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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO EM SOCIOLOGIA Cotas raciais como política de admissão UERJ, UnB e o caso da UFG Eduardo Aires Berbert Galvão Goiânia Outubro de 2009

Cotas raciais como política de admissão UERJ, UnB e o ......Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP) GPT/BC/UFG G182c Galvão, Eduardo Aires Berbert. Cotas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

MESTRADO EM SOCIOLOGIA

Cotas raciais como política de admissão UERJ, UnB e o caso da UFG

Eduardo Aires Berbert Galvão

Goiânia

Outubro de 2009

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Eduardo Aires Berbert Galvão

Cotas raciais como política de admissão UERJ, UnB e o caso da UFG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais, da Universidade Federal de Goiás como parte dos requisitos para a obtenção do titulo de Mestre em Sociologia.

Orientador: Prof. Dr. Pedro Célio Alves Borges

Goiânia Outubro de 2009

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP) GPT/BC/UFG

G182c

Galvão, Eduardo Aires Berbert.

Cotas raciais como política de admissão – UERJ, UnB e o caso da UFG [manuscrito] / Eduardo Aires Berbert Galvão. - 2009.

139 f. Orientador: Prof. Dr. Pedro Célio Alves Borges. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Faculdade

de Ciências Sociais, 2009. Bibliografia.

1. Cotas raciais 2. Políticas públicas 3. Reconhecimento I. Título.

CDU:37.014.12

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Eduardo Aires Berbert Galvão

Cotas raciais como política de admissão UERJ, UnB e o caso da UFG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais, da Universidade Federal de Goiás como parte dos requisitos para a obtenção do titulo de Mestre em Sociologia.

Aprovado pela Banca Examinadora em 23 de outubro de 2009.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

Prof. Dr. Pedro Célio Alves Borges – UFG/GO

Orientador

______________________________________

Prof. Dr. Dijací David de Oliveira – UFG/GO

_______________________________________

Prof. Dr. Sales Augusto dos Santos – UnB/ DF

________________________________________

Prof. Dr. Sebastião Rios Corrêa Junior - Suplente

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a minha esposa Tatiana, pelos momentos

de carinho, compreensão e principalmente por ter me propiciado a incrível experiência de ser pai.

Muito do que sou hoje, devo a ela que ao longo desses quase dez anos de relacionamento sempre

esteve ao meu lado.

Agradeço a Alice, minha princesinha, que foi concebida e veio ao mundo

enquanto eu cursava os créditos do mestrado e dentro de suas possibilidades me propiciou várias

noites de estudo e sono tranqüilo, mesmo em seu primeiro ano de vida, se Alice não ajudou

diretamente na confecção deste trabalho, também não o dificultou a ponto de torná-lo inviável.

Agradeço ao meu orientador pela paciência e pelo apoio nos momentos dificeis. A

sua postura de professor e amigo, conquistou meu respeito e admiração logo ao primeiro contato,

sentimentos que se fortaleceram nesses anos de convivência.

Agradeço também aos amigos do controle interno (especialmente aos meus chefes

- Ândrei e Sérgio - que foram muito compreensivos comigo), aos amigos do Guaçuí, aos amigos

da faculdade (em especial ao Jeferson que, embora não concorde com a construção de meu

raciocínio, (quase) nunca se absteve de me dar sugestões valiosas durante a redação do trabalho)

e finalmente, aos meus pais e irmãos que são (e serão por muito tempo) obrigados a me aturar.

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RESUMO

A implantação de políticas de ingresso diferenciado nas universidades públicas brasileiras é uma

tendência, sejam tais políticas bônus, cotas sociais e/ou raciais. Desde as primeiras experiências

deste tipo, que ocorreram na UERJ e na UnB, muito se discutiu e se produziu sobre o tema. Essa

produção se direciona principalmente para a modalidade mais polêmica destas políticas

afirmativas, a cota racial. Quando o objetivo é uma crítica às cotas raciais há uma tendência (ou

necessidade) de se ignorar um referencial teórico que discute as ações afirmativas. Por outro

lado, ao recorrer a este referencial teórico de forma ordinária, não resta alternativa ao

pesquisador que não resignar-se em admitir as cotas raciais como possibilidade. Nosso trabalho

inova ao pleitear uma crítica às cotas raciais sem desprezar o referencial teórico produzido sobre

ações afirmativas. Para isso, o ponto de partida são os temas já clássicos na sociologia

(democracia, cidadania e justiça social) que, em nosso entendimento, originam as ações

afirmativas enquanto campo de discussão teórica. Ao estabelecermos o debate das ações

afirmativas como um continuum dos temas clássicos, podemos alocar sua discussão no âmbito

das políticas públicas que visam promover o reconhecimento dos indivíduos. Nesse contexto nos

é possibilitada a crítica à uma política de reconhecimento que se sustenta em modelos de

identidade (cotas raciais) sugerindo um outro, baseado em um modelo de status. A partir disto,

tentamos, em uma perspectiva comparada com os casos da UERJ e da UnB, vislumbrar os

possíveis avanços obtidos pela UFG ao discutir e implantar seu programa de ação afirmativa.

Palavras-Chave: Cotas raciais; Políticas Públicas; Reconhecimento.

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ABSTRACT

The brazilian’s public universities have choosen some unusual ways to admit new students like

bonus, social quota and racial quota. UERJ and UnB were pioneers to adopt this unusual method.

As a result of that many studies were built including this alternative admission ways. Therefore

most of all studies are on racial quota. As a rule, if the study’s goal is to critic the racial quota it

needs to ignore the theorical reference about affirmative actions. On the other hand, if it doesn’t

do that, it will be impossible to proceed this critic because racial quota would appear as a real

and good university passport possibility. This work inoves because it tries to do a critic about

racial quota without ignore the theorical reference produceed about affirmative actions. We

started from classics themes of sociology (democracy, citizenship and social justice), which are

the origins of affirmative actions in the field. We purpose affirmative actions as a continuum

from the classics themes mentioned above, so we can discuss affirmative actions as a public

policies to promote individual’s recognition. From this perspective we can do a critic about racial

quote like recognition politicies based on identity model and suggest an alternative, based on

status model. Based on the assumption above, we try to compare affirmative action program of

UERJ and UnB, as well to verify the UFG’s forward in your affirmative actions program.

Keywords: Racial Quotas; Public Policies; Recognition.

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KOMPENDIO

Starigi politikon de distingita eniro en brazilaj publikaj universitatoj estas nuntempa tendenco, ĉu

per politikaj avantanĝoj, ĉu sociaj kvotoj aŭ rasaj. Ekde la unuaj tiaj provoj ĉe universitatoj

UERJ e UNB, longe oni debatis pri tio. Tiu laborado ĉefe sindirektas por debati la plej

polemikan el tiuj asertoj nome la rasa kvoto. Kiam la celo estas kritiki la kvotojn rasajn, ekzistas

tendenco (aŭ neceso) ignori teoriajn menciojn kiuj konsentas pri tia ideo. Aliflanke, okaze de

ofta elvoko de tiaj teoriaj mencioj, ne restas al esploristo io alia ol konsenti pri rasaj kvotoj kiel

ebleco. Nia laboro estas sen precedenca kiam pledas por kritiko al rasaj kvotoj sen neglekti la

agojn pozitivajn rezulte de la teoriaj mencioj. Por tio la starpunkto estas temoj jam klasikaj en

sociologio (demokratio, civitaneco, kaj sociala justeco), kiuj laŭ nia penso, originas asertivajn

agojn dum ĝi staras sur la kampo de teoria diskutado. Kiam ni starigas la debaton pri asertivaj

agoj kiel daŭrigo de la klasikaj temoj, ni povas ebligi diskuton kadre de la publikaj politikoj

kies intenco estas gradaltigi la agnoskon de la individuoj. Tial, ni opinias nin kapablaj kritiki la

agnoskan politikon kiu sin tenas sur modeloj de rasaj kvotoj, kaj sugestas alian bazita en stata

modelo. Ekde tio, ni klopodis, laŭ perspektiva komparo ĉe la kazoj de UERJ kaj UnB, duonvidi

la probablajn konkeradojn akiritaj de UFG kiam diskutis kaj starigis ties metodologion.

Principala vortoj: Rasaj kvotoj; Publikaj politikoj; Agnosko.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................. 8

I. PRIMEIRA PARTE - IMERSÃO AO SOCIOLÓGICO......... ............................................. 8

Capítulo 1 – Temas Clássicos................................................................................................... 13 1.1. Da Justiça Social ............................................................................................................ 20 1.2. Da Cidadania.................................................................................................................. 27 1.3. Da Democracia............................................................................................................... 33

Capítulo 2 - Transição .............................................................................................................. 33 2.1. Do conceito de ação afirmativa...................................................................................... 39 2.2. Cotas raciais ................................................................................................................... 52

II. SEGUNDA PARTE - IMERSÃO AO EMPÍRICO............ ................................................ 64

Capítulo 3 – UERJ e UnB – Duas referências ......................................................................... 66 3.1. A UERJ ..................................................................................................................... 66 3.2. A UnB ....................................................................................................................... 75

III. TERCEIRA PARTE - O RETORNO AO SOCIOLÓGICO ..... ...................................... 99

Considerações finais................................................................................................................. 99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 99

ANEXOS.................................................................................................................................... 116

Anexo I .................................................................................................................................... 117

Anexo II ................................................................................................................................... 118

Anexo III.................................................................................................................................. 119

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INTRODUÇÃO

As propostas de adoção das ações afirmativas têm sido tema de inúmeras

reflexões no campo das ciências sociais. Algumas retratam uma postura militante de seus

autores, enquanto outras conseguem se distanciar do objeto e manter o que Bourdieu (2004)

denomina vigilância epistemológica. Na literatura consultada sobre o assunto percebemos que,

em sua maior parte, os estudos relevantes tratam da adoção das ações afirmativas como o

resultado necessário à construção da identidade de grupos minoritários, ou a reparação das

injustiças econômicas cometidas contra tais grupos. Há também posições que analisam as ações

afirmativas como medida de reparação de injustiças simbólicas que acarretam em desvantagens

competitivas para os injustiçados.

Por ser uma discussão já ampliada a diversas áreas do debate público - como

partidos políticos, movimentos sociais, mídia e universidade, além das diversas instâncias

governamentais - estabelecemos para o presente trabalho um recorte racial, dedicando especial

atenção à proposta de cotas raciais para acesso ao ensino superior no Brasil.

As cotas raciais têm sua origem e contornos definidos dentro de uma discussão

mais abrangente sobre as ações afirmativas. Quando pensado exclusivamente por dentro da

tradicional forma de reflexão deste campo teórico, não conseguimos visualizar espaços para

críticas ao sistema de cotas raciais, mas isso não enseja a afirmação de que sua adoção seria a

estratégia mais adequada de intervenção. Por outro lado, não se pode deslocar totalmente

qualquer discussão sobre cotas raciais de uma discussão sobre as ações afirmativas, de tal forma

que se chega a um impasse: ou faz-se vistas grossas a toda uma tradição teórica das ações

afirmativas, ou resigna-se com a adoção das cotas raciais fazendo vistas grossa aos problemas

associados à adoção das cotas raciais enquanto política pública.

Neste trabalho espera-se refletir o esforço na busca por uma alternativa crítica à

adoção de cotas raciais, mesmo a luz de uma teoria de justificação para a adoção de políticas de

ação afirmativa. Localizamos nossa discussão no seio de uma teoria do reconhecimento que

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busca respaldo nos escritos de Frazer, para problematizar as cotas raciais enquanto política

pública para acesso ao ensino superior.

Reconhecemos os riscos que emergem desta proposta, haja vista que estamos nos

posicionando em meio ao fogo cruzado dos especialistas que duelam no campo em busca de

legitimar uma (di) visão do mundo. Entretanto, esperamos tornar nossa posição clara, pois

mesmo nos apropriando de elementos do campo de discussão das ações afirmativas,

consideramos a adoção das cotas raciais um radicalismo que desconsidera sérios problemas

associados a essa iniciativa.

O nosso objetivo é discutir as cotas raciais a partir dos argumentos de justificação

invocados para legitimar a adoção desse tipo de política pública.

Na estruturação deste trabalho existe um empenho em seguir as diretrizes

propostas por Bourdieu para os movimentos necessários aos estudos sociológicos. Assim, ele é

apresentado em três partes que abrigarão as narrativas das relações entre os níveis teórico e

empírico da interpretação sociológica.

Na primeira parte sugerimos uma imersão na teoria sociológica, abordada em dois

níveis, ou capítulos. No primeiro, abordamos de forma vertical temas clássicos da sociologia nos

quais emergem discussões sobre as ações afirmativas e suas conseqüentes políticas de cotas.

De Touraine aproveitamos horizontalmente sua proposta de interpretação da

sociedade moderna dividida em três períodos: alta, média e baixa modernidade. Sobre essa

cronologia com que o autor confere estrutura aos processos sociais da vida contemporânea,

sustenta-se o tripé compreensivo clássico para as propostas das cotas raciais: justiça social,

cidadania e democracia.

Iniciando a explanação na ordem inversa que ela se apresenta adiante, o terceiro

tópico do capítulo 1 discute o desenvolvimento da democracia. Para tanto, invocamos o conceito-

chave, nos termos de Held, para se entender a democracia contemporaneamente qual seja, o

“princípio da autonomia”. Consideramos que a realização do princípio da autonomia poderá,

caso nossas suposições estejam corretas, ser em última instância a realização do apelo ao sujeito,

de que trata Touraine, como último recurso do indivíduo que vive neste período de baixa

modernidade, mesmo em sociedades periféricas complexas, como o Brasil.

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Partindo das reflexões de Marshall encontramos em Carvalho um ponto de apoio

para discutir, no segundo tópico do capítulo 1, como a noção de cidadania se aplica ao caso

brasileiro e, principalmente, no contexto de baixa modernidade em que o modelo de identidade,

fortemente vinculado ao Estado-nação que sustentou o modelo ocidental de cidadania, se

enfraquece em favor de identidades multifacetadas sustentadas principalmente em sentimentos

de pertença de gênero, religião e raça. São os grupos articulados em torno dessas novas

identidades os maiores expoentes da atual busca pela ampliação dos direitos de cidadania no

Brasil.

Atravessando horizontalmente, os capítulos da dissertação, Fraser se torna a

interlocutora privilegiada com os diversos autores com que trabalhamos. Contudo, dedicamos

especial atenção à sua discussão sobre justiça social, no primeiro tópico do capítulo 1,

tematizando suas categorias de injustiça econômica e injustiça simbólica e, também, os modos

dos movimentos sociais se articularem para auferir os resultados pretendidos.

Ainda na primeira parte, focalizamos a discussão em uma dimensão

contemporânea, dos conflitos. Em primeiro lugar ocupamo-nos com o tema da identidade na

baixa modernidade, contando principalmente com o auxílio de Hall e Oliveira, para discutir os

percursos que levam os movimentos de identidade a ganharem espaços cada vez maiores nessa

busca por justiça social e cidadania. Por fim, e mais importante para nossos objetivos imediatos,

desenvolvemos reflexão sobre o conjunto de temas que por hora agruparemos como

“diversidade”, mas que tratam, além da representatividade, do reconhecimento dos grupos.

O capítulo 2 da primeira parte, que recebe o nome de Transição, busca aproximar

o contexto teórico exposto e o nosso caso empírico. Para isso recorremos à uma discussão teórica

a respeito das ações afirmativas, ao mesmo tempo em que buscamos traçar um panorama atual

das universidades públicas brasileiras que instituíram políticas de ações afirmativas, e das

principais modalidades de ações afirmativas por elas adotadas. Esperamos revelar com isso a

ascendência que os casos da UERJ e UnB, reconhecidas como pioneiras na discussão, tiveram

sobre o processo de adoção de ações afirmativas de outras universidades.

Na segunda parte, procuramos realizar o segundo movimento intelectual proposto

por Bourdieu, ou seja, tratar da dimensão empírica das cotas no Brasil. Para tanto, nos dispomos

ao desafio de apreender as lógicas discursivas das principais idéias-força que promoveram o

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debate da adoção das cotas raciais na agenda de institucionalização dos direitos sociais,

particularizando nos episódios sobre vagas nas universidades públicas - na Universidade

Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, na Universidade de Brasília – UnB e na Universidade

Federal de Goiás – UFG, que ocorreram durante a primeira Década do Século XXI.

Tanto a UERJ que foi a primeira universidade pública1 a adotar o sistema de

cotas raciais no Brasil, quanto a UnB, pioneira entre as universidades federais, constituem casos,

por assim dizer, paradigmáticos, amplamente debatidos e já objetos de vários estudos realizados

sobre cotas étnicas para preenchimento de vagas no ensino superior público. Já a UFG, por ter

adotado muito recentemente as cotas raciais, ainda não foi objeto específico de estudos sobre o

assunto, propomo-nos realizar esse levantamento e verificar como as discussões ocorridas na

UnB e na UERJ influenciaram o modelo adotado na UFG, identificando semelhanças e

diferenças.

Após esboçar breve composição da conjuntura político-social envolvente da

implantação das ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras, o tratamento de três

dimensões empíricas do objeto orientará a reflexão:

A primeira dimensão analisa as polêmicas travadas nos âmbitos dos conselhos

universitários das três universidades, verificando convergências e disparidades entre suas

justificativas e as razões que se tornaram hegemônicas para que tais instituições deliberassem

sobre política de cotas.

A segunda dimensão empírica propõe a análise de discurso dos movimentos

sociais, tratados na análise como sujeitos ativamente responsáveis pela construção do campo de

polêmicas e definições a respeito das cotas.

A terceira dimensão, entendida como campo, no sentido de Bourdieu, fica

reservada para análise do noticiário e de artigos de opinião referentes às cotas raciais em alguns

grandes veículos de comunicação – para o caso UFG, os jornais O Popular e Diário da Manhã

são locus privilegiado deste debate.

1 Juntamente com a Universidade Estadual do Norte Fluminense, uma vez que as duas instituições são subordinadas ao Governo Fluminense que instituiu por Lei as cotas raciais em suas Universidades Públicas.

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Finalmente, a terceira parte da dissertação tem por objetivo fazer o último dos

movimentos intelectuais propostos por Bourdieu, qual seja, o retorno ao teórico, a

contextualização das observações empíricas nos quadros da teoria sociológica delineados no

primeiro capítulo.

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I. PRIMEIRA PARTE - IMERSÃO AO SOCIOLÓGICO

Capítulo 1 – Temas Clássicos

Para tratarmos de qualquer categoria analítica em particular, devemos, em

primeiro lugar, nos situar historicamente no campo do qual ela emerge, para se fazer prestar à

operacionalização de reflexões sociológicas, isto é, entender a categoria enquanto região de

conflito na qual os “profissionais” disputam a imposição legítima de sua visão (divisão) do

mundo sobre outras visões possíveis.

... freqüentemente, os investigadores tomam como objeto os problemas relativos a populações mais ou menos arbitrariamente delimitadas, obtidas por divisões sucessivas de uma categoria ela própria pré-construida, <<os velhos>>, <<os jovens>>, <<os imigrantes>>, etc.: como, por exemplo, << os jovens do subúrbio oeste de Villeurbanne>> (A primeira urgência, em todos estes casos, seria tomar para objecto o trabalho social de construção do objeto pré-construido: é aí que está o verdadeiro ponto de ruptura) (BOURDIEU, CHAMBEREDON e PASSERON, 2004, p. 27-28).

O campo temático pelo qual emerge a discussão sobre a adoção de ações

afirmativas (em especial a sua derivação mais radical, as cotas raciais) para acesso ao ensino

superior expressa a convergência de três conceitos que, na tradição da sociologia política, quase

sempre são utilizados como interdependentes. Estes conceitos estão nas discussões sobre as

condições sociais da democracia, fundamentos da cidadania e, por fim, a promoção da justiça

social. Os elementos e os postulados que dão corpo ao debate público sobre ações afirmativas

são, em grande parte, importados dos conteúdos que preenchem esses campos. Embora os

postulados próprios aos três campos apresentem-se na defesa das ações afirmativas no Brasil,

cabe ressaltar preliminarmente que, conforme o sentido teórico que se lhes confira, eles podem

guardar entre si divergências potenciais que os tornariam essencial e metodologicamente

inconciliáveis.

Na perspectiva aqui adotada, o debate sobre a adoção de cotas raciais para o

acesso ao ensino superior desenvolve-se no Brasil sem explicitar uma definição sobre o caráter

das ações afirmativas, conforme observa Moehlecke (2000). Entretanto, somos inclinados a crer

que as reflexões sobre o tema somente conseguiram alcançar alguns de seus objetivos básicos -

ampliação da discussão a várias esferas da sociedade e efetiva adoção de cotas por algumas

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universidades públicas - por haver predominado nos discursos e nas arenas decisórias a visão

característica de ao menos uma das três regiões mencionadas.

Antes de discorrermos sobre a criação e as reflexões que se estabelecem nesses

campos, consideramos oportuno identificar a gênese comum às “três regiões conceituais” e

especialmente aos movimentos sociais geradores dos principais termos que alimentam os

debates.

Os movimentos sociais, conforme indica Fraser, emaranham as demandas por

mudanças culturais àquelas demandas tradicionais por mudanças econômicas, tanto no interior

de suas instâncias como entre os próprios movimentos (Cf. FRASER, 2001, p. 248). E, de forma

crescente, essas reivindicações fundamentadas em identidades tendem a sobrepujar demandas de

base econômicas, uma vez que os prospectos ligados à redistribuição perdem espaço nos

discursos dos movimentos sociais (Cf. FRASER, 2001, p. 248). Esse é, para a autora, um aspecto

pouco desejável das demandas originadas pelos novos movimentos sociais.

Tostes (2004) ajuda a apreender como Fraser percebe a crescente importância da

dimensão cultural nas demandas dos movimentos sociais.

O que preocupa Fraser é a desconexão entre as duas dimensões dos conflitos sociais, a dimensão econômica e a cultural que estão normalmente associadas. O que ela percebe nas novas demandas dos movimentos sociais por reconhecimento de identidades culturais é precisamente a minimização e a não tematização das questões referentes às desigualdades econômicas, numa ordem social globalizada e marcada por injustiças econômicas. A separação entre as dimensões econômica e cultural é falsa na visão dela. O desafio então é descobrir como conceitualizar reconhecimento cultural e igualdade social de maneira que uma demanda não enfraqueça a outra. Significa também teorizar sobre os modos pelos quais as desvantagens econômicas e o desrespeito cultural estão entrelaçados e apoiados um no outro (TOSTES, 2004, p. 145).

Touraine apresenta uma abordagem semelhante ao indicar que os movimentos

sociais, como qualquer outra ação coletiva, são altamente influenciados por aspectos

característicos da modernidade. A dissociação entre o econômico e o cultural, seu afastamento

recíproco não é um fenômeno isolado, mas reflexo do processo de “desmodernização”. Este

processo pode ser entendido como uma crise na gestão da dualidade entre a liberdade interior dos

indivíduos e a produção racionalizada feita anteriormente pela idéia de sociedade nacional (Cf.

TOURAINE, 2004, p. 36).

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O Estado-nação que durante a modernidade sustentou a unidade do sujeito, ou de

sua identidade individual, está em declínio, num processo que abre espaços para o surgimento de

novas identidades. Com efeito, os próprios movimentos de minorias, como os ocorridos nos

EUA, contribuíram para mitigar a identidade nacional ao enfatizarem identidades culturais

baseadas em gênero, etnia, opções sexuais etc (Cf. CARVALHO, 2001, p. 226). O resultado

disso é que a “ ... assim chamada ‘crise de identidade’ é vista como parte de um processo mais

amplo de mudanças, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades

modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável

no mundo social” (HALL, 2005, p. 07).

Touraine oferece uma proposta para investigar o desenvolvimento da sociedade

moderna dividindo-a em três fases sucessivas: alta, média e baixa modernidade. Segundo o autor,

a modernidade traz, antes de tudo, uma mudança de status do indivíduo, que primeiro passa de

súdito a cidadão e depois de cidadão a trabalhador.

As “luzes” que se lançaram sobre a sociedade ocidental, em especial a Europa,

resultaram no “modelo clássico” de modernidade no qual a razão se sobrepõe aos impulsos, de

tal forma que o individual e o coletivo se correspondem perfeitamente.

Cada indivíduo, concebido como um ser racional, consciente de seus direitos e de seus deveres e senhor de si mesmo, deve estar submisso às leis que respeitam os seus interesses legítimos e a liberdade de sua vida privada, garantido ao mesmo tempo a solidez da sociedade, do corpo social, mantido sadio pelo funcionamento normal de seus órgãos. Nesse mundo moderno secularizado, a sociedade humana não é mais concebida à imagem da cidade de Deus; o interesse geral é a regra suprema, ele não poderá ser separado da realização livre de cada um de seus membros de seus interesses próprios. O direito, por um lado, e a educação, por outro lado, garantem a correspondência entre o indivíduo e a sociedade. Institucionalização e socialização são os dois mecanismos fundamentais que estabelecem entre a sociedade e os indivíduos um jogo de espelhos (TOURAINE, op. cit., p. 32).

Para o autor, o elemento que mantém a coerência e a coesão do modelo clássico

de modernidade é o elemento político, o Estado de direito. Uma vez que a racionalização e o

individualismo moral tendem a se repelir mutuamente, cabe ao Estado de direito o papel de

articular a unidade entre ambos. A coesão é mantida pela idéia de que o indivíduo só se torna

verdadeiramente humano participando da vida coletiva e contribuindo para o bom funcionamento

da sociedade. Touraine aponta ainda para uma transformação desse modelo que atinge seu ápice

com a democracia industrial e o Estado-providência. Neste ponto, os elementos a serem

combinados pelo modelo são o bem-estar pessoal e a economia de mercado, articulados graças à

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intervenção do Estado democrático sob a escusa do progresso e do desenvolvimento que

garantiram a integração tanto das exigências da economia quanto das demandas sociais (Cf.

TOURAINE, 2004, p. 33).

O deslocamento de um elemento da modernidade acaba por alterar o ponto de

equilíbrio desse modelo clássico. A baixa modernidade surge como resultado da autonomia

crescente das forças econômicas que, sem desvencilhar-se dos controles do Estado, permite ao

mercado uma organização da vida econômica cada vez mais independente de outros domínios da

vida social.

Embora existam alguns esforços isolados para devolver à política o seu antigo

posto, por acreditá-la capaz de impor seus princípios e leis à atividade econômica, os atores

sociais e econômicos ensejam por subordinar o poder político a seus próprios interesses. Nos

termos de Touraine, a “ ... política econômica substituiu o direito constitucional como princípio

central da vida pública ...” ( Ibid., p. 35).

Neste momento, que corresponde à primeira década do século XXI, podemos

extrapolar o conceito de baixa modernidade, entendido como a falta de reconhecimento das

pessoas, da sua individualidade e de seu direito de acesso universal, para a realidade das

sociedades periféricas. E é na idéia de globalização que nos sustentamos para o entendimento de

que se equivalem, perante o conceito de baixa modernidade, tanto as sociedades avançadas

quanto as sociedades periféricas.

A sociedade brasileira, como algumas outras sociedades periféricas da baixa

modernidade, experimenta o processo de desmodernização, ou uma dissociação entre a

instrumentalidade racionalista de uma economia mundializada (des-socializada), livre das

amarras do Estado e de todas as outras dimensões da vida social e das identidades culturais –

individuais e coletivas. Podemos refletir sobre o afrouxamento dos vínculos propiciados pela

cultura nacional (vínculos esses peculiares à modernidade e que integravam a instrumentalidade

e identidade) como sendo uma radicalização no processo de modernização da sociedade. Esse

esquema teórico nos ajuda a fixar a conceituação de “baixa modernidade”, apresentada aqui, com

base nas afirmações de Touraine, como característica inerente aos dias atuais.

A identidade que se desprende de seu vínculo inicial (moderno) com o Estado-

nação se torna móvel, continuamente transformada em relação às formas como somos

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representados ou interpelados pelos sistemas culturais que nos rodeiam. As identidades são, desta

forma, definidas historicamente.

O sujeito assume identidades que não são unificadas ao redor de um 'eu' coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora 'narrativa do eu' (HALL, 1990). A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente (HALL, 2005, p. 61- 62)

Como o ideal de Estado-nação se torna insuficiente para a tarefa, o apelo ao

sujeito seria, conforme Touraine, a resposta para a dissociação da economia e da cultura.

Também seria a fonte possível dos movimentos sociais que se opõem tanto aos senhores da

mudança econômica quanto aos ditadores comunitários. Nesse ínterim, é a construção pessoal de

cada indivíduo enquanto sujeito que assume o lugar de uma ordem institucional e do movimento

do progresso para assegurar a unidade da vida social.

Na busca por acesso ao mundo da palavra os indivíduos multidimensionais se

equivalem ao pretender uma unidade em seu projeto de vida. Touraine dá elementos para

distinguir entre o “mundo da palavra” – da participação e, o “mundo do sangue” – da exclusão.

As cotas surgem nas reflexões dos movimentos sociais, como elementos essenciais da

democracia, da cidadania e da justiça social nessa busca dos atores pelo acesso a esse mundo da

palavra e é, principalmente, pela interferência dos movimentos sociais que essas problemáticas

nos são apresentadas.

Contudo, a noção de movimentos sociais, assim entendida, não pode ser estendida

a qualquer tipo de ação coletiva, conflito ou iniciativa política. No argumento de Tourraine a

idéia de movimento social refere-se a uma ação coletiva que coloca em causa um modo de

dominação social generalizada (TOURAINE, 2006, p. 18-19). Movimento social é a combinação

de um conflito com um adversário social organizado, que possui uma referência cultural com o

movimento, uma vez que se não houvesse a referência comum, não haveria o conflito, pois os

atores conflitantes poderiam se situar em campos de batalha ou em domínios de discussão

separados, inviabilizando tanto o enfrentamento quanto o compromisso ou a resolução do

conflito (ibid., p. 19).

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Trata-se de estudar os movimentos que colocam em questão condições particulares, isto é, em domínios socialmente definidos, uma dominação que, em sua natureza e em suas aplicações, tem um impacto geral. Essa afirmação conduz diretamente a uma segunda, a saber, que só há movimento social se a ação coletiva – também ela com um impacto maior do que a defesa de interesses particulares em um setor específico da vida social – se opuser a tal dominação (TOURAINE, 2006, loc. cit.).

Essa afirmativa implica, para Touraine, em um questionamento sobre a

possibilidade (necessidade) de falarmos em movimentos sociais hoje. A resposta é que sim, é

possível falar em movimentos sociais porque ainda se trata essencialmente de conquistar ou

reconquistar espaço social (TOURAINE, 2006, p. 24).

A utilização do conceito proposto neste trabalho visa reconhecer os movimentos

sociais como produtores de conhecimento em busca de um lugar de enunciação; entender que os

movimentos sociais também fazem parte do conflito na busca de legitimar sua visão de mundo.

A conquista deste “lugar de fala” enseja o reconhecimento dos movimentos sociais enquanto

grupo e enquanto sujeito perante a sociedade. Para Alexander, os movimentos sociais não podem

ser entendidos como respostas a problemas existentes mas como possibilidade de construir

“problemas” convincentes e de transmitir essa realidade ao conjunto da sociedade

(ALEXANDER, 1998, p. 14). Desta feita, para um grupo ou movimento social ter o seu lugar de

produção de discurso implica no conhecimento e no reconhecimento do grupo enquanto sujeito,

porquanto o “mundo social é também representação e vontade, e existir socialmente é também

ser percebido como distinto” (BOURDIEU, 1998, p. 118). De forma duplamente condicionada,

temos que “... as representações que os agentes sociais têm das divisões da realidade, contribuem

efetivamente para a realidade das divisões” (Ibid., 1998, p. 118).

Retornando a Touraine, temos a possibilidade de ir ainda mais fundo nesse

problema. Apesar de o autor fazer uma referência explícita ao movimento feminista, parece-nos

lícito e dotado de consistência lógica, face aos entendimentos das ações identitárias na “alta

modernidade”, transpor esse entendimento para o caso do movimento negro em sua busca por

ações afirmativas. Tratamos especificamente do problema referente às lutas sociais nas quais os

atores se interpelam em busca de um lugar de enunciação, ou dito de outra forma, a luta pelo

direito de participação do mundo da fala, pelo direito de ser reconhecido enquanto sujeito.

Não se trata de uma reivindicação particular, da ação de uma minoria, e as feministas como Gisele Halimi têm razão de rejeitar, com raiva, a definição das mulheres como minoria. Porque a identificação da cultura ou da modernidade com um ator social particular – a nação, civilização, classe, gênero, grupo de idade, profissão, nível de

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educação – identificação que encerra os outros atores num status de inferioridade e de dependência (TOURAINE, 2004, p. 45).

Para o autor, a história de todas as sociedades modernas é centrada em conflitos

fundamentais, que opõem a acumulação dos meios de transformação da vida social, política ou

cultural à defesa da liberdade dos cidadãos que não querem se tornar recursos nas mãos dos

senhores do jogo (Cf. TOURAINE, 2004, p. 65). Pensarmos o princípio do século XXI como o

período de baixa modernidade enseja, para o autor, a pergunta sobre tal conflito. Sua resposta

encaminha o entendimento de que na realidade esse conflito ainda existe:

... é o conflito central de nossa sociedade que leva um sujeito em luta, de um lado, contra o triunfo do mercado e das técnicas e, por outro lado, contra os poderes comunitários autoritários. Acho que este conflito cultural é tão central hoje como foi o conflito econômico da sociedade industrial e o conflito político que dominou os primeiros séculos de nossa modernidade (Ibid., p. 112).

Os novos movimentos sociais, prossegue Touraine, problematizam

preferencialmente sobre o conflito cultural. Essa caracterização dos novos movimentos sociais

guarda afinidade com a proposta de Tostes (2004) para a qual os novos movimentos sociais são

entendidos como “... os movimentos que passam a se desenvolver em torno de novas temáticas e

questões políticas não classistas ou não se referem à relação capital-trabalho e sim com

características diversas como: paz, direito das mulheres, direitos humanos, ecologia etc.”

(TOSTES, 2004, p. 39). Os conteúdos dos discursos sociais e políticos na era pós-socialista, para

utilizar a expressão de Fraser, que também desenvolve argumento no mesmo sentido,

distanciam-se, cada vez mais, das temáticas econômicas aumentando a relevância das temáticas

ligadas ao sujeito.

O esquema de Touraine auxilia na apreensão da natureza do conflito fundamental

à questão aqui tomada por objeto - política de cotas e ação afirmativa - pois aponta nitidamente

dois processos de deslocamento dos conflitos. Em um primeiro momento, há o deslocamento

desse conflito da esfera política para a econômica e, em um segundo momento, há um novo

deslocamento, desta vez da esfera econômica para a cultural. E é principalmente na esfera

cultural que se concentram as demandas promovidas pelos novos movimentos sociais.

