Contrato Social e Representação Política em Hobbes

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Contrato Social e Representao Poltica em Hobbes, Locke e Rousseau

Alessandro Amorim[footnoteRef:1] [1: Bacharel em Cincia Poltica pela Universidade de Braslia (UnB) e mestrando em Cincia Poltica pelo instituto de Estudos Sociais e Polticos (IESP/UERJ).]

Talita So Thiago Tanscheit[footnoteRef:2] [2: Graduada em Cincias Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-RIO) e mestranda em Cincia Poltica pelo instituto de Estudos Sociais e Polticos (IESP/UERJ).]

Introduo

O poder poltico no pensamento filosfico antigo no era objeto de justificao. A ideia dominante da poca, refletida principalmente no pensamento de Aristteles, era a de que a comunidade poltica seria um ente natural e orgnico. Os homens, segundo essa perspectiva, naturalmente se organizariam e viveriam em sociedade. A questo da representao poltica, por sua vez, tambm no era objeto de discusso, posto que eles desconheciam tais prticas. apenas na modernidade que essas discusses vo ganhar maior relevo e destaque. Os modernos, afastando-se da concepo dos antigos e dos medievais, vo colocar o problema da justificao racional e laica do poder poltico. Dessa forma, a pergunta que mobilizou pensadores como Hobbes, Locke e Rousseau pode ser transcrita da seguinte forma: de onde advm a fonte do poder poltico?. Ao lado dessas discusses sobre a fundamentao do poder, seguem-se tambm, no pensamento desses autores, importantes reflexes sobre a questo da representao poltica. Discusso que ganha contornos diferentes em cada um dos autores dependendo da concepo desenvolvida sobre a relao entre o homem e a comunidade. O objetivo do presente artigo , portanto, discutir de forma sinttica e no exaustiva, os discursos de fundamentao do poder poltico presente em cada um dos autores citados e, tambm, apresentar a concepo de representao poltica desenvolvida por eles. O objetivo se justifica pela importncia terica e histrica de tais discursos. Importantes revolues (a francesa e a americana, por exemplo) tiveram como fulcro noes que foram desenvolvidas por esses autores, v-se, ento, a importncia do papel de legitimao poltica que tais argumentos tiveram ao longo da histria poltica ocidental.Alm dessa introduo, o artigo est dividido em trs partes e uma concluso. Na primeira destas partes ser abordado o pensamento de Thomas Hobbes e sua concepo de representao poltica, aqui ser discutido principalmente as ideias contidas no livro Leviat (1651), na segunda parte seguir uma explanao das ideias de John Locke, ao qual o principal livro discutido ser Segundo Tratado sobre o Governo (1690) e, por fim, a terceira parte tratar do pensamento de Rousseau. A anlise deste autor contar com insumos de dois livros, sendo eles: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755) e Do Contrato Social (1762).Os trs autores que sero discutidos aqui so os mais importantes representantes da teoria contratualista e jusnaturalista moderna, seus argumentos se enquadram no que Bobbio (2000) chama de Teorias do Fundamento Voluntarista do Poder[footnoteRef:3]. Tais autores acreditavam que os homens tinham direitos naturais e que a fonte do poder poltico encontrava-se em um pacto social. Para compreender mais facilmente a discusso dos pensadores modernos sobre contratualismo, necessrio, primeiramente, elucidar trs conceitos, dado que todos esses autores, de uma forma ou de outra, trabalha com esses conceitos, sendo eles: Estado de Natureza, Contrato Social e Sociedade Civil. O Estado de Natureza pode ser compreendido como um perodo pr-social, onde os homens se encontrariam em condio puramente natural, sem qualquer poder comum que os submeta e exija obedincia. J o Contrato Social compreende o momento fundacional do poder poltico-estatal. Sendo, portanto, a maneira de definir as bases da futura sociedade. O estado civil, por fim, o perodo estatal, ou seja, o resultado do Contrato Social. Neste momento o poder do Estado j se encontra estabelecido e legitimado. Feito isso, pode-se agora adentrar mais especificamente o pensamento de cada um dos autores. [3: Nessas teorias "o fundamento do poder no buscado nem na potncia divina nem na tradio histrica, mas no livre acordo dos homens que, num certo perodo do desenvolvimento histrico, decidiram a criao do Estado. [...] Elas derivam da considerao de que ningum pode ter poder supremo sobre a vida e a morte dos outros homens se estes no tiverem aceitado livremente esse poder, se no estiver baseado de fato na prpria vontade daqueles que devam submeter-se a ele" (Bobbio, 2000. p. 29-30)]

