182
LUCIANA GUERRA SANTOS MOTA CORREDOR DA VITÓRIA:UMA DISCUSSÃO EM TORNO DOS VALORES CONTEMPORÂNEOS Salvador 2008

corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

LUCIANA GUERRA SANTOS MOTA

CORREDOR DA VITÓRIA:UMA DISCUSSÃO EM TORNO DOS VALORES CONTEMPORÂNEOS

Salvador 2008

Page 2: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

LUCIANA GUERRA SANTOS MOTA

CORREDOR DA VITÓRIA: UMA DISCUSSÃO EM TORNO DOS VALORES CONTEMPORÂNEOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Paulo Ormindo David de Azevedo

Salvador 2008

Page 3: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

TERMO DE APROVAÇÃO

LUCIANA GUERRA SANTOS MOTA

CORREDOR DA VITÓRIA: UMA DISCUSSÃO EM TORNO DOS VALORES CONTEMPORÂNEOS

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, pela

seguinte banca examinadora:

Salvador, 03 de abril de 2008.

Francisco de Assis da Costa_____________________________________ Doutor, Universidad Politécnica da Cataluña

Paulo Ormindo David de Azevedo_________________________________ Doutor, Università degli Studi di Roma

Venétia Durando Braga Rios _____________________________________ Doutora, Universidade de São Paulo

Page 4: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

Aos meus pais e a Tiago, por tudo.

Page 5: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

AGRADECIMENTOS Aos meus tios Ana Clara, Gutemberg e Sérgio, pela ajuda em encontrar o caminho certo deste trabalho, e minha tia Pensilvânia, por sua valiosa correção. Aos professores Francisco Costa e Venétia Braga Rios, pelas sugestões que foram dadas na pré-banca, imprescindíveis para o fechamento desta dissertação. Ao professor Paulo Ormindo, pela orientação desta pesquisa. A Silvandira, pelos seus serviços no Programa de pós-graduação. As todas as instituições que estive pesquisando durante esses anos, especialmente ao IPAC, onde encontrei o apoio de Milena e sua equipe. A Raul Costa, Silvia Amélia, Vivian Lene e Reginaldo Pessanha, que tanto me ajudaram nos contatos com os entrevistados. A todos aqueles que entrevistei, pela confiança em prestarem seus depoimentos. A todos aqueles que me emprestaram seus livros. Ao CNPq, pelo auxílio financeiro. A meu pai e meu irmão, pela colaboração, a minha mãe pelo apoio e ao meu marido, pela compreensão da ausência de tantas horas. Muito obrigado por possibilitarem essa experiência de vital importância para o meu crescimento profissional e humano.

Page 6: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

RESUMO Esta dissertação tem o objetivo de definir os valores contemporâneos atribuídos aos monumentos. Como estudo de caso tem-se a análise de acontecimentos recentes em torno do Corredor da Vitória, localizado em Salvador/BA. No início do século XX a paisagem urbana deste local era dominada por mansões em estilo eclético, traduzindo os conceitos de higiene e estética características do período. Poucos exemplares, no entanto, chegaram ao final do século. O local foi escolhido devido a um polêmico processo de tombamento federal previsto para esta área da cidade, iniciado em 1999 e arquivado em 2004. Até hoje ocorrem discussões sobre a proteção dos remanescentes arquitetônicos indicados para tombamento. Outro fato que levou a eleição desta área foi a manutenção de algumas casas na frente dos edifícios, a partir dos anos 90. O período estudado foi definido a partir do processo de verticalização ocorrido nesta parte da cidade, iniciado na década de 40. Para melhor compreensão dos fatos, é apresentada também uma pesquisa sobre o processo de modernização da cidade, cujo início se deu no século XIX. Palavras-chave: Valores – Modernização – Preservação – Tombamento – Monumentos – Ecletismo.

Page 7: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

ABSTRACT

This dissertation has the objective to difine the contemporaneous values given to the monuments. As a case study, it uses the analyses to what has been happening around the Corredor da Vitória, located in Salvador/BA. In the beginning of the XX century, the urban landscape of this area was dominated by mansions in an eclectical style, translating the hygienic and esthetics concept for the period. Small quantities, however, lasted to the end of century. This place was chosen due to a polemic federal tumbling process expected for this city area, beginning in 1999 and filed in 2004. To this present day, discussions have been aroused about the protection of the architect remainders indicated to be tumbled. Another fact that considered this area to be elected was the maintenance for some houses in front of the buildings, from the 90’s. The period studied was difined from the verticalization process occurred in this part of the city, begun in the 40’s. For better understanding of the facts, a research about the modernization process is also presented, since its beginning was in the XIX century. Key-words: Values – Modernization – Preservation – Tumble – Monuments – Eclectical.

Page 8: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

APRESENTAÇÃO

Page 9: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

A atribuição de valores sempre esteve intimamente ligada ao culto aos

monumentos. Com a criação dos Estados Modernos no século XVIII, seguida da

preocupação de constituição do patrimônio cultural, a atribuição de valores passou a

adquirir um papel de destaque entre os responsáveis pela seleção dos monumentos

representativos da nação.

A partir do início do século XX, a atribuição de valores como forma de

selecionar os objetos que devem fazer parte do patrimônio cultural passou a ser

mais profundamente analisada por alguns estudiosos, sendo a obra do austríaco

Alöis Riegl uma das mais importantes.

No Brasil, a formação do patrimônio cultural está diretamente ligada à

prática do tombamento. Segundo o Decreto-lei nº 25/1937, somente seriam

considerados como parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional os

bens móveis e imóveis que estivessem inscritos num dos quatro Livros do Tombo: o

Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, o Histórico, o das Belas Artes e o das Artes

Aplicadas. Apesar de serem selecionados por intelectuais escolhidos pelo Estado,

esses bens devem retratar a cultura de todos os cidadãos.

Ao longo de todos esses anos em que vem sendo aplicada a prática de

tombamento no país, percebe-se, em alguns casos que envolvem propriedades

privadas, um conflito de interesses entre o Estado e os proprietários. Para isso ser

evitado é necessário que todos os cidadãos tenham ciência da importância do

patrimônio cultural e possam, de alguma forma, fazer parte dessas escolhas.

Recentemente ocorreu em Salvador (BA) um desses casos envolvendo

conflitos de interesse em torno das edificações que faziam parte do processo de

Page 10: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

tombamento federal para o “Conjunto Arquitetônico do Corredor da Vitória”. O

Corredor da Vitória foi o local escolhido pela elite da cidade para implantação de

suas moradias, entre o final do século XIX e início do século XX, seguindo os

conceitos higiênicos e estéticos da época, este último representado pelo ecletismo.

Buscando compreender as expectativas de cada grupo da sociedade

envolvido com este caso, procura-se identificar, neste trabalho, os valores atribuídos

aos remanescentes arquitetônicos que já haviam sido quase que completamente

destruídos ao final da década de 90, quando iniciado o processo de tombamento.

Para fornecer informações necessárias à compreensão do leitor sobre o

fato citado, a dissertação foi divida em quatro partes. No primeiro capítulo, será

abordada a questão dos valores na produção do patrimônio cultural e o

funcionamento dos órgãos responsáveis pelo patrimônio a nível federal e estadual.

Aproveitamos também para mostrar, neste capítulo, a dificuldade que o estilo

eclético tem tido para ser reconhecido como representativo de parte da história do

país.

O segundo capítulo visa retratar o desenvolvimento do bairro da Vitória

dentro de Salvador, desde o século XIX, quando ocorreu o início da modernização

da cidade, passando pela intensa reforma urbana do início do século XX, pelo

processo de verticalização ocorrido a partir da década de 40, até chegar aos dias

atuais.

Já no terceiro capítulo, iniciamos a abordagem sobre os valores

contemporâneos, a partir da análise de uma nova forma de construção iniciada no

Corredor da Vitória a partir da década de 90, que consiste em manter a antiga

residência na frente e construir o edifício nos fundos. Ao lado deste fato denominado

Page 11: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

de “modernização conservadora”, abordamos um outro ocorrido recentemente na

cidade, que também envolve a atribuição de valores aos monumentos. Consiste num

processo movido pelo Ministério Público para retirada da atual sede da prefeitura

(Palácio Tomé de Souza) da praça municipal, por achar que o edifício não “combina”

com a praça.

E, finalmente, no quarto capítulo, serão apresentados os valores

contemporâneos atribuídos ao Corredor da Vitória a partir do estudo de caso do

processo de tombamento federal para este local, iniciado em 1999 e arquivado em

2004. Neste capítulo também serão mostradas as repercussões que ocorreram

devido ao arquivamento do processo, como as atitudes do Estado e do Município, o

tombamento da Igreja da Vitória e a polêmica em torno da liberação de uma licença

de construção para um edifício no local da Mansão Wildberger, localizada no Largo

da Vitória, atrás da igreja.

Esperamos que as informações contidas neste trabalho possam servir

como exemplo na busca de melhores soluções para trazer à sociedade as

discussões sobre a formação e preservação do seu patrimônio cultural.

Page 12: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01: Palácio Monroe, no Rio de Janeiro. 34 (PALÁCIO..., 2007) FIGURA 02: O Comendador Catharino e a família nos jardins em 38 frente Palacete. Fonte: AZEVEDO, 2006, p.66.

FIGURA 03: Palacete do comerciante Cerqueira Lima, na Vitória. 42 Fonte: SAMPAIO, 2005, p.83. FIGURAS 04: A mansão da família Cunha Guedes em postal 43 do início do século. Fonte: VIANNA, 2004. FIGURA 05: A mansão da família Cunha Guedes e nos dias atuais. 43 Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. FIGURA 06: Passadiço de entrada do Elevador Lacerda em 1938, 45 na Praça do Palácio. Fonte: SAMPAIO, 2005, p.187 FIGURA 07: A Associação dos Empregados no Comércio da Bahia, 48 inaugurada em 1900. Fonte: VIANNA, 2004 FIGURA 08: Biblioteca Pública, fundada em 1811. Fonte: VIANNA, 2004. 48 FIGURA 09: Palácio Rio Branco reconstruído após o bombardeio de 48 1912, segundo projeto do arquiteto italiano Júlio Conti. Fonte: VIANNA, 2004. FIGURA 10: A antiga casa nº 308, onde funciona atualmente o 49 Ministério Público do Trabalho. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. FIGURA 11: A antiga residência do Dr. Jorge Calmon com 49 tapumes indicando o início das obras. Fotos: Manoel Humberto. Em 15/10/2006 FIGURAS 12: Palacete da tradicional família Costa Pinto. 50 Fonte: REVISTA DO INSTITUTO SOPHIA COSTA PINTO. Salvador, v.1, nº1, 1938. FIGURA 13: Palacete da tradicional família Costa Pinto já com 50 o anexo lateral em foto tirada logo após a reforma feita para o evento de decoração Casa Cor 97. Fonte: CASA COR BAHIA 97: Exibição Brasileira de Decoração. Salvador, p.20, 1997) FIGURAS 14 e 15: Residência Universitária da UFBA, 51 Av. Sete, nº2382. Foto: Manoel Humberto. Em 21/03/2007.

Page 13: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

FIGURA 16: Largo da Vitória, já urbanizado, por volta de1915 52 com a Igreja da Vitória após a reforma de 1910. Fonte: VIANNA, 2004. FIGURA 17: Chalet nº 2457. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. 54 FIGURA 18: Chalet nº 2607. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. 54 FIGURA 19: Edifício Maíza à esquerda. 60 Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. FIGURAS 20: Edifício Manoel Victorino. 62 Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. FIGURA 21: Edifício Apollo XVIII. Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. 65 FIGURA 22: Edifício Marte. Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. 65 FIGURA 23: O Museu Carlos Costa Pinto na frente e o edifício Mansão 67 Carlos Costa Pinto atrás. Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. FIGURA 24: Vista dos decks de atracação construídos na Baía de Todos 68 os Santos. (SANDES, 2006) FIGURA 25: Vista do deck do edifício Sol Victória Marina. 68 (ROGERIO, 2006) FIGURAS 26: Museu de Arte da Bahia. Foto: Humberto Diniz. 76 Em 03/11/2006. FIGURA 27: Museu Geológico. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. 76 FIGURA 28: A antiga casa de Manuel Joaquim de Carvalho e 77 o edifício Mansão Victory Tower, nº 2224. Foto: Humberto Diniz. Em 28/08/2005. FIGURAS 29, 30 e 31: A fachada da casa nº 2365, pertencente à 78 Procuradoria da República, a fachada lateral e o edifício construído nos fundos. Foto: Luciana Guerra. Em 07/04/2007. FIGURAS 32 e 33: A fachada da casa nº 308 e o edifício construído 78 nos fundos. Fotos: Manoel Humberto. Em 17/03/2007. FIGURA 34 - Anexo do fundo que foi demolido para construção do 79 edifício. Fonte: REVISTA DO INSTITUTO SOPHIA COSTA PINTO. Salvador, v.1, nº1, 1938. FIGURA 35: Guarita e pórtico construído escondem a fachada da antiga 81

Page 14: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

residência da família Costa Pinto. Foto: Humberto Diniz. Em 28/08/05. FIGURA 36: Vista da fachada lateral esquerda da antiga residência da 81 família Costa Pinto, após a retirada do anexo lateral, com o edifício ao fundo. Foto: Humberto Diniz. Em 28/08/05. FIGURA 37: A antiga Residência Cardinalícia e o edifício construído 86 ao fundo. Foto Manoel Humberto. Em 15/10/2006. FIGURA 38: Vista do fundo do edifício “Morada dos Cardeais” e o plano 86 inclinado construído na encosta para acesso ao deck. (FRAGA, 2007) FIGURA 39: Mansão dos Wildberger: o que restou após a demolição 141 de 28 de janeiro de 2007. Foto: Luciana Guerra. Em 10/04/07. FIGURA 40: Vista da Baía de Todos os Santos mostrando os edifícios 148 do Corredor da Vitória. (BRITO, 2007)

Page 15: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACM Antonio Carlos Magalhães ADEMI-BA Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário ASCAVI Associação de Moradores do Campo Grande, Canela e Vitória CAB Centro Administrativo da Bahia CEC Conselho Estadual de Cultural CNO Construtora Norberto Odebrecht DEA Divisão de Estudos de Acautelamento (do IPHAN) DEPROT Departamento de Proteção (do IPHAN) DPHAN Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional EPUCS Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador ETELF Escritório Técnico de Licenças e Fiscalização IAB-Ba Instituto de Arquitetos do Brasil – seção Bahia ICOMOS International Council on Monumentos IPAC-Ba Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico Nacional MPF Ministério Público Federal MPF/BA Procuradoria da República na Bahia PETROBRÁS Petróleo Brasileiro SA PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano PROJUR Procuradoria Jurídica (do IPHAN) SINARQ Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 7ª SR 7ª Superintendência Regional do IPHAN

Page 16: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

SUCOM Superintendência de Controle e Ocupação do Uso do Solo TRANSCON Lei nº 3.805/87, que Cria a transferência do direito de construir UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura UFBA Universidade Federal da Bahia

Page 17: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 17

CAPÍTULO 1 – A formação do patrimônio cultural nacional. 22

1.1. Os valores na produção do patrimônio cultural. 23

1.2. Os órgãos de preservação e o ecletismo. 31

CAPÍTULO 2 – O bairro da Vitória na cidade de Salvador. 39

2.1. A primeira fase de modernização da cidade. 40

2.2. A reforma urbana de J.J. Seabra: a chegada para a modernidade. 46

2.3. Os planos urbanísticos e o início da verticalização. 57

2.4. A consolidação da cidade capitalista. 70

CAPÍTULO 3 – Uma discussão em torno dos valores contemporâneos. 75

3.1. A “modernização conservadora”: uma nova forma de preservação? 76

3.2. O caso do Palácio Tomé de Souza. 90

CAPÍTULO 4 – Os valores contemporâneos em torno do Corredor da Vitória. 97

4.1. O processo de tombamento no IPHAN. 98

4.2. As manifestações da sociedade. 126

4.3. O envolvimento do Estado e Município. 132

4.4. O tombamento da Igreja da Vitória e a Mansão Wildberger. 137

CONSIDERAÇÕES FINAIS 151

REFERÊNCIAS 156

ANEXOS 167

Page 18: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

17

INTRODUÇÃO

Page 19: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

18

Cidade de Salvador: mais de 400 anos de história. As construções iniciais

de taipa vão dando lugar a sólidos edifícios em alvenaria de pedra, como fortalezas,

edifícios públicos, igrejas. Os sobrados geminados dominam a paisagem até o

século XIX, quando se inicia um novo tempo.

A revolução industrial européia e a busca pelos confortos da modernidade

influenciam a antiga colônia. As importações de novas tecnologias causam euforia

na população. Chegam os bondes, os automóveis, os aparelhos sanitários. Novos

valores... A cidade passa a ser regida por um sentimento de busca pela

modernidade, traduzida na reforma de J.J. Seabra. Surgem recuos entre as casas e

jardins que refletem os novos conceitos de higiene. O ecletismo é a tradução do belo

neste momento da história. E o barroco das antigas construções da cidade colonial

passa a ser desprezado, como constatado no episódio da demolição da Igreja da

Sé1.

A população cresce, e é preciso novos espaços de moradia. Com a

tecnologia, a cidade se verticaliza e o uso do solo passa a ter um papel de destaque

na economia. Surge a especulação imobiliária. Aliada à tecnologia da construção

civil, o capital imobiliário transforma profundamente a paisagem da cidade.

Se olharmos hoje Salvador pela Baía de Todos os Santos, vemos altos

edifícios sobre a escarpa que caracteriza a cidade de dois andares, sendo que no

Corredor da Vitória, local onde surpreendentemente o gabarito foi liberado desde

1976, é visto um paredão com edifícios de até mais de 30 pavimentos, num mesmo

local que no início do século XX tinha sua paisagem dominada por mansões em

estilo eclético.

1 Para este caso, ver PERES (1999).

Page 20: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

19

A construção de edifícios no Corredor da Vitória ocorreu a partir da

demolição das antigas mansões, sem levar em consideração nenhum tipo de valor

estético ou histórico destas. Da década de 40 até a década de 70, quase todas as

mansões existentes no local foram destruídas. Até que surgiu uma nova proposta:

construir o edifício atrás e deixar a casa na frente. De onde partiu esta idéia?

Em 1998 foi solicitado um pedido de tombamento, envolvendo áreas do

Corredor da Vitória, Canela, Graça e Campo Grande, com o objetivo de proteger da

destruição não só remanescentes arquitetônicos do início do século XX, como

também da década de 30, 40 e 50. Por que somente neste momento se despertou o

sentimento preservacionista? Aconteceram outras manifestações em prol da

preservação de edifícios com valores históricos e/ou artísticos deste local? E a

população, como agiu diante disto?

Grandes foram as repercussões ocorridas devido ao processo de

tombamento. Estiveram envolvidos não só os técnicos do órgão de preservação

federal, onde o processo se desenrolou, como também proprietários interessados

em vender suas casas, empresários da construção civil, representantes do mercado

imobiliário e representações de classe.

A discussão sobre a manutenção de umas poucas edificações ecléticas

espaçadas entre os altos edifícios é contrária aos ideais modernistas do início do

século XX, quando a população aceitava passivamente a demolição de edifícios

religiosos consagrados, para se beneficiar das tecnologias advindas com a

modernidade. O clímax desses valores de conservação pode ser retratado pelo

processo movido pelo Ministério Público para retirada do edifício sede da prefeitura

da praça municipal de Salvador, simplesmente porque se trata de uma edificação

“moderna” numa praça “antiga”.

Page 21: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

20

Os referidos acontecimentos levam a crer que este caso é tipicamente de

mudança de atitude da sociedade por força da alteração das “mentalidades” que

corresponde ao “reflexo conceitual de uma prática ou de uma descoberta

progressiva” (VOVELLE, 2004, p.17).

Sendo a atribuição de valores um fator primordial nas intervenções

urbanas, a questão central deste trabalho seria entender quais os valores que são

atribuídos ao Corredor da Vitória pelos diversos setores que se manifestaram

durante o processo de tombamento e suas repercussões. Os “valores” são aqui

considerados como uma “expressão resultante de relações e situações sociais”

(HELLER, 2004, p.5).

Com a discussão em torno dos valores atribuídos às edificações do

Corredor da Vitória pretende-se contribuir na busca por uma melhor definição sobre

os locais de importância histórica da cidade, assim como a pertinência do que deve

ser tombado, e conseqüentemente, fazer parte do patrimônio cultural.

Esta pesquisa tem como objetivo principal conhecer os valores que são

atribuídos aos monumentos de Salvador. No caso do Corredor da Vitória, foram

levantadas informações históricas sobre o processo de transformação da ocupação

urbana da área a partir de meados do século XIX e sua relação com a cidade;

levantadas e analisadas as tipologias arquitetônicas da área; pesquisado o processo

de verticalização e as novas intervenções arquitetônicas (edifícios atrás das casas);

levantado e discutido o histórico da legislação existente sobre a área; e finalmente,

levantado e discutido os valores atribuídos pelos diversos agentes em relação aos

monumentos do bairro da Vitória. Em relação ao edifício da prefeitura, foram

levantadas e analisadas informações sobre o processo movido pelo Ministério

Público Federal e as opiniões referentes ao caso.

Page 22: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

21

O método de abordagem usado para a pesquisa foi o hipotético dedutivo,

em que com base em informações pré-existentes foi buscada a solução para o

problema. Utilizou-se o método de procedimento histórico, em que acontecimentos

do passado e do presente foram analisados e buscadas as semelhanças e

divergências entre eles.

Os dados secundários foram levantados em documentação indireta,

através de pesquisa bibliográfica (livros, dissertações, artigos, etc.), e pesquisa

documental realizada nos órgãos de preservação (IPHAN e IPAC), no Ministério

Público, e legislação existente. As reportagens dos jornais de maior circulação da

cidade, no período de junho de 2003 a fevereiro de 2007, foram pesquisadas na

Fundação Gregório de Mattos e no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Foram

realizados levantamentos de dados primários através de pesquisa de observação de

campo e entrevistas semi-estruturadas.

Page 23: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

22

CAPÍTULO 1

A formação do patrimônio cultural nacional

Page 24: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

23

1.1 Os valores na produção do patrimônio cultural

O culto a edifícios construídos com o objetivo de fazer recordar uma

pessoa, um acontecimento ou uma crença sempre fez parte da história do homem.

Neste sentido foram construídos as pirâmides, as esfinges e os Arcos do Triunfo,

construções que passaram a ser designadas por monumentos, conforme o sentido

do termo original em latim monumentum, derivado de monere, que significa advertir,

recordar (CHOAY, p.16).

A partir de um certo momento de sua história, o homem passou a cultuar

obras antigas que haviam sido construídas sem nenhuma intenção de adoração,

como igrejas, palácios e catedrais. Isso ocorreu a partir do século XV, na Itália,

quando os homens da renascença passaram a considerar os edifícios da

Antiguidade Clássica como verdadeiras obras de arte e fonte de inspiração. A partir

deste momento passou a haver uma distinção entre dois tipos de monumento: os

monumentos intencionados e os monumentos não intencionados.

Entretanto o monumento simbólico, erguido apenas para fins de

rememoração quase não existe mais hoje em dia. À medida que a sociedade passou

a dispor de técnicas mais eficazes, estes monumentos deixaram de ser erguidos e o

fervor que os rodeavam foram transferidos para os monumentos históricos (idem,

p.21).

O culto aos monumentos está diretamente ligado à atribuição de valores a

bens. A questão dos valores foi pioneiramente retratada por Aloïs Riegl no início do

século XX, em sua obra “O culto moderno aos monumentos”. Para traçar um plano

de reorganização da conservação de monumentos públicos na Áustria, Riegl

observou que era preciso primeiramente entender a questão do valor dos bens ao

Page 25: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

24

perceber a profunda mudança que ocorreu naqueles últimos anos na concepção das

pessoas sobre o caráter do culto moderno aos monumentos (RIEGL, 1987, p.19).

Riegl destaca os seguintes valores que podem ser atribuídos aos

monumentos: o valor de antiguidade, o qual é perceptível nas marcas do tempo,

podendo ser identificado por qualquer pessoa; o valor histórico, que remete à

originalidade do monumento, sendo necessário ter uma base científica para poder

identificá-lo; o valor rememorativo intencionado, que se refere aos monumentos

intencionados; o valor instrumental, ou seja, de uso da edificação; e o valor artístico,

sendo que este pode ser um valor de novidade, mais apreciado pelas grandes

massas, ou um valor artístico relativo, que representa a apreciação da concepção,

forma e cor do monumento e não apenas como testemunho.

O valor histórico e o valor artístico aparecem ao mesmo tempo nos

monumentos. Desta forma, a distinção entre monumento histórico e monumento

artístico é inexata (idem, p.25). Outro comentário apontado por Riegl é que não

existe um valor artístico relativo absoluto, e sim um relativo, moderno (idem, p.27).

Um edifício pode não apresentar valor artístico para os homens de uma determinada

época e apresentar valor num período posterior.

A partir do momento que uma edificação é considerada como

monumento, a sua preservação passa a ser uma preocupação dos homens.

[...] preservar, quer sejam edificações, obras de arte ou literatura, é conjutamente, preservar a memória coletiva e a memória individual, pois tais ambientes ou objetos são representações materializadas do fazer social (MILET, 1988, p.14).

As práticas de preservação só passaram a ser efetivadas com a criação

dos Estados Modernos, a partir do século XVIII. Neste momento a conservação dos

monumentos passou a estar diretamente ligada com a formação de um patrimônio

nacional, fornecendo subsídios ideológicos para implantação de um sentimento de

Page 26: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

25

nacionalismo na população. A constituição de patrimônios históricos e artísticos

nacionais nasceu com o objetivo de “reforçar uma identidade coletiva, a educação e

a formação de cidadãos” (FONSECA, 2005, p.21).

Um dos primeiros locais a constituir a noção de patrimônio cultural

nacional foi a França. A burguesia francesa, após conquistar o poder, necessitava

“ampliar suas bases ideológicas para fortalecimento do Estado-Nação”. Neste

período os conceitos de “povo”, de “nação” e de “fronteiras nacionais” se formaram e

se fortaleceram. “A ação da proteção aos bens culturais visa, nesse processo,

através do culto ao passado, desenvolver a formação da consciência nacional, a

educação e o respeito à tradição da nação” (MILET, 1988, p.66).

Nesse momento, pós Revolução Francesa, “as teorias de preservação se

articulavam com as exigências de legitimação do Estado Capitalista e com as

necessidades e anseios expressos pelos diversos setores sociais” (idem, p.72). Milet

aponta que a reforma de Paris implantada por Haussman consistia na aplicação da

teoria do “mise en valeur”, a partir do momento em que a nova urbanística atendia

aos interesses da classe capitalista, preservando, ao mesmo tempo, o monumento

excepcional. E complementa que a aplicação da noção do “mise en valeur” cria

situações históricas falsas na fisionomia urbana, “negando a história do monumento

e sua situação urbana” (idem, p.74).

No primeiro período da constituição do patrimônio cultural na França, os

proprietários dos símbolos políticos e religiosos escolhidos pelo Estado para

preservação não se contrapunham às restrições estabelecidas, já que “a

manutenção da memória significava também, reforço ideológico à própria

preservação e manutenção dessas instituições” (idem, p.76). Somente com a

ampliação do conceito de monumento foi que houve um conflito entre a preservação

Page 27: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

26

e os setores do capital imobiliário, principal responsável pelo processo de expansão

urbana capitalista, “seja através da reincorporação do solo construído ao processo

produtivo, seja pela incorporação do solo rural” (idem, p.76-77). Isso ocorreu não só

em Paris como também nas cidades brasileiras.

No Brasil, a instauração do Estado Novo, em 1937 e o desejo de criar

uma identidade nacional como forma de garantir a permanência no poder de uma

nova classe dominante, daria subsídios para implantação de um serviço específico

destinado a proteger as obras de arte e de história do país, representado pelo

Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Tendo iniciado suas

atividades em 1936, o SPHAN2 só foi regulamentado com a lei nº 378, de 13 de

janeiro de 1937, quando passou a integrar oficialmente a estrutura do Ministério da

Educação e Saúde (MES).

Com o Decreto-lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, que “organiza a

proteção do patrimônio histórico e artístico nacional”, foi constituído que os bens

móveis e imóveis de interesse público, por serem vinculados a fatos memoráveis ou

por possuírem excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou

artístico, só seriam considerados como parte integrante do patrimônio histórico e

artístico nacional depois de inscritos num dos quatro Livros do Tombo: o

Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, o Histórico, o das Belas Artes ou o das

Artes Aplicadas. O tombamento era a forma que o poder público tinha para

determinar que certos bens culturais seriam objeto de proteção especial.

Cabia aos intelectuais o desafio de selecionar os bens “móveis e imóveis”

que iriam construir uma representação da nação. Esses bens selecionados a partir

da atribuição de determinados valores, constituiriam o patrimônio cultural do país. 2 Em 1946 o SPHAN passou a ser denominado como Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN) e em 1970 se transformou em Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Page 28: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

27

Para efetivar um tombamento, foi necessária a criação de um órgão

deliberativo – o Conselho Consultivo - efetuado com a lei nº 378 de 13 de janeiro de

1937, composto pelo diretor do SPHAN, pelos diretores dos museus nacionais e por

dez membros nomeados pelo presidente da República. Para cada solicitação de

tombamento é aberto um processo pelo órgão e escolhido um relator pelo presidente

do Conselho. As decisões são tomadas por maioria de votos.

De 1937 a 1969 o SPHAN foi dirigido por Rodrigo Melo Franco de

Andrade, que procurou aliar a sua narrativa aos ideários do Estado Novo. Rodrigo

defendia que o “Brasil existe na medida em que possui um passado e uma tradição”,

sendo então necessário o resgate do passado para assegurar o desenrolar do

processo de civilização (GONÇALVES, 2002, p.64).

Conforme o desejo da burguesia, Rodrigo concebeu um passado barroco

e católico, valorizando apenas os monumentos arquitetônicos históricos e religiosos

do período da colonização portuguesa e em sua maioria situados numa determinada

região do país, mais precisamente Minas Gerais (idem, p.64).

[...] tal concentração do patrimônio cultural brasileiro em Minas Gerais pode ser interpretada como efeito de uma política de preservação histórica na qual o regionalismo é considerado como um importante valor (idem, p.69).

No Brasil, da mesma forma como ocorreu na França, no primeiro

momento da constituição do patrimônio cultural do país não houve uma

contraposição dos proprietários que tinham seus bens tombados, já que os

proprietários eram, em sua maioria, a igreja e o estado. Somente num segundo

momento em que “o ideário preservacionista amplia a noção de patrimônio cultural

do monumento isolado para o entorno do edifício, os conjuntos urbanos, as cidades

e o ambiente natural” (MILET, 1988, p.190), foi que se iniciou o conflito entre os

interesses capitalistas envolvidos com o solo urbano e o ideário protecionista

expresso na legislação.

Page 29: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

28

Dentro deste trabalho, a disputa pelos “direitos de propriedade” está

explicitada no momento em que os proprietários de mansões do Corredor da Vitória,

interessados em sua venda, se mostrarão completamente avessos à possibilidade

de tombamento e, conseqüentemente, do reconhecimento de suas propriedades

como patrimônio cultural.

É preciso entender que um setor urbano ao ser tombado passa a ser

regido por uma lei especial, que lhe atribui um valor, diferenciando-o dos demais

ambientes construídos da cidade. Gonçalves apresenta as seguintes conseqüências

para os proprietários após o tombamento de um determinado bem:

[...] entre as principais conseqüências do ato formal de apropriação nacional de um bem cultural estão várias restrições impostas sobre os direitos de propriedade privada. Assim, o proprietário de um bem tombado não pode demolir, reparar ou restaurar ou nele realizar qualquer alteração sem antes obter uma autorização oficial concedida pelo Sphan. O desrespeito a essa imposição legal é classificada como crime previsto no Código Penal Brasileiro. Se o proprietário decide vender sua propriedade tombada, ele é legalmente obrigado a informar o Estado sobre a venda. Objetos de arte e de valor histórico não podem deixar o país sem prévia autorização (GONÇALVES, 2002, p.66-67).

Esse conflito entre os interesses do capital imobiliário e os ideários

preservacionistas ocorrem devido ao valor de uso do solo urbano, que é expressado

pela “capacidade e condições de criar espaços segundo necessidades sociais”

(MILET, 1988, p.39). Os ambientes construídos sobre o solo urbano também

possuem valor de uso na medida em que representam “o suporte físico para

desenvolvimento das atividades urbanas tanto de ordem coletiva, como de ordem

individual” (idem).

Estas necessidades sociais podem ser traduzidas pelos desejos de sua

população, pela sua forma de apropriar o espaço. Isso pode estar vinculado ou a

construção de um espaço completamente novo, ou à apropriação de espaços

antigos. Entretanto no Brasil, a sociedade não tem se mostrado como valorizadora

Page 30: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

29

de seu passado, o que tem levado à destruição de objetos que traduzem o

significado de sua história.

Parece claro que uma sociedade onde se pensa que tudo pode ser destruído ou conservado, tem uma noção de história – passado e presente – completamente abstrata. Nestas condições, ela não é uma forma de conhecimento, não é um chão de enraizamento, não se produz como referência com a qual se possa refletir sobre a experiência social (PAOLI, 1992, p.26).

As transformações dos ambientes das cidades serão conseqüência da

relação entre o regime de propriedade do solo e as regras de apropriação do meio

ambiente estabelecida. Ao ser apropriado privadamente, o solo urbano e os

ambientes construídos passam a constituir-se em mercadoria, sendo chamados de

bens imobiliários. O valor desses bens é determinado pela superposição de valores

de uso potenciais, que são estabelecidas pelas leis de uso do solo. O tombamento

pode desvalorizar um bem imobiliário, devido às restrições de uso estabelecidas, ou

poderá valorizá-lo, conforme afirma Milet:

Frente a esses conflitos, e em defesa da preservação dos bens culturais, levanta-se o argumento da sua viabilidade econômica através do turismo, considerando que a experiência teria demonstrado que o passado seduz mais as pessoas que o presente. [...]. Assim, chega-se à noção de que a memória é uma fonte de riqueza, e essa será a tônica principal da prática preservacionista contemporânea (MILET, 1988, p.77).

Para garantir a lucratividade de seus negócios relacionados ao mercado

imobiliário, a classe dominante tem procurado manter o controle tanto da legislação,

que muitas vezes é modificada para permitir novos empreendimentos, como da

prática preservacionista. Isso ocorre não somente em Salvador, que será retratado

neste trabalho, como também em outras cidades brasileiras, a exemplo de São

Paulo, conforme relato de Cássia Magaldi:

Esta disparidade caracteriza a permanente tentativa de controle das classes dominantes sobre os critérios e as práticas de preservação neste país, que se materializa por um lado pelo cultivo do consumo sofisticado e, por outro, na aposta quanto à permanência do jogo da especulação imobiliária e o lucro desenfreado como último critério no uso do solo urbano. Se em uma grande metrópole como São Paulo a preservação do patrimônio ambiental urbano imóvel encontra tantos obstáculos, desencadeia tanta discussão e dá origem a tantos protestos de proprietários e incorporadores indignados, é

Page 31: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

30

justamente por ser considerada antagônica aos conceitos e políticas ditadas pelos grandes especuladores e empreiteiras, que transformam a cidade de acordo com suas diretrizes privadas – e, pelo menos até aqui, com a anuência explícita ou implícita dos poderes constituídos (MAGALDI, 1992, p.22).

Dentro dessa tônica de conflitos entre valores dos bens imobiliários e a

prática preservacionista, este trabalho irá se desenvolver a partir da análise de

acontecimentos ocorridos na cidade de Salvador. Para entender um dos estudos de

caso apresentados, o processo de tombamento do IPHAN para o Corredor da

Vitória, será preciso apresentar anteriormente a questão da valorização do estilo

eclético dentro dos órgãos preservacionistas, já que este é o estilo das mansões

remanescentes do local estudado.

