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I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte CONSUMO ALIMENTAR RESIDUAL E SEU IMPACTO SOBRE A QUALIDADE DA CARNE BOVINA Mario Luiz Chizzotti 1 , Pedro Veiga Rodrigues Paulino 2 , Marcio Machado Ladeira 1 , Leandro Samia Lopes 1 , Otávio Rodrigues Machado Neto 1 Julimar do Sacramento Ribeiro 3 1 Universidade Federal de Lavras; 2 Universidade Federal de Viçosa; 3 Universidade Federal de Alagoas 1-) INTRODUÇÃO Em sistemas de produção animal, os custos com alimentação respondem por mais da metade dos custos totais de produção. No Brasil, especificamente neste ano de 2011, também se observa um marcante aumento nos preços do milho e dos demais alimentos energéticos e protéicos, em relação aos anos anteriores, o que poderá impactar de forma negativa no número de animais alojados em sistema de confinamento no país. Portanto, verifica-se que a eficiência de utilização dos alimentos por parte dos animais é uma variável que tem grande impacto sobre a rentabilidade de sistemas de produção de bovinos. Na pecuária de corte, a maioria dos programas de melhoramento genético enfatizam apenas a seleção para aumento dos pesos nas diferentes idades, ganho de peso diário, circunferência escrotal, características de carcaça e até mesmo o desempenho reprodutivo (Lanna & Almeida, 2004), sem se atentar para a diminuição dos custos com alimentação. Ou seja, não há atualmente preocupação em se reduzir a quantidade de alimento consumido para cada quilo de carne produzida. Melhorias em eficiência alimentar podem levar à redução dos custos de produção e à melhoria do sistema de produção como um todo (Nkrumah et al., 2006). Uma melhoria de cerca de 5% na eficiência alimentar pode ter como consequência um beneficio econômico quatro vezes maior que um aumento de 5% no ganho de peso médio diário (Gibb & McAllister, 1999). Basarab et al. (2007) sugeriram que a melhor forma de reduzir os custos de produção é através da seleção de touros que são naturalmente mais eficientes, uma vez que 80 a 90% do melhoramento genético em um rebanho é realizado através dos machos. Um touro considerado eficiente em termos de utilização dos alimentos tem a capacidade de passar esta característica para a sua progênie,

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I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

CONSUMO ALIMENTAR RESIDUAL E SEU IMPACTO SOBRE A

QUALIDADE DA CARNE BOVINA

Mario Luiz Chizzotti1, Pedro Veiga Rodrigues Paulino2, Marcio Machado

Ladeira1, Leandro Samia Lopes1, Otávio Rodrigues Machado Neto1 Julimar do

Sacramento Ribeiro3

1 – Universidade Federal de Lavras; 2 – Universidade Federal de Viçosa; 3 –

Universidade Federal de Alagoas

1-) INTRODUÇÃO

Em sistemas de produção animal, os custos com alimentação

respondem por mais da metade dos custos totais de produção. No Brasil,

especificamente neste ano de 2011, também se observa um marcante aumento

nos preços do milho e dos demais alimentos energéticos e protéicos, em

relação aos anos anteriores, o que poderá impactar de forma negativa no

número de animais alojados em sistema de confinamento no país.

Portanto, verifica-se que a eficiência de utilização dos alimentos por

parte dos animais é uma variável que tem grande impacto sobre a rentabilidade

de sistemas de produção de bovinos. Na pecuária de corte, a maioria dos

programas de melhoramento genético enfatizam apenas a seleção para

aumento dos pesos nas diferentes idades, ganho de peso diário, circunferência

escrotal, características de carcaça e até mesmo o desempenho reprodutivo

(Lanna & Almeida, 2004), sem se atentar para a diminuição dos custos com

alimentação. Ou seja, não há atualmente preocupação em se reduzir a

quantidade de alimento consumido para cada quilo de carne produzida.

Melhorias em eficiência alimentar podem levar à redução dos custos de

produção e à melhoria do sistema de produção como um todo (Nkrumah et al.,

2006). Uma melhoria de cerca de 5% na eficiência alimentar pode ter como

consequência um beneficio econômico quatro vezes maior que um aumento de

5% no ganho de peso médio diário (Gibb & McAllister, 1999). Basarab et al.

(2007) sugeriram que a melhor forma de reduzir os custos de produção é

através da seleção de touros que são naturalmente mais eficientes, uma vez

que 80 a 90% do melhoramento genético em um rebanho é realizado através

dos machos. Um touro considerado eficiente em termos de utilização dos

alimentos tem a capacidade de passar esta característica para a sua progênie,

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resultando em economia na alimentação de bezerros do nascimento ao abate e

também na alimentação de novilhas de reposição (Smith, 2009).