O caso do movimento negro não é diferente. Também ele serve de referência

empírica dessa nova construção analítica que é particular aos novos movimentos sociais. É nessa

perspectiva que estaremos tratando das ações afirmativas. Oportunamente, e ainda sustentados

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nas afirmações de Touraine, ponderamos que não seria razoável considerar que a emergência dos

“novos movimentos sociais” implica o desaparecimento dos movimentos sociais que se

identificam com o modelo clássico (revolucionário). Antes disso, pensamos que as

reivindicações postas pelos novos movimentos sociais em busca de participação mais efetiva no

capital cultural da sociedade ofuscam parcialmente as reivindicações por mais participação no

capital econômico, tornando-se, desta forma, tema central do conflito social.

1.1. Da Justiça Social

Fraser apresenta alguns elementos conectados em um continum histórico com

uma teoria da justiça social de base Roussoniana e Rawlsliana (esta última responsável pelo

desenvolvimento de alguns conceitos-chave transpostos para os debates sobre as ações

afirmativas, tais como: justiça substantiva2, igualdade de oportunidades e princípio da diferença),

partindo de um diagnóstico do estágio das lutas sociais nas sociedades centrais, especialmente a

partir da segunda metade do século XX, Fraser (2001) denomina esse período de “era pós-

socialista” e o caracteriza especialmente pelo surgimento de uma série de grupos e de

movimentos sociais que demandam o reconhecimento de suas particularidades culturais, étnicas,

raciais e de gênero, ou seja, o reconhecimento de seus atores como sujeitos.

Ao direcionar seu foco de análise para os novos movimentos sociais e suas lutas

pela superação das injustiças simbólicas, reconhecendo que a separação – entre injustiças

econômicas e injustiças simbólicas - só é possível no plano analítico, a autora explana sobre as

características inerentes às injustiças simbólicas:

Aqui a injustiça está arraigada a padrões sociais de representação, interpretação e comunicação. Exemplos incluem dominação cultural (sendo sujeitados a padrões de interpretação e de comunicação associada a outra cultura estranha e/ou hostil); não

2 Na justiça substantiva, também chamada em alguns momentos de “justiça como equidade”, as expectativas daqueles em melhor situação “... são justas se, e somente se, funcionam como parte de um esquema que melhora as expectativas dos membros menos favorecidos da sociedade. A idéia intuitiva é de que a ordem social não deve estabelecer e assegurar as perspectivas mais atraentes dos que estão em melhores condições, a não ser que fazendo isso, traga também vantagens aos menos afortunados” (RAWLS, 2002, p. 79; 80)

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reconhecimento (ser considerado invisível pelas práticas representacionais, interpretativas e comunicativas de uma cultura); e desrespeito (ser difamado habitualmente em representações públicas estereotipadas culturais e/ou interações quotidianas) (FRASER, 2001, p. 250).

Fraser, ao conduzir reflexões sobre as injustiças de origem simbólica, qualifica as

cotas raciais como “remédios” afirmativos que podem ser usados, nos conflitos sociais desta

natureza, com o objetivo de superar essas injustiças. Em que termos a autora concebe essas

propostas e, antes disso, à análise de quais conflitos elas se mostram compatíveis?

Buscando as raízes da discussão, podemos indicar, que as lutas pelo

reconhecimento das identidades grupais toma, em grande medida, o lugar das lutas contra as

desigualdades socioeconômicas na era pós-socialista. O efeito imediato desse deslocamento do

conflito é o surgimento do “dilema do reconhecimento versus redistribuição”. Vale lembrar que a

operação matemática advinda do despertar de novos temas nos discursos dos movimentos

sociais, bem como o aparecimento de formas novas de mobilização social, é antes uma soma que

uma divisão (ou subtração). E é justamente por coexistirem enquanto demandas dos movimentos

sociais que as lutas contra as injustiças simbólicas e as lutas contra as injustiças econômicas

implicam no dilema reconhecimento versus redistribuição.

TOSTES (2004) alerta para a crítica feita por Honneth a Fraser, afirmando que o

primeiro:

... não concorda com a separação feita por ela [Fraser] entre demandas por reconhecimento e demandas por redistribuição para que se possa entender a conexão entre cultura e economia no capitalismo. Essa dicotomia entre as lutas suprime ou negligencia as lutas por reconhecimento presentes em todos os conflitos por igualdade legal. Para que possamos entender a especificidade do capitalismo contemporâneo, bem como a inter-relação entre as injustiças culturais e as econômicas, é fundamental uma análise da gramática moral que está por trás de todos os conflitos sociais (TOSTES, 2004, p. 159).

No entanto, a crítica promovida por Honneth e encampada por Tostes

desconsidera a força do argumento de Fraser, especialmente pela forma categórica com que a

autora expressa que, a dualidade em sua concepção de justiça tem caráter meramente analítico,

sendo impossível separar no caso concreto as injustiças simbólicas das injustiças econômicas.

Conforme pontuado por Neves:

Na prática, as estruturas da economia política e os significados da representação cultural são inseparáveis: até as instituições econômicas mais relevantes têm uma dimensão cultural irredutível, constitutiva; elas estão repletas de normas e significados. Por outro lado, mesmo as práticas culturais mais discursivas têm uma dimensão política

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econômica irredutível, constitutiva; elas são escoradas por suportes materiais’. Fraser propõe, então, que os aspectos emancipatórios envolvidos nas duas problemáticas sejam integrados em um esquema abrangente singular. Em termos teóricos, a tarefa é delinear um conceito bidimensional de justiça que possa acomodar reivindicações por igualdade social e reivindicações por reconhecimento das diferenças. Em termos práticos, a tarefa é delinear uma orientação política programática que possa integrar o melhor das políticas de redistribuição com o melhor das políticas por reconhecimento (NEVES, 2005, p. 41).

Mais elaborada se torna a argumentação de OLIVEIRA (2006), que reconhece

nos escritos de Fraser uma preocupação em não ignorar o núcleo cultural e simbólico das lutas

por redistribuição, mas a censura por considerar que ela não percebe “… com toda desejável

conseqüência, que é apenas pela ação de consensos culturais opacos e intransparentes que é

possível a existência e legitimidade do acesso desigual a bens e serviços …” (OLIVEIRA, 2006,

p. 75-76). E o autor continua seu raciocínio, afirmando:

Reconhecimento para ela [Fraser] é apenas reconhecimento da diferença no sentido do princípio da autenticidade. Ela não contempla a hipótese de que a desigualdade entre classes também esteja baseada em princípios que adquirem eficácia a partir de regras opacas e aparentemente impessoais que de forma subpolítica e subliminar, condenam classes sociais inteiras ao não reconhecimento social e a baixa auto-estima e, a partir disso, a legitimação de um acesso diferencial a bens e serviços escassos (OLIVEIRA, 2006, p 75- 76).

Para OLIVEIRA (2006) Fraser incorre no mesmo erro de Taylor que antes dela já

tratava o reconhecimento por dignidade de forma “rasa”, o que torna o argumento da autora, em

que ela expressa a não ignorância do elemento cultural das desigualdades econômicas, “inócuo”.

A articulação que daria conta de discutir a relação entre o elemento cultural e as desigualdades

econômicas, segundo Oliveira, baseia-se na teoria do habitus. O habitus é o elemento

automático, pré-reflexivo e impessoal próprio de nossa época, que confere a impressão de

naturalidade a uma situação de injustiça. “É o habitus que produz a “mágica social” que faz com

que pessoas se tornem instituições feitas de carne” (OLIVEIRA, 2006, p. 44).

Entretanto, é possível verificar que em estudos mais recente Fraser consegue

resolver de forma satisfatória o problema da falsa antítese “reconhecimento versus

redistribuição”, ao recorre a uma distinção comum na filosofia moral entre as questões de justiça

e as questões da boa vida.

Interpretando as primeiras [as questões de justiça] como um problema do que é “correto” e as segundas como um problema do que é o “bem”, a maioria dos filósofos alinha a justiça distributiva com a Moralität (moralidade) kantiana e o reconhecimento com a Sittlichkeit (ética) hegeliana. Esse contraste é em parte questão de perspectiva. Normas de justiça são pensadas como universalmente vinculatórias; elas sustentam-se

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independentemente do compromisso dos atores com valores específicos. Reivindicações por reconhecimento da diferença ao contrário, são mais restritas. Por envolverem avaliações qualitativas acerca do valor relativo de práticas culturais, características e identidades variadas, elas dependem de horizontes de valor historicamente específicos que não podem ser universalizados (FRASER, 2007, p. 103-104)

Com essa diferenciação em mente a autora se esforça em construir uma política

do reconhecimento que não seja prematuramente ligada à ética, de tal forma que as

reivindicações por reconhecimento sejam tratadas como “... reivindicações por justiça dentro de

uma noção ampla de justiça” (FRASER, 2007, p. 106), que discutiremos adiante.

Para melhor clarificar a construção de nosso raciocínio, voltemos à separação

analítica entre injustiças culturais e injustiças econômicas, que nos permite compreender de

forma apropriada, o dilema reconhecimento versus redistribuição.

Enquanto as injustiças socioeconômicas estão enraizadas nas estruturas políticas e

produtivas de uma sociedade, as injustiças culturais (ou simbólicas) estão enraizadas em padrões

sociais de representação, interpretação e comunicação. Apropriando-nos dessa diferenciação é

possível identificar os nexos causais que culminaram nas atuais propostas de ações afirmativas e

identificá-las dentro de uma teoria da justiça.

Temos então dois “tipos-ideais” de injustiças, cada qual com seu peso e seu

espaço de ascendência nas coletividades, de tal forma que sua repercussão nunca é homogênea.

O fardo pesa mais por um lado ou por outro3.

Os remédios para solucionar tanto os conflitos referentes à esfera econômica

(injustiça econômica), quanto os conflitos referentes à esfera simbólica (injustiça cultural) são

objeto de debate público há bastante tempo e perpassam duas alternativas:

O remédio para a injustiça econômica é a reestruturação político-econômica de algum tipo. Isso poderia envolver redistribuição de renda, reorganização da divisão do trabalho, sujeitar investimentos à tomada de decisão democrática ou transformar outras estruturas econômicas básicas. Embora esses vários remédios se diferenciem de forma marcante, devo referir-me a esse grupo pelo termo genérico ‘redistribuição’.

3 Nos termos de Fraser, a raiz da injustiça socioeconômica está na economia política e um bom exemplo disso são as classes sociais que existem como coletividade apenas em função de sua posição na estrutura e em sua relação com as outras classes. A injustiça neste arranjo é explicitamente um caso de redistribuição. Na vertente diametralmente oposta temos o caso dos homossexuais que sofrem com o heterossexismo e que, ao terem sua sexualidade menosprezada, estão sujeitos à discriminação, humilhação e violência. Trata-se, portanto, de uma coletividade cuja injustiça é claramente uma questão de reconhecimento. Há ainda uma terceira possibilidade, formadas pelas coletividades “bivalentes”, que guardam as duas características como, por exemplo, as coletividades formadas com base em gênero e raça, e ques serão tratados mais adiante (FRASER, 2001, passim)

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O remédio para a injustiça cultural, em contraste, é algum tipo de mudança cultural ou simbólica. Isso poderia envolver reavaliação positiva de identidades desrespeitadas e dos produtos culturais de grupos marginalizados. Poderia também envolver reconhecimento e valorização positiva da diversidade cultural. Ainda mais radicalmente, poderia envolver transformação geral dos padrões societais de representação, interpretação e comunicação, a fim de alterar todas as percepções de individualidade. Embora esses remédios sejam diferentes entre si, devo referir-me, daqui para frente, a todo esse grupo pelo termo genérico ‘reconhecimento’ (Op. cit, 2001, p. 252.)

Pensando “raça” nos termos propostos, Fraser diz ser prudente definí-la como

uma coletividade bivalente, ou seja, uma coletividade que está fortemente sujeita às injustiças de

caráter socioeconômico e às injustiças de cunho cultural. As cotas raciais para acesso ao ensino

superior são apresentadas enquanto possibilidade de conciliação tanto das demandas por

reconhecimento quanto das demandas por redistribuição, advindas do movimento negro. A

pergunta que segue deveria ser sobre a capacidade das cotas raciais de exercício desse duplo

papel, genitor do dilema do reconhecimento versus redistribuição. Tal dilema emerge à medida

que surge a necessidade de combater as injustiças em duas frentes, utilizando dois remédios que

parecem apontar em direções opostas e produzem efeitos contraditórios entre si.

Em última instância, o remédio da redistribuição presume uma ruptura das

barreiras artificialmente instituídas e, no caso de “raça”, assemelha-se à classe por que a divisão

atual do trabalho assalariado é parte do legado histórico do colonialismo e escravidão que

empurra o negro para uma condição de inferioridade política e econômica. Assim observadas, as

injustiças raciais clamam por remédios “redistributivos”.

O reverso das injustiças econômicas são as injustiças culturais (simbólicas),

condensadas nas representações de estereótipos humilhantes na mídia ou mesmo a sujeição às

normas eurocêntricas de conduta que vêem as pessoas não brancas como desviantes ou

inferiores. Tais representações contribuem fortemente para estigmatizar o grupo criando uma

imagem negativa sobre eles. Observadas sob essa ótica, as injustiças raciais necessitam, para

minimizar seus efeitos, de remédios de “reconhecimento”, ou seja, os negros necessitam de uma

outorga, do reconhecimento positivo de suas especificidades historicamente desvalorizadas

enquanto grupo.

Reivindicações de reconhecimento frequentemente adotam a forma de chamar a atenção para, se não performaticamente criar, a especificidade putativa de algum grupo e depois de afirmar seus valores. Assim, tendem a promover diferenciação entre grupos. Demandas redistributivas reivindicam, em contraste, a abolição de arranjos econômicos que causam especificidades de grupos. [...] Tendem, assim, a promover a homogeneização entre grupos (FRASER, 2001, p. 253-254).

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Quando tratamos somente o “paradigma da afirmação”, o dilema redistribuição-

reconhecimento toma ares de paradoxo, tornando os dois remédios aparentemente inconciliáveis.

O resultado é uma infecundidade que assola a maior parte das discussões sobre o tema. Não há

alternativas para a resolução desse confronto se nos mantivermos presos conceitualmente ao

“paradigma da afirmação”, ou seja, a tentativa de conciliação entre os remédios torna-se tão

infrutífera quanto o trabalho de Sísifo, pois os avanços obtidos por um lado transmutam-se em

retrocessos pelo outro.

Duas abordagens amplas para tratar dos remédios para as injustiças tanto

simbólicas quanto econômicas são sugeridas por Fraser: “afirmação” e “transformação”.

Tratamos essas abordagens como paradigmas, conforme previamente indicado, por estes termos

permitirem lidar com a conjunção de significados proposta à discussão.

Cabe agora uma breve distinção conceitual sobre os paradigmas. Os remédios

afirmativos são os que têm por objetivo combater os “sintomas”; seus objetivos visam combater

as distorções que mantêm intocadas as estruturas geradoras das injustiças sociais. Por outro lado,

os remédios transformativos são aqueles que se orientam para a correção dos resultados

indesejáveis nos arranjos sociais justamente por interferirem e modificarem as estruturas que os

produzem (causas).

Aplicando-se essa distinção a cada um, temos que os remédios afirmativos para as

injustiças culturais são associados ao multiculturalismo, que propõe “... reparar o desrespeito por

meio da reavaliação das identidades injustamente desvalorizadas de grupos, enquanto deixa

intacto tanto o conteúdo dessas identidades quanto as diferenciações de grupos que as embasam”

(FRASER, 2001, p. 266).

No outro pólo, temos os remédios transformativos para as injustiças culturais que

são associados à desconstrução. A desestabilização das identidades e diferenciação de grupos

existentes além de elevar a auto-estima dos mesmos mudaria a percepção sobre os valores da

individualidade. “Os remédios de reconhecimento afirmativos tendem a promover diferenciações

entre os grupos existentes. Já os remédios de reconhecimento transformativos tendem, no longo

prazo, a desestabilizar as diferenciações para permiti reagrupamentos futuros” (Ibid., p. 268).

Fraser registra que a utilização de remédios afirmativos para as injustiças

econômicas tem sido ligada historicamente ao Estado de Bem-Estar, que busca corrigir a má

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distribuição dos recursos feita pelo próprio Estado. A idéia é aumentar a parcela de consumo dos

grupos econômicos menos favorecidos sem modificar o sistema de produção. Entretanto, o

Estado não tem mais a capacidade de subordinar a economia de mercado mundializada, pois na

baixa modernidade a dimensão econômica se desvencilha das outras dimensões da vida social.

Historicamente associados ao socialismo, prossegue a autora, os remédios

transformativos têm como característica rever toda a estrutura que ocasionou as distribuições

injustas, promovendo transformações estruturais político-econômicas.

Assim, as duas perspectivas geram diferentes lógicas de diferenciação entre grupos. Onde os remédios afirmativos podem ter um efeito perverso na promoção de diferenciação entre classes, remédios transformativos tendem a diminuir essa diferenciação. Além disso, as duas abordagens geram diferentes dinâmicas subliminais de reconhecimento. Redistribuição afirmativa pode estigmatizar a desvantagem, somando o insulto da falta de reconhecimento à injuria da privação. Redistribuição transformativa, em contraste, pode promover solidariedade e ajudar a rever algumas formas de não reconhecimento (FRASER, 2001, p. 271).

Conforme adiantamos, a estratégia de Fraser para tratar da questão do dilema

reconhecimento versus redistribuição é construir uma política do reconhecimento que não se

vincule a priori com a ética. Sua tática consiste em tratar reivindicações por reconhecimento

como reivindicações por justiça e se sustenta principalmente no rompimento do modelo padrão

de reconhecimento, o da identidade. No modelo de reconhecimento da identidade, uma política

de reconhecimento implica necessariamente em uma política de identidade.

O modelo de identidade é profundamente problemático. Entendendo o não reconhecimento como um dano a identidade, ele enfatiza a estrutura psíquica em detrimento das instituições sociais e da interação social. [...] Enfatizando a elaboração e manifestação de uma identidade coletiva autêntica, auto-afirmativa e auto-poiética, ele submete membros individuais a uma pressão moral a fim de se conformarem à cultura do grupo. Muitas vezes o resultado é a imposição de uma identidade de grupo singular e drasticamente simplificada que nega as complexidades da vida dos indivíduos, a multiplicidade de suas identificações e as intersecções de suas várias afiliações. Além disso, o modelo reifica a cultura. Ignorando as interações transculturais, ele trata as culturas como profundamente definidas, separadas e não interativas, como se fosse óbvio onde uma termina e outra começa. Como resultado, ele tende a promover o separatismo e a enclausurar os grupos ao invés de promover a interação entre eles. Ademais ao negar a heterogeneidade interna, o modelo de identidade obscurece disputas, dentro dos grupos sociais, por autoridade para representá-los, assim como por poder. Consequentemente, isso encobre o poder das facções dominantes e reforça a dominação interna. Então o modelo de identidade aproxima-se muito facilmente de forma repressivas de comunitarismo (FRASER, 2007, p. 106-107).

Como alternativa ao reconhecimento da identidade, Fraser (2007) sugere a

utilização do modelo de status no qual o não-reconhecimento significa subordinação social no

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sentido de ser privado do direito de participar como igual na vida social. “No modelo de status,

então, o não reconhecimento aparece quando as instituições estruturam a interação de acordo

com normas culturais que impedem a paridade de participação” (Ibdem, p. 108). O falso

reconhecimento não deve ser combatido por impedir o pleno desenvolvimento humano, como

defendem Taylor e Honneth, mas deve ser combatido porque nega aos indivíduos as condições

de parceiros integrais na interação social e depreciam suas características distintivas ou, as

características distintivas que lhe são atribuídas (Cf. FRASER, 2007, p. 112).

A idéia de parceria integral na interação social está intimamente relacionada com

o conceito, já clássico nas ciências sociais, de cidadania. Assim, retomando a questão das cotas

raciais, percebemos que as demandas por ações afirmativas, no Brasil, são direcionadas ao

Estado pois, conforme Vieira, podemos considerar que existe um consenso informal, defendido

pelos atores envolvidos no debate sobre a adoção das ações afirmativas, que imputam ao Estado

a responsabilidade de principal criador e regulador das ações afirmativas (Cf. VIEIRA, 2003, p.

93). A autora é peremptória ao afirmar que: “Nesse sentido, a busca por um modelo de ação

afirmativa made in Brazil deve passar necessariamente pela compreensão da dinâmica das

políticas sociais, pois, sendo orientadas pelo Estado, assim o são” (VIEIRA, 2003, p. 93).

As características dessas demandas por ações afirmativas

direcionadas ao Estado e as respostas a essas demandas que emanam do Estado brasileiro em

direção à sociedade são uma característica peculiar do Brasil a qual Carvalho denomina

“Estadania”, sugerindo uma variante do conceito da cidadania.

1.2. Da Cidadania

A noção de cidadania se desenvolve a partir do século XVIII, na Inglaterra, como

resposta aos regimes absolutistas. Como conceito, a tradução do processo de aquisição de

cidadania assume três dimensões ou elementos que se emolduram em épocas distintas, conforme

aponta Marshall. A primeira dimensão é a da cidadania civil, ou legal, que trata dos direitos

individuais. Esta dimensão se desenvolve, no primeiro momento, durante o século XVIII, como

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contraponto aos regimes absolutistas, caracterizada principalmente pelo reconhecimento da

liberdade individual, ao direito de ir e vir, à propriedade e à justiça. Em um momento posterior,

já no século XIX, verificamos o desenvolvimento de uma segunda dimensão, a cidadania política

que trata dos direitos referentes à participação no exercício do poder político, com a extensão do

direito ao sufrágio. Suas instituições por excelência são o parlamento e os conselhos do governo

local. A terceira dimensão é a cidadania social. Ela se desenvolve principalmente durante o

século XX. Abrange os direitos sociais e inclui a execução de direitos a um mínimo de bem estar

econômico e o direito de participar na herança social, sendo o sistema educacional e os serviços

sociais as principais instituições a ela relacionadas (Cf. MARSHALL, 1967, p. 63-64).

Marshall elabora essa diferenciação como meio de caracterizar o processo de

modernização da economia e da sociedade na Inglaterra, que ocorre através das formas

capitalistas de produção. Nos tempos antigos os direitos se confundiam, por que as instituições

estavam amalgamadas. Consequentemente, a independência das instituições, às quais os direitos

das classes trabalhadoras estavam ligados, tornou possível que seus diferentes segmentos

percorressem caminhos próprios em direção aos princípios peculiares que orientavam seu

usufruto e por isso não é um absurdo atribuir um período de formação de cada um deles a um

século diferente (idem, p. 64-66).

Ao resgatar Bobbio para explicitar a incorporação de novos elementos ao status

inicial da cidadania e apontar as transformações na relação entre indivíduos (cidadãos) e Estado,

Domingues nos permite visualizar os desdobramentos dos direitos como uma seqüência lógica de

conquistas derivadas das lutas dos parlamentos contra os soberanos absolutos.

É importante perceber que os direitos não nascem todos de uma vez, e sim paulatinamente e historicamente: os direitos civis surgem das lutas dos parlamentos contra os soberanos absolutos, os direitos políticos e sociais dos movimentos populares (BOBBIO, 1990, p 3-6). Nesse processo histórico de desenvolvimento dos direitos uma etapa é decisiva:

No Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto os indivíduos possuem, em relação ao soberano, apenas direitos privados. No Estado de direito, o indivíduo tem, em face ao Estado, não só os direitos privados, mas também os direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos (idem, p. 61) (DOMINGUES, 2000, p. 216)

O período de formação dos direitos civis é caracterizado pela adição de novos

direitos ao status já gozado por todos os homens adultos. A liberdade passou a ser, nas cidades,

um sinônimo para cidadania. Já os direitos políticos se iniciam em um momento no qual já

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poderíamos falar em status geral da cidadania, mas eles surgem não como um acréscimo aos

direitos que os cidadãos desfrutavam, mas como a extensão dos velhos direitos a outros setores

da sociedade (MARSHALL, 1967, p. 68-69).

Os direitos políticos constituíam no século XIX um monopólio de uma classe

econômica, mas tratava-se de um monopólio aberto, uma vez que não era vedado a qualquer

cidadão, devido a seu status pessoal, o direito ao voto. A condição que dá peculiaridade histórica

a esse processo mostrava que os direitos civis asseguravam ao cidadão que, caso ele conseguisse

auferir certos feitos econômicos, ele poderia gozar dos direitos políticos associados a esses feitos.

Foi, como veremos, próprio da sociedade capitalista do século XIX tratar os direitos políticos como um produto secundários dos direitos civis. Foi igualmente próprio do século XX abandonar essa posição e associar os direitos políticos direta e independentemente à cidadania como tal. Essa mudança vital de princípio entrou em vigor quando a Lei de 1918, pela adoção do sufrágio universal, transferiu a base dos direitos políticos do substrato econômico para o status pessoal (MARSHALL, 1967, p. 70).

Os direitos sociais passaram primeiro por um processo de desvinculação com o

status de cidadania, muito devido ao conflito característico do século XVIII entre a velha ordem

(da sociedade estamental) e a nova ordem (da economia competitiva). Nesse contexto, os direitos

sociais se aliaram à velha ordem, enquanto os direitos civis se aliaram à nova ordem,

promovendo uma cisão da cidadania com ela própria.

Os direitos sociais passaram a ser percebidos como uma opção ao status de

cidadão. Marshall anota que na Inglaterra oferecia-se assistência exclusivamente àqueles que “...

devido a idade e à doença, eram incapazes de continuar a luta e àqueles outros fracos que

desistiam da luta, admitiam a derrota e clamavam por misericórdia” ( MARSHALL, op. cit., p.

72).

A proteção social era um direito negado ao homem, sob alegação de que a

proteção social abalava o direito civil a um contrato de trabalho livre. Logo, os defensores dos

direitos das mulheres perceberam o insulto tácito que a proteção social representava. Isso ensejou

o quase desaparecimento dos direitos sociais no final do século XVIII e início do século XIX.

Somente no século XX é que os direitos sociais se equiparam aos outros dois elementos da

cidadania (idem, 73-75).

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Dessa forma, Marshall apresenta a construção histórica da cidadania dotada de

uma seqüência cronológica e lógica, na qual os direitos sociais são o último estágio do

desenvolvimento que se dá na forma de uma pirâmide. Carvalho, comentando Marshall,

demonstra:

Foi com base no exercício dos direitos civis, nas liberdades civis, que os ingleses reivindicaram o direito a votar, de participar do governo de seu país. A participação permitiu a eleição de operários e a criação do Partido Trabalhista, que foram os responsáveis pela introdução dos direitos sociais (CARVALHO, 2003, p. 11).

Vale aqui registrar que Marshall encontra na Inglaterra um campo de observação

empírica dos conflitos sociais e da construção institucional dos direitos que marcam o

desenvolvimento clássico do capitalismo. Em suas próprias ressalvas, nesse objeto ele reflete

mais uma condição histórica vivenciada pela sociedade inglesa do momento de formação e

desenvolvimento da cidadania, do que uma trilha obrigatória para outras configurações sociais

seguidas pelas sociedades de mercado. O início do processo brasileiro de desenvolvimento da

cidadania, ao contrário do inglês, não ocorreu no período da alta modernidade. No caso brasileiro

a cidadania se desenvolveu muito recentemente e de modo descontínuo, já durante um período

em que vivenciávamos os efeitos da baixa modernidade e foi fortemente influenciada por isso.

Carvalho aponta que no Brasil duas diferenças merecem ser pontuadas frente ao

processo clássico inglês. Em primeiro lugar, a maior ênfase que recaí em um dos direitos, o

social. A segunda refere-se à seqüência de formação dos direitos que implica, necessariamente,

na alteração da natureza da cidadania (CARVALHO, 2003, passim).

Para o autor, a seqüência seguida pela Inglaterra e expressa por Marshall reforçou

a convicção democrática daquele país (Ibid., p.220). Por outro lado, no caso do Brasil, a pirâmide

de desenvolvimento da cidadania ficou de ponta cabeça sendo razoável supor que a alteração da

ordem de desenvolvimento das dimensões da cidadania (direitos), no Brasil, também implica um

resultado final diverso daquele alcançado pelo modelo inglês (Cf. CARVALHO, 2003, p. 221).

A primeira dimensão da cidadania a se desenvolver, no Brasil pós-30 foi a do

direito social. Tal direito passou a ser a base da pirâmide, em uma época em que o Brasil vivia a

supressão dos direitos políticos e uma redução dos direitos civis. A segunda dimensão da

cidadania a se desenvolver foi a do direito político, marcada pelo fato que o período de maior

expansão do direito de voto coincidir com o período em que os órgãos de representação política

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foram transformados em peça decorativa do regime. E, por fim, os direitos civis que, ainda hoje,

em alguns aspectos, continuam inacessíveis a grande parte da população brasileira.

Uma conseqüência direta dessa inversão da pirâmide recai na supervalorização do

Poder Executivo. A visão de centralidade do Poder Executivo em relação aos outros poderes faz

com que as ações políticas, no Brasil, sejam direcionadas à negociação direta com o Executivo,

sem intermediação da representação (CARVALHO, 2003, passim). “Essa cultura orientada mais

para o Estado que para a representação é o que chamamos de “estadania”, em contraste com a

cidadania” (ibid., p.221).

A cidadania é o status de igualdade conferido àqueles que são membros integrais

da comunidade, o que a torna incompatível com o feudalismo medieval que baseava o status

individual em uma pressuposta desigualdade natural estabelecida pelo sistema de classes.

O contrato moderno não nasceu do contrato feudal; assinala um novo desenvolvimento a cujo progresso o feudalismo foi um obstáculo que teve que ser removido. Pois o contrato moderno é essencialmente um acordo entre homens que são livres e iguais em status, embora não necessariamente em poder. O status não foi eliminado do sistema social. O status diferencial, associado com classe, função e família, foi substituído pelo único status uniforme de cidadania que ofereceu o fundamento da igualdade sobre a qual a estrutura da desigualdade foi edificada (MARSHALL, 1967, p. 79-80).

Esse status de cidadania serviu bem aos interesses do livre mercado, pois era

garantida ao cidadão a capacidade legal para “lutar pelos objetos que gostaria de possuir”.

Contudo, o status de cidadão não garante, em hipótese alguma, a posse de qualquer um deles.

Não se trata sobremaneira de garantir o direito de se possuir algo, mas o direito de, caso tenha

recursos suficientes para tanto, adquirir e manter uma propriedade independente de sua classe

social de origem. Essa distorção era ocasionada não por problemas com os direitos civis, mas

principalmente, porque os direitos sociais não eram reconhecidos em meados do século XIX

(Loc. cit., p. 80).

... o desenvolvimento, no final do Século XIX, de um interesse crescente pela igualdade como um princípio de justiça social, e uma consciência do fato de que o reconhecimento formal de uma capacidade igual no que diz respeito a direitos não era suficiente. [...] Assim, embora a cidadania, mesmo no final do Século XIX, pouco tivesse feito para reduzir a desigualdade social, ajudara a guiar o progresso para o caminho que conduzia diretamente às política igualitárias do Século XX (MARSHALL, 1967, p. 80-81).

Carvalho indica que a contrapartida de um Executivo supervalorizado é um

Legislativo desvalorizado, assim como seus titulares (vereadores, deputados e senadores). A

peculiaridade do caso brasileiro fez com que os direitos sociais não fossem tratados como

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direitos de todos, mas como fruto da negociação de cada categoria com o governo. A sociedade

se organiza para conseguir os direitos e privilégios distribuídos pelo Estado e o papel dos

legisladores reduz-se ao de intermediários de favores particulares perante o Executivo

(CARVALHO, 2003).

Duas observações adicionais são importantes. A primeira trata da forma como

compreendemos as ações afirmativas. Verificamos que elas implicam em duas dimensões da

cidadania: a) os direitos civis, que constituem a garantia, por parte do Estado, dos direitos

necessários à liberdade individual e ao desenvolvimento do indivíduo enquanto sujeito; e, b) os

direitos sociais, que constituem a garantia, por parte do Estado, de um mínimo aceitável de

participação na vida civilizada. Historicamente, a diminuição do ônus da pobreza sem alteração

da estrutura que originava a pobreza era seu objetivo imediato. Esse objetivo adquire um novo

sentido, assumindo o aspecto de ação e modificando o padrão total da desigualdade social e é

nesse contexto que as lutas pelas políticas de ação afirmativa se inserem. Parafraseando

Carvalho: “Se os direitos civis garantem a vida em sociedade, se os direitos políticos garantem a

participação no governo da sociedade, os direitos sociais garantem a participação na riqueza

coletiva” (ibid., p. 10).

A segunda observação, ainda com apoio em Carvalho, lembra que o conceito de

cidadania se desenvolve dentro de outro fenômeno histórico que denominamos Estado-nação. As

lutas pelos direitos historicamente ocorrem nos limites geográficos do Estado-nação e, assim

sendo, o cidadão que delas surgiam era necessariamente, um cidadão nacional. A lealdade a um

Estado e a identificação com uma nação são suas duas dimensões (CARVALHO, 2003, passim).

Essa relação da cidadania com o Estado-nação é profundamente afetada pela

diminuição do poder do Estado, peculiar ao período atual, definido por Touraine como baixa

modernidade.

A queda do império soviético, o movimento das minorias nos Estados Unidos e, principalmente, a globalização da economia em ritmo acelerado provocaram, e continuam a provocar, mudanças importantes nas relações entre Estado, sociedade e nação que eram o centro da noção e da prática da cidadania ocidental. O foco das mudanças está localizado em dois pontos: a redução do papel central do Estado como fonte de direitos e como arena de participação e o deslocamento da nação como principal fonte de identidade coletiva (CARVALHO, 2003, p. 225).

As bases da diversidade e do multiculturalismo associadas ao conceito

contemporâneo de democracia, que se sustenta em um princípio de autonomia do sujeito,

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conforme vamos abordar mais adiante, não pode negar o reconhecimento às identidades

múltiplas dos indivíduos. Entretanto as ações que visam o fortalecimento dessas identidades não

devem ser o mote central das ações sociais. As identidades são cada vez mais fragmentadas, a

identificação do sujeito não se sustenta em um modelo uno de identidade. Sendo a identidade

fragmentada, ela muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado. Na

luta pelos direitos historicamente associados à cidadania e que, conforme argumentamos, assume

hoje a forma de luta por reconhecimento; quando associada a um modelo de identidade, abre

caminho tanto para as manipulações de identidade e/ou o enclausuramento das pessoas dentro

das identidades.

A cultura Global não corresponde a qualquer tipo humano, nenhuma figura emblemática, nem as mulheres mais que os homens, ou os jovens mais que os velhos, nem os habitantes de Nova Iorque ou de Paris mais do que os do Rio ou de Calcutá. A destruição das mediações sociais deixa frente a frente a globalização do campo cultural e a multiplicidade inexcedível dos atores sociais. O lado escuro desse culturalismo é o risco de encerramento de cada cultura numa experiência particular incomunicável. Uma tal fragmentação cultural nos conduziria a um mundo de seitas e à rejeição de toda norma social. Como as políticas de quotas de subvenções a categorias particulares, é resposta muito frequentemente justificada pelas desigualdades de fato, assim é perigoso que o indivíduo seja situado ou avaliado unicamente segundo suas pertença a uma comunidade (TOURAINE, 1998, p. 45 – 46).

