CONTRIBUIÇÕES DA RETÓRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    1/14

    128 Mnica de A. Duarte

    CADERNOS DO COLQUIO DEZEMBRO DE 2001

    CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAODE MSICA POR ALUNOS E PROFESSORES DE ESCOLAS

    DE ENSINO FUNDAMENTALMnica de A. Duarte

    A psicologia da arte tem tradicionalmente encarado os processos de criao e apre-ciao artstica como se eles fossem resolvidos dentro de uma relao exclusiva entre apessoa criador ou apreciador e a obra de arte. Neste sentido, o trabalho desenvolvido

    na psicologia da arte expressa bem o que Moscovici,1 ao caracterizar a psicologia geraldo comportamento, chamou de relao binria, que trata de separao entre o sujeitoe o objeto. A partir desta perspectiva, as respostas artsticas so concebidas como sendoafetadas apenas por fatores individuais, inerentes ao indivduo (motivao, conflito,personalidade etc.), ou resultantes da relao individual com a obra de arte que direta-mente influencia o indivduo atravs de sua percepo ou do seu sistema cognitivo.

    Essa concepo sobre o comportamento artstico no s incompleta, tambmincorreta. A arte intrinsecamente social (Molino2). O funcionamento do sistemaperceptivo, por exemplo, no teria que ser o mesmo em diferentes contextos scio-

    culturais; portanto, ns no podemos esperar que pessoas de diferentes contextosscio-culturais percebam os diversos elementos de uma obra musical da mesma ma-neira. O funcionamento perceptivo influenciado por fatores sociais. Um objeto percebido diferentemente, dependendo do significado ou do sentido que lhe atri-budo dentro de uma estrutura cultural particular.

    A arte, e portanto a msica, como fenmeno de comunicao social, diz respeito strocas de mensagens lingsticas e no lingsticas (imagens, gestos, melodias etc.) entreindivduos e grupos. Se, de acordo com Moscovici, o objeto central, exclusivo da psicologiasocial, so todos os fenmenos relacionados com a ideologia e com a comunicao, ordena-dos segundo sua gnese, sua estrutura e sua funo, factvel levar a anlise dos processosde criao e recepo dos produtos culturais artsticos para o campo da psicologia social.

    1 Moscovici, S., org., Psicologia social I. Cognicin y desarrollo humano (Introduo: O campo dapsicologia social), Barcelona: Paids, 1985.

    2 Molino, J., Fait musical et smiologie de la musique, Musique en jeu, n 17, pp. 37-62, 1975._______, La musique et le geste: prolgomnes une anthropologie de la musique, AnalyseMusicale, 10, janeiro 1988, pp. 8-15._______, Lart aujourdhui., Esprit, 173, julho-agosto 1991, pp.72-108.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    2/14

    129

    CADERNOS DO COLQUIO

    CONTRIBUIES DA RETRICA

    A psicologia social apresenta o enfoque que transcende a dicotomia sujeito-objeto, erecorre a uma gama de mediaes operadas pela relao fundamental do sujeitocom os demais. O carter original e subversivo de seu enfoque consiste em questi-

    onar a separao entre o individual e o coletivo, em contestar a participao entrepsquico e social nos campos essenciais da vida humana. (...) a psicologia socialanalisa e explica os fenmenos que so simultaneamente psicolgicos e sociais.3

    O enfoque psicossocial orienta-se por teorias e observaes precisas das relaes entreos indivduos e os grupos em um meio social determinado. Recorre, portanto, aos siste-mas de significao socialmente enraizados e partilhados que orientam e justificam aspercepes, as atribuies, as atitudes e as expectativas. O olhar psicossocial preenche osujeito social com um mundo interior e restitui o sujeito individual ao mundo social.

    Dentro do campo da psicologia social, encontram-se as pesquisas sobre represen-taes sociais em que se investiga como se formam e como funcionam os sistemas dereferncia que utilizamos para classificar objetos, pessoas e grupos. As representaessociais mantm relaes com a linguagem, com a ideologia e com o imaginrio social,e desempenham papel relevante na orientao das condutas e das prticas sociais.4

    As representaes sociais tm com o objeto uma relao de simbolizao (tomam oseu lugar) e de interpretao (conferem-lhe significaes). As caractersticas do sujeitoe do objeto tero, sempre, incidncia sobre o que as representaes sociais so. A ma-

    tria prima para a construo da representao social proveniente, em grande parte,da base cultural acumulada pela sociedade ao longo da sua histria e que circula entreseus membros sob a forma de crenas amplamente compartilhadas, de valores consi-derados bsicos e de referncias histricas e culturais que formam a memria e a pr-pria identidade da sociedade.5 Ao elaborar e comunicar suas representaes, o sujeitorecorre a suas prprias experincias cognitivas e afetivas, mas se serve de significadossocialmente constitudos no mbito dos grupos nos quais est inserido.

    So dois os processos formadores das representaes sociais: a objetivao e aancoragem.