A grande maioria das medidas de eficiência alimentar está relacionada

uma às outras (eficiência alimentar e conversão alimentar, por exemplo) e o

que é mais importante, tem alta correlação com a taxa de crescimento. A

medida mais conhecida de mensuração de eficiência alimentar é a conversão

alimentar (relação entre o consumo de matéria seca e o ganho de peso), sendo

que a relação inversa (eficiência alimentar) é também frequentemente utilizada

na pecuária de corte. Segundo Carstens (2003), o grande problema dessas

medidas de eficiência alimentar reside no fato de que são altamente

correlacionadas com a ingestão de alimentos e a taxa de ganho de peso, além

de terem correlação genética alta com o peso adulto. Portanto, a seleção de

animais tendo a conversão alimentar como critério de seleção, pode ter como

consequência o aumento no peso à maturidade dos animais, o que é

indesejável na pecuária moderna. Além disso, segundo Smith et al. (2009),

animais com conversão alimentar semelhante podem diferir de forma intensa

quanto às suas taxas de crescimento. . A relação entre consumo de matéria

seca e ganho de peso nem sempre é linear e a máxima eficiência em ganho de

peso pode ocorrer em níveis inferiores ao consumo máximo (Ferrell & Jenkins,

1998).

De acordo com Ferrell & Jenkins (1998) um importante inconveniente da

conversão alimentar é a inabilidade desta variável em considerar a utilização

dos alimentos para mantença. Aproximadamente 70-75% do custo energético

(dietético) de produção de bovinos de corte é utilizado na manutenção dos

animais, principalmente das vacas (NRC, 1996). A variabilidade genética nas

exigências energéticas de mantença de bovinos é de moderada a alta (h2 =

0,22 a 0,71), sugerindo uma oportunidade para seleção dos animais mais

eficientes (Basarab et al., 2003). No entanto, conforme relatado por Lanna &

Almeida (2005), a seleção direta para redução das exigências de mantença é

impraticável e parâmetros de eficiência precisam ser identificados a partir do

consumo

Koch et al. (1963) propuseram o conceito de Consumo Alimentar

Residual – CAR (Residual Feed Intake), que é definido como sendo a diferença

entre o consumo de matéria seca observado e o consumo de matéria seca

predito em função da taxa de ganho de peso observada e do peso metabólico

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do animal. Sendo assim, animais mais eficientes tem um CAR negativo

(consumo observado menor que o consumo predito para o ganho de peso

observado) e os animais menos eficientes tem um CAR positivo (consumo

observado maior que o predito). Esta medida de eficiência alimentar apresenta

como vantagem o fato de ser fenotipicamente independente da taxa de

crescimento e do peso vivo dos animais e, conseqüentemente, é uma variável

mais interessante para inclusão em programas de melhoramento genético do

que a conversão alimentar (Kennedy et al., 1993; Archer et al., 2002; Baker et

al., 2006).

A utilização da conversão alimentar como critério de seleção em

sistemas de produção de bovinos de corte pode resultar em aumento do peso à

maturidade dos animais nas gerações subsequentes, o que não é interessante,

principalmente no Brasil, onde a sazonalidade da produção de forragem pode

causar dificuldades na nutrição desses animais, devido às suas maiores

exigências energéticas para mantença. Quando o alimento disponível não é

suficiente para atender as exigências de mantença e crescimento de novilhas

de maior tamanho, por exemplo, a eficiência reprodutiva pode ser

comprometida, visto que esses animais terão mais dificuldade de manter

escore corporal adequado em relação a animais de menor porte (Calegare,

2007).

O consumo alimentar residual é uma característica que apresenta

variabilidade genética entre animais dentro de uma população e herdabilidade

moderada-alta, variando de 0,21-0,47 (Lancaster et al., 2009), tornando-a

passível de ser utilizada em programas de seleção e melhoramento genético.

2-) MENSURAÇÃO DO CAR

O consumo alimentar residual é uma mensuração que deve ser

realizada individualmente nos animais do rebanho, portanto os animais devem

seralimentados individualmente em baias ou em gruposutilizando dispositivos

eletrônicos que mensurem o consumo individual. O custo com a alimentação

individualizada dos animais em baias pode limitar a utilização deste parâmetro

como medida de eficiência alimentar para seleção genética. Entretanto, o uso

de equipamentos eletrônicos de mensuração de consumo individual, que

permite que um número muito maior de animais sejam avaliados por teste,

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pode viabilizar a utilização do consumo alimentar residual em programas de

seleção.

