, participa aos Senhores de Macau, que chegou ultimamente de Lisboa a esta cidade de Calcutá onde tenciona estabelecer um Colégio para a Educação da Mocidade.

O Padre Murphy seguiu os seus Estudos Filosóficos e Teológicos em Portugal e aí adquiriu o conhecimento da Língua Portuguesa.

Os discípulos que lhe forem confiados aprenderão as Línguas Latina, Francesa e Inglesa; Escrever; Aritmética; Geometria; Geografia; Lógica; Teologia Natural; História Sagrada e Profana. Os seus Pais poderão estar certos que ele será incansável em lhes inculcar os princípios da Nossa Santa Religião e terá todo o desvelo para que os seus costumes sejam puros e conformes.

Ele espera de Lisboa um Eclesiástico irlandês o qual pretende as-sociar a este Estabelecimento e que pelo seu carácter e instrução não deixará de promover o fim desejado.

Para que os Discípulos tenham um curso completo de Matemáticas haverá um Mestre perito naquela Ciência, que há-de vir de Inglaterra; quanto à Música, Desenho, Dança, virão os Mestres melhores de fora, os quais serão pagos à parte.»

Este «Plano de Educação» vem demonstrar quão fragilizada se encontrava a instrução pública em Macau, não refeita ainda da expulsão dos jesuítas que tinham a seu cargo essa tão importante função social e cultural.

Curiosamente, no mesmo jornal e na edição do mesmo dia, há um outro anúncio que merece registo: «M. Mergier, chegado recentemente

4 William C., Hunter, op. cit., pp. 78, 183-185 e 276. 5 N.° LⅡ, Quinta-Feira, 11 de Setembro de 1823. Reedição da Fundação

Macau e Universidade de Macau, 1994. Todas as referências posteriores, a este jornal, remetem para esta reedição.

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da Cochinchina, onde foi condenado, em consequência de avarias gros-sas no navio em que ele vinha de segundo Capitão, tem a honra de participar aos Senhores e Senhoras desta Cidade que enquanto ele não achar emprego na qualidade de oficial do mar, ou meios de voltar a França, dará lições de Língua francesa, Inglesa e Geografia, precedendo as últimas uma explicação clara e precisa da Esfera. Quem quiser aproveitar-se delas poderá dirigir-se à Feitoria do Senhor Freitas e ali tratará com o dito M. Mergier sobre os necessários ajustes.»

Estes anúncios, reveladores de um indisfarçável ecletismo educa-cional, são parte integrante de uma memória histórica e sócio-cultural da Educação em Macau que importa não perder.

A edição de 18 de Outubro de 1823, no periódico citado, insere um anúncio interessante: «Dois Franceses chegados há pouco a esta Cidade desejam achar Discípulos para a Língua francesa e Esgrima. Eles residem em Casa do Cidadão Filipe José de Freitas, na praia do Manduco».

As notícias sobre o ensino na China interessam naturalmente aos habitantes de Macau e no dia 24 de Outubro de 1822 «A Abelha da China» descreve superficialmente os exames imperiais: «No dia 20 do corrente, o Governador, como Fu-Yuen interino, entrou na Universida-de, onde os graduados no Grau de Tsiu-tsay são examinados para o de Kiu-jin. Sua Excelência, conforme o estilo, deve residir na mesma até ao dia 30 do corrente, para os Exames. Acham-se também com ele dois Comissários Imperiais de Pekim, estes presidem e dão os temas, depois de estarem os estudantes recolhidos no interior do edifício com as portas fechadas. De ordinário são 7 000 competidores dos quais são eleitos 70 para receberem o Grau de Kiu-jin.

Os Estudantes entram no dia 8 da Lua, Setembro 22, e saiem a 24 depois de terem sustentado um Exame, ou para melhor dizer, composto um Discurso sobre um tema tirado dos livros de Confúcio, eles tornam a entrar segunda vez, no dia 25, e retiram-se a 27, reentrando pela terceira vez a 28 e despedem-se a 30. Depois do qual os Discursos dos Competidores que ficam aprovados são impressos e se mandam publi-car os seus nomes em proclamação.» Mas, para a comunidade chinesa havia, com certeza, outros motivos bem menos prosaicos para segui-rem com muita atenção estas notícias relativas aos exames imperiais. Com efeito, «a lotaria do Vae-Seng era também outro vício do china (de há um século, em Macau). Sempre que havia exames de Estado em Pequim e provinciais em Cantão, de 3 em 3 anos, cada bilhete de lotaria incluia 20 apelidos de candidatos. Cada colecção de mil bilhetes formavam uma série e cada série constituia uma lotaria com três números. O prémio era ganho pelo bilhete que contivesse maior número de apelidos de candidatos premiados» 6.

6 Benjamin Videira Pires, «Os Extremos Conciliam-se», Instituto Cultural de Macau, 1987.

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A actividade editorial é intensa e polifacetada nas suas áreas de interesse. E como que a justificar a sua fama de encruzilhada civiliza-cional ou de janela europeia aberta na China, os estudos linguísticos, filológicos e lexicográficos ocupam uma parcela muito importante no cômputo geral das edições dadas à estampa em Macau.

Referiremos apenas alguns dos estudos produzidos nas línguas in-glesa e portuguesa. Robert Morrison publicou «A Dictionary of the Chinese Language», em seis volumes (1815-1823), logo seguido de «A View of China for Philological Purposes» (1817). Outros sinólogos como J. F. Davis («Chinese Moral Maxims», 1823), W. Medhurst («A Dictionary of the Hok-keen dialect of the Chinese language. According to the reading and colloquial idioms», 1832), J. M. Callery («Systema Phoneticum Scripturae Sinicae», 1841), E. Bridgman («A Chinese Chrestomathy in the Canton Dialect», 1841), S. Williams («Easy Lessons in Chinese: or progressive exercises to facilitate the study of that language especially adapted to the Canton dialect», 1842). Numa outra área de estudos encontramos S. Ball («Observations on the expediency of opening a second port in China», 1817), J. Suchk («Portfolio Chinensis», 1842), ou Anders Ljungstedt («Historical Sketch of the Portuguese Settlements in China», 1832). Todas estas obras saíram dos prelos macaenses, sendo o seu registo muito extenso.

Entre os portugueses merece uma menção muito especial o sinó-logo e erudito que foi Joaquim Afonso Gonçalves («Arte China constante de alphabeto e grammatica comprehendendo modelos das diferentes composiçoens», 1829; «Diccionario China-Portuguez no estilo vulgar mandarim e clássico geral», 1833; «Diccionario Portuguez-Chi-na no estillo vulgar mandarim e clássico geral» 1831; «Grammatica Latina ad usum sinensium juvencium Macau», 1828; «Lexicon Magnum Latino-Sinicam estendens etymologiam, prosodiam et constructionem vocabulorum», 1891; «Lexicon Manuale Latino-Sinicum continens omnia vocabula latina utilia, et primitiva, etiam scripturae sacrae», 1839; «Vocabularium Latina-Sinicum pronuntiatione mandarina latinis literis expressa», 1836). O Conde Kleczkowski publicou em Paris, no ano de 1876, o “Cours Graduei e Complet de Chinois Parle et Écrit: Phrases de la Langue Parlée Tirées de l’Arte China du Pére J. Gonçalves”. Dois anos depois, em 1878 A. Hamelin publicou igualmente em Paris os “Dialogues Français-Chinois traduits du Portugais de J. A. Gonçalves”. É caso para dizer que os santos da casa não fazem milagres...

Nos estudos de linguística regional, especificamente timorense, e igualmente editados em Macau, poderemos encontrar dois especialis-tas, Sebastião Aparício («Dicionário Português-Tetum», 1889) e Manuel Alves da Silva («Noções de Gramática Galoli», 1900; «Dicionário Português-Galoli», 1905).

Em virtude de serem eclesiásticos a maioria destes intelectuais, é de referir o comentário de D. João Paulino de Azevedo e Castro, Bispo de Macau; «A palavra divina pode muito bem ser anunciada e explica-

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da pelo clero de Macau, conforme as exigências dos auditórios, em um grande número de línguas, tais como — o português, o dialecto português de Macau, o chinês, o inglês, o italiano, o francês, o alemão e os dois dialectos de Timor, o tetum e o galoli» 7.

Estes eram também uns tempos de polémicas. Polémicas rudes e apaixonadas, das quais há memórias bibliográficas. A polémica mais célebre e ruidosa foi de natureza histórico-científica e teológica, que se iniciou em Macau e se estendeu à comunidade portuguesa em Hong Kong. A temática? O darwinismo! Os protagonistas foram António Vas-concelos («Sermão pregado na Sé Catedral de Macau na primeira dominga de Quaresma em 6 de Março de 1881, no qual se refutam alguns pontos do sistema darwiniano com referência ao homem e à religião católica», 1881); P. A. Costa, («Análise do Sermão pregado pelo Reverendíssimo Senhor António Maria Augusto de Vasconcelos, bacharel formado em Teologia pela Universidade de Coimbra, na Sé Catedral de Macau em 6 de Março de 1881», Hongkong, 1881) e Lou-renço Marques, («A Validade do Darwinismo», Hongkong, 1882; «Defesa do Darwinismo: Refutações de um artigo» do "Catholic Register", Hongkong, 1889).

Outras polémicas tiveram lugar, a «Polémica acerca da Procura-tura dos negócios Sínicos de Macau», em 1870, ou aquela protagonizada por António Joaquim Bastos («A inépcia em acção ou uma página para a história dos festejos promovidos em Hongkong pela Comissão do Tricentenário de Camões», 1880), contudo, sem a envergadura formal condimentada pela paixão que caracterizou a mencionada em primeiro lugar.

O circunspecto «Boletim Oficial», de 1893, publicitava obras deste teor: «Coroinha em honra do Immaculado Coração de Maria». «Os Cinco Psalmos em honra do SS. Nome de Maria», «Manual de Pieda-

7 «Os Bens das Missões Portuguesas na China», (1917), p. 102, edição facsimilada, Fundação Macau, 1995. O Rev.º Carl Gutzalaff, prussiano, que viveu muitos anos em Macau, era um verdadeiro poliglota, dominava doze línguas diferentes.

Mas, as comunidades residentes em Macau eram muito diversificadas, apro-ximando-se do universo linguístico da Torre de Babel:

“Nos nossos passeios encontramos grande variedade de gente, representan-do quase todas as gerações na terra — Judeus, Parses (descendentes dos antigos persas e adoradores do fogo), Malaios, Bengaleses, Lascars (estes belamente ves-tidos com seus trajos nacionais), Cafres, escravos dos portugueses, para não falar dos europeus, Ingleses, Escoceses, Franceses, Alemães, Suecos, etc., que apenas se distinguem por pequenas diferenças de feições e compleição” (Macau, 4 do 11.° mês de 1843).

Carta de Rebecca Chase Kinsman, de Macau, à sua família em Salem, USA, (“The Essex Institute, Historical Collections”, Vol. LXXVI, January, 1950, Salem, Mass.), citada por Monsenhor Manuel Teixeira, in "Macau no Século XIX visto por uma Jovem Americana”, p. 56, Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, Macau, 1981.

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de», «Novena de N. S. Jesus dos Passos», ou, ainda, a «Tabeliã dos Emolumentos e Salários Judiciaes approvada por Carta de Lei de 12 de Abril de 1877» e «O Japão», por P. G. Mesnier... O que só abona em favor do ecletismo e das liberdades fundamentais.

O desenho dos modelos ideológicos que suportavam a instrução e a educação, apesar de escassos, revelaram-se significativos apenas na pedagogia moral. José Miranda e Lima, («Máximas Morais e Civis», 1832), Leôncio Ferreira, («Um Brado pela Verdade ou a Questão dos Professores Jesuítas em Macau e a Instrução dos Macaenses», 1872) e Francisco Rondina, («A Educação», 1887), são os autores cuja doutrinação é mais consistente.

A breve trecho Montalto de Jesus publica em Hongkong, em 1902, o seu revolucionário «Historie Macao», oferecendo uma visão desas-sombrada sobre a presença portuguesa em Macau, uma ousadia que o poder político puniu usando alguma severidade.

Não obstante toda esta agitação intelectual de uma vitalidade ex-cepcional, Macau tende a apagar-se entre Cantão (Whampoa) e o ama-nhecer de Hong Kong. O próprio governo português não possui meios para controlar o seu empobrecimento, sequer para estancar a sangria dos mais aptos e dos mais empreendedores que emigram para a nova colónia britânica, para Xangai ou para Kobe. E anos volvidos solicitarão ao Governo de Macau a criação de Escolas Portuguesas 8 nessas cidades para remediarem a desnacionalização dos seus filhos.

8 Arquivo Histórico de Macau, P-6639, P-6708, P-6776. O estudo da diaspora macaense (no que diz respeito ao acesso à escolarização e à

difusão da língua portuguesa) espalhada sobretudo na China e no Japão está ainda por fazer. E sabe-se que o Governo de Macau desempenhou um papel extra-ordinariamente relevante em todo esse processo de manutenção da identidade cultural dos Filhos da Terra.

A Comissão de Reforma da Instrução Pública de Macau, nomeada pela Portaria n.° 160 de 6 de Julho de 1914, publicada no Boletim Oficial n.° 28, de 11 de Julho de 1914, apresenta os seguintes dados estatísticos: «O número de estudantes portugueses nos portos estrangeiros era de 120 em 1896 e de 560 em 1910, o que demonstra que a mocidade macaense tem necessidade de fazer estudos literários e científicos».

Não deixa de ser curioso referir que a comunidade portuguesa residente no Japão era composta por 116 indivíduos, segundo o recenseamento geral de 15 de Março de 1895 (Processo Ac-1498-AHM). Ainda no Japão, entre 1920 e 1922, correspondendo às necessidades educacionais dos portugueses residentes, foi criada em Kobe, a «Escola Henrique Corrêa da Silva», e a «Biblioteca Fernão Botto Machado», tendo sido decisivo o apoio financeiro do Governo de Macau que foi sensível aos argumentos da «Associação Portuguesa de Kobe», secundada pela intervenção generosa de Fernão Botto Machado (1865-1924), diplomata, político republicano, ensaista e jornalista.

Wenceslau de Moraes desempenhou o cargo de Consul em Kobe, entre 1898 e 1913, não havendo na sua obra referências aos problemas educativos da comu-nidade portuguesa, embora se tenha debruçado sobre alguns aspectos da educação japonesa.

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Depreende-se, após a leitura dos documentos, que o domínio ele-mentar e rudimentar da língua era o bastante para se amar a Pátria, esse conceito ôntico que se consubstanciava na bandeira nacional e que ge-rava um patriotismo inclassificavelmente genuíno. Quanto ao resto, do paladar à língua de comunicação passando pelo ofício até aos interesses e gostos, tudo se apresentava mesclado e imbuído de uma miscigenação notável.

Mas, quem foi realmente Pedro Nolasco da Silva? O jornal Hongkong Daily Press, de 14 de Outubro de 1912, sinte-

tiza o essencial da biografia de Pedro Nolasco da Silva e que, dada a sua importância, merece ser transcrita: «O Sr. Pedro Nolasco da Silva tomou parte numa série de obras para o progresso da educação e tem sido iniciador de vários melhoramentos municipais de importância. Nasceu em Macau a 6 de Maio de 1842. Durante o seu curso académico no Seminário de S. José, obteve o primeiro prémio em Filosofia e, ao acabar os seus estudos, foi nomeado aluno-intérprete na Procuratura dos Negócios Sínicos do Governo, da qual veio a ser subsequentemente o chefe. Quando, mais tarde, o Expediente se tornou uma repartição independente do governo a ele se deve a sua reorganização total. Em 1887 o Sr. Nolasco da Silva foi nomeado Secretário Intérprete do Mi-nistro Plenipotenciário em Pequim, Conde de Sousa Rosa, agora Em-baixador em Paris, de cuja especial missão na capital chinesa resultou o Tratado Luso-Chinês de l de Dezembro daquele ano, pelo qual a China reconheceu, pela primeira vez a soberania de Portugal sobre Macau. Sempre interessado pelos assuntos de educação, o Sr. Nolasco da Silva foi Professor de Chinês no Seminário de S. José e no Instituto Comercial. Traduziu e compilou alguns livros escolares, entre os quais o «Manual de Língua Sínica para Uso dos Jovens Macaenses». Fundou a «Associação Promotora da Instrução dos Macaenses», que agora é a Escola Comercial Inglesa dirigida pelo Sr. R. A. Coates, graduado pela Universidade de Dublin, e organizou duas escolas centrais de instrução primária respectivamente para rapazes e raparigas. Foi devido também à sua iniciativa que foi reavivada aquela esplêndida instituição de caridade, a Santa Casa da Mesericórdia, que, pela organização da grande lotaria da «Santa Casa», está colocada numa segura base financeira. Foi por alguns anos provedor ou presidente desta empresa de grande alcance filantrópico, sendo o termo do seu cargo assinalado pela erec-

Para a situação de Hong Kong, o estudo de Jack Braga («O ensino da língua portuguesa em Hong Kong: algumas notas sobre a sua história», in ‘Boletim do Instituto Luís de Camões’, 1969, pp. 77-116) continua a ser a referência de base.

Na China, concretamente em Cantão e Changai, para além do ensino ligado às Missões, existiram escolas civis, custeadas pelo Governo de Macau, havendo muita documentação a coligir.

Pode consultar-se, com proveito, o estudo de Rui Simões, «Uma Educação para a Diaspora: os discursos sobre a instrução em Macau em finais do século X/X», Revista Administração, n.° 22, Dezembro de 1993, pp. 821-829.

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ção do Asilo dos Órfãos, pela introdução do serviço de socorro aos pobres e pela redacção do regulamento actual. A participação do Sr. Nolasco da Silva nos negócios municipais não tem sido mencs digna de nota. Durante o tempo em que ocupou os cargos de vice-presidente e presidente do Conselho Municipal ou Leal Senado, como é legalmente chamado, foi efectuada uma série de importantes reformas. O novo mercado e alguns edifícios cómodos e bem construídos foram erguidos no local do antigo mercado de S. Domingos e no largo do Senado onde antigamente só havia casas pequenas e menos higiénicas. Noutras partes da cidade foram levadas a cabo algumas obras destinadas a sanear os prédios sendo a iluminação eléctrica das vias públicas devida quase somente aos seus esforços. O Sr. Nolasco da Silva foi temporariamente editor do «Echo do Povo», semanário português publicado em Hongkong e foi também o principal colaborador dos semanários «O Macaense» e o «Echo Macaense», publicados em Macau. É membro do Conselho Inspector de Instrução Pública, e foi algumas vezes membro do Conselho de Província. Há cerca de vinte anos, em reconhecimento dos seus muitos serviços, foi agraciado pelo Governo Português com o grau de Cavaleiro da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo».9. Realmente uma vida inteira consagrada à comunidade.

A sua bibliografia é notável, aliás na esteira da tradição dos grandes sinólogos portugueses radicados ou naturais de Macau:

a) Círculo de Conhecimentos em Português e China. Para uso dos que principiam a aprender a língua chinesa.

Typographia Guedes, Hong Kong, 1884, 145 pp.

b) Fabulas

Typographia Mercantil, Macau, 1884, 55 pp.

c) Phrases Usuaes dos Dialectos de Cantão e Peking Typographia Popular, Macau, 1884, 45 pp.

d) Grammatica Pratica da Lingua Chinesa Typographia do ‘Correio Macaense’, Macau, 1886, 341 pp.

e) Vocabulário e Phrases dos Dialectos de Cantão e Pekim para uso dos Alumnos da Escola Central de Macau.

Typographia Mercantil, Macau, 1889, 123 pp.

f) Compilação de Phrases Usuaes e de Diálogos nos Dialectos de

9 Esta sinopse biográfica foi extraída da obra, «Twenthieth Century Impressions of Hongkong, Shanghai and other Treaty Ports of China», 1908, p. 808, citado por Monsenhor Manuel Teixeira, «Galeria dos Macaenses Ilustres», Imprensa Nacional de Macau, 1942, p. 359.

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Peking e Cantão para uso dos Alumnos da Escola Central de Macau. Typographia Noronha, Macau, 1894, 130 pp.

g) Os Rudimentos da Língua Chinesa para uso dos Alumnos da Escola Central do Sexo Masculino.

Typographia Noronha, Macau, 1895, 66 pp.

h) Manual da Língua Sínica Escripta e Fallada: 2.ª Parte. Língua Sínica Fallada. Vocabulário.

Typographia Mercantil, 1901, 190 pp.

i) Manual da Língua Sínica Escripta e Fallada: I.a Parte. Língua Sínica Escripta. Noções Preliminares e Lições Progressivas.

Typographia Mercantil, 1902, 234 pp.

j) Língua Sínica Escripta. Tradução da Amplificação do Santo Decreto.

Typographia Mercantil, Macau, 1903, 145 pp.

k) Manual de Língua Sínica Escripta e Fallada: 2.ª Parte. Língua Sínica Fallada. Phrases Usuaes, Diálogos e Formulas de Conver-sação.

Typographia Mercantil, Macau, 1903, 187 pp.

l) Ao Público: Em defesa da ‘Associação Promotora da Instrução dos Macaenses’ agredida pelo Boletim do Governo Ecclesiastico da Diocese de Macau pelo presidente da mesma associação.

Typographia N. T. Fernandes & Filhos, Macau, 1908, 48 pp.

m) Bussula do Dialecto Cantonense. Macau, 1911, 262 pp. (Esta obra foi vertida para a língua italiana pelo Rev.° Mário

Acquistapace, «Bussula del Dialecto di Canton», Traduzionne gentil-mente concessa delia ‘Bussola do Dialecto Cantonense’ del Signore Pedro Nolasco da Silva, Scuola Tipográfica Salesiana, Macau, s/d., 475 PP.)

n) Texto Chinês da Bússola do Dialecto Cantonense. Adaptado para as Escolas Portuguesas de Macau.

Macau, 1912, 130 pp.

o) Livro para o ensino da Literatura Nacional (Kuok Man Kau Fo Shu).

Traduzido em português. Typographia Mercantil, Macau, 1912, 2 vols., 61+83 pp.

Quase todas estas obras foram concebidas de um modo didáctico

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e pedagógico invulgarmente sugestivo para a sua época. A preparação de cada lição é feita metodicamente servindo-se de um grafismo que era susceptível de ajudar a facilitar a aprendizagem.

Mas estas obras não eram apenas manuais escolares. Eram o veículo privilegiado para a difusão e consequente consolidação de valores perenes. Valores neoconfucianos, cuja universalidade não era posta em causa dado o seu profundíssimo humanismo.

Esta acção pedagógica e cultural era claramente antagónica à política governamental na área da educação. Uma Comissão nomeada pelo Governador José Alves Roçadas em 3 de Novembro de 1908, e que in-tegrava Manuel da Silva Mendes, Luciano Cordeiro, Carlos d’Assump-ção, Pedro Nolasco da Silva, entre outros, reportava o seguinte: «(...) À província de Macau tem vida própria, independentemente de impulsos ou sugestões estranhas. Numericamente, os seus habitantes são chinas na sua quase totalidade, e como tais, intransigentes na conservação de usos, costumes e tradições, que nenhuma outra raça pode até hoje dissolver ou apagar com a sua civilização, usos e costumes (. . .) Deverá pois o problema da instrução ter em vista a população chinesa de Macau, ou a resumida população portuguesa? Evidentemente tem de atender, principalmente, à segunda». Apesar da ressalva expressa de Pedro Nolasco da Silva, o certo é que a componente oriental, chinesa, ficou marginalizada nessa opção política.

Um ano antes, em 1907, Venceslau de Morais verberava o deslei-xo inculto nacional que ignorava a abordagem dos estudos orientais, no caso concreto, os estudos nipónicos: «(...) mas parece-me que seria agora tempo de introduzir num dos seus estabelecimentos escolares — o curso superior de letras? — uma cadeira relativa a cousas japonesas, embora tratadas de corrida. Portugal, que descobriu o Japão para a Europa, tem o dever se seguir a evolução da sua descoberta» 10.

Contudo, só em 1946 com a criação da Escola Superior Colonial 11 é que se procurou contribuir para o desenvolvimento do ensino e investigação dos problemas ultramarinos, sobretudo quando foi reor-ganizada sob a designação de Instituto Superior de Estudos Ultramarinos e integrada na Universidade Técnica de Lisboa 12. O Instituto de Línguas Africanas e Orientais, que lhe estava afecto, ignorava em ab-soluto o estudo da língua chinesa como se depreende do seu programa:

Art. 72.° O Instituto de Línguas Africanas e Orientais, é um centro de investigação e de ensino destinado a:

10 Carta de 28 de Outubro de 1907, in «Cartas do Japão», I, 2.a série, p. 130, Lisboa, s/d. Fialho de Almeida, faria igualmente o mesmo espanto público «na Escola, nem uma cadeira de colónias», in «Os Gatos», 3.° vol., p. 27, Livraria Clássica Editora, 5.ª edição, Lisboa, 1924.

11 Decreto-Lei n.° 35 885, de 30 de Setembro. 12 Decreto-Lei n.° 43 858, de 14 de Agosto de 1961.

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1.° Cultivar os estudos filológicos, com especial aplicação à lin-guagem dos povos orientais e africanos;

2.° Estudar a língua árabe, quer como instrumento de investigação da história portuguesa no Norte de África, quer como elemento de conhecimento do mundo islâmico e da sua influência actual na Guiné, em Moçambique e na índia;

3.° Estudar o sânscrito, como instrumento de investigação e cultura; 4.° Estudar e sistematizar o concanim, bem como a sua literatura

própria; 5.° Estudar o quimbundo (Angola) , o ronga (Moçambique), o

sauíli (Norte de Moçambique), o dialecto do sena (Zambézia), o fula (Guiné) e o teto ou galóli (Timor);

6.° estudar as linguagens crioulas; 7.° Abrir cursos para ensino das línguas estudadas; 8.° Fazer publicações de textos nas línguas estudadas;

Ao tempo de Pedro Nolasco da Silva, o Serviço de Instrução, na humilde dependência do serviço de Administração Civil, era uma pequena organização hierarquicamente monocrática, carecendo de vitalidade inter-relacional, cujas competências executivas se repartiam entre o Leal Senado e o Governo.

Quando o planeamento educativo era encarado como uma função esotérica e absolutamente dispensável, o problema, segundo o cronista do «Echo do Povo» 13, é que «temos visto filhos de pessoas de alta classe da sociedade, vadiando, ou quando muito, tornarem-se lorchei-ros, soldados de polícia, chuchaeiros, e abraçarem ocupações ruins desta classe, por falta de préstimos (causada pela falta de ensino) para ocupar cargos honrosos».

O florescimento do ensino particular, sem patrocínio político, es-sencialmente corporativo (escolas de ourives, de operários, de agricul-tores, de pescadores, etc.), era tolerado pelo governo porque significa-va um «alívio» para os cofres públicos. Criaram-se apenas controlos adicionais para resguardar a administração, cabendo, por exemplo, ao Conselho Inspector das Escolas Chinesas a supervisão para inibir uma competição desleal e destrutiva. Ao mesmo tempo que se procurava incentivar o estudo e a difusão da língua portuguesa, era terminante-mente proibida a prática de instrução militar aos alunos das escolas chinesas com armamento feito de madeira. E os relatórios de um médico, José Caetano Soares 14, oferecem-nos um quadro aterrador das con-

13 24 de Março de 1861. 14 «Macau e a Assistência. Panorama Médico-Social», Agência Geral das

Colónias, Lisboa, 1950. Parece que foi inglório o esforço pioneiro da institucio nalização da prática de uma medicina escolar e pedagógica, empreendida pelo Dr. José Gomes da Silva que publicou uma obra fundamental: «Noções de Hygiene e Medicina Practica para uso dos Alumnos do Seminário Diocesano de Macau» (1899).

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dições higiénico-sanitárias das escolas privadas. Só a fascinação por um arquétipo imperial embutido numa admi-

nistração que valorizava a disciplina e a ênfase em normas, acima da moral, permitia a gestão étnica de uma impessoalidade não portuguesa com a suposição implícita que a jurisdição moral dos mandarins era mais adequada porquanto não tinha proximidade física.

Este procedimento tornou-se um ritual e esta amplitude de discri-cionariedade só começou a regredir em meados da década de oitenta, não apenas em virtude de uma nova moldura jurídico-política, mas sobretudo porque as demandas de democraticidade se tornavam irreversíveis, transformando a administração educacional numa verdadeira organização matricial, embora mais permeável a pressões políticas.

A acção cultural e pedagógica de Pedro Nolasco da Silva inscre-via-se numa outra lógica, num quadro de profunda insatisfação pela falta de cooperação legislativa, o mínimo que se poderia exigir, para o ensino da língua e cultura chinesas.

Sob a capa de um manual escolar de língua sínica escrita, anódino e igual a tantos outros, podem encontrar-se inesperadas surpresas. É o que sucede com a «Amplificação do Santo Decreto», onde a par de um didactismo exemplar se empreende a pedagogia de uma ideologia, a pedagogia do neo-confucionismo, cujo remoçado fascínio permanece até à actualidade.

A «Amplificação do Santo Decreto» 15 é um verdadeiro manual de instrução cívica, ética e política, obedecendo aos parâmetros da mais pura ortodoxia confuciana, destinado ao povo chinês.

Esta obra setecentista é considerada como uma das marcas mais duradouras, sobre a educação e a instrução populares, produzidas pela dinastia Qing, cuja doutrinação confuciana foi o cimento para a unidade e controlo do império.

O «Santo Decreto», santo com o significado de sábio, foi origina-riamente redigido pelo imperador Shunzhi, o fundador da dinastia Qing, tendo sido sucessivamente amplificado ou desenvolvido por seu filho Kangxi e por seu neto Yongzheng. Assim, o mesmo corpo doutrinal, o «Santo Decreto», manteve-se em vigor durante dois séculos.

Circulou em Macau uma obra similar da autoria do Vice-Rei de Cantão, Tchang Tche-Tong intitulada, «Exhortations à l’Étude (K’iuen-Hio P’ien)» 16, que concorreria para os mesmos objectivos.

José Gomes da Silva (Porto, 1853 - Macau, 1905), foi Reitor do Liceu, Chefe dos Serviços de Saúde, jornalista e investigador, tendo deixado uma obra assinalável, destacando-se o «Catálogo das Plantas de Macau e Timor» (1867), «Regulamento do Serviço de Saúde de Macau e Timor» (1898), «Viagem a Siam» (1889) ou, «Relatório da Ephidemia de Colera-Morbus a bordo do transporte índia e nos Lazaretos de Macau» (1888).

15 Consultar, no anexo n.° 2, o capítulo dedicado à educação. 16 Esta obra bilíngue, francês-chinês, traduzida pelo padre jesuíta Jerome

Tobar, foi editada em Xangai, em 1909. Os três primeiros capítulos são deveras significativos: «Unissez les coeurs»; «Enseignez la loyauté à la dynastie»;

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Mas, que neoconfucionismo seria este? Socorrer-nos-emos da mais penetrante e judiciosa análise, na literatura de ideias portuguesas, feita por Wenceslau de Moraes:

«O Confucionismo divulgou-se, com os tempos, em toda a China; sendo em especial acolhido com favor, comprehendido, venerado pelas classes illustradas, dirigentes. Confucius prega a vida patriarchal, o amor pela tradição, pelos costumes simples, pela tranquilidade, prega o horror da guerra (como se ele fôra um membro da conferencia da paz, agora em moda), prega a obediência do povo ao soberano, prega a justiça, prega a estima do soberano pelo povo, notando-se-lhe uma independência de opiniões e uma franqueza de exposição que maravilham, quando se pense que era assim que um homem fallava, ha vinte e quatro séculos, aos povos, aos ministros e aos reis! ... Os homens actuaes, sem distincção de pátria, não faliam — oh!, ironia das liberdades conquistadas! . . . — com a mesma semceremonia... ( . . . )

Confucius resuscitou o passado, isto é, faz retrogradar os tempos, fez recuar o presente.

Inspirando-se no respeito pelos mortos, pelas tradições, aspirando ao regimen patriarchal dos povos, á vida simples, condemnando a guerra, extinguiu as ambições na alma da nação, ergueu contra o progresso uma barreira immensa.

A China, abraçando o Confucionismo, passou a existir no espaço, distinguindo-se apenas pela extensão do seu território, occupado por uma mesma tribu humana; e deixou de existir nos tempos, não offerecendo differenças sensiveis, não accusando «phenomenos de evo-lução, de século para século. Crystallisou. A nossa civillisação occidental tem azas, vôa; a civillisação chinesa foi a ostra, o mollusco inamovível, cujas valvas se concretisam com a rocha onde pousaram. (...)

Confucius não considerou os outros paizes, julgou-os insignifi-cantes, acreditou no eterno isolamento da sua enorme pátria. ( . . . )

No entretanto, resta ao Confucianismo uma defeza, uma única defeza: — o Confucianismo unificou a China; de muitos pequenos rei-nos, forjou um immenso império, animado de uma mesma feição senti-mental, conservando-o assim até agora, durante séculos sem conta, como o álcool conserva um objecto de museu. E é effectivamente como uma força de cohesão, conservativa, que esta religião, se religião é, deve entender-se; desintegrante, destruidor, é por exemplo, o Brahmanismo da índia, o qual, pelas suas castas, divide os homens, arrastando-os antecipadamente á dissolução, preparando assim o terreno para a con-quista, para o jugo do inglez. Sem a cohesão confuciana, os factos teri-am sido outros: — a China seria dividida, sub-dividida em multiplices

«Expliquei les relations fondamentales»... Existe um exemplar desta obra, em muito mau estado, na Biblioteca do Leal

Senado.

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Estados e naturalmente enfraquecida, abatido o prestígio da massa enor-me da sua população; e, vulneráveis em toda a fronteira, taes Estados teriam hoje a sorte que tiveram o Annam, o Cambodge ... — É-se ten-tado a exclamar que uma intenção providencial inventou o Confucianismo, preservando por este modo a China até agora, com to-das as suas forças latentes, para que manifeste a sua acção n’um dado momento histórico, opportuno, o qual parece não vir longe.

—A China acorda — dizem muitos; e é verdade. Para de todo des-pertar e civilisar-se á nossa moda, basta-lhe um programma de conducta: destruir de alto a baixo, até aos alicerces, o edifício moral que Confucius levantara. As torres superiores já vão em derrocada!...» 17.

Esta doutrina confuciana de que nos fala Wenceslau de Moraes é mais tributária do enriquecimento rebarbativo da escolástica neo-con-fuciana, (sobretudo no período medieval com o revivalismo de Han Yu e Li Ao e no período moderno dos Sung, Ming e Qing), do que propriamente dos «Analectos» (Lun Yu), o quinhão mais autêntico da doutrina de Confúcio (551-479 a.C.).

A conhecida «boutade» de Kant, que dizia que os filósofos confu-cianos estavam num quarto escuro de olhos fechados, era um sinal de desdém pelo confucionismo enquanto sistema filosófico.

O confucionismo como totalitarismo ideológico atravessou os sé-culos mercê do seu empirismo e acentuado pragmatismo, da imensa versatilidade da sua praxis e da subtileza e argúcia morais que extraiu dos ensinamentos mais simples da vida quotidiana. Mas se isso não chega para se constituir num sistema filosófico ou para revelar uma apurada capacidade especulativa, é o bastante para identificar o confu-cionismo como um farol ético-político e moral que se direcciona ao sabor dos ventos da ideologia que ocupar o poder.

A opção de Pedro Nolasco da Silva por esta obra não terá sido fruto de acaso. Homem culto e informado, trouxe para a educação portuguesa os valores axiais da ortodoxia neo-confuciana que eram de ex-

17 «Cartas do Japão», idem, pp. 139 a 146. A literatura sobre Confúcio é abundante e dentro desta linha de orientação, faremos menção a alguns estudos: Lin Yutang, «The wisdom of Confucius», The Modern Library, New York, 1994, especialmente o capítulo, «On Education», pp. 241-251; «Neo-Confucian Education: The formative stage», by W. T. de Bary and John W. Chaffee, SMC Publishing Inc., Taipei/University of California Press, 1989; John Cleverly, «The scooling of China. Tradition and modernity in Chinese Education», Allen & Unwien, second edition, 1991, Xinzhong Yao, “Jen, Love and Universality — Three Arguments Concerning Jen in Confucianism”, in ‘Asian Philosophy’, Vo-lume 5, number 2, October 1995, pp. 181-195.

Ainda sobre o Confucionismo, veja-se o número especial da ‘Revista de Cultura’, (n.° 21, Ⅱ série, 1994), dedicado aos Jesuítas e ao Encontro Oriente-Ocidente, especialmente os artigos de Nicolas Standaert e Huang Qixen, pela perspectiva intercultural que deles transparece. A obra, já um clássico, de Paul A. Rule, “k’ung-tzu or Confucius? The Jesuit Interpretation of Confucianism", Allen & Unwin, 1986, é incontornável para esta temática.

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trema utilidade para a compreensão dos quadros mentais que enforma-vam a conduta dos homens do império do meio. E a Repartição Técnica do Expediente Sínico, que chefiou de 1885 a l 892, era um organismo governamental especialmente vocacionado para a mediação linguística, entre a sociedade global e a administração. É, pois, compreensível que a instrução teórica dos intérpretes-tradutores fosse a mais abrangente possível dada a grande responsabilidade das funções que lhes estavam cometidas.

Contudo, a «Amplificação do Santo Decreto», enquanto manual didáctico, vem mostrar a largueza de horizontes da acção pedagógica e cultural de Pedro Nolasco da Silva, ele próprio envolvido no trabalho de algumas comissões governamentais que tinham por objectivo refor-mar a instrução pública. Quando as escolas oficiais, por circunstancia-lismos históricos bem conhecidos e importados do reino, pouco mais eram do que oficinas literárias e religiosas, que apoios ou que cooperação legislativa poderia ter o ensino institucionalizado da língua chinesa? A primeira subversão a este sistema que repousava num anacronismo paralisante veio da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses, da qual Pedro Nolasco da Silva foi um dos fundadores e um dos maiores impulsionadores. Esta estratégia de mudança procurava conciliar as expectativas educacionais com os ventos da história e com as motivações individuais. A primazia concedida ao ensino técnico e comercial não poderia descurar a formação integral do aluno.

Essa estratégia activa de mobilização da consciência social para um projecto educativo bem definido e construído à medida das necessidades locais, vinha já um pouco de trás. Com efeito, o «Ta-Ssi-Yang-Kuo», (‘Semanário macaense d’interesses públicos locaes, litterario e noticioso’), na sua edição de Quinta-Feira, 22 de Outubro de 1863, de-dicava a primeira página à teorização sobre a educação: «O estudo é o salutar princípio do progresso do melhoramento do estado social das nações — é a pedra angular deste edifício gigante, porque, nascendo dele a instrução, e desta a ilustração, resulta das duas a civilização. A instrução tem a propriedade de vincular ao coração do homem os mais nobres sentimentos, é uma fonte perene de quanto há grande e generoso ( . . . ) Em Macau, porém, não nos consta que em tempo algum houvesse desprezo pelo estudo; ao contrário, há exemplos de que a infância macaense tem sido sempre estudiosa» 18.

A atitude estratégica seria a de procurar uma homogeneização de regras, normas e procedimentos para antecipar todos os movimentos depressionários do tecido social emergentes do factor demográfico.

E a «Amplificação do Santo Decreto» poderia ser um bom motivo de reflexão porque era importante harmonizar os interesses políticos

18 «Ta-Ssi-Yang-Kuo», n.° 3, 22.10.1863, reedição facsimilada, Direcção dos Serviços de Educação e Juventude — Fundação Macau, 1995, com introdução de Jorge Alves.

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com os interesses dos cidadãos: esse objectivo seria seguramente al-cançado quando fosse introduzida uma apreciação maior da mentalidade chinesa no interior dos curriculuns, de uma forma mais cooperativa e eficaz. De resto, o fito pedagógico era direccionar a mente para a necessidade de estudar as qualidades da autoridade configurada hierar-quicamente e dotada de uma rede formal de comunicação, enfatizando-se o valor da ortodoxia.

Não possuindo o neoconfucionismo uma dimensão pedagógica de encantamento e de criatividade dado que funcionava nurn universo finito e fechado pelos ditames ideológicos que reproduziam modelos hierár-quicos bem definidos, apresentava, no entanto, um discurso humanista, bloqueador de conflitos e mobilizador dos traços gerais de uma identi-dade colectiva. O processo cognitivo de exteriorização do «interior» faria acordar em cada um uma predisposição para acolher um código axiológico paradoxalmente absorvido como uma língua morta.

Em Macau, o contrato social proposto pela ética neoconfuciana transformou-se numa cumplicidade dialogai, numa permanente reci-clagem do desejo de transgredir um equilíbrio instável.

A «Amplificação do Santo Decreto» teve o seu tempo de ajustamento às elites construtoras do diálogo civilizacional pluridimensional, os intérpretes-tradutores, que, paulatinamente, construíram modelos estabilizadores no âmbito da conflitualidade intrínseca às duas comu-nidades. Esses homens, verdadeiros mensageiros de uma nova raciona-lidade inter-cultural e estratégica, fizeram erguer na diferença dos interesses todos os mecanismos internos da arbitragem histórica que sustenta a governabilidade de Macau.

A ausência de uma massa crítica, de pendor cívico e político, era uma consequência óbvia deste modelo que filtrava cuidadosamente a mobilidade das ideias que faziam perigar a coesão social com normas dissonantes.

Tudo isto é compreensível se nos lembrarmos que Macau tem uma longa história de fascinação dependente de dois arquétipos imperiais, o português e o chinês.

A «Amplificação do Santo Decreto» foi uma oportunidade para se reinteriorizarem os valores de hierarquia, de tolerância ou de obediência, como virtudes cardiais para que as mudanças conjunturais não trou-xessem efeitos devastadores para a organização da sociedade. E não restam dúvidas de que a lição foi assimilada.

Seguindo as pisadas de Max Weber seria importante saber até que ponto a ética protestante terá moldado o modo de ser e de agir sobretudo quando os factores culturais podem contribuir para a supremacia económica. E não é por mero acaso que a Ética Confuciana é uma dis-ciplina obrigatória no curriculum das escolas de Singapura...

O contributo de Pedro Nolasco da Silva merece um estudo mais demorado e abrangente, principalmente as conexões que se podem es-tabelecer com as variadas interpretações da História de Macau.

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ANEXO Ⅰ

A ESCOLA DE LINGUA SÍNICA: ESTRUTURA CURRICULAR

Esta Escola, que funciona na Repartição do Expediente Sínico, destina-se a habilitar indivíduos para o preenchimento dos cargos que constituem o quadro da referida Repartição.

Nesta Escola, ministram-se os cursos de intérprete-tradutor de 2a

classe e de intérprete-tradutor de l.a classe. Os respectivos programas daqueles cursos, são os seguintes:

PROGRAMA DO CURSO DE INTÉRPRETE-TRADUTOR DE 2.a

CLASSE

l.º Ano Língua Falada — Dialecto Cantonense a) Exercícios de pronúncia, sons e tons, por meio duma tabela

impressa. b) «How to speak Cantonese», por Dier Ball, Língua Escrita. c) As 214 radicais. d) «Gramática Chinesa ensinada por meio de exemplos», por Pe

dro Nolasco da Silva. e) Os primeiros três volumes do livro «San Tok Pun» (novo méto-

do de leitura), ou os três primeiros volumes do livro «Kuok Man Kau Fo Su» (Livro para o ensino da literatura nacional).

f) Exercício gráficos e ditado. g) «Comprehensive geography of the Chinese Empire», por M.

Kenelly, secções l . a , 2.a, 3.a e 4.a

2.º Ano Língua Falada — Dialecto Cantonense a) «Readings in Cantonese colloquial», por Dier Ball. b) «Gramática Chinesa ensinada por meio de exemplos», por Pe

dro Nolasco da Silva. c)«San Tok Pun» (novo método de leitura), volumes l.°, 4.°, 5.° e

6.° ou «Kuok Man Kau Fo Su» (livro para o ensino da literatura nacio nal), volumes 4.°, 5.° e 6.°

c) Exercícios Gráficos e Ditado. d) «Comprehensive Geography of the Chinese Empire», por M.

Kenelly, secção 5.°, livro 2.°

3.° Ano Língua Falada — Dialecto Cantonense a) «Ku Su Lok Cheng», ou «Aventuras de Robinson Crusoe». b) «Gramática Chinesa ensinada por meio de exemplos», por Pe

dro Nolasco da Silva. c) «San Tok Pun» (novo método de leitura), volumes 5.° e 6.° ou

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«Kuok Man Kau Fo Su» (livro para o ensino da literatura nacional), volumes 5.° e 6.°

d) Exercícios Gráficos e Ditado. e) «A Sketch of Chinese History», por Rev. F. L. Hawles Pott.

4.° Ano Língua Falada — Dialecto Cantonense a) Exercícios de conversação. b) «Sang Yu Kuang Hsun», ou «Amplificação do Santo Decreto»,

traduzido por Pedro Nolasco da Silva. c) Cartas Comerciais extraídas de vários compêndios. d) «Kung Han I Iao», «Translation of Important Letters», por W.