A preocupação com esse problema é corroborada por Fraser (2007) e, nos termos

da autora, perfeitamente solucionável pela assunção de uma política de reconhecimento baseada

no modelo de status4.

1.3. Da Democracia

Held, ainda na introdução de Modelos de democracia, aponta que a democracia

tornou-se praticamente um consenso entre os políticos. Quase todos afirmam ser democratas,

independentemente se sua filiação ideológica aproximar-se mais da esquerda, do centro ou de

direita. A utilização do termo democracia se torna prática recorrente provavelmente porque: “... a

democracia parece emprestar uma aura de legitimidade à vida política moderna: regras, leis,

4 Essa abordagem de FRASER sobre o tema foi demonstrada em um momento anterior, vide citação da autora, p. 22.

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políticas e decisões parecem justificadas e apropriadas quando são democráticas” (HELD, 1987,

p. 01).

Essa referência à democracia no geral aproxima-se de uma proposição de

Carvalho sobre a construção da democracia e, consequentemente, da cidadania no Brasil.

O esforço de reconstrução, melhor dito, de construção da democracia no Brasil ganhou ímpeto após o fim da ditadura militar, em 1985. Uma das marcas desse esforço é a voga que assumiu a palavra cidadania. Políticos, jornalistas, intelectuais, líderes sindicais, dirigentes de associações, simples cidadãos, todos a adotaram. A cidadania, literalmente, caiu na boca do povo. Mais ainda, ela literalmente substituiu o povo na retórica política. Não se diz mais ‘o povo quer isso ou aquilo’, diz-se a ‘cidadania quer’ (CARVALHO, 2003, p. 7).

Por se tratar de conceitos profundamente imbricados, vale a pena ressaltar essa

referência mútua. Tanto o conceito de democracia, quanto o conceito de cidadania são

recorrentemente conjurados nas discussões sobre a adoção das cotas raciais como justificativas

para os mais variados temas sem uma definição precisa de sua pertinência com o assunto.

Entretanto, o caso da democracia nos parece tão peculiar quanto o da cidadania, quando se

coloca em questão a adoção de cotas raciais para acesso ao ensino superior.

Na experiência recente (e também descontínua) do Brasil e diante da longa

tradição autoritária que marca as relações entre Estado e sociedade brasileira, a construção da

democracia no país conhece sucessivos constrangimentos e desafios. O “autoritarismo social”, na

expressão de Adorno (2000), introduz alguns desvios em nossa trajetória democrática, como a

prevalência do Executivo sobre os outros poderes, tornando-o responsável direto pelo

desenvolvimento e implantação das ações políticas.

Essa contextualização é importante para o entendimento de como, na democracia

brasileira, se desenvolve a relação entre os atores sociais empenhados na defesa ou na crítica

político-teórica à adoção das cotas raciais.

Tomando como pressupostos os escritos de Held sobre a evolução do conceito de

democracia, podemos afirmar que sua história, em geral, é confusa por ser uma história ativa. “A

democracia tem sido defendida com base na idéia de que ela atinge um ou mais dos seguintes

valores ou bens fundamentais: igualdade, liberdade, autodesenvolvimento moral, interesse

comum, interesses privados, satisfação de necessidades, decisões eficientes” (HELD, 1987, p.

03).

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A pluralidade de possibilidades dificulta a tarefa de definirmos com precisão o

significado de uma ação democrática. A afinidade da ação política com algum dos valores

citados já é condição suficiente para classificá-la como democrática. Esta flexibilidade possível

na categorização das ações democráticas expande de forma exagerada as práticas de intervenção

dos atores, permitindo, desta forma, que os mesmos invoquem o conceito de democracia para

emprestar legitimidade às suas demandas.

Held identifica três idéias valiosas ao entendimento tanto da “nova direita” quanto

da “nova esquerda” sobre o que deveria ser democracia hoje. São elas: a liberdade, a igualdade e

a justiça. Tomando-as assim, de forma abstrata, transparece, à primeira vista, a falsa impressão

de convergência das perspectivas da nova direita e da nova esquerda na teoria de Held. A

diferença reside na forma de apropriação dos conceitos citados. “Os pensadores da nova direita

têm em geral, ligado as metas de liberdade e igualdade a doutrinas políticas, econômicas e éticas

que são individualistas” (HELD, 1987, p. 242). A justiça para a nova direita se sustenta quando o

acesso a certos direitos ou liberdades é respeitado e todos os cidadãos são tratados como

semelhantes perante a lei (Ibid. 1987).

A nova direita (ou neoliberalismo) se preocupa, fundamentalmente, com a

perspectiva da diminuição das barreiras políticas a um mínimo necessário para que os indivíduos

possam se desenvolver, conforme seus anseios e possibilidades. Para o liberalismo, certo grau de

desigualdade entre indivíduos é natural e até desejável para a sociedade (HELD, 1987). A

igualdade, nesse caso, é negativa, pois todos são iguais em seu direito de não ser tolhido pelo

Estado ou por qualquer outra instituição ou indivíduo que o valha. Esse direito é garantido pela

lei e por isso Held trata esse modelo por “Democracia Legal”.

Por outro lado, a nova esquerda é uma tendência do pensamento político

inspirada pelas idéias de Rousseau, pelos anarquistas e pelo que Held denomina de posições

marxistas “libertárias” e “pluralistas”. A nova esquerda admite a elaboração de metas coletivas

na ação política. Estas idéias, de liberdade, igualdade e justiça, para a nova esquerda, só podem

ser concretizados por meio de lutas para assegurar a responsabilidade do Estado e da sociedade

(HELD, 1987, passim).

O resultado disso é que enquanto a nova esquerda é cética quanto ao poder de

atuação do econômico, a nova direita é cética quanto ao poder de atuação do político.

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Tanto a nova direita quanto a nova esquerda temem a extensão de redes de poder intruso na sociedade, que “sufocariam”, para tomar emprestada uma frase de Marx, “todos os seus poros”. Ambas as tendências têm meios de criticar o caráter burocrático, desigual e, frequentemente, repressor, de grande parte da ação do Estado. Além disso, ambas estão preocupadas com as condições políticas, sociais e econômicas para o desenvolvimento das capacidades, desejos e interesses das pessoas (HELD, 1987, p 243).

De forma geral e abstrata, as perspectivas tanto da nova direita quando da nova

esquerda, embora utilizem vias diferentes, segundo palavras do próprio autor, concentram suas

energias para: “... definir as circunstâncias nas quais as pessoas podem se desenvolver como

‘livres e iguais’” (Ibid., p. 243).

Held faz a análise das perspectivas da nova direita e da nova esquerda de forma

crítica, buscando em cada uma ressaltar os avanços e expor as limitações teóricas. O autor

avança suas reflexões no sentido de sugerir uma proposta para a superação desses limites. Sem

sugerir um modelo de democracia a ser seguido, Held esforça-se no sentido de indicar os

elementos que essa nova concepção de democracia necessita resguardar para ser capaz de

concretizar o “princípio da autonomia”. Tal princípio é o pilar para o entendimento da

democracia hoje.

O princípio deve ser afirmado como se segue:

Os indivíduos deveriam ser livres e iguais na determinação das condições de suas próprias vidas; ou seja, eles deveriam gozar de direitos iguais (e, consequentemente, de obrigações iguais) para especificar a estrutura que gera e limita as oportunidades disponíveis para eles, na medida em que não definam esta estrutura de modo a negar os direitos dos outros (ibid., p. 244-245)

A pergunta a qual Held está tentando responder - “o que deveria ser democracia

hoje?”- resulta da constatação de que a democracia não é um conceito pronto e acabado, muito

menos de uma série de práticas historicamente adotadas e aceitas como sendo fundamentalmente

democráticas. Tanto a teoria quanto a prática democrática oscilam tal e qual um jogo de espelhos

com a tradição teórica predominante no momento. As transformações impostas pela

modernidade na sociedade não permitem que a democracia fique afastada de sua influência

social e histórica.

Além de não estruturar conscientemente um modelo de democracia, e mesmo

inconscientemente ele não chegue a esse ponto, o que Held estabelece é o princípio sobre o qual

um novo modelo pode ser elevar. Por esse motivo recorremos a Touraine. Embora as diretrizes

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para um modelo de democracia em Held e Touraine não sejam idênticas, elas guardam pontos de

partida e compromissos teóricos comuns. Para Touraine, a democracia combina:

... as exigências complementares da liberdade e da igualdade, a idéia de soberania popular, a que preferimos dar o nome de cidadania, com a idéia dos direitos humanos que inspirou as revoluções americana e francesa e que limita o poder do Estado em nome dum princípio superior a toda realidade social. Esta idéia concedeu uma importância sempre maior ao pluralismo, a ponto de o respeito pelas minorias se ter tornado tão importante para nós como o governo da maioria. (TOURAINE, 2004. p. 281-284).

Nesse aspecto, a baixa modernidade é um período de crise no conceito de

democracia que mantém a centralidade no elemento político. Se for entendida como a

“capacidade de oferecer respostas institucionais às reivindicações sociais”, a democracia vive um

momento de recuo.

Pois os comportamentos econômicos são cada vez mais desinstitucionalizados e submetidos ao mercado ou aos estados-maiores das grandes empresas em vez de subordinar-se às decisões políticas e as leis, enquanto os comportamentos culturais conhecem por seu turno evolução semelhante, e a lei intervém cada vez menos no domínio dos costumes. A opinião pública tomou consciência desse isolamento do sistema político: ela considera os partidos como empresas políticas que produzem eleitos como empresas de comunicação produzem campanhas publicitárias, e acontece muitas vezes que uma delas se torna o conselheiro em comunicação, ou seja, de fato o conselheiro político dum candidato ou dum dirigente de partido (TOURAINE, 2004, p. 285).

Mas Touraine advoga sobre a necessidade do “espírito democrático” ainda hoje,

pois o foco da democracia deixa de ser a unidade de uma sociedade homogênea para se tornar a

defesa do direito a individuação, ou seja, o esforço de cada indivíduo para a construção de si

mesmo enquanto sujeito. E essa defesa do sujeito só é eficaz sob a égide de um sistema político

sempre mais independente daquela noção que exalta a função administrativa do Estado e o

nomeia de “Estado gerente” e cada vez mais animado pelos movimentos sociais, as associações e

a opinião pública.

A democracia e os movimentos sociais estão intimamente ligados, pois a primeira

é o “... instrumento e resultado da institucionalização dos conflitos sociais” (TOURAINE, op.

cit., p. 296). Nesse contexto, a democracia teria “... como objetivos principais, em primeiro lugar,

a diminuição das distâncias sociais, o que supõe reforçar o controle social e político da

economia; em segundo lugar, garantir o respeito à diversidade cultural e à igualdade dos direitos

cívicos para todos; e enfim, em terceiro lugar, levar em consideração as reivindicações daqueles

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que não devem ser reduzidos ao estado de consumidores de assistência médica, de educação e de

informação” (Ibid, p. 296).

Um ponto da reflexão de Touraine proveitoso à nossa análise é que, para ele, a

democracia não pode ser reduzida a uma tolerância generalizada, pois essa política negativa

geraria uma completa fragmentação da sociedade em guetos com grupos de indivíduos

semelhantes entre si, mas sem interação efetiva – diálogo – com os outros grupos. Isso só

aumentaria as desigualdades e a segregação. Nesses termos a defesa da liberdade deve ser ativa

para garantir a igualdade de oportunidade e criar as condições para o reconhecimento mútuo e

fazer florescer a consciência de pertencimento a uma sociedade livre (Cf. TOURAINE, 2004, p.

293 - 299).

As ações afirmativas, para Touraine, transpareceriam mais ativamente os ideais

democráticos que o respeito aos princípios gerais de igualdade – próprias do liberalismo - que

não questionam as desigualdades de fato. Fraser chega a ser mais radical e direciona sua crítica

às ações afirmativas por acreditar que embora elas pareçam um esforço para eliminar as

desigualdades, na verdade elas combatem os sintomas dos problemas sociais deixando intactas as

estruturas sociais que desencadearam os problemas.

Os princípios gerais da democracia incorporam as formas de reconhecimento da

diversidade cultural, rejeição da exclusão e o direito de cada indivíduo a uma história de vida na

qual se realize, mesmo que parcialmente, um projeto pessoal e coletivo. Essa é, segundo o autor,

a fórmula que melhor define a democracia hoje; e essa fórmula pode ser traduzida na expressão

“política do sujeito” (TOURAINE, 2004, passim).

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Capítulo 2 - Transição

2.1. Do conceito de ação afirmativa

Historicamente, as ações afirmativas surgem como políticas públicas e recebem

essa denominação nos Estados Unidos5. Na década de 1960, os movimentos sociais que

reivindicavam os direitos civis das minorias foram responsáveis por momentos de grande tensão

social naquele país. Para minimizar essas tensões, garantiu-se aos negros “mais espaço nos meios

de comunicação, no transporte coletivo e nas escolas” (IANNI, 2004) através da adoção de

políticas de ação afirmativa.

Além de Sowell (2004), muitos outros autores identificam o surgimento das ações

afirmativas nos Estados Unidos utilizando como referência histórica um período: “a década de

1960” (MOEHLECKE, 2000 e 2002; SOWELL, 2004; MATTA, 2005; SANTOS, 2007,

FIGUEIREDO, 2008). É nesta década que a idéia das ações afirmativas ganha força,

principalmente pela edição de algumas Ordens Executivas – O.E.- emanadas de presidentes

norte-americanos, que traziam em si o gérmen do que se constituiriam nas próprias ações

afirmativas.

O pioneiro nesse caminho foi o Presidente Kennedy que, em 1961, editou a O.E.

no. 10.925 (VIEIRA, 2003; CÉSAR, 2004), cujo texto determinava a adoção de uma “... ação

afirmativa para assegurar que os candidatos sejam contratados e os empregados sejam tratados

no trabalho sem levar em conta raça, cor, credo ou origem nacional” (SOWELL, 2004, p. 04).

Podemos dizer que esse documento acabou se tornando a “certidão de nascimento” das ações

afirmativas. O corpo do texto, não traz qualquer menção a cotas ou a preferências. Pelo contrário,

preconizava a necessidade de esforços para se evitar qualquer privilégio6.

5 Nos termos como ela é discutida no Brasil, pois o país percussor das ações afirmativas é a Índia que, em 1947, já havia estabelecido constitucionalmente políticas de ação afirmativa conforme indicam vários autores (SOWELL, 2004; FRANCO, 2006; SANTOS, 2007; WEISSKOPF, 2008). 6 Nossa opção por usar o termo privilégio no lugar do usual discriminação deve-se, ao fato de estamos tratando de um jogo de soma zero, especificamente para o exemplo em tela. Assim, nos parece óbvio que, em uma situação na qual existem grupos em competição por recursos escassos, a discriminação de um grupo implica necessariamente no privilégio para o outro grupo.

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Sowell afirma que foi uma O.E. de 1968, editada pelo então presidente Jhonson

que trouxe as expressões “objetivos e cronogramas” e “representação” que, pensadas à luz de

uma sociedade pragmática como a americana, podem ser entendidas como os primeiros indícios

do surgimento de políticas de cotas. Depois disso, em 1970, outra O.E., de autoria do presidente

Nixon, referiu-se à necessidade de implantação de “procedimentos orientados para resultados” e,

em 1971, uma derradeira O.E., também editada pelo presidente Nixon esclareceu o significado

que deveria ser atribuído aos textos:

... ‘objetivos e cronogramas’ eram para ‘fazer crescer materialmente a utilização de minorias e de mulheres’ e por ‘subutilização' deveria se entendida ‘a menor existência de minorias e mulheres em determinada categoria de trabalho do que se poderia razoavelmente esperar em função de sua disponibilidade’. A ação afirmativa passou a ser então um conceito numérico, fosse ele chamado de ‘objetivos’ ou ‘cotas’ (SOWELL, 2004, p. 05, grifos nossos).

Sowell (2004) identifica o conceito de ação afirmativa com base na experiência

americana, enquanto um esforço para promover equivalências aritméticas entre a distribuição

demográfica dos grupos sociais e a sua representatividade; a priori, em categorias profissionais

mas em outros momentos de sua obra o autor expande sua análise a outras áreas de interação

humana. Existe, para o autor, portanto, uma convergência conceitual tão estreita entre cotas

raciais e ações afirmativas que as duas podem ser entendidas como sinônimos, ou dito de outra

forma, as ações afirmativas somente se realizam por intermédio das cotas (ou dos objetivos).

Em seu estudo, Sowell traça um panorama do impacto social que a adoção de

ações afirmativas7 teve em vários países do mundo. Suas observações evidenciam uma espiral

crescente de radicalismo e violência entre os grupos de identidade, que justificam o receio

expresso de forma superficial por Touraine e Fraser. Ao mesmo tempo, sustentam empiricamente

os escritos de críticos das políticas de cotas raciais como Kamel (2006)8, por exemplo.

Outra corrente, como veremos adiante, distingue os dois conceitos, afirmando

que cota é uma espécie do gênero ações afirmativas, ou seja, dentro do conceito de ações

7 Para Sowell, o conceito de ações afirmativas e cotas (preferências) se confundem. 8 Tanto Fraser (2007), quanto Touraine (2004) apresentam a politização das identidades como um problema em potencial. Já Sowell (2004) a apresenta como um problema de fato que implica em graves consequências sociais (animosidades, conflitos e até guerras); Kamel (2006), sustentado nos estudos de Sowell, faz severas críticas às cotas raciais, sendo algumas vezes, objeto de deboche por parte dos intelectuais orgânicos, que atribuem aos seus escritos o adjetivo de “exercício de futurologia”. Contudo, entendemos que o exercício de futurologia realizado por Kamel para vislumbrar um cenário pessimista das relações raciais no Brasil, ocasionado pela adoção das cotas raciais seja semelhante ao exercício de futurologia realizada por partidários das cotas raciais, para pintar um cenário otimista tendo em vista a mesma situação.

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afirmativas está contido o conceito de cotas, bem como outras estratégias de promoção de grupos

discriminados.

Quando Sowell (2004) indica que cotas e ações afirmativas são sinônimos ele está

abdicando de se delongar na gênese do campo para apresentar simplesmente um retrato atual do

tema. Como qualquer campo, as ações afirmativas precisam ser “reinventadas” constantemente,

novas formas de interpretação são postas à prova pelos iniciados, para seus pares e o restante da

sociedade. Enquanto políticas públicas as cotas raciais são interpretadas como resposta aos

anseios de minorias que lutam pela expansão dos direitos civis e sociais.

Nas sociedades democráticas contemporâneas as políticas públicas necessitam ser

justificáveis perante o corpo da sociedade, caso almejem legitimidade.

A justificativa para a utilização das ações afirmativas nos Estados Unidos e,

posteriormente, em outros lugares do mundo, se assenta, segundo Feres Júnior, historicamente

sobre três pilares: a reparação, a justiça distributiva e a diversidade. Podemos perceber que:

... Nem sempre os três argumentos estão presentes em um determinado momento histórico, nem sempre os argumentos presentes são equipotentes em cada discurso de justificação, mas onde quer que a ação afirmativa tenha sido implantada, pelo menos um desses argumentos foi usado em sua justificação pública (FERES JÚNIOR, 2006, p. 46).

O próprio autor indica que outras divisões são possíveis, como exemplarmente

podemos verificar no caso da Índia – país com mais longa tradição na implantação de ações

afirmativas. Nas palavras de Feres Júnior:

No contexto indiano, quatro princípios de justificação das políticas de ação afirmativa podem ser identificados: 1) compensação, também denominada aqui de reparação, por injustiças cometidas no passado contra um determinado grupo social; 2) proteção de segmentos mais fracos da comunidade – cláusula definida no Art. 46 da constituição indiana, que tinha a promoção dos dalit (intocáveis) como principal objetivo, mais tarde alargado para outros segmentos sociais minoritários; 3) igualdade proporcional – a idéia de que oportunidade de educação e emprego devem ser distribuídas em proporção ao tamanho relativo de cada grupo na sociedade total; 4) justiça social, em que o conceito de justiça distributiva se encaixa – de acordo com esse princípio, a ação afirmativa justifica-se simplesmente pela constatação de desigualdades que são grupo- específicas e, portanto, passíveis de se tornar objeto de políticas públicas (FERES JÚNIOR, 2006, p. 47)

Contudo, a predileção pelo modelo americano ocorre por ser esse o modelo das

ações afirmativas de maior ascendência sobre os autores, voltados a investigar e debater o tema

no Brasil, “... uma vez que a recepção da ação afirmativa no Brasil se deu quase exclusivamente

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via Estados Unidos, seja por importação, cópia, adaptação ou reinterpretação, é razoável e

expediente que comecemos por identificar o que nos chega dessa experiência” (FERES JÚNIOR,

2006, p. 48).

Sarmento (2008) explora as justificações para a aplicação de ações afirmativas

propondo quatro categorias para classificação dos argumentos mais frequentemente utilizados.

São elas: “... justiça compensatória, justiça distributiva, promoção do pluralismo e fortalecimento

da identidade e auto-estima dos grupos menos favorecidos” (idem, p. 258).

Apesar das tipologias diferenciadas podemos notar convergência de significados

entre o que uma chama de “reparação” e outra de “justiça compensatória”, bem como entre as

categorias “diversidade” e “promoção do pluralismo”; isso sem contar a lógica convergência da

justiça distributiva9 utilizada por ambas.

O grande avanço de Sarmento (2008) é a percepção de que existem argumentos

fortes que se sustentam sobre as bases da teoria do reconhecimento, aos quais ele denomina de

argumentos de “fortalecimento da identidade e auto-estima dos grupos menos favorecidos”, ou

seja, reconhecimento sustentado no que chamamos de modelo de identidade. Esse

reconhecimento sustentado no modelo de identidade provavelmente justifica que o apelo às

políticas de cotas raciais seja tão vigoroso, a ponto de alguns, ao modo de Sowell (2004), tratá-

las como sinônimo de ações afirmativas.

A luta entre os teóricos pelo poder de di-visão do campo se expressa na própria

tensão existente em torno da definição dos conceitos, como bem observa Moehelecke (2000) e

essa é uma característica também brasileira. A autora declara:

Não pretendo propor o que deva ser uma política de ação afirmativa, pois entendo ser essa uma definição ainda em construção, devendo ser elaborada através do debate e das práticas sociais em processo no Brasil; por outro lado, certas características do que seria uma política de combate ao racismo, incorporando a idéia da ação afirmativa, já estão sendo delineadas (op. cit, p. 03).

Em um segundo momento, a autora, buscando mapear os termos do debate,

esforça-se para sintetizar as principais reflexões sobre as ações afirmativas em uma definição que

9 A certa altura do texto, FERES JÚNIOR (2006) abdica da utilização do termo justiça “distributiva” e adota o termo justiça social. Para manter a fidelidade ao trabalho do autor, vamos considerar, neste momento da dissertação, que os dois termos são sinônimos e vamos utilizar um e outro na mesma seqüência utilizada pelo autor.

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dê conta dessa tarefa, apresentando o pensamento de alguns dos principais debatedores sobre o

que deveriam ser as políticas de ação afirmativa:

Num esforço de síntese e incorporando as diferentes contribuições, podemos falar em ação afirmativa como uma ação reparatória/ compensatória e/ou preventiva, que busca corrigir uma situação de descriminação e desigualdade infringida a certos grupos no passado, presente ou futuro, através da valorização social, econômica, política e/ou cultural desses grupos, durante um período limitado. A ênfase em um ou mais desses aspectos dependerá do grupo visado e do contexto histórico e social (MOEHLECKE, 2002, p. 203).

Esse esforço torna-se referência quando se pretende discutir ações afirmativas latu

sensu. Como observa Heringer, o “... termo ação afirmativa é amplo, com espaços para diferentes

interpretações. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns autores apontam que a própria

definição do termo já é uma arena para disputas políticas e teóricas” (STEEH; KRYSAN, 1996

apud HERINGER, 2002, p. 81).

Os argumentos de justificação das ações afirmativas passaram por um longo

processo de transformação nos Estados Unidos. Feres Júnior (2006) indica cronologicamente

como ocorreu esse processo. Em um primeiro momento, no início da década de 1960, época da

implementação das ações afirmativas, os argumentos que prevaleciam eram a reparação e a

justiça social, conforme pode ser apurado das observações exaradas pelo autor sobre o discurso

proferido pelo presidente Jhonson aos formandos da Howard University da turma de 1965:

Também naquele discurso, acoplado ao argumento da reparação, o presidente norte-americano enuncia aquilo que se poderia chamar de fulcro normativo da ação afirmativa: a idéia de igualdade substantiva. As expressões affirmative action e substantive equality não são utilizadas, mas seus conceitos estão presentes no argumento de que a igualdade não deve ser apenas um direito formal, uma teoria, mas sim uma igualdade de fato; um resultado e não um mero procedimento. Revelando o aspecto meramente negativo da liberdade formal, Jhonson acrescenta que se trata ali de promover não somente a liberdade, mas sim a oportunidade (FERES JÚNIOR, 2006, p. 49).

Lyndon Jhonson apóia-se sobre o paradigma genericamente denominado de

Estado de Bem- Estar Social, no qual o Estado capta recursos do mercado para redistribuí-lo e,

desta forma, promover a igualdade. A igualdade em pauta neste caso é a igualdade substantiva,

que se torna o elemento central de uma concepção de justiça social. A esta concepção de justiça

social, contrapõe-se o ideal liberal clássico, em que o Estado e o mercado são esferas autônomas

e independentes, cada qual regido por um princípio norteador - igualdade e mérito,

respectivamente (Cf., Feres Júnior, 2006, p. 49).

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Embora tenha sido associado amiúde às políticas universalistas, o Estado de Bem-

Estar Social admitia, já em seus primórdios, ações focalizadas para promover o que mais tarde se

denominou discriminação positiva. Tratava-se da “... identificação de setores sociais ‘problema’

e da canalização de recursos e ações para atendê-los” (FERES JÚNIOR, 2006, p. 50).

Ambas as justificações (reparação e justiça social) desgastaram-se com o passar

dos anos. O argumento da reparação se enfraqueceu pela dificuldade de imputar

responsabilidades e direitos aos sujeitos com base em atos praticados, ou situações vividas, por

antepassados. Nesse viés o argumento da justiça social assenta-se sobre uma desigualdade

presente para ser utilizado; a mera constatação das desigualdades já era condição suficiente para

adoção de ações corretivas. Essa característica tornou a justificação pela linha da justiça social

preponderante em relação ao argumento da reparação.

Na outra mão, o argumento da justiça social - que sempre esteve associado ao

Estado de Bem-Estar Social dos Estados Unidos e que teve seu auge no mandato do presidente

Jhonson - com a eleição do presidente Reagan (que ironicamente praticava uma modalidade de

Keynesianismo belicista) começou a ser enfraquecido pelo crescente prestígio junto ao governo

central de ferramentas ideológicas extraídas especialmente do liberalismo clássico (Cf. FERES

JÚNIOR, 2006, p. 51 – 52).

A terceira justificação assenta-se sobre o argumento da diversidade e surgiu

primeiramente na Suprema Corte Norte-americana por intermédio de Juiz Powell, mas a ela não

ficou restrito. O termo adquiriu popularidade no cenário político e institucional e tornou-se

central nos discursos multiculturalistas, bem como para justificar políticas de identidade (Cf.

FERES JÚNIOR, 2006, p. 53 – 54).

No Brasil, os argumentos que justificam a adoção das ações afirmativas são

importados em conjunto e transpostos ao debate quase que simultaneamente. No contexto

brasileiro, o maior destaque, nas palavras do autor, recai sobre os argumentos da reparação e da

diversidade, enquanto o argumento da justiça social fica em segundo plano. Todavia, o autor

declara que, por razões teóricas e práticas, o contrário deveria ocorrer, ou seja, a justiça social

deveria ser o principal argumento em favor das ações afirmativas seguido pelo argumento da

reparação e, por fim, o argumento da diversidade que não deveria ter tanta relevância (Cf.

FERES JÚNIOR, 2006, p. 55).

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Para Feres Jr. (2006), o argumento da reparação perde seu apelo tanto pela

dificuldade de estabelecer quem é afro-descendente no Brasil10, quanto pela percepção de que se

trata de um direito difuso, uma vez que os direitos são percebidos como individuais e, à medida

que o problema se afasta no tempo, fica cada vez mais ilegítimo imputar responsabilidade aos

seus descendentes. Ao contrário da reparação, o argumento da diversidade peca pelo excesso de

deferência identitária, uma vez que a categoria “negro”, como articulada pelo movimento, traz

consigo o ideal de promover uma crítica à ideologia do branqueamento e transformar os afro-

descendentes de “classe em si” em “classe para si”. Assim sendo, ele só pode ser contrário à

idéia do reconhecimento dos diferentes modos de vida e elementos culturais mestiços no Brasil

(Cf. FERES JÚNIOR, 2006, p 56 – 59).

... a crítica do Movimento Negro à ideologia do branqueamento e seu esforço para mudar o significado da palavra ‘negro’ são ações mais que legítimas e justificáveis desse movimento social. A utilização da categoria ‘negro’ em políticas de ação afirmativa, no entanto, é uma prática que pode por em risco a legitimidade dessas políticas, senão levar à declaração de sua inconstitucionalidade. Um pressuposto básico do texto de toda lei é que ele use vocabulário que seja de conhecimento geral e de significado consensual (Ibdem, p 59-60).

Por fim, o autor defende que o argumento da justiça social não demanda qualquer

essencialização identitária além dos critérios praticados pelos institutos de pesquisa

governamental há décadas; pode ser estendido a outros grupos discriminados – ou

potencialmente discriminados; e pode também ser combinado com o argumento da reparação de

forte apelo entre os afro-descendentes e indígenas (Cf. FERES JÚNIOR, 2006, p.61).

De maneira geral, os argumentos de justificação são de suma importância para a

compreensão do processo de estruturação das ações afirmativas no Brasil. Nesse ponto, abrimos

um parêntese para deixar claro que, embora alguns autores11 tratem como exemplos de ações

afirmativas no Brasil iniciativas do Estado Novo e do Regime Militar, tais como a Lei dos dois

terços12, os incentivos fiscais às aplicações industriais no Nordeste - depois ampliadas também

10 O autor cita o estudo de Sérgio Pena e Maria Catira Bortolini no qual a identidade racial brasileira está longe do one drop rule. Se considerarmos afro-descendentes as pessoas com mais de 10% de marcadores genéticos de ancestralidade africana, 87% dos brasileiros o são. 11 Guimarães apud SANTOS, 2007, p 425; Gomes apud Santos, 2007, p. 425. 12 “Decreto-lei 5.452/43 (CLT), prevê cota de dois terços de brasileiros para empregados em empresas individuais ou coletivas (SILVA Jr., 2003, p. 108). Esta lei visava limitar o número de trabalhadores estrangeiros nas empresas brasileiras” (BERNARDINO, 2004, p. 15).

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ao norte, e a Lei do boi13; consideramos que essas iniciativas tinham principalmente objetivos

econômicos/ nacionalistas, os quais guardam poucas semelhanças com as ações afirmativas nos

termos em que são discutidas atualmente.

Santos (2007) discute o conceito de ação afirmativa identificando como principais

argumentos aqueles associados à reparação - apresentado por Walters (1995) e Cashmore (2000),

e também o argumento associado à justiça distributiva – apresentado por Andrews (1997).

Santos indica que o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da

População Negra (GTI) foi, ao que parece, o primeiro formulador de um conceito de ações

afirmativas made in Brazil, conforme segue:

As ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado (GTI, 1997 apud SANTOS, 2007, p. 432)

O autor chama a atenção para o papel atribuído ao Estado nessa definição, pois ao

Estado compete “tomar” ou “determinar” as ações de combate ao racismo e à discriminação,

concepção essa que vai ao encontro da idéia de estadania, sugerida por Carvalho. Santos aponta

que o papel de fomentador das ações afirmativas deve ser atribuído também ao movimento

negro, uma vez que essas políticas não emanam simplesmente do Estado.

As diferentes definições das políticas de ação afirmativa trazem várias polêmicas.

Além das de cunho filosófico, sobre os argumentos de justificação mais adequados ao caso

brasileiro, ainda existem controvérsias de ordem prática, tais como: Qual o papel do Estado:

formulador, incentivador ou executor de tais políticas? Essas políticas deveriam assumir um

caráter compulsório ou deveriam “apenas” ser incentivadas? Elas devem se aplicar somente aos

negros ou a qualquer grupo discriminado? Para os propósitos do presente trabalho, o debate se

concentra, principalmente, sobre quais estratégias deverão/poderão ser utilizadas no combate ao

13 Lei 5.465/68 que já em seu Art. 1º normatiza: ‘Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimento de ensino médio’ (SILVA Jr. Apud BERNADINO, 2004, p. 15)

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racismo. Qual “espécie” de ação afirmativa deve ser adotada como estratégia de acesso ao ensino

superior no Brasil.

Santos, critica a postura intelectual de alguns detratores das cotas racias14 porque

eles “... não fazem, quiçá recusam-se a fazer, uma revisão bibliográfica sobre o conceito de ação

afirmativa” (op. cit., p 484). Tal crítica baseia-se no pressuposto de que o vetor do conhecimento

epistemológico parte sempre do racional para o real e não o inverso (Cf. Bachelard apud

BOURDIEU; CHAMBEREDON e PASSERON, 2004, p. 48). Segundo uma abordagem

weberiana, a realidade suporta diferentes perspectivas. Se por um lado as cotas raciais

conseguem realizar com maestria o seu papel de políticas de ação afirmativa, por outro lado elas

implicam a existência de um referencial empírico-teórico que dá sustentação à crítica das cotas

raciais enquanto política pública. Sobre essa polêmica envolvendo as cotas raciais HOFBAUER

(2006) escreve:

É evidente que por trás dessas brigas há orientações divergentes de ordem ideológica e/ou teórica ligadas a diferentes ideais de sociedade, de noção de igualdade e de desigualdade. E há também divergências fundamentais a respeito de conceitos-chave que raramente são explicitados pelos debatedores. Quero demonstrar que as diferentes acepções de categorias chave como “raça”, “negro” e “branco”, devem-se, em boa parte, a tradições acadêmicas específicas e têm implicações importantes para a maneira como os debatedores enxergam o fenômeno da discriminação racial e para as estratégias que desenvolvem. Quero argumentar também que o fato de o debate sobre a introdução de cotas ter se acirrado basicamente sobre a defesa de um “grupo específico” (os negros) versus a defesa de uma espécie de “ethos específico” tem a ver exatamente com essas duas correntes que têm marcado a história da reflexão sobre o negro no Brasil. E que essa confrontação acadêmico-intelectual, que se reproduz também no mundo da mídia, ocorre em detrimento de um aprofundamento da discussão sobre as raízes e o funcionamento do racismo, e, inclusive, em detrimento de uma intensificação do diálogo com recentes e ricas reflexões teóricas sobre o racismo que vem sendo produzidas em outros lugares do mundo (HOFBAUER, 2006, p.11).