Para que se tenha uma mensuração adequada do CAR, o consumo de

alimentos, o ganho de peso médio diário e o peso corporal devem ser

avaliados por um período pré determinado. Uma vez que os custos com o

manejo dos animais nas condições necessárias para a realização do teste e os

custos com alimentação aumentam à medida que o tempo de duração do teste

aumenta, há necessidade em se definir o tempo ideal de duração do teste que

permita a identificação dos animais mais e menos eficientes dentro de um

grupo. Nos Estados Unidos, testes com 112 dias de duração são considerados

adequados para o teste de touros para taxa de ganho de peso (Franklin et al.,

1987; Kemp, 1990; Brown et al., 1991). No entanto, segundo Archer & Bergh

(2000) testes com tempo de duração entre 70 e 84 dias são adequados para

gerar uma medida acurada de CAR em touros de raças britânicas e de outros

tipos biológicos. Todavia, estas recomendações foram obtidas sem considerar

a natureza de medidas repetidas no tempo, do consumo alimentar e do peso

vivo, durante o teste. Wang et al. (2006), avaliaram o tempo ótimo de duração

do teste para determinação do CAR, utilizando um modelo misto com análise

de medidas repetidas no tempo. Foi verificado que o teste para determinação

do CAR pode ser reduzido para 63 dias sem significativa redução da acurácia,

desde que o peso vivo dos animais seja mensurado semanalmente, o que

pode, no entanto, acarretar em estresse aos animais, interferindo no padrão de

consumo, principalmente em se tratando de animais Zebuínos. Portanto, para

esta prática é necessário um condicionamento prévio dos animais à rotina de

manejo e pesagens ou o uso de dispositivos eletrônicos de pesagem

Diversos fatores podem afetar a acurácia do modelo (valor de R2 da

equação, ou seja, quanto da variação no consumo é explicada pelas variáveis

preditoras: peso corporal e ganho de peso) usado para estimar o consumo de

matéria seca dos animais, incluindo o tipo de dieta, raça e classe sexual. A

inclusão de algumas características de carcaça, mensuradas por ultrassom,

podem melhorar as equações, sendo as mais efetivas, o ganho de gordura de

acabamento e a área de olho de lombo final (Lancaster et al., 2009).

Geralmente, as medidas de carcaça explicam em torno de 9 a 12,5% da

variação observada no consumo (Lancaster et al., 2009), sendo o restante

ocasionado pelo peso corporal e o ganho de peso. Embora a inclusão de

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características de composição de carcaça no cálculo do CAR tenha mínimos

impactos no ranking dos animais, seu uso seria interessante, pois permitiria

reduzir o potencial impacto negativo da seleção para CAR sobre a qualidade da

carcaça (Lancaster et al., 2009).

3-) EFICIÊNCIA ALIMENTAR E METABOLISMO

De acordo com Herd et al. (2004) as diferenças observadas quanto à

eficiência alimentar entre os animais podem ser resultantes de variações

existentes nos seguintes processos: consumo de alimentos, digestão dos

alimentos (e os custos energéticos associados a este evento), metabolismo

(anabolismo e catabolismo, associado com variações na composição corporal),

nível de atividade e termorregulação. De acordo com estes autores, a

deposição da mesma quantidade de tecido magro (músculo) e gordura têm

diferentes custos energéticos. Existe maior variação na eficiência de deposição

de tecido muscular do que na de adiposo. A eficiência parcial teórica de uso

dos nutrientes para deposição de tecido adiposo varia de 70 a 95% e para

deposição de tecido muscular, de 25 a 50%. A maior variação na eficiência de

deposição de tecido muscular é devida à maior variação existente no turnover

protéico quando comparado ao turnover de lipídeos. Além disso, a taxa de

turnover protéico apresenta grande variabilidade entre os diferentes órgãos, o

que não ocorre para o turnover de lipídeos (Herd et al., 2004).

Os processos de síntese e degradação protéica são energeticamente

dispendiosos e tecidos com alta taxa de turnover protéico apresentam alta

demandapor aminoácidos, acentuado fluxo sanguíneo e elevado consumo de

oxigênio, reflexo da alta atividade metabólica. Esta é a característica primordial

da maioria dos tecidos viscerais como trato gastrointestinal e fígado (Reynolds,

2002). O consumo de oxigênio por esses órgãos é proporcional à ingestão de

matéria seca, uma vez que os maiores gastos energéticos seriam para

atividades como digestão da dieta, absorção e metabolismo dos nutrientes,

manutenção da estrutura e das funções celulares, pelo transporte de íons e

pela reciclagem de proteína, e pela energia gasta durante o metabolismo

oxidativo de substratos e a síntese de novos compostos (gliconeogênese

hepática).

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Qualquer variação na composição do ganho de peso ou na composição

corporal pode influenciar a eficiência aparente de uso dos nutrientes.

Richardson et al. (2001), trabalhando com novilhos de corte que foram

submetidos à seleção divergente para CAR, verificaram que a composição

química corporal esteve correlacionada com a variação genética observada

para o CAR, sendo que a progênie de animais de baixo CAR apresentaram

menor concentração de gordura corporal e maior concentração de proteína no

corpo, quando comparados a animais de alto CAR. Entretanto, as diferenças

em energia retida no corpo responderam por apenas 5% da variação

observada em consumo de matéria seca, sendo o restante das diferenças

observadas relacionadas às diferenças quanto à produção de calor. Concluiu-

se que as variações observadas quanto ao CAR são pouco explicadas pela

composição corporal dos animais, apesar de existirem diferenças quanto à

eficiência de uso desses nutrientes (proteínas e lipídeos).