1 - O leviat de Hobbes e o Estado absoluto

Thomas Hobbes nasceu em 5 de abril de 1588, na aldeia de Westport, Malmesbury, em Wilshire, Inglaterra. Advindo de famlia pobre, teve seus estudos custeados por um tio. Em 1603 iniciou seus estudos em Oxford. Aps o bacharelado se tornou preceptor do filho de William Cavendish, emprego que lhe permitiu uma oportunidade para seu desenvolvimento intelectual. Importante ainda ressaltar, da bibliografia do filsofo, o seu contato com pensadores como Francis Bacon (1561-1626), Descartes (1596-1642) e Galileu (1564-1642).O perodo histrico vivido por Hobbes foi de intensas guerras e convulses sociais. Havia, naquela poca, uma revoluo liberal acontecendo, Cromwell tinha assumido o poder em Londres, e o poder do rei, que estava em exlio em Paris, estava sendo posto em cheque. A se encontram, nas tenses do perodo vivido, as razes de suas teorizaes sobre o absolutismo. Hobbes foi profundo defensor do poder real, representado, nesse momento, na figura de Carlos II. Entre suas obras principias que refletem esse pensamento, pode-se citar: Sobre o Cidado (1642), Sobre o Corpo (1658), Leviat ou Matria, Forma e Poder de um Estado Eclesistico e Civil (1651). Para os fins deste trabalho, utilizar-se- apenas o livro Leviat, posto que neste que seu pensamento se articula de maneira mais slida.J na introduo do seu livro, no pargrafo inicial, Hobbes (2000) rompendo com o pensamento aristotlico ao qual o homem um animal poltico (Zoon Politikon), lana luz sobre a artificialidade do corpo social. Para o filsofo, o homem, com sua arte e imitando a natureza, criaria um animal artificial chamado Estado. Ainda nesse mesmo pargrafo, Hobbes j adianta os objetivos para o qual tal corpo criado: proteo e defesa. O livro est dividido em quatro partes, contudo, para os fins desse ensaio, ser dada ateno apenas primeira e segunda parte do livro. A primeira trata da matria e o artfice do homem artificial, que o homem natural. A segunda parte diz respeito s convenes que do origem ao Estado, nela encontra-se tambm uma explanao sobre os direitos e autoridade do soberano. Nestes captulos, possvel retirar uma sntese do seu pensamento sobre o estado de natureza, contrato social e a sociedade civil, bem como a noo de representao poltica pensada pelo autor. A leitura que Hobbes faz do homem advm de uma reflexo de si mesmo. Pois para conhecer o homem, segundo o autor, necessrio olhar para dentro de si prprio. As paixes e desejos so semelhantes entre todos os homens, dessa forma, quem quer que olhe para dentro de si mesmo, e examine o que faz quando pensa, opina, raciocina, espera, receia etc., e por que motivos o faz, poder por esse meio ler e conhecer quais so os pensamentos e paixes de todos os outros homens em circunstncias idnticas (HOBBES, 2000, p.28). da que advm, portanto, toda a antropologia do autor, vale lembrar, tambm, que o homem de Hobbes bastante consistente, isto , quando comparado ao homem em Locke e Rousseau.Hobbes, na primeira parte de seu livro, argumenta sobre coisas diversas referentes ao homem, como a imaginao, as sensaes, a razo, a linguagem etc. Dentre as questes importantes ligadas a essas questes, pode-se destacar a valorizao das experincias e do sensvel. Hobbes, rompendo com Plato e os escolsticos, vai afirmar, no terceiro captulo de seu livro, que o conhecimento s possvel atravs do sensvel, ou seja, da experincia. Outra questo importante, agora no captulo sexto e melhor desenvolvida no captulo treze, e que rompe novamente com o pensamento de Plato, a afirmao de que no existe um bem em si. No existe, segundo o autor, um bom e mau absoluto, ou seja, as definies gerais no podem ser retiradas dos prprios objetos, mas da vontade de cada um, quando no h Estado, ou de todos, quando h Estado. Aqui reside, portanto, um dos pontos centrais do pensamento de Hobbes: no h justia (certo ou errado) fora da Sociedade Civil. o Contrato Social que estabelece um poder comum capaz de estipular o que certo e errado. Antes de falar sobre a sociedade civil em Hobbes, necessrio clarear, primeiramente, as suas noes sobre o Homem e o estado de natureza. Para o filsofo, os homens so, basicamente, iguais (no absolutamente), tanto em relao s questes corporais como as relacionadas ao esprito (HOBBES, 2000. p.107). Diferenas de fora, por exemplo, quando analisadas num quadro geral, no so suficientes para gerar algum tipo de benefcio a algum que outra pessoa tambm no possa reclamar. Como bem lembra Ribeiro (2006, p. 55), Hobbes no afirma que os homens so absolutamente iguais, mas que so to iguais que...: iguais o bastante para que nenhum possa triunfar de maneira total sobre outro. Dessa forma, os homens teriam igualdade em relao ao corpo, em relao s capacidades e em relao a atingir determinados fins. No estado de natureza, essa igualdade fsica, espiritual e de atingir fins coloca os homens em uma situao de perigo para a preservao. Querendo um homem a mesma coisa que outro e dado impossibilidade do usufruto comum, a nica sada para os dois homens a inimizade, em outras palavras, a destruio e subjugao de um pelo outro (HOBBES, 2000. p.108-11). J que nenhuma liberdade, propriedade e honra so garantidas, a situao de desconfiana mtua. A vida e a liberdade do homem esto, nessa