Dentre as orientações metodológicas sugeridas por Bourdieu (1998), para nos

mantermos dentro do mesmo referencial utilizado por Santos, destacamos a necessária vigilância

do pesquisador para que a descrição da realidade do mundo social seja percebida como uma

descrição do estado das visões e divisões da realidade em um dado momento. Recorrer a um

referencial ou a outro, se constitui em uma postura política. O que está em disputa é o poder de

homologar legitimidade a uma forma de enunciação das relações raciais.

O efeito simbólico exercido pelo discurso científico ao consagrar um estado das divisões e da visão das divisões, é inevitável na medida em que os critérios ditos ‘objetivos’,

14 Os principais autores aos quais SANTOS (2007) direciona suas críticas são o Prof. Peter Fry e Yvonne Maggie da UFRJ.

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precisamente os que os doutos conhecem, são utilizados como armas nas lutas simbólicas pelo conhecimento e pelo reconhecimento: eles designam as características em que pode firmar-se a crença na unidade (tanto no seio do próprio grupo como nos outros grupos), que – a prazo, e em particular por intermédio das acções de imposição e inculcação da identidade legítima (como as que a escola e o exército exercem) - tende a gerar a unidade real. Em suma, os veredictos mais ‘neutros’ da ciência contribuem para modificar o objecto da ciência: logo que a questão regional ou nacional é objectivamente posta na realidade social, embora seja por uma minoria actuante (que pode tirar partido da sua própria fraqueza jogando com a estratégia propriamente simbólica da provocação e do Testemunho para arrancar réplicas, simbólicas ou não, que impliquem um reconhecimento), qualquer enunciado sobre a região funciona como um argumento que contribui – tanto mais largamente quanto mais largamente é reconhecido – para favorecer ou desfavorecer o acesso da região ao reconhecimento e, por este meio, à existência.

Nada há de menos inocente do que a questão, que divide o mundo douto, de saber se se devem incluir no sistema dos critérios pertinentes não só as propriedades ditas ‘objetivas’ (como a ascendência, o território, a língua, a religião, a actividade econômica, etc.), mas também as propriedades ditas ‘subjetivas’ (como sentimentos de pertença, etc.) quer dizer, as representações que os agentes sociais têm das divisões da realidade e que contribuem para a realidade das divisões (BOURDIEU, 1998, p. 119-120)

Em outras palavras, consideramos que o ato de “ignorar” o referencial teórico

sobre ações afirmativas, de alguns críticos das cotas raciais, é ativo e, por esse motivo, não

implica necessariamente no desconhecimento da existência de um referencial mas, antes disso, é

uma estratégia de luta pela imposição de uma di-visão de mundo.

O nosso esforço, ao contrário, é no sentido de promover a crítica ao sistema de

cotas raciais reinterpretando esse referencial teórico. Especificamente, nosso objetivo é utilizar

uma teoria do reconhecimento para sustentar nossa crítica ao sistema de cotas, mas isso somente

se torna possível “Rethinking recognation”15.

Cabe ressaltarmos que as políticas de ações afirmativas não se esgotam com as

políticas de cotas raciais. As cotas aparecem como estratégia resultante da interação de

determinada teoria de ação afirmativa com demandas e iniciativas de atores que se materializam

em conjunturas, traduzindo interesses, tensões, disposições institucionais e processos de

legitimação politicamente especificados.

Em sua tese, Santos faz um trabalho robusto de condensação dos conceitos

utilizados pelas principais autoridades sobre o tema das ações afirmativas. Aproveitando a

condensação de conceitos feita por Santos, tentaremos rapidamente identificar as principais

15 Aproveitamos o título de um artigo de Fraser (2000), para um trocadilho que expressa bem nossos objetivos nesse trabalho.

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tendências na conceituação das ações afirmativas. A primeira conceituação a que recorremos é

uma das principais divulgadoras das ações afirmativas, formulada pelo jurista Joaquim B.

Barbosa Gomes. Tal conceituação trata as ações afirmativas como políticas públicas ou/e

privadas direcionadas para a “concretização” do princípio da igualdade material e a neutralização

da discriminação (Cf. GOMES, 2002, p. 128).

Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades privadas, elas visam combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnada de um caráter de exemplaridade, têm como meta também o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, aptas a inculcar nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Por outro lado, as ações afirmativas constituem, por assim dizer, a mais eloqüente manifestação da moderna idéia de Estado promovente, atuante, eis que de sua concepção, implantação e delimitação jurídica participam todos os Órgãos estatais essenciais, aí se incluindo o Poder Judiciário, que ora se apresenta no seu tradicional papel de guardião da integridade do sistema jurídico como um todo e especialmente dos direitos fundamentais, ora como instituição formuladora de políticas tendentes a corrigir as distorções provocadas pela discriminação (GOMES, 2002, p 128-129).

Ressaltamos as preocupações na definição do agente responsável pelas ações

afirmativas, das justificações, dos objetivos e do público alvo. É ingênuo pensar que essas

discussões são hermeticamente fechadas. Na verdade, as estratégias utilizadas para implantação

das ações afirmativas – tais como as cotas raciais – respaldam e são respaldadas por essas

definições, ou seja, pelo discurso acadêmico que legitima ao mesmo tempo em que é legitimado

por elas. Temos então um paradoxo: as definições de ação afirmativa, como a transcrita acima,

são concebidas de forma ampla, habilitando a definir qualquer estratégia de implantação já

proposta. Por outro lado, com definições tão amplas qualquer estratégia proposta pode ser

classificada como ação afirmativa. Entendemos ser essa a principal dificuldade encontrada pelos

críticos das cotas raciais para, utilizando um referencial teórico sobre ações afirmativas, atingir

seus objetivos.

Outra importante conceituação de ação afirmativa é a apresentada pelo sociólogo

Valter Silvério, nos seguintes termos:

Ações afirmativas são um conjunto de ações e orientações do governo para proteger minorias e grupos que tenham sido discriminados no passado. Em termos práticos, as organizações devem agir positiva, afirmativa e agressivamente para remover todas as barreiras, mesmo que informais ou sutis. Como as leis antidiscriminação – que oferecem possibilidades de recursos a, por exemplo, trabalhadores que sofreram discriminação -, as políticas de ações afirmativas têm por objetivo fazer realidade o princípio de igual

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oportunidade. E, diferentemente dessas leis, as políticas de ação afirmativa têm por objetivo prevenir a ocorrência de discriminação (SILVÉRIO, 2002a, p. 91-92).

Silvério, em outro trabalho do mesmo ano, indica que o prolongamento do debate

sobre a aceitação ou não da modalidade mais polêmica de ação afirmativa, as cotas raciais, é um

empobrecimento do conteúdo da discussão que acaba deixando em segundo plano a principal

questão: “Como podemos incluir minorias historicamente discriminadas, uma vez que as

políticas universalistas não têm tido o sucesso almejado, e, ao mesmo tempo, debater em que

bases é possível rever aspectos fundamentais do pacto social?” (SILVÉRIO, 2002b, p. 220).

A preocupação manifesta por Silvério é válida, mas não justifica outorgar um

salvo conduto às políticas de cotas raciais. O debate sobre essa estratégia deve ser fomentado

para que suas limitações fiquem explícitas e alternativas a ela sejam propostas.

Nossa proposta permite-nos um passo adiante, na direção de políticas de ação

afirmativa vinculadas a uma teoria do reconhecimento orientada para um modelo de status, e não

para um modelo de identidade. A mudança do modelo de identidade para o modelo de status nos

permite resolver alguns problemas crônicos do modelo de identidade como, por exemplo, separar

as reivindicações justificáveis das injustificáveis.

Esse tema cria sérias dificuldades para aqueles que tratam o reconhecimento como um problema da ética. Teóricos que justificam o reconhecimento como um meio de auto-realização são particularmente vulneráveis a objeções sobre esse ponto. De acordo com Axel Honneth, por exemplo, todos precisam ter suas particularidades reconhecidas a fim de desenvolver auto-estima, o que (junto com auto-confiança e auto-respeito) é um ingrediente essencial para uma identidade não distorcida (Honneth, 1995). A partir disso, parece que as demandas por reconhecimento que promovem a auto-estima dos reivindicantes são justificadas, enquanto aquelas que a diminuem não o são. Sob essa hipótese, entretanto, identidades racistas pareceriam merecer algum reconhecimento, já que elas permitem a alguns europeus e euro-americanos pobres manter o seu senso de valor próprio por meio do contraste entre eles e seus supostos inferiores. Reivindicações anti-racistas enfrentariam um obstáculo, ao contrário, já que elas ameaçam a auto-estima dos brancos pobres. Infelizmente, casos como esse, em que o preconceito proporciona benefícios psicológicos, não são, de forma alguma, raros (FRASER, 2007, p. 124- 125).

Pelo modelo de status, a falta de reconhecimento (ou o reconhecimento

inadequado) constitui uma forma de subordinação institucionalizada e, como tal, uma séria

afronta à justiça. Por esse prisma, o que deve ser atacado são as formas institucionalizadas de

subordinação que impedem a participação do indivíduo como um par na interação social. Não se

trata de fomentar políticas de identidade, mas de permitir a realização do princípio da autonomia.

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“[…] or, more specifically, changing the interaction-regulating values that impede

parity of participation at all relevant institutional sites. Exactly how this should be done depends

in each case on the mode in which misrecognation is institutionalized” (FRASER, 2000, p. 115).

Nessa perspectiva, a necessidade de ações afirmativas é evidente nos locais em

que os indivíduos são privados do direito de serem parceiros integrais na interação social. Por

esse motivo, entendemos que as universidades públicas brasileiras não deveriam estar na pauta

dessa discussão, pois não institucionalizam políticas de admissão racistas.

Por outro lado, o processo vestibular institucionaliza restrições implicitamente

baseadas na classe social do candidato, uma vez que os mais abastados usualmente frequentam as

instituições mais qualificadas do ensino fundamental e médio16 e, por esse motivo, estariam mais

preparados para o exame17. Nesse contexto, as discussões que tratam de ações afirmativas para as

universidades publicas deveriam ser orientadas para argüir critérios de admissão fundados em

condições de classe. Assim sendo, as cotas sociais, a extinção do exame vestibular e/ou a criação

de cursos pré-vestibulares para a população carente aparecem como estratégias possíveis. Em

todo caso, o crucial, em um modelo de status, é que as reivindicações por paridade participativa

devem ser duplamente validadas.

Reivindicantes devem mostrar, primeiro, que a institucionalização das normas culturais da maioria nega-lhes a paridade participativa e, segundo, que as práticas cujo reconhecimento eles buscam não nega a eles mesmos a paridade participativa, a alguns membros do grupo bem como a não membros. Para o modelo de status ambas as exigências são necessárias; nenhuma delas sozinha é suficiente (FRASER, 2007, p. 129).

Em nosso entendimento, as cotas raciais não resistem a uma confrontação com

qualquer dos requisitos expostos por Fraser (2007), mas é especialmente vulnerável ao segundo

critério por se assentar sobre um modelo de identidade.

A despeito disso, conforme já havíamos adiantado, as cotas raciais são a principal

vertente pela qual as ações afirmativas para acesso ao ensino superior estão sendo discutidas no

Brasil. E conforme indica SOWELL (2004), as ações afirmativas passaram a ser, em muitos

casos, um conceito numérico quer fossem eles chamados de “cotas” ou de “objetivos”.

16 Em sua maioria essas instituições são privadas. 17 Enquanto essa dissertação estava sendo escrita, discutia-se no Congresso Nacional a adoção do vestibular unificado para todas as universidades federais, o que, em nosso entendimento, gera outros problemas de reconhecimento que extrapolam os objetivos desse trabalho.

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Abdicar de questionar as políticas de cotas raciais em favor de uma discussão

ampliada sobre as ações afirmativas como um todo seria adotar, utilizando uma classificação

Weberiana, uma ética da convicção em detrimento de uma ética da responsabilidade. Seria uma

presunção tácita de que os fins justificam os meios.

Portanto, nossas discussões sobre ações afirmativas estão dentro de um recorte

específico, funcionando como recurso de contextualização para o debate das cotas raciais como

política pública de acesso ao ensino superior.

2.2. Cotas raciais

As cotas raciais, conforme são apresentadas no debate brasileiro, se configuram

enquanto a modalidade mais polêmica e agressiva de ação afirmativa. Entre as justificações para

adotá-las como um dos critérios para ocupação de vagas no ensino superior público do país, seus

defensores destacam o sentido de urgência em se criar uma elite negra e/ou de se efetivarem

ações de combate ao racismo (MUNANGA, 2003; CÉSAR, 2007).

Sua implementação consiste basicamente em reservar uma fração da quantidade

total das vagas disponíveis nas universidades para alunos autodeclarados negros (em alguns

casos também é aberta essa possibilidade para índios e portadores de necessidades especiais).

Esses alunos concorrem, somente entre si, por uma das vagas reservadas18.

Em sua dissertação intitulada “Entre a morte e a ressurreição de um mito: os

discursos públicos da academia sobre as ações afirmativas no Brasil”, Franco (2006) fez um

levantamento dos artigos escritos em jornais de grande circulação do Rio de Janeiro, São Paulo e

Brasília e catalogou, ao todo, 108 (cento e oito) artigos19 tratando diretamente do tema cotas

raciais/ ações afirmativas. Do total de artigos investigados, a pesquisa apurou os seguintes

resultados.

18 Nosso entendimento é que esse procedimento não passa no nível de validação intragrupo pois mantém inalterada a relação de subordinação baseada em classe dentro do próprio grupo. 19 O Quadro 2 reflete a utilização que os membros da academia (pós graduados, mestres e doutores, e pessoas ligadas às universidades) fizeram da mídia por meio da publicação de artigos.

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Quadro 2 – Artigos publicados em jornais de grande circulação de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília entre 2001 e 2006 abordando o tema das cotas raciais/ ações afirmativas.

Quantidade de artigos Ano Favoráveis Contrários Neutros Total

2001 03 05 01 09

2002 04 03 00 07

2003 15 11 00 26

2004 25 22 02 49

2005 03 04 03 10

2006 01 05 01 07

TOTAL 51 50 07 108

AUTORIA1 29 32 06 67 1 Quantidade de autores em cada categoria.

fonte: FRANCO, 2006.

A autora estabelece como marco inicial para a compilação dos artigos no ano de

2001. Esse recorte se deveu à da realização da III Conferência Mundial Contra o Racismo,

Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas, realizada em Durban, África do Sul e

apontada como marco definitivo da entrada das ações afirmativas na agenda pública brasileira

(BRANDÃO, 2007). Também em 2001, outro fato marcante, foi a aprovação da Lei n°.

3.708/2001 do Estado do Rio de Janeiro, que criou “cota mínima” de 40% de negros e pardos

para o preenchimento de vagas oferecidas pelas universidades públicas daquele Estado (UERJ e

UENF).

O Quadro 2, acima, deixa claro que os anos em que o volume de artigos foram

maiores são justamente os anos em que, 1) é aprovada a Lei n°. 4.151/03 que, alterando a lei

anterior, define os critérios de reserva de vagas que vigoram até hoje, tanto da UERJ, quanto na

UENF (20% para egressos de escolas públicas, 20% para negros e 5% para “portadores de

necessidades especiais”); e, 2) o ano de instituição das cotas raciais no vestibular da UnB – 2004.

Também é possível notar um equilíbrio em relação à quantidade de artigos favoráveis à cotas

publicados na imprensa e a quantidade de artigos contrários (51 e 50 respectivamente), bem

como a diversidade de opiniões favoráveis e contrárias (29 e 32 respectivamente).

Esses dados ajudam a demonstrar a utilização da mídia como instrumento para

legitimar uma abordagem sobre o tema das ações afirmativas/ cotas raciais. Ao contrário de

darmos vida própria à mídia, percebendo-a como agente dotado de intenções, ela se constituiu

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em nosso trabalho como campo, no sentido que Bourdieu atribui a esse termo, ou seja, a mídia

serve principalmente como um locus privilegiado para observação das disputas pelo poder de

enunciação. Dessa forma, evitamos atribuir ao campo (à mídia), uma subjetividade que não lhe é

peculiar, mas que pode ser empiricamente referida em seus canais particularizados, vez que

seguem linhas editoriais estabelecidas por pessoas dotadas de subjetividade. Quando o jornal

Folha de São Paulo faz menção, explicitamente contrária,20 às políticas de cotas raciais em seu

editorial, ela não está representando a opinião da mídia – ou dos jornais – na verdade, está mais

refletindo uma posição no campo de luta do que a posição do campo.

Franco (2006) buscou apreender os principais argumentos utilizados tanto nos

artigos que defendiam (Tabela 2) a instituição das cotas raciais, quanto nos artigos contrários

(Tabela 1). Em sua pesquisa, a autora agrupou os artigos, publicados em jornais de grande

circulação do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, por área de conhecimento, chegando a

resultados que apontam interessantes possibilidades de análise (vide Anexo I)

Verificando o quadro com os argumentos contrários e favoráveis às cotas,

podemos identificar os principais pontos de polêmica e os argumentos de mais apelo entre os

defensores e detratores das cotas raciais.

Tabela 1 - Descrição e incidência de argumentos contrários às cotas/ ações afirmativas presentes nos artigos publicados em jornais de grande circulação do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Brasília entre 2001 e 2006.

Descrição Incidência %¹

1c O problema do acesso à universidade é mais de cunho sócio-econômico do que racial 03 06

1c. a Medidas universalistas: ampliação e melhoria nos níveis de ensino básico e superior 28 56

1c. b Medidas específicas para o pobre ex ante. Ex: cotas para a rede pública ou por corte de

renda/ vagas subsidiárias nas particulares

13 26

Tabela 1 - Descrição e incidência de argumentos contrários às cotas/ ações afirmativas presentes nos artigos publicados em jornais de grande circulação do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Brasília entre 2001 e 2006.

20 “... o racismo é, sem dúvida, uma das graves mazelas que atingem o mundo. E o ‘racismo cordial’ brasileiro não é uma exceção. Ao contrário até, ele conspira para esconder o problema e, dessa forma, eternizá-lo. É mais do que louvável, portanto, o desejo do PT de instituir mecanismos efetivos de combate ao racismo. Mas a proposta de criar cotas para estudantes negros nas universidades públicas, em que pese sua justeza, apresenta tantas dificuldades conceituais e práticas que o bom senso recomendaria reconsiderá-la. [...] esta Folha é contrária à política de cotas. Para além dos problemas operacionais que cria, ela tem como pressuposto a noção equivocada de que se combate uma injustiça criando outra” (Folha de S. Paulo, 11 nov. 2002 – Editorial).

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Descrição Incidência %¹

1c. c Medidas específicas para o pobre ex post. Ex: pré-vestibulares, bolsas para alunos

carentes, mais dinheiro para escolas pobres

04 08

2c Critério étnico das cotas é inconcebível, não há com identificar a origem racial 25 50

3c Cotas contrariam excelência do mérito 17 34

4c As cotas ferem o principio da isonomia: todos são iguais perante a lei 15 30

5c Cotas produzirão conflito racial, contrariando a práxis de convivência pacífica

brasileira

15 30

6c Cotas reduzirão a qualidade do ensino superior público 12 24

7c Cotas oficializam a discriminação servindo de estigma para o negro universitário 09 18

8c Cotas também são uma medida elitista: para a elite negra. Apesar do beneficio

imediato para alguns, não conseguirão reverter o quadro de exclusão histórica

09 18

9c Cotas são simplesmente assimilação da matriz norte-americana 07 14

10c Mecanismos racistas atuam na sociedade, mas não no acesso ao ensino superior. Ações

afirmativas são propícias em outros espaços.

06 12

11c Problemas específicos de implantação do sistema: proporção de vagas, nível de debate

entre as comunidades, etc.

05 10

12c Outros 02 04

¹ A soma dos percentuais apresentados no Tabela 1 supera 100% pois uma artigo pode conter mais de um dos argumentos expostos. Tabela 1 - fonte: FRANCO, 2006.

Na Tabela 1, podemos observar que os conceitos de cotas raciais e de ações

afirmativas em alguns momentos se confundem; essa dificuldade em separar um do outro,

presente nas argumentações contrárias à política de cotas raciais, também está presente na

argumentação favorável e é um forte indício do quão imbricado acabam ficando os dois

conceitos no terreno do debate público.

Na polêmica que se estabelece em torno da adoção das cotas raciais, o principal

argumento contrário à implantação das mesmas nas universidades públicas, é de que deveriam

ser tomadas medidas universalistas para ampliação e melhoria do ensino básico e superior (56%

das ocorrências).

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Em contraposição, alguns defensores das políticas de cotas, argumentam que as

políticas universalistas por si só, não são suficientes para resolver o problema da desigualdade

racial. Esse entendimento parte, em sua forma pessimista, do pressuposto de que a crise do

Estado de Bem-Estar Social é a comprovação cabal da escassez dos recursos; e sendo o Estado

incapaz de prover os bens necessários a todos, é perfeitamente legítimo que os negros solicitem

mais participação. Vertentes menos pessimistas, sustentam que as demandas devem ser pautadas

nos dois sentidos, tanto no aumento da qualidade e da quantidade das vagas no ensino superior

quanto em medidas focalizadas no sentido de promover acesso dos negros aos cursos superiores.

A esse respeito, Sowell (2004) pondera que este tipo de situação, na melhor das

hipóteses, configura um jogo de soma zero, por que o que acontece em alguns casos é que a

soma torna-se negativa, pois uma quantidade maior de pessoas se sente prejudicada por ter sido

preterida em favor dos cotistas.

Ainda noutro sentido a reação contra a preferência para outro grupo não é proporcional ao benefício transferido. Um observador das políticas preferenciais na Índia notou o ressentimento desproporcional contra as vagas reservadas para ‘a lista’ Scheduled Castes, eufemismo oficial dos ingleses para os intocáveis:

‘... ouvimos inúmeros relatos de pessoas que foram privadas de nomeações em favor de outras que tiraram notas mais baixas em testes de seleção. Não há dúvida de que isso ocorre, porém se todas essas pessoas estivessem, de fato, pagando o preço por nomeações das ‘castas da lista’, as SC –Scheduled Castes, haveria bem mais pessoas SC nomeadas que na realidade há. Para ilustrar: suponha-se que 300 pessoas se qualificaram para 10 cargos disponíveis. Os nove primeiros são nomeados por mérito, mas a décima vaga é reservada, de modo que as autoridades correm a lista para achar um candidato SC. Encontram um no 140º lugar da lista e ele é nomeado. Ato contínuo, todos os 131 candidatos entre ele e a lista do mérito se sentem prejudicados. Mas o candidato SC não ocupou 131 cargos, ocupou apenas um, embora as 131 pessoas preteridas se considerem pagando o preço da preferência. Ademais, os restantes 159 frequentemente também se ressentem com a situação, acreditando que suas chances, de alguma maneira, ficaram diminuídas com a existência de reservas para as castas da lista SC21’ (SOWELL, 2004, p. 17 – 18).

O segundo argumento mais utilizados para contrapor a adoção das políticas de

cotas raciais (50% de incidência), é a impossibilidade de identificação precisa da origem racial

para caracterizar a condição de negro no Brasil.

21 Lelah Dushkin, ‘Backward Class Benefits and Social Class in India, 1920 – 1970’, Economic and Political Weekly, 7 de abril de 1979, p. 666. Se bem que o exemplo seja hipotético, não está muito afastado do que realmente ocorreu: ‘Embora 18% das vagas estivessem reservadas para Castas Tabeladas, apenas um candidato SC foi aprovado no exame, mas só em 105º lugar’. Marc Galanter, Competing Equalities, p. 425. Bárbara R. Joshi, ‘Whose law, Whose Order: ‘Untouchables’ Social Violence and the State in India’, Asian Survey, julho de 1982, p. 680 – 682. – Nota do autor.

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Esse argumento se sustenta em estudo realizado sobre o genoma dos brasileiros.

Esse estudo indica que é de 87% a quantidade total de brasileiros que poderiam se identificar

como negros22., demonstra ainda que mais de 75% dos autodeclarados brancos nas regiões

norte, nordeste e sudeste possuem ancestralidade africana23; e mesmo na região sul, que contou

com forte imigração européia, 49% dos autodeclarados brancos apresentam as mesmas

características (Cf. PENA; BERTOLINI, 2002). Em resposta os defensores das cotas raciais

convocam os estudos de Oracy Nogueira, que distingue o “preconceito de marca” do

“preconceito de origem”. Essa diferenciação é explicada por Pena e Bertolini,

O primeiro vitimiza a aparência e se baseia nos traços físicos do indivíduo, enquanto o segundo depende da percepção de que o indivíduo descende de certo grupo ético. Nogueira associa o ‘preconceito de marca’ com o Brasil e o ‘preconceito de origem’ com os Estados Unidos (PENA; BERTOLINI, 2004, p.45)

O terceiro argumento, em volume de incidência nos artigos, trata da afronta ao

princípio do mérito que representa a adoção de cotas para acesso ao ensino superior. A principal

contra-argumentação trata da necessária subordinação do princípio do mérito ao princípio da

igualdade. Nessa perspectiva o mérito não é afrontado, uma vez que mesmo os candidatos que

fizeram uso das cotas no vestibular continuariam a passar pelo processo seletivo. Em contrário,

argumenta-se que o princípio do mérito subordinado ao princípio da igualdade promove uma

igualdade substantiva em oposição à igualdade meramente formal.

Continuando nos argumentos contrários às cotas, a agressão ao principio da

isonomia, vem logo em seguida, quando verificamos, em ordem decrescente, a quantidade de

ocorrência dos artigos contrários à adoção das políticas de cotas. A contra-argumentação se

pauta, assim como no parágrafo anterior, em uma diferenciação entre os tipos da igualdade

desejada (formal ou substantiva) e que, consequentemente, se busca. A isonomia praticada pelas

universidades, na realidade promove uma igualdade formal que tem como conseqüência perversa

a proteção aos já “bem aventurados”; as cotas por outro lado, buscam, como horizonte ético e

doutrinário, uma igualdade substantiva que promove a igualdade de oportunidades dando

tratamento desigual aos desiguais. Desta forma, segundo os defensores das cotas raciais,

22 Essa estimativa foi uma ilustração da dificuldade em se verificar quem é negro no Brasil, uma vez que a one drope rule não se aplica em nossa sociedade. Para essa ilustração, estipulou-se aleatóriamente que negros seriam as pessoas que apresentassem pelo menos de 10% (dez por cento) de genoma contendo marcadores geográficos de ancestralidade africana, o que é muito mais que suficiente se tivermos em conta a regra de uma gota. 23 Pelo menos de 10% (dez por cento) de seu genoma contêm marcadores geográficos de ancestralidade africana.

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possibilita-se aos menos afortunados a perspectiva de também aspirar melhores posições na

sociedade.

Por fim, com a mesma quantidade de ocorrências do argumento contrário às cotas

raciais pela afronta ao princípio da isonomia, o quadro de Franco evidencia o argumento de que a

racialização das políticas públicas encaminha para a institucionalização do racismo no Brasil. Tal

institucionalização poderá gerar animosidades raciais e, consequentemente, quebrar a tradição de

convivência pacífica entre as raças. O contra-argumento busca deslegitimar a preocupação,

considerando-a um exercício de “futurologia”, pois não existem evidências empíricas que

corroborem essa previsão. Pelo contrário, não é razoável que se institua o medo de que medidas

de combate ao racismo e à discriminação racial seja o estopim de conflitos raciais violentos24.

Todos os contra-argumentos descritos acima podem ser visualizados na Tabela 2,

apresentados como principais argumentos favoráveis às cotas raciais/ ações afirmativas. É no

diálogo entre os argumentos presentes na Tabela 1 e na Tabela 2 que é possível retratar as

principais polêmicas presentes no debate e como elas interagem entre si.

Tabela 2 - Descrição e incidência de argumentos favoráveis às cotas/ ações afirmativas presentes nos artigos publicados em jornais de grande circulação do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Brasília entre 2001 e 2006.

Descrição Incidência %²

1f Sentido de urgência: formar quadros de elites negras. 32 63

2f Sentido de reparação: corrigir injustiças históricas e contemporâneas contra os negros. 27 53

3f Cotas não se contrapõem ao mérito. Política beneficiará alunos que superaram

obstáculos mais difíceis e que foram efetivamente aprovados no vestibular.

14 27

4f Pertinência e visibilidade: O preconceito é maior nas esferas de maior prestígio e o

negro só se torna visível quando disputa estes espaços.

13 25

5f O problema não é apenas de classe, mas racial. Só medidas universalistas não

resolvem.

13 25

Tabela 2 - Descrição e incidência de argumentos favoráveis às cotas/ ações afirmativas presentes nos artigos publicados em jornais de grande circulação do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Brasília entre 2001 e 2006.

24 Agora é a vez dos defensores das cotas raciais ignorarem a existência de um referencial empírico existente sobre o tema, como por exemplo Sowell que é largamente utilizado neste trabalho.Segundo ele, não foram as diferenças entre os grupos que geraram as guerras de cunho étnico que ocorreram ao redor do mundo, mas sim a politização destas diferenças (Cf. SOWELL, 2004).

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Descrição Incidência %²

6f Cotas não ferem o princípio da igualdade, pelo contrário, visam estabelecê-lo de

forma efetiva.

13 25

7f As rejeições das cotas estão escoradas em ideologias que visam a legitimação de

privilégios raciais e sociais.

10 20

8f Cotas são emergências. Devem ser acompanhadas de medidas de cunho estrutural. 08 16

9f Apoio à auto declaração, possibilidade de construção de identidades positivas 06 12

10f Invocar o princípio científico de inexistência de raças para combater ações afirmativas

é ignorar o componente sócio-histórico.

+06 12

11f Fator simbólico: Introduzindo o rosto negro no meio acadêmico, as cotas elevarão a

auto-estima do grupo e o impulso de ascensão a este espaço.

05 10

12f A proposta de cotas raciais não incita o conflito racial, mas serve para trazer à tona

sua verdadeira face.

05 10

13f Ações afirmativas não são atestado de incapacidade. Tal visão busca legitimar o

preconceito e a aceitação da desigualdade

04 08

14f Outros 06 12

² A soma dos percentuais apresentados na Tabela 2 supera 100% pois um artigo pode conter mais de um dos argumentos expostos. Tabela 2 - fonte: FRANCO, 2006.

O debate nos meios de comunicação, na academia, ou na câmara dos deputados

sobre a adoção de política de cotas para acesso ao ensino superior, influencia e, ao mesmo

tempo, é influenciado pelas ações práticas adotadas pelas universidades públicas e pelo Estado.

Entre o final de 2008 e o início de 2009 realizamos um levantamento nas

universidades públicas brasileiras sobre a adoção de políticas de ação afirmativa e verificamos

que, no conjunto formado pelas cinqüenta e três universidades federais25 e trinta e oito

universidades estaduais, totalizando noventa e uma universidades públicas, quarenta e quatro não

adotam qualquer tipo de ação afirmativa.

O quadro abaixo fornece um panorama geral sobre as universidades federais,

separadas por região do Brasil, indicando quais adotam políticas de ação afirmativa e,

25 Desconsideramos nesse levantamento os estabelecimentos Militares de Ensino Superior e os Centros Federais de Formação Tecnológica – CEFET

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principalmente, quais as modalidades adotadas em cada instituição (incluindo-se nesse rol as

políticas de cotas raciais). As universidades federais têm uma característica peculiar no que tange

à antecipação legal nesse aspecto, pois a deliberação sobre a obrigatoriedade da adoção de ações

afirmativas pelas instituições ligadas ao Governo Federal ainda não ocorreu no Congresso

Nacional – embora o projeto com esse fim já tenha sido aprovado em primeira votação na

Câmara dos Deputados.

Quadro 3 – Modalidades de ação afirmativa adotadas por universidades federais no Brasil no processo seletivo para ingresso no primeiro semestre de 2009 – Por região.

Universidade Sigla Tipos de ação Região Universidade Federal da Grande Dourados UFGD Não Centro-oeste

Universidade Federal do Mato Grosso UFMT Não Centro-oeste

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul UFMS Não Centro-oeste

Universidade de Brasília UnB Racial Centro-oeste

Universidade Federal de Goiás UFG Racial e social Centro-oeste

Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Bônus social Nordeste

Universidade do Vale do São Francisco UNIVASF Não Nordeste

Universidade Federal da Paraíba UFPB Não Nordeste

Universidade Federal de Campina Grande UFCG Não Nordeste

Universidade Federal de Sergipe UFS Não Nordeste

Universidade Federal do Ceará UFC Não Nordeste

Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE Não Nordeste

Universidade Federal Rural do Semi Árido UFERSA Não Nordeste

Universidade Federal da Bahia UFBA Racial e social Nordeste

Universidade Federal de Alagoas UFAL Racial e social Nordeste

Universidade Federal do Maranhão UFMA Racial e social Nordeste

Universidade Federal do Recôncavo Baiano UFRB Racial e social Nordeste

Universidade Federal de Pernambuco UFPE Bônus social Nordeste

Universidade Federal do Piauí UFPI Social Nordeste

Universidade Federal de Rondônia UNIR Não Norte

Universidade Federal de Roraima UFRR Não Norte

Universidade Federal do Acre UFAC Não Norte

Universidade Federal do Amapá UNIFAP Não Norte

Universidade Federal do Amazonas UFAM Não Norte

Universidade Federal do Pará UFPA Não Norte

Universidade Federal do Tocantins UFT Racial Norte

Universidade Federal Rural do Para UFRA Social Norte

Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Bônus social e racial

Sudeste

Universidade do Rio de Janeiro UNIRIO Não Sudeste

Universidade Federal de Alfenas UNIFAL Não Sudeste

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Universidade Federal de Itajubá UNIFEI Não Sudeste

Universidade Federal de Lavras UFLA Não Sudeste

Universidade Federal de São João Del Rey UFSJ Não Sudeste

Universidade Federal de Viçosa UFV Não Sudeste

Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Não Sudeste

Universidade Federal do Triângulo Mineiro UFTM Não Sudeste

Universidade Federal dos Vales do Jequintinhonha e Mucuri UFVJM Não Sudeste

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ Não Sudeste

Universidade Federal de São Carlos UFSCAR Racial e social Sudeste

Universidade Federal do ABC UFABC Racial e social Sudeste

Universidade Federal Paulista UNIFESP Racial e social Sudeste

Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Social Sudeste

Universidade Federal de Ouro Preto UFOP Social Sudeste

Universidade Federal de Uberlândia UFU Social Sudeste

Universidade Federal Fluminense UFF Bônus social Sudeste

Universidade Federal do Espírito Santo UFES Social Sudeste

Fundação Universidade Federal do Rio Grande UFRG Não Sul

Universidade Federal de Pelotas UFPEL Não Sul

Universidade Federal de Santa Catarina UFSC Racial e social Sul

Universidade Federal de Santa Maria UFSM Racial e social Sul

Universidade Federal do Paraná UFPR Racial e social Sul

Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Racial e social Sul

Universidade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR Social Sul Fonte: Pesquisa Direta.

Da análise do Quadro 3 podemos destacar que vinte e oito universidades federais

não adotaram qualquer tipo de ação afirmativa. Isso representa 53% do total de universidades

federais brasileiras. Os 47% restantes adotaram alguma forma de ação afirmativa, sejam elas

bônus ou cotas.