Variações observadas no metabolismo podem afetar a produção de

calor, sendo que muitos desses processos têm influência na exigência de

energia para mantença dos animais. Tem sido demonstrado que existem

diferenças quanto à eficiência de utilização da energia para mantença entre

animais (Archer et al., 1999) e, além disso, há evidências de que a exigência

de energia para mantença por unidade de peso metabólico é fortemente

correlacionada com as variações genéticas observadas em CAR (Herd &

Bishop, 2000). O turnover protéico em animais de produção é um evento que

apresenta alto custo energético e variações observadas no metabolismo de

proteína acompanham a seleção para taxa de crescimento e outras

características. Segundo Herd & Arthur (2009), em bovinos selecionados para

taxa de crescimento ou contra taxa de crescimento, o gasto de energia por

unidade de massa muscular diferiu em aproximadamente 20%. Uma

significativa parte desta variação foi devida às diferenças nas taxas relativas de

degradação protéica e síntese protéica dentro de cada músculo (Oddy et al.,

1995, 1998). A calpastatina, que é um inibidor específico das enzimas

calpaínas, responsáveis estas pela degradação de proteínas, parece diferir

quanto à sua concentração em bovinos selecionados para eficiência alimentar

(McDonagh et al., 2001). Richardson & Herd (2004) relataram maior

concentração de proteínas plasmáticas totais, de uréia e de aspartato amino

transferase (um marcador de função hepática que indica maiores níveis de

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catabolismo protéico) em bovinos de alto CAR em comparação aos animais de

baixo CAR, o que indicaria um maior turnover protéico em bovinos de alto CAR.

Arthur et al. (2001), avaliando a correlação entre a espessura de gordura

subcutânea medida entre a 12ª e 13ª costelas, observaram correlação genética

de 0,17 e 0,06 entre essa característica e o CAR, para bovinos recém

desmamados e novilhas. Em experimento com novilhos de sobreano, de várias

raças de corte, Schenkel et al. (2004) relataram correlações genéticas entre

CAR, espessura de gordura subcutânea e gordura de marmoreio. Os autores

verificaram uma correlação de 0,16 entre CAR e espessura de gordura

subcutânea e de -0,02 entre CAR e gordura intramuscular (marmoreio).

Nkrumah et al. (2007), em experimento com bovinos jovens confinados,

encontraram correlações um pouco mais altas entre CAR e teor de gordura na

carcaça, sendo reportados valores de 0,35 entre CAR e espessura de gordura

subcutânea e de 0,32 entre CAR e gordura de marmoreio.

Em um experimento onde foram abatidas progênies de animais que

sofreram seleção divergente para CAR, Richardson et al. (2001) concluíram

que o peso dos tecidos do trato gastrointestinal e dos órgãos internos não

estiveram relacionados à variação genética observada em CAR. Os autores

concluíram que as diferenças observadas quanto ao consumo de energia

metabolizável foi resultado de processos metabólicos ao invés de mudanças na

composição corporal. O consumo de oxigênio pelas vísceras drenadas pelo

sistema porta parece estar diretamente relacionado à ingestão de matéria seca

em bovinos de corte (Huntington, 1988). Devido a forte correlação existente

entre CAR e ingestão de matéria seca, é possível que ocorra diminuições no

consumo de oxigênio desses tecidos após os animais sofrerem seleção para

CAR.

A mitocôndria produz aproximadamente 90% da energia celular, são

numerosas em tecidos metabolicamente ativos (fígado, rins, músculo e tecido

nervoso) e contribuem com cerca de 10% do peso vivo de humanos adultos e

provavelmente com similar proporção do peso vivo de animais (Ojano-Dirain et

al., 2007). Variações observadas em aspectos relacionados à eficiência

energética da função mitocondrial têm sido utilizadas para explicar diferenças

fenotípicas observadas em taxas de crescimento e eficiência alimentar em

muitos animais de produção. Segundo Kolath et al. (2006), animais de baixo

CAR apresentam maior taxa de respiração mitocondrial ou seja, a cadeia

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transportadora de elétrons apresenta maior grau de acoplamento, enquanto

animais de alto CAR parecem ter o fluxo de elétrons prejudicado. Alguns

autores têm sugerido que as mitocôndrias de animais menos eficientes têm

menor atividade do complexo de proteínas ligadas à respiração celular, em

virtude de sofrerem maior taxa de oxidação, já que o acoplamento da

respiração é menor, resultando em um maior vazamento de elétrons, que

levam à formação de espécies oxigenadas reativas (ROS, reactive oxygen

species) que, por sua vez, afetam a funcionalidade das proteínas presentes

nos complexos enzimáticos mitocondriais (Botje et al., 2006).

Conclui-se que vários fatores estão envolvidos nas diferenças

observadas em bovinos de alto e baixo CAR. De acordo com Herd & Arthur

(2009), as diferenças em energia retida como proteína e gordura, respondem

por 5% da variação observada em CAR. Diferenças em digestão contribuem

com aproximadamente 10%, e padrões de consumo alimentar

(comportamento), com cerca de 2% da variação observada no CAR. O

incremento calórico contribui com 9% e a atividade física com cerca de 10%. O

turnover protéico, somado ao metabolismo tecidual e a resposta ao estresse

contribuem com aproximadamente 37% da variação observada em CAR. Por

último, aproximadamente 27% das diferenças observadas em CAR são

devidas à variações em outros processos, como transporte iônico.

