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LUCIANA GUERRA SANTOS MOTA
CORREDOR DA VITÓRIA:UMA DISCUSSÃO EM TORNO DOS VALORES CONTEMPORÂNEOS
Salvador 2008
LUCIANA GUERRA SANTOS MOTA
CORREDOR DA VITÓRIA: UMA DISCUSSÃO EM TORNO DOS VALORES CONTEMPORÂNEOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Paulo Ormindo David de Azevedo
Salvador 2008
TERMO DE APROVAÇÃO
LUCIANA GUERRA SANTOS MOTA
CORREDOR DA VITÓRIA: UMA DISCUSSÃO EM TORNO DOS VALORES CONTEMPORÂNEOS
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, pela
seguinte banca examinadora:
Salvador, 03 de abril de 2008.
Francisco de Assis da Costa_____________________________________ Doutor, Universidad Politécnica da Cataluña
Paulo Ormindo David de Azevedo_________________________________ Doutor, Università degli Studi di Roma
Venétia Durando Braga Rios _____________________________________ Doutora, Universidade de São Paulo
Aos meus pais e a Tiago, por tudo.
AGRADECIMENTOS Aos meus tios Ana Clara, Gutemberg e Sérgio, pela ajuda em encontrar o caminho certo deste trabalho, e minha tia Pensilvânia, por sua valiosa correção. Aos professores Francisco Costa e Venétia Braga Rios, pelas sugestões que foram dadas na pré-banca, imprescindíveis para o fechamento desta dissertação. Ao professor Paulo Ormindo, pela orientação desta pesquisa. A Silvandira, pelos seus serviços no Programa de pós-graduação. As todas as instituições que estive pesquisando durante esses anos, especialmente ao IPAC, onde encontrei o apoio de Milena e sua equipe. A Raul Costa, Silvia Amélia, Vivian Lene e Reginaldo Pessanha, que tanto me ajudaram nos contatos com os entrevistados. A todos aqueles que entrevistei, pela confiança em prestarem seus depoimentos. A todos aqueles que me emprestaram seus livros. Ao CNPq, pelo auxílio financeiro. A meu pai e meu irmão, pela colaboração, a minha mãe pelo apoio e ao meu marido, pela compreensão da ausência de tantas horas. Muito obrigado por possibilitarem essa experiência de vital importância para o meu crescimento profissional e humano.
RESUMO Esta dissertação tem o objetivo de definir os valores contemporâneos atribuídos aos monumentos. Como estudo de caso tem-se a análise de acontecimentos recentes em torno do Corredor da Vitória, localizado em Salvador/BA. No início do século XX a paisagem urbana deste local era dominada por mansões em estilo eclético, traduzindo os conceitos de higiene e estética características do período. Poucos exemplares, no entanto, chegaram ao final do século. O local foi escolhido devido a um polêmico processo de tombamento federal previsto para esta área da cidade, iniciado em 1999 e arquivado em 2004. Até hoje ocorrem discussões sobre a proteção dos remanescentes arquitetônicos indicados para tombamento. Outro fato que levou a eleição desta área foi a manutenção de algumas casas na frente dos edifícios, a partir dos anos 90. O período estudado foi definido a partir do processo de verticalização ocorrido nesta parte da cidade, iniciado na década de 40. Para melhor compreensão dos fatos, é apresentada também uma pesquisa sobre o processo de modernização da cidade, cujo início se deu no século XIX. Palavras-chave: Valores – Modernização – Preservação – Tombamento – Monumentos – Ecletismo.
ABSTRACT
This dissertation has the objective to difine the contemporaneous values given to the monuments. As a case study, it uses the analyses to what has been happening around the Corredor da Vitória, located in Salvador/BA. In the beginning of the XX century, the urban landscape of this area was dominated by mansions in an eclectical style, translating the hygienic and esthetics concept for the period. Small quantities, however, lasted to the end of century. This place was chosen due to a polemic federal tumbling process expected for this city area, beginning in 1999 and filed in 2004. To this present day, discussions have been aroused about the protection of the architect remainders indicated to be tumbled. Another fact that considered this area to be elected was the maintenance for some houses in front of the buildings, from the 90’s. The period studied was difined from the verticalization process occurred in this part of the city, begun in the 40’s. For better understanding of the facts, a research about the modernization process is also presented, since its beginning was in the XIX century. Key-words: Values – Modernization – Preservation – Tumble – Monuments – Eclectical.
APRESENTAÇÃO
A atribuição de valores sempre esteve intimamente ligada ao culto aos
monumentos. Com a criação dos Estados Modernos no século XVIII, seguida da
preocupação de constituição do patrimônio cultural, a atribuição de valores passou a
adquirir um papel de destaque entre os responsáveis pela seleção dos monumentos
representativos da nação.
A partir do início do século XX, a atribuição de valores como forma de
selecionar os objetos que devem fazer parte do patrimônio cultural passou a ser
mais profundamente analisada por alguns estudiosos, sendo a obra do austríaco
Alöis Riegl uma das mais importantes.
No Brasil, a formação do patrimônio cultural está diretamente ligada à
prática do tombamento. Segundo o Decreto-lei nº 25/1937, somente seriam
considerados como parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional os
bens móveis e imóveis que estivessem inscritos num dos quatro Livros do Tombo: o
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, o Histórico, o das Belas Artes e o das Artes
Aplicadas. Apesar de serem selecionados por intelectuais escolhidos pelo Estado,
esses bens devem retratar a cultura de todos os cidadãos.
Ao longo de todos esses anos em que vem sendo aplicada a prática de
tombamento no país, percebe-se, em alguns casos que envolvem propriedades
privadas, um conflito de interesses entre o Estado e os proprietários. Para isso ser
evitado é necessário que todos os cidadãos tenham ciência da importância do
patrimônio cultural e possam, de alguma forma, fazer parte dessas escolhas.
Recentemente ocorreu em Salvador (BA) um desses casos envolvendo
conflitos de interesse em torno das edificações que faziam parte do processo de
tombamento federal para o “Conjunto Arquitetônico do Corredor da Vitória”. O
Corredor da Vitória foi o local escolhido pela elite da cidade para implantação de
suas moradias, entre o final do século XIX e início do século XX, seguindo os
conceitos higiênicos e estéticos da época, este último representado pelo ecletismo.
Buscando compreender as expectativas de cada grupo da sociedade
envolvido com este caso, procura-se identificar, neste trabalho, os valores atribuídos
aos remanescentes arquitetônicos que já haviam sido quase que completamente
destruídos ao final da década de 90, quando iniciado o processo de tombamento.
Para fornecer informações necessárias à compreensão do leitor sobre o
fato citado, a dissertação foi divida em quatro partes. No primeiro capítulo, será
abordada a questão dos valores na produção do patrimônio cultural e o
funcionamento dos órgãos responsáveis pelo patrimônio a nível federal e estadual.
Aproveitamos também para mostrar, neste capítulo, a dificuldade que o estilo
eclético tem tido para ser reconhecido como representativo de parte da história do
país.
O segundo capítulo visa retratar o desenvolvimento do bairro da Vitória
dentro de Salvador, desde o século XIX, quando ocorreu o início da modernização
da cidade, passando pela intensa reforma urbana do início do século XX, pelo
processo de verticalização ocorrido a partir da década de 40, até chegar aos dias
atuais.
Já no terceiro capítulo, iniciamos a abordagem sobre os valores
contemporâneos, a partir da análise de uma nova forma de construção iniciada no
Corredor da Vitória a partir da década de 90, que consiste em manter a antiga
residência na frente e construir o edifício nos fundos. Ao lado deste fato denominado
de “modernização conservadora”, abordamos um outro ocorrido recentemente na
cidade, que também envolve a atribuição de valores aos monumentos. Consiste num
processo movido pelo Ministério Público para retirada da atual sede da prefeitura
(Palácio Tomé de Souza) da praça municipal, por achar que o edifício não “combina”
com a praça.
E, finalmente, no quarto capítulo, serão apresentados os valores
contemporâneos atribuídos ao Corredor da Vitória a partir do estudo de caso do
processo de tombamento federal para este local, iniciado em 1999 e arquivado em
2004. Neste capítulo também serão mostradas as repercussões que ocorreram
devido ao arquivamento do processo, como as atitudes do Estado e do Município, o
tombamento da Igreja da Vitória e a polêmica em torno da liberação de uma licença
de construção para um edifício no local da Mansão Wildberger, localizada no Largo
da Vitória, atrás da igreja.
Esperamos que as informações contidas neste trabalho possam servir
como exemplo na busca de melhores soluções para trazer à sociedade as
discussões sobre a formação e preservação do seu patrimônio cultural.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01: Palácio Monroe, no Rio de Janeiro. 34 (PALÁCIO..., 2007) FIGURA 02: O Comendador Catharino e a família nos jardins em 38 frente Palacete. Fonte: AZEVEDO, 2006, p.66.
FIGURA 03: Palacete do comerciante Cerqueira Lima, na Vitória. 42 Fonte: SAMPAIO, 2005, p.83. FIGURAS 04: A mansão da família Cunha Guedes em postal 43 do início do século. Fonte: VIANNA, 2004. FIGURA 05: A mansão da família Cunha Guedes e nos dias atuais. 43 Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. FIGURA 06: Passadiço de entrada do Elevador Lacerda em 1938, 45 na Praça do Palácio. Fonte: SAMPAIO, 2005, p.187 FIGURA 07: A Associação dos Empregados no Comércio da Bahia, 48 inaugurada em 1900. Fonte: VIANNA, 2004 FIGURA 08: Biblioteca Pública, fundada em 1811. Fonte: VIANNA, 2004. 48 FIGURA 09: Palácio Rio Branco reconstruído após o bombardeio de 48 1912, segundo projeto do arquiteto italiano Júlio Conti. Fonte: VIANNA, 2004. FIGURA 10: A antiga casa nº 308, onde funciona atualmente o 49 Ministério Público do Trabalho. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. FIGURA 11: A antiga residência do Dr. Jorge Calmon com 49 tapumes indicando o início das obras. Fotos: Manoel Humberto. Em 15/10/2006 FIGURAS 12: Palacete da tradicional família Costa Pinto. 50 Fonte: REVISTA DO INSTITUTO SOPHIA COSTA PINTO. Salvador, v.1, nº1, 1938. FIGURA 13: Palacete da tradicional família Costa Pinto já com 50 o anexo lateral em foto tirada logo após a reforma feita para o evento de decoração Casa Cor 97. Fonte: CASA COR BAHIA 97: Exibição Brasileira de Decoração. Salvador, p.20, 1997) FIGURAS 14 e 15: Residência Universitária da UFBA, 51 Av. Sete, nº2382. Foto: Manoel Humberto. Em 21/03/2007.
FIGURA 16: Largo da Vitória, já urbanizado, por volta de1915 52 com a Igreja da Vitória após a reforma de 1910. Fonte: VIANNA, 2004. FIGURA 17: Chalet nº 2457. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. 54 FIGURA 18: Chalet nº 2607. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. 54 FIGURA 19: Edifício Maíza à esquerda. 60 Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. FIGURAS 20: Edifício Manoel Victorino. 62 Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. FIGURA 21: Edifício Apollo XVIII. Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. 65 FIGURA 22: Edifício Marte. Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. 65 FIGURA 23: O Museu Carlos Costa Pinto na frente e o edifício Mansão 67 Carlos Costa Pinto atrás. Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. FIGURA 24: Vista dos decks de atracação construídos na Baía de Todos 68 os Santos. (SANDES, 2006) FIGURA 25: Vista do deck do edifício Sol Victória Marina. 68 (ROGERIO, 2006) FIGURAS 26: Museu de Arte da Bahia. Foto: Humberto Diniz. 76 Em 03/11/2006. FIGURA 27: Museu Geológico. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006. 76 FIGURA 28: A antiga casa de Manuel Joaquim de Carvalho e 77 o edifício Mansão Victory Tower, nº 2224. Foto: Humberto Diniz. Em 28/08/2005. FIGURAS 29, 30 e 31: A fachada da casa nº 2365, pertencente à 78 Procuradoria da República, a fachada lateral e o edifício construído nos fundos. Foto: Luciana Guerra. Em 07/04/2007. FIGURAS 32 e 33: A fachada da casa nº 308 e o edifício construído 78 nos fundos. Fotos: Manoel Humberto. Em 17/03/2007. FIGURA 34 - Anexo do fundo que foi demolido para construção do 79 edifício. Fonte: REVISTA DO INSTITUTO SOPHIA COSTA PINTO. Salvador, v.1, nº1, 1938. FIGURA 35: Guarita e pórtico construído escondem a fachada da antiga 81
residência da família Costa Pinto. Foto: Humberto Diniz. Em 28/08/05. FIGURA 36: Vista da fachada lateral esquerda da antiga residência da 81 família Costa Pinto, após a retirada do anexo lateral, com o edifício ao fundo. Foto: Humberto Diniz. Em 28/08/05. FIGURA 37: A antiga Residência Cardinalícia e o edifício construído 86 ao fundo. Foto Manoel Humberto. Em 15/10/2006. FIGURA 38: Vista do fundo do edifício “Morada dos Cardeais” e o plano 86 inclinado construído na encosta para acesso ao deck. (FRAGA, 2007) FIGURA 39: Mansão dos Wildberger: o que restou após a demolição 141 de 28 de janeiro de 2007. Foto: Luciana Guerra. Em 10/04/07. FIGURA 40: Vista da Baía de Todos os Santos mostrando os edifícios 148 do Corredor da Vitória. (BRITO, 2007)
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACM Antonio Carlos Magalhães ADEMI-BA Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário ASCAVI Associação de Moradores do Campo Grande, Canela e Vitória CAB Centro Administrativo da Bahia CEC Conselho Estadual de Cultural CNO Construtora Norberto Odebrecht DEA Divisão de Estudos de Acautelamento (do IPHAN) DEPROT Departamento de Proteção (do IPHAN) DPHAN Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional EPUCS Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador ETELF Escritório Técnico de Licenças e Fiscalização IAB-Ba Instituto de Arquitetos do Brasil – seção Bahia ICOMOS International Council on Monumentos IPAC-Ba Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico Nacional MPF Ministério Público Federal MPF/BA Procuradoria da República na Bahia PETROBRÁS Petróleo Brasileiro SA PDDU Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano PROJUR Procuradoria Jurídica (do IPHAN) SINARQ Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional 7ª SR 7ª Superintendência Regional do IPHAN
SUCOM Superintendência de Controle e Ocupação do Uso do Solo TRANSCON Lei nº 3.805/87, que Cria a transferência do direito de construir UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura UFBA Universidade Federal da Bahia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 17
CAPÍTULO 1 – A formação do patrimônio cultural nacional. 22
1.1. Os valores na produção do patrimônio cultural. 23
1.2. Os órgãos de preservação e o ecletismo. 31
CAPÍTULO 2 – O bairro da Vitória na cidade de Salvador. 39
2.1. A primeira fase de modernização da cidade. 40
2.2. A reforma urbana de J.J. Seabra: a chegada para a modernidade. 46
2.3. Os planos urbanísticos e o início da verticalização. 57
2.4. A consolidação da cidade capitalista. 70
CAPÍTULO 3 – Uma discussão em torno dos valores contemporâneos. 75
3.1. A “modernização conservadora”: uma nova forma de preservação? 76
3.2. O caso do Palácio Tomé de Souza. 90
CAPÍTULO 4 – Os valores contemporâneos em torno do Corredor da Vitória. 97
4.1. O processo de tombamento no IPHAN. 98
4.2. As manifestações da sociedade. 126
4.3. O envolvimento do Estado e Município. 132
4.4. O tombamento da Igreja da Vitória e a Mansão Wildberger. 137
CONSIDERAÇÕES FINAIS 151
REFERÊNCIAS 156
ANEXOS 167
17
INTRODUÇÃO
18
Cidade de Salvador: mais de 400 anos de história. As construções iniciais
de taipa vão dando lugar a sólidos edifícios em alvenaria de pedra, como fortalezas,
edifícios públicos, igrejas. Os sobrados geminados dominam a paisagem até o
século XIX, quando se inicia um novo tempo.
A revolução industrial européia e a busca pelos confortos da modernidade
influenciam a antiga colônia. As importações de novas tecnologias causam euforia
na população. Chegam os bondes, os automóveis, os aparelhos sanitários. Novos
valores... A cidade passa a ser regida por um sentimento de busca pela
modernidade, traduzida na reforma de J.J. Seabra. Surgem recuos entre as casas e
jardins que refletem os novos conceitos de higiene. O ecletismo é a tradução do belo
neste momento da história. E o barroco das antigas construções da cidade colonial
passa a ser desprezado, como constatado no episódio da demolição da Igreja da
Sé1.
A população cresce, e é preciso novos espaços de moradia. Com a
tecnologia, a cidade se verticaliza e o uso do solo passa a ter um papel de destaque
na economia. Surge a especulação imobiliária. Aliada à tecnologia da construção
civil, o capital imobiliário transforma profundamente a paisagem da cidade.
Se olharmos hoje Salvador pela Baía de Todos os Santos, vemos altos
edifícios sobre a escarpa que caracteriza a cidade de dois andares, sendo que no
Corredor da Vitória, local onde surpreendentemente o gabarito foi liberado desde
1976, é visto um paredão com edifícios de até mais de 30 pavimentos, num mesmo
local que no início do século XX tinha sua paisagem dominada por mansões em
estilo eclético.
1 Para este caso, ver PERES (1999).
19
A construção de edifícios no Corredor da Vitória ocorreu a partir da
demolição das antigas mansões, sem levar em consideração nenhum tipo de valor
estético ou histórico destas. Da década de 40 até a década de 70, quase todas as
mansões existentes no local foram destruídas. Até que surgiu uma nova proposta:
construir o edifício atrás e deixar a casa na frente. De onde partiu esta idéia?
Em 1998 foi solicitado um pedido de tombamento, envolvendo áreas do
Corredor da Vitória, Canela, Graça e Campo Grande, com o objetivo de proteger da
destruição não só remanescentes arquitetônicos do início do século XX, como
também da década de 30, 40 e 50. Por que somente neste momento se despertou o
sentimento preservacionista? Aconteceram outras manifestações em prol da
preservação de edifícios com valores históricos e/ou artísticos deste local? E a
população, como agiu diante disto?
Grandes foram as repercussões ocorridas devido ao processo de
tombamento. Estiveram envolvidos não só os técnicos do órgão de preservação
federal, onde o processo se desenrolou, como também proprietários interessados
em vender suas casas, empresários da construção civil, representantes do mercado
imobiliário e representações de classe.
A discussão sobre a manutenção de umas poucas edificações ecléticas
espaçadas entre os altos edifícios é contrária aos ideais modernistas do início do
século XX, quando a população aceitava passivamente a demolição de edifícios
religiosos consagrados, para se beneficiar das tecnologias advindas com a
modernidade. O clímax desses valores de conservação pode ser retratado pelo
processo movido pelo Ministério Público para retirada do edifício sede da prefeitura
da praça municipal de Salvador, simplesmente porque se trata de uma edificação
“moderna” numa praça “antiga”.
20
Os referidos acontecimentos levam a crer que este caso é tipicamente de
mudança de atitude da sociedade por força da alteração das “mentalidades” que
corresponde ao “reflexo conceitual de uma prática ou de uma descoberta
progressiva” (VOVELLE, 2004, p.17).
Sendo a atribuição de valores um fator primordial nas intervenções
urbanas, a questão central deste trabalho seria entender quais os valores que são
atribuídos ao Corredor da Vitória pelos diversos setores que se manifestaram
durante o processo de tombamento e suas repercussões. Os “valores” são aqui
considerados como uma “expressão resultante de relações e situações sociais”
(HELLER, 2004, p.5).
Com a discussão em torno dos valores atribuídos às edificações do
Corredor da Vitória pretende-se contribuir na busca por uma melhor definição sobre
os locais de importância histórica da cidade, assim como a pertinência do que deve
ser tombado, e conseqüentemente, fazer parte do patrimônio cultural.
Esta pesquisa tem como objetivo principal conhecer os valores que são
atribuídos aos monumentos de Salvador. No caso do Corredor da Vitória, foram
levantadas informações históricas sobre o processo de transformação da ocupação
urbana da área a partir de meados do século XIX e sua relação com a cidade;
levantadas e analisadas as tipologias arquitetônicas da área; pesquisado o processo
de verticalização e as novas intervenções arquitetônicas (edifícios atrás das casas);
levantado e discutido o histórico da legislação existente sobre a área; e finalmente,
levantado e discutido os valores atribuídos pelos diversos agentes em relação aos
monumentos do bairro da Vitória. Em relação ao edifício da prefeitura, foram
levantadas e analisadas informações sobre o processo movido pelo Ministério
Público Federal e as opiniões referentes ao caso.
21
O método de abordagem usado para a pesquisa foi o hipotético dedutivo,
em que com base em informações pré-existentes foi buscada a solução para o
problema. Utilizou-se o método de procedimento histórico, em que acontecimentos
do passado e do presente foram analisados e buscadas as semelhanças e
divergências entre eles.
Os dados secundários foram levantados em documentação indireta,
através de pesquisa bibliográfica (livros, dissertações, artigos, etc.), e pesquisa
documental realizada nos órgãos de preservação (IPHAN e IPAC), no Ministério
Público, e legislação existente. As reportagens dos jornais de maior circulação da
cidade, no período de junho de 2003 a fevereiro de 2007, foram pesquisadas na
Fundação Gregório de Mattos e no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Foram
realizados levantamentos de dados primários através de pesquisa de observação de
campo e entrevistas semi-estruturadas.
22
CAPÍTULO 1
A formação do patrimônio cultural nacional
23
1.1 Os valores na produção do patrimônio cultural
O culto a edifícios construídos com o objetivo de fazer recordar uma
pessoa, um acontecimento ou uma crença sempre fez parte da história do homem.
Neste sentido foram construídos as pirâmides, as esfinges e os Arcos do Triunfo,
construções que passaram a ser designadas por monumentos, conforme o sentido
do termo original em latim monumentum, derivado de monere, que significa advertir,
recordar (CHOAY, p.16).
A partir de um certo momento de sua história, o homem passou a cultuar
obras antigas que haviam sido construídas sem nenhuma intenção de adoração,
como igrejas, palácios e catedrais. Isso ocorreu a partir do século XV, na Itália,
quando os homens da renascença passaram a considerar os edifícios da
Antiguidade Clássica como verdadeiras obras de arte e fonte de inspiração. A partir
deste momento passou a haver uma distinção entre dois tipos de monumento: os
monumentos intencionados e os monumentos não intencionados.
Entretanto o monumento simbólico, erguido apenas para fins de
rememoração quase não existe mais hoje em dia. À medida que a sociedade passou
a dispor de técnicas mais eficazes, estes monumentos deixaram de ser erguidos e o
fervor que os rodeavam foram transferidos para os monumentos históricos (idem,
p.21).
O culto aos monumentos está diretamente ligado à atribuição de valores a
bens. A questão dos valores foi pioneiramente retratada por Aloïs Riegl no início do
século XX, em sua obra “O culto moderno aos monumentos”. Para traçar um plano
de reorganização da conservação de monumentos públicos na Áustria, Riegl
observou que era preciso primeiramente entender a questão do valor dos bens ao
24
perceber a profunda mudança que ocorreu naqueles últimos anos na concepção das
pessoas sobre o caráter do culto moderno aos monumentos (RIEGL, 1987, p.19).
Riegl destaca os seguintes valores que podem ser atribuídos aos
monumentos: o valor de antiguidade, o qual é perceptível nas marcas do tempo,
podendo ser identificado por qualquer pessoa; o valor histórico, que remete à
originalidade do monumento, sendo necessário ter uma base científica para poder
identificá-lo; o valor rememorativo intencionado, que se refere aos monumentos
intencionados; o valor instrumental, ou seja, de uso da edificação; e o valor artístico,
sendo que este pode ser um valor de novidade, mais apreciado pelas grandes
massas, ou um valor artístico relativo, que representa a apreciação da concepção,
forma e cor do monumento e não apenas como testemunho.
O valor histórico e o valor artístico aparecem ao mesmo tempo nos
monumentos. Desta forma, a distinção entre monumento histórico e monumento
artístico é inexata (idem, p.25). Outro comentário apontado por Riegl é que não
existe um valor artístico relativo absoluto, e sim um relativo, moderno (idem, p.27).
Um edifício pode não apresentar valor artístico para os homens de uma determinada
época e apresentar valor num período posterior.
A partir do momento que uma edificação é considerada como
monumento, a sua preservação passa a ser uma preocupação dos homens.
[...] preservar, quer sejam edificações, obras de arte ou literatura, é conjutamente, preservar a memória coletiva e a memória individual, pois tais ambientes ou objetos são representações materializadas do fazer social (MILET, 1988, p.14).
As práticas de preservação só passaram a ser efetivadas com a criação
dos Estados Modernos, a partir do século XVIII. Neste momento a conservação dos
monumentos passou a estar diretamente ligada com a formação de um patrimônio
nacional, fornecendo subsídios ideológicos para implantação de um sentimento de
25
nacionalismo na população. A constituição de patrimônios históricos e artísticos
nacionais nasceu com o objetivo de “reforçar uma identidade coletiva, a educação e
a formação de cidadãos” (FONSECA, 2005, p.21).
Um dos primeiros locais a constituir a noção de patrimônio cultural
nacional foi a França. A burguesia francesa, após conquistar o poder, necessitava
“ampliar suas bases ideológicas para fortalecimento do Estado-Nação”. Neste
período os conceitos de “povo”, de “nação” e de “fronteiras nacionais” se formaram e
se fortaleceram. “A ação da proteção aos bens culturais visa, nesse processo,
através do culto ao passado, desenvolver a formação da consciência nacional, a
educação e o respeito à tradição da nação” (MILET, 1988, p.66).
Nesse momento, pós Revolução Francesa, “as teorias de preservação se
articulavam com as exigências de legitimação do Estado Capitalista e com as
necessidades e anseios expressos pelos diversos setores sociais” (idem, p.72). Milet
aponta que a reforma de Paris implantada por Haussman consistia na aplicação da
teoria do “mise en valeur”, a partir do momento em que a nova urbanística atendia
aos interesses da classe capitalista, preservando, ao mesmo tempo, o monumento
excepcional. E complementa que a aplicação da noção do “mise en valeur” cria
situações históricas falsas na fisionomia urbana, “negando a história do monumento
e sua situação urbana” (idem, p.74).
No primeiro período da constituição do patrimônio cultural na França, os
proprietários dos símbolos políticos e religiosos escolhidos pelo Estado para
preservação não se contrapunham às restrições estabelecidas, já que “a
manutenção da memória significava também, reforço ideológico à própria
preservação e manutenção dessas instituições” (idem, p.76). Somente com a
ampliação do conceito de monumento foi que houve um conflito entre a preservação
26
e os setores do capital imobiliário, principal responsável pelo processo de expansão
urbana capitalista, “seja através da reincorporação do solo construído ao processo
produtivo, seja pela incorporação do solo rural” (idem, p.76-77). Isso ocorreu não só
em Paris como também nas cidades brasileiras.
No Brasil, a instauração do Estado Novo, em 1937 e o desejo de criar
uma identidade nacional como forma de garantir a permanência no poder de uma
nova classe dominante, daria subsídios para implantação de um serviço específico
destinado a proteger as obras de arte e de história do país, representado pelo
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Tendo iniciado suas
atividades em 1936, o SPHAN2 só foi regulamentado com a lei nº 378, de 13 de
janeiro de 1937, quando passou a integrar oficialmente a estrutura do Ministério da
Educação e Saúde (MES).
Com o Decreto-lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, que “organiza a
proteção do patrimônio histórico e artístico nacional”, foi constituído que os bens
móveis e imóveis de interesse público, por serem vinculados a fatos memoráveis ou
por possuírem excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico, só seriam considerados como parte integrante do patrimônio histórico e
artístico nacional depois de inscritos num dos quatro Livros do Tombo: o
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, o Histórico, o das Belas Artes ou o das
Artes Aplicadas. O tombamento era a forma que o poder público tinha para
determinar que certos bens culturais seriam objeto de proteção especial.
Cabia aos intelectuais o desafio de selecionar os bens “móveis e imóveis”
que iriam construir uma representação da nação. Esses bens selecionados a partir
da atribuição de determinados valores, constituiriam o patrimônio cultural do país. 2 Em 1946 o SPHAN passou a ser denominado como Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN) e em 1970 se transformou em Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
27
Para efetivar um tombamento, foi necessária a criação de um órgão
deliberativo – o Conselho Consultivo - efetuado com a lei nº 378 de 13 de janeiro de
1937, composto pelo diretor do SPHAN, pelos diretores dos museus nacionais e por
dez membros nomeados pelo presidente da República. Para cada solicitação de
tombamento é aberto um processo pelo órgão e escolhido um relator pelo presidente
do Conselho. As decisões são tomadas por maioria de votos.
De 1937 a 1969 o SPHAN foi dirigido por Rodrigo Melo Franco de
Andrade, que procurou aliar a sua narrativa aos ideários do Estado Novo. Rodrigo
defendia que o “Brasil existe na medida em que possui um passado e uma tradição”,
sendo então necessário o resgate do passado para assegurar o desenrolar do
processo de civilização (GONÇALVES, 2002, p.64).
Conforme o desejo da burguesia, Rodrigo concebeu um passado barroco
e católico, valorizando apenas os monumentos arquitetônicos históricos e religiosos
do período da colonização portuguesa e em sua maioria situados numa determinada
região do país, mais precisamente Minas Gerais (idem, p.64).
[...] tal concentração do patrimônio cultural brasileiro em Minas Gerais pode ser interpretada como efeito de uma política de preservação histórica na qual o regionalismo é considerado como um importante valor (idem, p.69).
No Brasil, da mesma forma como ocorreu na França, no primeiro
momento da constituição do patrimônio cultural do país não houve uma
contraposição dos proprietários que tinham seus bens tombados, já que os
proprietários eram, em sua maioria, a igreja e o estado. Somente num segundo
momento em que “o ideário preservacionista amplia a noção de patrimônio cultural
do monumento isolado para o entorno do edifício, os conjuntos urbanos, as cidades
e o ambiente natural” (MILET, 1988, p.190), foi que se iniciou o conflito entre os
interesses capitalistas envolvidos com o solo urbano e o ideário protecionista
expresso na legislação.
28
Dentro deste trabalho, a disputa pelos “direitos de propriedade” está
explicitada no momento em que os proprietários de mansões do Corredor da Vitória,
interessados em sua venda, se mostrarão completamente avessos à possibilidade
de tombamento e, conseqüentemente, do reconhecimento de suas propriedades
como patrimônio cultural.
É preciso entender que um setor urbano ao ser tombado passa a ser
regido por uma lei especial, que lhe atribui um valor, diferenciando-o dos demais
ambientes construídos da cidade. Gonçalves apresenta as seguintes conseqüências
para os proprietários após o tombamento de um determinado bem:
[...] entre as principais conseqüências do ato formal de apropriação nacional de um bem cultural estão várias restrições impostas sobre os direitos de propriedade privada. Assim, o proprietário de um bem tombado não pode demolir, reparar ou restaurar ou nele realizar qualquer alteração sem antes obter uma autorização oficial concedida pelo Sphan. O desrespeito a essa imposição legal é classificada como crime previsto no Código Penal Brasileiro. Se o proprietário decide vender sua propriedade tombada, ele é legalmente obrigado a informar o Estado sobre a venda. Objetos de arte e de valor histórico não podem deixar o país sem prévia autorização (GONÇALVES, 2002, p.66-67).
Esse conflito entre os interesses do capital imobiliário e os ideários
preservacionistas ocorrem devido ao valor de uso do solo urbano, que é expressado
pela “capacidade e condições de criar espaços segundo necessidades sociais”
(MILET, 1988, p.39). Os ambientes construídos sobre o solo urbano também
possuem valor de uso na medida em que representam “o suporte físico para
desenvolvimento das atividades urbanas tanto de ordem coletiva, como de ordem
individual” (idem).
Estas necessidades sociais podem ser traduzidas pelos desejos de sua
população, pela sua forma de apropriar o espaço. Isso pode estar vinculado ou a
construção de um espaço completamente novo, ou à apropriação de espaços
antigos. Entretanto no Brasil, a sociedade não tem se mostrado como valorizadora
29
de seu passado, o que tem levado à destruição de objetos que traduzem o
significado de sua história.
Parece claro que uma sociedade onde se pensa que tudo pode ser destruído ou conservado, tem uma noção de história – passado e presente – completamente abstrata. Nestas condições, ela não é uma forma de conhecimento, não é um chão de enraizamento, não se produz como referência com a qual se possa refletir sobre a experiência social (PAOLI, 1992, p.26).
As transformações dos ambientes das cidades serão conseqüência da
relação entre o regime de propriedade do solo e as regras de apropriação do meio
ambiente estabelecida. Ao ser apropriado privadamente, o solo urbano e os
ambientes construídos passam a constituir-se em mercadoria, sendo chamados de
bens imobiliários. O valor desses bens é determinado pela superposição de valores
de uso potenciais, que são estabelecidas pelas leis de uso do solo. O tombamento
pode desvalorizar um bem imobiliário, devido às restrições de uso estabelecidas, ou
poderá valorizá-lo, conforme afirma Milet:
Frente a esses conflitos, e em defesa da preservação dos bens culturais, levanta-se o argumento da sua viabilidade econômica através do turismo, considerando que a experiência teria demonstrado que o passado seduz mais as pessoas que o presente. [...]. Assim, chega-se à noção de que a memória é uma fonte de riqueza, e essa será a tônica principal da prática preservacionista contemporânea (MILET, 1988, p.77).