G. Lay. e) Exercícios Gráficos e Ditado. f) Exercícios de Composição: redacção de cartas fáceis e avisos. g) «Ways that are dark or some chapters on Chinese Etiquette

and social procedure», por Gilbert Walsh.

5.º Ano Língua Falada — Dialecto Cantonense a)Exercícios de Conversação. b)«Documentary Series», por Sir Thomas Wade (l . a , 2.a, 3.a e

4.a partes). c)«Hsin Kuan Wen Chien Lu» (first book of Documentary Chine

se), por F. Hirth, Ph.D. d)Exercícios Gráficos e Ditado. e)Exercícios de composição: redacção de cartas fáceis, anúncios

e requerimentos. f)«The Chinese Government», por W. F. Mayers.

PROGRAMA DO CURSO DE INTÉRPRETE-TRADUTOR DE 1.ª CLASSE

l.º Ano Língua Falada — Dialecto Pequinense a) «The Chinese Language and how to learn it», por Sir Walter

Hilier, volumes l.° e 2.° b) «Choix des documents, texte chinois avec traduction en français

et latin», por S. Couvreur. c) Tratado Anglo-Chinês de Nanking, de 1842. d) Tratado Anglo-Chinês de Tien Tsin, de 1858. e) Convenção de Paz Anglo-Chinesa de Pequim, de 1860. f) Tratado Franco-Chinês, de 1844. g) Exercícios de composição, redacção de requerimentos, ofícios, etc. h) «The Chinese Readers Manual, a handbook of biographical,

historical, mytological and general literary reference», por W. Frederic

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Mayers. i) «The Trade and Administration of the Chinese Empire», por H. B.

Morse.

2.º Ano Língua Falada — Dialecto Pequinense a) «Kuan Hua Chi Nan», ou «Bussule du Langage Mandarin», por

H. Boucher. b) «The Secret Edict, with a translation of the colloquial rende-

ring», por F. W. Baler. c) «Ouvres de Meng Tzeu» livros de I a Ⅶ da obra intitulada,

«Les Quatre Livres, avec commentaire abregé em chinois avec un double traduction en français et latin», por S. Couvreur.

d) Tratado Franco-Chinês de Tien Tsin, de 1858. e) Convenção Franco-Chinesa de Pequim, de 1860. f) Protocolo de 1901 entre a China e as Potências. g) Tratado Comercial Anglo-Chinês de 1902 e Tarifa. h) Tratado Luso-Chinês, de 1887. i) Exercícios de Composição, redacção de requerimentos, ofícios,

notas, etc. j) «History of Chinese Literature», por H. Giles.

3.º Ano Língua Falada — Dialecto Pequinense a) «T’an Lun Hsin P’ien», (chats in Chinese), por C. H. B. Tailor. b) «Kuan Yu Pi Ching», por Yei Tsugu-Hara. c) «Lun Iu ou entretiens de Confucius», livros I a X da obra inti

tulada «Les quatre livres», por S. Couvreur. d) «Handbook of Etiquete in Chinese Official Intercourse». e) «Histoire des Relations de la Chine avec les Puissances Occi-

dentales», 1860-1892, por H. Cordier. f) «Middle Kingdom», por William.

A frequência e aproveitamento desta Escola desde o seu início (1915), tem sido a seguinte:

CURSO DE INTÉRPRETE-TRADUTOR DE 2.a CLASSE

Em 1915 — Um aluno no 5.° ano (o aluno intérprete subsidiado que, nos termos do artigo 23.° do Regulamento desta Repartição, era obrigado a matricular-se).

Em 1920 — Três alunos no primeiro ano (dois dos quais eram alunos intérpretes subsidiados).

Em 1921 — Os mesmos alunos que passaram para o 2.° ano. Em 1992 — Os mesmos alunos que passaram para o 3.° ano e

mais um, não subsidiado, no 1.° ano. Em 1923 — Um no 2.° ano e três no 4.° ano (nesse ano um dos

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alunos intérpretes subsidiados foi nomeado intérprete-tradutor de 2.a

classe). Em 1924 — Três alunos, dois no 5.° ano (os subsidiados) e um

no 3.° (não subsidiado). Em 1925 — Três alunos, um no 4.° ano e dois no 1.° (todos não

subsidiados).

CURSO DE INTÉRPRETE-TRADUTOR DE l.a CLASSE

Em 1915 — Três no 1.° ano, todos intérpretes-tradutores de 2.a classe.

Em 1916 — Três no 2.° ano e um no 1.° ano, todos intérpretes-tradutores de 2.a classe.

Em 1917 — Os mesmos que passaram para o 2.° e 3.° ano. Em 1918 — Um aluno no 3.° ano. Em 1924 — Um intérprete-tradutor de 2.a classe no 1.° ano. Em 1925 — Um intérprete-tradutor de 2.a classe no 2.° ano e dois

alunos intérpretes-adidos no 1.° ano. O aproveitamento dos alunos tem sido bom, pois que até ao último

ano lectivo não tem havido nenhuma reprovação.

Fonte: «Notícias Sobre o Ensino em Macau durante o período de 1910 a 7925», in «Anuário de Macau» — 1927, pp. 108-112.

ANEXO Ⅱ

«AMPLIFICAÇÃO DO SANTO DECRETO»*

6.a MÁXIMA (A EDUCAÇÃO)

1. Engrandecei os collegios e as academias para que a conducta dos litteratos seja bem encaminhada.

2. Antigamente cada familia tinha sua escola, cada aldeia, seu col- legio, cada cidade, sua academia, e o Estado, sua universidade. Não havia pessoa alguma que não recebesse instrucção em algum d’esses estabelecimentos de ensino.

Destinavam-se lugares especiaes onde os estudantes eram dirigi-dos e guiados. Superintendiam-nos funccionarios que eram mestres consummados.

* Imperador Yongzheng, «Amplificação do Santo Decreto», versão portuguesa e aparato didáctico de Pedro Nolasco da Silva, Macau, 1903. Esta obra foi reeditada em «fac-simile», pela Fundação Macau, em 1995, com um prefácio de António Aresta.

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D’este modo, formavam-se homens instruidos e melhoravam-se os costumes.

Os intelligentes e os estúpidos, os fortes e os fracos, eram encami-nhados conjunctamente para o mesmo fim.

3. O nosso santo avô, o imperador Benévolo, que durante a sua longa vida se empenhou sempre em formar homens, engrandecia espe cialmente os estabelecimentos de ensino. Beneficio que servisse para prover á subsistência dos litteratos, e methodo que concorresse para os instruir, não houve um único que escapasse á sua sollicitude.

4. Como os litteratos constituem a primeira das quatro classes do povo, e a gente trata-os com consideração; elles com mais razão devem respeitar-se a si mesmos.

5. Se a conducta dos litteratos fôr correcta, os seus concidadãos hão de consideral-os como prototypos, e os costumes modelar-se-ão por elles.

6. Devem (os litteratos) inculcar a piedade filial e o amor frater nal como o essencial e as habilitações apenas como o accessorio.

Devem collocar em primeiro lugar a verdadeira sciencia, e em lu-gar secundário a arte litteraria.

Devem ser orthodoxo os livros que lerem; assim como o devem ser também os litteratos com quem se associarem.

Devem ser sinceros na observância dos ritos e dos principios de justiça, e escrupulosos no cumprimento das leis da probidade e do de-coro.

7. Devem andar cautelosos para não desdourar os muros do seu collegio pela corrupção dos seus costumes.

Devem andar cautelosos para não serem perseguidos pelo remorso quando se acharem a sós no seu leito, não obstante terem grangeado fama.

Quem se conduz d’este modo poderá ser litterato.

8. Mas, se se empenharem com demasiado afan pelas honras e vantagens, se postergarem a afamada doutrina dos antigos sábios, se seguirem principios heterodoxos e doutrinas erróneas, desconhecendo «a grande via» (ou a grande regra de conducta); se no seu arrebatamen to derem largas á sua verbosidade e discorrerem sobre theorias transcendentaes, sem praticarem os seus deveres pessoais; esses taes, serão litteratos no nome, mas não na realidade.

9. Antigamente, quando Llu-yuen foi director dos estudos, os es tudantes em grande numero atingiram a perfeição.

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Quando T’en-veng administrou Shu (a provincia de Szu Chian) a mocidade se transformou com as suas lições.

10. É por isso que para o cargo de inspector dos estudos (litteralmente: funcionários para alargar os estudos), temos especialmen te ordenado ao ministro do interior que, em todo o caso, fossem nome ados doutores (litteralmente: homens piedosos e probos) e bacharéis (litteralmente: conhecedores dos clássicos), a fim de exaltar os homens virtuosos, estimular talentos, reformar o povo e aperfeiçoar os costu mes.

11. A gloria das escolas depende realmente do regimen de ordem e disciplina que o director dos estudos souber manter, e ainda mais do zelo com que os estudantes velarem sobre sua pessoa e sua reputação.

12. Se o litterato fôr realmente de um caracter serio, as disserta ções litterarias que ele produzir, não consistirão de palavreado ôco de sentido.

Os actos que ele praticar não serão levianos e indignos. Quem nas aldeias não envergonhar a sua qualidade de litterato,

será no serviço do Estado um bom funccionario. Não será importante este resultado?

13. Quanto a vós, soldados e povo, é de receiar que não conheçaes a importância das escolas, e talvez ainda as considereis como alheias a vós.

Deveis, porém, recordar-vos de que, embora não estejaes ligados a nenhuma das escolas, não estaes pela vossa natureza dispensados de observar as relações sociaes e as virtudes constantes.

14. «Velae sobre o ensino das escolas», diz Meneio; «inculcae a piedade filial e o amor fraternal».

15. Diz mais: «quando os deveres das relações sociaes forem pos tos em relevo pelos superiores, uma affeição mutua se estabelecerá nas camadas inferiores do povo miúdo.

As escolas então terão servido, tanto para instruir os literatos, como para guiar o povo.

16. Ainda que nos collegios estejam igualmente alistados candi datos civis e militares, e sejam mui diversas as carreiras que seguem, pois uns applicam-se ao estudo dos clássicos e outros á arte da guerra, comtudo todos igualmente teem de observar, no recinto da familia, a piedade filial, e fóra d’ella, o amor fraternal.

17. Os litteratos e lavradores não teem destinos diversos. Se aquelle que trabalha no campo puder practicar com zelo os deveres essenciais e puder applicar-se seriamente a cumpril-os, então o lavra-

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dor será igual ao litterato.

18. O soldado e o homem de povo não divergem quanto ao fim dos seus estudos, pois o militar que sabe honrar os seus superiores e amar os seus paes, é igual ao litterato.

19. Não é portanto evidente que vós, soldados e povo, deveis esti mar as escolas e dar-lhes toda a importância? O homem serio e o litterato orthodoxo, não devem por ventura ser imitados por vós, soldados e povo?

20 Quem é que não tem de observar as relações sociaes de soberano e súbdito?

Quem é que não recebeu o instincto de caridade, de justiça, de cortezia e de prudência?

Não digam pois que as escolas foram feitas só para os litteratos. Todos podem exhortar-se mutuamente a practicar o bem. Todos

podem corrigir as faltas uns dos outros. Acatae os usos e costumes, amae a justiça, e esforçae-vos por ser

homens de bem.

21. Então o povo rude poderá considerar a cortezia e a justiça a par dos seus trabalhos ruraes. O valente guerreiro poderá estimar os livros clássicos da mesma maneira como estima a saia de malha e o capacete.

22. Ver-se-á então prosperar de novo em nossos dias a uniformi dade da doutrina e dos costumes.

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direito

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º, 899-912

DO ÂMBITO DE PROTECÇÃO DAS CONVENÇÕES DE GENEBRA E DOS PROTOCOLOS ADICIONAIS*

Filipa Delgado Lourenço **

SUMARIO 1. Nota introdutória; 2. Da «vítima» em Direito Humanitário; 3. Da

protecção de feridos, doentes e náufragos; 4. Da protecção dos prisioneiros de guerra; 5. Da protecção da população civil; 6. A especial protecção das mulheres e crianças; 7. A especial situação dos estrangeiros, refugiados e internados civis; 8. A protecção do pessoal sanitário; 9. A protecção de bens; 10. Conclusão.

1. NOTA INTRODUTÓRIA

Ao ser-nos proposto, neste l.° Curso de Direito Internacional Hu-manitário, a abordagem do tema o «Âmbito de Protecção das Convenções de Genebra e Protocolos Adicionais», cuja importância para temática do curso é, sem dúvida, inquestionável, deparou-se-nos, antes do mais, uma dificuldade prática: o tema proposto é muito vasto e o tempo disponível, pelo contrário, bastante escasso.

Justifica-se, assim, que sem mais delongas nos aventuremos na sua explanação.

Antes, contudo, importa que aqui se deixe uma explicação preliminar. Tratar do âmbito de aplicação dos instrumentos de Genebra1 é, no

* O presente texto reproduz a comunicação apresentada pela autora no 1.° Curso de Direito Internacional Humanitário, que teve lugar em Macau, nos dias 29 e 30 de Setembro de 1995.

** Docente da Faculdade de Direito da Universidade de Macau. 1 A expressão instrumentos de Genebra abarca as quatro Convenções de

Genebra de 12 de Agosto de 1949 e os dois Protocolos Adicionais de 8 de Junho de 1977.

A I Convenção regula a protecção dos feridos e doentes em caso de conflito armado internacional em terra, a Ⅱ a protecção dos feridos, doentes e náufragos em caso de conflito armado no mar, aⅢ o tratamento e o estatuto dos prisioneiros de guerra e a IV Convenção o tratamento da população civil em tempo de guerra.

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fundo, dar resposta a três questões: quando se protege, quem se protege e como se protege. Em face das limitações de tempo referidas, pensamos ser preferível optar por fazer recair estas reflexões sobre as duas últimas questões formuladas: quem e como se protege.

Opção que, pensamos, se justifica. Por um lado, está mais de acordo com o propósito essencial do presente Curso, que é o da divulgação do Direito Humanitário. Note-se que o adjectivo «humanitário» que qualifica este ramo do Direito Internacional foi, em grande medida, admitido por influência do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), que o utiliza para, de forma especial, destacar aquelas normas cujo objecto é a protecção e a assistência às vítimas de conflitos armados: o chamado Direito de Genebra.

O que, de alguma forma, sugere a predominância do âmbito de aplicação pessoal deste ramo de direito. No que é, também, um ponto de apoio da opção feita. Opção que, afirme-se, não pretende diminuir a importância do problema de saber a que realidades se aplica o Direito Humanitário. De forma simplista dir-se-á que se aplica em qualquer conflito armado, internacional ou não. Mas num outro sentido, talvez mais verdadeiro nos dias de hoje, dir-se-á que o direito Humanitário tende a aplicar-se onde quer que haja vítimas. Tenha-se presente, neste sentido, o profícuo esforço do CICV em fazer aplicar os princípios subjacentes a este ramo de direito aos distúrbios e tensões internas, situações até há pouco ignoradas, mas geradoras de novas categorias de vítimas, também elas carentes de protecção humanitária2.

E esse é, estamos convencidos, o modo que melhor aproxima este ramo do direito do significado do termo «humanitário» com que é adjectivado, termo que conota uma atitude para com os outros, uma atitude inspirada por sentimentos de solidariedade3.

2. DA «VÍTIMA» EM DIREITO HUMANITÁRIO Assim, não é de estranhar que toda a base da sua protecção radique no

conceito de vítima. Conceito que não se recebe unicamente no sentido semântico do

termo — aquele que é objecto de coacção — mas que se assume com um

O Protocolo I veio completar e desenvolver as disposições das Convenções de Genebra aplicáveis em caso de conflito armado internacional e também algumas regras do Direito de Haia relativas aos métodos e meios de combate e o Ⅱ Protocolo veio desenvolver e completar as disposições aplicáveis aos conflitos armados não internacionais.

2 Para maiores desenvolvimentos sobre o âmbito de aplicação do Direito Humanitário ver, entre outros, Christophe Swinarski, Introdução ao Direito Humanitário, Escopo Editora, Brasília, 1988, págs. 31 e segs.

3 Sobre o sentido do termo, vide J. L. Blondel, Signification del término «humanitário» a Ia luz de los principios fundamentales de la Cruz. Roja y la Media Luna Roja, in Revista Internacional da La Cruz Roja (RICR), n.° 96.°, Novembro-Dezembro, 1989. págs. 538-548.

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sentido mais vasto, de alguém que precisa de ajuda. O que, transposto para o domínio que nos importa, pretende abarcar qualquer militar ou combatente que esteja de fora de combate por se encontrar ferido, doente ou prisioneiro e qualquer civil, isto é, qualquer pessoa que não pertença às forças armadas, que seja ou possa ser afectado por um conflito armado4.

Para estas pessoas afirma-se, antes do mais, uma base comum de protecção, devendo, em quaisquer circunstâncias, ser respeitados os princípios de humanidade subjacentes a este ramo de direito. Deste modo, proíbem-se liminarmente os actos de homicídio, de tortura, os castigos corporais, a detenção de reféns, as execuções sem um julgamento regular e as represálias contra pessoas e bens protegidos5. E, saliente-se, este nível mínimo de protecção deve ser respeitado mesmo em relação àqueles que, em rigor, se não enquadram em nenhuma das categorias de vítimas, tal como se encontram definidas pelo Direito de Genebra. Tenha-se presente, nomeadamente, o caso dos espiões e mercenários6 que, em caso de captura e não merecendo a qualificação de prisioneiros de guerra, são ainda assim considerados credores da protecção mínima garantida pelos instrumentos de Genebra. Mas mais. Afirma-se ainda um princípio geral de inalienabilidade da protecção humanitária conferida, com o alcance de que não se admite que a ela se renuncie, de forma voluntária ou não7.

O conceito amplo, acima formulado, postula diferentes categorias de vítimas, quer dizer, de pessoas em relação às quais os efeitos do conflito armado se fazem sentir de modo diverso. O que, naturalmente, implica diferentes formas de protecção. Que categorias e formas de protecção são essas é o que se pretende expor já de seguida.

3. DA PROTECÇÃO DE FERIDOS, DOENTES E NÁUFRAGOS

Se bem que inicialmente as expressões referidas visassem tão só a protecção dos membros das forças armadas, por força dos Protocolos Adicionais de 8 de Junho de 1977 elas passaram a abarcar, também, os civis vítimas de conflitos armados.

Neste sentido, pode hoje afirmar-se que, para o efeito que nos importa, feridos e doentes são todos os que, vítima de um conflito armado e abstendo-se da prática de qualquer acto de hostilidade, care-

4 Sobre o conceito de vítima, vide Jean Pictet, Le Droit humanitaire et la protection des victimes de la guerre, Sijthoff— Institut Henry Dunant, Leiden — Geneve, 1973, págs. 17 e segs.

5 Cfr. artigo 75.° do I Protocolo. 6 Cfr. artigos 46.° e 47.° do Protocolo I. Sobre o tratamento dispensado aos

mercanários, vide o interessante estudo de Eric David, Mercenaires et voluntaires internationaux de droit des gens, Université de Bruxelles, 1978.

7 Cfr. artigo 7.°, Convenções Ⅰ, Ⅱ eⅢ, artigo 8.°, da Convenção IV e artigo 1.° do Protocolo I.

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cem de assistência médica, reservando-se o conceito de náufrago para os que, nas mesmas circunstâncias, hajam sofrido um acidente e se encon-trem em situação de perigo, no mar ou em outras águas8.

Quanto à protecção que lhes é dispensada, salienta-se que, inde-pendentemente da situação de conflito em causa, devem ser respeitados e protegidos. Neste sentido, devem ser recolhidos e tratados com humanidade e devem receber, na medida possível e com a celeridade necessária, os cuidados médicos que o seu estado exija, não devendo proceder-se a qualquer discriminação, senão a que se fundamente em critérios clínicos. E quando aprisionados, devem ser tratados pela Parte detentora como se de feridos próprios se tratasse. Nesta situação de detidos, garante-se-lhes a possibilidade de poderem ser repatriados antes mesmo de terminado o conflito embora se admita que, tratando-se de membros das forças armadas, o seu repatriamento possa estar sujeito à garantia de que não voltarão a tomar parte activa nas hostilidades.

As Partes em conflito devem, para além disso, tomar sem demora as medidas necessárias para a sua recolha, assim como a dos mortos que possa haver, impedindo que sejam despojados. Neste sentido, nenhum cadáver deve ser enterrado, incinerado ou imerso sem que a sua morte tenha sido verificada, se possível por exame médico, e sem que tenha sido devidamente identificado. Para o que devem ser registados todos os elementos adequados para que feridos, doentes, náufragos e mortos recolhidos possam ser sempre identificados9.

4. DA PROTECÇÃO DE PRISIONEIROS DE GUERRA À situação de ferido, doente ou náufrago pode acrescer a de

prisioneiro de guerra, o que, numa primeira aproximação se poderia descrever como sendo todo o membro das forças armadas de uma Parte em conflito que caia em poder da Parte adversária, entendendo-se por forças armadas todas as que, num conflito armado, estejam devidamente organizadas, tenham um comando responsável e se submetam a um regime de disciplina interna que assegure o respeito pelas regras de direito internacional aplicáveis aos conflitos armados. O que implica que os combatentes se devam distinguir da população civil, por meio de uniforme ou outro sinal distintivo, ao menos quando tomem parte num ataque ou em alguma operação militar preparatória de um ataque. Admite-se, no entanto, que essa distinção se possa fazer, em situações

8 Cfr. artigo 13.° da I e Ⅱ Convenções e artigo 8.° do I Protocolo. Para maiores desenvolvimentos, vide J. F. Rezec, Protection des victimes des conflits armes, blessés, malades et naufragés, in Les Dimensions Internationales du droit humanitaire, Pédone, Institute Henry Dunant, Unesco, 1986, págs. 183-199.

9 Cfr. artigos 12.°, 14.°, 15.°, 16.° e 17.° da I Convenção, artigos 12.°, 16.°, 18.°, 19.° e 20.° da Ⅱ Convenção, artigos 10.°, 33.° e 44.° do I Protocolo e artigos 7.° e 8.° do Ⅱ Protocolo.

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excepcionais resultantes da natureza das hostilidades, pelo porte osten-sivo das armas para o combate10.

Este estatuto de prisioneiro de guerra é ainda conferido aos parti-cipantes em levantamentos em massa (ou seja, àquela parte da popula-ção de um território não ocupado que, com o aproximar-se do inimigo, toma espontaneamente as armas para o combater), às pessoas que, não integrando as forças armadas, estão autorizadas a segui-las e ainda aos membros do pessoal militar que prestam serviço em associações de protecção civil".

De idêntica protecção, mas sem o estatuto correspondente, gozam as pessoas que, em territórios ocupados e sem serem combatentes, se encontram detidas em virtude de pertencerem às forças armadas do país ocupado, os internados militares de países neutros e os membros do pessoal médico e religioso não combatente, mas que façam parte das formas armadas12. Também os jornalistas, não obstante serem conside-rados civis e como tal protegidos, quando acreditados juntos das forças armadas são credores do regime de protecção que se reconhece aos prisioneiros de guerra, no que toca à sua segurança, às condições físicas e morais em que vivem, aos seus direitos e ao tratamento que lhes é devido por parte do Estado detentor13.

A especial protecção que merecem os prisioneiros de guerra — e, bem assim, aqueles a quem é estendido o respectivo regime — traduz-se, em grande medida, na imposição de especiais obrigações à Parte detentora no que respeita, nomeadamente, ao tratamento que lhes deve ser dispensado.

Assim, não devem ser inutilmente expostos a perigos, enquanto aguardam a sua evacuação da área de combate. Uma vez evacuados, deverá o seu internamento ser feito em estabelecimentos localizados em terra firme que ofereçam garantias de higiene e salubridade, não podendo, em caso algum, ser (re)enviados para uma zona de combate tendo em vista, com a sua presença, a protecção dessas áreas e locais contra operações bélicas14. E terminadas as hostilidades, têm o direito de ser repatriados15.

Têm o direito, além disso, a que o Estado detentor lhe forneça o que seja necessário para garantir a sua vida e saúde, o que se traduz na obrigação de lhes garantir alojamento, alimentação e vestuário e de lhes

10 Cfr. artigo 4.° da Ⅲ Convenção e artigos 43.° e 44.° do I Protocolo. 1111 Idem. 12 Idem. 13 Cfr. 67.° do I Protocolo. Para maiores desenvolvimentos sobre o tratamento

que o Direito de Genebra dispensa aos jornalistas, vide Hans-Petter Gasser, La protection des journalistes dans les missions professionnelles perilleuses, in Revue Internationale de la Croix-Rouge, n.° 739.

14 Cfr. artigos 19.°, 22.° e 23.° da Ⅲ Convenção e artigo 41.° do I Protocolo. 15 Cfr. artigos 118.° e 119.° da Ⅲ Convenção.

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atender às necessidades de higiene e assistência médica requeridas16. O direito, por outro lado, de poder praticar o seu culto religioso e realizar actividades intelectuais e desportivas, do mesmo modo que se lhes reconhece a possibilidade de enviar e receber correspondência17. E têm, por fim, o direito de serem representados junto da Parte detentora por homens da sua confiança, escolhidos de entre os oficiais e soldados detidos18.

Com excepção dos oficiais, os prisioneiros de guerra podem ser obrigados a trabalhar, mas não a exercer actividades de carácter militar ou similar nem a praticar actividades perigosas, insalubres ou humilhan-tes. Impede-se, no entanto, que a Parte detentora possa lucrar com o trabalho assim conseguido, devendo, pelo contrário, ser-lhes proporci-onada a obtenção de recursos pecuniários19.

Em matéria de sanções que lhes possam ser aplicadas, os prisioneiros de guerra estão submetidos às leis e regulamentos em vigor para as forças armadas do Estado detentor, o que significa que no que respeita à aplicação de sanções — judiciais ou disciplinares — são credores de tratamento idêntico àquele que recebem os soldados e oficiais da Parte detentora20.

A descrição do regime de protecção dos prisioneiros de guerra ficaria incompleta sem uma referência, ainda que breve, à Agência Central de Pesquisas, organismo que tem como uma das suas funções principais a de protegê-los das consequências da perda da sua identida-de21. O que consegue mediante a recolha dos seus dados pessoais e posterior transmissão ao país de origem e respectiva família. Embora modesta na sua aparência, esta missão, e a obrigação que lhe subjaz, têm uma importância enorme no que toca à protecção moral dos prisioneiros de guerra. Trata-se, no fundo, de garantir-lhes a manutenção de relações com o «seu mundo», o que é conseguido, também, pelo direito que se reconhece ao CICV de os visitar22.

Nos conflitos armados não internacionais desconhece-se esta cate-goria de vítima. Aí não fala, com efeito, em prisioneiros de guerra. Mas àqueles que se encontrem privados de liberdade em virtude e por motivos relacionados com o conflito, atribui-lhes o Protocolo Ⅱ garantias de protecção análogas às que os restantes instrumentos de Genebra reconhecem e outorgam a essa categoria de vítimas, nomeadamente no que respeita à sua integridade física e moral, à sua alimentação, à satisfação das suas necessidades de assistência, às condições de trabalho e ao exercício das suas convicções religiosas23.

16 Cfr. artigos 15.°, 25.°, 26.°, 27.° e 30.° da Ⅲ Convenção. 17 Cfr. artigos 33.°, 63.°, 70.°, 71.° e 72.° daⅢ Convenção. 18 Cfr. artigo 79.° da Ⅲ Convenção. 19 Cfr. artigos 49.° a 54.° daⅢ Convenção. 20 Cfr. artigos 39.° e 82.° a 88.° da ⅢConvenção. 21 Cfr. artigo 123.° da Ⅲ Convenção. 22 Cfr. artigos 9.° e 126.° daⅢ Convenção e artigo 81.° do I Protocolo 23 Cfr. artigo 4.° do Ⅱ Protocolo.

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5. A PROTECÇÃO DA POPULAÇÃO CIVIL

Da protecção desta categoria de vítimas, quantas vezes a mais atingida por conflitos armados e aquela em relação à qual se verificam mais graves violações dos instrumentos de Genebra, trata, sobretudo e especificamente, o título Ⅳ do Protocolo Ⅰ, todo ele dedicado à protec-ção de pessoas e bens civis24.

Consagra-se, desde logo, a proibição de que a população civil possa ser alvo de quaisquer ataques ou actos de violência, ofensivos ou defensivos. Assim e em primeiro lugar, proíbe-se todo e qualquer ataque indiscriminado, isto é, que não seja ou não possa ser dirigido, em razão dos métodos ou meios de combate usados, contra um objectivo militar. E do mesmo modo se proíbem aqueles ataques que, embora dirigidos a alvos militares, causem perdas civis acidentais e excessivas em relação à vantagem militar concreta que se previra25.

As vítimas civis têm, por outro lado, o direito de receber a assistência necessária — em víveres, medicamentos, vestuário, etc. — e o direito de, em qualquer circunstância, ver respeitada a sua pessoa e honra, os seus direitos familiares e as suas convicções e práticas religiosas e, enfim, os seus hábitos e costumes26. Neste sentido, quando se encontrem em poder de uma das Partes em conflito, são credoras, sem qualquer discriminação, daquelas garantias fundamentais de tratamento humanitário anteriormente referidas, estando, por isso, proibidos quais-quer atentados contra a sua vida, saúde e bem estar, físico e mental27. Do mesmo modo se proíbe às Partes em conflito fazerem padecer de fome a população civil28. Com o que se pretende evitar que os bens indispensáveis à sua sobrevivência, como os bens alimentares, áreas agrícolas, plantações, criações, instalações e suprimentos de água potável e de irrigação sejam atacados, destruídos, removidos ou inutilizados29.

Estão igualmente previstas garantias judiciais, para o caso de uma pessoa ser presa por um delito cometido com relação com o conflito. Afirma-se, neste sentido a inderrogabilidade do direito que o acusado tem de, sem demora e numa língua que compreenda, ser informado sobre os factos da infracção que lhe é imputada, a presunção de inocência, a irretroactividade das leis, a ausência de coacção para obter confissões e a publicidade e audiências de julgamento30.

Ver-se-á, no entanto, que para além desta protecção geral que se dispensa à população civil, existem, de entre esta, certas categorias que merecem dos instrumentos de Genebra uma especial atenção.

24 Sobre a protecção da população civil, entre outros, Christophe Swinarski, Introdução... cit., págs. 40 a 42.

25 Cfr. artigos 49.°, 51.° e 52.° do I Protocolo. 26 Cfr. artigo 23.° da Ⅳ Convenção e artigos 69.°, 70.° e 7 l.° do I Protocolo. 27 Cfr. artigo 75.° do Ⅰ Protocolo. 28 Cfr. artigo 54.° doⅠ Protocolo. 29 Idem. 30 Cfr. artigo 75.° doⅠ Protocolo.

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6. A ESPECIAL PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E MULHERES

É que, de entre as vítimas civis, existem pessoas que estão mais expostas aos sofrimentos inerentes ao conflito. Estão nesta situação, desde logo, as crianças e as mulheres.

Assim, no que respeita às crianças, proíbem-se quaisquer atentados ao pudor e impõe-se o dever de lhes ser prestada a assistência de que necessitem em razão da sua idade. Impõe-se, para além disso, que sejam tomadas as medidas necessárias para evitar que os menores de quinze anos participem directamente nas hostilidades. Quando, em razão do conflito, fiquem órfãs ou sejam separadas das suas famílias, deverão tomar-se as medidas adequadas para que não fiquem abandonadas e sejam de molde a garantir, em qualquer circunstância, a sua educação e religião. Em caso de prisão, deverão ser mantidas em locais separados dos adultos, salvo se as famílias estiverem alojadas em unidades fami-liares. A pena de morte, por seu turno, não poderá ser executada em pessoas que, à data em que foi cometido o crime, não tenham ainda completado dezoito anos.

Salvo a ocorrência de casos de força maior, as Partes em conflito não poderão organizar a evacuação para um país estrangeiro de crianças que não sejam seus nacionais. Quando, excepcionalmente, isso haja que ocorrer, deverão ser tomadas as diligências para facilitar o seu retorno às respectivas famílias e país.

Quanto às mulheres, a especial protecção que se lhes confere traduz-se, essencialmente, na proibição da sua violação e da perpetração de atentados ao pudor. Em caso de prisão relacionada com o conflito, as mulheres grávidas e as mães de crianças dependentes deverão ter absoluta prioridade no exame dos seus processos e, no caso de serem sentenciadas com a pena de morte, esta não deverá ser executada31.

7. A ESPECIAL SITUAÇÃO DOS ESTRANGEIROS, REFUGIADOS E INTERNADOS CIVIS

Também em situação especial, reconhecida pelos instrumentos de Genebra, estão os estrangeiros.

Embora se lhes reconheça o direito de abandonarem, no início ou durante o conflito, o território dos Estados beligerantes, admite-se que lhes seja negada autorização para tal, quando isso contrarie os interesses nacionais do Estado em causa. Em todo o caso, se a saída for autorizada,

31 Sobre o tratamento particular que é dispensado às crianças e às mulheres, vejam-se os artigos 24.° e 27.° da IV Convenção e artigos 76.°, 77.° e 78.° do I Protocolo. Cfr. também D. Plattner/Christophe Swinarski, La protection juridique d I’enfant victime civile des conflits armés, in Yearbook of International Institute of Humanitariam Law e Françoise Krill, La protección da la mujer en el derecho internacional humanitário, in Revista Internacional de la Cruz Roja, Noviembro-Diciembre 1985.

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garante-se-lhes o direito de que seja realizada em condições satisfatórias de segurança, higiene, saúde e alimentação. Em relação aos que tiverem de permanecer, a situação continuará a reger-se, em regra, pelas disposições relativas aos estrangeiros em tempo de paz. Mais se prevê, neste caso, que sejam beneficiários das mesmas normas que se aplicam às restantes vítimas de um conflito, em especial aquelas que se referem às garantias fundamentais. Além disso, deverão ser-lhes assegurados alguns direitos básicos, como sejam os de receber socorro individual ou colectivo e tratamento médico e hospitalar, o de praticar a sua religião e, finalmente, o de beneficiar das medidas decretadas pelo Governo em favor de outras categorias específicas de vítimas32.

Os refugiados, forçados pelos acontecimentos ou por perseguições a deixar o seu país para procurar asilo em outro território, merecem também especial consideração. Quando o seu país de origem entre em conflito armado com o Estado de acolhimento, tornam-se estrangeiros inimigos, porquanto possuem a nacionalidade de uma potência inimiga. A sua situação é, no entanto, especial, porque, pelo facto de se terem refugiado, não mantém, em regra, qualquer vínculo com o seu país de origem e não beneficiem do apoio do país que os recebeu nem, regra geral, de qualquer outro. Daí que se determine, na Convenção IV, que «a potência detentora não poderá tratar como estrangeiros inimigos, unicamente com base no facto de a sua nacionalidade ser de jure a de um Estado inimigo, os refugiados que não desfrutem da protecção de Governo algum». Quanto ao tratamento que lhes é devido, recebem a protecção desta Convenção, que se lhes aplica (assim como aos apátridas que, antes do início do conflito fossem considerados como tal) em todas as circunstâncias e sem qualquer distinção desfavorável33.

Em situação especial estão, por último, aqueles que se encontram em situação de residência forçada ou de internamento civil, cuja adopção, aliás, só se permite no caso de uma das Partes no conflito considerar ser necessário, por razões imperiosas de segurança, tomar medidas sobre os civis inimigos que se encontrem no seu território ou outras vítimas protegidas que se encontrem em território ocupado.

Embora as condições de internamento sejam, no essencial, as mesmas que se aplicam aos prisioneiros de guerra, é possível destacar diferenças significativas. E o que acontece com o facto de não poderem ser obrigados a trabalhar e, no que toca à vida familiar, poderem solicitar que os filhos, deixados em liberdade, sejam internados conjuntamente com os pais. Ainda neste sentido, destaque-se o facto de o internamento dos membros de uma mesma família dever, na medida do possível,

32 Sobre a protecção dos estrangeiros, vejam-se os artigos 35.°, 36.° e 38.° da IV Convenção.

33 Cfr. artigo 44.° da IV Convenção. Vide ainda Yves Sandoz, Christophe Swinarski e Bruno Zimmermann (ed), Commentary on the Additional Protocols of 8 June 1977 to the Geneve Conventions of 12 August 1949, International Committe of the Red Cross, Martinus Nijhoff Publishers, Geneve, 1987, § 2936 a 2985.

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processar-se no mesmo local, devendo ainda ser criadas condições para que possam desfrutar uma vida familiar normal34.

8. A PROTECÇÃO DO PESSOAL SANITÁRIO

Particular categoria de vítimas são, também, aqueles que intervêm no conflito por razões humanitárias.

É o caso do pessoal sanitário, categoria que inclui pessoas afectas a fins sanitários (de busca, de evacuação, de tratamento de feridos, etc.), como sejam os médicos, os enfermeiros, os maqueiros, entre outros, o pessoal afecto à administração e funcionamento do material sanitário (motoristas, cozinheiros, etc.) e, finalmente, o pessoal religioso, afecto exclusivamente ao seu ministério35.

Este pessoal sanitário, que é identificado mediante um cartão pessoal de identificação e traja o distintivo da cruz ou do crescente vermelho, pode transitar armado, não só para a sua própria defesa pessoal como para a defesa dos feridos e doentes que tenham a seu cargo. Quando os seus membros caiam em poder de uma das Partes em conflito, deve ser-lhes permitido continuar a exercer as suas funções junto dos feridos e doentes e não podem ser obrigados a praticar actos contrários às normas de deontologia médica ou, de forma inversa, a abster-se de praticar os actos exigidos por essas mesmas normas. Só deverão perma-necer retidos quando a sua retenção se afigure indispensável para tratar os prisioneiros de guerra, caso contrário deverão ser repatriados. Quando hajam de ficar retidos, dever-lhe-ão ser concedidas facilidades para cumprir a sua missão, não devendo ser considerados prisioneiros de guerra.

Por último, a sua requisição nos territórios ocupados só pode efectivar-se para assegurar a satisfação de necessidades médicas das populações36.

9. A PROTECÇÃO DE BENS

O sistema de protecção humanitária de Genebra estende-se ainda a certos bens que sejam ou possam vir a ser afectados por um conflito armado.

Note-se que do que se trata não é de atribuir uma protecção particular à propriedade privada ou conferir imunidades a certos bens por forma a assegurar o normal funcionamento das actividades econó-micas durante o conflito. A finalidade é, ainda aqui, humanitária: o que

34 Sobre o internamento civil, veja-se os artigos 41.°, 78.°, 82.°, 95.°, l 14.°, 115.°, 116.°, 132.° a 135.° da IV Convenção.

35 Cfr. artigos 24.° a 27.° da Ⅰ Convenção, artigos 36.° e 37.° da Ⅱ Convenção, e artigos 18.° e 19.°, respectivamente, dos ProtocolosⅠ eⅡ.

36 Cfr. artigos 24.° e 25.° daⅠ Convenção, artigos 24.° a 27.° da Ⅱ Convenção e artigos 8.° e 15.° do I Protocolo.

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se pretende é, em primeira linha, assegurar a protecção de certos bens que se reputam indispensáveis à sobrevivência das pessoas protegidas e ao cabal desempenho da própria actividade necessária para o efeito.

A protecção de bens de que se falará em seguida assume, deste modo, uma função instrumental essencial, que visa, ainda, a protecção das vítimas de conflitos armados. Justifica-se, por isso, que se lhe faça uma referência.

Protegem-se, em primeiro lugar, as unidades sanitárias, os meios de transporte e o material sanitário37.

Quanto à protecção que é conferida às unidades sanitárias, que compreendem todos os edifícios e instalações fixas (hospitais, centros de transfusão de sangue, etc.) ou formações móveis (hospitais de campanha, tendas, etc.) organizadas em vista do exercício de actividades sanitárias, ela traduz-se, essencialmente, na proibição de serem atacadas ou, por qualquer modo, prejudicadas e na obrigação que se impõe às partes beligerantes de se absterem da prática de quaisquer actos que possam obstar ao seu normal funcionamento. E isto, note-se, ainda que essas unidades não alojem, momentaneamente, qualquer das categorias de vítimas protegidas38.

Idêntica é a protecção que recebem os meios de transporte sanitário, isto é, toda a espécie de veículos destinados à actividade sanitária independentemente do meio de locomoção e do espaço físico em que transitam. Deste modo, recebem protecção os meios de transporte terrestres (as ambulâncias, os camiões de transporte sanitário, etc.), os meios de transporte náuticos (navios-hospitais ou embarcações de salvamento, etc.) e os meios de transporte aéreos, quer se destinem ao transporte de pessoas ou ao transporte de material39.

Já a protecção do material sanitário, que compreende todos os restantes bens que se relacionam com a actividade sanitária (macas, aparelhos e instrumentos médicos, medicamentos, etc.), consiste na proibição de, em qualquer caso, poderem ser destruídos e, outrossim, na proibição da prática de actos que o possam, de algum modo, afastar do pessoal sanitário que o utiliza40.

Para que estes bens destinados à actividade sanitária beneficiem de uma protecção eficaz é necessário que possam ser identificados, o que se consegue, uma vez mais, mediante a aposição neles do símbolo da cruz ou crescente vermelho sobre fundo branco. E, para que não se frustre essa protecção, preconiza-se que esse símbolo deve ser escrupu-

37 Vide, sobre a protecção de material sanitário, entre outros, Stanislaw E. Nahlik, A brief outline of International Humanitarian Law, separata da International Review of Red Cross, July-August 1984, pág. 27 e segs.

38 Cfr. artigos 19.° a 22.°, 33.° e 34.° da I Convenção e artigos 8.°, 9.°, 12.° a 14.° do I Protocolo.

39 Cfr. artigo 35.° da I Convenção, artigos 22.°, 24.°, 25.°, 29.°, 31.°, 38.° e 40.° da Ⅱ Convenção, artigos 8.°, 21.° a 30.° do I Protocolo.

40 Cfr. artigos 33.° e 34.° da I Convenção e artigos 28.° e 38.° da Ⅱ Convenção.

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losamente respeitado, não podendo ser utilizado para fim diverso nem usado ou hasteado sem a autorização da autoridade competente41.

Também certos bens pessoais da população civil são objecto de protecção, proibindo-se que possam ser atacados.

O critério determinante é, nesta matéria, o de que devem ser respeitados todos os bens que não sejam, ou não possam ser, considera-dos objectivos militares. Assim, protegem-se não apenas os bens que pela sua natureza, localização e destinação não ofereçam uma contribuição efectiva para a acção militar mas também aqueles cuja destruição, captura ou neutralização não oferece uma vantagem militar definida e concreta. Naqueles casos que possam suscitar dúvidas, deve considerar-se que os bens em causa têm uma destinação civil, não devendo, por isso, ser atacados42.

Tem-se entendido, por outro lado, que o nível de protecção que se deve dispensar às vítimas de um conflito armado não deve bastar-se com a sua protecção durante esse mesmo conflito. É necessário, além disso, que se criem condições para que as vítimas — nomeadamente, as vítimas civis — possam sobreviver às hostilidades. Com o que se significa, também, que possam manter a sua identidade cultural durante e, sobretudo, para além do conflito.

Daí que também se protejam, proibindo-se que sejam objecto de qualquer ataque ou utilizados para apoio de actividades compreendidas na acção militar dos beligerantes, os bens culturais (monumentos histó-ricos, obras de arte, templo religiosos, etc.), bens que constituem a herança cultural e espiritual dos povos e cuja preservação se reputa indispensável não só para a satisfação de necessidades culturais e espirituais imediatas das populações mas também como modo de permitir a manutenção da sua identidade própria após o termo das hostilidades43.

Uma última referência para o meio ambiente. Deixe-se claro que o que o Direito Humanitário prossegue não é, à imagem do que acontece com outro tipo de actividades internacionais, atingir objectivos mera-mente ecológicos. Não se perde de vista, com efeito, o objectivo humanitário que preside a este ramo do direito internacional.

Assim, o meio ambiente é objecto de protecção no sentido de que se proíbe a utilização, durante os conflitos armados, de métodos e meios de combate que lhe possam causar danos extensos, graves e duradouros e que, consequentemente possam comprometer a saúde e as condições de sobrevivência da população44.

41 Cfr. artigos 39.°, 42.°, 44.°, 53.°, 54.° da I Convenção, artigos 43.° e 45.° da Ⅱ Convenção, artigos 18.° e 85.° do I Protocolo.

42 Cfr. artigo 52.° do I Protocolo. 43 Cfr. artigo 53.° do I Protocolo. Sobre a protecção que especificamente se

confere aos bens culturais, vide Jiri Toman, La protection des biens culturels dans les conflits armes internationaux, cadre juridique et institutionnel, in Studies Honour of Jean Pictet (ed. Ch. Swinarski), Genève/la Haye, CIRC/M. Nijhoff, 1984.