    Na objetivao, torna-se concreto o conceito abstrato, reproduz-se o conceito emuma imagem. Nesse processo ocorrem trs fases: (a) a seleo e descontextualizao

    3 Moscovici, op.cit., pp. 26-27.4 Alves-Mazzotti, A.J., Representaes sociais: desenvolvimentos atuais e aplicaes educao, In

    Linguagens, espaos e tempos no ensinar e aprender, Encontro nacional de didtica e prtica de

    ensino (ENDIPE), Rio de Janeiro: DP&A, 2000.5 Ibez, T.G.,Ideologias de la vida cotidiana, Barcelona: Sendai Ediciones, 1988.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    3/14

    130 Mnica de A. Duarte

    CADERNOS DO COLQUIO

    de elementos pertinentes ao objeto a partir de critrios culturais e normativos; (b) aformao de cognies centrais ou ncleo figurativo, um complexo de imagens quereproduz visivelmente um complexo de idias; e (c) a naturalizao dos elementos

    do ncleo figurativo em elementos da realidade e no mais do pensamento.A seleo e descontextualizao so inerentes ao processo de criao e recepo das

    manifestaes musicais. Os elementos selecionados, e posteriormente, descontextuali-zados, so aqueles que coincidem com o sentido que algum d a estas mesmasmanifestaes musicais. A seleo e descontextualizao, assim como ocorre na for-mao das representaes sociais em geral, so tambm aqui baseadas em critriosculturais e normativos, os quais explicam porque a mesma manifestao musical podeser percebida (representada) de diferentes maneiras. A posio tomada pelos sujeitosdentro da estrutura social, condiciona tanto os elementos informativos, teis para eles,quanto os seus interesses e valores; interesses e valores que so expressos na seleoque fazem da informao, indicando o seu jeito particular de ler a realidade.

    A segunda fase do processo de objetivao se refere estruturao ou organizao dosdiferentes elementos de informao selecionados. Esses mesmos que, uma vez conveni-entemente articulados, compem o ncleo figurativo da representao. Na recepo dasmanifestaes musicais, os materiais selecionados so organizados e estruturados cogni-tivamente pelos sujeitos, e isto ocorre tanto no nvel do contedo quanto no nvel formal.

    A terceira fase do processo de objetivao, conhecida como naturalizao, acon-

    tece quando a manifestao musical, na sua recepo pelos sujeitos e recriada apartir da organizao dos materiais selecionados de acordo com critrios normativose culturais, passa a ser real. Ela introduzida no mundo das coisas reais, no mun-do das coisas que existem para o sujeito. Assim, sua natureza simblica deixadapara trs e ela entendida como um reflexo da realidade, passando a ser tratadacomo coisa. No raro encontrar exemplos, no repertrio musical erudito, derepresentantes da msica europia de perodos como o clssico e o romntico, natu-ralizados no cotidiano dos sujeitos contemporneos. Citamos o exemplo da Abertu-ra da Nona Sinfonia de Beethoven que, para alguns, a msica de cerimnias de

    casamento. Outro exemplo, ainda extrado de Beethoven, so os quatro primeirosacordes de sua Quinta Sinfonia, que fazem parte do cotidiano de todo cidado bra-sileiro que queira apresentar um clima de suspense sua conversao.6

    Na objetivao, em funo das suas trs fases, ocorrem efeitos no nvel dos con-tedos da representao: distoro, quando atributos do objeto so acentuados ou

    6 O efeito de naturalizao desses acordes teria sido reforado pela propaganda de um aparelho de

    barba, em que a frase alusiva ao produto era: A primeira faz tchan, a segunda faz tchun e ...tchan-tchan-tchan-tchan....

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    4/14

    131

    CADERNOS DO COLQUIO

    CONTRIBUIES DA RETRICA

    minimizados; suplementao, quando so conferidos ao objeto atributos que nolhe pertencem; e desfalque, quando atributos do objeto so suprimidos. Os efeitosde desfalque, distoro e suplementao, no contedo da obra musical, esto pre-

    sentes nas diferentes interpretaes de uma mesma obra. Compreender o processopelo qual os sujeitos distorcem, desfalcam e suplementam o material musical emsua ao musical (esteja ela na execuo ou na recepo) relevante e conseqente compreenso das representaes no mbito da msica.

    J na ancoragem, o objeto descrito e adquire caractersticas de acordo com asconvenes sociais do grupo a que pertencem os sujeitos. Nesse processo, hierarquiza-se e se determina se o objeto representado se afasta ou se inclui numa categoria, combase na coincidncia entre uns poucos aspectos do objeto e aqueles que definem umprottipo. Ancoragem , portanto, entendida como o processo pelo qual ns determi-namos que um objeto pertence a uma categoria e damos a ele um nome. O processo deancoragem toma lugar na esfera da recepo das manifestaes musicais. Entendemosque o apreciador determina a obra atravs de suas referncias a uma categoria estabe-lecida, mesmo nas ocasies em que ele tem que modificar suas idias prvias paraconceber um novo objeto, como, por exemplo, as msicas eruditas relativas ao sculoXX (serial, dodecafnica, eletrnica, aleatria etc.). Os processos de denominao eclassificao, inerentes ancoragem, tornam-se tambm relevantes quando se acreditaque eles esto presentes na estipulao e uso de critrios de seleo de exemplos demanifestaes musicais que o sujeito considera ser boa msica.