Podemos verificar ainda que 26% das universidades federais adotaram, como

critério de admissão de candidatos por cotas raciais, usualmente associando ao critério racial

também o critério social. Na verdade, somente duas universidades adotam as cotas “raciais” em

sua modalidade pura, sendo que uma delas, a Universidade Federal do Tocantins – UFT -

estabelece essas cotas para índios (5%) e não para negros, restando, portanto, a Universidade de

Brasília - UnB, primeira universidade federal a adotar a política de cotas e atualmente a única a

estabelecer cotas raciais exclusivamente para a população negra (20%).

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Das que não adotaram as políticas de ação afirmativa destacamos a Universidade

Federal do Amapá – UNIFAP, que em 2008 anunciou para um futuro próximo a criação de cotas

sociais, a Universidade Federal do Pará – UFPA, nos primeiros meses de 2009, está em processo

de deliberação sobre a criação, ou não, das cotas de 20% para negros e, a Universidade Federal

de Sergipe - UFS, que embora tenha deliberado sobre a adoção de ações afirmativas, por meio da

resolução CONEPE no 80/ 2008, não as implementou em 2009, portanto, as ações afirmativas

para ingresso naquela universidade somente vigorarão a partir do processo seletivo para o ano de

2010.

O debate que cerca as políticas de ação afirmativa através de cotas, aliado à

autonomia que gozam os centros universitários permite uma visão privilegiada da tendência26. Os

cenários se multiplicam e vão desde a reserva pura e simples de um percentual fixo sobre a

quantidade total de vagas (UnB, UFT, UFG, UFAL, UFMA, UFSM e UFPR), passando por

estratégias mais complexas como a definição de cotas dentro das cotas (UFRGS, UFSC,

UFABC, UFSCAR, UFRB, UFBA). E ainda há o caso da UFRPA, em que é impossível saber o

percentual de vagas especiais estabelecido pela instituição, uma vez que a reserva é diretamente

proporcional à quantidade de alunos inscritos27. Esse mesmo raciocínio é válido para os bônus28,

que são uma modalidade menos radical de ações afirmativas. Apenas quatro Universidades

Federais utilizam os bônus como modalidade de ação afirmativa29 e dessas, somente uma o

utiliza na modalidade racial/ social, outras três estabelecem somente o bônus social.

Através de um recorte regional, vemos que as universidades da região sul do

Brasil são as que mais aderiram às cotas raciais, com 57% praticando essa modalidade de ação

afirmativa. A região nordeste aparece em terceiro com 29%. A região sudeste com 16% e a

região norte com apenas 13% são as últimas colocadas – porém esse quadro será alterado com a

implantação das cotas raciais na UFPA e na UNIFAP, fortalecendo a tendência a adoção das

cotas raciais na região norte, posicionando-a em terceiro lugar com 36%. Com a adesão da

Universidade Federal de Goiás - UFG - a região centro-oeste se consolida como uma das regiões 26 A cada ano mais universidades implantam políticas de cotas em seus processos de admissão, segundo Franco (2006) no ano de 2002 foram quatro, em 2003 foram duas, em 2004 foram três, em 2005 foram dez e, em 2006 outras seis (Cf. Idem, p. 55) 27 A reserva de vagas da Universidade Federal Rural do Pará é exclusiva para os alunos egressos de escola pública, por este motivo ela está classificada como social no Quadro 3. 28 O bônus, geralmente, constitui pontuação extra, concedida no processo vestibular, aos candidatos destinatários das ações afirmativas. 29 São elas, UFRN, UFF, UFPR e UFMG, cabendo a esta última a utilização dos Bônus socias e raciais.

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brasileiras em que essa tendência se apresenta com mais força, ficando na segunda colocação

nacional em prol das cotas raciais com 40%.

O panorama das universidades estaduais mostra diferenças, que em parte devem-

se à antecipação de alguns governos estaduais no sentido de instituírem legislação própria para

estabelecer as cotas raciais nas universidades.

Quadro 4 – Modalidades de ação afirmativa adotada por universidades estaduais no Brasil no processo seletivo para ingresso no primeiro semestre de 2009.

Universidade Sigla Ações região Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UEMS Racial Centro-oeste

Universidade Estaudal de Mato Grosso UNEMAT Racial Centro-oeste

Universidade Estadual de Goiás UEG Racial e social Centro-oeste

Universidade Estadual de Alagoas UNEAL Não Nordeste

Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS Não Nordeste

Universidade Estadual de Santa Cruz do Sul UESC Não Nordeste

Universidade Estadual do Ceára UECE Não Nordeste

Universidade Estaudal do Maranhão UEMA Não Nordeste

Universidade Estadual do Vale do Aracaú UVA Racial Nordeste

Universidade do Estado da Bahia UNEB Racial e social Nordeste

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB Racial e social Nordeste

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN Social Nordeste

Universidade Estadual do Piauí UESPI Social Nordeste

Univesidade Estadual da Paraíba UEPB Social Nordeste

Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas UNCISAL Racial e social Nordeste

Universidade do Tocantins UNITINS Não Norte

Universidade Estadual de Roraima UERR Não Norte

Universidade Estadual do Pará UEPA Não Norte

Universidade do Estado do Amapá UEPA Racial e social Norte

Universidade do Estado do Amazonas UEA Regional e social Norte

Universidade de Campinas UNICAMP Bônus social e racial Sudeste

Universidade de São Paulo USP Não Sudeste

Universidade Estadual Paulista UNESP Não Sudeste

Universidade Estadual de Minas Gerais UEMG Racial e social Sudeste

Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES Racial e social Sudeste

Universidade Estadual do Norte Fluminense UNEF Racial e social Sudeste

Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ Racial e social Sudeste

Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão

FECILCAM Não Sul

Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Paranavaí

FAFIPA Não Sul

Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC Não Sul

Universidade Estadual de Maringá UEM Não Sul

Universidade Estadual do Centro Oeste UNICENTROS Não Sul

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Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP Não Sul

Universidade Estadual de Londrina UEL Racial e social Sul

Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG Racial e social Sul

Universidade do Oeste do Paraná UNIOESTE Social Sul

Universidade Estadual de Pernambuco UEPE Social Sul

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul UERGS Social Sul Fonte: Pesquisa Direta.

Das trinta e oito universidades estaduais existentes no Brasil, 42%, ou seja,

dezesseis delas não adotaram qualquer tipo de ação afirmativa para ingresso de estudantes. Há,

portanto, uma inversão em relação às universidades federais.

Pelo Quadro 4 percebemos que 36% das instituições estaduais já adotaram alguma

forma de cotas raciais em seu processo de admissão . Mas, assim como nas universidades

federais, a prevalência recai sobre as cotas sociais, utilizadas em mais de 47% das instituições.

Buscando aquele mesmo recorte regional utilizado para análise das universidades

federais, vemos que todas as universidades estaduais do centro-oeste já adotam cotas raciais, fato

que torna a região líder nacional na utilização dessa modalidade de ação afirmativa.

Peculiar é a existência de cotas regionais, na ordem de 80%, adotada pela

Universidade Estadual do Amazonas – UEA. Tal cota ainda é substabelecida para os alunos de

escolas públicas na ordem de 60%, ou seja, dentro da reserva de 80% das vagas destinadas aos

estudantes locais, outra reserva de 60% se estabelece para os estudantes oriundos de escolas

públicas.

Para melhor entendimento dessa tendência de adoção das cotas raciais para

ingresso no ensino superior, dois casos são emblemáticos. Primeiro, o caso da UERJ, que

juntamente como a UENF foram pioneiras na implantação das cotas raciais e, segundo, a UnB

instituição federal de ensino superior pioneira na adoção das cotas raciais.

A UERJ e a UnB, passaram por processos distintos de implantação das cotas

raciais para ingresso em seus cursos. Contudo, ambos constituem pontos de partida para os

debates e experiências desenvolvidas em outras universidades. Nossa observação dos processos

de implantação das cotas raciais ocorridos tanto na UERJ quanto na UnB permite, em

comparação com o processo de implantação das cotas raciais na UFG, aferir as contribuições da

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UFG para o avanço do debate sobre ações afirmativas e, especialmente, sobre as cotas raciais.

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II. SEGUNDA PARTE - IMERSÃO AO EMPÍRICO

Capítulo 3 – UERJ e UnB – Duas referências

Neste capítulo iniciamos nossa imersão ao empírico, para isso dividimos nossa

exposição em duas partes. Na primeira parte trataremos do processo de implementação das cotas

raciais na UERJ e na segunda parte tratarmos do processo de implementação das cotas raciais na

UnB.

A forma como se desenvolveram os projetos de cotas raciais nestas duas

universidades não são novidade. Ambas foram pioneiras nesse tipo de ação servindo

posteriormente de objeto para vários estudos relacionados ao tema. Cientes dessa condição,

nosso esforço será o de discutir de uma maneira sucinta as etapas que antecederam a instituição

das políticas de cotas nestas universidades, principalmente nos apropriando de alguns dos

estudos já realizados e que tratavam especificamente desses casos. Nosso objetivo, nesse

capítulo, é descrever dois processos que se tornaram referência nos debates sobre a implantação

de uma política de cotas nas universidades brasileiras, para então, a partir disso, tentarmos

identificar até que ponto a discussão ocorrida na UFG avança em relação a elas e até que ponto é

possível identificar os elementos de uma teoria do reconhecimento no projeto de cotas proposto

pela UFG. Além disso, vamos assimilar como se operacionalizam as três propostas para, em um

momento posterior de reflexão, verificarmos as convergências e divergências entre elas.

3.1. A UERJ

Enquanto unidade da federação o Estado do Rio de Janeiro pode ser considerado

pioneiro na adoção das cotas raciais para acesso ao ensino superior no Brasil. Naquele Estado a

instituição das cotas raciais de acesso ao ensino superior ocorreu por intermédio de ato

legislativo em um processo surpreendentemente ágil de tramitação e aprovação. HERINGER

(2006) indica que seria necessário investigar melhor o “… motivo pelo qual essa lei foi aprovada

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sem que houvesse maiores debates envolvendo tanto as universidades quanto organizações do

movimento negro” (Op. cit., p. 95). A resposta a essa pergunta pode ser extraída de depoimento

do próprio autor do projeto de lei, o então deputado José Amorim:

“Olha, eu vou ouvir a sociedade, eu vou fazer política, eu vou me apresentar, eu

vou me mostrar? Nunca tive essa finalidade”. Essa frase ilustra de forma precisa o ocorrido que

se tornou título do artigo em que a pesquisadora, para quem o referido deputado concedeu

entrevista, descreve detalhadamente o processo de elaboração da Lei n° 3.708/2001, (Cf. PERIA,

2004b). O fato é que o projeto de lei não foi fruto (ou objeto) de debates com os agentes

interessados (mesmo por que não houve qualquer debate específico para tratar do projeto).

Entretanto, isso não que dizer que não há traços de participação popular na formulação do

mesmo.

SANTOS (2006, p. 112), atribui a lei, ao grande impacto da “capilarização de

militantes do movimento negro em diversas entidades e instâncias de atuação”, pois o projeto foi

encaminhado por um “parlamentar cujo partido tinha um assessor com destacada atuação na luta

antiracismo”. Nos termos do autor coube ao assessor a propositura do projeto de lei, o qual foi

prontamente acolhido pelo parlamentar.

De fato, a mobilização do movimento negro teve um papel preponderante na

elaboração da Lei n° 3.078/2001. Contudo, sua participação pode ser atribuída muito mais à

criação de um amplo debate nacional sobre a 3a Conferência Mundial contra o Racismo das

Nações Unidas - CMR, de onde foi pinçada a idéia da Lei, do que um papel ativo na propositura

e formulação da mesma. Afinal, projetos de lei com objetivos semelhantes, como o de nº

1.600/1993, de autoria do deputado Carlos Minc, o qual foi objeto de amplo debate com diversos

setores da sociedade, tramitaram na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro –

ALERJ e não lograram êxito em suas pretensões.

Dois fatores contribuíram sobremaneira para que a lei ascendesse do campo da

intenção para efetivamente existir. Primeiro, podemos citar o contexto político do Brasil no

momento imediatamente anterior à Conferência. PERIA (2004a) identifica esse momento como a

semana que antecedeu a CMR e cita a polêmica envolvendo o presidente Fernando Henrique

Cardoso – o qual apoiou publicamente o projeto das cotas raciais - e o então ministro da

Educação, Paulo Renato Souza - que se opôs. Mas, talvez o fator mais importante tenha sido o

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intenso processo preparatório que envolveu as instituições e organizações do movimento negro,

assim como outros movimentos sociais, diversos setores do governo federal e a mídia.

A inépcia da imprensa na repercussão das ações de preparação para a Conferência

motivou algumas organizações do movimento negro30 a recorrerem à Comissão de Direitos

Humanos da Câmara Federal com a proposta de um seminário para debater sobre o silêncio do

conjunto dos meios de comunicação em relação ao racismo e, mais especificamente, sobre a falta

de atenção dada ao processo preparatório para a CMR.

O primeiro seminário foi realizado em Brasília, no dia 06 de agosto de 2001 com

o tema “Racismo na mídia: verdades e mentiras”. Em seguida, no dia 21 de agosto, ocorreu outro

seminário, desta vez no Rio de Janeiro, que se pautou pela mesma agenda. Por esse motivo seria

correto afirmar que:

[…] a mobilização dos envolvidos no processo preparatório da conferência – entidades e organizações do movimento negro, Organização das Mulheres Negras Brasileiras, outros movimentos sociais, setores do governo, da academia e da mídia – e as alianças criadas durante o processo, tiveram um papel importante em forçar o interesse da mídia sobre o assunto. (PERIA, 2004a, p. 63)

Ulterior aos seminários, diversos artigos foram publicados em jornais de

circulação nacional e regional sobre os preparativos para a CMR, fato que conferiu relevância e

visibilidade à matéria. A polêmica envolvendo o presidente da República e o seu ministro da

Educação apareceu na esteira desse processo e serviu como catalisador para os debates.

Conforme indica PERIA (2004a), a cobertura jornalística da CMR foi objeto de

pesquisa desenvolvida e administrada pela articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras,

a qual indica que na semana que antecedeu à conferência (entre 25 e 31 de agosto), cento e

setenta matérias foram publicadas nos cinco31 maiores jornais brasileiros (entre artigos, opiniões,

editoriais e cartas). Durante todo o período em que a pesquisa foi realizada apurou-se um total de

quatrocentas e cinquenta e oito matérias publicadas; das quais cento e setenta e oito (39%)

abordam o tema das políticas de ações afirmativas, com destaque para as propostas de cotas

raciais (Cf. PERIA, 2004a, p. 54).

30 O Instituto da Mulher Negra (SP), o escritório nacional Zumbi dos Palmares, Geledés e a comunidade Bahá'í do Brasil são citadas nominalmente por PERIA (2004a, p. 62), como provocadoras dos seminários. 31 O estudo utilizou como referência os seguintes jornais: O globo, Correio Brasiliense, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e o Estado de São Paulo.

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O segundo fator foi a habilidade e o grande capital político do deputado José

Amorim (PPB), o que, de certa forma, facilitou a tramitação da matéria na ALERJ.

A idéia de uma lei que instituía cotas raciais para acesso à universidade foi

sugerida ao deputado por uma pessoa que não fazia parte do seu quadro de assessores. SANTOS

(2006) indica que essa outra pessoa era um assessor do partido com destacada atuação no campo

das lutas antiracismo (Cf. op.cit., p. 112).

Por outro lado, PERIA (2004a; 2004b), embasando-se nas palavras do próprio

deputado José Amorim, atribui a Continentino Porto, jornalista aposentado e ex-presidente do

comitê de imprensa da ALERJ, a semente inicial do projeto.

Conforme podemos visualizar em sua fase embrionária, o projeto de lei que

instituía as cotas raciais foi essencialmente iniciativa de um agente particular. Entretanto, essa

iniciativa pode ser imputada, segundo palavras do próprio autor à sua atividade jornalística, pois

o mesmo até aquele momento nunca tivera relação com movimentos sociais, movimentos negros

ou qualquer outra organização.

'… eu li em um jornal uma notinha, numa coluna, não me lembro qual foi, sobre um projeto do Senador José Sarney, que foi presidente da República, este projeto concede 40% das vagas nas Universidades Federais ao negro e pardo. Então baseei nisso, e também em informações do IBGE e tudo, né?, da população negra, entendeu, e aí então atinge 40%. Aí fui pesquisar, pesquisei tudo, entendeu, no Senado tudo, e pedi o Senado então, que o gabinete do Zé Amorim mandasse para lá em meu nome e eu estudei, pesquisei e fiz (Continentino apud PERIA, 2004a, p. 57).

A utilização dos meios de comunicação social como instrumento de mobilização e

convencimento é uma prática cada vez mais intensificada (Cf. BARROS, 1998, p.202). É como

instrumento que notamos os veículos de comunicação impressa enquanto campo privilegiado

para difusão dos ideais do movimento negro reverberando esses ideais no deputado José Amorim

e posteriormente em toda a Sociedade. Motivo pelo qual consideramos apropriado outorgar

crédito ao coletivo de atores (movimento negro, profissionais da mídia impressa e ao deputado

José Amorim) que transformaram, nesse curto período de tempo, as políticas de ações

afirmativas – e no caso específico as cotas raciais – de um “estado de coisas32” em um “problema

político”.

32 Havia projetos prevendo a implantação de ações afirmativas no Estado do Rio de Janeiro desde 1993. Entretanto seus propositores não lograram êxito ao tentarem inserí-los na pauta de deliberações; por esse motivo, as ações afirmativas, até então, nunca passaram de um 'estado de coisas'. RUA (1998) indica que: “Uma dada situação

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A alta visibilidade que o tema das cotas raciais estava tendo, nos jornais e

revistas, impactou positivamente no desejo do deputado José Amorim de legislar sobre a matéria.

A sua entrada em cena deu às ações afirmativas contornos que apressaram o seu processo de

transformação em problema político.

Para que um estado de coisas torne-se um problema político e passe a figurar como item prioritário da agenda governamental é necessário que apresente pelo menos uma das seguintes características:

1. mobilize ação política: expresse ou a ação coletiva de grandes grupos, ou a ação coletiva de pequenos grupos dotados de fortes recursos de poder, ou a ação de atores individuais estrategicamente situados;

2. constitua uma situação de crise, calamidade ou catástrofe, de maneira que o ônus de não resolver o problema seja maior que o custo de resolvê-lo;

3. represente uma situação de oportunidade, ou seja, signifique vantagens, antevistas por algum ator relevante, a serem obtidas com o tratamento daquele problema (RUA, 1998, p. 240).

O deputado foi um ator relevante no processo, extremamente familiarizado com

os bastidores da ALERJ e com grande prestígio perante seus pares (pelo menos a maior parte

deles), demonstrou grande habilidade para fazer com que seu projeto tramitasse de forma célere

naquela Casa de Leis33. Provavelmente com o intuito de aproveitar o momento favorável às cotas

raciais junto à imprensa, o deputado fez tramitar o projeto de lei sem grande alarde e sem

promover discussões na ALERJ. Esta forma de condução do processo (sem repercussão e

discussão), previne que a autoria da lei seja compartilhada com outros parlamentares, garantindo

para o deputado os louros pela iniciativa, ao mesmo tempo em que garante a aprovação da lei

sem retardados, motivados por infindáveis negociações.

A criação da lei que institui as cotas raciais no Rio de Janeiro traz em sí os traços

típicos dos trabalhos realizados pela ALERJ, a alta produtividade dos deputados em matérias de

alta visibilidade e com características alocativas permite ganhos de capital político em um

ambiente de alta competitividade. Por não fazer parte da oposição sistêmica ao governo, ele

conseguiu reunir, entre os seus pares, as assinaturas necessárias para que o projeto tramitasse em

pode perdurar durante muito tempo, incomodando grupos e gerando insatisfações sem, entretanto, chegar a mobilizar as autoridades governamentais. Nesse caso, trata-se de um 'estado de coisas' – algo que incomoda, prejudica, gera insatisfação para muitos indivíduos, mas não chega a constituir um item da agenda governamental, ou seja, não se encontra entre as prioridades dos tomadores de decisão. Quando esse estado de coisas passa a preocupar as autoridades e se torna uma prioridade na agenda governamental, então torna-se um 'problema político' (Ibdem, p. 238). 33 Para uma discussão detalhada do processo de elaboração e aprovação das leis que estabelecem as cotas raciais no Estado do Rio de Janeiro ler a dissertação de PERIA (2004a).

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regime de urgência na ALERJ. Porém, durante o processo de tramitação, outro deputado

apresentou um requerimento para que o projeto de José Amorim fosse anexado ao seu. Desta

forma, o projeto do referido deputado, por ser mais antigo, entraria na pauta das prioridades da

casa.

Em mais uma demonstração de habilidade e prestígio perante seus pares, José

Amorim alegou que os projetos eram substancialmente diferentes e, com isso, conseguiu

desvinculá-los e levar o seu à sessão plenária onde foi aprovado por unanimidade em votação

simbólica34.

A conjunção do regime de urgência, estabelece que os projetos de lei assim

classificados devem ser analisados e votados nas próximas duas sessões, e da votação simbólica,

dificulta o acompanhamento e fiscalização do conteúdo dos projetos de lei que estão em pauta

tanto pelos legisladores quanto pela sociedade em geral, possibilitou, ao deputado, o tramite de

seu projeto sem alarde.

PÉRIA (2004a) se apropria do estudo comparativo realizado por Santos para

explicar o caráter específico da produção legislativa na Alerj estabelecendo um panorama

elucidativo de como se delineou o processo de tramitação do projeto de lei.

Santos [(2001)] resume os efeitos da combinação destes fatores [o risco permanente de perder as próximas eleições e uma organização institucional descentralizada que apoia a participação de deputados viabilizando suas próprias agendas legislativas] sobre a produção legislativa da Alerj em três tendências:

• 'elevada produção legislativa dos deputados visando dar retorno aos eleitores de seu trabalho na Assembléia;

• elevada produção legislativa na área alocativa tendo em vista distribuir benefícios visíveis a baixo custo;

• elevado grau de resposta dos deputados em termos de produção legislativa de alta visibilidade pública (idem: 180).

O projeto de Amorim pode ser entendido a partir dessas três tendências. A alta visibilidade pública conferida à questão da ação afirmativa e cotas para negros nas universidades públicas tem um impacto direto no desejo de Amorim de legislar sobre a questão. À medida que a atenção da mídia aumentou, aumentou também a 'cotação' do projeto de cotas como recurso político dentro do campo político da Alerj. Com as apostas do jogo subindo às alturas, o embate entre políticos dentro da Alerj pelo controle da proposta se intensificou em uma batalha burocrática (PERIA, 2004a, p. 67)

34 No processo de votação simbólica o presidente coloca o processo em votação e pede para os que estiverem de acordo com o projeto, permaneçam como estão. Caso nenhum dos deputados se manifeste contrariamente ao projeto considera-se o mesmo aprovado por unanimidade.

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O projeto do deputado José Amorim, foi sancionado e consequentemente

convertido em lei no dia 09 de novembro de 2001 pelo então Governador Garotinho. As cotas

foram implantadas na UERJ e na UENF no vestibular do ano seguinte para os estudantes que

pleiteavam ingresso nas universidades a partir de 2003.

Para este vestibular, os técnicos responsáveis pelo processo seletivo enfrentaram o

duplo desafio de operacionalizar duas leis de “cotas”. A primeira, lei 3.524/2000, que estabelecia

cota de 50% para estudantes egressos de escolas públicas, além da lei 3.708/2001 que estabelecia

a reserva de 40% para negros e pardos. A solução encontrada pela UERJ foi dividir o vestibular

em dois, com igual número de vagas. O primeiro, denominado “vestibular SADE35” era

destinado aos alunos de escolas públicas e o segundo denominado “vestibular estadual” era

destinado aos outros estudantes. As cotas raciais seriam operacionalizadas primeiramente

verificando-se, entre os candidatos aprovados no vestibular SADE, quais haviam se

autodeclarado negros ou pardos. Os alunos nessa situação seriam contabilizados para o

atendimento de ambas as legislações. Caso o número de negros e pardos aprovados no vestibular

SADE não fosse suficiente para atingir a cota de 40% estabelecida pela legislação, seriam

contabilizados os negros e pardos aprovados no vestibular estadual. Se ainda assim não houvesse

negros e pardos em número suficiente para alcançar a cota, seriam considerados aprovados os

negros ou pardos melhores classificados no vestibular estadual até o limite necessário para

atender a legislação (Cf. PERIA, 2004a, p. 81-82).

Desta forma, criou-se uma sensação de insegurança entre os candidatos, dada a

indefinição sobre o percentual de cotas reservadas previamente. Esse percentual poderia variar

entre 0% e 90%, dependendo do desempenho dos candidatos autodeclarados negros e pardos e

do curso ao qual concorriam36. Outro problema é que a referida lei utiliza categorias de famílias

diferentes, causando confusão. Usualmente, quando se fala em negros, fala-se ao mesmo tempo 35 Sade – Sistema de Acompanhamento dos Estudantes do Ensino Médio instituído pela lei 3.524/2000 e regulamentado pelo Decreto 29.090/2001, trazia originalmente a intenção de promover um sistema contínuo de monitoramento e avaliação dos alunos de escolas públicas com vistas a subsidiar seu ingresso na universidade. 36 “Em geral, curso com uma demanda social tradicionalmente alta – Medicina, Direito, Biologia – tiveram entre 60% e 80% de suas vagas preenchidas por meio de cotas. Por outro lado, cursos sem uma demanda social tradicionalmente alta – Estatística, Cartografia, Engenharia, Engenharia Mecânica, Matemática e Pedagogia – a percentagem de vagas preenchidas com cotas foi mínima e às vezes inexistente” (PERIA, 2004a, p. 86). Mesmo com o sistema de cotas, o curso de medicina, por exemplo, não foi o mais procurado entre os candidatos do vestibular SADE e os alunos cotistas. Enquanto no vestibular estadual a concorrência por uma das vagas no curso de medicina ficou em 48,3 para 1 – sendo o mais procurado, no vestibular SADE a razão candidatos por vaga era de 5,6 para 1 tornado o curso de medicina somente o 12° mais procurado (Cf. PERIA, 2004a, p. 86).

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de pretos e pardos (ou “não brancos”). O termo “pardo” é uma espécie do gênero negro e seu uso

invoca a utilização do termo “preto”, mas a lei traz o termo negro como sinônimo de preto, fato

que fomentou mais discussões.

Com a publicação do resultado do processo seletivo no início de 2003, houve

candidatos que manifestaram sentir-se prejudicados no resultado final, o que promoveu uma

“enxurrada” de ações na justiça37 contra a reserva de vaga, inclusive por parte de candidatos que

não conseguiriam a aprovação mesmo se não houvesse cotas (Cf. PERIA, 2004a, p. 87-88).

Os desdobramentos que o vestibular 2003 teve na justiça serviram como

combustível à imprensa, que continuou dando grande visibilidade ao tema (Cf. PERIA, 2004, p.

87). Já em fevereiro de 2003, por iniciativa da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e

Inovação do Rio de Janeiro (SECTI) foram promovidas reuniões públicas para discutir

“aperfeiçoamentos” na legislação em tempo hábil para o vestibular de 2004.

Novamente o processo foi conturbado, apesar da participação de representantes

das universidades, do movimento negro, da OAB, dos estudantes e de representantes do Governo

Estadual, pois a agenda do encontro foi definida unilateralmente pela SECTI38. Também foi

definido que as discussões ali realizadas tinham finalidade consultiva e não deliberativa. Em

outras palavras, o mérito das leis não deveria ser questionado e, ao invés disso, a finalidade das

reuniões era de colher sugestões (Cf., PERIA, 2004a, p. 98-100).

Convidadas para apresentarem suas propostas ou serem absorvidas no processo,

os vários agentes interessados no processo se esforçaram, mesmo em alguns casos sendo

contrários à instituição de cotas raciais, para negociar modificações no projeto de lei.

Institucionalmente a UERJ e a UENF que haviam se desdobrado para

operacionalizar em seu processo seletivo regulamentações que não haviam elaborado ou sequer

discutido, desta vez se mobilizaram para apresentar uma proposta às leis que instituíam as cotas.

37 “Por volta de meados de março, a UERJ havia recebido 103 liminares obrigando-a a reservar vagas para estudantes que não haviam se classificado. A grande maioria destas liminares era de candidatos a vagas nos cursos de Medicina e Direito. O número de liminares continuou a aumentar nas próximas semanas e meses que se seguiram à publicação dos resultados, e eventualmente ultrapassou 200” (PERIA, 2004a, p. 87). 38 À época Benedita da Silva havia assumido o governo do Estado em lugar de Antony Garotinho, de vínculos sólidos com o movimento negro a governadora havia proposto, enquanto cumpria seu mandato de deputada federal um projeto de lei criando, em âmbito nacional, cotas para negros. Portanto, fica claro que a conjuntura política realmente não era favorável à discussão sobre o mérito das leis.

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A proposta das universidades veio à reunião gabaritada por ter sido aprovada unanimemente no

conselho superior de ensino e pesquisa e foi acolhida pela SECTI em detrimento de outras

propostas (Cf. PERIA, 2004a, p. 99). Desta reunião surgiu a sugestão de que as cotas nas

universidades estaduais do Rio de Janeiro deveriam seguir as seguintes proporções: 20% para

egressos de escolas públicas, 20% para negros39 e 5% para deficientes. A proposta para a nova

lei também inovou na exigência de comprovação de carência material para os pleiteantes às cotas

– abandonando o modelo de autodeclaração (Cf. MATTA, 2005, p.38) e estabeleceu ainda o

prazo de cinco anos40 para avaliação dos resultados alcançados. A proposta então seguiu para a

ALERJ transformando-se na lei nº 4.151 de 04 de setembro de 2004 que unificava o sistema de

cotas e revogava as leis nº 3.524/2000 e 3.728/2001.

O processo seletivo nas universidades sofreu modificações em 2006 quando foi

estabelecida nota mínima para aprovação no processo seletivo (20 pontos em 100 possíveis) e, na

segunda fase houve a supressão de uma das três provas discursivas. Em 2007, o governador

Sérgio Cabral sancionou a lei incluindo os filhos de polícias, agentes penitenciários e bombeiros

mortos em serviço na cota de 5% reservada para deficientes físicos e minorias étnicas (Cf. UERJ,

2009).

Notoriamente há, na legislação fluminense que trata das cotas raciais e pelo

conseqüente desdobramento desta, na UERJ, opção de ação política pautado no modelo de

identidade em detrimento de um modelo baseado em status. O candidato, para pleitear o acesso

diferenciado à universidade, necessita declarar sua filiação a um dos grupos beneficiários,

reconhecidos como desviantes e incentivados, pelas políticas de cotas, a se organizar em torno de

identidades que assumem papel central nas relações sociais dentro da universidade pela sua

capacidade de tornar concretas e intransponíveis barreiras que se não eram inexistentes, pelo

menos eram transparentes.

39 Prevaleceu a categoria “negro”, que é usada pela academia e pelos militantes do movimento negro (que representa pretos + pardos) sobre a categoria negros e pardos, que gerava confusão. 40 Esse prazo de cinco anos encerra-se em 2009 e até o momento não há qualquer manifestação oficial da instituição sobre o processo. Embora vários pesquisadores vinculados às instituições – ou não – tenham publicado avaliações sobre o processo nas duas instituições – UERJ e UENF.

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3.2. A UnB

Embora a UERJ tenha sido a primeira universidade a implantar o sistema de cotas

no Brasil, ela não é pioneira nas discussões sobre a adoção de uma política de acesso, via cotas,

aos seus cursos. Como demonstramos no tópico anterior, o processo de discussão sobre o sistema

de cotas na UERJ foi ulterior à primeira tentativa de implantação desta sistemática, imposta por

intermédio de duas leis. Além disso, as discussões sobre o tema tinham, como objetivo explícito,

melhorar as leis que já haviam instituído as cotas.

Assim, podemos afirmar que a Universidade de Brasília - UnB é a pioneira no

debate sobre o tema. A proposta de um sistema de cotas na UnB é datada de 1999 e foi elaborada

pelos professores José Jorge de Carvalho e Rita Laura Segato, do Departamento de Antropologia.

Para entendermos o contexto em que surge a proposta é salutar mencionarmos o

“caso Ari”. Ariosvaldo Lima Alves foi o primeiro estudante negro a ingressar no Programa de

Doutorado em Antropologia da UnB, em vinte anos de existência do programa. Também foi o

primeiro aluno reprovado, já no final do primeiro semestre, em uma matéria de caráter

obrigatório, na qual, em vinte anos de história, nenhum outro aluno havia sido reprovado.

Ariosvaldo era um doutorando, que se autoidentificava “negro, homossexual, baiano, egresso de

outra área disciplinar” que em um “meio conservador” tornou-se, “vítima potencial” e “agente

desestabilizador” de uma estrutura com a qual ele não tinha familiaridade (LIMA, 2001, p. 307).

O caso Ari teve início no primeiro semestre de 1998 quando o estudante foi

reprovado e, tentando reverter sua situação, recorreu a três instâncias administrativas da

universidade e teve seu pedido de reconsideração indeferido em todas elas. A indignação de

Ariosvaldo com sua reprovação, pois percebia nesse ato fortes indícios de racismo, foi

encampada também por dois professores que chegaram a ficar temporariamente sob voto de

censura41 de seus pares. Somente em maio de 2000 o Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão –

CEPE, a quarta instância possível dentro da universidade, ao analisar o caso pela segunda vez,

41 Siqueira (2004) nos informa que o voto de censura fôra impetrado em 11 de janeiro de 1999 contra os professores José Jorge de Carvalho e Rita Segato, “[...] no intuito de intimidar e impor silêncio aos mesmos. O 'voto de censura' era uma figura jurídica do antigo Regimento Interno da Universidade de Brasília do período da ditadura, há muitos anos fora de vigor. E por se constituir num ato irregular, a assessoria jurídica da UnB emitiu parecer contrário à decisão, o que obrigou o Colegiado a retirá-lo dois meses mais tarde” (SIQUEIRA, 2004, p. 174).

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definiu (com vinte e dois votos favoráveis e quatro votos contrários) que o então candidato foi

“injustamente” reprovado, outorgando ao postulante o crédito referente àquela disciplina (Cf.

LIMA, 2001, p. 308 - 310).

Acontece que os dois professores que estiveram temporariamente sob voto de

censura, por apoiarem abertamente Ariosvaldo, eram à época justamente os professores José

Jorge de Carvalho – que também era seu orientador e Rita Laura Segato42, autores da proposta de

cotas raciais para a UnB, lançada em um período43 em que o caso ainda estava em aberto e em

seu apogeu. A proposta de cotas raciais para a UnB foi uma resposta política destes dois

professores aos desdobramentos do caso Ari.

Também na UnB, os preparativos para a 3a. Conferência Mundial contra o

Racismo das Nações Unidas – CMR foram de grande importância para o amadurecimento dos

debates sobre ações afirmativas. Uma data especial foi o dia 08 de setembro do ano 2000,

quando o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto que criava o Comitê Nacional

para a preparação da participação brasileira na CMR.