44 Cfr. artigo 55.° do I Protocolo.

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10. CONCLUSÃO Passamos os olhos pelas várias categorias de pessoas protegidas

pelos Instrumentos de Genebra, dando-se uma amostragem geral — se bem que fraccionada e necessariamente incompleta — da protecção que lhes é dispensada. Protecção que, como se viu, envolve também a do suporte material indispensável para a acção humanitária e também a de outros bens que, destruídos ou inutilizados, poderiam de algum modo pôr em causa aquelas finalidades de protecção. E protecção que, como se referiu, não visa apenas a ajuda imediata às vítimas do conflito mas que, de forma prospectiva, pretende garantir-lhes a sobrevivência para além dele.

E agora chegado o momento de terminar. Fá-lo-emos com uma palavra de amargura mas também de alguma esperança.

De amargura porque, e infelizmente, se continua a assistir — e hoje com uma fúria crescente — a graves e repetidas violações das Conven-ções de Genebra e respectivos Protocolos Adicionais. E tal acontece porque para numerosos Governos, na sua generalidade signatários daqueles instrumentos, os imperativos políticos e de segurança nacional — quantas vezes fictícios — passam bem à frente das preocupações de índole humanitária.

De esperança porque se espera que estas realidades possam ter a virtualidade de provocar em nós uma reacção positiva, por forma a que se possam encontrar soluções concretas para o futuro, através de uma verdadeira mobilização humanitária.

E temos, por último, uma certeza. A certeza da importância e da necessidade do Direito Humanitário.

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Administração, n.º 34, vol. IⅨ, 1996-4.º. 913-924

INTRODUÇÃO AO DIREITO AÉREO INTERNACIONAL (i.ª PARTE)

José Tomás Baganha **

INTRODUÇÃO

NATUREZA DO DIREITO AÉREO INTERNACIONAL

FONTES DO DIREITO AÉREO INTERNACIONAL

• Direito consuetudinário internacional • Direito internacional convencional • Convenções de Direito Aéreo Internacional • Tribunais Internacionais Textos Jurídico-Políticos

A) — Convenção Internacional de Navegação Aérea. Paris. 1919:

B) - Convenção Ibero-Americana de Navegação Aérea. Ma drid. 1926:

C) — Convenção sobre a Aviação Civil Comercial. Havana. 1928:

D) — Convenção da Aviação Civil Internacional. Chicago. 1944 (aspectos histórico-políticos da Conferência de Chicago).

* Este texto apresenta-se dividido em duas partes. A Ⅱ Parte será publicada na próxima Revista (35).

** Jurista. Exerce as funções de Vice-Presidente da Autoridade de Aviação Civil de Macau (AACM). O artigo representa a perspectiva pessoal do autor e o seu conteúdo não deverá ser relacionado com as funções que exerce na AACM.

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INTRODUÇÃO

Em 1783 os irmãos Montgolfier fizeram levantar do solo, pela pri-meira vez, um balão de ar quente.

No ano seguinte, foi publicado o que pode considerar-se a primei-ra lei de direito aéreo público: um decreto da polícia de Paris que proibia a realização de voos de balões sem uma autorização prévia especial1.

A primeira regulamentação visando a segurança da navegação aérea data de 1819 ao exigir-se em França que os balões estivessem equipados com pára-quedas. Remonta a 1822 o primeiro caso conhecido de danos provocados pela aviação decidido nos Estados Unidos, à luz dos princípios da "common law". Voar pela primeira vez numa aeronave mais pesada que o ar foi a proeza de Le Bris, em 1856, num planador construído segundo o modelo das asas de um albatroz.

A primeira conferência internacional de direito aéreo reuniu-se, em Paris, em 1889 e, dois anos depois, publicaram-se em Itália e em França os primeiros tratados de direito aéreo 2.

Em 7 de Agosto de 1995, o Boletim Oficial de Macau (B.O.M.) publicava o diploma enquadrador das actividades de aviação civil no Território3 e em 9 de Novembro do mesmo ano o Aeroporto Internacio-nal de Macau (AIM) abria ao tráfego aéreo internacional culminando, em pleno período de transição, um arrojado projecto da Administração portuguesa. Ainda antes de terminar o ano, o Boletim Oficial consuma-va a integração no ordenamento jurídico local de dois importantíssimos instrumentos de direito internacional que vieram consagrar, no plano jurídico, a plena inserção de Macau na comunidade internacional do transporte aéreo: a Convenção de Varsóvia4 e a Convenção de Chicago5.

1 É compreensível a exigência da lei, pois naquele tempo os balões foram utilizados para transporte de correio e outras mensagens, assim como para fins militares de reconhecimento e bombardeamento.

2 As referências históricas foram recolhidas em Air Law - Shawcross & Beaumont, vol. I - Chapter I, Butterworths, 4th Edition.

3 Decreto-Lei n.° 36/95/M, de 7 de Agosto, B.O.M. l.a série, n.° 32. Pelo seu conteúdo técnico , não merecem referência, alguns diplomas da República tendo por objecto matérias relacionadas com a aviação e publicados em Macau de forma esporádica antes de o AIM ser considerado um projecto consequente. De igual modo se omite a referência aos diplomas publicados, em 1994, relacionados com a preparação de planos de segurança e facilitação do transporte aéreo, bem como às servidões aeronáuticas.

4 «Convenção para a unificação de certas regras relativas ao transporte aé reo internacional, assinada em Varsóvia em 12 de Outubro de 1929» e Protocolo da Haia de 1955, cuja aplicação foi tornada extensiva a Macau por força do Des pacho Normativo n.° 72/95 da Presidência do Conselho de Ministros da Repúbli ca de 25.11.95, publicado no B.O.M. n.° 50 de 11 de Dezembro de l 995.

5 «Convenção sobre a aviação civil internacional», assinada em Chicago em

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Quando o presente artigo for dado à estampa, provavelmente, mais de l milhão de passageiros, transportados por mais de 20 companhias aéreas, entre as quais a companhia aérea local Air Macau, utilizaram o AIM.

As perspectivas apontam para a possibilidade de um desenvolvi-mento sustentado das potencialidades do AIM não só quanto ao trans-porte de passageiros, mas também (ou sobretudo) da carga aérea.

Vale, pois, por dizer que estão presentes todos os elementos estru-turantes de uma nova e significativa actividade económica e social do Território cujos variados interesses, de natureza pública ou privada, pressupõem uma adequada tutela jurídica quer por parte do ordenamento local, quer dos instrumentos internacionais aplicáveis ao transporte aéreo.

Afigura-se-me, por tais motivos, de alguma utilidade a divulga-ção de informações e conhecimentos inerentes ao direito aéreo interna-cional6 com vista a proporcionar aos agentes, intérpretes e futuros doutrinadores locais pistas de informação sistematizada e seleccionada, susceptíveis de serem utilizadas, posteriormente, como referências de outros trabalhos e objectivos.

NATUREZA DO DIREITO AÉREO INTERNACIONAL

Da brevíssima relação de factos respigados da evolução histórica da aviação internacional e local, ressaltam, como dominantes, as ca-racterísticas seguintes: (1) enquanto aplicação da ciência aeronáutica, a aviação constitui a actividade humana que maiores resultados práti-

1944 e cuja aplicação foi tornada extensiva a Macau por determinação do Despacho Normativo n.° 73/95 da Presidência do Conselho de Ministros da República, de 17.11.95, publicado no B.O.M. n.° 52 de 29 de Dezembro de l 995.

Em rigor, o texto da Convenção de Chicago, como é conhecido, fora já tornado extensivo a Macau, em 1947, assim como os seus Anexos l (em 1967), 2 e 4 (em 1974) e 9 (em 1966). Considerando, contudo, que o texto da Convenção sofreu, entretanto, algumas emendas resultantes de ratificações operadas pelo número necessário e suficiente de Estados, exigível para a entrada em vigor de algumas disposições modificadas ou novas [arts. 45 a), 48 a), 49 e), 56, 61, 93 bis], afigurou-se conveniente confirmar a sua aplicação a Macau, assim como dos Ane-xos, também profundamente desactualizados, através da publicação em B.O.M.

6 Em Macau, com exclusão de ligações aéreas esporádicas entre o AIM e o Heliporto do Terminal do Porto Exterior, todo o tráfego aéreo é internacional não só em consequência da sua pequenez territorial, mas também do seu especial estatuto político destituído de espaço aéreo próprio. Naturalmente, a legislação local aplicável à aviação civil reflecte no plano teleológico dos interesses tutelados esta característica internacional do transporte aéreo.

Para o futuro, após 1999, as disposições conjugadas (arts. 8.°, 18.° e 117.°) da Lei Básica da futura Região Administrativa Especial de Macau da RPC asseguram a continuidade do ordenamento jurídico de aviação civil, enquanto parte de um todo normativo mais vasto, e deste modo, a natureza internacional do transporte aéreo de e para Macau.

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cos registou em período tão curto; depois, (2) a utilização de aeronaves destruiu os obstáculos constituídos por fronteiras, acidentes geográficos ou oceanos , obrigando os Estados a substituir, de forma progressiva e na sequência da evolução tecnológica da aviação, os ordenamentos jurídicos nacionais de regulação da navegação aérea por um sistema internacional (ainda que imperfeito e inacabado) orientado para a fluidez do tráfego e do comércio.

Na verdade, quase todas questões de direito aéreo têm implicações internacionais: soberania, jurisdição, território, relações entre Estados e também com outras pessoas jurídicas dotadas de personalidade internacional, nacionalidade, harmonização do direito privado, conflitos de leis etc.

Justifica-se, pois, uma sucinta referência à natureza e objecto de direito internacional, de modo a que as questões específicas de direito aéreo originadas nos princípios do direito internacional, possam ser correctamente equacionadas.

O corpo de normas jurídicas que regula as relações entre Estados e outras pessoas colectivas dotadas de personalidade internacional é, em geral, qualificado de direito internacional público que o distingue do direito internacional privado cujo objecto se traduz na construção normativa de critérios adequados à solução de conflitos de leis e conflitos de jurisdições (exemplos do 1.° grupo: questões de responsabilidade emergentes de ferimentos físicos, danos causados a bens apropriados, direitos e garantias sobre aeronaves; exemplos do 2.° grupo: elementos não-nacionais no transporte internacional aéreo conduzindo a conflitos de leis e de jurisdições).

Tanto o direito público como o direito internacional privado não podem confundir-se com as normas de direito privado que se tornaram comuns a muitos Estados em resultado das convenções internacionais concluídas para estabelecer sistemas uniformes de normas, como é o caso da Convenção de Varsóvia, as quais integram os respectivos orde-namentos jurídicos.

Por sua vez, o direito aéreo internacional apresenta-se como uma combinação de direito público e de direito internacional privado cujo objecto consiste em (a) proporcionar um sistema internacional de nor-mas visando a regulação das actividades de aviação civil e (b) na elimi-nação dos conflitos ou incongruências na aplicação das leis internas. Dois exemplos ajudam a compreender como operam e se interligam os diferentes elementos em direito aéreo internacional:

1.° Exemplo: Um passageiro alemão que viajava num avião re-gistado no Reino Unido morre numa acidente ocorrido na Bélgica. O bilhete que lhe proporcionou a viagem foi comprado na Polónia para uma viagem aí iniciada com destino aos EUA com passagem pela Ale-manha. A viúva intenta uma acção junto dos tribunais ingleses contra o operador do avião, reclamando uma compensação pela sua morte. A acção poderia, sem dúvida, ser julgada à luz da lei inglesa, inclusive do

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direito internacional privado inglês, mas os tribunais ingleses deparar-se-iam com um inextricável conflito entre as leis da Alemanha, Polónia, Bélgica, EUA e R.U. No entanto, devido à existência de uma convenção multilateral regulada pelos princípios de direito internacional público (Convenção de Varsóvia), o direito interno de cada uma das jurisdições envolvidas está unificado de modo que os conflitos de leis estão, em larga medida, resolvidos e a viúva pode esperar tratamento semelhante independentemente do tribunal nacional em que intentar a acção.

2.° Exemplo: Um avião registado no R.U. voa sobre a Bélgica e a Holanda e aterra nestes países na sua rota com destino à Suécia. O piloto poderia violar, por diversas formas, as leis de cada um destes Estados. Poderia, por exemplo, ofender as respectivas normas respei-tantes à navegação aérea ou às alfândegas. De igual modo, poderia cometer actos ilícitos ao sobrevoar certas áreas específicas. Por outro lado, os Estados sobrevoados poderiam não fornecer apoio à navegação aérea, pelo que a segurança do voo poderia estar em perigo. Na prática, porém, ameaças como estas à aviação civil internacional são solucionadas através de convenções multilaterais e acordos bilaterais entre os vários Estados. Note-se, contudo, que o objecto do direito internacional público neste exemplo é mais amplo que no anterior, porquanto não só as regras de direito privado aplicáveis estão unificadas por uma convenção internacional, mas também porque existe uma organização internacional que promulga normas e práticas recomendadas relativas à segurança aérea, etc. (Organização da Aviação Civil Internacional).

O direito aéreo internacional não eliminou todos os conflitos de leis porque nem todos os Estados são membros das convenções multi-laterais e também porque nem todos os problemas são objecto de convenções deste tipo. Finalmente, a cooperação dada pelos diversos Esta-dos, não raramente, é pouco exemplar. Não obstante estas reservas de peso, a cooperação internacional é a atitude que melhor serve os inte-resses dos Estados e a extensão da sua dimensão actual no domínio da aviação civil é impressionante e, em todo o caso, garantia de transporte aéreo em segurança 7.

FONTES DO DIREITO AÉREO INTERNACIONAL

As fontes do direito aéreo internacional são o direito consuetudi-nário internacional, o direito convencional internacional, as convenções de direito aéreo internacional e as decisões dos tribunais que podem constituir meios subsidiários de determinação do direito aplicável.

DIREITO CONSUETUDINÁRIO INTERNACIONAL

Tendo constituído a mais importante fonte do direito aéreo inter-

7 Seguimos de perto Air Law - Shawcross & Beaumont. (Vide nota 2).

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nacional até à Convenção de Paris de 1919, a sua relevância principiou a atenuar-se a partir daquela data e, de modo decisivo a partir de 1944, perante as convenções e tratados de natureza multilateral ou bilateral consubstanciados por excelência na Convenção de Chicago de 19448 e nos tratados bilaterais a que esta veio dar origem (embora neste último caso constituam apenas fontes do direito aplicável às Partes).

Contudo, afigura-se-nos justificado referi-la, em primeiro lugar, menos por estritas razões históricas do que pela íntima conexão do princípio da soberania, nuclear do direito internacional, com a construção e o desenvolvimento do direito aéreo internacional.

Traduzindo-se a soberania, em direito internacional, no exercício dos poderes do Estado, com exclusão dos demais Estados em relação a um determinado território e ao espaço aéreo sobrejacente, decorre daquele princípio que os voos internacionais carecem de autorização prévia do Estado sobrevoado. A soberania nacional teve como consequência o desenvolvimento generalizado do bilateralismo nas relações estaduais como a principal fonte de permuta dos direitos de tráfego aéreo internacional e da própria estruturação do direito aéreo internacional nas décadas que se seguiram ao segundo conflito mundial até aos anos oitenta9.

Por outro lado, o conceito de soberania, em direito internacional,

8 Vide nota 5 supra. 9 Com a constituição da CEE e, nomeadamente, com o estabelecimento da

política comum de transportes que permitiu a liberalização do transporte aéreo na Europa, a partir de 1987, entra definitivamente em crise o conceito de soberania enquanto fundamento do direito aéreo internacional. Trata-se de uma resposta de natureza multilateral, flexibilizando a actividade de transporte aéreo em todo o território comunitário delimitado pelas fronteiras externas dos Estados-membros.

A Comunidade, através da Comissão Europeia, iniciou um longo processo interno visando a confirmação da competência exclusiva da Comunidade para a celebração de acordos de transporte aéreo em nome dos Estados-membros inte-grados na CEE, hoje U.E. As contradições de interesses nacionais e das respectivas companhias aéreas, bem aproveitadas pelos E.U.A., têm tornado os progressos neste domínio penosamente difíceis.

Do outro lado do Atlântico, veio também a resposta multilateral. Em 1995, os E.U.A. e o Canadá anunciaram também a completa liberalização do transporte aéreo relativamente aos transportadores aéreos de ambos os países.

Por sua vez, em Setembro de 1996, os Governos da Austrália e da Nova Zelândia anunciaram a criação, com efeitos a partir de l de Novembro de 1996, de um mercado único para as companhias aéreas neles registadas.

Amplia-se, assim, a tendência para desvincular o transporte aéreo internaci-onal quer do conceito de soberania, quer das companhias aéreas nacionais (por isso, ditas de bandeira) e considerá-lo uma actividade económica de prestação de serviços internacionais (e, mesmo, globais) à semelhança de todas aquelas que integram o GATT. A polémica está lançada entre os países mais desenvolvidos com os E.U.A. a liderarem esta tendência e os menos desenvolvidos cujas políticas aéreas nacionais assentam, em larga medida no conceito de soberania nacional. Este debate decidir-se-á provavelmente nos próximos 10 anos a favor da corrente liberalizadora.

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está na origem de outros, tais como, jurisdição, nacionalidade ou res-ponsabilidade que, por sua vez, foram adoptados e reformulados pelo direito internacional aéreo em matérias relacionadas com a nacionali-dade das aeronaves determinada pelo Estado de registo, a propriedade substancial e o efectivo controlo de companhias aéreas por nacionais, a nacionalidade do comandante da aeronave, etc.

O direito internacional consuetudinário supõe a prática generali-zada de certos actos pelos Estados e a aceitação, pelos mesmos, de que tal prática tem valor jurídico, isto é, que o não-curnprimento daquelas práticas generalizadas expõe o Estado "recalcitrante" à possibilidade de sanções da comunidade internacional adequadas à gravidade do caso.

Referida a basilar conotação histórica e sistemática entre o direito consuetudinário internacional e o direito aéreo internacional, resta pre-cisar que tais princípios são de aplicação sempre que não sejam contra-riados, modificados ou substituídos por instrumentos de direito inter-nacional convencional, fonte de que nos ocuparemos a seguir.

DIREITO INTERNACIONAL CONVENCIONAL

A mais importante das fontes do direito aéreo internacional é cons-tituída pelas convenções e tratados10 que se traduzem em acordos pelos quais dois ou mais Estados ou organizações internacionais constituem ou pretendem constituir relações entre si subordinadas à lei internacional aplicável.

É, assim, compreensível que os princípios reguladores dos tratados internacionais se apliquem, sem restrições assinaláveis, às convenções e acordos bilaterais de direito aéreo internacional respeitantes à forma e à capacidade, à assinatura, ratificação e acessão, às reservas, à aplicação, observância e interpretação dos tratados11.

Não nos alongaremos em matérias que em muito exorbitam quer o propósito inicial deste texto quer as limitadas qualificações do autor. Mas vale a pena chamar a atenção, ainda que de forma fugaz, para um último aspecto: o de que dos tratados não podem resultar direitos ou obrigações para Estados não contratantes sem o seu consentimento. No entanto, Estados terceiros podem aceitar, por escrito, obrigações de um tratado em que não são parte, desde que as partes considerem tal mani-festação de vontade adequada à aceitação de obrigações.

Este ponto constitui um dos aspectos mais singulares e interessan-

10 Frequentemente em textos de direito aéreo internacional, os termos «con-venção» «tratado» ou «acordo» são utilizados indiferentemente. Também aqui não se introduzirão diferenças conceptuais.

11 A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, é uma importante fonte de normas de direito internacional e aéreo.

Em 21 de Março de 1986 foi assinada, em Viena, uma nova Convenção de-nominada Convenção sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais. A Convenção foi assinada pela ICAO (Organização da Aviação Civil Internacional) em 29 de Junho de 1987.

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tes dos Acordos de Transporte Aéreo celebrados por Macau fruto da cooperação internacional bilateral entre Portugal e a RPC12.

CONVENÇÕES DE DIREITO AÉREO INTERNACIONAL

Dada a finalidade deste trabalho procuraremos dar uma visão pa-norâmica, necessariamente abreviada, das principais convenções de direito aéreo internacional, referidas segundo a sistematização do Prof. Tapias Salinas13.

Textos Jurídico-Políticos

A) Convenção Internacional de Navegação Aérea. Paris. 1919.

Logo após o termo da primeira guerra mundial, durante a qual se assistira ao emprego generalizado de meios aéreos para fins militares, tornou-se necessário organizar uma conferência internacional com o objectivo de concluir uma Convenção reguladora da navegação aérea internacional.

A Convenção viria a ser assinada, em 13 de Outubro de 1919, em Paris e entrou em vigor em 11 de Julho de 1922. A Convenção mante-

12 Macau é generalizadamente reconhecido como sujeito de direito aéreo internacional para efeito da celebração de acordos bilaterais de transporte aéreo de tipo clássico.

Recorde-se que o E.O.M. (Estatuto Orgânico de Macau) estabelece que «nas relações internacionais, a representação de Macau compete ao Presidente da Re-pública que a pode delegar no Governador quanto a matérias de interesse exclusivo do Território» (art. 3.° n.° 2). Daqui decorre que a instituição competente para a celebração de Acordos de transporte aéreo em representação de Macau com outros países ou regiões é o Presidente da República ou o Governador se a tanto estiver habilitado com os poderes delegados pelo primeiro. Por outro lado, os Acordos de transporte aéreo seguem de perto o clausulado de um Acordo-tipo acordado entre Portugal e a R.P.C., em 25 de Junho de 1993.

Deste condicionalismo legal resulta que Macau, embora não possuindo de forma originária, os poderes próprios de um sujeito de direito internacional exerce aqueles de pleno direito e com total autonomia mediante um mecanismo de delegação dos poderes do Presidente da República no Governador segundo um mandato específico cujos termos foram consubstanciados por Portugal e a R.P.C. no Acordo-tipo. Após a negociação de qualquer acordo de transporte aéreo, é o mesmo submetido ao Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês (GLC) para apre-ciação e aprovação tendo em vista a plena produção de efeitos após 1999.

Este complexo fundamento político-jurídico nunca foi minimamente posto em causa, para o que, sem dúvida, concorre o facto de os considerandos iniciais de cada um dos Acordos mencionarem, de forma clara e inequívoca, que a RPC por enquanto um país terceiro em relação aos países com os quais Macau celebra Acordos de transporte aéreo —, aceita as obrigações internacionais decorrentes dos mesmos e, ainda, de esses países considerarem adequada a declaração de assentimento da R.P.C. com o teor do Acordo.

13 Curso de Derecho Aeronáutico, Cap. Ⅱ, pág. 33.

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ve-se em vigor até 1947 quando, após ter sido assinada a Convenção de Chicago, em 1944, se atingiu o número mínimo de ratificação ou adesões exigido por esta para o início da sua vigência14.

A Convenção de Paris apresenta três características distintivas que, de algum modo, prenunciam a Convenção de Chicago, fundamento jurídico actual do transporte aéreo internacional:

1.° A Convenção consagra o princípio da soberania completa e exclusiva dos Estados sobre o seu espaço aéreo;

2.° A Convenção estabelece o princípio da nacionalidade das ae-ronaves. Qualquer aeronave tem de ter a nacionalidade de um dos Esta-dos contratantes determinada através da inscrição no registo nacional de cada Estado, com exclusão de qualquer outra;

3.° A Convenção instituiu uma organização internacional incumbida de regular, através de normas comuns, a navegação aérea internacional15.

Sendo estas as suas principais características, refira-se que as suas normas definiam os direitos dos Estados sobre o espaço aéreo sobre-jacente ao seu território e estabeleceu os chamados direitos de passagem («libertes de 1’air»). Continha complexas normas sobre a nacionalidade e matrícula das aeronaves, aeronavegabilidade, suficiência dos equipamentos de bordo, competência das tripulações durante o voo, navegação aérea e aterragens de aviões utilizados no transporte internacional.

A Convenção suscitou numerosas críticas, nomeadamente, pela a circunstância de ser o resultado da cooperação entre Estados vencedores com exclusão dos Estados neutros ou inimigos da véspera. Mas foi também objecto de apreciações negativas a nível redactorial.

Não obstante, a Convenção foi a primeira grande Convenção mul-tilateral no domínio do direito aéreo e constituiu, através do seu texto e da experiência da sua aplicação, uma enorme contribuição na preparação da Convenção de Chicago.

14 O projecto de convenção foi preparado pela Comissão aeronáutica da Con ferência de Paz que integra, além de dois representantes por cada um dos «cinco grandes» Estados vencedores (E.U.A., Império Britânico. França, Itália e Japão), um representante por cada um dos sete outros Estados: Bélgica. Brasil, Cuba, Grécia, Portugal, Roménia e a Sérvia-Croácia-Eslovénia. Ver «Traité de Droit Aérien-Aéronautique», 3’eme ed. pág. 103 e segs. — Nicolas Mattesco Matte, McGill Institute and Centre of Air and Space Law.

15 Esta instituição é a Comissão Internacional da Navegação Aérea (C.I.N.A.). Os poderes da C.I.N.A. comparáveis aos da ICAO actual, são bastante amplos a nível de decisões técnicas os quais são aplicáveis, inclusivamente, aos Estados- membros minoritários nas votações. Vide nota anterior.

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B) Convenção Ibero-Americana de Navegação Aérea. Madrid. 1926.

Reveste natureza separatista em relação à Convenção de Paris da qual, no entanto, retomara os princípios. Previa a criação de um organismo, a Comissão Ibero-Americana de Navegação Aérea (C.I.A.N.A.). Nunca entrou em vigor.

C) Convenção sobre a Aviação Civil Comercial. Havana. 1928.

Trata-se de um texto eminentemente comercial, cujo âmbito terri-torial não difere grandemente do da Convenção de Madrid, modelado segundo os princípios da Convenção de Paris. As Convenções de Havana e de Paris deixaram de vincular os Estados-membros, a partir do momento em que estes aderiram à Convenção de Chicago (art. 80.° da Convenção de Chicago).

D) Convenção da Aviação Civil Internacional. Chicago. 1944.

Constitui a base do sistema de direito internacional regulando a actividade da aviação e constitui, em termos gerais, a carta da aviação civil internacional.

A sua importância justifica que, antes de procedermos à análise do seu texto, nos demoremos um pouco no conturbado ambiente temporal que rodeou a sua feitura, porquanto a descrição das principais linhas de força da conferência de Chicago ajudar-nos-á a compreender muitas das soluções adoptadas e, até, a sua quase «intemporalidade».

No dia 11 de Setembro de 1944, o Governo dos E.U.A. convi-dou os representantes de 55 países para participarem numa Confe-rência sobre aviação civil a realizar em Chicago. Tratava-se de uma entre as várias conferências realizadas em tempo de guerra sobre assuntos de natureza internacional congregando os países aliados. Cinquenta e dois países participaram na Conferência, sendo de assi-nalar, entre os que não aceitaram participar, a União Soviética cuja delegação foi mandada regressar a Moscovo quando já se encontrava a caminho.

A Conferência começou em l de Novembro sob a presidência de Adolph Berle, chefe da delegação americana eleito pelos 700 partici-pantes.

No início dos trabalhos — que deveriam prolongar-se por 37 dias de discussões apaixonadas e intensas —, os participantes encontraram nas suas mesas quatro projectos de convenção para apreciarem, pro-postos pela Austrália e Nova Zelândia em conjunto, Canadá, Reino Unido e E.U.A..

Os trabalhos desenvolveram-se com base em quatro comissões técnicas tendo por objecto as seguintes questões-chave:

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Comissão n.° 1: Convenção Multilateral da Aviação e Entidade Internacional de Política Aérea;

Comissão n.° 2: Padrões técnicos e procedimentos;

Comissão n.° 3: Rotas Aéreas Provisórias;

Comissão n.° 4: Conselho Provisório.

A Comissão n.° l tornou-se rapidamente o centro das atenções e o foco das discussões durante toda a Conferência. Com efeito, os quatro projectos de convenção eram amplamente divergentes. A proposta con-junta da Austrália e da Nova Zelândia que defendia a internacionalização da propriedade das aeronaves e das operações nas principais rotas internacionais, foi liminarmente rejeitada. A proposta canadiana assen-tava na criação de uma autoridade internacional detentora de poderes próprios, a determinar pela Conferência e adequados à atribuição de rotas, aprovação e revisão de tarifas aéreas e determinação das frequências dos serviços aéreos internacionais. A proposta do Reino Unido previa que a intervenção da Autoridade internacional se fizesse com base num estatuto dotado de um considerável poder discricionário, de preferência à determinação de poderes rígidos pela própria Conferência. Por sua vez, a proposta dos E.U.A. pugnava por uma Autoridade internacional dotada de poderes circunscritos ao estabelecimento de padrões técnicos. No respeitante às rotas, tarifas e frequências dos serviços aéreos internacionais, a Autoridade internacional apenas estaria habilitada a fazer estudos e exercer funções consultivas. Por consequência as condições dos voos comerciais seriam remetidas para acordos bilaterais com os Estados interessados. Na verdade, os E.U.A. eram firmes defensores de um ambiente de «céu aberto» («open skies»), na medida em que, não temendo qualquer concorrência, estavam em condições de impor, bilateralmente, as condições que entendessem aos restantes países, incluindo o Reino Unido, cujas economia e indústria do transporte aéreo se apresentavam muito debilitadas pelo esforço de guerra.

Tornou-se, pois, notório desde o início das discussões que, na área das rotas, tarifas e frequências dos serviços aéreos, nenhuma das restantes convenções seria aceitável. Ao contrário das outras Comissões — que progrediram nos trabalhos e chegaram a conclusões mais ou menos facilmente —, as reuniões da Comissão n.° l foram suspensas pouco tempo depois.

Com efeito, no domínio económico, as dificuldades eram quase inultrapassáveis: além de não haver precedentes de Convenções inter-nacionais cobrindo estas matérias diferentemente do que sucedia nas questões de natureza técnica, defrontaram-se aqui no essencial os inte-resses político-económicos dos E.U.A. e do Reino Unido. Em síntese, o Reino Unido procurou proteger as ligações com os territórios da

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«Commonwealth», resistindo tenazmente à liberalização proposta pelos E.U.A. que, nessa altura, dominavam a exploração das linhas aéreas internacionais (cerca de 80 por cento).

Não obstante os obstáculos referidos, a Conferência terminou em 7 de Dezembro de 1944 tendo, em larga medida, respondido aos seus objectivos iniciais: facilitar a inauguração das operações de transporte aéreo internacional logo que a situação militar o permitisse; e promover o desenvolvimento ordenado e saudável da aviação civil internacional no período do após-guerra.

Nas cinco semanas de trabalhos a Conferência produziu seis im-portantes documentos de que se destaca a Convenção de Aviação Civil Internacional. Concluída e aberta à assinatura de outros Estados, entrou em vigor ao fim de pouco mais de dois anos (quando se esperava no mínimo três) com a ratificação do 26.° Estado. Hoje, 184 Estados16 aderiram à Convenção transformando-a num dos instrumentos de direito internacional com mais vasto âmbito de aplicação territorial17.

Num próximo artigo procederemos à análise crítica dos aspectos jurídico-políticos mais relevantes.

16 «Status of Certain International Air Law Instruments, in ICAO Journal, vol. n.° 6 July/August 96».

17 Elementos históricos recolhidos de «International Civil Aviation Organisation - 50 years Global Celebrations, 1944-1994. Edited by Mark Blacklock, London».

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economia

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.°, 927-944

NOTAS SOBRE OBJECTIVOS

E INSTRUMENTOS DE POLÍTICA

ECONÓMICA DE MACAU (I PARTE)

José Hermínio Paulo Rato Rainha **

*

I PARTE

1. Política económica 2. Instrumentos

2.1. Política monetária e financeira

2.1.1. Moeda 2.1.2. Composição das reservas bancárias 2.1.3. Taxa de juro 2.1.4. Taxa de câmbio 2.1.5. Natureza dos objectivos e instrumentos

Ⅱ PARTE

2.2. Política orçamental 2.1.1. Política de despesas públicas

2.2.1.1. Despesas de consumo 2.2.1.2. Despesas de investimento 2.2.1.3. Subsídios e transferências

2.2.2. Política de receitas públicas

2.2.2.1. Impostos sobre a despesa 2.2.2.2. Impostos sobre o rendimento e o património 2.2.2.3. Receitas patrimoniais e outras

2.3. Controlos administrativos

2.3.1. Regulamentação da actividade de produção 2.3.2. Regulamentação dos factores de produção/preços de bens e

serviços 3. Comentários e conclusões

Anexo: Objectivos principais das políticas públicas

* Este texto apresenta-se dividido em duas partes: na I Parte faz-se uma introdução ao conceito de política económica e analisam-se os instrumentos da política monetária e financeira (e cambial) da economia de Macau, enquanto na Ⅱ Parte (a publicar na próxima Revista) se faz essencialmente a análise da utilização dos instrumentos da política orçamental.

** Economista. 927

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1. POLÍTICA ECONÓMICA

Macau, como território chinês administrado pela República Portu-guesa, apresenta-se como uma sociedade organizada politicamente em ambiente democrático limitado e tem desenvolvido uma organização da actividade económica em que os mecanismos dos mercados económicos desempenham um papel fundamental. Após a transferência do exercício da soberania sobre Macau, a ocorrer em 20 de Dezembro de 1999, resultante do acordo internacional, que entrou em vigor durante o ano de 1988, celebrado entre a República Portuguesa e a República Popular da China (RPC) — «Declaração Conjunta do Governo da República Portu-guesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau» —, prevê-se que este sistema de organização da actividade económica continue a manter-se.

A Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), aprovada pelo Assembleia Popular Nacional da República Popular da China e promulgada pelo Presidente da RPC em 31 de Março de 1993, para vigorar futuramente, funciona como uma miniconstituição, na qual se dispõem os princípios estatutários fundamentais da RAEM. As suas disposições estabelecem que «na Região Administrativa Especial de Macau não se aplicam o sistema e as políticas socialistas, mantendo-se inalterados durante cinquenta anos o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existente» (Lei Básica, artigo 5.°)1.

Dada a organização político-administrativa actual e futura de Macau, em que se encontra um alto grau de autonomia com atribuições de poderes executivo, legislativo e judicial independentes, pode-se considerar que este Território desempenha as funções económicas características dos estados modernos desenvolvidas dentro de um siste-ma económico capitalista. Um dos aspectos importantes da política económica de um determinado espaço geográfico organizado politica-mente, sejam quais forem os traços institucionais do seu sistema econó-mico, é a determinação e a hierarquia de objectivos envolvendo complexos problemas situados no plano técnico e nos domínios político e ideológico.

Para diferentes ideologias políticas fixam-se diferentes objectivos de política económica ou, pelo menos, hierarquizam-se os objectivos sob critérios diferentes, que também dependem de variáveis conjunturais de curto prazo e das transformações de longo prazo que se procura provocar pela política económica em curso. Da análise de diversas economias tem-se considerado que há um conjunto de objectivos funda-

1 Veja-se em Administração — Revista de Administração Pública de Macau, n.os 19/20, de Abril de 1993, o texto definitivo da Lei Básica da Região Adminis-trativa Especial de Macau da República Popular da China, editado pelo Conselho Consultivo da Lei Básica. Este número da revista Administração é todo dedicado à análise dos trabalhos e das disposições regulamentares da Lei Básica.

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mentais que, independentemente dos problemas e das ideologias domi-nantes, sempre integram os fins a que os governos têm submetido as suas linhas de acção no campo económico.

Numa classificação tornada clássica resultante da análise da política económica seguida por sete economias ocidentais e por oito economias do bloco socialista, no período compreendido entre 1949 e 1972, os objectivos económicos foram sistematizados em dois grandes grupos: os conjunturais, que se referem tipicamente à solução de problemas de curto prazo, e os estruturais, que dizem respeito a questões respeitantes a médio ou a longo prazo2. A política económica deve ser considerada como uma determinada área de intervenção governamental, numa concepção mais alargada de política pública, pelo que os seus fins específicos se devem subordinar ao plano geral do governo onde se estabelecem os objectivos básicos da actividade governamental.

O Quadro I apresenta a síntese de uma classificação de objectivos económicos baseada nesta concepção de política económica subordinada a objectivos superiores de política pública, pressupondo que esta tem cinco objectivos fundamentais correspondentes a segurança nacional, estabilidade política, manutenção da liberdade, progresso e desenvolvi-mento, igualdade e justiça social3. De acordo ainda com esta concepção, os objectivos de política económica podem ser graduados conforme o seu grau de ligação com os objectivos de política pública, sendo denominados objectivos primários os que se apresentam como tendo ligações directas e imediatas com os objectivos políticos superiores4.

Encontram-se outras classificações de objectivos gerais, baseadas, em regra, em economias desenvolvidas de mercado, podendo realçar-se o crescimento económico e a redistribuição do rendimento e da riqueza como objectivos essenciais da política económica, cuja realização se relaciona com objectivos não económicos como a segurança e a estabi-lidade, enquanto a defesa da concorrência, a estabilidade de preços e o equilíbrio das contas externas são objectivos complementares. Em termos gerais, pode-se dizer que, na execução das diversas políticas

2 Como objectivos conjunturais indicam-se o pleno emprego, a estabilidade de preços e a melhoria da balança de pagamentos e, como objectivos estruturais, a promoção do crescimento económico, a melhoria da distribuição do rendimento e da riqueza, a melhoria na afectação dos recursos e factores de produção, a atenuação dos desequilíbrios entre regiões, a prioridade a determinados sectores económicos, a satisfação de necessidades colectivas — defesa, justiça, educação, cultura, saúde e saneamento, com inclusão de mudanças estruturais na administra ção pública —, a melhoria nos padrões de consumo, redução de horas de trabalho, etc. [E. S. Kirschen (org.), Economic Policies Compared: West and East, North- Holland/American Elsevier, Amsterdão, 1974].

3 Nesta classificação, os objectivos gerais de política pública apresentam-se influenciados por uma concepção de natureza liberal da organização da sociedade.

4 Veja-se Donald S. Watson, Política Económica, Editorial Gregos, Madrid, 1965.

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públicas, a designada política económica, independentemente das diferentes estruturas institucionais que lhe está subjacente, apresenta-se como tendo quatro grandes objectivos gerais ou básicos: a satisfação de necessidades colectivas e afectação de recursos, a redistribuição de rendimentos e de riqueza, a estabilidade económica e o crescimento económico.

[QUADRO I]

Objectivos de política económica

A importância ou ênfase dada a estes objectivos económicos gerais ou básicos e a outros objectivos complementares correspondentes a eles varia amplamente no espaço e no tempo, pois cada território político formula os seus objectivos por influência de considerações de natureza política e ideológica e por condições conjunturais. Em Macau, como espaço geográfico organizado politicamente, têm sido definidos objec-tivos gerais das políticas públicas, em que se integram as finalidades da política económica, dependentes, não só, das condições económicas conjunturais e de outras condições locais muito específicas, mas também, de todo o enquadramento político e ideológico a que se subordina a intervenção governamental na administração das populações locais.

No território de Macau pode-se dizer que os objectivos prossegui-dos pela sociedade, como comunidade política, são anualmente referenciados nas Linhas de Acção Governativa, primeiramente formu-ladas e propostas pelo Governador, após audição do Conselho Consultivo do Governo, e discutidas e aprovadas pela Assembleia Legislativa, servindo de base à elaboração anual do Orçamento Geral do Território

5 Como objectivos secundários de política económica indicam-se a satisfação de necessidades colectivas (A, C, F), a manutenção da concorrência (A, B, D, E, G), a conservação da igualdade de oportunidades (E, F), a redução de desequilíbrios regionais (A, F), a protecção ou a prioridade a sectores económicos (A, C, D, F) e a conservação do meio ambiente (A, E).

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em execução da Lei de Autorização das Receitas e Despesas, também aprovada pela mesma assembleia política. De acordo com a organização político-administrativa de Macau, compete à Assembleia Legislativa definir as linhas gerais da política social, económica, financeira e administrativa do Território e autorizar a Administração, até 15 de Dezembro de cada ano, a cobrar as receitas e a efectuar as despesas públicas propostas pelo Governador para o ano seguinte, definindo no diploma de autorização os princípios e critérios a que devem subordinar-se a elaboração e a execução do Orçamento [Estatuto Orgânico de Macau (EOM), artigo 30.°, n.° 1, f) e g)].

No enquadramento legislativo das linhas de acção governativa têm-se verificado algumas alterações nos últimos anos, pois, não só, a forma de referência aos seus objectivos prioritários incluída no articulado da Lei de Autorização de Receitas e Despesas foi modificada, como também, o seu desenvolvimento em anexo ao mesmo diploma passou a ser apresentado de forma diversa. A partir de 1992, a Lei de Autorização de Receitas e Despesas passou a incluir um conjunto de objectivos prioritários das linhas de acção governativa com algum desenvolvimento, ao contrário dos anos anteriores em que estes objectivos eram indicados de forma sucinta e genérica.

Em 1990 e 1991, por exemplo, sob a epígrafe de objectivos prioritários e linhas de acção governativa, estabeleceu-se que a política geral [do Governo (1990)/da Administração Pública (1991)] se orientava «(...) no sentido do desenvolvimento harmonioso e integrado do Território, promovendo os factores estruturais de natureza administra-tiva, económica, social e cultural, com especial incidência sectorial nas áreas da educação, da saúde e dos assuntos sociais» (l990) e «(...), com especial incidência na melhoria progressiva das infra-estruturas» (1991 )6. Em anexo à Lei de Autorização das Receitas e Despesas, na apresentação das linhas de acção governativa incluíam-se com desenvolvimento alguns objectivos e as medidas e acções respeitantes a cada política sectorial7 que, por sua vez, a partir de 1992, começaram a ser apresentados de forma vaga e genérica, com a finalidade de permitir uma maior flexibilidade na sua execução governamental.

Em relação aos objectivos prioritários estabelecidos para cada ano, verifica-se que alguns são especificamente económicos, enquanto ou-tros são na sua essência não económicos, havendo sempre objectivos complementares em diferentes áreas de intervenção governamental8. Os diversos objectivos económicos estabelecidos para Macau, embora

6 Lei n.° 11/89/M, de 29 de Dezembro (artigo 4.°) e Lei n.° 15/90/M, de 31 de Dezembro (artigo 3.°).

7 De uma maneira geral, as políticas sectoriais correspondem às áreas de intervenção dos (7) Secretários-Adjuntos do Governador.

8 Veja-se em anexo à Ⅱ Parte a descriminação dos objectivos prioritários das linhas de acção governativa dos anos de 1992 a 1996.

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possam apresentar algumas particularidades relacionadas com a situa-ção local, não deixam de estar subordinados aos quatro grandes objec-tivos gerais ou básicos anteriormente indicados desenvolvendo-se a intervenção governamental numa economia de mercado.

A finalidade destas notas não é estudar de forma sistematizada os objectivos económicos propostos ao longo dos últimos anos e os resul-tados alcançados na intervenção governamental, mas só apresentar os condicionalismos na utilização em Macau de alguns instrumentos de política económica e da sua eficácia em relação aos objectivos gerais. Deste modo, torna-se conveniente descrever esses objectivos gerais ou básicos, ainda que de forma sucinta, para melhor se compreender o âmbito e eficácia na utilização dos meios, com os quais se pretende influenciar determinada realidade condicionando-a aos fins de curto e longo prazos estabelecidos para a política económica.

Como é facilmente reconhecido, qualquer que seja o sistema económico em que se baseia a sociedade, torna-se necessária a afectação de recursos para a produção de bens sociais que proporcionam grandes e pequenos benefícios para a comunidade satisfazendo necessidades colectivas, mas em que os mecanismos dos mercados não funcionam, mesmo numa economia não socialista, dada a impossibilidade ou dificuldade de ser individualizada a sua satisfação. A defesa e a justiça são exemplos clássicos de necessidades colectivas, cuja lista varia de país para país e no tempo, onde se incluem, normalmente, os serviços de saúde, educação, cultura e saneamento.

A existência da lei e ordem internas, a construção de faróis, o apoio à ciência básica, a saúde pública e o saneamento básico são exemplos importantes de bens públicos, que nenhuma empresa ou consumidor singular têm incentivo económico para fornecer9. Do mesmo modo, os benefícios resultantes da aplicação de medidas sobre a despoluição do ar não podem ser facilmente avaliados e transaccionados por consumidores particulares ou também não é possível conhecer os beneficiários da iluminação nocturna das ruas.

No consumo destes bens sociais, que correspondem à satisfação de necessidades colectivas, a aplicação do princípio da exclusão do consu-midor que não suporta de forma directa o encargo ou custo correspon-dente torna-se impossível ou frequentemente indesejável, quando tecni-

9 Deve ser feita uma clara distinção entre fornecimento público de bens sociais e a sua produção pública, pois o fornecimento público significa que estes bens são financiados através de receitas públicas e postos à disposição dos beneficiários livres de qualquer preço, independentemente da forma (pública ou privada) de produção. Uma economia socialista, em que a maior parte da produção é pública, pode produzir bens privados em grande quantidade, enquanto uma economia capitalista, onde a produção é quase totalmente privada, pode produzir uma grande parte de bens sociais.