Para garantir a lucratividade de seus negócios relacionados ao mercado
imobiliário, a classe dominante tem procurado manter o controle tanto da legislação,
que muitas vezes é modificada para permitir novos empreendimentos, como da
prática preservacionista. Isso ocorre não somente em Salvador, que será retratado
neste trabalho, como também em outras cidades brasileiras, a exemplo de São
Paulo, conforme relato de Cássia Magaldi:
Esta disparidade caracteriza a permanente tentativa de controle das classes dominantes sobre os critérios e as práticas de preservação neste país, que se materializa por um lado pelo cultivo do consumo sofisticado e, por outro, na aposta quanto à permanência do jogo da especulação imobiliária e o lucro desenfreado como último critério no uso do solo urbano. Se em uma grande metrópole como São Paulo a preservação do patrimônio ambiental urbano imóvel encontra tantos obstáculos, desencadeia tanta discussão e dá origem a tantos protestos de proprietários e incorporadores indignados, é
30
justamente por ser considerada antagônica aos conceitos e políticas ditadas pelos grandes especuladores e empreiteiras, que transformam a cidade de acordo com suas diretrizes privadas – e, pelo menos até aqui, com a anuência explícita ou implícita dos poderes constituídos (MAGALDI, 1992, p.22).
Dentro dessa tônica de conflitos entre valores dos bens imobiliários e a
prática preservacionista, este trabalho irá se desenvolver a partir da análise de
acontecimentos ocorridos na cidade de Salvador. Para entender um dos estudos de
caso apresentados, o processo de tombamento do IPHAN para o Corredor da
Vitória, será preciso apresentar anteriormente a questão da valorização do estilo
eclético dentro dos órgãos preservacionistas, já que este é o estilo das mansões
remanescentes do local estudado.
31
1.2 Os órgãos de preservação e o ecletismo.
Na segunda metade do século XX, o Corredor da Vitória teve sua
paisagem urbana intensamente modificada com a construção de altos edifícios a
partir da demolição das mansões ecléticas que configuravam o local desde as
primeiras décadas deste século. A quase totalidade do desaparecimento dos
exemplares de arquitetura característicos dos primeiros anos da república no Brasil
se deu pelo fato de não haver nenhum tipo de proteção legal que favorecesse a sua
preservação.
Apesar da prática de tombamento, instalada com o Decreto-lei nº 25/1937
fornecer subsídios para impedir, ao menos, a demolição legal dos edifícios
considerados como patrimônio cultural, nos primeiros anos de atuação do IPHAN, o
ecletismo não foi considerado como um estilo que pudesse caracterizar a cultura
brasileira.
Muitos críticos de arquitetura consideram os exemplares ecléticos como
sendo de “mau gosto”, fato que levou ao não interesse pela sua preservação. Por
esse motivo, são escassos os exemplares de arquitetura eclética em todo o Brasil.
Paulo Santos considera o ecletismo como uma “mescla múltipla e
morfologicamente indefinível” dos estilos Neoclássico e Romântico. Para ele as
edificações desta época não apresentavam “apuro de forma, proporções e gosto que
caracterizara as obras de meados do século [XIX]” (SANTOS, 1981, p.69-70).
Eram típicas dessa época as casas com pilastras apaineladas (às vezes de ornamentação sobreposta); sacadas pesadamente estucadas, ou de grades; entablamentos pseudoclássicos com perfilados nas pilastras às vezes arredondados dos cunhais; modilhões e mísulas nas cimalhas, que eram protegidas na parte de cima, por fiadas de telhas de Roux Frères de Marselha; pesadas platibandas de tramos de balaustradas intercalados de estilóbatas e compoteiras de massa, tendo ao centro grandes complicadas cartelas, que formavam, em conjunto, espécie de atiço em que os estucadores - entre os quais muitos portugueses e italianos -, exibiam toda a sua habilidade e fantasia [...] (SANTOS, 1981, p.70).
32
Godofredo Filho também retratou o exagero decorativo do ecletismo,
apesar de assumir que internamente as casas apresentassem boas soluções.
Tudo de ornamentalmente pomposo, de praticamente inútil além de feio, cúpula, estátuas, florões, pináculos, águias de asas espalmadas no vôo, tudo, no seu exterior, se aglomerou num despropósito, pelo prazer pueril de carregar na ornamentação e boquiabrir os ingênuos. Era o fervor do gesso e da cola, o festival do estuque, embora internamente a planta permitisse vestíbulo e salão nobre de agradáveis proporções, sobretudo este, e saguão espaçoso de onde arranca monumental e bela escadaria de vidro e bronze (GODOFREDO FILHO, 1984, p.20).
O arquiteto italiano Luciano Patetta mostrou que o ecletismo, ao contrário
do que muitos pensam, não foi um período homogêneo e sim, com diferentes
manifestações e direções divergentes e às vezes, contraditórias. Suas pesquisas
distinguem a arquitetura eclética em três correntes principais: a da composição
estilística, que se baseava na imitação coerente de determinado estilo arquitetônico
do passado (pertencem a esta corrente as tendências neogregas, neo-egípsias e
neogóticas); a do historicismo tipológico, onde a escolha do estilo deveria ser
orientada pela finalidade a que se destinava o edifício (o misticismo e a religiosidade
da Idade Média eram escolhidas para as Igrejas, a elegância da Renascença para
os edifícios públicos, o Barroco e os estilos orientais eram escolhidos para os
equipamentos de lazer, o Classicismo para os edifícios do governo e os museus); e
os pastiches compositivos que
[...] com uma maior margem de liberdade, “inventava” soluções estilísticas historicamente inadmissíveis e, às vezes, beirando o mau gosto (mais que, muitas vezes, escondiam soluções estruturais interessantes e avançadas (PATTETA, 1987, p.14-15).
São a estes pastiches compositivos que Paulo Santos e Godofredo Filho
fazem referência em suas críticas e que são encontradas na maioria das mansões
do Corredor da Vitória. Mas a decoração exagerada que escondia as novas
soluções estruturais em ferro e concreto das construções era feita por uma razão de
33
“decoro”, segundo os costumes burgueses da época vitoriana (PATETTA, 1987,
p.15).
Estes comentários sobre o ecletismo na arquitetura levam à compreensão
das razões que dificultaram o reconhecimento deste estilo dentro dos órgãos
responsáveis pela preservação do patrimônio cultural, tanto a nível federal como
estadual. É preciso conhecer como tem sido o reconhecimento da arquitetura
eclética dentro destes órgãos para compreender as razões que ocasionaram a não
proteção das mansões do Corredor da Vitória.
A constituição do patrimônio cultural dentro do IPHAN, a partir da prática
do tombamento, se voltou, no primeiro momento, a procurar associar as origens e
tradições brasileiras aos exemplares do século XVI, XVII e XVIII, eliminando as
experiências do ecletismo e da “art nouveau”. Até a década de 60, dentre os
tombamentos realizados, o barroco representava o estilo mais valorizado, seguido
pelo neoclássico e pela arquitetura moderna, que já em 1947 teve seu primeiro
exemplar tombado3. O eclético, considerado a ovelha negra da arquitetura brasileira
pelos modernistas, apesar de ser o estilo representativo do início da República no
país, até os anos 70 só apresentava três imóveis tombados devido ao seu valor
histórico (FONSECA, 2005, p.115).
Em 1973, três edificações ecléticas foram tombadas pelo seu valor
artístico, marcando o início de uma mudança de mentalidade em relação a este
estilo. As três edificações localizadas à Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, que
foram inscritas no Livro de Belas Artes do IPHAN são: a Biblioteca Nacional, o prédio
da Caixa de Amortização, atual Banco Central e o Museu Nacional de Belas Artes.
Todos os três edifícios foram construídos entre 1905 e 1910 e apresentam
3 A Igreja de São Francisco de Assis ou “Igrejinha da Pampulha”, foi concebida pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A construção foi concluída em 1945.
34
elementos típicos do ecletismo como colunas monumentais, frontões, molduras,
cornijas, transitando por diversas ordens clássicas ou inspiradas no Renascimento.
Mesmo com estes tombamentos, a valorização do estilo eclético ainda
não tinha sido totalmente reconhecida, como pode ser constatado com a demolição
do Palácio Monroe, também localizado na avenida Rio Branco, no Rio de janeiro.
Construído em 1904, para ser o “Pavilhão do Brasil” na Exposição de Saint Louis,
Estados Unidos, o edifício recebeu inúmeros elogios internacionais sendo inclusive
condecorado com o maior prêmio de arquitetura da época. Sua estrutura (metálica
com chapa de concreto) permitiu a sua reconstrução em 1906, no Rio de Janeiro,
representando o primeiro edifício oficial inaugurado na avenida Central. Em 1974 o
jornal “O Globo”, apoiado por modernistas como Lúcio Costa, iniciaram uma
campanha pela demolição do “monstrengo arquitetônico da Cinelândia”, como era
denominado pelo jornal, com a justificativa do edifício atrapalhar o trânsito e a
construção do metrô. O Palácio foi finalmente demolido em 1976 (PALÁCIO...,
2007).
FIGURA 01: Palácio Monroe, no Rio de Janeiro. (PALÁCIO..., 2007)
A partir da década de 70, o IPHAN passou a incentivar uma política de
descentralização, formalmente explicitada nos documentos elaborados em reuniões
realizadas com governadores, o que possibilitou um maior reconhecimento do estilo
35
eclético, pelo menos a nível regional. Nos documentos Compromisso de Brasília
(1970) e Compromisso de Salvador (1971) havia recomendação para que os
“estados e municípios exercessem uma atuação supletiva à federal na proteção dos
bens culturais de valor nacional, e assumissem, sob orientação técnica do então
DPHAN, a proteção dos bens de valor regional” (FONSECA, 2005, p.142-143). Para
isso era necessária a criação de instituições e legislações próprias para cada estado.
Na Bahia, a primeira legislação criada para proteger o patrimônio cultural
do estado é representada pela lei nº 3 660 de 8 de junho de 1978, que “dispõe sobre
o tombamento, pelo Estado, de bens de valor cultural”. Segundo o Decreto-lei nº 26
319, que regulamenta esta lei, o tombamento deveria ser feito mediante proposta
justificada da Fundação do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia4, acompanhada
sempre de parecer do Conselho Estadual de Cultura (CEC). Os bens tombados
deveriam ser inscritos num dos quatro livros de tombo: Livro para tombamento de
bens imóveis do Estado, dos Municípios e das autarquias, Livro para tombamento de
bens móveis do Estado, dos Municípios e das autarquias, Livro de tombamento de
bens imóveis de pessoas de direito privado e Livro para tombamento de bens
móveis de pessoas de direito privado.
As primeiras solicitações para tombamento estadual na Bahia foram
originárias do CEC e realizadas a partir de 1979 (CASTRO, 2006, p.15). O Conselho
foi criado em 1967 com a Lei nº 2 464, de 13 de setembro de 1967, sendo integrado
por doze membros titulares e com finalidade de formular a política cultural do
Estado. Mas foi o decreto-lei nº 25 264/76 que permitiu ao CEC emitir pareceres
sobre o tombamento de bens culturais. Esta mesma lei passou a vincular o Conselho
à Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia e foi baseado nela que o
4 Em 1980 a Fundação do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia passou a ser denominado Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC).
36
conselheiro Thales de Azevedo apresentou ao CEC, em sessão plenária de 15 de
janeiro de 1982, um parecer para tombamento estadual do antigo Palacete
Comendador Bernardo Martins Catharino, sito na Rua da Graça nº 292. Esta
residência funcionava, desde 1968, como sede do Conselho Estadual de Cultura e
em 2006 foi restaurada para ser usada como dependências do Museu Rodin Bahia.
Thales de Azevedo, em seu parecer, comentou sobre o testemunho do
palacete de uma etapa da história social e urbana de Salvador na transição para o
século XX, quando os ricos trocavam o sobrado de parede-meia do Pelourinho pela
‘vileta’ em meio a amplos jardins, “o estilo colonial pelo Ecletismo cosmopolita.” E
propunha o tombamento:
Primeiro, pelo seu valor arquitetônico intrínseco, como um dos mais representativos exemplares de residência abastada baiana, do início deste século. [...]. Segundo, o palacete testemunha, no particular, uma etapa da história social e urbana de Salvador (AZEVEDO, 1982).
O palácio em questão foi construído entre 1911 e 1912, projeto do
arquiteto Rossi Baptista, imigrante italiano. O projeto compreendia
[....] no porão: biblioteca, sala de bilhar, gabinete, adega, apartamento de três peças para criados, lavanderia e garagem; no 1º pavimento: vestíbulo, sala de visitas, salões de jantar e de música, salas de almoço e de costura, gabinete, aposento do mordomo, copa e cozinha; no 2º pavimento, 10 quartos, saleta, terraço e varandas (GODOFREDO FILHO, 1984, p.24).
Equipamentos para uso e bem-estar, a maioria importado, traduzia o
gosto e conforto próprios do ecletismo: louça dos sanitários, escada metálica,
elevador, vidros, cristais, parquets, mármores, ladrilhos, ferragens. Havia também
um mirante, elemento que voltou à moda com o ecletismo, mais como decoração do
que com sua real função de apreciar vistas panorâmicas.
Godofredo Filho, na função de relator do processo do Conselho Estadual
de Cultura, também emitiu parecer (nº 10/82) referente ao tombamento do palacete.
Iniciou seu texto considerando escassas ou não suficientemente significativas as
37
manifestações do ecletismo no casario de Salvador. Além disso retratou que o
ecletismo arquitetônico brasileiro e o baiano, em particular, apresentavam em suas
feições externas uma linguagem simplificada dos vários estilos, carregando-os de
superposições espalhafatosas, “num gosto às mais das vezes empolado e equívoco”
(GODOFREDO FILHO, 1984, p.26).
Em relação ao antigo palacete Catharino, o autor apontava um adorno
excessivo da fachada com o uso de
platibandas, óculos, águias, pináculos, medalhões, carantonhas, cartelas, rosetas, conchas, colunas de capitéis floridos e fustes abraçados de laçarias de que pendem rosas, balaustradas teoricamente num perene convite ao debruçar-se e ao mostrar-se (GODOFREDO FILHO, 1984, p.26).
Apesar de considerar o palacete Catharino “uma casa com pecados
plásticos de difícil absolvição, os de mau comportamento funcional e de ausência
daquela unidade global que configura uma solução arquitetônica sincera”
(GODOFREDO FILHO, 1984, p.27), o relator conclui pelo tombamento do imóvel por
considerá-lo o mais representativo exemplo de arquitetura civil de função privada
dentro dos padrões ecléticos na cidade de Salvador.
Seguindo o andamento do processo, foi emitido um outro parecer pelo
mesmo relator, em resposta a um ofício encaminhado pelo diretor do IPAC
solicitando a análise da proposta de tombamento dizendo que
[...] somos pelo tombamento sem delongas do Palacete Com. Bernardo Martins Catharino ou Palacete Catharino, juntamente com seus jardins de frente, dos lados e de fundo, nos limites atuais, incluindo a arborização, para o que se faz mister, posteriormente, um levantamento cadastral da área ajardinada, com a notação das espécimes vegetais mais importantes, a ser promovido pelo IPAC (GODOFREDO FILHO, 12 mar. 1984).
O imóvel foi finalmente tombado em 1986, segundo o Decreto nº 33 252.
Desde então não foi tombado nenhum outro imóvel em estilo eclético no Estado.
38
FIGURA 02: O Comendador Catharino e a família nos jardins em frente Palacete (Fonte: AZEVEDO, 2006, p.66)
Percebe-se nas palavras de Godofredo Filho que, em sua opinião, a
cidade de Salvador não apresentava edificações em estilo eclético dignas de serem
tombadas. O tombamento da Mansão Bernardo Catharino foi aprovado por ser
considerado o melhor representante desta arquitetura na cidade, e não pelas suas
qualidades. O ecletismo dentro do estado da Bahia, da mesma forma que em todo o
Brasil, continuava a representar um tabu para a elite cultural.
A falta de valorização do estilo eclético pelos profissionais ligados a área
de preservação levou à quase total destruição dos exemplares desde tipo em todas
as capitais do Brasil. Um dos edifícios ecléticos mais importantes destruídos por esta
falta de conscientização, o Palácio Monroe, no Rio de Janeiro, teve inclusive o
pedido de tombamento negado pelo IPHAN na década de 70. Aqui na Bahia, o
tombamento estadual do Palacete Bernardo Catharino, em 1982, não gerou frutos,
ficando os outros exemplares do mesmo estilo sem nenhum tipo de proteção.
39
CAPÍTULO 2
O bairro da Vitória na cidade de Salvador
40
2.1 A primeira fase de modernização da cidade.
Para reconhecer a importância histórica do Corredor da Vitória, é preciso
situá-lo dentro da evolução da cidade, a fim de compreender que significados
possuem a sua conformação urbana e os seus exemplares arquitetônicos.
A ocupação do bairro da Vitória foi intensificada a partir do século XIX. Ao
mesmo tempo em que a cidade sofria um intenso processo de migração, devido aos
lavradores que fugiam da seca do sertão5, comerciantes ricos e estrangeiros elegiam
a “Estrada da Vitória” como o melhor local da cidade para fixarem as suas moradias.
Na verdade, ocorria na cidade, neste período, dois processos de
ocupação diferenciados: enquanto a população que chegava na cidade ia ocupando
novos vetores de crescimento a partir da ligação entre vales e cumeadas6, os
habitantes de maior poder aquisitivo trocavam os velhos sobrados por residências
que traduzissem os novos costumes de influência européia. A região do Campo
Grande, Corredor da Vitória e Graça foi o local escolhido para instalação destas
novas moradias da elite da cidade.
A vinda da família real para o Rio de Janeiro em 1808 e a conseqüente
abertura dos portos da colônia proporcionaram um maior intercâmbio cultural com a
Europa, influenciando diretamente no estilo de vida das pessoas que tinham
condições financeiras de adquirir os mais variados produtos importados. Na
arquitetura, isso se refletiu não só nos projetos, como também nos materiais
utilizados na construção e decoração.
5 A cidade que no início deste século apresentava uma população de 45 mil habitantes, chegou ao início do século XX com uma população de 206 mil (SANTOS,1959, p.41-42). 6 Nessa época, além das ocupações que avançavam pela segunda linha de cumeada, onde se encontram Nazaré, Palmas e Desterro, já ultrapassava-se a terceira linha de cumeada, além dos limites do Dique do Tororó. Já existiam núcleos populacionais nos seguintes locais: Brotas, Rio Vermelho ou São Gonçalo, Cabula, Matatu, Quinta das Beatas, Acupe de Brotas e Estrada de Brotas (PINHEIRO, 2002, p.201).
41
Devido à influência estética européia, os exemplares arquitetônicos deste
período apresentam traços do Neoclassicismo e do Romantismo. Apesar de ambos
os movimentos terem em comum a evasão para o passado, o Romantismo se
opunha ao formalismo classicista, buscando representar uma tendência de espírito a
partir de variadas expressões formais7. Já o Neoclassicismo, que no velho
continente representava uma revivência de formas da antiguidade clássica greco-
romana, assumiu, no Brasil, a peculiaridade de raramente recuar aquém da
Renascença, pois o arquiteto que maior importância teve na sua implantação aqui,
Grandjean de Montegny, estudava principalmente os arquitetos deste período, como
Andréa Palladio, Benedeto da Maiano, Micheloso, Antonio da San Galo,
Michelangelo e outros (SANTOS, 1981, p.52).
A composição plástica do Neoclassicismo foi geralmente caracterizada
pela superposição de elementos de ordens clássicas, predominando no pavimento
térreo a toscana, ou a dórica e, no superior, a jônica ou a coríntia, geralmente sob
forma de pilastras (aqui no Brasil, pois na Europa eram freqüentes as colunatas). Os
telhados eram sempre encobertos por platibandas – “de almofadas ou balaústres
intercalados de estilóbatas que sustentam estátuas ou vasos de mármore ou de
loca” – desaparecendo os beirais de telhas à vista. O uso de frontão triangular, tanto
na arquitetura religiosa como na civil era outra característica marcante. O arco pleno
substituiu o arco abatido, alternando-se com o uso da verga reta. Dragões, motivos
alegóricos e mitológicos e figuras da antiguidade clássica eram freqüentes nas
fachadas. A monumentalidade do edifício era favorecida pelo crescimento do pé-
direito, que aumentava a cada pavimento. Além disso, existe uma série de detalhes
decorativos, como estátuas de mármore, vidros desenhados, escadas com 7 Na França, o romantismo estava associado a uma crítica à cidade industrial e à busca por uma identidade nacional. Na arquitetura isto foi expressado através da retomada do estilo do medievo (MILET, 1988, p.69). No Brasil, o romantismo na arquitetura foi marcado pela retomada do estilo colonial.
42
corrimãos livres, pisos de mármore colorido, parquets de duas ou três madeiras, teto
em estuque e clarabóias que retratavam a riqueza que um edifício deste estilo
deveria representar (SANTOS, 1981, p.52).
Além da parte externa da casa, que apresentava uma nova estética,
internamente, a disposição dos espaços também obedecia a novos costumes. Era
comum o uso do pavimento térreo como uma área social, e o pavimento superior
como área íntima da residência.
A maioria dos exemplares de residências neoclássicas em Salvador foram
perdidos no tempo pois muitas delas sofreram reformas entre o final do século XIX e
início do XX, principalmente durante a execução da Avenida Sete de Setembro,
segundo os conceitos ecléticos. Dentre as edificações neoclássicas que haviam no
Corredor da Vitória, encontra-se a residência do negociante José Cerqueira Lima, já
desaparecida, e a casa nº 290, atual nº 2445, pertencente à família Cunha Guedes,
considerado por Godofredo Filho (1984, p.18) como o exemplar mais intacto que
chegou aos nossos dias.
FIGURA 03: Palacete do comerciante Cerqueira Lima, na Vitória, vendo-se o grande semicírculo que ele mandou construir para o retorno de suas carruagens, fins século XIX No local, desde 1983 está Museu da Arte da Bahia. Fonte: SAMPAIO, 2005, p.83.
43
A chamada “casa da mangueira” pertencente à família Cunha Guedes,
denominada desta forma devido a imensa árvore secular que se encontra encostada
ao muro, possui as seguintes características:
[....]. É afastada da rua. Tem dois pavimentos e porão. Em sua fachada principal, vê-se pórtico de arcaria de volta perfeita sustentada por colunas de capitel jônico, com balaustrada inserida entre as mesmas como na Loggia Del Consiglio, em Verona. A escadaria principal, sem prejuízo de uma outra, lateral, semelhantemente sobranceira, leva-nos ao vão do arco central. Cunhais apilastrados. No andar superior, abrem-se janelas geminadas, de arco de volta plena, sobrepujadas de óculo central e todas ao abrigo de molduras em ressalto, também de arco perfeito, numa inequívoca reminiscência das soluções renascentistas dos palácios Strozzi e Rucellai (GODOFREDO FILHO, 1984, p.18).
FIGURAS 04 e 05: A atual mansão da família Cunha Guedes em foto no início do século (Fonte: VIANNA, 2004) e nos dias atuais. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006.
Ao lado das construções neoclássicas que configuravam na cidade, o
estilo Romântico também ia sendo construído. A permanência da casa de formas
tradicionais, com beiral de telhas à vista, sem platibanda era um exemplo do
sentimento romântico. Outro tipo de construção deste estilo era representado pelos
chalets. Construído primeiramente em áreas suburbanas, foi difundido no início do
século XX pelas áreas da cidade em fase de adensamento.
Outras referências de fundo romântico eram a presença de jardins e o
apreço pelos estilos históricos (Neomanuelino, Neogótico, etc). Havia inclusive uma
casa mourisca de Fernando Machado no Corredor da Vitória, infelizmente já
derrubada (GODOFREDO FILHO, 1984, p.21).
44
Além de influenciar a arquitetura, a abertura dos portos também
proporcionou a introdução de um sistema de transporte em Salvador, com a
importação de novas tecnologias. De início, a preocupação do governo era atender
aos ricos moradores e comerciantes que visitavam a cidade, a partir de uma
articulação entre um sistema de bondes e planos inclinados que fariam a ligação
entre as cidades alta e baixa:
O objetivo principal desse projeto era permitir que altos comerciantes, nacionais e estrangeiros, ao chegar à cidade alta, através do elevador hidráulico, se dirigissem, comodamente, a suas residências e vice-versa, rumo ao Comércio. Visava também atender ao lazer, jantares, reuniões literárias ou dançantes em mansões e sobrados de parentes e amigos e, sobretudo, às apresentações de Companhias estrangeiras, no Teatro Público São João e Politeama. Os veículos a ser adotados tinham cerca de 20 lugares e corriam suavemente sobre trilhos, puxados por até dois animais (SAMPAIO, 2005, p.192).
Sendo a Vitória o bairro que abrigava a elite da sociedade, este foi o local
escolhido para implantação do primeiro bonde da cidade alta. A obra, realizada pela
Companhia de Transportes Urbanos, previa a ligação do Palácio Rio Branco ao já
considerado elegante bairro da Vitória. Após um mês e meio de trabalhos, foi
inaugurada uma parte deste percurso, ligando o Largo da Vitória até a Piedade.
Assim, pela primeira vez, no dia 18 de dezembro de 1869, os moradores da Vitória puderam deslocar-se até o largo da Piedade, suavemente, sobre os trilhos dos bondes da Companhia Transportes Urbanos. Menos de um mês depois do assentamento dos primeiros trilhos no largo da Vitória, em 4 de dezembro de 1869. As obras seguiram em ritmo acelerado, durante um mês e meio para, naquele dia, oferecer à comunidade baiana da cidade alta o conforto do transporte sobre trilhos, na nova linha Vitória-Piedade (SAMPAIO, 2005, p.190).
Os planos inclinados e o elevador hidráulico, ao lado dos bondes,
causavam euforia na população, ansiosa pelos confortos da modernidade. A
implantação do Elevador Hidráulico da Conceição (conhecido posteriormente como
Elevador Lacerda), inaugurado no final do ano de 1873, representou um marco na
implantação destas novas tecnologias, tanto a nível residencial como no plano
urbano, que traduzem o século XIX como o início de uma corrida pela modernidade.
45
Mas os problemas econômicos, gerados com a abolição dos escravos no final do
século XIX, tornaram esta corrida lenta, causando insatisfação dos seus cidadãos
que não encontravam na cidade, que continuava a crescer demograficamente,
condições de moradia.
FIGURA 06: Passadiço de entrada do Elevador Lacerda em 1938, na Praça do Palácio. Fonte: SAMPAIO, 2005, p.187.
Em resposta a esta apatia econômica, o prefeito José Joaquim Seabra irá
liderar uma intensa reforma urbana com o objetivo de retomar o caminho da
modernidade para a cidade.
46
2.2 A reforma urbana de J.J. Seabra: a chegada para a modernidade.
Os tempos de glória da produção agrícola, na Bahia da primeira metade
do século XIX8, que impulsionaram o crescimento da cidade não foram eternos. A
abolição da escravatura em 1888 marcou também a decadência da cultura da cana-
de-açúcar e da indústria açucareira, que se utilizavam, basicamente, da mão-de-
obra escrava. A indústria têxtil, que começava a ser implantada em outras capitais
do país não encontrou na Bahia capitais disponíveis para o seu desenvolvimento.
Em 1890, a cidade perdeu o posto de 2ª cidade brasileira para a cidade de São
Paulo. Entre 1920 e 1940, Recife ultrapassa Salvador.
Apesar dessa desaceleração da economia do estado, período que iria se
estender até meados do século XX e ficaria conhecido como “enigma baiano”, a
cidade seguia “vivendo de suas glórias passadas, de seu antigo prestígio de
metrópole comercial, centro administrativo e religioso” (PINHEIRO, 2002, p.199).
Enquanto o Rio de Janeiro e São Paulo, que apresentavam, neste período,
economias mais desenvolvidas, realizavam reformas inspiradas no modelo de
Paris9, Salvador permanecia mergulhada em seu orgulho da tradição de ter sido a
cidade mais importante do Brasil, e na inveja da modernidade que o fracasso da
economia impedia de alcançar.
O processo de modernização que se desenvolvia lentamente na cidade
ao longo do século XIX, em resposta à necessidade de estruturar a urbe para
acomodar a população, como a implantação do sistema de transporte e dos novos
serviços urbanos, seria atropelado pelo “urbanismo demolidor” implantado pelo
prefeito José Joaquim Seabra durante a sua gestão (1910-1914). 8 Estimulada pela Revolução Industrial européia, a Bahia atingiu neste período o seu ápice na produção de cana-de-açúcar, ao mesmo tempo em que produzia café, algodão e cacau (SANTOS, 1959, p.39-40). 9 Refere-se as reformas realizadas sob o comando do Barão de Haussman entre os anos 1853 e 1870.
47
J. J. Seabra havia vivenciado a reforma carioca (1902-1906) como
Ministro da Justiça, e trouxe para a Bahia o mesmo conceito das intervenções
urbanas que estavam ocorrendo nas demais cidades brasileiras, ou seja, a tradição
não poderia impedir a modernização da cidade. Foram colocados abaixo diversos
monumentos como a Igreja da Ajuda e a Igreja de São Pedro Velho, além de
diversos casarões coloniais com a finalidade de favorecer a circulação nas ruas
centrais como Misericórdia e Rua Chile. A Avenida Sete foi construída a partir do
alargamento de ruas e becos existentes e demolições de parte de edificações que
avançavam sobre o novo traçado da rua. Além disso, desde esta época já era
prevista a demolição da Igreja da Sé10, fato somente consumado em 1933.
As novas construções e as reformas realizadas neste período seriam
marcadas pelo estilo eclético, seguindo os novos conceitos estéticos que eram
aplicados da Europa. O esgotamento da ordenação e firmeza do traço do
neoclassicismo e o nervosismo por uma necessidade de mudança estimulada pelas
novas tecnologias foram traduzidos pelo ecletismo.
O ecletismo foi disseminado pela cidade, atingindo muitas vezes somente
a fachada dos edifícios, que buscavam se adequar aos novos padrões de estética.
Como exemplares de função pública deste estilo na cidade, tem-se a Associação
dos Empregados do Comércio da Bahia (1917) e o Palácio Rio Branco (1912-1914)
considerado o mais importante. Havia também a Imprensa Oficial, a Biblioteca
Pública, o Tesouro do Estado e o Kursaal, todos já demolidos.
10 Apesar da demolição da igreja e ter sido pensada em 1912, dentro do esquema geral de “melhoramentos” previsto para a cidade pelo governo de J.J. Sebra, somente em 1916 é que surgiu uma proposta concreta da Companhia Circular da Carris da Bahia, concessionária do serviço de bondes na cidade, que pretendia facilitar o trajeto de seus veículos até a Sé, sendo que para isso seria necessário cortar ou derrubar o templo. A igreja só foi derrubada em 1933, após um longo período de negociações entre a Arquidiocese, a Prefeitura e a Companhia Circular.
48
FIGURAS 07 e 08: A Associação dos Empregados no Comércio da Bahia, inaugurada em 1900 e Biblioteca Pública, fundada em 1811. Fonte: VIANNA, 2004.
FIGURA 09: Palácio Rio Branco reconstruído após o bombardeio de 1912, segundo projeto do arquiteto italiano Júlio Conti. Fonte: VIANNA, 2004.
Em relação aos exemplares residenciais do ecletismo em Salvador,
Godofredo Filho aponta como o mais importante a antiga residência da família
Souza Teixeira, situada à Direita da Aclamação (nº 279), atualmente Casa da Itália11,
“[...],.palacete de planta exótica e com modulação delirante, com platibanda
rendilhada de palmetas, e, do melhor mármore, estátuas e cavalos que ladeiam a
escadaria central” (GODOFREDO FILHO, 1984, p.20).
O Corredor da Vitória foi um dos locais da cidade em que houve a maior
concentração de exemplares de arquitetura eclética, representada por novas
construções ou reformas realizadas no momento desta intensa reforma urbana.
Apesar do processo de verticalização ter causado a destruição da maioria
das mansões ecléticas, ainda podem ser encontrados remanescentes arquitetônicos 11 A Casa da Itália esteve presente em diversas versões da proposta de tombamento do IPHAN (Ver Quadro 2).
49
deste estilo como a casa nº 308, atual sede do Ministério Público, que possui um
edifício em seus fundos, e a casa nº 361, atual nº 2172, que até recentemente
pertenceu ao jornalista Jorge Calmon. Esta residência, foi construída provavelmente
em meados do século XIX e reformada no final da década de 20, dentro do espírito
eclético, pelo proprietário Engrº. Carlos Joaquim de Carvalho (SANTOS, 1998, p.4).
Recentemente, esta foi vendida pelos herdeiros de Jorge Calmon para ser
construído em seus fundos um edifício de apartamentos.
FIGURA 10: A antiga casa nº 308, onde funciona atualmente o Ministério Público do Trabalho. Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006.
FIGURA 11: A antiga residência do Dr. Jorge Calmon com tapumes indicando o início das obras.
Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006.
50
Existem também outras residências que apesar de terem sido construídas
em estilo neoclássico, foram posteriormente reformadas dentro do espírito eclético.
Tem-se, por exemplo, a antiga mansão da família Costa Pinto, registro da fachada
de 1881, onde posteriormente funcionou o Colégio Sophia Costa Pinto, à Av. Sete,
381, edifício
[...] de linhas elegantes, apresentando embasamento pouco elevado e varanda descoberta, que se desenvolve por toda a extensão da fachada frontal, protegida por belo gradil de ferro. Na sua extremidade esquerda situa-se a singela escada de um só lanço que serve de acesso ao imóvel (SANTOS, 1998, p.4).