Page 32: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

31

1.2 Os órgãos de preservação e o ecletismo.

Na segunda metade do século XX, o Corredor da Vitória teve sua

paisagem urbana intensamente modificada com a construção de altos edifícios a

partir da demolição das mansões ecléticas que configuravam o local desde as

primeiras décadas deste século. A quase totalidade do desaparecimento dos

exemplares de arquitetura característicos dos primeiros anos da república no Brasil

se deu pelo fato de não haver nenhum tipo de proteção legal que favorecesse a sua

preservação.

Apesar da prática de tombamento, instalada com o Decreto-lei nº 25/1937

fornecer subsídios para impedir, ao menos, a demolição legal dos edifícios

considerados como patrimônio cultural, nos primeiros anos de atuação do IPHAN, o

ecletismo não foi considerado como um estilo que pudesse caracterizar a cultura

brasileira.

Muitos críticos de arquitetura consideram os exemplares ecléticos como

sendo de “mau gosto”, fato que levou ao não interesse pela sua preservação. Por

esse motivo, são escassos os exemplares de arquitetura eclética em todo o Brasil.

Paulo Santos considera o ecletismo como uma “mescla múltipla e

morfologicamente indefinível” dos estilos Neoclássico e Romântico. Para ele as

edificações desta época não apresentavam “apuro de forma, proporções e gosto que

caracterizara as obras de meados do século [XIX]” (SANTOS, 1981, p.69-70).

Eram típicas dessa época as casas com pilastras apaineladas (às vezes de ornamentação sobreposta); sacadas pesadamente estucadas, ou de grades; entablamentos pseudoclássicos com perfilados nas pilastras às vezes arredondados dos cunhais; modilhões e mísulas nas cimalhas, que eram protegidas na parte de cima, por fiadas de telhas de Roux Frères de Marselha; pesadas platibandas de tramos de balaustradas intercalados de estilóbatas e compoteiras de massa, tendo ao centro grandes complicadas cartelas, que formavam, em conjunto, espécie de atiço em que os estucadores - entre os quais muitos portugueses e italianos -, exibiam toda a sua habilidade e fantasia [...] (SANTOS, 1981, p.70).

Page 33: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

32

Godofredo Filho também retratou o exagero decorativo do ecletismo,

apesar de assumir que internamente as casas apresentassem boas soluções.

Tudo de ornamentalmente pomposo, de praticamente inútil além de feio, cúpula, estátuas, florões, pináculos, águias de asas espalmadas no vôo, tudo, no seu exterior, se aglomerou num despropósito, pelo prazer pueril de carregar na ornamentação e boquiabrir os ingênuos. Era o fervor do gesso e da cola, o festival do estuque, embora internamente a planta permitisse vestíbulo e salão nobre de agradáveis proporções, sobretudo este, e saguão espaçoso de onde arranca monumental e bela escadaria de vidro e bronze (GODOFREDO FILHO, 1984, p.20).

O arquiteto italiano Luciano Patetta mostrou que o ecletismo, ao contrário

do que muitos pensam, não foi um período homogêneo e sim, com diferentes

manifestações e direções divergentes e às vezes, contraditórias. Suas pesquisas

distinguem a arquitetura eclética em três correntes principais: a da composição

estilística, que se baseava na imitação coerente de determinado estilo arquitetônico

do passado (pertencem a esta corrente as tendências neogregas, neo-egípsias e

neogóticas); a do historicismo tipológico, onde a escolha do estilo deveria ser

orientada pela finalidade a que se destinava o edifício (o misticismo e a religiosidade

da Idade Média eram escolhidas para as Igrejas, a elegância da Renascença para

os edifícios públicos, o Barroco e os estilos orientais eram escolhidos para os

equipamentos de lazer, o Classicismo para os edifícios do governo e os museus); e

os pastiches compositivos que

[...] com uma maior margem de liberdade, “inventava” soluções estilísticas historicamente inadmissíveis e, às vezes, beirando o mau gosto (mais que, muitas vezes, escondiam soluções estruturais interessantes e avançadas (PATTETA, 1987, p.14-15).

São a estes pastiches compositivos que Paulo Santos e Godofredo Filho

fazem referência em suas críticas e que são encontradas na maioria das mansões

do Corredor da Vitória. Mas a decoração exagerada que escondia as novas

soluções estruturais em ferro e concreto das construções era feita por uma razão de

Page 34: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

33

“decoro”, segundo os costumes burgueses da época vitoriana (PATETTA, 1987,

p.15).

Estes comentários sobre o ecletismo na arquitetura levam à compreensão

das razões que dificultaram o reconhecimento deste estilo dentro dos órgãos

responsáveis pela preservação do patrimônio cultural, tanto a nível federal como

estadual. É preciso conhecer como tem sido o reconhecimento da arquitetura

eclética dentro destes órgãos para compreender as razões que ocasionaram a não

proteção das mansões do Corredor da Vitória.

A constituição do patrimônio cultural dentro do IPHAN, a partir da prática

do tombamento, se voltou, no primeiro momento, a procurar associar as origens e

tradições brasileiras aos exemplares do século XVI, XVII e XVIII, eliminando as

experiências do ecletismo e da “art nouveau”. Até a década de 60, dentre os

tombamentos realizados, o barroco representava o estilo mais valorizado, seguido

pelo neoclássico e pela arquitetura moderna, que já em 1947 teve seu primeiro

exemplar tombado3. O eclético, considerado a ovelha negra da arquitetura brasileira

pelos modernistas, apesar de ser o estilo representativo do início da República no

país, até os anos 70 só apresentava três imóveis tombados devido ao seu valor

histórico (FONSECA, 2005, p.115).

Em 1973, três edificações ecléticas foram tombadas pelo seu valor

artístico, marcando o início de uma mudança de mentalidade em relação a este

estilo. As três edificações localizadas à Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, que

foram inscritas no Livro de Belas Artes do IPHAN são: a Biblioteca Nacional, o prédio

da Caixa de Amortização, atual Banco Central e o Museu Nacional de Belas Artes.

Todos os três edifícios foram construídos entre 1905 e 1910 e apresentam

3 A Igreja de São Francisco de Assis ou “Igrejinha da Pampulha”, foi concebida pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A construção foi concluída em 1945.

Page 35: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

34

elementos típicos do ecletismo como colunas monumentais, frontões, molduras,

cornijas, transitando por diversas ordens clássicas ou inspiradas no Renascimento.

Mesmo com estes tombamentos, a valorização do estilo eclético ainda

não tinha sido totalmente reconhecida, como pode ser constatado com a demolição

do Palácio Monroe, também localizado na avenida Rio Branco, no Rio de janeiro.

Construído em 1904, para ser o “Pavilhão do Brasil” na Exposição de Saint Louis,

Estados Unidos, o edifício recebeu inúmeros elogios internacionais sendo inclusive

condecorado com o maior prêmio de arquitetura da época. Sua estrutura (metálica

com chapa de concreto) permitiu a sua reconstrução em 1906, no Rio de Janeiro,

representando o primeiro edifício oficial inaugurado na avenida Central. Em 1974 o

jornal “O Globo”, apoiado por modernistas como Lúcio Costa, iniciaram uma

campanha pela demolição do “monstrengo arquitetônico da Cinelândia”, como era

denominado pelo jornal, com a justificativa do edifício atrapalhar o trânsito e a

construção do metrô. O Palácio foi finalmente demolido em 1976 (PALÁCIO...,

2007).

FIGURA 01: Palácio Monroe, no Rio de Janeiro. (PALÁCIO..., 2007)

A partir da década de 70, o IPHAN passou a incentivar uma política de

descentralização, formalmente explicitada nos documentos elaborados em reuniões

realizadas com governadores, o que possibilitou um maior reconhecimento do estilo

Page 36: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

35

eclético, pelo menos a nível regional. Nos documentos Compromisso de Brasília

(1970) e Compromisso de Salvador (1971) havia recomendação para que os

“estados e municípios exercessem uma atuação supletiva à federal na proteção dos

bens culturais de valor nacional, e assumissem, sob orientação técnica do então

DPHAN, a proteção dos bens de valor regional” (FONSECA, 2005, p.142-143). Para

isso era necessária a criação de instituições e legislações próprias para cada estado.

Na Bahia, a primeira legislação criada para proteger o patrimônio cultural

do estado é representada pela lei nº 3 660 de 8 de junho de 1978, que “dispõe sobre

o tombamento, pelo Estado, de bens de valor cultural”. Segundo o Decreto-lei nº 26

319, que regulamenta esta lei, o tombamento deveria ser feito mediante proposta

justificada da Fundação do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia4, acompanhada

sempre de parecer do Conselho Estadual de Cultura (CEC). Os bens tombados

deveriam ser inscritos num dos quatro livros de tombo: Livro para tombamento de

bens imóveis do Estado, dos Municípios e das autarquias, Livro para tombamento de

bens móveis do Estado, dos Municípios e das autarquias, Livro de tombamento de

bens imóveis de pessoas de direito privado e Livro para tombamento de bens

móveis de pessoas de direito privado.

As primeiras solicitações para tombamento estadual na Bahia foram

originárias do CEC e realizadas a partir de 1979 (CASTRO, 2006, p.15). O Conselho

foi criado em 1967 com a Lei nº 2 464, de 13 de setembro de 1967, sendo integrado

por doze membros titulares e com finalidade de formular a política cultural do

Estado. Mas foi o decreto-lei nº 25 264/76 que permitiu ao CEC emitir pareceres

sobre o tombamento de bens culturais. Esta mesma lei passou a vincular o Conselho

à Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia e foi baseado nela que o

4 Em 1980 a Fundação do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia passou a ser denominado Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC).

Page 37: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

36

conselheiro Thales de Azevedo apresentou ao CEC, em sessão plenária de 15 de

janeiro de 1982, um parecer para tombamento estadual do antigo Palacete

Comendador Bernardo Martins Catharino, sito na Rua da Graça nº 292. Esta

residência funcionava, desde 1968, como sede do Conselho Estadual de Cultura e

em 2006 foi restaurada para ser usada como dependências do Museu Rodin Bahia.

Thales de Azevedo, em seu parecer, comentou sobre o testemunho do

palacete de uma etapa da história social e urbana de Salvador na transição para o

século XX, quando os ricos trocavam o sobrado de parede-meia do Pelourinho pela

‘vileta’ em meio a amplos jardins, “o estilo colonial pelo Ecletismo cosmopolita.” E

propunha o tombamento:

Primeiro, pelo seu valor arquitetônico intrínseco, como um dos mais representativos exemplares de residência abastada baiana, do início deste século. [...]. Segundo, o palacete testemunha, no particular, uma etapa da história social e urbana de Salvador (AZEVEDO, 1982).

O palácio em questão foi construído entre 1911 e 1912, projeto do

arquiteto Rossi Baptista, imigrante italiano. O projeto compreendia

[....] no porão: biblioteca, sala de bilhar, gabinete, adega, apartamento de três peças para criados, lavanderia e garagem; no 1º pavimento: vestíbulo, sala de visitas, salões de jantar e de música, salas de almoço e de costura, gabinete, aposento do mordomo, copa e cozinha; no 2º pavimento, 10 quartos, saleta, terraço e varandas (GODOFREDO FILHO, 1984, p.24).

Equipamentos para uso e bem-estar, a maioria importado, traduzia o

gosto e conforto próprios do ecletismo: louça dos sanitários, escada metálica,

elevador, vidros, cristais, parquets, mármores, ladrilhos, ferragens. Havia também

um mirante, elemento que voltou à moda com o ecletismo, mais como decoração do

que com sua real função de apreciar vistas panorâmicas.

Godofredo Filho, na função de relator do processo do Conselho Estadual

de Cultura, também emitiu parecer (nº 10/82) referente ao tombamento do palacete.

Iniciou seu texto considerando escassas ou não suficientemente significativas as

Page 38: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

37

manifestações do ecletismo no casario de Salvador. Além disso retratou que o

ecletismo arquitetônico brasileiro e o baiano, em particular, apresentavam em suas

feições externas uma linguagem simplificada dos vários estilos, carregando-os de

superposições espalhafatosas, “num gosto às mais das vezes empolado e equívoco”

(GODOFREDO FILHO, 1984, p.26).

Em relação ao antigo palacete Catharino, o autor apontava um adorno

excessivo da fachada com o uso de

platibandas, óculos, águias, pináculos, medalhões, carantonhas, cartelas, rosetas, conchas, colunas de capitéis floridos e fustes abraçados de laçarias de que pendem rosas, balaustradas teoricamente num perene convite ao debruçar-se e ao mostrar-se (GODOFREDO FILHO, 1984, p.26).

Apesar de considerar o palacete Catharino “uma casa com pecados

plásticos de difícil absolvição, os de mau comportamento funcional e de ausência

daquela unidade global que configura uma solução arquitetônica sincera”

(GODOFREDO FILHO, 1984, p.27), o relator conclui pelo tombamento do imóvel por

considerá-lo o mais representativo exemplo de arquitetura civil de função privada

dentro dos padrões ecléticos na cidade de Salvador.

Seguindo o andamento do processo, foi emitido um outro parecer pelo

mesmo relator, em resposta a um ofício encaminhado pelo diretor do IPAC

solicitando a análise da proposta de tombamento dizendo que

[...] somos pelo tombamento sem delongas do Palacete Com. Bernardo Martins Catharino ou Palacete Catharino, juntamente com seus jardins de frente, dos lados e de fundo, nos limites atuais, incluindo a arborização, para o que se faz mister, posteriormente, um levantamento cadastral da área ajardinada, com a notação das espécimes vegetais mais importantes, a ser promovido pelo IPAC (GODOFREDO FILHO, 12 mar. 1984).

O imóvel foi finalmente tombado em 1986, segundo o Decreto nº 33 252.

Desde então não foi tombado nenhum outro imóvel em estilo eclético no Estado.

Page 39: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

38

FIGURA 02: O Comendador Catharino e a família nos jardins em frente Palacete (Fonte: AZEVEDO, 2006, p.66)

Percebe-se nas palavras de Godofredo Filho que, em sua opinião, a

cidade de Salvador não apresentava edificações em estilo eclético dignas de serem

tombadas. O tombamento da Mansão Bernardo Catharino foi aprovado por ser

considerado o melhor representante desta arquitetura na cidade, e não pelas suas

qualidades. O ecletismo dentro do estado da Bahia, da mesma forma que em todo o

Brasil, continuava a representar um tabu para a elite cultural.

A falta de valorização do estilo eclético pelos profissionais ligados a área

de preservação levou à quase total destruição dos exemplares desde tipo em todas

as capitais do Brasil. Um dos edifícios ecléticos mais importantes destruídos por esta

falta de conscientização, o Palácio Monroe, no Rio de Janeiro, teve inclusive o

pedido de tombamento negado pelo IPHAN na década de 70. Aqui na Bahia, o

tombamento estadual do Palacete Bernardo Catharino, em 1982, não gerou frutos,

ficando os outros exemplares do mesmo estilo sem nenhum tipo de proteção.

Page 40: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

39

CAPÍTULO 2

O bairro da Vitória na cidade de Salvador

Page 41: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

40

2.1 A primeira fase de modernização da cidade.

Para reconhecer a importância histórica do Corredor da Vitória, é preciso

situá-lo dentro da evolução da cidade, a fim de compreender que significados

possuem a sua conformação urbana e os seus exemplares arquitetônicos.

A ocupação do bairro da Vitória foi intensificada a partir do século XIX. Ao

mesmo tempo em que a cidade sofria um intenso processo de migração, devido aos

lavradores que fugiam da seca do sertão5, comerciantes ricos e estrangeiros elegiam

a “Estrada da Vitória” como o melhor local da cidade para fixarem as suas moradias.

Na verdade, ocorria na cidade, neste período, dois processos de

ocupação diferenciados: enquanto a população que chegava na cidade ia ocupando

novos vetores de crescimento a partir da ligação entre vales e cumeadas6, os

habitantes de maior poder aquisitivo trocavam os velhos sobrados por residências

que traduzissem os novos costumes de influência européia. A região do Campo

Grande, Corredor da Vitória e Graça foi o local escolhido para instalação destas

novas moradias da elite da cidade.

A vinda da família real para o Rio de Janeiro em 1808 e a conseqüente

abertura dos portos da colônia proporcionaram um maior intercâmbio cultural com a

Europa, influenciando diretamente no estilo de vida das pessoas que tinham

condições financeiras de adquirir os mais variados produtos importados. Na

arquitetura, isso se refletiu não só nos projetos, como também nos materiais

utilizados na construção e decoração.

5 A cidade que no início deste século apresentava uma população de 45 mil habitantes, chegou ao início do século XX com uma população de 206 mil (SANTOS,1959, p.41-42). 6 Nessa época, além das ocupações que avançavam pela segunda linha de cumeada, onde se encontram Nazaré, Palmas e Desterro, já ultrapassava-se a terceira linha de cumeada, além dos limites do Dique do Tororó. Já existiam núcleos populacionais nos seguintes locais: Brotas, Rio Vermelho ou São Gonçalo, Cabula, Matatu, Quinta das Beatas, Acupe de Brotas e Estrada de Brotas (PINHEIRO, 2002, p.201).

Page 42: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

41

Devido à influência estética européia, os exemplares arquitetônicos deste

período apresentam traços do Neoclassicismo e do Romantismo. Apesar de ambos

os movimentos terem em comum a evasão para o passado, o Romantismo se

opunha ao formalismo classicista, buscando representar uma tendência de espírito a

partir de variadas expressões formais7. Já o Neoclassicismo, que no velho

continente representava uma revivência de formas da antiguidade clássica greco-

romana, assumiu, no Brasil, a peculiaridade de raramente recuar aquém da

Renascença, pois o arquiteto que maior importância teve na sua implantação aqui,

Grandjean de Montegny, estudava principalmente os arquitetos deste período, como

Andréa Palladio, Benedeto da Maiano, Micheloso, Antonio da San Galo,

Michelangelo e outros (SANTOS, 1981, p.52).

A composição plástica do Neoclassicismo foi geralmente caracterizada

pela superposição de elementos de ordens clássicas, predominando no pavimento

térreo a toscana, ou a dórica e, no superior, a jônica ou a coríntia, geralmente sob

forma de pilastras (aqui no Brasil, pois na Europa eram freqüentes as colunatas). Os

telhados eram sempre encobertos por platibandas – “de almofadas ou balaústres

intercalados de estilóbatas que sustentam estátuas ou vasos de mármore ou de

loca” – desaparecendo os beirais de telhas à vista. O uso de frontão triangular, tanto

na arquitetura religiosa como na civil era outra característica marcante. O arco pleno

substituiu o arco abatido, alternando-se com o uso da verga reta. Dragões, motivos

alegóricos e mitológicos e figuras da antiguidade clássica eram freqüentes nas

fachadas. A monumentalidade do edifício era favorecida pelo crescimento do pé-

direito, que aumentava a cada pavimento. Além disso, existe uma série de detalhes

decorativos, como estátuas de mármore, vidros desenhados, escadas com 7 Na França, o romantismo estava associado a uma crítica à cidade industrial e à busca por uma identidade nacional. Na arquitetura isto foi expressado através da retomada do estilo do medievo (MILET, 1988, p.69). No Brasil, o romantismo na arquitetura foi marcado pela retomada do estilo colonial.

Page 43: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

42

corrimãos livres, pisos de mármore colorido, parquets de duas ou três madeiras, teto

em estuque e clarabóias que retratavam a riqueza que um edifício deste estilo

deveria representar (SANTOS, 1981, p.52).

Além da parte externa da casa, que apresentava uma nova estética,

internamente, a disposição dos espaços também obedecia a novos costumes. Era

comum o uso do pavimento térreo como uma área social, e o pavimento superior

como área íntima da residência.

A maioria dos exemplares de residências neoclássicas em Salvador foram

perdidos no tempo pois muitas delas sofreram reformas entre o final do século XIX e

início do XX, principalmente durante a execução da Avenida Sete de Setembro,

segundo os conceitos ecléticos. Dentre as edificações neoclássicas que haviam no

Corredor da Vitória, encontra-se a residência do negociante José Cerqueira Lima, já

desaparecida, e a casa nº 290, atual nº 2445, pertencente à família Cunha Guedes,

considerado por Godofredo Filho (1984, p.18) como o exemplar mais intacto que

chegou aos nossos dias.

FIGURA 03: Palacete do comerciante Cerqueira Lima, na Vitória, vendo-se o grande semicírculo que ele mandou construir para o retorno de suas carruagens, fins século XIX No local, desde 1983 está Museu da Arte da Bahia. Fonte: SAMPAIO, 2005, p.83.

Page 44: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

43

A chamada “casa da mangueira” pertencente à família Cunha Guedes,

denominada desta forma devido a imensa árvore secular que se encontra encostada

ao muro, possui as seguintes características:

[....]. É afastada da rua. Tem dois pavimentos e porão. Em sua fachada principal, vê-se pórtico de arcaria de volta perfeita sustentada por colunas de capitel jônico, com balaustrada inserida entre as mesmas como na Loggia Del Consiglio, em Verona. A escadaria principal, sem prejuízo de uma outra, lateral, semelhantemente sobranceira, leva-nos ao vão do arco central. Cunhais apilastrados. No andar superior, abrem-se janelas geminadas, de arco de volta plena, sobrepujadas de óculo central e todas ao abrigo de molduras em ressalto, também de arco perfeito, numa inequívoca reminiscência das soluções renascentistas dos palácios Strozzi e Rucellai (GODOFREDO FILHO, 1984, p.18).

FIGURAS 04 e 05: A atual mansão da família Cunha Guedes em foto no início do século (Fonte: VIANNA, 2004) e nos dias atuais. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006.

Ao lado das construções neoclássicas que configuravam na cidade, o

estilo Romântico também ia sendo construído. A permanência da casa de formas

tradicionais, com beiral de telhas à vista, sem platibanda era um exemplo do

sentimento romântico. Outro tipo de construção deste estilo era representado pelos

chalets. Construído primeiramente em áreas suburbanas, foi difundido no início do

século XX pelas áreas da cidade em fase de adensamento.

Outras referências de fundo romântico eram a presença de jardins e o

apreço pelos estilos históricos (Neomanuelino, Neogótico, etc). Havia inclusive uma

casa mourisca de Fernando Machado no Corredor da Vitória, infelizmente já

derrubada (GODOFREDO FILHO, 1984, p.21).

Page 45: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

44

Além de influenciar a arquitetura, a abertura dos portos também

proporcionou a introdução de um sistema de transporte em Salvador, com a

importação de novas tecnologias. De início, a preocupação do governo era atender

aos ricos moradores e comerciantes que visitavam a cidade, a partir de uma

articulação entre um sistema de bondes e planos inclinados que fariam a ligação

entre as cidades alta e baixa:

O objetivo principal desse projeto era permitir que altos comerciantes, nacionais e estrangeiros, ao chegar à cidade alta, através do elevador hidráulico, se dirigissem, comodamente, a suas residências e vice-versa, rumo ao Comércio. Visava também atender ao lazer, jantares, reuniões literárias ou dançantes em mansões e sobrados de parentes e amigos e, sobretudo, às apresentações de Companhias estrangeiras, no Teatro Público São João e Politeama. Os veículos a ser adotados tinham cerca de 20 lugares e corriam suavemente sobre trilhos, puxados por até dois animais (SAMPAIO, 2005, p.192).

Sendo a Vitória o bairro que abrigava a elite da sociedade, este foi o local

escolhido para implantação do primeiro bonde da cidade alta. A obra, realizada pela

Companhia de Transportes Urbanos, previa a ligação do Palácio Rio Branco ao já

considerado elegante bairro da Vitória. Após um mês e meio de trabalhos, foi

inaugurada uma parte deste percurso, ligando o Largo da Vitória até a Piedade.

Assim, pela primeira vez, no dia 18 de dezembro de 1869, os moradores da Vitória puderam deslocar-se até o largo da Piedade, suavemente, sobre os trilhos dos bondes da Companhia Transportes Urbanos. Menos de um mês depois do assentamento dos primeiros trilhos no largo da Vitória, em 4 de dezembro de 1869. As obras seguiram em ritmo acelerado, durante um mês e meio para, naquele dia, oferecer à comunidade baiana da cidade alta o conforto do transporte sobre trilhos, na nova linha Vitória-Piedade (SAMPAIO, 2005, p.190).

Os planos inclinados e o elevador hidráulico, ao lado dos bondes,

causavam euforia na população, ansiosa pelos confortos da modernidade. A

implantação do Elevador Hidráulico da Conceição (conhecido posteriormente como

Elevador Lacerda), inaugurado no final do ano de 1873, representou um marco na

implantação destas novas tecnologias, tanto a nível residencial como no plano

urbano, que traduzem o século XIX como o início de uma corrida pela modernidade.

Page 46: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

45

Mas os problemas econômicos, gerados com a abolição dos escravos no final do

século XIX, tornaram esta corrida lenta, causando insatisfação dos seus cidadãos

que não encontravam na cidade, que continuava a crescer demograficamente,

condições de moradia.

FIGURA 06: Passadiço de entrada do Elevador Lacerda em 1938, na Praça do Palácio. Fonte: SAMPAIO, 2005, p.187.

Em resposta a esta apatia econômica, o prefeito José Joaquim Seabra irá

liderar uma intensa reforma urbana com o objetivo de retomar o caminho da

modernidade para a cidade.

Page 47: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

46

2.2 A reforma urbana de J.J. Seabra: a chegada para a modernidade.

Os tempos de glória da produção agrícola, na Bahia da primeira metade

do século XIX8, que impulsionaram o crescimento da cidade não foram eternos. A

abolição da escravatura em 1888 marcou também a decadência da cultura da cana-

de-açúcar e da indústria açucareira, que se utilizavam, basicamente, da mão-de-

obra escrava. A indústria têxtil, que começava a ser implantada em outras capitais

do país não encontrou na Bahia capitais disponíveis para o seu desenvolvimento.

Em 1890, a cidade perdeu o posto de 2ª cidade brasileira para a cidade de São

Paulo. Entre 1920 e 1940, Recife ultrapassa Salvador.

Apesar dessa desaceleração da economia do estado, período que iria se

estender até meados do século XX e ficaria conhecido como “enigma baiano”, a

cidade seguia “vivendo de suas glórias passadas, de seu antigo prestígio de

metrópole comercial, centro administrativo e religioso” (PINHEIRO, 2002, p.199).

Enquanto o Rio de Janeiro e São Paulo, que apresentavam, neste período,

economias mais desenvolvidas, realizavam reformas inspiradas no modelo de

Paris9, Salvador permanecia mergulhada em seu orgulho da tradição de ter sido a

cidade mais importante do Brasil, e na inveja da modernidade que o fracasso da

economia impedia de alcançar.

O processo de modernização que se desenvolvia lentamente na cidade

ao longo do século XIX, em resposta à necessidade de estruturar a urbe para

acomodar a população, como a implantação do sistema de transporte e dos novos

serviços urbanos, seria atropelado pelo “urbanismo demolidor” implantado pelo

prefeito José Joaquim Seabra durante a sua gestão (1910-1914). 8 Estimulada pela Revolução Industrial européia, a Bahia atingiu neste período o seu ápice na produção de cana-de-açúcar, ao mesmo tempo em que produzia café, algodão e cacau (SANTOS, 1959, p.39-40). 9 Refere-se as reformas realizadas sob o comando do Barão de Haussman entre os anos 1853 e 1870.

Page 48: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

47

J. J. Seabra havia vivenciado a reforma carioca (1902-1906) como

Ministro da Justiça, e trouxe para a Bahia o mesmo conceito das intervenções

urbanas que estavam ocorrendo nas demais cidades brasileiras, ou seja, a tradição

não poderia impedir a modernização da cidade. Foram colocados abaixo diversos

monumentos como a Igreja da Ajuda e a Igreja de São Pedro Velho, além de

diversos casarões coloniais com a finalidade de favorecer a circulação nas ruas

centrais como Misericórdia e Rua Chile. A Avenida Sete foi construída a partir do

alargamento de ruas e becos existentes e demolições de parte de edificações que

avançavam sobre o novo traçado da rua. Além disso, desde esta época já era

prevista a demolição da Igreja da Sé10, fato somente consumado em 1933.

As novas construções e as reformas realizadas neste período seriam

marcadas pelo estilo eclético, seguindo os novos conceitos estéticos que eram

aplicados da Europa. O esgotamento da ordenação e firmeza do traço do

neoclassicismo e o nervosismo por uma necessidade de mudança estimulada pelas

novas tecnologias foram traduzidos pelo ecletismo.

O ecletismo foi disseminado pela cidade, atingindo muitas vezes somente

a fachada dos edifícios, que buscavam se adequar aos novos padrões de estética.

Como exemplares de função pública deste estilo na cidade, tem-se a Associação

dos Empregados do Comércio da Bahia (1917) e o Palácio Rio Branco (1912-1914)

considerado o mais importante. Havia também a Imprensa Oficial, a Biblioteca

Pública, o Tesouro do Estado e o Kursaal, todos já demolidos.

10 Apesar da demolição da igreja e ter sido pensada em 1912, dentro do esquema geral de “melhoramentos” previsto para a cidade pelo governo de J.J. Sebra, somente em 1916 é que surgiu uma proposta concreta da Companhia Circular da Carris da Bahia, concessionária do serviço de bondes na cidade, que pretendia facilitar o trajeto de seus veículos até a Sé, sendo que para isso seria necessário cortar ou derrubar o templo. A igreja só foi derrubada em 1933, após um longo período de negociações entre a Arquidiocese, a Prefeitura e a Companhia Circular.

Page 49: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

48

FIGURAS 07 e 08: A Associação dos Empregados no Comércio da Bahia, inaugurada em 1900 e Biblioteca Pública, fundada em 1811. Fonte: VIANNA, 2004.

FIGURA 09: Palácio Rio Branco reconstruído após o bombardeio de 1912, segundo projeto do arquiteto italiano Júlio Conti. Fonte: VIANNA, 2004.

Em relação aos exemplares residenciais do ecletismo em Salvador,

Godofredo Filho aponta como o mais importante a antiga residência da família

Souza Teixeira, situada à Direita da Aclamação (nº 279), atualmente Casa da Itália11,

“[...],.palacete de planta exótica e com modulação delirante, com platibanda

rendilhada de palmetas, e, do melhor mármore, estátuas e cavalos que ladeiam a

escadaria central” (GODOFREDO FILHO, 1984, p.20).

O Corredor da Vitória foi um dos locais da cidade em que houve a maior

concentração de exemplares de arquitetura eclética, representada por novas

construções ou reformas realizadas no momento desta intensa reforma urbana.

Apesar do processo de verticalização ter causado a destruição da maioria

das mansões ecléticas, ainda podem ser encontrados remanescentes arquitetônicos 11 A Casa da Itália esteve presente em diversas versões da proposta de tombamento do IPHAN (Ver Quadro 2).

Page 50: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

49

deste estilo como a casa nº 308, atual sede do Ministério Público, que possui um

edifício em seus fundos, e a casa nº 361, atual nº 2172, que até recentemente

pertenceu ao jornalista Jorge Calmon. Esta residência, foi construída provavelmente

em meados do século XIX e reformada no final da década de 20, dentro do espírito

eclético, pelo proprietário Engrº. Carlos Joaquim de Carvalho (SANTOS, 1998, p.4).

Recentemente, esta foi vendida pelos herdeiros de Jorge Calmon para ser

construído em seus fundos um edifício de apartamentos.

FIGURA 10: A antiga casa nº 308, onde funciona atualmente o Ministério Público do Trabalho. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006.

FIGURA 11: A antiga residência do Dr. Jorge Calmon com tapumes indicando o início das obras.

Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006.

Page 51: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

50

Existem também outras residências que apesar de terem sido construídas

em estilo neoclássico, foram posteriormente reformadas dentro do espírito eclético.

Tem-se, por exemplo, a antiga mansão da família Costa Pinto, registro da fachada

de 1881, onde posteriormente funcionou o Colégio Sophia Costa Pinto, à Av. Sete,

381, edifício

[...] de linhas elegantes, apresentando embasamento pouco elevado e varanda descoberta, que se desenvolve por toda a extensão da fachada frontal, protegida por belo gradil de ferro. Na sua extremidade esquerda situa-se a singela escada de um só lanço que serve de acesso ao imóvel (SANTOS, 1998, p.4).

Na primeira metade do século XX este edifício foi acrescido de um anexo

lateral, registro da fachada de 1937, edificado de acordo com o estilo arquitetônico

da mansão existente, com o objetivo de atender as necessidades pedagógicas do

colégio. Em 2002, a mansão foi vendida para dar lugar ao edifício Mansão Leonor

Calmon, de 28 pavimentos, construído no terreno posterior. O anexo lateral foi

demolido e a mansão foi modificada, fato que será tratado mais adiante.

FIGURAS 12 e 13: Palacete da tradicional família Costa Pinto e já com o anexo lateral em foto tirada logo após a reforma feita para o evento de decoração Casa Cor 97.Fontes: REVISTA DO INSTITUTO SOPHIA COSTA PINTO. Salvador, v.1, nº1, 1938; CASA COR BAHIA 97: Exibição Brasileira de Decoração. Salvador, p.20, 1997.

Page 52: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

51

Ao lado da antiga residência dos Costa Pinto tem-se a atual Residência

Universitária da UFBA, à Av. Sete nº 2382 (antigo nº 383) que já aparece em foto de

1880,

[...] a outrora mansão da família Jayme Villas Boas,[...], casarão de dois andares e porão fenestrado, átrio a que somos conduzidos por escadaria que se divide em duas no lanço inicial, frontões triangulares sobre marcações acolunadas que ladeiam a entrada, platibanda ornada de busto e jarrões de mármore, bancos embrechados no jardim (GODOFREDO FILHO, 1984, p.17).

FIGURAS 14 e 15: Residência Universitária da UFBA, Av. Sete, nº2382.

Fotos: Manoel Humberto. Em 21/03/2007.

Em meados do século XIX, quando foi construída, esta edificação

apresentava apenas o porão e o pavimento térreo. Em 1928, data da sua

modificação, a residência ganhou um segundo pavimento além de elementos novos

em sua fachada, coroamento, pisos, uma escadaria lateral externa e uma escadaria

interna em madeira. A escadaria frontal externa e o conjunto de bancos

embrechados de conchas são remanescentes da construção original, assim como

muitas das esquadrias (MONTEIRO, 2000). É importante lembrar que o acréscimo

do segundo pavimento e a remodelação da fachada eram recomendações da

Secção de Melhoramentos da Cidade que buscava adequar solicitações de reformas

ao “Plano de Melhoramentos para a Cidade” que abrangia a área da Vitória.

Page 53: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

52

Vizinha a esta casa tinha a da família Baggi, à Av. Sete 2410, que

também aparece em foto de 1880,

[...] solar de planta singular em nosso contexto citadino, com a fachada principal solucionada por dois corpos semicirculares à guisa de torreões que flanqueiam a escadaria central de dois lanços, o primeiro bipartido antes do patamar intermédio; e com platibanda vazada; e com janelas de arco pleno, seus pinásios bem recortados na trama das guilhotinas (GODOFREDO FILHO, 1984, p.18).

Esta casa foi demolida e em seu local encontra-se atualmente em

construção o edifício Mansão Phileto Sobrinho.

É desta época também, o embelezamento da fachada da Igreja de Nossa

Senhora da Vitória, em 1910. A igreja, que havia sido reedificada em 1809, quando

teve a posição de sua frente invertida, nesta reforma do início do século apenas o

exterior foi modificado.

Levada a antiga fachada, ficou-lhe os cunhais, os três vãos da portada e as janelas do coro, estes transformados em vergas retas, emolduradas com cercaduras com fingimento de arco abatido. O frontão aberto de volutas singelas deu lugar a platibandas ornada na frente com frontão triangular, decorado com figuras de anjos. No topo outro frontão, ornado com jarrões e nicho com busto, embutido no tímpano. Os óculos laterais foram substituídos por nichos com jarrões. As portadas dos vãos de arco pleno deram lugar a frontão triangular apoiado por colunas de capitéis compósitos. Nas sineiras as janelas foram lacradas, ficando um fingimento de óculos de moldura decorada (INSTRUÇÃO ..., dez. 2000).