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camente possível. Na realidade, em algumas situações pode ser possível estabelecer-se uma forma de se conhecer a procura individual, mas, por ser muito proibitivo o custo da sua utilização10, o fornecimento através do mecanismo dos mercados não funciona e é necessário um processo político de determinação da sua quantidade".

A redistribuição de rendimentos e de riqueza, assumido como objectivo da sociedade organizada politicamente, deriva de numa eco-nomia de mercado o sistema produtivo não produzir necessariamente uma repartição de rendimento e de riqueza considerada como social-mente justa ou equitativa. Na realidade, verificam-se grandes desigual-dades nesta distribuição devido a motivos aleatórios de nascimento ou de herança, de acaso, de diligência ou do preço de factores, existindo zonas geográficas, nomeadamente, na área do Mundo em que se insere Macau, onde esta situação é mais notória, pela não utilização de instrumentos de política económica que permitam atenuar esta desigualdade.

O crescimento económico corresponde, em termos gerais, à expansão da produção em termos absolutos ou per capita e é um objectivo muito relacionado com a promoção do pleno emprego ou com políticas globais de desenvolvimento económico, com inclusão da satisfação das necessidades colectivas. A política económica desenvolve-se sempre em torno de objectivos de expansão da produção, podendo considerar-se que, na hierarquia dos objectivos, o crescimento económico geralmente ocupa a primeira posição.

No objectivo geral de estabilidade económica integram-se os objectivos de pleno emprego, correspondendo à redução de desemprego cíclico ou de curto prazo, podendo este objectivo de pleno emprego apresentar-se em algumas economias com carácter não conjuntural, da estabilidade dos preços, respeitante à manutenção do nível geral de preços ou à redução dos índices de inflação e ao equilíbrio das contas externas relacionado com a existência de um volume satisfatório de reservas cambiais ou de meios de pagamento sobre o exterior.

10 Os faróis marítimos são um exemplo típico de um bem social fornecido pela colectividade política (Estado), em que não é possível aos faroleiros dirigi rem-se aos navios para cobrar uma taxa. Este procedimento, mesmo se fosse possível, não serve o propósito da eficiência social da utilização dos recursos económicos, dado o seu elevado custo, pois, a luz do farol pode ser fornecida mais eficientemente sem cobrança de qualquer taxa, porque tanto custa avisar um navio como 100 navios (cf. Paul Samuelson e William D. Nordhaus, Economics, 15th edition, McGraw-Hill International Edition, 1995, pg. 32).

11 Sobre a teoria dos bens sociais e a aplicação dos princípios de eficiência no uso de recursos no sector público de economias desenvolvidas em sistema democrático, veja-se Richard A. Musgrave e Peggy B. Musgrave, Public Finance in Theory and Practice, 4th edition, McGraw-Hill International Editions, Singapore 1987, pgs. 47/51.

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2. INSTRUMENTOS

No desenvolvimento da política económica, para se atingirem os objectivos gerais estabelecidos, há que utilizar os meios ou instrumentos conducentes a alcançá-los e conhecer também o procedimento seguido pelos agentes de decisão política e a influência estabelecida entre si.

Como indicam diversos autores que se preocupam com a sistema-tização do estudo da teoria da política económica, os meios ou instru-mentos de política económica podem ser agrupados em conjuntos cuja utilização se integra normalmente numa política parcial: política orça-mental12, política monetária e financeira, política cambial e controlos administrativos. Nesta análise resumida de introdução à utilização de instrumentos de política económica em Macau, referimos como poder público de intervenção do Governo/Administração, ainda que incorrec-tamente, o poder de intervenção representado pelos órgãos políticos do Território — Governador (e Secretários-Adjuntos) e Assembleia Legis-lativa — e pela Administração Pública de Macau, como conjunto de serviços públicos (centrais ou locais/municipais), que garantem a pros-secução dos objectivos políticos da comunidade e asseguram a satisfação das necessidades colectivas essenciais.

2.1. POLÍTICAS MONETÁRIA E FINANCEIRA

Embora continue o debate teórico sobre se a utilização do controlo da oferta de moeda é um meio mais eficaz do que a política orçamental para regular a procura agregada ao nível macro-económico de um determinado espaço geográfico, não deixa a política monetária de ser um simples aspecto da política económica geral, que deve ser coordenada por forma sistemática, regular e continuada com as outras políticas. A expressão política monetária generalizou-se de modo a englobar as operações sobre a dívida pública, as políticas da taxa de juro a curto prazo e o controlo exercido sobre a criação do crédito bancário correspondentes essencialmente a aspectos conjunturais, decorrentes da actividade própria dos mercados monetários em conexão com a evolução da actividade económica, a que se associa a política financeira respeitante aos mercados de procura e oferta de disponibilidades a longo prazo13 e aos meios de acção referentes aos aspectos estruturais relacionados com as condições orgânicas e funcionais dos sistemas de crédito.

Na realidade, sendo controverso o nível da eficiência de política

12 A política orçamental desdobra-se em política de despesas públicas e em política de receitas públicas, onde se integra a política fiscal com as medidas respeitantes a impostos. Dada a importância da política fiscal no conjunto da política orçamental muitos autores referem-se ao conjunto desta política como política fiscal.

13 Em Macau não existe bolsa de valores, tendo os estudos, que foram realizados sobre a matéria, concluído pela não existência de empresas de dimensão económica em número suficiente para justificar tal mercado.

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monetária e da sua utilidade para impedir um aumento rápido da procura ou de desemprego, deve a política monetária evitar que a moeda constitua um factor de perturbação económica e contribuir para o objectivo geral de estabilidade a curto prazo, minorando os efeitos de outros factores possíveis de desequilíbrios económicos reais. Por outro lado, procurando constituir um estável plano de fundo para o desenvol-vimento da economia, deve concorrer com outras políticas para fomentar a expansão e permitir um crescimento económico a longo prazo, por forma tão rápida quanto os recursos disponíveis o possam permitir.

O território de Macau tem moeda e sistema monetário próprios, sendo da competência cumulativa da Assembleia Legislativa e do Governador o poder de legislar sobre estas matérias [cf. Estatuto Orgânico de Macau (EOM), artigo 31.°, n.° 3, g)]. A unidade monetária local é designada de pataca e está prevista a continuação do seu curso legal na Região Administrativa Especial de Macau, que manterá a existência de sistemas monetário e financeiro autónomos em relação à República Popular da China14.

Embora não exista em Macau uma instituição com as características globais de um banco central, a Autoridade Monetária e Cambial de Macau (AMCM) possui algumas das funções tradicionais dos bancos centrais, devendo «zelar pelo equilíbrio monetário interno e pela sol-vência externa da moeda local, assegurando a sua plena convertabilidade, no contexto das políticas monetária, financeira e cambial». No exercício destas suas funções deve «estabelecer directivas e definir instruções técnicas para a actuação dos operadores nos mercados monetário, financeiro, cambial e segurador, nomeadamente quanto aos condicionalismos a que devem obedecer as suas operações activas e passivas, à organização contabilística, ao controlo interno e aos elementos de informação a prestar à AMCM ou ao público, bem como à sua periodicidade»15.

Esta instituição pública coordenadora da actividade monetária exerce ainda as funções de caixa central e de gestora das reservas de divisas, ouro e outros meios de pagamento sobre o exterior, competindo-lhe agir como intermediário nas relações monetárias e financeiras do território com o exterior. Relativamente à criação e emissão de moeda compete-lhe promover a cunhagem da moeda metálica comemorativa e

14 «O Governo da Região Administrativa Especial de Macau define, por si próprio, as políticas monetária e financeira, garante a livre operação do mercado financeiro e das diversas instituições financeiras, bem como regula e fiscaliza as suas actividades em conformidade com a lei» (Lei Básica, artigo 107.°).

15 Estatuto da AMCM, artigo 5.°, d) e artigo 9.°, n.° l, a) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 14/96/M,de 11 de Março que revogou o anterior Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.° 39/89/M, de 12 de Junho e revisto pelo Decreto-Lei n.° 27/90/M, de 18 de Junho. A Autoridade Monetária e Cambial de Macau sucedeu ao Instituto Emissor de Macau criado em 1980 (Decreto-Lei n.° 1/80/M, de 12 de Janeiro), que exercia funções similares às da nova entidade.

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de uso corrente no território de Macau, encarregando-se directamente da comercialização da moeda metálica comemorativa16.

A Autoridade Monetária e Cambial de Macau não exerce as suas competências de forma autónoma, pois, de acordo com o seu estatuto orgânico, deve aconselhar e apoiar o Governador na formulação e aplicação das políticas monetária, financeira, cambial e seguradora. Outros organismos envolvidos nas políticas monetária e financeira são a Associação dos Bancos de Macau e as diversas instituições de crédito autorizadas a exercer actividades em Macau, onde se destacam o Banco Nacional Ultramarino (BNU) e o Banco da China, como bancos emis-sores locais17.

A Associação dos Bancos de Macau, que representa as instituições autorizadas a exercer a actividade bancária em Macau, tem como objecto promover a estabilidade económica, a prosperidade e o desen-volvimento da actividade bancária em Macau e a uniformização pro-gressiva das práticas bancárias e a acatação de regulamentos comuns. Entre a actividade desenvolvida com intervenção na formulação das políticas monetária e financeira, para além do seu papel consultivo e de apresentação de propostas às autoridades públicas competentes sobre quaisquer assuntos influenciadores da actividade bancária, destaca-se a sua iniciativa de fixação da taxa de juro interbancária influenciadora das taxas de juro das operações activas e passivas de crédito.

Como principais instrumentos das política monetária e financeira podemos considerar as alterações à oferta de moeda, as variações da taxa de juro e do coeficiente de cobertura de responsabilidade e composição das reservas bancárias, a que se pode ainda associar a taxa de câmbio. Encontram-se também medidas legislativas genéricas ou específicas nestas políticas, mas que se apresentam como tendo objectivos essencialmente estruturais de política financeira — condições para a criação ou estabelecimento de instituições financeiras, emissão de acções e de obrigações nos mercados financeiros, etc.18 — cuja utilização é de menor

16 Cf. Estatuto da AMCM, artigo 5.°, e) e f) e artigo 11.°, n.° l, a) e b). 17 De acordo com as disposições dos Estatutos da Associação dos Bancos de

Macau, o seu Conselho Directivo é composto de nove associados, havendo um presidente e três vice-presidentes, sendo directores permanentes as filiais do Banco da China e do Banco Nacional Ultramarino, em Macau.

18 No território de Macau nestas medidas legislativas, acompanhadas ou não de medidas complementares de âmbito fiscal, incluem-se o regime jurídico do sistema financeiro do território de Macau (Decreto-Lei n.° 32/93/M, de 5 de Julho), o regime jurídico das sociedades de locação financeira e do contrato de locação financeira (Decretos-Leis n.os 51/93/M e 52/93/M, de 20 de Setembro) e os seus incentivos fiscais (Lei n.° 1/94/M, de 23 de Maio), a regulamentação dos actos de fusão e cisão de instituições financeiras e seguradoras com a possibilidade de atribuição de benefícios fiscais (Lei n.° 3/95/M, de 13 de Março), o regime de constituição e actividade das sociedades de capital de risco (Decreto-Lei n.° 54/95/M, de 16 de Outubro), etc.

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âmbito e sem finalidade de regulação da economia global 19

2.1.1. MOEDA

O privilégio da emissão de moeda é considerado inerente ao exercício de soberania e só os órgãos a quem incumbe desempenhá-la o possuem originalmente, embora esta função seja uma actividade emi-nentemente agenciável e tradicionalmente agenciada20. Em Macau, as emissões da moeda metálica e da moeda-papel estão atribuídas a entidades distintas, pertencendo à Autoridade Monetária e Cambial de Macau a promoção da cunhagem de moeda metálica comemorativa e de uso corrente, encarregando-se ainda directamente da comercialização da moeda comemorativa, correspondendo os proveitos derivados da amoedação a receitas públicas.

A emissão da moeda-papel local, que era tradicionalmente agen-ciada ao Banco Nacional Ultramarino, directamente pelo Território ou pelo Instituto Emissor de Macau antecessor da Autoridade Monetária e Cambial de Macau, passou também a ser compartilhada com o Banco da China desde 16 de Outubro de 1995. Conforme os contratos estabeleci-dos, o Banco Nacional Ultramarino e o Banco da China compartilham entre si, até, pelo menos, ao ano 2010, o agenciamento directo do Território para a emissão da moeda-papel, cumulando o Banco Nacional Ultramarino essa função com a de Caixa Geral do Tesouro, que tem vindo a desempenhar desde 1906.

A criação e desenvolvimento do sistema monetário próprio e a utilização da moeda local não tem sido fácil, sendo de 1901 a autorização concedida ao Banco Nacional Ultramarino para emissão de notas de curso legal, o que só veio a acontecer nos anos de 1906 e 1907, e cujo objectivo era a implantação de uma moeda única no Território. Estas emissões não foram bem aceites pelos residentes, que as trocavam por moedas de prata estrangeiras suportando um pesado ágio, e esta falta de confiança nas novas notas colocou Macau dependente dos fornecimen-tos incertos de moedas de prata estrangeiras, tendo sido necessário

19 Não se referem aqui outros instrumentos ou meios de acção, também utilizados em política monetária noutras economias, por não existirem em Macau (operações sobre títulos do Tesouro ou de dívida pública) ou devido à pouca ou nenhuma influência governamental sobre a sua utilização na economia territorial (empréstimos públicos e controlo de crédito selectivo). Compete à Assembleia Legislativa autorizar o Governador a contrair e conceder empréstimos e a efectuar outras operações de crédito e a prestar avales, quando se trate de financiamentos destinados a empreendimentos ou projectos de manifesto interesse para a econo mia do Território ou em que haja participação pública que justifique a prestação daquela garantia [Cf. EOM, artigos 30.°, n.° l, h] e 63.°].

20 De acordo com a Lei Básica, «a autoridade para a emissão da moeda de Macau é atribuída ao Governo da Região Administrativa Especial de Macau» (artigo 108.°).

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tomar algumas medidas sobre a proibição de circulação de moeda estrangeira e sobre a emissão de novas notas21.

Com a primeira cunhagem de moeda de Macau em 1952 foi, mais uma vez, proibida a circulação de moedas estrangeiras, mas esta proibi-ção nunca se conseguiu impor na totalidade, pois a moeda de Hong Kong (dólar HKD) ainda circula amplamente em Macau, pelo que legislação com limitações ao uso corrente de moedas externas tem continuado a ser publicada22. Como tem sido reconhecido, numa pequena economia como a de Macau, gozando de perfeita liberdade de movimentação de mercadorias e de capitais e realizando a maioria das suas transacções com o exterior, é apenas natural que outras moedas aqui desempenhem um papel importante, sobretudo quando se considere que o Território vive na órbita de economias mais pujantes e desenvolvidas23.

A criação da moeda — moeda metálica e moeda-papel — como instrumentos de política geral sobre a actividade económico-social de Macau tem limitações e a quantidade emitida tem tido como objectivo essencial a sua adaptação às necessidades de meio de troca no desenvol-vimento das actividades económicas24 ou com finalidade numismática através de emissão de moedas comemorativas de limitada cunhagem25 26. A esta criação de moeda de curso legal há ainda que adicionar a resultante do sistema bancário — moeda bancária ou moeda escriturai —, que é influenciada pelos limites e composição das reservas bancárias, instrumento de política monetária com o qual se procura

21 Sobre a história da moeda de Macau, veja-se Moedas de Macau, edição do Leal Senado de Macau, Julho de 1987.

22 Vejam-se entre outros: o Decreto Provincial n.° 5/75, de 8 de Fevereiro e o Decreto-Lei n.° 67/88/M, de l de Agosto, que impede práticas de discriminação contra a moeda local e obriga a sua utilização por parte dos organismos e serviços públicos ou concessionários de serviços públicos.

23 «Nem esta situação é de molde a causar preocupação fundamental, uma vez que daí não deriva qualquer ineficiência para a economia, podendo até dizer- se que, em certas situações, se verificará precisamente o contrário» (preâmbulo do Decreto-Lei n.° 67/88/M, de l de Agosto).

24 Numa economia de mercado, a moeda exerce essencialmente as funções de meio de pagamento ou de meio de troca, de unidade de conta e de reserva de valor.

25 Como já foi referido, são receitas públicas as resultantes da emissão de moeda metálica local (moedas comemorativas e de uso corrente), estando agenciada por contrato a concessão da emissão de moeda-papel a instituições financeiras. A situação actual existente está de acordo com a legislação da futura Região Administrativa Especial de Macau, pois «o Governo da Região Administrativa Especial de Macau pode autorizar bancos designados a desempenharem ou continuarem a desempenhar as funções de seus agentes na emissão da moeda de Macau» (Lei Básica, artigo 108.°).

26 Conforme se prevê na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, a emissão da moeda de Macau deve ser coberta por um fundo de reserva não inferior a 100 por cento, definindo-se por lei os sistemas de emissão de moeda e do fundo de reserva de Macau (cf. Lei Básica, artigo 108.°).

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controlar o volume da massa monetária criado pelo sistema bancário, e pelos efeitos directos ou indirectos do crédito bancário nas diversas categorias de responsabilidade das instituições de crédito.

2.1.2. COMPOSIÇÃO DAS RESERVAS BANCÁRIAS

A Autoridade Monetária e Cambial de Macau no exercício das suas atribuições estabelece directrizes sobre a composição e natureza dos valores de cobertura das responsabilidades das instituições que inte-gram o sistema monetário-financeiro do território de Macau e fixa as percentagens entre as disponibilidades e as responsabilidades que as mesmas devem observar27. Como se reconhece, os bancos comerciais e outras instituições do sector monetário são instituições capazes de criar moeda escriturai na sequência das suas operações de crédito, com base, naturalmente, nos meios legais de pagamento que afluem às suas caixas e na verificação de que, em regra não carecem de manter, sob a forma líquida, um quantitativo igual ao dos depósitos à ordem e outras responsabilidades à vista.

Existindo a obrigação de as instituições de crédito de manterem sob a forma de liquidez uma percentagem mínima das suas responsabilida-des à vista ou também das responsabilidades a curto prazo, pode ser calculado o valor potencial de crédito dessas instituições28. Através da obrigatoriedade da alteração da composição e dos limites das reservas bancárias é possível procurar controlar a criação da moeda bancária e a massa monetária para efeitos de crédito às actividades económicas, embora o mecanismo da fixação das taxas de juro esteja fora do controlo da Autoridade Monetária e Cambial de Macau.

«Sendo Macau uma pequena economia aberta com total liberdade de movimento de capitais, progressivamente integrada numa região circundante extremamente dinâmica, que por via do enquadramento cambial existente verifica um elevado nível de substituição monetária (com uma grande aceitação de HKD), não se verificam as condições que permitam o controlo do stock de moeda desejável. Neste contexto, a

27 Cf. Estatuto da AMCM, artigo 9.°. 28 Supondo que o coeficiente de cobertura de responsabilidades ou reservas

de caixa é t aplicável às responsabilidades — D — e considerando que o montante da reserva disponível (Rd) para empréstimo é o valor dos depósitos (D) deduzido da reserva monetária corresponde ao coeficiente de cobertura de responsabilidades (tD) — [Rd = D - tD] —, o valor potencial de crédito (Pc) é igual a Rd/t, que resulta do designado multiplicador de crédito que é igual ao inverso do coeficiente das reservas de caixa. No sistema bancário de Macau, em 1989, foram introduzidas novas regras de liquidez que alteraram o conceito de responsabilidades de base que passaram a incluir também as responsabilidades denominadas noutras moedas além da pataca: as taxas mínimas de reservas de caixa passaram de 12, 8 e 4 por cento para 3, 2 e l por cento, respectivamente, para as responsabilidades à vista, até 90 dias e mais de 90 dias.

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evolução da oferta de moeda (o processo de criação ou destruição monetária) decorre de um processo de ajustamento automático por parte dos agentes económicos, em que as transacções económicas e financeiras com o exterior desempenham papel preponderante»29.

2.1.3. TAXAS DE JURO

Na maior parte dos sistemas bancários modernos, o banco central possui a possibilidade de influenciar o volume da massa monetária e das reservas bancárias de caixa e as taxas de juro, através dos instrumentos monetários correspondentes às operações sobre títulos de dívida pública (open market), à imposição de reservas bancárias e ao mecanismo da taxa de desconto. A Autoridade Monetária e Cambial de Macau só tem ao seu dispor o instrumento correspondente à imposição de reservas de caixa, mas que não é suficiente para controlar a criação de moeda bancária, dada a pequena dimensão económica do Território e da sua abertura total ao exterior.

O sistema bancário de Macau, integrado por bancos do tipo univer-sal pois tanto aceitam depósitos como poupanças a longo prazo e emprestam a curto e a longo prazo30, é muito influenciado pelo sistema bancário de Hong Kong31, pelo que as medidas estabelecidas pela Associação dos Bancos de Macau relativamente à fixação da taxa de juro interbancária seguem de imediato as alterações definidas pelas autoridades monetárias de Hong Kong, que influenciam as diferentes taxas de juro das operações activas e passivas32. Na realidade, dado os enquadramentos cambiais adoptados em Hong Kong e em Macau, as taxas de juro seguem de perto as taxas determinadas pela política monetária norte-americana, pelo que as alterações de taxas de juro determinadas pela Reserva Federal dos EUA provoca de imediato efeitos nestes territórios33.

29 Autoridade Monetária e Cambial de Macau, Relatório Anual 1994, pg. 83. 30 Em 31 de Dezembro de 1994, o sistema bancário de Macau era composto

por 20 instituições: 6 bancos com sede local; 14 sucursais de bancos ou instituições financeiras com sede no exterior, incluindo-se neste grupo uma unidade bancária off-shore.

31 As disponibilidades líquidas sobre o exterior são também muito influen ciadas pela política monetária-financeira seguida na República Popular da China referente às suas empresas públicas, principalmente sobre as que têm investimen tos ou pretendem investir em Macau.

32 A Autoridade Monetária e Cambial de Macau para dinamizar o mercado interbancário em moeda local emite bilhetes monetários, em que os bancos aplicam os seus excessos de fundos em patacas dada a taxa de remuneração competitiva e o seu baixo risco (veja-se AMCM, Relatório Anual 1994, pg. 89), mas que não influencia a taxa de juro interbancária fixada pela Associação dos Bancos de Macau.

33 Veja-se Autoridade Monetária e Cambial de Macau, Relatório Anual 1994, pgs. 75/76.

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Na economia de pequena dimensão de Macau com um elevado grau de abertura ao exterior verifica-se não haver possibilidades do uso das taxas de juro como instrumento de política monetária com a finalidade de aumentar ou diminuir a procura do crédito bancário de acordo com as necessidades internas da economia do Território34. Esta conclusão não invalida que se considerem as instituições financeiras e o sistema bancário como instrumento de desenvolvimento económico local na área dos serviços, nem se pretende diminuir o seu papel nos mercados locais monetário e de capital com a utilização dos seus instrumentos específicos, pois o que está em análise é a impossibilidade da utilização pelo Governo/Administração da taxa de juro ou mesmo do sistema bancário para efeitos de regulação parcial da economia local, nomeadamente para influenciar o nível de emprego e de investimento ou de preços.

2.1.4. TAXA DE CÂMBIO

Existindo moeda local de Macau, pode-se também falar de política cambial, em que os seus instrumentos correspondem à taxa de câmbio — câmbios simples ou múltiplos, fixos ou flutuantes — e ao controlo das operações de câmbio. As medidas sobre a taxa de câmbio — valorização e desvalorização — destinam-se essencialmente a atender a objectivos de curto e médio prazo relacionados com o equilíbrio nas transacções económicas com o exterior, embora por regulamentação dos fluxos de importação de mercadorias e de serviços e dos movimentos internacionais de capitais se possa atender a objectivos de crescimento e de estabilização económica35.

A Autoridade Monetária e Cambial de Macau deve definir os princípios reguladores das operações sobre divisas e outros meios de pagamento sobre o exterior, bem como sobre o ouro e outros metais preciosos enquanto instrumentos financeiros, tendo em vista, designa-damente, a solidez da moeda local36. Os objectivos prosseguidos pelas autoridades governamentais em política cambial têm sido os da estabi-lidade cambial da pataca em relação ao dólar de Hong Kong, num contexto de completa liberdade de movimento de capitais e de forte integração económica do Território na economia internacional37.

34 Dada esta situação, também a influência no desenvolvimento da activida de económica resultante da eventual criação ou existência de regimes de bonificação de juros aplicável ao crédito a conceder para a aquisição de instalações industriais ou para actividades específicas é muito restrita (veja-se o Decreto-Lei n.° 65/94/M, de 26 de Dezembro sobre bonificação de juros).

35 Na Região Administrativa Especial de Macau não se aplica a política de controlo cambial e a pataca é livremente convertível. O governo da Região Administrativa Especial de Macau garante o livre fluxo de capitais, incluindo a sua entrada e saída da Região, competindo-lhe administrar e dispor, de acordo com a lei, das reservas em divisas da Região (cf. Lei Básica, artigo 109.°).

36 Cf. Estatuto da AMCM, artigo 9.°, n.° l, b). 37 Vejam-se as Linhas de Acção Governativa, por exemplo, dos últimos

cinco anos, na parte referente à política cambial. 941

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A moeda local encontra-se ligada ao dólar de Hong Kong (HKD) a uma taxa fixa de l ,03 patacas por HKD que, por sua vez, se encontra referenciado ao dólar norte-americano (USD) a uma taxa central de 7,8 HKD por USD, pelo que, dado este enquadramento e a liberdade de movimento de capitais, o valor da pataca em relação às restantes moedas segue as flutuações do dólar de Hong Kong (e do dólar norte-americano) nos mercados internacionais38. Deste modo, pode-se considerar que a administração da taxa de câmbio tem sido neutra, procurando-se que as variações da taxa de câmbio da moeda local, dependentes das variações de paridade da moeda de referência (dólar de Hong Kong), não exerçam qualquer efeito positivo ou negativo sobre os fluxos de importação e de exportação ou sobre os movimentos de capitais.

A pataca não circula internacionalmente, embora esteja cotada em Portugal (Banco Nacional Ultramarino) e na República Popular da China, sendo aceite em pagamentos na Zona Económica de Zhuhai da RPC, não se prevendo, a curto prazo, a expansão da sua aceitação internacional, por corresponder a uma economia de um território de pequena dimensão e de limitada capacidade económica. As alterações das políticas monetária e financeira internas (oferta de moeda, taxa de juro, coeficiente de cobertura de responsabilidades e composição das reservas bancárias) não têm qualquer influência sobre a taxa de câmbio dado estar-se perante uma taxa de câmbio fixa, que também não é influenciada pela movimentação internacional.

Na hipótese de valorização da pataca, esta medida teria o efeito de estimular os fluxos de importação e de transferências monetárias para o exterior, desestimulando os fluxos de exportação e de entradas de capitais correspondentes a investimentos do exterior, provocando even-tualmente uma grande diminuição das reservas de disponibilidades e meios de pagamento sobre o exterior. A desvalorização da moeda, embora possa levar a um aumento da prestação de serviços turísticos resultante da expansão da procura do Território por visitantes39, tem efeitos contrários na produção industrial e no consumo já que dependem demasiado das matérias-primas e de bens de investimento ou de consu-mo importados40.

No âmbito da intervenção governamental no desenvolvimento das

38 Veja-se Autoridade Monetária e Cambial de Macau, Relatório Anual 1994, pgs. 75/76.

39 Como nota sobre alterações de mercado cambial e a sua influência nos hábitos de viajar por via aérea das populações, veja-se Pedro Pinto, «Perspectivas de Desenvolvimento do Transporte Aéreo em Macau», em Administração - Revista de Administração Pública de Macau, n.° 29, 1995, pgs. 553/554.

40 Na produção industrial, para compensar o aumento dos custos das maté- rias-primas pode verificar-se uma redução dos salários que, no caso de Macau, pode derivar do aumento da importação de mão-de-obra. De um ponto de vista dos trabalhadores verificar-se-ia um aumento da exportação à custa de diminuições cumulativas de rendimentos e de consumo.

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políticas monetária, financeira e cambial, pode-se dizer que os instru-mentos ao dispor das autoridades monetárias públicas — alteração dos limites e composição das reservas de caixa — pouca influência têm sobre a actividade económica local a curto prazo em relação a níveis de preços, de emprego ou de investimento, embora a longo prazo o estabe-lecimento e consolidação de um sistema financeiro moderno e desen-volvido se mostre como um elemento importante para a expansão da economia interna e como prestação de serviços a nível externo. O grande objectivo deste conjunto de políticas públicas no âmbito monetário-cambial acaba por estar essencialmente relacionado com a defesa da manutenção da taxa de câmbio fixo da pataca com o dólar de Hong Kong (e indirectamente com o dólar norte-americano), do uso da moeda local como meio de pagamento interno e com o controlo das disponibilidades e meios de pagamento sobre o exterior.

Na defesa da moeda local e dinamização do mercado interbancário, a concretização por parte da Autoridade Monetária e Cambial de Macau é feita fundamentalmente no desenvolvimento da emissão de bilhetes monetários e nas suas compras com acordos de revenda com a finalidade de proporcionar liquidez momentânea ao sistema bancário. Com a mesma finalidade são realizadas operações swap entre a pataca e outras moedas e as operações cambiais correntes, no quadro de livre convertibilidade que caracteriza o sistema cambial do Território41.

2.1.5. NATUREZA DOS OBJECTIVOS E INSTRUMENTOS

Analisados em termos gerais os instrumentos da política monetária e financeira da economia de Macau pode pôr-se a questão da sua eficácia em relação aos objectivos básicos de política económica, pois a sua descrição evidenciou que cada um deles pode ser utilizado para a consecução de diferentes objectivos, embora eventualmente de alcance mais restrito do que em outras economias. O coeficiente de cobertura de responsabilidades, a composição das reservas bancárias ou mesmo o refinanciamento concedido pela AMCM podem actuar de forma a restringir ou a expandir a oferta monetária, mas os seus efeitos são de âmbito limitado, pois a alteração das taxas de juro, de acordo com as necessidades conjunturais da economia de Macau — de lutar contra a depressão económica (desemprego) ou contra o excesso de procura —, está fora do controlo das autoridades monetárias locais e é este o instrumento que melhor pode atingir aqueles objectivos.

Na utilização dos instrumentos de política monetária e financeira na economia de Macau não se pode ter a pretensão de se querer influenciar grandemente as decisões empresariais de investimento e de consumo privado ou de se controlar globalmente o nível de produção e

41 Cf. Autoridade Monetária e Cambial de Macau, Relatório Anual 1994, pgs. 14/15.

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de emprego locais. Na realidade, em Macau, a política monetária e financeira apresenta-se como tendo por objectivo essencial o de contri-buir para a criação de um ambiente económico propício ao desenvolvi-mento das actividades económicas, correspondendo assim a objectivos de longo prazo de crescimento económico e de equilíbrio nas transac-ções externas, através da consecução de objectivos secundários de manutenção da solvabilidade do sistema financeiro, da estabilidade da taxa de câmbio e do controlo dos meios de pagamento sobre o exterior.

Se a utilização dos instrumentos de política monetária e financeira numa economia aberta como a de Macau não têm condições de a poder influenciar a curto prazo, então pode questionar-se que instrumentos políticos podem ser mais eficazes relativamente a objectivos conjunturais de estabilidade de emprego ou de redução do excesso de procura. Nesta perspectiva analisa-se na Ⅱ Parte deste texto a natureza dos instrumentos da política orçamental, desdobrados nas suas componentes de despesas públicas e de receitas públicas, com referência especial entre estas últimas às receitas fiscais, e à possibilidade da sua utilização no alcance de objectivos de política económica.

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concertação social

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º, 947-955

A CONCERTAÇÃO SOCIAL EM MACAU: UM CAMINHO PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL

José António Pinto Belo *

«De acordo com a ética social do confucionismo, que embebeu profundamente a cultura chinesa até aos dias de hoje, a harmonia da comunidade dependia, antes de tudo, da capacidade de cada um para entender a natureza; para, no seu relacionamento social, a imitar; e para se conduzir em relação aos outros com benevolência ou amor. Mas dependia também da observância dos costumes e instituições estabele-cidas.

Apenas para aquela classe de homens incapazes de aprender, devia ser utilizada a coerção, como meio subsidiário de realizar a ordem social. Em todo o caso, a lei e a coerção oficialmente organizada que lhe anda associada nunca deixavam de ser um meio degradado, insuficiente e relativamente ineficaz de disciplina. Existe a convicção de que a boa ordem social repousa essencialmente sobre a observância das regras correctas de viver, tal como são aceites numa sociedade e não sobre qualquer disciplina que seja imposta autoritariamente do exterior. As questões devem ser resolvidas fora dos tribunais oficiais, por processos arbitrais e de compromisso.

De tal modo que os processos comprimissórios e espontâneos de resolução dos litígios são muito mais aceites do que uma justiça oficial, distante, cara e morosa, capaz de adjudicar autoritariamente a razão a uma das partes, mas incapaz de realizar um consenso duradouro de todos os interessados»1.

Habituados desde quinhentos a semear pontes entre civilizações e culturas, com uma capacidade congénita para o dar e receber, e com uma alma grande que assume sem complexos o modo de ser português, que é parte integrante da cultura portuguesa, não pode estranhar-se que, em

* Director dos Serviços de Trabalho e Emprego. 1 O Direito e a Justiça num contexto de pluralismo cultural, A.M. Hespanha,

em Revista «Administração», Macau, n.° 23, pág. 11.

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Macau, esta nossa característica assumisse particular significado dado que nos mantemos há mais de quatrocentos anos em fraterna ligação com uma civilização milenária.

Macau é inquestionavelmente um exemplo de vivência em comum de dois povos que possuem hoje elos fortes que vão do cultural ao histórico passando pelo económico e social.

Daí que o legado genético-cultural de concertação de interesses da comunidade chinesa, assente no pressuposto que nunca se deve fazer perder a «face» a um adversário, tornaram fácil a aceitação da existência e funcionamento de instituições voltadas para a promoção do diálogo e da concertação em matérias socioeconómicas. Não surpreendeu, por isso, que em 1987, também em Macau, «à dicotomia capital/trabalho geradora de frequentes conflitos cuja dimensão e significado importa esbater, impõe-se associar um terceiro elemento capaz de, numa óptica tripartida de responsabilidade, contribuir para o desenvolvimento de relações sócio-laborais harmónicas e para uma distribuição justa e equilibrada dos frutos do crescimento económico do Território, propiciadora de significativos progressos no plano social.

Ao nível das grandes preocupações do Governo para 1987, desta-ca-se a problemática sócio-laboral consignando-se nas Linhas de Acção Governativa a institucionalização de um órgão de consulta, baseado no princípio da concertação social, onde tenham assente representantes da Administração, das entidades empregadoras e dos trabalhadores, órgão esse que será o local privilegiado para o debate dos problemas do mundo socioeconómico.

Esse é, de resto, o sentir das diferentes partes interessadas, cuja auscultação prévia estaria subjacente e foi determinante na decisão de criar o Conselho Permanente de Concertação Social — órgão indispen-sável a que as transformações estruturais necessárias à modernização da economia possam vir a efectuar-se de forma concertada, contribuindo para a implementação de uma dinâmica social de desenvolvimento».

Citámos parte do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 31/87/M, de l de Junho, que criou o Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS), quadro formal da institucionalização do diálogo e da concertação social do Território de Macau.

Atribuições:

O Conselho é, antes de tudo, um órgão consultivo, que pode ainda formular propostas tendo como principais atribuições:

1. Pronunciar-se sobre as políticas de reestruturação e de desen volvimento socioeconómico, bem como sobre a execução das mesmas quer através da emissão de pareceres que lhe sejam solicitados pelo Governo, quer por propostas e recomendações da sua própria iniciativa;

2. Propor soluções conducentes ao regular funcionamento da eco nomia do Território, tendo em conta, nomeadamente, o equilíbrio entre o desenvolvimento económico e as suas incidências no domínio sócio-

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laborai e da qualidade de vida da população; 3. Emitir parecer sobre projectos de legislação relacionados com

questões socioeconómicas.

Composição:

O Conselho assenta numa lógica tripartida de actuação, e tem a seguinte composição:

1. O Governador. 2. Os Secretários-Adjuntos para a Economia, Finanças e para a

Saúde e Assuntos Sociais e o Secretário-Adjunto para a Segurança. 3. Os membros da Comissão Executiva. 4. Três representantes, a nível da direcção, das associações repre

sentativas dos empregadores de Macau. 5. Três representantes a nível da direcção, das associações repre

sentativas dos trabalhadores de Macau. Muito embora esteja prevista a delegação de competência por parte do

presidente em qualquer dos Secretários-Adjuntos referidos no ponto 2, vem sendo prática o Governador delegar nos Secretários-Adjuntos para a Economia e Finanças e Assuntos Sociais as suas competências próprias relativamente ao CPCS.

Após a publicação do diploma que criou o CPCS competiu às organizações de empregadores e trabalhadores diligenciar no sentido da designação dos seus representantes e indicá-los ao Governador, no prazo de trinta dias contados a partir do início de vigência do diploma.

Recebida a indicação referida foi publicada no Boletim Oficial, no prazo de trinta dias, a composição integral do CPCS e da Comissão Executiva.

Portanto a aquisição da qualidade do membro do Conselho operou-se com a posse perante o Governador, efectuada nos dez dias subsequente à publicação no Boletim Oficial do despacho de nomeação.

Quando um membro do Conselho, cuja duração do mandato não é fixada, perder a qualidade a cujo título foi designado, mantém-se em funções até à publicação no Boletim Oficial da nomeação do seu sucessor, devendo a nomeação ser feita dentro de 15 dias após a perda da qualidade do antecessor.

As substituições, que serão obrigatoriamente comunicadas ao pre-sidente do CPCS, que delas dará conhecimento ao Conselho, só se tornarão efectivas após a posse, que será conferida pelo Governador no prazo de vinte dias após a recepção da respectiva comunicação de substituição.

Órgãos do Conselho:

Compõem o CPCS os seguintes órgãos: a) O Plenário do Conselho; b) A Comissão Executiva.

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Plenário:

O Plenário tem as mesmas competências e a composição já referidas para o CPCS. É presidido pelo presidente do Conselho ou pelo seu substituto, o qual será coadjuvado pelo coordenador da Comissão Executiva.

O Plenário reunirá em sessão ordinária duas vezes por ano, sendo as reuniões convocadas pelo presidente, com a antecedência mínima de 15 dias. Porém, poderá reunir em sessão extraordinária por iniciativa do presidente ou a solicitação escrita de, pelo menos, um terço dos seus membros, devidamente justificada e contendo a ordem de trabalhos. O presidente, nesta situação, deverá convocar a reunião no prazo máximo de 15 dias.

O Plenário delibera validamente com a presença das três partes e de, pelo menos, dois terços dos seus membros.

As deliberações são tomadas por maioria simples. Por proposta de um dos grupos a votação poderá ser nominal ou secreta.

No caso de qualquer das partes faltar duas vezes seguidas o Plenário delibera validamente sem a sua presença.

Comissão Executiva:

Ligada ao Conselho funciona uma Comissão Executiva competin-do-lhe, nomeadamente:

a) Elaborar as propostas de regulamento interno do Conselho a submeter à aprovação deste;

b) Preparar as reuniões do Conselho, dando seguimento às suas deliberações;

c) Elaborar o programa anual das actividades e o projecto de proposta de orçamento a apresentar ao Conselho;

d) Criar por sua iniciativa ou por indicação do Conselho comissões e grupos de trabalho especializados para o estudo de questões ligadas ao domínio socioeconómico.

No início do seu funcionamento a Comissão Executiva criou as seguintes Comissões especializadas:

Comissão de Trabalho e Emprego; Comissão de Assuntos Sociais; Comissão de Higiene e Segurança no Trabalho; Comissão de Assuntos Estrangeiros. Composição:

Num quadro de referência tripartido a Comissão Executiva é composta por:

a) Um representante da Administração, nomeado pelo Governador, de entre os funcionários com a categoria de director de serviço ou equiparado, que coordenará;

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b) Um representante das organizações representativas dos empre gadores;

c) Um representante das organizações representativas dos traba lhadores.

A fim de operacionalizar os trabalhos, o coordenador poderá fazer-se assessorar por técnicos especializados sem direito a voto, em função da especialidade da matéria em apreciação. Igual faculdade é concedida aos representantes dos trabalhadores e empregadores. Pode ainda a Comissão Executiva, ouvir, sempre que entender útil ou conveniente, os pareceres de especialistas.

As individualidades que compõem as comissões e grupos de trabalho criado no âmbito das competências da Comissão Executiva deverão ser preferencialmente membros dos corpos directivos das associações de empregadores e trabalhadores e dirigentes ou técnicos do serviço público do Território.

A Comissão Executiva reúne ordinariamente de dois em dois meses, podendo, porém, reunir extraordinariamente por iniciativa do coordenador ou a solicitação de dois dos seus membros.

As deliberações só são válidas com a presença das três partes — a Administração, empregadores e trabalhadores. Porém e a fim de não inviabilizar a discussão das matérias em análise, caso qualquer das partes falte duas vezes seguidas, a Comissão Executiva delibera valida-mente sem a sua presença.

Secretário-geral:

O Conselho tem um secretário-geral designado por despacho do Governador, de entre o pessoal afecto ao Gabinete do Governo, que participa, sem direito a voto, nas reuniões do Conselho e é responsável pela elaboração das respectivas actas.

O secretário-geral tem diversas atribuições genéricas e específicas incumbindo-lhe nomeadamente:

a) Preparar o expediente do Conselho e expedir os avisos convocatórios das reuniões;

b) Assegurar a execução das directivas do presidente relativas ao regular funcionamento do Conselho;

c) Fornecer aos membros do Conselho e às comissões e grupos de trabalho os elementos necessários ao desempenho das suas funções.

O regulamento interno do Conselho prevê ainda que os Secretários-Adjuntos não pertencentes ao Conselho, podem assistir, a convite do presidente, às sessões do Plenário, sempre que, naquele órgão, sejam tratadas matérias relativas à competência que se lhe encontra delegada, mas sem que lhes assista direito a voto.

Os membros do Conselho, que recebem senhas de presença, são invioláveis pelas opiniões e votos que emitirem no exercício das suas funções.

Esta inviolabilidade não isenta, porém, os membros da responsabi-

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lidade civil e criminal por difamação, calúnia e injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime.

O Conselho não tem quadro próprio de pessoal, provindo o seu apoio dos quadros da Função Pública e propostos pelo secretário-geral.

Os meios financeiros de suporte são inscritos no orçamento geral do Território na verba afecta ao Gabinete do Governo.

Em jeito de síntese poder-se-á dizer que o Conselho tem fundamen-talmente funções consultivas, afirmando-se como um órgão obrigatori-amente opinativo em tudo o que concerne às políticas do desenvolvi-mento económico e às suas incidências no domínio sócio-laboral e da qualidade de vida da população.

Porém assume também um carácter propulsivo, já que a lei lhe faculta a faculdade de propor soluções na área socioeconómica.

A sua composição tripartida, feita ao mais alto nível de representação quer dos empregadores, quer dos trabalhadores, sem esquecer a participação pessoal e directa dos Secretários-Adjuntos, pretende ga-rantir, em Macau, que todos possam participar no debate dos grandes problemas do mundo social e económico a fim de se encontrarem soluções harmoniosas e concertadas, que respeitem os princípios e objectivos plasmados na Declaração Conjunta.

A circunstância de a letra e o espírito da Lei Básica o não afastarem dá-lhe a grande responsabilidade de ser uma referência importante, antes e depois de 1999, na criação de um clima de moderação e diálogo entre os parceiros sociais e a Administração com vista à obtenção de pragmáticos consensos na resolução dos grandes desafios que se põem a Macau hoje e no futuro.

Balanço e reflexão:

Foi em 18 de Março de 1987 que coloquei à consideração do então Secretário-Adjunto para os Assuntos Sociais um projecto sob a designa-ção de Conselho Permanente de Concertação Social que pretendia consagrar a institucionalização de um órgão de consulta baseado no princípio do diálogo e da concertação social, onde tivessem assento os representantes da Administração e das associações representativas dos empregadores e trabalhadores e com preocupações fundamentalmente de natureza socioeconómica tendo tal projecto sido «apreciado com o interesse de que o assunto se reveste porque a institucionalização deste órgão vem consagrar uma metodologia de acção já existente...».

Vicissitudes políticas bem conhecidas da opinião pública levaram a que o então Governador Prof. Dr. Pinto Machado fosse substituído pelo engenheiro Carlos Melancia que herdou naturalmente os projectos dá anterior governação. Não admira, por isso, que o Secretário-Adjunto para a Economia, que tutelava o trabalho e emprego, tivesse solicitado parecer sobre o eventual mérito ou demérito da existência de um CPCS em Macau.