Na primeira metade do século XX este edifício foi acrescido de um anexo
lateral, registro da fachada de 1937, edificado de acordo com o estilo arquitetônico
da mansão existente, com o objetivo de atender as necessidades pedagógicas do
colégio. Em 2002, a mansão foi vendida para dar lugar ao edifício Mansão Leonor
Calmon, de 28 pavimentos, construído no terreno posterior. O anexo lateral foi
demolido e a mansão foi modificada, fato que será tratado mais adiante.
FIGURAS 12 e 13: Palacete da tradicional família Costa Pinto e já com o anexo lateral em foto tirada logo após a reforma feita para o evento de decoração Casa Cor 97.Fontes: REVISTA DO INSTITUTO SOPHIA COSTA PINTO. Salvador, v.1, nº1, 1938; CASA COR BAHIA 97: Exibição Brasileira de Decoração. Salvador, p.20, 1997.
51
Ao lado da antiga residência dos Costa Pinto tem-se a atual Residência
Universitária da UFBA, à Av. Sete nº 2382 (antigo nº 383) que já aparece em foto de
1880,
[...] a outrora mansão da família Jayme Villas Boas,[...], casarão de dois andares e porão fenestrado, átrio a que somos conduzidos por escadaria que se divide em duas no lanço inicial, frontões triangulares sobre marcações acolunadas que ladeiam a entrada, platibanda ornada de busto e jarrões de mármore, bancos embrechados no jardim (GODOFREDO FILHO, 1984, p.17).
FIGURAS 14 e 15: Residência Universitária da UFBA, Av. Sete, nº2382.
Fotos: Manoel Humberto. Em 21/03/2007.
Em meados do século XIX, quando foi construída, esta edificação
apresentava apenas o porão e o pavimento térreo. Em 1928, data da sua
modificação, a residência ganhou um segundo pavimento além de elementos novos
em sua fachada, coroamento, pisos, uma escadaria lateral externa e uma escadaria
interna em madeira. A escadaria frontal externa e o conjunto de bancos
embrechados de conchas são remanescentes da construção original, assim como
muitas das esquadrias (MONTEIRO, 2000). É importante lembrar que o acréscimo
do segundo pavimento e a remodelação da fachada eram recomendações da
Secção de Melhoramentos da Cidade que buscava adequar solicitações de reformas
ao “Plano de Melhoramentos para a Cidade” que abrangia a área da Vitória.
52
Vizinha a esta casa tinha a da família Baggi, à Av. Sete 2410, que
também aparece em foto de 1880,
[...] solar de planta singular em nosso contexto citadino, com a fachada principal solucionada por dois corpos semicirculares à guisa de torreões que flanqueiam a escadaria central de dois lanços, o primeiro bipartido antes do patamar intermédio; e com platibanda vazada; e com janelas de arco pleno, seus pinásios bem recortados na trama das guilhotinas (GODOFREDO FILHO, 1984, p.18).
Esta casa foi demolida e em seu local encontra-se atualmente em
construção o edifício Mansão Phileto Sobrinho.
É desta época também, o embelezamento da fachada da Igreja de Nossa
Senhora da Vitória, em 1910. A igreja, que havia sido reedificada em 1809, quando
teve a posição de sua frente invertida, nesta reforma do início do século apenas o
exterior foi modificado.
Levada a antiga fachada, ficou-lhe os cunhais, os três vãos da portada e as janelas do coro, estes transformados em vergas retas, emolduradas com cercaduras com fingimento de arco abatido. O frontão aberto de volutas singelas deu lugar a platibandas ornada na frente com frontão triangular, decorado com figuras de anjos. No topo outro frontão, ornado com jarrões e nicho com busto, embutido no tímpano. Os óculos laterais foram substituídos por nichos com jarrões. As portadas dos vãos de arco pleno deram lugar a frontão triangular apoiado por colunas de capitéis compósitos. Nas sineiras as janelas foram lacradas, ficando um fingimento de óculos de moldura decorada (INSTRUÇÃO ..., dez. 2000).
FIGURA 16: Largo da Vitória, já urbanizado, por volta de 1915 com a Igreja da Vitória após a reforma de 1910. Fonte: VIANNA, 2004.
53
Fato peculiar ocorrido durante os anos 20 foi a construção de um grande
número de chalets dentro do Distrito da Vitória, apesar da proibição desta tipologia
dentro dos limites da cidade, conforme o Código de Posturas Municipaes – Acto nº
127, de 5 de novembro de 1920. Estes eram, entretanto, executados de acordo com
as novas técnicas construtivas, ao invés das técnicas tradicionais que eram
normalmente empregadas nos exemplares suburbanos do século XIX.
A referência ao modelo primitivo é dada pela volumetria, onde se destacam as coberturas com acentuadas inclinações, elementos pré-fabricados e relevos em estuque, em substituição àqueles originais em madeira (ALMEIDA, 1997, p.227-228).
Maria do Carmo ALMEIDA (1997, p.288) chama atenção para o fato de que
nas solicitações de licença e nos pareceres técnicos da municipalidade, em nenhum
momento foi utilizado o termo chalet para denominar esses edifícios. Ela acreditava
que ao emprego do termo já estava associada à idéia de atraso e
subdesenvolvimento, que havia provocado o interesse da prefeitura em banir esse
tipo de edificação da cidade.
No Corredor da Vitória ainda podem ser vistos dois exemplares deste tipo: a
casa nº 2457, chalet das primeiras décadas do século XX e a casa nº 2607 (antigo
nº 85), projeto do Engº. Júlio Conti para a ampliação e reforma da casa do Sr. Pedro
Tenório Velloso Gordilho, em 1919, “dedicando dois pavimentos (uma superfície
superior a 500,00m2) a uma sucessão de salas, que se distribuem a partir de um hall
com escadaria monumental, destinadas à recepção” (ALMEIDA, 1997, p. 260-261).
54
FIGURA 17 e 18: Chalet nº 2457 à esquerda e Chalet nº 2607 à direita. Fotos: Humberto Diniz. Em
03/11/2006.
Estas novas construções e reformas apresentadas seguindo os conceitos
ecléticos ocorreram como conseqüência do período de modernização promovido por
J.J. Seabra. Além da abertura da Avenida Sete de Setembro, da qual faz parte o
Corredor da Vitória, as reformas atingiram intensamente o antigo núcleo da velha
capital, “não só porque aí estavam concentrados os maiores problemas de
estrangulamento da “nova cidade” idealizada, mas também por ser aí onde a
especulação imobiliária iria realizar os seus melhores negócios” (PERES, 1999,
p.37).
Dantas Neto avaliou as obras urbanas realizadas neste período da
seguinte forma:
É sugestivo que essa agressiva ideologia do progresso [...] e, de um modo geral, o urbanismo do EPUCS [...] tenha sido contemporânea de uma época de decadência econômica da região. As obras urbanas parecem cumprir um papel de compensação à estagnação dos antigos meios de reprodução e legitimação das elites dirigentes, além de aliviarem o complexo de inferioridade que minava o orgulho quase quatro vezes centenário da cidade. E, de certo modo, se as demolições ofendiam uma parte da tradição que motivava o orgulho, as obras que se sucediam “redimiam” a perda pela presunção da conquista de um lugar melhor na corrida pela modernidade” (DANTAS NETO, 1996, p.123).
A população, de fato, encontrava-se propícia para aceitar as demolições
dos edifícios centenários propostos pelo prefeito. Havia um sentimento de que para
55
se alcançar a modernidade e a prosperidade econômica, esse radicalismo teria que
ser realizado. Neste momento, as reformas tiveram toda colaboração dos jornais
baianos na criação de uma opinião pública em defesa da reforma, não havendo
nenhum protesto contrário por parte da comunidade.
Essa ideologia do progresso reduzida aos aspectos urbanísticos da cidade do Salvador vai encontrar sectários acastelados na imprensa diária. Os jornais baianos irão indiscutivelmente colaborar na criação de uma opinião pública, não diremos que favorável ao urbanismo demolidor, mas pelo menos deslumbrada e anestesiada em relação ao mesmo. A doutrinação encherá páginas e páginas de vários jornais, nas primeiras décadas do século XX, todos acentuadamente defensores das reformas (PERES, 1999, p.35-36).
Alguns representantes da elite cultural só iriam começar a se pronunciar
apenas em 1928, quando se iniciará um embate entre o passado e o “progresso”:
[...] Na luta para a derrocada da igreja da Sé, veremos definidas as polaridades existentes em todo processo de mudança. Nesse caso baiano teremos de um lado aqueles que advogam uma reforma urbana [as autoridades e a imprensa] cuja filosofia é tipicamente demolidora, sem respeitar os traços definidores e as características primitivas, tradicionais e/ou peculiares da antiga cidade, transplantada para o nosso meio [...], e na outra margem [a elite cultural12] aqueles que defendem, contra o “martello demolizador do progresso”, a integridade e a preservação de bens culturais arquitetônicos significativos, tendo em vista o seu conteúdo ou valor histórico e artístico (PERES, 1999, p.97).
Pode-se dizer que o reflexo das reformas urbanas de J. J. Seabra só
finalizaram em 1933, após a derrubada da Igreja da Sé e do quarteirão de casas
localizado entre a igreja e o Palácio Arquiepiscopal, compreendido pela rua do
Arcebispo, do Colégio e adjacências, com a justificativa de desafogar o tráfego
urbano de veículos. Este espaço corresponde hoje à denominada Praça da Sé.
O episódio da demolição da Igreja da Sé, amplamente discutido no
trabalho de Peres, mostra o sentimento da população naquela época. Apesar da
elite cultural baiana reagir em defesa da igreja, publicando artigos e depoimentos em
jornais a partir de 1928, a maior parte da comunidade tradicionalmente católica não
12 A elite cultural baiana que Peres se refere é representada pelos intelectuais do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, instituição que nesta década passou por uma fase de independência e/ou descomprometimento político, o que não ocorria em 1912 (PERES, 1999, p.97).
56
se colocou em defesa do edifício religioso diante da campanha promovida pela
imprensa para convencer a todos sobre os benefícios da derrubada da igreja em
favor da modernidade. Não é de se estranhar, já que a modernização da capital
baiana foi “uma imposição das expectativas da comunidade, reveladas através da
ação de seus líderes” (PERES, 1999, p.107).
Entretanto a demolição da igreja representou um marco na criação de
uma mentalidade pronta para “valorar os nossos bens culturais do passado colonial”
(PERES, 1999, p.51). Esta nova mentalidade apareceria timidamente durante as
discussões da Semana de Urbanismo de 1935 e iria ser finalmente consumada com
os trabalhos realizados pelo SPHAN a partir de 1937.
57
2.3 Os planos urbanísticos e o início da verticaliz ação.
O crescimento da cidade fez com que surgisse a preocupação em
estabelecer restrições de uso e ocupação do solo, fato colocado em prática com a lei
nº 1146, de 19 de junho de 1926, desmembrada do Código de Posturas Municipaes
de 1920. Uma das primeiras preocupações era estabelecer um maior adensamento
da 1ª Zona ou Zona Central, justamente onde a reforma de J.J. Seabra havia
realizado as maiores intervenções para facilitar o fluxo de veículos. Agora era
preciso dar uma feição moderna ao local, com edifícios novos e, é claro, o mais alto
possível, o que favorecia ainda mais o aumento do valor do uso do solo no local. A
Lei estabelece que nesta zona as
edificações não terão menos de quatro pavimentos, sem contar o embasamento, admitindo-se menor número de pavimentos, mas exigindo-se que os alicerces e paredes resistam no futuro aos pavimentos restantes [...] (Lei 1146/26, Art. 95, paragr. 1º apud ARAUJO, 1992, Q.III.1).
Na 2ª Zona ou Zona Urbana, área que circundava a área central, não
havia observações quanto ao número de pavimentos. Regida por esta lei, a cidade
ia crescendo, mas, até então não havia maiores preocupações em se estabelecer
critérios para as intervenções urbanas.
É interessante notar as referências da lei nº 1146 não só com uma maior
ocupação do solo, mas também com a beleza da cidade, quando diz:
As linhas mestras arquitetônicas construídas pelas molduras, cornijas, etc devem construir o mesmo motivo arquitetônico entre dois edifícios contíguos. No caso de não ser possível, deverão ser feitos remates, de modo a evitar diferenças bruscas de nível, ou a terminação dos mesmos, em plano vertical normal a fachada (Lei 1146/26, Art. 95, paragr. 1º apud ARAUJO, 1992, Q.III.1).
No primeiro momento, a verticalização era preocupante apenas na área
central, pois eram todos edifícios voltados para o uso comercial e o de serviços.
Ainda não havia o costume de se morar em edifícios pluridomiciliares. Com a
58
redução do programa arquitetônico das residências, iniciado desde a abolição dos
escravos, e o fracionamento das grandes propriedades, a casa individual foi, aos
poucos, substituída pelo prédio coletivo.
O planejamento da cidade se tornaria tema de debate a partir da criação
da “Comissão do Plano da Cidade do Salvador” em 1934, que tinha como encargo a
elaboração de projetos para a cidade, sua defesa e fiscalização. Foi a Comissão que
organizou a “I Semana de Urbanismo” de 1935, na tentativa de popularizar o
urbanismo e mostrar a necessidade de um plano urbano para a cidade. O discurso
modernizador da Semana mostrava-se atento à preservação do patrimônio. Dantas
Neto aponta como paradoxal a questão deste movimento moderador da violência
depredadora ter iniciado cinco anos depois da tradicional elite de Salvador ser
colocada de lado do comando político do estado e da cidade pela Revolução de 30.
Mesmo com a ascensão, em 1924, de grupos antiseabristas ao poder, liderado pelo
governador Góes Calmon, que fazia parte do grupo tradicionalista, “puseram termo
definitivo ao urbanismo demolidor, como prova o episódio da Sé” (DANTAS NETO,
1996, p.123).
Dantas Neto faz as seguintes considerações sobre a Semana:
a) a Semana de Urbanismo foi contemporânea um pouco tardia do movimento modernista na arquitetura urbana, não se podendo, portanto, atribuir a sua ocorrência meramente a motivações político-administrativas locais; b) as recomendações posteriores do EPUCS, nas quais se expressaram o espírito da Semana de Urbanismo, só passaram, como veremos, a ter realidade política a partir de 1948, quando retornaram aos governos da Bahia e a sua capital, as forças afastadas em 1930; c) no espírito da “Semana” e do EPUCS, a preocupação preservacionista estava presente mas não era central, sendo antes complementar e funcional a uma outra, que era a do desenvolvimento ordenado da cidade, portanto uma manifestação ideológica “progressista” e não conservadora (idem, p.124).
Nota-se que o discurso ideológico progressista deste período permanecia
semelhante ao do “urbanismo demolidor”, com menor intensidade, pois no momento
59
a semente preservacionista implantada pelas discussões em torno da derrubada da
Igreja da Sé já começava a germinar.
Este espírito progressista pode ser constatado com a aprovação de um
edital no mesmo ano da Semana de Urbanismo, que ratificava a intenção de extrair
maior produtividade do solo na área central da cidade, já esboçada na lei nº
1146/1926, obrigando a construção de prédios modernos com no mínimo 5
pavimentos no local da antiga Igreja da Sé (ARAÚJO, 1992, p.248).
É clara a intenção de extrair maior produtividade do solo situado nas áreas centrais, já infra-estruturadas e muito valorizadas, ainda que para isso se precisasse por abaixo antigas construções e independentemente de integrarem o patrimônio arquitetônico de outros séculos (idem, p.248).
As discussões da Comissão, que funcionou até 1937, só tiveram
continuação com a criação do Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade de
Salvador (EPUCS) a partir de 1946, o qual promoveu o Decreto-lei nº 701/48. Este
decreto absorveu diversas normas do ante-projeto da Semana de Urbanismo, com
algumas pequenas modificações. Mas manteve a mesma postura em se tratando de
permissão para verticalização: apenas na Cidade Baixa era permitido se edificar
construções com mais de seis pavimentos, até no máximo dez, e na Cidade Alta só
era permitido edificar até seis pavimentos (idem, p.254).
A Semana de 1935 e o EPUCS ocorreram num período em que a Bahia
iniciava um soerguimento econômico devido à política econômico-social de Getúlio
Vargas, que
[...] vista de uma perspectiva não conjuntural, terminou produzindo condições para a superação ou, ao menos, a amenização dos efeitos de estagnação econômica do estado, ainda que sua política industrial fosse de natureza a aprofundar a tendência, antes já manifestada, de concentração de investimentos no centro-sul (DANTAS NETO, 1996, p.90).
Nesta época, os edifícios pluridomiciliares já estavam sendo construídos
pela cidade, principalmente na área que circunda o centro, onde o solo era mais
valorizado.
60
O processo de verticalização do Corredor da Vitória teve início na década
de 40, a partir da destruição de casas e mansões existentes, pois nesta época a
área já estava consolidada. Na verdade, a construção de edifícios pluridomiciliares
foi conseqüência da saída das famílias ricas que aí moravam para outras áreas mais
tranqüilas da cidade, que estavam em expansão, ou devido à perda do seu poder
aquisitivo. Os edifícios construídos naquele local eram, a princípio, destinados à
classe média, pois a classe mais alta ainda tinha preferência por moradias
unidomiciliares.
O exemplar de edifício pluridomiciliar mais antigo, identificado no Corredor
da Vitória, é representado pelo edifício Maíza, nº 1724, que apresenta apartamentos
no térreo e em mais seis pavimentos superiores, e foi construído provavelmente
como conseqüência do decreto-lei nº 701/48, obedecendo ao número máximo de
pavimentos para o local. Provavelmente devia haver outros edifícios deste tipo que
foram demolidos para dar lugar a edifícios mais altos, décadas depois.
FIGURA 19: Edifício Maíza (Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006).
O banho de mar, novo costume da população, e o turismo que já se
insinuava, iriam provocar a preocupação com a proteção da paisagem natural. Os
61
quarteirões ao lado das vias e logradouros que margeiam a orla marítima passaram
a sofrer restrições paisagísticas mais rigorosas.
Em relação às áreas verdes, o decreto-lei 701/48, estabeleceu como parte
integrante deste sistema a escarpa arborizada que domina a
Baia de Todos os Santos e nesta área vedava-se as edificações que comprometessem sua função higiênica ou prejudicasse sua beleza e o pitoresco da paisagem, pela alteração do seu fácies topográfico, ou destruição do revestimento florístico (ARAUJO, 1992, p. 285).
A preocupação com o gabarito das edificações voltou a ser citada na Lei
nº 480 de 25 de junho de 1954, estabelecendo gabarito máximo e mínimo das
edificações, a partir da largura das vias lindeiras, fixando-se em trinta dias o prazo
para regulamentação dos gabaritos da cidade. Isso foi sacramentado com o Decreto
nº 1335 de 1º de julho de 1954, o qual “regulamenta normas para fixação de
gabaritos de altura da Cidade de Salvador”.
Para o Setor Residencial da Cidade Alta, a citada lei estabeleceu que nos
altiplanos com altitudes superiores a 60 metros, caso do Corredor da Vitória, as
altitudes deveriam ser:
Fachada situada no balanço máximo de 0,50m: 90m. Fachada escalonada de 4m, a contar do alinhamento da rua: 94m. Fachada recuada do alinhamento, no mínimo de 4m: 94m (ARAUJO, 1992, QV.3).
Considerando três metros para cada pavimento, o gabarito estaria fixado
entre 10 e 11 pavimentos. Além disso foi introduzido o uso de uma taxa de
ocupação, que no caso do Setor Residencial da Cidade Alta seria de 60%.
Um exemplar existente no Corredor da Vitória que provavelmente foi
deste período é o edifício Manoel Victorino, nº 1867. Construído pela empresa
Soares e Leone, com projeto do arquiteto Bina Fonyat, o edifício apresenta nove
pavimentos, sendo o térreo utilizado para o comércio.
62
FIGURA 20: Edifício Manoel Victorino (Foto: Humberto Diniz. Em 03/11/2006).
A Lei nº 2643/65 modificou um pouco o gabarito do Setor Residencial da
Cidade Alta em relação ao Decreto-lei nº 1335/54, aumentando em até seis metros,
ou seja, mais dois pavimentos para o trecho do Corredor da Vitória:
No trecho compreendido entre a Av. Sete de Setembro, lado ímpar (do nº 297 ao nº 399), Praça Rodrigues Lima (do nº 1 ao nº 11), esquinas da Praça Rodrigues com a Av. Sete de Setembro (nºs pares e impares) das referidas esquinas até atingir o limite lateral esquerdo das oficinas da Graça (Barracão do SMTC), com a Av. Sete de Setembro, lado par (do nº 320 ao nº 204), Praça 2 de Julho (Campo Grande), (da Escola de Puericultura Raimundo Magalhães ao nº 14) os edifícios aí situados obedecerão as seguintes normas, quanto á altitude: Fachada recuada de 4m da linha de gradil, exclusive balanço (0,50m): 96,40m. Fachada recuada de 4m sobre anterior: 100,40m (ARAUJO, 1992, QV.3).
Em 05 de abril de 1966 foi instituído o “Código de Urbanismo e Obras do
Município do Salvador” com a Lei nº 1855. Em relação ao gabarito do local em
estudo, repetiu-se o estabelecido no Decreto-lei 1335/54, exceto
no trecho compreendido pela praça Dois de Julho (Campo Grande), da Escola Raimundo Magalhães do nº 14 os edifícios aí situados obedecem às normas estabelecidas na lei nº 2643/65 (ARAUJO, 1992, QV.3).
Foi introduzido também o coeficiente de utilização, representando um
modesto estímulo à verticalização. No Setor Residencial da Cidade Alta, o
63
coeficiente de utilização adotado foi 4, o mais alto da cidade. A altura máxima de
trinta e quatro metros estipulada pela lei, aproximadamente onze andares, poderia
ser ultrapassada nos terrenos com área maior de 2000 m2 e testada com mais de
trinta metros (ARAUJO, 1992, p.358).
A década de 60 foi um período de construção de vários edifícios situados
no Largo e no Corredor da Vitória que foram regidos pela citada lei. Tem-se o
Edifício Sanremo (nº 50), o Pedra do Sol (nº 36), o Queen Elizabeth (nº 1766) e o
Vitória Régia (nº 1738) com nove pavimentos; o Delmar (nº 1914), o Delrio (nº1894),
o Casa Blanca (nº 1884) e o Delcampo (nº 1714), todos com dez pavimentos. Há
também o edifício Cecy, distribuído em duas torres, uma com oito e outra com nove
pavimentos (a última, voltada para o mar, está situada num nível mais baixo que a
primeira), um dos primeiros edifícios da cidade a apresentar suíte. Todos esses
edifícios citados estão situados do lado do mar. Para o lado do Vale do Canela, tem-
se o edifício Caiçara (nº 2141) com nove pavimentos.
Inicia-se, então, uma grande corrida imobiliária que resultou na destruição
de quase todos os antigos casarões do século XIX. Em entrevista ao jornal A
TARDE, o jornalista Jorge Calmon, na época, proprietário de uma mansão na Vitória,
comentou sobre o mecanismo utilizado pelas imobiliárias para convencer os
moradores a vender as suas residências, o que foi mostrado numa matéria do antigo
jornal da Bahia, datada de 24 e 25 de março de 1974.
O proprietário recebia duas ou três propostas de venda pelo telefone, com o corretor tentando convencer o presumível cliente dos riscos de desvalorização do imóvel. A cada contato, de corretores diferentes, a oferta ia diminuindo até que, temendo vender sua propriedade a preços irrisórios, as pessoas acabavam cedendo à pressão. Mais tarde estas casas eram vendidas pelo preço real, beneficiando quem faz o negócio (MOREIRA, 05 set. 1998).
O Corredor da Vitória chegou ao final da década de 60 com
aproximadamente doze edifícios, a maioria entre nove e dez pavimentos, mas as
64
mansões unidomiciliares ainda ressaltavam na paisagem, como mostra a
reportagem:
Estirada na linha de cumeda, plana, arborizada, ladeada de luxuosos edifícios, cujos pavimentos térreos se apresentam como elementos de transição entre o nervosismo do tráfego e a tranquilidade do mar, funcionando ao gosto dos belvederes, mas ainda assim se dando ao luxo de mostrar ricas mansões unidomiciliares [...] (O CORREDOR..., 1970).
Em 1972 foi introduzido um novo Código de Urbanismo e Obras para a
cidade com a Lei nº 2403, mas os gabaritos e coeficientes de aproveitamento
permaneceram os mesmos do código anterior.
Durante a década de 70, os edifícios continuaram a ser construídos e a
destruição das mansões passou a incomodar a sociedade. Em 1975, o título de uma
reportagem “Poucos os estrangeiros, muitos os endinheirados que (felizmente)
preservam as mansões da Vitória” (1975) mostra que a verticalização já começava a
ofuscar as mansões ainda existentes.
A altura dos edifícios do Corredor da Vitória deu um salto após o Decreto
nº 5086 de 29 de dezembro de 1976, que “Cria uma faixa de proteção às encostas
da Avenida Sete de Setembro [...]”. Esta lei, ainda regente, não estabelece nenhuma
altura máxima às edificações deste local, determinando apenas que:
a) para efeito de cálculo do coeficiente de utilização não poderão ser computadas as áreas non edificandi correspondentes aos fundos dos lotes vizinhos; [...] e) o pavimento térreo deverá ter a mesma cota do passeio, ser totalmente vazado, ocupado apenas pela área de instalação dos acessos verticais, ter pé direito superior a 3,00m de altura e peitoril executado com material que não bloqueie a vista para a encosta;
A construção sob pilotis seria para que os pedestres que passassem pela rua
pudessem desfrutar da paisagem. Um dos primeiros edifícios construído após a
liberação do gabarito nesta área foi o Apollo XXVIII (nº 2044) que apresenta duas
torres de vinte e oito andares, representando, na época, um dos mais altos de
65
Salvador. Seguindo o mesmo estilo, foi construído ao seu lado o edifício Marte, nº
2022, com vinte e um andares.
FIGURAS 21 e 22: O edifício Apollo XXVIII (azul) e o edifício Marte (verde). Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006.
A transformação da paisagem do Corredor da Vitória fez com que, em
1983, os museus Carlos Costa Pinto e o de Geologia organizassem uma exposição
em conjunto intitulada “A Vitória já foi assim”. O objetivo das museólogas Mercedes
Rosa, do Costa Pinto e Heloísa Helena Costa, do Geológico, organizadoras do
evento, era promover uma comunidade mais participativa e atuante e atentar para a
necessidade de cuidar do que restava da Vitória (NEWTON, 05 nov. 1983).
Os repórteres, ao noticiar a exposição, buscavam mostrar alguns
comentários sobre o processo de descaracterização do Corredor da Vitória, como
este do escritor Jorge Amado:
Uma das mais belas ruas de todo o Brasil, transforma-se em incrível floresta de arranha-céus, de brutal cimento armado. A visão da cidade para quem chega do mar, antes tão bela, se transforma e empobrece, queixou-se um dia, o escritor baiano Jorge Amado [...] (NEWTON, 05 nov. 1983).
66
Outra reportagem de Antonio Celestino sobre a mesma exposição fez o
seguinte comentário sobre a impressão que as pessoas deveriam ter ao visitarem a
exposição:
Uns se sentirão nostálgicos e lembrarão os dias recentes dum passado próximo onde tiveram infância. Outros, agregarão às suas emoções os perfumes perdidos das flores sacrificadas, outros lembrarão a doçura dum caminho percorrido durante uma saudade, muitos viverão o instante que desejariam eterno. E todos certamente lastimarão que se tivesse perdido para o efêmero o que deveria ser carinhosamente preservado (CELESTINO, 06 nov. 1983).
Ao mesmo tempo em que havia estas manifestações contra a
verticalização, outros aclamavam a possibilidade de viver num bairro que ainda era
considerado nobre por ter sido o local de residência da alta sociedade baiana, e de
conviver com um passado luxuoso ainda registrado pelas mansões remanescentes.
Dos antigos casarões coloniais, que dão o registro imponente de sua história, aos novos e luxuosos edifícios residenciais com jardins, gramados e altas grades, que traduzem bom gosto e segurança, passando pelas árvores seculares, que cobrem toda a rua, o bairro guarda o charme do passado, sem ser indiferente às transformações do presente (CAOS..., 26 ago. 1987).
É neste período que se dá início um conflito entre os valores de
modernização, ou seja, o interesse em residir em um edifício novo, e os valores de
conservação, marcado pela preocupação com a destruição das mansões que
caracterizam um período da história da cidade.
O capital imobiliário que continuava a fomentar o desejo da sociedade em
residir no Corredor da Vitória, foi favorecido ainda mais com a aprovação da Lei nº
3.805/87, que “Cria a transferência do direito de construir [...]” (TRANSCON), dando
possibilidade de elevar ainda mais o gabarito no local. Com esta lei, os empresários
poderiam doar ao município um terreno de interesse “do patrimônio histórico,
artístico, paisagístico e ecológico, implantação de infra-estrutura urbana,
equipamentos urbanos ou comunitários, [...]” exercendo em outro local o equivalente
ao direito de construir. Ou seja, com esta lei era possível aumentar os coeficientes
67
de utilização e ocupação, que representavam os únicos mecanismos que
determinavam o número de pavimentos na área.
No mesmo ano, 1987, foi construído o luxuoso edifício Mansão Carlos
Costa Pinto (nº 2460) pela construtora Suarez e Andrade Mendonça, marcando o
retorno da elite para o local. Este edifício de 18 pavimentos apresenta um
apartamento com piscina por andar e um teleférico ligando-o a um deck particular
para atracação de embarcações na Baía de Todos os Santos. A entrada do edifício
está situada no local da antiga residência de Carlos Costa Pinto, que ficava ao lado
do atual Museu Carlos Costa Pinto. O edifício foi construído na parte do terreno
localizada aos fundos do museu.
FIGURA 23: O Museu Carlos Costa Pinto na frente e o edifício Mansão Carlos Costa Pinto atrás. Foto
Manoel Humberto. Em 15/10/2006.
Também com deck de atracação foram construídos os edifícios: Mansão
Victory Tower13 (nº 2224) em 1992 e Victory Tower (nº 2110) em 1993, ambos com
vinte pavimentos; Mansão Arthur Moreira Lima (nº 1796) em 1997, com vinte e sete
pavimentos; Mansão Professor José Silveira (nº 2252) em 2000, com trinta
13 Este edifício, construído nos fundos da Mansão Manoel Joaquim de Carvalho,será tratado novamente no item 3.1.
68
pavimentos; Solar Ministro João Mendes (nº 1822) em 2002, com dezesseis
pavimentos; e Mansão Frederico Fellini (nº 1978) em 2003, com vinte e cinco
pavimentos. É nítida a preocupação em demonstrar o status social dessas
edificações até mesmo pelo nome do edifício, que sempre procura apresentar
palavras como “mansão”, “solar” ou “tower”.
FIGURA 24: Vista dos decks de atracação construídos na Baía de Todos os Santos. (SANDES, 2006) FIGURA 25: Vista do deck do edifício Sol Victória Marina. (ROGERIO, 2006)
Em 2006 foi inaugurado o edifício Victoria Loft (nº 1838), que representa
um novo conceito de moradia da classe “A”, em estilo dos estúdios nova-iorquinos,
havendo ainda poucos exemplares na cidade. Apresenta doze pavimentos, mas com
pé direito bastante elevado para permitir o uso de mezaninos, e também um píer
particular na baía. O valor dos apartamentos girava entre R$232 a 395 mil reais
(GLAMOUR..., 27 fev. 05).
A medida que os edifícios deste local foram ficando cada vez mais altos,
os problemas de infra-estrutura foram se agravando devido ao grande número de
veículos que circulam na estreita via. O Corredor da Vitória chegou ao século XXI
com menos de quinze exemplares da arquitetura eclética, sendo a maioria museus,
69
sedes de órgãos públicos ou mansões transformadas em anexo de edifícios de luxo,
construídos na parte posterior do terreno, uma nova forma de construção inaugurada
na Vitória, a qual nos referimos neste trabalho como “modernização-conservadora”.
70
2.4 A consolidação da cidade capitalista
A intensa verticalização ocorrida no Corredor da Vitória, na década de 70,
não pode ser observada como um fato isolado dos demais acontecimentos da
cidade. Neste mesmo período, a Lei da Reforma Urbana de 1968, as intervenções
viárias realizadas e a implantação do Centro Administrativo da Bahia na avenida
Paralela, consolidavam Salvador como uma cidade capitalista, seguindo o mesmo
destino das outras grandes cidades brasileiras.
Na verdade, as origens desta nova economia urbana estão na superação
da velha ordem agro-exportadora a partir dos anos 30 e na elaboração ideológica
das mudanças urbanas da década de 40, como o decreto-lei municipal nº 347/1944,
que estabelece normas para a extinção de mocambos, cortiços e casebres. Esta lei,
na verdade, representou “uma síntese do confronto entre necessidades de
habitações da força de trabalho que começavam a acumular-se na cidade e
interesses de especulação”, pois na década de 30 já havia cerca de setenta projetos
de loteamento lançados no mercado, repetindo o mesmo número na década de 40
(BRANDÃO, 1978, p.7-8).
Mas foi no final da década de 60, quando a cidade teve que dar respostas
a um processo de expansão devido ao desenvolvimento industrial, iniciado na
década anterior, que o governo mostrou-se mais favorável para a realização do
casamento entre o mercado imobiliário de terras e o ramo empresarial imobiliário,
proporcionado principalmente pelas medidas tomadas durante o período em que
Antonio Carlos Magalhães (ACM) esteve à frente da prefeitura (1967-1970).