    Uma manifestao musical, como uma realidade simblica, no pode ser conce-bida como separada de seu significado, separada de seu referente. O processo deancoragem aquele pelo qual a obra emerge na sua recepo, na seleo e organiza-o dos materiais, adquire um sentido e torna-se acessvel ao nosso conhecimento e nossa interpretao. Atribuindo uma manifestao musical a uma determinadacategoria e dando-lhe um nome, ns estamos aptos a integr-la ao nosso esquemascio-cognitivo, a interpret-la, a torn-la familiar. A relao dialtica entre a ob-jetivao e a ancoragem articula as trs funes bsicas da representao: funocognitiva de integrao da novidade, funo de interpretao da realidade e funode orientao das condutas e das relaes sociais. Atravs do estudo desses processos, possvel apreender como o social interfere na elaborao psicolgica que constituia representao, e como esta elaborao psicolgica interfere no social.

    Na teoria das representaes sociais, os sujeitos so entendidos como pensadoresativos, o que um ponto em comum, de acordo com Mazzotti,7 entre os diversos

    7 Mazzotti,T. B., Representaes sociais, habitus e epistemologia gentica: contribuies da lgica

    das significaes e da lgica das aes lgica natural, Parte do Projeto Integrado RepresentaesSociais e Epistemologia, coordenado pela Profa. Dra. Alda Judith Alves-Mazzotti, 1998.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    5/14

    132 Mnica de A. Duarte

    CADERNOS DO COLQUIO

    estudos contemporneos sobre a produo do conhecimento. Para o autor, as repre-sentaes construdas pelos sujeitos constituem o senso comum, a partir dos quaisso constitudos os conhecimentos confiveis, o que vai ao encontro dos estudos da

    epistemologia gentica, que tratam da dinmica da passagem do estado de menorconhecimento ao de maior conhecimento.

    A definio de pensamento natural, senso comum ou pensamento ingnuo, sem-pre envolve a afirmao de uma teoria do funcionamento psicolgico dos atores sociaisou dos indivduos. Popper (cit. por Mazzotti8), assume a seguinte teoria psicolgica:

    No existe nada a que se possa chamar de observao destituda de preconceitos,qualquer observao uma atividade com um objetivo (encontrar ou verificar

    alguma regularidade que foi pelo menos vagamente vislumbrada); trata-se deuma atividade norteada pelos problemas e pelo contexto das expectativas. No hexperincia passiva, no h recebimento passivo de idias previamente concate-nadas. A experincia resultado de uma explorao ativa executada pelo organis-mo em sua busca de regularidade e fatores invariantes. No existe outra forma depercepo que no esteja includa no contexto de interesses e expectativas, e, por-tanto, no contexto das regularidades e das leis.

    No h novidade neste enunciado apresentado por Popper, pois desde Kant se

    desenvolve essa concepo de atividade do sujeito do conhecimento, do indivduoativo produtor de suas concepes e que as idias no so passivamente recebidas.Assim, os objetos de conhecimento s o so para sujeitos de determinados grupossociais, no havendo objetos puros. Para a epistemologia gentica, por exemplo,um objeto observvel, por mais elementar que seja, j supe mais do que um regis-tro perceptivo, porque a percepo est subordinada aos esquemas de ao (Piagete Garcia, cit. por Mazzotti9). O dado observvel formado pela interpretao que osujeito apresenta. Essa deformao do observvel constitui-se em um dos objetosde investigao da teoria das representaes sociais.

    Essas consideraes, no caso da recepo das obras musicais, tornam-se relevan-tes. A evoluo estilstica da msica, ou da obra dos compositores (sua produo)parece ser construda ao longo do relacionamento com os patrocinadores ou audit-rios para quem ela (a obra, ou seja, o produto do trabalho dos compositores) origina-riamente foi escrita, com os cantores ou instrumentistas que deviam execut-la pela

    8 Ibid., p. 7.9 Ibid., p. 7.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    6/14

    133

    CADERNOS DO COLQUIO

    CONTRIBUIES DA RETRICA

    primeira vez e com os meios que o compositor tinha a seu dispor para apresentar suaobra ao pblico. Em alguns momentos possvel, na anlise da obra musical, expli-citar a submisso do compositor corrente geral do pensamento. A importncia

    dada posio do compositor como membro da sociedade, capacitada a agir comoseu freio, notria em obras voltadas para a histria da msica.