situao, constantemente em ameaa. Isso, segundo Hobbes, configura uma condio de guerra. Uma guerra que de todos homens contra todos os homens (HOBBES, 2000. p.109). Nesse estado, portanto, a nica segurana do homem aquela que advm da sua prpria fora. No h espao, ento, para o surgimento de indstrias, cultivo de terras, artes etc., o que torna a vida do homem solitria, pobre, srdida, embrutecida e curta (HOBBES, 2000. p.109). o imprio do medo da morte violenta.Essa situao de guerra onde cada homem tem direito a tudo, inclusive ao corpo de outro homem, que vai caracterizar o estado de natureza hobbesiano. A sada para essa miservel situao, como colocar o autor no oitavo captulo, se encontra nas paixes humanas e na sua prpria razo. O homem, temendo ser morto violentamente, tende a caminhar para a consecuo da paz e do conforto, sendo que a razo forneceria os mecanismos aos quais os homens poderiam chegar ao acordo de paz. Importante lembrar, que o homem de Hobbes no almeja to somente os bens materiais, como afirma Ribeiro (2006), mas a honra que ocupa lugar primordial. A disputa pela riqueza seria apenas instrumental, o verdadeiro bem valorizado pelo homem no estado de natureza a honra. Alm das questes ligadas s paixes e razo, Hobbes (p.113-21) apela para um argumento de base jurdica para fundamentar a mudana do estado natural para o estado civil. Duas noes so, dessa forma, fundamentais para compreender esse processo. A primeira de direito de natureza, que , basicamente, o direito do homem de fazer tudo aquilo que seja adequado preservao de sua natureza e a segunda a de lei de natureza, que um preceito imposto pela razo que impede o homem de fazer qualquer coisa que atente contra sua preservao ou o prive dos meios. Hobbes menciona, ao total, dezenove leis, contudo, para fins de ilustrao de sua teoria, basta anunciar as trs primeiras leis. As demais podem ser facilmente deduzidas da seguinte sentena: fazer aos outros o que queremos que nos fazem. Dado o estado de guerra e o direito a tudo, ou seja, a situao de insegurana e ameaa preservao, o primeiro preceito imposto pela razo atravs de lei que todo homem deve esforar-se pela paz, na medida em que tenha esperana em consegui-la, e caso no a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra (HOBBES, 2000. p.114). Sendo, portanto, a primeira lei da natureza uma imposio para que o homem procure a pela paz. A segunda lei impe que o homem abandone seu direito a tudo, quando os outros tambm o fizer, caso isso seja necessrio para a paz e a preservao, sendo assim, os homens devem renunciar a seu direito a todas as coisas, contentado-se, em relao aos outros homens, com a mesma liberdade que os outros homens permite em relao a si mesmo (HOBBES, 2000. p.114). J a terceira lei impe que os homens cumpram os pactos celebrados. Dessa terceira lei advm, portanto, a fonte e a origem da justia. Essas so as trs leis bsicas. Esses preceitos gerais, contudo, no so suficientes para a constituio de um Estado, necessrio tambm a instituio de um poder capaz de gerar obedincia, pois pacto sem espada no passa de palavras. Tendo, portanto, o medo da morte violenta e as consequentes leis da natureza como causa. O Estado criado artificialmente pela necessidade de que os acordos sejam cumpridos. A nica maneira do homem criar um poder comum capaz de assegurar a sua segurana, conferindo voluntariamente toda a sua fora e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma s vontade (HOBBES, 2000. p. 144). Dessa forma, assim, de maneira voluntria, que o portador do poder soberano criado. Importante mencionar ainda, que o soberano no participa do contrato social, ou seja, ele se encontra fora da sociedade civil, pois para assegurar a paz necessrio um poder forte que possa usar o poder de todos (HOBBES, 2000. p. 146). O que impulsiona o homem a sair do estado de natureza a preservao de sua vida, dessa forma, o soberano deve ser livre e ter fora para assegurar a ordem dos sditos. O poder do soberano deve ser, portanto, absoluto e indivisvel.Essa compreenso do poder soberano como um poder absoluto vai refletir na concepo de representao de Hobbes. O filsofo, no captulo dezesseis, vai elaborar uma interessante teorizao sobre a representao poltica[footnoteRef:4]. Segundo ele, uma pessoa (aquele cujas palavras ou aes so consideradas quer como suas prprias quer como representando as palavras ou aes de outro homem, p. 135), pode ser tanto natural como artificial (quando est representando outra pessoa). Quando a pessoa artificial, ela o ator e aqueles a quem pertence suas aes so os autores. Qualquer pacto feito pelo ator, quando portando autoridade para tal, obriga necessariamente os autores, pois como se fosse uma ao dos prprios autores. Essa teorizao sobre a representao poltica se articula com toda a teoria de Thomas Hobbes, posto que o soberano, aquele que unifica e personifica a comunidade, tem autorizao dos sditos para represent-los. [4: Esse original desenvolvimento terico sobre a representao poltica, na obra de Hobbes, fez com que ele entrasse para a teoria da representao poltica como fundador da concepo autorizativa. Hanna Pitkin (1972), por exemplo, autora de um livro clssico sobre o tema, reservou um captulo inteiro para destacar o pensamento do autor. ]