A introdução de um novo pólo industrial nas proximidades da cidade no
início na década de 50, com a instalação da PETROBRÁS no Recôncavo Baiano e a
71
produção da Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco (CHESF)14, causaram, aos
poucos, um processo de expansão da cidade que entraria em colapso a partir da
década de 60, principalmente devido à extensão dos incentivos da Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e do próprio governo do Estado ao
capital estrangeiro, que acarretaram na implantação do Centro Industrial de Aratu
(CIA) e no Pólo Petroquímico de Camaçari.
Para dar vazão a esta nova demanda, a cidade teria que oferecer áreas
com infra-estrutura suficiente para que fossem implantados serviços diversos como:
habitações, transportes, comércio, recreação, assistência médico-hospitalar,
educação, etc. Na época, apenas o centro da cidade oferecia condições necessárias
para o funcionamento da oferta de serviços.
Ao assumir a prefeitura, ACM tinha como estratégia a modernização da
cidade,
[...] controlando o uso urbano da orla marítima, alimentando projetos de recuperação do centro histórico e, a curto prazo, um plano de obras viárias para ligar cumeadas aos fundos dos vales, por onde a cidade se espraiava (DANTAS NETO, 2006, p. 292).
Para isso o prefeito promoveu o desmanche de ocupações ilegais, como a
famosa ”Operação Bico de Ferro”15, e outras remoções de invasões que haviam na
orla marítima. Além disso foram realizadas diversas intervenções no sistema viário
para permitir o descongestionamento do centro e a criação de vetores de expansão
(entre o centro e orla e para ambos os lados), que permitisse
[...] além de acumulação de valor econômico em áreas desabitadas e infensas à lógica de mercado (que se tornariam “nobres” no médio prazo), o deslocamento de atividades e populações não adequadas aos usos,
14 A CHESF é subsidiária das Centrais Elétricas Brasileiras S/A – Eletrobrás e foi criada pelo Decreto-Lei nº 8.031, de 03 de outubro de 1945. A primeira grande usina da CHESF, Paulo Afonso I - entrou em operação em 1954. 15 A “Operação Bico de Ferro” foi um radical desmanche da invasão de mesmo nome na orla marítima, que removeu centenas de moradores de variado perfil social, realizado no primeiro ano de gestão de ACM, deixando marcada a autoridade incontestável que seria usada para demarcar o espaço urbano em prol da lógica capitalista (DANTAS NETO, 2006, p. 305).
72
simbólicos e econômicos, previstos para os dois filões (DANTAS NETO, 2006, p.308).
A aprovação da Lei Municipal nº 2181/1968, que alienou a propriedade
das terras municipais, encerrando a dominação do regime fundiário pelo município
era imprescindível para o sucesso da estratégia de ACM. Em termos práticos, esta
lei autorizava que os terrenos públicos aforados, arrendados ou mesmo ocupados
sem contrato, fossem vendidos, sendo que seus ocupantes tinham preferência na
sua aquisição. Esta lei possibilitou a “troca de mãos” das terras para as forças
econômicas emergentes da cidade16, pois as terras que foram vendidas
[...] a preço de banana, em poucos meses passaram a valer ouro, com o detalhe de que os compradores, antigos foreiros, serviram apenas de biombos provisórios para o novo capital imobiliário que, ainda a preços módicos, deles adquiriu os terrenos, os quais passaram a “engordar”, já como mercadoria, sob sua propriedade (DANTAS NETO, 2006, p.336).
A implantação do Centro Administrativo da Bahia (CAB) na Avenida Luis
Viana Filho (Paralela) serviria para consolidar um novo vetor de expansão da cidade,
valorizando ainda mais as terras daquela área, que a esta altura já se encontravam
nas mãos do capital imobiliário. Para construir uma ideologia com a finalidade de
buscar a aprovação da população nesta empreitada, o governo criou o seguinte
slogan: “Construindo a nova Bahia sem destruir seu passado”. Como justificativas
políticas, o governo argumentava que o CAB seria a solução para aliviar o tráfego de
veículos, o problema de estacionamento e a demanda de serviços do centro antigo,
a partir da remoção dos órgãos administrativos do Estado para o novo local.
[...] O que se pretende e se espera é que a força de atração do CAB provoque a transferência de um volume crescente de atividades privadas atualmente concentradas, para a área de influência direta do Centro como para toda a faixa de influência da Avenida Luiz Viana Filho (KERTÉSZ, 1974, p.350).
Era o início de uma “modernização conservadora”, a partir do momento
em que a parte “nova” da cidade sofria intervenções de infra-estrutura enquanto a
16 Dantas Neto apresenta que estas forças econômicas emergentes eram na verdade antigas forças que estavam sendo renovadas pela modernização conservadora proporcionada pela prefeitura de ACM (2006, p.308).
73
parte “antiga” permanecia intacta. Ao mesmo tempo em que o CAB ajudava na
expansão deste novo “pólo urbano”, o centro antigo entrava ainda mais em
decadência devido ao aumento do esvaziamento causado pela saída dos órgãos
estaduais deste local. Até hoje Salvador ainda espera por uma efetiva recuperação
econômica do seu centro histórico.
Heliodório Sampaio destaca que a “modernização planejada” das
décadas deste período servia apenas de suporte para a especulação imobiliária.
Nesta especulação imobiliária, no período de 1960-80, destacam-se três componentes: 1) retenção do solo como “reserva de valor” para investimentos futuros
tornando mais rígida a oferta (inelástica); 2) apropriação dos investimentos feitos pelo poder público em infra-
estrutura viária nas áreas de expansão, ou já urbanizadas, incorporando a valorização resultante;
3) interferência na mudança dos parâmetros urbanísticos e, por meio de “informações privilegiadas”, antecipando-se na aquisição de áreas possíveis de valorização (SAMPAIO, 1999, p.124).
Dantas Neto levanta a hipótese de que ACM não tenha sido apenas o
“criador” de um mercado de terras, como também de uma burguesia imobiliária
(2006, p.325). Uma prova disso é que em meados dos anos 70 o setor da
construção civil/incorporação imobiliária passou a se organizar, formal e
autonomamente fundando a Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário
(ADEMI-Ba).
A verticalização do Corredor da Vitória a partir de 1950, da mesma forma
como ocorreu em outros bairros antigos da cidade, foi realizada através de
mudanças da legislação urbana devido ao interesse do mercado imobiliário.
Entretanto, o Corredor da Vitória deixou ainda mais transparente este assédio
especulativo devido a sua localização acima da escarpa arborizada, pois além de
representar um marco na identificação da cidade de dois andares, é um dos poucos
locais de reserva de área verde do município.
74
A preocupação em proteger a paisagem da encosta estava esboçada
desde o decreto-lei 701/48, que vedava a construção de edificações que
comprometessem a função higiênica ou prejudicasse a beleza e o pitoresco da
paisagem. Quase vinte anos depois, quando a Vitória já havia se transformado num
local de cobiça pelo mercado da construção civil, o decreto-lei nº 5086/1976 que
segundo seu subtítulo deveria criar “uma faixa de proteção às encostas da Avenida
Sete de Setembro [...]”, liberou o gabarito do local, limitando apenas uma área non
edificandi, área esta que não seria respeitada pelos planos inclinados de acesso aos
piers que viriam a ser construídos. A lei nº 3805/87, que criou a transferência do
direito de construir, vem coroar o comando do mercado imobiliário, permitindo a
elevação do gabarito não só na Vitória como em todas as áreas da cidade. Com
estes instrumentos e sem haver nenhum tipo de proteção legal das mansões
ecléticas, foi possível realizar a quase total destruição da paisagem urbana do
primeiro período republicano brasileiro.
Fica claro, com esta análise, o exato momento em que a ideologia
progressista esboçada pelo sentimento da população de possuir os mesmos
confortos oferecidos pela modernidade (transporte, serviços urbanos, novos
conceitos de estética e materiais) é substituída pela ideologia do mercado
imobiliário, que passou a impor os novos valores e os novos conceitos de moradia,
sempre aliada à maior lucratividade que o solo pudesse oferecer. Quanto mais alto,
mais moderno: esta é a nova lógica imposta pelo mercado.
75
CAPÍTULO 3
Uma discussão em torno dos valores contemporâneos
76
3.1 A “modernização conservadora”: uma nova forma d e preservação?
É curioso o fato como algumas casas e palacetes do Corredor da Vitória
foram mantidas sem haver nenhum tipo de imposição municipal, estadual ou federal
que determinasse a sua permanência, apesar de toda a especulação imobiliária que
vigora no local. Não estão sendo comentadas aqui as casas que foram
transformadas em museus, como o Museu de Arte da Bahia ou o Museu Geológico e
sim, aquelas casas que foram mantidas na frente do terreno com novas edificações
independentes em seus fundos.
FIGURAS 26 e 27: À esquerda o Museu de Arte da Bahia (antiga residência do comerciante Cerqueira Lima) e à direita o Museu Geológico. Fotos: Humberto Diniz. Em 03/11/2006.
Apenas quando as casas e mansões passaram a ser uma minoria, ao
lado de um paredão formado por edifícios na maior parte com mais de dez andares,
é que foi dado início, no Corredor da Vitória, a esta nova forma de construção.
Pretende-se agora, procurar entender como ocorreu cada caso destes seis
exemplares que foram assim construídos (sendo quatro para fins residenciais e dois
pertencentes a órgãos públicos) para analisar os motivos desta “modernização
conservadora”. Se esta nova forma de construção é equivocada ou não, em relação
aos valores preservacionistas, é uma questão para ser discutida mais adiante.
77
O primeiro edifício de apartamentos construído atrás de uma destas
casas foi o Mansão Victory Tower (nº 2224), concluído em 1992 pela construtora
Suarez. A antiga casa de Manuel Joaquim de Carvalho, falecido em 1975, foi
vendida à construtora na condição de ser mantida a edificação, decisão que havia
sido tomada em comum acordo entre os herdeiros17. Seguindo o padrão de luxo do
edifício Mansão Carlos Pinto (nº 2460), construído em 1987, este edifício foi o
segundo a apresentar um deck particular na Baía de Todos os Santos cujo acesso
se dá através de um plano inclinado. A construção do empreendimento não causou
nenhum tipo de conflito por parte da prefeitura, nem pelos profissionais ligados a
área de preservação.
FIGURA 28: A antiga casa de Manuel Joaquim de Carvalho e o edifício Mansão Victory Tower, nº 2224. Foto: Humberto Diniz. Em 28/08/2005.
Na mesma década foi construído um edifício atrás da casa nº 2365,
pertencente à Procuradoria da República. A casa que havia sido adquirida por volta
de 1982/1983, passou por reformas, inclusive a construção do anexo, para
possibilitar o funcionamento do órgão neste local. Segundo informações de um
funcionário, o edifício foi inaugurado em 02 de julho de 1995.
17 Informação adquirida em entrevista com a Sra. Julia de Carvalho Tarquínio de Souza, filha do Sr. Manoel Joaquim de Carvalho.
78
Com o mesmo objetivo de ampliar as suas instalações, o Ministério
Público também promoveu a construção de um edifício atrás da casa nº 308, antiga
residência de Afonso Quintiliano da Fonseca, onde funcionava desde 1993. O prédio
de 6 pavimentos foi construído pela empresa Construções e Meio Ambiente Ltda
(CEEMA), com projeto de Luiz Antunes Arquitetura Ltda, e foi inaugurado em 21 de
maio de 1999.
FIGURAS 29, 30 e 31: A fachada da casa nº 2365, pertencente a Procuradoria da República, a fachada lateral e o edifício construído nos fundos. Fotos: Luciana Guerra. Em 07/04/2007.
FIGURAS 32 e 33: A fachada da casa nº 308 na foto ao lado e o edifício construído nos fundos na foto acima. Atualmente a fachada do edifício encontra-se em reforma. Fotos: Manoel Humberto. Em 17/03/2007.
Em maio de 2001 foi aberto um processo na Superintendência de
Controle e Ocupação do Uso do Solo (SUCOM) para análise do projeto de um
79
edifício residencial “Mansão Margarida Costa Pinto”, que seria construído na parte
posterior do terreno, aos fundos da antiga mansão do Sr. Joaquim da Costa Pinto,
onde posteriormente funcionou o Colégio Sophia Costa Pinto. Como o IPHAN havia
aberto o processo de tombamento nº 1451-T-99 referente ao “Conjunto Arquitetônico
do Corredor da Vitória”, a SUCOM solicitou a este órgão um parecer sobre o projeto.
O IPHAN não mostrou oposição “quanto ao empreendimento multifamiliar
implantado na parte posterior do lote em questão”, entretanto mostrou-se contrário “à
demolição do anexo incorporado ao imóvel, em função da circulação pretendida pelo
projeto, tendo em vista o comprometimento da integridade e unidade da edificação
existente” (ETELF, 10 jul. 2001).
Como a construção do edifício de mais de trinta pavimentos não dependia
da interferência nesta edificação, a licença para construção do edifício foi concedida
em 25 de janeiro de 2002, sendo liberada a demolição de um anexo localizado nos
fundos do terreno, onde o edifício seria construído. A liberação desta licença teve
como conseqüência a retirada, pelo IPHAN, do antigo Colégio Sophia Costa Pinto da
proposta de tombamento que estava em andamento no órgão (RHODEN, 12 abr.
2002). Na publicação do Diário Oficial de 16 de junho de 2003 para tombamento
provisório do “Conjunto Arquitetônico do Corredor da Vitória”, o imóvel não apareceu
como indicado para tombamento individual.
FIGURA 34 - Anexo do fundo do antigo colégio Sophia Costa Pinto que foi demolido para construção do edifício. (Fonte: REVISTA ..., 1938).
80
Em agosto de 2003 foi solicitada pela Construtora Santa Helena a licença
para construção do plano inclinado de acesso ao deck e em novembro do mesmo
ano, a licença para reforma da mansão. A proposta apresentada envolvia a
demolição de 4,50 metros a partir da fachada posterior fazendo uma cópia desta.
Como a escada de acesso ao pavimento superior seria demolida, foi proposta nova
escada e elevador de acesso aos outros pavimentos. Também foram propostas
demolições de paredes internas no nível térreo, superior e inferior. No térreo, foram
propostos salão, bar, copa, hall e sanitários. No pavimento superior haveria hall,
sanitários e salão de festas, que se comunicaria com o pavimento térreo pelo pé
direito duplo, que seria conquistado a partir da demolição de 6,50 metros de laje a
partir da fachada principal, tomando toda a largura do palacete. No pavimento
inferior, haveria sub estação, medidores, gerador, depósito e hall.
O fato do Corredor da Vitória estar sob tombamento provisório nesta
época, ocasionou a não liberação do alvará de licença para reforma da mansão.
Após o arquivamento do processo de tombamento no IPHAN ocorrido em maio de
2004, a Santa Helena solicitou novamente o pedido de reforma da mansão,
apresentando o mesmo projeto descrito anteriormente. Entretanto, em ofício emitido
para o Secretário de Planejamento da Prefeitura de Salvador – Manoel Lorenzo -, o
presidente do IPHAN Antonio Augusto Arantes Neto solicitou
[...] a essa Instituição que, na qualidade de órgão incumbido da preservação do patrimônio cultural localizado no município de Salvador, esteja atento para a demanda social e neste sentido desenvolva os estudos necessários à efetivação da salvaguarda dos remanescentes situados à Av. Sete de Setembro, conhecida por Corredor da Vitória, nessa cidade, que são do interesse da população local e que ainda contribuem para a qualidade ambiental daquela área da cidade (ARANTES NETO, 2004, Ofício nº 108).
A não concessão da licença de reforma do casarão levou a construtora
Santa Helena a solicitar o arquivamento dos processos. Apesar do parecer contrário
81
do IPHAN e de não ter sido encontrado registro de licença de reforma do casarão no
processo da prefeitura analisado, o anexo lateral foi completamente demolido, para
dar passagem aos veículos dos moradores do novo edifício. Este anexo, que
apresentava um registro na fachada de 1937, construído para atender a demanda de
espaço exigida pelo colégio, era “harmoniosamente integrado ao corpo original da
edificação, atribuindo-lhe uma leitura única” (ETELF, 10 jul. 2001).
FIGURAS 35 e 36: Acima, a guarita e pórtico construído escondem a fachada da antiga residência da família Costa Pinto. Ao lado, vista da fachada lateral esquerda, após a retirada do anexo lateral, com o edifício ao fundo. Fotos: Humberto Diniz. Em 28/08/05.
Uma das construções que causou maior repercussão entre os
profissionais ligados a área de preservação, a imprensa e a população foi o
empreendimento “Morada dos Cardeais”, nº 1682, localizado no Campo Grande.
Seguindo o mesmo conceito do “Mansão Sophia Costa Pinto”, a construtora se
propunha a manter a casa principal da antiga residência cardinalícia, local que
abrigou o papa João Paulo II por duas vezes. Esta antiga casa do engenheiro inglês
Hugh Wilson, construída em estilo neoclássico, foi posteriormente acrescida de um
pavimento superior após o ano de 1927, quando adquirida pelo Arcebispo D.
Augusto Álvaro da Silva, obra que, que segundo Godofredo Filho “além de
82
absolutamente imprópria, realizada em deploráveis condições de traça e
acabamento” (1984, p.17).
No final de 1998, ao encaminhar ao IPHAN e ao IPAC uma solicitação
para tombamento desta área, o Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas (SINARQ) não
indicou a antiga Residência Cardinalícia para tombamento individual.
Posteriormente, a então presidente da ICOMOS18/BRASIL, Maria Adriana de Castro,
solicitou o tombamento da residência ao IPHAN, resultando na abertura do processo
nº 1491-T-02. Mas o pedido foi retirado poucos meses depois, com a justificativa de
estar atendendo à decisão do Conselho Deliberativo do ICOMOS/BRASIL, alegando
que “o motivo reside no fato da execução de obras no imóvel, verificando-se alguns
serviços já efetuados de demolição, e a transferência do seu acervo” (CASTRO, 03
abr. 2002). O processo foi, então, apensado ao processo 1451-T-99, deixando de
estar em efeito a proposta de tombamento individual da Residência Cardinalícia.
Em 20 de junho de 2002 foi expedido o Alvará de Licença nº 9393 pela
Prefeitura Municipal de Salvador para a construção do edifício “Morada dos
Cardeais” e em 08 de agosto, o certificado de viabilidade (TRANSCON), substituindo
um que havia sido expedido anteriormente. De fato, a construção de um espigão de
trinta e três pavimentos de apartamentos, fora os níveis de garagem só seria
possível com a utilização deste instrumento. Com aprovação do projeto, a
Construtora Norberto Odebrecht (CNO) adquiriu a propriedade.
O empreendimento foi lançado em abril de 2003 e em junho os sessenta
apartamentos já tinham sido quase todos vendidos, segundo reportagem do jornal “A
Tarde” (WEINSTEIN, 03 jun. 2003). Nesta mesma reportagem foram divulgadas
entrevistas com profissionais ligados a área de preservação a respeito da construção 18 O ICOMOS -International Council on Monumentos and Sites- é uma associação civil, não governamental, com sede em Paris, criada em 1964. Ela integra profissionais, voluntários e especialistas em conservação de monumentos e sítios históricos, em todo o mundo e é ligada a UNESCO (ICOMOS, 10 ago. 2007).
83
do edifício. Todos se pronunciaram contra o empreendimento. Maria do Carmo
Estany, autora da dissertação “ A Victória na Renascença Bahiana”, comentou que
seria mais honesto
[....] derrubar a Casa, uma vez que a proposta da Construtora desconsidera a sua ambiência. Não adianta preservar as características do imóvel quando, na realidade, interfere-se drasticamente na construção do século XIX (idem).
Eugênio D’Ávila Lins, professor de História e Teoria da Arquitetura
Brasileira da Faculdade de Arquitetura da UFBA, defendia a preservação da Vitória,
tanto do ponto de vista ambiental, como de exemplares de arquitetura, e era
contrário ao “modismo” de construir atrás das casas:
Determinados modismos passam por Salvador, como esse de construir prédios por trás de casarões. A especulação não tem compromisso com a qualidade de vida da cidade (idem).
Com este comentário, Lins põe em evidência o fato deste tipo de
construção representar apenas um mecanismo de fomentar o interesse pelos
empreendimentos, valorizando-os ainda mais. Isso foi explicitado num artigo do
Caderno de Imóveis do jornal Correio da Bahia, que trouxe o seguinte comentário do
gerente de vendas da Josinha Pacheco Consultoria Imobiliária, Rodrigo Pacheco,
sobre a manutenção das mansões nos empreendimentos:
Outro fator de valorização destes empreendimentos é a preservação da fachada dos antigos casarões (GLAMOUR..., 27 fev. 2005).
Luiz Antonio Fernandes, também professor de História e Teoria da
Arquitetura Brasileira, da Faculdade de Arquitetura da UFBA acusava a especulação
imobiliária de interferir na posição do IPHAN:
Eu acho que devem existir pressões sobre o IPHAN em relação a essa questão. Afinal de contas, aquela área, se foi destinada a elite do século XIX, hoje, ela retoma essa vocação e obviamente, existem interesses econômicos fortíssimos que vão contra qualquer medida que objetive deter esse processo. A inexistência de uma posição mais firme, mais concreta decorre dessas pressões (WEINSTEIN, 03 jun. 2003).
84
Em outra reportagem do dia 07 de junho de 2003, Francisco Sena,
presidente da Fundação Gregório de Mattos, defendeu que deveria haver um rigor
de proteção da Casa Cardinalícia.
[...] A construção do prédio no entorno da casa enfraquece o sentido do tombamento do conjunto arquitetônico, mas, ainda assim, não há perda de sentido no tombamento do restante (WEINSTEIN, 07 jun. 2003).
Sena referia-se ao processo de tombamento que corria no IPHAN, que
também fazia menção à preservação do traçado urbano da avenida Sete de
Setembro, além da proposta de várias edificações para tombamento individual, que
será tratado no próximo capítulo.
Pouco tempo depois, em 16 de junho, a antiga Residência Cardinalícia foi
notificada pelo tombamento provisório do “Conjunto Arquitetônico do Corredor da
Vitória”. A construtora Norberto Odebrecht (CNO), que durante todo o tempo em que
o processo correu no IPHAN, manteve-se em contato com o órgão informando-se
sobre a possibilidade de um tombamento vir a impedir a construção do edifício,
entrou logo em seguida com um requerimento de impugnação, afirmando que a
notificação não era válida, “seja em razão do direito individual adquirido pela CNO,
seja em razão da nulidade do processo de tombamento”, alegando motivação vaga
e imprecisa de “valores históricos e artísticos”.
Com o alvará de construção em mãos, a Odebrecht deu início as obras
em julho de 2003, gerando uma discussão sobre a sua legalidade, devido ao
tombamento realizado. O professor de Direito Administrativo da Universidade
Federal da Bahia, Paulo Damasceno, afirmou em entrevista ao jornal que o IPHAN
tinha base legal para pedir a revisão do alvará de construção, pois se a obra ainda
não tinha sido executada, o ato administrativo representado pela notificação
automaticamente revogava o alvará da prefeitura (WEINSTEIN, 07 ago. 2003). O
professor lembrou que na época da construção da Avenida Contorno na década de
85
50, o projeto de Diógenes Rebouças contemplou um desvio de elevado custo só
para possibilitar a manutenção da casa.
O projeto de Diógenes Rebouças procurou preservar a casa. Fez um desvio caríssimo e foi feita uma linda avenida (a Contorno). E isso tudo passa a não ser mais importante? Que coisa mais incongruente! Na época era importante e agora não é mais? (idem)
Já o professor de Direito Constitucional da UFBA, Ari Guimarães, disse
que o tombamento não tinha efeito retroativo, mas que “toda intervenção física a ser
efetuada no palácio deve ser submetida à análise”. Quanto às manifestações da
sociedade, a professora de História Ermitã Baqueiro alegou que reuniu um abaixo-
assinado de moradores da área e encaminhou ao IPHAN, em Brasília,
demonstrando o descontentamento em relação a construção do edifício (idem).
Entretanto, não foi encontrado registro deste abaixo assinado no processo estudado.
Apesar de não terem alterado as fachadas, vários elementos que
compunham a residência foram demolidos, para possibilitar a construção do edifício
e dos equipamentos propostos, como quadra de esportes e teleférico. Além da
retirada das árvores e jardins, foram demolidas as garagens e a torre que havia nos
fundos da casa. Para a Odebrecht, a torre “era um simples reservatório todo
deteriorado e sem valor histórico” (idem). Internamente, a casa também foi
completamente alterada para criação de novos espaços para uso dos condôminos.
Em 06 de dezembro de 2005 o edifício foi entregue aos moradores.
86
FIGURA 37: A antiga Residência Cardinalícia e o edifício construído ao fundo. Foto: Manoel Humberto. Em 15/10/2006. FIGURA 38: Vista do fundo do edifício “Morada dos Cardeais” e o plano inclinado construído na encosta para acesso ao deck. (FRAGA, 2007)
A antiga residência do jornalista Jorge Calmon, nº 2172, foi outra
residência que estava na lista para tombamento individual pelo IPHAN e foi alvo
deste tipo de construção. Em 13 de março de 2003, pouco tempo antes da
notificação de tombamento provisório, foi dada entrada na SUCOM à solicitação do
alvará de construção de um edifício no fundo deste terreno, empreendimento
denominado de “Mansão Leonor Calmon” (processo nº 25 591/2003). A preservação
do casarão fazia parte de uma cláusula do contrato de compra e venda e estava
prevista uma multa de quase um milhão de reais caso isso não ocorresse
(WEINSTEIN, 21 jun. 2003).
Com a publicação do tombamento provisório, os proprietários da mansão,
o arquiteto Fernando Andréas Frank, a Construtora Andrade Mendonça Ltda e a
MRM Incorporadora Ltda entraram com um pedido de impugnação ao tombamento.
Eles alegavam que:
87
[...] Edificado no início do século passado, sofreu ao longo dos anos substanciosas alterações que não guardam qualquer similaridade com a concepção do projeto inicialmente concebido, não reservando, assim, qualquer significação histórica ou arquitetônica que reclame preservação que o tombamento objetiva e cuida. [...] Presentemente, o imóvel que se quer tombar tem características completamente diferentes daquelas do início do Século passado, período utilizado como parâmetro no multicitado Parecer nº 0153/02, [...] pois na sua fachada frontal as colunas e arcada que se faz referência na escritura de 02/09/1907 não estão mais lá, e sim duas janelas centrais e duas nas extremidades em forma de “bay-window”, solução adotada para deslocar a entrada principal da casa para a sua lateral, o que era muito comum e objetivava promover maior privacidade aos seus moradores.
A solicitação para construção do edifício ficou suspensa na prefeitura até
o arquivamento do processo de tombamento do IPHAN, ocorrido em 20 de maio de
2004. Poucos dias depois, em 01 de junho, foi solicitado um novo pedido de alvará
de construção, sendo aberto um processo na SUCOM nº 24 485/2004. Em 23 de
dezembro do mesmo ano foi expedido o alvará de construção nº 11 670 do edifício
“Mansão Leonor Calmon”, que ainda não foi concluído.
Durante as obras, em janeiro de 2006, a parte posterior da antiga
residência foi demolida. Como não havia alvará de demolições para execução deste
serviço, a SUCOM interrompeu as obras e notificou os responsáveis (WEINSTEIN,
30 jan. 2006). Não foi divulgado o que ocorreu posteriormente, nem se os antigos
proprietários aplicaram a multa prevista no contrato, caso a mansão fosse
irregularmente alterada.
A construção de edifícios atrás das mansões no Corredor da Vitória é um
fato peculiar que ocorreu neste trecho da cidade. Em realção aos dois exemplares
pertencentes ao poder público, foi uma possibilidade de ampliar as suas instalações
sem serem acusados de destruir edificações que haviam se consagrado como
monumentos históricos diante da ameaça de perda de todos os testemunhos da
arquitetura representativa da transição dos séculos XIX para o XX existentes no
local, como pode ser constatado nos comentários sobre a exposição “A Vitória já foi
88
assim...” de 198319. Já nos casos ocorridos para fins residenciais, Mansão Victory
Tower, Mansão Margarida Costa Pinto, Morada dos Cardeais e Mansão Leonor
Calmon, a manutenção das mansões passou a ser uma exigência dos antigos
proprietários.
Estariam estes proprietários atribuindo valores de antiguidade às casas?
Ou seria um valor artístico, indo de encontro às idéias dos especialistas de que os
pastiches compositivos da arquitetura eclética eram exagerados e não dignos de
apreciação?
Este tipo de construção poderia ser classificado como uma modernização,
uma das modalidades de valorização que Françoise Choay apresenta em sua obra:
Modernização: procedimento novo, que falta mais abertamente ao respeito devido ao patrimônio histórico, ela coloca em jogo o mesmo desvio de atenção e a mesma transferência de valores pela inserção do presente no passado, mas sob a forma de um objecto construído e não de um espetáculo. Modernizar não é dar aspecto de novo, mas colocar no corpo das velhas construções um implante regenerador. Nesta simbiose imposta está implícito o facto de o interesse suscitado pela obra do presente se repercutir sobre a obra antiga, estimulando assim uma dialética (CHOAY, p.190).
Ao tentar reintroduzir estes monumentos no quotidiano da cidade, já que
não ofereciam mais o conforto para exercer a função de residência devido aos
edifícios vizinhos, a insegurança quanto à violência urbana, e ao ruído e poluição do
tráfego de veículos, as antigas mansões, além de sofrer uma modernização com a
inserção do edifício ao fundo, sofreram uma “raspagem” interna, restando somente
uma caixa vazia, um procedimento “discutível se se trata de preservar a morfologia
de um tecido urbano” e “inadmissível quando se resume ao sacrifico de estruturas e
da decoração interior do edifício” (CHOAY, p. 193).
A manutenção das casas no Corredor da Vitória com edifícios construídos
em seus fundos, colocam em questão se esta “modernização conservadora” trata-se
19 V. capítulo 2, item 2.3.
89
de um novo modelo de modernização, em que a preservação de uma simples
residência é colocada em discussão, ao contrário do que ocorria no início do século
XX quando grandes monumentos, como a Igreja da Sé, não representavam
obstáculos para a execução das reformas na cidade. Nota-se ao menos que um
sentimento conservadorista esteja sendo disseminado na população.
Movido pelo sentimento de conservação, o Sindicato dos Arquitetos e
Urbanistas (SINARQ) solicitou ao IPHAN, como última alternativa para preservação
dos remanescentes arquitetônicos deste local, já que, como visto anteriormente,
desde o final da década de 60, o poder municipal legislava em benefício do capital
imobiliário, não havendo, desta forma, interesse da prefeitura de promover meios
para evitar a destruição das mansões. Com o tombamento, a área passaria a ser
legislada por uma lei especial, o que possibilitaria cessar a destruição das mansões
e regulamentar o processo de construção atrás delas.
Este processo de tombamento gerou inúmeras discussões, tanto entre os
técnicos dos órgãos de preservação, quanto na sociedade, trazendo à tona um
impasse existente entre valores de conservação e valores de modernização. Com a
análise deste processo de tombamento, procura-se entender quais os valores que
são atribuídos ao Corredor da Vitória pelos diversos atores que estiveram envolvidos
diretamente ou indiretamente com o caso.
Antes de ser apresentado o processo de tombamento, gostaríamos de
mostrar ao leitor mais um caso de atribuição de valores de conservação à cidade,
com o objetivo de intervir na paisagem urbana. Este é representado pelo processo
movido pelo Ministério Público para retirada do Palácio Tomé de Souza (edifício
sede da prefeitura) da praça municipal de Salvador.
90
3.2 O caso do Palácio Tomé de Souza.
Outro fato ocorrido nos últimos anos na cidade envolvendo uma discussão
em torno dos valores atribuídos a bens imóveis foi um processo movido pelo
Ministério Público Federal (MPF) com a finalidade de demolir a Sede da Prefeitura
de Salvador, localizada na Praça Municipal, no centro histórico da cidade.
O Palácio Tomé de Souza, como é denominado o edifício, foi construído
para ser a sede da prefeitura de Salvador durante o governo de Mário Kértsz, que
pretendia recuperar a área central da cidade, ainda mais desvalorizada após a
construção do novo Centro Administrativo na Avenida Paralela. O arquiteto
responsável pelo projeto, João Filgueiras Lima – Lelé –, desenvolveu a edificação
em estrutura metálica por possuir um caráter transitório. Posteriormente a sede da
prefeitura deveria ocupar um edifício reformado no centro histórico, fato que nunca
ocorreu.
Na verdade, o edifício de Lelé foi construído sem preceder nenhuma
demolição, sobre a laje de um estacionamento subterrâneo que foi executado após a
demolição, em 1972, dos edifícios da Biblioteca Pública e da Imprensa Oficial. O
local, antes da construção do Palácio, foi apelidado pela população de “Cemitério de
Sucupira”, fazendo alusão a uma telenovela da época, devido ao vazio urbano que
se formou.
Em setembro de 2004 o juiz substituto da 7ª Vara, João Batista de Castro
Junior determinou a demolição do Palácio Tomé de Souza num prazo de seis
meses, alegando que
a edificação mencionada situa-se em local objeto de tombamento coletivo, comprometendo toda a originalidade, autenticidade ambiental e estética do conjunto arquitetônico tombado pelo Poder Público Federal, contrastando com a arquitetura original do local (CASTRO JUNIOR, 10 set. 2004).
91
Para justificar a decisão pela retirada ou demolição do Palácio Tomé de
Souza da Praça Municipal, o juiz utilizou a citação de inúmeros pensadores para
defender a sua visão estética. Segundo sua sentença, a ação civil pública foi movida
em “defesa de interesses difusos referentes ao patrimônio histórico cultural na
nação” (idem). Os peritos20 nomeados pelo MPF alegaram que o volume
empreendido pelo edifício “retrata uma receita estética forte e bem diferente do
conjunto histórico”. Além disso, as cores utilizadas (predominantemente vermelho e
preto) aumentam, ainda mais, a competitividade visual com os edifícios do seu
entorno (idem).