    Raynor10 desenvolve a idia de que a funo social da msica tem clara importn-cia nas questes de estilo. Ou seja, um dos deveres essenciais do compositor era estarconsciente quanto aos desejos do seu auditrio. De acordo com Raynor,11 as mudanasconcretas na msica esto vinculadas transferncia do seu centro de gravidade daigreja (Bach) para a corte (Haydn), ao surgimento do liberalismo (Beethoven), aonacionalismo da segunda metade do sc. XIX (o Grupo dos Cinco) e assim por dian-te. A Igreja catlica aprovava a msica que no se impusesse com demasiada fora aosouvintes; as autoridades da Contra-Reforma aprovaram a obra de Palestrina no por-que era perfeita de estilo e por sua riqueza meldica, mas por ser possvel ao leigo emmsica consider-la um modo emocionalmente agradvel de tratar o texto da Missa,apropriando-se dele, portanto. Os auditrios protestantes ouviam msica religiosa deum ponto de vista diferente dos catlicos. J Mozart, num ambiente palaciano, deveriaproduzir msica para entretenimento. As cartas de Mozart explicam como ele inven-tara efeitos que agradavam ao seu pblico, que entre um sem-nmero de clculos -que integravam a composio de suas obras - contava-se a cuidadosa avaliao dogosto do destinatrio e do auditrio em vista (a bem da verdade, a maioria das msicas

    pressupe a ateno do pblico). Mozart, que nos ltimos dez anos de vida no teveum empregador real - a no ser o prprio pblico -, percebeu a necessidade de surpre-ender e encantar os seus ouvintes: o trabalho de Mozart no parece ter-se dado emsolitria abstrao (msica pela msica). A base esttica mozartiana era, portanto, aeficcia. Na eficcia estava subsumida a qualidade das idias musicais, a percia comque eram tratadas para explorar tanto as qualidades intrnsecas como a habilidade dosexecutantes, e o impacto disso tudo sobre o pblico. A idia de retirar-se numa torre demarfim no constava entre as suas intenes. J Beethoven teve de apelar para umpblico geral cujos gostos eram imprevisveis, sentindo, portanto, a necessidade de se

    retirar em uma torre de marfim construda no sc. XIX, com o romantismo (Ray-nor12). Essa transformao no sentido dado obra musical e ao trabalho do compositorparece poder ser explicada pela substituio da retrica, caracterstica dos sistemasdemocrticos antigos, pela esttica (Todorov13).

    10 Raynor, H.,Histria social da msica - Da idade mdia a Beethoven, Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.11 Ibid., pp. 9-25:Histria social da msica problemas e fontes.

    12 Ibid.13 Todorov, T., Teorias do smbolo,Campinas: Papirus, 1996.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    7/14

    134 Mnica de A. Duarte

    CADERNOS DO COLQUIO

    A crtica da esttica apresentada por Todorov14 rejeita toda a discusso mo-derna e fica nos limites da modernidade (romntica). Ele ajusta as contas como romantismo: todo objeto de intuio sensvel (esttico, no sentido grego).

    Logo, resulta de alguma ao. A partir do Romantismo, ainda segundo o autor,o discurso sobre a esttica (a Esttica como disciplina da Filosofia) encobre osrecursos usuais da retrica porque nega a retrica. Ao se negar a retrica chega-se seguinte situao: h algo inefvel que ultrapassa qualquer discurso (razo)e nos toca diretamente. Este o caminho para afirmar que h algo transcenden-te, para alm do humano demasiado humano. Se o esttico est para alm dohumano, se a retrica constitui-se do uso imprprio dos sentimentos, ento no factvel qualquer discurso sobre a esttica. No h critrios (portanto crtica)no esttico: vale tudo! Afinal, cada um sente o que sente.

    Plato encontra uma sada: h um belo para alm do mundo existente, apura forma que per se bela e boa. As belas almas sabem o que belo e bom. Estamaneira de ver, prpria do idealismo subjetivo e tambm do transcendental, sse afirma se e quando h a negao do papel do auditrio na recepo do dis-curso (musical).

    Sabe-se que Perelman, em seu extenso programa de estudos concernente srelaes entre a filosofia e a retrica, props formular uma concepo retrica dafilosofia. Ele se mostrou igualmente interessado no estudo detalhado das estru-

    turas argumentativas e retricas de textos filosficos. Para ele, era relevante ex-por os tipos de raciocnios que caracterizam filosofias especficas. No entanto,amplas correntes contemporneas desprezam a idia de que poderia haver umaimbricao da dialtica filosfica e da retrica. A argumentao, dizem, no podese revelar constitutiva da problemtica filosfica.

    Freqentemente se diz que o desenvolvimento extraordinrio da lgica e daepistemologia modernas a partir de Descartes deu um golpe final na retrica.Mais ainda, o nascimento das filosofias da subjetividade parece ter contribudopara a perda, na tradio ocidental, da apreciao aristotlica pela deliberao e

    prudncia virtuosa do filsofo. As coisas no so, no entanto, to simples. Mes-mo se a retrica tivesse sido condenada explicitamente por Descartes e, mais deum sculo depois, pela Aufklrung, na pessoa de Kant, parece que no apenash retrica no texto cartesiano e kantiano, mas sobretudo que a retrica tende aservir de heurstica e de mtodo em alguns contextos argumentativos, ali preci-samente onde convm dar substncia noo de subjetividade.