Concluindo, dentro do estado absoluto de Hobbes, o soberano, sendo o legitimo representante dos sditos, tem autorizao para agir da maneira que o convm. E a ao do soberano, sem restries, como se fosse parte integrante da ao dos sditos. Posto que o soberano, ao transformar a multido de homens em uma unidade, personifica a ao dos sditos. Posto isso sobre Hobbes, analisar-se- agora a fundamentao do poder e as questes referentes representao poltica em Locke.

2 - Contrato social e liberalismo poltico em Locke

O estado defendido por Hobbes, como foi visto na primeira parte deste trabalho, aquele que detm o poder absoluto, ou seja, aquele que capaz de evitar a anarquia, o autor agora discutido defende uma tese oposta: a do poder limitado pelo consentimento do povo. Os sditos, nesta nova teoria do estado, no esto mais sujeitos aos mandos e desmandos do soberano, eles possuem direitos claros e inalienveis, qualquer ao poltica que ignore esses direitos coloca em cheque a legitimidade do poder.John Locke nasceu em 1632, em Bristol. Estudou medicina em Oxford, onde tambm se tornou professor. Locke viveu em um perodo semelhante ao de Hobbes, onde existia um conflito patente entre a Coroa, representada na dinastia Stuart, e o Parlamento, em suma, burgueses ascendentes partidrios do liberalismo. Esse conflito ter fim em 1688, com a Revoluo Gloriosa, quando Guilherme de Orange recebe a coroa do parlamento. Se o livro Leviat de Hobbes pode ser lido como uma justificao do poder absoluto, nico capaz de manter a paz, o livro de Locke (1983), segundo (MELLO, 2006), pode ser lido como uma espcie de justificao ex post facto da Revoluo Gloriosa com base no direito de resistncia.Antes de falar mais diretamente sobre o Segundo tratado de Locke, importante tecer um breve comentrio sobre o que foi discutido no Primeiro tratado sobre o governo civil. Neste tratado, Locke desconstri as argumentaes presentes no livro Patriarca, de Robert Filmer. Segundo este livro, o poder divino dos monarcas tem base na autoridade paterna que Ado, primeiro homem criado por Deus, deixou para suas descendncias. Aps refutar tais afirmaes, Locke (1983) inicia seu julgamento sobre a verdadeira origem do governo civil em seu Segundo Tratado. O autor, com j mencionado, tambm era um filsofo contratualista, portanto, explicava a origem do poder a partir de um contrato social entre os homens. importante elucidar, ento, como funciona o estado de natureza, o contrato social e a sociedade civil, em sua teoria, para compreender seu pensamento.O estado de natureza lockeano, diferentemente da concepo presente em Hobbes, no necessariamente um estado de guerra de todos contra todos, pelo menos no inicialmente, mas um estado onde os juzes podem potencialmente agir de maneira absoluta, posto que todos tem naturalmente o direito executivo das leis. Sem semelhana ao estado de guerra hobbesiano, o estado de natureza lockeano inicialmente de relativa paz e tranquilidade, ou seja, enquanto no existir muitos problemas em relao propriedade privada e sua defesa haver paz. Tal estado, contudo, guarda o germe do caos, pois cada um sendo juiz em causa prpria o estado de guerra torna-se eminente. Os homens, nesse estado, so guiados pela razo, diferentemente do estado de natureza hobbesiano, e buscam sua preservao. Aqui j existem certas leis conhecidas por eles, atravs da razo, que devem ser respeitadas, como a da propriedade (compreendo-se aqui a vida, a liberdade e os bens), por exemplo. Contudo, a ausncia de um poder comum capaz de obter obedincia e julgar os conflitos faz com que cada um seja juiz de suas prprias causas. Est aqui, portanto, o germe dos conflitos, pois dado que cada homem julga em causa prpria, a lei no suficientemente bem conduzida, gerando, dessa forma, um potencial estado de guerra de todos contra todos (semelhante ao de Hobbes). Outra diferena em relao Hobbes, onde o direito propriedade privada posterior instaurao da sociedade civil, que em Locke esse direito a precede. , portanto, um direito natural. A defesa da propriedade elaborada por Locke tem como base o direito que o homem tem sobre sua prpria pessoa, deriva da que qualquer trabalho que o homem embute em alguma coisa faz com que esta se torne propriedade dele[footnoteRef:5]. A propriedade , de acordo com essa viso, aquilo que tem trabalho embutido. Ela, contudo, no pode ser acumulada de maneira ilimitada. Locke atribui um valor bastante positivo na entrada do dinheiro nas sociedades, dado que essa entrada permitiu acumulao de bens. Sem dinheiro no h incentivo para o trabalho alm daquele necessrio para o consumo. [5: Essa ideia desenvolvida principalmente no captulo cinco: Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua prpria pessoa; a esta ningum tem qualquer direito seno ele mesmo. O trabalho do seu corpo e obra das suas mos, pode dizer-se, so propriamente dele (LOCKE, 1983. p. 45)]