FIGURA 16: Largo da Vitória, já urbanizado, por volta de 1915 com a Igreja da Vitória após a reforma de 1910. Fonte: VIANNA, 2004.

Page 54: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

53

Fato peculiar ocorrido durante os anos 20 foi a construção de um grande

número de chalets dentro do Distrito da Vitória, apesar da proibição desta tipologia

dentro dos limites da cidade, conforme o Código de Posturas Municipaes – Acto nº

127, de 5 de novembro de 1920. Estes eram, entretanto, executados de acordo com

as novas técnicas construtivas, ao invés das técnicas tradicionais que eram

normalmente empregadas nos exemplares suburbanos do século XIX.

A referência ao modelo primitivo é dada pela volumetria, onde se destacam as coberturas com acentuadas inclinações, elementos pré-fabricados e relevos em estuque, em substituição àqueles originais em madeira (ALMEIDA, 1997, p.227-228).

Maria do Carmo ALMEIDA (1997, p.288) chama atenção para o fato de que

nas solicitações de licença e nos pareceres técnicos da municipalidade, em nenhum

momento foi utilizado o termo chalet para denominar esses edifícios. Ela acreditava

que ao emprego do termo já estava associada à idéia de atraso e

subdesenvolvimento, que havia provocado o interesse da prefeitura em banir esse

tipo de edificação da cidade.

No Corredor da Vitória ainda podem ser vistos dois exemplares deste tipo: a

casa nº 2457, chalet das primeiras décadas do século XX e a casa nº 2607 (antigo

nº 85), projeto do Engº. Júlio Conti para a ampliação e reforma da casa do Sr. Pedro

Tenório Velloso Gordilho, em 1919, “dedicando dois pavimentos (uma superfície

superior a 500,00m2) a uma sucessão de salas, que se distribuem a partir de um hall

com escadaria monumental, destinadas à recepção” (ALMEIDA, 1997, p. 260-261).

Page 55: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

54

FIGURA 17 e 18: Chalet nº 2457 à esquerda e Chalet nº 2607 à direita. Fotos: Humberto Diniz. Em

03/11/2006.

Estas novas construções e reformas apresentadas seguindo os conceitos

ecléticos ocorreram como conseqüência do período de modernização promovido por

J.J. Seabra. Além da abertura da Avenida Sete de Setembro, da qual faz parte o

Corredor da Vitória, as reformas atingiram intensamente o antigo núcleo da velha

capital, “não só porque aí estavam concentrados os maiores problemas de

estrangulamento da “nova cidade” idealizada, mas também por ser aí onde a

especulação imobiliária iria realizar os seus melhores negócios” (PERES, 1999,

p.37).

Dantas Neto avaliou as obras urbanas realizadas neste período da

seguinte forma:

É sugestivo que essa agressiva ideologia do progresso [...] e, de um modo geral, o urbanismo do EPUCS [...] tenha sido contemporânea de uma época de decadência econômica da região. As obras urbanas parecem cumprir um papel de compensação à estagnação dos antigos meios de reprodução e legitimação das elites dirigentes, além de aliviarem o complexo de inferioridade que minava o orgulho quase quatro vezes centenário da cidade. E, de certo modo, se as demolições ofendiam uma parte da tradição que motivava o orgulho, as obras que se sucediam “redimiam” a perda pela presunção da conquista de um lugar melhor na corrida pela modernidade” (DANTAS NETO, 1996, p.123).

A população, de fato, encontrava-se propícia para aceitar as demolições

dos edifícios centenários propostos pelo prefeito. Havia um sentimento de que para

Page 56: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

55

se alcançar a modernidade e a prosperidade econômica, esse radicalismo teria que

ser realizado. Neste momento, as reformas tiveram toda colaboração dos jornais

baianos na criação de uma opinião pública em defesa da reforma, não havendo

nenhum protesto contrário por parte da comunidade.

Essa ideologia do progresso reduzida aos aspectos urbanísticos da cidade do Salvador vai encontrar sectários acastelados na imprensa diária. Os jornais baianos irão indiscutivelmente colaborar na criação de uma opinião pública, não diremos que favorável ao urbanismo demolidor, mas pelo menos deslumbrada e anestesiada em relação ao mesmo. A doutrinação encherá páginas e páginas de vários jornais, nas primeiras décadas do século XX, todos acentuadamente defensores das reformas (PERES, 1999, p.35-36).

Alguns representantes da elite cultural só iriam começar a se pronunciar

apenas em 1928, quando se iniciará um embate entre o passado e o “progresso”:

[...] Na luta para a derrocada da igreja da Sé, veremos definidas as polaridades existentes em todo processo de mudança. Nesse caso baiano teremos de um lado aqueles que advogam uma reforma urbana [as autoridades e a imprensa] cuja filosofia é tipicamente demolidora, sem respeitar os traços definidores e as características primitivas, tradicionais e/ou peculiares da antiga cidade, transplantada para o nosso meio [...], e na outra margem [a elite cultural12] aqueles que defendem, contra o “martello demolizador do progresso”, a integridade e a preservação de bens culturais arquitetônicos significativos, tendo em vista o seu conteúdo ou valor histórico e artístico (PERES, 1999, p.97).

Pode-se dizer que o reflexo das reformas urbanas de J. J. Seabra só

finalizaram em 1933, após a derrubada da Igreja da Sé e do quarteirão de casas

localizado entre a igreja e o Palácio Arquiepiscopal, compreendido pela rua do

Arcebispo, do Colégio e adjacências, com a justificativa de desafogar o tráfego

urbano de veículos. Este espaço corresponde hoje à denominada Praça da Sé.

O episódio da demolição da Igreja da Sé, amplamente discutido no

trabalho de Peres, mostra o sentimento da população naquela época. Apesar da

elite cultural baiana reagir em defesa da igreja, publicando artigos e depoimentos em

jornais a partir de 1928, a maior parte da comunidade tradicionalmente católica não

12 A elite cultural baiana que Peres se refere é representada pelos intelectuais do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, instituição que nesta década passou por uma fase de independência e/ou descomprometimento político, o que não ocorria em 1912 (PERES, 1999, p.97).

Page 57: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

56

se colocou em defesa do edifício religioso diante da campanha promovida pela

imprensa para convencer a todos sobre os benefícios da derrubada da igreja em

favor da modernidade. Não é de se estranhar, já que a modernização da capital

baiana foi “uma imposição das expectativas da comunidade, reveladas através da

ação de seus líderes” (PERES, 1999, p.107).

Entretanto a demolição da igreja representou um marco na criação de

uma mentalidade pronta para “valorar os nossos bens culturais do passado colonial”

(PERES, 1999, p.51). Esta nova mentalidade apareceria timidamente durante as

discussões da Semana de Urbanismo de 1935 e iria ser finalmente consumada com

os trabalhos realizados pelo SPHAN a partir de 1937.

Page 58: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

57

2.3 Os planos urbanísticos e o início da verticaliz ação.

O crescimento da cidade fez com que surgisse a preocupação em

estabelecer restrições de uso e ocupação do solo, fato colocado em prática com a lei

nº 1146, de 19 de junho de 1926, desmembrada do Código de Posturas Municipaes

de 1920. Uma das primeiras preocupações era estabelecer um maior adensamento

da 1ª Zona ou Zona Central, justamente onde a reforma de J.J. Seabra havia

realizado as maiores intervenções para facilitar o fluxo de veículos. Agora era

preciso dar uma feição moderna ao local, com edifícios novos e, é claro, o mais alto

possível, o que favorecia ainda mais o aumento do valor do uso do solo no local. A

Lei estabelece que nesta zona as

edificações não terão menos de quatro pavimentos, sem contar o embasamento, admitindo-se menor número de pavimentos, mas exigindo-se que os alicerces e paredes resistam no futuro aos pavimentos restantes [...] (Lei 1146/26, Art. 95, paragr. 1º apud ARAUJO, 1992, Q.III.1).

Na 2ª Zona ou Zona Urbana, área que circundava a área central, não

havia observações quanto ao número de pavimentos. Regida por esta lei, a cidade

ia crescendo, mas, até então não havia maiores preocupações em se estabelecer

critérios para as intervenções urbanas.

É interessante notar as referências da lei nº 1146 não só com uma maior

ocupação do solo, mas também com a beleza da cidade, quando diz:

As linhas mestras arquitetônicas construídas pelas molduras, cornijas, etc devem construir o mesmo motivo arquitetônico entre dois edifícios contíguos. No caso de não ser possível, deverão ser feitos remates, de modo a evitar diferenças bruscas de nível, ou a terminação dos mesmos, em plano vertical normal a fachada (Lei 1146/26, Art. 95, paragr. 1º apud ARAUJO, 1992, Q.III.1).

No primeiro momento, a verticalização era preocupante apenas na área

central, pois eram todos edifícios voltados para o uso comercial e o de serviços.

Ainda não havia o costume de se morar em edifícios pluridomiciliares. Com a

Page 59: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

58

redução do programa arquitetônico das residências, iniciado desde a abolição dos

escravos, e o fracionamento das grandes propriedades, a casa individual foi, aos

poucos, substituída pelo prédio coletivo.

O planejamento da cidade se tornaria tema de debate a partir da criação

da “Comissão do Plano da Cidade do Salvador” em 1934, que tinha como encargo a

elaboração de projetos para a cidade, sua defesa e fiscalização. Foi a Comissão que

organizou a “I Semana de Urbanismo” de 1935, na tentativa de popularizar o

urbanismo e mostrar a necessidade de um plano urbano para a cidade. O discurso

modernizador da Semana mostrava-se atento à preservação do patrimônio. Dantas

Neto aponta como paradoxal a questão deste movimento moderador da violência

depredadora ter iniciado cinco anos depois da tradicional elite de Salvador ser

colocada de lado do comando político do estado e da cidade pela Revolução de 30.

Mesmo com a ascensão, em 1924, de grupos antiseabristas ao poder, liderado pelo

governador Góes Calmon, que fazia parte do grupo tradicionalista, “puseram termo

definitivo ao urbanismo demolidor, como prova o episódio da Sé” (DANTAS NETO,

1996, p.123).

Dantas Neto faz as seguintes considerações sobre a Semana:

a) a Semana de Urbanismo foi contemporânea um pouco tardia do movimento modernista na arquitetura urbana, não se podendo, portanto, atribuir a sua ocorrência meramente a motivações político-administrativas locais; b) as recomendações posteriores do EPUCS, nas quais se expressaram o espírito da Semana de Urbanismo, só passaram, como veremos, a ter realidade política a partir de 1948, quando retornaram aos governos da Bahia e a sua capital, as forças afastadas em 1930; c) no espírito da “Semana” e do EPUCS, a preocupação preservacionista estava presente mas não era central, sendo antes complementar e funcional a uma outra, que era a do desenvolvimento ordenado da cidade, portanto uma manifestação ideológica “progressista” e não conservadora (idem, p.124).

Nota-se que o discurso ideológico progressista deste período permanecia

semelhante ao do “urbanismo demolidor”, com menor intensidade, pois no momento

Page 60: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

59

a semente preservacionista implantada pelas discussões em torno da derrubada da

Igreja da Sé já começava a germinar.

Este espírito progressista pode ser constatado com a aprovação de um

edital no mesmo ano da Semana de Urbanismo, que ratificava a intenção de extrair

maior produtividade do solo na área central da cidade, já esboçada na lei nº

1146/1926, obrigando a construção de prédios modernos com no mínimo 5

pavimentos no local da antiga Igreja da Sé (ARAÚJO, 1992, p.248).

É clara a intenção de extrair maior produtividade do solo situado nas áreas centrais, já infra-estruturadas e muito valorizadas, ainda que para isso se precisasse por abaixo antigas construções e independentemente de integrarem o patrimônio arquitetônico de outros séculos (idem, p.248).

As discussões da Comissão, que funcionou até 1937, só tiveram

continuação com a criação do Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de

Salvador (EPUCS) a partir de 1946, o qual promoveu o Decreto-lei nº 701/48. Este

decreto absorveu diversas normas do ante-projeto da Semana de Urbanismo, com

algumas pequenas modificações. Mas manteve a mesma postura em se tratando de

permissão para verticalização: apenas na Cidade Baixa era permitido se edificar

construções com mais de seis pavimentos, até no máximo dez, e na Cidade Alta só

era permitido edificar até seis pavimentos (idem, p.254).

A Semana de 1935 e o EPUCS ocorreram num período em que a Bahia

iniciava um soerguimento econômico devido à política econômico-social de Getúlio

Vargas, que

[...] vista de uma perspectiva não conjuntural, terminou produzindo condições para a superação ou, ao menos, a amenização dos efeitos de estagnação econômica do estado, ainda que sua política industrial fosse de natureza a aprofundar a tendência, antes já manifestada, de concentração de investimentos no centro-sul (DANTAS NETO, 1996, p.90).

Nesta época, os edifícios pluridomiciliares já estavam sendo construídos

pela cidade, principalmente na área que circunda o centro, onde o solo era mais

valorizado.

Page 61: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

60

O processo de verticalização do Corredor da Vitória teve início na década

de 40, a partir da destruição de casas e mansões existentes, pois nesta época a

área já estava consolidada. Na verdade, a construção de edifícios pluridomiciliares

foi conseqüência da saída das famílias ricas que aí moravam para outras áreas mais

tranqüilas da cidade, que estavam em expansão, ou devido à perda do seu poder

aquisitivo. Os edifícios construídos naquele local eram, a princípio, destinados à

classe média, pois a classe mais alta ainda tinha preferência por moradias

unidomiciliares.

O exemplar de edifício pluridomiciliar mais antigo, identificado no Corredor

da Vitória, é representado pelo edifício Maíza, nº 1724, que apresenta apartamentos

no térreo e em mais seis pavimentos superiores, e foi construído provavelmente

como conseqüência do decreto-lei nº 701/48, obedecendo ao número máximo de

pavimentos para o local. Provavelmente devia haver outros edifícios deste tipo que

foram demolidos para dar lugar a edifícios mais altos, décadas depois.

FIGURA 19: Edifício Maíza (Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006).

O banho de mar, novo costume da população, e o turismo que já se

insinuava, iriam provocar a preocupação com a proteção da paisagem natural. Os

Page 62: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

61

quarteirões ao lado das vias e logradouros que margeiam a orla marítima passaram

a sofrer restrições paisagísticas mais rigorosas.

Em relação às áreas verdes, o decreto-lei 701/48, estabeleceu como parte

integrante deste sistema a escarpa arborizada que domina a

Baia de Todos os Santos e nesta área vedava-se as edificações que comprometessem sua função higiênica ou prejudicasse sua beleza e o pitoresco da paisagem, pela alteração do seu fácies topográfico, ou destruição do revestimento florístico (ARAUJO, 1992, p. 285).

A preocupação com o gabarito das edificações voltou a ser citada na Lei

nº 480 de 25 de junho de 1954, estabelecendo gabarito máximo e mínimo das

edificações, a partir da largura das vias lindeiras, fixando-se em trinta dias o prazo

para regulamentação dos gabaritos da cidade. Isso foi sacramentado com o Decreto

nº 1335 de 1º de julho de 1954, o qual “regulamenta normas para fixação de

gabaritos de altura da Cidade de Salvador”.

Para o Setor Residencial da Cidade Alta, a citada lei estabeleceu que nos

altiplanos com altitudes superiores a 60 metros, caso do Corredor da Vitória, as

altitudes deveriam ser:

Fachada situada no balanço máximo de 0,50m: 90m. Fachada escalonada de 4m, a contar do alinhamento da rua: 94m. Fachada recuada do alinhamento, no mínimo de 4m: 94m (ARAUJO, 1992, QV.3).

Considerando três metros para cada pavimento, o gabarito estaria fixado

entre 10 e 11 pavimentos. Além disso foi introduzido o uso de uma taxa de

ocupação, que no caso do Setor Residencial da Cidade Alta seria de 60%.

Um exemplar existente no Corredor da Vitória que provavelmente foi

deste período é o edifício Manoel Victorino, nº 1867. Construído pela empresa

Soares e Leone, com projeto do arquiteto Bina Fonyat, o edifício apresenta nove

pavimentos, sendo o térreo utilizado para o comércio.

Page 63: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

62

FIGURA 20: Edifício Manoel Victorino (Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006).

A Lei nº 2643/65 modificou um pouco o gabarito do Setor Residencial da

Cidade Alta em relação ao Decreto-lei nº 1335/54, aumentando em até seis metros,

ou seja, mais dois pavimentos para o trecho do Corredor da Vitória:

No trecho compreendido entre a Av. Sete de Setembro, lado ímpar (do nº 297 ao nº 399), Praça Rodrigues Lima (do nº 1 ao nº 11), esquinas da Praça Rodrigues com a Av. Sete de Setembro (nºs pares e impares) das referidas esquinas até atingir o limite lateral esquerdo das oficinas da Graça (Barracão do SMTC), com a Av. Sete de Setembro, lado par (do nº 320 ao nº 204), Praça 2 de Julho (Campo Grande), (da Escola de Puericultura Raimundo Magalhães ao nº 14) os edifícios aí situados obedecerão as seguintes normas, quanto á altitude: Fachada recuada de 4m da linha de gradil, exclusive balanço (0,50m): 96,40m. Fachada recuada de 4m sobre anterior: 100,40m (ARAUJO, 1992, QV.3).

Em 05 de abril de 1966 foi instituído o “Código de Urbanismo e Obras do

Município do Salvador” com a Lei nº 1855. Em relação ao gabarito do local em

estudo, repetiu-se o estabelecido no Decreto-lei 1335/54, exceto

no trecho compreendido pela praça Dois de Julho (Campo Grande), da Escola Raimundo Magalhães do nº 14 os edifícios aí situados obedecem às normas estabelecidas na lei nº 2643/65 (ARAUJO, 1992, QV.3).

Foi introduzido também o coeficiente de utilização, representando um

modesto estímulo à verticalização. No Setor Residencial da Cidade Alta, o

Page 64: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

63

coeficiente de utilização adotado foi 4, o mais alto da cidade. A altura máxima de

trinta e quatro metros estipulada pela lei, aproximadamente onze andares, poderia

ser ultrapassada nos terrenos com área maior de 2000 m2 e testada com mais de

trinta metros (ARAUJO, 1992, p.358).

A década de 60 foi um período de construção de vários edifícios situados

no Largo e no Corredor da Vitória que foram regidos pela citada lei. Tem-se o

Edifício Sanremo (nº 50), o Pedra do Sol (nº 36), o Queen Elizabeth (nº 1766) e o

Vitória Régia (nº 1738) com nove pavimentos; o Delmar (nº 1914), o Delrio (nº1894),

o Casa Blanca (nº 1884) e o Delcampo (nº 1714), todos com dez pavimentos. Há

também o edifício Cecy, distribuído em duas torres, uma com oito e outra com nove

pavimentos (a última, voltada para o mar, está situada num nível mais baixo que a

primeira), um dos primeiros edifícios da cidade a apresentar suíte. Todos esses

edifícios citados estão situados do lado do mar. Para o lado do Vale do Canela, tem-

se o edifício Caiçara (nº 2141) com nove pavimentos.

Inicia-se, então, uma grande corrida imobiliária que resultou na destruição

de quase todos os antigos casarões do século XIX. Em entrevista ao jornal A

TARDE, o jornalista Jorge Calmon, na época, proprietário de uma mansão na Vitória,

comentou sobre o mecanismo utilizado pelas imobiliárias para convencer os

moradores a vender as suas residências, o que foi mostrado numa matéria do antigo

jornal da Bahia, datada de 24 e 25 de março de 1974.

O proprietário recebia duas ou três propostas de venda pelo telefone, com o corretor tentando convencer o presumível cliente dos riscos de desvalorização do imóvel. A cada contato, de corretores diferentes, a oferta ia diminuindo até que, temendo vender sua propriedade a preços irrisórios, as pessoas acabavam cedendo à pressão. Mais tarde estas casas eram vendidas pelo preço real, beneficiando quem faz o negócio (MOREIRA, 05 set. 1998).

O Corredor da Vitória chegou ao final da década de 60 com

aproximadamente doze edifícios, a maioria entre nove e dez pavimentos, mas as

Page 65: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

64

mansões unidomiciliares ainda ressaltavam na paisagem, como mostra a

reportagem:

Estirada na linha de cumeda, plana, arborizada, ladeada de luxuosos edifícios, cujos pavimentos térreos se apresentam como elementos de transição entre o nervosismo do tráfego e a tranquilidade do mar, funcionando ao gosto dos belvederes, mas ainda assim se dando ao luxo de mostrar ricas mansões unidomiciliares [...] (O CORREDOR..., 1970).

Em 1972 foi introduzido um novo Código de Urbanismo e Obras para a

cidade com a Lei nº 2403, mas os gabaritos e coeficientes de aproveitamento

permaneceram os mesmos do código anterior.

Durante a década de 70, os edifícios continuaram a ser construídos e a

destruição das mansões passou a incomodar a sociedade. Em 1975, o título de uma

reportagem “Poucos os estrangeiros, muitos os endinheirados que (felizmente)

preservam as mansões da Vitória” (1975) mostra que a verticalização já começava a

ofuscar as mansões ainda existentes.

A altura dos edifícios do Corredor da Vitória deu um salto após o Decreto

nº 5086 de 29 de dezembro de 1976, que “Cria uma faixa de proteção às encostas

da Avenida Sete de Setembro [...]”. Esta lei, ainda regente, não estabelece nenhuma

altura máxima às edificações deste local, determinando apenas que:

a) para efeito de cálculo do coeficiente de utilização não poderão ser computadas as áreas non edificandi correspondentes aos fundos dos lotes vizinhos; [...] e) o pavimento térreo deverá ter a mesma cota do passeio, ser totalmente vazado, ocupado apenas pela área de instalação dos acessos verticais, ter pé direito superior a 3,00m de altura e peitoril executado com material que não bloqueie a vista para a encosta;

A construção sob pilotis seria para que os pedestres que passassem pela rua

pudessem desfrutar da paisagem. Um dos primeiros edifícios construído após a

liberação do gabarito nesta área foi o Apollo XXVIII (nº 2044) que apresenta duas

torres de vinte e oito andares, representando, na época, um dos mais altos de

Page 66: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

65

Salvador. Seguindo o mesmo estilo, foi construído ao seu lado o edifício Marte, nº

2022, com vinte e um andares.

FIGURAS 21 e 22: O edifício Apollo XXVIII (azul) e o edifício Marte (verde). Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006.

A transformação da paisagem do Corredor da Vitória fez com que, em

1983, os museus Carlos Costa Pinto e o de Geologia organizassem uma exposição

em conjunto intitulada “A Vitória já foi assim”. O objetivo das museólogas Mercedes

Rosa, do Costa Pinto e Heloísa Helena Costa, do Geológico, organizadoras do

evento, era promover uma comunidade mais participativa e atuante e atentar para a

necessidade de cuidar do que restava da Vitória (NEWTON, 05 nov. 1983).

Os repórteres, ao noticiar a exposição, buscavam mostrar alguns

comentários sobre o processo de descaracterização do Corredor da Vitória, como

este do escritor Jorge Amado:

Uma das mais belas ruas de todo o Brasil, transforma-se em incrível floresta de arranha-céus, de brutal cimento armado. A visão da cidade para quem chega do mar, antes tão bela, se transforma e empobrece, queixou-se um dia, o escritor baiano Jorge Amado [...] (NEWTON, 05 nov. 1983).

Page 67: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

66

Outra reportagem de Antonio Celestino sobre a mesma exposição fez o

seguinte comentário sobre a impressão que as pessoas deveriam ter ao visitarem a

exposição:

Uns se sentirão nostálgicos e lembrarão os dias recentes dum passado próximo onde tiveram infância. Outros, agregarão às suas emoções os perfumes perdidos das flores sacrificadas, outros lembrarão a doçura dum caminho percorrido durante uma saudade, muitos viverão o instante que desejariam eterno. E todos certamente lastimarão que se tivesse perdido para o efêmero o que deveria ser carinhosamente preservado (CELESTINO, 06 nov. 1983).

Ao mesmo tempo em que havia estas manifestações contra a

verticalização, outros aclamavam a possibilidade de viver num bairro que ainda era

considerado nobre por ter sido o local de residência da alta sociedade baiana, e de

conviver com um passado luxuoso ainda registrado pelas mansões remanescentes.

Dos antigos casarões coloniais, que dão o registro imponente de sua história, aos novos e luxuosos edifícios residenciais com jardins, gramados e altas grades, que traduzem bom gosto e segurança, passando pelas árvores seculares, que cobrem toda a rua, o bairro guarda o charme do passado, sem ser indiferente às transformações do presente (CAOS..., 26 ago. 1987).

É neste período que se dá início um conflito entre os valores de

modernização, ou seja, o interesse em residir em um edifício novo, e os valores de

conservação, marcado pela preocupação com a destruição das mansões que

caracterizam um período da história da cidade.

O capital imobiliário que continuava a fomentar o desejo da sociedade em

residir no Corredor da Vitória, foi favorecido ainda mais com a aprovação da Lei nº

3.805/87, que “Cria a transferência do direito de construir [...]” (TRANSCON), dando

possibilidade de elevar ainda mais o gabarito no local. Com esta lei, os empresários

poderiam doar ao município um terreno de interesse “do patrimônio histórico,

artístico, paisagístico e ecológico, implantação de infra-estrutura urbana,

equipamentos urbanos ou comunitários, [...]” exercendo em outro local o equivalente

ao direito de construir. Ou seja, com esta lei era possível aumentar os coeficientes

Page 68: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

67

de utilização e ocupação, que representavam os únicos mecanismos que

determinavam o número de pavimentos na área.

No mesmo ano, 1987, foi construído o luxuoso edifício Mansão Carlos

Costa Pinto (nº 2460) pela construtora Suarez e Andrade Mendonça, marcando o

retorno da elite para o local. Este edifício de 18 pavimentos apresenta um

apartamento com piscina por andar e um teleférico ligando-o a um deck particular

para atracação de embarcações na Baía de Todos os Santos. A entrada do edifício

está situada no local da antiga residência de Carlos Costa Pinto, que ficava ao lado

do atual Museu Carlos Costa Pinto. O edifício foi construído na parte do terreno

localizada aos fundos do museu.

FIGURA 23: O Museu Carlos Costa Pinto na frente e o edifício Mansão Carlos Costa Pinto atrás. Foto

Manoel Humberto. Em 15/10/2006.

Também com deck de atracação foram construídos os edifícios: Mansão

Victory Tower13 (nº 2224) em 1992 e Victory Tower (nº 2110) em 1993, ambos com

vinte pavimentos; Mansão Arthur Moreira Lima (nº 1796) em 1997, com vinte e sete

pavimentos; Mansão Professor José Silveira (nº 2252) em 2000, com trinta

13 Este edifício, construído nos fundos da Mansão Manoel Joaquim de Carvalho,será tratado novamente no item 3.1.

Page 69: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

68

pavimentos; Solar Ministro João Mendes (nº 1822) em 2002, com dezesseis

pavimentos; e Mansão Frederico Fellini (nº 1978) em 2003, com vinte e cinco

pavimentos. É nítida a preocupação em demonstrar o status social dessas

edificações até mesmo pelo nome do edifício, que sempre procura apresentar

palavras como “mansão”, “solar” ou “tower”.

FIGURA 24: Vista dos decks de atracação construídos na Baía de Todos os Santos. (SANDES, 2006) FIGURA 25: Vista do deck do edifício Sol Victória Marina. (ROGERIO, 2006)

Em 2006 foi inaugurado o edifício Victoria Loft (nº 1838), que representa

um novo conceito de moradia da classe “A”, em estilo dos estúdios nova-iorquinos,

havendo ainda poucos exemplares na cidade. Apresenta doze pavimentos, mas com

pé direito bastante elevado para permitir o uso de mezaninos, e também um píer

particular na baía. O valor dos apartamentos girava entre R$232 a 395 mil reais

(GLAMOUR..., 27 fev. 05).

A medida que os edifícios deste local foram ficando cada vez mais altos,

os problemas de infra-estrutura foram se agravando devido ao grande número de

veículos que circulam na estreita via. O Corredor da Vitória chegou ao século XXI

com menos de quinze exemplares da arquitetura eclética, sendo a maioria museus,

Page 70: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

69

sedes de órgãos públicos ou mansões transformadas em anexo de edifícios de luxo,

construídos na parte posterior do terreno, uma nova forma de construção inaugurada

na Vitória, a qual nos referimos neste trabalho como “modernização-conservadora”.

Page 71: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

70

2.4 A consolidação da cidade capitalista

A intensa verticalização ocorrida no Corredor da Vitória, na década de 70,

não pode ser observada como um fato isolado dos demais acontecimentos da

cidade. Neste mesmo período, a Lei da Reforma Urbana de 1968, as intervenções

viárias realizadas e a implantação do Centro Administrativo da Bahia na avenida

Paralela, consolidavam Salvador como uma cidade capitalista, seguindo o mesmo

destino das outras grandes cidades brasileiras.

Na verdade, as origens desta nova economia urbana estão na superação

da velha ordem agro-exportadora a partir dos anos 30 e na elaboração ideológica

das mudanças urbanas da década de 40, como o decreto-lei municipal nº 347/1944,

que estabelece normas para a extinção de mocambos, cortiços e casebres. Esta lei,

na verdade, representou “uma síntese do confronto entre necessidades de

habitações da força de trabalho que começavam a acumular-se na cidade e

interesses de especulação”, pois na década de 30 já havia cerca de setenta projetos

de loteamento lançados no mercado, repetindo o mesmo número na década de 40

(BRANDÃO, 1978, p.7-8).

Mas foi no final da década de 60, quando a cidade teve que dar respostas

a um processo de expansão devido ao desenvolvimento industrial, iniciado na

década anterior, que o governo mostrou-se mais favorável para a realização do

casamento entre o mercado imobiliário de terras e o ramo empresarial imobiliário,

proporcionado principalmente pelas medidas tomadas durante o período em que

Antonio Carlos Magalhães (ACM) esteve à frente da prefeitura (1967-1970).

A introdução de um novo pólo industrial nas proximidades da cidade no

início na década de 50, com a instalação da PETROBRÁS no Recôncavo Baiano e a

Page 72: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

71

produção da Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco (CHESF)14, causaram, aos

poucos, um processo de expansão da cidade que entraria em colapso a partir da

década de 60, principalmente devido à extensão dos incentivos da Superintendência

do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e do próprio governo do Estado ao

capital estrangeiro, que acarretaram na implantação do Centro Industrial de Aratu

(CIA) e no Pólo Petroquímico de Camaçari.

Para dar vazão a esta nova demanda, a cidade teria que oferecer áreas

com infra-estrutura suficiente para que fossem implantados serviços diversos como:

habitações, transportes, comércio, recreação, assistência médico-hospitalar,

educação, etc. Na época, apenas o centro da cidade oferecia condições necessárias

para o funcionamento da oferta de serviços.

Ao assumir a prefeitura, ACM tinha como estratégia a modernização da

cidade,

[...] controlando o uso urbano da orla marítima, alimentando projetos de recuperação do centro histórico e, a curto prazo, um plano de obras viárias para ligar cumeadas aos fundos dos vales, por onde a cidade se espraiava (DANTAS NETO, 2006, p. 292).

Para isso o prefeito promoveu o desmanche de ocupações ilegais, como a

famosa ”Operação Bico de Ferro”15, e outras remoções de invasões que haviam na

orla marítima. Além disso foram realizadas diversas intervenções no sistema viário

para permitir o descongestionamento do centro e a criação de vetores de expansão

(entre o centro e orla e para ambos os lados), que permitisse

[...] além de acumulação de valor econômico em áreas desabitadas e infensas à lógica de mercado (que se tornariam “nobres” no médio prazo), o deslocamento de atividades e populações não adequadas aos usos,

14 A CHESF é subsidiária das Centrais Elétricas Brasileiras S/A – Eletrobrás e foi criada pelo Decreto-Lei nº 8.031, de 03 de outubro de 1945. A primeira grande usina da CHESF, Paulo Afonso I - entrou em operação em 1954. 15 A “Operação Bico de Ferro” foi um radical desmanche da invasão de mesmo nome na orla marítima, que removeu centenas de moradores de variado perfil social, realizado no primeiro ano de gestão de ACM, deixando marcada a autoridade incontestável que seria usada para demarcar o espaço urbano em prol da lógica capitalista (DANTAS NETO, 2006, p. 305).

Page 73: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

72

simbólicos e econômicos, previstos para os dois filões (DANTAS NETO, 2006, p.308).

A aprovação da Lei Municipal nº 2181/1968, que alienou a propriedade

das terras municipais, encerrando a dominação do regime fundiário pelo município

era imprescindível para o sucesso da estratégia de ACM. Em termos práticos, esta

lei autorizava que os terrenos públicos aforados, arrendados ou mesmo ocupados

sem contrato, fossem vendidos, sendo que seus ocupantes tinham preferência na

sua aquisição. Esta lei possibilitou a “troca de mãos” das terras para as forças

econômicas emergentes da cidade16, pois as terras que foram vendidas

[...] a preço de banana, em poucos meses passaram a valer ouro, com o detalhe de que os compradores, antigos foreiros, serviram apenas de biombos provisórios para o novo capital imobiliário que, ainda a preços módicos, deles adquiriu os terrenos, os quais passaram a “engordar”, já como mercadoria, sob sua propriedade (DANTAS NETO, 2006, p.336).

A implantação do Centro Administrativo da Bahia (CAB) na Avenida Luis

Viana Filho (Paralela) serviria para consolidar um novo vetor de expansão da cidade,

valorizando ainda mais as terras daquela área, que a esta altura já se encontravam

nas mãos do capital imobiliário. Para construir uma ideologia com a finalidade de

buscar a aprovação da população nesta empreitada, o governo criou o seguinte

slogan: “Construindo a nova Bahia sem destruir seu passado”. Como justificativas

políticas, o governo argumentava que o CAB seria a solução para aliviar o tráfego de

veículos, o problema de estacionamento e a demanda de serviços do centro antigo,

a partir da remoção dos órgãos administrativos do Estado para o novo local.

[...] O que se pretende e se espera é que a força de atração do CAB provoque a transferência de um volume crescente de atividades privadas atualmente concentradas, para a área de influência direta do Centro como para toda a faixa de influência da Avenida Luiz Viana Filho (KERTÉSZ, 1974, p.350).

Era o início de uma “modernização conservadora”, a partir do momento

em que a parte “nova” da cidade sofria intervenções de infra-estrutura enquanto a

16 Dantas Neto apresenta que estas forças econômicas emergentes eram na verdade antigas forças que estavam sendo renovadas pela modernização conservadora proporcionada pela prefeitura de ACM (2006, p.308).

Page 74: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

73

parte “antiga” permanecia intacta. Ao mesmo tempo em que o CAB ajudava na

expansão deste novo “pólo urbano”, o centro antigo entrava ainda mais em

decadência devido ao aumento do esvaziamento causado pela saída dos órgãos

estaduais deste local. Até hoje Salvador ainda espera por uma efetiva recuperação

econômica do seu centro histórico.

Heliodório Sampaio destaca que a “modernização planejada” das

décadas deste período servia apenas de suporte para a especulação imobiliária.

Nesta especulação imobiliária, no período de 1960-80, destacam-se três componentes: 1) retenção do solo como “reserva de valor” para investimentos futuros

tornando mais rígida a oferta (inelástica); 2) apropriação dos investimentos feitos pelo poder público em infra-

estrutura viária nas áreas de expansão, ou já urbanizadas, incorporando a valorização resultante;

3) interferência na mudança dos parâmetros urbanísticos e, por meio de “informações privilegiadas”, antecipando-se na aquisição de áreas possíveis de valorização (SAMPAIO, 1999, p.124).