Aduzi então algumas considerações em defesa da proposta inicial, afirmando:

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1. A concretização da criação do Conselho Permanente de Concertação Social reside na necessidade de dar enfoque ao papel da Administração, das associações representativas dos empregadores e trabalhadores como elementos fundamentais no desenvolvimento de quaisquer actividades socioeconómicas.

2. Neste quadro o Conselho Permanente de Concertação Social constitui um factor decisivo na institucionalização do diálogo e de concertação em matéria socioeconómica, de modo a tornar harmoniosas as transformações conjunturais e estruturais adequadas à modernização do Território.

3. Ao Conselho Permanente de Concertação Social foram cometi das abrangentes atribuições, de molde a poder analisar os mais impor tantes problemas que a actual dinâmica de desenvolvimento vai susci tando.

4. A composição e organização do Conselho obedecem a um rigoroso princípio de acção tripartida, estando portanto consagrada idêntica representação das partes que o integram.

5. A definição da sua área de intervenção cuida de dispor as formas de diálogo necessárias para gerir eventuais interesses em conflito ou iniciativas que se projectem no quadro socioeconómico.

6. É nosso convencimento que o Conselho encerra em si uma dinâmica geradora de soluções pragmáticas e colectivas, que encurtarão saudavelmente quaisquer distanciamentos existentes entre o ordena mento jurídico e a realidade que, neste particular, visa tutelar.

7. A confrontação civilizada, e em Macau há condições privilegi adas para isso acontecer, de grupos socioeconómicos animados de objectivos opostos, pode ajudar a modelar enquadramentos e soluções que, por um lado, se não afastem das necessidades particulares existen tes e, por outro, do próprio equilíbrio da força relativa das associações envolvidas.

8. Julga-se, também, que o Conselho poderá ser o local adequado para a despistagem de potenciais crises sociais.

9. Importa, por isso, reter que o Conselho reproduz formalmente a relação triangular que normalmente já existe entre o Governo e as associações representativas dos trabalhadores e dos empregadores sem pre que se querem tomar decisões de grande profundidade nas áreas socioeconómicas.

10. E não estranhará que assim suceda se se tiver em conta que o diálogo tripartido é a forma mais ajustada para articular e interaccionar interesses e ajudar, até, a definir as grandes linhas da política social e económica.

ll. Em Macau, o Conselho é uma autêntica exigência pragmática resultante da complexidade e especificidade do Território, pelo que não surpreende a curiosa circunstância de ser aplaudido, a duas mãos quer por empregadores quer por trabalhadores.

12. Em jeito de conclusão julgo que é evidente o interesse de que se reveste o funcionamento eficaz do Conselho, pois ele irá colocar nas

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discussões a realidade concreta do Território, e, sobretudo, permitirá a assumpção e repartição das responsabilidades socioeconómicas pelos grandes artífices do seu desenvolvimento e crescimento.

13. Por tudo isto não estranhará que o signatário acredite nas virtualidades do Conselho e reconheça que ele pode constituir, se exercitado convenientemente, um verdadeiro instrumento de progresso social.

De facto, importava criar e operacionalizar um órgão que expres-sasse a lógica tripartida da concertação e fosse o palco privilegiado do debate ao nível das grandes preocupações da política económica e social. Procurando estabelecer um balanço da acção do CPCS, pode-se afirmar que o Conselho tem sabido nortear-se pelas preocupações subjacentes à Declaração Conjunta Sino-Portuguesa sobre a questão de Macau contribuindo para o reforço de um sistema peculiar com equilí-brios muito próprios, que exige um permanente auscultar da consciência social da colectividade para se poder gerir adequadamente o quadro histórico, cultural e político de acordo com as expectativas do desenvolvimento económico e social.

E a resposta a essa preocupação só pode passar pela concertação e diálogo permanentes.

Dizia-se quando da tomada de posse dos membros do Conselho, em 8 de Janeiro de 1988, que «a autonomia relativa que a Declaração Conjunta assegura e a colectividade justamente ambiciona tem com efeito de ser sustentada por instituições que reflitam o empenhamento de todas as forças sociais. Na comunidade macaense há que garantir o trilhar da senda do progresso e do desenvolvimento, sustentáculo natural de identidade própria de que se reclama. Mas há também que criar condições para a manutenção de um clima de paz social, suporte e consequência do progresso e do desenvolvimento desejados. Macau só tem a ganhar com um clima de moderação e de diálogo em que o Governador e os parceiros sociais troquem pontos de vista no sentido de alcançarem os mais largos consensos na resolução das grandes questões que ora se nos colocam».

De facto em qualquer azimute, mas sobretudo em Macau, a prepa-ração mais acertada dos caminhos do futuro passa por um interface permanente entre a Administração, empregadores e trabalhadores. É que em Macau não há, no domínio privado, «sindicalismo» de conflitualidade política e ideológica; por outro lado os empresários também têm a percepção do contexto socioeconómico e dos equilíbrios que é preciso manter entre o desenvolvimento económico e as suas repercussões no domínio sócio-laboral e do bem-estar dos trabalhadores. E a corda só de vez em quando estica, embora sem nunca partir...

Em conclusão julgo poder afirmar, que, apesar da morosidade de que padecem algumas iniciativas legislativas, o presente confirma as esperanças que foram depositadas no CPCS, já que ele tem permitido criar um clima de confiança e sobretudo um alargamento da cor-responsabilização dos parceiros sociais às questões de fundo das políti-

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cas económicas e sociais e da sua permanente umbilicalidade, permitin-do-lhes, ainda, ter acesso a dados fiáveis sobre a situação económico-social e à compreensão, e, por isso, mais fácil aceitação, das políticas possíveis na actual fase da transição.

Importa, em cada dia, consolidar mais e melhor o CPCS até como modelo de descentralização administrativa, mas sobretudo como caibro de uma estrutura política participada a deixar por Portugal na última parcela do Império.

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º, 959-974

POLICIA JUDICIARIA DE MACAU: DE INSPECÇÃO A DIRECTORIA

Fernando Passos *

1. INTRODUÇÃO

A Polícia Judiciária de Macau tem uma história relativamente re-cente, com pouco mais de três décadas. Não é, portanto, uma instituição comparável, deste ponto de vista, com outras entidades policiais do Território, nomeadamente o Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau, que perfez mais de trezentos anos de existência. No entanto, a Polícia Judiciária de Macau não deixa de ter os seus pergaminhos, iniciados certamente por osmose dos sucessos da sua congénere de Portugal.

Conscientes da dificuldade em rever todo o caminho percorrido pela instituição, propomo-nos, neste artigo, inventariar as diferentes fases da Polícia Judiciária de Macau, desde a sua criação como Inspecção até à actual Directoria, tomando em particular consideração os aspectos de organização, gestão de recursos humanos e formação profissional. É, pois, objecto deste trabalho sintetizar os momentos mais importantes da Polícia Judiciária de Macau, quer no que respeita às naturais evoluções organizativas, quer aos ajustamentos que foram sendo efectuados.

Ainda uma breve referência, nesta introdução, ao facto de a legis-lação mencionada explicitar em muitos casos, de forma clara, a justifi-cação das medidas legislativas, razão pela qual se optou por transcrever o seu conteúdo, ao invés de interpretar e tecer considerações mera-

* Director da Escola de Polícia Judiciária de Macau.

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mente pessoais. Cremos que o espírito do legislador da época deve, aqui, prevalecer sobre o nosso entendimento das medidas e factos que fazem, afinal, uma boa parte da história da Polícia Judiciária de Macau.

2. A INSPECÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA DE MACAU

Os serviços de Polícia Judiciária foram iniciados, em Macau, através da criação de uma Inspecção de Polícia Judiciária, em 19 de Agosto de 1960, por publicação do Decreto Lei n.° 43 125.

A necessidade de criar uma Inspecção de Polícia Judiciária baseava-se na convicção de que, «convindo centralizar os serviços ultramarinos de investigação e instrução preparatória de modo a organizar, da melhor forma, a defesa da sociedade contra a criminalidade e a aproveitar-se o pessoal especializado, os meios técnicos de investigação e os cursos de preparação profissional existentes na metrópole», se tornava urgente a institucionalização em Macau «de um tribunal de polícia para o julgamento daquelas infracções que, pela sua natureza devem ser julgadas com a máxima celeridade».

O citado diploma legal fundamenta a criação de tal Inspecção e refere ser esta dirigida por um inspector-adjunto, que deveria exercer cumulativamente as funções que cabiam aos subdirectores e inspectores. Para além disto, previa ainda o Decreto-Lei que, através de Portaria, se poderia determinar que o inspector-adjunto viesse a dirigir os «serviços provinciais do registo e identificação criminal e policial».

O preâmbulo do Decreto-Lei n.° 43125 justificava que, «havendo necessidade de se proceder à reorganização dos serviços ultramarinos da Polícia Judiciária, e «convindo centralizar os serviços ultramarinos de investigação e instrução preparatória, de modo a organizar-se, da melhor forma, a defesa da sociedade contra a criminalidade e a aproveitar-se o pessoal especializado, os meios técnicos de investigação e os cursos de preparação profissional existentes na metrópole», se tomavam extensivos, na parte aplicável, os Decretos-Lei n.° 35 042, de 20 de Outubro de 1945, 36 288, de 19 de Maio de 1947, 39 351, de 7 de Setembro de 1953, e 39 757, de 13 de Agosto de 1954.

Ao mesmo tempo, era também prevista a possibilidade de corres-pondência directa entre a Inspecção de Macau e a Directoria de Polícia Judiciária da metrópole, em assuntos de natureza técnica, para além da competência na instrução preparatória da comarca.

Outro aspecto aludido previa que o inspector adjunto pudesse vir a ser substituído por «magistrados do Ministério Publico que o procurador designar» e, na falta deste, por quem o Governador indicasse.

Mais tarde, esta posição seria revista através do Decreto-Lei n.° 121/70, de 20 de Março, pois «sendo de urgente conveniência de serviço a alteração do critério legal de substituição do inspector-adjun-to da Polícia Judiciária de Macau», determinava-se que aquela figura fosse substituída nas suas ausências e impedimentos, «e no exercício

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das funções relativas a Polícia Judiciária, pelo subinspector ou, na sua falta, pelo funcionário que o Governador designar».

O estabelecido no artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 43125, de 19 de Agosto, no que concerne às funções do inspector-adjunto no Tribunal de Polícia, seria também alterado, estipulando-se que nas mencionadas ausências e impedimentos fosse «substituído pelo conservador dos re-gistos, na falta deste, pelo conservador do registo civil e, não o havendo, por quem estiver designado substituto do juiz de direito».

A par da Inspecção da Polícia Judiciária de Macau, estava previsto o funcionamento de um tribunal de polícia, presidido pelo inspector-adjunto, que detinha para o efeito a competência para julgar as infracções a que correspondesse processo de transgressão ou sumário, sendo substituído naquelas funções, em caso de impedimento, «pelo magistrado do Ministério Público ou conservador que o presidente da Relação designar, ouvido o procurador da República, ou ainda por qualquer substituto do juiz de direito, igualmente designado pelo presidente da Relação».

O tribunal de polícia de Macau contava, para além do inspector-adjunto investido nas funções de juiz, com a figura do chefe de secretaria da Inspecção da PJ como escrivão, e ainda com um oficial de diligências, designado entre os agentes de 2.a classe ou auxiliares.

O provimento do lugar de inspector-adjunto era realizado de acor-do com a formação académica e a experiência profissional dos candidatos, obrigando a lei à escolha entre «licenciados em Direito com re-conhecida competência e idoneidade para o exercício do cargo, tendo preferência os que tenham exercido as funções de inspector da Polícia Judiciária da metrópole», podendo ainda ser provido aquele lugar por magistrados do Ministério Público em comissão de serviço.

O estabelecimento da estrutura orgânica, competências necessárias e deveres do pessoal da Inspecção de Polícia Judiciária de Macau baseou-se na extensão do Decreto-Lei n.° 35 042, de 20 de Outubro de 1945, tal como anteriormente se mencionou.

A primeira parte do preâmbulo daquele diploma revela de forma clara os pressupostos que estiveram na sua base:

«A necessidade de reorganizar os serviços de polícia judiciária não carece de justificação. Os defeitos da sua organização interna relativos aos quadros, vencimentos do pessoal, funcionamento dos serviços e determinação da sua competência são por demais conhecidos e têm-se feito sentir nos resultados da actuação da polícia por forma que se torna inútil encarecer a necessidade de se lhes procurar remédio.

Mas não menos grave que todos esses defeitos, se bem que menos patente, é o vício fundamental da orgânica actual de polícia judiciária que reside na incongruência injustificável da sua separação do sistema jurídico comum. As leis processuais e as próprias leis penais substantivas sofrem modificação ou são mesmo, nalguns casos, inaplicáveis quando entram no objecto da competência da actual polícia de investigação criminal.

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Importa por isso, antes de tudo, integrar a polícia judiciária no plano geral do sistema processual comum e das instituições de prevenção e repressão criminal. É esse o primeiro objectivo deste Decreto-Lei».

2.1. ORGANIZAÇÃO E OBJECTIVOS

Nestas circunstâncias, e através do citado diploma legal, conferia-se à PJ a competência exclusiva para a investigação dos crimes com «objecto de convenções internacionais por serem frequentemente obra de organizações de carácter internacional», justificada pelo facto de as actividades criminosas assumirem um carácter habitual, ou mesmo pro-fissional, mediante formas de organização, algumas delas dotadas «de vastas ramificações».

Eram ainda reafirmadas as funções específicas da PJ no âmbito da investigação criminal, uma vez que as «funções de prevenção do chamado perigo agudo da criminalidade pertencem à polícia de segurança, à qual incumbe, por acção de presença, impedir a prática das infracções, mas já é do domínio da competência da polícia judiciária, por virtude da estreita conexão com a exteriorização criminosa, a prevenção do perigo crónico da criminalidade», reconhecendo-se desta forma a necessidade de existência de uma polícia destinada a aturados trabalhos de investigação e de «activa vigilância».

Neste domínio, atendia-se ainda ao critério da maior especialização técnica da polícia judiciária, o que levava a permitir que fora da área normal da sua competência lhe fosse deferida a investigação dos crimes a que correspondesse processo correccional ou de querela, quando se apresentasse em condições de excepcional dificuldade.

A reorganização da Polícia Judiciária, em 1945, servia assim de modelo, quinze anos mais tarde, à criação da então Inspecção da PJ de Macau. A Polícia Judiciária de Macau viria a conhecer a sua actual forma, através da reestruturação da lei orgânica, por publicação do Decreto-Lei n.° 61/90/M, de 24 de Setembro.

Então como agora, verificavam-se preocupações idênticas, mere-cendo destaque, em nosso entender, o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 35 042, de 20 de Outubro de 1945, onde se referia pretender-se do-tar a Polícia Judiciária «de quadros de pessoal racionalmente organizados e assegurar-lhe os meios técnicos de eficiente actuação», através de uma nova dinâmica na gestão de recursos humanos e formação profissional, melhorando o «recrutamento e acesso dos funcionários», para além de se providenciar «a sua instrução e aperfeiçoamento técnico».

3. SUBDIRECTORIA

Cerca de onze anos após a sua criação, a Polícia Judiciária de Macau assistiu ao elevar da sua Inspecção a Subdirectoria.

Por proposta do então Governador, o Decreto-Lei n.° 430/71, de 12 de Outubro, estabeleceu a Subdirectoria da Polícia Judiciária de Ma-

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cau, com o que se extinguiu o lugar de inspector-adjunto, substituído por um subdirector.

Para além isso, criou ainda este último diploma «um lugar de ins-pector, com a mesma categoria, direitos e deveres dos restantes inspec-tores da Polícia Judiciária do Ultramar», estipulando que o lugar de subinspector seria «exercido em comissão de serviço por três anos, re-novável, por delegados do procurador da República do Ultramar».

Desta forma, as atribuições anteriormente cometidas a figura do inspector-adjunto passaram para a do subdirector, e o lugar de inspec-tor então criado passou a deter «todas as inerências» que correspondiam ao lugar de subinspector.

4. DIRECTORIA

O Decreto-Lei n.° 705/75, de 19 de Dezembro, veio reorganizar as forças militares e militarizadas e «outros órgãos de Segurança de Macau», para além de elevar a Subdirectoria da Polícia Judiciária de Macau a Directoria.

Mercê da análise dos problemas que caracterizaram a actuação do Movimento das Forças Armadas e do Governo Provisório da República, após 24 de Abril de 1974, entendeu-se que em Macau as forças militares constituídas, «além de se traduzirem num pesado encargo económico», não detinham qualquer missão viável a cumprir, pelo que a estabilidade interna do Território poderia «ser continuada com a sua integração em forças de segurança próprias».

O preâmbulo do Decreto-Lei n.° 705/75, de 19 de Dezembro, alude ainda a vantagem de reduzir as unidades militares, justificando-se a criação das forças de segurança pelo imperativo da eficiente salvaguarda dos bens colectivos e privados, da garantia da segurança pública, da defesa civil contra calamidades e da contribuição «para o progresso e desenvolvimento social e económico da população de Macau».

O artigo 1.° daquele diploma coloca «sob um comando único» as forças militares e militarizadas de Macau, designadas por Forças de Segurança de Macau (FSM), que compreendiam, à data, um comando, um conselho de segurança, as forças de segurança e órgãos de apoio.

Por força do articulado legal, o Conselho de Segurança, conforme estipulado no artigo 6.°, era constituído pelo «comandante e 2.° coman-dante das FSM, pelo respectivo chefe de estado-maior e pelo director da PJ».

Não sendo considerada uma unidade das FSM, a Polícia Judiciária deveria cooperar com as FSM. Em caso «de emergência ou outra situação», poderiam ser integradas nas FSM ou subordinadas ao seu Comando quaisquer outras forças, «militares ou não, corporações ou organismos».

O artigo 12.° determinava que a Polícia Judiciária tivesse por fim efectuar a investigação dos crimes submetidos à jurisdição comum, proceder à instrução preparatória dos respectivos processos e organi-

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zar a prevenção da criminalidade», constituindo «uma directoria na dependência do procurador da República». Assim, ficava estabelecido que, em matéria operacional, designadamente na prevenção da crimi-nalidade e na investigação de crimes, o comandante das Forças de Se-gurança e o procurador da República deveriam decidir qual «a activi-dade a desenvolver pela PJ em proveito das FSM e a forma como deve ser executada quando isolada ou conjuntamente, quer a título temporário, quer a título de permanência».

Mais se subordinava a Directoria da Polícia Judiciária de Macau, ao estatuir-se que «o Governador pode delegar no comandante das FSM, no todo ou em parte, as atribuições que por lei lhe são conferidas a respeito da PJ».

A Lei n.° 19/79/M, de 4 de Agosto, veio colocar em execução aquela determinação legal, propondo-se «extrair as consequências que a referida elevação importa e, bem assim, encontrar solução adequada para algumas questões pontuais, que afectam o bom funcionamento da Po-liícia Judiciária.»

O articulado legal visava assim corresponder à necessidade de consolidação das estruturas da Directoria da Polícia Judiciária de Macau, procurando sintonizar princípios acolhidos na reestruturação da Polícia Judiciária em Portugal, de forma a satisfazer «expectativas legitimas de uma sensível melhoria no funcionamento daquele organismo, com reflexos positivos para a ordem e tranquilidade públicas». Assim, definia-se que a Polícia Judiciária seria um «serviço de prevenção e investigação criminal, auxiliar da administração da Justiça», tendo no Território de Macau, como entidade hierárquica máxima, o Governador.

No capítulo das atribuições e competências, estatuiu-se que as funções da Polícia Judiciária fossem exercidas na defesa dos direitos dos cidadãos, cabendo a sua fiscalização ao Ministério Público, relativamente às matérias de prevenção e investigação criminal, para além de competências exclusivas.

A data, pela Lei n.° 19/79, a Directoria da Polícia Judiciária com-preendia as seguintes subunidades orgânicas:

— Conselho de Polícia; — Secção Central de Prevenção e Investigação; — Laboratório;

— Arquivo de Registo e Informações; — Gabinete da Interpol; — Serviços Administrativos; — Arquivo do Registo Criminal e Polícia.

Para o provimento do cargo de director, em comissão de serviço, previsto no artigo 14.° da Lei n.° 19/79/M, de 4 de Agosto, seriam esco-

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lhidos Magistrados Judiciais ou do Ministério Público, «de preferência actual ou antigo juiz de instrução criminal, com pelo menos oito anos de serviço na categoria», ou licenciados em Direito «com pelo menos oito anos de serviço prestado à Polícia Judiciária e reconhecida competência».

Em 24 de Setembro de 1990, com a publicação do Decreto Lei n.° 61/90/M, relativo à lei orgânica da Directoria da Polícia Judiciária de Macau, tomou forma o actual quadro legal desta instituição.

Assim, assumindo-se como objectivo do Governo nas Linhas de Acção Governativa daquele ano, pretendeu tal lei orgânica reestruturar a Directoria da PJ, proporcionando-lhe a dotação de estruturas necessárias a uma eficaz actuação, contando para o efeito com a criação de um Subgabinete da Interpol e com o estabelecimento de normas de ac-tuação no processo penal.

5. TUTELA

Aquando da criação da Polícia Judiciária de Macau, através da publicação do Decreto-Lei n.° 43125, de 19 de Agosto de 1960 deter-minava-se o seguinte: «ao Ministro do Ultramar compete a superinten-dência e a orientação superior da acção da Polícia Judiciária do ultramar, que na metrópole pertencem ao Ministro da Justiça e ao procura-dor-geral da República». Esta competência era assim exercida por intermédio dos serviços de justiça do Ministério do Ultramar, sendo a Polícia Judiciária do Ultramar considerada como um organismo auxiliar do Ministério Público, e estando sujeita «à orientação e fiscalização directas dos procuradores da República».

Com a publicação do Decreto-Lei n.° 705/75, de 19 de Dezembro, a Polícia Judiciária de Macau implementa-se como «uma directoria na dependência do procurador da República» (ponto 2 do artigo 12.°), mas em matéria operacional, tal como referimos, seriam o comandante das Forças de Segurança e o procurador da República a determinar a acti-vidade desta força policial .

A Portaria n.° 90/86/M, de 21 de Junho, vem delegar no então Secretário-Adjunto para a Administração «as competência próprias do Governador, no que se refere às atribuições executivas, relativamente à Polícia Judiciária».

Logo após, pelo Despacho n.° 8/SAA/86, de 26 de Junho, o Secre-tário-Adjunto para a Administração, subdelegava no director da Polícia Judiciária a competência para a prática dos actos discriminados no diploma, concluindo-se este processo com o Despacho Conjunto n.° 2/86, de 9 de Julho, em que se transfere a Directoria da Polícia Judiciária de Macau da dependência das Forças de Segurança para a do Secretário-Adjunto para a Administração.

Pela Portaria n.° 86/91/M, de 20 de Maio, foram delegadas no Se-cretário-Adjunto para a Justiça as competências referentes a funções executivas da Polícia Judiciária, situação que se mantém actualmente.

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6. QUADROS DE PESSOAL

O Decreto-Lei n.° 43 125, de 19 de Agosto de 1960, previa a fixa ção, por portaria, do quadro de pessoal da Inspecção da Polícia Judiciária de Macau, admitindo ainda o recurso a pessoal extraordinário julgado indispensável, em regime de comissão eventual, transferência ou ainda por contrato além do quadro, no caso dos agentes auxiliares de qual quer classe.

Uma vez que funcionava na dependência do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau um núcleo de pessoal «da secção de polícia de investigação criminal», e havendo necessidade de dotar a Polícia Judiciária de Macau com pessoal em número suficiente e já possuidor de alguma experiência profissional, determinava aquele diploma que deviam transitar, «independentemente de qualquer formalidade ou visto, para o quadro da Polícia Judiciária da mesma província, ficando extintos os respectivos lugares», os seguintes quantitativos de pessoal:

1 subchefe de esquadra para o lugar de agente de l .a classe; 3 guardas de l.a classe, portugueses, para os lugares de agentes de

2.a classe; 2 guardas estrangeiros para os lugares de agentes motoristas; l subchefe de esquadra para o lugar de terceiro-oficial; 1 guarda português para o lugar de aspirante, de preferência com

conhecimentos de dactiloscopia; 2 guardas portugueses para os lugares de fotógrafo-mensurador e

dactilógrafo.

O mesmo diploma determinava ainda que «do quadro especial do expediente sínico de Macau transitaria, independentemente de qual quer formalidade ou visto, ficando extinto o respectivo lugar, um lín gua para o lugar de intérprete da inspecção de Macau», e também que aos governadores competiria «a escolha dos funcionários, sempre que haja lugar a ela, que devem transitar para a Polícia Judiciária e deter minar o material e os meios de acção que a Polícia de Segurança Públi ca deva entregar à Polícia Judiciária».

Também a 19 de Agosto de 1960, e através da Portaria Ministerial n.° 17907, era fixado o quadro de pessoal da inspecção de Polícia Judi-ciária de Macau, constituído por 14 funcionários:

1 Inspector-adjunto l Terceiro-oficial l Chefe de brigada l Intérprete 1 Agentes de l .a classe l Aspirante 3 Agentes de 2.a classe l Dactilógrafo 2 Agentes-motoristas l Servente l Fotógrafo-mensurador

Em 10 de Fevereiro de 1962, o Decreto n.°44 185 referia aprovei-

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tar «a oportunidade para se fazerem alguns ajustamentos nos serviços de justiça e serviços anexos» e autorizava o governador da província de Macau a instituir na «Inspectoria da Polícia Judiciária dessa província um curso de prática policial destinado a preparar pessoal para os quadros da mesma polícia e dos serviços afins».

Posteriormente, pela Portaria n.° 19 835, de 30 de Abril de 1963, mandou o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Ultra-mar, que no quadro do pessoal extraordinário da Inspectoria da Polícia Judiciária fosse criado o lugar de director do laboratório de Polícia Ju-diciária, devendo o lugar ser provido «por contrato, em diplomado com os cursos de farmácia ou de ciências físico-químicas, livremente escolhido pelo Ministro do Ultramar ou sob proposta do governador».

O percurso de alterações legislativas referentes à Inspecção da Polícia Judiciária de Macau, no que concerne aos quadros de pessoal, viria a completar-se com a publicação do Decreto n.° 261/70, de 11 de Junho de 1970, uma vez que as crescentes necessidades de «pessoal qualificado nas funções de investigação dos diversos delitos» viria a determinar a revisão das categorias que vinham tradicionalmente sendo atribuídas aos seus agentes.

O preâmbulo deste último diploma justifica essa determinação: «tendo, porém, ocorrido essa revisão em sucessivas reformas parcelares dos diversos serviços, há agora que completá-la abrangendo o pessoal da Polícia Judiciária do Ultramar, de modo a salvaguardar entre todos os quadros dos serviços públicos a margem de justiça distributiva que se impõe». Prescrevia-se ainda a promoção a inspector dos subinspectores que se distinguissem através de uma longa carreira, ino-vação que «nos aproxima da orgânica das polícias judiciárias estrangeiras mais avançadas». Neste último aspecto, o Decreto n.° 261/70 previa que poderiam ser promovidos a inspector, «como distinção e categoria máxima da sua carreira, os subinspectores com mais de cinco anos na categoria no ultramar, classificados de Muito Bom e com o mínimo de vinte anos de carreira policial».

Após a sua elevação a subdirectoria, em 1971, a Polícia Judiciária de Macau conheceu algumas alterações legais nos seus quadros de pessoal.

Em 9 de Julho de 1986, por publicação do Despacho Conjunto n.° 2/86, a Directoria da Polícia Judiciária de Macau saía da esfera da tutela do Comando das Forças de Segurança, sendo transferida para a dependência do Secretário-Adjunto para a Administração.

A actual forma dos quadros de pessoal da Directoria da Polícia Judiciária ocorreu com a publicação do Decreto-Lei n.° 60/90/M, de 24 de Setembro.

Tendo sido as carreiras específicas objecto de reestruturação, pelo Decreto-Lei n.° 72/85/M de 13 de Julho, entendeu-se no entanto que, ao mesmo tempo que se revia a lei orgânica da Directoria da Polícia Judiciária, se deveria proceder aos necessários ajustamentos daquelas carreiras, ponderando-se as particulares exigências de formação e risco dos funcionários.

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Em suma, o processo cumulativo respeitante aos quadros de pes-soal da Polícia Judiciária de Macau culminou com o citado Decreto-Lei n.° 60/90/M, que pretendeu «lançar as bases de uma polícia de investigação moderna, capaz de enfrentar com eficácia a criminalidade crescentemente organizada».

7. FORMAÇÃO DE QUADROS

A formação profissional dos quadros da Polícia Judiciária tem merecido particular cuidado ao longo da história da instituição, sobretudo no que diz respeito às carreiras de investigação criminal.

O Decreto-Lei n.° 41 306, de 2 de Outubro de 1957, criou em Por-tugal o Laboratório de Polícia Científica, a Biblioteca da Polícia Judiciária, o Museu Criminalístico e a Escola Prática de Ciências Criminais.

A firmação do Laboratório de Polícia Científica baseava-se, desde logo, na qualificação dos seus quadros de pessoal, uma vez que aquele laboratório gozava de independência técnica, para além das suas com-petências serem cumulativas com as dos institutos de medicina legal, salvo no que se referia aos «exames de tanatologia e exames directos nas pessoas».

Além isso, ao Laboratório de Polícia Científica era dada a liberdade de «propor à entidade requerente a realização do exame noutro laboratório ou estabelecimento científico e solicitar outrossim a colaboração de quaisquer estabelecimentos ou laboratórios da especialidade, públicos ou particulares».

Uma vez que ao laboratório se requeria pessoal altamente especia-lizado, capaz de realizar «diligências ou exames que, exigindo conhe-cimentos científicos especializados, caibam nas suas possibilidades téc-nicas de realização», era aquele dotado com um quadro próprio, que contava, para além do director, com adjuntos, preparadores e fotógrafos mensuradores, e ainda com todo o restante pessoal de apoio.

A implementação de um Laboratório de Polícia Científica deveu-se à convicção de que «especiais benefícios» dele poderiam advir, pois «a instrução preparatória dos vários processos penais exige amiudadas vezes, além dos relatórios das autópsias, dos exames directos às pessoas ou das análises toxicológicas, a realização de exames e de pesquisas científicas de diversa natureza».

O Decreto-Lei n.° 35 042, de 20 de Outubro de 1945, previa a existência dum gabinete de identificação e pesquisas, junto do arquivo de registos e de informações, que funcionava na Directoria da Polícia Judiciária em Portugal. Aquele diploma determinava também o apetre-chamento do Gabinete de Identificação e Pesquisas com o equipamento e o pessoal contratado indispensável, mas o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 41 306, de 2 de Outubro de 1957, reconhece que, «por deficiências das instalações, o gabinete se resume praticamente ao laboratório fotográfico, de modestíssimo equipamento».

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Afirmava-se ainda que, a par das diligências específicas da medicina legal, muitos outros exames existiam «com interesse para o processo penal, como os exames grafológicos, os ensaios de balística, as determinações da falsificação de documentos, de moedas ou de géneros alimentícios, que manifestamente exorbitam dos domínios da medicina», pelo que se justificava plenamente a realização de tais diligências por um «organismo directamente subordinado ao Ministério Público, com ponderosas vantagens».

Tendo em atenção a actividade formativa, o Decreto-Lei n.° 41 306 criava a Biblioteca da Polícia Judiciária, «especialmente constituída pelas obras ou publicações que, versando assuntos de criminalística, possa interessar à formação profissional do pessoal de investigação».

Complementava-se ainda esta componente, no mesmo diploma, com a institucionalização de um museu criminalístico, que deveria re-colher todos os objectos com interesse para o ensino da investigação criminal apreendidos pelas polícias e que a lei declarasse perdidos a favor do Estado.

Foi também na sequência do Decreto-Lei n.° 41 306, de 2 de Ou-tubro de 1957, que se instituiu a Escola Prática de Ciências Criminais, regulamentada pelo Decreto-Lei n.° 41 516, de l de Fevereiro de 1958, criando-se assim as condições necessárias para o ensino das diferentes matérias imprescindíveis à actividade de investigação criminal da Polícia Judiciária.

A origem de tal decisão deveu-se à necessidade então sentida de um ensino especializado como forma de preparação do pessoal, uma vez que o agente necessitava «de saber, não só recolher, como conservar os indícios naturais da infracção susceptíveis de conduzirem à identificação e à captura do criminoso; de conhecer a técnica sumária, própria da investigação de cada tipo de crime, e tem que utilizar, a cada passo, os resultados dos exames e das pesquisas laboratoriais», pelo que haveria toda a conveniência em se encontrar familiarizado com «os ensinamentos fundamentais da psicologia e da sociologia criminal».

Aquela Escola propunha-se ainda alargar o seu âmbito de activi-dade com o ensino de ciências criminais não apenas aos funcionários da Polícia, mas ao pessoal dos serviços prisionais e dos serviços juris-dicionais de menores.

No intuito de levar a bom termo os objectivos a que se propunha, dotava-se a Escola Prática de Ciências Criminais com um conselho di-rectivo composto por vários representantes, nomeadamente a Polícia Judiciária, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, a Direcção-Geral dos Serviços Jurisdicionais de Menores e um magistrado judicial ou do Ministério Público, tendo estes membros como principal tarefa a decisão colegial de «aprovar o esquema dos cursos a realizar em cada ano lectivo e respectivos programas».

Eram também fixados os períodos de tempo para as diferentes ac-ções de formação, dividindo-se estas em «cursos de preparação» e «de

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especialização». Visavam os primeiros «ministrar conhecimentos ele-mentares indispensáveis para o exercício das funções de investigação criminal», com a duração de seis meses, e destinavam-se os cursos de especialização «a aperfeiçoar a preparação profissional dos alunos, prin-cipalmente em matérias de técnica policial», compreendendo um período de frequência escolar de vinte a sessenta dias.

De notar que o conteúdo programático de tais acções de formação, à época, e comparativamente com os actuais, denota ainda actualidade, havendo matérias que mantêm as mesmas designações e concepções, salvaguardando-se apenas as alterações produzidas quer por nova legislação, quer pelos novos métodos e técnicas entretanto surgidos. Desta forma, merece referência o enunciado do artigo 10.°, que refere as matérias dos cursos de preparação e especialização, com as seguintes disciplinas: «Serviços de prevenção e repressão da criminalidade; Noções de organização judiciária; Polícia judiciária; Deontologia profissional; Noções de direito e processo criminal e do direito aplicável aos menores delinquentes; Noções de psicologia geral e judiciária; Noções de criminologia e de política criminal; Técnica e táctica da investigação; Noções de medicina legal e de polícia científica; Dactilografia ; Educação física e métodos individuais de defesa».

Aquela Escola Prática organizava basicamente dois tipos de cursos: de preparação, destinados aos agentes auxiliares, e de especialização, destinados aos agentes «de qualquer classe, chefes de brigada e subinspectores».

A rentabilização da Escola Prática de Ciências Criminais fazia-se com recurso a organização de acções de formação destinadas às Direc-ções-gerais dos Serviços Prisionais e dos Serviços Jurisdicionais de Menores, através de cursos de preparação «para ingresso ou provimento vitalício», ou cursos de especialização ou aperfeiçoamento profissional, «para funcionários com mais de dois anos de serviço». Nestes casos, deveriam os candidatos preencher determinados requisitos de idade e habilitações académicas, e ser «aprovados num exame médico e psicológico destinado a verificar a possibilidade de adaptação do requerente à função». As matérias sobre as quais versavam estes cursos dirigidos a entidades exteriores a Polícia Judiciária eram sobretudo noções de pedagogia, sociologia, reeducação e orientação profissional, criminologia, psiquiatria, direito e serviço social.

Previa-se ainda a organização de «cursos livres de ciências criminais e reuniões de estudo», para «magistrados judiciais e do Ministério Público, inspectores da Polícia Judiciária, chefes do repartição, directores de estabelecimentos e inspectores dos serviços prisionais e dos serviços Jurisdicionais de menores».

Com a publicação do Decreto-Lei n.° 523/72, de 19 de Dezembro, a Escola Prática de Ciências Criminais seria transformada no Instituto de Formação Profissional, «a fim de assegurar a indispensável e adequada especialização de todos os escalões de funcionalismo do Ministério da Justiça», reforçando-se esta decisão ao afirmar-se no mesmo di-

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ploma que, «para justificar a conveniência de institutos de administra-ção pública não será preciso invocar o paralelismo de expressivos exemplos estrangeiros».

O Instituto de Formação Profissional passou desta forma a depender organicamente do Ministério da Justiça, a par das Direcções-Gerais dos Serviços Judiciários, dos Registos e do Notariado, dos Serviços Prisionais e dos Serviços Tutelares de Menores, para além da Secreta-ria-Geral, do Centro de Informática, dos Serviços Sociais e da Direcção de Serviços dos Cofres.

Como objectivo primordial, devia o Instituto assegurar a «prepa-ração e aperfeiçoamento profissional do funcionalismo do Ministério da Justiça, podendo nele ser organizados cursos destinados a substituir os concursos de prestação de provas, sem prejuízo das habilitações legalmente exigidas para o exercício dos cargos». Para tal, as funções docentes deveriam ser asseguradas por «professores do ensino superior, funcionários do Ministério da Justiça, magistrados judiciais ou do Ministério Público, de qualquer classe ou categoria, e outros técnicos de reconhecida competência», sendo o Instituto de Formação Profissional do Ministério da Justiça regulamentado posteriormente, através da publicação do Decreto-Lei n.° 201/73, de 3 de Maio.

7.1. FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM MACAU

Cerca de dois anos após a criação da Inspecção da Polícia Judiciária em Macau, foi instituído um curso de preparação destinados aos quadros daquela polícia, através da publicação da Portaria n.° 7 077, de 27 de Outubro de 1962. Esse curso, destinado aos quadros da Polícia Judiciária e dos «Serviços afins», tinha uma duração de dez meses e previa o recurso a formadores e intérpretes. Aos primeiros era garantida uma gratificação mensal de MOP 250,00 ou MOP 200,00 (caso detivessem ou não curso superior), enquanto aos intérpretes competia uma remuneração a estabelecer por despacho do Governador.

Do regulamento do curso de preparação para os quadros da Ins-pecção da Polícia Judiciária constavam as disciplinas de «Direito penal; Direito processual penal, Psicologia judiciária, Criminologia; Técnica e táctica de investigação; Medicina legal; Polícia científica; Lofos-copia, Tiro técnico e prático, Educação física e luta de defesa individual (judo)».

Determinava o regulamento que a frequência do curso fosse obri-gatória para o pessoal de investigação da PJ. Além deste, ficavam obri-gados a assistir ao curso os elementos do pessoal administrativo e os agentes motoristas, competindo ao inspector adjunto definir quais as matérias consideradas de frequência obrigatória. No caso de se verifi-carem vagas, poderia o curso de preparação ser também frequentado por funcionários de «serviços afins», condicionados à autorização do Governador de Macau.

Previa-se ainda o funcionamento de um conselho directivo, com-

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posto pelo director do curso e por todos os formadores envolvidos. Es-tes últimos, segundo o regulamento, seriam designados pelo Governa-dor, sendo dada preferência aos «Magistrados judiciais e do Ministério Público e equiparados, funcionários dos Serviços de Justiça e indivíduos com curso superior».

O conselho directivo, em reunião trimestral, devia apreciar o apro-veitamento dos alunos que, em caso de insuficiência, repetiam o curso, sendo excluídos definitivamente após duas reprovações, excepção feita a alunos voluntários ou reveladores de «notáveis qualidades» para a prática de vigilância ou investigação.

Na sequência desta primeira acção de formação e daquelas que se seguiram, houve necessidade de alterar e corrigir algumas disposições, facto consumado com a promulgação da Portaria n.° 187/76/M, de 27 de Novembro, em data posterior à elevação da Inspecção da Polícia Judiciária de Macau a Subdirectoria.

Foi assim reconhecido no preâmbulo da Portaria supra-referida que, em virtude da necessidade de actualização dos agentes da Polícia Judiciária e serviços afins, perante as alterações que se vinham proces-sando no Direito e no Processo Penal, e considerando «que a renova-ção dos quadros acarreta a obrigação de formar e aperfeiçoar os novos funcionários», se deveria instituir um novo regulamento para o curso de preparação, destinado ao pessoal da PJ e serviços afins. Com esse objectivo, instituiu-se, desde logo, a matéria de «Organização da Polícia Judiciária e Deontologia Profissional», para além de se responsabilizar o Procurador da República como director do curso. O Subdirector da Polícia Judiciária teria a função de adjunto ou director substituto do curso, nas faltas e impedimentos do Procurador.

O regulamento do curso previa ainda a possibilidade de sanções disciplinares, com penas aplicáveis aos alunos, desde a repreensão re-gistada à exclusão da frequência do curso, havendo também suspensões até dois meses.

Actualmente, a formação de pessoal da Polícia Judiciária é assegurada pela Escola de Polícia Judiciária de Macau (EPJ/M) e pelo Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais, em Portugal.

Em Macau, o Decreto-Lei n.° 35/91/M, de 13 de Maio, veio criar a Escola de Polícia Judiciária e definir a sua estrutura, organização e fun-cionamento, regulamentando ainda os princípios básicos da actividade formativa. Assim, é objectivo desta Escola programar e executar acções de formação, aperfeiçoamento e especialização do pessoal da Polícia Judiciária, bem como supervisionar a execução de estágios.

O modelo de formação profissional vigente na PJ de Macau diri-ge-se sobretudo às necessidades específicas das carreiras do pessoal de investigação, auxiliar de investigação e de criminalística, abrangendo as áreas de formação inicial permanente e para acesso nas carreiras. Prevê também a colaboração com o Instituto Nacional de Polícia e Ciências Criminais, nos termos estabelecidos no Acordo entre o Governo da República e o Governo do Território de Macau para a Cooperação

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entre a Directoria-Geral da Polícia Judiciária de Lisboa e a Directoria da Polícia Judiciária de Macau.

Os princípios enformadores do recrutamento e selecção de pessoal, do processo de concurso e de regulamentação dos cursos de formação e estágios das carreiras de regime especial da Polícia Judiciária viriam a ser definidos através da Portaria n.° 136/91/M, de 5 de Agosto, que, tendo presentes as particulares exigências das carreiras da polícia judiciária, determina as regras a que devem obedecer o recrutamento, selecção e formação e o regime de estágios.

De assinalar que esta componente da gestão da polícia judiciária, no âmbito do seu quadro geral, era já patente no Decreto-Lei n.° 35 042, de 20 de Outubro de 1945, na subsecção «Dos cursos de técnica policial», ao referir que, «em colaboração com os institutos de medicina legal e os institutos de criminologia, a polícia judiciária organizará cursos de técnica policial, destinados à preparação e especialização dos seus agentes».

Dos que eram então designados como cursos de técnica policial faziam parte os cursos elementares destinados a «ministrar as noções gerais necessárias ao exercício das funções de polícia judiciária», cuja frequência era «indispensável» à admissão de agentes de 2.a classe, bem como cursos de aperfeiçoamento e especialização destinados a «desen-volver os conhecimentos gerais de técnica policial e os especiais relati-vos à investigação das várias formas de actividade criminal».

Atente-se no facto de o diploma definir também o corpo docente para tais acções de formação, ao designar que «os cursos serão regidos pelos inspectores e pelos técnicos de medicina legal e de criminologia», podendo ainda «ser contratados técnicos das matérias que neles forem especialmente versados».

A realização de acções de formação, quer de aperfeiçoamento, quer de especialização, que careciam para o efeito de aprovação pelo Ministro da Justiça, tinha lugar através de proposta do «conselho de polícia», hoje mantido na Escola de Polícia Judiciária de Macau sob a forma de um conselho pedagógico.

De relevar a cooperação e intercomunicabilidade nas acções de formação entre serviços, uma vez que estava prevista a eventual admissão à frequência dos cursos de técnica policial elementar pelos «guardas da polícia de segurança pública, por guardas dos estabelecimentos prisionais e escriturários das secretarias judiciais».

Presentemente, a Escola de Polícia Judiciária de Macau desenvolve a sua actividade pedagógica fundamentalmente em duas vertentes: a formação profissional e a linguística, encontrando-se no primeiro caso os cursos de formação para ingresso e acesso, bem como os estágios, e no segundo, a realização de acções de formação nas línguas portuguesa e chinesa (cantonense e mandarim).

Com a aproximação da data de entrega do Território à República Popular da China, em Dezembro de 1999, a componente linguística tem vindo a ganhar maior dimensão, de tal modo que se sobrepõe já à

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formação profissional, o que, naturalmente, reflecte a enorme preocu-pação na preparação dos quadros de pessoal a localizar, prevista nas linhas de acção governativa.

8. CONCLUSÃO

A Polícia Judiciária de Macau conheceu, basicamente, três momentos distintos: a sua criação como Inspecção, a elevação a Subdirec-toria e, finalmente, a sua institucionalização como Directoria.

Desde a sua criação, em 19 de Agosto de 1960, e até ao início da sua actividade como Directoria, em 19 de Dezembro de 1975, esta ins-tituição foi evoluindo através de transformações sucessivas, quer a nível legislativo, quer ao nível dos recursos humanos e materiais.