Feita essas consideraes sobre o estado de natureza e a propriedade em Locke, possvel agora adentrar na questo do contrato social pensado por ele. A primeira considerao a ser feita, que esse pacto social no to abstrato como em Hobbes e Rousseau, posto que o pacto tem um carter histrico. O estado civil surge, sobretudo, para garantir a propriedade e castigar as ofensas cometidas contra as leis da propriedade. Na falta de um juiz neutro, os homens consentem em transferir, na forma de contrato, seu prprio poder natural para comunidade, na medida em que est garanta e preserve seu direito inalienvel propriedade (vida, liberdade, bens etc). Como bem lembra Mello (2006), este contrato nada se assemelha ao contrato social de Hobbes, posto que no um pacto de submisso total onde os sditos transferem as suas liberdades para algum terceiro, e sim de consentimento. Os homens concordam em formar a sociedade civil apenas para garantir direitos que ela j tinha originalmente no estado de natureza, sendo que a qualquer momento essa sociedade pode ser desfeita, caso exista, claro, a degenerao de seus princpios. Em Locke, dessa forma, s h sociedade civil e poltica quando os homens se renem em sociedade de tal sorte que cada um abandone o prprio poder executivo da lei de natureza, passando-o ao pblico (LOCKE, 1983. p. 67). assim, portanto, que a sociedade civil de Locke tem origem. A legitimidade e fundamentao do poder reside, consequentemente, no consentimento de todos em relao ao ato. No estado de natureza de Locke, como j foi dito, o homem tinha direito a fazer tudo que considerasse conveniente para a sua preservao, tendo tambm, o direito de punir os crimes cometidos por outros. Era um estado de total liberdade, mas, contudo, essa liberdade tinha fruio incerta, pois a propriedade privada no era totalmente assegurada (LOCKE, 1983. p.82). essa situao, portanto, que far com que os homens abdiquem desses direitos (igualdade, liberdade e poder executivo das leis) para formarem e constiturem um governo civil. O objetivo desse processo, alm e principalmente da fruio propriedade, a paz, a segurana e o bem pblico do povo (LOCKE, 1983. p. 84). O primeiro ato fruto desse consentimento , segundo Locke, a formao do legislativo e aqui encontra-se a base da formao do governo civil. Este rgo superior ter o poder de fazer leis de carter geral, mas, diferentemente do soberano de Hobbes, que tem poder ilimitado, esse rgo legislativo, detentor do consentimento da comunidade, um poder limitado pelos direitos individuais de seus membros. Locke, criticando uma concepo de contrato social semelhante defendida por Hobbes, ao qual o soberano tudo pode, vai afirmar que fazer isso importaria em colocar-se em condio pior do estado de natureza, no qual tinham a liberdade de defender o prprio direito contra os malefcios de terceiros e se encontravam em termos iguais de fora para sustent-lo (LOCKE, 1983. p. 88).Para resguardar os homens dos abusos do poder e das violaes da propriedade, Locke defende um direito de resistncia, pois se o objetivo do governo o bem dos homens, o poder no pode ser ilimitado. Quando o legislativo ou o executivo agi contra o seu mandato ele perde a legitimidade e deixa de existir, deixando os homens, novamente, em estado de natureza. Qualquer exerccio do poder para alm do direito consentido ilegtimo. O soberano aqui no como o de Hobbes, que tudo pode. H direitos individuais inalienveis que devem ser protegidos e o poder poltico s pode agir de acordo com esses direitos. A resistncia ao poder ilegtimo , consequentemente, um direito. importante destacar que a defesa de um direito resistncia em relao a um poder ilegtimo fundamental no tempo de Locke. , sobretudo, um discurso revolucionrio til para quem deseja trocar o poder estabelecido. Dessa forma, analisando toda a argumentao de Locke, possvel perceber que o conflito que deve ser domesticado no tanto entre os homens (como em Hobbes), pelo menos totalmente, mas entre os homens e o poder poltico. Portanto, concluindo, os fundamentos do estado civil em Locke esto no livre consentimento dos indivduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da comunidade para a formao do governo, a proteo dos direitos de propriedade pelo governo, o controle do executivo pelo legislativo e o controle do governo pela sociedade (MELLO, 2006. p. 87).Disto isso acerca da fundamentao do poder poltico em Locke, pode-se agora tentar elucidar algumas questes referentes sua concepo de representao poltica. O texto a seguir bastante representativo de sua teoria:"Somente o povo pode indicar a forma da comunidade, a qual consiste em constituir o legislativo e indicar em que mos deve estar. E quando o povo disse, sujeitar-nos-emos a regras e seremos governados por leis feitas por estes homens, e dessa forma, ningum mais poder dizer que outros homens lhes faam leis, nem pode o povo ficar obrigado por quaisquer leis que no sejam as que forem promulgadas pelos que escolheu e autorizou a faz-las. Sendo o poder legislativo derivado do povo por concesso ou instituio positiva e voluntria, o qual importa em fazer leis e no em fazer legisladores, o legislativo no ter o poder de transferir a prpria autoridade de fazer leis, colocando-a em outras mos" (LOCKE, 1983. p. 90).

Dado que a base de legitimidade para qualquer forma de governo advm do consentimento expresso dos membros da comunidade, a questo da representao poltica em Locke tem um carter bem mais flexvel do que em Hobbes. O legislativo, sendo o poder soberano supremo, no absoluto, mas limitado. Os representantes desse governo civil devem agir respeitando os direitos individuais da comunidade. Sendo que, tambm, o povo s deve obedincia s leis formuladas pelos seus legtimos representantes. Dessa forma, s as leis ratificadas pelos representantes tero a obedincia assegurada. Como j falado, Locke defende o direito de resistncia ao poder ilegtimo, arbitrrio. Aqui tambm tem um elemento importante da teoria de Locke no que tange questo da representao, pois os representantes do povo, organizados no poder legislativo, esto limitados pelos direitos naturais dos membros da comunidade. Qualquer usurpao desse poder de legislao pode retirar o poder desses representantes. Fato que em Hobbes inimaginvel, pois o poder soberano pode tudo, dado que o governo absoluto. Locke, com seu individualismo liberal, acaba oferecendo assim um timo argumento para questionar a ao do governo e do legislativo. Dessa forma, concluindo, o tipo ideal de representao proposto por Locke aquele que tem o parlamento como lcus do poder. A representao poltica tem um carter mais representativo do que em Hobbes, posto que ela no pode ser exercida de maneira absoluta, sem qualquer conexo com os representados. Ao cidado comum e coletividade facultado o direito de destituir qualquer poder que v contra os direitos individuais. Sendo assim, a representao legtima , portanto, aquela que advm do consentimento dos representados.