Dantas Neto levanta a hipótese de que ACM não tenha sido apenas o

“criador” de um mercado de terras, como também de uma burguesia imobiliária

(2006, p.325). Uma prova disso é que em meados dos anos 70 o setor da

construção civil/incorporação imobiliária passou a se organizar, formal e

autonomamente fundando a Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário

(ADEMI-Ba).

A verticalização do Corredor da Vitória a partir de 1950, da mesma forma

como ocorreu em outros bairros antigos da cidade, foi realizada através de

mudanças da legislação urbana devido ao interesse do mercado imobiliário.

Entretanto, o Corredor da Vitória deixou ainda mais transparente este assédio

especulativo devido a sua localização acima da escarpa arborizada, pois além de

representar um marco na identificação da cidade de dois andares, é um dos poucos

locais de reserva de área verde do município.

Page 75: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

74

A preocupação em proteger a paisagem da encosta estava esboçada

desde o decreto-lei 701/48, que vedava a construção de edificações que

comprometessem a função higiênica ou prejudicasse a beleza e o pitoresco da

paisagem. Quase vinte anos depois, quando a Vitória já havia se transformado num

local de cobiça pelo mercado da construção civil, o decreto-lei nº 5086/1976 que

segundo seu subtítulo deveria criar “uma faixa de proteção às encostas da Avenida

Sete de Setembro [...]”, liberou o gabarito do local, limitando apenas uma área non

edificandi, área esta que não seria respeitada pelos planos inclinados de acesso aos

piers que viriam a ser construídos. A lei nº 3805/87, que criou a transferência do

direito de construir, vem coroar o comando do mercado imobiliário, permitindo a

elevação do gabarito não só na Vitória como em todas as áreas da cidade. Com

estes instrumentos e sem haver nenhum tipo de proteção legal das mansões

ecléticas, foi possível realizar a quase total destruição da paisagem urbana do

primeiro período republicano brasileiro.

Fica claro, com esta análise, o exato momento em que a ideologia

progressista esboçada pelo sentimento da população de possuir os mesmos

confortos oferecidos pela modernidade (transporte, serviços urbanos, novos

conceitos de estética e materiais) é substituída pela ideologia do mercado

imobiliário, que passou a impor os novos valores e os novos conceitos de moradia,

sempre aliada à maior lucratividade que o solo pudesse oferecer. Quanto mais alto,

mais moderno: esta é a nova lógica imposta pelo mercado.

Page 76: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

75

CAPÍTULO 3

Uma discussão em torno dos valores contemporâneos

Page 77: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

76

3.1 A “modernização conservadora”: uma nova forma d e preservação?

É curioso o fato como algumas casas e palacetes do Corredor da Vitória

foram mantidas sem haver nenhum tipo de imposição municipal, estadual ou federal

que determinasse a sua permanência, apesar de toda a especulação imobiliária que

vigora no local. Não estão sendo comentadas aqui as casas que foram

transformadas em museus, como o Museu de Arte da Bahia ou o Museu Geológico e

sim, aquelas casas que foram mantidas na frente do terreno com novas edificações

independentes em seus fundos.

FIGURAS 26 e 27: À esquerda o Museu de Arte da Bahia (antiga residência do comerciante Cerqueira Lima) e à direita o Museu Geológico. Fotos: Humberto Diniz. Em 03/11/2006.

Apenas quando as casas e mansões passaram a ser uma minoria, ao

lado de um paredão formado por edifícios na maior parte com mais de dez andares,

é que foi dado início, no Corredor da Vitória, a esta nova forma de construção.

Pretende-se agora, procurar entender como ocorreu cada caso destes seis

exemplares que foram assim construídos (sendo quatro para fins residenciais e dois

pertencentes a órgãos públicos) para analisar os motivos desta “modernização

conservadora”. Se esta nova forma de construção é equivocada ou não, em relação

aos valores preservacionistas, é uma questão para ser discutida mais adiante.

Page 78: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

77

O primeiro edifício de apartamentos construído atrás de uma destas

casas foi o Mansão Victory Tower (nº 2224), concluído em 1992 pela construtora

Suarez. A antiga casa de Manuel Joaquim de Carvalho, falecido em 1975, foi

vendida à construtora na condição de ser mantida a edificação, decisão que havia

sido tomada em comum acordo entre os herdeiros17. Seguindo o padrão de luxo do

edifício Mansão Carlos Pinto (nº 2460), construído em 1987, este edifício foi o

segundo a apresentar um deck particular na Baía de Todos os Santos cujo acesso

se dá através de um plano inclinado. A construção do empreendimento não causou

nenhum tipo de conflito por parte da prefeitura, nem pelos profissionais ligados a

área de preservação.

FIGURA 28: A antiga casa de Manuel Joaquim de Carvalho e o edifício Mansão Victory Tower, nº 2224. Foto: Humberto Diniz. Em 28/08/2005.

Na mesma década foi construído um edifício atrás da casa nº 2365,

pertencente à Procuradoria da República. A casa que havia sido adquirida por volta

de 1982/1983, passou por reformas, inclusive a construção do anexo, para

possibilitar o funcionamento do órgão neste local. Segundo informações de um

funcionário, o edifício foi inaugurado em 02 de julho de 1995.

17 Informação adquirida em entrevista com a Sra. Julia de Carvalho Tarquínio de Souza, filha do Sr. Manoel Joaquim de Carvalho.

Page 79: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

78

Com o mesmo objetivo de ampliar as suas instalações, o Ministério

Público também promoveu a construção de um edifício atrás da casa nº 308, antiga

residência de Afonso Quintiliano da Fonseca, onde funcionava desde 1993. O prédio

de 6 pavimentos foi construído pela empresa Construções e Meio Ambiente Ltda

(CEEMA), com projeto de Luiz Antunes Arquitetura Ltda, e foi inaugurado em 21 de

maio de 1999.

FIGURAS 29, 30 e 31: A fachada da casa nº 2365, pertencente a Procuradoria da República, a fachada lateral e o edifício construído nos fundos. Fotos: Luciana Guerra. Em 07/04/2007.

FIGURAS 32 e 33: A fachada da casa nº 308 na foto ao lado e o edifício construído nos fundos na foto acima. Atualmente a fachada do edifício encontra-se em reforma. Fotos: Manoel Humberto. Em 17/03/2007.

Em maio de 2001 foi aberto um processo na Superintendência de

Controle e Ocupação do Uso do Solo (SUCOM) para análise do projeto de um

Page 80: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

79

edifício residencial “Mansão Margarida Costa Pinto”, que seria construído na parte

posterior do terreno, aos fundos da antiga mansão do Sr. Joaquim da Costa Pinto,

onde posteriormente funcionou o Colégio Sophia Costa Pinto. Como o IPHAN havia

aberto o processo de tombamento nº 1451-T-99 referente ao “Conjunto Arquitetônico

do Corredor da Vitória”, a SUCOM solicitou a este órgão um parecer sobre o projeto.

O IPHAN não mostrou oposição “quanto ao empreendimento multifamiliar

implantado na parte posterior do lote em questão”, entretanto mostrou-se contrário “à

demolição do anexo incorporado ao imóvel, em função da circulação pretendida pelo

projeto, tendo em vista o comprometimento da integridade e unidade da edificação

existente” (ETELF, 10 jul. 2001).

Como a construção do edifício de mais de trinta pavimentos não dependia

da interferência nesta edificação, a licença para construção do edifício foi concedida

em 25 de janeiro de 2002, sendo liberada a demolição de um anexo localizado nos

fundos do terreno, onde o edifício seria construído. A liberação desta licença teve

como conseqüência a retirada, pelo IPHAN, do antigo Colégio Sophia Costa Pinto da

proposta de tombamento que estava em andamento no órgão (RHODEN, 12 abr.

2002). Na publicação do Diário Oficial de 16 de junho de 2003 para tombamento

provisório do “Conjunto Arquitetônico do Corredor da Vitória”, o imóvel não apareceu

como indicado para tombamento individual.

FIGURA 34 - Anexo do fundo do antigo colégio Sophia Costa Pinto que foi demolido para construção do edifício. (Fonte: REVISTA ..., 1938).

Page 81: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

80

Em agosto de 2003 foi solicitada pela Construtora Santa Helena a licença

para construção do plano inclinado de acesso ao deck e em novembro do mesmo

ano, a licença para reforma da mansão. A proposta apresentada envolvia a

demolição de 4,50 metros a partir da fachada posterior fazendo uma cópia desta.

Como a escada de acesso ao pavimento superior seria demolida, foi proposta nova

escada e elevador de acesso aos outros pavimentos. Também foram propostas

demolições de paredes internas no nível térreo, superior e inferior. No térreo, foram

propostos salão, bar, copa, hall e sanitários. No pavimento superior haveria hall,

sanitários e salão de festas, que se comunicaria com o pavimento térreo pelo pé

direito duplo, que seria conquistado a partir da demolição de 6,50 metros de laje a

partir da fachada principal, tomando toda a largura do palacete. No pavimento

inferior, haveria sub estação, medidores, gerador, depósito e hall.

O fato do Corredor da Vitória estar sob tombamento provisório nesta

época, ocasionou a não liberação do alvará de licença para reforma da mansão.

Após o arquivamento do processo de tombamento no IPHAN ocorrido em maio de

2004, a Santa Helena solicitou novamente o pedido de reforma da mansão,

apresentando o mesmo projeto descrito anteriormente. Entretanto, em ofício emitido

para o Secretário de Planejamento da Prefeitura de Salvador – Manoel Lorenzo -, o

presidente do IPHAN Antonio Augusto Arantes Neto solicitou

[...] a essa Instituição que, na qualidade de órgão incumbido da preservação do patrimônio cultural localizado no município de Salvador, esteja atento para a demanda social e neste sentido desenvolva os estudos necessários à efetivação da salvaguarda dos remanescentes situados à Av. Sete de Setembro, conhecida por Corredor da Vitória, nessa cidade, que são do interesse da população local e que ainda contribuem para a qualidade ambiental daquela área da cidade (ARANTES NETO, 2004, Ofício nº 108).

A não concessão da licença de reforma do casarão levou a construtora

Santa Helena a solicitar o arquivamento dos processos. Apesar do parecer contrário

Page 82: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

81

do IPHAN e de não ter sido encontrado registro de licença de reforma do casarão no

processo da prefeitura analisado, o anexo lateral foi completamente demolido, para

dar passagem aos veículos dos moradores do novo edifício. Este anexo, que

apresentava um registro na fachada de 1937, construído para atender a demanda de

espaço exigida pelo colégio, era “harmoniosamente integrado ao corpo original da

edificação, atribuindo-lhe uma leitura única” (ETELF, 10 jul. 2001).

FIGURAS 35 e 36: Acima, a guarita e pórtico construído escondem a fachada da antiga residência da família Costa Pinto. Ao lado, vista da fachada lateral esquerda, após a retirada do anexo lateral, com o edifício ao fundo. Fotos: Humberto Diniz. Em 28/08/05.

Uma das construções que causou maior repercussão entre os

profissionais ligados a área de preservação, a imprensa e a população foi o

empreendimento “Morada dos Cardeais”, nº 1682, localizado no Campo Grande.

Seguindo o mesmo conceito do “Mansão Sophia Costa Pinto”, a construtora se

propunha a manter a casa principal da antiga residência cardinalícia, local que

abrigou o papa João Paulo II por duas vezes. Esta antiga casa do engenheiro inglês

Hugh Wilson, construída em estilo neoclássico, foi posteriormente acrescida de um

pavimento superior após o ano de 1927, quando adquirida pelo Arcebispo D.

Augusto Álvaro da Silva, obra que, que segundo Godofredo Filho “além de

Page 83: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

82

absolutamente imprópria, realizada em deploráveis condições de traça e

acabamento” (1984, p.17).

No final de 1998, ao encaminhar ao IPHAN e ao IPAC uma solicitação

para tombamento desta área, o Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas (SINARQ) não

indicou a antiga Residência Cardinalícia para tombamento individual.

Posteriormente, a então presidente da ICOMOS18/BRASIL, Maria Adriana de Castro,

solicitou o tombamento da residência ao IPHAN, resultando na abertura do processo

nº 1491-T-02. Mas o pedido foi retirado poucos meses depois, com a justificativa de

estar atendendo à decisão do Conselho Deliberativo do ICOMOS/BRASIL, alegando

que “o motivo reside no fato da execução de obras no imóvel, verificando-se alguns

serviços já efetuados de demolição, e a transferência do seu acervo” (CASTRO, 03

abr. 2002). O processo foi, então, apensado ao processo 1451-T-99, deixando de

estar em efeito a proposta de tombamento individual da Residência Cardinalícia.

Em 20 de junho de 2002 foi expedido o Alvará de Licença nº 9393 pela

Prefeitura Municipal de Salvador para a construção do edifício “Morada dos

Cardeais” e em 08 de agosto, o certificado de viabilidade (TRANSCON), substituindo

um que havia sido expedido anteriormente. De fato, a construção de um espigão de

trinta e três pavimentos de apartamentos, fora os níveis de garagem só seria

possível com a utilização deste instrumento. Com aprovação do projeto, a

Construtora Norberto Odebrecht (CNO) adquiriu a propriedade.

O empreendimento foi lançado em abril de 2003 e em junho os sessenta

apartamentos já tinham sido quase todos vendidos, segundo reportagem do jornal “A

Tarde” (WEINSTEIN, 03 jun. 2003). Nesta mesma reportagem foram divulgadas

entrevistas com profissionais ligados a área de preservação a respeito da construção 18 O ICOMOS -International Council on Monumentos and Sites- é uma associação civil, não governamental, com sede em Paris, criada em 1964. Ela integra profissionais, voluntários e especialistas em conservação de monumentos e sítios históricos, em todo o mundo e é ligada a UNESCO (ICOMOS, 10 ago. 2007).

Page 84: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

83

do edifício. Todos se pronunciaram contra o empreendimento. Maria do Carmo

Estany, autora da dissertação “ A Victória na Renascença Bahiana”, comentou que

seria mais honesto

[....] derrubar a Casa, uma vez que a proposta da Construtora desconsidera a sua ambiência. Não adianta preservar as características do imóvel quando, na realidade, interfere-se drasticamente na construção do século XIX (idem).

Eugênio D’Ávila Lins, professor de História e Teoria da Arquitetura

Brasileira da Faculdade de Arquitetura da UFBA, defendia a preservação da Vitória,

tanto do ponto de vista ambiental, como de exemplares de arquitetura, e era

contrário ao “modismo” de construir atrás das casas:

Determinados modismos passam por Salvador, como esse de construir prédios por trás de casarões. A especulação não tem compromisso com a qualidade de vida da cidade (idem).

Com este comentário, Lins põe em evidência o fato deste tipo de

construção representar apenas um mecanismo de fomentar o interesse pelos

empreendimentos, valorizando-os ainda mais. Isso foi explicitado num artigo do

Caderno de Imóveis do jornal Correio da Bahia, que trouxe o seguinte comentário do

gerente de vendas da Josinha Pacheco Consultoria Imobiliária, Rodrigo Pacheco,

sobre a manutenção das mansões nos empreendimentos:

Outro fator de valorização destes empreendimentos é a preservação da fachada dos antigos casarões (GLAMOUR..., 27 fev. 2005).

Luiz Antonio Fernandes, também professor de História e Teoria da

Arquitetura Brasileira, da Faculdade de Arquitetura da UFBA acusava a especulação

imobiliária de interferir na posição do IPHAN:

Eu acho que devem existir pressões sobre o IPHAN em relação a essa questão. Afinal de contas, aquela área, se foi destinada a elite do século XIX, hoje, ela retoma essa vocação e obviamente, existem interesses econômicos fortíssimos que vão contra qualquer medida que objetive deter esse processo. A inexistência de uma posição mais firme, mais concreta decorre dessas pressões (WEINSTEIN, 03 jun. 2003).

Page 85: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

84

Em outra reportagem do dia 07 de junho de 2003, Francisco Sena,

presidente da Fundação Gregório de Mattos, defendeu que deveria haver um rigor

de proteção da Casa Cardinalícia.

[...] A construção do prédio no entorno da casa enfraquece o sentido do tombamento do conjunto arquitetônico, mas, ainda assim, não há perda de sentido no tombamento do restante (WEINSTEIN, 07 jun. 2003).

Sena referia-se ao processo de tombamento que corria no IPHAN, que

também fazia menção à preservação do traçado urbano da avenida Sete de

Setembro, além da proposta de várias edificações para tombamento individual, que

será tratado no próximo capítulo.

Pouco tempo depois, em 16 de junho, a antiga Residência Cardinalícia foi

notificada pelo tombamento provisório do “Conjunto Arquitetônico do Corredor da

Vitória”. A construtora Norberto Odebrecht (CNO), que durante todo o tempo em que

o processo correu no IPHAN, manteve-se em contato com o órgão informando-se

sobre a possibilidade de um tombamento vir a impedir a construção do edifício,

entrou logo em seguida com um requerimento de impugnação, afirmando que a

notificação não era válida, “seja em razão do direito individual adquirido pela CNO,

seja em razão da nulidade do processo de tombamento”, alegando motivação vaga

e imprecisa de “valores históricos e artísticos”.

Com o alvará de construção em mãos, a Odebrecht deu início as obras

em julho de 2003, gerando uma discussão sobre a sua legalidade, devido ao

tombamento realizado. O professor de Direito Administrativo da Universidade

Federal da Bahia, Paulo Damasceno, afirmou em entrevista ao jornal que o IPHAN

tinha base legal para pedir a revisão do alvará de construção, pois se a obra ainda

não tinha sido executada, o ato administrativo representado pela notificação

automaticamente revogava o alvará da prefeitura (WEINSTEIN, 07 ago. 2003). O

professor lembrou que na época da construção da Avenida Contorno na década de

Page 86: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

85

50, o projeto de Diógenes Rebouças contemplou um desvio de elevado custo só

para possibilitar a manutenção da casa.

O projeto de Diógenes Rebouças procurou preservar a casa. Fez um desvio caríssimo e foi feita uma linda avenida (a Contorno). E isso tudo passa a não ser mais importante? Que coisa mais incongruente! Na época era importante e agora não é mais? (idem)

Já o professor de Direito Constitucional da UFBA, Ari Guimarães, disse

que o tombamento não tinha efeito retroativo, mas que “toda intervenção física a ser

efetuada no palácio deve ser submetida à análise”. Quanto às manifestações da

sociedade, a professora de História Ermitã Baqueiro alegou que reuniu um abaixo-

assinado de moradores da área e encaminhou ao IPHAN, em Brasília,

demonstrando o descontentamento em relação a construção do edifício (idem).

Entretanto, não foi encontrado registro deste abaixo assinado no processo estudado.

Apesar de não terem alterado as fachadas, vários elementos que

compunham a residência foram demolidos, para possibilitar a construção do edifício

e dos equipamentos propostos, como quadra de esportes e teleférico. Além da

retirada das árvores e jardins, foram demolidas as garagens e a torre que havia nos

fundos da casa. Para a Odebrecht, a torre “era um simples reservatório todo

deteriorado e sem valor histórico” (idem). Internamente, a casa também foi

completamente alterada para criação de novos espaços para uso dos condôminos.

Em 06 de dezembro de 2005 o edifício foi entregue aos moradores.

Page 87: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

86

FIGURA 37: A antiga Residência Cardinalícia e o edifício construído ao fundo. Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. FIGURA 38: Vista do fundo do edifício “Morada dos Cardeais” e o plano inclinado construído na encosta para acesso ao deck. (FRAGA, 2007)

A antiga residência do jornalista Jorge Calmon, nº 2172, foi outra

residência que estava na lista para tombamento individual pelo IPHAN e foi alvo

deste tipo de construção. Em 13 de março de 2003, pouco tempo antes da

notificação de tombamento provisório, foi dada entrada na SUCOM à solicitação do

alvará de construção de um edifício no fundo deste terreno, empreendimento

denominado de “Mansão Leonor Calmon” (processo nº 25 591/2003). A preservação

do casarão fazia parte de uma cláusula do contrato de compra e venda e estava

prevista uma multa de quase um milhão de reais caso isso não ocorresse

(WEINSTEIN, 21 jun. 2003).

Com a publicação do tombamento provisório, os proprietários da mansão,

o arquiteto Fernando Andréas Frank, a Construtora Andrade Mendonça Ltda e a

MRM Incorporadora Ltda entraram com um pedido de impugnação ao tombamento.

Eles alegavam que:

Page 88: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

87

[...] Edificado no início do século passado, sofreu ao longo dos anos substanciosas alterações que não guardam qualquer similaridade com a concepção do projeto inicialmente concebido, não reservando, assim, qualquer significação histórica ou arquitetônica que reclame preservação que o tombamento objetiva e cuida. [...] Presentemente, o imóvel que se quer tombar tem características completamente diferentes daquelas do início do Século passado, período utilizado como parâmetro no multicitado Parecer nº 0153/02, [...] pois na sua fachada frontal as colunas e arcada que se faz referência na escritura de 02/09/1907 não estão mais lá, e sim duas janelas centrais e duas nas extremidades em forma de “bay-window”, solução adotada para deslocar a entrada principal da casa para a sua lateral, o que era muito comum e objetivava promover maior privacidade aos seus moradores.

A solicitação para construção do edifício ficou suspensa na prefeitura até

o arquivamento do processo de tombamento do IPHAN, ocorrido em 20 de maio de

2004. Poucos dias depois, em 01 de junho, foi solicitado um novo pedido de alvará

de construção, sendo aberto um processo na SUCOM nº 24 485/2004. Em 23 de

dezembro do mesmo ano foi expedido o alvará de construção nº 11 670 do edifício

“Mansão Leonor Calmon”, que ainda não foi concluído.

Durante as obras, em janeiro de 2006, a parte posterior da antiga

residência foi demolida. Como não havia alvará de demolições para execução deste

serviço, a SUCOM interrompeu as obras e notificou os responsáveis (WEINSTEIN,

30 jan. 2006). Não foi divulgado o que ocorreu posteriormente, nem se os antigos

proprietários aplicaram a multa prevista no contrato, caso a mansão fosse

irregularmente alterada.

A construção de edifícios atrás das mansões no Corredor da Vitória é um

fato peculiar que ocorreu neste trecho da cidade. Em realção aos dois exemplares

pertencentes ao poder público, foi uma possibilidade de ampliar as suas instalações

sem serem acusados de destruir edificações que haviam se consagrado como

monumentos históricos diante da ameaça de perda de todos os testemunhos da

arquitetura representativa da transição dos séculos XIX para o XX existentes no

local, como pode ser constatado nos comentários sobre a exposição “A Vitória já foi

Page 89: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

88

assim...” de 198319. Já nos casos ocorridos para fins residenciais, Mansão Victory

Tower, Mansão Margarida Costa Pinto, Morada dos Cardeais e Mansão Leonor

Calmon, a manutenção das mansões passou a ser uma exigência dos antigos

proprietários.

Estariam estes proprietários atribuindo valores de antiguidade às casas?

Ou seria um valor artístico, indo de encontro às idéias dos especialistas de que os

pastiches compositivos da arquitetura eclética eram exagerados e não dignos de

apreciação?

Este tipo de construção poderia ser classificado como uma modernização,

uma das modalidades de valorização que Françoise Choay apresenta em sua obra:

Modernização: procedimento novo, que falta mais abertamente ao respeito devido ao patrimônio histórico, ela coloca em jogo o mesmo desvio de atenção e a mesma transferência de valores pela inserção do presente no passado, mas sob a forma de um objecto construído e não de um espetáculo. Modernizar não é dar aspecto de novo, mas colocar no corpo das velhas construções um implante regenerador. Nesta simbiose imposta está implícito o facto de o interesse suscitado pela obra do presente se repercutir sobre a obra antiga, estimulando assim uma dialética (CHOAY, p.190).

Ao tentar reintroduzir estes monumentos no quotidiano da cidade, já que

não ofereciam mais o conforto para exercer a função de residência devido aos

edifícios vizinhos, a insegurança quanto à violência urbana, e ao ruído e poluição do

tráfego de veículos, as antigas mansões, além de sofrer uma modernização com a

inserção do edifício ao fundo, sofreram uma “raspagem” interna, restando somente

uma caixa vazia, um procedimento “discutível se se trata de preservar a morfologia

de um tecido urbano” e “inadmissível quando se resume ao sacrifico de estruturas e

da decoração interior do edifício” (CHOAY, p. 193).

A manutenção das casas no Corredor da Vitória com edifícios construídos

em seus fundos, colocam em questão se esta “modernização conservadora” trata-se

19 V. capítulo 2, item 2.3.

Page 90: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

89

de um novo modelo de modernização, em que a preservação de uma simples

residência é colocada em discussão, ao contrário do que ocorria no início do século

XX quando grandes monumentos, como a Igreja da Sé, não representavam

obstáculos para a execução das reformas na cidade. Nota-se ao menos que um

sentimento conservadorista esteja sendo disseminado na população.

Movido pelo sentimento de conservação, o Sindicato dos Arquitetos e

Urbanistas (SINARQ) solicitou ao IPHAN, como última alternativa para preservação

dos remanescentes arquitetônicos deste local, já que, como visto anteriormente,

desde o final da década de 60, o poder municipal legislava em benefício do capital

imobiliário, não havendo, desta forma, interesse da prefeitura de promover meios

para evitar a destruição das mansões. Com o tombamento, a área passaria a ser

legislada por uma lei especial, o que possibilitaria cessar a destruição das mansões

e regulamentar o processo de construção atrás delas.

Este processo de tombamento gerou inúmeras discussões, tanto entre os

técnicos dos órgãos de preservação, quanto na sociedade, trazendo à tona um

impasse existente entre valores de conservação e valores de modernização. Com a

análise deste processo de tombamento, procura-se entender quais os valores que

são atribuídos ao Corredor da Vitória pelos diversos atores que estiveram envolvidos

diretamente ou indiretamente com o caso.

Antes de ser apresentado o processo de tombamento, gostaríamos de

mostrar ao leitor mais um caso de atribuição de valores de conservação à cidade,

com o objetivo de intervir na paisagem urbana. Este é representado pelo processo

movido pelo Ministério Público para retirada do Palácio Tomé de Souza (edifício

sede da prefeitura) da praça municipal de Salvador.

Page 91: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

90

3.2 O caso do Palácio Tomé de Souza.

Outro fato ocorrido nos últimos anos na cidade envolvendo uma discussão

em torno dos valores atribuídos a bens imóveis foi um processo movido pelo

Ministério Público Federal (MPF) com a finalidade de demolir a Sede da Prefeitura

de Salvador, localizada na Praça Municipal, no centro histórico da cidade.

O Palácio Tomé de Souza, como é denominado o edifício, foi construído

para ser a sede da prefeitura de Salvador durante o governo de Mário Kértsz, que

pretendia recuperar a área central da cidade, ainda mais desvalorizada após a

construção do novo Centro Administrativo na Avenida Paralela. O arquiteto

responsável pelo projeto, João Filgueiras Lima – Lelé –, desenvolveu a edificação

em estrutura metálica por possuir um caráter transitório. Posteriormente a sede da

prefeitura deveria ocupar um edifício reformado no centro histórico, fato que nunca

ocorreu.

Na verdade, o edifício de Lelé foi construído sem preceder nenhuma

demolição, sobre a laje de um estacionamento subterrâneo que foi executado após a

demolição, em 1972, dos edifícios da Biblioteca Pública e da Imprensa Oficial. O

local, antes da construção do Palácio, foi apelidado pela população de “Cemitério de

Sucupira”, fazendo alusão a uma telenovela da época, devido ao vazio urbano que

se formou.

Em setembro de 2004 o juiz substituto da 7ª Vara, João Batista de Castro

Junior determinou a demolição do Palácio Tomé de Souza num prazo de seis

meses, alegando que

a edificação mencionada situa-se em local objeto de tombamento coletivo, comprometendo toda a originalidade, autenticidade ambiental e estética do conjunto arquitetônico tombado pelo Poder Público Federal, contrastando com a arquitetura original do local (CASTRO JUNIOR, 10 set. 2004).

Page 92: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

91

Para justificar a decisão pela retirada ou demolição do Palácio Tomé de

Souza da Praça Municipal, o juiz utilizou a citação de inúmeros pensadores para

defender a sua visão estética. Segundo sua sentença, a ação civil pública foi movida

em “defesa de interesses difusos referentes ao patrimônio histórico cultural na

nação” (idem). Os peritos20 nomeados pelo MPF alegaram que o volume

empreendido pelo edifício “retrata uma receita estética forte e bem diferente do

conjunto histórico”. Além disso, as cores utilizadas (predominantemente vermelho e

preto) aumentam, ainda mais, a competitividade visual com os edifícios do seu

entorno (idem).

A prefeitura contestou que não há comprometimento da visibilidade, pois

para eles a referida obra “possui uma expressão neutra propositadamente para

deixar sobressair a escala da Santa Casa”, tendo havido “uma preocupação em

manter o ambiente, a paisagem adjacente e o estilo arquitetônico, valorizando ainda

mais a harmonia do conjunto, realçando seu valor histórico e a sua beleza original”

(idem).

A sentença publicada no Diário Oficial previa ainda que um prédio com as

mesma características que existia no passado fosse construído num prazo máximo

de seis meses (JUIZ ..., 01 out. 2004).

Questionado, o superintendente regional do IPHAN, Eugênio de Ávila

Lins, afirmou que o atual prédio da prefeitura jamais poderia ser definitivo. “O acordo

era de que fosse provisório e o projeto não foi aprovado pelo Iphan. Esta é a

primeira praça administrativa do Brasil, sede do Governo Geral, é importantíssima

para a história da Nação” (WEISTEIN, 06 out. 2004).

20 Para a perícia foram nomeados um profissional com formação acadêmica em desenho industrial, arquitetura de interiores e habilitação em programação visual, e outro com formação em arquitetura, ambos professores da Escola Baiana de Decoração (EBADE).

Page 93: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

92

Estabeleceu-se, com esta notícia, uma discussão a respeito da

manutenção ou não do edifício na Praça Municipal, cada qual alegando o juízo de

valor que fazia da edificação. O caso teve grande repercussão nos jornais locais que

divulgaram, além das notícias, as mais variadas opiniões, enquanto a decisão de

retirar o edifício não era oficializada pelo Tribunal Regional Federal.

Armando Branco, conselheiro do Conselho Regional de Engenharia,

Arquitetura e Agronomia da Bahia (CREA-BA), sugeriu que fosse feito um plebiscito

sobre o assunto. Na visão dele, apesar do prédio ter sido construído para ser

provisório, a edificação já estava incorporada à cidade e acrescentou que os

conceitos e teorias arquitetônicas permitiam o uso de materiais contemporâneos de

forma que se mantenha a mesma volumetria das construções antigas (FERREIRA,

02 out. 2004).

O então prefeito do período em que o Palácio foi construído, Mário Kértsz,

opinou que a edificação “era tão bonita que ficou definitiva.” E ainda acrescentou

que “cada povo ao seu tempo tem que construir o que espelhe a sua

contemporaneidade e não deve macaquear o passado” (WEISTEIN, 06 out. 2004).

O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil – seção Bahia (IAB-Ba)

da época, Daniel Colina, tentou estabelecer uma discussão em torno do tema,

através de debates que seriam promovidos em parceria entre este instituto e o

IPHAN. Com este objetivo escreveu ao então presidente do Diretório Nacional do

IAB, o arquiteto Demetre Anastassakis, alegando os seguintes argumentos:

A diversidade e antagonismo dos posicionamentos explicitados evidenciam o quanto o tema patrimônio histórico carece de consenso. Mostra o quanto a opinião pública se ressente a falta de esclarecimentos que poderiam chegar através de uma maior difusão dos posicionamentos institucionais, que por sua vez devem estar consolidados pelo debate e respaldados no conhecimento dos especialistas (COLINA, 15 out. 2004).

Page 94: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

93

Para ele os debates ofereceriam “subsídios que permitiriam avançar no

aprimoramento da legislação vigente, atualizando conceitos na área de preservação

do patrimônio histórico” (idem). Mas não se tem notícia de ter ocorrido nenhum

debate aberto ao público.

Daniel Colina publicou, alguns meses depois, uma nota no jornal,

colocando-se contra a forma como o processo jurídico procedeu não considerando o

papel técnico e legal da categoria profissional do arquiteto (COLINA, 22 abr. 2005).

Entretanto, o presidente do CREA-BA Marco Amigo discordou da colocação de

Colina, afirmando que não poderia “discordar da competência dos arquitetos

contratados pelo juiz” (WEISNTEIN, 26 abr. 2005).

No dia 27 de novembro de 2004, arquitetos e estudantes fizeram uma

manifestação a favor da manutenção do Palácio, dando um abraço simbólico no

edifício e compondo um abaixo-assinado o qual seria encaminhado à Procuradoria

Geral do Município, a fim de evitar a determinação do juiz do Tribunal Regional

Federal, onde o processo seria julgado. Um dos idealizadores do ato, José Fernando

Minho, professor e arquiteto há 26 anos, afirmou em entrevista que considerava “que

houve um equívoco de julgamento, até mesmo por não sabermos qual o nível de

entendimento técnico do juiz para tomar uma decisão deste tipo” (REIS, 28 nov.

2004). Para ele, o povo havia se apropriado do lugar porque conseguia ver a

paisagem. Outro líder do movimento, Márcio Campos, professor da UNIFACS, fez o

seguinte pronunciamento: “Não dá para sustentar o retorno a uma época. Este

edifício, do jeito que está, também está criando história, como os outros ao redor”

(idem).

“Elegante”, “sincero”, “obra de qualidade”, estes foram alguns dos termos

usados pelos manifestantes para descrever o edifício. Em sua defesa, eles

Page 95: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

94

alegavam que ao reinventar a orientação espacial da praça, através de um novo eixo

predominante, a obra deu um impulso e vigor à cultura moderna brasileira. Além

disso, defendiam a questão dos passantes terem visibilidade do mar enquanto

caminham pela Rua da Misericórdia, e acreditavam que a recomposição de uma

massa construída no local era uma opção regressiva e saudosista (idem).

Antônio Risério, escritor e historiador também colocou-se contra a decisão

de Castro Junior:

Lelé recuperou toda a volumetria do que havia na área, estabeleceu um diálogo de formas entre a arquitetura da Câmara e a arquitetura internacional contemporânea. A arquitetura barroca era de vanguarda. E você tem que dialogar com ela em termos de invenção, de modernidade (WEISTEIN, 29 out. 2005).

Contrapondo-se a estas manifestações, a professora de Teoria da

Conservação e do Restauro na FAUFBA, Odete Dourado, colocou-se a favor da

retirada do prédio e montagem em outro lugar. Seus argumentos haviam sido

apresentados numa mesa-redonda na Faculdade de Arquitetura e num seminário em

São Paulo.

Sou pela compreensão da morfologia urbana do Centro Histórico de Salvador que é muito especial. É constituída por canyons de construções. Os corredores são entremeados por praças ensolaradas. O edifício atual da prefeitura não respeita esta morfologia na medida em que está construído no centro do terreno, leve em pilotis, onde a surpresa característica do estilo barroco, da visão repentina do mar, é destruída. [...]. O prédio de Lelé está recuado, numa praça que, no dizer do seu primeiro cronista, Gabriel Soares, era quadrada, fechada em três de seus lados e debruçada sobre o mar. Na verdade o edifício destruiu a praça quadrada. [...] (idem).

O diretor da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais

(UFMG), Leonardo Castriota, também se apresentava a favor da retirada do edifício,

apresentando os seguintes argumentos, concordando com os da professora Odete

Dourado:

O prédio muda o eixo da praça, desvalorizando o eixo do mar. Sou a favor da substituição do prédio, mas não deixaria o vazio. Faria outro dentro dos padrões de ocupação, sem recuo. Agora aparece o pedaço da igreja que nunca tinha aparecido (idem).

Page 96: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

95

Ele apontou que o prédio modernista foi construído fora de seu tempo, já

que o modernismo vigorou na década de 40 e o prédio foi construído em meados

dos anos 70, e que este estilo dialoga mal com a preexistência. E completou que:

“Nós temos a ideologia do novo. Tudo o que é mais novo é melhor” (idem).

