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Cosmologia Kabbalística e seu paralelo com o “Big Bang” da Física Moderna Adam McLean © Em artigos anteriores eu busquei apontar relações entre as idéias herméticas e alquímicas e o atual desenvolvimento do pensamento na Física e cosmologia modernas. No presente escrito eu irei em busca dos estranhos paralelos entre a cosmologia kabbalística reformada, de fins do séc. XVI, que veio à tona por meio dos insights de Isaac Luria, e a atual reformulação do ‘Big Bang’, denominada ‘modelo inflacionário’ da criação cósmica. Apesar da formulação dessas duas cosmologias estar separada por uns 400 anos, é possível reconhecer que tratam do mesmo problema que é o da emanação cósmica a partir do nada. Antes de Luria, a principal vertente de idéias kabbalísticas provinha do centro da Espanha. Da Escola de Gerona emergiram as principais afirmações sobre as sephiroth, enquanto Moses de Leon reunia os escritos do Zohar. Esta corrente de cosmologia mística vinha de percepções intuitivas e os escritos do período tendiam a ser obscurecidos por nebulosas insinuações, em vez de se mostrarem como trabalhos filosóficos bem desenvolvidos argumentativamente. A autoridade dos mesmos derivava do apelo à interpretação da sabedoria oculta nos livros canônicos da tradição judaica, Pentateuco e Torah, em vez de assentar em argumentação consistente. Desse modo, durante tal período foi assumido que as sephiroth, camadas, strata ou mundos que formam o cosmos emanaram, de algum modo, diretamente de Ein-Sof - o ser ilimitado da deidade. Haviam, entretanto, certas contradições teológicas e filosóficas nesta emanação simplista que foram encobertas

Cosmologia Kabbalística e seu paralelo com o Big Bang

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Cosmologia Kabbalística e seu paralelo com o “Big Bang” da Física Moderna

Adam McLean ©

Em artigos anteriores eu busquei apontar relações entre as idéias herméticas e alquímicas e o atual desenvolvimento do pensamento na Física e cosmologia modernas. No presente escrito eu irei em busca dos estranhos paralelos entre a cosmologia kabbalística reformada, de fins do séc. XVI, que veio à tona por meio dos insights de Isaac Luria, e a atual reformulação do ‘Big Bang’, denominada ‘modelo inflacionário’ da criação cósmica. Apesar da formulação dessas duas cosmologias estar separada por uns 400 anos, é possível reconhecer que tratam do mesmo problema que é o da emanação cósmica a partir do nada.

Antes de Luria, a principal vertente de idéias kabbalísticas provinha do centro da Espanha. Da Escola de Gerona emergiram as principais afirmações sobre as sephiroth, enquanto Moses de Leon reunia os escritos do Zohar. Esta corrente de cosmologia mística vinha de percepções intuitivas e os escritos do período tendiam a ser obscurecidos por nebulosas insinuações, em vez de se mostrarem como trabalhos filosóficos bem desenvolvidos argumentativamente. A autoridade dos mesmos derivava do apelo à interpretação da sabedoria oculta nos livros canônicos da tradição judaica, Pentateuco e Torah, em vez de assentar em argumentação consistente. Desse modo, durante tal período foi assumido que as sephiroth, camadas, strata ou mundos que formam o cosmos emanaram, de algum modo, diretamente de Ein-Sof - o ser ilimitado da deidade. Haviam, entretanto, certas contradições teológicas e filosóficas nesta emanação simplista que foram encobertas pelos primeiros kabbalistas até que Luria fez face a tais problemas, reestruturando a cosmologia e resolvendo muitos desses paradoxos.

De modo similar, a primeira formulação da teoria do ‘Big Bang’ (nomeada dessa forma pelo astrônomo Fred Hoyle em 1950) que apresentava o universo como emergindo ou emanando de um simples evento cósmico, apresentava falhas. Se alguém acompanhasse suas descrições matemáticas inteiramente, até as conclusões, ela descrevia estados de coisas que não têm correspondência com a realidade. Particularmente, não poderia explicar, de maneira adequada, a uniformidade do cosmos, a formação das galáxias, ou o fato de o universo aparentar ser composto por matéria em vez de anti-matéria. Os cosmólogos, entretanto, agarraram-se ao modelo sem maiores convicções, evitando seus paradoxos e esperando que seus problemas fossem, eventualmente, sanados. Muitas dessas contradições foram resolvidas pelo ‘cenário inflacionário’ divisado por Alan Guth em 1979.