A actual lei orgânica da Directoria da Polícia Judiciária de Macau veio a ser publicada através do Decreto-Lei n.° 61/90/M, de 24 de Se-tembro, contemplando-a com as estruturas consideradas necessárias ao funcionamento de uma polícia de investigação moderna e actuante.

Os primeiros funcionários eram provenientes do núcleo de agentes pertencentes à secção de polícia de investigação criminal do Corpo de Polícia de Segurança Pública, tendo a lei dotado também a PJ de um quadro de pessoal constituído por catorze elementos, mais um língua do expediente sínico de Macau.

Ainda no tocante aos recursos humanos, assistiu-se, desde a cria-ção da Polícia Judiciária, a uma constante preocupação quanto à formação profissional dos seus quadros. Como prova, foram criadas as condições legais na República para a implementação de uma Escola Prática de Ciências Criminais, uma biblioteca e um museu de crimina-lística, através do Decreto-Lei n.° 41 306, de 2 de Outubro de 1957. Em Macau, foi garantido o acesso à formação do pessoal da Polícia Judiciária, a partir de 1962, com a publicação da Portaria n.° 7 077, de 27 de Outubro, através de um curso de preparação especialmente vocacionado para o efeito.

No entanto, só a criação da Escola de Polícia Judiciária veio assegurar em permanência a formação de quadros, tendo para o efeito sido definida a estrutura, organização e regulamentação dos princípios básicos desta Escola, com a publicação do Decreto-Lei n.° 35/91/M, de 13 de Maio.

No presente, a actividade formativa da Escola de Polícia Judiciária de Macau sustenta-se fundamentalmente nas vertentes profissional e linguística, assegurando-se, assim, não só a preparação, o aperfeiçoamento e a especialização de pessoal, mas também o domínio das línguas portuguesa e chinesa, com vista à transição da soberania de Macau em 1999.

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saúde

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º, 977-988

SITUAÇÃO GERAL DE SAÚDE EM MACAU*

Tong Ka Io **

INTRODUÇÃO Esta foi a primeira tentativa de aplicar a técnica de Delphi em

Diagnóstico da Situação nos Serviços de Saúde de Macau. O Diagnóstico da Situação, ou seja, a determinação das necessidades

de saúde e dos factores de risco1, sendo a primeira etapa do Planeamento de Saúde da Comunidade, é de importância crucial no âmbito de saúde pública.

O diagnóstico da situação identifica os principais problemas de saúde e os factores correspondentes, através de determinação do nível de saúde (em termos de morbilidade, mortalidade, etc.), e de caracterização da situação relacionada com os seus determinantes (demográficos, sócio-económicos, ambientais, sistema de saúde, etc.).

Existem três métodos principais para elaborar um diagnóstico da situação: 1) a análise dos dados (demográficos, sociais, de saúde, etc.) colhidos pelos sistemas de informação; 2) os inquéritos de saúde; 3) as técnicas de consenso2.

O método do consenso tem vindo a ser utilizado cada vez com mais frequência como instrumento para resolver problemas no campo da saúde e da medicina3.

* Consensos obtidos num painel de Delphi. Trabalho concluído com a

colaboração do Dr. Fernando Costa Silva e da Dr.a Isabel Maria da Costa Morais. ** Interno do Internato Complementar de Saúde Pública dos Serviços de

Saúde de Macau. 1 Emílio Imperatori, Maria do Rosário Giraldes, Metodologia do Planea

mento da Saúde — Manual para uso em serviços centrais, regionais e locais, 3.a

edição, Escola Nacional de Saúde Pública, 1993, p. 45. 2 Raynald Pineault, Carole Daveluy, La Panificación Sanitária — Conceptos,

Métodos, Estratégias, versão em espanhol, Masson, S.A., 1987, p. 61. 3 Cipriano Justo, A Utilização do Método do Consenso na Elaboração de

Critérios, de Garantia da Qualidade em Cuidados de Saúde Primários, Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol. 10(3), 1992, p. 32.

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O método do consenso serve para a identificação de problemas e de necessidades. Este método baseia-se na ideia de que um consenso, obtido entre um grupo de pessoas que conhecem bem a comunidade ou os problemas em estudo, é suficiente para que se possam ser utilizados os resultados de forma vantajosa4.

A identificação de problemas, o estabelecimento de prioridades, a fixação de objectivos e a elaboração de critérios e padrões de programas de garantia da qualidade são as áreas em que o método do consenso tem sido mais utilizado em cuidados de saúde primários (Starkweather, 1975)5.

A técnica de Delphi é uma das técnicas de consenso que gera ideias e consensos através da participação dos peritos. Na aplicação desta técnica, efectuam-se várias «voltas» de inquérito e retroalimentação: um questionário estruturado é enviado aos peritos participantes pelo correio, as respostas são recolhidas também pelo correio, e depois de serem analisadas, retroalimentam-se os resultados obtidos aos participantes com o questionário seguinte, e assim para frente, até que se obtêm consensos. Portanto, não é necessário reunir fisicamente os peritos.

A técnica de Delphi reúne algumas vantagens porque é uma técnica do tipo de tarefa-orientada e centrada nos problemas que garante aos partici-pantes a liberdade de desconformidade e a equidade dos respondentes, e que pode gerar uma quantidade elevada de ideias. As limitações desta técnica incluem a baixa variabilidade, a maior necessidade dos recursos adminis-trativos e o alto custo temporal (Delbecq, 1974)6.

A técnica de Delphi é um método subjectivo e não quantitativo. No entanto, no caso presente de Macau, considera-se que é um método valioso em matéria de diagnóstico da situação de saúde, que não vai substituir os estudos objectivos e quantitativos, mas sim reunir as experiên-cias e inteligência dos peritos, identificar os problemas mais importantes e indicar as orientações e vias mais frutíferas para estudos e trabalhos futuros.

OBJECTIVOS Este estudo foi realizado como um componente de um diagnóstico

da situação geral de saúde de Macau, baseando-se nos resultados duma anterior análise exploratória das estatísticas existentes (principalmente, sobre a mortalidade), tendo os seguintes como objectivos:

1) Avaliação e interpretação da situação geral de saúde de Macau revelada pelo estudo exploratório das estatísticas existentes;

4 Raynald Pineault, Carole Daveluy, La Planificación Sanitária — Conceptos, Métodos, Estratégias, versão em espanhol, Masson, S.A., 1987, p. 172.

5 Cipriano Justo, A Utilização do Método do Consenso na Elaboração de Critérios de Garantia da Qualidade em Cuidados de Saúde Primários, Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol. 10(3), 1992, p. 32.

6 Luís Graça, Extracto de: A. Van de Ven, A. L. Delbecq, The Effectiveness of Nominal, Delphi, and Interactif Group Decision Making Processes, Academy of Management Journal, 17(4), 1974, p. 605-621.

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2) Identificação de alguns dos problemas de saúde mais importantes; 3) Identificação dos factores de risco relacionados com duas

situações específicas — relativas à mortalidade por tuberculose e à mortalidade infantil.

MATERIAIS E MÉTODOS

1. PROCEDIMENTOS

Sendo limitado pelo tempo disponível, o estudo consistiu numa série de apenas três inquéritos compostos por questionários estruturados.

Na primeira volta, foram enviados aos peritos o documento-base e o primeiro questionário. Os peritos, a partir disso, foram solicitados a: 1) avaliar a situação geral de saúde de Macau e a identificar os factores protectores; 2) identificar os problemas de saúde importantes; 3) iden-tificar os factores de risco relacionados com a morte por tuberculose e com a morte infantil.

Na segunda volta, os peritos foram retroalimentados com os resultados do primeiro inquérito e solicitados a rever todos os items identificados.

Na última volta, os peritos foram retroalimentados com os resulta-dos do segundo inquérito, e solicitados a apreciar a importância dos problemas/factores identificados.

A distribuição do primeiro questionário e do documento-base foi feita pelo próprio investigador, considerando que o contacto pessoal com os participantes potenciais ia motivar a participação. Os restantes questionários foram distribuídos pelo «correio entre os serviços». As respostas foram recolhidas através do mesmo método ou através de fax, mantendo-se o anonimato das ideias e a liberdade dos participantes.

2. SELECÇÃO DOS PARTICIPANTES Em conformidade com a natureza dos problemas em estudo, foram

escolhidos como peritos participantes todos os especialistas de Clínica Geral e de Saúde Pública que se encontravam a exercer as suas funções nos Serviços de Saúde de Macau.

Vinte e oito peritos participantes potenciais foram identificados e solicitados a participar no painel (Quadro 1). (QUADRO N.º 1]

Identificação de potenciais peritos participantes

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3. DOCUMENTOS-BASE7

O documento-base («Estado de Saúde de Macau 1986-1994 — Estudo Exploratório das Estatísticas Existentes») que serviu como ponto de partida resultou de um estudo anterior realizado pelo mesmo investigador, consistiu em descrições sobre: 1) a evolução demográfica de Macau durante os últimos 20 anos; 2) a situação e evolução da mortalidade pelas principais causas de morte em Macau; 3) a distribuição e evolução do risco de morrer em Macau; 4) o nível de saúde de Macau em comparação com o do mundo e o de Hong Kong.

4. QUESTIONÁRIOS Em conformidade com as perguntas seleccionadas, os questionários

abrangeram quatro partes, nomeadamente: 1) o nível geral de saúde de Macau e os factores protectores relacionados; 2) os problemas de saúde importantes; 3) a mortalidade por tuberculose e os factores de risco relacionados; 4) a mortalidade infantil e os factores de risco relacionados.

Na primeira volta, foram enviadas perguntas abertas e na última volta, perguntas fechadas.

5. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Todas as ideias geradas na primeira volta foram retroalimentadas aos participantes na segunda volta, ou seja, não se excluiu nenhum item.

No entanto, na última fase, excluíram-se alguns items para que se obtivesse uma lista bem reduzida para apreciação.

Os critérios de exclusão foram os seguintes: 1. Exclusão dos items menos consensuais, isto é, os items que

obtiveram poucos prós (<60 por cento dos respondentes) e/ou muitas contras (> 40 por cento dos respondentes).

2. Exclusão dos items ambíguos que de facto não explicitavam claramente pelo menos um factor/problema.

3. Exclusão daqueles items que evidentemente não estavam de acordo com o realidade já conhecida.

Além disso, quanto aos problemas de saúde, seleccionaram-se apenas os items em termos de mortalidade, excluindo-se os problemas em termos de morbilidade, bem como os problemas relacionados com os determinantes de saúde e os problemas de serviços de saúde.

6. ANÁLISE DOS RESULTADOS Não foram utilizados métodos complicados. Para as perguntas de

escolha múltipla, calcularam-se frequências e percentagens. Para as

7 Tong Ka Io, «Estado de Saúde de Macau 1976-1994 — Estudo Exploratório das Estatísticas Existentes», trabalho não publicado, Macau, 1996.

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apreciações, calcularam-se as médias e os intervalos de confiança a 95 por cento, utilizando o programa informático Instat 2.08.

RESULTADOS Responderam 19 peritos (67,9 por cento) na primeira volta, 11

(39,3 por cento) na segunda, 13 (46,4 por cento) na última (sabendo que um perito deixou Macau durante o período do estudo, e que vários outros estavam de férias, as taxas reais de resposta da segunda e terceira volta deveriam ser de cerca de 50 por cento e superior a 50 por cento, respectivamente).

1. NÍVEL GERAL DE SAÚDE DE MACAU A maioria dos respondentes (13/19, 68,4 por cento) concordou de que

os factos revelados na exploração das estatísticas existentes, nomeadamente a baixa taxa de mortalidade geral, a elevada esperança de vida à nascença, e outros, sugeriam que o nível geral de saúde em Macau era elevado.

Uma minoria (5/19, 26,4 por cento) manifestou incerteza, princi-palmente porque não foram referidos os dados sobre a morbilidade, e sobre o bem-estar físico, mental e social. Um participante (5,3 por cento) manifestou-se contra.

Muitos factos foram indicados como factores protectores que contribuíram para a situação (baixa taxa de mortalidade geral e elevada esperança de vida à nascença), incluindo as características demográficas, as condições ambientais, sócio-económicas e sanitárias, os estilos

[QUADRO N.º 2]

Factores protectores e sua importância

* A importância foi apreciada utilizando umaescala de 1~5(1 = não importante, 5 = importantíssimo). ** 95% I.C. = 95% Intervalo de Confiança.

8 GraphPad Software, GraphPad InSat — instant Biostatistics, versão 2.0, 1993.

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de vida saudáveis e os factores relacionados com o sistema de saúde. O Quadro 2 apresenta os factores mais consensuais e a importância

apreciada em termos de contributo real para a situação. Sendo não exclusivos entre si, a linha a meio do quadro separa os items mais e menos importantes.

Obviamente, todos os items considerados mais importantes pelos participantes relacionavam-se com o sistema de saúde, com uma única excepção, isto é, a noção da melhoria das condições sanitárias básicas.

2. PROBLEMAS DE SAÚDE IMPORTANTES Nas primeiras duas voltas, sem limites pré-estabelecidos, identifi-

cou-se uma grande variedade dos problemas de saúde em todas as facetas possíveis, incluindo problemas de saúde das pessoas (em termos de morbilidade e/ou mortalidade), problemas relacionados com os determinantes de saúde (ambientais, sócio-económicos, de estilo de vida, etc.) e problemas dos serviços de saúde.

Na última volta, limitando-se os problemas de saúde da população em termos de mortalidade, obteve-se uma lista mais clara e reduzida que facilitou a apreciação da importância dos items.

De forma semelhante à secção anterior, o Quadro 3 apresenta os items mais consensuais.

Segundo a Classificação Internacional das Doenças, foram consi-derados mais importantes dois grupos de causas de morte (G7, G8), cinco rubricas de causas de morte (27, 02, 321, 26, 29) e uma noção adicional de doenças e acidentes relacionados com o trabalho, sendo os items não exclusivos entre si.

[QUADRO N.º 3]

Problemas de saúde e a sua importância

* Aimportância foi apreciada utilizando umaescala de 1~5(1 = não importante, 5 = importantíssimo). ** 95% I.C. = 95% Intervalo de Confiança.

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3. MORTALIDADE POR TUBERCULOSE A maioria dos respondentes (11/17,64,7 por cento) considerou que

a situação relacionada com a mortalidade por tuberculose em Macau era insatisfatória ou muito insatisfatória (Gráfico 1). [GRÁFICO N.º 1]

Mortalidade por tuberculose

Os factores de risco indicados com maior grau de consenso são apresentados no Quadro 4. Neste caso, destacam-se os factores relaci-onados com o ambiente e os relacionados com o sistema de saúde. [QUADRO N." 4]

Factores de risco de mortalidade por tuberculose

* Aimportância foi apreciada utilizando umaescala de 1~5(1 = não importante, 5 = importantíssimo).

** 95% I.C. = 95% Intervalo de Confiança.

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4. MORTALIDADE INFANTIL As opiniões em relação à situação de mortalidade infantil de Macau

foram mais divergentes. Relativamente mais respondentes considera-ram que esta situação era boa — muito satisfatória 4/16 (25,0 por cento), satisfatória 4/16 (25,0 por cento), como deve ser 2/16 (12,5 por cento), insatisfatória 6/16 (37,5 por cento).

Embora fossem indicados quarenta e tal factores de risco possíveis na primeira volta, poucos destes factores obtiveram suficientes prós na segunda volta. Realizando a exclusão segundo os critérios já atrás referidos, foram excluídos quase todos os items.

Esta questão foi abandonada na última fase.

DISCUSSÃO 1. UTILIDADE E INCONVENIENTES DA TÉCNICA DE DELPHI

No decurso do estudo, os inconvenientes da técnica de Delphi apresentaram-se bem acentuados. Primeiro, a Técnica exige mais tempo do que se imagina. Segundo, a Técnica gera uma maior quantidade de ideias o que vai dificultar a revisão e apreciação posteriores. Terceiro, a Técnica tende a resultar numa baixa taxa de resposta e numa taxa elevada de abandono, sendo isto agravado pelos primeiros dois incon-venientes. Quarto, se bem que a Técnica tenha a vantagem de evitar a interferência pessoal entre os participantes, ela permite uma maior influência exercida pelo investigador que administrar o painel, podendo introduzir uma grande subjectividade ou arbitrariedade nos resulta- -dos.

Contudo, considera-se que, em matéria de planeamento de saúde, sempre há lugar para esta técnica e outros métodos de consenso. Não se justificava a aplicação das técnicas de consenso, se existissem todas as informações necessárias, de forma suficiente, completa e correcta, para o diagnóstico ou planeamento; e se as decisões (avaliação, apreciação, selecção, priorização, etc.) não tivessem de referir aos valores subjectivos. No entanto, poder-se-á dizer que estas duas condições nunca acontecem na arena de saúde comunitária. Portanto, as considerações mais importantes para a utilização das técnicas de consenso serão a ponderação entre o ganho e o custo, a combinação complementar com os outros métodos e a selecção da técnica mais adequada.

2. DEFINIÇÃO DE SAÚDE No estudo, surgiu uma argumentação acerca da definição de saúde. A Organização Mundial de Saúde definiu a saúde como um estado de

completo bem-estar físico, mental e social. Sendo assim, podemos avaliar o nível de saúde tendo como base apenas os dados de mortalidade?

Alguns autores já trataram este problema. Pineault e Daveluy (1987) escreveram: «La mayoria de definiciones

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de la salud que encontramos son poco útiles para el planificador, puesto que no son operativas... en planificación sanitária, conviene limitar la salud a uno o vários atributos que correspondan a los individuos y distinguirla de sus determinantes que pueden ser de naturaleza ambien-tal o social... la falta de salud medida por los indicadores de mortalidad, morbilidad, factores de riesgo y de incapacidad, constituye la medida más operativa de la que disponemos en la actualidad»9.

No caso presente de Macau, acho que é adequado tomarmos como ponto de partida um conceito de saúde menos ideal e mais operacional, tentando um aperfeiçoamento contínuo ao longo do tempo, com a melhoria do sistema de informação, e às vezes tolerando alguns conceitos derivados sem definição precisa, como o chamado «nível geral de saúde» neste estudo.

3. PROBLEMAS DE SAÚDE Como disse Tavares (1990), o dignóstico de situação, seja um

processo exaustivo ou breve, deve terminar sempre com uma lista de problemas, sobre os quais vai cair a escolha do(s) que se pretende(m) solucionar ou minimizar10.

No entanto, existem vários níveis diferentes de problemas de saúde, nomeadamente os problemas de saúde das pessoas, os problemas dos serviços ou dos recursos, e os problemas relacionados com os determinantes ou contribuintes de saúde. Os problemas de níveis dife-rentes interrelacionam-se largamente entre si, constituindo redes com-plexas. Isto pode resultar numa grande confusão, e por isso, requer a aplicação de uma lógica no que diz respeito ao diagnóstico da situação de saúde.

Sugere-se que o diagnóstico deve definir os principais problemas de saúde, entendidos estes, fundamentalmente, como situação de doença e medidos em termos de morbi-mortalidade. Os problemas de saúde não devem ser, assim, identificados, nem ao nível dos seus condicionantes, nem ao nível das respostas, carências de equipamento ou de pessoal, que deverão ser identificados separadamente".

Também foi referido o conceito de «situação-problema»12. Segun-

9 Raynald Pineault, Carole Daveluy, La Planificación Sanitária — Conceptos, Métodos, Estratégias, versão em espanhol, Masson, S.A., 1987, p. 2.

10 António Tavares, Métodos e Técnicas de Planeamento em Saúde, Ministério da Saúde, Departamento de Recursos Humanos da Saúde, Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional, 1990, p. 73.

11 Emílio Imperatori, Maria do Rosário Giraldes, Metodologia do Planea-mento da Saúde — Manual para uso em serviços centrais, regionais e locais, 3.a

edição, Escola Nacional de Saúde Pública, 1993, p. 28. 12 Hernán Durán, Planeamento da Saúde — Aspectos Conceptuais e

Operativos, Ministério da Saúde, Departamento de Estudos e Planeamento, Lisboa, 1989, p. 71.

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do este conceito, um problema de saúde é uma situação composta das causas, consequências e inter-relações.

Achamos adequado salientar que o estado de saúde deficiente expresso em termos de morbi-mortalidade deve ser considerado como o «núcleo» da «situação-problema».

No nosso estudo, excluímos também os problemas em termos de morbilidade, por não existirem dados suficientes para a avaliação e apreciação destes problemas.

4. DETERMINANTES DE SAÚDE O modelo ecológico considera a saúde como uma variável depen-

dente influenciada por diferentes factores ou determinantes, incluindo: 1) factores biológicos ou endógenos; 2) factores relacionados com o ambiente; 3) factores relacionados com o estilo de vida; 4) factores relacionados com o sistema de saúde13.

Sistematizaram-se os factores protectores e os factores de risco identificados, utilizando estas categorias.

Estima-se que a contribuição potencial à redução da mortalidade em percentagem destes quatro grandes grupos de factores é, para o estilo de vida, de 43 por cento; para a biologia humana, de 27 por cento; para o ambiente, de 19 por cento; e para o sistema de saúde, de 11 por cento (Dever, 1976)14.

No nosso estudo, ninguém identificou os factores biológicos como factores protectores ou factores de risco. Também referiram pouco os estilos de vida. Em vez disso, os factores mais referidos foram aqueles relacionados com o sistema de saúde, especialmente como factores protectores. Sendo todos os participantes profissionais de saúde, não podemos excluir a influência possível da preferência.

5. AVALIAÇÃO DE SITUAÇÃO A avaliação resulta de comparação. Avaliamos uma situação, sempre

através de uma comparação dela com um padrão, explícita ou implicitamente. O padrão que serve de referência pode ser um nível ideal, um nível histórico, um nível de outros territórios, etc.

No entanto, uma comparação inadequada pode ser enganadora. Seleccionou-se a mortalidade infantil para analisar, porque a taxa

de mortalidade infantil de Macau, 1) foi superior à mediana dos outros 47 países/territórios que tiveram dados suficientes para comparar no ano de 1993, e 2) foi sempre superior à de Hong Kong nos últimos cinco anos. Isto fez-nos considerar que a situação era insatisfatória.

13 Raynald Pineault, Carole Daveluy, La Planificación Sanitaria — Conceptos, Métodos, Estratégias, versão em espanhol, Masson, S.A., 1987, p. 4.

14 Raynald Pineault, Carole Daveluy, La Planificación Sanitária — Conceptos, Métodos, Estratégias, versão em espanhol, Masson, S.A., 1987, p. 5.

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No entanto, isto não corresponde à verdade. No decurso do painel, os peritos participantes experientes indicaram, convincentemente, que a taxa de mortalidade infantil de Macau era boa. Partimos de um pressuposto errado que prejudicou o estudo porque não considerámos devidamente, na comparação, a oscilação temporária, a comparabilidade e os denominadores dos países em comparação, bem como as diferenças absolutas reais.

A questão sobre a mortalidade infantil foi abandonada depois da segunda volta porque, por um lado, a maioria dos participantes conside-rou que a situação era boa, e por outro, poucos items identificados como factores de risco obtiveram prós em número suficiente para serem considerados consensuais.

Afinal, os items que obtiveram relativamente mais prós, que podem apontar os lugares de melhoria, foram os seguintes: os factores relaci-onados com as famílias menos favorecidas e/ou novamente imigrantes, a qualidade dos cuidados de saúde primários e os diferenciados e a articulação entre ambos.

CONCLUSÕES Neste painel de Delphi, que tem como ponto de partida os dados

relacionados principalmente com mortalidade, obtêm-se os seguintes consensos:

1. O nível geral de saúde em Macau é elevado, sendo os factores protectores mais importantes os factores relacionados com o sistema de saúde (cobertura vacinai, qualidade de cuidados primários, de assistên cia materna, infantil e neonatal, acessibilidade, etc.) e as condições sanitárias básicas;

2. Os problemas de saúde mais importantes, em termos de morta lidade, incluem: as doenças isquémicas do coração, a tuberculose, os acidentes de trabalho e doenças profissionais, as doenças pulmonares obstrutivas crónicas, a hipertensão arterial e as doenças cerebro- vasculares;

3. A situação de mortalidade por tuberculose é insatisfatória, sendo os factores de risco mais importantes os factores relacionados com o sistema de saúde (tratamentos interrompidos, deficiente controlo dos contactos, deficiente acompanhamento dos doentes, diagnóstico tardio, insuficiente informação e educação) e os factores relacionados com o ambiente (habitações superlotadas com deficientes condições, grande mobilidade e contacto fácil com as populações circunscritas, elevada densidade populacional).

Mesmo que a técnica de Delphi manifeste vários inconvenientes, no âmbito de diagnóstico da situação ou planeamento de saúde na comunidade, esta técnica, reunindo a experiência e inteligência dos peritos, pode ajudar a ultrapassar a indisponibilidade dos dados comple-tos, ajudar a tomada das decisões mais prudentes e orientar os trabalhos futuros.

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BIBLIOGRAFIA António Tavares, Métodos e Técnicas de Planeamento em Saúde,

Ministério da Saúde, Departamento de Recursos Humanos da Saúde, Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional, 1990, Capítulo I: Planeamento, p. 25-48; Capítulo 2: Diag-nóstico da Situação, p. 49-80.

Cipriano Justo, A Utilização do Método do Consenso na Elaboração de Critérios de Garantia da Qualidade em Cuidados de Saúde Primários, Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol. 10(3), 1992, p. 31-34.

Emílio Imperatori, Maria do Rosário Giraldes, Metodologia do Planea-mento da Saúde — Manual para uso em serviços centrais, regionais e locais, 3.a edição, Escola Nacional de Saúde Pública, 1993, Parte I: Introdução, p. 7-42; Parte Ⅱ: Diagnóstico da Situação, p. 43-62.

Hernán Durán, Planeamento da Saúde — Aspectos Conceptuais e Operativas, Ministério da Saúde, Departamento de Estudos e Planeamento, Lisboa, 1989, Capítulo 3: Análise da Situação, p. 59-98.

J. H. Abramson, Survey Methods in Community Medicine, 4.a edição, Churchill Livingstone, 1990, Capítulo 19: Surveying the Opinions of Experts, p. 187-192.

John M. Last, Robert B. Wallace, Maxcy-Rosenau-Last Public Health & Preventive Medicine, 13.a edição, Prentice-Hall International Inc., 1992, Capítulo 66: Health Planning and Evaluation, p. 1079-1094.

Luís Graça (coordenação), Administração de Serviços de Saúde em África — Manual Prático, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, 1993, Capítulo Ⅱ: Planeamento Estratégico, p. 29-52.

Luís Graça, Extracto de: A. Van de Ven, A. L. Delbecq, The Effectiveness of Nominal, Delphi, and Interacting Group Decision Making Processes, Academy of Management Journal, 17(4), 1974, p. 605-621.

Luís Nunes, Síndroma de Down: Plano de Cuidados de Saúde entre l e 4 anos, Revista Portuguesa de Pediatria, vol. 26, n.os l e 2, 1995 (um exemplo de aplicação da técnica Delphi).

Raynald Pineault, Carole Daveluy, La Planificación Sanitária — Conceptos, Métodos, Estratégias, versão em espanhol, Masson, S.A., 1987, Capítulo 1: La Planificación para la Salud: Perspectivas y Proceso General, p. 1-42; Capítulo 2: La Determinación de Necesidades, p. 43-212.

Santos Lucas, Avaliar para Garantir a Eficácia do Sistema de Saúde, Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol. 2(3), 1984, p. 38--47.

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º. 989-996

SAÚDE MENTAL E CLINICA GERAL EM MACAU

J. Armando Baptista Pereira *

INTRODUÇÃO A elevada prevalência de sintomas e sinais relacionados com per-

turbações de natureza psicológica ou similar, nas consultas de Clínica Geral ou de C.S.P. (Cuidados de Saúde Primários, essenciais, prioritários ou de primeira linha) é um facto sentido e comprovado em todo o mundo. Shepherd e colaboradores1 (1986), elaboraram um estudo, com base na estatística do Serviço Nacional de Saúde britânico (H.N.S.) que é considerado uma referência obrigatória pelo rigor metodológico e perspectivas que abriu. Das conclusões mais importantes retiramos:

1. Mais de 14 por cento da população consulta o seu médico de clínica geral, por problema psiquiátricos, ao menos uma vez em cada ano;

2. Os problemas psiquiátricos são uma das mais frequentes cau sas de consulta em clínica geral;

3. O médico de clínica geral é quem diagnostica e orienta a maio ria destas situações, apenas referindo para a psiquiatria um doente/clien te em cada 20 (5 por cento);

4. Os problemas psiquiátricos encontram-se associados a outras doenças, de forma significativa;

5. Os problemas psiquiátricos ocupam uma parte importante das

* Consultor de Clínica Geral e Perito Médico-Legal dos Serviços de Saúde de Macau.

1 Shepherd M. Psychiatric illness in general pratice. London: Oxford University Press, 1966.

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doenças crónicas da comunidade e das causas de incapacidade para o trabalho.

Outros estudos2-9 têm constatado que a morbilidade psiquiátrica em clínica geral atinge valores ainda mais elevados, até porque muitos dos casos com compromisso psicológico não são devidamente identificados pelos médicos de clínica geral. São várias as razões para que este facto ocorra. Sem dúvida que entre as mais importantes pesam, na decisão dos doentes, a facilidade de acesso ao médico assistente ou médico de família e o estigma psicológico e social que ainda representa o acto de «consultar o psiquiatra». Goldberg e Huxley (1980) afirmam nos seus estudos que em cada ano e em cada grupo de l 000 pessoas10:

• 250 têm perturbações psicológicas; • 230 destas, procuram o apoio do médico de clínica geral; • Destas, apenas 140 são identificadas com perturbações deste tipo

(não só por insuficiência de diagnóstico clínico mas também porque se apresentam com formas clínicas mascaradas ou somatizadas em pro blemas orgânicos);

• Daquelas, apenas 17 evidenciam patologia que justifique envio à Psiquiatria (cerca de 7 por cento grupo inicial e de 2 indivíduos em cada mil);

• Finalmente, destas últimas 17, apenas 6 necessitarão de interna mento (2 por cento do grupo inicial com perturbações psicológicas).

Em Portugal, a situação é semelhante. De acordo com Sampaio Faria (1981), apenas 0,5 a l por cento da população portuguesa consulta o médico psiquiatra em cada ano11. A morbilidade psiquiátrica nas

2 Almeida C. Morbilidade psiquiátrica em clínica geral, Rev. Port. de Saú de Pública, 1993; 11 :37-43.

3 Goldberg D, Blackwell B. Psychiatric illness in general pratice: a detailed study using a new method of case identification. B.M.J., 1970;2:439-443.

4 Jonhstone A., Goldberg D. Psychiatric screening in general pratice. Lancet, 1976; 1:605-608.

5 Marks JN. Determinants of the ability of general practitioners to detect psychiatric illness. Psychological Medicine 1979;9:337-353.

6 Almeida C. A formação pós-graduada dos clínicos gerais em psiquiatria e saúde mental. Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, 1986.

7 Hesbacher PT. Psychiatric illness in family pratice. J. Clin. Psychiat. 1980;41:6-10.

8 Harding TW. Mental disorders in primary health care: a study of their frequency and diagnosis in four developing countries. Psychological Medicine, 1980;10:231-241.

9 Regier DA. The US mental health services system, Arc. Gen. Psychat. 1978;35:685-693.

10 Goldberg D, Huxley P. Mental illness in the community. The pathway to psychiatric care. London: Tavistock Publ., 1980.

11 Faria S. Serviços de clínica geral e cuidados psiquiátricos. Jornal do Médico, 1978;1936:467-474.

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consultas de clínica geral, também é elevada12. A prevalência de problemas psiquiátricos nas consultas de clínica geral situa-se entre os 46 e os 58 por cento (consoante a avaliação é feita por médicos de clínica geral ou de psiquiatria) e é superior a países como os E.U.A. e o Reino Unido, onde se colocam entre os 30 e os 40 por cento.13

Em Macau, não existem estudos epidemiológicos que comprovem a frequência com que os utentes procuram o seu médico por problemas de saúde de origem psíquica. É um facto que a acessibilidade aos médicos de clínica geral é também mais fácil do que o acesso aos médicos especialistas em psiquiatria. A rede assistencial do território de Macau é composta por oito Centros de Saúde, estrategicamente distribuídos por todo o Território (20 km2 em 1994), com cerca de 60 médicos de clínica geral, prestando assistência gratuita e sem dificuldades de marcação. Esta rede de C.S.P. contrapõe-se a um Serviço de Psiquiatria hospitalar, com apenas 5 médicos especialistas, dividido em duas áreas de actuação (consulta externa e internamento) que se encontram geograficamente separadas e distando vários quilómetros entre si. Esta dispersão espacial e a instabilidade de permanência no Território de alguns destes clínicos causam dificuldades acrescidas para que o Serviço de Psiquiatria possa responder rapidamente e com continuidade às solicitações requeridas. Por outro lado, os elementos que caracterizam as entidades nosológicas com distúrbios mentais não são muito diferentes dos que se encontram noutras partes do mundo, apesar de se integrarem numa cultura muito própria. Da mesma forma, existe a rejeição social e cultural da «doença mental» e da psiquiatria, tanto pelo estigma que pode representar como pela maior dificuldade em revelar sentimentos e intimidades. Esta parece ser uma das características culturais mais constantes da população chinesa, largamente maioritária no território de Macau (cerca de 98 por cento). É de esperar que a carga de queixas de origem psicológica, nas doenças crónicas e nas outras situações que motivam o habitual recurso à consulta de clínica geral, seja também elevada.

METODOLOGIA Através de um estudo descritivo e transversal, procuramos medir

a frequência com que os utentes dos Serviços de Saúde de Macau (SSM) recorrem à consulta de Clínica Geral nos Centros de Saúde, com pro-blemas relacionados com saúde mental. É sempre difícil definir «pro-blemas de saúde mental». Para ultrapassar essa dificuldade, seleccio-namos vinte e uma (21) situações clínicas (diagnósticos, sinais e sintomas), codificadas e definidas nos capítulos V e VI da Classificação Internacional de Problemas de Saúde em Cuidados de Saúde Primários (CIPS-2 Definida) (quadro anexo).

12 Serra V. Experiência crítica de um trabalho de campo. Congresso Nacio nal de Psiquiatria Social, Lisboa, 1976.

13 Cfr. nota 1. 991

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Optamos por incluir neste grupo, desde as perturbações franca-mente psiquiátrica, como as psicoses e psicopatias, até às alterações de comportamento e situações de difícil diagnóstico que se encontram nas margens de definição do que se pode entender por «normal», neurológico e psiquiátrico.

Desde 1982 que os médicos de todos os Centros de Saúde do território de Macau estão a codificar os motivos de consulta e os pro-blemas de saúde encontrados, usando esta classificação internacional. Os dados recolhidos são diariamente introduzidos num sistema infor-mático, comum a todas as unidades de prestação de serviços de saúde e controlado centralmente pelo Departamento de Organização e Infor-mática (DOI) dos Serviços de Saúde de Macau (SSM). Para o nosso estudo solicitamos ao DOI os seguintes dados, relativos a todas as con-sultas efectuadas nos Centros de Saúde de Macau, em cada um dos anos de 1993 e 1994:

●Número total de utentes inscritos; ●Número total de consultas e sua distribuição pelas grandes áreas

(Saúde Infantil, Saúde de Adultos, Saúde Materna, Planeamento Familiar e Saúde Escolar);

●Número total de primeiras consultas com pelo menos um dos 21 códigos da CIPS-2 previamente seleccionados;

●Número de utentes que tiveram, pelo menos uma vez no ano, consulta com um dos códigos já referidos;

●Número total de consultas em que foi mencionado pelo menos um daqueles códigos.

Analisamos esses dados conjuntamente com aqueles relativos à população geral (Censo de 1991), ao número de inscritos nos Serviços de Cuidados de Saúde Primários e aos resultados das actividades de-senvolvidas nos Centros de Saúde durante o mesmo período de tempo.

RESULTADOS Estes dados resultam do diagnóstico e respectiva codificação, efec-

tuada pelos médicos de clínica geral nos Centros de Saúde, durante os anos de 1993 e 1994 (ver quadro anexo).

1. Em 1993, por problemas de saúde deste tipo, foram observadas 624 pessoas num total de 2 356 consultas (cerca de 2 em cada mil indi víduos da população geral);

2. Na totalidade do ano de 1994, o número de pessoas observadas pelas mesmas razões foram l 004, gerando 2 387 consultas.

3. Durante o primeiro semestre de 1994, já tinham sido observa das 671 pessoas em l 652 consultas, pelos mesmos motivos.

4. Há doentes que mantiveram o diagnóstico de um ano para o ou tro e outros que modificaram ou se ausentaram das consultas, de tal

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forma que no final do ano de 1994 eram l 345 os utentes dos Centros de Saúde que se mantinham em consulta por um dos motivos seleccio-nados.

RELATÓRIO DOS DIAGNÓSTICOS EM SAÚDE MENTAL DOS SERVIÇOS DE SAÚDE DE MACAU

(Fonte: Departamento de Organização e Informática dos S.S.M.)

Tendo em conta o movimento de consultas e de inscrições nos C.S.P. de Macau, nos anos de 1993 e 1994, podemos dizer que estes números representam:

1. Que 1,2 por cento de todos os utentes inscritos nos Centros de Saúde e 1,5 por cento dos que têm mais de 13 anos, foram consultados pelo menos uma vez no ano, por perturbações psíquicas ou psiquiátri cas;

2. Que de todas as consultas efectuadas nos Centros de Saúde, a indivíduos com mais de 13 anos, 2 por cento em 1993 e 0,9 por cento em 1994, foram motivadas por problemas de saúde desta ordem ou que foram um dos motivos associados às razões da consulta.

3. Que no final de 1994, cerca de 4 em cada mil indivíduos da população geral ou l por cento de todos os inscritos nos Centros de

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Saúde continuavam a ser seguidos pelos médicos de clínica geral, com diagnóstico desta ordem.

4. Que apesar do número de utentes com estes diagnósticos ter aumentado 62 por cento de 1993 para 1994, a média de consultas por utente diminuiu de 3,3 para 2,3 no mesmo período de tempo.

DISCUSSÃO O facto de ter aumentado o número de diagnósticos, relacionados

de alguma forma com a saúde mental dos utentes e, simultaneamente, ter havido uma redução relativa do número de consultas efectuadas, pode ser indício de maior acuidade no diagnóstico e melhor gestão destas situações clínicas. De qualquer forma, estas percentagens estão muito abaixo do que seria de esperar, tendo em conta a realidade social de Macau. Certas características como o elevado grau de competição laborai e social, a mais elevada densidade populacional do Mundo, a relativa instabilidade dos agregados familiares, com separações parentais prolongadas e em idades criticas da formação juvenil, a ausência de ideais firmes e consistentes, a atracção pela «vida fácil» e de expedientes (verdadeiras e falsas referências da juventude) e a angústia gerada pela incerteza ou ausência de objectivos no futuro, são factores que predispõem ao aparecimento cada vez mais frequente de perturbações psico-lógicas e psiquiátricas nesta população.

É sentido, pelos poucos médicos de formação portuguesa, que os médicos com formação na China, embora segundo os parâmetros da medicina ocidental, têm menor e insuficiente preparação na área do diagnóstico, abordagem e tratamento dos problemas psicológicos, com-portamentais e mesmo psiquiátricos dos doentes. Este facto é também reconhecido pelos próprios, que atribuem essa deficiência na sua formação de base à inexperiência dos seus mestres que sofrem as mesmas influências culturais, políticas e sociais. Esta situação reflecte-se tanto nos conhecimentos como na atitude perante o problema, o que vai necessariamente afectar negativamente os dados epidemiológicos e o completo conhecimento da realidade. Apesar da realização de alguma formação complementar e acompanhamento individual de alguns profis-sionais, essa formação não tem sido suficiente.

As características psicológicas e de personalidade da população de Macau não é uniforme. Como já referimos, parece predominar uma reduzida expressividade dos sintomas e dificuldade em abordar ques-tões como a sexualidade, os conflitos familiares e íntimos ou mesmo problemas de ordem social e económica. No entanto um terapeuta sen-sibilizado e treinado pode modificar atitudes e comportamentos, con-seguindo trazer à superfície, revelações importantes para a abordagem e resolução dos problemas de saúde que arrastam o paciente à consulta. Parece-nos ser mais importante a falta de preparação dos profissionais do que as características de personalidade ou culturais da população.

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CONCLUSÕES Com estes dados podemos concluir que:

1. Não há razões para que as características de prevalência e inci dência, das perturbações psicológicas e psiquiátrica na população de Macau, nas consultas de clínica geral, sejam muito diferentes daquelas que têm sido apontadas para outras zonas do globo. Muito pelo contrá rio, é de esperar que existam mais do que as que estão já identificadas e que a tendência natural seja para um aumento rápido e a curto prazo.

2. A maior facilidade de acesso ao médico de clínica geral e a exequibilidade do diagnóstico e orientação da maior parte destas situa ções, no âmbito dos cuidados extra-hospitalares, justifica maior empe nho na formação de todos os médicos naquela área.

Da mesma forma se justifica o seu acompanhamento, mais próxi-mo e institucional, pelo Serviço de Psiquiatria do C.H.C.S.J. (Centro Hospitalar Conde de São Januário), contribuindo também para melhorar a articulação entre os dois sectores. Sugere-se, por exemplo, a ligação de um médico psiquiatra a cada um dos Centros de Saúde a quem prestará apoio privilegiado, tanto na formação como na consultadoria específica. No caso de não ser possível por falta de recursos humanos, poderiam os Centros de Saúde ser agrupados por critérios a definir, de forma a ser tecnicamente possível essa desejada ligação e proveitoso intercâmbio.

O treino no Serviço de Psiquiatria ou nas instituições de apoio psiquiátrico não é suficiente. A formação proporcionada por uma ligação afectiva entre o médico psiquiatra ou a equipa de saúde mental (psiquiatra, psicólogo, assistente social) e os médicos de clínica geral, afectos à sua orientação, constitui um contributo valioso que é necessário pôr em prática14, l5. Desta forma seriam todos beneficiados:

● Os utentes que teriam um melhor e mais eficaz acompanhamento; ● Os médicos de Clínica Geral que se sentiriam acompanhados e

mais confiantes nos seus actos clínicos; ● Os médicos especialistas que poderiam intervir com maior

acuidade nos casos realmente carentes dos seus conhecimentos específicos;

● Os Serviços de Saúde que teriam um melhor aproveitamento ou rentabilização dos recursos disponíveis (humanos e terapêuticos) para além de poderem contar com uma melhor imagem da sua função;

14 Wilkinson G. Referrals from general practitioners to psychiatrists and paramedical mental health professionals, B. J. Psychiatric, 1989;154:72-76.

15 Sennfelt J. Menthal health care in primary care settings: the Portuguese experience. WHO working group on the development of mental health care settings in the European region, Lisbon, 1989.

Cfr. nota l.

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● O território de Macau que passaria a dispor de uma organização de saúde mental, com maior capacidade de intervenção e mais efectiva, contribuindo para o bem-estar da população.

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administração pública

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º, 999-1013

REGIME DA FUNÇÃO PUBLICA DE MACAU E SUA REFORMA*

Ilídio Duarte Rodrigues **

1. AS «TRÊS GRANDES QUESTÕES» DO PROCESSO DE TRANSIÇÃO

Na «Declaração Conjunta entre a República Popular da China e Portugal», rubricada em Beijing em 26 de Março de 1987, fixou-se, em 20 de Dezembro de 1999, o termo final da administração portuguesa sobre o território de Macau. Nessa data, a República Popular da China reassumirá o exercício da soberania sobre Macau, que passará a constituir a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, gozando de um alto grau de autonomia, de poderes executivo, legislativo e judicial independente, incluindo o de julgamento em última instância (artigo 2.° da Lei Básica).

Por isso, em 26 de Março de 1987, iniciou-se o período de transição, durante o qual terão que ser dadas respostas adequadas aos problemas específicos que a transição coloca. A Parte Chinesa no Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês especificou «Três Grandes Questões» do Processo de Transição:

1) A Localização do Direito de Macau; 2) A Oficialização da Língua Chinesa (ou a Generalização das

Línguas Oficiais na Administração Pública); 3) A Localização dos Quadros.

* Comunicação apresentada, em 13 de Janeiro de 1996, na Conferência «Reforma do Regime da Função Pública da China, Hong Kong e Macau», promovida pela ALAP (Associação dos Licenciados em Administração Pública)

** Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Coimbra. Professor Coorde-nador do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa. Técnico Su-perior Assessor dos Serviços de Administração e Função Pública.

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2. A ADMINISTRAÇÃO E A FUNÇÃO PUBLICA E AS «TRÊS GRANDES QUESTÕES»

Como veremos de seguida, todas essas «Três Grandes Questões» têm pontos de contacto com a Administração Pública e com a Função Pública e sua reforma.