A prefeitura contestou que não há comprometimento da visibilidade, pois
para eles a referida obra “possui uma expressão neutra propositadamente para
deixar sobressair a escala da Santa Casa”, tendo havido “uma preocupação em
manter o ambiente, a paisagem adjacente e o estilo arquitetônico, valorizando ainda
mais a harmonia do conjunto, realçando seu valor histórico e a sua beleza original”
(idem).
A sentença publicada no Diário Oficial previa ainda que um prédio com as
mesma características que existia no passado fosse construído num prazo máximo
de seis meses (JUIZ ..., 01 out. 2004).
Questionado, o superintendente regional do IPHAN, Eugênio de Ávila
Lins, afirmou que o atual prédio da prefeitura jamais poderia ser definitivo. “O acordo
era de que fosse provisório e o projeto não foi aprovado pelo Iphan. Esta é a
primeira praça administrativa do Brasil, sede do Governo Geral, é importantíssima
para a história da Nação” (WEISTEIN, 06 out. 2004).
20 Para a perícia foram nomeados um profissional com formação acadêmica em desenho industrial, arquitetura de interiores e habilitação em programação visual, e outro com formação em arquitetura, ambos professores da Escola Baiana de Decoração (EBADE).
92
Estabeleceu-se, com esta notícia, uma discussão a respeito da
manutenção ou não do edifício na Praça Municipal, cada qual alegando o juízo de
valor que fazia da edificação. O caso teve grande repercussão nos jornais locais que
divulgaram, além das notícias, as mais variadas opiniões, enquanto a decisão de
retirar o edifício não era oficializada pelo Tribunal Regional Federal.
Armando Branco, conselheiro do Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia da Bahia (CREA-BA), sugeriu que fosse feito um plebiscito
sobre o assunto. Na visão dele, apesar do prédio ter sido construído para ser
provisório, a edificação já estava incorporada à cidade e acrescentou que os
conceitos e teorias arquitetônicas permitiam o uso de materiais contemporâneos de
forma que se mantenha a mesma volumetria das construções antigas (FERREIRA,
02 out. 2004).
O então prefeito do período em que o Palácio foi construído, Mário Kértsz,
opinou que a edificação “era tão bonita que ficou definitiva.” E ainda acrescentou
que “cada povo ao seu tempo tem que construir o que espelhe a sua
contemporaneidade e não deve macaquear o passado” (WEISTEIN, 06 out. 2004).
O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil – seção Bahia (IAB-Ba)
da época, Daniel Colina, tentou estabelecer uma discussão em torno do tema,
através de debates que seriam promovidos em parceria entre este instituto e o
IPHAN. Com este objetivo escreveu ao então presidente do Diretório Nacional do
IAB, o arquiteto Demetre Anastassakis, alegando os seguintes argumentos:
A diversidade e antagonismo dos posicionamentos explicitados evidenciam o quanto o tema patrimônio histórico carece de consenso. Mostra o quanto a opinião pública se ressente a falta de esclarecimentos que poderiam chegar através de uma maior difusão dos posicionamentos institucionais, que por sua vez devem estar consolidados pelo debate e respaldados no conhecimento dos especialistas (COLINA, 15 out. 2004).
93
Para ele os debates ofereceriam “subsídios que permitiriam avançar no
aprimoramento da legislação vigente, atualizando conceitos na área de preservação
do patrimônio histórico” (idem). Mas não se tem notícia de ter ocorrido nenhum
debate aberto ao público.
Daniel Colina publicou, alguns meses depois, uma nota no jornal,
colocando-se contra a forma como o processo jurídico procedeu não considerando o
papel técnico e legal da categoria profissional do arquiteto (COLINA, 22 abr. 2005).
Entretanto, o presidente do CREA-BA Marco Amigo discordou da colocação de
Colina, afirmando que não poderia “discordar da competência dos arquitetos
contratados pelo juiz” (WEISNTEIN, 26 abr. 2005).
No dia 27 de novembro de 2004, arquitetos e estudantes fizeram uma
manifestação a favor da manutenção do Palácio, dando um abraço simbólico no
edifício e compondo um abaixo-assinado o qual seria encaminhado à Procuradoria
Geral do Município, a fim de evitar a determinação do juiz do Tribunal Regional
Federal, onde o processo seria julgado. Um dos idealizadores do ato, José Fernando
Minho, professor e arquiteto há 26 anos, afirmou em entrevista que considerava “que
houve um equívoco de julgamento, até mesmo por não sabermos qual o nível de
entendimento técnico do juiz para tomar uma decisão deste tipo” (REIS, 28 nov.
2004). Para ele, o povo havia se apropriado do lugar porque conseguia ver a
paisagem. Outro líder do movimento, Márcio Campos, professor da UNIFACS, fez o
seguinte pronunciamento: “Não dá para sustentar o retorno a uma época. Este
edifício, do jeito que está, também está criando história, como os outros ao redor”
(idem).
“Elegante”, “sincero”, “obra de qualidade”, estes foram alguns dos termos
usados pelos manifestantes para descrever o edifício. Em sua defesa, eles
94
alegavam que ao reinventar a orientação espacial da praça, através de um novo eixo
predominante, a obra deu um impulso e vigor à cultura moderna brasileira. Além
disso, defendiam a questão dos passantes terem visibilidade do mar enquanto
caminham pela Rua da Misericórdia, e acreditavam que a recomposição de uma
massa construída no local era uma opção regressiva e saudosista (idem).
Antônio Risério, escritor e historiador também colocou-se contra a decisão
de Castro Junior:
Lelé recuperou toda a volumetria do que havia na área, estabeleceu um diálogo de formas entre a arquitetura da Câmara e a arquitetura internacional contemporânea. A arquitetura barroca era de vanguarda. E você tem que dialogar com ela em termos de invenção, de modernidade (WEISTEIN, 29 out. 2005).
Contrapondo-se a estas manifestações, a professora de Teoria da
Conservação e do Restauro na FAUFBA, Odete Dourado, colocou-se a favor da
retirada do prédio e montagem em outro lugar. Seus argumentos haviam sido
apresentados numa mesa-redonda na Faculdade de Arquitetura e num seminário em
São Paulo.
Sou pela compreensão da morfologia urbana do Centro Histórico de Salvador que é muito especial. É constituída por canyons de construções. Os corredores são entremeados por praças ensolaradas. O edifício atual da prefeitura não respeita esta morfologia na medida em que está construído no centro do terreno, leve em pilotis, onde a surpresa característica do estilo barroco, da visão repentina do mar, é destruída. [...]. O prédio de Lelé está recuado, numa praça que, no dizer do seu primeiro cronista, Gabriel Soares, era quadrada, fechada em três de seus lados e debruçada sobre o mar. Na verdade o edifício destruiu a praça quadrada. [...] (idem).
O diretor da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais
(UFMG), Leonardo Castriota, também se apresentava a favor da retirada do edifício,
apresentando os seguintes argumentos, concordando com os da professora Odete
Dourado:
O prédio muda o eixo da praça, desvalorizando o eixo do mar. Sou a favor da substituição do prédio, mas não deixaria o vazio. Faria outro dentro dos padrões de ocupação, sem recuo. Agora aparece o pedaço da igreja que nunca tinha aparecido (idem).
95
Ele apontou que o prédio modernista foi construído fora de seu tempo, já
que o modernismo vigorou na década de 40 e o prédio foi construído em meados
dos anos 70, e que este estilo dialoga mal com a preexistência. E completou que:
“Nós temos a ideologia do novo. Tudo o que é mais novo é melhor” (idem).
Questionado para dar opinião sobre o assunto, o arquiteto que concebeu
a obra, João Filguerias Lima, comentou que cabia à comunidade resolver. Mas
acreditava inoportuna a retirada do edifício, sem haver outra solução para o vazio
urbano que seria formado. Contrapondo-se à opinião de Castriota, Lelé defendeu
que a arquitetura moderna dialoga com a pré-existência.
O prédio procurou uma simetria com o Rio Branco, e é aí que está a importância. Você deixa solto o chão e valoriza a Câmara, que é o prédio mais bonito. Se não fosse solto se perdia toda aquela conquista da vista. O Elevador Lacerda prejudica com aquele concreto que fizeram lá. A gente não pode fazer uma praça para passar burro e cavalo. Tudo foi pensado, não foi aleatório (idem).
Ao final da entrevista ele opinou pela manutenção do prédio, e fez o
seguinte comentário: “Todo mundo com dificuldade financeira e agente se dá ao luxo
de desmanchar um prédio? Só porque pessoas acham que destoa da praça? É uma
questão subjetiva” (idem).
A discussão em torno da permanência ou não do Palácio girou
basicamente na esfera dos profissionais ligados a arquitetura e entre os vereadores
da prefeitura, ficando a população completamente fora da questão. Uma nota no
jornal chegou a comentar que
Enquanto se discute o assunto, a população deixa de ser consultada diretamente. Não falta quem ache – ao contrário dos vereadores – que o prédio em questão não passa de um monstrengo metálico que macula o cenário histórico de Salvador (PREFEITURA ..., 05 fev. 2005).
Estas discussões sobre a retirada do Palácio Tomé de Souza sugerem
mais uma atribuição de valores de conservação por determinado agente (no caso, o
juiz), de uma forma individual, sem levar em consideração as opiniões da sociedade,
96
a qual também se mostra sem amadurecimento para a discussão. No caso do
Corredor da Vitória também foi visto, inicialmente, uma atribuição de valores de
conservação por determinados indivíduos (de herdeiros das mansões), mas que
gerou uma solicitação de tombamento federal, fazendo com que diversos atores se
pronunciassem a respeito dos valores atribuídos ao local. É isto que será visto a
partir de agora.
97
CAPÍTULO 4
Os valores contemporâneos em torno do Corredor da Vitória
98
4.1 O processo de tombamento no IPHAN.
O processo de tombamento federal para o Corredor da Vitória durou
quase cinco anos, culminando em seu arquivamento. Com a abertura deste
processo, os técnicos dos órgãos de preservação, empresários da construção civil e
intelectuais, passaram a expor suas idéias em relação ao tombamento do local,
demonstrando, assim, os valores que atribuem a esta paisagem urbana. É com o
objetivo de demonstrar esses valores que será analisado os caminhos que este
processo de tombamento percorreu dentro do IPHAN.
O ponto de partida para abertura do processo pode ser representado pelo
arquiteto José Carlos da Matta, autor do extenso relatório encaminhado pelo
SINARQ em 01 de novembro de 1998. Apesar de ser funcionário do IPAC, órgão
responsável pela preservação do patrimônio cultural do estado da Bahia, José
Carlos preferiu oficializar o pedido através do SINARQ,21 o qual foi feito, ao mesmo
tempo, ao IPHAN e ao IPAC. Com esta atitude, percebe-se que apesar do pedido
também ter sido enviado ao órgão estadual, os seus técnicos tinham conhecimento
da falta de interesse da sua diretoria em promover a preservação do local.
O arquiteto também tinha conhecimento da falta de relevância dos
edifícios isoladamente a nível nacional, fato que o levou a solicitar um tombamento
de conjunto. A falta de opção para promover a conservação dos edifícios por meio
da legislação municipal ou estadual, e a divulgação da notícia de que a Universidade
Federal da Bahia (UFBA) estaria disposta a alienar e vender as suas propriedades
existentes no Corredor da Vitória e Canela (DANNEMANN, 25 AGO. 1998), levou a
21 Informação adquirida em entrevista realizada com o arquiteto, em 07/08/2007.
99
solicitação, em última instância do tombamento federal. Mas qual seria o conteúdo
do relatório assinado pelo SINARQ?
O pedido de tombamento justificava que apesar dos altos edifícios que
dominavam a paisagem do Corredor da Vitória e dos outros bairros que apareciam
no relatório, as áreas propostas para preservação forneciam “[....] ainda uma visão
completa do processo de modernização, sendo fundamentais para a compreensão
do fenômeno urbano da nossa cidade” (SANTOS, 1998). Desta forma, foi pedido o
tombamento de um conjunto que englobava trechos da Graça, Vitória, Campo
Grande e Canela, além do tombamento individual de alguns edifícios específicos:
[...] solicitamos o tombamento de conjuntos que englobam os remanescentes mais representativos do final do século XIX e início do século XX – inclusive o próprio logradouro, com suas árvores centenárias – além do tombamento individual de alguns edifícios. Esses conjuntos serão compostos por trechos da Rua da Graça, do Largo da Vitória, e do Corredor da Vitória, da Praça Dois de Julho e da Avenida Sete, até a Casa da Itália, e trechos da Av. Araújo Pinho, até a Escola de Teatro, [...] (SANTOS, 1998).
As áreas solicitadas para tombamento foram apresentadas num mapa
que mostrava os conjuntos propostos. Dentro de cada conjunto, foram selecionados
grupos de edifícios ou edifícios isolados que apresentavam interesse para o autor,
formando subconjuntos, havendo exemplares arquitetônicos da década de 30, 40,
50 e 60 que sem o tombamento, dificilmente seriam protegidos. Os quatro conjuntos
propostos (Graça, Vitória, Campo Grande e Canela) foram divididos num total de 27
subconjuntos. O autor alegava uma convivência pacífica entre “os espigões e a
arquitetura preexistente” (SANTOS, 1998), pois os parâmetros urbanísticos da área
fizeram com que os edifícios se adequassem à conformação primitiva dos lotes. Ou
seja, o fato dos edifícios terem sido construídos dentro dos limites dos lotes
existentes, sem alterar o seu tamanho, fazia com que estes não interferissem na
leitura do processo de modernização do início do século XX a que ele se referia.
100
Esta visão do arquiteto seria bastante discutida entre os técnicos do IPHAN durante
o processo de tombamento.
Os imóveis propostos para tombamento individual pelo SINARQ foram:
Rua da Graça, nº 305 (do Sr. Alberto Moraes Martins Catharino), Corredor da Vitória
nº 2172 (Mansão do jornalista Jorge Calmon), Corredor da Vitória nº 381 (Antigo
Colégio Sophia Costa Pinto), Corredor da Vitória nº 2382 (Residência Universitária
Masculina), Corredor da Vitória nº 2410 (Mansão da família Baggi), Corredor da
Vitória nº 2365 (atual Ministério do Trabalho), Corredor da Vitória nº 2457 (Mansão
da família Cunha Guedes), Corredor da Vitória nº 2457 (chalet), Corredor da Vitória
nº 2607 (chalet), Igreja da Vitória, Largo da Vitória nº 04 (Mansão de Verena
Wildberger), Teatro Castro Alves, Av. Sete de Setembro nº 1238 (Casa d’Italia),
Palácio da Aclamação e Palácio das Rosas, Av. Araújo Pinho nº 149 (Residência
Universitária Feminina) e Av. Araújo Pinho nº 292 (Escola de Teatro).
Com exceção ao Teatro Castro Alves, que representa um importante
marco da arquitetura moderna na Bahia, todos os outros exemplares selecionados
para tombamento individual são representantes da arquitetura eclética, a qual
vigorava na época de modernização da cidade, ocorrida entre o final do século XIX e
início do século XX.
No IPAC, como era de se esperar, não houve nenhum pronunciamento
sobre a proposta de tombamento que havia sido solicitada. Na época, o governo era
liderado por discípulos de Antonio Carlos Magalhães, que, como comentado no
capítulo dois, foi responsável pela consolidação da cidade capitalista, quando
prefeito da cidade, entre 1967-1970. Desta forma, não era conveniente ao governo
estancar um processo de dominação do capital imobiliário criado por ele próprio.
101
Já no IPHAN, a falta de relevância dos exemplares arquitetônicos
selecionados para tombamento individual e a falta de integração entre os conjuntos
criaram uma grande dificuldade para seguimento da proposta e abertura do
processo de tombamento. A princípio, os técnicos da 7ª Superintendência Regional
(7ª SR) solicitaram ao arquiteto José Carlos da Matta, em janeiro de 1999, a
reformulação da proposta, para que esta pudesse ter andamento.
Como não houve a reformulação solicitada, a arquiteta Rita Monteiro da
7ª SR do IPHAN encaminhou ao superintendente a Informação Técnica nº 378/99,
tecendo vários comentários à proposta do SINARQ. Ela concordava com o
Tombamento Federal do Largo e Corredor da Vitória tanto como conjunto, quanto
dos imóveis existentes nesta área, pleiteados para tombamento individual (a Igreja
da Vitória e a Mansão de Verena Wildberger). Também se apresentava favorável à
proposta de tombamento individual a nível Federal de imóveis localizados no Campo
Grande, como o Teatro Castro Alves e Palácio da Aclamação com Passeio Público,
como também a Mansão Alberto Moraes Martins Catharino (Rua da Graça nº 305).
Já a Escola de Teatro localizada no bairro do Canela foi indicada para
tombamento Estadual, visto que já havia um processo de tombamento Estadual para
a Escola de Belas Artes da UFBA, situada nas proximidades.
Em relação às áreas do Canela, Campo Grande e Avenida Sete de
Setembro, foi sugerido a possibilidade de criar graus de proteção a nível Municipal
através da Legislação Específica e justificou que
[...] ainda que se tratem de áreas compostas por alguns exemplares arquitetônicos de qualidade, conforme mostra a documentação apresentada, estes só, não justificam um tombamento de conjunto no âmbito federal (MONTEIRO, 02 ago. 1999).
Segundo as recomendações da arquiteta Rita Monteiro, dos imóveis
propostos para tombamento individual pelo SINARQ, ficaram de fora a Casa d’Italia
102
(Av. Sete de Setembro, nº 1238), o antigo Palácio das Rosas, e a Residência
Universitária Feminina localizada no Canela (Av. Araújo Pinho, nº 149). Foram
excluídas as áreas da Graça e do Canela.
Apesar de acreditar que a proposta devesse ser reestruturada, os
técnicos da 7ª SR atribuíam valores históricos ao local solicitado para tombamento
ao se mostrarem favoráveis à criação de graus de proteção aos remanescentes
arquitetônicos, seja pela legislação municipal, estadual ou federal. Foi por esse
motivo que o processo teve andamento, seguindo para a Divisão de Estudos de
Acautelamento do Departamento de Proteção (DEA/DEPROT) do IPHAN, que
instaurou o processo nº 1451-T-99 denominado “Conjunto Arquitetônico do Corredor
da Vitória”. Entretanto, em seu parecer a técnica Helena Mendes dos Santos
chamou a atenção para pontos incongruentes da proposta, afirmando que para um
objeto ser considerado como patrimônio cultural, os valores nele identificados –
históricos, artísticos, etnográficos, paisagísticos, etc. – não poderiam se ater às
especificidades locais e sim, contribuir para a construção da memória dentro de um
contexto nacional (SANTOS, 04 nov. 1999).
Além disso, ela se opunha ao tratamento dado ao termo “conjunto” no
pedido de tombamento do SINARQ, alegando que dentro da instituição, o
entendimento dado ao tombamento de conjuntos se refere à reunião de partes
contíguas ou adjacentes que mantém entre si uma relação (origem, o período ou o
estilo arquitetônico).
A definição de conjunto como uma simples reunião ou grupo de coisas, como ocorre no presente caso, a uma série de edificações de diferentes períodos, é mais recente e, no nosso entender, menos adequada por não garantir a preservação desses bens (idem).
Desta forma, considerava que as edificações indicadas para tombamento
não formavam um conjunto homogêneo, pois além de serem de períodos diferentes,
103
possuíam qualidades artísticas bastantes diferenciadas. Na proposta do SINARQ
havia edificações neoclássicas, ecléticas e modernistas dentro dos limites propostos
para formar um conjunto. E indicou que “a proposta deva ser fundamentada
identificando o valor de cada unidade, individualmente considerada” (idem). A
intenção de Helena Santos era que a idéia de tombamento de um conjunto fosse
abortada e que o processo passasse a focar no tombamento individual de alguns
imóveis existentes nesta área.
Com a instauração do processo foram eleitos quatro imóveis para
trabalhos de instrução, sendo eles: Casa à rua da Graça, nº 305, Mansão de Jorge
Calmon (Corredor da Vitória, nº 2172), Mansão Cunha Guedes (Corredor da Vitória,
nº 2457) e o Teatro Castro Alves, no Campo Grande. Destes imóveis indicados, foi
feita a instrução somente do Teatro Castro Alves, sendo realizada, porém, a
instrução de outros três imóveis: Fundação Nacional de Saúde (Av. Sete, nº 2328),
Igreja de Nossa Senhora da Vitória e Residência Universitária Masculina (Av. Sete,
nº 2382). Não existem registros no processo da razão para esta mudança. Mas a
troca de três imóveis particulares por outros três de uso público indica que deve ter
havido impedimentos para que os trabalhos fossem realizados nas edificações
eleitas primeiramente22. Os trabalhos de instruções foram entregues em 21 de
março de 2001 pela 7ª SR do IPHAN.
Um ano depois, foi apresentado pela mesma Regional a instrução do
processo feito pelo arquiteto Luiz Fernando Rhoden. Nele, o autor fez um breve
histórico do processo de tombamento23, comentando inclusive a abertura do
22 Em relação a mansão de Jorge Calmon, provavelmente sua venda já estava sendo pleiteada neste período. Quanto a Mansão dos Cunha Guedes, não houve em nenhum momento manifestação contra ou a favor do tombamento. 23 Ver quadro comparativo das propostas de tombamento (QUADRO 02).
104
Processo nº 1491-T-02 de Tombamento Individual da “Residência Cardinalícia”24
realizado em 25 de setembro de 2001 e posteriormente anexado ao processo de
tombamento em questão25. Ao final, apresentou uma nova proposta englobando:
[....] o traçado urbano da Avenida Sete de Setembro no trecho entre a Casa d’Itália e o Largo da Vitória; o Campo Grande (Praça 2 de Julho) e seu monumento ao 2 de Julho, data maior da Bahia; os seguintes imóveis conformando um conjunto eclético: Igreja de N.S. da Vitória (Praça Rodrigues Lima/Largo da Vitória), Mansão Verena Wildberger (Praça Rodrigues Lima, nº 04), Casa da Família Cunha Guedes (Av. Sete de Setembro, nº 2445), Casa do Jornalista Jorge Calmon (Av. Sete de Setembro, nº 2172), Residência Universitária (Av. Sete de Setembro, nº 2382), Casa da Av. Sete de Setembro, nº 2457, Hotel Caramuru (Av. Sete de Setembro, nº 2125), Casa da Av. Sete de Setembro, nº 2469, Prédio do Museu de Arte da Bahia (Av. Sete de Setembro, s/nº), Antiga Residência Cardinalícia (Av. Sete de Setembro, nº 1682), Palácio da Aclamação – antiga residência oficial dos governadores baianos (Av. Sete de Setembro, s/nº) e passeio público contíguo ao Palácio (Av. Sete de Setembro, s/nº), Casa da Itália (Av. Sete de Setembro, nº 1238), Praça do Obelisco em frente ao Palácio da Aclamação (Av. Sete de Setembro). Além destes imóveis e logradouros, propõe-se o tombamento individual do Teatro Castro Alves, para o que deverá ser aberto processo específico (RHODEN, 12 abr. 2002).
Estavam sendo propostos, no total, os tombamentos individuais de doze
imóveis. Segundo o autor do parecer, a mansão de Alberto Martins Catharino foi
retirada da proposta por possuir proteção legal, a nível estadual26, e o antigo Colégio
Sophia Costa Pinto, por já possuir alvará de construção e de demolição emitido pela
SUCOM em 25 de janeiro de 2002. O perímetro da área tombada e da área de
entorno foi divido em seis setores e apresentado critérios de intervenção para cada
setor. Segundo o autor, a nova proposta levava em consideração
além dos aspectos arquitetônicos relevantes, também os aspectos urbanísticos que definem o Largo e Corredor da Vitória e o Campo Grande (Praça 2 de Julho), como ainda remanescente do projeto de J.J. Seabra, realizado no início do século XX (idem).
Rhoden conseguiu resgatar a maior parte que o SINARQ havia proposto
para tombamento nas áreas da Vitória e Campo Grande, que estavam presentes na
24 Não foi anexada uma cópia do processo de tombamento para a antiga Residência Cardinalícia no processo pesquisado. 25 V. capítulo 3, item 3.1. 26 Esta afirmação representa um equívoco do arquiteto. Quem possui proteção estadual é o Palacete do Comendador Bernardo Martins Catharino, sito à rua da Graça, nº 292.
105
primeira proposta da arquiteta Rita Monteiro e que foram descartados numa
proposta posterior dos técnicos da 7ª SR, em junho de 2000.
Todas as propostas que partiram da 7ª SR continuaram a tratar o Largo e
o Corredor da Vitória como um conjunto eclético, mesmo sabendo que o DEPROT
não concordava com esta denominação. Na verdade, como os exemplares da
arquitetura eclética que restava não apresentavam individualmente valores históricos
e/ou artísticos suficientes para um tombamento federal, pretendia-se que, como
conjunto, estas edificações adquirissem importância suficiente para serem
tombadas. Mas os edifícios que separavam estas residências prejudicavam a leitura
do local enquanto conjunto.
A resposta do DEPROT à instrução do processo feita por Rhoden não
atendeu às expectativas da 7ª SR. Parecia que este departamento tentava ganhar
tempo retardando o andamento do processo. Em primeiro lugar, os técnicos do
DEPROT solicitaram a identificação da altura dos edifícios e dos usos (GALVÃO
JUNIOR, 21 jun. 2002), o que foi negado pela 7ª SR, alegando que estas “[...] além
de não contribuírem para o fortalecimento do conceito de arquitetura que estamos
propondo neste processo, tendem a robustecer as pressões que o mesmo vem
sofrendo e que já eram esperadas” (RHODEN, 25 jun. 2002). Rhoden se referia às
pressões do mercado imobiliário, que ao saber da possibilidade de tombamento do
Corredor da Vitória, tratou de adiantar a execução dos empreendimentos previstos
para o local.
Sem as informações solicitadas, o coordenador do DEPROT escreveu
parecer fazendo observação de que a calha da via ainda íntegra e as oito
edificações restantes representavam muito pouco, “face à realidade hiper-urbana
que domina a paisagem”. Além disso o departamento prevê “[...] imensa dificuldade
106
de entendimento e apropriação do conjunto que se pretende inequívoco, em que
pese a presença da rua como elemento de junção e de escala urbana.” Finalmente
concluí que:
[...] Isso não quer dizer que não tenha valores passíveis de tombamento, haja vista a defesa do tombamento Regional, inclusive a dissertação interessante da arquiteta Maria do Carmo Baltar. Se for essa a opção, há que aclarar os valores intrínsecos da rua, os valores de cada edificação, as áreas de entorno que, provavelmente, se “conurbarão”, e as definições, ex ante, da regulamentação dessas áreas (GALVÃO JUNIOR, 08 ago. 2002).
Em resposta ao memorando do DEPROT, Luiz Fernando Rhoden
questionou que os levantamentos das tipologias que não foram propostas para
tombamento não contribuem para a definição do objeto a ser tombado e que este
procedimento não tinha sido adotado em casos semelhantes em outras áreas do
país (RHODEN, 05 nov. 2002).
Enquanto os técnicos do IPHAN discutiam sobre o entendimento de
“conjunto”, em Salvador, a SUCOM liberou em 20 de junho de 2002 o alvará de
construção para o edifício “Morada dos Cardeais”, que seria construído atrás da
antiga Residência Cardinalícia. Temendo a destruição de mais casas, ou a
construção de edifícios atrás destas, fato que estava se tornando corriqueiro no
local, a superintendente da 7ª SR, Adalgisa D’Eça, ao encaminhar o memorando de
Rhoden ao DEPROT, solicitou que fosse realizada a notificação de tombamento
provisório, enquanto seguiam as discussões (D’EÇA, 13 nov. 2002). Esta era a única
forma de proteger as casas legalmente. Mas o tombamento provisório só iria ocorrer
sete meses depois.
Esta solicitação da superintendente mostra que a proposta de
tombamento passou a ter um caráter de apelo contra as destruições gradativas das
mansões que vinham ocorrendo no local, devido à liberação de alvarás de
construção pela prefeitura da cidade. A notícia de um possível tombamento fez com
107
que as construtoras apressassem os empreendimentos pretendidos no local. E a
prefeitura, que durante todo o processo de verticalização da Vitória favoreceu o
capital imobiliário liberando o gabarito, continuou a não tomar nenhuma providência
para impedir nem a destruição das mansões eclética, nem o aumento da densidade
populacional e do conseqüente tráfego de veículos na área.
No IPHAN, as discussões iriam continuar ainda por um longo tempo. O
DEPROT continuava a protelar o andamento do processo, reafirmando que os
remanescentes arquitetônicos da área em questão não resultavam em um “conjunto
palpável”, ainda que fossem testemunhos históricos e, para exemplificar com
ocorrências anteriores em processos de tombamentos, comentou o parecer do
Conselheiro Nestor Goulart Reis Filho sobre o conjunto arquitetônico do Bairro da
Luz, em São Paulo, quando determinou-se que
[...] as edificações podem formar um conjunto, mas que não o é de forma inequívoca. Só é compreendido desde um filtro intelectual, uma visão urbanística em perspectiva histórica. Isto implica que deve ser compreendido mesmo em sua incompletude material. Entretanto o Conselheiro não intencionou maiores contenções no desenvolvimento urbano da área, já hiperurbanizada (GALVÃO JUNIOR, 22 nov. 2002).
Com esta citação, o coordenador do DEPROT colocava-se contra o
tombamento, não concordando em conter o processo de urbanização da área com a
construção de altos edifícios. Com estas justificativas, Galvão Junior considerava
inadequado fazer alçar o processo à Procuradoria Jurídica do IPHAN (PROJUR)
sem as complementações necessárias.
Enquanto a notificação de tombamento não saía, em Salvador iam sendo
solicitados novos alvarás na SUCOM. Em 13 de março de 2003 foi solicitado o
alvará de construção do edifício Mansão Leonor Calmon nos fundos da antiga
mansão do jornalista Jorge Calmon (nº 2172), mantendo a edificação existente. Em
maio, foi a vez da construtora Porto Vitória Empreendimentos Ltda solicitar o alvará
108
de demolição da antiga mansão da família Baggi (nº 2410). A primeira constava na
proposta de Rhoden para tombamento individual, já a segunda, apesar de aparecer
na proposta do SINARQ e na de Rita Monteiro, não constava na proposta de
Rhoden, apenas como conjunto.
A partir de junho de 2003 o jornal A TARDE, em Salvador, passou a
divulgar reportagens quase que diárias para pressionar o IPHAN pela notificação de
tombamento. Segundo o arquiteto José Carlos da Matta, ele solicitou à repórter Mary
Weinstein, responsável pelas notícias de arquitetura do jornal, que não divulgasse
informações sobre o processo de tombamento, até aquele momento, com receio de
que a notícia apressasse as demolições das mansões remanescentes. Mas como
isso já vinha ocorrendo, o próprio arquiteto solicitou à repórter que passasse a fazer
as reportagens, divulgando as licenças que estavam sendo liberadas e a situação do
processo no IPHAN, estacionado no DEPROT há um ano.
Pressionado a dar seguimento ao processo, o DEPROT, acabou
escrevendo um parecer favorável ao tombamento do conjunto arquitetônico
constituído das doze unidades constantes no parecer de Rhoden, mas não
considerou o valor urbanístico alegado por ele.
Portanto esta Coordenação propõe não considerar, do despacho e parecer final da 7ª SR, a conclusão pelo tombamento do conjunto urbanístico, a inclusão dos logradouros, exceto as praças, e a regulamentação para a área do entorno, de conformidade com os pareceres já exarados por esta coordenação e apensados ao processo (GALVÃO JUNIOR, 10 jun. 2003).
A procuradoria do IPHAN considerou que os elementos relativos à
notificação do ato administrativo, dos quais se destacavam os valores históricos e
artísticos, estavam demonstrados no processo. Mas chamou a atenção que o
tombamento se referia a bens imóveis isolados, que, por sua localização próxima,
passaram a ser tomados como conjunto e comentou que a poligonal traçada pela 7ª
SR incluindo logradouros, largos e praças, não deveria prevalecer, pois o
109
entendimento do DEPROT “é de que o tombamento deverá incidir apenas sobre as
unidades arquitetônicas, as quais estarão envolvidas em uma área de entorno, já
definida” (SANTOS, 13 jun. 2003). Como os critérios de intervenção na área de
entorno indicados pela 7ª SR não foram aprovados, foi recomendado que, o quanto
antes, desenvolvessem estudos e fixassem os novos critérios.
Com este parecer, a procuradoria deixou claro que o objeto não fosse
julgado como conjunto, e sim como unidades individuais. Desta forma, a proposta
adquiriu uma feição diferente do que havia sido exposto desde o início do processo.
A notificação do ato administrativo de tombamento provisório do “Conjunto
Arquitetônico do Corredor da Vitória” foi finalmente publicada no Diário Oficial da
União em 16 de junho de 2003. Foram tombados os doze imóveis da proposta de
Rhoden e considerada a área de entorno indicada no parecer do DEPROT.
A poligonal estipulada é cercada pela Rua da Graça, a linha preamar da Baía de Todos os Santos, a Rua Banco dos Ingleses, a Gamboa de Cima, o Largo dos Aflitos, a Avenida Carlos Gomes e o Campo Grande. Logo inclui toda a Vitória e mais o trecho da Avenida Sete de Setembro, até a altura do Forte de São Pedro (WEINSTEIN, 18 jun. 2003).