3 - O contrato social de Rousseau e o carter irrepresentvel da soberania

Nascido em Genebra, em 1712, e filho de relojoeiro, Jean-Jacques Rousseau escreveu sobre temas diversos como msica, poltica e peas de teatro. Sua entrada no campo das letras se deu principalmente com sua dissertao chamada Discurso sobre as cincias e as artes, que levou o primeiro lugar no premio da Academia de Dijon. Neste trabalho Rousseau responde negativamente sobre a contribuio do reestabelecimento das cincias e das artes no aprimoramento dos costumes, afastando-se assim de outros pensadores do sculo das luzes.Entre as principais obras de Rousseau, destaca-se: Dissertao sobre a msica moderna (1743), Discurso sobre as cincias e as artes (1750), Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755), A nova Helosa (1759), Do Contrato Social (1762) e Emlio (1762). Para os fins deste trabalho, ser discutido apenas o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e Do Contrato Social, obras que contemplam a questo do poder poltico e a questo da representao. O primeiro livro, como o prprio ttulo sugere, vai tratar das origens das desigualdades entre os homens, que para o autor, no so naturais, como sugere, por exemplo, alguns autores do sculo XX vinculados s teorias elitistas (Mosca, Pareto e Michels). Ao falar das origens das desigualdades, Rousseau apresenta tambm sua concepo do estado de natureza e a origem das sociedades de sua poca. Infere-se da argumentao presente no livro, como ser mostrado adiante, que o pacto social estabelecido pela maioria das sociedades foi um pacto injusto. Foi uma enganao dos ricos em relao aos pobres. O verdadeiro e legitimo contrato ser abordado por Rousseau (1988b) no livro Do contrato social. Vale lembrar tambm que a explanao que Rousseau faz sobre a origem da sociedade e do estado de natureza muito mais um exerccio hipottico do que uma anlise histrica substantiva. Segue agora uma pequena explanao sobre a origem das desigualdades em Rousseau (1988) e sua concepo de estado de natureza e do falso contrato, aps essa breve explanao ser apresentada as bases do pacto social legtimo defendido por Rousseau. No livro sobre a origem das desigualdades sociais, Rousseau faz uma digresso hipottica da evoluo dos homens da tomada da conscincia (sentimento de existncia) at a formao poltica e afirma que a desigualdade deve sua fora e seu desenvolvimento a nossas faculdades e aos progressos do esprito humano, tornando-se [...] estvel e legtima graas ao estabelecimento da propriedade e das leis (ROUSSEAU, 1988. p. 86). Ainda segundo o autor, os homens viveram bem enquanto se dedicaram a obras que conseguiam realizar sozinhos, a partir do momento que um homem sentiu necessidade do socorro de outro (ROUSSEAU, 1988. p.69), a igualdade desapareceu. Para Rousseau, portanto, a desigualdade no algo natural. O processo de desigualdade, ocasionado pelo que o autor chama de revolues, se deu principalmente em trs etapas: a primeira foi a do estabelecimento da lei e da propriedade, a segunda foi o da instituio da magistratura e a terceira foi a da transformao do poder legtimo em poder arbitrrio (ROUSSEAU, 1988. p.81).Ainda nesse sentido, o primeiro passo para a desigualdade e para o vcio se d quando, j vivendo em uma nao particular, com traos comuns, os homens passam a olhar os outros e a desejar ser ele prprio olhado (ROUSSEAU, 1988. p.67). Ou seja, passam a valorizar a estima pblica. Da surge a vaidade, o desprezo, a vergonha e a inveja. Sendo que quando algum se apropria de um terreno e diz: isto meu, surge a fonte principal de todas as desigualdades. Esta etapa se assemelharia ao estado de guerra de todos contra todos descrito por Hobbes, onde o forte estaria sempre subjulgando o mais fraco. Inferi-se do livro que o homem de Rousseau, no estado de natureza puro, diferentemente da concepo de Hobbes e Locke, bom, meigo, piedoso e ocioso. Hobbes, Locke e os outros pensadores da poca no conseguiram chegar ao estado de natureza puro, ao homem verdadeiramente natural. Eles, ao falarem do homem natural, o vestiram do homem social, ou seja, do homem burgus, com todos os seus vcios e infortnios. Aquele que concorre constantemente e insistentemente com o outro. Referente origem das sociedades reais de sua poca, Rousseau afirma que ela no est na conquista do mais forte ou na unio dos mais fracos, nem na autoridade paterna (ROUSSEAU, 1988. p.75-7). Segundo autor, as sociedades existentes so fruto de um contrato social onde os ricos foram os construtores e os beneficiados. Tal pacto destruiu a liberdade natural, fixou a lei da propriedade e da desigualdade e sujeitou todo o gnero humano ao trabalho, servido e misria (ROUSSEAU, 1988. p.74). Disto isto acerca da origem das desigualdades sociais e sobre pacto social injusto gerado pela evoluo histrica, pode-se agora expor as bases do pacto social justo e legitimo que Rousseau elabora em seu livro Do contrato social.A primeira coisa que deve ficar clara ao analisar o livro Do contrato social de Rousseau, que o problema central da obra a questo da legitimidade dos governos. A primeira frase do primeiro captulo ilustra bem isso: O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se a ferros. O que se cr senhor dos demais, no deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudana? Ignoro-o. Que poder legitim-la? Creio poder resolver essa questo (ROUSSEAU, 1983b. p. 22). No livro sobre a origens das desigualdades Rousseau exps hipoteticamente como adveio tal mudana. A inteno agora lanar as bases de um pacto social que seja verdadeiramente justo e legitimo, pois a obrigao social no pode se basear em argumentos divinos ou na fora. Rousseau, j no incio do seu livro (ROUSSEAU, 1983b. p.23-30), vai refutar as teses absolutistas da legitimidade do poder, principalmente a de Grotius e Hobbes, e vai afirmar que a fora no gera direito. O nico fundamento legtimo do poder, segundo o autor, aquele que tem uma conveno primeira como fonte. Quando o estado primitivo no pode mais subsistir, dado os obstculos preservao dos homens, torna-se imperativo uma conveno que transforme a liberdade natural em liberdade civil (ROUSSEAU, 1983b. p.31-34). Dessa forma, o objetivo de tal conveno , sobretudo, Encontrar uma forma de associao que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a fora comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, s obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim to livre quanto antes (ROUSSEAU, 1983b. p. 32). A liberdade um bem inalienvel para Rousseau. A engenharia do pacto social deve, portanto, ter como resultado a preservao da liberdade e da igualdade. Dessa forma, o autor defende a alienao total de cada associado, com todos os seus direitos, comunidade toda, porque, [...], cada um dando-se completamente, a condio igual para todos, ningum se interessa por torn-la onerosa para os demais (ROUSSEAU, 1983. p. 32). A condio gerada por esse pacto, que, como foi visto, deve ser fruto de um consentimento unnime, , ento, de liberdade e igualdade para todos[footnoteRef:6], pois cada um dando-se a todos no se d a ningum (ROUSSEAU, 1983. p. 33). O pacto cria um ser social e moral, dessa forma, a primazia dos instintos, como principais dirigentes da ao individual, do lugar razo. [6: o pacto fundamental, em lugar de destruir a igualdade natural, pelo contrrio substitui por uma igualdade moral e legtima aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade fsica entre os homens, que, podendo ser desiguais na fora o no gnio, todos se tornam iguais por conveno e direito (ROUSSEAU, 1983b. p. 39).]