Embora o consumo residual esteja sendo muito relacionado às

exigências de energia para mantença, levando ao entendimento que as

variações observadas são devidas às alterações no metabolismo visceral, a

fisiologia do músculo esquelético precisa ser mais bem estudada e

compreendida. O músculo esquelético representa cerca de 50% da massa

corporal e é responsável por aproximadamente 25% da taxa metabólica basal

(Lefaucheur et al., 2011). Castro-Bulle et al. (2007) encontraram que as

exigências de energia para mantença de novilhos de corte foram

fenotipicamente correlacionadas (r = 0,76) com as taxas fracionais de

degradação protéica, confirmando que o turnover protéico das proteínas

miofibrilares é uma fonte significativa de variação entre animais quanto aos

gastos energéticos, estando diretamente relacionado ao consumo alimentar

residual. Ou seja, mudanças nas propriedades contráteis e metabólicas do

músculo podem explicar parte da variação observada entre animais quanto ao

CAR e, o mais importante, possibilitam o entendimento do impacto da seleção

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

para eficiência alimentar sobre o desenvolvimento do tecido muscular e a

qualidade final da carne.

4-) CONSUMO ALIMENTAR RESIDUAL E QUALIDADE DA CARNE.

A composição física da carcaça, normalmente expressa em termos de

porcentagem de ossos, músculo e tecido adiposo, é avaliada com o propósito

de determinar possíveis diferenças existentes entre animais, em função de

fatores genéticos e/ou ambientais.

Apesar da maior eficiência produtiva dos animais CAR negativos, várias

pesquisas têm demonstrado que as alterações metabólicas podem ter efeito

sobre a qualidade da carne desses animais (Herd & Arthur, 2008). Portanto, é

imprescindível verificar se a seleção desses animais não ocasionará redução

na qualidade das carcaças e da carne bovina, uma vez que poderiam reduzir o

benefício econômico alcançado pela seleção para a diminuição dos custos com

a alimentação animal (McDonagh et al., 2001).

A concentração sistêmica de hormônios metabólicos chaves associados

com o consumo alimentar, acúmulo de gordura, partição energética e a

utilização de nutrientes foram descritos por Wood et al. (2004) como potenciais

marcadores fisiológicos para eficiência alimentar, permitindo aumentar o

entendimento sobre o metabolismo das principais características de carcaça e

da qualidade da carne.

O hormônio de crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1), devido a

sua capacidade mitogênica para a proliferação celular, foi determinado ser

geneticamente e fenotipicamente correlacionado com CAR em machos e

fêmeas em crescimento (Brown et al., 2004; Moore et al., 2005). Porém, Kelly

et al. (2009) não encontraram correlação entre CAR e IGF-1 em bovinos

alimentados a base de forragem.

Recentemente, Johnston (2007) reportou que a medida que os animais

se tornam fisiologicamente maduros, a correlação genética entre concentração

plasmática de IGF-1 e CAR diminui, indicando que muitos genes responsáveis

pela concentração sistêmica de IGF-1 diferem em expressão entre as fases de

desenvolvimento de pós desmama e terminação. Portanto, o IGF-1 não estima

satisfatoriamente o CAR, principalmente em animais mais próximos da fase

final de crescimento, sendo mais útil quando avaliado em animais mais jovens.

I SIMBOV – I Simpósio Matogrossense de bovinocultura de corte

A leptina é outro hormônio produzido pelo tecido adiposo e que tem

relação direta com os processos de regulação de consumo, que pode estar

ligado ao crescimento e ao CAR, uma vez que está associada com a

diminuição da eficiência alimentar e aumento da gordura corporal (Suzuki et al.,

2009) O principal efeito da leptina é a regulação no balanço energético nos

animais, onde a secreção da leptina estaria relacionada com a massa de

gordura corporal, afetando consequentemente a qualidade da carcaça (Zieba et

al., 2005). Espera-se que animais de baixo CAR apresentem menores

concentrações plasmáticas de leptina (Farjalla, 2009). Lefaucheur et al. (2011)

verificaram que animais selecionados para baixo CAR apresentaram menor

concentração de leptina no sangue, quando coletado sem jejum, sendo que a

diferença deixou de ser significativa quando os animais foram mantidos sem

acesso ao alimento durante uma noite antes de terem o sangue coletado. Os

autores afirmaram que a diferença em relação à concentração de leptina foi

devido às alterações na composição corporal, uma vez que os animais mais

eficientes apresentaram menor proporção de gordura subcutânea em relação

aos menos eficientes. Por outro lado, Sanches et al. (2006) verificaram o

oposto, pois o CAR foi negativamente correlacionado com os níveis

plasmáticos de leptina, onde animais de baixo CAR tenderam a apresentar

maiores níveis plasmáticos de leptina. Dessa forma, o menor consumo

alimentar desses animais poderia ser em decorrência da inibição do apetite

pelos altos níveis plasmáticos de leptina.

Outro hormônio que está relacionado com a qualidade da carne é o

cortisol. Animais zebuínos são mais susceptíveis ao estresse quando

comparados a animais taurinos. E quando os animais são comparados dentro

de um mesmo grupo genético, animais CAR negativo apresentam menores

concentrações sanguíneas de cortisol (Gomes, 2009). Animais com maiores

níveis de cortisol no momento do abate podem apresentar menor quantidade

de glicogênio muscular, o que pode levar a uma inadequada acidificação

muscular, promovendo menor queda no pH (pH > 6,0) originando uma carne do

tipo DFD (dark, firm and dry).

Segundo McDonagh et al. (2001), ao se considerar melhores valores

de CAR no processo de seleção, poderá haver prejuízo à qualidade de carne

dos animais selecionados. Embora esses problemas sejam observados na

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literatura, há benefícios do uso do CAR para a seleção dos animais, visto que

há retorno econômico para a cadeia produtiva.