Dois dias depois da notificação, o jornal A TARDE publicou entrevistas
com opiniões a respeito do assunto. A diretora do IPHAN Maria Elisa Costa fez o
seguinte relato:
Há muito tempo havia essa intenção de tombar a Vitória. Nós queremos que as coisas andem, a gente quer resolver. Gosto muito de Salvador e o Corredor da Vitória tem uma identidade. A gente tem que segurar o que ainda tem dessa identidade: as casas remanescentes e o entorno destas. Vamos disciplinar, guardar os elementos que assegurem e mostrem os vários momentos da evolução da cidade. É a nossa história (idem).
O superintendente da 7ª SR, Maurício Chagas, que havia assumido o cargo
recentemente vibrou com o tombamento provisório:
[...] Esse tombamento é uma novidade na Bahia e no Brasil porque não existem muitos tombamentos da arquitetura republicana. Na realidade, havia um profundo descaso em relação ao estilo eclético. Não se reconhecia o mérito nesse tipo de arquitetura. Antes só se via a arquitetura militar, civil e religiosa de até meados do século XIX. [...] (idem).
110
O superintendente reconhecia a necessidade de que outros casarões e
sítios fossem preservados, mas afirmou que cabia ao Estado e Município proteger os
monumentos de relevância regional.
Em entrevista ao mesmo jornal, o arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo,
que fazia parte do Conselho Consultivo do IPHAN também concordou com Maurício
Chagas no que diz respeito ao tombamento da arquitetura do início do período
republicano do Brasil, afirmando que a
[...] nova diretora do órgão, Maria Elisa Costa, demonstra uma visão menos preconceituosa e mais universalista da cultura, mandando acelerar o processo de beatificação, que geralmente tarda uma ou duas décadas. Os exemplares, que milagrosamente sobreviveram, são poucos, mas são a prova que faltava para a consagração do Corredor da Vitória (WEINSTEIN, 21 jun. 2003).
Por outro lado, o presidente do Conselho Regional de Corretores de
Imóveis (CRECI) Samuel Arthur Prado, relatou que achou “péssimo” o tombamento
do Corredor da Vitória
porque, hoje, é o metro quadrado mais caro em Salvador. Ali se vende um empreendimento sem nem precisar de lançamento. Acho que as conseqüências não vão ser maiores porque existem poucos casarões remanescentes do lado do mar. Acho que isso vai valorizar ainda mais os imóveis na Vitória (WEINSTEIN, 21 jun. 2003).
Como era de se esperar, dentro do prazo de um mês após a notificação
de tombamento, os interessados em construir edifícios no local entraram com
pedidos de impugnação. Foram quatro requerimentos referentes aos seguintes
imóveis: Antiga Residência Cardinalícia (Av. Sete de Setembro, nº 1682), Hotel
Caramuru (Av. Sete de Setembro, nº 2125), Mansão de Verena Wildberger (Largo
da Vitória, nº 04) e a antiga Mansão de Jorge Calmon (Av. Sete de Setembro, nº
2172).
A construtora Norberto Odebrecht alegava nulidade do processo de
tombamento pela “razão do direito individual” adquirido pela construtora, pois desde
111
20 de junho de 2002 já havia adquirido o alvará de construção para um edifício atrás
da antiga Residência Cardinalícia, nº 1682 (CONSTRUTORA..., 01 jul 2003). Se
Rhoden havia retirado da sua proposta o antigo colégio Sophia Costa Pinto
alegando que já havia alvará de construção para um edifício atrás da casa, era
justificável a postura da Construtora Odebrecht.
A Companhia de Seguros Aliança da Bahia, proprietária do Hotel
Caramuru (nº 2125) alegava que o seu imóvel não fora construído segundo os
parâmetros higienistas apontados no parecer de Rhoden (COMPANHIA..., 14 jul
2003).
As empresas Liwil Construções e Empreendimentos Ltda, a Frank
Empreendimentos Imobiliários e a MRM Incorporadora Ltda, no papel de
compradoras da Mansão de Verena Wildberger mostrava que a edificação não
possuía valor histórico e que foi edificada no ano de 1940 por Arnold Wildberger,
que adquiriu as ruínas da antiga Pensão Beau Sejour. As empresas apresentaram
um parecer do historiador Cid Teixeira que dizia:
[...] No caso vertente, aproveitar a encosta do Largo da Vitória de modo racional, pagando tributo à sua privilegiada posição somente poderá, no meu entender, contribuir de modo positivo (TEIXEIRA, 2003).
Novamente a construtora MRM Ltda, junto com a construtora Andrade
Mendonça e o arquiteto Fernando Andréas Frank, proprietários da antiga mansão de
Jorge Calmon também tentavam convencer que a edificação em questão não
possuía valor histórico ou arquitetônico alegando que as inúmeras alterações que
esta sofreu faziam com que a residência não guardasse qualquer similaridade com o
projeto original do início do século XX. Mesmo assim, as empresas se propunham,
em seu projeto, preservar a casa, mantendo-a, como dito no parecer de Cid Teixeira,
“como testemunho dos vários tempos da sua vida [...] integrado nos novos tempos
112
da sua continuidade” (TEIXEIRA, 2003). Na verdade, a manutenção da casa fora
imposta pela família como cláusula do contrato de compra e venda. Caso esta fosse
demolida, as empresas compradoras teriam que pagar uma multa.27
O fato de haverem vários pareceres, com diferentes propostas de
tombamento no processo, dava uma falsa idéia de que estava sendo tombado um
“conjunto eclético”, conforme consta no parecer de RHODEN, e não unidades
arquitetônicas, que foi o realmente tombado provisoriamente. Outra falha ocorrida no
processo foi a falta de esclarecimento dos valores de cada edificação tombada, o
que levou aos impugnantes apresentarem suas próprias conclusões.
Nenhum dos requerimentos de impugnação foi considerado justificável
pela procuradoria jurídica do IPHAN (SANTOS, 30 jul.2003). Para dar continuidade
ao processo, foi eleito relator para a reunião do Egrério Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural, o Conselheiro Sabino Machado Barroso. A eleição se deu antes
mesmo do Conselheiro ser apresentado ao Conselho, fato que ocorreu somente
durante a reunião do dia 13 de agosto de 2003, quando a presidente do IPHAN
comunicou a sua posse, publicada no Diário Oficial da União em 21 do mês anterior.
Sabino Barroso havia sido presidente do IAB-DF, coordenador da 6ª SR do IPHAN e
diretor do DEPROT.
Em sua exposição, Sabino Barroso relatou que da configuração original
do Corredor da Vitória,
[...], infelizmente, pouco resta na atualidade: apenas o espaço urbanístico de uma avenida fartamente arborizada com árvores robustas de copa densa, com tráfego intenso de automóveis e edifícios de apartamentos com gabarito excessivamente alto – sobretudo do lado do mar” (BARROSO, 13 ago 2003).
Barroso acreditava que o acordo tácito feito entre os antigos proprietários
e a construtora para manutenção das casas consolidou a altura dos novos edifícios. 27 Ver capítulo 3, item 3.1.
113
Após relembrar todas as propostas de tombamento que foram
apresentadas desde o início do processo, Barroso apresentou uma nova alternativa,
fugindo completamente do que havia sido proposto até então:
Considerando que o que importa efetivamente é a implantação e configuração urbana e paisagística dos logradouros que integram o Corredor da Vitória – Av. Sete de Setembro, Jardim do Passeio Público, Campo Grande, Largo da Vitória – sublinhada pela presença dos casarões sobreviventes, que dão testemunho da escala urbana original, e Considerando que a preservação da vista para a Baía e da cobertura vegetal remanescente da Mata Atlântica na encosta justifica o tombamento como patrimônio paisagístico do imóvel situado no nº 04, do Largo da Vitória. A proposta mais pertinente, no momento atual, seria o tombamento da implantação e configuração urbana e paisagística dos logradouros, que integram o Corredor da Vitória, acrescido do imóvel nº 04 do Largo da Vitória, considerando-se como entorno a faixa lindeira aos logradouros, e ao referido imóvel, com largura constante de 35 metros, contados a partir das testadas dos lotes e dos limites laterais dos imóveis supracitados. Essa faixa configuraria uma área de preservação rigorosa da atual configuração volumétrica, mantidas as mesmas alturas máximas das edificações na data de tombamento, nos casos de demolição e reconstrução (BARROSO, 13 ago. 2003).
A nova proposta apresentava as seguintes edificações para tombamento
individual: Casa d’Itália (Av. Sete de Setembro, 1238), Palácio da Aclamação (Av.
Sete de Setembro, s/n), Museu de Arte da Bahia (Av. Sete de Setembro, s/n),
Residência Cunha Guedes (Av. Sete de Setembro, 2445) e Igreja de Nossa Senhora
da Vitória (Praça Rodrigues Lima/ Largo da Vitória).
Além disso, o tombamento deveria englobar a preservação da atual
configuração arquitetônica externa das seguintes edificações: Av. Sete de
Setembro, 1682 (Antiga Residência Cardinalícia), Av. Sete de Setembro, 2125 (Hotel
Caramuru), Av. Sete de Setembro, 2172 (Residência Jorge Calmon), Av. Sete de
Setembro, 2382 (Residência Universitária da UFBA), Av. Sete de Setembro, 2457 e
Av. Sete de Setembro, 2469 (Ferro Velho).
Ao final da exposição, o conselheiro recomendou que a proposta fosse
inscrita no Livro do Tombo das Belas Artes, no Livro do Tombo Histórico e no Livro
114
do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, com a seguinte denominação:
Conjunto Urbanístico, Arquitetônico e Paisagístico do Corredor da Vitória.
Barroso retorna o foco do tombamento para a “configuração urbana e
paisagística dos logradouros” indo de encontro ao parecer do DEPROT que não
levou em consideração o valor urbanístico alegado por Rhoden na proposta anterior.
Entretanto, ao contrário da última proposta que propunha o tombamento individual
de doze imóveis, Barroso só propôs o tombamento individual de cinco edificações,
sendo que quatro delas já eram protegidas de alguma forma, pela função que
exerciam. Somente a residência da família Cunha Guedes era uma propriedade
privada, ainda habitada pelo proprietário, o qual não se manifestou contra o
tombamento através de pedido de impugnação. Além disso, a preservação apenas
das fachadas das outras seis edificações e a proposta de uma faixa lindeira de
proteção com largura constante de 35 metros como área de entorno do trecho da
Avenida Sete de Setembro permitia justamente a construção do edifício Morada dos
Cardeais atrás da antiga Residência Cardinalícia. Estaria o conselheiro tentando
conciliar os interesses do capital imobiliário com os interesses dos técnicos do
IPHAN que se apresentavam favoráveis à preservação das mansões remanescentes
do Corredor da Vitória?
A presidente do IPHAN Maria Elisa Costa mostrou-se favorável à proposta
de Barroso, fazendo o seguinte comentário:
[....] achei sedutora a proposta do Conselheiro Sabino Barroso por tentar preservar o alinhamento, o logradouro. Na faixa envoltória, considerada como entorno, haveria maior flexibilidade. No meu entendimento, essa idéia permitiria guardar uma vaga lembrança, um perfume do que foi o Corredor da Vitória. É uma proposta simplificadora, muito menos restritiva que as anteriores” (ATA DA 40ª ..., 25 set. 2007).
Em resposta à exposição do relator do processo, o Conselheiro Paulo
Ormindo de Azevedo se pronunciou comentando que, na sua opinião, a área deveria
115
ser considerada mais como sítio urbano, conforme apresentado na proposta inicial
da 7ª SR do IPHAN, do que como um conjunto arquitetônico, “infelizmente já muito
desfalcado e esgarçado”, já que esta área apresentava valores arquitetônicos,
naturais e paisagísticos, “difusos, fragmentários, heterogêneos, mas que formam um
quadro novo, não de todo sem interesse e charme”. E apresentou uma proposta
para elaboração de um plano particularizado para o Corredor da Vitória, a ser
realizado em conjunto entre um organismo federal e um municipal, respaldado pela
Constituição de 1988, onde houvesse as seguintes definições: uso do solo,
coeficientes e índices de utilização e outra série de elementos. Era preciso que o
processo de manter as casas antigas e construir uma nova edificação no recuo,
fosse regulamentado, além de estabelecer limites de densificação do bairro. Ao se
levar em conta a área “non aedificandi” da cota 0 até a 50 para a fixação do índice
de utilização e o uso da TRANSCON, que possibilitava o acréscimo de mais
5.000m2, permitia-se um potencial de construção muito grande nesta área (ATA DA
39ª ..., 14 ago. 2003).
Ao que parece, ao perceber que o tombamento do Corredor da Vitória
daquela forma como estava sendo proposta não iria controlar o uso do solo para
evitar ainda mais a densificação do local e nem regulamentar a construção dos
edifícios atrás das mansões, o conselheiro propôs que o IPHAN procurasse
direcionar a proteção do local para o Município, pois era este o responsável pela
legislação do uso do solo. Aliás, se o município tivesse criado, a partir do controle do
uso do solo, condições favoráveis para a preservação das mansões, talvez nunca
houvesse acontecido o pedido de tombamento.
A votação não pôde ocorrer neste dia pois a Conselheira Suzanna
Sampaio pediu vistas, alegando que não conhecia o processo. Após analisá-lo, a
116
conselheira escreveu um termo de observação comentando que, apesar dos
projetos arquitetônicos apresentados para o Corredor da Vitória serem de má
qualidade e da sua execução se constituir um “prejuízo à Bahia, e demérito aos seus
profissionais”, o tombamento não poderia ser tratado como uma “medida cautelar,
impeditiva da destruição anunciada, mas um ato definitivo de inserção na vida dos
cidadãos e da PERMANÊNCIA na História Nacional” (grifo da autora). Desta forma,
questionava se existia excepcionalidade artística do local para a História do Brasil
(SAMPAIO, 21 set. 2003).
Na 40ª reunião do Conselho Consultivo, realizada no dia 25 de setembro
de 2003, apesar do Corredor da Vitória ter sido pauta pela segunda vez, o processo
não pode ser votado devido às discussões e protestos ocorridos por membros
externos em relação à negação do pedido de sustentação oral realizado dias antes
pelo advogado Hélio Menezes Junior da MRM Construtora Ltda28.
Ao final da pauta, ficou decidido que o IPHAN iria conceder aos
interessados prazos de vistas e possíveis impugnações, seguindo-se o exame das
eventuais manifestações pelos setores técnico e jurídico do IPHAN, antes de
retornar ao Conselho.
Esta decisão representou um equívoco, servindo apenas para o Conselho
ganhar mais tempo até definir a sua posição final. Conforme parecer da procuradoria
do IPHAN, novas impugnações só seriam possíveis caso o Conselho votasse a favor
da proposta de Sabino Barroso (SANTOS, 09 dez. 2003). Como não houve votação,
os pedidos de impugnação que se relacionavam com esta proposta resultaram
inócuos. Mas isso só foi divulgado após o encaminhamento de novos pedidos de
impugnação. 28 A MRM Incorporadora Ltda. possui projeto para dois empreendimentos no local: um edifício atrás da antiga mansão de Jorge Calmon e um edifício no local da Mansão Wildberger.
117
É interessante analisar o conteúdo destes pedidos realizados pelos
interessados em vender e/ou construir no local. Percebe-se neles uma tentativa de
conciliar os interesses do mercado imobiliário com a preservação das mansões.
Afinal de contas, a preservação das mansões, independente do processo de
tombamento, era uma exigência dos antigos proprietários.
Foram dois requerimentos de impugnação: um enviado pela Liwil
Construções e Empreendimentos Ltda., e outro encaminhado pelas empresas MRM
Construtora Ltda, Construtora Andrade Mendonça Ltda. e mais o arquiteto Fernando
Andréas Frank. Ambos documentos alegavam “invasão de competência pelo IPHAN
na pretensão de preservar o que somente caberia ao município”. Comentaram que a
paisagem da região era caracterizada pela verticalidade das edificações e criticaram
o entorno estabelecido de 35 metros por uma falta de motivação lógica. As
empresas propunham que a faixa estabelecida
[...] seja idêntica à daquela de que trata a Lei Municipal, instituída como recuo, e, nos casos dos cinco imóveis tombados isoladamente e daqueles outros seis em que se criou a preservação arquitetônica externa, essa faixa respeitaria os casarões, de modo a sempre mantê-los íntegros, conciliando-se, assim, todos os interesses (LIWIL, 20 out. 2003).
Desta forma, os empreendimentos pretendidos por eles não estariam
ameaçados, permanecendo tudo como estava antes. Sobre a “pitoresca vista”
existente no Largo da Vitória segundo afirmação do Conselheiro Sabino Barroso, os
impugnadores alegavam que:
A Casa de Verena Wildberger, até os limites do seu terreno, não impõe qualquer limitação à visualização da que foi denominada “pitoresca vista”, que somente é possível sobre o terreno vizinho, à sua direita, [...] (idem).
No dia 17 de dezembro de 2003, o processo de tombamento do “Conjunto
Arquitetônico do Corredor da Vitória” foi novamente levado para pauta na 41ª
reunião do Conselho Consultivo. Mas o processo, mais uma vez, não foi posto em
votação devido ao pedido de vistas do Conselheiro Joaquim Falcão, alegando não
118
estar em condições de votar porque não teve tempo de examinar o parecer do
departamento jurídico do IPHAN.
Enquanto não ocorria a nova reunião do Conselho Consultivo, o IPHAN
tratou de buscar entendimentos com a prefeitura e os empresários da construção
civil numa reunião realizada no mês de abril de 2004, na sede do IPHAN em
Salvador29. Infelizmente, não foi encontrada a ata desta reunião para saber o que foi
discutido e as decisões tomadas neste dia.
A prefeitura, na figura do Secretário Municipal de Planejamento,
Urbanismo e Meio Ambiente, Manoel Lorenzo, que até o momento não tinha se
pronunciado oficialmente, apenas através de entrevista ao jornal, encaminhou um
ofício ao IPHAN no dia 10 de maio de 2004. O secretário relatou que desde 1976,
quando decretada a lei nº 5086, que proíbe a construção da cota 0 a 50 da encosta,
também foi exigido, no mesmo documento, que o térreo das novas edificações
deveria ser vazado e ter pé-direito duplo, para garantir visuais livres do Corredor
para a baía. Em 1984, a Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (LOUOS)
– Lei 3.377/84 – incorporou o Decreto-lei nº 5086/76, reduziu o Iu de 2,0 para 1,5 e
assegurou afastamentos laterais entre as edificações e os recuos frontais das
mesmas, através de fórmulas que instituem a progressividade em função da altura
da edificação.
Além disso, o secretário também comentou que o novo Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano (PDDU) transformaria o Corredor da Vitória em zona
estritamente residencial e também
29 Participaram o novo presidente do IPHAN Augusto Arantes Neto, que assumiu a presidência em março, empresários da MRM Construtora Ltda e da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI-BA), a representante da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano Cândida Beltrão, o superintendente da 7ª SR do IPHAN Frederico Mendonça, a diretora nacional do Departamento de Patrimônio Imaterial Márcia Santana e a procuradora federal Patrícia da Costa Santana
119
[...] referenda instrumentos de política urbana como a Transferência do Direito de Construir e a Outorga Onerosa, contidos no Estatuto da Cidade, porém condicionando sua utilização à ampliação da cota de conforto das edificações, para assegurar que não haverá aumento da densidade populacional na área, quando esses instrumentos forem utilizados (LORENZO, 10 maio 2004).
Com esta afirmação, ele mostrava-se favorável ao uso da TRANSCON
nas construções dos edifícios no Corredor da Vitória. Manoel Lorenzo acreditava que
a prática de construir nos recuos é um “[...] método rápido, barato, eficaz para a
preservação de imóveis de notório valor arquitetônico.” E afirmou que poderiam ser
negociadas novas exigências como
[...] a restauração, a utilização e a conservação da edificação pré-existente como parte no novo empreendimento, a preservação das árvores existentes no recuo frontal da antiga edificação, a preservação de portões de época, entre outras (idem).
Anteriormente, o secretário municipal em entrevista ao jornal A TARDE,
se posicionou contra o tombamento ao dizer que não achava a quantidade de
mansões remanescentes significativas. Além disso, não concordava que o município
devesse apresentar uma legislação para o patrimônio pois já haviam órgãos
consolidados responsáveis pela cultura (“EU NUNCA ...”, 02 nov. 2003).
A manifestação do secretário era compatível com a atitude da prefeitura,
que facilitou, durante todos esses anos, o processo de verticalização do local, e
deixou claro que o município não tinha interesse em mudar a sua posição.
Sem uma perspectiva de decisão de como e quando se daria o
tombamento definitivo, a MRM Incorporadora Ltda, a Frank Empreendimentos
Imobiliários e Participações Ltda, a Andrade Mendonça Construtora Ltda, e os
demais proprietários da casa nº 04 do Largo da Vitória (Mansão de Verena
Wildberger) e da casa nº 2172 do Corredor da Vitória (Casa do jornalista Jorge
Calmon), enviaram um requerimento ao presidente do IPHAN, Antônio Augusto
Arantes Neto, no dia 13 de maio de 2004, solicitando que a instituição examinasse a
120
“proposta alternativa” formulada por eles e já submetida à 7ª SR. Eles apresentam
um novo projeto para o local da Mansão de Verena Wildberger, consistindo
[...] na edificação de uma só torre, diferente daquela anteriormente submetida a essa superintendência que continha duas torres gêmeas, que se implantaria na porção do terreno posterior à Igreja da Vitória, liberando, conseqüentemente, a vista para o mar. Segundo, propõe-se a demolição do muro e da residência existente mais a implementação de um alongamento do largo da Vitória com adaptação de um mirante e calçadão de uso público que franquearia de forma concreta um visual de 180 graus desde a Igreja de Santo Antônio, na Ladeira da Barra, até a Península Itapagipana e a Igreja do Bonfim. Vale ressalvar que esse alongamento de calçadão, mais o belvedere e fontanário no centro do último, seriam edificados e implementados pelos proprietários (empreendedores) com ônus para os mesmos, compromisso que poderão assumir mediante contratação formal pelo convênio que viesse a ser celebrado entre as partes proponentes, o IPHAN e a PMS (MRM ..., 13 maio 2004)
Para a casa do jornalista Jorge Calmon, as empresas propunham a
redução da faixa de preservação “rigorosa” de trinta e cinco para quinze metros,
para possibilitar a execução de um empreendimento entre essa faixa e a faixa de
proteção da “Área Non Aedificandi”. Com esta redução da faixa de proteção
apresentada na proposta de Sabino Barroso, a SUCOM estaria sem impedimentos
para liberar o alvará de construções do projeto já encaminhado em 13 de março de
2003.
Conforme parecer da procuradora-chefe do IPHAN, ainda não estava
decidido se a proposta a ser votada seria a que levou a notificação, que
contemplava o tombamento de doze imóveis individuais, ou a proposta de Barroso
que contemplava o tombamento individual de cinco imóveis (SANTOS, 09 dez.
2003). Desta forma, não era possível nenhuma resposta do IPHAN a estas
solicitações.
Na 42ª reunião do Conselho Consultivo do IPHAN, no dia 20 de maio de
2004, quando o processo de tombamento Corredor da Vitória foi pauta pela última
vez, o conselheiro Joaquim Falcão apresentou seu parecer em resposta ao pedido
de vistas do processo solicitado na última reunião. Para ele não existia um objeto
121
passível de tombamento, devido às divergências entre o pedido do SINARQ, os
pareceres técnicos e o do relator, sendo que este último alterou o objeto para
“configuração urbana”, que está previsto no Decreto-lei nº 25. Apresentou, também,
inexistência dos requisitos para tombamento individual dos bens:
O IPHAN, órgão da União, só pode entrar na órbita estadual ou municipal quando existe claro interesse para criar ou proteger um patrimônio nacional. Mas na ausência deste claro interesse, não pode se substituir ao município ou ao estado. Invade-se competência. O parecer de Márcia Sant’Anna expressamente considera que faltam elementos para que o Corredor da Vitória seja “patrimônio nacional”. O arquiteto Luiz Fernando Rhoden entende o Corredor da Vitória como representativa “da expansão da cidade em áreas novas situadas ao sul de sua mancha originária.” Ou seja, o vínculo é com a cidade, com a expansão da cidade. O Tombamento, se for o caso, deve ser municipal ou estadual (FALCÃO, 2004).
Além disso, FALCÃO considerava que já existia proteção municipal para o
Corredor da Vitória pelo decreto-lei municipal nº 4756/76 que estabelece restrições
para construção no local, de modo a preservar a paisagem e a faixa de Mata
Atlântica remanescente. E, segundo ele, a prefeitura, ao conceder licenças de
construção tem exigido preservar os casarões do Corredor da Vitória, construindo
prédios novos nos terrenos posteriores, tendo como exemplo a própria União que
adotou esta postura no Palácio das Rosas, onde funciona a Procuradoria Geral do
Estado, e a casa nº 2365, onde funciona o Ministério do Trabalho.
Esta última afirmação do conselheiro parece bastante equivocada, já que,
de forma nenhuma estava havendo uma preservação da paisagem da encosta com
as construções dos edifícios e dos planos inclinados de acesso aos piers. A
exigência em preservar a casa também nunca partiu da prefeitura, e sim, dos antigos
proprietários. Além disso, é de se estranhar que um profissional ligado a área de
preservação ache que a manutenção apenas das fachadas das casas, modificando
o seu interior, tenha algum valor para a edificação ou para a configuração urbana.
122
Finalizando seu parecer, Joaquim Falcão votou contra o tombamento
federal, “entendendo que a proteção devida é matéria de competência municipal”
(FALCÃO, 2004).
Não foi encontrada anexada ao processo pesquisado a ata desta reunião,
onde poderiam ser constatadas as discussões ocorridas entre os conselheiros. Foi
encontrada, em outro documento, a seguinte transcrição das palavras do
conselheiro Ítalo Campofiorito, relatadas durante esta reunião:
E ao longo destes 40 ou 50 tombamentos propostos, que viraram 20, que viraram 15, e que acabaram 5, dos quais uma Igreja, que naturalmente vai ser tombada, ninguém se oporá. [...] Então, enquanto a Casa da Itália, a Igreja da Vitória e mais três itens. O conjunto arquitetônico não existe mais, concordo com o conselheiro Joaquim Falcão. Existe essa vontade justa ou não, de preservar as pegadas deste caminho viário como testemunho da implantação de Salvador, e cinco tombamentos, dos quais três, pelo menos, parecem, aparentemente, óbvios (BRASIL, 2007).
O arquivamento do processo do IPHAN se deu de forma bastante
conturbada, havendo dúvidas sobre o que realmente foi votado na reunião. Isso foi
demonstrado em relatos dos próprios conselheiros que participaram da reunião,
expostos nos jornais.
O conselheiro baiano Paulo Ormindo fez o seguinte comentário:
Não votei pelo arquivamento, mas sim pelo estabelecimento de negociações com a Prefeitura no sentido de assegurar uma efetiva preservação do bairro, que poderia eventualmente prescindir do tombamento federal. Acho que isso não ficou claro na votação (WEINSTEIN, 05 jun. 2004).
Segundo a jornalista, Sabino Barroso, do Rio de Janeiro, saiu da reunião
com a certeza de que não havia nada decidido e que seria criado um grupo de
trabalho para estudar o assunto. Para Ítalo Campofiorito, do Rio de Janeiro, ex-
presidente do Pró-Memória e Angel Gutierrez, ex-secretária de Cultura de Minas
Gerais, o tombamento não havia sido votado, e sim, uma recomendação ao Estado
e ao Município. Pedro Schmitz, diretor do Instituto Anchietano de Pesquisa da
123
Universidade do Vale do Rio dos Sinos concordava com os outros dois conselheiros
ao dizer: “Não havia consenso sobre o que seria adequado [...], naquele momento
não havia condições para um tombamento definitivo” (WEINSTEIN, 05 jun. 2004).
O Ministério Público chegou a questionar ao IPHAN como a reunião do
Conselho Consultivo resultou no arquivamento do processo, já que alguns
conselheiros que participaram não sabiam exatamente em que estavam votando
(MP QUESTIONA..., 23 jun. 2004).
A decisão da reunião só foi divulgada pelo presidente do IPHAN seis dias
após a reunião. Ele relatou que o pedido de tombamento havia sido realizado para
conter a “superexploração do solo promovida por interesses imobiliários e
consentida por legislações municipais inadequadas”. Entretanto, ao ser solicitado o
tombamento, o Corredor da Vitória já apresentava um processo de ocupação que
“comprometeu de modo irreversível a apreensão e a integridade física desse
conjunto como representação, no plano nacional, do urbanismo do século XIX”, não
podendo, desta forma, ser considerado um bem de interesse nacional. O presidente
criticou o uso da TRANSCON como instrumento promotor de adensamento na
ocupação da área e do papel de ornamento destinado aos palacetes que eram
mantidos defronte aos edifícios. Finalmente, conclui que “a preservação dos bens
remanescentes do Corredor da Vitória só se tornará efetiva mediante ação eficiente
e vigorosa dos organismos municipal e estadual.” E comentou que o Conselho ao
decidir pelo arquivamento do processo,
[...] recomenda fortemente ao Governo do Estado da Bahia e à Prefeitura de Salvador que adotem medidas visando à efetiva salvaguarda dos remanescentes que são do interesse da população local e que ainda contribuem para a qualidade ambiental desta área da cidade (ARANTES NETO, maio 2004).
E foi assim que ocorreu o encerramento do processo de tombamento do
Corredor da Vitória. Apesar de vários técnicos, que estiveram envolvidos com o
124
processo, concordarem que o local possuía valor histórico, artístico e paisagístico,
todos, de certa forma, discordavam que esses valores tivessem relevância nacional.
Desde o início isso ficou claro nos diversos pareceres anexados ao processo.
Ao ser pressionado para realizar o tombamento, o IPHAN passou a adotar
a postura de não se contrapor ao capital imobiliário, dando uma alternativa de
promover o tombamento apenas de edifícios que funcionavam como museus ou cujo
proprietário não se contrapunha, conforme proposta apresentada pelo conselheiro
Sabino Barroso. Ao final, o Conselho decidiu pelo não tombamento, alegando falta
de relevância nacional.
Os documentos anexados ao processo de tombamento pesquisados
deixaram clara a posição dos seguintes atores em relação ao Corredor da Vitória: o
IPHAN, que não atribuía relevância nacional e/ou não queria se indispor com o
capital imobiliário; os proprietários interessados em vender as casas com a exigência
de mantê-las e os empresários da construção civil que, interessados em construir
atrás destas casas, procuravam conciliar os valores de conservação e os valores de
modernização, sugerindo alternativas para que o tombamento não interferisse nos
seus negócios; outros representantes do mercado imobiliário que não atribuíam
nenhum tipo de valor histórico ou artístico às mansões remanescentes do local e
mostraram-se dispostos a construir ainda mais, a partir da demolição das casas
restantes; e o governo municipal que continuava a agir de acordo com os interesses
do mercado imobiliário, mantendo a postura de permitir, através da legislação, a
construção dos altos edifícios neste local a partir da demolição das mansões ou
atrás destas, sem interferir na sua manutenção. Quanto ao Estado, a própria
omissão deixou transparente a falta de interesse em alterar o quadro existente no
local.
125
Em relação à sociedade, fora uma mesa redonda ocorrida na Faculdade
de Arquitetura30, não houve outras manifestações registradas. Somente após o
arquivamento do processo é que haveria uma maior organização e apelo da
sociedade em preservar os remanescentes arquitetônicos do Corredor da Vitória.
30 A Faculdade de Arquitetura da UFBA e o SINARQ promoveram uma Mesa Redonda no dia 16 de outubro de 2003 para discutir as propostas de tombamento que haviam sido apresentadas até então. Durante o evento foi escrito um “Manifesto de apoio ao Tombamento Provisório dos Imóveis do Corredor da Vitória”, assinado pelo diretor, vice-diretor, professores da graduação e pós-graduação da faculdade, todos os arquitetos da 7ª SR do IPHAN e do IPAC e personalidades de destaque no ambiente cultural da cidade. Das 105 pessoas que compareceram ao evento (assinaram a lista de presença), 57 pessoas assinaram o manifesto. Sete meses após a realização da mesa redonda, o SINARQ encaminhou o manifesto ao IPHAN.
126
4.2 As manifestações da sociedade.
As decisões sobre o processo de tombamento “Conjunto Arquitetônico do
Corredor da Vitória” ocorridas na reunião do Conselho Consultivo no dia 20 de maio
de 2004 não ficaram claras para a sociedade baiana, mesmo após a divulgação da
carta do presidente do IPHAN Augusto Arantes Neto sobre o assunto. Entrevistas
publicadas no jornal A TARDE demonstravam esta falta de esclarecimentos, como
por exemplo, as impressões do presidente do Conselho Regional de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia da Bahia (CREA-BA) Marco Antônio Amigo:
Estou chocado. Li o documento do Iphan e nele encontro as razões para o tombamento. O presidente reconhece os fundamentos do pleito e que o patrimônio está sendo destruído. É um dos documentos mais inconsistente que já vi. Foi a decisão mais improvável que o Iphan poderia tomar. Ele recomenda o tombamento a quem até agora não foi competente na proteção. O ato de coragem seria o tombamento. Não é possível que a Bahia vai ficar calada com um negócio desses (WEINSTEIN, 28 maio 2004).
A professora Maria do Carmo Estany de Almeida também comentou que o
processo de tombamento estava pouco transparente e contraditório (idem).
As entrevistas também buscaram a opinião de representantes da
sociedade, das mais diversas áreas de conhecimento sobre o arquivamento do
processo de tombamento do “Conjunto Arquitetônico do Corredor da Vitória”. Além
de professores de universidades, líderes de representações de classe e empresários
ligados a área da construção, também foram ouvidas pessoas comuns.