Questionado para dar opinião sobre o assunto, o arquiteto que concebeu

a obra, João Filguerias Lima, comentou que cabia à comunidade resolver. Mas

acreditava inoportuna a retirada do edifício, sem haver outra solução para o vazio

urbano que seria formado. Contrapondo-se à opinião de Castriota, Lelé defendeu

que a arquitetura moderna dialoga com a pré-existência.

O prédio procurou uma simetria com o Rio Branco, e é aí que está a importância. Você deixa solto o chão e valoriza a Câmara, que é o prédio mais bonito. Se não fosse solto se perdia toda aquela conquista da vista. O Elevador Lacerda prejudica com aquele concreto que fizeram lá. A gente não pode fazer uma praça para passar burro e cavalo. Tudo foi pensado, não foi aleatório (idem).

Ao final da entrevista ele opinou pela manutenção do prédio, e fez o

seguinte comentário: “Todo mundo com dificuldade financeira e agente se dá ao luxo

de desmanchar um prédio? Só porque pessoas acham que destoa da praça? É uma

questão subjetiva” (idem).

A discussão em torno da permanência ou não do Palácio girou

basicamente na esfera dos profissionais ligados a arquitetura e entre os vereadores

da prefeitura, ficando a população completamente fora da questão. Uma nota no

jornal chegou a comentar que

Enquanto se discute o assunto, a população deixa de ser consultada diretamente. Não falta quem ache – ao contrário dos vereadores – que o prédio em questão não passa de um monstrengo metálico que macula o cenário histórico de Salvador (PREFEITURA ..., 05 fev. 2005).

Estas discussões sobre a retirada do Palácio Tomé de Souza sugerem

mais uma atribuição de valores de conservação por determinado agente (no caso, o

juiz), de uma forma individual, sem levar em consideração as opiniões da sociedade,

Page 97: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

96

a qual também se mostra sem amadurecimento para a discussão. No caso do

Corredor da Vitória também foi visto, inicialmente, uma atribuição de valores de

conservação por determinados indivíduos (de herdeiros das mansões), mas que

gerou uma solicitação de tombamento federal, fazendo com que diversos atores se

pronunciassem a respeito dos valores atribuídos ao local. É isto que será visto a

partir de agora.

Page 98: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

97

CAPÍTULO 4

Os valores contemporâneos em torno do Corredor da Vitória

Page 99: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

98

4.1 O processo de tombamento no IPHAN.

O processo de tombamento federal para o Corredor da Vitória durou

quase cinco anos, culminando em seu arquivamento. Com a abertura deste

processo, os técnicos dos órgãos de preservação, empresários da construção civil e

intelectuais, passaram a expor suas idéias em relação ao tombamento do local,

demonstrando, assim, os valores que atribuem a esta paisagem urbana. É com o

objetivo de demonstrar esses valores que será analisado os caminhos que este

processo de tombamento percorreu dentro do IPHAN.

O ponto de partida para abertura do processo pode ser representado pelo

arquiteto José Carlos da Matta, autor do extenso relatório encaminhado pelo

SINARQ em 01 de novembro de 1998. Apesar de ser funcionário do IPAC, órgão

responsável pela preservação do patrimônio cultural do estado da Bahia, José

Carlos preferiu oficializar o pedido através do SINARQ,21 o qual foi feito, ao mesmo

tempo, ao IPHAN e ao IPAC. Com esta atitude, percebe-se que apesar do pedido

também ter sido enviado ao órgão estadual, os seus técnicos tinham conhecimento

da falta de interesse da sua diretoria em promover a preservação do local.

O arquiteto também tinha conhecimento da falta de relevância dos

edifícios isoladamente a nível nacional, fato que o levou a solicitar um tombamento

de conjunto. A falta de opção para promover a conservação dos edifícios por meio

da legislação municipal ou estadual, e a divulgação da notícia de que a Universidade

Federal da Bahia (UFBA) estaria disposta a alienar e vender as suas propriedades

existentes no Corredor da Vitória e Canela (DANNEMANN, 25 AGO. 1998), levou a

21 Informação adquirida em entrevista realizada com o arquiteto, em 07/08/2007.

Page 100: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

99

solicitação, em última instância do tombamento federal. Mas qual seria o conteúdo

do relatório assinado pelo SINARQ?

O pedido de tombamento justificava que apesar dos altos edifícios que

dominavam a paisagem do Corredor da Vitória e dos outros bairros que apareciam

no relatório, as áreas propostas para preservação forneciam “[....] ainda uma visão

completa do processo de modernização, sendo fundamentais para a compreensão

do fenômeno urbano da nossa cidade” (SANTOS, 1998). Desta forma, foi pedido o

tombamento de um conjunto que englobava trechos da Graça, Vitória, Campo

Grande e Canela, além do tombamento individual de alguns edifícios específicos:

[...] solicitamos o tombamento de conjuntos que englobam os remanescentes mais representativos do final do século XIX e início do século XX – inclusive o próprio logradouro, com suas árvores centenárias – além do tombamento individual de alguns edifícios. Esses conjuntos serão compostos por trechos da Rua da Graça, do Largo da Vitória, e do Corredor da Vitória, da Praça Dois de Julho e da Avenida Sete, até a Casa da Itália, e trechos da Av. Araújo Pinho, até a Escola de Teatro, [...] (SANTOS, 1998).

As áreas solicitadas para tombamento foram apresentadas num mapa

que mostrava os conjuntos propostos. Dentro de cada conjunto, foram selecionados

grupos de edifícios ou edifícios isolados que apresentavam interesse para o autor,

formando subconjuntos, havendo exemplares arquitetônicos da década de 30, 40,

50 e 60 que sem o tombamento, dificilmente seriam protegidos. Os quatro conjuntos

propostos (Graça, Vitória, Campo Grande e Canela) foram divididos num total de 27

subconjuntos. O autor alegava uma convivência pacífica entre “os espigões e a

arquitetura preexistente” (SANTOS, 1998), pois os parâmetros urbanísticos da área

fizeram com que os edifícios se adequassem à conformação primitiva dos lotes. Ou

seja, o fato dos edifícios terem sido construídos dentro dos limites dos lotes

existentes, sem alterar o seu tamanho, fazia com que estes não interferissem na

leitura do processo de modernização do início do século XX a que ele se referia.

Page 101: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

100

Esta visão do arquiteto seria bastante discutida entre os técnicos do IPHAN durante

o processo de tombamento.

Os imóveis propostos para tombamento individual pelo SINARQ foram:

Rua da Graça, nº 305 (do Sr. Alberto Moraes Martins Catharino), Corredor da Vitória

nº 2172 (Mansão do jornalista Jorge Calmon), Corredor da Vitória nº 381 (Antigo

Colégio Sophia Costa Pinto), Corredor da Vitória nº 2382 (Residência Universitária

Masculina), Corredor da Vitória nº 2410 (Mansão da família Baggi), Corredor da

Vitória nº 2365 (atual Ministério do Trabalho), Corredor da Vitória nº 2457 (Mansão

da família Cunha Guedes), Corredor da Vitória nº 2457 (chalet), Corredor da Vitória

nº 2607 (chalet), Igreja da Vitória, Largo da Vitória nº 04 (Mansão de Verena

Wildberger), Teatro Castro Alves, Av. Sete de Setembro nº 1238 (Casa d’Italia),

Palácio da Aclamação e Palácio das Rosas, Av. Araújo Pinho nº 149 (Residência

Universitária Feminina) e Av. Araújo Pinho nº 292 (Escola de Teatro).

Com exceção ao Teatro Castro Alves, que representa um importante

marco da arquitetura moderna na Bahia, todos os outros exemplares selecionados

para tombamento individual são representantes da arquitetura eclética, a qual

vigorava na época de modernização da cidade, ocorrida entre o final do século XIX e

início do século XX.

No IPAC, como era de se esperar, não houve nenhum pronunciamento

sobre a proposta de tombamento que havia sido solicitada. Na época, o governo era

liderado por discípulos de Antonio Carlos Magalhães, que, como comentado no

capítulo dois, foi responsável pela consolidação da cidade capitalista, quando

prefeito da cidade, entre 1967-1970. Desta forma, não era conveniente ao governo

estancar um processo de dominação do capital imobiliário criado por ele próprio.

Page 102: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

101

Já no IPHAN, a falta de relevância dos exemplares arquitetônicos

selecionados para tombamento individual e a falta de integração entre os conjuntos

criaram uma grande dificuldade para seguimento da proposta e abertura do

processo de tombamento. A princípio, os técnicos da 7ª Superintendência Regional

(7ª SR) solicitaram ao arquiteto José Carlos da Matta, em janeiro de 1999, a

reformulação da proposta, para que esta pudesse ter andamento.

Como não houve a reformulação solicitada, a arquiteta Rita Monteiro da

7ª SR do IPHAN encaminhou ao superintendente a Informação Técnica nº 378/99,

tecendo vários comentários à proposta do SINARQ. Ela concordava com o

Tombamento Federal do Largo e Corredor da Vitória tanto como conjunto, quanto

dos imóveis existentes nesta área, pleiteados para tombamento individual (a Igreja

da Vitória e a Mansão de Verena Wildberger). Também se apresentava favorável à

proposta de tombamento individual a nível Federal de imóveis localizados no Campo

Grande, como o Teatro Castro Alves e Palácio da Aclamação com Passeio Público,

como também a Mansão Alberto Moraes Martins Catharino (Rua da Graça nº 305).

Já a Escola de Teatro localizada no bairro do Canela foi indicada para

tombamento Estadual, visto que já havia um processo de tombamento Estadual para

a Escola de Belas Artes da UFBA, situada nas proximidades.

Em relação às áreas do Canela, Campo Grande e Avenida Sete de

Setembro, foi sugerido a possibilidade de criar graus de proteção a nível Municipal

através da Legislação Específica e justificou que

[...] ainda que se tratem de áreas compostas por alguns exemplares arquitetônicos de qualidade, conforme mostra a documentação apresentada, estes só, não justificam um tombamento de conjunto no âmbito federal (MONTEIRO, 02 ago. 1999).

Segundo as recomendações da arquiteta Rita Monteiro, dos imóveis

propostos para tombamento individual pelo SINARQ, ficaram de fora a Casa d’Italia

Page 103: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

102

(Av. Sete de Setembro, nº 1238), o antigo Palácio das Rosas, e a Residência

Universitária Feminina localizada no Canela (Av. Araújo Pinho, nº 149). Foram

excluídas as áreas da Graça e do Canela.

Apesar de acreditar que a proposta devesse ser reestruturada, os

técnicos da 7ª SR atribuíam valores históricos ao local solicitado para tombamento

ao se mostrarem favoráveis à criação de graus de proteção aos remanescentes

arquitetônicos, seja pela legislação municipal, estadual ou federal. Foi por esse

motivo que o processo teve andamento, seguindo para a Divisão de Estudos de

Acautelamento do Departamento de Proteção (DEA/DEPROT) do IPHAN, que

instaurou o processo nº 1451-T-99 denominado “Conjunto Arquitetônico do Corredor

da Vitória”. Entretanto, em seu parecer a técnica Helena Mendes dos Santos

chamou a atenção para pontos incongruentes da proposta, afirmando que para um

objeto ser considerado como patrimônio cultural, os valores nele identificados –

históricos, artísticos, etnográficos, paisagísticos, etc. – não poderiam se ater às

especificidades locais e sim, contribuir para a construção da memória dentro de um

contexto nacional (SANTOS, 04 nov. 1999).

Além disso, ela se opunha ao tratamento dado ao termo “conjunto” no

pedido de tombamento do SINARQ, alegando que dentro da instituição, o

entendimento dado ao tombamento de conjuntos se refere à reunião de partes

contíguas ou adjacentes que mantém entre si uma relação (origem, o período ou o

estilo arquitetônico).

A definição de conjunto como uma simples reunião ou grupo de coisas, como ocorre no presente caso, a uma série de edificações de diferentes períodos, é mais recente e, no nosso entender, menos adequada por não garantir a preservação desses bens (idem).

Desta forma, considerava que as edificações indicadas para tombamento

não formavam um conjunto homogêneo, pois além de serem de períodos diferentes,

Page 104: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

103

possuíam qualidades artísticas bastantes diferenciadas. Na proposta do SINARQ

havia edificações neoclássicas, ecléticas e modernistas dentro dos limites propostos

para formar um conjunto. E indicou que “a proposta deva ser fundamentada

identificando o valor de cada unidade, individualmente considerada” (idem). A

intenção de Helena Santos era que a idéia de tombamento de um conjunto fosse

abortada e que o processo passasse a focar no tombamento individual de alguns

imóveis existentes nesta área.

Com a instauração do processo foram eleitos quatro imóveis para

trabalhos de instrução, sendo eles: Casa à rua da Graça, nº 305, Mansão de Jorge

Calmon (Corredor da Vitória, nº 2172), Mansão Cunha Guedes (Corredor da Vitória,

nº 2457) e o Teatro Castro Alves, no Campo Grande. Destes imóveis indicados, foi

feita a instrução somente do Teatro Castro Alves, sendo realizada, porém, a

instrução de outros três imóveis: Fundação Nacional de Saúde (Av. Sete, nº 2328),

Igreja de Nossa Senhora da Vitória e Residência Universitária Masculina (Av. Sete,

nº 2382). Não existem registros no processo da razão para esta mudança. Mas a

troca de três imóveis particulares por outros três de uso público indica que deve ter

havido impedimentos para que os trabalhos fossem realizados nas edificações

eleitas primeiramente22. Os trabalhos de instruções foram entregues em 21 de

março de 2001 pela 7ª SR do IPHAN.

Um ano depois, foi apresentado pela mesma Regional a instrução do

processo feito pelo arquiteto Luiz Fernando Rhoden. Nele, o autor fez um breve

histórico do processo de tombamento23, comentando inclusive a abertura do

22 Em relação a mansão de Jorge Calmon, provavelmente sua venda já estava sendo pleiteada neste período. Quanto a Mansão dos Cunha Guedes, não houve em nenhum momento manifestação contra ou a favor do tombamento. 23 Ver quadro comparativo das propostas de tombamento (QUADRO 02).

Page 105: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

104

Processo nº 1491-T-02 de Tombamento Individual da “Residência Cardinalícia”24

realizado em 25 de setembro de 2001 e posteriormente anexado ao processo de

tombamento em questão25. Ao final, apresentou uma nova proposta englobando:

[....] o traçado urbano da Avenida Sete de Setembro no trecho entre a Casa d’Itália e o Largo da Vitória; o Campo Grande (Praça 2 de Julho) e seu monumento ao 2 de Julho, data maior da Bahia; os seguintes imóveis conformando um conjunto eclético: Igreja de N.S. da Vitória (Praça Rodrigues Lima/Largo da Vitória), Mansão Verena Wildberger (Praça Rodrigues Lima, nº 04), Casa da Família Cunha Guedes (Av. Sete de Setembro, nº 2445), Casa do Jornalista Jorge Calmon (Av. Sete de Setembro, nº 2172), Residência Universitária (Av. Sete de Setembro, nº 2382), Casa da Av. Sete de Setembro, nº 2457, Hotel Caramuru (Av. Sete de Setembro, nº 2125), Casa da Av. Sete de Setembro, nº 2469, Prédio do Museu de Arte da Bahia (Av. Sete de Setembro, s/nº), Antiga Residência Cardinalícia (Av. Sete de Setembro, nº 1682), Palácio da Aclamação – antiga residência oficial dos governadores baianos (Av. Sete de Setembro, s/nº) e passeio público contíguo ao Palácio (Av. Sete de Setembro, s/nº), Casa da Itália (Av. Sete de Setembro, nº 1238), Praça do Obelisco em frente ao Palácio da Aclamação (Av. Sete de Setembro). Além destes imóveis e logradouros, propõe-se o tombamento individual do Teatro Castro Alves, para o que deverá ser aberto processo específico (RHODEN, 12 abr. 2002).

Estavam sendo propostos, no total, os tombamentos individuais de doze

imóveis. Segundo o autor do parecer, a mansão de Alberto Martins Catharino foi

retirada da proposta por possuir proteção legal, a nível estadual26, e o antigo Colégio

Sophia Costa Pinto, por já possuir alvará de construção e de demolição emitido pela

SUCOM em 25 de janeiro de 2002. O perímetro da área tombada e da área de

entorno foi divido em seis setores e apresentado critérios de intervenção para cada

setor. Segundo o autor, a nova proposta levava em consideração

além dos aspectos arquitetônicos relevantes, também os aspectos urbanísticos que definem o Largo e Corredor da Vitória e o Campo Grande (Praça 2 de Julho), como ainda remanescente do projeto de J.J. Seabra, realizado no início do século XX (idem).

Rhoden conseguiu resgatar a maior parte que o SINARQ havia proposto

para tombamento nas áreas da Vitória e Campo Grande, que estavam presentes na

24 Não foi anexada uma cópia do processo de tombamento para a antiga Residência Cardinalícia no processo pesquisado. 25 V. capítulo 3, item 3.1. 26 Esta afirmação representa um equívoco do arquiteto. Quem possui proteção estadual é o Palacete do Comendador Bernardo Martins Catharino, sito à rua da Graça, nº 292.

Page 106: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

105

primeira proposta da arquiteta Rita Monteiro e que foram descartados numa

proposta posterior dos técnicos da 7ª SR, em junho de 2000.

Todas as propostas que partiram da 7ª SR continuaram a tratar o Largo e

o Corredor da Vitória como um conjunto eclético, mesmo sabendo que o DEPROT

não concordava com esta denominação. Na verdade, como os exemplares da

arquitetura eclética que restava não apresentavam individualmente valores históricos

e/ou artísticos suficientes para um tombamento federal, pretendia-se que, como

conjunto, estas edificações adquirissem importância suficiente para serem

tombadas. Mas os edifícios que separavam estas residências prejudicavam a leitura

do local enquanto conjunto.

A resposta do DEPROT à instrução do processo feita por Rhoden não

atendeu às expectativas da 7ª SR. Parecia que este departamento tentava ganhar

tempo retardando o andamento do processo. Em primeiro lugar, os técnicos do

DEPROT solicitaram a identificação da altura dos edifícios e dos usos (GALVÃO

JUNIOR, 21 jun. 2002), o que foi negado pela 7ª SR, alegando que estas “[...] além

de não contribuírem para o fortalecimento do conceito de arquitetura que estamos

propondo neste processo, tendem a robustecer as pressões que o mesmo vem

sofrendo e que já eram esperadas” (RHODEN, 25 jun. 2002). Rhoden se referia às

pressões do mercado imobiliário, que ao saber da possibilidade de tombamento do

Corredor da Vitória, tratou de adiantar a execução dos empreendimentos previstos

para o local.

Sem as informações solicitadas, o coordenador do DEPROT escreveu

parecer fazendo observação de que a calha da via ainda íntegra e as oito

edificações restantes representavam muito pouco, “face à realidade hiper-urbana

que domina a paisagem”. Além disso o departamento prevê “[...] imensa dificuldade

Page 107: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

106

de entendimento e apropriação do conjunto que se pretende inequívoco, em que

pese a presença da rua como elemento de junção e de escala urbana.” Finalmente

concluí que:

[...] Isso não quer dizer que não tenha valores passíveis de tombamento, haja vista a defesa do tombamento Regional, inclusive a dissertação interessante da arquiteta Maria do Carmo Baltar. Se for essa a opção, há que aclarar os valores intrínsecos da rua, os valores de cada edificação, as áreas de entorno que, provavelmente, se “conurbarão”, e as definições, ex ante, da regulamentação dessas áreas (GALVÃO JUNIOR, 08 ago. 2002).

Em resposta ao memorando do DEPROT, Luiz Fernando Rhoden

questionou que os levantamentos das tipologias que não foram propostas para

tombamento não contribuem para a definição do objeto a ser tombado e que este

procedimento não tinha sido adotado em casos semelhantes em outras áreas do

país (RHODEN, 05 nov. 2002).

Enquanto os técnicos do IPHAN discutiam sobre o entendimento de

“conjunto”, em Salvador, a SUCOM liberou em 20 de junho de 2002 o alvará de

construção para o edifício “Morada dos Cardeais”, que seria construído atrás da

antiga Residência Cardinalícia. Temendo a destruição de mais casas, ou a

construção de edifícios atrás destas, fato que estava se tornando corriqueiro no

local, a superintendente da 7ª SR, Adalgisa D’Eça, ao encaminhar o memorando de

Rhoden ao DEPROT, solicitou que fosse realizada a notificação de tombamento

provisório, enquanto seguiam as discussões (D’EÇA, 13 nov. 2002). Esta era a única

forma de proteger as casas legalmente. Mas o tombamento provisório só iria ocorrer

sete meses depois.

Esta solicitação da superintendente mostra que a proposta de

tombamento passou a ter um caráter de apelo contra as destruições gradativas das

mansões que vinham ocorrendo no local, devido à liberação de alvarás de

construção pela prefeitura da cidade. A notícia de um possível tombamento fez com

Page 108: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

107

que as construtoras apressassem os empreendimentos pretendidos no local. E a

prefeitura, que durante todo o processo de verticalização da Vitória favoreceu o

capital imobiliário liberando o gabarito, continuou a não tomar nenhuma providência

para impedir nem a destruição das mansões eclética, nem o aumento da densidade

populacional e do conseqüente tráfego de veículos na área.

No IPHAN, as discussões iriam continuar ainda por um longo tempo. O

DEPROT continuava a protelar o andamento do processo, reafirmando que os

remanescentes arquitetônicos da área em questão não resultavam em um “conjunto

palpável”, ainda que fossem testemunhos históricos e, para exemplificar com

ocorrências anteriores em processos de tombamentos, comentou o parecer do

Conselheiro Nestor Goulart Reis Filho sobre o conjunto arquitetônico do Bairro da

Luz, em São Paulo, quando determinou-se que

[...] as edificações podem formar um conjunto, mas que não o é de forma inequívoca. Só é compreendido desde um filtro intelectual, uma visão urbanística em perspectiva histórica. Isto implica que deve ser compreendido mesmo em sua incompletude material. Entretanto o Conselheiro não intencionou maiores contenções no desenvolvimento urbano da área, já hiperurbanizada (GALVÃO JUNIOR, 22 nov. 2002).

Com esta citação, o coordenador do DEPROT colocava-se contra o

tombamento, não concordando em conter o processo de urbanização da área com a

construção de altos edifícios. Com estas justificativas, Galvão Junior considerava

inadequado fazer alçar o processo à Procuradoria Jurídica do IPHAN (PROJUR)

sem as complementações necessárias.

Enquanto a notificação de tombamento não saía, em Salvador iam sendo

solicitados novos alvarás na SUCOM. Em 13 de março de 2003 foi solicitado o

alvará de construção do edifício Mansão Leonor Calmon nos fundos da antiga

mansão do jornalista Jorge Calmon (nº 2172), mantendo a edificação existente. Em

maio, foi a vez da construtora Porto Vitória Empreendimentos Ltda solicitar o alvará

Page 109: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

108

de demolição da antiga mansão da família Baggi (nº 2410). A primeira constava na

proposta de Rhoden para tombamento individual, já a segunda, apesar de aparecer

na proposta do SINARQ e na de Rita Monteiro, não constava na proposta de

Rhoden, apenas como conjunto.

A partir de junho de 2003 o jornal A TARDE, em Salvador, passou a

divulgar reportagens quase que diárias para pressionar o IPHAN pela notificação de

tombamento. Segundo o arquiteto José Carlos da Matta, ele solicitou à repórter Mary

Weinstein, responsável pelas notícias de arquitetura do jornal, que não divulgasse

informações sobre o processo de tombamento, até aquele momento, com receio de

que a notícia apressasse as demolições das mansões remanescentes. Mas como

isso já vinha ocorrendo, o próprio arquiteto solicitou à repórter que passasse a fazer

as reportagens, divulgando as licenças que estavam sendo liberadas e a situação do

processo no IPHAN, estacionado no DEPROT há um ano.

Pressionado a dar seguimento ao processo, o DEPROT, acabou

escrevendo um parecer favorável ao tombamento do conjunto arquitetônico

constituído das doze unidades constantes no parecer de Rhoden, mas não

considerou o valor urbanístico alegado por ele.

Portanto esta Coordenação propõe não considerar, do despacho e parecer final da 7ª SR, a conclusão pelo tombamento do conjunto urbanístico, a inclusão dos logradouros, exceto as praças, e a regulamentação para a área do entorno, de conformidade com os pareceres já exarados por esta coordenação e apensados ao processo (GALVÃO JUNIOR, 10 jun. 2003).

A procuradoria do IPHAN considerou que os elementos relativos à

notificação do ato administrativo, dos quais se destacavam os valores históricos e

artísticos, estavam demonstrados no processo. Mas chamou a atenção que o

tombamento se referia a bens imóveis isolados, que, por sua localização próxima,

passaram a ser tomados como conjunto e comentou que a poligonal traçada pela 7ª

SR incluindo logradouros, largos e praças, não deveria prevalecer, pois o

Page 110: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

109

entendimento do DEPROT “é de que o tombamento deverá incidir apenas sobre as

unidades arquitetônicas, as quais estarão envolvidas em uma área de entorno, já

definida” (SANTOS, 13 jun. 2003). Como os critérios de intervenção na área de

entorno indicados pela 7ª SR não foram aprovados, foi recomendado que, o quanto

antes, desenvolvessem estudos e fixassem os novos critérios.

Com este parecer, a procuradoria deixou claro que o objeto não fosse

julgado como conjunto, e sim como unidades individuais. Desta forma, a proposta

adquiriu uma feição diferente do que havia sido exposto desde o início do processo.

A notificação do ato administrativo de tombamento provisório do “Conjunto

Arquitetônico do Corredor da Vitória” foi finalmente publicada no Diário Oficial da

União em 16 de junho de 2003. Foram tombados os doze imóveis da proposta de

Rhoden e considerada a área de entorno indicada no parecer do DEPROT.

A poligonal estipulada é cercada pela Rua da Graça, a linha preamar da Baía de Todos os Santos, a Rua Banco dos Ingleses, a Gamboa de Cima, o Largo dos Aflitos, a Avenida Carlos Gomes e o Campo Grande. Logo inclui toda a Vitória e mais o trecho da Avenida Sete de Setembro, até a altura do Forte de São Pedro (WEINSTEIN, 18 jun. 2003).

Dois dias depois da notificação, o jornal A TARDE publicou entrevistas

com opiniões a respeito do assunto. A diretora do IPHAN Maria Elisa Costa fez o

seguinte relato:

Há muito tempo havia essa intenção de tombar a Vitória. Nós queremos que as coisas andem, a gente quer resolver. Gosto muito de Salvador e o Corredor da Vitória tem uma identidade. A gente tem que segurar o que ainda tem dessa identidade: as casas remanescentes e o entorno destas. Vamos disciplinar, guardar os elementos que assegurem e mostrem os vários momentos da evolução da cidade. É a nossa história (idem).

O superintendente da 7ª SR, Maurício Chagas, que havia assumido o cargo

recentemente vibrou com o tombamento provisório:

[...] Esse tombamento é uma novidade na Bahia e no Brasil porque não existem muitos tombamentos da arquitetura republicana. Na realidade, havia um profundo descaso em relação ao estilo eclético. Não se reconhecia o mérito nesse tipo de arquitetura. Antes só se via a arquitetura militar, civil e religiosa de até meados do século XIX. [...] (idem).

Page 111: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

110

O superintendente reconhecia a necessidade de que outros casarões e

sítios fossem preservados, mas afirmou que cabia ao Estado e Município proteger os

monumentos de relevância regional.

Em entrevista ao mesmo jornal, o arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo,

que fazia parte do Conselho Consultivo do IPHAN também concordou com Maurício

Chagas no que diz respeito ao tombamento da arquitetura do início do período

republicano do Brasil, afirmando que a

[...] nova diretora do órgão, Maria Elisa Costa, demonstra uma visão menos preconceituosa e mais universalista da cultura, mandando acelerar o processo de beatificação, que geralmente tarda uma ou duas décadas. Os exemplares, que milagrosamente sobreviveram, são poucos, mas são a prova que faltava para a consagração do Corredor da Vitória (WEINSTEIN, 21 jun. 2003).

Por outro lado, o presidente do Conselho Regional de Corretores de

Imóveis (CRECI) Samuel Arthur Prado, relatou que achou “péssimo” o tombamento

do Corredor da Vitória

porque, hoje, é o metro quadrado mais caro em Salvador. Ali se vende um empreendimento sem nem precisar de lançamento. Acho que as conseqüências não vão ser maiores porque existem poucos casarões remanescentes do lado do mar. Acho que isso vai valorizar ainda mais os imóveis na Vitória (WEINSTEIN, 21 jun. 2003).

Como era de se esperar, dentro do prazo de um mês após a notificação

de tombamento, os interessados em construir edifícios no local entraram com

pedidos de impugnação. Foram quatro requerimentos referentes aos seguintes

imóveis: Antiga Residência Cardinalícia (Av. Sete de Setembro, nº 1682), Hotel

Caramuru (Av. Sete de Setembro, nº 2125), Mansão de Verena Wildberger (Largo

da Vitória, nº 04) e a antiga Mansão de Jorge Calmon (Av. Sete de Setembro, nº

2172).

A construtora Norberto Odebrecht alegava nulidade do processo de

tombamento pela “razão do direito individual” adquirido pela construtora, pois desde

Page 112: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

111

20 de junho de 2002 já havia adquirido o alvará de construção para um edifício atrás

da antiga Residência Cardinalícia, nº 1682 (CONSTRUTORA..., 01 jul 2003). Se

Rhoden havia retirado da sua proposta o antigo colégio Sophia Costa Pinto

alegando que já havia alvará de construção para um edifício atrás da casa, era

justificável a postura da Construtora Odebrecht.

A Companhia de Seguros Aliança da Bahia, proprietária do Hotel

Caramuru (nº 2125) alegava que o seu imóvel não fora construído segundo os

parâmetros higienistas apontados no parecer de Rhoden (COMPANHIA..., 14 jul

2003).

As empresas Liwil Construções e Empreendimentos Ltda, a Frank

Empreendimentos Imobiliários e a MRM Incorporadora Ltda, no papel de

compradoras da Mansão de Verena Wildberger mostrava que a edificação não

possuía valor histórico e que foi edificada no ano de 1940 por Arnold Wildberger,

que adquiriu as ruínas da antiga Pensão Beau Sejour. As empresas apresentaram

um parecer do historiador Cid Teixeira que dizia:

[...] No caso vertente, aproveitar a encosta do Largo da Vitória de modo racional, pagando tributo à sua privilegiada posição somente poderá, no meu entender, contribuir de modo positivo (TEIXEIRA, 2003).

Novamente a construtora MRM Ltda, junto com a construtora Andrade

Mendonça e o arquiteto Fernando Andréas Frank, proprietários da antiga mansão de

Jorge Calmon também tentavam convencer que a edificação em questão não

possuía valor histórico ou arquitetônico alegando que as inúmeras alterações que

esta sofreu faziam com que a residência não guardasse qualquer similaridade com o

projeto original do início do século XX. Mesmo assim, as empresas se propunham,

em seu projeto, preservar a casa, mantendo-a, como dito no parecer de Cid Teixeira,

“como testemunho dos vários tempos da sua vida [...] integrado nos novos tempos

Page 113: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

112

da sua continuidade” (TEIXEIRA, 2003). Na verdade, a manutenção da casa fora

imposta pela família como cláusula do contrato de compra e venda. Caso esta fosse

demolida, as empresas compradoras teriam que pagar uma multa.27

O fato de haverem vários pareceres, com diferentes propostas de

tombamento no processo, dava uma falsa idéia de que estava sendo tombado um

“conjunto eclético”, conforme consta no parecer de RHODEN, e não unidades

arquitetônicas, que foi o realmente tombado provisoriamente. Outra falha ocorrida no

processo foi a falta de esclarecimento dos valores de cada edificação tombada, o

que levou aos impugnantes apresentarem suas próprias conclusões.

Nenhum dos requerimentos de impugnação foi considerado justificável

pela procuradoria jurídica do IPHAN (SANTOS, 30 jul.2003). Para dar continuidade

ao processo, foi eleito relator para a reunião do Egrério Conselho Consultivo do

Patrimônio Cultural, o Conselheiro Sabino Machado Barroso. A eleição se deu antes

mesmo do Conselheiro ser apresentado ao Conselho, fato que ocorreu somente

durante a reunião do dia 13 de agosto de 2003, quando a presidente do IPHAN

comunicou a sua posse, publicada no Diário Oficial da União em 21 do mês anterior.

Sabino Barroso havia sido presidente do IAB-DF, coordenador da 6ª SR do IPHAN e

diretor do DEPROT.

Em sua exposição, Sabino Barroso relatou que da configuração original

do Corredor da Vitória,

[...], infelizmente, pouco resta na atualidade: apenas o espaço urbanístico de uma avenida fartamente arborizada com árvores robustas de copa densa, com tráfego intenso de automóveis e edifícios de apartamentos com gabarito excessivamente alto – sobretudo do lado do mar” (BARROSO, 13 ago 2003).

Barroso acreditava que o acordo tácito feito entre os antigos proprietários

e a construtora para manutenção das casas consolidou a altura dos novos edifícios. 27 Ver capítulo 3, item 3.1.

Page 114: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

113

Após relembrar todas as propostas de tombamento que foram

apresentadas desde o início do processo, Barroso apresentou uma nova alternativa,

fugindo completamente do que havia sido proposto até então:

Considerando que o que importa efetivamente é a implantação e configuração urbana e paisagística dos logradouros que integram o Corredor da Vitória – Av. Sete de Setembro, Jardim do Passeio Público, Campo Grande, Largo da Vitória – sublinhada pela presença dos casarões sobreviventes, que dão testemunho da escala urbana original, e Considerando que a preservação da vista para a Baía e da cobertura vegetal remanescente da Mata Atlântica na encosta justifica o tombamento como patrimônio paisagístico do imóvel situado no nº 04, do Largo da Vitória. A proposta mais pertinente, no momento atual, seria o tombamento da implantação e configuração urbana e paisagística dos logradouros, que integram o Corredor da Vitória, acrescido do imóvel nº 04 do Largo da Vitória, considerando-se como entorno a faixa lindeira aos logradouros, e ao referido imóvel, com largura constante de 35 metros, contados a partir das testadas dos lotes e dos limites laterais dos imóveis supracitados. Essa faixa configuraria uma área de preservação rigorosa da atual configuração volumétrica, mantidas as mesmas alturas máximas das edificações na data de tombamento, nos casos de demolição e reconstrução (BARROSO, 13 ago. 2003).

A nova proposta apresentava as seguintes edificações para tombamento

individual: Casa d’Itália (Av. Sete de Setembro, 1238), Palácio da Aclamação (Av.

Sete de Setembro, s/n), Museu de Arte da Bahia (Av. Sete de Setembro, s/n),

Residência Cunha Guedes (Av. Sete de Setembro, 2445) e Igreja de Nossa Senhora

da Vitória (Praça Rodrigues Lima/ Largo da Vitória).

Além disso, o tombamento deveria englobar a preservação da atual

configuração arquitetônica externa das seguintes edificações: Av. Sete de

Setembro, 1682 (Antiga Residência Cardinalícia), Av. Sete de Setembro, 2125 (Hotel

Caramuru), Av. Sete de Setembro, 2172 (Residência Jorge Calmon), Av. Sete de

Setembro, 2382 (Residência Universitária da UFBA), Av. Sete de Setembro, 2457 e

Av. Sete de Setembro, 2469 (Ferro Velho).

Ao final da exposição, o conselheiro recomendou que a proposta fosse

inscrita no Livro do Tombo das Belas Artes, no Livro do Tombo Histórico e no Livro

Page 115: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

114

do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, com a seguinte denominação:

Conjunto Urbanístico, Arquitetônico e Paisagístico do Corredor da Vitória.

Barroso retorna o foco do tombamento para a “configuração urbana e

paisagística dos logradouros” indo de encontro ao parecer do DEPROT que não

levou em consideração o valor urbanístico alegado por Rhoden na proposta anterior.