    14 Ibid.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    8/14

    135

    CADERNOS DO COLQUIO

    CONTRIBUIES DA RETRICA

    Parret15 busca demonstrar que a retrica em Kant retrica que ele no cansa decondenar mais do que um suplemento de superfcie: ela um verdadeiromtodopara apreciar o substrato supra-sensvel. a, precisamente, que a subjetividade o

    sujeito que julga o belo e o sublime pode ser dita retorizante.Em seu artigo, Parret16 desenvolve os seguintes temas: a retrica segundo Kant, o

    emprego da retrica por Kant, e a retrica como mtodo da faculdade de julgar. Umprimeiro tipo de presena retrica examinado na Crtica da faculdade de julgar:Kant utiliza, em sua dialtica do juzo esttico, algumas noes retricas como ins-trumento da descoberta, como heurstica. Um funcionamento mais substancial daretrica se revela ao final do artigo, um funcionamento que se ergue de uma certaretrica at o nvel bem respeitvel de uma verdadeirametodologia. As noes-chavedo texto kantiano que permitiram formular o ponto de vista do autor so as noesdesmbolo, deDarstellunge deanalogia. Parret ento conclui que a subjetividadeapreciante esteticamente no pode ser pensada a no ser como um dinamismo desimbolizao marcada pela opacidade mesma da tcnica retrica.

    Ainda segundo o autor, a classificao de belas artes na esttica de Kant estfundamentada na analogia com a lngua. articulao da palavra, gesticulao e modulao do tom correspondem as trs espcies de belas artes: as artes da palavra(a eloqncia e a poesia), as artesfigurativas (a escultura, a arquitetura, a pinturacomo desenho) e o que Kant denomina de as artes dojogo dassensaes (a msica e

    a arte das cores). Ainda que este esboo de classificao de belas artes no se apre-sente, certamente, como uma teoria decidida Kant mesmo o admite , surpre-endente que a classificao tenha por princpio os constituintes da linguagem. Jhaveria, a, um efeito do mtodo retrico.

    AAufklrung sustentou fortemente que a retrica antiga no est altura das am-bies da razo e no pode ser, por conseqncia, legitimada. Constata-se, por volta de1770, uma conscincia eufrica do fim da retrica, conscincia generalizada entre osfilsofos, homens polticos, artistas. A democratizao da vida poltica, por exemplo,comporta uma condenao da retrica antiga vista como a emanao do conservado-

    rismo aristocrtico e interpretada como um obstculo s relaes sociais transparentese honestas. Pode-se dizer que se vive no final do sculo XVIII o esvaziamento daapreciao da retrica, e preciso ouvir Hegel para reencontrar alguns ecos favorveisem relao arte oratria revalorizada por ele no interior de seu sistema de belas artes.

    15 Parret, H., A retrica: heurstica e mtodo em Kant, in Meyer, M. e Lempereur, A., ed., Figures etconflits rhetoriques , Editions de lUniversit de Bruxelles, 1990, pp.103-137, traduo, para uso

    escolar, de Tarso Bonilha Mazzotti.16 Ibid.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    9/14

    136 Mnica de A. Duarte

    CADERNOS DO COLQUIO

    A esttica de Kant contm uma teoria da apreciao do belo que valoriza o dina-mismo simbolizante, e as questes da verdade artstica e da objetividade da belezaperderam toda pertinncia na Crtica da Faculdade deJulgar.17 A experincia esttica

    a est fundamentada no prazer, ela no passiva e esttica, comporta a exigncia daadeso universal. Mas a experincia do belo e do sublime, para Kant, no cogniti-va, uma vez que ela no admite a menor conceitualizao. Ela , ao contrrio, pro-fundamenteafetiva, pois cultiva o sentimento e porque radicalmente dependenteda fora da imaginao. O juzo esttico sempre irracional.18

    Goethe, grande admirador de Kant, segue, em grande parte, os Romnticos, insistin-do sobre o dinamismo da simbolizao detoda atividade artstica, opondo categoriakantiana do smbolo as categorias mais tradicionais como as da alegoria e as do mito. Aliberdade da atividade simbolizante do esprito ser abundantemente glorificada porGoethe que insiste fortemente no fato de que a simbolizao emana de uma subjetivida-de marcada peloAffekt. O sujeito retorizante est evidentemente presente nos simulacrosdiscursivos sobre os quais recai o interesse de Humboldt e nos simbolismos que Goethev como produtos artsticos do gnio. oDarstellungde Kant e como ele v a transposi-o analgica, a qual serve deforma para a criatividade do sujeito. uma honra a Kantter transformado a problematizao clssica damimsis, tanto como a problemtica esco-lstica da representatio, em uma problemtica crtica daDarstellung. Esta transformaoabole definitivamente o representacionalismo em matria de esttica em favor de umaretrica da teatralizao, o que permite ao pensamento analgico desenrolar-se.

    Charles S. Peirce, tambm admirador de Kant, justifica, em 1864, a substituioda noo de representao pela de signo, como um gesto explicitamente dirigidocontra Descartes, que se realiza nos escritos que se intitulou Textos anti-cartesianos.Sem pretender que o semioticista Peirce simpatize de todo com a idia de um sujeitoretorizante, parece que asemiosis considerada por ele como uma srie infinita detransposies. O que Peirce pe em ao, em sua semitica, o pensamento anal-gico. Este analgico ancora-se na subjetividade retorizante. por este vis que Kantaborda a determinao especifca da razo que aprecia o belo. A retrica, a, mais doque uma heurstica, transformada emmtodo, ali precisamente onde se trata decompreender a capacidade de simbolizao de um sujeito racional.