Em geral, raças taurinas apontam para uma correlação positiva entre

gordura corporal e CAR, indicando que animais mais eficientes apresentariam

menor deposição de gordura e maior deposição de proteína. Porém, em sua

maioria, esta associação tem sido pequena, levando alguns autores a

sugerirem que a seleção para CAR não levaria a perda na qualidade da

carcaça (Gomes, 2009). Baker et al. (2006), trabalhando com bovinos da raça

Angus, não observaram diferenças nos parâmetros de qualidade de carne

entre animais CAR positivo e negativo.

Concordando com o acima citado, em animais taurinos foram relatados

maior AOL e menor EGS nos animais mais eficientes (Richardson et al., 2001;

Basarab et al., 2003; Herd et al., 2003). No entanto acredita-se que,

possivelmente, há sinergismo entre genótipo (taurino e zebuíno) e CAR para as

características AOL e EGS. Gomes (2009) afirmou que existem diferenças no

padrão de deposição de gordura corporal em função do CAR em novilhos

zebuínos e que provavelmente este padrão difere-se daquele apresentado por

bovinos taurinos, especialmente as raças britânicas.

Ainda, no estudo realizado por Richardson et al., (2001), as correlações

encontradas entre CAR e composição corporal foram pequenas, sendo

sugeridos valores inferiores a 5% da variação do CAR dos touros testados.

Sainz et al. (2006) não encontraram diferença entre novilhos Angus-Hereford

para animais CAR negativo e positivo para peso de carcaça quente, área de

olho de lombo, espessura de gordura subcutânea, grau de marmoreio, massa

visceral e gordura abdominal, indicando a baixa ou inexistente correlação

fenotípica entre CAR e composição corporal.

Trabalhando com novilhos Nelore, Gomes (2009) não encontrou

diferença nos parâmetros de carcaça (AOL e EGS) e qualidade de carne entre

animais CAR negativo e positivo. Almeida et al. (2004) também não

observaram diferenças entre animais zebuínos CAR negativo e positivo em

relação à espessura de gordura subcutânea e área de olho de lombo.

Posteriormente, Lemes e Gomes (2007) relataram que animais Nelore CAR

negativo apresentaram menor espessura de gordura subcutânea, menor peso

de gordura renal pélvica e inguinal e maior área de olho de lombo, quando

comparados aos animais CAR positivos. Segundo os autores, essas diferenças

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entre os experimentos podem ser explicadas pela diferença na maturidade

fisiológica apresentada pelos animais nos distintos experimentos.

Farjalla (2009) não encontraram diferença para todas as características

de carcaça avaliadas entre animais Nelore de CAR baixo, médio e alto. As

características de carcaça avaliadas foram: peso de carcaça quente,

rendimento de carcaça, gordura subcutânea, escore de marmoreio, área de

olho de lombo, extrato etéreo no Longissimus dorsi, força de cisalhamento e

índice de fragmentação miofibrilar. De acordo com o autor, os dados diferem na

grande maioria dos trabalhos comparados, pois animais de CAR negativo (mais

eficientes) tenderiam a apresentar carcaças mais magras, com menor

quantidade de gordura subcutânea e menor deposição de gordura

intramuscular, o que poderia levar as carcaças de animais CAR negativo a

apresentar características de menor aceitação para determinados mercados,

principalmente devido à menor maciez da carne.

Reis et al. (2010a) avaliaram a qualidade da carcaça e da carne de

novilhas cruzadas Bos taurus x Bos indicus classificadas em diferentes grupos

de consumo alimentar residual (alto, médio e baixo) e não encontraram

diferenças significativas em relação aos parâmetros de cor (L*, a* e b*) e

composição química do músculo Longissimus dorsi, sugerindo que os animais

mais e menos eficientes apresentaram mesmo grau de marmoreio (4,28% de

extrato etéreo no músculo). A carne dos animais dos diferentes grupos de

consumo residual também não diferiu em relação à força de cisalhamento,

recebendo também o mesmo escore de maciez, sabor e suculência em um

painel sensorial treinado (Reis et al., 2010b). Portanto, a hipótese de que

animais mais eficientes, ou seja, de menor CAR apresentam menos marmoreio

e maior dureza na carne, por uma possível maior atividade de calpastatina, não

foi confirmada.

Já Basarab et al. (2003) encontraram diferença na gordura de

acabamento e escore de marmoreio, o que segundo os autores foi devido

principalmente à maior quantidade de energia metabolizável consumida pelos

animais menos eficientes. Mesmo diante dos menores valores de gordura

subcutânea apresentados pelos animais CAR negativo, vale ressaltar que os

frigoríficos exigem 3 mm de gordura subcutânea, e este valor pode ser obtido

quando os animais são expostos a um bom manejo alimentar, independente do

CAR que os animais são classificados. Com esses resultados acredita-se que a

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seleção para eficiência alimentar residual, com ênfase em qualidade de carne

não trará prejuízos às características de carcaça.