Foi justamente neste momento que a reunião de uma série de intelectuais negros como Hédio Silva, Hélio Santos, Petronilha Beatriz Silva, Valter Roberto Silvério, Joel Rufino dos Santos44, e muitos outros, criou uma espécie de sinergia que também fomentaria a discussão durante muito tempo, proporcionando um ambiente favorável para o debate aberto sobre o racismo e projetos de inclusão. (SIQUEIRA, 2004, p. 176)

Na esteira desses acontecimentos, conforme já exposto no capítulo anterior, o ano

de 2001 foi marcado por uma série de reportagens sobre a persistência do racismo no Brasil e

também sobre as ações afirmativas como alternativa viável de intervenção para minimizar esse

cenário, veiculadas na grande imprensa. Siqueira (2004) identifica uma reportagem em especial45

que teve repercussão significativamente negativa na instituição, arranhando a imagem (ou auto-

imagem) cultivada pela reitoria de ser a UnB uma universidade pioneira e inovadora em projetos

de inclusão.

42 Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social – PPGAS à época, acabou destituída do cargo de maneira, no mínimo, confusa em um momento estratégico para a resolução do caso Ari (LIMA, 2001; BELCHIOR, 2006). 43 A proposta foi apresentada à comunidade acadêmica em novembro de 1999 e o desfecho do caso Ari ocorreu em maio de 2000. 44 Ver Anais: Seminários Regionais Preparatórios para a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Ministério da Justiça/ Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, Brasília, 2001. [nota do autor]. 45 Correio Brasiliense “Gueto Negro na UnB”, 21/08/2001.

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A reportagem enfatizava o reduzido número de negros na UnB. Contando com o testemunho de alguns deles, a matéria trazia o registro de vários episódios de racismo e discriminação ocorridos no interior do campus. Mas a exposição pública da UnB como uma Universidade branca e racista alcançaria maiores proporções após matéria de mesmo teor ser veiculada no Jornal Nacional, com declarações do professor José Jorge de Carvalho também em setembro de 2001 (SIQUEIRA, 2004, p. 176).

Como se não bastassem os acontecimentos acima descritos, houve ainda outro

episódio que evocou o debate do racismo no interior do campus, envolvendo novamente o

Departamento de Antropologia – DAN. Em agosto de 2001, um grupo de estudantes negros da

própria UnB foi vítima de atos violentos perpetrados por agentes de segurança que trabalhavam

durante a festa de encerramento do Fórum de Estudantes Latino- Americanos de Antropologia e

Arqueologia – FELAA.

Esse episódio teve como resultado direto um mal-estar entre os estudantes de

Ciências Sociais, especialmente quando o grupo de estudantes negros responsabilizou os

organizadores da festa pelo ocorrido (Cf. SIQUEIRA, 2004, p. 177). Uma das repercussões

imediatas foi a diferença entre a postura adotada pelo DAN no caso Ari e neste caso. No

primeiro, há uma opção pelo silêncio; no segundo, o DAN e os estudantes reúnem-se para uma

discussão aberta sobre racismo e discriminação, o que possibilitou o surgimento do grupo

“EnegreSer”, que se consolidou como um importante ator para a implementação das ações

afirmativas na UnB.

Portanto, havia, tanto interna quanto externamente, uma conjuntura favorável às

discussões das ações afirmativas. SIQUEIRA (2004) vê esse momento como catalisador para:

… a formação de uma ampla frente de apoio ao projeto das cotas para a Universidade de Brasília, que ultrapassava os limites dos muros da academia. De um lado, representantes da comunidade negra, intelectuais e ativistas declararam seu apoio ao texto de Carvalho e Segato, assim com representantes do Estado, se colocaram a disposição para debatê-lo. [...] Os casos de discriminação racial – o caso Ari e o surgimento do coletivo de estudantes EnegreSer – assim como a politização da discussão sobre a sub-representação dos negros no corpo discente e docente, fomentaram um clima de insatisfação em relação às explicações usuais assim como em relação às propostas tradicionais46. Por outro lado, a pertinência e a necessidade das discussões foram legitimadas ao longo dos anos pela atuação tanto do Estado quanto dos movimentos sociais47 (Ibdem, p. 177).

46 De um lado, os casos de discriminação racial colocavam em xeque a idéia do racismo velado, assim como a subrepresentação de negros na universidade [por outro lado] já não era mais respondida plenamente pela abordagem classista [nota do autor]. 47 Nesse sentido, os Anais dos Seminários Regionais Preparatórios para a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (2001), publicados pelo Ministério da Justiça,

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SIQUERA (2004) vislumbra naquele momento da história da UnB a formação de

ampla frente em defesa das cotas, percepção não partilhada por SANTOS (2007) que notava um

ambiente, senão hostil, pelo menos não favorável a implantação do sistema dentro desta

Universidade.

Santos demonstra que 61,8% dos professores eram declaradamente contrários às

cotas para negros. Além disso, os intelectuais, a grande imprensa, os formadores de opinião e as

autoridades nacionais, entre outros, em sua maioria, firmaram posições contrárias à implantação

das cotas raciais (Cf. SANTOS, 2006, p. 346-347).

Houve certo esforço dos estudantes negros e da Reitoria da universidade para

fomentar a discussão sobre a política de cotas (SANTOS, 2007). Porém, a despeito do empenho

desses segmentos, só foram encontrados registros de quatro debates sobre a proposta da política

de cotas para negros na UnB formalmente organizados pela administração central da

universidade.

A primeira discussão sobre a proposta de implementação das ações afirmativas para negros no vestibular da UnB, [...] Além da presença dos autores da proposta, esse debate contou com a participação do então Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), professor Roberto Martins, da relatora da III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlata48, a ativista e fundadora da ONG fala preta!, Edna Roland e do Assessor Especial da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), da Presidência da República, o militante Ivair Augusto dos Santos (Op. cit., p. 380).

Esse primeiro evento ocorreu em 08 de março de 2002 e, apesar de contar com

auditório praticamente lotado, a representação massiva naquele momento era de estudantes. O

segundo evento foi uma palestra sobre ações afirmativas, proferida pelo dr. Joaquim Benedito

Barbosa Gomes, na sala dos conselhos, no prédio da Pró-Reitoria.

A escolha recaiu sobre o dr. Joaquim B. Barbosa Gomes não de forma aleatória. Na época, ele era procurador da República, com lotação no estado do Rio de Janeiro, bem como professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

são uma fonte de pesquisa importante. Os Anais documentam as linhas de argumentação e as justificativas de intelectuais negros para suas reivindicações diante dos representantes da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Ao contrário da tensão que ocorreu no seminário de Brasília, em 1997, quando os representantes negros eram minoria – e já reivindicavam uma agenda específica para a inclusividade racial, inclusive com ações afirmativas -, eles foram suplantados pelos participantes brancos que, ao contrário, deram novo fôlego a ideologia da 'democracia racial' ao tentarem reabilitá-la (DaMatta, 1997; Souza, 1997). Um dado importante é que nos seminários regionais para a Conferência de Durban, os intelectuais negros estiveram representados em maior número [nota do autor]. 48 Conforme informamos anteriormente, essa conferência foi realizada entre agosto e setembro de 2001, em Durban, na África do Sul.

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(UERJ) e um dos especialistas brasileiros sobre o objeto de discussão: as ações afirmativas (ibdem, p 381)

A palestra do professor Joaquim B. Barbosa Gomes despertou menor interesse na

comunidade acadêmica. Transcrevendo informações de Segato, SANTOS (2007) indica que

havia menos de cinco professores e uns cinco alunos formando a audiência do evento (Cf.

SANTOS, 2007, p. 381).

A terceira iniciativa da administração central da UnB, ocorreu em 06 de setembro

de 2002, durante a tricentésima sexagésima primeira reunião do Conselho de Ensino Pesquisa e

Extensão (CEPE).

Foi a primeira vez que a proposta foi apresentada oficialmente pelos seus autores aos conselheiros do CEPE. Ao que tudo indica, foi a primeira discussão encaminhada pela administração central da UnB em que a maioria dos presentes e participantes era constituída de professores. Havia trinta e três conselheiros presentes, sendo dois representantes dos discentes. Ou seja, havia nessa reunião trinta e um professores conselheiros do CEPE (Cf. UnB, 2002). Contudo, devemos deixar evidente que essa reunião não foi realizada apenas para a 'discussão preliminar sobre a proposta de cotas de vagas para negros na Universidade de Brasília' (UnB, 2002:03). Na pauta da reunião haviam cinco itens para serem discutidos e este era o último (SANTOS, 2007, p. 383, [grifo do autor])

Após a apresentação da proposta por seus autores, os conselheiros, em sua

maioria, se manifestaram contrários às cotas para negros, enfatizando que se houvessem cotas

para acesso à universidade, estas deveriam ser direcionadas para estudantes pobres ou alunos de

escolas públicas (Cf. SANTOS, 2007, p. 382).

Seguindo a linha do tempo, a administração central da UnB organizou, em 20 de

setembro de 2002, a conferência: “A viabilidade de Remédios Legais para Injustiças Raciais”,

com Thomas Skidmore.

Mais uma vez essa discussão tinha como alvo os professores da UnB, especialmente os conselheiros do CEPE. Como a conferência do dr. Joaquim B. Barbosa Gomes, essa também visava subsidiar a discussão da proposta de cotas para negros que tramitava na UnB (Cf. UnB, 2006a). A Sala dos Conselhos, do prédio da Reitoria ficou lotada. Porém, eram raros os professores presentes na conferência supracitada. A maioria absoluta dos interessados na conferência mais uma vez foi estudantes (SANTOS, 2007, p. 383).

SANTOS (2007) considera que, oficialmente, houve apenas quatro discussões

preparatórias promovidas pela administração central da UnB neste intervalo de três anos e sete

meses entre o surgimento da proposta de cotas raciais e sua aprovação no CEPE. Nas discussões

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não oficiais, promovidas pelos estudantes, os professores (em especial os conselheiros) também

não se fizeram representar de forma substancial.

Entre a apresentação da proposta dos professores José Jorge de Carvalho e Rita Laura Segato ao CEPE e a sua aprovação, o NEAB e o EnegreSer promoveram, em conjunto ou em separado, seis discussões ou debates sobre relações raciais brasileiras ou ações afirmativas na UnB: 1o) Debate com o Deputado Distrital Paulo Tadeu (PT/DF), sobre a conferência de Durban, realizado no dia 21 de setembro de 2001, no auditório do CEAM; 2o) o “Fórum (In)consciência Racial, Problematizando as desigualdades em busca da universidade plural”, realizada de 19 a 22 de novembro de 2001, no anfiteatro 9, do ICC da UnB; 3o) o seminário “Ação Afirmativa e Racismo”, realizado de 19 a 22 de março de 2002 no auditório Dois Candangos, da Faculdade de Educação da UnB; 4o) o debate “Imagem e diferença: discutindo relações raciais no cinema”, realizado em 23 de abril de 2002, na Sala dos Conselhos do prédio da Reitoria da UnB; 5o) o seminário “Um ano pós-Durban”, realizado em 6 de setembro de 2002, no auditório Dois Candangos, da Faculdade de Educação da UnB; 6o) o “II Fórum (In)consciência racial: Problematizando Relações Raciais na Universidade”, realizado de 19 a 22 de novembro de 2002, no auditório da Reitoria […].

Todos esses eventos foram divulgados amplamente no meio acadêmico, mas foram raros os professores que compareceram a eles. E um desses raros professores que compareceu aos eventos do NEAB/EnegreSer foi o então vice-reitor da UnB, atual reitor, Dr Timothy Mulholland, que, ao fazer uso da palavra, geralmente manifestava seu apoio à proposta de cotas para negros no vestibular UnB (SANTOS, 2007, p. 387-388)

Este fato corrobora um entendimento, por parte de Santos, em detrimento da

percepção de BELCHIOR (2006). Enquanto este último atribui à ampla discussão ocorrida na

UnB papel preponderante para sensibilização e conseqüente aprovação da proposta de cotas

raciais na UnB, aquele, conclui diferente e atribui essa diferença a um problema na interpretação

dos dados.

A pergunta que emerge do trabalho de Santos (2007) é, por que (e como) em um

ambiente tão hostil como a UnB à época, às cotas raciais foram aprovadas no CEPE? Em sua

conclusão, o autor, considera como preponderante a luta histórica dos movimentos sociais negros

pelo acesso à educação e a implantação das cotas raciais na UnB foi o coroamento de um longo

esforço histórico pelo acesso à educação. Mesmo não sendo o foco principal de sua pesquisa,

Santos não ignora o importante papel dos atores particulares (José Jorge de Carvalho, Rita Laura

Segato, Timothy M. Mulholland, entre outros.).

Com base nos escritos tanto de BELCHOR (2006) quanto do próprio Santos

(2007), parece-nos apropriado a ênfase sobre - ou o papel preponderante dos – atores

particulares. Conforme procuramos demonstrar ao longo deste capítulo, não vemos - ou

entendemos - o processo de implementação das cotas raciais na UnB sem recorrer aos

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personagens e aos acontecimentos que se desenrolaram com esses personagens. Mesmo na

derradeira tramitação da proposta no CEPE, a articulação destes professores foi imprescindível

para o sucesso desta empreitada.

Conforme citado preliminarmente, durante a primeira apresentação da proposta de

cotas raciais na UnB, a maioria dos conselheiros se posicionou de forma contrária a esta

iniciativa. Se isso é verdade, porque alguns conselheiros teriam mudado de opinião no período

entre 06 de setembro de 2002 e 06 de junho de 2003? Por mais surpreendente que a resposta

possa parecer, a maioria dos conselheiros não havia mudado de opinião.

Para escapar do aparente paradoxo, vale a pena termos consciência de que não

havia uma pré-disposição dos atores para que o processo fosse simplesmente apreciado no

CEPE. Todos os detalhes foram cuidadosamente articulados para que o projeto fosse aprovado.

SANTOS (2007) indica uma confluência de fatores internos e externos à UnB que

viabilizaram a aprovação da proposta de cotas raciais na UnB. Entre os fatores internos, o autor

enumera:

[…]

a) a coragem e a determinação dos autores de elaborar e defender a proposta sem tergiversações, bem como de politizarem o “Caso Ari”. Associado a isso, devemos lembrar a coragem, o empenho e a determinação de um pequeno grupo de acadêmicos (professores e alunos da UnB) que deram suporte político, acadêmico e emocional aos autores da referida proposta; b) pressão moral, no dia da votação, por parte de um grupo muito pequeno de alunos da UnB, militantes no EnegreSer, bem como de alguns poucos professores favoráveis às cotas para negros; c) o apoio à proposta e a vontade acadêmico- política do então vice-reitor Thimothy M. Mulholland e da ex-decana de extensão Dóris dos Santos Farias, de aprová-la; d) a articulação academico-política entre aVice-Reitoria, o decanato de extensão, os autores da proposta e seus apoiadores, para que houvesse a participação de pessoas emblemáticas na reunião do dia 6 de junho de 2003, como a Ministra Matilde Ribeiro e a professora Petronilha Beatriz Gonçalvez e Silva (Ibdem, p. 407-408).

O autor cita ainda, como fator interno importante, a “não-discussão profunda e

franca” por parte dos professores, o que inviabilizou a construção de uma contra- proposta ou

mesmo a construção de argumentos suficientes para desconstruir a proposta apresentada. Essa

não seria uma tarefa difícil, na avaliação de Santos, haja vista que 61,8% dos professores eram

contrários à política de cotas, bem como 68,3% dos alunos de pós-graduação em nível de

mestrado e doutorado (Cf. SANTOS, 2007, p. 408- 409).

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Dentre os fatores externos à UnB, o autor cita a presença e a participação

manifesta do movimento negro no momento da votação, através do EnegreSer, bem como da

Ministra Matilde Ribeiro e a dra. Petronilha Beatriz Gonçalvez e Silva no apoio ao projeto.

SANTOS (2007) atribui o papel principal nesse processo ao movimento negro,

pela influência latente de seus ideais nas ações dos atores pontuais. Contudo, consideramos essa

influência importante para criar uma empatia com a causa, que nada mais é que energia em

potencial. Consideramos pois, que merecem referência destacada nas definições das cotas,

especialmente os professores José Jorge de Carvalho e Rita Laura Segato, que se envolveram e

foram pessoalmente absorvidos pelos desdobramentos do “Caso Ari” e, em um segundo

momento, os professores Timothy M. Mulholland e Dóris dos Santos Farias que foram

extremamente hábeis na condução do processo.

A atuação desses dois professores foi fundamental para transformar um estado de

coisas em um problema político assim como o empenho pessoal aliado a posição privilegiada na

estrutura da UnB dos professores Timothy M. Mulholland e Dóris dos Santos Farias foi condição

sine qua non para tramitação e aprovação da proposta de cotas raciais.

O Plano de Metas para a Integração Étnica Racial e Social proposto por José Jorge

de Carvalho e Rita Laura Segato e aprovado no CEPE trazia três objetivos fundamentais:

a) uma cota de 20% das vagas para candidatos negros, em todos os cursos de graduação; b) admissão de estudantes indígenas, por meio de cooperação com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI); c) intensificação de atividades de apoio ao sistema de escolas públicas local. (MULHOLLAND, 2006, p. 183)

As cotas foram instituídas no vestibular do segundo semestre do ano de 2004 por

intermédio de uma adaptação ao procedimento tradicional na qual os candidatos escolhiam entre

o sistema de cotas ou o sistema universal. Aos candidatos optantes pelo sistema de cotas49 era

solicitada a indicação de sua cor e o quanto se consideravam negros. Essa condição seria

comprovada por uma fotografia padronizada dos candidatos que foi parte integrante da inscrição

(Cf. MULHOLLAND, 2006, p. 183).

Os candidatos foram avaliados por uma comissão composta por membros do

corpo docente, funcionários, estudantes e membros externos que julgaram, pelas fotografias, se

49 No processo vestibular de 2004 houve 27.397 candidatos inscritos dos quais 4.194 foram optantes pelo sistema de cotas.

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os candidatos poderiam ser considerados negros ou não. Essa comissão almejava dirimir a

fragilidade do processo a fraudes que ocorreria no caso de autodeclaração (SANTOS e MAIO,

2007; SANTOS, 2007a; TEIVE, 2006; MULHOLLAND, 2006; SIQUEIRA, 2004).

Todos prestaram exame ao mesmo tempo e os exames foram corrigidos da mesma

forma. As notas mínimas exigidas para classificação eliminaram 40% dos candidatos do sistema

universal e 57% dos candidatos do sistema de cotas.

Os candidatos do sistema de cotas foram então classificados para preencher as vagas do sistema e os demais foram transferidos para o sistema universal, no qual competem pelas vagas com os candidatos deste último. Por fim, as vagas do sistema universal foram preenchidas com candidatos de ambos os sistemas, classificados conjuntamente segundo sua nota final. Dessa maneira, os candidatos ao sistema de cotas tinham duas chances de admissão, e as cotas de 20% vieram a definir uma participação mínima, mais do que máxima, dos estudantes negros no processo de admissão (MULHOLLAND, 2006, p.184).

A repercussão pública da implantação do sistema de cotas na UnB foi ainda maior

que a ocorrida na UERJ. Tanto nos meios de comunicação social quanto no meio acadêmico, as

críticas recaíram principalmente sobre a utilização de fotografias e a conseqüente instituição de

comissão para avaliá-las – ironicamente definida como “tribunal racial”50 da UnB.

Em verdade, a intenção inicial dos autores da proposta era manter o critério da

autodeclaração para politizar o processo (Cf. CARVALHO, 2005). Corroborando essa

afirmativa, SIQUEIRA (2004) garante que durante o período em que freqüentou o debate, entre

2000 e 2004:

... nunca havia se postulado algo como uma comissão para fiscalização através da análise das fotografias. Portanto, não havia discussão acumulada sobre essa proposta, nem ela tinha legitimidade em qualquer âmbito, nem interno a UnB, nem externo. A idéia foi inspirada na experiência da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) sustentada por um dos membros da CIPM [Comissão para Implementação do Plano de Metas] e prontamente aceita pelo vice-reitor, por ser barata e de fácil implementação em relação às outras alternativas e, sobretudo, por já contar com um precedente que não havia sido contestado judicialmente (Op. Cit., p. 181)

Siqueira atribuí esta distorção ao envolvimento tardio da relatora da Comissão

para Implementação do Plano de Metas – CIPM - Dione Moura, no projeto. Sua indicação se

deveu à proximidade política com o vice-reitor Timothy M. Mulholland, que buscou centralizar o

controle dos trabalhos se autonomeando presidente da CIPM e indicando seus membros entre os

50 Carvalho (2005), em uma resposta a um artigo de Maio e Santos, atribui a expressão “tribunal racial” aos dois autores que já a utilizaram em artigos virulentos anteriores à publicação do editorial do jornal Folha de São Paulo que, segundo Maio e Santos, cunhou a expressão.

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membros do CEPE – fato que excluía todas as pessoas que haviam, de alguma forma, participado

das discussões desde sua origem (Cf. SIQUEIRA, 2004).

O processo de implantação do sistema de cotas na UnB diverge significativamente

daquele realizado na UERJ. Em primeiro lugar podemos citar a própria origem institucional da

proposta de implantação das cotas raciais. Na UnB, tal proposta surge como uma resposta de

base a um problema premente dentro da instituição, por outro lado, na universidade estadual a

política de cotas foi resultado de uma intervenção proveniente de fontes externas aos muros da

instituição.

Em segundo lugar, há diferenças no envolvimento do movimento negro.

Enquanto na UnB o movimento negro encampa e promove discussões com o objetivo de difundir

a idéia das cotas raciais agregando valor à proposta inicial, de forma que ela ganhasse força nas

instâncias superiores da universidade, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro o movimento

negro influenciou somente indiretamente o processo, pela disseminação de seus ideais através

dos meios de comunicação social. Embora o movimento negro tenha sido convidado, assim

como outros movimentos sociais e instituições da sociedade civil, a dar sua contribuição para o

aperfeiçoamento das leis 3.524/2000 e 3.708/2001, a sua proposta foi rechaçada em favor da

proposta que advinha das universidades.

Por fim, em terceiro lugar, a utilização da mídia como campo de debates ocorre

essencialmente no caso da UnB. Embora Santos (2007) identifique um manejo mais hábil da

mídia por parte dos detratores das cotas raciais, divergimos de sua conclusão por considerar que

a veiculação de algumas matérias foi fator chave para a adesão ao projeto pelo vice-reitor

Mulholland, que estava preocupado em preservar a instituição – UnB - das repercussões

negativas destas matérias veiculadas no correio brasiliense e no jornal nacional retratando-a

como uma instituição racista. Nossa percepção é corroborada pela confusão que o vice-reitor faz

com os termos negros e pretos (MULHOLLAND, 2006, p. 183) – essa dificuldade é a mesma

apresentada pelo deputado José Amorim, e não é compatível com o discurso de um simpatizante

das cotas raciais familiarizado com o discurso e as reivindicações do movimento negro. No caso

da UERJ a influência da mídia foi indireta, servindo como fonte de inspiração ao projeto das

cotas. Na ocasião, o seu objetivo não foi debater o tema das cotas raciais e sim dar visibilidade

ao seu nome, para com isso ganhar capital político.

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Embora, existam diferenças significativas no processo de implementação da cotas

raciais nas duas universidades, conforme indicamos acima, os resultados dos processos de

discussão são próximos. Ambas pautam sua intervenção no modelo de identidade em detrimento

de um modelo de status. No caso da UnB o problema é inclusive um pouco mais sério, pois com

o suposto objetivo de se evitar fraudes o modelo de identidade se baseia em uma

heteroclassificação dos candidatos. Ou seja, não se trata simplesmente da instituição reconhecer

que existem candidatos desviantes em relação ao modelo de aluno e dar suporte para que eles

também tenham acesso à universidade, mas sim da própria instituição apontar quais são esses

candidatos desviantes.

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Capítulo 4 – A UFG

Diferentemente das experiências na UERJ e na UnB, o processo de implantação

do sistema de cotas na UFG é recente e, por isso mesmo, não foi objeto de estudos específicos.

Por esse motivo passaremos a adotar como fonte de dados para a nossa análise, os documentos

produzidos pela própria Universidade. Entrecortando as interpretações, faremos uso de outras

fontes documentais, nas quais, alguns dos atores envolvidos no processo deixam transparecer

tanto sua forma de atuação quanto suas impressões sobre o processo.

Manteremos o foco sobre os dois aspectos presentes na abordagem da questão das cotas

na UERJ e na UnB, os processos de discussão que resultaram na implantação do sistema de

cotas, e os detalhes sobre a forma. Nossa expectativa é que a narrativa histórica dos

acontecimentos nos permita apreender as três dimensões empíricas deste processo (os debates

ocorridos no âmbito da burocracia institucional, os discursos do movimento social e os debates

travados através da mídia impressa).

Em primeiro de Agosto de 2008, através da Resolução CONSUNI no 29/2008 foi

criado no âmbito da Universidade Federal de Goiás o programa “UFGInclui”, que além de

agrupar os vários programas sociais (e pontuais) desenvolvidos pela universidade também

estabeleceu critérios de acesso diferenciado para egressos de escolas públicas, negros egressos de

escolas públicas, indígenas e quilombolas, seguindo uma tendência adotada em outras

instituições públicas de ensino superior.

Mesmo levando em consideração exclusivamente o estado de Goiás, o

pioneirismo não coube à UFG pois, por exigência da Lei no 14.832/2004, a Universidade

Estadual de Goiás – UEG criou um sistema de cotas para alunos oriundos de escolas públicas

(20%), negros (20%), indígenas e portadores de deficiência (5%). Desde 2002 a UFG dispunha

de programas de ação afirmativa como o Projeto Passagem do Meio e os cursos de graduação

para inclusão de segmentos sociais específicos (curso de graduação em Licenciatura Intercultural

Indígena, graduação em Direito para Beneficiários da Reforma Agrária, graduação em

Pedagogia-Licenciatura para Educadores do Campo). Além dessas ações pontuais havia na UFG

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programas que se alinhavam em uma política de permanência de estudantes de baixa renda

(Programa Bolsa Alimentação, Programa Bolsa de Monitoria, Programa Institucional de

Iniciação Científica, Programa de Bolsas de Licenciatura, Programa de Bolsas de Extensão e

Cultura, Programa de Bolsa de Permanência, Programa de Bolsas de Estágio, creche, moradia

estudantil, serviço odontológico, Programa Saudavelmente, Restaurante Universitário, Programa

de Concessão de Passagens para Alunos de Graduação). Contudo, o UFGInclui é mais que a

junção desses programas, ele configura um avanço pois prevê uma intervenção na forma de

acesso à universidade.

A grande diferença é que até a implantação do Programa UFGInclui havia na

universidade uma série de ações direcionadas aos alunos que haviam ingressado na universidade,

ou então, as ações eram direcionadas para fora da comunidade acadêmica. Com o advento do

programa e a implantação da política de cotas, estabeleceu-se o perfil desejável, e esse perfil

passou a se basear não somente em critérios intelectuais, mas também em critérios raciais.

O Programa UFGInclui pode ser classificado como uma derivação dos debates

realizados no meio acadêmico e nos meios de comunicação social, sobre a adoção de políticas de

cotas para acesso ao ensino superior. A introdução do documento que é parte integrante da

Resolução CONSUNI no. 29/2008 esta característica se torna evidente.

Este Programa é parte da política de inclusão e permanência da Pró-Reitoria de Graduação e foi elaborado com base em estudos de documentos e propostas de ações afirmativas dentre os quais algumas modalidades de vestibulares de Instituições Federais de Ensino Superior, por meio de Seminários envolvendo professores, coordenadores e diretores de cursos das redes públicas e privadas de ensino médio, e coordenadores de cursos de graduação da UFG. Além disso, considerou-se os resultados do seminário Ações Afirmativas na UFG cujo objetivo foi o de fomentar novos debates e ações sobre o acesso e a permanência dos estudantes de origem popular em universidades públicas (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008d.)

O Programa UFGInclui foi aprovado em primeira instância, com quinze votos

favoráveis, seis contrários e três abstenções, em reunião ordinária da Câmara de Graduação do

Conselho de Pesquisa, Ensino, Extensão e Cultura da Universidade – Câmara de Graduação (Cf.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2007a). A proposta passou com ampla vantagem,

mas não sem ser alvo de crítica. Durante a sessão da Câmara de Graduação o Prof. Joaze B.

Costa, ao ser convidado pela presidente a apresentar um levantamento sobre a concessão de cotas

para negros e outras minorias nas universidades brasileiras “… iniciou por caracterizar a

proposta da UFG um tanto quanto tímida, comparando-a com a realidade de outras Instituições

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de Ensino Superior - IES do país e finaliza, apesar de tudo, por congratular-se com a instituição

pela iniciativa apresentada no projeto que, no seu entendimento, possui pontos positivos e

negativos”. Na mesma linha e ampliando o tom da crítica “… o Prof. Alecsando [sic] Ratts e a

aluna Gorete que acompanharam o pensamento do Prof. Joaze e reiteram aos conselheiros que

não votassem a proposta como [sic] nos moldes em que foi apresentada” (UNIVERSIDADE

FEDERAL DE GOIÁS, 2007a). Ficou ainda o registro, em ata, da solicitação de ampliação das

discussões, para dar voz aos coordenadores de curso, sugerida pela Conselheira Cintya Maria

Costa Rodrigues e corroborada pelo Conselheiro Marcos Gomes da Cunha que demonstraram

ainda desconforto com os valores percentuais propostos. Neste momento a presidente da Câmara

de Graduação toma a palavra e informa que:

… os coordenadores não foram convidados no momento de elaboração da proposta, porque é uma proposta da Reitoria, que fez a opção pela não reserva de vagas e que a Administração insistirá na sua discussão e, ainda, que a sugestão da comissão poderá ser avaliada posteriormente (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2007a).

Embora houvesse discussões e debates sobre o tema na UFG, a proposta foi

apresentada de cima para baixo, sem levar em conta o conhecimento produzido pela própria

instituição sobre como esse tema se aplicava à UFG. Fora da Câmara de Graduação essa postura

da Reitoria recebeu pesadas críticas inclusive com a publicação, pelo Coletivo de Estudantes

Negras/os Beatriz Nascimento – Canbenas51, de uma carta-manifesto em repúdio à apreciação do

projeto pela Câmara de Graduação, pois o projeto negligenciava os debates e estudos realizados

na universidade em favor de uma “opção superficial e prematura” (Cf. CANBENAS, 2007).

A crítica recaia principalmente sobre a opção da Reitoria pela bonificação que

garantiria a pelo menos 12, 5% dos candidatos advindos de escolas públicas a convocação para a

segunda etapa do processo vestibular. Nos termos da carta-manifesto a bonificação, nos moldes

em que estava sendo proposta pela Reitoria, não garantia acesso aos egressos de escolas públicas,

indígenas e negros e se, porventura, privilegiasse alguém, esse alguém seria branco/a

comprometendo “… ainda mais a entrada de estudantes de escolas públicas, negros (as) e

indígenas” (Cf. CANBENAS, 2007). Via-se, naquele momento, que a oportunidade de atender

51 Nos termos da carta-manifesto o Canbenas “… junto com alguns aliados como o Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFG), diversos integrantes do Programa Conexões de Saberes e estudantes da Casa do Estudante Universitário entre outros estudantes e professores/as, traz ao público o repúdio e descontentamento com a apreciação do referido projeto feito pelos/as conselheiros/as de câmara, representantes das coordenadorias das unidades acadêmicas” (CANBENAS, 2007)

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aos anseios do movimento negro, pela instituição de uma política de cotas para este grupo racial

na UFG, estava se esvaindo sem que seus objetivos fossem alcançados. Com objetivo de reverter

essa situação recorreu-se ao argumento da compensação52 para sensibilizar as instâncias

deliberativas.

Durante os meses que sucederam a aprovação do Programa UFGInclui, na Câmara

de Graduação, os defensores da instituição de uma política de cotas mobilizaram-se para reverter

a situação. Houve na UFG uma mobilização contra o que foi denominado por seus organizadores

de “UFG Exclui”. Tal manifestação, ocorrida em 14 de agosto de 2007, teve cobertura na mídia

impressa e culminou com uma reunião53 entre seus organizadores e a Reitoria da universidade na

qual firmou-se o compromisso, por parte da Reitoria, de que o Programa UFGInclui não seria

implementado no processo seletivo 2008 (Cf. UFGINCLUI, 2007)

Nesta reunião também houve o compromisso da Reitoria em realizar e apoiar

seminários, congressos e eventos que discutam as ações afirmativas. Como a Reitoria não tem

poder de veto sobre um projeto aprovado na Câmara de Graduação, foi sugerido às entidades

mobilizadas e a comunidade acadêmica o encaminhamento de uma carta às próximas instâncias

(CEPEC e CONSUNI) reivindicando a apresentação de outro projeto para que as ações

afirmativas sejam amplamente discutidas na universidade (Cf. UFGINCLUI, 2007). Ato

continuo, houve a elaboração54 da proposta alternativa àquela apresentada pela Reitoria intitulada

“Programa de Ação Afirmativa para Estudantes de Escola Pública, Negros (as), Indígenas e

Quilombolas na Universidade Federal de Goiás”.

Ainda em agosto de 2007, um grupo de professores, membros do movimento

negro e alunos, apresentou à Reitoria esta contraproposta que previa além da cota de 20% para os

52 O argumento da compensação fica bem característico na seguinte frase: “Estaremos mais uma vez fora das medidas compensatórias das quais nós tanto lutamos para conseguir” (CANBENAS, 2007). 53 Realizada no dia 16 de agosto de 2007. Estiveram presentes na reunião além do reitor da universidade, a pró-reitora de graduação, pró-reitora de pesquisa e pós-graduação, representantes do Canbenas, Colcha de Retalhos, Conexões de Saberes, DCE-UFG, C. A. de História, Cursinho Popular e alguns professores simpáticos a causa ( UFGINCLUI, 2007a). 54 A contraproposta apresentada à Reitoria foi assinada por: prof. dr. Alecsandro Ratts (IESA/NEAAD – UFG), prof. ms. Angelita Pereira de Lima (FACOMB – UFG), Eulange Sousa (HC-UFG), prof. dra. Joana Plaza Pinto (FL – UFG), prof. dr. Joaze Bernardino Costa (FCHF – UFG), prof. ms. Geovana Reis (FE – UFG), prof. dr. Ricardo Barbosa Lima (FD – UFG [campus da cidade de Goiás) e PHD – UFG), prof. dr. Roberto Lima (FCHF – UFG), Coletivo de Estudantes Negros/as Beatriz Nascimento, Grupo Colcha de Retalhos e DCE-UFG também apoiou a proposta a Licenciatura Intercultural Indígena (2007) e o Fórum de Estudantes do Conexões de Saberes (Cf. UFG INCLUI, 2007b)

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estudantes de escolas públicas55, uma cota de 20% para negros e a criação de vagas extras para

estudantes indígenas e negros pertencentes à comunidade quilombolas. Durante a reunião em que

o Programa UFGInclui foi apresentado ao Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura -

CEPEC, o conselheiro Juarez Ferraz de Maia, encaminhou contraproposta que previa a

instituição das cotas. Ao mesmo tempo, foi solicitada a suspensão da votação do programa e a

realização de mais seminários e discussões sobre a matéria antes de qualquer deliberação do

Conselho. Em votação deliberou-se favoravelmente ao pleito com o registro de um voto

contrário e três abstenções (Cf. UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2007c).