Eu não estou aqui sugerindo que Luria anteviu os problemas da Física do século XX, ou que os cosmólogos e físicos sejam, secretamente, estudiosos de áreas obscuras da Kabbalah, entretanto, parece que os kabbalistas luriânicos e os pesquisadores da Criação dos dias modernos estão se aproximando do mesmo problema cosmológico, por meio de sistemas de idéias distintos. O que estes paralelos revelam é o modo pelo qual a mente humana formula

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e representa um evento vasto e impressionante como a criação do cosmos. O arquétipo simplista do cosmos que emerge de uma fonte ou evento simples, honestamente, não satisfaz aos padrões de nossas mentes e essas cosmologias encontraram formas de apresentar uma ‘queda na matéria’ que se harmoniza com alguns arquétipos inerentes ao nosso ser.

Façamos um percurso por essas duas imagens cósmicas, começando pela cosmologia kabbalística de Isaac Luria.

Cosmologia Luriânica

O cosmos de Luria não é uma abstração estática; para ele, o mundo emanou de uma dinâmica interação entre forças arquetípicas. Deste modo, ele afastou-se da fria rigidez dos primeiros esquemas kabbalísticos. Nosso mundo presente teria vindo à existência a partir de três grandes e dramáticos eventos cósmicos - o Simsum, ou contração de Deus, a Shevirah, ou quebra dos vasos, e o Tikkun, a reconstrução ou retificação.

Antes do Simsum, os variegados poderes de Ein-Sof ou Deus Infinito, estavam harmoniosamente balanceados e não podiam ser separados uns dos outros. Tais aspectos eram as forças opostas de Compaixão (Rahamim) e Julgamento Rígido (Din), unificadas na luz. No começo da existência, o Ein-Sof contraiu-se, criando um espaço vazio (o Tehiru ou vácuo), dentro do qual as forças de Din começaram a adquirir uma vida independente. Este profundo acobertamento ou contração de Ein-Sof, resultou em um expurgo das ásperas escórias que continham todos os elementos do mal potencial do ser de Deus. Deste modo, o espaço vazio continha as forças de Din e um vestígio, o Reshimu, ou impressão da Luz Divina.

Nesse ponto, o Ein-Sof emanou um raio, o kab há-middah ou “medida cósmica”, que é representado pela primeira letra do Tetragrammaton, Yod. Este raio penetrou o tehiru e trabalhou para organizar as forças opostas que agora preenchiam esse espaço, trazendo à manifestação o Homem Primordial, Adão Kadmon. Este é o primeiro e mais elevado dos Partzufim ou pessoas arquetípicas que aparecem no esquema de Luria. Nesse ponto os quatro mundos (Atziluth, Briah, Yetzirah e Assiah) não tinham sido emanados ainda, de modo que Adão Kadmon vivia, essencialmente, em um quinto e mais elevado espiritualmente reino de existência. Entretanto, esse quinto mundo continha quatro níveis, os quais eram descritos pelas quatro expansões do Tetragrammaton (AB=72, SG=63, MH=45 e BN=52 que aparecem frequentemente na numerologia kabbalística; (*segundo citação de Mathers em Kabbalah Desvelada: “O nome secreto de Atziluth é OB, Aub; o de Briah é SG, SEG; o de Yetzirah é Mah; e o de Assiah é BN, Ben significando filho).

Inicialmente, Adão Kadmon não tinha a forma de um homem, mas aparecia como um arranjo de dez círculos concêntricos em que o círculo exterior permanecia em contato próximo com o Ein-Sof. Essas dez Sephiroth, eventualmente, reorganizaram-se na forma linear do corpo humano. Da cabeça e olhos dessa figura primordial a luz brilhava precipitando-se adiante. Esta luz era coletada e preservada pelos vasos (Kelim) das Sephiroth. Tais vasos, as dez Sephiroth primitivas, apenas podiam receber a Deus, não podendo, em

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nenhum sentido, retribuir a oferta e criar o poder do Ein-Sof. Nesse sentido os vasos eram incompletos e não podiam reter a luz.