Um dos pontos abordado por alguns entrevistados que eram contra o
arquivamento do processo foi a não valorização do ecletismo pelos órgãos
responsáveis pela preservação do patrimônio. Odete Dourado, professora da
Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) relembrou a
demolição do Palácio Monroe, no Rio de Janeiro, para construção de um metrô. O
edifício não era tombado devido a não valorização do estilo eclético.
127
Eu não tenho o que dizer, a não ser que estou estupefata. Porque é inegável o valor do Corredor da Vitória. A instrução do processo não foi feita de última hora e incluía uma dissertação de mestrado (de Maria do Carmo Estany), que comprova que existia no século XIX um projeto estético para a cidade. Esse projeto nunca foi escrito mas foi explicitado nas licenças para as construções. Isso ainda é possível se ver na Vitória. Eu não acredito que se possa permitir que se perca. As distâncias das casas eram orientadas por razões de decoro. A Vitória era tida como área nobre, ao contrário do Garcia que era mais popular. Era o poder público ditando, legislando, sobre o uso do solo. [...] (idem).
Armando Branco, membro do Sindicato dos Arquitetos e ex-presidente do
Instituto dos Arquitetos do Brasil – seção Bahia (IAB-BA) constatou que o IPHAN
não reconhecia o valor da arquitetura eclética:
Com essa decisão, fica claro que não interessa à União determinados períodos da produção arquitetônica, contrariando os princípios da Unesco, que reconhece Brasília, que é muito mais recente que a Vitória, como Patrimônio da Humanidade. O Conselho ignora o período entre o Pelourinho e uma Brasília contemporânea. Foi uma incapacidade dos membros do Conselho Consultivo? Adotaram uma decisão mais confortável? [...] (idem).
Por outro lado, o presidente da ADEMI-BA mostrou-se confortável com o
arquivamento do processo de tombamento comentando que “[...] As restrições vão
de encontro ao desejo da sociedade de morar em um lugar bom” (WEINSTEIN, 29
maio 2004). Na mesma reportagem foram apresentadas opiniões de seis pessoas
que não tinham envolvimento direto com o processo de tombamento, das mais
diversas profissões (jornaleiro, músico, estudante, cantor). Cinco deles mostraram
preocupação com a possibilidade de destruição das mansões remanescentes e as
consideravam como patrimônio. Apenas uma estudante não atribuía valor às
mansões.
Outro ponto abordado foi a preocupação pelo fato de ter sido atribuído ao
município a responsabilidade pela preservação das mansões. O professor da
Faculdade Arquitetura da UFBA Antônio Heliodório, relatou:
[...] A União entendeu que a questão é municipal, o que é ruim para nós porque o nosso município não tem a tradição de preservar os nossos bens. Poderia usar o Plano Diretor atual como instituto. Pode muito bem regulamentar o que está lá como diretriz – a área de borda da cidade. Tudo isso está no Plano. Agora como o pessoal que aprova projeto não lê, não
128
aplica, não interpreta o Plano Diretor como um instrumento que ordena o uso do solo, o que acontece é isso. Como cidadão de Salvador, eu acho uma pena que o Iphan tenha jogado a bola para a prefeitura e para o Estado (idem).
O empresário César Phileto achava que o arquivamento do processo
havia sido uma decisão política e observou que a prefeitura e o governo não eram
muito competentes para cuidar da Vitória (idem).
Juca Ferreira, secretário executivo do Ministério da Cultura, constatou que
o município e o governo já haviam se ausentado em favor da preservação da Vitória,
e que a abertura do processo pelo IPHAN havia sido uma tentativa da união tomar
esta responsabilidade para si:
O processo de tombamento correu os trâmites normais. Eu disse que a relevância da Vitória poderia ser local e que portanto seria tarefa do município ou do Estado preservar, mas que, pela ausência das duas instâncias, o governo federal tomou para si. O que nós fizemos foi recuperar o que tinha sido interrompido que era a etapa de chegar ao Conselho Consultivo. E eles (os membros do Conselho) julgaram que a relevância era local, mesmo considerando a possibilidade de que localmente não vai ser feito nada. Eles acharam ruim dar uma carga simbólica ao que, na opinião deles, não tem (WEINSTEIN, 29 maio 2004).
O secretário, que interviu algumas vezes no IPHAN solicitando agilizar o
processo de tombamento, comentou em entrevista ao jornal local alguns meses
antes que o tombamento não enfrentava apenas a reação do mercado imobiliário,
[...] mas também a falta de consciência de que a economia principal de Salvador é a cultura e a do lazer. Essa economia é absolutamente prejudicada quando a cidade perde suas referências históricas, quando é uma cidade que permite a especulação imobiliária predomine sobre as suas áreas naturais, sobre o seu patrimônio público cultural [...].(“O MINISTRO...”, 17 dez. 2003)
O interessante é notar as contradições que envolvem não só Juca
Ferreira como outros moradores do Corredor da Vitória que passaram a se
pronunciar em favor da preservação do local apenas após a abertura do processo de
tombamento. Enquanto morador da Vitória, o secretário Juca Ferreira também
favoreceu a verticalização do local. Enquanto representante político do município, o
antigo vereador pelo Partido Verde (PV) nunca se manifestou em favor da
129
preservação do bairro, nem em se tratando da encosta. Apenas quando o SINARQ
solicitou ao secretário que interferisse para que o processo de tombamento tivesse
continuidade dentro do IPHAN, é que o secretário passou a se apresentar favorável
à preservação do Corredor da Vitória.
Além das entrevistas, o jornal A TARDE passou a publicar cartas com
manifestações a respeito da preservação das mansões do Corredor da Vitória.
Fernando da Rocha Peres, professor da UFBA e membro da Academia de Letras
mostrou-se indignado com a resolução do IPHAN em arquivar o processo, pois não
acreditava que o município tivesse competência para salvaguardar o patrimônio: “[...]
se os imóveis ecléticos foram derrubados para os furacéus, é exatamente porque as
leis municipais não funcionam” (PERES, 03 jun. 2004). Posteriormente, em outra
carta, Peres (13 jul. 2004) mostrou-se contra a municipalização da proteção legal de
monumentos. Mas apesar de defender atualmente o tombamento, o ex-diretor da
regional do IPHAN (Bahia e Sergipe) nos anos 80 não se manifestou em favor da
proteção legal do local, quando a área apresentava-se um pouco mais integra. Em
carta posterior, ele penitenciou-se por isso (PERES, 16 jul. 2004).
Havia uma nítida preocupação do município em não atender às
expectativas para preservar o Corredor da Vitória, tendo em vista o seu
comportamento durante o período de verticalização e o processo de tombamento.
Por esse motivo, algumas manifestações questionaram se o IPHAN poderia
transferir a obrigatoriedade da preservação para a prefeitura ou sugeriam de que
forma poderia ser traçado um plano de preservação com participação do município.
Paulo Ormindo de Azevedo defendia a criação de um modelo de
desenvolvimento urbano
[...] que não seja nem autofágico do capital imobiliário, nem o “retrô” dos que desejam engessar toda a cidade. Um modelo de desenvolvimento
130
participativo que inclua o patrimônio cultural e natural como fator de desenvolvimento humano (AZEVEDO, 01 jul. 2004).
Ele apontou a insuficiência do Decreto-lei nº 25/37, quando aplicado a
conjuntos e centros históricos vivos e que a requalificação de centros históricos no
país tem sido feita pelos governos estaduais e municipais, já que o tombamento é
um instrumento passivo de preservação.
Já o advogado Eduardo Silva Costa comentou que o IPHAN não poderia
transferir a decisão sobre o tombamento ao Estado e Município: “Oriundo de lei
federal, não cabe logicamente a outra entidade federativa que a União competência
para cuidar do citado patrimônio” (COSTA, 09 jul. 2004). O que poderia ser feito era
a realização de “acordos entre a União e os Estados para melhor coordenação e
desenvolvimento das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional”, citando, para isso, o artigo 23 do Decreto-lei nº 25/37:
Art. 23. O Poder Executivo providenciará a realização de acordos entre a União e os Estados, para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e para a uniformização da legislação estadual complementar sobre o assunto (Decreto-lei nº 25/37).
Em resposta à carta do advogado, o presidente do IPHAN diz que não
havia nada de ilegal em encaminhar a salvaguarda ao governo do Estado e do
Município, “pois a Constituição estabelece que a proteção do patrimônio cultural é
responsabilidade comum da União, Estado e Municípios” (ARANTES NETO, 21 jul.
2004).
Diante da falta de interesse que a prefeitura e o estado apresentaram
antes e durante todo o processo de tombamento, será que o IPHAN realmente
esperava fazer mudar a atitude destes governos? Ou foi apenas uma forma de se
livrar da responsabilidade que o órgão tinha, já que a abertura do processo de
tombamento acelerou ainda mais a destruição das mansões?
131
O IPHAN, logo após o arquivamento tentou interferir para que o Estado e
o Município promovessem alguma forma de preservar as mansões remanescentes.
Mas, como era previsível, não seria fácil obter respostas das duas instâncias
governamentais.
132
4.3 O envolvimento do Estado e Município.
As atitudes dos governos estadual e municipal durante o processo de
tombamento do Corredor da Vitória deixou transparente o fato destes não estarem
participando efetivamente da proteção do seu patrimônio cultural. Com esta
divulgação negativa, alguns representantes do município tentaram demonstrar
interesse para dar uma solução ao caso, como por exemplo, a audiência pública que
o vereador Gilmar Santiago do Partido dos Trabalhadores (PT) convocou no dia 4 de
junho de 2004, com participação dos funcionários da 7ª SR do IPHAN. Mas as
decisões desta audiência - entregar ao presidente da república um dossiê composto
por um abaixo-assinado e outros documentos agregados pela Associação de
Moradores do Campo Grande, Canela e Vitória (ASCAVI), Sindicato dos Arquitetos e
Urbanistas da Bahia (SINARQ) e Instituto dos Arquitetos do Brasil – seção Bahia
(IAB-BA) – não surtiu nenhum efeito.
Sem uma posição concreta do Estado ou do Município, o IPHAN
continuou a tentar buscar soluções para que estas instituições tomassem
providências quanto à preservação do Corredor da Vitória, promovendo, para isso,
algumas reuniões. O Conselho Consultivo do IPHAN realizou uma reunião
extraordinária para tratar deste caso em 24 de junho de 2004, no Rio de Janeiro. Já
em 08 de julho, foi realizada uma outra reunião na sede da 7ª SR do IPHAN31, na
qual ficou decidido que o tombamento provisório não seria retirado até que uma
forma de preservação fosse encaminhada pelos governos estadual ou municipal,
porém isso deveria ocorrer o mais rápido possível pois havia uma data limite para
publicação do arquivamento (WEISNTEIN, 09 jul 2004). Neste mesmo dia houve
31 Estavam presentes nesta reunião representantes do IPAC e da Secretaria de Planejamento do Município, os conselheiros Nestor Goulart Reis Filho (MA) e Luiz Phelipe de Carvalho Castro Andrés (SP), o presidente do IPHAN Augusto Arantes Neto, a arquiteta da 7ª SR Rita Monteiro, o futuro superintendente da 7ª SR Eugênio da Ávila Lins, a conselheira estadual de cultura Adriana Castro e o diretor do SINARQ Carlos Ubiratan.
133
uma reunião na sede da Procuradoria Regional do Trabalho32, na Vitória, quando foi
instalado um Fórum Permanente de Defesa do Patrimônio da Vitória (idem).
Poucas foram as providências que o Estado tomou. Segundo os jornais, o
Conselho Estadual apenas reservou parte de uma reunião realizada no mês de julho
para discutir o caso. No IPAC, o diretor Júlio Braga anunciou que iniciaria estudos
para um tombamento estadual, assim que o IPHAN encaminhasse os arquivos do
processo e solicitou ao presidente deste órgão que estendesse o prazo do
tombamento provisório por mais uma semana (WEINSTEIN, 23 jul. 2004). Como se
este tempo fosse suficiente para que efetivassem medidas de preservação. Em 29
de julho, uma outra reportagem anunciava que o IPAC ainda aguardava a
documentação do processo de tombamento. Era uma forma de ganhar tempo para
não demonstrar, neste momento em que a preservação da Vitória ainda estava na
mídia, a falta de interesse com o caso.
Já o prefeito foi obrigado a tomar importantes decisões, devido às
solicitações de alvarás de construção que se encontravam na SUCOM. Até julho de
2004, havia os seguintes processos em andamento: o de nº 29458/2004 referente à
construção de um edifício no lugar da Mansão de Verena Wildberger (Largo da
Vitória, nº 04); o de nº 24 485/2004 referente a construção de um edifício atrás da
antiga mansão do jornalista Jorge Calmon (Av. Sete de Setembro, nº 2172; e mais
um processo referente a construção do edifício Mansão Phileto Sobrinho, no lugar
da antiga residência da família Baggi (Av. Sete de Setembro, nº 2410). Em outubro,
foi solicitado à SUCOM a demolição do Hotel Caramuru (Av. Sete de Setembro, nº
2125) que também havia sido tombado provisoriamente pelo IPHAN em 2003.
32 Estavam presentes: o diretor do IAB-BA Daniel Colina, Armando Brando do SINARQ, a arquiteta Arilda Cardoso, Pedro Ricardo (do Grupo Ambientalista Gambá), Léo Ornelas (representante dos moradores da Gamboa), representantes do Diretório Acadêmico da UFBA (DCE) e o vereador do PT Gilmar Santiago que levou o caso ao MP Federal e Estadual.
134
Dos pedidos de alvarás solicitados, o que gerou mais polêmica foi a
construção de um edifício no local da Mansão de Verena Wildberger. Este
empreendimento foi o único que a prefeitura se colocou contra, fazendo declarações
que a construção de um edifício neste local tiraria a ambiência da Igreja de Nossa
Senhora da Vitória, como admitiu a superintendente da SUCOM Eliana Gesteira.
Além disso, o projeto do edifício de trinta e nove pavimentos avançava sobre a área
não edificante da encosta, conforme afirmou Gesteira em entrevista ao jornal
(WEINSTEIN, 23 jul. 2004).
O prefeito Antonio Imbassahy chegou a valer-se do poder discricionário33
previsto pelo Direito Administrativo, para dar ordem à superintendente da SUCOM,
em 22 de julho de 2004, para não liberar o alvará de construção deste edifício. Uma
semana depois, o Ministério Público abriu um inquérito civil para investigar esta
situação.
Nos últimos dias do governo de Imbassahy, em dezembro de 2004, a
SUCOM liberou todos os pedidos de alvarás de construção e demolições para a
Vitória, exceto para o edifício no local da Mansão Wildberger. Com isso, a Liwil
Construções e Empreendimentos, proprietária do imóvel, através da justiça, solicitou
que seu alvará de construções fosse liberado. O desenrolar deste fato será tratado
mais adiante nesta dissertação.
Com a mudança de governo, o novo prefeito João Henrique, que assumiu
em 1º de janeiro de 2005, passou a ser pressionado a tomar providências para
preservação da Vitória. Esse foi o motivo que o levou a assinar um decreto
suspendendo a aplicação da TRANSCON para o Corredor da Vitória e Ladeira da
Barra, em fevereiro de 2005 (Decreto-lei nº 15 527/2005).
33 Segundo o procurador-geral do município, Graciliano Bomfim, o poder discricionário baseia-se “no exame da conveniência e oportunidade do gestor de praticar determinado ato” (WEINSTEIN, 23 jul. 2004).
135
Entretanto, nenhuma outra medida foi tomada durante todo o ano de
2005. Diante da falta de maiores providências do Estado e do Município, pois não
havia notícias do andamento do processo de tombamento estadual, nem a prefeitura
havia tomado outras providências, além da suspensão da TRANSCON para esta
área, o Ministério Público Estadual convocou representantes dos dois governos para
uma reunião, ocorrida em dezembro, para prestarem esclarecimentos sobre a
situação.
O jornal A TARDE continuava a publicar reportagens em pró da
preservação do Corredor da Vitória. Numa delas a promotora Ana Luzia Santana, da
5ª Promotoria do Meio Ambiente, sugeria que o novo prefeito poderia suspender os
alvarás concedidos para poder apurar, estudar e investigar as condições em que
foram liberados, mas para isso era necessário um parecer atestando a importância
do patrimônio em questão, emitido por um Conselho de Cultura da Prefeitura, o que
não existia. Segundo ela, outra forma de fundamentar a preservação seria a
aplicação da Lei Orgânica. Na mesma reportagem, foi publicado que o prefeito
estaria providenciando a formação do Conselho de Cultura Municipal com base na
Lei nº 4 373/1991, e que já havia, inclusive, realizado reuniões referentes a este
assunto (WEINSTEIN, 28 jan 2006). Entretanto, até hoje o Conselho de Cultura da
prefeitura não foi formado.
Esta falta de atitude do Estado e do Município deixa transparecer que o
solo da cidade é gerido pelo mercado imobiliário, e não pelo interesse da população.
Isso ocorre não só em Salvador, com também em outras cidades brasileiras e até
em outros países, como constatado por Roberto Segre, de Havana:
[...] Quem planeja e realiza a cidade atual? São os especuladores, empresários, incorporadores, engenheiros, proprietários de terra – [...] – e os desamparados. Resta pouco espaço para o Estado e para os urbanistas e projetistas que representam a vanguarda do saber profissional (SEGRE, 1992, p.102).
136
É com esta citação que finalizamos aqui um capítulo da história de
Salvador referente às discussões em torno do tombamento do Corredor da Vitória.
Todos os pedidos de alvarás de construção feitos à prefeitura, como visto
anteriormente, foram liberados pela SUCOM, exceto a solicitação de licença para
construção de um edifício no local da Mansão Wildberger. Sentindo-se prejudicados,
os interessados em promover o empreendimento tentaram de todas as formas
transformar o projeto em realidade. Com arquivamento do processo, a aprovação
deste empreendimento passou a se vincular com um processo de tombamento
aberto em 2005, cujo objeto era a Igreja da Vitória.
Este caso, ainda sem solução definitiva será apresentado a seguir.
137
4.4 O tombamento da Igreja da Vitória e a Mansão Wi ldberger.
De todas as solicitações para construções realizadas desde o início do
processo de tombamento do IPHAN dentro do “Conjunto Arquitetônico do Corredor
da Vitória”, a única que estranhamente não foi liberada pela prefeitura foi o projeto
para um edifício localizado no local da Mansão Wildberger, no Largo da Vitória. O
primeiro projeto, enviado pela Liwil Construções e Empreendimentos Ltda,
proprietária da mansão, para aprovação da SUCOM, foi realizado ainda em 2002,
antes da notificação de tombamento da casa. O projeto se referia à construção de
duas torres gêmeas com a demolição da casa existente. Com este projeto do
arquiteto Fernando Frank foi dada abertura no processo nº 78/2002 da SUCOM.
Após realizada a notificação de tombamento em junho de 2003, foi
solicitada aprovação de um novo projeto ao IPHAN, constando de duas torres e
mantendo a antiga residência no local, uma fórmula aplicada no Corredor da Vitória
desde a década de 90. Ao ser analisado, a presidente do órgão, Maria Elisa Costa,
recomendou que as duas torres fossem reunidas numa só e que sua implantação
seguisse o alinhamento dos outros edifícios, de forma que o fundo da igreja ficasse
livre. Além disso, foram recomendadas a demolição da mansão e a construção de
um mirante de uso público.
A presidente do IPHAN nacional, Maria Elisa Costa, colocando na balança o que representaria um maior benefício para a cidade e sua população, achou por bem recomendar a demolição da casa e a construção no seu lugar de uma praça e um mirante com vista de 180º para a Baía de Todos os Santos. Do seu ponto de vista, aquele terreno era a ultima oportunidade de se abrir uma janela para o mar, coisa que, por incrível que pareça, não existe ao longo de toda a Avenida Sete de Setembro. Quanto ao prédio, sua implantação passou a ser ao lado da igreja, no mesmo alinhamento dos demais prédios daquela parte do Corredor da Vitória, permitindo, desta forma, que pela primeira vez em 200 anos, a Igreja da Vitória pudesse ser vista do mar. Assim, a demolição da casa transforma em área de uso e gozo públicos para todos os cidadãos de todas as classes sociais, algo que dona de uma das vistas mais lindas do país, foi durante sessenta anos privilégio de uma só família (Ricardo Wildberger, depoimento em 12/02/ 2008).
138
Com este projeto foi dada abertura ao processo na SUCOM de nº
29458/2004 e enviado um requerimento ao presidente do IPHAN solicitando
aprovação do projeto (MRM..., 13 maio 2004). Porém, mesmo após o arquivamento
do processo de tombamento, o alvará de construção não foi liberado.
Diante deste fato, a Liwil Construções e Empreendimentos entrou na
justiça solicitando a liberação do alvará de construções. O juiz da Oitava Vara da
Fazenda Pública Ruy Eduardo Almeida Britto, atendendo a solicitação da empresa,
chegou a estipular o prazo de cinco dias (até o dia 07 de janeiro de 2005) para que
fosse expedido o referido alvará. Um dia antes de terminar o prazo, a SUCOM
enviou ao juiz um pedido de reconsideração da liminar por ele expedida. Mas o juiz
manteve, por meio de mandato de segurança, a determinação de obrigar a prefeitura
a emitir o alvará de construção, estendendo o prazo para 10 dias. O prefeito João
Henrique, em resposta a este ato, recorreu ao Tribunal de Justiça.
Ao mesmo tempo em que a Liwil solicitava a liberação de seu
empreendimento na justiça, a 7ª SR do IPHAN instruía um processo para
tombamento da Igreja da Vitória, enviado ao presidente do mesmo órgão em junho
de 2005 (WEINSTEIN, 02 fev.2006). Caso a igreja fosse tombada, o projeto para o
edifício teria que ter aprovação do IPHAN, pois estaria localizado na vizinhança de
um edifício tombado.
Em 23 de dezembro do mesmo ano, o pedido de tombamento foi deferido
e encaminhada a notificação à paróquia e ao prefeito. Segundo o processo, o motivo
do tombamento da igreja se justificou por “ser um dos primeiros oráculos católicos
no Brasil Colonial, além de se constituir em um relevante exemplar para a história da
arte dos séculos XVIII e XIX [...]”. Quanto à área de entorno de proteção visual do
objeto tombado, a repórter Mary Weinstein comentou que desta vez tinha sido
139
definida claramente pelo IPHAN, ao contrário do ocorrido com o processo de
tombamento do Corredor da Vitória.
Esta área se estende sobre a encosta correspondente aos fundos da igreja; sobre o Largo da Vitória até a Avenida Sete de Setembro; e sobre a margem direita do topo da Ladeira da Barra, até o antigo Hotel Colonial, onde hoje funciona a Aliança Francesa, cujo prédio já era tombado pelo próprio IPHAN (idem).
O jornal Tribuna da Bahia, que durante todo o processo de tombamento
do Corredor da Vitória não havia se pronunciado, no segundo semestre de 2006
passou a publicar reportagens, mostrando-se contrário tanto ao processo de
tombamento arquivado quanto ao tombamento da igreja. Baseado nas notícias
sobre o embargo do IPHAN, realizado em agosto de 2006, de obras iniciadas pela
SET e autorizadas pela SUCOM para ordenamento do tráfego no Largo da Vitória,
este jornal comentou que o tombamento da igreja era despropositado e irregular.
Como justificativa, apresentou que os “puxadinhos” erguidos pela igreja terminaram
por desfigurar completamente as feições do templo.
O jornal também mostrou um relato do arcebispo Primaz do Brasil, Dom
Geraldo Magela Agnelo, expressando a preocupação do tombamento não
comprometer a dinâmica da igreja:
[...] o ato de tombamento não pode resultar em engessamento do uso e criteriosa adaptação do imóvel às suas finalidades, é o caso da igreja destinada ao culto litúrgico e à dinâmica das celebrações. [...] [...] há em muitos edifícios já tombados, móveis, equipamentos e acervo que não integram a concepção original do espaço e que, no decorrer do tempo, foram se fazendo necessários. Tais peças não há porque serem tombadas, já que poderão ser, reformadas, adaptadas, excluídas (IPHAN QUER..., 18 out. 2006).
Por que só neste momento este jornal havia tomado uma posição, depois
de permanecer completamente omisso durante todo o tempo do processo de
tombamento do Corredor da Vitória?
Mesmo com o tombamento da Igreja da Vitória, a empresa Liwil
Construções e Empreendimentos continuou a buscar, através da justiça, a
140
aprovação do seu projeto. Foram dados entrada em dois mandados de segurança:
um de nº 5.96.743-1/2004 que tramitou na 8ª Vara da Fazenda Pública da Comarca
de Salvador, tendo como impetrado o Superintendente da SUCOM, pelo
indeferimento da licença de construção e demolição, e outro de nº
2006.34.00.007.763-6 que estava em tramitação na 17ª Vara da Seção Judiciária do
Distrito Federal, contra o IPHAN, objetivando a participação do processo de
tombamento com base no direito de propriedade. Alegando cumprir a ordem judicial
proferida nos autos de ação de mandado de segurança nº 5.96.743-1/2004, a
SUCOM expediu o alvará de construção nº 13491 no dia 23 de janeiro de 2007, e
logo em seguida, no dia 26, expediu o alvará de demolições nº 2838, ambos sem a
autorização do IPHAN.
O Ministério Público Federal da Bahia (MPF/BA) anteriormente havia
tentado intervir na não liberação do alvará, recomendando à SUCOM, no final de
2006, a prévia participação do IPHAN no processo administrativo em curso no órgão.
Com a liberação do alvará de construções, o MPF/BA expediu uma recomendação a
Liwil para que não demolisse “o casarão histórico sem a autorização do IPHAN”
(PIMENTEL, 29 jan. 2007). No mesmo dia da liberação do alvará de demolições, o
MPF/BA e o IPHAN entraram com um pedido de liminar por meio de ação civil
pública nº 2007.33.000.900-4 para impedir a demolição.
Entretanto, no domingo, 28 de janeiro de 2007, a Liwil iniciou uma
surpreendente demolição da casa, com todos os móveis e ainda os materiais das
empresas que promoveram uma festa na noite anterior, pois algumas áreas da
mansão eram freqüentemente alugadas para servir como salão de eventos, com a
finalidade de arrecadar dinheiro para sua manutenção. Os trabalhos só foram
interrompidos devido ao barulho que ultrapassava os valores permitidos aos
141
domingos. A esta altura, setenta por cento da casa já havia sido demolida. No
mesmo dia, o superintendente substituto do IPHAN Leonardo Falangola,
providenciou um embargo extrajudicial emitido pelo órgão (AMORIM, 29 jan. 2007).
FIGURA 39: Mansão dos Wildberger: o que restou após a demolição de 28 de janeiro de 2007. Foto: Luciana Guerra. Em 10/04/07.
No dia 29 de janeiro de 2007 o juiz Pedro Braga Filho da 1ª Vara da
Justiça Federal aprovou o pedido de liminar realizado pelo MPF/BA e IPHAN, e
determinou que a empresa Liwil Construções e Empreendimentos Ltda suspendesse
a destruição do imóvel. Caso a empresa não acatasse a decisão, seria multada em
13 milhões de reais e caso edificasse no local, seria aplicada uma multa de 50 mil
reais por dia.
O advogado da Liwil, Hélio Menezes, alegava que o embargo do IPHAN
estaria contrariando duas decisões judiciais: uma estadual e outra municipal, pois
uma sentença da 17ª Vara da Justiça Federal impedia que o IPHAN criasse qualquer
limitação ao “livre uso do direito de propriedade” da empresa (AMORIM, 29 jan.
2007).
O advogado também acreditava que não era necessária a aprovação do
IPHAN, pois interpretava o Decreto-lei nº 25/1937 da seguinte forma: apenas seria
142
necessário o prévio estudo e aprovação do IPHAN nos limites de um bem tombado
caso a nova construção impeça ou reduza a visibilidade do bem ou sejam colocados
anúncios e cartazes. “A lei não fala de demolição”, afirmou o advogado na entrevista
(REBOUÇAS, 30 jan. 2007).
Em resposta à fala do advogado Hélio Menezes, o juiz Pedro Braga Filho
repetiu as palavras que o juiz Federal Gláucio Maciel Gonçalves usou numa ação a
respeito da construção de um ginásio poliesportivo na cidade de Mariana/MG,
1. O alcance da norma prevista no art. 18 do Decreto-lei 25/1937 é realmente bem mais abrangente do que o mero significado literal das expressões “impedir” e “reduzir” nela constantes, devendo ser entendido como a própria incompatibilidade entre a obra pretendida e a ambiência do bem tombado. Busca-se com a proteção do entorno harmonizar as construções modernas com o espaço urbano no qual se insere o monumento objeto de proteção especial, evitando-se qualquer tipo de obra que, pelo seu estilo ou característica, promova a quebra do equilíbrio do conjunto arquitetônico. 2. A norma pretende resguardar a própria atmosfera ambiental e urbana que imprime sentido ao bem tombado, delimitando critérios que evitem a descaracterização não só de monumento em si, mas igualmente daquelas construções que originalmente fizeram ou ainda fazem parte do contexto do seu surgimento (BRAGA FILHO, 2007).
Braga Filho afirmava que a demolição da mansão não estava excluída da
autorização do IPHAN “pois trata-se de demolição como primeira etapa do
procedimento de construção de empreendimento imobiliário.”
A forma como os alvarás foram expedidos pela SUCOM geraram muita
polêmica, colocando em dúvida a competência do órgão. A juíza Aidê Ouais da 8ª
Vara afirmou que a sentença não obrigava a prefeitura a liberar o alvará. Pedia para
que reapreciasse o projeto e desde que atendidas as exigências da lei atinentes à
espécie, deferisse o alvará. (REBOUÇAS, 30 jan. 2007).
O Mandado de Segurança nº 596743-1/2004 dizia que fosse:
[...] deferida medida liminar que suspenda o ato impugnado (que consiste no indeferimento da concessão da licença para construção), ordenando-se à i. Autoridade Coatora que expeça em cinco dias, a pleiteada licença de construção nos moldes constantes do Projeto Arquitetônico que instrui a presente, observada a legislação específica vigente ao tempo em que requerida. [...]
143
E determina que
[...] a autoridade impetrada reaprecie o referido pedido, voltado para o projeto reformulado e desde que atendidas as exigências da lei atinente à espécie, defira o alvará (BRASIL, 2007).
A juíza encaminhou o processo ao Tribunal de Justiça devido a
precipitação da demolição. Já o MPF/BA enviou ofício ao IPHAN questionando as
razões que levaram ao protelamento da análise do projeto reformulado para
concessão do alvará de demolição/construção e outro à SUCOM para esclarecer os
motivos da expedição dos alvarás.
Em resposta ao MPF, a regional do IPHAN encaminhou um ofício (nº
0260/07) comentando todas as análises que efetuou do empreendimento. De março
de 2002 até o final de 2003 foram avaliados dois projetos solicitados pela Liwil.
Entretanto estes não foram aprovados devido ao processo de tombamento do
Corredor da Vitória, que ainda estava em andamento. Em 02 de junho de 2006 a
Liwil enviou um ofício ao IPHAN solicitando a análise de um projeto constando de
uma torre de 35 pavimentos e deu a opção de três estudos de implantação: no
primeiro, o edifício seria implantado no fundo da igreja, haveria a demolição da
mansão e a construção de uma praça pública; no segundo, o edifício estaria
alinhado aos outros edifícios existentes do Largo, e haveria também a demolição da
mansão e a construção da praça pública; no terceiro, o edifício estaria alinhado aos
outros edifícios existentes do Largo, a mansão seria mantida e não haveria a
construção da praça pública. Ainda sem ter a resposta do IPHAN, o arquiteto
Fernando Frank, em 25 de agosto de 2006, enviou novamente um projeto mantendo
a mansão e solicitou posicionamento do órgão. A resposta do IPHAN veio através de
ofício enviado em 28 de novembro do mesmo ano, apontando como proposta mais
144
viável a que mantinha a mansão. Após esta data não foram reapresentados outros
projetos no órgão para o local referido.
O superintendente da 7ª SR, Eugênio de Ávila Lins, em nota oficial,
afirmou que a SUCOM não havia dado conhecimento ao IPHAN do mandado de
segurança nº 596743-1/2004. Em 24 de janeiro de 2007, o superintendente da
SUCOM enviou um ofício ao IPHAN apenas comunicando a emissão do Alvará de
Construção nº 13491 para o empreendimento em questão, constando observação
quanto ao parecer contrário deste órgão à demolição da mansão (LINS, 02 fev.
2007).
Já a SUCOM defendeu-se apresentando um AGRAVO RETIDO à 8ª Vara
de Fazenda Pública de Salvador/BA, afirmando ter tentado advertir a juíza sobre o
tombamento provisório.
É preciso ainda registrar que o direito de construir exercido pela Liwil, garantido pela decisão judicial de mérito, que não guarda efeito suspensivo, de acordo com a melhor doutrina e com a jurisprudência dominante, especialmente a do Supremo Tribunal Federal, surge com a expedição do alvará de construção. De posse deste tem o empreendedor o direito adquirido de edificar em seu terreno o projeto aprovado em todos os detalhes. Ora, V. Ex.ª na referida sentença de mérito afastou da análise do projeto a questão do tombamento, aí incluindo a demolição da mansão na forma do projeto aprovado (MOTA, 22 fev. 2007).
Segundo a SUCOM, os elementos que faltavam para expedição do alvará
foram providenciados pela Liwil no dia 26 de janeiro. Em relação ao projeto
mantendo a mansão, relatado no ofício do IPHAN, respondeu que este nunca foi
apresentado para análise naquela superintendência.