Dando continuidade ao processo, foi criada, no âmbito da Câmara de Graduação

da Universidade, uma comissão composta pelos professores Sandramara Matias Chaves (FE,

PROGRAD e Presidente da Comissão), Gelson da Cruz Júnior (EEEC), Osni Silva (IF), Cintya

Maria Costa Rodrigues (FCHF), Roberto Lima (FCHF), Nelson Cardoso Amaral (IF e Reitoria) e

Luciana Freire Ernesto Coelho Pereira de Sousa (CS), que se responsabilizou pela elaboração do

estudo que levasse em conta as duas propostas e os seminários e debates que seriam realizados

na instituição, apresentando ao final um relatório com uma definição quanto às “formas e

características da inclusão” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008a).

No dia 30 de junho de 2008, em sessão ordinária da Câmara de Graduação do

CEPEC a proposta ou, mais especificamente, o relatório da Comissão de Elaboração do

Programa UFGInclui foi apreciado. O conteúdo do relatório trazia semelhanças com o

“Programa de Ação Afirmativa para Estudantes de Escola Pública, Negros (as), Indígenas e

Quilombolas na Universidade Federal de Goiás”, mas sofreu algumas mudanças naquela

instância.

A primeira mudança diz respeito à autodeclaração para participação no processo

seletivo. Nos termos encaminhados pela comissão o candidato deveria optar, desde que atendidos

os requisitos, por concorrer ou nas vagas reservadas aos negros, ou nas vagas destinadas aos

estudantes de escolas públicas. Em votação essa proposta foi preterida pela possibilidade do

candidato fazer a opção às duas reservas ao mesmo tempo (Cf. UNIVERSIDADE FEDERAL

DE GOIÁS, 2008b). A segunda alteração importante foi quanto à predefinição dos percentuais

55 Diferente da proposta da Reitoria não somente em termos percentuais, mas divergente em essência, por estabelecer a reserva de vagas para os egressos de escolas públicas e negros, além da criação de vagas extras para indígenas e negros pertencentes à comunidades remanescentes de quilombolas.

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de vagas reservados no processo vestibular. O relatório encaminhado pela comissão previa a

reserva de vagas em dois blocos, cada um contendo 10% do total de vagas de cada curso. Desta

forma seriam 10% da vagas reservadas aos candidatos autodeclarados negros e mais 10%

reservadas aos alunos de escolas públicas para o ano de 2009. A esses percentuais seriam

somadas mais 5% do total de vagas para 2010 e outros 5% do total de vagas para o vestibular

2011. Desta forma teríamos em 2011, 20% das vagas de cada curso reservadas para negros e

mais 20% das vagas de cada curso reservadas aos alunos da escola pública, totalizando 40% das

vagas do vestibular UFG reservadas para negros ou estudantes de escolas públicas. A Câmara de

Graduação do CEPEC alterou esse dispositivo no sentido de que fosse mantido o percentual de

10% em cada bloco para o ano de 2009, mas que os percentuais reservados fossem revistos

anualmente (Cf. UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008b).

Sob essas perspectivas, as ações afirmativas, conforme havia nos indicado Sowell

(2004) passaram a ser um conceito numérico (Cf. SOWELL, 2004, p. 5) ou, indo além, podemos

dizer que as ações afirmativas se tornaram um problema matemático. Na proposta inicial

encaminhada pela Comissão à Câmara de Graduação do CEPEC, as cotas eram tratadas como

um problema de aritmética, uma operação simples de soma (10 + 10 = 20). Na nova proposta, o

candidato seria convocado a optar por uma ou outra. A opção desconsidera que a identidade é

múltipla e que o candidato pode ao mesmo tempo ser negro e aluno de escola pública. Ora se o

candidato sofre duplamente discriminação (por ser negro e aluno de escola pública) caberia a

conclusão de que a ele seja dada uma dupla oportunidade de ingresso, abrindo-se a possibilidade

de que ele concorra nas duas reservas de vagas. Com essa alteração abandona-se a aritmética e

passa-se a trabalhar com a teoria dos conjuntos56.

Contudo, ao trabalharmos com a teoria dos conjuntos devemos considerar não

somente os conjuntos isolados mas principalmente a intersecção que existe entre eles. Trocando

em miúdos, a soma de estudantes negros e alunos de escolas públicas que poderão ingressar,

segundo a nova proposta, em cada processo vestibular variará entre 10% (se todos egressos de

escolas públicas aprovados forem negros) e 20% (se nenhum dos egressos de escola pública

aprovados for negro). Neste sentido, podemos afirmar que a proposta do UFGInclui se esvaziou

56 Conteúdo da matemática estudado pelos alunos das primeiras séries do ensino fundamental que trata das propriedades dos conjuntos. Nesta teoria, os conjuntos são descritos como uma coleção de objetos bem definidos que são chamados de elementos ou membros do conjunto. Os objetos podem ser qualquer coisa, números, pessoas, objetos, outros conjuntos etc.

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de sentido e se tornou tímida, promovendo poucas alterações no atual quadro da instituição.

Desconsiderar esse aspecto, além de constituir uma agressão às identidades múltiplas do

candidato que tem o direito de ser reconhecido em sua pluralidade constituiria uma fraude às

estatísticas, inviabilizando a análise do alcance destas medidas.

O passo seguinte foi a apreciação do Programa UFGInclui, contendo as

modificações ora mencionadas, pelo CEPEC, fato que ocorreu na reunião extraordinária de 30 de

julho de 2008. Após algumas discussões, o Programa foi colocado à apreciação do CEPEC em

duas votações. Na primeira, o Programa como um todo foi aprovado com dezoito votos

favoráveis, dois votos contrários e duas abstenções. Em seguida, foram apreciados os destaques

propostos pelos conselheiros, quando foi aprovado com doze votos a favor, sete contrários e três

abstenções, a alteração do termo “negro”, por “negros oriundos de escolas públicas” (Cf.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008c).

A substituição do termo “negro” por “negros de oriundos de escolas públicas” foi

aprovada a despeito do empenho da comissão em esclarecer que o movimento negro defende o

benefício para o negro independentemente de se tratar de egresso de escola pública ou não.

Também foi ponderado que não deveria haver confusão entre discriminação racial e a questão

econômica, pois o negro é vítima de perseguição independente de sua condição econômica.

Ainda em defesa da integridade da proposta, foram evocados os seminários e debates realizados

por solicitação do próprio Conselho, que deram subsídios ao projeto, mas que, tiveram pouca

participação e reduzidos debates, apesar da presença de alguns ilustres convidados (Cf.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008c).

Com esta alteração houve novamente um deslocamento do foco das cotas. As

reivindicações de garantia de acesso aos negros que eram tratadas como paritárias às

reivindicações de acesso dos alunos de escolas públicas perderam status e se tornaram

subordinadas à estas. Deste modo, firmou-se a posição da instituição de que o “mínimo aceitável

de representação57” de alunos oriundos de escolas públicas em cada processo seletivo será igual a

20% do total de aprovados ou, nos termos da ata da reunião do CEPEC, esse seria o “índice de

inclusão almejado por esta instituição” (Cf. UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008c).

57 Consideramos esta expressão mais adequada que cotas por retratar com mais fidelidade a idéia das cotas não como uma reserva fixa de vagas ou um teto, mas como um piso.

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Em razão de se tratar de assunto polêmico e de evidente presença no discurso

institucional da UFG o Conselho Universitário - CONSUNI - avocou para si as discussões sobre

o Programa UFGInclui. Por esse motivo, encerradas as discussões no âmbito do CEPEC o

processo foi encaminhado ao CONSUNI para apreciação (Cf. UNIVERSIDADE FEDERAL DE

GOIÁS, 2008c).

Assim, o Programa UFGInclui foi apreciado pelo CONSUNI, em reunião plenária

realizada em 22 de agosto de 2008. O processo no 23070.009143/2007-33, do interesse da

Reitoria dispondo sobre o programa UFG Inclui, foi relatado pela conselheira Sandramara Matias

Claves pró-reitora de Graduação58 que historiou de forma resumida os trâmites do processo nas

instâncias em que ele havia sido apreciado e, como o Programa contempla as ações afirmativas já

existentes na universidade, ampliando-as. Ao mesmo tempo, cria novas ações (Cf.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008a).

Durante as discussões foram sugeridas algumas propostas de alteração do

programa. Contudo, o plenário, quando convocado a votar o parecer da relatora, favorável à

implantação do programa UFG Inclui, aprovou-o com trinta e cinco votos a favor, três contrários

e três abstenções. A aprovação do parecer da relatora garantiu a “integridade” da proposta nos

termos em que ela havia sido aprovada no CEPEC, pois, além de ser favorável à criação do

programa UFG Inclui ele aprovou também o relatório da Comissão, originando a Resolução

CONSUNI no 29/2008. Ato contínuo, conforme registro documental da reunião “O presidente,

então, informa que, uma vez que o parecer da relatora foi aprovado, as propostas apresentadas

nesta sessão ficam prejudicadas” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008a).

A definição das nuances operacionais do programa ficaram a cargo do Edital do

Processo Seletivo 2009, o qual trataremos mais adiante. Para o momento cabe voltar a atenção à

tabela 259 do anexo da Resolução CONSUNI no 29/2008 que traz o tipo de estabelecimento em

que os candidatos aprovados nos 10 últimos processos seletivos da UFG cursaram integralmente

ou majoritariamente o ensino médio. Segundo as informações contidas nessa tabela, embora

possamos perceber uma tendência de diminuição no índice de aprovação dos candidatos egressos

de escolas públicas, em nenhum momento esse índice foi inferior a 40% do total de aprovados.

58 A Pró-Reitora de Graduação presidiu as reuniões da Câmara de Graduação e do Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura em que o programa UFG Inclui foi apreciado. 59 Vide Anexo II.

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Fato que na soma geral torna a cota para egressos de escolas públicas, praticamente inócua.

Durante a reunião da Câmara de Graduação realizada em 9 de junho de 2008, um conselheiro

havia interpelado seus pares nesse sentido, ao afirmar que “... apenas cursos como medicina,

odontologia, engenharia e enfermagem não cumprem a cota proposta e, por isso, considera que

haverá muitas mudanças para poucos cursos” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS,

2008b). Embora naquele momento o conselheiro pautasse sua análise na proposta de 10% das

vagas para candidatos egressos de escolas públicas e mais 10% das vagas para negros, ainda

assim, é lícito constatar que mesmo os 20% de reserva de vagas para os egressos de escolas

públicas é um percentual, tímido frente ao panorama geral da universidade.

Essa constatação possibilita refletir que, diferentemente do enunciado no texto do

Programa UFGInclui e nas discussões que o antecederam, o Programa não visa a inclusão dos

segmentos historicamente excluídos de uma educação de qualidade, no caso específico os alunos

oriundos de escolas públicas, haja vista a quantidade de vagas reservadas é inferior à media

histórica de estudantes aprovados no vestibular com o referido perfil. Nesse contexto, o

programa almeja a manutenção do perfil dos alunos aprovados na UFG ou, em uma postura mais

radical, a modificação do perfil dos estudantes aprovados nos cursos mais concorridos. Isto

indica que, embora tenha sido alvo de debates e alterações em seu escopo, o Programa

UFGInclui manteve o espírito daquela proposta inicialmente encaminhada pela Reitoria à

Câmara de Graduação. Em abril de 2007, o jornal O Popular, divulgou reportagem em que o

reitor, preocupado com a “evidente elitização na Universidade Federal de Goiás (UFG)” anuncia

medidas para amenizar essa situação (Cf. O POPULAR, 2007).

O próprio relatório da Comissão de Elaboração do Programa UFGInclui, traz uma

tabela que demonstra a média percentual do qüinqüênio 2004-2008 de alunos que cursaram todo

o ensino médio em escola pública e foram classificados no processo vestibular da UFG. Dentre

os 40 cursos que compõem a referida tabela, em 1260 o percentual de alunos oriundos de escola

pública não é superior a 20% do total de classificados. O mesmo documento indica como os

alunos da UFG se vêem quanto a raça. Considerando a média dos alunos classificados no

60 Os cursos em que o total de classificados egressos de escola pública é menor que a cota de 20% são: Agronomia – Goiânia, 13,7%; ciências da computação (bac.) - Goiânia, 15,5%; engenharia civíl- Goiânia, 6%; engenharia elétrica – Goiânia, 7,8%; ciências biológicas (bac.) - Goiânia, 7,3%; enfermagem – Goiânia, 16%; medicina – Goiânia, 4,5%; medicina veterinária – Goiânia, 8,8%; odontologia – Goiânia, 5,0%; administração (bac.) - noturno Goiânia, 8,9%; direito (bac.) - matutino Goiânia, 4,0% e; direito (bac.) - noturno Goiânia, 12,3%.

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qüinqüênio 2004-2008, a quantidade de alunos que se consideravam negros (pretos + pardos) só

não foi superior a 30% no curso de Música (Bacharelado em Composição)61 ministrado na

cidade de Goiânia (Cf. UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008e).

A letra do Edital no 81/2008 informa que o candidato, caso deseje concorrer a uma

das vagas reservadas aos negros oriundos de escolas públicas, deve se autodeclarar “negro

oriundo de escola pública passível de sofrer discriminação”. Essa redação diverge

substancialmente das categorias utilizadas durante os estudos e nos documentos oficiais da

instituição.

As informações presentes no Edital não fornecem detalhes operacionais do

Programa UFGInclui, além dos contidos na Resolução CONSUNI no 29/2008 e no relatório da

Comissão da Câmara de Graduação. O referido Programa, se operacionaliza com ações antes do

ingresso62, ações a serem realizadas no ingresso63, ações a serem realizadas após o ingresso64, e

ainda, avaliação das ações implementadas.

Como o foco dessa dissertação está nas ações realizadas no ingresso dos

estudantes, pormenorizaremos agora os procedimentos e mecanismos previstos para

operacionalização do sistema. O Edital apenas informa que para concorrer a uma das vagas

reservadas no vestibular da UFG, o estudante deverá se autodeclarar estudante de escola

pública65, negro proveniente de comunidades quilombolas ou indígena. Em todos os casos é

necessária a comprovação formal de sua condição, no ato da matrícula. Para os alunos

61 Neste curso não houveram pretos classificados e a quantidade de pardos classificados foi de apenas 16%. 62 O programa prevê a execução das seguintes ações anteriores ao ingresso: 1) Ampliação da quantidade de isenções da taxa de inscrição de 3.000 para 5.000; 2) reformulação dos programas de provas do processo seletivo mediante interlocução com o ensino médio, especialmente as escolas públicas; 3) ampliação das ações voltadas à formação de professores e melhoria do ensino público; 4) criação de curso livre preparatório ao processo seletivo da UFG voltados aos estudantes de escolas públicas e; 5) divulgação das ações de inclusão social da UFG. 63 O programa prevê a execução das seguintes ações no ingresso: 1) Implementação do índice de inclusão de 20%, em caráter experimental, para convocação para a segunda etapa de alunos de escolas públicas e negros oriundos de escola pública que cursaram integralmente os dois últimos anos do Ensino Fundamental e o Ensino Médio em escola pública; 2) aproveitamento das notas do ENEM no cálculo da convocação de todos os candidatos para a 2a etapa; 3) Acrescer, sob demanda, uma vaga em cada curso para estudantes indígenas; 4) Acrescer, sob demanda, uma vaga em cada curso para estudantes negros provenientes de comunidade quilombolas; 5) Aperfeiçoar o processo de avaliação das provas no processo seletivo UFG. 64 O programa prevê a execução da seguintes ações após o ingresso: 1) Ampliação do serviço de assistência estudantil e criar novos programas; 2) viabilização dos mecanismos de acompanhamento do desempenho dos estudantes que ingressaram pelo programa; 3) 65 Para fins de reserva de vagas são considerados estudantes de escolas públicas aqueles que freqüentaram os dois últimos anos do ensino fundamental e todo o ensino médio em escola pública, excetuando-se as escolas federais e as escolas do sistema S (Sesi, Senai etc.).

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provenientes de escolas públicas o edital preserva a possibilidade de se autodeclarem “negros

passiveis de sofrerem discriminação racial”. Neste caso, além da comprovação ordinária a que

todos os pleiteantes ao acesso na universidade, via UFGInclui, estão obrigados, o candidato

autodeclarado negro deve, também, se declarar ciente da possibilidade de se submeter à

aquiescência de uma comissão especialmente designada, a qual poderá, caso considere a

autodeclaração fraudulenta, recomendar a exclusão do candidato do processo seletivo.

Dois aspectos são importantes de serem pontuados. O primeiro é a criação de uma

nova categoria de análise, os “negros oriundos de escolas públicas passíveis de sofrerem

discriminação racial”, os quais devem compor pelo menos 10% do corpo discente da

universidade. Mesmo reconhecendo a boa vontade da iniciativa, as informações colhidas em

função desta nova categoria não servirão de base de comparação. Por ser uma categoria nova, ela

não permite a avaliação do alcance das políticas inclusivas que estão sendo implantadas na

universidade. O segundo ponto é que embora esteja prevista a reavaliação anual dos percentuais

do programa, o prazo proposto para a sua vigência é de dez anos, período no qual espera-se que

“... as motivações existentes hoje para a sua implantação estejam minimizadas ...”

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2008d, p. 22).

Não há qualquer base empírica para afirmar que o período de dez anos seja

suficiente para promover esse tipo de alteração, ainda mais quando consideramos se tratar, a

reserva de vagas, de uma ação extremamente pontual. Pelo contrário, o caso da UERJ que, em

2009, completa cinco anos, período que, acreditava-se ser suficiente para promover uma

mudança social, não deixa espaço para ingenuidades. No cenário internacional também não há

qualquer subsídio para tal crença, segundo SOWELL :

Como disse um defensor da reserva de certo número de empregos para integrantes de grupos especificados na Índia: 'Até mesmo os mais firmes partidários da reserva concordaram em que é uma disposição transitória’. Foram os próprios lideres dos intocáveis que propuseram um prazo de dez anos para o benefício, de modo a evitar oposição política e conflito social. Isto foi em 1949 – e a reserva está até hoje em vigor. (SOWELL, 2004, p. 03).

O nosso entendimento, alinhado a essa ressalva de Sowell, é de que a definição de

um limite temporal para a vigência das cotas raciais é mais uma concessão visando minimizar a

oposição ao projeto, do que propriamente uma demonstração de confiança na efetividade das

cotas raciais como política de acesso ao ensino superior. Embora tenha havido esse cuidado por

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parte dos proponentes das cotas raciais na UFG, não vislumbramos uma oposição sistemática à

esta modalidade de ação afirmativa na instituição.

Provavelmente, por já existir no estado de Goiás uma universidade pública que

utiliza o sistema de cotas para acesso ao ensino superior (a UEG), o tema tenha sido conduzido

com certa tranqüilidade pelos seus proponentes. Mesmo os meios de comunicação locais que

acompanharam os debates e decisões da UFG, foram pouco utilizados durante o processo de

deliberação, no levantamento que realizamos66 das matérias divulgadas nos dois maiores jornais

diários do estado de Goiás, entre 29 de abril de 2007 (data em que se divulgou que estavam em

estudos mudanças no vestibular) e 1o de agosto de 2008 (data da aprovação da Resolução no

29/2008 – CONSUNI, que cria o Programa UFGInclui) somente em onze oportunidades forma

vinculadas matérias que tratavam diretamente sobre o programa de ações afirmativas da UFG.

Em outras quatro oportunidades as cotas raciais eram tratadas de maneira geral, em função de

discussões que ocorrem na Câmara dos Deputados visando a instituição das cotas raciais em

todas as universidades públicas ou como repercussão de acontecimentos que não tinham ligação

direta com o caso da UFG. Esse número é ainda menos representativo quando se leva em conta

que em apenas quatro oportunidades não se tratam de notas frias sobre o tema67.

Se em dezesseis meses de discussão sobre as ações afirmativas somente em onze

oportunidades os dois jornais abriram espaço para o tema, nos quatro meses que sucederam a

criação do Programa UFGInclui houve uma repercussão, digamos, menos incipiente. Após a

criação do Programa UFGInclui, em nove oportunidades os meios de comunicação veicularam

matérias relativas ao tema68. Nesse contexto, chama a atenção que mesmo sobre a perspectiva de

criação de uma comissão que convocará o candidato a uma vaga na UFG pelo sistema de cotas

para julgar se o mesmo pode ser considerado “negro de escola pública passível de sofrer

discriminação”, comissão essa que na UnB se tornou o pomo da discórdia, na UFG não foi

objeto de questionamentos e passou sem qualquer alarde.

66 Para o levantamento nos aproveitamos da compilação de matérias divulgadas nos jornais referentes à UFG, realizada pela assessoria de comunicação da própria instituição – denominada clipping – e divulgada em seu sítio. 67 As quatro notícias se dividiram da seguinte forma – duas matérias contrárias às cotas racias, uma favorável e uma que embora a entrevistada indique uma preocupação com a adoção dos Bônus na UFG – esta notícia foi antes substituição dos bônus por cotas na proposta do Programa UFGInclui, a entrevistada não se posiciona oficialmente. 68 Uma das matérias trata justamente da polêmica envolvendo o tema das cotas raciais, três são favoráveis e as outras são matérias que não emitem opinião.

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Em relação aos processos da UERJ e da UnB, a definição da forma de ingresso

por cotas raciais na UFG é impar também quanto à origem da proposta. Em um primeiro

momento, não estava em pauta a criação de cotas raciais na UFG. Diferente das outras duas

instituições a proposta de ações afirmativas da Reitoria pretendia instituir bônus a partir do

processo seletivo 2008. Por esse motivo podemos dividir a atuação do movimento negro em duas

partes, a primeira parte foi a mobilização para substituição dos bônus por cotas raciais; a

segunda, a mobilização para aprovação destas cotas. Institucionalmente havia a predisposição

para aprovar uma política de ação afirmativa na UFG. Tanto é verdade que a primeira versão do

Programa UFGInclui se origina na Reitoria, ou seja, era uma proposta formulada de cima para

baixo, estando aí outra diferença entre as instituições. Enquanto na UERJ a proposta (e

definição) acontece em ambiente externo à instituição, no caso da UnB, há uma proposta de base

que somente alcança as altas esferas deliberativas da instituição após muito esforço de seus

proponentes.

A despeito dessas diferenças, o resultado segue o mesmo padrão estabelecido

pelas outras duas universidades, isto é o Programa UFGInclui se pauta em um modelo de

identidade para estabelecer seus objetivos.

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III. TERCEIRA PARTE - O RETORNO AO SOCIOLÓGICO

Considerações finais

Ao longo dos mais de quatro anos que separam a implantação das cotas raciais na

UERJ e na UnB e a implantação das cotas raciais na UFG muito se discutiu e produziu sobre o

tema, na academia, nos meios de comunicação social e nas instâncias políticas. Tais estudos

serviram de referência para o debate em várias instituições de ensino superior, inclusive na

Universidade Federal de Goiás. Embora possamos afirmar que a implantação das cotas seja uma

tendência das universidades brasileiras, os processos de discussão e deliberação seguem roteiros

notavelmente distintos. Até o momento, prevalece nas universidades, conforme podemos inferir

do levantamento realizado sobre as ações afirmativas adotadas nas instituições estaduais e

federais de ensino superior, uma tendência mais forte para a adoção das cotas sociais em relação

às cotas raciais. Entretanto, isso não significa dizer que a adoção das cotas raciais seja uma

tendência desprezível. Em verdade, grande parte das instituições estabelece suas ações

afirmativas (sejam elas cotas ou bônus) combinando os dois critérios, ao invés de optar por um

deles.

Os argumentos em defesa da instituição de cotas raciais como política pública de

acesso ao ensino superior envolvem-se de um apelo ético visível e são invocados regularmente

para justificar posições no campo acadêmico e das políticas públicas. Dentre os argumentos

usualmente utilizados para justificar a implantação de ações afirmativas (reparação, justiça

social, diversidade e reconhecimento), o argumento do reconhecimento tem emprestado maior

consistência aos debates, pois ele permite, em níveis mais criativos que os demais, o desafio

intelectual de, ao mesmo tempo, inspirar posições favoráveis à adoção de políticas de ações

afirmativas e evidenciar os termos contrários à sua modalidade mais radical - as cotas raciais.

Em nossa pesquisa, procuramos identificar, nos processos de implantação das

cotas raciais na UERJ e UnB, a forma como os argumentos de justificação foram tratados (e

utilizados) para, a partir daí, verificarmos se, e como, essas experiências pioneiras influenciaram

as deliberações na UFG.

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Quando as cotas foram instituídas na UERJ, o processo deliberativo foi exógeno e

influenciado principalmente através da mídia. Durante os preparativos para a III Conferência

Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas, a discussão

sobre as cotas raciais os meios de comunicação social davam especial atenção aos argumentos da

justiça social e da reparação. A justificativa original para apresentação do projeto de lei, em que

são citados estudos estatísticos realizados pelo IPEA e pelo IBGE, deixou evidente que,

instintivamente, o legislador se apóia no argumento da justiça social para basear sua proposta.

As ações afirmativas que derivam do argumento da justiça social são baseadas em

um modelo de identidade, e assim as cotas raciais se apresentam como opção, pela capacidade de

promover mudanças expressivas em um curto espaço de tempo.

Já o embrião da cotas raciais na UnB tem origem endógena. A motivação para a

propositura de tal política foi a aparente dificuldade da universidade em acolher e manter

estudantes negros. Toda a discussão foi animada pelo princípio da igualdade, mas foi ancorada

no argumento da diversidade, que ela se avolumou dentro da instituição e ganhou espaço na

mídia, até atingir as altas esferas deliberativas da universidade.

O impacto das discussões sustentadas no argumento da diversidade que ocorreram

na UnB foi forte. A estratégia foi vincular à UnB a imagem de uma instituição racista, e a partir

disso comprovar esse fato pela falta de diversidade racial de seu corpo discente e docente.

Teoricamente, as ações afirmativas derivadas do argumento da diversidade

assemelham-se àquelas derivadas do argumento da justiça social. Em ambos os casos existe uma

vinculação necessária das ações afirmativas ao modelo de identidade. Por esse motivo, as cotas

emergem como uma solução palpável para a melhoria das condições de vida da população

beneficiária.

A grande celeuma entre os defensores das cotas lato sensu é a definição do

argumento de justificação a que as cotas devem se filiar. A filiação ao argumento da justiça

social exige que se olhe, principalmente para os estudantes de baixa renda, fazendo com que a as

cotas raciais sejam deslocadas para um segundo plano da discussão. Por outro lado, a filiação ao

argumento da diversidade suscita que sejam levados em conta também os candidatos indígenas,

os deficientes (em geral), os homossexuais etc. Enfim, o argumento da diversidade abre caminho

para questionamentos que extrapolam as questões raciais. No confronto entre os argumentos, o

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papel da “reparação” é de mera coadjuvante, indiscutivelmente de menor apelo perante os

demais, a não ser para alguns setores do movimento negro. Como figurante também se apresenta

o argumento do reconhecimento, o mais contemporâneo e que nos permite a desvinculação entre

a ação afirmativa e o modelo de identidade.

Na UFG o debate da ação afirmativa tem um caráter endógeno. Varias

modalidades de ação afirmativa eram utilizadas antes da criação do Programa UFGInclui, e

mesmo esse Programa, em sua origem, não contemplava as cotas raciais como política

institucional. A preocupação inicial se sustentava no argumento da justiça social. Em razão disso

o foco estava sobre os estudantes de escolas públicas, sem que fosse abordada a inclusão

diferenciada dos negros nos cursos da instituição.

Em um primeiro momento, a proposta retinha-se em consolidar as diversas ações

de inclusão que eram realizadas de maneira descordenada dentro da universidade, centralizando

as diretrizes dessas ações. Algumas ações seriam ampliadas e outras criadas. Para o objetivo de

nosso estudo a mais importante era a criação de bônus para o acesso de estudantes de escolas

públicas. Como a proposta da Reitoria alterava o ingresso, viu-se nesse momento a oportunidade

para emplacar o sistema de cotas da UFG. Embora o movimento negro tenha, em um primeiro

momento, utilizado a reparação como justificativa para adoção das cotas raciais, o programa não

se filiou a esse princípio.

Durante as discussões, que ocorreram nas reuniões das instâncias deliberativas da

universidade, o que estava implicitamente em discussão, era qual argumento de justificação

orientariam as cotas na UFG.

O relatório da Câmara de Graduação encaminhado ao CEPEC contemplava em

sua essência os dois argumentos tanto o da justiça social quanto o da diversidade. Entretanto, ao

ser alterado no CEPEC, com a substituição do termo “negro” por “negro oriundo de escola

pública” o programa acabou por subordinar o argumento da diversidade ao da justiça social. Em

meio a esta constatação, não é de se admirar que a forma de intervenção da UFG tenha se

orientado a um modelo de afirmação das identidades.

Embora o Programa UFGInclui seja amplo em termos de possibilidades de

intervenção, esta abrangência se deve não às discussões ocorridas durante seu processo de

tramitação, que se concentraram essencialmente na instituição das cotas, mas às ações isoladas

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que já ocorriam na UFG e que foram reunidas sob a batuta deste novo programa. Assim, a

discussão sobre a implantação das cotas na UFG e sua efetiva implantação não trouxe novas

reflexões no campo teórico, muito menos uma inovação sob qualquer outro aspecto:

institucional, de gestão, de concepção de direitos ou de formulação teórica.

Na verdade, ocorreu na UFG um movimento distinto, no qual conceitos e posturas

sobre ação afirmativa e cotas raciais, foram trazidos para o debate, de forma a promover junto às

instâncias deliberativas da universidade o alinhamento da entidade com a tendência de

implantação do sistema de cotas que existe em outras universidades públicas.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Edital de 08 de setembro de 2008. Disponível em: http://www.vestibular.ufrgs.br/cv2009/EDITAL_DE_ABERTURA_DE_INSCRICOES_FINAL2009.doc. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Edital no 45, 07 de julho de 2008. Disponível em: http://www.vestibular.ufrj.br/downloads/Concurso_2009_Edital_45.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE. Edital de 20 de junho de 2008. Disponível em: http://www.comperve.ufrn.br/conteudo/psanteriores/ps2009/documentos/EditalVestibular2009.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Edital no 044/2008, de 07 de agosto de 2008 – vestibular 2009. Disponível em: http://www.copese.uft.edu.br/index.php?option=com_docman&task=doc_details&gid=1359&Itemid=223. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO. Edital no 11/2008/COPEC/ UFTM de 05 de setembro de 2008. disponível em: http://www.vunesp.com.br/vestibulares/fmtm0805/edital_fmtm0805.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO. Manual do candidato. Disponível em: http://www.pbt.com.br/manual/manual_candidato_vest_2009.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI. Edital no 02/2008 – COPESE/UFVJM. Disponível em: http://ufvjm.edu.br/copese/unico/edital_1_2009.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE. Edital. Disponível em: http://www.coseac.uff.br/2009/index.htm. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL PAULISTA. Edital do vestibular UNIFESP 2009. Disponível em: http://www.unifesp.br/prograd/vestibular/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=79&Itemid=2. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO. Manual do candidato. Disponível em: http://www.pbt.com.br/manual/manual_candidato_vest_2009.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO PARÁ. Edital no 19/2008. Disponível em: http://www.ufra.edu.br/concursos/edital192008/documentos/edital192008.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO. Edital 02/2008. Disponível em: http://www.vestibular.ufrrj.br/pdf/Edital_2009.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ARIDO. Edital 033/2008. Disponível em: http://www.ufersa.edu.br/vestibular/Download/UFERSA_EDITAL_VESTIBULAR_20091.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ. Edital 30/2008 – CAFCV. Disponível em: http://200.19.73.111/ves/pg/edital/edital_ves_ver_2009.pdf. Acesso em: 22 out. 2008.

VIEIRA, Andréa Lopes da Costa. “Políticas de educação, educação como política: observações sobre a ação afirmativa como estratégia política”. In: GONÇALVES E SILVA, Petrolina Beatriz e, SILVÉRIO, Valter Roberto (orgs.). Educação e Ações afirmativas. Entre a injustiça simbólica

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115

e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira – INEP, 2003.

WEISSKOPF, Thomas E.. A experiência da Índia com a ação afirmativa na seleção para o ensino superior. In: ZONINSEIN, Jonas; FERES JÚNIOR, João (Orgs.). Ação afirmativa no ensino superior brasileiro. Belo Horizonte: ed. UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008. 305p (HUMANITAS)

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ANEXOS

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Anexo I

Quadro 3 – Artigos sobre cotas raciais/ ações afirmativas publicados nos jornais de grande circulação de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – até 2006.

Política de cotas por área de estudo

Posição

Favorável Contraria Neutra Área

Artigos Acadêmicos Artigos Acadêmicos Artigos Acadêmicos

Total Artigos

Total Acadêmicos

Antropologia 4 3 11 5 1 1 16 9

Economia 2 2 7 4 4 3 13 9

Direito 6 5 4 4 - - 10 9

História 2 2 7 6 - - 9 8

Educação 20 5 1 1 - - 21 6

Sociologia - - 2 2 2 2 4 4

Letras 2 2 - - - - 2 2

Administração 2 1 7 1 - - 9 2

Física - - 3 2 - - 3 2

Geografia 1 1 2 1 - - 3 2

Medicina 1 1 1 1 - - 2 2

Psicologia 4 1 - - - - 4 1

Ciência Política

1 1 - - - - 1 1

Comunicação 1 1 - - - - 1 1

Filosofia - - 1 1 - - 1 1

Informática - - 1 1 - - 1 1

Matemática 1 1 - - - - 1 1

Serviço Social 1 1 - - - - 1 1

Outros 3 2 3 3 - - 6 1

TOTAL 51 29 50 32 7 6 108 67

Quadro 1 - fonte: FRANCO, 2006.

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Anexo II

A tabela a seguir foi integralmente extraida do relatório da Câmara de Graduação e pode ser encontrado na página 07 do anexo da Resolução CONSUNI no 29/2008.

Tabela 2 – Tipo de estabelecimento em que os aprovados na UFG cursaram o Ensino Médio.

Ano Escola Pública* Escola Particular**

1998 51,00% 49,00%

1999 57,00% 43,00%

2000 52,00% 48,00%

2001 51,00% 49,00%

2002 53,00% 37,00%

2003 52,00% 48,00%

2004 50,00% 50,00%

2005 46,00% 54,00%

2006 42,00% 58,00%

2007 43,00% 57,00% * Estudou somente em Escola Pública ou pelo menos a maior parte nesse tipo de estabelecimento. ** Estudou somente em Escola Particular ou pelo menos a maior parte nesse tipo de estabelecimento. FONTE: Questionários Socioeconômicos dos 10 últimos Processos Seletivos da UFG.