Sabemos que, em todos os corpos sociais, existem certas necessi-dades cuja satisfação é assumida como tarefa pela própria colectividade. A existência das necessidades colectivas implica a criação de serviços, que terão por fim satisfazê-las em nome e no interesse da colectividade. Para tanto, esses serviços, criados no âmbito de diversas entidades, disporão de uma organização humana e de meios materiais e deverão desenvolver, sob a direcção de órgãos, as actividades correctas, adequadas e oportunas à satisfação daquelas necessidades colectivas. Portanto, existe um sistema de serviços, órgãos e entidades (Administração Pública em sentido orgânico ou subjectivo), que desenvolve certa actividade típica para satisfação regular, permanente e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem estar (Ad-ministração Pública em sentido material). As entidades que integram a Administração dispõem de uma organização, possuindo órgãos e agentes, cabendo a estes essencialmente desempenhar as tarefas em que se traduz a actividade dos serviços administrativos.

2.1 A Administração e a Função Pública têm que ver com a Lo-calização do Direito em Macau, porquanto, designadamente

1) É a lei que regula a organização da Administração Pública, fixando as entidades que a integram e definindo as respectivas estruturas e órgãos1;

1 O território de Macau dispõe de órgãos de governo próprio, competindo ao Governador, coadjuvado por Secretários-Adjuntos, exercer a função executiva, caben-do-lhe, neste âmbito, nomeadamente as seguintes funções:

a) Conduzir a política geral do Território; b) Superintender no conjunto da administração pública; c) Regulamentar a execução das leis e demais diplomas vigentes no Território

que disso careçam; d) Garantir a liberdade, a plenitude do exercício de funções e a independência

das autoridades judiciais; e) Administrar as finanças do Território; f) Definir as estruturas e disciplinar o funcionamento dos mercados monetário e

financeiro; g) Recusar entrada a nacionais ou estrangeiros por motivos de interesse público

ou ordenar a respectiva expulsão, de acordo com as leis, quando da sua presença resul tarem graves inconvenientes de ordem interna ou internacional, salvo o direito de re curso para o Presidente da República» (artigo 16.°, n.° l do E.O.M., Estatuto Orgânico de Macau).

As bases gerais da estrutura orgânica da Administração Pública do território foram definidas pelo Decreto-Lei n.° 85/84/M, de 11 de Agosto, e pela Lei n.° 8/87/M, de 30 de Julho.

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2) É a lei que regula o modo específico de agir da Administração, estabelecendo os modos de funcionamento e métodos de trabalho, os actos a praticar, as formalidades a observar, assegurando, por um lado, o seu funcionamento racional e tecnicamente correcto, e, por outro lado, garantindo a participação dos cidadãos no seu funcionamento2;

3) É através da lei que são fixados os objectivos, as opções e as nor mas abstractas que, depois, caberá à Administração executar e aplicar;

4) É a lei que organiza o estatuto próprio da Função Pública como organização e como relação de emprego específica, em particular o complexo de poderes e deveres que, com a investidura, é atribuído aos agentes administrativos e, em especial, aos funcionários.

2.2 A Administração Pública e a Função Pública têm que ver com a Oficialização da Língua Chinesa que veio transformar o anterior sistema administrativo (como também o legislativo e o judiciário) de monolingue em bilíngue, com toda a problemática que essa transfor-mação acarreta. Basta pensar na existência de carreiras de regime especial que o bilinguismo reclama: as carreiras de intérpretre-tradutor e de

Todos os serviços públicos do Território exercem a sua acção na dependência directa do Governador e sob o imperativo das leis, no acatamento das decisões dos Tribunais e na prossecução dos interesses legítimos da população (artigo 2.° do Decre-to-Lei n.° 85/84/M).

O Governador pode delegar nos Secretários-Adjuntos, ou nos directores dos serviços deles dependentes, as suas competências executivas em relação a todos ou a alguns dos assuntos relativos aos serviços públicos (artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 85/84/M).

Os serviços públicos podem estruturar-se em direcção de serviços, direcção, departamento, divisão, sector e secção (Artigo 1.° da Lei n.° 8/87/M, conjugado com o Decreto-Lei n.° 85/84/M, de 26 de Dezembro).

Por seu lado, o regime jurídico dos municípios foi fixado pela Lei n.° 24/88/ /M, de 3 de Outubro, que foi objecto de alteração através da Lei n.° 4/93/M, de 5 de Julho.

Para introdução à estrutura e organização da Administração Pública de Macau pode consultar-se Lopes Luís, A Estrutura da Administração Pública de Macau no Momento Actual, in Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 11, vol. IV, 1991, pgs. 19 e ss e APM, Administração Pública de Macau 95, Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública, 1995.

2 Neste domínio, o diploma fundamental é o Código de Procedimento Admi-nistrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 35/94/M, de 18 de Julho, em cujo pre-âmbulo se identificam como suas metas, designadamente:

— disciplinar a organização e o funcionamento da Administração Pública, racionalizando a actividade dos serviços;

— regular a formação da vontade da Administração, respeitando os direitos e interesses legítimos dos administrados;

— permitir a participação dos interessados na formação das decisões que lhes digam directamente respeito e assegurar-lhes informação útil e atempada;

— evitar a burocratização e aproximar os serviços públicos das populações; — salvaguardar, em geral, a transparência da acção administrativa e o res

peito pelos direitos dos cidadãos.

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letrado (artigos 37.° a 39.° do Decreto-Lei n.° 86/89/M, de 21 de De-zembro).

2.3 Finalmente, a Administração Pública e a Função Pública têm que ver com a Localização dos Quadros. O objectivo fundamental da Localização na Administração é a «existência em 19 de Dezembro de 1999 de uma Administração que funcione com eficiência e se mante nha sem rupturas em 20 de Dezembro de 1999» (Memorando sobre a Questão da Localização na Administração, do Governador de Macau, de 18 de Fevereiro de 1993). Tornou-se, pois, necessário garantir a exis tência, em 20 de Dezembro de 1999, de um funcionalismo localizado, capaz e qualificado, que assegure o funcionamento regular, eficiente e sem quebras de continuidade e de qualidade da Administração Pública de Macau.

2.4 Podemos conceitualmente distinguir as «Três Grandes Ques tões» do Processo de Transição. Mas, na vida real, cada uma dessas questões não é uma realidade estanque, autónoma, antes cada uma rea ge sobre as outras e sofre reacções delas, mantendo todas estreitas rela ções dialécticas. Cada uma das questões não é uma ilha; é um elemento de um conjunto, onde se integram também as restantes questões. Deve rá ter-se presente esta realidade na fase subsequente da exposição, pois cada matéria será tratada a propósito de uma questão, embora tenha contacto com outra ou outras das Questões da Localização.

Passemos, então, em revista, ainda que sumariamente, as medidas já concretizadas relativamente a cada uma dessas questões, muito em-bora limitando a análise ao âmbito da Função Pública.

3. A LOCALIZAÇÃO DO DIREITO DA FUNÇÃO PÚBLI-CA

A Localização do Direito em Macau3 desdobra-se numa pluralida-de de questões: «Localização dos Diplomas Legais», « Localização da

3 Em toda a sociedade existe uma ordem efectiva, um conjunto de regras de acordo com as quais os homens realmente se comportam. Estas regras têm uma validade prática ou fáctica não por força de uma sua qualquer coerência lógica, mas porque as postularam a vida, o comércio e o sentimento jurídico no seio da comunidade dos seus destinatários. Como ensinava Jehring, há que buscar as fontes últimas dos conceitos jurídicos «em razões psicológicas e práticas, éticas e históricas», isto é, numa «específica justificação vital». Assim, para que o Direito que existe em certa sociedades nela seja «vivido», é necessário que por ela esteja consciencializado e adoptado em virtude da adequação prática às aspirações, anseios e necessidades dos seus membros. Compreende-se, por isso, que a localização do Direito há-de ser concretizada por leis cujo conteúdo corresponda às «necessidades práticas da sociedade local», reflectindo «as características locais e o ambiente político, económico e social» (Chio In Fong, A Localização das Leis de Macau, Reflexão e Perspectivas, in Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 17/18, vol. V, 1992, pg. 730), isto é, por diplomas que «devem 1002

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Linguagem Jurídica», «Localização do Sistema Judiciário»4, «Localização dos Magistrados Judiciais» e «Divulgação do Direito na Socie-

satisfazer as necessidades do Território, responder aos desejos da população do Território» (Ng Kuok Cheong, A Localização da Legislação no Período de Transição de Macau, in Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 28, vol. Ⅷ, 1995, pg. 304). E, para tanto, impõe-se que esses diplomas sejam elaborados pelos órgãos legislativos locais, enquanto representantes legítimos dos naturais e das populações de Macau. Só assim se concretizará o princípio «Macau a ser governada pelas pessoas de Macau».

Mas, se a existência de legislação, que, tendo tido em conta as características específicas de Macau, nos domínios político, cultural, económico e social, haja dado resposta às suas actuais necessidades concretas de desenvolvimento, é condição necessária da desejável localização do Direito, ela não é condição suficiente. De facto, os destinatários do Direito (enquanto verdadeiros sujeitos do Direito, isto é, não como meros súbditos, mas como reais participantes na sua criação) só o podem consciencializar e viver, cumprindo os seus preceitos e acatando a sua pretensão de vigência, se o conhecerem. E, para o conhecerem e dele poderem ser sujeitos, é necessário que os seus preceitos estejam expressos na língua que dominam e que ele seja divulgado, o que exige a tradução dos diplomas já existentes e (o que é diferente) a própria produção legislativa em português e chinês. Por sua vez, a produção das leis e a respectiva aplicação bilíngues implicam a localização dos operadores jurídicos (magistrados, notários, conservadores, funcionários ju-diciais e funcionários públicos, em especial) e exigem que a formação destes possa ser local (isto é, feita em Macau) e que seja localizada (isto é, adaptada às realidades do Território, que, por exemplo, exigem a adopção de um perfil curricular específico para os cursos de Direito ministrados na Universidade de Macau).

A Questão da Localização do Direito constitui, assim, um edifício, onde a falta ou a deficiência de uma qualquer das suas pedras põe em causa não só a harmonia, mas a própria estabilidade e viabilidade do todo construído. O muito que já se fez em matéria de localização do Direito é ainda muito pouco quando comparado com o muito que falta e o muito pouco tempo de que se dispõe para o fazer.

As dificuldades são agravadas pela reduzida identificação da população com o modelo jurídico vigente (Oliveira Rocha, A Viabilidade do Sistema Jurídico de Macau, in Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 13/14, vo. IV, 1991, pg. 550), indiciada desde logo pelo alheamento entre a administração da justiça e a sociedade chinesa de Macau, a qual dispõe de sistemas de controlo social informal, incluindo mecanismos de resolução de conflitos (Boaven-tura de Sousa Santos, A Justiça e a Comunidade de Macau: Problemas Sociais, a Administração Pública e a Organização Comunitária no Contexto da Transição, in Administração, Revista de Administração Pública, n.° 13/14, vol., IV, 1991, pgs. 459 e s.). Ao facto não será também estranha a ética social do confucionismo, que vê no Direito legislado uma realidade «artificialmente» criada pelo poder e especialmente vocacionada para definir a disciplina das classes mais baixas incapazes de ser disciplinadas pelos meios «doces» da educação (António Manuel Hespanha, O Direito e a Justiça num Contexto de Pluralismo Cultural, in Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 23, Vol. Ⅶ, pgs. 10 e s).

4 O artigo 292.°, n.° 5, na CRP, aditado pela Lei Constitucional 1/89, veio consagrar o direito do Território de Macau a organização judiciária própria: «o território de Macau dispõe de organização judiciária própria, dotada de autonomia e adaptada às suas especificidades, nos termos da lei, que deverá salvaguardar o princípio da independência dos juizes». Esse mesmo direito veio a ser con- 1003

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dade Local». Importa-nos agora a «Localização dos Diplomas Legais», a qual se tem concretizado através da adaptação para Macau de leis existentes em Portugal ou através da elaboração de leis ou decretos-

sagrado no Estatuto Orgânico de Macau (artigo 15.°, n.° 1), onde se reservou para a Assembleia da República a competência para a definição das bases do sistema judiciário de Macau (artigo 51.°, n.° 2). No uso desta competência, a Assembleia da República definiu as bases da organização judiciária de Macau através da Lei n.° 112/91, de 29 de Agosto.

A organização judiciária de Macau compreende tribunais de jurisdição comum e tribunais de jurisdição administrativa, fiscal, aduaneira e financeira (artigo 5.°, n.° l da Lei n.º 112/91). No Território há tribunais de l.a instância, o Tribunal de Contas e o Tribunal Superior de Justiça, funcionando este como tribunal de 2.a instância e como tribunal de revista (artigo 6.°, n.os l e 2 da cit. Lei). Os tribunais de l.a instância de jurisdição comum podem ser tribunais de competência genérica, tribunais de competência especializada e tribunais de competência específica (artigo 7.°, n.° 1), podendo funcionar com tribunal singular ou com tribunal colectivo (artigo 8.°). Ao Tribunal Administrativo de Macau compete exercer a jurisdição administrativa, fiscal e aduaneira (artigo 9.°, n.os l, 2, 3 e 4). O Tribunal de Contas tem jurisdição e poderes de controlo financeiro no âmbito da ordem jurídica de Macau (artigo 10.° da cit. Lei). A gestão e disciplina do quadro de juizes e agentes do Ministério Público do Território de Macau são asseguradas pelo Conselho Judiciário de Macau e pelo Conselho Superior de Justiça de Macau (artigo 26.° da cit. lei).

A Lei n.° 112/91 conferiu ao Governador a competência para aprovar os di-plomas necessários à sua execução (artigo 28.°). Para este efeito foram publicados designadamente os Decretos-Leis n.os 17/92/M, e 18/92/M, ambos de 2 de Março e 55/92/M, de 18 de Agosto.

Em Macau existem, presentemente, o Tribunal de Competência Genérica, o Tribunal de Instrução Criminal, o Tribunal Administrativo, o Tribunal de Contas e o Tribunal Superior de Justiça.

Não vamos curar aqui de saber se o facto de os princípios fundamentais do sistema judiciário não terem sido estabelecido por órgãos legislativos do Território obstará à sua sobrevivência depois de 20 de Dezembro de 1999 (nesse sentido, Ng Kuok Cheong, A Localização da Legislação no Período de Transição em Macau, in Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 28, vol. Ⅷ, 1995, pg. 303; diversamente, no sentido de a lei de bases da organização judiciária de Macau dever ser adoptada pelo Parlamento português e a adopção dos diplomas intercalares caber ao Governo de Macau, Liu Gaolong, A Proposta de Lei da Organização Judiciária de Macau e a Reforma Judiciária de Macau, in Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 12, vol. IV, 1991, pg. 241). Foi, aliás, já publicamente anunciada a revisão do E.O.M. no sentido de se atribuir à Assembleia Legislativa competência para legislar sobre a organização judiciária de Macau.

Mas não pode deixar de se formular duas observações. Em primeiro lugar, a organização judiciária de Macau não atingiu ainda a

autonomia com plenitude e integralmente, uma vez que a última instância não se encontra ainda sita sempre no Território de Macau. De facto, por um lado, man-tém-se, relativamente ao território de Macau, a competência do plenário do S.T.J. e do plenário das secções criminais em certas matérias ainda que residuais (artigo 14.°, n.° 2 da Lei n.° 112/91). Por outro lado, mantém-se a competência do S.T.A., através da Secção de Contencioso Administrativo e da Secção de Contencioso Tributário, para os recursos dos actos do Governador e dos Secretários-Adjuntos

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-leis locais. Entre as mais importantes leis que concretizam a Localização dos

Diplomas Legais no âmbito da disciplina estatutária da Função Pública destacamos

1) O Decreto-Lei n.° 85/89/M, de 21 de Dezembro, que definiu o estatuto do pessoal de direcção e chefia;

2) O Decreto-Lei n.° 86/89/M, de 21 de Dezembro, que estabele ceu o regime geral e especial das carreiras;

3) O Decreto-Lei n.° 87/89/M, de 21 de Dezembro, que aprovou

em matérias administrativa, fiscal e aduaneira (artigo 19.°, n.° 5 do E.O.M. e artigo 16.°, n.° l da Lei n.° 112/91), para além de uma competência residual (artigo 15.°, n.os 2 e 4 da Lei n.° 112/91). Acresce que ao Tribunal de Contas da República compete decidir, por via de recurso, as divergências entre o Governo de Macau e o Tribunal de Contas de Macau em matéria de exame ou visto (artigo 66.° do E.O.M. e artigo 10.°, n.° 6 da Lei n.° 112/91). Finalmente, o Tribunal Constitucional é competente para a fiscalização preventiva e sucessiva abstracta da cons-titucionalidade e da legalidade das normas emanadas dos órgãos de governo próprio do Território (artigo 40.°, n.° 3 do E.O.M.). Por isso, não pode ainda afirmar-se que «a justiça de Macau faça-se em Macau, só em Macau, toda em Macau» (António Luciano de Sousa Franco, O Controlo financeiro e a organização judiciária em Macau, in Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 12, vol. IV, Junho de 1991, pg. 258).

Todavia, o artigo 292.°, n.° 5 da CRP impõe a transferência dessas funções para os tribunais do território (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.a edição revista, Coimbra, 1993, pg. 1078), ca-bendo ao Presidente da República determinar o momento a partir do qual os tribu-nais de Macau serão investidos na plenitude e exclusividade da jurisdição (artigo 75.° do E.O.M.), pelo que a actual competência dos tribunais da República Portu-guesa quanto a assuntos de Macau constitui uma compressão provisória do prin-cípio constitucional da autonomia (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Parecer, apud Macedo de Almeida, Os Grandes Desafios da Localização da Justiça de Macau, m Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 17/18, vol. V, pg. 707).

Em segundo lugar, importa não esquecer que, «após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, as leis, os decretos-leis, os regulamen-tos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau manter-se-ão» salvo no que designadamente contrariarem o disposto na Lei Básica (Anexo I, ponto Ⅲ da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a questão de Macau e artigo 8.° da Lei Básica). Ora, na Lei Básica, prevê-se que a RAEM dispõe de tribunais de l .a instância, de um Tribunal de 2.a Instância e de um Tribunal de Última Instância (artigo 84.°), mantendo-se o regime do Tribunal de Instrução Criminal anteriormente existente (artigo 85.°) e prevendo-se a existência de um Tribunal Administrativo (artigo 86.°). Há, assim, desconformidade entre a actual organização judiciária de Macau e a prevista na Lei Básica, que se traduz essencialmente nas seguintes diferenças: inexistência de um tribunal de nível intermédio (Relação), pois o Tribunal Superior de Justiça funciona simultaneamente como tribunal de 2.a instância e como tribunal de revista; existência em Macau de um Tribunal de Contas (Tang Wai Peng, A Situação Actual dos Tribunais de Macau e a sua Tendência, in Administração, Revista de Administração Pública de Macau, n.° 28, vol.Ⅷ, 1995, pgs. 351 e ss).

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o Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau; 4) O Decreto-Lei n.° 62/93/M, de 3 de Novembro, que aperfei

çoou os dispositivos legais que já disciplinavam o cargo de adjunto e o respectivo recrutamento;

5) O Decreto-Lei n.° 23/95/M, de l de Junho, que estabeleceu a nova disciplina das férias faltas e licenças.

3.1 O Sistema de carreiras (Decreto-Lei n.° 86/89/M, de 21 de Dezem-bro)

Na Administração Pública de Macau foi adoptado o sistema de carreiras, de que, no entanto, estão excluídos o pessoal de direcção e chefia, os adjuntos e o pessoal operário e auxiliar. Por outro lado, só tem direito à carreira o pessoal do quadro (artigo 3.°).

No artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 86/89/M, estabelecem-se as se-guintes espécies de carreiras

1) carreira de regime geral, que corresponde a áreas de activida de comuns dos serviços da Administração ou a funções específicas pró prias de um ou mais serviços, mas, neste caso, com desenvolvimento e requisitos habilitacionais ou profissionais iguais aos das carreiras das áreas comuns do nível em que se inserem;

carreira de regime especial, que corresponde a funções específicas de um ou mais serviços da Administração, com posicionamento, desenvolvimento ou requisitos habilitacionais e profissionais próprios, em razão da especialidade do seu conteúdo funcional;

2) carreira vertical, onde há uma sucessão de categorias com idên tico conteúdo funcional a que correspondem tarefas gradativamente mais exigentes em termos de complexidade e responsabilidade.

Carreira horizontal, que constitui um conjunto de posições sala-riais em que a progressão corresponde a uma maior experiência na exe-cução das tarefas que integram o respectivo conteúdo funcional, sem alteração significativa da sua complexidade.

Para o exercício das diversas funções gerais da Administração Pública de Macau, os trabalhadores estão distribuídos por grupos de pessoal (pessoal operário e auxiliar, administrativo, técnico-profissional, técnico e técnico superior), prevendo-se a exigência de habilitações académicas e/ou profissionais diversas para os diferentes grupos (licenciatura, curso superior, outras habilitações académicas de nível inferior).

Está prevista a intercomunicabilidade de carreiras (vertical — ar-tigo 12.° e horizontal — artigo 13.°).

O acesso a grau superior de cada carreira depende da realização de concurso documental e da permanência no grau imediatamente in-ferior por um período de 3 anos, com a classificação de serviço não inferior a Bom ou de 2 anos com a classificação de Muito Bom (artigo 10.°).

A mudança de escalão, em cada grau da carreira vertical ou nas carreiras horizontais, depende do decurso de certo tempo de serviço

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com a classificação não inferior a Bom (artigo 11.°).

3.2 O Estatuto dos cargos de direcção e chefia (Decreto-Lei n.° 85/89/M)

Os cargos de direcção são director e subdirector e os de chefia são chefe de departamento, chefe de divisão, chefe de sector e chefe de secção (artigo 2.°, n.° 3).

Exceptuando o cargo de subdirector, não se consideram de direcção e chefia os cargos não correspondentes a unidades ou subunidades orgânicas (artigo 2.°, n.° 5).

O pessoal de direcção e chefia, com excepção do chefe de secção, é recrutado por escolha (artigo 3.°, n.° 1) e exerce as suas funções em co-missão de serviço por um período de 2 anos renovável por período igual ou inferior (artigo 4.°, n.os l e 2), podendo, no entanto, a comissão de serviço ser dada por finda a todo o tempo, em certas circunstâncias (artigo 5.°). O chefe de secção é recrutado através de concurso de prestação de provas (artigo 3.°, n.° 2), e é provido por nomeação (artigo 6.°, n.° 1).

O pessoal de direcção e chefia está isento de horário de trabalho (artigo 8.°) e os respectivos cargos podem ser exercidos em regime de substituição (artigo 9.°), estando sujeito a um regime específico de acu-mulações e incompatibilidades (artigo 10.°).

3.3 Os Adjuntos (Decreto-Lei n.° 62/93/M, de 3 de Novembro)

Os cargos de adjuntos são um produto específico do período de transição e inserem-se entre os instrumentos de localização dos quadros5.

Dado o reduzido número de cargos de direcção e de chefia exercidos por pessoas naturais de Macau, para preparar quadros locais que assegurem o funcionamento da Administração para além de 1999 com o necessário grau de eficiência, julgou-se conveniente prever a criação de lugares de adjunto nos quadros de pessoal dos serviços e organis-

5 Os principais instrumentos da política de localização foram enumerados no artigo 7.°, n.° l do Decreto-Lei n.° 14/94/M, de 23 de Fevereiro, e são os seguintes:

«a) Programa de estudos em Portugal, a que se refere o Decreto-Lei n.° 78/ /92/M, de 21 de Dezembro;

b) Cursos de língua e administração chinesa, modalidades A, B e C, a que se refere o Decreto-Lei n.° 40/92/M, de 27 de Julho;

c) Programa de formação de professores de português como língua estran geira, a que se referem o Decreto-Lei n.° 58/89/M, de 11 de Setembro, e o Decre- to-Lei n.° 57/90/M, de 17 de Setembro;

d) Cursos de formação de oficiais da Escola Superior das Forças de Segu rança de Macau, a que se refere o Decreto-Lei n.° 68/90/M, de 12 de Novembro;

e) Regime de estágio para ingresso nas magistraturas, a que se refere o De- creto-Lei n.° 6/94/M, de 24 de Janeiro;

f) Adjunto, a que se refere o Decreto-Lei n.° 62/93/M, de 3 de Novembro; g) Auditor judicial, a que se refere o Decreto-Lei n.° 7/94/M, de 24 de Ja

neiro».

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mos públicos (artigo 1.°). O recrutamento dos adjuntos faz-se por escolha de entre indivíduos

que revelem qualidades para o exercício de cargos de direcção e chefia, naturais de Macau ou residentes no Território, com bons conhecimentos das línguas portuguesa e chinesa, habilitados com curso superior, que desempenhem funções há mais de 2 anos na Administração Pública de Macau e não tenham sido recrutados no exterior (artigo 3.°, n.° 1).

3.4 O Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (Aprovado pelo Decreto-Lei n.° 87/89/M, de 21 de Dezembro)

São trabalhadores da APM os funcionários, os agentes e o pessoal assalariado (artigo 2.°, n.° 1).

São requisitos gerais para o exercício de funções públicas (artigo 10.°, n.° 1): a nacionalidade portuguesa ou chinesa, a maioridade, a habilitação académica ou profissional, a capacidade profissional, a ap-tidão física e mental e a residência no território de Macau.

Em princípio, o exercício de funções públicas está sujeito ao princípio da exclusividade (artigo 17.°, n.° 1).

Os funcionários são providos por nomeação (provisória ou definitiva, em comissão de serviço, interina) ou por contrato (além do quadro e assalariamento) (artigos 19.° e ss.), podendo ainda quanto à execução de trabalhos específicos ou de carácter especializado recorrer-se ao contrato de tarefa, que não confere qualquer vínculo funcional à Admi-nistração Pública (artigo 29.°).

O recrutamento e selecção de pessoal obedece aos princípios de — liberdade de candidatura; — igualdade de condições e de oportunidade para todos os candi-

datos; — divulgação antecipada dos métodos de selecção a utilizar e dos

respectivos programas e sistemas de avaliação; — aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação; — direito de reclamação e recurso (artigo 46.°, n.° 3). O concurso é o método normal e obrigatório de recrutamento e

selecção de pessoal para ingresso e acesso nas carreiras, que só pode ser afastado quando o regime de provimento no cargo ou no lugar do quadro preveja outro modo de provimento (artigo 47.°, n.os l e 2).

O concurso é de ingresso ou de acesso e o concurso comum de acesso pode ser geral ou condicionado. O concurso comum pode ainda ser documental ou de prestação de provas (artigo 48.°).

Em regra, os trabalhadores da APM prestam 36 horas de trabalho semanais (artigo 77.°).

Os trabalhadores da APM serão sujeitos a avaliação para efeito de atribuição de uma classificação de serviço, que é relevante em diversos domínios (por exemplo, acesso e progressão). A classificação de serviço pode ser ordinária ou extraordinária (respeitando esta ao pessoal de

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nomeação provisória). Estão previstas, como formas de mobilidade, a transferência, o

destacamento e a requisição (artigos 32.° a 34.°). Os trabalhadores auferem uma remuneração, que é integrada por

vencimento, remunerações acessórias e subsídios e abonos (artigo 174.°). São remunerações certas e permanentes o vencimento (artigo

178.°), o prémio de antiguidade (artigo 180.°), o subsídio de férias (artigo 184.°) e o subsídio de Natal (artigo 187.°).

O trabalho extraordinário pode determinar o acréscimo de retri-buição (como alternativa à compensação por dedução no horário normal de trabalho) (artigo 197.°).

Por seu lado, o trabalho por turnos é compensado através de sub-sídio de turno (artigo 202.°).

Os trabalhadores poderão ainda auferir outros subsídios (residência, família, nascimento e casamento, etc.).

Os trabalhadores têm um regime de segurança social, que, para os funcionários e agentes, abrange um regime de aposentação e de sobre-vivência, cuja execução cabe ao Fundo de Pensões de Macau. Só pode inscrever-se no Fundo de Pensões de Macau o funcionário ou agente cuja idade lhe permita perfazer o mínimo de 15 anos de serviço para efeitos de aposentação, até atingir o limite de idade fixado para o exer-cício da respectiva função (artigo 259.°, n.° 1).

A inscrição é obrigatória para os funcionários de nomeação provisória ou definitiva e é promovida oficiosamente pelos serviços que pagam os vencimentos (artigo 259.°, n.° 2). A inscrição é facultativa para os trabalhadores com contrato além do quadro ou nomeados em comissão de serviço que não disponham de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos (artigo 259.°, n.° 3).

A comparticipação para o regime de aposentação cessa quando o subscritor completar 30 anos de serviço contados para efeitos de apo-sentação (artigo 259.°, n.° 6).

A aposentação pode ser voluntária ou obrigatória (artigo 261.°). O pessoal operário e auxiliar da APM admitido em regime de

as-salariamento está afastado do regime de aposentação e sobrevivência dos restantes trabalhadores da APM.

Os funcionários e agentes são disciplinarmente responsáveis pe-rante os seus superiores hierárquicos pelas infracções que cometerem (artigo 280.°), podendo ser-lhes aplicadas, pela prática de infracções disciplinares, as penas de repreensão escrita, multa, suspensão, apo-sentação compulsiva e demissão (artigo 300.°).

3.5 Férias, faltas e licenças (Decreto-Lei n.º 23/95/M, de l de Junho)

Os trabalhadores com mais de um ano de serviço têm direito a 22 dias úteis de férias em cada ano civil (artigo 3.°).

A ausência durante o período diário de presença obrigatória no serviço ou a não comparência em local a que deva deslocar-se por mo-

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tivo de serviço é considerada falta (artigo 13.°, n.° 1), a qual pode ser justificada ou injustificada (artigo 13.°, n.° 3).

Aos funcionários de nomeação definitiva podem ser concedidas licenças sem vencimento de curta duração, de longa duração ou por interesse público (artigos 65.° a 73.°).

4. A OFICIALIZAÇÃO DA LÍNGUA CHINESA

Apesar de diversas e sucessivas medidas legislativas, consagran-do situações de coercividade em relação à aprendizagem da língua por-tuguesa ou visando mesmo a sua socialização — Portaria n.° 331, BO 45, de 8 de Novembro de 1919 (Governador Corrêa da Silva); Diploma Legislativo n.° 26, BO 22, de 28 de Maio de 1927 (Governador Tamag-nini Barbosa); Diploma Legislativo n.° 196, BO 31, de l de Agosto de 1931 (Governador Matta Oliveira); Diploma Legislativo n.° 272, BO 50, de 10 de Dezembro de 1932 (Governador Bernardes Miranda); Despacho n.° 33, BO 48, de 26 de Novembro de 1960 (Governador Jaime Silvedo Marques) entre outros diplomas — nunca a língua portuguesa se impôs em Macau, onde apenas ocupa o terceiro lugar entre as línguas faladas, depois do chinês (o que é natural) e do inglês, largamente usado como língua internacional. Este fenómeno só vem provar que as instituições não bastam só por si quando não radicam na tradição.

E, no entanto, o português foi, durante séculos, a única língua ofi-cial.

A situação só se alterou com o Decreto-Lei n.° 445/91, de 31 de Dezembro (publicado no Boletim Oficial 2, de 13 de Janeiro de 1992), que reconheceu à língua chinesa, em Macau, «estatuto oficial e a mesma força legal que a língua portuguesa».

Este reconhecimento sucede a uma série de medidas legislativas locais, que, reconhecendo o estatuto real da língua chinesa em Macau, tinham já por objectivo promover o uso generalizado da língua chinesa na Administração Pública e nas suas relações com os administrados. Assim, o Decreto-Lei n.° 5/86/M, de 25 de Janeiro, determinou, no seu artigo 3.°, a obrigatoriedade da utilização das línguas portuguesa e chinesa nos impressos usados nas relações entre a Administração e o público. Depois, o Decreto-Lei n.° 11/89/M, de 20 de Fevereiro, determinou, nomeadamente, que «as leis, decretos-leis, portarias e despachos dos órgãos do Governo próprio do Território, editados em língua portuguesa, terão de ser publicados, quando assumam carácter legislativo ou regulamentar, acompanhados da respectiva tradução em língua chinesa; as propostas de lei, e os projectos de decretos-leis e de portarias que estejam sujeitos a parecer do Conselho Consultivo deverão ser apre-sentados nas línguas portuguesa e chinesa; poderão ser utilizados, quer a língua portuguesa, quer a língua chinesa, nas relações da população com os serviços públicos do Território, incluindo os serviços autónomos e as câmaras municipais, ou com os respectivos funcionários e agentes; em todos os impressos, formulários e documentos análogos

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editados pelos serviços públicos do Território, incluindo os serviços autónomos e as câmaras municipais, serão obrigatoriamente utilizadas as línguas portuguesa e chinesa; e a igualdade de estatuto oficial das línguas portuguesa e chinesa no território de Macau será efectivada por forma gradual e progressiva, de harmonia com as condições existentes para o efeito».

A Declaração Conjunta, no seu n.° 2 (5), estatui que «além da língua chinesa, poder-se-á usar também a língua portuguesa nos organismos do Governo, no órgão legislativo e nos Tribunais da Região Administrativa Especial de Macau». E, no artigo 9.° da Lei Básica, preceitua-se: «Além da língua chinesa, pode usar-se também a língua portuguesa nos órgãos executivo, legislativo e judiciais da Região Administrativa Especial de Macau, sendo também o português língua oficial».

Portanto, o português e o chinês são hoje e serão depois de 1999 as línguas oficiais de Macau.

Por outro lado, nos termos do n.° 2 (4) da Declaração Conjunta, «as leis vigentes manter-se-ão basicamente inalteradas», esclarecendo-se no Anexo I, ponto Ⅲ , que, «após o estabelecimento da Região Ad-ministrativa Especial de Macau, as leis, os decretos-leis, os regulamen-tos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau manter-se-ão, salvo no que contrariar o disposto na Lei Bá-sica ou no que for sujeito a emendas pelo órgão legislativo da RAEM» e esclarece-se ainda que «o ordenamento jurídico da RAEM será constituído pela Lei Básica, pelas leis previamente vigentes em Macau acima mencionadas e pelas criadas pela RAEM».

Se se quiser manter o funcionamento normal e a qualidade da Ad-ministração Pública e da Função Pública deve preservar-se o sistema administrativo actual, que é bilíngue.

Compreende-se, por isso, a necessidade de transformar o ordena-mento jurídico de Macau em ordenamento jurídico bilíngue (a suscitar, desde logo, problemas de tradução jurídica e de produção jurídica bilíngue) e de criar as condições para que a Administração Pública possa funcionar como sistema bilíngue sem rupturas, sem quebras de qualidade e de eficiência, o que nos conduz directamente ao problema seguinte.

5. LOCALIZAÇÃO DE QUADROS

Sendo desejo de todos deixar em Macau uma Administração qua-lificada, capaz, eficiente e bilíngue, o Governo de Macau tem posto particular empenho na valorização dos recursos humanos da Adminis-tração, na capacitação dos quadros e na consolidação do bilinguismo, tendo adoptado diversas medidas com esses objectivos.

Uma dessas medidas foi a criação dos lugares de adjuntos, como já se referiu.

Em geral, foram aumentadas as ofertas de formação académica

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superior, através do alargamento da rede de ensino superior com a cri-ação de novas escolas e de novos cursos. Importa sublinhar que alguns dos cursos ministrados em instituições de ensino superior são exclusiva ou predominantemente destinados à Administração Pública, como sucede com os cursos de formação de oficiais ministrados na Escola Superior das Forças de Segurança de Macau (Curso de Polícia Marítima e Fiscal e Curso de Polícia de Segurança Pública, conferindo o grau de licenciado em Ciências Policiais, e Curso de Sapadores Bombeiros, que confere o grau de licenciado em Engenharia de Protecção e Segurança) ou como sucede também com a licenciatura em Administração Pública, para além de outros cursos nas áreas de línguas e tradução.

Tendo simultaneamente em vista a formação de quadros locais devidamente preparados e a expansão do bilinguismo foram criados o Programa de Estudos em Portugal (PEP — Decreto-Lei n.° 70/92/M, de 21 de Dezembro) e o Curso de Língua e Administração Chinesa (CLAC — Decreto-Lei n.° 40/92/M, de 27 de Julho).

O PEP, que tem duração não inferior a l ano, integra as seguintes fases:

— Acções preparatórias, compreendendo cursos e outras activi dade a realizar em Macau;

— Curso de português a realizar em Portugal; — Curso de Administração e Gestão Pública Contemporânea,

ministrado em Portugal e/ou Macau; — Estágios de carácter profissional em Portugal e Macau (artigo

2.°). O CLAC compreende uma componente linguística e o estudo da

Administração Pública da RPC, podendo incluir actividades formativas complementares de curta duração, visando permitir um melhor co-nhecimento da realidade cultural e administrativa da RPC (artigo 3.°).

Finalmente, importa ainda referir que o Decreto-Lei n.° 42/94/M, de 15 de Agosto, estabeleceu regras especiais de ingresso e de acesso nas carreiras dos quadros dos serviços públicos, por forma a permitir o preenchimento dos seus lugares por pessoal cuja experiência é necessária à continuidade e estabilidade do respectivo funcionamento, con-tribuindo para consolidar o processo de localização dos quadros.

EM CONCLUSÃO E EM JEITO DE BALANÇO

Verifica-se uma adequada localização do direito regulador da Função Pública, quer como organização quer como relação de emprego específica. Efectivamente, os diplomas legais que organizam o estatuto próprio da Função Pública foram elaborados pelos órgãos legislativos locais e, nas suas traves mestras, harmonizam-se com os princípios constantes da Declaração Conjunta e também com o disposto na Lei Básica, designadamente no que respeita à nomeação e promoção dos funcionários e agentes públicos, que deverão ser feitas «com base em critérios de qualificação, experiência e aptidão» (Anexo I, Ponto VI da

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Declaração Conjunta e artigo 100.° da Lei Básica). E não pode ser por acaso que a Lei Básica preceitua expressamente que «o sistema de acesso, disciplina, promoção e normal progressão dos funcionários públicos, anteriormente vigente em Macau, mantém-se basicamente inalterado, podendo, no entanto, ser aperfeiçoado de acordo com a evolução da sociedade de Macau» (artigo 100.°).

Estão previstos e já criados meios próprios para a formação de quadros convenientemente preparados para se poderem inserir valida-mente e continuar a construção de uma Administração bilíngue e qualificada, que possa dispensar aos utentes serviços de qualidade.

A lei existe e, embora possa ser susceptível de aperfeiçoamento, é boa na sua essência.

Termino recordando um provérbio chinês, que nos diz: «A lei não se executa sozinha».

Assim desejemos todos nós, portugueses e chineses, dar-lhe boa execução.

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º, 1015-1028

A ADMINISTRAÇÃO DE MACAU AO LONGO DA SUA HISTÓRIA

Ng Siu Yu *

Nos finais de 1999, efectuar-se-á a transferência da soberania de Macau. Conforme o estipulado na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau: «O Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau deve ser cidadão chinês escolhido de entre os residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) e é nomeado pelo Governo Popular Central, com base nos resultados de eleições ou consultas realizadas localmente, responsabi-lizando-se perante o Governo Popular Central e a Região Administrativa Especial de Macau». A Lei Básica determina ainda que, em certas circunstâncias, o Chefe do Executivo da RAEM pode dissolver a Assembleia Legislativa. «Os projectos de lei e de resolução que não envolvam receitas e despesas públicas, a estrutura política ou o funcio-namento do Governo podem ser apresentados, individual ou conjunta-mente, por deputados à Assembleia Legislativa. A apresentação de projectos de lei e de resolução que envolvam a política do Governo deve obter prévio consentimento escrito do Chefe do Executivo». Daí, é óbvio que, após 1999, o sistema político de «Supremacia do Poder Executivo» será mantido em Macau.

«Se queres saber o futuro, olha para o passado». Para que Macau venha a ter uma transferência de soberania sem sobressaltos, com estabilidade social e desenvolvimento económico, é necessário que seja efectuado um estudo, no seu aspecto histórico, sobre a importância em manter no futuro o sistema de «Supremacia do Poder Executivo», por forma a encontrar os seus fundamentos históricos.

Na história de Macau, a sua administração pode ser dividida, de uma forma genérica, em quatro fases: l .a fase — Período de Criação da

* Mestre em História da Universidade «Jinan» de Cantão. Letrado do Centro de Tradução da Administração Pública (CTAP) dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP).

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Estrutura Administrativa, desde 1557, data do estabelecimento da cida-de de Macau, até 1583. 2.a fase — Período do Poder Autárquico Local, de 1583 a 1784. 3.a fase — Período do Poder Centralizado, de 1784 a 1976. 4.a fase — Período de Transição, de 1976 a 1999.

PRIMEIRA FASE

PERÍODO DE CRIAÇÃO DA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DE MACAU, DE 1557 A 1583

No início do estabelecimento da cidade de Macau, não existia nenhuma estrutura administrativa da cidade. Os portugueses começa-ram a fixar-se em Macau no ano de 1557. Em 1563, os habitantes portugueses de Macau já eram 900 e o número de chineses e não chineses residentes em Macau era à volta de l O mil. Macau tornou-se num centro comercial da China com os países estrangeiros. Em cada ano, chegavam a Macau mais de 20 embarcações comerciais provenientes de diversos países. Face ao comércio de tal modo desenvolvido e ao elevado número demográfico, e atendendo à inexistência de uma estrutura administrativa própria, o Vice-Rei de Goa ordenou que os habitantes portugueses de Macau se sujeitassem à jurisdição do Capitão da frota comercial portu-guesa que partia anualmente da índia para a China e Japão, chamado Capitão-Mor. Foi este o primeiro modelo de administração na História de Macau.

Por necessitar de adquirir, na China, mercadorias para comerciali-zação, e aguardar as monções sudoeste do ano seguinte, o Capitão-Mor tinha que permanecer em Macau, por um período entre oito meses a um ano, durante o qual se responsabilizava pelos assuntos administrativos, militares, judiciais e comerciais de Macau. No ano seguinte, quando se aproximavam as monções de sudoeste, o Capitão continuava a sua viagem para norte, rumo ao Japão, enquanto chegava a Macau, vinda de Goa, índia, a segunda frota comercial portuguesa, cujo Capitão assumia, em substituição do anterior, as funções de administração da cidade de Macau. Quanto ao Capitão-Mor, este era nomeado anualmente pelo Rei de Portugal ou pelo Vice-Rei da Goa, em nome do Rei de Portugal. Daí, poder-se dizer que, no início, o poder monárquico de Portugal controlava a administração de Macau, embora com pouca eficácia. É evidente que sendo Macau já um centro de comércio entre a China e o estrangeiro, em que se registava um desenvolvimento económico contínuo e um rápido crescimento da população, era muito inconveniente essa forma de administração, mudando anualmente o seu Chefe do Executivo. Tanto mais que, na altura, as funções do Capitão-Mor se inclinavam mais ao interesse económico do que do político. Aos olhos das autoridades chinesas, Macau, um território seu, tinha igualmente um significado mais comercial que político. Por isso, a China não enviou representantes para administrar este pequeno pedaço de terreno, cobrando apenas às embarcações comerciais estrangeiras que comercializavam em Macau impostos sobre as suas mercadorias.

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Por volta de 1572, o Governo chinês começou a cobrar aos habitantes portugueses de Macau 500 taéis de prata, a título de foro. Esta receita era registada no «Livro Geral das Taxas e Impostos da Província de Guangdong». Isto mostra que as autoridades chinesas já, na altura, admitiam, em termos formais, a residência dos portugueses em Macau. Em 1574, o Governo da Dinastia Ming construiu, no Istmo de Lianhua, as Portas do Cerco, a fim de impedir a entrada dos portugueses no interior da China, sem no entanto ter criado em Macau qualquer estru-tura administrativa.

Não tendo, naquela altura, o Governo chinês exercido eficazmente o seu poder executivo sobre Macau, constituiu para os portugueses que se fixavam em Macau, numa fase posterior, o tal «Antigo Privilégio» que era muito bem aceite pelos portugueses.

Em 1580, os portugueses habitantes de Macau procederam, por iniciativa própria, à eleição do Ouvidor e impuseram leis de Portugal em Macau. Foi esta a primeira tentativa de os portugueses habitantes de Macau estabelecerem no Território uma estrutura administrativa. Uma das razões deste facto foi porque, no ano de 1578, o Governo da Dinastia Ming voltou a permitir que comerciantes de outros países efectuassem comércio em Cantão, deixando, assim, Macau de ser o único porto chinês de comércio com o exterior. Então, os comerciantes do sudeste asiático e de outros países iam directamente a Cantão para fazerem os seus negócios, tornando-se deste modo Macau um porto comercial exclusivo dos portugueses. Desde 1562, dado o crescimento da popula-ção e o surto económico que a actividade comercial proporcionava a Macau, exigiu essa situação a existência emergente duma estrutura administrativa autónoma na cidade, tanto mais que, na altura, já o Território se tinha tornado no único lugar de permanência e residência dos portugueses na China. Porém, o acto praticado pelos portugueses de Macau foi reprovado e investigado pelo então recém-nomeado Go-vernador de Guangdong e Guangxi, pois o Governo chinês não admitia a aplicação da Lei Portuguesa em território chinês.