Os mesmos autores acima citados encontraram correlações fenotípicas

significativas de 0,22; 0,22 e 0,26 para CAR e ganhos em gordura subcutânea,

escore de marmoreio e gordura no corpo vazio em animais cruzados. Gomes

(2009) verificaram correlações entre CAR e porcentual de gordura, proteína e

teor de energia no corpo vazio de 0,18; -0,18 e 0,17, respectivamente, que são

próximos aos valores encontrados por Basarab et al. (2003) em raças taurinas.

Porém, não houve diferença nas variáveis analisadas quando foram

comparadas dentro dos grupos de eficiência.

Ribeiro et al. (2007) não encontraram diferença para animais Angus

CAR positivo e negativo para o percentual de gordura na carcaça e gordura

interna, porém os animais CAR negativo apresentaram menor peso de trato de

gastrointestinal, podendo-se inferir que estes animais utilizaram menos energia

para manutenção dos órgãos viscerais, quando comparados aos animais CAR

positivo, compensando o menor consumo de matéria seca.

O ganho protéico, tanto nos tecidos como no corpo em geral, é a

diferença entre a síntese e a degradação protéica. Em termos de um maior

crescimento animal, qualquer estratégia que aumente essa diferença é melhor

(Sainz et al., 2006). Em termos energéticos, devido ao custo elevado da

formação das ligações peptídicas (5ATPs/ligação), torna-se muito importante

identificar mecanismos que reduzam a taxa de proteólise tecidual (Lobley et al.,

2000).

As altas taxas de dissociação das miofibrilas podem ser indicativas de

altas taxas de degradação protéica no músculo do animal in vivo, sendo essa

dissociação das miofibrilas positivamente correlacionadas com a maior

atividade da enzima calpaína e maior maciez da carne (Sainz et al., 2006).

Dessa forma, pesquisas recentes têm evidenciado que as proteases ativadas

pelo íon cálcio, denominadas calpaínas, são enzimas relacionadas à proteólise

post mortem, que levam a um aumento progressivo na maciez da carne.

Whipple et al. (1990), estudando as características responsáveis pela maciez

da carne, concluíram que a atividade da enzima calpastatina constitui-se uma

importante característica de predição de textura, o que pode ser explicado pelo

coeficiente de correlação existente com a força de cisalhamento.

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McDonagh et al. (2001), avaliaram a progênie de bovinos oriundos de

seleção para CAR e verificaram que amostras do músculo Longissimus dorsi

de animais CAR negativo apresentaram menores valores de índice de

fragmentação miofibrilar, tanto na carne in natura (sem maturação) quanto na

carne maturada por 14 dias, e concentrações de calpastatina no músculo 13%

maiores, quando foram comparados a animais CAR positivos. De acordo com

os autores, a contínua seleção para animais de CAR negativo, poderia levar

esses animais a apresentarem uma carne com menor maciez. Tais resultados

se complementam com os achados por Lefaucheur et al. (2011), que

demonstraram maior porcentagem de fibras musculares glicolíticas em animais

de baixo CAR, uma vez que esse tipo de fibra muscular apresenta menor

turnover protéico quando comparado às fibras oxidativas (Lewis et al., 1984),

tendo, portanto, maior eficiência de crescimento (Therkildsen & Oksbjerg,

2009). Trabalhando com suínos após 5 gerações de seleção divergente para

consumo alimentar residual, Smith et al. (2011) verificaram que a atividade de

calpastatina foi maior no músculo Longissimus dorsi dos animais selecionados

para baixo CAR, quando comparados aos animais controle. No entanto, a

degradação de desmina, uma das proteínas presentes na linha Z dos

sarcômeros e que sofre proteólise pelas calpaínas, não foi diferente entre os

animais eficientes e controle. A degradação da desmina permite que os

filamentos finos (formados principalmente por actina) se desprendam da

superfície das miofibrilas, e também quebram as ligações existentes entre as

miofibrilas, permitindo que se separem (Goll et al., 2008), tornando a carne

mais macia. No trabalho de Smith et al. (2001) o painel sensorial também

conferiu mesmas notas para maciez, demonstrando que embora a atividade de

calpastatina tenha aumentado com a seleção para CAR após 5 gerações,

ainda não foi suficiente para diminuir a degradação da desmina e afetar a

maciez ao ponto de ser percebida por um painel treinado. Entretanto, usando

um número maior de animais, os mesmos autores obtiveram correlação

positiva entre consumo alimentar residual e maciez e negativa entre CAR e

força de cisalhamento. A correlação negativa obtidas entre CAR e presença de

desmina intacta no músculo após 7 dias de maturação sugere que o lombo dos

animais de baixo CAR apresentou menor degradação protéica. Ou seja, ao

longo do tempo, é possível que a maciez da carne seja afeta pela seleção para

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CAR em virtude de maior atividade de calpastatina e menor conteúdo de

gordura intramuscular nos animais mais eficientes (Smith et al., 2011).

Por outro lado, Baker et al. (2006) não encontraram diferença entre

novilhos Angus de CAR negativo e positivo para a atividade de calpastatina,

composição química, força de cisalhamento e escores de maciez. Da mesma

maneira, Gomes (2009) não encontrou diferença na força de cisalhamento,

índice de fragmentação miofibrilar no dia 0 e com 7 dias de maturação,

atividade de µ-calpaína, m-calpaína e calpastatina entre animais Nelore CAR

negativo e positivo com aproximadamente 19 meses de idade.