Entretanto, ao contrário da última proposta que propunha o tombamento individual

de doze imóveis, Barroso só propôs o tombamento individual de cinco edificações,

sendo que quatro delas já eram protegidas de alguma forma, pela função que

exerciam. Somente a residência da família Cunha Guedes era uma propriedade

privada, ainda habitada pelo proprietário, o qual não se manifestou contra o

tombamento através de pedido de impugnação. Além disso, a preservação apenas

das fachadas das outras seis edificações e a proposta de uma faixa lindeira de

proteção com largura constante de 35 metros como área de entorno do trecho da

Avenida Sete de Setembro permitia justamente a construção do edifício Morada dos

Cardeais atrás da antiga Residência Cardinalícia. Estaria o conselheiro tentando

conciliar os interesses do capital imobiliário com os interesses dos técnicos do

IPHAN que se apresentavam favoráveis à preservação das mansões remanescentes

do Corredor da Vitória?

A presidente do IPHAN Maria Elisa Costa mostrou-se favorável à proposta

de Barroso, fazendo o seguinte comentário:

[....] achei sedutora a proposta do Conselheiro Sabino Barroso por tentar preservar o alinhamento, o logradouro. Na faixa envoltória, considerada como entorno, haveria maior flexibilidade. No meu entendimento, essa idéia permitiria guardar uma vaga lembrança, um perfume do que foi o Corredor da Vitória. É uma proposta simplificadora, muito menos restritiva que as anteriores” (ATA DA 40ª ..., 25 set. 2007).

Em resposta à exposição do relator do processo, o Conselheiro Paulo

Ormindo de Azevedo se pronunciou comentando que, na sua opinião, a área deveria

Page 116: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

115

ser considerada mais como sítio urbano, conforme apresentado na proposta inicial

da 7ª SR do IPHAN, do que como um conjunto arquitetônico, “infelizmente já muito

desfalcado e esgarçado”, já que esta área apresentava valores arquitetônicos,

naturais e paisagísticos, “difusos, fragmentários, heterogêneos, mas que formam um

quadro novo, não de todo sem interesse e charme”. E apresentou uma proposta

para elaboração de um plano particularizado para o Corredor da Vitória, a ser

realizado em conjunto entre um organismo federal e um municipal, respaldado pela

Constituição de 1988, onde houvesse as seguintes definições: uso do solo,

coeficientes e índices de utilização e outra série de elementos. Era preciso que o

processo de manter as casas antigas e construir uma nova edificação no recuo,

fosse regulamentado, além de estabelecer limites de densificação do bairro. Ao se

levar em conta a área “non aedificandi” da cota 0 até a 50 para a fixação do índice

de utilização e o uso da TRANSCON, que possibilitava o acréscimo de mais

5.000m2, permitia-se um potencial de construção muito grande nesta área (ATA DA

39ª ..., 14 ago. 2003).

Ao que parece, ao perceber que o tombamento do Corredor da Vitória

daquela forma como estava sendo proposta não iria controlar o uso do solo para

evitar ainda mais a densificação do local e nem regulamentar a construção dos

edifícios atrás das mansões, o conselheiro propôs que o IPHAN procurasse

direcionar a proteção do local para o Município, pois era este o responsável pela

legislação do uso do solo. Aliás, se o município tivesse criado, a partir do controle do

uso do solo, condições favoráveis para a preservação das mansões, talvez nunca

houvesse acontecido o pedido de tombamento.

A votação não pôde ocorrer neste dia pois a Conselheira Suzanna

Sampaio pediu vistas, alegando que não conhecia o processo. Após analisá-lo, a

Page 117: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

116

conselheira escreveu um termo de observação comentando que, apesar dos

projetos arquitetônicos apresentados para o Corredor da Vitória serem de má

qualidade e da sua execução se constituir um “prejuízo à Bahia, e demérito aos seus

profissionais”, o tombamento não poderia ser tratado como uma “medida cautelar,

impeditiva da destruição anunciada, mas um ato definitivo de inserção na vida dos

cidadãos e da PERMANÊNCIA na História Nacional” (grifo da autora). Desta forma,

questionava se existia excepcionalidade artística do local para a História do Brasil

(SAMPAIO, 21 set. 2003).

Na 40ª reunião do Conselho Consultivo, realizada no dia 25 de setembro

de 2003, apesar do Corredor da Vitória ter sido pauta pela segunda vez, o processo

não pode ser votado devido às discussões e protestos ocorridos por membros

externos em relação à negação do pedido de sustentação oral realizado dias antes

pelo advogado Hélio Menezes Junior da MRM Construtora Ltda28.

Ao final da pauta, ficou decidido que o IPHAN iria conceder aos

interessados prazos de vistas e possíveis impugnações, seguindo-se o exame das

eventuais manifestações pelos setores técnico e jurídico do IPHAN, antes de

retornar ao Conselho.

Esta decisão representou um equívoco, servindo apenas para o Conselho

ganhar mais tempo até definir a sua posição final. Conforme parecer da procuradoria

do IPHAN, novas impugnações só seriam possíveis caso o Conselho votasse a favor

da proposta de Sabino Barroso (SANTOS, 09 dez. 2003). Como não houve votação,

os pedidos de impugnação que se relacionavam com esta proposta resultaram

inócuos. Mas isso só foi divulgado após o encaminhamento de novos pedidos de

impugnação. 28 A MRM Incorporadora Ltda. possui projeto para dois empreendimentos no local: um edifício atrás da antiga mansão de Jorge Calmon e um edifício no local da Mansão Wildberger.

Page 118: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

117

É interessante analisar o conteúdo destes pedidos realizados pelos

interessados em vender e/ou construir no local. Percebe-se neles uma tentativa de

conciliar os interesses do mercado imobiliário com a preservação das mansões.

Afinal de contas, a preservação das mansões, independente do processo de

tombamento, era uma exigência dos antigos proprietários.

Foram dois requerimentos de impugnação: um enviado pela Liwil

Construções e Empreendimentos Ltda., e outro encaminhado pelas empresas MRM

Construtora Ltda, Construtora Andrade Mendonça Ltda. e mais o arquiteto Fernando

Andréas Frank. Ambos documentos alegavam “invasão de competência pelo IPHAN

na pretensão de preservar o que somente caberia ao município”. Comentaram que a

paisagem da região era caracterizada pela verticalidade das edificações e criticaram

o entorno estabelecido de 35 metros por uma falta de motivação lógica. As

empresas propunham que a faixa estabelecida

[...] seja idêntica à daquela de que trata a Lei Municipal, instituída como recuo, e, nos casos dos cinco imóveis tombados isoladamente e daqueles outros seis em que se criou a preservação arquitetônica externa, essa faixa respeitaria os casarões, de modo a sempre mantê-los íntegros, conciliando-se, assim, todos os interesses (LIWIL, 20 out. 2003).

Desta forma, os empreendimentos pretendidos por eles não estariam

ameaçados, permanecendo tudo como estava antes. Sobre a “pitoresca vista”

existente no Largo da Vitória segundo afirmação do Conselheiro Sabino Barroso, os

impugnadores alegavam que:

A Casa de Verena Wildberger, até os limites do seu terreno, não impõe qualquer limitação à visualização da que foi denominada “pitoresca vista”, que somente é possível sobre o terreno vizinho, à sua direita, [...] (idem).

No dia 17 de dezembro de 2003, o processo de tombamento do “Conjunto

Arquitetônico do Corredor da Vitória” foi novamente levado para pauta na 41ª

reunião do Conselho Consultivo. Mas o processo, mais uma vez, não foi posto em

votação devido ao pedido de vistas do Conselheiro Joaquim Falcão, alegando não

Page 119: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

118

estar em condições de votar porque não teve tempo de examinar o parecer do

departamento jurídico do IPHAN.

Enquanto não ocorria a nova reunião do Conselho Consultivo, o IPHAN

tratou de buscar entendimentos com a prefeitura e os empresários da construção

civil numa reunião realizada no mês de abril de 2004, na sede do IPHAN em

Salvador29. Infelizmente, não foi encontrada a ata desta reunião para saber o que foi

discutido e as decisões tomadas neste dia.

A prefeitura, na figura do Secretário Municipal de Planejamento,

Urbanismo e Meio Ambiente, Manoel Lorenzo, que até o momento não tinha se

pronunciado oficialmente, apenas através de entrevista ao jornal, encaminhou um

ofício ao IPHAN no dia 10 de maio de 2004. O secretário relatou que desde 1976,

quando decretada a lei nº 5086, que proíbe a construção da cota 0 a 50 da encosta,

também foi exigido, no mesmo documento, que o térreo das novas edificações

deveria ser vazado e ter pé-direito duplo, para garantir visuais livres do Corredor

para a baía. Em 1984, a Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (LOUOS)

– Lei 3.377/84 – incorporou o Decreto-lei nº 5086/76, reduziu o Iu de 2,0 para 1,5 e

assegurou afastamentos laterais entre as edificações e os recuos frontais das

mesmas, através de fórmulas que instituem a progressividade em função da altura

da edificação.

Além disso, o secretário também comentou que o novo Plano Diretor de

Desenvolvimento Urbano (PDDU) transformaria o Corredor da Vitória em zona

estritamente residencial e também

29 Participaram o novo presidente do IPHAN Augusto Arantes Neto, que assumiu a presidência em março, empresários da MRM Construtora Ltda e da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI-BA), a representante da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano Cândida Beltrão, o superintendente da 7ª SR do IPHAN Frederico Mendonça, a diretora nacional do Departamento de Patrimônio Imaterial Márcia Santana e a procuradora federal Patrícia da Costa Santana

Page 120: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

119

[...] referenda instrumentos de política urbana como a Transferência do Direito de Construir e a Outorga Onerosa, contidos no Estatuto da Cidade, porém condicionando sua utilização à ampliação da cota de conforto das edificações, para assegurar que não haverá aumento da densidade populacional na área, quando esses instrumentos forem utilizados (LORENZO, 10 maio 2004).

Com esta afirmação, ele mostrava-se favorável ao uso da TRANSCON

nas construções dos edifícios no Corredor da Vitória. Manoel Lorenzo acreditava que

a prática de construir nos recuos é um “[...] método rápido, barato, eficaz para a

preservação de imóveis de notório valor arquitetônico.” E afirmou que poderiam ser

negociadas novas exigências como

[...] a restauração, a utilização e a conservação da edificação pré-existente como parte no novo empreendimento, a preservação das árvores existentes no recuo frontal da antiga edificação, a preservação de portões de época, entre outras (idem).

Anteriormente, o secretário municipal em entrevista ao jornal A TARDE,

se posicionou contra o tombamento ao dizer que não achava a quantidade de

mansões remanescentes significativas. Além disso, não concordava que o município

devesse apresentar uma legislação para o patrimônio pois já haviam órgãos

consolidados responsáveis pela cultura (“EU NUNCA ...”, 02 nov. 2003).

A manifestação do secretário era compatível com a atitude da prefeitura,

que facilitou, durante todos esses anos, o processo de verticalização do local, e

deixou claro que o município não tinha interesse em mudar a sua posição.

Sem uma perspectiva de decisão de como e quando se daria o

tombamento definitivo, a MRM Incorporadora Ltda, a Frank Empreendimentos

Imobiliários e Participações Ltda, a Andrade Mendonça Construtora Ltda, e os

demais proprietários da casa nº 04 do Largo da Vitória (Mansão de Verena

Wildberger) e da casa nº 2172 do Corredor da Vitória (Casa do jornalista Jorge

Calmon), enviaram um requerimento ao presidente do IPHAN, Antônio Augusto

Arantes Neto, no dia 13 de maio de 2004, solicitando que a instituição examinasse a

Page 121: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

120

“proposta alternativa” formulada por eles e já submetida à 7ª SR. Eles apresentam

um novo projeto para o local da Mansão de Verena Wildberger, consistindo

[...] na edificação de uma só torre, diferente daquela anteriormente submetida a essa superintendência que continha duas torres gêmeas, que se implantaria na porção do terreno posterior à Igreja da Vitória, liberando, conseqüentemente, a vista para o mar. Segundo, propõe-se a demolição do muro e da residência existente mais a implementação de um alongamento do largo da Vitória com adaptação de um mirante e calçadão de uso público que franquearia de forma concreta um visual de 180 graus desde a Igreja de Santo Antônio, na Ladeira da Barra, até a Península Itapagipana e a Igreja do Bonfim. Vale ressalvar que esse alongamento de calçadão, mais o belvedere e fontanário no centro do último, seriam edificados e implementados pelos proprietários (empreendedores) com ônus para os mesmos, compromisso que poderão assumir mediante contratação formal pelo convênio que viesse a ser celebrado entre as partes proponentes, o IPHAN e a PMS (MRM ..., 13 maio 2004)

Para a casa do jornalista Jorge Calmon, as empresas propunham a

redução da faixa de preservação “rigorosa” de trinta e cinco para quinze metros,

para possibilitar a execução de um empreendimento entre essa faixa e a faixa de

proteção da “Área Non Aedificandi”. Com esta redução da faixa de proteção

apresentada na proposta de Sabino Barroso, a SUCOM estaria sem impedimentos

para liberar o alvará de construções do projeto já encaminhado em 13 de março de

2003.

Conforme parecer da procuradora-chefe do IPHAN, ainda não estava

decidido se a proposta a ser votada seria a que levou a notificação, que

contemplava o tombamento de doze imóveis individuais, ou a proposta de Barroso

que contemplava o tombamento individual de cinco imóveis (SANTOS, 09 dez.

2003). Desta forma, não era possível nenhuma resposta do IPHAN a estas

solicitações.

Na 42ª reunião do Conselho Consultivo do IPHAN, no dia 20 de maio de

2004, quando o processo de tombamento Corredor da Vitória foi pauta pela última

vez, o conselheiro Joaquim Falcão apresentou seu parecer em resposta ao pedido

de vistas do processo solicitado na última reunião. Para ele não existia um objeto

Page 122: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

121

passível de tombamento, devido às divergências entre o pedido do SINARQ, os

pareceres técnicos e o do relator, sendo que este último alterou o objeto para

“configuração urbana”, que está previsto no Decreto-lei nº 25. Apresentou, também,

inexistência dos requisitos para tombamento individual dos bens:

O IPHAN, órgão da União, só pode entrar na órbita estadual ou municipal quando existe claro interesse para criar ou proteger um patrimônio nacional. Mas na ausência deste claro interesse, não pode se substituir ao município ou ao estado. Invade-se competência. O parecer de Márcia Sant’Anna expressamente considera que faltam elementos para que o Corredor da Vitória seja “patrimônio nacional”. O arquiteto Luiz Fernando Rhoden entende o Corredor da Vitória como representativa “da expansão da cidade em áreas novas situadas ao sul de sua mancha originária.” Ou seja, o vínculo é com a cidade, com a expansão da cidade. O Tombamento, se for o caso, deve ser municipal ou estadual (FALCÃO, 2004).

Além disso, FALCÃO considerava que já existia proteção municipal para o

Corredor da Vitória pelo decreto-lei municipal nº 4756/76 que estabelece restrições

para construção no local, de modo a preservar a paisagem e a faixa de Mata

Atlântica remanescente. E, segundo ele, a prefeitura, ao conceder licenças de

construção tem exigido preservar os casarões do Corredor da Vitória, construindo

prédios novos nos terrenos posteriores, tendo como exemplo a própria União que

adotou esta postura no Palácio das Rosas, onde funciona a Procuradoria Geral do

Estado, e a casa nº 2365, onde funciona o Ministério do Trabalho.

Esta última afirmação do conselheiro parece bastante equivocada, já que,

de forma nenhuma estava havendo uma preservação da paisagem da encosta com

as construções dos edifícios e dos planos inclinados de acesso aos piers. A

exigência em preservar a casa também nunca partiu da prefeitura, e sim, dos antigos

proprietários. Além disso, é de se estranhar que um profissional ligado a área de

preservação ache que a manutenção apenas das fachadas das casas, modificando

o seu interior, tenha algum valor para a edificação ou para a configuração urbana.

Page 123: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

122

Finalizando seu parecer, Joaquim Falcão votou contra o tombamento

federal, “entendendo que a proteção devida é matéria de competência municipal”

(FALCÃO, 2004).

Não foi encontrada anexada ao processo pesquisado a ata desta reunião,

onde poderiam ser constatadas as discussões ocorridas entre os conselheiros. Foi

encontrada, em outro documento, a seguinte transcrição das palavras do

conselheiro Ítalo Campofiorito, relatadas durante esta reunião:

E ao longo destes 40 ou 50 tombamentos propostos, que viraram 20, que viraram 15, e que acabaram 5, dos quais uma Igreja, que naturalmente vai ser tombada, ninguém se oporá. [...] Então, enquanto a Casa da Itália, a Igreja da Vitória e mais três itens. O conjunto arquitetônico não existe mais, concordo com o conselheiro Joaquim Falcão. Existe essa vontade justa ou não, de preservar as pegadas deste caminho viário como testemunho da implantação de Salvador, e cinco tombamentos, dos quais três, pelo menos, parecem, aparentemente, óbvios (BRASIL, 2007).

O arquivamento do processo do IPHAN se deu de forma bastante

conturbada, havendo dúvidas sobre o que realmente foi votado na reunião. Isso foi

demonstrado em relatos dos próprios conselheiros que participaram da reunião,

expostos nos jornais.

O conselheiro baiano Paulo Ormindo fez o seguinte comentário:

Não votei pelo arquivamento, mas sim pelo estabelecimento de negociações com a Prefeitura no sentido de assegurar uma efetiva preservação do bairro, que poderia eventualmente prescindir do tombamento federal. Acho que isso não ficou claro na votação (WEINSTEIN, 05 jun. 2004).

Segundo a jornalista, Sabino Barroso, do Rio de Janeiro, saiu da reunião

com a certeza de que não havia nada decidido e que seria criado um grupo de

trabalho para estudar o assunto. Para Ítalo Campofiorito, do Rio de Janeiro, ex-

presidente do Pró-Memória e Angel Gutierrez, ex-secretária de Cultura de Minas

Gerais, o tombamento não havia sido votado, e sim, uma recomendação ao Estado

e ao Município. Pedro Schmitz, diretor do Instituto Anchietano de Pesquisa da

Page 124: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

123

Universidade do Vale do Rio dos Sinos concordava com os outros dois conselheiros

ao dizer: “Não havia consenso sobre o que seria adequado [...], naquele momento

não havia condições para um tombamento definitivo” (WEINSTEIN, 05 jun. 2004).

O Ministério Público chegou a questionar ao IPHAN como a reunião do

Conselho Consultivo resultou no arquivamento do processo, já que alguns

conselheiros que participaram não sabiam exatamente em que estavam votando

(MP QUESTIONA..., 23 jun. 2004).

A decisão da reunião só foi divulgada pelo presidente do IPHAN seis dias

após a reunião. Ele relatou que o pedido de tombamento havia sido realizado para

conter a “superexploração do solo promovida por interesses imobiliários e

consentida por legislações municipais inadequadas”. Entretanto, ao ser solicitado o

tombamento, o Corredor da Vitória já apresentava um processo de ocupação que

“comprometeu de modo irreversível a apreensão e a integridade física desse

conjunto como representação, no plano nacional, do urbanismo do século XIX”, não

podendo, desta forma, ser considerado um bem de interesse nacional. O presidente

criticou o uso da TRANSCON como instrumento promotor de adensamento na

ocupação da área e do papel de ornamento destinado aos palacetes que eram

mantidos defronte aos edifícios. Finalmente, conclui que “a preservação dos bens

remanescentes do Corredor da Vitória só se tornará efetiva mediante ação eficiente

e vigorosa dos organismos municipal e estadual.” E comentou que o Conselho ao

decidir pelo arquivamento do processo,

[...] recomenda fortemente ao Governo do Estado da Bahia e à Prefeitura de Salvador que adotem medidas visando à efetiva salvaguarda dos remanescentes que são do interesse da população local e que ainda contribuem para a qualidade ambiental desta área da cidade (ARANTES NETO, maio 2004).

E foi assim que ocorreu o encerramento do processo de tombamento do

Corredor da Vitória. Apesar de vários técnicos, que estiveram envolvidos com o

Page 125: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

124

processo, concordarem que o local possuía valor histórico, artístico e paisagístico,

todos, de certa forma, discordavam que esses valores tivessem relevância nacional.

Desde o início isso ficou claro nos diversos pareceres anexados ao processo.

Ao ser pressionado para realizar o tombamento, o IPHAN passou a adotar

a postura de não se contrapor ao capital imobiliário, dando uma alternativa de

promover o tombamento apenas de edifícios que funcionavam como museus ou cujo

proprietário não se contrapunha, conforme proposta apresentada pelo conselheiro

Sabino Barroso. Ao final, o Conselho decidiu pelo não tombamento, alegando falta

de relevância nacional.

Os documentos anexados ao processo de tombamento pesquisados

deixaram clara a posição dos seguintes atores em relação ao Corredor da Vitória: o

IPHAN, que não atribuía relevância nacional e/ou não queria se indispor com o

capital imobiliário; os proprietários interessados em vender as casas com a exigência

de mantê-las e os empresários da construção civil que, interessados em construir

atrás destas casas, procuravam conciliar os valores de conservação e os valores de

modernização, sugerindo alternativas para que o tombamento não interferisse nos

seus negócios; outros representantes do mercado imobiliário que não atribuíam

nenhum tipo de valor histórico ou artístico às mansões remanescentes do local e

mostraram-se dispostos a construir ainda mais, a partir da demolição das casas

restantes; e o governo municipal que continuava a agir de acordo com os interesses

do mercado imobiliário, mantendo a postura de permitir, através da legislação, a

construção dos altos edifícios neste local a partir da demolição das mansões ou

atrás destas, sem interferir na sua manutenção. Quanto ao Estado, a própria

omissão deixou transparente a falta de interesse em alterar o quadro existente no

local.

Page 126: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

125

Em relação à sociedade, fora uma mesa redonda ocorrida na Faculdade

de Arquitetura30, não houve outras manifestações registradas. Somente após o

arquivamento do processo é que haveria uma maior organização e apelo da

sociedade em preservar os remanescentes arquitetônicos do Corredor da Vitória.

30 A Faculdade de Arquitetura da UFBA e o SINARQ promoveram uma Mesa Redonda no dia 16 de outubro de 2003 para discutir as propostas de tombamento que haviam sido apresentadas até então. Durante o evento foi escrito um “Manifesto de apoio ao Tombamento Provisório dos Imóveis do Corredor da Vitória”, assinado pelo diretor, vice-diretor, professores da graduação e pós-graduação da faculdade, todos os arquitetos da 7ª SR do IPHAN e do IPAC e personalidades de destaque no ambiente cultural da cidade. Das 105 pessoas que compareceram ao evento (assinaram a lista de presença), 57 pessoas assinaram o manifesto. Sete meses após a realização da mesa redonda, o SINARQ encaminhou o manifesto ao IPHAN.

Page 127: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

126

4.2 As manifestações da sociedade.

As decisões sobre o processo de tombamento “Conjunto Arquitetônico do

Corredor da Vitória” ocorridas na reunião do Conselho Consultivo no dia 20 de maio

de 2004 não ficaram claras para a sociedade baiana, mesmo após a divulgação da

carta do presidente do IPHAN Augusto Arantes Neto sobre o assunto. Entrevistas

publicadas no jornal A TARDE demonstravam esta falta de esclarecimentos, como

por exemplo, as impressões do presidente do Conselho Regional de Engenharia,

Arquitetura e Agronomia da Bahia (CREA-BA) Marco Antônio Amigo:

Estou chocado. Li o documento do Iphan e nele encontro as razões para o tombamento. O presidente reconhece os fundamentos do pleito e que o patrimônio está sendo destruído. É um dos documentos mais inconsistente que já vi. Foi a decisão mais improvável que o Iphan poderia tomar. Ele recomenda o tombamento a quem até agora não foi competente na proteção. O ato de coragem seria o tombamento. Não é possível que a Bahia vai ficar calada com um negócio desses (WEINSTEIN, 28 maio 2004).

A professora Maria do Carmo Estany de Almeida também comentou que o

processo de tombamento estava pouco transparente e contraditório (idem).

As entrevistas também buscaram a opinião de representantes da

sociedade, das mais diversas áreas de conhecimento sobre o arquivamento do

processo de tombamento do “Conjunto Arquitetônico do Corredor da Vitória”. Além

de professores de universidades, líderes de representações de classe e empresários

ligados a área da construção, também foram ouvidas pessoas comuns.

Um dos pontos abordado por alguns entrevistados que eram contra o

arquivamento do processo foi a não valorização do ecletismo pelos órgãos

responsáveis pela preservação do patrimônio. Odete Dourado, professora da

Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) relembrou a

demolição do Palácio Monroe, no Rio de Janeiro, para construção de um metrô. O

edifício não era tombado devido a não valorização do estilo eclético.

Page 128: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

127

Eu não tenho o que dizer, a não ser que estou estupefata. Porque é inegável o valor do Corredor da Vitória. A instrução do processo não foi feita de última hora e incluía uma dissertação de mestrado (de Maria do Carmo Estany), que comprova que existia no século XIX um projeto estético para a cidade. Esse projeto nunca foi escrito mas foi explicitado nas licenças para as construções. Isso ainda é possível se ver na Vitória. Eu não acredito que se possa permitir que se perca. As distâncias das casas eram orientadas por razões de decoro. A Vitória era tida como área nobre, ao contrário do Garcia que era mais popular. Era o poder público ditando, legislando, sobre o uso do solo. [...] (idem).

Armando Branco, membro do Sindicato dos Arquitetos e ex-presidente do

Instituto dos Arquitetos do Brasil – seção Bahia (IAB-BA) constatou que o IPHAN

não reconhecia o valor da arquitetura eclética:

Com essa decisão, fica claro que não interessa à União determinados períodos da produção arquitetônica, contrariando os princípios da Unesco, que reconhece Brasília, que é muito mais recente que a Vitória, como Patrimônio da Humanidade. O Conselho ignora o período entre o Pelourinho e uma Brasília contemporânea. Foi uma incapacidade dos membros do Conselho Consultivo? Adotaram uma decisão mais confortável? [...] (idem).

Por outro lado, o presidente da ADEMI-BA mostrou-se confortável com o

arquivamento do processo de tombamento comentando que “[...] As restrições vão

de encontro ao desejo da sociedade de morar em um lugar bom” (WEINSTEIN, 29

maio 2004). Na mesma reportagem foram apresentadas opiniões de seis pessoas

que não tinham envolvimento direto com o processo de tombamento, das mais

diversas profissões (jornaleiro, músico, estudante, cantor). Cinco deles mostraram

preocupação com a possibilidade de destruição das mansões remanescentes e as

consideravam como patrimônio. Apenas uma estudante não atribuía valor às

mansões.

Outro ponto abordado foi a preocupação pelo fato de ter sido atribuído ao

município a responsabilidade pela preservação das mansões. O professor da

Faculdade Arquitetura da UFBA Antônio Heliodório, relatou:

[...] A União entendeu que a questão é municipal, o que é ruim para nós porque o nosso município não tem a tradição de preservar os nossos bens. Poderia usar o Plano Diretor atual como instituto. Pode muito bem regulamentar o que está lá como diretriz – a área de borda da cidade. Tudo isso está no Plano. Agora como o pessoal que aprova projeto não lê, não

Page 129: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

128

aplica, não interpreta o Plano Diretor como um instrumento que ordena o uso do solo, o que acontece é isso. Como cidadão de Salvador, eu acho uma pena que o Iphan tenha jogado a bola para a prefeitura e para o Estado (idem).

O empresário César Phileto achava que o arquivamento do processo

havia sido uma decisão política e observou que a prefeitura e o governo não eram

muito competentes para cuidar da Vitória (idem).

Juca Ferreira, secretário executivo do Ministério da Cultura, constatou que

o município e o governo já haviam se ausentado em favor da preservação da Vitória,

e que a abertura do processo pelo IPHAN havia sido uma tentativa da união tomar

esta responsabilidade para si:

O processo de tombamento correu os trâmites normais. Eu disse que a relevância da Vitória poderia ser local e que portanto seria tarefa do município ou do Estado preservar, mas que, pela ausência das duas instâncias, o governo federal tomou para si. O que nós fizemos foi recuperar o que tinha sido interrompido que era a etapa de chegar ao Conselho Consultivo. E eles (os membros do Conselho) julgaram que a relevância era local, mesmo considerando a possibilidade de que localmente não vai ser feito nada. Eles acharam ruim dar uma carga simbólica ao que, na opinião deles, não tem (WEINSTEIN, 29 maio 2004).

O secretário, que interviu algumas vezes no IPHAN solicitando agilizar o

processo de tombamento, comentou em entrevista ao jornal local alguns meses

antes que o tombamento não enfrentava apenas a reação do mercado imobiliário,

[...] mas também a falta de consciência de que a economia principal de Salvador é a cultura e a do lazer. Essa economia é absolutamente prejudicada quando a cidade perde suas referências históricas, quando é uma cidade que permite a especulação imobiliária predomine sobre as suas áreas naturais, sobre o seu patrimônio público cultural [...].(“O MINISTRO...”, 17 dez. 2003)

O interessante é notar as contradições que envolvem não só Juca

Ferreira como outros moradores do Corredor da Vitória que passaram a se

pronunciar em favor da preservação do local apenas após a abertura do processo de

tombamento. Enquanto morador da Vitória, o secretário Juca Ferreira também

favoreceu a verticalização do local. Enquanto representante político do município, o

antigo vereador pelo Partido Verde (PV) nunca se manifestou em favor da

Page 130: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

129

preservação do bairro, nem em se tratando da encosta. Apenas quando o SINARQ

solicitou ao secretário que interferisse para que o processo de tombamento tivesse

continuidade dentro do IPHAN, é que o secretário passou a se apresentar favorável

à preservação do Corredor da Vitória.

Além das entrevistas, o jornal A TARDE passou a publicar cartas com

manifestações a respeito da preservação das mansões do Corredor da Vitória.

Fernando da Rocha Peres, professor da UFBA e membro da Academia de Letras

mostrou-se indignado com a resolução do IPHAN em arquivar o processo, pois não

acreditava que o município tivesse competência para salvaguardar o patrimônio: “[...]

se os imóveis ecléticos foram derrubados para os furacéus, é exatamente porque as

leis municipais não funcionam” (PERES, 03 jun. 2004). Posteriormente, em outra

carta, Peres (13 jul. 2004) mostrou-se contra a municipalização da proteção legal de

monumentos. Mas apesar de defender atualmente o tombamento, o ex-diretor da

regional do IPHAN (Bahia e Sergipe) nos anos 80 não se manifestou em favor da

proteção legal do local, quando a área apresentava-se um pouco mais integra. Em

carta posterior, ele penitenciou-se por isso (PERES, 16 jul. 2004).

Havia uma nítida preocupação do município em não atender às

expectativas para preservar o Corredor da Vitória, tendo em vista o seu

comportamento durante o período de verticalização e o processo de tombamento.

Por esse motivo, algumas manifestações questionaram se o IPHAN poderia

transferir a obrigatoriedade da preservação para a prefeitura ou sugeriam de que

forma poderia ser traçado um plano de preservação com participação do município.

Paulo Ormindo de Azevedo defendia a criação de um modelo de

desenvolvimento urbano

[...] que não seja nem autofágico do capital imobiliário, nem o “retrô” dos que desejam engessar toda a cidade. Um modelo de desenvolvimento

Page 131: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

130

participativo que inclua o patrimônio cultural e natural como fator de desenvolvimento humano (AZEVEDO, 01 jul. 2004).

Ele apontou a insuficiência do Decreto-lei nº 25/37, quando aplicado a

conjuntos e centros históricos vivos e que a requalificação de centros históricos no

país tem sido feita pelos governos estaduais e municipais, já que o tombamento é

um instrumento passivo de preservação.

Já o advogado Eduardo Silva Costa comentou que o IPHAN não poderia

transferir a decisão sobre o tombamento ao Estado e Município: “Oriundo de lei

federal, não cabe logicamente a outra entidade federativa que a União competência

para cuidar do citado patrimônio” (COSTA, 09 jul. 2004). O que poderia ser feito era

a realização de “acordos entre a União e os Estados para melhor coordenação e

desenvolvimento das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional”, citando, para isso, o artigo 23 do Decreto-lei nº 25/37:

Art. 23. O Poder Executivo providenciará a realização de acordos entre a União e os Estados, para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e para a uniformização da legislação estadual complementar sobre o assunto (Decreto-lei nº 25/37).

Em resposta à carta do advogado, o presidente do IPHAN diz que não

havia nada de ilegal em encaminhar a salvaguarda ao governo do Estado e do

Município, “pois a Constituição estabelece que a proteção do patrimônio cultural é

responsabilidade comum da União, Estado e Municípios” (ARANTES NETO, 21 jul.

2004).

Diante da falta de interesse que a prefeitura e o estado apresentaram

antes e durante todo o processo de tombamento, será que o IPHAN realmente

esperava fazer mudar a atitude destes governos? Ou foi apenas uma forma de se

livrar da responsabilidade que o órgão tinha, já que a abertura do processo de

tombamento acelerou ainda mais a destruição das mansões?

Page 132: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

131

O IPHAN, logo após o arquivamento tentou interferir para que o Estado e

o Município promovessem alguma forma de preservar as mansões remanescentes.

Mas, como era previsível, não seria fácil obter respostas das duas instâncias

governamentais.

Page 133: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

132

4.3 O envolvimento do Estado e Município.

As atitudes dos governos estadual e municipal durante o processo de

tombamento do Corredor da Vitória deixou transparente o fato destes não estarem

participando efetivamente da proteção do seu patrimônio cultural. Com esta

divulgação negativa, alguns representantes do município tentaram demonstrar

interesse para dar uma solução ao caso, como por exemplo, a audiência pública que

o vereador Gilmar Santiago do Partido dos Trabalhadores (PT) convocou no dia 4 de

junho de 2004, com participação dos funcionários da 7ª SR do IPHAN. Mas as

decisões desta audiência - entregar ao presidente da república um dossiê composto

por um abaixo-assinado e outros documentos agregados pela Associação de

Moradores do Campo Grande, Canela e Vitória (ASCAVI), Sindicato dos Arquitetos e

Urbanistas da Bahia (SINARQ) e Instituto dos Arquitetos do Brasil – seção Bahia

(IAB-BA) – não surtiu nenhum efeito.

Sem uma posição concreta do Estado ou do Município, o IPHAN

continuou a tentar buscar soluções para que estas instituições tomassem

providências quanto à preservação do Corredor da Vitória, promovendo, para isso,

algumas reuniões. O Conselho Consultivo do IPHAN realizou uma reunião

extraordinária para tratar deste caso em 24 de junho de 2004, no Rio de Janeiro. Já

em 08 de julho, foi realizada uma outra reunião na sede da 7ª SR do IPHAN31, na

qual ficou decidido que o tombamento provisório não seria retirado até que uma

forma de preservação fosse encaminhada pelos governos estadual ou municipal,

porém isso deveria ocorrer o mais rápido possível pois havia uma data limite para

publicação do arquivamento (WEISNTEIN, 09 jul 2004). Neste mesmo dia houve

31 Estavam presentes nesta reunião representantes do IPAC e da Secretaria de Planejamento do Município, os conselheiros Nestor Goulart Reis Filho (MA) e Luiz Phelipe de Carvalho Castro Andrés (SP), o presidente do IPHAN Augusto Arantes Neto, a arquiteta da 7ª SR Rita Monteiro, o futuro superintendente da 7ª SR Eugênio da Ávila Lins, a conselheira estadual de cultura Adriana Castro e o diretor do SINARQ Carlos Ubiratan.

Page 134: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

133

uma reunião na sede da Procuradoria Regional do Trabalho32, na Vitória, quando foi

instalado um Fórum Permanente de Defesa do Patrimônio da Vitória (idem).