O assunto só foi resolvido com a intervenção de Matias Penela, representante do então Chefe do Executivo de Macau, e do Capitão da frota comercial portuguesa, Aires Gonçalves de Miranda. Contudo, o Governo da Dinastia Ming frisou que os portugueses habitantes de Macau tinham que se sujeitar à administração das autoridades chinesas.

Por volta de 1582, o Governo da Dinastia Ming criou para Macau um regime específico de administração sobre as áreas administrativa, judicial e fiscal e, em 1584, nomeou o então líder dos portugueses para administrador, delegando nele certos poderes de administração sobre comerciantes e habitantes chineses na área residencial portuguesa. Em simultâneo, o Governo da Dinastia Ming aceitou a criação em Macau do Senado para servir de local de encontro das autoridades portuguesas e chinesas, a fim de discutirem os assuntos administrativos.

Pelos factos históricos expostos, verifica-se que desde 1580 até por volta de 1584, o Governo chinês da Dinastia Ming começou a exercer o

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poder executivo sobre Macau, permitindo, ao mesmo tempo, que os portugueses habitantes de Macau gozassem de um maior grau de autonomia. Embora o Governo chinês tenha cobrado impostos às embar-cações comerciais que aportavam em Macau, permitiu, em simultâneo, que os portugueses estabelecessem, no porto de Macau, a sua própria alfândega, com impostos aduaneiros próprios para as embarcações comerciais portuguesas, cujas receitas eram destinadas para o órgão senatorial de Macau. Por conseguinte, nessa mesma altura, os portugue-ses começaram a estabelecer gradualmente o poder executivo local. Assim, existia nessa altura, em Macau, dupla estrutura administrativa, exercendo simultaneamente a China e Portugal, o poder executivo, o que constituía uma característica muito importante e especial no que respeita ao cruzamento das duas culturas ocidental e oriental.

Em 1581, Portugal foi ocupado por Espanha e o Rei espanhol passou a ser também o Rei de Portugal. Quando tomaram conhecimento disso, em 1582, os portugueses de Macau não aceitaram essa realidade, pois não queriam sujeitar-se aos espanhóis e pretendiam criar um poder autónomo em Macau. Portanto, esta realidade política foi um importante factor para criação de um poder autónomo em Macau pelos portugueses aí residentes, em 1583.

SEGUNDA FASE

PERÍODO DO PODER AUTÁRQUICO LOCAL, DE 1583 A 1784

Em 1583, os portugueses de Macau após negociações, estabeleceram, em conformidade com as leis municipais de Portugal, uma estrutura administrativa do Território — o Senado de Macau. Em 1586, conseguiram do Vice-Rei da índia uma maior autonomia.

Embora os portugueses de Macau nunca conseguissem como dese-javam uma autonomia de grau idêntico à do Porto, o estatuto autónomo de Macau foi, contudo, reconhecido oficialmente, e assim foi criada uma estrutura administrativa própria em Macau.

Nessa altura, os portugueses de Macau criaram uma estrutura administrativa própria de Macau — o Senado de Macau e as eleições eram feitas trienalmente. Eram, então, eleitores todos os portugueses residentes permanentes ou naturais de Macau, com direito a voto. A metodologia eleitoral aplicada era eleger, em primeiro lugar, seis repre-sentantes, os quais seriam, então, divididos em três grupos que iriam, em seguida, apresentar, cada um, as candidaturas ao Senado. As listas de candidatura, submetidas à apreciação do Ouvidor de Macau, seriam apresentadas pelo Ouvidor ao Vice-Rei da índia que iria, então, definir uma lista nominativa dos membros do Senado de Macau para cada um dos três anos seguintes, pois o prazo de cada mandato era de um ano. O Senado de Macau era composto por três personalidades locais de renome (de idade superior a 40 anos), dois juizes (de idade superior a 30 anos) e um oficial da área de Administração Civil. As três listas tinham

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carácter confidencial e eram enviadas para Macau. A 31 de Dezembro de cada ano, realizava-se a cerimónia de entrega dos poderes que era presidida pelo Secretário do mandato anterior. Nesta cerimónia, fazia o Secretário a abertura e a leitura da lista nominativa dos membros do Senado para o ano seguinte e procedia-se, seguidamente, à tomada de posse dos nomeados para aquele ano.

Os trabalhos do Senado eram divididos entre os seus membros e cada uma das personalidades locais de renome desempenhava, de modo alternado, as funções de presidente, dirigindo as reuniões do Senado e tratando, conforme a lei portuguesa, dos assuntos quotidianos, enquanto os dois juizes se responsabilizavam pela fiscalização dos trabalhos do presidente, tendo competência para julgar os casos criminais e civis ocorridos em Macau. Os assuntos relativos às áreas financeira, económica, alfandegária e urbanística eram da responsabilidade do oficial da Administração Civil — o Procurador — que desempenhava ainda o papel de oficial de ligação entre o Senado e o Governo da Dinastia Ming. Este, em seu nome, conferia também um cargo oficial ao referido membro do Senado. Porém, os assuntos importantes eram tratados na «Conferência Civil», através de debate, que contava com a participação dos membros do Senado de todos os mandatos, Bispo, padres e todo o povo de Macau. As funções relacionadas com a segurança pública eram atribuídas à Ronda Municipal do Senado e à da Alfândega, ambas sob o comando dos oficiais de segurança pública, os quais tinham mandato de um ano e em cada mandato, eram nomeados vinte e quatro oficiais. O serviço dos oficiais era prestado em turnos e, em cada mês, dois oficiais eram destacados para o serviço diário da segurança pública. Caso acontecesse alguma convulsão de grande escala ou invasão de inimigos, todos os habitantes do sexo masculino seriam recrutados para assegurar a segurança pública ou lutar contra os inimigos. A par do estabelecimento de tudo isto, foi pedido para se desligarem da jurisdição que pertencia ao Capitão da frota comercial portuguesa, o Capitão-Mor, o qual foi formulado pelo Senado às autoridades de Portugal, tendo, porém, sido rejeitado pelo Rei. Pode-se dizer que desde a fase inicial da criação do Senado, o poder autárquico de Macau teve sempre conflitos e luta de poderes com o representante, em Macau, do poder central monárquico de Portugal.

Em 1586, o Senado de Macau voltou a pedir a cessação do poder jurisdicional do Capitão sobre Macau, e finalmente, obteve a autoriza-ção do Rei de Espanha. Em Fevereiro de 1587, o Rei de Espanha nomeou um Ouvidor para Macau para governar os assuntos de administração e de justiça. Relativamente ao Capitão de terra, eleito pelos portugueses para o comando dos assuntos militares, esta figura não era totalmente reconhecida pelo Rei de Espanha, apenas lhe permitindo governar Macau em conjunto com o Ouvidor, quando o Capitão da frota partia de Macau. No entanto houve sempre conflitos entre os Ouvidores e portu-gueses locais, originando perturbações na sociedade. O Senado pediu, então, ao Rei de Espanha a extinção do cargo do Ouvidor. Nessa altura,

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a Espanha estava em declínio e em 1595 autorizou que Macau gozasse de total autonomia, passando a ter o estatuto oficial de cidade autónoma. A partir daí, as funções do então Ouvidor passaram a ser assumidas pela personalidade de renome local mais idosa do Senado, conforme o proposto por este organismo municipal.

Em Março de 1615, o Rei de Espanha mudou de ideias e nomeou Francisco Lopes Carrasco para exercer os cargos de Comandante Militar e de Ouvidor de Macau, em substituição do Capitão da frota comercial portuguesa. Foi mais uma tentativa do Rei de Espanha para controlar Macau. Em Agosto de 1616, porém, após a chegada a Macau de Francisco Lopes Carrasco, o Capitão da frota comercial portuguesa recusou reconhecer as competências do novo Comandante Militar e Ouvidor que era, aos olhos dos portugueses de Macau, um inimigo. Finalmente, em princípios de 1617, Francisco Lopes Carrasco foi transferido de Macau para Goa. A partir de 1621, houve sempre fortes conflitos entre o Senado de Macau e o Capitão da frota comercial portuguesa, Lopo Sarmento de Carvalho, que já tinha adquirido o privilégio de comércio com a China e o Japão, durante um período de três anos. Por este motivo, o Senado de Macau voltou repetidamente a pedir ao Rei de Espanha e ao Vice-Rei da índia para abolir o poder jurisdicional do Capitão da frota comercial portuguesa sobre Macau, criando apenas na cidade de Macau o cargo de Capitão do Exército, sendo aconselhável que permitissem ao Senado exercer todo o poder executivo sobre Macau, tornando-a numa cidade autónoma. Estas pro-postas, entretanto, foram todas recusadas e o Vice-Rei da índia nomeou, em Maio de 1623, Francisco Mascarenhas para exercer o cargo do Comandante Militar de Macau (Capitão-Geral ou Governador), cujo estatuto era superior ao do Senado. Nessa altura, porém, o Governador de Macau era meramente um comandante de exército, diferente dos posteriores Governadores de Macau. Essa medida do Vice-Rei da índia provocou a irritação dos portugueses de Macau e a partir daí tiveram sempre conflitos com os Governadores designados pelo Vice-Rei.

A partir dessa altura, o original órgão executivo de Macau, consti-tuído pelo Capitão da frota comercial portuguesa, Ouvidor nomeado pelo Rei, e Senado de Macau, passou a ser composto pelo Governador (Comandante Militar), Senado de Macau e Ouvidor nomeado pelo Rei, cabendo principalmente ao Senado exercer o poder executivo. Nesse sistema de «triunvirato» verificavam-se frequentemente conflitos entre os três componentes e essa situação permanece até 1784.

Por conseguinte, verifica-se que a primeira estrutura administrati-va de Macau foi estabelecida por volta de 1583 e que a partir desta data até 1784, num período de dois séculos, o Território foi governado principalmente pelo poder autárquico, o Senado. Por razões que envol-viam os grandes interesses com o comércio internacional entre o Japão, Portugal, China e Sudeste Asiático, no que concerne a Portugal, os três componentes do sistema político andavam constantemente em conflitos, devido a poderes e interesses comerciais. Também, desde o início,

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existiram graves sobreposições de poderes administrativos. O Senado, poder autárquico criado pelos portugueses de Macau, o Capitão da frota comercial portuguesa nomeado pelo Rei de Portugal, o Governador (Comandante Militar) de Macau e o Ouvidor, bem como ainda as autoridades enviadas pelo governo da Dinastia Ming, ou seja, as partes chinesa, portuguesa e macaense, tinham, respectivamente, direito ao exercício do poder executivo sobre a cidade de Macau e cada uma das referidas figuras representava a imagem política e os interesses econó-micos da sua parte. As três partes exerciam cada qual o seu poder e partilhavam dos grandes interesses económicos provenientes do comércio que gozava de prosperidade. Esse modelo de combinação política e administração justaposta, é, na verdade, rara tanto na história da China como na dos diversos países do Mundo e é ainda um facto singular nas culturas portuguesa e chinesa. Em virtude do pluralismo no poder executivo, era inevitável o aparecimento de confusões e conflitos, afectando, naturalmente, a estabilidade social e o desenvolvimento económico de Macau. Pode-se ainda dizer que, desde então, sempre existiram na política de Macau, aquelas três forças, cujos poderes alternavam permanentemente.

Mas nos primeiros tempos do estabelecimento da cidade de Macau, não obstante os conflitos frequentes, conseguiu-se a estabilidade social, proporcionando, assim, durante meio século, prosperidade económica que a transformou de uma pequena povoação piscatória numa cidade com o maior porto comercial do então continente asiático.

Após mais de cem anos contados a partir da década de 30 do século XⅦ , Macau passou por períodos áureos e de declínio, com curtas restaurações económicas. Essa transformação foi sobretudo devido a dois factores, um económico e o outro político, sendo o primeiro relacionado com o comércio com o Japão, China e Sudeste Asiático, e o segundo, com a luta de poderes entre a Administração Central e a Autarquia local. Em 1642, o problema do comércio de Macau com Manila, até aqui sob o controlo do novo Rei de Portugal, originou que o Governador de Macau, Sebastião Lobo da Silveira, e o Senado, tivessem opiniões contraditórias chegando ao ponto de se desentenderem e mobilizarem a artilharia, originando assim violentas lutas. Em 1702, o Rei de Portugal restabeleceu em Macau, a figura de Ouvidor, que queria igualmente disputar o poder com o Senado, pois o Ouvidor do primeiro mandato, a partir do momento em que tomou posse, mandou prender o oficial da Administração Civil do Senado. A luta de poderes entre o Governador, o Ouvidor e o Senado deu origem a frequentes e múltiplos conflitos. Finalmente, em 1709, o Rei de Portugal ordenou por decreto que o exercício de poderes de administração e de finanças sobre Macau pertencia ao Senado de Macau, não podendo o Governador e o Ouvidor intervir nesses assuntos. O Governador não tinha direito de convocar reuniões da câmara municipal, podendo apenas assistir a essas reuniões, no seu lugar de honra. A disputa de poderes entre o Governa-dor, o Ouvidor e o Senado afectou gravemente a estabilidade social e o

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desenvolvimento económico de Macau. Esses contínuos distúrbios sociais fizeram decair, muito rapidamente, a economia do Território. Nestas circunstâncias, o Vice-Rei da índia, sem outra alternativa, mandou, em 1714, restituir ao Senado cinco por cento das suas receitas destinadas à Tesouraria Nacional. Contudo, as dívidas foram-se acumu-lando em 1716, e o Território entrou em rápido declínio. Pediram então, ao Rei de Portugal, frisando que caso não fosse encontrada solução para Macau, Portugal viria a perder, muito em breve, a sua melhor terra residencial no Extremo-Oriente. Por volta de 1740, uma parte das naus da frota comercial de Macau foi destruída por tufões e uma outra parte, por falta de recursos, deixou de funcionar, reduzindo o número das naus da frota, de 25 para 13. Por volta de 1780, registou-se um grande défice que atingiu os trezentos e vinte mil taéis de prata, e toda a economia de Macau se encontrava numa situação difícil.

Com base nos supracitados factos históricos, pode-se verificar que desde a constituição do poder autárquico de Macau, em 1583, até 1784, com excepção dos primeiros cinquenta anos, durante o remanescente período de mais de cem anos, Macau passou por lutas de poderes e distúrbios sociais, de que resultou ao fim, a queda económica e a desintegração social de Macau. Tudo isto foi devido à política polinuclear em que se verificava a luta de poderes e de benefícios entre a Monarquia e a Autarquia local. Certo é que uma política desunificada traz como consequência a instabilidade social e esta, por sua vez, a decadência económica. A experiência histórica diz-nos: para manter a prosperidade económica é necessário manter a política de união.

TERCEIRA FASE PERÍODO DO PODER CENTRALIZADO DE 1784 A 1976

Em 1784, a Rainha de Portugal exigiu ao Senado de Macau e ao Bispo da Diocese que estabelecessem em Macau, os «Antigos Privilé-gios». O então Ministro da Marinha e Ultramar, Martinho de Mello e Castro, procedeu, por conseguinte, à reestruturação política de Macau, conferindo poderes ao Governador de Macau para, além de exercer o cargo de Comandante Militar, intervir nos assuntos quotidianos do Território e vetar qualquer decisão tomada pelo Senado de Macau, bem como acumular as funções de presidente do Senado, com que tornou o Governador o verdadeiro poder máximo de Macau. Quanto à Tesouraria de Macau, a apreciação das contas e a aprovação das despesas e receitas ficaram a cargo do Governador e do Ouvidor nomeado pelo Rei. Esta medida retirou, de vez, o poder executivo do Senado, passando-o à posse do Governador de Macau, com que aumentou significativamente o «poder central da Monarquia» e enfraqueceu o «poder da Autarquia local», modificando, assim, o modelo de administração que vigorava há 200 anos, em que a Autarquia local era o poder máximo. Ao mesmo tempo, mobilizou uma quantia avultada para a aquisição das instalações do «Senado», construídas pelo Governo chinês há mais de 200 anos, e

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mandou proceder à sua reedificação, transformando-o em edifício do «Leal Senado», uma construção de dois pisos, para servir de local oficial de trabalho da máquina administrativa de Macau. Igualmente, reviu a antiga lei sobre a nomeação do Ouvidor de Macau pelo Vice-Rei da índia, em nome do Rei de Portugal, passando aquele a ser nomeado directamente pela Rainha de Portugal, D. Maria I. Ó novo Ouvidor, para além das competências administrativa, judicial e alfandegária que detinha, era ainda o substituto do presidente da Câmara, neste caso o Governador, durante as suas ausências ou impedimentos.

Nessa altura, já D. Maria I tinha retomado o poder executivo sobre Macau, voltando assim, à posse do poder monárquico.

Em 1822, sob o impulso da revolução liberal da Europa, as Cortes de Portugal, com os seus membros eleitos pelos cidadãos, criaram a l.ª Constituição, declarando Macau uma colónia portuguesa e passando a nomear portugueses da Metrópole para os cargos de vereadores munici-pais de Macau. Em 1774, o Rei de Portugal tinha autorizado aos portugueses de Macau o exercício das funções de vereadores, mas, na verdade, essa autorização nunca chegou a ser posta em prática. Por conseguinte, os cidadãos de Macau enviaram directamente ao Rei e à Assembleia uma carta, pedindo o restabelecimento da estrutura admi-nistrativa inicial do Senado e a nomeação de macaenses, portugueses naturais de Macau, para o desempenho das funções públicas. Na verdade, tratava-se de um pedido para reaver o poder executivo sobre Macau, por parte dos macaenses, no que foi mais uma luta de poderes, entre a Autarquia e a Monarquia. Em Agosto de 1822, eclodiu, em Macau, o «Movimento Liberal». A 19 de Agosto, constituiu-se um novo governo municipal o qual decidiu restabelecer a estrutura administrativa adopta-da antes de 1784, deixando o novo Senado de se sujeitar ao controlo do Governador, no tocante aos poderes legislativo, administrativo e judici-al. O Governador dessa altura, José Osório de Castro Cabral de Albu-querque, passou a ser o Comandante Militar, tal como antes de 1784. Em Junho de 1823, o Vice-Rei da índia enviou tropas para reprimir o «Movimento Liberal» de Macau. A 23 de Setembro, o líder do movi-mento liberal, Fr. Gonçalo Amarante, refugiou-se em Cantão e o partido conservador, em seguida, criou um conselho do governo para assumir as competências do Governador. Em 1825, o comandante militar que reprimiu o movimento liberal, Joaquim Mourão Garcez Palha, foi nomeado Governador de Macau, e o Conselho do Governo foi dissolvido. A eclosão e a repressão deste «Movimento Liberal» de Macau foi o resultado da luta pelo poder entre a Autarquia e a Monarquia.

Por razões de interesses económicos de Macau, tanto os macaenses como o Rei de Portugal fizeram todos os possíveis para monopolizar o poder executivo sobre Macau, e, não conseguindo as duas partes chegar a um acordo, recorreram às armas.

Em 1833, a classe liberal, com o seu partido constitucionalmente estabelecido, dominou o poder político de Portugal e o novo Governador de Macau, Bernardo José de Sousa Soares Andrea, introduziu, no

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Território, uma série de medidas de reforma, entre as quais extinguir, em 1834, o cargo de capitão-mor e dissolver, em 1835, a Câmara Municipal, passando o Governador a possuir poderes militar e político, enquanto o Leal Senado apenas mantinha as competências para a administração dos assuntos municipais quotidianos. O povo de Macau apoiava imenso este Governador, pois era imparcial e honesto, compreensivo e apto, mas opunha-se à abolição do órgão da Autarquia local — a Câmara Municipal. Por isso, em 1837, pediu por escrito às Cortes de Portugal o restabelecimento da Câmara, mas nunca obteve autorização. Desde então, o Governador passou a dominar totalmente o poder executivo sobre Macau.

A partir de 1784 e até 1833, com o conjunto de reformas políticas posto em prática, o controlo do poder central de Portugal sobre Macau estava praticamente estabelecido e de facto era o Governo Central que governava Macau, através duma estrutura administrativa unificada e relativamente perfeita. Foi, porém, definido com clareza o âmbito de exercício do poder de administração central sobre Macau e as competên-cias da Autarquia do Território. Estas reformas foram, sem dúvida, úteis para a Administração de Macau, pois modificaram a situação de conflitos incessáveis motivados pela luta de poderes e de interesses comerciais, no seio do sistema administrativo de triunvirato. Por outro lado, tendo os poderes já centralizados e unificados, e por estar directamente dependente do Governo Central de Portugal, Macau foi igualmente beneficiada, no sentido de conseguir um maior apoio e ajuda junto do Governo Central, o que foi muito importante para Macau, por ser uma cidade-porto de comércio internacional. Macau obteve certo apoio político, mas o mais importante foi a abertura da rota marítima comercial para a Europa, podendo, assim, usufruir os proveitos provenientes do comércio internacional com a Europa, índia, Japão, China e até mesmo com os países ou territórios do Sul da Ásia. Nos fins do século XⅧ e em princípios do século XIX, o desenvolvimento do comércio externo de Macau recuperou mais uma vez a economia e a cultura do Território. Em particular, depois da Guerra do Ópio, e precisamente por Macau depender e contar com apoio do Governo Central de Portugal, conseguiu expandir, em grande escala, as suas fronteiras, alargando o seu domínio que terminava na freguesia de St.° António, servindo de fronteira a antiga muralha, para a área que abrangia toda a Península de Macau, com a fronteira estabelecida no Istmo de Lianhua, e as duas ilhas de Taipa e Coloane. Embora a área de Macau tenha aumentado muito, aos olhos do Governo da China isso não foi muito apreciado.

Em 1844, o Governo de Portugal permitiu que Macau saísse da jurisdição de Goa, formando, em conjunto com Timor e Solor, uma única província ultramarina. Por isso, o Governador de Macau ficou a ser o «Governador de Macau e Timor». A 20 de Novembro de 1845, a Rainha de Portugal, D. Maria Ⅱ, proclamou Macau um porto livre.

Após a Guerra do Ópio, em Abril de 1846, João Maria Ferreira do Amaral tomou posse como Governador de Macau, começando de ime-

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diato a implementar o plano de colonização e assumindo o poder de administração sobre os cidadãos chineses residentes em Macau. Dissolveu a Câmara Municipal e reorganizou-a. Em 1848, procedeu à expansão da área residencial dos habitantes portugueses de Macau, fazendo avançar para o norte as muralhas fronteiriças da zona da Rua do Campo até às Portas do Cerco. Em 1849, encerrou a alfândega estabelecida pela China, em Macau. A 22 de Agosto de 1849, Ferreira do Amaral foi assassinado, gerando conflitos entre Portugal e a China, com o que resultou a ocupação das Portas do Cerco pelos portugueses. Por outro lado, o Mandarim do Distrito de Xiangshan destacado em Macau, na zona residencial dos portugueses, para administrar os assuntos relacio-nados com os comerciantes chineses aí residentes, teve de se retirar para Qianshan. Desde então, os portugueses habitantes de Macau recusaram-se a pagar o foro e Macau passou para as mãos dos portugueses, na sua totalidade, passando a ser, em concreto, uma colónia de Portugal, embora esse estatuto nunca tenha sido reconhecido pelo Governo da China. Em 1865, após a ocupação da Ilha de Coloane, os portugueses criaram a Comissão Municipal das Ilhas, como o órgão administrativo das Ilhas de Taipa e de Coloane, e em 1874, construíram a norte das originais Portas do Cerco, uma nova Porta do Cerco. Sequencialmente, procedeu ao registo de censo, à numeração policial e à cobrança de foro, na zona residencial dos chineses de Macau.

Com a assinatura do «Protocolo Luso-Chinês», em Lisboa, a 26 de Março de 1887, o Governo da China perdeu o direito de exercício da soberania sobre Macau. No «Tratado de Amizade e Comércio», celebrado, por mútuo acordo, entre Portugal e a China, em 28 de Abril de 1888, foi afirmado que os portugueses podiam «viver na cidade de Macau e administrá-la, por tempo ilimitado». Em 1898, os portugueses acabaram por dominar e administrar toda a Península de Macau e as Ilhas de Taipa e de Coloane. Desde então, a soberania de Macau ficou a pertencer inteiramente aos portugueses.

Desde 1898, num período de quase cem anos, não houve grande alteração na estrutura administrativa de Macau, pois o poder executivo sobre as duas grandes áreas militar e civil ficou desde sempre nas mãos do Governador de Macau, autoridade vinda de Portugal. Nos finais dos anos 20 deste século, Macau era ainda bastante atrasado, em termos de desenvolvimento urbanístico. Isso deveu-se principalmente à instabili-dade política e ao atraso económico de Portugal que dificultaram o acesso ao apoio do Governo Central de Portugal, por parte de Macau. Entretanto, alguns oficiais de Portugal que trabalhavam em Macau, por vezes entendiam também que tinham de promover o bom e abolir o mau, mas como nunca conseguiram delegação dos necessários poderes por parte do Governo Central de Portugal, muitas propostas justificáveis foram abandonadas. Em 1910, após a implantação da República Portuguesa, o factor que mais afectou a estrutura administrativa de Macau foi o de todos os políticos que vieram a assumir o poder nomearem pessoal da sua confiança para administrar Macau, servindo os cargos dos

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Serviços Públicos de Macau como uma forma de retribuição a todos aqueles que deram contributo nas eleições políticas.

Em 1926, depois de mais um golpe de Estado em Portugal, foi constituído um novo Governo que era relativamente mais eficaz e cujas reformas introduzidas tanto na política como na economia trouxeram para Macau influências positivas, tendo, em simultâneo, aumentado a autoridade dos governantes de Macau. Assim, desde a década de 30, Macau desenvolveu-se de uma forma mais rápida e próspera.

Após a Segunda Guerra Mundial, o Governo de Macau adoptou uma série de medidas de âmbito sócio-político, melhorando, assim, as relações entre os habitantes chineses e portugueses. Ao mesmo tempo, esforçou-se para reestruturar a administração de Macau, desenvolver a sua indústria, comércio, trânsito e turismo, bem ainda atrair e incentivar os comerciantes estrangeiros para investir no Território, fazendo com que a economia pudesse obter um desenvolvimento significativo.

Em 1949, foi implantada a República Popular da China. O Bloco Ocidental, liderado pelos Estados Unidos da América, bloqueou econo-micamente a China. Neste caso, Macau produziu os seus efeitos positi-vos quanto à quebra do bloqueio económico e por isso, quando a China procedeu à abolição dos tratados injustos, não sentiu a necessidade premente em retomar a soberania de Macau. O Governo Central de Portugal continuou, então, com o exercício da soberania sobre Macau.

De 1784 a 1976, perto de 200 anos de administração do Poder Centralizado se passaram. Em virtude da unidade política e evitando também que reaparecesse no campo administrativo o sistema de polinúcleo e de sobreposição de funções que se verificaram antes de 1784, Macau gozou de estabilidade social. Durante esse período, apare-ceram, no final do século XⅧ , outros colonizadores ocidentais no Oriente, e a China, depois da Guerra do Ópio, foi forçada a abrir as suas portas ao exterior, perdendo assim Macau a sua antiga posição favorável de ser o único porto de comércio com a China. No início da década de 30 do século XX, Macau começou, finalmente, a encaminhar-se para a industrialização, depois de ter atravessado períodos difíceis e complicados, em que serviu, aos comerciantes ocidentais, de local de «permanência no Oriente», «escolta comercial», «comércio de cules», «processamento do ópio e seu contrabando» e «pratica do jogo». De 1936 a 1945, o valor do comércio externo aumentou 14 vezes, passando de 24 milhões de patacas para mais de 349 milhões de patacas; em 1949, aumentou para mais de 452 milhões de patacas, com um crescimento de cerca de 30 por cento em comparação com o resultado obtido no ano de 1945. Desde que a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM) conseguiu a concessão do direito exclusivo do jogo em 1962, tem desde então desenvolvido grandes esforços para o desenvolvimento da indústria turística e das actividades do casino, contribuindo assim para um maior desenvolvimento da economia de Macau.

De um modo geral, nestes 200 anos da história de Macau (de 1784 a 1976), verifica-se que, motivada pela administração do Poder Centra-

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lizado, a sociedade de Macau permaneceu num estado relativamente estável. Embora a situação político-económica internacional tivesse produzido grande pressão sobre a economia de Macau, graças à sua estabilidade social conseguiu ultrapassar todas as dificuldades, encami-nhando-se por último, com passo firme, para um desenvolvimento económico estável, com base na industrialização, turismo e jogo, acti-vidades que vieram a ser o suporte para o arranque da economia de Macau, depois de 1976.

QUARTA FASE PERÍODO DE TRANSIÇÃO, DE 1976 A 1999

Com a revolução de Abril, em 1974, Portugal acabou com a ditadura e começou a viver em democracia. Em 1976, com a publicação do «Estatuto Orgânico de Macau», iniciou-se igualmente, em Macau, o processo de transição para a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) da República Popular da China (RPC). Durante este período o sistema político adoptado é o da supremacia «no poder executivo», detendo o Governador também o poder legislativo. Apesar de alguns membros da Assembleia Legislativa serem nomeados pelo Governador, outros membros eleitos por sufrágio indirecto e outros ainda por sufrágio directo, mesmo assim já é um primeiro e precioso passo em direcção à RAEM. Por outro lado, desde 1976 até 1995, o sistema de «supremacia no poder executivo» foi de facto um dos factores que contribuíram para o rápido desenvolvimento e prosperidade da economia de Macau, tendo ao mesmo tempo conseguido trazer, para o Território, estabilidade política e social. De 1971 a 1981, foi o período áureo no arranque da economia de Macau. A taxa média anual de crescimento do valor do PIB foi de 16,7 por cento, tornando-se, assim, num dos territórios do mundo com maior taxa de crescimento económico. Depois do ano de 1981, a economia de Macau continuou a desenvolver-se em ritmo acelerado, em particular depois da China ter adoptado a política de reforma e abertura, desempenhando Macau o papel de abertura que liga a China e os diversos países do mundo, nomeadamente a Europa, os Estados Unidos da América e o Japão. Obteve, naturalmente, grandes benefícios e pode dizer-se que desde a década de 70 a economia de Macau tem vindo a desenvolver-se com prosperidade.

Pode ainda dizer-se que, por ter mantido o sistema de «supremacia no poder executivo» depois de 1976, este trouxe a Macau estabilidade sócio-política, o que constituiu um dos factores fundamentais para o desenvolvimento da economia de Macau.

O mecanismo de administração de Macau nascido sob o sistema de «supremacia no poder executivo» mostra-nos, com as suas provas reais, que proporcionou a Macau uma administração eficaz, cuja maior vanta-gem foi a eliminação de conflitos internos e a obtenção de forte apoio do Governo Central. Além disso, os cargos de chefia passaram a ser exercidos por individualidades designadas em Portugal, as quais, dum

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modo geral, possuíam cursos superiores e eram especialistas com larga experiência profissional, trazendo assim, para Macau, novas experiências administrativas e tecnológicas da Europa. Tudo isto contribuiu, sem dúvida, para o melhor funcionamento da máquina administrativa do Território, bem como para o desenvolvimento económico e construção urbanística de Macau.

Em fins do ano de 1999, o exercício da soberania sobre Macau será transferido para a China. A fim de manter o estatuto de Macau como uma cidade internacional e para manter o seu desenvolvimento económico, para que, após 1999, a máquina administrativa de Macau possa funcionar normal e eficazmente, para além de concretizar as políticas de «Macau sob administração do pessoal local» e de «alto grau de autonomia», deve ainda manter, em simultâneo, o sistema de «supremacia no poder executivo». Da história de Macau podem tirar-se lições para servir de referência, pois caso não seja mantido o sistema de «supremacia do poder executivo», originando uma descentralização de poderes, surgirá a tal situação de conflitos internos verificada antes de 1784, o que irá enfraquecer toda a capacidade de Macau, com prejuízos para os interes-ses globais do Território.

Temos agora uma oportunidade para recapitular a Administração de Macau ao longo da sua história, o que nos permite analisar conscien-temente o seu actual aspecto e prever o seu futuro, a fim de tomar uma melhor opção para Macau, construindo um caminho suave para o seu futuro desenvolvimento. Deve ser este o desejo que ambas as partes, portuguesa e chinesa, bem como os habitantes de Macau, pretendem ver concretizado.

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documentação

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RELATÓRIO SÍNTESE

綜合報告 APÓS

ASSEMBLEIA DE APURAMENTO GERAL realizada em 23.09.96

經總核算委員會覆核選票後

於一九九六年九月二十三日發出

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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

Os Novos Deputados Eleitos em 22 de Setembro

立法會

在今年九月二十二日當選的新議員

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AL - Sufrágio Directo 立法會直接選舉

Resultados por Área de Recenseamento

按各地區的結果

Votos nas listas 各候選名單所得票數

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AL - Sufrágio Directo 立法會直接選舉 Mandatos Atribuídos

議席之分配

Deputados Eleitos 獲選之議員

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AL - Sufrágio Directo 立法會直接選舉 Resultados finais por Secção de Voto

按投票分站之最後結果

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AL - Sufrágio Directo 立法會直接選舉 Resultados finais por Secção de Voto

按投票分站之最後結果

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AL - Sufrágio Directo 立法會直接選舉 Resultados finais por Secção de Voto 按投票分站之最後結果

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AL - Sufrágio Directo 立法會直接選舉 Resultados finais por Secção de Voto 按投票分站之最後結果

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AL - Sufrágio Directo 立法會直接選舉 Afluência Hora a Hora

comparada com eleições anteriores

按時段與以往選舉投票率之比較

(*) Em 88 e 91 as assembleias de voto abriam às 8HOO. 八八年九一年度選舉之投票站由早上八時開始。

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AL - Sufrágio Directo 立法會直接選舉

Evolução comparada de Inscritos e Afluência (76/96) 由七六年至九六年間選民數目及投票率之進展比較

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Assembleia Legislativa 立法會

Sufrágio Indirecto

間接選舉

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AL - Sufrágio Indirecto 立法會間接選舉

DEPUTADOS ELEITOS獲選之議員

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AL - Sufrágio Indirecto 立法會間接選舉 Afluência Hora a Hora

comparada com eleições anteriores 與以往選舉在各時段投票情況之比較

(*) As Assembleias de voto em 88 e 91 abriram às 8HOO. 在八八年及九一年選舉投票站由早上八時開始運作。

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AL - Sufrágio Indirecto 立法會間接選舉 Afluência Hora a Hora 各時段之投票情況

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Conselho Consultivo 諮詢會

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Conselho Consultivo

諮詢會

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CC-Conselho Consultivo 諮詢會選舉

VOGAIS ELEITOS 選出之委員

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CC-Conselho Consultivo 諮詢會選舉 Afluência Hora a Hora 各時段之投票情況

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CC-Conselho Consultivo 諮詢會選舉 Afluência Hora a Hora comparada com eleições anteriores 與以往選舉在各時段投票情況之比較

(*) Em 88 a Assembleia de voto abriu-se às 8:00. 在八八年選舉投票站由早上八時開始運作。

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abstracts

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Administração, n.º 34, vol. IX, 1996-4.º, 1193-1198

The Neoconfuncianism in the Portuguese Education: Pedro Nolasco in Macau's History of Education

António Aresta (pp. 873)

This study tries to analyse the pedagogic and ideological contribution of Pedro Nolasco da Silva towards the creation of a neoconfucian pattern on the Portuguese education of Macau.

Within this context a panorama of Macau’s cultural movement is traced, and at the same time the curricular structure of the former courses for translators/interpreters is presented, in addition to the diffusion of the sixth maxim of Emperor Yougzheng, dedicated to education.

The Protection Scope of the Geneve Conventions and Additional Protocols

Filipa Delgado Lourenço (pp. 899)

During the period of war, the beligerants are compelled to comply with certain humanitarian rules, according to the Humanitarian International Rights, even towards the enemy. The latter rules constitute mainly the four Geneve Conventions, of the 12th August 1949 and their Additional Proto-cols, of the 8th of June, 1997.

The present article analyses the different categories of persons protected by these instruments and describes the protection provided to each of them. Thus, the main characteristics of the protection juridical system which must be applied to the wounded, the sick and shipwrecked, the war prisoners, the civil population, women and children, the foreigners, the refugees and interned civil and sanitary personnel, as well as the assets that may or can be affected by war are broached.

Introduction to the International Law in Air Traffic (I Part) José Tomás Baganha (pp. 913)

In 12 months time, the activity of the civil aviation in the Territory, comprehending the components airport activities and air transportation is definitively installed: the situation of the International Airport of Macau is being consolidated at an international level, as it has received most probably, more than one million of passengers, and the Air Macau is strengthening its activity in the Region through to the implementation of flights to new destinations and the increase of the air fleet.

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It is worthwhile noticing that all the structural elements of a new and significant economic activity, whose different interests, of a public or private nature, imply the existence of a juridical protection not only of the internal juridical order but also of the instruments of International Law in Air Traffic.

The text divided into two parts is of a divulging nature and comprehends the typical issues of the several fields of Law: nature, sources and courts with explanations of a political and historical character aiming at the under-standing of the international trends and the adopted solutions. Among the sources of the International Law in Air Traffic, emphasis was given to the systematized air conventional Law according to juridical and political texts, related to the air transportation, the aircraft, damages to a third party and the prevention and repression of ilegal acts in the civil aviation.

It is a systematized and almost exhaustive perspective of the most relevant sources of the International Law in Air Traffic, even when we are dealing with texts which were explicitly revoked or were not brought into force. Information and bibliographical references allow those who are interested to find clues of systematized and selected information which can be used according to the preferences. This first part closes with a political and historical analysis of Chicago Conference that prepared the International Civil Aviation Convention, which constitutes the basis of the International Law Air traffic system.

Notes on the objectives and instruments of the economic policy of Macau

José Hermínio Paulo Rato Rainha (pp. 927)

In these notes on the objectives and instruments of the economic policy, Macau is regarded as a politically organized society in a limited democratic atmosphere. Macau has deve loped an organization of the economic activity where the economic mechanisms play a fundamental role. In this article are pointed out the major goals of the economic policy in the accomplishment of the several public policies and the necessity to attain the latter objectives, through the use of the said means or instruments grouped in sets integrated usually in a partial policy: monetary and financial policy, exchange rate policy, budgeterial policy and administrative control.

In the first part of this text it is mentioned the monetarian policy, an expression used to include the operations related to the public debt, interest rate policies in the short run, budgeterial policy and the control over the banking credit, corresponding essentially to conjunctural aspects, associ-ated to financial policy, relating to the suply and demand markets in the long run and to the actions referring to the structural aspects connected with the organic and functional conditions of the credit systems.

Regarding these policies, the main general or specific instruments and legislative measures, the use of which is not so wide and having not the purpose of regulating the global economy, are also pointed out. Within the scope of governmental intervention in Macau’s economy in the development

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of the monetary, financial and of exchange rate policies, we can conclude that the said policies contribute to the creation of a scenario favourable to the development of the economic activities, corresponding in this way to the long run objectives of economic growth and of balance in the external transactions, through the achievement of minor objectives of maintenance of the feasibility of the financial system, of the stability of the exchange rate and of the control of the means of payment to the exterior.

Social Conciliation in Macau: a path to the economic and social development

José António Pinto Belo (pp. 947)

To the dicotomy capital/labour, which is a source of frequent conflicts whose dimension and meaning should be softened, must be associated a third element which, under a tripartite responsibility, would be capable of contributing to the development of harmonious social and labour relations. It should also contribute to an equitable and balanced distribution of the wealth generated by the economic growth of the Territory, that brings about significant progress in the social field.

In 1987, one of the main concerns of the Government was to establish a consulting organ for social and labour issues based on the principle of Social Concialiation, where representatives of the Administration, of the employers and workers should have seats, for this organ was envisaged as a privileged space to debate problems of a social and economic nature. The aforementioned organ is the Standing Committee for Social Conciliation (SCSC).

In this article, the author describes succinctly all the reasons leading to its creation, as well as its attributions, constitution, the various members of the council's attributions, the way it functions, appointment of members and procedure rules.

The author believes that, notwithstanding the slowness of some legislative initiatives, the hopes laid on the Standing Committee for Social Conciliation were confirmed nowadays, since it has contributed to the creation of a reliable environment and over all to an increasing coresponsibility of the social partners for fundamental affairs connected with political and eco-nomic policies which are strongly linked. Consequently social partners have access to reliable data on economic and social matters and to their understanding, and for this reason acceptance of the feasible policies are easier within the context of the present transition period.

The Criminal Investigation Police of Macau from Inspectorate to Directorate

Fernando Passos (pp. 959)

In 1960, an Inspectorate of Criminal Investigation Police was created in Macau.

During the course of time, the aforesaid criminal investigation police went 1195

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throught many structural changes, from Sub-Directorate to Directorate. The presente Directorate for Criminal Investigation Police has an Office,

an Sub-Office of Interpol, Sections for Operations and Suport, a Laboratory for Scientific Criminal Investigation, and a School for Criminal Investigation Police.

Besides its obvious functions, as a public service for prevention and criminal investigation, the Directorate of Macau for Criminal Investigation Police assures the training of its staff, through its School for Criminal Investigation Police, as well as the teaching of two official languages in Macau — Portuguesa and Chinese.

Macau's Health General Situation

Tong Ka Io (pp. 977)

The present article reports the first attempt to apply the Delphi technique in elaborating a diagnosis of general health situation in Macau.

Delphi technique is one of consensus methods. It obtain consensus through surveying the opinion of one pre-determined group of experts with a series of structured questionnaires and feedback, by mail.

An anterior exploratory study of the existing statistics was taken as the starting point. All specialists of general practice and public health of the Macau Health Department were solicited to participate as experts.

The Delphi panel reached consensus concerning about: 1) the general health level in Macau and the related protecting factors; 2) the important health problems in terms of mortality; 3) the situation of mortality of tuberculosis and the corresponding risk factors.

Mental Health and General Practice in Macau

Armando Baptista Pereira (pp. 989)

The objective of this work is to analyse the average attendance of the Health Services of Macau by the population with mental problems and who looks for the General Practitioner in the Health Centres. We used the data supplied by the Organization and Data Processing Department of the Health Services of Macau and by the demographic and social and cultural data of the Territory. We selected 21 codes of Chapters V and VI of the international classification «ICHPPC-2 DEFINED» which has been used in the Macau Primary Health Care since 1992. According to the results of this analysis we can stress that 2 out of thousand individuals of the population had seen the general practitioner, at least once a year, due to problems of that nature. This represents about 1,2 per cent of all the enrolled in the Health Centres and 1,5 per cent of the enrolled over 13 years old. About 10 per cent of the appointments with the general practitioner has at least a code relating mental health. These numbers are smaller than expected, having in mind the social and cultural characteristics of the population of Macau.

The most reasonable explanation is the inadequate skills of the great 1196

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majority of the doctors in the P.H.C. of Macau, in the research and diagnosis of these problems and consequently in its codification. Beyond the necessity of improving their knowledge, it is suggested the appointment of a psychia-trist to support each Health Centre or small groups of two or three Health Centres. In this way it will be possible to upgrade the services rendered to the sick and to deepen the professionals’s clinical knowledge in continuous training.

Macau's Civil Service Regime and its Reform Ilídio Duarte Rodrigues (pp. 999)

In the present communication, which was presented, on the 13th January 1996, during the Conference promoted by the Association of Public Admin-istration Graduates, under the theme «Reform of China, Hong Kong and Macau’s Civil Service Regime», the author tries to give an overview of the relations between Macau's Civil Service Regime and «The Three Big Questions of the Transition Process».

In fact the localization of the Macau’s Law, the officialization of the Chinese language (or the generalization of the official languages in the Public Administration of Macau) and the localization of the civil servants, have some points in common with the civil service, and conditions its regime, its evolution and its reform.

In this way, the author analyses the most important ordinances that enshrine the statutory discipline of the civil service and the instruments adopted by the Government of Macau to create a skilled civil service capable, efficient and bilingual, under the perspective and conditionalism of the three Major Questions of the Transition Process.

The Administration of Macau throughout its History

Ng Siu Yu (pp.1015)

The handing over of the sovereignty of Macau to the People’s Republic of China will take place in the end of 1999. At that time a new stage of its administration will begin. The author divides into periods the Administra-tion of Macau throughout the centuries: the first stage from 1557 to 1583, the Period of the Creation of the Administrative Structure and Foundation of the City of Macau; the second stage, the Period of Local Autarchical Power from 1583 to 1784; the third stage, the Period of the Centralized Power from 1784 to 1976; and the Transition Period which began in 1976 and will end at the time of its transference.

Since the very beginning of Macau till now, all its history evolves, either progressing or receding, due to the political events in Portugal or China which have always influenced and still influence the life of the city.

In this article, in a concise way, and according to the author's opinion, the most important phases of the history of the city are described, as well as the causes and consequences which brought them about.

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