Devido à variabilidade genética encontrada entre os animais em relação

à concentração de calpastatina nos músculos, a seleção contra essa enzima

pode resultar em melhorias na maciez da carne, embora isso possa

representar uma perda de adaptabilidade dos animais a ambientes mais

desafiantes, como é o caso dos trópicos. Shackelford et al. (1994) relataram

que a herdabilidade para a enzima calpastatina é alta (h=0,65), e que a

correlação da calpastatina com a força de cisalhamento é de 0,50.

Savell e Shackelford (1992), ao analisarem o significado da maciez para

a indústria da carne, sugeriram que para melhorar o grau de satisfação que a

carne proporciona ao consumidor, deve se reduzir a variabilidade genética do

gado de corte, e também que a carne com mais de 25% de genótipo Bos

indicus é inaceitável para consumidores americanos. Cundiff (1992)

demonstrou que a carne da progênie de touros Bos Indicus (Brahman, Sahiwal

e Nelore) é menos macia que mestiços Hereford-Angus, apresentando força de

cisalhamento aproximadamente 25% superior.

Devido aos resultados conflitantes na literatura presente e a falta de

resultados entre os diferentes genótipos (Bos indicus vs Bos taurus), são

necessários ainda mais experimentos para validar os reais efeitos da seleção

de animais para CAR, quando o objetivo é a avaliação de carcaça e qualidade

de carne, principalmente quando são utilizados animais zebuínos que são

detentores de carne com maior dureza, devido à maior atividade da enzima

calpastatina.

A relação entre proteases musculares (calpaínas e calpastatina) e

eficiência alimentar ainda carece de mais estudos, principalmente em animais

Nelore, visto que nada se conhece praticamente sobre a ação dessas enzimas.

Trabalhos recentes têm demonstrado que tanto em suínos quanto bovinos, a

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calpastatina ocorre em dois picos distintos (calpastaina I e II), sendo a

calpastatina II mais ativa do que a I contra ambas µ- e m-calpaína (Cruzen et

al., 2011). Essa maior atividade da calpastatina II pode estar relacionada a uma

maior fosforilação em relação a calpastatina I, potencializando sua

especificidade e eficiência inibitória sobre as calpaínas (Salamino et al., 1997).

É importante discernir também que a maioria dos trabalhos realizados

na área de consumo alimentar residual não pode ser interpretada da mesma

maneira, visto que apresentam aspectos metodológicos com diferenças

marcantes. Por exemplo, a maior parte dos trabalhos realizados no Brasil até o

presente momento com consumo alimentar residual foram baseados somente

na identificação, dentro de um grupo de animais, dos mais e menos eficientes,

através dos dados de consumo observado e predito. Sem um programa de

seleção divergente para consumo residual, qualquer conclusão acerca dos

efeitos do CAR sobre a qualidade da carne se torna superficial. Para se ter

convicção de afirmar qual o real impacto da seleção para consumo alimentar

residual sobre a deposição de tecidos corporais e a qualidade da carne, seria

necessário estudar algumas gerações de animais controle e provenientes de

um núcleo de seleção estabelecido para identificar e cruzar animais de baixo

CAR, como tem sido feito na Austrália, nos Estados Unidos e no Canadá. O

Instituto de Zootecnia, de Sertãozinho-SP, está desenvolvendo uma amostra

de animais Nelore selecionados para baixo CAR, que poderão ser utilizados

para elucidar essas dúvidas. Em breve, alguns dados estarão disponíveis na

literatura. Através desse tipo de estudo, que é caro, demorado e trabalhoso,

poderemos ter as respostas para saber os reais impactos da seleção para

eficiência alimentar sobre a qualidade da carne.

No entanto, alguns trabalhos, realizados com espécies em que o

intervalo de gerações é mais curto (aves e suínos), sugerem que ao longo das

gerações, os animais selecionados para baixo CAR, ou seja, melhor eficiência

alimentar, passam a apresentar maior deposição de músculo, menor conteúdo

de gordura na carcaça (menor acabamento), e com alguns prejuízos quanto a

qualidade de carne (Lefaucheur et al., 2011). O aumento observado no

conteúdo de carne magra da carcaça dos animais mais eficientes é explicado,

pelo menos parcialmente, por uma maior hipertrofia (aumento em área) das

fibras musculares, principalmente das glicolíticas, cuja freqüência também é

aumentada em animais de baixo consumo residual, quando comparados aos

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de alto CAR. Geralmente, quanto maior o crescimento de tecido magro, maior a

participação de fibras do tipo IIB, ou glicolíticas (Lefaucheur et al., 2011).

5-) CONCLUSÕES

A seleção para CAR proporciona expressivos ganhos econômicos e

ambientais e, embora possa estar associada a redução na gordura corporal e

menor maciez da carne, sua utilização conjunta ao monitoramento de atributos

de qualidade de carne e o correto manejo nutricional na terminação pode

minimizar seus possíveis impactos negativos o que a torna fundamental para a

produção bovinos com elevada eficiência e alta competitividade.

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