Poucas foram as providências que o Estado tomou. Segundo os jornais, o

Conselho Estadual apenas reservou parte de uma reunião realizada no mês de julho

para discutir o caso. No IPAC, o diretor Júlio Braga anunciou que iniciaria estudos

para um tombamento estadual, assim que o IPHAN encaminhasse os arquivos do

processo e solicitou ao presidente deste órgão que estendesse o prazo do

tombamento provisório por mais uma semana (WEINSTEIN, 23 jul. 2004). Como se

este tempo fosse suficiente para que efetivassem medidas de preservação. Em 29

de julho, uma outra reportagem anunciava que o IPAC ainda aguardava a

documentação do processo de tombamento. Era uma forma de ganhar tempo para

não demonstrar, neste momento em que a preservação da Vitória ainda estava na

mídia, a falta de interesse com o caso.

Já o prefeito foi obrigado a tomar importantes decisões, devido às

solicitações de alvarás de construção que se encontravam na SUCOM. Até julho de

2004, havia os seguintes processos em andamento: o de nº 29458/2004 referente à

construção de um edifício no lugar da Mansão de Verena Wildberger (Largo da

Vitória, nº 04); o de nº 24 485/2004 referente a construção de um edifício atrás da

antiga mansão do jornalista Jorge Calmon (Av. Sete de Setembro, nº 2172; e mais

um processo referente a construção do edifício Mansão Phileto Sobrinho, no lugar

da antiga residência da família Baggi (Av. Sete de Setembro, nº 2410). Em outubro,

foi solicitado à SUCOM a demolição do Hotel Caramuru (Av. Sete de Setembro, nº

2125) que também havia sido tombado provisoriamente pelo IPHAN em 2003.

32 Estavam presentes: o diretor do IAB-BA Daniel Colina, Armando Brando do SINARQ, a arquiteta Arilda Cardoso, Pedro Ricardo (do Grupo Ambientalista Gambá), Léo Ornelas (representante dos moradores da Gamboa), representantes do Diretório Acadêmico da UFBA (DCE) e o vereador do PT Gilmar Santiago que levou o caso ao MP Federal e Estadual.

Page 135: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

134

Dos pedidos de alvarás solicitados, o que gerou mais polêmica foi a

construção de um edifício no local da Mansão de Verena Wildberger. Este

empreendimento foi o único que a prefeitura se colocou contra, fazendo declarações

que a construção de um edifício neste local tiraria a ambiência da Igreja de Nossa

Senhora da Vitória, como admitiu a superintendente da SUCOM Eliana Gesteira.

Além disso, o projeto do edifício de trinta e nove pavimentos avançava sobre a área

não edificante da encosta, conforme afirmou Gesteira em entrevista ao jornal

(WEINSTEIN, 23 jul. 2004).

O prefeito Antonio Imbassahy chegou a valer-se do poder discricionário33

previsto pelo Direito Administrativo, para dar ordem à superintendente da SUCOM,

em 22 de julho de 2004, para não liberar o alvará de construção deste edifício. Uma

semana depois, o Ministério Público abriu um inquérito civil para investigar esta

situação.

Nos últimos dias do governo de Imbassahy, em dezembro de 2004, a

SUCOM liberou todos os pedidos de alvarás de construção e demolições para a

Vitória, exceto para o edifício no local da Mansão Wildberger. Com isso, a Liwil

Construções e Empreendimentos, proprietária do imóvel, através da justiça, solicitou

que seu alvará de construções fosse liberado. O desenrolar deste fato será tratado

mais adiante nesta dissertação.

Com a mudança de governo, o novo prefeito João Henrique, que assumiu

em 1º de janeiro de 2005, passou a ser pressionado a tomar providências para

preservação da Vitória. Esse foi o motivo que o levou a assinar um decreto

suspendendo a aplicação da TRANSCON para o Corredor da Vitória e Ladeira da

Barra, em fevereiro de 2005 (Decreto-lei nº 15 527/2005).

33 Segundo o procurador-geral do município, Graciliano Bomfim, o poder discricionário baseia-se “no exame da conveniência e oportunidade do gestor de praticar determinado ato” (WEINSTEIN, 23 jul. 2004).

Page 136: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

135

Entretanto, nenhuma outra medida foi tomada durante todo o ano de

2005. Diante da falta de maiores providências do Estado e do Município, pois não

havia notícias do andamento do processo de tombamento estadual, nem a prefeitura

havia tomado outras providências, além da suspensão da TRANSCON para esta

área, o Ministério Público Estadual convocou representantes dos dois governos para

uma reunião, ocorrida em dezembro, para prestarem esclarecimentos sobre a

situação.

O jornal A TARDE continuava a publicar reportagens em pró da

preservação do Corredor da Vitória. Numa delas a promotora Ana Luzia Santana, da

5ª Promotoria do Meio Ambiente, sugeria que o novo prefeito poderia suspender os

alvarás concedidos para poder apurar, estudar e investigar as condições em que

foram liberados, mas para isso era necessário um parecer atestando a importância

do patrimônio em questão, emitido por um Conselho de Cultura da Prefeitura, o que

não existia. Segundo ela, outra forma de fundamentar a preservação seria a

aplicação da Lei Orgânica. Na mesma reportagem, foi publicado que o prefeito

estaria providenciando a formação do Conselho de Cultura Municipal com base na

Lei nº 4 373/1991, e que já havia, inclusive, realizado reuniões referentes a este

assunto (WEINSTEIN, 28 jan 2006). Entretanto, até hoje o Conselho de Cultura da

prefeitura não foi formado.

Esta falta de atitude do Estado e do Município deixa transparecer que o

solo da cidade é gerido pelo mercado imobiliário, e não pelo interesse da população.

Isso ocorre não só em Salvador, com também em outras cidades brasileiras e até

em outros países, como constatado por Roberto Segre, de Havana:

[...] Quem planeja e realiza a cidade atual? São os especuladores, empresários, incorporadores, engenheiros, proprietários de terra – [...] – e os desamparados. Resta pouco espaço para o Estado e para os urbanistas e projetistas que representam a vanguarda do saber profissional (SEGRE, 1992, p.102).

Page 137: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

136

É com esta citação que finalizamos aqui um capítulo da história de

Salvador referente às discussões em torno do tombamento do Corredor da Vitória.

Todos os pedidos de alvarás de construção feitos à prefeitura, como visto

anteriormente, foram liberados pela SUCOM, exceto a solicitação de licença para

construção de um edifício no local da Mansão Wildberger. Sentindo-se prejudicados,

os interessados em promover o empreendimento tentaram de todas as formas

transformar o projeto em realidade. Com arquivamento do processo, a aprovação

deste empreendimento passou a se vincular com um processo de tombamento

aberto em 2005, cujo objeto era a Igreja da Vitória.

Este caso, ainda sem solução definitiva será apresentado a seguir.

Page 138: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

137

4.4 O tombamento da Igreja da Vitória e a Mansão Wi ldberger.

De todas as solicitações para construções realizadas desde o início do

processo de tombamento do IPHAN dentro do “Conjunto Arquitetônico do Corredor

da Vitória”, a única que estranhamente não foi liberada pela prefeitura foi o projeto

para um edifício localizado no local da Mansão Wildberger, no Largo da Vitória. O

primeiro projeto, enviado pela Liwil Construções e Empreendimentos Ltda,

proprietária da mansão, para aprovação da SUCOM, foi realizado ainda em 2002,

antes da notificação de tombamento da casa. O projeto se referia à construção de

duas torres gêmeas com a demolição da casa existente. Com este projeto do

arquiteto Fernando Frank foi dada abertura no processo nº 78/2002 da SUCOM.

Após realizada a notificação de tombamento em junho de 2003, foi

solicitada aprovação de um novo projeto ao IPHAN, constando de duas torres e

mantendo a antiga residência no local, uma fórmula aplicada no Corredor da Vitória

desde a década de 90. Ao ser analisado, a presidente do órgão, Maria Elisa Costa,

recomendou que as duas torres fossem reunidas numa só e que sua implantação

seguisse o alinhamento dos outros edifícios, de forma que o fundo da igreja ficasse

livre. Além disso, foram recomendadas a demolição da mansão e a construção de

um mirante de uso público.

A presidente do IPHAN nacional, Maria Elisa Costa, colocando na balança o que representaria um maior benefício para a cidade e sua população, achou por bem recomendar a demolição da casa e a construção no seu lugar de uma praça e um mirante com vista de 180º para a Baía de Todos os Santos. Do seu ponto de vista, aquele terreno era a ultima oportunidade de se abrir uma janela para o mar, coisa que, por incrível que pareça, não existe ao longo de toda a Avenida Sete de Setembro. Quanto ao prédio, sua implantação passou a ser ao lado da igreja, no mesmo alinhamento dos demais prédios daquela parte do Corredor da Vitória, permitindo, desta forma, que pela primeira vez em 200 anos, a Igreja da Vitória pudesse ser vista do mar. Assim, a demolição da casa transforma em área de uso e gozo públicos para todos os cidadãos de todas as classes sociais, algo que dona de uma das vistas mais lindas do país, foi durante sessenta anos privilégio de uma só família (Ricardo Wildberger, depoimento em 12/02/ 2008).

Page 139: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

138

Com este projeto foi dada abertura ao processo na SUCOM de nº

29458/2004 e enviado um requerimento ao presidente do IPHAN solicitando

aprovação do projeto (MRM..., 13 maio 2004). Porém, mesmo após o arquivamento

do processo de tombamento, o alvará de construção não foi liberado.

Diante deste fato, a Liwil Construções e Empreendimentos entrou na

justiça solicitando a liberação do alvará de construções. O juiz da Oitava Vara da

Fazenda Pública Ruy Eduardo Almeida Britto, atendendo a solicitação da empresa,

chegou a estipular o prazo de cinco dias (até o dia 07 de janeiro de 2005) para que

fosse expedido o referido alvará. Um dia antes de terminar o prazo, a SUCOM

enviou ao juiz um pedido de reconsideração da liminar por ele expedida. Mas o juiz

manteve, por meio de mandato de segurança, a determinação de obrigar a prefeitura

a emitir o alvará de construção, estendendo o prazo para 10 dias. O prefeito João

Henrique, em resposta a este ato, recorreu ao Tribunal de Justiça.

Ao mesmo tempo em que a Liwil solicitava a liberação de seu

empreendimento na justiça, a 7ª SR do IPHAN instruía um processo para

tombamento da Igreja da Vitória, enviado ao presidente do mesmo órgão em junho

de 2005 (WEINSTEIN, 02 fev.2006). Caso a igreja fosse tombada, o projeto para o

edifício teria que ter aprovação do IPHAN, pois estaria localizado na vizinhança de

um edifício tombado.

Em 23 de dezembro do mesmo ano, o pedido de tombamento foi deferido

e encaminhada a notificação à paróquia e ao prefeito. Segundo o processo, o motivo

do tombamento da igreja se justificou por “ser um dos primeiros oráculos católicos

no Brasil Colonial, além de se constituir em um relevante exemplar para a história da

arte dos séculos XVIII e XIX [...]”. Quanto à área de entorno de proteção visual do

objeto tombado, a repórter Mary Weinstein comentou que desta vez tinha sido

Page 140: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

139

definida claramente pelo IPHAN, ao contrário do ocorrido com o processo de

tombamento do Corredor da Vitória.

Esta área se estende sobre a encosta correspondente aos fundos da igreja; sobre o Largo da Vitória até a Avenida Sete de Setembro; e sobre a margem direita do topo da Ladeira da Barra, até o antigo Hotel Colonial, onde hoje funciona a Aliança Francesa, cujo prédio já era tombado pelo próprio IPHAN (idem).

O jornal Tribuna da Bahia, que durante todo o processo de tombamento

do Corredor da Vitória não havia se pronunciado, no segundo semestre de 2006

passou a publicar reportagens, mostrando-se contrário tanto ao processo de

tombamento arquivado quanto ao tombamento da igreja. Baseado nas notícias

sobre o embargo do IPHAN, realizado em agosto de 2006, de obras iniciadas pela

SET e autorizadas pela SUCOM para ordenamento do tráfego no Largo da Vitória,

este jornal comentou que o tombamento da igreja era despropositado e irregular.

Como justificativa, apresentou que os “puxadinhos” erguidos pela igreja terminaram

por desfigurar completamente as feições do templo.

O jornal também mostrou um relato do arcebispo Primaz do Brasil, Dom

Geraldo Magela Agnelo, expressando a preocupação do tombamento não

comprometer a dinâmica da igreja:

[...] o ato de tombamento não pode resultar em engessamento do uso e criteriosa adaptação do imóvel às suas finalidades, é o caso da igreja destinada ao culto litúrgico e à dinâmica das celebrações. [...] [...] há em muitos edifícios já tombados, móveis, equipamentos e acervo que não integram a concepção original do espaço e que, no decorrer do tempo, foram se fazendo necessários. Tais peças não há porque serem tombadas, já que poderão ser, reformadas, adaptadas, excluídas (IPHAN QUER..., 18 out. 2006).

Por que só neste momento este jornal havia tomado uma posição, depois

de permanecer completamente omisso durante todo o tempo do processo de

tombamento do Corredor da Vitória?

Mesmo com o tombamento da Igreja da Vitória, a empresa Liwil

Construções e Empreendimentos continuou a buscar, através da justiça, a

Page 141: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

140

aprovação do seu projeto. Foram dados entrada em dois mandados de segurança:

um de nº 5.96.743-1/2004 que tramitou na 8ª Vara da Fazenda Pública da Comarca

de Salvador, tendo como impetrado o Superintendente da SUCOM, pelo

indeferimento da licença de construção e demolição, e outro de nº

2006.34.00.007.763-6 que estava em tramitação na 17ª Vara da Seção Judiciária do

Distrito Federal, contra o IPHAN, objetivando a participação do processo de

tombamento com base no direito de propriedade. Alegando cumprir a ordem judicial

proferida nos autos de ação de mandado de segurança nº 5.96.743-1/2004, a

SUCOM expediu o alvará de construção nº 13491 no dia 23 de janeiro de 2007, e

logo em seguida, no dia 26, expediu o alvará de demolições nº 2838, ambos sem a

autorização do IPHAN.

O Ministério Público Federal da Bahia (MPF/BA) anteriormente havia

tentado intervir na não liberação do alvará, recomendando à SUCOM, no final de

2006, a prévia participação do IPHAN no processo administrativo em curso no órgão.

Com a liberação do alvará de construções, o MPF/BA expediu uma recomendação a

Liwil para que não demolisse “o casarão histórico sem a autorização do IPHAN”

(PIMENTEL, 29 jan. 2007). No mesmo dia da liberação do alvará de demolições, o

MPF/BA e o IPHAN entraram com um pedido de liminar por meio de ação civil

pública nº 2007.33.000.900-4 para impedir a demolição.

Entretanto, no domingo, 28 de janeiro de 2007, a Liwil iniciou uma

surpreendente demolição da casa, com todos os móveis e ainda os materiais das

empresas que promoveram uma festa na noite anterior, pois algumas áreas da

mansão eram freqüentemente alugadas para servir como salão de eventos, com a

finalidade de arrecadar dinheiro para sua manutenção. Os trabalhos só foram

interrompidos devido ao barulho que ultrapassava os valores permitidos aos

Page 142: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

141

domingos. A esta altura, setenta por cento da casa já havia sido demolida. No

mesmo dia, o superintendente substituto do IPHAN Leonardo Falangola,

providenciou um embargo extrajudicial emitido pelo órgão (AMORIM, 29 jan. 2007).

FIGURA 39: Mansão dos Wildberger: o que restou após a demolição de 28 de janeiro de 2007. Foto: Luciana Guerra. Em 10/04/07.

No dia 29 de janeiro de 2007 o juiz Pedro Braga Filho da 1ª Vara da

Justiça Federal aprovou o pedido de liminar realizado pelo MPF/BA e IPHAN, e

determinou que a empresa Liwil Construções e Empreendimentos Ltda suspendesse

a destruição do imóvel. Caso a empresa não acatasse a decisão, seria multada em

13 milhões de reais e caso edificasse no local, seria aplicada uma multa de 50 mil

reais por dia.

O advogado da Liwil, Hélio Menezes, alegava que o embargo do IPHAN

estaria contrariando duas decisões judiciais: uma estadual e outra municipal, pois

uma sentença da 17ª Vara da Justiça Federal impedia que o IPHAN criasse qualquer

limitação ao “livre uso do direito de propriedade” da empresa (AMORIM, 29 jan.

2007).

O advogado também acreditava que não era necessária a aprovação do

IPHAN, pois interpretava o Decreto-lei nº 25/1937 da seguinte forma: apenas seria

Page 143: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

142

necessário o prévio estudo e aprovação do IPHAN nos limites de um bem tombado

caso a nova construção impeça ou reduza a visibilidade do bem ou sejam colocados

anúncios e cartazes. “A lei não fala de demolição”, afirmou o advogado na entrevista

(REBOUÇAS, 30 jan. 2007).

Em resposta à fala do advogado Hélio Menezes, o juiz Pedro Braga Filho

repetiu as palavras que o juiz Federal Gláucio Maciel Gonçalves usou numa ação a

respeito da construção de um ginásio poliesportivo na cidade de Mariana/MG,

1. O alcance da norma prevista no art. 18 do Decreto-lei 25/1937 é realmente bem mais abrangente do que o mero significado literal das expressões “impedir” e “reduzir” nela constantes, devendo ser entendido como a própria incompatibilidade entre a obra pretendida e a ambiência do bem tombado. Busca-se com a proteção do entorno harmonizar as construções modernas com o espaço urbano no qual se insere o monumento objeto de proteção especial, evitando-se qualquer tipo de obra que, pelo seu estilo ou característica, promova a quebra do equilíbrio do conjunto arquitetônico. 2. A norma pretende resguardar a própria atmosfera ambiental e urbana que imprime sentido ao bem tombado, delimitando critérios que evitem a descaracterização não só de monumento em si, mas igualmente daquelas construções que originalmente fizeram ou ainda fazem parte do contexto do seu surgimento (BRAGA FILHO, 2007).

Braga Filho afirmava que a demolição da mansão não estava excluída da

autorização do IPHAN “pois trata-se de demolição como primeira etapa do

procedimento de construção de empreendimento imobiliário.”

A forma como os alvarás foram expedidos pela SUCOM geraram muita

polêmica, colocando em dúvida a competência do órgão. A juíza Aidê Ouais da 8ª

Vara afirmou que a sentença não obrigava a prefeitura a liberar o alvará. Pedia para

que reapreciasse o projeto e desde que atendidas as exigências da lei atinentes à

espécie, deferisse o alvará. (REBOUÇAS, 30 jan. 2007).

O Mandado de Segurança nº 596743-1/2004 dizia que fosse:

[...] deferida medida liminar que suspenda o ato impugnado (que consiste no indeferimento da concessão da licença para construção), ordenando-se à i. Autoridade Coatora que expeça em cinco dias, a pleiteada licença de construção nos moldes constantes do Projeto Arquitetônico que instrui a presente, observada a legislação específica vigente ao tempo em que requerida. [...]

Page 144: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

143

E determina que

[...] a autoridade impetrada reaprecie o referido pedido, voltado para o projeto reformulado e desde que atendidas as exigências da lei atinente à espécie, defira o alvará (BRASIL, 2007).

A juíza encaminhou o processo ao Tribunal de Justiça devido a

precipitação da demolição. Já o MPF/BA enviou ofício ao IPHAN questionando as

razões que levaram ao protelamento da análise do projeto reformulado para

concessão do alvará de demolição/construção e outro à SUCOM para esclarecer os

motivos da expedição dos alvarás.

Em resposta ao MPF, a regional do IPHAN encaminhou um ofício (nº

0260/07) comentando todas as análises que efetuou do empreendimento. De março

de 2002 até o final de 2003 foram avaliados dois projetos solicitados pela Liwil.

Entretanto estes não foram aprovados devido ao processo de tombamento do

Corredor da Vitória, que ainda estava em andamento. Em 02 de junho de 2006 a

Liwil enviou um ofício ao IPHAN solicitando a análise de um projeto constando de

uma torre de 35 pavimentos e deu a opção de três estudos de implantação: no

primeiro, o edifício seria implantado no fundo da igreja, haveria a demolição da

mansão e a construção de uma praça pública; no segundo, o edifício estaria

alinhado aos outros edifícios existentes do Largo, e haveria também a demolição da

mansão e a construção da praça pública; no terceiro, o edifício estaria alinhado aos

outros edifícios existentes do Largo, a mansão seria mantida e não haveria a

construção da praça pública. Ainda sem ter a resposta do IPHAN, o arquiteto

Fernando Frank, em 25 de agosto de 2006, enviou novamente um projeto mantendo

a mansão e solicitou posicionamento do órgão. A resposta do IPHAN veio através de

ofício enviado em 28 de novembro do mesmo ano, apontando como proposta mais

Page 145: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

144

viável a que mantinha a mansão. Após esta data não foram reapresentados outros

projetos no órgão para o local referido.

O superintendente da 7ª SR, Eugênio de Ávila Lins, em nota oficial,

afirmou que a SUCOM não havia dado conhecimento ao IPHAN do mandado de

segurança nº 596743-1/2004. Em 24 de janeiro de 2007, o superintendente da

SUCOM enviou um ofício ao IPHAN apenas comunicando a emissão do Alvará de

Construção nº 13491 para o empreendimento em questão, constando observação

quanto ao parecer contrário deste órgão à demolição da mansão (LINS, 02 fev.

2007).

Já a SUCOM defendeu-se apresentando um AGRAVO RETIDO à 8ª Vara

de Fazenda Pública de Salvador/BA, afirmando ter tentado advertir a juíza sobre o

tombamento provisório.

É preciso ainda registrar que o direito de construir exercido pela Liwil, garantido pela decisão judicial de mérito, que não guarda efeito suspensivo, de acordo com a melhor doutrina e com a jurisprudência dominante, especialmente a do Supremo Tribunal Federal, surge com a expedição do alvará de construção. De posse deste tem o empreendedor o direito adquirido de edificar em seu terreno o projeto aprovado em todos os detalhes. Ora, V. Ex.ª na referida sentença de mérito afastou da análise do projeto a questão do tombamento, aí incluindo a demolição da mansão na forma do projeto aprovado (MOTA, 22 fev. 2007).

Segundo a SUCOM, os elementos que faltavam para expedição do alvará

foram providenciados pela Liwil no dia 26 de janeiro. Em relação ao projeto

mantendo a mansão, relatado no ofício do IPHAN, respondeu que este nunca foi

apresentado para análise naquela superintendência.

O ofício em resposta ao MPF foi enviado apenas em 16 de maio, depois

do MPF ter solicitado, mais uma vez, as informações. Além do que foi apresentado

no documento enviado à juíza, a SUCOM defendeu que não havia invasão da área

non aedificandi, pois considerava que a área já estava edificada pela mansão.

Page 146: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

145

As afirmações da SUCOM se contradizem ao que foi apurado pelo CREA-

BA. Após realização de reuniões com o superintendente da 7ª SR do IPHAN

Eugênio de Ávila Lins, e o superintendente da SUCOM Paulo Meireles, a Câmara

Especializada de Arquitetura (CEARQ) realizou o cruzamento entre as informações e

as condicionantes previstas na legislação urbanística e ambiental.

A Câmara verificou uma série de impedimentos legais: o empreendimento

situa-se em área “Non Aedificandi”, inserido na zona 02 ANE e de Proteção Cultural

e Paisagísitica (APCP) conforme Lei nº 6586/04; suspensão da TRANSCON ao

longo do Corredor da Vitória e do Largo pelo Decreto-lei nº 15527/2005; desrespeito

à recomendação nº 001/2003 por parte dos Ministérios Públicos Federal e Estadual

em relação aos licenciamentos na encosta da Vitória, na faixa de proteção 02 ANE;

parecer do Escritório Técnico e Licenciamento e Fiscalização (ETELF), contrário à

demolição da edificação; o Decreto-lei Federal nº 25/1937, que determina no artigo

18 a prévia autorização do IPHAN na construção da vizinhança da coisa tombada; e

falta de registro da empresa Liwil – Construções e Empreendimentos Ltda no CREA-

BA, que impede sua atuação no âmbito da Engenharia e Arquitetura. O CEARQ

questionou ainda a intervenção proposta para a Praça Rodrigues Lima, onde se

situa a Igreja de Nossa Senhora da Vitória, requalificando-a para fins de

estacionamento (A LEI ..., 2007).

Na última semana de fevereiro o CREA encaminhou o Parecer Técnico nº

001/2007 à Prefeitura de Salvador, aos Ministérios Público Federal e Estadual, ao

IPAC e ao IPHAN, contendo a análise cronológica apurada dos fatos a partir de

aspectos como caracterização do imóvel, restrições legais e tramitação do processo

e concluiu que, independentemente do valor histórico ou não da mansão, o processo

de tramitação na prefeitura e a conseqüente demolição foram equivocadas (idem).

Page 147: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

146

Uma entrevista publicada no jornal “A Tarde” com a então Secretária de

Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Município de Salvador,

Kátia Carmelo, dá indícios de como o projeto foi avaliado pela SUCOM para que

fosse liberado com todos estes impedimentos levantados pelo CREA. Segundo a

secretária, como a justiça cancelou o indeferimento da SUCOM em julho de 2004, foi

de acordo com as leis que vigoravam nesta data que o projeto estava sendo

analisado. Desta forma, não estavam sendo considerados a suspensão da

TRANSCON nem o tombamento da Igreja da Vitória. Mas o projeto que estava

sendo analisado foi protocolado em julho de 2006, justificado, pela secretária, que a

Justiça incorporou este projeto e solicitou que fosse analisado. Ao final da entrevista,

a secretária afirmou que considerava o empreendimento “um ganho para o município

de Salvador” (SECRETÁRIA..., 18 dez. 2006).

Na verdade, o projeto havia modificado para atender algumas exigências

da SUCOM, transformando o edifício em um apartamento por andar e, diminuindo

assim, o impacto que este teria no trânsito do local. Trânsito este que já era bastante

perturbado pelo movimento gerado pelas festas que havia na mansão. O último

projeto contempla sete vagas de garagem por apartamento e mais estacionamento

para visitantes. Além disso, o empreendimento ocupa apenas 9,5% do terreno de

12000m2 , ficando o restante do terreno destinado a área verde.34

No dia 06 de fevereiro de 2007 o MPF/BA e o IPHAN propuseram nova

ação civil pública (nº 2007.33.00.0011407-1) visando proteger o entorno da Igreja de

Nossa Senhora da Vitória e reparar os danos causados pela demolição da Mansão

Wildberger. Eles pediam a anulação definitiva dos dois referidos alvarás da SUCOM

e que a Liwil fosse condenada a reconstruir a mansão parcialmente demolida de

34 Conforme depoimento de Ricardo Wildberger.

Page 148: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

147

acordo com as especificações do IPHAN. Além disso pediam que a empresa

reparasse os danos morais causados ao patrimônio histórico e cultural, mediante

pagamento de um valor estipulado pela Justiça e, por fim, que a empresa pagasse

uma multa equivalente a 50% do valor do imóvel, avaliado em 13 milhões de reais. A

multa está prevista pelo art.18 do Decreto-lei 25/37, que trata da proteção do

patrimônio histórico e artístico nacional (PIMENTEL, 08 fev. 2007).

No dia seguinte, o juiz Pedro Braga Filho da 1ª Vara da Justiça Federal na

Bahia, suspendeu os efeitos dos alvarás de construção e de demolição emitidos pela

SUCOM, atendendo integralmente o pedido de liminar do MPF/BA e do IPHAN do

dia 26 de janeiro de 2007. A ação civil pública do dia 06 ainda não havia sido julgada

pela justiça.

Várias foram as manifestações em notas nos jornais repudiando a forma

como ocorreu a demolição da Mansão Wildberger. Uns culpavam a SUCOM, outros

o judiciário baiano pelos fatos ocorridos. Dimitri Ganzelevitch, presidente da

Associação Cultural Viva Salvador, chegou a comparar a demolição da mansão com

a polêmica derrubada da igreja da Sé (GANZELEVITCH, 30 jan. 2007). O

monumento que remontava ao tempo da implantação da cidade foi alvo de

destruição num tempo em que a mentalidade de promover o progresso dominava o

país.

As atitudes do início do século XXI são muito parecidas com as atitudes

do final do século XIX, que tentavam dar a cidade um aspecto semelhante às

grandes cidades européias da época. “Hoje o objetivo é tornar Salvador uma cidade

igual a tantas outras: uma paisagem de espigões debruçados sobre o mar”

(SAMPAIO, 15 fev. 2007). O professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA

Heliodório Sampaio, alegou que a demolição da mansão se deve ao fato de

Page 149: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

148

Salvador ter se transformado numa “cidade-mercadoria”, não havendo um único

culpado.

Em entrevista, Monsenhor Sadock35, pároco da igreja desde 1968,

também se mostrou contrário à demolição da mansão e afirmou que a construção do

edifício “desequilibra a história” da igreja. A construção do edifício “pode até ficar

mais bonita esteticamente, mas culturalmente, não. Mais uma vez a cultura fica em

segundo lugar, no chamado desenvolvimento”, é a opinião do monsenhor.

Por outro lado, há quem diga ser um erro impedir a construção do edifício.

Lina Machado36, que faz parte da Associação de Moradores (ASCAVI) há

aproximadamente 10 anos, acredita que a construção do edifício no local da Mansão

Wildberger, irá beneficiar a população com a construção da praça, e que este não

trará malefícios à Mata Atlântica da encosta.

FIGURA 40: Vista da Baía de Todos os Santos mostrando os edifícios do Corredor da Vitória. (BRITO, 2007)

Este caso envolvendo uma disputa entre proprietários e o poder público a

fim de promover a venda do terreno de alto valor imobiliário não é uma novidade no

35 Depoimento concedido em 10/01/2008. 36 Depoimento concedido em 10/01/2008.

Page 150: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

149

país. Um caso emblemático, envolvendo esta disputa de forças pelos direitos de

propriedade ocorreu em São Paulo, com a propriedade da família Matarazzo na

Avenida Paulista, na década de 90.

A Mansão Matarazzo, como era conhecida, foi tombada em 16 de março

de 1990 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico Cultural e

Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), por unanimidade de votos. A

família não desejava o tombamento da mansão, pois tinha interesse em vendê-la

(SAMPAIO, 2008).

Da mesma forma que as mansões da Vitória eram questionadas sobre o

seu valor arquitetônico, os especialistas alegavam que a Mansão Matarazzo não

possuía um estilo próprio, pois foi projetada por vários arquitetos durante o longo

período em que foi construída (1896-1941). A mansão era considerada um corpo

estranho na Avenida Paulista, já considerada caracterizada por arranha-céus (idem).

Para possibilitar a demolição da mansão tombada, foi promovida a

escavação das colunas de sustentação para forjar um desabamento, ocorrido em

janeiro de 1996. Com isto, a família foi condenada a reconstruir ou demolir a

mansão. Em meados de fevereiro a mansão já estava completamente demolida

(PASSADO..., 2005).

A derrubada da Mansão Matarazzo ocorreu com a conveniência do poder

público, já que na gestão de Paulo Maluf (1993-1996), uma medida judicial

suspendeu os efeitos do tombamento.

Percebe-se as seguintes semelhanças entre os dois casos, o da Mansão

Wildberger e o da Mansão Matarazzo: processos de tombamento realizados quando

a paisagem já havia sido intensamente modificada pela verticalização; proprietários

contrários ao tombamento, sentindo-se financeiramente prejudicados; e atitudes

Page 151: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

150

extremas para possibilitar a venda da propriedade. Entretanto, a anuência do poder

público, que pôde ser vista tanto no caso da Mansão Matarazzo quanto na liberação

de alvarás de diversos empreendimentos no Corredor da Vitória, não ocorreu no

caso da Mansão Wildberger. E ao contrário do que se viu com o processo de

tombamento do “Conjunto Arquitetônico do Corredor da Vitória”, o IPHAN, desta vez

se comporta com uma incrível obstinação para evitar a construção do provável

último edifício nesta encosta.

Page 152: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

151

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 153: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

152

O estudo dos fatos ocorridos no Corredor da Vitória a partir de meados do

século XX – a verticalização com a destruição gradativa das mansões; a anuência

da legislação, liberando inclusive o gabarito no local; a construção de edifícios atrás

das casas; o processo de tombamento do IPHAN; e a omissão dos órgãos estaduais

em relação ao caso – levou à determinação dos valores que são atribuídos ao local

pelos diversos atores que participaram direta ou indiretamente desta parte da

história da cidade.

Tem-se de um lado aqueles que atribuem à Vitória valores de

modernização – Prefeitura, Estado, mercado imobiliário –, não concordando em

conter a construção de edifícios no local; aqueles que atribuem valores de

conservação – alguns intelectuais e algumas representações de classe –,

procurando medidas de salvaguardar as mansões remanescentes da área; e alguns

proprietários que tentam conciliar os valores de modernização com os valores de

conservação, obrigando os novos compradores a manutenção de suas casas

externamente, ou seja, apenas de suas fachadas, podendo ser modificado todo o

seu interior.

Com esta nova exigência, empresários do mercado imobiliário trataram de

buscar condições de transformar a manutenção das casas em mais uma peça de

marketing na venda dos apartamentos. Estes novos empreendimentos passaram a

ser retratados como conciliadores do presente e do passado, aliando o conforto da

modernidade sem apagar o registro da história do bairro. Mas pôde-se ver que esta

prática é bastante discutível em se tratando da preservação da morfologia urbana.

Page 154: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

153

Os antigos proprietários que exigiram a manutenção de suas casas foram

movidos por razões pessoais, pelas lembranças que estas representam às suas

famílias. Talvez o único proprietário que vislumbrava garantir à sociedade o direito

de desfrutar de parte da história da cidade seja representado pelo Instituto Carlos

Costa Pinto, pois este, desde o início da década de 80, procurou realizar eventos

buscando conscientizar a população da importância histórica do local.

Esta pesquisa pôde mostrar os valores de quase todos que estiveram

envolvidos com o Corredor da Vitória nos últimos cinqüenta anos, exceto os

moradores do bairro, que praticamente não se pronunciaram ou não foram

procurados para dar a sua opinião. Qual seria a posição deles em relação às

mansões que ainda existem na Vitória? Que valores eles atribuem ao local? Para

tentar responder a estas perguntas foram realizadas entrevistas semi-estruturadas

com alguns moradores do bairro, que levaram a algumas conclusões.

Apesar de alguns jornais da década de 80 fazerem comentários sobre o

“charme do local” devido à presença das mansões da elite do início do século, os

moradores sempre mostraram mais interesse na vista para a Baía de Todos os

Santos ou na posição estratégica do bairro, que consegue conciliar proximidade com

o trabalho, escolas e lazer. Não foi demonstrada muita preocupação com a

demolição das casas de estilo eclético.

Somente após a exigência de alguns antigos proprietários em manter as

casas foi que alguns moradores passaram a considerar a manutenção das mansões

como uma possibilidade, reconhecendo os valores históricos das mesmas, mas

nunca pensando em impedir a construção de novos edifícios. Como a manutenção

das casas na frente dos edifícios, representou, para estes moradores, uma excelente

Page 155: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

154

solução, a demolição das casas passou a ser um absurdo para eles, como por

exemplo o caso da Mansão Wildberger.

Por outro lado, há aqueles que não consideram válida a manutenção das

casas na frente dos edifícios para a população em geral, apenas para quem

conhecia as residências com mais intimidade. Sendo assim, no caso das casas que

foram mantidas nestas condições, apenas o antigo colégio Sophia Costa Pinto seria

representativo para um maior número de pessoas, sendo que a manutenção das

outras casas seria válida apenas para os familiares dos antigos moradores.

Outros acreditavam que as casas devem ser mantidas se forem

“provados” os valores históricos e artísticos do local. Mas como provar um valor, se

este representa, citando Heller novamente, a “expressão resultante de relações e

situações sociais”? (HELLER, 2004, p.5) Desta forma, fica claro que, para grande

parte dos moradores do bairro, as mansões não apresentam nenhum valor. Não há

preocupação quanto à altura das edificações nem nos seus impactos. Também não

há preocupação com a área verde da encosta, visto que, poucos são os que têm

acesso a esta. Não há preocupação com a cidade, e sim, com o conforto individual.