O ofício em resposta ao MPF foi enviado apenas em 16 de maio, depois
do MPF ter solicitado, mais uma vez, as informações. Além do que foi apresentado
no documento enviado à juíza, a SUCOM defendeu que não havia invasão da área
non aedificandi, pois considerava que a área já estava edificada pela mansão.
145
As afirmações da SUCOM se contradizem ao que foi apurado pelo CREA-
BA. Após realização de reuniões com o superintendente da 7ª SR do IPHAN
Eugênio de Ávila Lins, e o superintendente da SUCOM Paulo Meireles, a Câmara
Especializada de Arquitetura (CEARQ) realizou o cruzamento entre as informações e
as condicionantes previstas na legislação urbanística e ambiental.
A Câmara verificou uma série de impedimentos legais: o empreendimento
situa-se em área “Non Aedificandi”, inserido na zona 02 ANE e de Proteção Cultural
e Paisagísitica (APCP) conforme Lei nº 6586/04; suspensão da TRANSCON ao
longo do Corredor da Vitória e do Largo pelo Decreto-lei nº 15527/2005; desrespeito
à recomendação nº 001/2003 por parte dos Ministérios Públicos Federal e Estadual
em relação aos licenciamentos na encosta da Vitória, na faixa de proteção 02 ANE;
parecer do Escritório Técnico e Licenciamento e Fiscalização (ETELF), contrário à
demolição da edificação; o Decreto-lei Federal nº 25/1937, que determina no artigo
18 a prévia autorização do IPHAN na construção da vizinhança da coisa tombada; e
falta de registro da empresa Liwil – Construções e Empreendimentos Ltda no CREA-
BA, que impede sua atuação no âmbito da Engenharia e Arquitetura. O CEARQ
questionou ainda a intervenção proposta para a Praça Rodrigues Lima, onde se
situa a Igreja de Nossa Senhora da Vitória, requalificando-a para fins de
estacionamento (A LEI ..., 2007).
Na última semana de fevereiro o CREA encaminhou o Parecer Técnico nº
001/2007 à Prefeitura de Salvador, aos Ministérios Público Federal e Estadual, ao
IPAC e ao IPHAN, contendo a análise cronológica apurada dos fatos a partir de
aspectos como caracterização do imóvel, restrições legais e tramitação do processo
e concluiu que, independentemente do valor histórico ou não da mansão, o processo
de tramitação na prefeitura e a conseqüente demolição foram equivocadas (idem).
146
Uma entrevista publicada no jornal “A Tarde” com a então Secretária de
Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Município de Salvador,
Kátia Carmelo, dá indícios de como o projeto foi avaliado pela SUCOM para que
fosse liberado com todos estes impedimentos levantados pelo CREA. Segundo a
secretária, como a justiça cancelou o indeferimento da SUCOM em julho de 2004, foi
de acordo com as leis que vigoravam nesta data que o projeto estava sendo
analisado. Desta forma, não estavam sendo considerados a suspensão da
TRANSCON nem o tombamento da Igreja da Vitória. Mas o projeto que estava
sendo analisado foi protocolado em julho de 2006, justificado, pela secretária, que a
Justiça incorporou este projeto e solicitou que fosse analisado. Ao final da entrevista,
a secretária afirmou que considerava o empreendimento “um ganho para o município
de Salvador” (SECRETÁRIA..., 18 dez. 2006).
Na verdade, o projeto havia modificado para atender algumas exigências
da SUCOM, transformando o edifício em um apartamento por andar e, diminuindo
assim, o impacto que este teria no trânsito do local. Trânsito este que já era bastante
perturbado pelo movimento gerado pelas festas que havia na mansão. O último
projeto contempla sete vagas de garagem por apartamento e mais estacionamento
para visitantes. Além disso, o empreendimento ocupa apenas 9,5% do terreno de
12000m2 , ficando o restante do terreno destinado a área verde.34
No dia 06 de fevereiro de 2007 o MPF/BA e o IPHAN propuseram nova
ação civil pública (nº 2007.33.00.0011407-1) visando proteger o entorno da Igreja de
Nossa Senhora da Vitória e reparar os danos causados pela demolição da Mansão
Wildberger. Eles pediam a anulação definitiva dos dois referidos alvarás da SUCOM
e que a Liwil fosse condenada a reconstruir a mansão parcialmente demolida de
34 Conforme depoimento de Ricardo Wildberger.
147
acordo com as especificações do IPHAN. Além disso pediam que a empresa
reparasse os danos morais causados ao patrimônio histórico e cultural, mediante
pagamento de um valor estipulado pela Justiça e, por fim, que a empresa pagasse
uma multa equivalente a 50% do valor do imóvel, avaliado em 13 milhões de reais. A
multa está prevista pelo art.18 do Decreto-lei 25/37, que trata da proteção do
patrimônio histórico e artístico nacional (PIMENTEL, 08 fev. 2007).
No dia seguinte, o juiz Pedro Braga Filho da 1ª Vara da Justiça Federal na
Bahia, suspendeu os efeitos dos alvarás de construção e de demolição emitidos pela
SUCOM, atendendo integralmente o pedido de liminar do MPF/BA e do IPHAN do
dia 26 de janeiro de 2007. A ação civil pública do dia 06 ainda não havia sido julgada
pela justiça.
Várias foram as manifestações em notas nos jornais repudiando a forma
como ocorreu a demolição da Mansão Wildberger. Uns culpavam a SUCOM, outros
o judiciário baiano pelos fatos ocorridos. Dimitri Ganzelevitch, presidente da
Associação Cultural Viva Salvador, chegou a comparar a demolição da mansão com
a polêmica derrubada da igreja da Sé (GANZELEVITCH, 30 jan. 2007). O
monumento que remontava ao tempo da implantação da cidade foi alvo de
destruição num tempo em que a mentalidade de promover o progresso dominava o
país.
As atitudes do início do século XXI são muito parecidas com as atitudes
do final do século XIX, que tentavam dar a cidade um aspecto semelhante às
grandes cidades européias da época. “Hoje o objetivo é tornar Salvador uma cidade
igual a tantas outras: uma paisagem de espigões debruçados sobre o mar”
(SAMPAIO, 15 fev. 2007). O professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA
Heliodório Sampaio, alegou que a demolição da mansão se deve ao fato de
148
Salvador ter se transformado numa “cidade-mercadoria”, não havendo um único
culpado.
Em entrevista, Monsenhor Sadock35, pároco da igreja desde 1968,
também se mostrou contrário à demolição da mansão e afirmou que a construção do
edifício “desequilibra a história” da igreja. A construção do edifício “pode até ficar
mais bonita esteticamente, mas culturalmente, não. Mais uma vez a cultura fica em
segundo lugar, no chamado desenvolvimento”, é a opinião do monsenhor.
Por outro lado, há quem diga ser um erro impedir a construção do edifício.
Lina Machado36, que faz parte da Associação de Moradores (ASCAVI) há
aproximadamente 10 anos, acredita que a construção do edifício no local da Mansão
Wildberger, irá beneficiar a população com a construção da praça, e que este não
trará malefícios à Mata Atlântica da encosta.
FIGURA 40: Vista da Baía de Todos os Santos mostrando os edifícios do Corredor da Vitória. (BRITO, 2007)
Este caso envolvendo uma disputa entre proprietários e o poder público a
fim de promover a venda do terreno de alto valor imobiliário não é uma novidade no
35 Depoimento concedido em 10/01/2008. 36 Depoimento concedido em 10/01/2008.
149
país. Um caso emblemático, envolvendo esta disputa de forças pelos direitos de
propriedade ocorreu em São Paulo, com a propriedade da família Matarazzo na
Avenida Paulista, na década de 90.
A Mansão Matarazzo, como era conhecida, foi tombada em 16 de março
de 1990 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico Cultural e
Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), por unanimidade de votos. A
família não desejava o tombamento da mansão, pois tinha interesse em vendê-la
(SAMPAIO, 2008).
Da mesma forma que as mansões da Vitória eram questionadas sobre o
seu valor arquitetônico, os especialistas alegavam que a Mansão Matarazzo não
possuía um estilo próprio, pois foi projetada por vários arquitetos durante o longo
período em que foi construída (1896-1941). A mansão era considerada um corpo
estranho na Avenida Paulista, já considerada caracterizada por arranha-céus (idem).
Para possibilitar a demolição da mansão tombada, foi promovida a
escavação das colunas de sustentação para forjar um desabamento, ocorrido em
janeiro de 1996. Com isto, a família foi condenada a reconstruir ou demolir a
mansão. Em meados de fevereiro a mansão já estava completamente demolida
(PASSADO..., 2005).
A derrubada da Mansão Matarazzo ocorreu com a conveniência do poder
público, já que na gestão de Paulo Maluf (1993-1996), uma medida judicial
suspendeu os efeitos do tombamento.
Percebe-se as seguintes semelhanças entre os dois casos, o da Mansão
Wildberger e o da Mansão Matarazzo: processos de tombamento realizados quando
a paisagem já havia sido intensamente modificada pela verticalização; proprietários
contrários ao tombamento, sentindo-se financeiramente prejudicados; e atitudes
150
extremas para possibilitar a venda da propriedade. Entretanto, a anuência do poder
público, que pôde ser vista tanto no caso da Mansão Matarazzo quanto na liberação
de alvarás de diversos empreendimentos no Corredor da Vitória, não ocorreu no
caso da Mansão Wildberger. E ao contrário do que se viu com o processo de
tombamento do “Conjunto Arquitetônico do Corredor da Vitória”, o IPHAN, desta vez
se comporta com uma incrível obstinação para evitar a construção do provável
último edifício nesta encosta.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
152
O estudo dos fatos ocorridos no Corredor da Vitória a partir de meados do
século XX – a verticalização com a destruição gradativa das mansões; a anuência
da legislação, liberando inclusive o gabarito no local; a construção de edifícios atrás
das casas; o processo de tombamento do IPHAN; e a omissão dos órgãos estaduais
em relação ao caso – levou à determinação dos valores que são atribuídos ao local
pelos diversos atores que participaram direta ou indiretamente desta parte da
história da cidade.
Tem-se de um lado aqueles que atribuem à Vitória valores de
modernização – Prefeitura, Estado, mercado imobiliário –, não concordando em
conter a construção de edifícios no local; aqueles que atribuem valores de
conservação – alguns intelectuais e algumas representações de classe –,
procurando medidas de salvaguardar as mansões remanescentes da área; e alguns
proprietários que tentam conciliar os valores de modernização com os valores de
conservação, obrigando os novos compradores a manutenção de suas casas
externamente, ou seja, apenas de suas fachadas, podendo ser modificado todo o
seu interior.
Com esta nova exigência, empresários do mercado imobiliário trataram de
buscar condições de transformar a manutenção das casas em mais uma peça de
marketing na venda dos apartamentos. Estes novos empreendimentos passaram a
ser retratados como conciliadores do presente e do passado, aliando o conforto da
modernidade sem apagar o registro da história do bairro. Mas pôde-se ver que esta
prática é bastante discutível em se tratando da preservação da morfologia urbana.
153
Os antigos proprietários que exigiram a manutenção de suas casas foram
movidos por razões pessoais, pelas lembranças que estas representam às suas
famílias. Talvez o único proprietário que vislumbrava garantir à sociedade o direito
de desfrutar de parte da história da cidade seja representado pelo Instituto Carlos
Costa Pinto, pois este, desde o início da década de 80, procurou realizar eventos
buscando conscientizar a população da importância histórica do local.
Esta pesquisa pôde mostrar os valores de quase todos que estiveram
envolvidos com o Corredor da Vitória nos últimos cinqüenta anos, exceto os
moradores do bairro, que praticamente não se pronunciaram ou não foram
procurados para dar a sua opinião. Qual seria a posição deles em relação às
mansões que ainda existem na Vitória? Que valores eles atribuem ao local? Para
tentar responder a estas perguntas foram realizadas entrevistas semi-estruturadas
com alguns moradores do bairro, que levaram a algumas conclusões.
Apesar de alguns jornais da década de 80 fazerem comentários sobre o
“charme do local” devido à presença das mansões da elite do início do século, os
moradores sempre mostraram mais interesse na vista para a Baía de Todos os
Santos ou na posição estratégica do bairro, que consegue conciliar proximidade com
o trabalho, escolas e lazer. Não foi demonstrada muita preocupação com a
demolição das casas de estilo eclético.
Somente após a exigência de alguns antigos proprietários em manter as
casas foi que alguns moradores passaram a considerar a manutenção das mansões
como uma possibilidade, reconhecendo os valores históricos das mesmas, mas
nunca pensando em impedir a construção de novos edifícios. Como a manutenção
das casas na frente dos edifícios, representou, para estes moradores, uma excelente
154
solução, a demolição das casas passou a ser um absurdo para eles, como por
exemplo o caso da Mansão Wildberger.
Por outro lado, há aqueles que não consideram válida a manutenção das
casas na frente dos edifícios para a população em geral, apenas para quem
conhecia as residências com mais intimidade. Sendo assim, no caso das casas que
foram mantidas nestas condições, apenas o antigo colégio Sophia Costa Pinto seria
representativo para um maior número de pessoas, sendo que a manutenção das
outras casas seria válida apenas para os familiares dos antigos moradores.
Outros acreditavam que as casas devem ser mantidas se forem
“provados” os valores históricos e artísticos do local. Mas como provar um valor, se
este representa, citando Heller novamente, a “expressão resultante de relações e
situações sociais”? (HELLER, 2004, p.5) Desta forma, fica claro que, para grande
parte dos moradores do bairro, as mansões não apresentam nenhum valor. Não há
preocupação quanto à altura das edificações nem nos seus impactos. Também não
há preocupação com a área verde da encosta, visto que, poucos são os que têm
acesso a esta. Não há preocupação com a cidade, e sim, com o conforto individual.
As análises contidas nesta pesquisa, junto com as entrevistas realizadas,
levaram à constatação de uma sociedade dominada pela ideologia do mercado
imobiliário, que passou a reger a cidade a partir da década de 70. Enquanto no início
do século XX a população era movida pela ideologia do progresso, um século
depois, é a lógica do mercado imobiliário que domina as intervenções na cidade. E
enquanto isso ocorrer, não haverá espaço para que os valores de conservação
possam realmente ser absorvidos pela população. E muito menos condições para se
discutir as intervenções que são realizadas na cidade, como pôde ser constatado
com a falta de amadurecimento das opiniões no caso do Palácio Thomé de Souza.
155
O estudo do processo de tombamento do Corredor da Vitória também
levou à constatação da dificuldade de valorização do ecletismo pelos órgãos
responsáveis pela preservação do patrimônio cultural, representando uma constante
que ainda prevalece nos dias atuais. A falta de uma política de preservação dos
remanescentes deste estilo tem levado ao quase completo desaparecimento destes
exemplares arquitetônicos em todo o país, provocando uma lacuna na nossa
história.
156
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_____. Corredor da polis. A Tarde , Salvador, 16 jul. 2004. POUCOS estrangeiros, muitos endinheirados que (felizmente) preservam as mansões da Vitória. Tribuna da Bahia , Salvador, p. 8, 19 dez. 1975. PREFEITURA fica. A Tarde , Salvador, 05 fev. 2005. REBOUÇAS, Banile. SANTANA, Eder Luis. Justiça proíbe demolição de mansão e início de nova obra. A Tarde , Salvador, p. 4, 30 jan. 2007. REIS, Pablo. Arquitetos protestam contra a decisão de demolir a prefeitura. Correio da Bahia , Salvador, p.12, 28 nov. 2004. SAMPAIO, Antônio Heliodório Lima. A mansão e a borda da cidade. A Tarde , Salvador, 15 fev. 2007. SECRETÁRIA defende prédio no lugar da Mansão Wildberger. Entrevista com Kátia Carmelo. A Tarde , Salvador, 18 dez. 2006. WEINSTEIN, Mary. Em busca da Vitória quase perdida. A Tarde , Salvador, 03 jun 2003. _____. Ausência de lei ameaça a preservação da Vitória. A Tarde , Salvador, 07 jun. 2003. _____. Vitória para sempre preservada. A Tarde , Salvador, 18 jun. 2003. _____. Os prós e contras do tombamento. A Tarde , Salvador, 21 jun. 2003. _____. Casa Cardinalícia perde integridade. A Tarde , Salvador, 07 ago. 2003. _____.Tombamento da Vitória na gaveta. A Tarde , Salvador, 28 maio 2004. _____. Cautela sobre o tombamento da Vitória. A Tarde , Salvador, 29 maio 2004. _____. Combate à vitória da especulação. A Tarde , Salvador, 05 jun. 2004. _____. Sem tombamento, Iphan teme adulterações. A Tarde , Salvador, 09 jul. 2004. _____. Prefeito impede construção na Vitória. A Tarde , Salvador, 23 jul. 2004. _____. Desmontar um palácio custa caro. A Tarde , Salvador, 06 out. 2004. _____. Manobra para manter palácio de metal. A Tarde , Salvador, 26 abr. 2005. _____. Niemeyer defende sede da prefeitura. A Tarde , Salvador, 29 out. 2005. _____. Tombamento da Vitória sob investigação. A Tarde , Salvador, p.06, 28 jan. 2006.
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_____. Parte de imóvel histórico é derrubado na Vitória. A Tarde , Salvador, p.04, 30 jan. 2006. _____. Iphan tomba a Igreja da Vitória. A Tarde , Salvador, p.03, 02 fev. 2006. Documento iconográfico: AZEVEDO, Paulo Ormindo. A Arquitetura e o Urbanismo na Nova Burguesia Baiana. In JORDAN, Kátia Fraga (org.). De Villa Catharino a Museu Rodin Bahia 1912-2006: um palacete baiano e sua história . Salvador: Solisluna Design e Editora, 2006. BRITO, M.S. Corredor.jpg. 2006. Altura: 270 pixels. Largura: 500 pixels. 63KB. Formato JPEG. Disponível em <http://www.panoramico.com/photo/754077> Acesso em: 11 set 2007. CASA COR® BAHIA 97: Exibição Brasileira de Decoração. Salvador, 1997. FRAGA, L.G. cardeais.jpg. 2006. Altura: 375 pixels. Largura: 500 pixels. 143KB. Formato JPEG. Disponível em <http://www.panoramico.com/photo/> Acesso em: 11 set 2007. REVISTA DO INSTITUTO SOPHIA COSTA PINTO. Salvador, v.1, nº1, 1938. ROGERIO, P.R.F. express.jpg. 2006. Altura: 375 pixels. Largura: 500 pixels. 150KB. Formato JPEG. Disponível em <http://www.panoramico.com/photo/1646911> Acesso em: 11 set 2007. SANDES, Fabio. vista-partir.jpg. 2006. Altura: 375 pixels. Largura: 500 pixels. 58KB. Formato JPEG. Disponível em <http://www.panoramico.com/photo/139306> Acesso em: 11 set 2007. PALÁCIO Monroe. Altura: 408 pixels. Largura: 640 pixels. 100KB Disponível em: < http://www.almacarioca.com.br/imagem/fotos/postais/card32.jpg>. Acesso em: 20 jun. 2007. VIANNA, Marisa. “... vou pra Bahia”. Salvador, Biograf, 2004. 203p.: il. Fontes Orais: Antonia Valadares Andrade, depoimento em 16 jan. 2008 (moradora) Cristiano Hora de Oliveira Fontes, depoimento em 16 jan. 2008 (morador) David Martins da Silva, depoimento em 13 fev. 2008 (morador) José Carlos da Matta, depoimento em 07 ago. 2007 (arquiteto)
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Júlia de Carvalho Tarquínio de Souza, depoimento em 12 fev. 2008 (ex-proprietária da Mansão de Manoel Joaquim de Carvalho) Juliana Setenta Barbosa, depoimento em 12 jan. 2008 (moradora) Lina Machado, depoimento em 10 jan. 2008 (moradora) Monsenhor Sadock, depoimento em 10 jan. 2008 (pároco da Igreja da Vitória) Ricardo Wildberger, depoimento em 12 fev 2008 (proprietário da Mansão Wildberger) Rosina Bahia Alice Carvalho dos Santos, depoimento em 04 jan. 2007 (bibliotecária do Museu Carlos Costa Pinto)
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ANEXOS
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Nº IDENTIFICAÇÃOS/N Clínica Cato71 Edifício ...... Oliveira75 Centro Social de Saúde Esmeralda da Natividade - Paróquia da Vitória6 Edifício Monsenhor Marques2 Mansão Wildberger
S/N Igreja e anexoS/N Residência do Universitário II50 Edifício SanremoS/N Escola de Puericultura Raimundo P. de Magalhães
1745 Grandelli1755 Farmácia Pague Menos1771 Casa Logas (térreo) e clínica (sup)1809 ICBAS/N Colégio APOIO
1867 Edifício Manoel VictorinoS/N ACBEU
1907 Condomínio Jardim Tropical1937 Edifício Maria de Lourdes1949 Edifício José Costa1971 Hotel Vila Velha1983 Edifício Lisboa2009 Hotel Bahia do Sol2019 Secretaria Minicipal de Saúde2031 Professor Sabino SilvaS/N Colégio Estadual Odorico TavaresS/N Estacionamento Sol Park
2139 Academia Dance2141 Edifício Caicara2155 Edifício Jupiter2185 terreno2195 Museu Geológico da Bahia2209 CEPLAC - Ministério da Agricultura e do Abastecimento 2231 Mansão da VitóriaS/N 1 Mansão Lino CerviñoS/N Museu de Arte da Bahia
S/N 2 Restaurante / Pousada Gato Comeu2365 Procuradoriada República2377 Edifício Monsanto2417 Morada Real da Vitória2445 Casa dos Cunha Guedes2457 Ferro Velho2469 casa
antigo 296 terreno com ruína2493 Morada da Vitória2503 Edifício Sarah2515 casaS/N estacionamento
antigo 308 Ministério Público do TrabalhoS/N 3 Doce Sonhos2607 casa vendendo
2607A casa2631 UECS/N Mc DonaldsS/N Posto de Combustível Petrobrás
QUADRO 01 - Identificação das edificaçõesE
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Nº IDENTIFICAÇÃO36 Edifício Pedra do Sol
S/N 4 casa vendendo + Hidro e Pilates na lateral2592 Mansão Plínio Guerra2572 Edifício CecyS/N 5 Casa das Frutas391 Edifício Sumê / Salão Bem Bonita2514 Edifício Oiram2490 Museu Carlos Costa Pinto2460 Mansão Carlos Costa Pinto*2438 Vitória Residencial / Vitória DelicatessenS/N 6 Mansão Phileto Sobrinho*2382 Residência do Universitário R-I2354 Mansão Margarida Costa Pinto*2328 Fundação Nacional de Saúde2306 Açores2284 Palais der Versant2252 Mansão Professor José Silveira*2224 Mansão Victory Tower*2172 Mansão Leonor Calmon*2152 Golden Tower2110 Victory Tower*2090 Solar da Vitória2068 Sol Victória Marina*2044 Edifício Apollo XXVIII2022 Edifício Marte2000 Mansão Roncalli1978 Mansão Frederico Fellini*1956 Edifício Koch1942 Edifício Pedra da Vitória1914 Edifício Delmar1894 Edifício Delrio1884 Edifício Casa Blanca1862 Edifício Portão do Mar1838 Victoria Loft*1822 Solar Ministro João Mendes*1806 Edifício Montenegro Jr.1796 Mansão Arthur Moreira Lima*1766 Edifício Queen Elizabeth1754 Edifício Duque de Caxias1738 Edifício Vitória Régia1724 Edifício Maiza1714 Edifício Delcampo1682 Morada dos Cardeais*
QUADRO 01(cont.) - Identificação das edificaçõesE
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S V
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* Edifícios que possuem pier para embarcações
Fonte: Luciana Guerra, dez 2007.
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ENTREVISTADO: Antonia Valadares Andrade Data: 16 de janeiro de 2008, as 9:00h, no seu apartamento
• Idade: 49
• Profissão: delegada.
• Formação profissional: advogada.
• Nome do prédio em que reside: Palais der Versant, nº 2284, ap. 504.
• Pessoas da família que moram no bairro: o filho Luciano Valadares comprou um apartamento no Mansão Phileto Sobrinho, ainda em construção.
• Quanto tempo reside no local? Comprou o apartamento há 17 anos, mas
neste tempo, morou alguns anos fora da cidade devido a motivos de trabalho e alugou o apartamento.
• Onde residiu antes? Campo Grande. Quando recém casada, em 1971, morou
no Corredor da Vitória, no edifício João Mendes da Costa, que foi demolido para construção de outro edifício no local, com o nome de Solar Ministro João Mendes, nº 1822, em 2002.
• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? “Não existe melhor
local do que a Vitória para morar. Primeiro por estar localizado próximo ao centro e segundo devido à vista, que ninguém tem.”
• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos) Acha que não
tem pontos negativos. O Sol, que incide diretamente sobre o apartamento no período da tarde, não incomoda por causa da ventilação. Como pontos positivos, além da localização e da vista, destaca a arborização do local. “A Vitória ainda é a Vitória.”
• Algumas opiniões:
Acha que a Vitória foi escolhida para a construção dos melhores edifícios da cidade por causa da proximidade com o Campo Grande, com o Porto da Barra (praia) e pela vista. Acha que os casarões devem ser preservados e que a construção de edifícios atrás das casas é uma forma de preservar o patrimônio histórico. “É uma forma de deixar o passado registrado para os nossos filhos.” Sobre a mansão Wildberger, é contra a sua demolição e na sua opinião, poderia ser construído um edifício atrás da casa, preservando-a. Comentou que no período da construção dos edifícios Apollo XXVIII e Marte, os moradores se revoltaram devido à altura e das características do edifício, que era voltado para uma classe mais popular. Achou um absurdo a liberação do gabarito da orla de Salvador conforme aprovado no PDDU. Acha que deveria ser retirado o muro do cemitério dos ingleses, para que as pessoas possam visualizar o mar ao passarem pelo local.
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ENTREVISTADO: Cristiano Hora de Oliveira Fontes Data: 16 de janeiro de 2008, enviada por correio eletrônico
• Idade: 40
• Profissão: engenheiro químico.
• Nome do prédio em que reside: Ed. Prof. Sabino Silva, nº 2031.
• Quanto tempo reside no local? Residiu na Vitória de 1974 a 1999.
• Onde residiu antes? Pituba.
• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? O apartamento foi adquirido por seus pais.
• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos) Como pontos
positivos destaca: bairro central, serviços de água e luz não costumam faltar. Pontos negativos: carnaval; lixo; intenso movimento e trânsito de veículos; ruas e calçadas em péssimo estado de conservação.
• O que achou do processo de tombamento federal do Corredor da Vitória,
arquivado em 2004? E do tombamento da Igreja da Vitória? “Não acredito que isto tenha impacto no estado de conservação do Corredor da Vitória.”
• Qual a sua opinião sobre a construção de edifícios atrás das casas? “Acho
que o que já foi feito é bastante interessante na medida em que preserva a beleza dos casarões.”
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ENTREVISTADO: David Martins da Silva Data: 13 de fevereiro de 2008, as 10:00h, no seu trabalho (loja Mil e Umas, na Graça)
• Profissão: advogado e empresário.
• Nome do prédio em que reside: Pedra do Sol, nº 36, 3º andar.
• Tem outras pessoas da família morando no prédio ou no bairro? Há alguns parentes que moram na Ladeira da Barra.
• Quanto tempo reside no local? Há 33 anos
• Onde residiu antes? Barra Avenida.
• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? Na verdade quem
comprou o apartamento foram os seus pais em 1972/73, na mão de um outro morador. O prédio foi construído em 1969 e o apartamento possui 450,0m2.
• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos) Gosta de
residir no local por causa da sua posição estratégica, perto do clube que freqüenta, trabalho, comércios, colégio e faculdade onde os filhos estudaram. Como mora próximo ao Largo da Vitória, não precisa entrar no Corredor para sair para outros bairros. Não considera o trânsito problemático nos horários que geralmente transita pelas ruas. Não vê pontos negativos, apenas um pouco de barulho durante o dia que considera tolerável. Incomodava-se apenas com o movimento gerado pelas festas que havia na Mansão Wildberger, como veículos estacionados na porta de sua garagem e brigas entre os “guardadores de carro”.
• Algumas opiniões:
Não considera válida a manutenção das casas na frente dos edifícios para a população em geral, apenas para quem conhecia as residências com mais intimidade. Para ele, por exemplo, a única casa que foi mantida na frente de edifício que atribui algum valor é o antigo Colégio Sophia Costa Pinto, pois estudou neste local. Quanto à construção do edifício no local da Mansão Wildberger, não acredita que trará malefícios para a população. Entretanto acredita que a obra irá perturbar bastante os moradores da área. Também não vê com bons olhos a construção da praça com o mirante, pois acredita que será freqüentada pelos moradores da favela que existe na encosta. Não é contra a demolição da mansão, pois não atribui valor a casa. Atribui valores artísticos a algumas edificações do Corredor, como por exemplo o Museu de Arte da Bahia e o Museu Carlos Costa Pinto, que apesar de não ser tão antigo, considera uma bela construção.
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ENTREVISTADO: Juliana Setenta Barbosa Data: 12 de janeiro de 2008, as 15:30h, por telefone
• Idade: 28
• Profissão: arquiteta.
• Nome do prédio em que reside: Golden Tower, nº 2152.
• Pessoas da família que moram no bairro: a avó materna morava até pouco tempo.
• Quanto tempo reside no local? 15 anos.
• Onde residiu antes? Barra.
• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? Bairro nobre,
apartamento, localização em frente ao mar.
• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos) Acha que a implantação do colégio Estadual Odorico Tavares e do Colégio Apoio causaram o congestionamento do bairro. Acredita que quanto mais residencial a Vitória for, mais esta será valorizada. Acha que apenas deveria haver equipamentos comerciais de apoio aos moradores, como padarias e farmácias. Mas defende a permanência dos equipamentos de cultura existentes no local, como museus, o ACBEU e o ICBA, pois acredita que eles não causam conflitos de circulação e valorizam ainda mais o bairro. Como pontos positivos destacou a localização (bairro central), proximidade do mar e a arborização do local.
• Algumas opiniões:
Não acha que a Mansão Wildberger tenha valor histórico e defende que esta seja demolida. Acredita que as casas devam ser mantidas apenas se o seu valor arquitetônico e histórico for comprovado, não sendo o caso, no seu conceito, da Mansão Wildberger. “Se for comprovado valor arquitetônico e histórico, a casa deve ser mantida.” Acredita que a construção de edifícios atrás das casas é uma forma de preservação do patrimônio.
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ENTREVISTADO: Lina Machado Data: 10 de janeiro de 2008, as 9:30, no seu trabalho (Correio, Av. Sete, nº260). Faz parte da Associação de Moradores (ASCAVI) há aproximadamente 10 anos.
• nome do prédio em que reside: Bahia Dourada. • Quanto tempo reside no local? Desde 1989.
• Qual o motivo mais forte que o levou a morar neste local? Devido à posição
estratégica do bairro, pois fica próximo ao local do seu trabalho, e das atividades de sua filha (escola, escola de inglês e ballet). Apesar de residir num apartamento com vista para o mar, este não foi o seu principal motivo que a levou a escolher o local.
• Gosta de residir no local? (pontos positivos e pontos negativos)
Aparentemente, a barreira formada pelos edifícios no Corredor da Vitória não a incomoda, visto que não houve grandes mudanças na paisagem desde que se mudou para o local. Entretanto reclama do incomodo que a construção dos edifícios provoca aos moradores da região: circulação de caminhões, betoneiras, poeira, barulho, etc. Reclama também da falta de conservação que o bairro se encontra, em relação às calçadas, asfalto, podas das árvores, etc.
• Sobre a construção do edifício no local da Mansão Wildberger: Defende a
construção do edifício no local da Mansão Wildberger, pois acredita que esta irá beneficiar a população com a construção da praça. Além disso, ela acredita que a Mata Atlântica não será destruída. Em sua opinião, ao invés de impedir a construção do edifício, a prefeitura deveria ter impedido a construção de uma casa amarela que existe bem próxima ao mar.
• O que achou do processo de tombamento federal do Corredor da Vitória? Não
apresentou grandes lembranças em relação ao processo de tombamento do Corredor da Vitória, afirmando que a associação de moradores não se envolveu com o caso. Quando questionada se em sua opinião o tombamento do Corredor da Vitória era válido, respondeu que seria válido apenas individualmente, e deu como exemplo de casas que deveriam ser tombadas: Museu Carlos Costa Pinto, Museu de Arte da Bahia e o Museu Geológico.
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ENTREVISTADO: Rosina Bahia Alice Carvalho dos Santos Data: 04 de janeiro de 2007, as 14:00, no biblioteca do museu.
• Profissão: bibliotecária da biblioteca do Museu Carlos Costa Pinto; Trabalha no local há 33 anos.
Sobre a residência da família costa pinto, onde fun cionou o colégio Sophia Costa Pinto
• Em que ano a casa foi vendida? Em abril de2001.
• Por que motivo a casa foi vendida? Para angariar recursos para a instituição.
• Por que a casa original foi mantida na frente do edifício? Porque a instituição a considera como um patrimônio histórico. Desde a década de 80 a instituição promove eventos para conscientizar a população do valor histórico das mansões do local, como a exposição realizada em conjunto com o Museu Geológico da Bahia. Desta forma, a instituição, ao vender a casa, solicitou a manutenção desta em uma das cláusulas do contrato de compra e venda, conforme afirmou a diretora Mercedes Rosa, por telefone, à Rosina. Quanto a manutenção da parte interna da casa, Mercedes Rosa afirmou que não pôde ser mantida pois estava muito degradada pelos cupins.
• Qual a sua opinião sobre isso? Rosina opinou que preferia que a casa fosse mantida integralmente, tanto internamente, quanto o anexo lateral.