O corpo moral e poltico formado por este pacto ser governado pela vontade geral, sendo que a pessoa poltica fruto do contrato ser chamada de Estado quando passivo e soberano quando ativo (ROUSSEAU, 1983b. p. 33). Os associados desse pacto se comprometem numa dupla relao, pois agem como sditos (quando apenas obedecem as leis que criaram) e como cidados (quando participam da autoridade soberana). O soberano, formado por todos os cidados, age no interesse de todos, ou seja, do bem comum. Ele, contudo, continua absoluto como em Hobbes, mas, dada a engenharia do pacto, que a associao unnime de todos os particulares, o soberano no pode prejudicar nenhuma de suas partes. Isso seria ilgico, dado que o soberano o prprio povo ditando a vontade geral. Sobre a soberania, Rousseau (1983b), no Livro Segundo do Contrato (p.43-51), afirma que ela : inalienvel, pois no pode ser representada (qualquer lei sem o consentimento de todos nula); indivisvel, posto que una; Infalvel, dado que, agindo em razo do interesse comum, no erra; e absoluta, posto que obriga a todos. Seu carter absoluto, contudo, no oferece perigo aos sditos, dado que ao obedecer as leis formuladas pelo soberano, os sditos s obedecem a si mesmos. A lei, estando acima de qualquer homem, a expresso transcendental da vontade geral, dessa forma, no pode nunca ser injusta. Ela, sendo geral e abstrata, permite controlar a liberdade civil com a autorizao do indivduo (ROUSSEAU, 1983b. p.53-56). Dessa forma, as leis so as condies da associao civil, e o povo, submetido a elas, deve ser seu autor (ROUSSEAU, 1983b. p.55). V-se aqui a valorizao da autonomia individual como principal mecanismo de criao de regras morais. Esse critrio tambm ser amplamente valorizado em Kant. Antes de entrar mais diretamente na concepo de representao poltica de Rousseau, importante citar mais duas questes importantes da obra discutida. A primeira diz respeito ao papel do legislador na sociedade de Rousseau (ROUSSEAU, 1983b. p.56-60). O contrato social de Rousseau deve ser capaz de transformar o homem em um sujeito moral, as instituies aqui, portanto, desempenham um papel fundamental. O trabalho do legislador justamente descobrir o caminho, atravs das regras, para a mudana da natureza humana. Ele seria uma espcie de constituinte e sua vontade deveria ser submetida ao povo. Outra questo importante da obra que deve ser mencionado a diviso que Rousseau faz entre o governo e o soberano (ROUSSEAU, 1983b p.73-79). O soberano, como j mencionado, aquele que elabora as leis, ou seja, o povo incorporado que vota as normas, j o governo, o corpo particular intermedirio que executa essas leis. Dito isso acerca do pacto social em Rousseau, pode-se agora apresentar a concepo de representao poltica presente na obra. Como j indicado, a soberania, para Rousseau, inalienvel. Ela, encorpada na vontade geral, no se representa (NASCIMENTO, 2006). Rousseau, afastando-se enormemente dos outros dois pensadores aqui discutidos, vai colocar a questo da impossibilidade da representao poltica, como o trecho sugere: a soberania, no sendo seno o exerccio da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que nada seno um ser coletivo, s pode ser representado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; no, porm, a vontade (ROUSSEAU, 1983b. p.44).Para o autor, no momento em que um povo se d representantes, no mais livre, no mais existe (ROUSSEAU, 1983b. p.44). Essa proposio de Rousseau advm da prpria estrutura do seu pacto social, posto que nele todos os homens fazem parte do poder soberano (enquanto agem ativamente) e so, tambm, sditos. Deste modo, para que uma lei seja justa ela deve ter o consentimento de todos que estaro submetidos a ela. Aqui h uma valorizao da autonomia do individuo enquanto ser moral. Diferentemente de Hobbes e Locke, onde a representao ocupa um espao central, no existe uma concepo de representao em Rousseau. Seu pensamento, ao valorizar a liberdade civil e a autonomia do indivduo, , portanto, base para se pensar em teorias polticas mais participativas[footnoteRef:7] e condizentes com noes mais prximas ao horizonte normativo da democracia. [7: Ver, por exemplo: PATEMAN, Carole. (1978). Participation and Democratic Theory. Cambridge: Cambridge University Press. ]