As análises contidas nesta pesquisa, junto com as entrevistas realizadas,

levaram à constatação de uma sociedade dominada pela ideologia do mercado

imobiliário, que passou a reger a cidade a partir da década de 70. Enquanto no início

do século XX a população era movida pela ideologia do progresso, um século

depois, é a lógica do mercado imobiliário que domina as intervenções na cidade. E

enquanto isso ocorrer, não haverá espaço para que os valores de conservação

possam realmente ser absorvidos pela população. E muito menos condições para se

discutir as intervenções que são realizadas na cidade, como pôde ser constatado

com a falta de amadurecimento das opiniões no caso do Palácio Thomé de Souza.

Page 156: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

155

O estudo do processo de tombamento do Corredor da Vitória também

levou à constatação da dificuldade de valorização do ecletismo pelos órgãos

responsáveis pela preservação do patrimônio cultural, representando uma constante

que ainda prevalece nos dias atuais. A falta de uma política de preservação dos

remanescentes deste estilo tem levado ao quase completo desaparecimento destes

exemplares arquitetônicos em todo o país, provocando uma lacuna na nossa

história.

Page 157: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

156

REFERÊNCIAS

Page 158: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

157

ALMEIDA, Maria do Carmo Baltar Estany de. A Victória na Renascença Bahiana a ocupação do distrito e sua arquitetura na Primeira República (1890-1930). 1997. 294 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, Salvador. ARAUJO, Heloísa Oliveira de. Inventário da Legislação de Salvador 1920-1966. As novas regras do jogo para o uso e o abuso do solo u rbano , 1992. Dissertação Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, Salvador. CASTRO, Maria Adriana Almeida Couto de. Introdução. In CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA. Legislação e Incentivo à Preservação do Patrimônio Cultural . Salvador: P555 Edições, 2006. CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio . Lisboa: Edições 70. DANTAS NETO, Paulo Fábio. Espelhos na Penumbra: o enigma soltepolitano . Dissertação de Mestrado: Salvador, 1996. _____. Tradição, Autocracia e Carisma : a política de Antonio Carlos Magalhães na modernização da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERG, 2006. FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo . 2 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC-IPHAN, 2005. GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda : os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/IPHAN, 2002. HELLER, Agnes. O cotidiano e a História . São Paulo: Editora Paz e Terra, 2004. MAGALDI, Cássia. O público e o privado. Propriedade e interesse cultural. In Secretaria Municipal de Cultura. Departamento do Patrimônio Histórico. O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania . São Paulo: DPH, 1992. p.21-24. MILET, Vera. A teimosia das pedras : um estudo sobre a preservação do patrimônio ambiental no Brasil. Olinda: Prefeitura de Olinda, 1998. PAOLI, Maria Célia. Memória, História e Cidadania: o direito ao passado. In Secretaria Municipal de Cultura. Departamento do Patrimônio Histórico. O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania . São Paulo: DPH, 1992. p.25-28. PATTETA, Luciano. Considerações sobre o Ecletismo na Europa. In FABRIS, Annateresa (org.). Ecletismo na Arquitetura Brasileira . São Paulo: Nobel/ EDUSP, 1987. PERES, Fernando da Rocha. Memória da Sé. Salvador: Secretaria da Indústria e Turismo do Estado, 1999. 255p. :il.

Page 159: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

158

PINHEIRO, Eloísa Petti. Europa, França e Bahia: difusão e adaptação de modelos urbanos (Paris, Rio e Salvador) . Salvador: EDUFBA, 2002. 344p. il. RIEGL, Alois. EI culto a los monumentos. Caracteres y origen . Madrid: Visor Distribuiciones, S.A, 1987. SAMPAIO, Consuelo Novaes. 50 anos de urbanização. Salvador da Bahia no século XIX . Rio de Janeiro: Versal, 2005. SAMPAIO, Antônio Heliodório Lima. Formas Urbanas: cidade real e cidade ideal contribuições ao estudo urbanístico de Salvador . Salvador: Quarteto Editora/PPG/AU, Faculdade de Arquitetura da UFBa.,1999. SANTOS, Milton. O centro da cidade do Salvador . Salvador: Progresso, 1959. SANTOS, Paulo F. Quatro séculos de arquitetura . Rio de Janeiro: Instituto dos Arquitetos Brasileiros, 1981. (Coleção IAB, 1). SEGRE, Roberto. Havana: o resgate social da memória. In Secretaria Municipal de Cultura. Departamento do Patrimônio Histórico. O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania . São Paulo: DPH, 1992. p.101-111. VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades . Tradução Maria Julia Cottvasser. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. Jurisprudência: BRASIL. Ministério Público Federal. Inquérito Civil Público nº 114.000.000.135/2007-17. Apuração de Imbrobidade Administrativa por ocasião da demolição da Mansão Wildberger, situada no entorno da Igreja Nossa Senhora da Vitória, objeto de tombamento Provisório 1528-T-05. Salvador, 2007. BRAGA FILHO, Pedro. Processo nº 2007.33.00.000900-4. Salvador: 1ª Vara da Justiça Federal/ Bahia, 2007. CASTRO JUNIOR, João Batista de. Ação Civil Pública nº 2000.32978-2. Salvador, 10 set. 2004. MOTA, Silvana Cedraz Ramos. Agravo Retido apresentado à juíza de Direito da 8ª Vara da Fazenda Pública de Salvador/BA. Salvador: SUCOM, 22 fev. 2007. In: BRASIL. Ministério Público Federal. Inquérito Civil Público nº 114000000135/200-17. Legislação: BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo . 2 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC-IPHAN, 2005. p.245-252.

Page 160: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

159

BRASIL. Leis, decretos etc. Lei nº 3660, de 08 de junho de 1978. Dispõe sobre o tombamento, pelo estado, de bens de valor cultural. Diário Oficial , Salvador, 09 jun. 1978. p.4. BRASIL. Leis, decretos etc. Decreto nº 26319, de 23 de agosto de 1978. Regulamenta a lei nº 3660 de 08 de junho de 1978, que dispõe sobre o tombamento, pelo estado, de bens de valor cultural. Diário Oficial , Salvador, 24 ago. 1978. p.2. SALVADOR. Decreto nº 5086, de 29 de dezembro de 1976. Cria uma faixa de proteção às encostas da Avenida Sete de Setembro e dá outras providências. Disponível em <http://www.seplam.salvador.ba.gov.br/legisla/legurban/D5086-76.htm>. Acesso em 07 ago. 2006 SALVADOR. Decreto nº 15.527 de 25 de fevereiro de 2005. Regulamenta os dispositivos da Lei nº 6586, de 03 de agosto de 2004, que aprova o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador – PDDU, quanto aos critérios de utilização da Transferência do Direito de Construir – TRANSCON, nas áreas que indica. Disponível em <http://www.seplam.salvador.ba.gov.br/legisla/legurban/D15527-05.htm>. Acesso em 07 ago. 2006. SALVADOR. Lei nº 3805, de 04 de novembro de 1987. Cria a transferência do direito de construir e dá outras providências. Disponível em <http://www.seplam.salvador.ba.gov.br/legisla/legurban/L3805-87.htm>. Acesso em 07 ago. 2006. Documentos pesquisados no Processo de Tombamento nº 1451-T-99 do INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO E NAC IONAL ARANTES NETO, Antonio Augusto. Ofício nº 108, 2004. In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO E NACIONAL. Processo nº 1451-T-99. v. 3. ATA da 39ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. Rio de Janeiro, 14 ago. 2003. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 3. ATA da 40ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. Rio de Janeiro, 25 set. 2003. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 3. BARROSO, Sabino Machado. Exposição. 13 ago. 2003. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 3. CASTRO, Adriana. Ofício. ICOMOS: 03 abr. 2002. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 2. CONSTRUTORA Norberto Odebrecht S.A. Carta endereçada ao superintendente da 7ª SR do IPHAN. 01 jul. 2003. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 2.

Page 161: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

160

COMPANHIA de Seguros Aliança da Bahia. Requerimento de Impugnação. 14 jul. 2003. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 2. D’EÇA, Adalgisa. Memorando 650/2002. 13 nov. 2002. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 1. ETELF. Parecer Técnico nº 0415/01. 10 jul. 2001. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 1. FALCÃO, Joaquim. Parecer. ? maio 2004. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 3. GALVÃO JUNIOR, José Leme. Memorando 121/2002. 21 jun. 2002. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 1. _____. Memorando 158/2002. 08 ago. 2002. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 1. _____. Memorando 250/2002. 22 nov. 2002. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 1. _____. Memorando 101/2003. 10 jun. 2003. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 1. INSTRUÇÃO de processo de acautelamento - Igreja Nossa Senhora da Vitória. Salvador: IPHAN, dez. 2000. In: _____. Processo nº 1451-T-99. anexo. LIWIL Construções e Empreendimentos Ltda. Requerimento de Impugnação. Salvador, 20 out. 2003. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 3. LORENZO, Manoel R. G. Ofício. Salvador: SEPLAM,10 maio 2004. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 2. MONTEIRO, Rita. Informação Técnica nº 378/99. Salvador: IPHAN, 02 ago. 1999. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v.1. _____. Instrução do Processo de Acautelamento: Residência do Universitário – RU1 – Salvador/BA. Salvador, dez. 2000. In: _____. Processo nº 1451-T-99. anexo. MRM Incorporadora Ltda. et. Al. Requerimento de Impugnação. Salvador, 13 maio 2004. In: _____. Processo nº 1451-T-99. v. 3. ETELF. Parecer Técnico nº 0415/02. 10 jul. 2001. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.1. RHODEN, Luiz Fernando. Parecer Técnico nº 153/02. 12 abr. 2002. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.1. _____. Parecer Técnico nº 283/02. 25 jun. 2002. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.1.

Page 162: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

161

_____. Memorando nº 374/2002. 05 nov. 2002. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.1. SAMPAIO, Suzanna. Termo de observações. 21 set. 2003. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.3. SANTOS, Antonio Cesar Ramos dos. Ofício nº 55/98. SINARQ: 30 nov. 1998. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.1. SANTOS, Helena Mendes dos. Memorando DEA-DEPROT/ IPHAN/ nº 834/99. IPHAN, 04 nov. 1999. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.1. SANTOS, Sista Souza. Parecer nº 005/2003. IPHAN, 13 jun. 2003. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.1. _____. Parecer nº 008/2003. IPHAN, 30 jul. 2003. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.3. _____. Parecer nº 020/2003. IPHAN, 09 dez. 2003. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.3. TEIXEIRA, Cid. O largo da Vitória e, Nele, uma Casa. In: LIWIL Construções e Empreendimentos Ltda; Frank Empreendimentos Imobiliários e Participações Ltda; MRM Construtora Ltda. Requerimento de Impugnação. 14 jul. 2003. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.2. _____. Do Visconde de Guaí ao século XXI. In: LIWIL Construções e Empreendimentos Ltda; Frank Empreendimentos Imobiliários e Participações Ltda; MRM Construtora Ltda. Requerimento de Impugnação. 14 jul. 2003. In:_____. Processo nº 1451-T-99. v.2. Outros documentos: ARANTES NETO, Joaquim Augusto. Decisão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural sobre a proposta de tombamento do corredor da vitória, no município de Salvador . Maio 2004. Disponível em: <http://www.iphan.gov.br> acessada em 05 set. 2005. AZEVEDO, Thales de. Proposta de tombamento pelo Estado pelo Conselho Estadual de Cultura. 15 jan. 1982. In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 0004/82. COLINA, Daniel. Carta enderaçada à Demetre Anastassakis. Salvador, 15 out. 2004. GODOFREDO FILHO. Parecer nº 12/84. 12 mar. 1984. In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Processo nº 0004/82.

Page 163: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

162

ICOMOS. Disponível em: <http://www.universia.com.br/especiais/patrimonios_historicos/icomos_.htm.> Acesso em: 10 ago. 2007. LINS, Eugênio de Ávila. Nota Oficial – Esclarecimentos a respeito da demolição da Mansão Wildberger (BA). Disponível em: <http://www.iphan.gov.br>. Acesso em: 02 fev. 2007. PALÁCIO Monroe. Disponível em: <http://www.almacarioca.com.br/monroe.htm>. Acesso em: 20 jun. 2007. PASSADO, presente e futuro na terra dos Matarazzo. 23 mar. 2005. Disponível em: <http://apocalipsemotorizado.blogspot.com/2005/03/passado-presente-e-futuro-na-terra-dos.html> . Acesso em: 02 jan. 2008. PIMENTEL, Gladys. MPF/BA: Liminar impede demolição de imóvel da Vitória. Salvador: Assessoria de Comunicação do MPF/BA, 29 jan. 2007. _____. MPF/BA: Liminar suspende alvarás da SUCOM. Salvador: Assessoria de Comunicação do MPF/BA, 08 fev. 2007. SAMPAIO, David. O triste fim da Mansão Matarazzo. Disponível em: < http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/cultura/patrimonio_historico/institucional/0087>. Acesso em 02 jan. 2008. Artigos de revistas: A LEI foi ao chão. Revista do CREA , Salvador, abr/mai/jun. 2007. BRANDÃO, Maria de Azevedo. A Miragem: notas sobre a ideologia do planejamento urbano. Revista Planejamento, Salvador, v. 6, n. 1, p. 7-14, jan/mar. 1978. GODOFREDO FILHO. A Influência do Ecletismo na Arquitetura Baiana. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional , Rio de Janeiro, n. 19, p.15-27, 1984. KERTÉSZ, Mário. O planejador e o Centro Administrativo da Bahia. Revista Planejamento , Salvador, v. II, n. 4, p. 335-353, jul/ago. 1974. Artigos de jornais: AMORIM, Felipe. Imóvel demolido sem aval do Iphan. A Tarde , Salvador, p.6, 29 jan. 2007. ARANTES NETO, Joaquim Augusto. A versão do Iphan. A Tarde , Salvador, 21 jul. 2004. AZEVEDO, Paulo Ormindo. Vitória: preservar ou tombar? A Tarde , Salvador, 01 jul. 2004.

Page 164: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

163

CAOS e muito charme no dia a dia da Vitória: o progresso transformou antigos casarões em modernos e luxuosos edifícios. Tribuna da Bahia , Salvador, 26 ago. 1987. CELESTINO, Antonio. "A Vitória já foi assim...". A Tarde , Salvador, 06 nov. 1983. COLINA, Daniel. IAB e decisão sobre o Palácio Tomé de Souza. A Tarde , Salvador, 22 abr. 2005. COSTA, Eduardo Silva. Uma memória que tomba. A Tarde , Salvador, 09 jul. 2004. DANNEMANN, Maria de Fátima. Estudantes temem perder residência. A Tarde , Salvador, 25 ago. 1998. “EU NUNCA vi governo preservar memória.” Entrevista com Manoel Lorenzo. A Tarde , Salvador, 02 nov. 2003. FERREIRA, Carla. Justiça quer desmontar a prefeitura. A Tarde, Salvador, 02 out. 2004. GANZELEVITCH, Dimitri. Versão atual do escândalo da antiga Sé. A Tarde , Salvador, p.4, 30 jan. 2007. GLAMOUR e tradição na Vitória. Correio da Bahia , Salvador, 27 fev. 2005. Caderno de Imóveis, p.01. IPHAN quer tombar até o que não é histórico. Tribuna da Bahia , Salvador, p.7, 18 out. 2006. JUIZ quer demolir o prédio da prefeitura de Salvador. Correio da Bahia , Salvador, p.2, 01 out. 2004. MOREIRA, Patrícia. Passado resiste em mansões da Vitória. A Tarde , Salvador, p. 6, 05 set. 1998. MP QUESTIONA decisão do Iphan . A Tarde , Salvador, 23 jun 2004. NEWTON Rubens. "A Vitória já foi assim" narra uma página da história da cidade. A Tarde , Salvador, 05 nov. 1983. O CORREDOR da Victória. Jornal da Bahia , Salvador, 28-29 jun.1970. Caderno Cidade, p.3. “O MINISTRO nem tomba nem destomba”. Entrevista com Juca Ferreira. Salvador: A Tarde , Salvador, 17 dez. 2003. PERES, Fernando da Rocha. Memorial do Iphan. A Tarde , Salvador, 03 jun. 2004. _____. Que o Iphan louvado seja. A Tarde , Salvador, 13 jul. 2004.

Page 165: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

164

_____. Corredor da polis. A Tarde , Salvador, 16 jul. 2004. POUCOS estrangeiros, muitos endinheirados que (felizmente) preservam as mansões da Vitória. Tribuna da Bahia , Salvador, p. 8, 19 dez. 1975. PREFEITURA fica. A Tarde , Salvador, 05 fev. 2005. REBOUÇAS, Banile. SANTANA, Eder Luis. Justiça proíbe demolição de mansão e início de nova obra. A Tarde , Salvador, p. 4, 30 jan. 2007. REIS, Pablo. Arquitetos protestam contra a decisão de demolir a prefeitura. Correio da Bahia , Salvador, p.12, 28 nov. 2004. SAMPAIO, Antônio Heliodório Lima. A mansão e a borda da cidade. A Tarde , Salvador, 15 fev. 2007. SECRETÁRIA defende prédio no lugar da Mansão Wildberger. Entrevista com Kátia Carmelo. A Tarde , Salvador, 18 dez. 2006. WEINSTEIN, Mary. Em busca da Vitória quase perdida. A Tarde , Salvador, 03 jun 2003. _____. Ausência de lei ameaça a preservação da Vitória. A Tarde , Salvador, 07 jun. 2003. _____. Vitória para sempre preservada. A Tarde , Salvador, 18 jun. 2003. _____. Os prós e contras do tombamento. A Tarde , Salvador, 21 jun. 2003. _____. Casa Cardinalícia perde integridade. A Tarde , Salvador, 07 ago. 2003. _____.Tombamento da Vitória na gaveta. A Tarde , Salvador, 28 maio 2004. _____. Cautela sobre o tombamento da Vitória. A Tarde , Salvador, 29 maio 2004. _____. Combate à vitória da especulação. A Tarde , Salvador, 05 jun. 2004. _____. Sem tombamento, Iphan teme adulterações. A Tarde , Salvador, 09 jul. 2004. _____. Prefeito impede construção na Vitória. A Tarde , Salvador, 23 jul. 2004. _____. Desmontar um palácio custa caro. A Tarde , Salvador, 06 out. 2004. _____. Manobra para manter palácio de metal. A Tarde , Salvador, 26 abr. 2005. _____. Niemeyer defende sede da prefeitura. A Tarde , Salvador, 29 out. 2005. _____. Tombamento da Vitória sob investigação. A Tarde , Salvador, p.06, 28 jan. 2006.

Page 166: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

165

_____. Parte de imóvel histórico é derrubado na Vitória. A Tarde , Salvador, p.04, 30 jan. 2006. _____. Iphan tomba a Igreja da Vitória. A Tarde , Salvador, p.03, 02 fev. 2006. Documento iconográfico: AZEVEDO, Paulo Ormindo. A Arquitetura e o Urbanismo na Nova Burguesia Baiana. In JORDAN, Kátia Fraga (org.). De Villa Catharino a Museu Rodin Bahia 1912-2006: um palacete baiano e sua história . Salvador: Solisluna Design e Editora, 2006. BRITO, M.S. Corredor.jpg. 2006. Altura: 270 pixels. Largura: 500 pixels. 63KB. Formato JPEG. Disponível em <http://www.panoramico.com/photo/754077> Acesso em: 11 set 2007. CASA COR® BAHIA 97: Exibição Brasileira de Decoração. Salvador, 1997. FRAGA, L.G. cardeais.jpg. 2006. Altura: 375 pixels. Largura: 500 pixels. 143KB. Formato JPEG. Disponível em <http://www.panoramico.com/photo/> Acesso em: 11 set 2007. REVISTA DO INSTITUTO SOPHIA COSTA PINTO. Salvador, v.1, nº1, 1938. ROGERIO, P.R.F. express.jpg. 2006. Altura: 375 pixels. Largura: 500 pixels. 150KB. Formato JPEG. Disponível em <http://www.panoramico.com/photo/1646911> Acesso em: 11 set 2007. SANDES, Fabio. vista-partir.jpg. 2006. Altura: 375 pixels. Largura: 500 pixels. 58KB. Formato JPEG. Disponível em <http://www.panoramico.com/photo/139306> Acesso em: 11 set 2007. PALÁCIO Monroe. Altura: 408 pixels. Largura: 640 pixels. 100KB Disponível em: < http://www.almacarioca.com.br/imagem/fotos/postais/card32.jpg>. Acesso em: 20 jun. 2007. VIANNA, Marisa. “... vou pra Bahia”. Salvador, Biograf, 2004. 203p.: il. Fontes Orais: Antonia Valadares Andrade, depoimento em 16 jan. 2008 (moradora) Cristiano Hora de Oliveira Fontes, depoimento em 16 jan. 2008 (morador) David Martins da Silva, depoimento em 13 fev. 2008 (morador) José Carlos da Matta, depoimento em 07 ago. 2007 (arquiteto)

Page 167: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

166

Júlia de Carvalho Tarquínio de Souza, depoimento em 12 fev. 2008 (ex-proprietária da Mansão de Manoel Joaquim de Carvalho) Juliana Setenta Barbosa, depoimento em 12 jan. 2008 (moradora) Lina Machado, depoimento em 10 jan. 2008 (moradora) Monsenhor Sadock, depoimento em 10 jan. 2008 (pároco da Igreja da Vitória) Ricardo Wildberger, depoimento em 12 fev 2008 (proprietário da Mansão Wildberger) Rosina Bahia Alice Carvalho dos Santos, depoimento em 04 jan. 2007 (bibliotecária do Museu Carlos Costa Pinto)

Page 168: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

167

ANEXOS

Page 169: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

168

Nº IDENTIFICAÇÃOS/N Clínica Cato71 Edifício ...... Oliveira75 Centro Social de Saúde Esmeralda da Natividade - Paróquia da Vitória6 Edifício Monsenhor Marques2 Mansão Wildberger

S/N Igreja e anexoS/N Residência do Universitário II50 Edifício SanremoS/N Escola de Puericultura Raimundo P. de Magalhães

1745 Grandelli1755 Farmácia Pague Menos1771 Casa Logas (térreo) e clínica (sup)1809 ICBAS/N Colégio APOIO

1867 Edifício Manoel VictorinoS/N ACBEU

1907 Condomínio Jardim Tropical1937 Edifício Maria de Lourdes1949 Edifício José Costa1971 Hotel Vila Velha1983 Edifício Lisboa2009 Hotel Bahia do Sol2019 Secretaria Minicipal de Saúde2031 Professor Sabino SilvaS/N Colégio Estadual Odorico TavaresS/N Estacionamento Sol Park

2139 Academia Dance2141 Edifício Caicara2155 Edifício Jupiter2185 terreno2195 Museu Geológico da Bahia2209 CEPLAC - Ministério da Agricultura e do Abastecimento 2231 Mansão da VitóriaS/N 1 Mansão Lino CerviñoS/N Museu de Arte da Bahia

S/N 2 Restaurante / Pousada Gato Comeu2365 Procuradoriada República2377 Edifício Monsanto2417 Morada Real da Vitória2445 Casa dos Cunha Guedes2457 Ferro Velho2469 casa

antigo 296 terreno com ruína2493 Morada da Vitória2503 Edifício Sarah2515 casaS/N estacionamento

antigo 308 Ministério Público do TrabalhoS/N 3 Doce Sonhos2607 casa vendendo

2607A casa2631 UECS/N Mc DonaldsS/N Posto de Combustível Petrobrás

QUADRO 01 - Identificação das edificaçõesE

DIF

ICA

ÇÕ

ES

VO

LTA

DO

S P

AR

A O

VA

LE D

O C

AN

ELA

LAR

GO

DA

VIT

ÓR

IA

Page 170: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

169

Nº IDENTIFICAÇÃO36 Edifício Pedra do Sol

S/N 4 casa vendendo + Hidro e Pilates na lateral2592 Mansão Plínio Guerra2572 Edifício CecyS/N 5 Casa das Frutas391 Edifício Sumê / Salão Bem Bonita2514 Edifício Oiram2490 Museu Carlos Costa Pinto2460 Mansão Carlos Costa Pinto*2438 Vitória Residencial / Vitória DelicatessenS/N 6 Mansão Phileto Sobrinho*2382 Residência do Universitário R-I2354 Mansão Margarida Costa Pinto*2328 Fundação Nacional de Saúde2306 Açores2284 Palais der Versant2252 Mansão Professor José Silveira*2224 Mansão Victory Tower*2172 Mansão Leonor Calmon*2152 Golden Tower2110 Victory Tower*2090 Solar da Vitória2068 Sol Victória Marina*2044 Edifício Apollo XXVIII2022 Edifício Marte2000 Mansão Roncalli1978 Mansão Frederico Fellini*1956 Edifício Koch1942 Edifício Pedra da Vitória1914 Edifício Delmar1894 Edifício Delrio1884 Edifício Casa Blanca1862 Edifício Portão do Mar1838 Victoria Loft*1822 Solar Ministro João Mendes*1806 Edifício Montenegro Jr.1796 Mansão Arthur Moreira Lima*1766 Edifício Queen Elizabeth1754 Edifício Duque de Caxias1738 Edifício Vitória Régia1724 Edifício Maiza1714 Edifício Delcampo1682 Morada dos Cardeais*

QUADRO 01(cont.) - Identificação das edificaçõesE

DIF

ÍCIO

S V

OLT

AD

OS

PA

RA

O M

AR

* Edifícios que possuem pier para embarcações

Fonte: Luciana Guerra, dez 2007.

Page 171: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

170

Page 172: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

171

Page 173: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

172

Page 174: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

173

Page 175: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

174

Page 176: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

175

Page 177: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

176

ENTREVISTADO: Antonia Valadares Andrade Data: 16 de janeiro de 2008, as 9:00h, no seu apartamento

• Idade: 49

• Profissão: delegada.

• Formação profissional: advogada.

• Nome do prédio em que reside: Palais der Versant, nº 2284, ap. 504.

• Pessoas da família que moram no bairro: o filho Luciano Valadares comprou um apartamento no Mansão Phileto Sobrinho, ainda em construção.

• Quanto tempo reside no local? Comprou o apartamento há 17 anos, mas

neste tempo, morou alguns anos fora da cidade devido a motivos de trabalho e alugou o apartamento.

• Onde residiu antes? Campo Grande. Quando recém casada, em 1971, morou

no Corredor da Vitória, no edifício João Mendes da Costa, que foi demolido para construção de outro edifício no local, com o nome de Solar Ministro João Mendes, nº 1822, em 2002.

• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? “Não existe melhor

local do que a Vitória para morar. Primeiro por estar localizado próximo ao centro e segundo devido à vista, que ninguém tem.”

• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos) Acha que não

tem pontos negativos. O Sol, que incide diretamente sobre o apartamento no período da tarde, não incomoda por causa da ventilação. Como pontos positivos, além da localização e da vista, destaca a arborização do local. “A Vitória ainda é a Vitória.”

• Algumas opiniões:

Acha que a Vitória foi escolhida para a construção dos melhores edifícios da cidade por causa da proximidade com o Campo Grande, com o Porto da Barra (praia) e pela vista. Acha que os casarões devem ser preservados e que a construção de edifícios atrás das casas é uma forma de preservar o patrimônio histórico. “É uma forma de deixar o passado registrado para os nossos filhos.” Sobre a mansão Wildberger, é contra a sua demolição e na sua opinião, poderia ser construído um edifício atrás da casa, preservando-a. Comentou que no período da construção dos edifícios Apollo XXVIII e Marte, os moradores se revoltaram devido à altura e das características do edifício, que era voltado para uma classe mais popular. Achou um absurdo a liberação do gabarito da orla de Salvador conforme aprovado no PDDU. Acha que deveria ser retirado o muro do cemitério dos ingleses, para que as pessoas possam visualizar o mar ao passarem pelo local.

Page 178: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

177

ENTREVISTADO: Cristiano Hora de Oliveira Fontes Data: 16 de janeiro de 2008, enviada por correio eletrônico

• Idade: 40

• Profissão: engenheiro químico.

• Nome do prédio em que reside: Ed. Prof. Sabino Silva, nº 2031.

• Quanto tempo reside no local? Residiu na Vitória de 1974 a 1999.

• Onde residiu antes? Pituba.

• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? O apartamento foi adquirido por seus pais.

• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos) Como pontos

positivos destaca: bairro central, serviços de água e luz não costumam faltar. Pontos negativos: carnaval; lixo; intenso movimento e trânsito de veículos; ruas e calçadas em péssimo estado de conservação.

• O que achou do processo de tombamento federal do Corredor da Vitória,

arquivado em 2004? E do tombamento da Igreja da Vitória? “Não acredito que isto tenha impacto no estado de conservação do Corredor da Vitória.”

• Qual a sua opinião sobre a construção de edifícios atrás das casas? “Acho

que o que já foi feito é bastante interessante na medida em que preserva a beleza dos casarões.”

Page 179: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

178

ENTREVISTADO: David Martins da Silva Data: 13 de fevereiro de 2008, as 10:00h, no seu trabalho (loja Mil e Umas, na Graça)

• Profissão: advogado e empresário.

• Nome do prédio em que reside: Pedra do Sol, nº 36, 3º andar.

• Tem outras pessoas da família morando no prédio ou no bairro? Há alguns parentes que moram na Ladeira da Barra.

• Quanto tempo reside no local? Há 33 anos

• Onde residiu antes? Barra Avenida.

• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? Na verdade quem

comprou o apartamento foram os seus pais em 1972/73, na mão de um outro morador. O prédio foi construído em 1969 e o apartamento possui 450,0m2.

• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos) Gosta de

residir no local por causa da sua posição estratégica, perto do clube que freqüenta, trabalho, comércios, colégio e faculdade onde os filhos estudaram. Como mora próximo ao Largo da Vitória, não precisa entrar no Corredor para sair para outros bairros. Não considera o trânsito problemático nos horários que geralmente transita pelas ruas. Não vê pontos negativos, apenas um pouco de barulho durante o dia que considera tolerável. Incomodava-se apenas com o movimento gerado pelas festas que havia na Mansão Wildberger, como veículos estacionados na porta de sua garagem e brigas entre os “guardadores de carro”.

• Algumas opiniões:

Não considera válida a manutenção das casas na frente dos edifícios para a população em geral, apenas para quem conhecia as residências com mais intimidade. Para ele, por exemplo, a única casa que foi mantida na frente de edifício que atribui algum valor é o antigo Colégio Sophia Costa Pinto, pois estudou neste local. Quanto à construção do edifício no local da Mansão Wildberger, não acredita que trará malefícios para a população. Entretanto acredita que a obra irá perturbar bastante os moradores da área. Também não vê com bons olhos a construção da praça com o mirante, pois acredita que será freqüentada pelos moradores da favela que existe na encosta. Não é contra a demolição da mansão, pois não atribui valor a casa. Atribui valores artísticos a algumas edificações do Corredor, como por exemplo o Museu de Arte da Bahia e o Museu Carlos Costa Pinto, que apesar de não ser tão antigo, considera uma bela construção.

Page 180: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

179

ENTREVISTADO: Juliana Setenta Barbosa Data: 12 de janeiro de 2008, as 15:30h, por telefone

• Idade: 28

• Profissão: arquiteta.

• Nome do prédio em que reside: Golden Tower, nº 2152.

• Pessoas da família que moram no bairro: a avó materna morava até pouco tempo.

• Quanto tempo reside no local? 15 anos.

• Onde residiu antes? Barra.

• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? Bairro nobre,

apartamento, localização em frente ao mar.

• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos) Acha que a implantação do colégio Estadual Odorico Tavares e do Colégio Apoio causaram o congestionamento do bairro. Acredita que quanto mais residencial a Vitória for, mais esta será valorizada. Acha que apenas deveria haver equipamentos comerciais de apoio aos moradores, como padarias e farmácias. Mas defende a permanência dos equipamentos de cultura existentes no local, como museus, o ACBEU e o ICBA, pois acredita que eles não causam conflitos de circulação e valorizam ainda mais o bairro. Como pontos positivos destacou a localização (bairro central), proximidade do mar e a arborização do local.

• Algumas opiniões:

Não acha que a Mansão Wildberger tenha valor histórico e defende que esta seja demolida. Acredita que as casas devam ser mantidas apenas se o seu valor arquitetônico e histórico for comprovado, não sendo o caso, no seu conceito, da Mansão Wildberger. “Se for comprovado valor arquitetônico e histórico, a casa deve ser mantida.” Acredita que a construção de edifícios atrás das casas é uma forma de preservação do patrimônio.

Page 181: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

180

ENTREVISTADO: Lina Machado Data: 10 de janeiro de 2008, as 9:30, no seu trabalho (Correio, Av. Sete, nº260). Faz parte da Associação de Moradores (ASCAVI) há aproximadamente 10 anos.

• nome do prédio em que reside: Bahia Dourada. • Quanto tempo reside no local? Desde 1989.

• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? Devido à posição

estratégica do bairro, pois fica próximo ao local do seu trabalho, e das atividades de sua filha (escola, escola de inglês e ballet). Apesar de residir num apartamento com vista para o mar, este não foi o seu principal motivo que a levou a escolher o local.

• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos)

Aparentemente, a barreira formada pelos edifícios no Corredor da Vitória não a incomoda, visto que não houve grandes mudanças na paisagem desde que se mudou para o local. Entretanto reclama do incomodo que a construção dos edifícios provoca aos moradores da região: circulação de caminhões, betoneiras, poeira, barulho, etc. Reclama também da falta de conservação que o bairro se encontra, em relação às calçadas, asfalto, podas das árvores, etc.

• Sobre a construção do edifício no local da Mansão Wildberger: Defende a

construção do edifício no local da Mansão Wildberger, pois acredita que esta irá beneficiar a população com a construção da praça. Além disso, ela acredita que a Mata Atlântica não será destruída. Em sua opinião, ao invés de impedir a construção do edifício, a prefeitura deveria ter impedido a construção de uma casa amarela que existe bem próxima ao mar.

• O que achou do processo de tombamento federal do Corredor da Vitória? Não

apresentou grandes lembranças em relação ao processo de tombamento do Corredor da Vitória, afirmando que a associação de moradores não se envolveu com o caso. Quando questionada se em sua opinião o tombamento do Corredor da Vitória era válido, respondeu que seria válido apenas individualmente, e deu como exemplo de casas que deveriam ser tombadas: Museu Carlos Costa Pinto, Museu de Arte da Bahia e o Museu Geológico.

Page 182: corredor da vitória: uma discussão em torno dos valores

181

ENTREVISTADO: Rosina Bahia Alice Carvalho dos Santos Data: 04 de janeiro de 2007, as 14:00, no biblioteca do museu.

• Profissão: bibliotecária da biblioteca do Museu Carlos Costa Pinto; Trabalha no local há 33 anos.

Sobre a residência da família costa pinto, onde fun cionou o colégio Sophia Costa Pinto

• Em que ano a casa foi vendida? Em abril de2001.

• Por que motivo a casa foi vendida? Para angariar recursos para a instituição.

• Por que a casa original foi mantida na frente do edifício? Porque a instituição a considera como um patrimônio histórico. Desde a década de 80 a instituição promove eventos para conscientizar a população do valor histórico das mansões do local, como a exposição realizada em conjunto com o Museu Geológico da Bahia. Desta forma, a instituição, ao vender a casa, solicitou a manutenção desta em uma das cláusulas do contrato de compra e venda, conforme afirmou a diretora Mercedes Rosa, por telefone, à Rosina. Quanto a manutenção da parte interna da casa, Mercedes Rosa afirmou que não pôde ser mantida pois estava muito degradada pelos cupins.

• Qual a sua opinião sobre isso? Rosina opinou que preferia que a casa fosse mantida integralmente, tanto internamente, quanto o anexo lateral.