Os vasos das três Sephiroth superiores, Kether, Chokmah e Binah, a princípio saíram-se bem na tarefa de reter a luz, mas quando esta verteu abaixo através dos vasos inferiores, de Chessed até Yesod, estes seis vasos foram despedaçados e dispersos no caótico vácuo do tehiru. Tal evento é denominado Shevirah-ha-kelim, “a quebra dos vasos”. Os vasos originais estavam no que agora é conhecido como mundo de Atziluth, mas quando a luz de cima penetrou a sephira Malkuth, ela espalhou-se em 288 faíscas que falharam em retornar à fonte primordial e caíram através dos mundos, tornando-se aprisionadas e vinculadas aos cacos dos vasos que formaram as kelipoth, as cascas ou conchas. Tais cascas tornaram-se as forças maléficas do Sitra Ahra, o “outro mundo” ou “mundo inferior” que impedem o retorno das faíscas de luz divina à sua fonte. Deste modo, a luz ou energia da criação “caiu na matéria”. O próximo estágio do processo cósmico, e aquele em que encontramos nossa existência, é o do Tikkun, o período no qual o processo de restauração e reparo deve ser empreendido. O meio primário para tal restauração é a luz que continua a emanar dos olhos de Adão Kadmon. Esta luz tornou-se reorganizada em uma série de emanações conhecidas como Partzufim ou Pessoas Arquetípicas que restauram ordem ao caos da Shevirah.

A sephira Kether é reformada como Arikh Anpin, a “Grande Face” ou Rosto Maior do Ein-Sof, também nomeado Attik Kaddisha (ou Attik Anpin), “O Antigo e Sagrado Um”. Chokmah e Binah formam duas figuras arquetípicas, os Partzufim Abba (“Pai”) e Imma (“Mãe”), respectivamente. Um quarto Partzuf é formado das seis sephiroth inferiores, de Chessed a Yesod e é conhecido como Zeir Anpin (“O Rosto ou Face Menor do Divino”). Um último Partzuf é formado circundando Malkuth, o Nukba de-Zeir (“a consorte do Zeir”), também conhecida como Rachel-Leah.

Abba e Imma mantêm-se em um permanente estado de união (como Shakti e Shakta na cosmologia Hindu) e dessa união nasce Zeir. Similarmente, Zeir Anpin e Rachel-Leah vivem em uma eterna união matrimonial.

No esquema de Luria, o Adão bíblico tinha a tarefa de reintegrar às faíscas divinas de modo que seu ser abarcava os diversos mundos, sendo o seu corpo um perfeito microcosmo do Adão Kadmon. Adão deveria separar as faíscas divinas das cascas e restaurá-las à luz divina. Ele, claro, falhou em sua tarefa cósmica e a sua responsabilidade passou para as mãos de toda a humanidade. A tarefa da humanidade é, portanto, encontrar as faíscas do espírito enterradas nas cascas do mundo material e elevá-las à sua fonte divina. Como isso é alcançado através de exercícios espirituais, tais constituem a maior parte da prática kabbalística de Luria, mas isto foge ao escopo deste artigo.

Luria, deste modo, simboliza a criação como um exílio das faíscas de luz e é feito um paralelo com a diáspora do povo judeu. Os Partzufim Abba e Imma no mundo de Atziluth são a origem de Israel Sabha, “A Antiga Israel Primordial” que existe em um nível espiritual.

O problema central da cosmologia emanatista pré-luriânica era que se Deus, o Ein-Sof, era perfeito e sem limites em seu ser, então o que emanou Dele tinha de ser, em si

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mesmo, perfeito e, em certo sentido, tal emanação seria apenas Deus revelando a Si Mesmo em vez do ato de criação de um universo do qual ele podia permanecer separado, no exterior. Uma das idéias centrais do Judaísmo era a de que Deus permanecia separado, no exterior do mundo criado, como um ‘Deus oculto’. Se Deus tivesse emanado o universo diretamente então, claramente, ele estava no Universo e rodeado pelo universo. Para que algo não-divino e finito pudesse vir à existência, era necessário que houvesse uma quebra radical no processo de emanação, um dilug ou Kefitzah (“pulo” ou “salto”). Para lidar com esse problema filosófico emergiu a doutrina Luriânica do Simsum, o recolhimento, concentração ou acobertamento do Ein-Sof. Luria descreve, inclusive, um estado de ser antes do ato de criação, no qual Ein-Sof manifestou a si mesmo o Ein-Sof Aur (a “luz do Ein-Sof”). Há um paralelo aqui com o estado inicial do cosmos imaginado pela Física moderna, do qual nós trataremos a seguir. No começo da criação o Ein-Sof recolheu-se através do Simsum, criando um espaço vazio, uma lacuna ou vácuo (chamado chalal ou tehiru). A seguir, o raio (kav) do Ein-Sof foi lançado nesse vácuo primevo e procedeu às emanações, como descrito acima. Efetivamente, isso distancia Deus da Criação antes mesmo que algo tivesse vindo à manifestação, o que permite um cosmos criado “ex nihilo”, literalmente “do nada”. Vamos verificar que a idéia central da moderna cosmologia é a emergência do universo a partir de um estado de vácuo.