Concluso

A fundamentao do poder poltico encontra fundamentos distintos em cada um dos autores discutidos. Como foi visto, cada um dos autores explicou a fonte do poder como produto de um pacto social. Os homens, vivendo em um estado de natureza, ou seja, em um estado sem poder comum capaz de submet-los, encontraram algum tipo de inconveniente para a sua preservao e isso fez com surgisse a necessidade da criao de um ente capaz de organiz-los. Os contornos e nuanas de cada um desses pactos e a noes de representao poltica vinculada a eles dependeram, em grande parte, da concepo de homem e estado de natureza que cada um dos autores tinha em mente. Em Hobbes, onde o estado de natureza era catico e vigorava o medo da morte violenta, surgiu a ideia de um pacto onde o soberano fosse um ente absoluto com poderes concentrados e capaz de garantir a ordem. Este soberano, para cumprir sua principal tarefa evitar a anarquia no deveria participar do pacto social. Ele estaria alm dos sditos e s assim a ordem poderia ser garantida. Hobbes reivindica, sobretudo, a obedincia ao Estado, qualquer que seja ele, desde que a segurana seja gerada. A noo de representao que subjaz esse pensamento uma representao sem vnculos de nenhuma espcie com os governados (sditos). O soberano detm a autorizao para agir conforme ache necessrio e s. No h como avaliar, portanto, se o portador do poder poltico est agindo representativamente ou no, como possvel em Locke. S possvel avaliar se ele tem ou no a autorizao dos sditos para agir (PITKIN, 1972). O pacto de Locke, como foi visto, no como o de Hobbes, dado que os homens no abandonam todos os seus direitos nas mos do soberano. O poder limitado. Diferentemente do estado de guerra hobbeasiano, o estado de natureza de Locke um estado de relativa paz. Os inconvenientes que surgem so aqueles advindos da falta de juzes imparciais. Sendo cada um, por direito, juiz de suas prprias causas, a lei implementada de forma insuficiente, gerando problemas, pois nenhuma propriedade pode ser preservada. , ento, da necessidade de preservar as propriedades que surge o desejo pela criao de uma organizao poltica. Ela, e aqui h outro ponto de afastamento em relao a Hobbes, apenas um ente que assegura direitos que os homens j tinham. Seu poder limitado e, caso ele extrapole suas misses, pode ser retirado. Em nome dos direitos individuais Locke vai defender o direito de resistncia. A representao poltica aqui , consequentemente, limitada. O lcus do poder, em Locke, , sobretudo, o parlamento: o povo, portanto, s deve obedincia s leis formuladas pelos seus legtimos representantes.A fundamentao do poder em Rousseau ganha traos bastante distinto das duas obras precedentes. Rousseau constri um pacto social em que o pilar da legitimidade a ao ativa dos cidados, dessa forma, como consequncia, qualquer forma de representao da soberania e da vontade geral um ato nulo, sem validade Nessa linha de pensamento no pode haver poder intermedirio entre o povo e o soberano, posto que os dois devem estar em profunda confluncia. A valorizao da autonomia tal, no pensamento do autor, que os cidados afetados pela lei devem necessariamente participar na formulao delas. O pacto social de Rousseau busca, dessa forma, transformar o homem natural em um homem moral e, como no pode haver sobreposio de vontades, qualquer tentativa de representao poltica neste pacto ilegtima. A vontade geral de Rousseau, portanto, no pode ser representada, no erra e absoluta. Dessa forma, concluindo, se em Hobbes possvel extrair elementos para defender a monarquia absolutista e em Locke a defesa argumentativa recai sobre regimes parlamentares liberais, infere-se que nessas duas formas de organizao do poder a representao ocupa um lugar primordial. A teoria Rousseau, distanciando desses autores, pode ser compreendida como pautada na realizao do autogoverno. Tem-se nele, portanto, uma justificativa de poder poltico muito prximo ao horizonte normativo da democracia (governo do povo).

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