    17 Fisher, J. e Maittland, J., The subjectivist Turn in Aesthetics: A Critical Analysis of Kants Theoryof Appreciation, inReview of metaphycis, 27, pp. 726-751.

    18 Baeumler, A., Das irrationalittsproblem in der Aestheik und Logik des 18. Jahrhunderts bis sur Kritik

    der Urteilkraft, Darmstadt, Wissenshfiliche Buchgesellschaft, 1975, citado pelo Professor Tarso Mazzottiem notas de aula do dia 18/08/2000.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    10/14

    137

    CADERNOS DO COLQUIO

    CONTRIBUIES DA RETRICA

    Entendendo a Retrica como mtodo deflagra-se o processo em que as artes sorecebidas pelos auditrios, e em que elas, tambm, criam os auditrios, transfor-mando sua maneira de ver e sentir. Aqui, portanto, reforamos a importncia do

    estudo dos auditrios e das atitudes pressupostas pela msica criada para eles. Bus-ca-se compreender a subjetividade retorizante presente na interpretao e re-inter-pretao das formas artsticas que os sujeitos desenvolvem ao longo da histria.

    Voltando a Perelman: este afirma que as figuras de linguagem podem ser argu-mentativas ou de estilo, segundo assim o creia o auditrio. Essa uma posio consi-derada funcionalista, pois afirma que a figura no pode ser isolada estruturalmentecomo sendo ou de estilo ou argumentativa, sendo necessrio verificar o que o auditrioconsidera. Estendendo a tese de Perelman para o nosso estudo, entendemos que, pelaTeoria das Representaes Sociais, possvel deflagrar a ao de determinantes sociaisna construo dos critrios sobre os quais os sujeitos fazem a crtica sobre a obra arts-tica musical. Em outras palavras, o que faz com que diferentes grupos sociais repre-sentem o mesmo tipo de repertrio de formas diferentes, algumas vezes contrrias,como sendo msica de boa qualidade, ou at mesmo como sendo msica.

    Todo objeto resultado de uma interpretao e esta depende de pressupostosaceitos pelo auditrio e pelo orador. As mais diversas filosofias da cincia, as quese afastam ou do empirismo lgico ou do positivismo clssico, consideram que o

    objeto construdo, ou constitudo, pelo sujeito do conhecimento em sua rela-o com o mundo. Este sujeito do conhecimento uma cincia, uma filosofia, ouainda uma produo artstica em seu sentido extenso-, pem para si os objetosque suas teorias permitem e, com base nesta teoria, produzem imagens, figuras,encadeamentos de raciocnio, que orientam suas aes e cognies (crenas).19

    Partindo da idia de que a maioria das msicas pressupe a ateno do pblico,20 que se torna vivel o estudo dos auditrios e das atitudes pressupostas pela msica criadapara eles atravs da investigao da representao de msica construda pelos sujeitos.

    Por tudo que foi exposto, entendemos que as contribuies do estudo das represen-taes sociais de msica para o campo da pedagogia musical so muitas. O lugar socialdo sujeito/auditrio condiciona a formao de seus esquemas perceptivos, que por sua

    19 Mazzotti, T.B.,Linguagem, metforas e constituio do ncleo central das representaes, 1999, p.2.20 Alis, para Raynor (op.cit.) bastante d ifcil saber quando e at que ponto um compositor est

    conscientemente comunicando, transmutando idias ou experincias em msica para o prazer deoutros, ou para partilhar com eles o que ocupe o seu esprito.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    11/14

    138 Mnica de A. Duarte

    CADERNOS DO COLQUIO

    vez influenciam na construo dos critrios de julgamento da produo artstica. Ouseja, toda realidade representada, reapropriada pelo indivduo ou pelo grupo, re-construda no seu sistema cognitivo, integrada no seu sistema de valores, dependente

    de sua histria e do contexto social e ideolgico que a cerca.21 Os mecanismos percep-tivos, enquanto pertencentes ao sistema cognitivo do sujeito, tm a sua formao de-pendente do, ou influenciada pelo contexto social em que se encontra o sujeito.

    () em uma sociedade urbana e industrial, onde a difuso da cultura muitomais intensa, rpida e diversificada do que em outros momentos e outros espa-os, estaria disposio dos indivduos um universo musical extremamente am-plo e rico, formado pela msica de diversas pocas, de diferentes formas e estilos.Isto em termos de uma possibilidade pura, terica e potencial, porque a possi-bilidade real de usufruir dessa disponibilidade no dada a todos. Para cadaindivduo, a escolha e o consumo de msica esto direcionados e limitadospelos instrumentos de apropriao, pelos esquemas perceptivos de que dispe.22

    Mas, se os diferentes instrumentos de apropriao de que fala Penna, esti-verem sendo, na escola de ensino fundamental,23 pelos professores e alunos, re-lacionados ao meio scio-cultural em que cada um vive, poder estar ocorrendouma categorizao preconceituosa e excludente dos sujeitos: mora em favela,

    logo gosta depagode oufunk; se aprecia Zez di Camargo e Luciano, logo notem bom gosto musical.