O Universo Inflacionário

Os cosmólogos da atualidade estabelecem o início do cosmos num período por volta de 15bi de anos atrás, no “Big Bang”. As energias envolvidas nessa explosão de espaço-tempo, matéria e energia, a partir do nada, foram enormes, entretanto, nas últimas duas décadas, aceleradores de partículas têm permitido aos cientistas explorar algumas dessas densidades energéticas em laboratório (correspondendo ao estado do universo após mil bilionésimos de segundo), de modo que as teorias que têm emergido sobre o Big-Bang são amplamente apoiadas por evidências experimentais e não simples especulações.

O universo emergiu desse evento pontual e o espaço que o mesmo ocupava rapidamente expandiu-se até que preenchesse a vastidão de espaço que é explorada pelos astrônomos. Quando nós tentamos representar épocas próximas ao “Big-Bang” toda a energia e matéria do universo devem ser compactadas em um espaço muito menor e, portanto, o universo tinha um nível de densidade muito mais alto. Quanto mais recuamos no tempo, aproximando-nos do evento da criação – de 1s depois do Big-Bang para 10−3s ou um

milésimo de segundo, daí para 10−9s ou um bilionésimo de segundo, e assim por diante – menor é o volume ocupado e, consequentemente, maiores são a temperatura e a densidade de energia. Deste modo, os modelos mais simples do Big-Bang assumiram que no instante da criação o universo tinha infinitas densidade e temperatura. A idéia era de que o universo emergiu de uma singularidade espaço-temporal nua, um tipo de nó no espaço-tempo, como um buraco-negro ao contrário. Esse modelo de expansão explosiva a partir de um ponto em que não havia nada (que tinha infinita densidade), trouxe mais perguntas do que respostas. Particularmente, mostrou ser difícil visualizar como as várias constantes físicas e o relacionamento entre diferentes partículas adotaram os valores que eles têm. Por exemplo, a proporção entre matéria e fótons de luz (o assim chamado número bariônico) ou a intensidade

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relativa das quatro forças fundamentais da natureza – gravidade, eletromagnetismo, nuclear forte e nuclear fraca. Se o valor de uma dessas constantes fosse diferente por uma mínima fração o universo poderia ter tomado um curso radicalmente diferente. Na macro-escala, estrelas e planetas poderiam não ter vindo a existir, enquanto em escala menor nem mesmo os polímeros carbônicos que são os blocos de construção das células vivas existiriam a menos que as constantes físicas que definem a natureza das reações químicas tivessem adotado os valores que possuem. Alguns filósofos e teólogos viram a possibilidade de evocar a mão de Deus atuando para ajustar esses diversos valores, visando criar as condições propícias ao surgimento do universo conhecido hoje.

Esse período de teorização sobre o Big-Bang nos anos 60 e 70 é extensamente similar à primitiva cosmologia kabbalística, na qual Deus tinha um papel ativo na estruturação da cadeia de eventos. Além disso, havia o problema do que existia antes da singularidade do Big-Bang e do que fez com que tal ocorresse. Deus era chamado, novamente, em socorro.

Issac Luria percebeu que se Deus tivesse um papel formativo na estruturação do cosmos, então este tinha que ser uma manifestação Daquele. Deus não seria capaz de separar-Se da sua criação e, portanto, nosso mundo criado seria, de fato, parte do corpo Dele.

De modo similar, os cosmólogos atuais não se sentiram intimamente satisfeitos com a criação de teorias nas quais algum fator fora das equações e mecanismos de criação, ajustasse as constantes da natureza determinando os contornos e formas do universo como o conhecemos.

Em 1979, Allan Guth, um físico norte-americano, divisou uma teoria que poderia resolver muitos dos problemas inerentes à teoria simplista do Big-Bang. Ele buscou por um estágio bastante primitivo no desenvolvimento do universo, entre 10−32 e 10−43 segundos da

criação inicial. [10−36, por exemplo, é um bilionésimo de bilionésimo de bilionésimo de

bilionésimo de um segundo.] Por volta de 10−43, o momento de Planck, quando a força da gravidade se iguala às outras forças fundamentais, eventos quântico-gravitacionais dominaram o universo emergente, com esta bolha instantânea de espaço-tempo sendo sujeita a flutuações do vácuo. A energia que o universo continha estava retida em campos de força especiais (os campos de Higgs, nomeados depois que esse físico os descreveu) que eram essencialmente instáveis.