    Para Ulha,24 as estratgias de legitimao adotadas pelos grupos cultural-mente hegemnicos so a marginalizao do que diferente ou mesmo do quemundos artsticos diversos tm em comum, pela desqualificao esttica, re-sultando em diversas percepes: msicas melodramticas so bregas, msi-cas de grupos emergentes so popularescas, msicas consumidas por um p-blico heterogneo so comerciais.25

    21 Abric, J.C., A abordagem estrutural das representaes sociais in Moreira, A.S.P. e Oliveira, D.C.,Estudos interdisciplinares de representao social, Goinia: AB, 1998.

    22 Penna, M.,Reavaliaes e buscas em musicalizao, So Paulo: Edies Loyola, 1990, p. 25.23 As primeiras sries do ensino fundamental, especialmente das escolas estatais, recebem a quase totali-

    dade das crianas em idade escolar, mesmo que elas no continuem os seus estudos, como demons-trado em nossa histria.

    24 Ulha,M. T., Nova histria, velhos sons: notas para ouvir e pensar a msica brasileira popular,

    Debates.,v. 1, 1997, pp.80-101.25 Ibid., p.82.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    12/14

    139

    CADERNOS DO COLQUIO

    CONTRIBUIES DA RETRICA

    No entanto, a despeito dessas percepes, o Funk, o Rap, o Charm, o Hip-Hop, o Pagode e o Forr, antes identificados com a classe trabalhadora, passam aser amplamente consumidos pelos jovens da classe mdia que, em seu consumo,

    passam a resignific-la, afastando-a do entendimento anterior. Mas o movimentoinverso no necessariamente verdadeiro. O acesso da classe trabalhadora aos gne-ros considerados sofisticados26 restrito, uma vez que estes raramente so tocadosnas emissoras de rdios ou programas de televiso voltados para essa classe, tendosua divulgao apoiada, preponderantemente, em discos e shows.

    A educao musical, presente na escola de ensino fundamental, deveria assegu-rar um espao importante na ampliao dos esquemas de percepo, expresso ecomunicao dos sujeitos.27 Um espao que, por si s, sabemos, no definidordessa ampliao, a qual cabe s prticas pedaggicas comprometidas com esse fim.

    Um novo paradigma28 para o campo da Educao Musical emerge e vem procu-rando solues para o alcance de uma prtica educacional mais coerente com osgrupos a que se destina. No Paradigma Cultural, a educao musical entendidacomo enredada por significados socialmente construdos, diferentes fazeres musi-cais que criam dinmicas diferentes. Tais significados so construdos e reconstru-dos ao longo de trajetrias particulares de vida, de diferentes biografias musicais, ouseja, os tipos de msica que cada um consome e/ou produz de acordo com a classesocial, grupo cultural, gnero e idade. No entanto, os estudos voltados para o Para-

    digma Cultural de Educao Musical, embora sejam relevantes para o campo da Edu-

    26 Para Lins (1999), a partir de pesquisa desenvolvida no Instituto Villa-Lobos da Universidade do Riode Janeiro com alunos dos cursos de graduao em Msica, est em curso uma classicizao dealguns repertrios identificados como msica popular de qualidade: o choro, alguns tipos de samba,etc. O estabelecimento de um cnone no choro, samba e MPB conjunto de obras que ser vem demodelo se faz com critrios bastante semelhantes queles que pautam o reconhecimento da msi-ca erudita: complexidade de forma ou estrutura, exigncia tcnica na interpretao instrumental,

    possibilidade de exibio virtuosstica.27 Se a arte uma forma de expresso - de expressar emoes, idias, vivncias etc. -, tambm umaforma de comunicao. Expresso e comunicao, intimamente ligadas. E comunicao presume acapacidade de atingir o outro, de ser compreendida pelo outro. Essa compreenso s possvel se ooutro domina - na maior parte das vezes de modo inconsciente - os princpios de organizao da men-sagem. Mensagem que se concretiza seja atravs do uso de formas e cores, nas artes plsticas, sejaatravs de sons, na msica, e da por diante. Trata-se de mensagens de formas ou de sons que se estru-turam segundo princpios, e no aleatoriamente. Neste sentido que afirmamos que as diversas for-mas de arte so linguagens (Penna, 1995, cit. por Penna e Alves, 1997).

    28 Aqui utilizamos o termo paradigma no sentido apresentado por Kuhn: uma espcie de teoria am-pliada, formada por leis, conceitos, modelos, analogias, valores, regras para a avaliao de teorias eformulao de problemas, princpios metafsicos ... e ainda pelo que ele chama de exemplares, ... as

    primeiras aplicaes desenvolvidas a partir da teoria, passando a servir ento como modelos para aaplicao e o desenvolvimento da pesquisa cientfica (Gewandsznajder, 1998, pp.24-25)

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    13/14

    140 Mnica de A. Duarte

    CADERNOS DO COLQUIO

    cao Musical por pretenderem apresentar solues para o problema das prticaspedaggicas tradicionais, no exibem a preocupao em buscar entender como ocor-rem os processos cognitivos de formao dos significados culturais nos sujeitos. En-

    tendem esses significados como pensamento constitudo, buscando-os atravs das in-formaes, imagens, opinies e crenas presentes no grupo a ser investigado. Buscam-se solues no campo da pedagogia musical, busca-se a mudana de atitude em rela-o ao objeto de ensino. preciso, portanto, compreender como e porque [determi-nadas] percepes, atribuies, atitudes e expectativas so construdas e mantidas emrelao prtica pedaggica (Alves-Mazzotti29), principalmente por entendermos queelas originam e direcionam a ao.

    A Teoria das Representaes Sociais, como vimos anteriormente, busca re-lacionar processos cognitivos e prticas sociais, recorrendo aos sistemas de sig-nificao socialmente partilhados que as orientam e justificam (Alves-Mazzot-ti30). As msicas de protesto, as msicas romnticas, as msicas criadasparao uso escolar e tantas outras msicas de diferentes estilos e gneros so entendi-das como objetos produzidos no mbito da cultura, como produtos scio-hist-ricos, elaborados por um processo coletivo de idealizao e materializao dainstituio a que se destinam.31

    A partir dessa idia, entendemos que a composio e o uso das canes didti-cas, ou msica oferecida pela escola, objetivam (materializam) a representao

    do papel e/ou funo da msica na escola, em contraste com aquela msica eleita,pelos sujeitos, como sendo de sua preferncia. A anlise semiolgica desses mate-riais musicais permitir encontrar elementos de representao da msica, no con-texto da escola e fora dele. As canes didticas ou msicas para a escola, por suapobreza meldica e harmnica, no oferecem elementos de surpresa que despertari-am o interesse do aluno. Comportam elementos rtmicos que no estimulam a cria-o, por exemplo, de coreografias, ou movimentos corporais expressivos dos alunos;levando, no mximo, padronizao dos mesmos. A msica para a escola, portan-to, estaria em funo da disciplina e obedincia s regras estipuladas, exteriores prpria vivncia da linguagem musical.

    29 Alves-Mazzotti, A.J. Representaes sociais: desenvolvimentos atuais e apl icaes educao,in: Linguagens, espaos e tempos no ensinar e aprender, Encontro Nacional de Didtica e Prticade Ensino (ENDIPE), Rio de Janeiro: DP&A, 2000, p.2.

    30 Ibid.31 Ibid., p. 46.

  • 8/9/2019 CONTRIBUIES DA RETRICA PARA O ESTUDO DA REPRESENTAO

    14/14

    141

    CADERNOS DO COLQUIO

    CONTRIBUIES DA RETRICA

    A partir da representao de msica, portanto, este trabalho pode ajudar napercepo e concepo de como as diferentes identidades no trabalho de educaomusical nessas escolas so construdas, revelando a sociedade no seu sentir, pensar e

    agir, e revelando, tambm, o prprio aluno, na sua individuao, e os condicionan-tes sociais que interferem na formao dos seus esquemas perceptivos.

    Podem ser atingidas: a compreenso dos mecanismos pelos quais fatores so-ciais atuam sobre o processo educativo influenciando seus resultados (perfor-mance musical); a explicitao das diferentes percepes que os professores tmdos alunos que podem contribuir para seu fracasso ou sucesso (alunos musicaisou no-musicais, talentosos ou no etc.); a explicitao da leitura feita peloaluno das aprendizagens propostas, tributria, por sua vez, de sistemas maisgerais de representao da msica e da msica na escola e de suas finalidades.

    O estudo das representaes dos alunos e dos professores torna-se, assim, rele-vante, pois oferecer os dados referentes s representaes dos sujeitos em relao msica como ponto de partida para o processo de ensino-aprendizagem, e ser tilna construo de ambientes escolares propcios ao trabalho musical. Da mesma for-ma como os pesquisadores associados abordagem da linguagem integral (whole-language), e que esto preocupados com o estudo das atividades educacionais social-mente significativas (Moll, 1996),32 preocupamo-nos em transformar as salas de aulaem ambientes musicalizadores, onde enfatizada a manipulao da linguagem

    musical pelos sujeitos, colocando-a a servio da atribuio de sentido ou da criaode significado. Alm dos aspectos apontados, entender como a msica vem sendorepresentada, uma vez que a representao contm e, ao mesmo tempo, orienta aao, fundamental para a formulao de polticas na rea da pedagogia da msica.Especificar o papel dos sujeitos/auditrios na apreenso de msica e dos critriosprprios a cada um deles poder levar explicitao das formas persuasivas utiliza-das para justificar suas escolhas.

    32 Estes pesquisadores concebem a alfabetizao, por exemplo, como entendimento e comunicao designificados, enfatizando que a compreenso da leitura e a expresso escrita devem ser desenvol-vidas por meio de usos funcionais da linguagem que sejam relevantes e significativos. Moll, L. C.,

    Introduo in Luis C. Moll, Vygotsky e a educao/Implicaes pedaggicas da psicologia scio-histrica, Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996.