Acima de uma temperatura de 1027°C, que ocorreu durante esse período inicial do universo, os campos de Higgs estavam em equilíbrio, entretanto, uma vez que a temperatura ambiente ficou abaixo disso, eles puderam liberar sua energia através de um processo conhecido como “quebra espontânea de simetria”. Enquanto as condições de simetria foram mantidas, os campos de Higgs puderam armazenar consideráveis quantidades de energia, sem que esta energia tivesse uma massa. Somente quando a simetria foi quebrada, a energia retida nos campos de Higgs ganhou massa. Esta quebra da simetria unificada entre as quatro forças fundamentais resultou na separação entre a gravidade e as outras forças implicando na emergência das partículas de matéria.

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No modelo inflacionário, os campos de Higgs são capazes de permanecer em equilíbrio por um período estendido, em um estado especial conhecido como “falso vácuo”, um estado de vácuo quântico que pode ser descrito matematicamente. Durante esse período, o falso vácuo exerceu uma força expansiva, uma pressão negativa no universo que impeliu o cosmos e expandir-se exponencialmente. Em cada minúscula fração de tempo, 10−34s, o

diâmetro do universo dobrou e isto continuou até que o universo alcançasse 1050 vezes o seu tamanho original. Tal extensão exponencial extrema do tecido do espaço, mais rápida do que a velocidade da luz, armazenou massiva quantidade de energia nos campos de Higgs. Após esse período de inflação, os campos de Higgs não puderam mais permanecer em equilíbrio e espontaneamente quebraram sua simetria, liberando a energia que armazenavam em si e preenchendo o universo em acelerada expansão com um fogo intensamente denso de partículas e fótons.

Nós podemos observar um paralelo entre os campos de Higgs e os vasos (Kelim) das Sephiroth que foram incapazes de reter a energia luminosa que jorrava através deles. A matéria do universo emergiu da quebra de simetria nos campos de Higgs, num paralelo com a Shevirah, ou “quebra dos vasos” e a queda através dos mundos das cascas ou conchas (Kelipoth) da Kabbalah Luriânica.

No modelo inflacionário, os campos de Higgs são bombeados com energia a partir da intensa curvatura gravitacional no espaço-tempo, enquanto existem num estado de falso-vácuo. Quando o universo eventualmente cai em um verdadeiro estado de vácuo, suas energias luminosas e partículas de matéria vêm à existência. A teoria apresenta a criação do universo como uma flutuação quântica do falso vácuo com energia suficiente para permitir que o processo de inflação se desenvolvesse. Deste modo, tem-se uma criação ex nihilo.

O modelo inflacionário também resolve vários problemas do ingênuo modelo que descreve um Big-Bang oriundo de uma singularidade com infinitas densidade e pressão; especialmente os problemas da uniformidade em larga escala do universo, da fixação dos parâmetros das constantes da natureza, da existência de partículas obscuras chamadas monopólos magnéticos e outras dificuldades e aspectos paradoxais da teoria primitiva.

Como eu indiquei acima, o modelo inflacionário permite especulação sobre eventos primitivos na vida do universo, antes do período inflacionário, no qual o universo era uma bolha de espaço-tempo emergindo de flutuações quânticas num estado de falso vácuo. Uma especulação que tem recebido algum crédito recentemente é a de que o universo começou como uma flutuação quântica em um espaço de onze dimensões. Isto resultou em que quatro das dimensões se expandissem (as três dimensões do espaço e uma do tempo), enquanto outras sete permanecessem enroladas em uma esfera extremamente minúscula de sete dimensões. Tais sete dimensões estão ocultas do nosso universo em macro-escala enquanto somente as quatro dimensões exteriores do espaço-tempo são conhecidas por nós, posto que elas participam da estrutura interna das partículas de matéria.

Tal idéia tem um estranho paralelo com a doutrina luriânica do Ein-Sof contraindo-se e formando um tehiru ou vácuo enquanto seu Ein-Sof Aur se expande para o

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exterior. O Simsum dos kabbalistas e o enrolamento de sete das onze dimensões do espaço-tempo estão obviamente relacionados. Ambas as cosmologias citadas situam sua contração antes da formação do falso vácuo quântico fora do qual a matéria e as energias eletromagnéticas ou luminosas do universo emergiram.

De modo curioso, os físicos de hoje vêm a reviver os mesmos passos filosóficos e teosóficos dos kabbalistas de 400 anos atrás.