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Anexo III

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

RESOLUÇÃO CONSUNI Nº 29/2008

Cria o Programa “UFGInclui” na Universidade Federal de Goiás e dá outras providências.

O CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, no uso de suas atribuições legais, estatutárias e regimentais, reunido em sessão plenária realizada no dia 1º de agosto de 2008, tendo em vista o que consta do Processo nº 23070.009143/2007-33,

R E S O L V E :

Art. 1º Criar o Programa “UFGInclui” na Universidade Federal de Goiás.

Parágrafo único. As ações do Programa são aquelas estabelecidas no Anexo a esta Resolução.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor nesta data.

Goiânia, 1º de agosto de 2008

Prof. Benedito Ferreira Marques

- Presidente em exercício –

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ANEXO DA RESOLUÇÃO - CONSUNI Nº 29/2008

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

UFG INCLUI

Programa de Inclusão da UFG

Goiânia Agosto/2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Prof. Edward Madureira Brasil

Reitor

Prof. Benedito Ferreira Marques Vice-Reitor

Profª. Sandramara Matias Chaves

Pró-Reitora de Graduação

Profª. Divina das Dores de Paula Cardoso Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação

Prof. Anselmo Pessoa Neto

Pró-Reitor de Extensão e Cultura

Prof. Orlando Afonso Valle do Amaral Pró-Reitor de Administração e Finanças

Prof. Jeblin Antônio Abraão

Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional e Recursos Humanos

Odont. Ernando Melo Filizzola Pró-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO …......................................................................................................................04

I. FUNDAMENTOS E OBJETIVOS........................................................................................04

A inclusão como meta para a Universidade......................................................................04

Ações já desenvolvidas pela UFG com vistas à inclusão social........................................08

Objetivos do Programa de Inclusão Social da UFG......................................................... 11

II. AÇÕES A SEREM REALIZADAS.............................................................................. 11

Ações a serem realizadas antes do ingresso …..................................................................11

Ações a serem realizadas no ingresso …...........................................................................13

Ações posteriores ao ingresso ….......................................................................................17

Avaliação das ações implementadas ….............................................................................18

III. DETALHAMENTO DOS INDICADORES E RECURSOS...... ..................................18 IV. GERENCIAMENTO DO PROGRAMA UFGInclui........... ........................................ 19

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INTRODUÇÃO

Um dos principais objetivos da Universidade Federal de Goiás é promover uma formação acadêmica de qualidade, que contemple não só a aquisição de conhecimentos técnico-científicos, mas também o desenvolvimento de habilidades, atitudes e valores condizentes com o exercício das diferentes profissões no atual contexto político, econômico e social, comprometendo-se dessa forma com o pleno exercício da cidadania e com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

O desafio da inclusão social é um dos temas centrais da reforma universitária e uma questão importante que a envolve é a necessidade de uma clara política de apoio ao estudante com vistas não somente ao seu acesso ao ensino superior, mas à sua permanência plena nos cursos de graduação das universidades públicas brasileiras até a conclusão dos mesmos.

Em consonância com o princípio geral de compromisso com a democratização da educação, com a socialização dos seus benefícios, com o desenvolvimento cultural, artístico, científico, tecnológico e socioeconômico do país, a UFG propõe-se a desenvolver, nos próximos anos, um programa de inclusão - UFGInclui.

Este Programa é parte da política de inclusão e permanência daPró-Reitoria de Graduação e foi elaborado com base em estudos de documentos e propostas de ações afirmativas, dentre os quais algumas modalidades de vestibulares de Instituições Federais de Ensino Superior, por meio de seminários envolvendo professores, coordenadores e diretores de cursos das redes públicas e privadas de ensino médio, e coordenadores de cursos de graduação da UFG . Além disso, considerou-se os resultados do Seminário Ações Afirmativas na UFG cujo objetivo foi o de fomentar novos debates e ações sobre o acesso e a permanência dos estudantes de origem popular em universidades públicas.

Para apresentar o Programa, este documento está estruturado em quatro seções. Após uma introdução, a primeira seção apresenta os pressupostos e diretrizes que norteiam a inclusão na UFG. Com base nos objetivos propostos são apresentadas na segunda seção as ações a serem realizadas antes, durante e após o ingresso, bem como uma avaliação dessas ações para realimentação do processo. A terceira seção deste documento explicita os indicadores e os recursos necessários para viabilização do Programa. Finalmente, na última seção, são apontadas questões relacionadas ao gerenciamento do Programa de Inclusão da UFG.

I. FUNDAMENTOS E OBJETIVOS

A inclusão como meta para a Universidade Este programa de inclusão parte do pressuposto de que a Universidade é uma

instituição plenamente inserida nos contextos social, político e econômico. Enquanto tal, ela reflete as condições da configuração da existência humana que são produzidas nesses contextos. No caso brasileiro, estas condições são marcadas por profundas desigualdades sociais quanto ao acesso e usufruto dos bens materiais e culturais que são produzidos socialmente.

No que diz respeito à educação, essas desigualdades se manifestam pela existência de segmentos significativos da sociedade que não têm acesso a um ensino de qualidade -entendido como sendo aquele em que os alunos adquirem conhecimentos e habilidades que lhes possibilitem exercer plenamente a sua cidadania – enquanto outros segmentos, numericamente menores, usufruem plenamente desse direito. Como a Universidade é uma instituição que seleciona seus estudantes pelo mérito - isto é, com base no domínio dos conhecimentos e das habilidades que deveriam se formar mediante o processo educativo realizado nos níveis precedentes de ensino -, essas desigualdades se explicitam nitidamente no momento do ingresso

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dos estudantes que não tiveram assegurado seu direito a um ensino de qualidade. No contexto atual, é possível afirmar que esses estudantes são os jovens pertencentes aos segmentos menos favorecidos da sociedade, que realizaram a sua formação básica na escola pública.

Com efeito, as condições para a realização de um ensino de qualidade na escola pública vêm se deteriorando gradativamente nas últimas décadas, em razão, entre outros fatores, da inexistência de condições estruturais e de políticas públicas efetivas nessa direção. Enquanto os segmentos das camadas mais privilegiadas da sociedade possuem os meios para buscar alternativas que assegurem aos seus filhos um tipo de ensino que lhes possibilita prosseguir os estudos em nível superior, aos filhos das famílias pertencentes às camadas populares, cabe freqüentar a escola pública, cujo ensino se realiza em condições desfavoráveis, entre elas a própria situação familiar e cultural desses estudantes.

A esse respeito, por exemplo, pesquisa da UNESCO (2002) revela que os estudantes do Ensino Médio em Goiás possuem, entre outras, as características apresentadas na Tabela 1. Tabela 1 – Características socioeconômicas, familiares e culturais dos estudantes do Ensino Médio em Goiás.

Escolaridade do pai Escola pública (%) Escola privada (%)

Analfabeto\só assina nome 10,8 2

Até 4ª série 27,4 2,3

Entre a 5ª e 8ª série 25,3 6,5

Segundo grau incompleto 12,8 7,8

Segundo grau completo 15,9 27,1

Superior completo\incompleto 7,7 54,4

Escolaridade da mãe Escola pública (%) Escola privada (%)

Analfabeto\só assina nome 9,8 1,6

Até 4ª série 24,5 1,5

Entre a 5ª e 8ª série 27,8 5,5

Segundo grau incompleto 12,3 7,7

Segundo grau completo 17,2 30,1

Superior completo\incompleto 8,4 53,6

Freqüência a cursos extra-escolares Escola pública (%) Escola privada (%)

Curso de música 4,7 8,8 4,7 8,8

Artes: teatro, pintura, artesanato, etc. 2,7 6

Prática desportiva 7,8 30,5

Curso de Língua estrangeira 4,4 34,8

Curso de informática 22,9 8,5

Uso do computador na escola Escola pública (%) Escola privada (%)

Sim 5,5 52,5

Não 46,5 28,4

A escola não tem computadores 48 19,1

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Posse de computador Escola pública (%) Escola privada (%)

Possui 27,1 79,6

Não possui 72,9 20,4

Formação dos professores Escola pública (%) Escola privada (%)

Segundo grau 1,9 1,4

Licenciatura 48,1 40,5

Superior sem complementação pedagógica 4,2 6,4

Superior com complementação pedagógica 4,9 6,4

Superior incompleto 2,6 5,6

Pós-graduação 38,3 39,6 Fonte: UNESCO, Pesquisa Ensino Médio, 2002.

Em decorrência de múltiplas combinações dos fatores apresentados na Tabela 1, os estudantes oriundos da escola pública vêm paulatinamente diminuindo suas possibilidades de acesso ao ensino superior público, o qual apresenta concorrência bastante acentuada em alguns cursos. Quanto a isso, os dados estatísticos dos 10 últimos processos seletivos da UFG, apresentados na Tabela 2, são bastante reveladores.

Tabela 2 -Tipo de estabelecimento em que os aprovados na UFG cursaram o Ensino Médio. Ano Escola Pública* Escola Particular**

1998 51,00% 49,00%

1999 57,00% 43,00%

2000 52,00% 48,00%

2001 51,00% 49,00%

2002 53,00% 47,00%

2003 52,00% 48,00%

2004 50,00% 50,00%

2005 46,00% 54,00%

2006 42,00% 58,00%

2007 43,00% 57,00% * Estudou somente em Escola Pública ou pelo menos a maior parte nesse tipo de estabelecimento. ** Estudou somente em Escola Particular ou pelo menos a maior parte nesse tipo de estabelecimento. FONTE: Questionários Socioeconômicos dos 10 últimos Processos Seletivos da UFG.

Fica evidenciado na tabela 2 que houve uma redução do ingresso de alunos provenientes de escola pública e, se essa análise for feita tomando como referência os cursos mais concorridos da UFG, a presença desses alunos torna-se ainda menos representativa, conforme demonstram os dados apresentados na Tabela 3. Tabela 3 -Tipo de estabelecimento em que os aprovados nos cursos mais disputados da UFG em 2007 cursaram o Ensino Médio – Goiânia.

Medicina36,98 candidatos\vaga

90% somente em escola privada 5,45% somente em escola pública

27,2 candidatos\vaga 83, 33% somente em escola privada 6,67% somente em escola pública

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Direito (matutino) 26,12 candidatos\vaga

95% somente em escola privada 3,33% somente em escola pública

Psicologia 23,74 candidatos\vaga

82,86% somente em escola privada 5,75% somente em escola pública

Engenharia da computação 19,61 candidatos

75% somente em escola privada 11,11% somente em escola pública

Fonte: Questionário socioeconômico da UFG – Processo Seletivo 2007, disponível em www.vestibular.ufg.br.

Os resultados apresentados nas tabelas anteriores revelam uma situação que exige a atuação propositiva da Universidade tendo em vista provocar transformações nessa realidade. Algumas universidades públicas brasileiras, no exercício de sua autonomia, adotaram mecanismos de inclusão de diferentes segmentos, historicamente excluídos do acesso aos bens materiais e culturais da sociedade. Dentre esses mecanismos, podem ser citadas as cotas para negros e indígenas, os bônus ou pontuações para alunos de escolas públicas ou mediante a combinação de ações afirmativas dessa natureza, com vistas a ampliar o acesso desses segmentos ao ensino superior.

Com base nas experiências positivas de algumas dessas universidades, este programa de inclusão da UFG se propõe a desenvolver ações afirmativas que possibilitem a ampliação do acesso e da permanência de estudantes egressos de escolas públicas, de negros egressos de escola pública e de indígenas e negros quilombolas. Considerando a existência de segmentos sociais historicamente excluídos do acesso ao ensino superior, este programa parte do pressuposto de que a proposição e o desenvolvimento de ações intencionais para incluir tais categorias no ensino superior, contempla as camadas menos favorecidas da população, entre as quais encontram-se as minorias étnicas/raciais. Os dados apresentados na Tabela 4 corroboram esse entendimento. Tabela 4 – Proporção de alunos do Ensino Médio em Goiás segundo auto-identificação de cor/raça.

Cor\raça Escola pública(%) Escola privada (%)

Branco 46,3 56,4

Asiático\oriental 1,1 1,3

Indígena 3 1,6

Negro 9,7 2,9

Mestiço 29,4 31,5

Outra 10,5 6,3 Fonte: UNESCO, Pesquisa Ensino Médio, 2002.

Outro pressuposto no qual este programa se fundamenta diz respeito à necessidade de assegurar o mérito como elemento fundamental do acesso e permanência no ensino superior. Tal posicionamento fundamenta-se no entendimento de que a Universidade – como instituição social cuja especificidade é lidar com o conhecimento por meio do ensino, da pesquisa e da extensão -, não pode subordinar o mérito acadêmico a critérios de natureza social, sob pena de perda de sua própria identidade.

Com base nesse entendimento, este programa reconhece que mesmo existindo diferenças individuais, socioeconômicas e culturais que influenciam no modo pelo qual os sujeitos adquirem e constroem os conhecimentos e as habilidades que compõem a suaformação, as práticas educativas têm poder para transformar as pessoas. É necessário, para tanto,

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investimentos material e humano, bem como recursos e tempo. Entre essas práticas incluem-se as que são desenvolvidas pela formação universitária, razão pela qual este programa se propõe a combinar ações de apoio ao ingresso e permanência dos estudantes oriundos das escolas públicas nos cursos de graduação da UFG, a serem realizadas antes, durante e após o Processo Seletivo.

Ações já desenvolvidas pela UFG com vistas à inclusão social Como instituição pública de ensino superior, a UFG já realiza ações de inclusão

social. No entanto, para ampliar as possibilidades de respostas às necessidades de inclusão, tais ações necessitam ser intencionalmente articuladas em um programa capaz de combiná-las com outras de maior impacto social. Nesse sentido, este projeto também visa sistematizar essas ações, considerando-as como ponto de partida para as novas ações a serem implementadas. As duas linhas de ações já desenvolvidas pela UFG com vistas à inclusão social são apresentadas a seguir.

1. Cursos de graduação para inclusão de segmentos sociais específicos Curso de Graduação em Licenciatura Intercultural Indígena Com o entendimento de que a universidade pública tem o compromisso de

promover a inclusão social, a Universidade Federal de Goiás criou, em 2006, o curso de graduação em Licenciatura Intercultural: Formação Superior de Professores Indígenas para o ensino fundamental e médio das escolas indígenas. O Curso de Licenciatura é destinado aos povos indígenas que se situam na região Araguaia-Tocantins. Juntos, esses povos poderão definir ações de defesa de seus direitos, adotar políticas de manutenção de suas línguas e culturas maternas, de suas terras e traçar políticas de desenvolvimento sustentável.

Curso de Graduação em Direito para Beneficiários da Reforma Agrária Reafirmando sua responsabilidade social com a formação humana, a Universidade

Federal de Goiás criou também em 2006, o curso de graduação em Direito, modalidade Bacharelado, na Cidade de Goiás, para beneficiários da reforma agrária e pequenos agricultores, atendendo ao convênio com o Programa Nacional de Educação nasÁreas de Reforma Agrária – PRONERA/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Foi adotado o mesmo currículo do curso de Direito oferecido na cidade de Goiânia e na Cidade de Goiás.

Curso de Graduação em Pedagogia-Licenciatura para Educadores do Campo No ano de 2007, foi criado o Curso de Graduação em Pedagogia-Licenciatura,

para duas turmas de educadores do campo, em Convênio com o Programa Nacional de Educação em áreas de Reforma Agrária, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Via Campesina do Estado de Goiás. O Curso é organizado em módulos compostos de momentos presenciais e não presenciais. Os momentos não presenciais consistem de atividades programadas pelos professores de acordo com as possibilidades dos meios comunicacionais dos alunos, tais como impressos, rádio, audiovisuais e digitais, e são acompanhados por monitores, sob supervisão de professor especializado na modalidade de ensino a distância.

2. Política de permanência dos estudantes de baixa renda na UFG

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A política de assistência ao estudante desempenha um papel fundamental na garantia de acesso às oportunidades de desenvolvimento acadêmico, constituindo-se em instrumento de democratização da educação superior.

Programa de Bolsas Alimentação O Programa de Bolsas Alimentação tem como finalidade proporcionar aos

estudantes do curso de graduação auxílio financeiro para custear alimentação nos Restaurantes Universitários (RUs). Após estar matriculado, o estudante dos cursos de graduação poderá solicitar essa bolsa. O Programa é coordenado pelaPró-Reitoria de Assuntos da Comunidade Universitária - PROCOM.

Programa de Bolsas de Monitoria O Programa de Bolsas de Monitoria caracteriza-se como um processo educativo,

cujas atividades se desenvolvem de forma conjunta por professores e alunos em perspectivas diversas. Objetiva despertar no aluno, o interesse pela carreira docente e promover a consolidação de conhecimentos adquiridos mediante sua participação junto aos professores e alunos nas tarefas didáticas. Para se candidatar à monitoria, o interessado deverá: ser aluno de graduação da UFG; comprovar ter sido aprovado na disciplina da qual pretende ser monitor com bom grau de aproveitamento; não ter sofrido sanção disciplinar. O Programa é coordenado pela Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD).

Programa Institucional de Iniciação Científica O Programa Institucional de Iniciação Científica visa estimular a participação dos

alunos nas atividades de pesquisa e desenvolver o raciocínio científico, crítico e criativo, de modo a beneficiar sua futura atividade acadêmica ou profissional. Alguns requisitos para obtenção da bolsa: estar regularmente matriculado em disciplinas e cursando, pelo menos, a 2.º série do curso; ter bom desempenho acadêmico comprovado através de histórico escolar; e dedicar-se 20 horas semanais às atividades de pesquisa. O Programa é coordenado pela PRPPG.

Programa de Bolsas de Licenciatura O Programa de Bolsas de Licenciatura tem por objetivo incentivar a participação

de discentes, em projetos de natureza institucional, que invistam em pesquisas no e sobre o ensino tanto nos cursos de licenciatura quanto nos ensinos fundamental e médio. O Programa é coordenado pela PROGRAD.

Programa de Bolsas de Extensão e Cultura O Programa de Bolsas de Extensão e Cultura visa apoiar a realização de ações de

extensão e cultura que sejam auto-sustentáveis e que apresentem relevância acadêmica e social, através da concessão de bolsa para alunos que atuam em projetos. O Programa é coordenado pela PROEC.

Programa de Bolsa Permanência O Programa Bolsa Permanência tem por objetivo atender de forma efetiva a

parcela dos estudantes, que em razão de suas condições socioeconômicas, possuem dificuldades de custear e garantir a permanência no curso, colaborando na manutenção desses estudantes na universidade, e assim, contribuir para a sua formação profissional. Também, favorece o desenvolvimento de atividades de natureza acadêmica, cultural, técnica e artística, possibilitando

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aos estudantes do programa o pleno exercício da vida universitária. O Programa é coordenado pela PROCOM.

Programa de Bolsas de Estágio O Programa de Bolsas de Estágio tem por objetivo contribuir para a formação

acadêmica dos estudantes, sendo instrumento de sua permanência na Universidade, possibilitando aos estudantes bolsistas oportunidade de vivenciarem a relação teoria-prática na área de sua formação. O critério principal para participação é que seja aluno de curso de graduação da UFG e que o estágio seja desenvolvido na área de sua formação acadêmica. O Programa é coordenado pela PROAD.

Creche A creche é um espaço de educação infantil que atende crianças de zero a três anos

e onze meses, filhos de trabalhadores (docentes, técnico-administrativos) e de estudantes. Está localizada no Campus Samambaia. As vagas ofertadas distribuem-se igualmente entre os três segmentos da comunidade universitária. O processo de inscrição e seleção é realizado no início de cada ano letivo. As atividades da creche são coordenadas pela PROCOM.

Moradia Estudantil Goiânia possui quatro Casas de Estudante Universitário (CEU) três estão

localizadas no Setor Universitário e uma no Setor Sul, disponibilizando aproximadamente 220 vagas. Denominadas: CEU I, vinculada à União Estadual do Estudante (UEE); CEU II, vinculada à Universidade Católica de Goiás (UCG); CEU III e CEU IV vinculadas à UFG. O Projeto de Moradia Estudantil tem por objetivo garantir a permanência do estudante de baixa renda na universidade. O processo de identificação de novos moradores se dá no início de cada ano letivo. São requisitos básicos: ser estudante de baixa renda; estar regularmente matriculado nos cursos de graduação; ser procedente de cidades do interior de Goiás ou de outros Estados ou do exterior. O Projeto é coordenado pela PROCOM.

Serviço Odontológico O Serviço Odontológico atua na educação, prevenção e tratamento, com o

objetivo promover a saúde oral da comunidade universitária. O Serviço atende servidores, seus dependentes e estudantes da UFG, nas especialidades: clínica geral, endodontia, periodontia, radiologia, prótese e ortodontia preventiva. São estabelecidos quatro níveis de classificação de acordo com a renda mensal do usuário (valor do tratamento é baseado em percentual da tabela da Associação Brasileira de Odontologia). O Serviço é coordenado pela PROCOM.

Programa Saudavelmente O Programa Saudavelmente consiste em vários projetos de assistência, de

prevenção e capacitação na área de saúde mental (incluindo projetos referentes à dependência química). Desenvolve ações de assistência e prevenção na área de saúde mental, incluindodependência química. É dirigido a estudantes, docentes e técnico-administrativos da UFG. A equipe deste programa é multidisciplinar composta por médico, assistente social, psicólogo,arteterapeuta e musicoterapeuta, que realizam atendimentos individuais, em grupo e acompanhamento familiar. O Programa é coordenado pela PROCOM.

Restaurante Universitário

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A UFG conta com três restaurantes, sendo o RU-I localizado no Campus Colemar Natal e Silva, Praça Universitária, os outros dois, o RU-II e o Restaurante Executivo, localizados no Campus Samambaia. Dentro do projeto de melhoria da qualidade da refeição e de transformação do RU em campo de ensino, pesquisa e extensão, é desenvolvido o estágio curricular em Nutrição e outras áreas afins. O restaurante é coordenado pela PROCOM.

Programa de Concessão de Passagens para Alunos da Graduação O Programa de Concessão de Passagens para Alunos da Graduação tem por

objetivo conceder passagens terrestres para estudante de graduação para participarem de atividades científicas, culturais e políticas em âmbito nacional. O Programa é coordenador pela PROCOM.

Todos esses programas serão ampliados significativamente com a implantação do Programa de Reestruturação e Expansão das universidades – REUNI e com os recursos destinados pelo governo federal para assistência estudantil.

Objetivos do Programa de Inclusão Social da UFG Com base nos fundamentos anteriormente apresentados, bem como na

sistematização das ações já em desenvolvimento pela UFG, o presente programa tem como objetivos: 1. democratizar gradativamente o acesso à Universidade Federal de Goiás, por meio de uma política de ações afirmativas que contemple o acesso e a permanência de alunos provenientes de escolas públicas, negros provenientes de escolas públicas, indígenas e negros quilombolas; 2. incentivar a participação no processo seletivo da UFG, dos estudantes que cursaram integralmente os últimos dois anos do Ensino Fundamental e o Ensino Médio em escolas públicas; 3. criar mecanismos de ampliação do ingresso e da permanência na UFG, dos estudantes que cursaram integralmente os últimos dois anos do Ensino Fundamental e o Ensino Médio em escolas públicas; 4. acompanhar a trajetória dos estudantes que ingressarem por meio do UFGInclui, com vistas a fornecer apoio institucional para o seu bom desempenho acadêmico; 5. ampliar as políticas de permanência dos estudantes nos cursos de graduação da UFG.

II. AÇÕES A SEREM REALIZADAS Ações a serem realizadas antes do ingresso

A definição de ações a serem realizadas antes do ingresso, com vistas a incentivar a participação qualitativa dos alunos que cursaram integralmente o os últimos dois anos do Ensino Fundamental e o Ensino Médio em escolas públicas, no processo seletivo da UFG, parte do entendimento de que a Universidade tem possibilidades de atuar propositivamente junto ao ensino básico. Essas condições estão dadas pela própria natureza da instituição, que vem realizando com qualidade a formação de professores para atuar na Educação Básica.

É política da UFG investir na formação de professores das diferentes áreas do conhecimento, considerando a relevância dessa instituição como referência na formação de profissionais da educação e visando suprir às necessidades/demandas do Estado de Goiás e da Região Centro-Oeste, prioritariamente.

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Essa política de formação de professores privilegia, entre outros aspectos, a relação teoria/prática, a articulação entre a formação inicial e a formação continuada, a interdisciplinariedade, a gestão democrática, a formação cultural, visando à preparação do docente crítico, propositivo que contribua para a superação do ensino mecânico, fragmentado.

Para a consecução desse objetivo a UFG conta com 30 cursos de licenciatura, distribuídos nas seguintes áreas: Artes Cênicas, Artes Visuais, Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Enfermagem, Física, Educação Física, Educação Musical, Filosofia, Geografia, História, Letras, Matemática, Pedagogia, Psicologia e Química.

As Unidades Acadêmicas responsáveis pela formação de professores já realizam projetos de ensino, pesquisa e extensão, que poderão ter um alcance de maior impacto social mediante ações articuladas pela PROGRAD e CENTRO DE SELEÇÃO da UFG, detalhadas a seguir. Ação 1 – Ampliar o número de isenções de taxas do Processo Seletivo, a fim de estimular a participação de estudantes de escolas públicas.

Medidas especificas: • ampliar de 3.000 para 5.000 o número de isenções de taxas do Processo Seletivo da UFG; • criar mecanismos ágeis, simplificados e eficientes de realização da seleção dos candidatos a serem contemplados com a isenção da taxa de inscrição do Processo Seletivo. Ação 2 - Reformular os Programas das provas do Processo Seletivo da UFG mediante uma interlocução efetiva com o Ensino Médio, especialmente com as Escolas Públicas. Medidas específicas: • discutir os programas do Processo Seletivo da UFG com conjunto das escolaszdo Ensino Médio, considerando as preocupações, críticas e sugestões dos professores desse nível de ensino como parâmetro para reformulação desses programas; • considerar os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio como uma das referências para a reformulação desses programas, visando a promover o desenvolvimento curricular das escolas públicas; • atuar de modo a constituir canais estáveis de diálogo entre a UFG e o Ensino Médio, mediante a criação de mecanismos que articulem a atuação do Centro de Seleção e das Unidades Acadêmicas responsáveis pelos conteúdos programáticos que integram as provas do Processo Seletivo da UFG. Ação 3 – Ampliar ações voltadas para a formação de professores e a melhoria do Ensino Público. Medidas específicas: • divulgar, apoiar e atuar para ampliar os projetos das Unidades Acadêmicas da UFG responsáveis pela formação de professores; • estabelecer parcerias com as com escolas públicas por meio de projetos e programas de melhoria do ensino, envolvendo as Unidades Acadêmicas da UFG e a PROGRAD; • ampliar a participação dos professores das escolas públicas no curso CORRIGINDO REDAÇÕES NA UFG, realizado pelo Centro de Seleção com a participação da Faculdade de Letras e dos campi da UFG; • encaminhar ao MEC projeto integrado voltado para o aperfeiçoamento das condições e da qualidade de formação de professores na UFG;

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• apresentar ao MEC e a outros possíveis parceiros, projeto de revitalização dos laboratórios de ensino relativos às Licenciaturas; • ampliar parcerias e ações junto as Secretarias de Educação, visando a aproximar a Universidade da realidade das redes públicas de ensino, possibilitando assim a viabilização de formação, tanto inicial, quanto continuada de professores. Ação 4 – Criar Curso Livre preparatório ao Processo Seletivo da UFG, voltado para o atendimento de estudantes procedentes de escolas públicas. Medidas específicas: • criar turmas de cursinho preparatório para o vestibular em horários e espaços ociosos nas unidades acadêmicas; • viabilizar as condições de espaço físico e operacionais para o funcionamento do Curso Livre da UFG; • oferecer apoio material e pedagógico para o desenvolvimento das atividades do Curso Livre UFG; • mobilizar a participação de alunos e professores das licenciaturas no Curso Livre, por meio das atividades de estágio; • articular projeto com a Secretaria de Cidadania e Trabalho, para a concessão de bolsas e alimentação para os alunos do cursinho. Ação 5 – Ampla divulgação das ações de inclusão social da UFG. Medidas específicas: • socializar o Programa de Inclusão junto a comunidade acadêmica da UFG; • criar um portal na Internet para ampla divulgação das ações de inclusão social da UFG gerenciado pela Assessoria de Comunicação (ASCOM) da UFG; • divulgar as ações de inclusão social da UFG nos diversos meios de comunicações (rádio, televisão, jornais, etc); • divulgar especialmente nas escolas da rede pública o Programa de Inclusão da UFG.

Ações a serem realizadas no ingresso

A criação de mecanismos de ampliação do ingresso dos estudantes que cursaram integralmente os últimos dois anos do Ensino Fundamental e o Ensino Médio em escolas públicas, de negros oriundos de escolas públicas e de indígenas e negros quilombolas nos cursos de graduação, visa assegurar o acréscimo da presença desses estudantes em todos os cursos da UFG. Como a presença desses candidatos é mais comum nos cursos com baixa demanda, o que se pretende com essas medidas é ampliar as chances de acesso desses alunos nos cursos de maior demanda da UFG.

Propõe-se que o Programa UFGInclui vigore por 10 (dez) anos, sendo avaliado anualmente, podendo ser modificado com base nos estudos e análises que forem se acumulando ao longo de uma década. Espera-se que as motivações existentes hoje para a sua implantação estejam minimizadas no final desse período.

Tendo como parâmetro a meta de ampliação gradativa de presença dessas categorias em todos os cursos da UFG, a ser alcançada ao longo da implementação deste programa, previu-se como meta inicial:

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1) do total de vagas oferecidas em cada curso da UFG, 10% (dez por cento) sejam ocupadas, em 2009, por estudantes oriundos de escolas públicas (últimos 2 anos do ensino fundamental e os 3 anos do ensino médio), independentemente de cor/raça. Esse percentual será reavaliado para o processo seletivo de 2010, após análise da repercussão da meta estabelecida para o processo de 2009; 2) do total de vagas oferecidas em cada curso da UFG, 10% (dez por cento) sejam ocupadas, em 2009, por estudantes auto-declarados negros passíveis de sofrerem discriminação racial, oriundos de escolas públicas (últimos 2 anos do ensino fundamental e os 3 anos do ensino médio); 3) acrescer, quando houver demanda, 1 (uma) vaga em cada curso da UFG para serem disputadas por indígenas que se inscreverem para estas vagas especiais (o indígena deverá apresentar documento que comprove esta condição, emitido por comunidade indígena reconhecida oficialmente); 4) acrescer, quando houver demanda, 1 (uma) vaga em cada curso da UFG para serem disputadas por negros quilombolas que se inscreverem para estas vagas especiais (o negro quilombola deverá apresentar documento que comprove esta condição, emitido por comunidade quilombola reconhecida oficialmente.

Caso não existam candidatos classificados que optaram por participar do Programa UFGInclui para atingir os percentuais estabelecidos no Programa as vagas serão preenchidas por ordem de classificação pelos candidatos que optaram, no ato da inscrição, pelo sistema universal. Foram definidas como ações a serem implementadas na 2ª etapa do Processo Seletivo da UFG:

1) nos cursos em que o percentual de alunos oriundos da escola pública (independentemente da cor/raça) convocados para a 2ª etapa, obedecido o critério estabelecido no Edital, for inferior a 20% (vinte por cento) do total de candidatos convocados, serão convocados adicionalmente, os candidatos oriundos da escola pública (independentemente da cor/raça), por ordem de classificação, até atingir esse percentual de 20% (vinte por cento), caso existam convocáveis para atingir esse percentual, mantendo-se os já classificados de acordo com o Edital; 2) nos cursos em que o percentual de candidatos auto-declarados negros de escolas públicas, convocados para a 2ª etapa, obedecido o critério estabelecido no Edital, for inferior a 20% (vinte por cento) do total de candidatos convocados , serão convocados adicionalmente, os candidatos auto-declarados negros de escolas públicas, por ordem de classificação, até atingir esse percentual de 20% (vinte por cento), caso existam convocáveis para atingir esse percentual, mantendo-se os já classificados de acordo com o Edital; 3) o aproveitamento das notas do ENEM no cálculo da convocação de todos os candidatos para a 2ª etapa como forma de ampliar a participação dos alunos egressos de escolas públicas nesta etapa do processo seletivo.

Estudos sobre o impacto do aproveitamento das notas do ENEM por universidades públicas brasileiras em seus processos seletivos indicam ser este um instrumento que possibilita a diminuição da auto-exclusão dos alunos das escolas públicas nos cursos mais concorridos. Além disso, por ser um instrumento que visa avaliar o domínio dos conhecimentos e das habilidades fundamentais à consolidação da formação básica dos estudantes do ensino médio sem ênfase na classificação, o ENEM pode auxiliar os candidatos das escolas públicas a melhorarem o seu desempenho nos processos seletivos mais concorridos. Isso ocorre porque nos processos seletivos a cobrança de conhecimentos mais específicos é maior do que na prova do

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ENEM, em razão da necessidade de discriminar e selecionar candidatos. Como o ENEM não se pauta por esse objetivo, a utilização de suas notas no cálculo da convocação de todos os candidatos para a 2ª etapa pode significar uma vantagem a mais para os alunos oriundos de escolas públicas. Os dados das Tabelas 5 e 6 permitem esse tipo de inferência. Tabela 5 – Percentual de alunos beneficiados pelo ENEM, segundo o tipo de estabelecimento de ensino médio – UNICAMP – Comvest.

Inscritos 40681 Total Não ENEM % Sim ENEM % Aumento

Apenas particular 25422 3100 12,2 22322 87,8

Apenas pública 12419 4531 36,5 7888 63,5

Convocados 3787 Convocação inscritos

Apenas particular 2610 317 12,1 2293 0,10%

Apenas pública 985 203 20,6 782 25,00%

Matrículas 2520 Convocação matrículas

Apenas particular 1596 175 11 1421 1,30%

Apenas pública 785 181 23,1 604 21,10% Fonte: CORTELAZO, Ângelo Luiz. A utilização do ENEM pelas universidades estaduais paulistas: abordagem quantitativa da abrangência do exame e desempenho dos egressos de escolas públicas e privadas do ensino médio. In________________. Ensaio. Rio de Janeiro, v.11, n.39, p. 210-221. 2003.

Tabela 6 – Percentual de alunos beneficiados pelo ENEM, segundo o tipo de estabelecimento de ensino médio – USP – FUVEST.

Inscritos 130493

Total Não ENEM % Sim ENEM % Aumento

Apenas particular

70713 18190 25,7 52523 74,3

Apenas pública

43865 23240 53 20625 47

Convocados 21834

Convocação inscritos

Apenas particular

14802 2159 14,6 12643 85,4 14,9

Apenas pública

4675 1366 29,2 3309 70,8 50,6

Matrículas 7543

Convocação matrículas

Apenas particular

5270 800 15,2 4470 84,8 14,1

Apenas pública

1503 428 28,5 1075 71,5 52,1

Fonte: CORTELAZO, Ângelo Luiz. A utilização do ENEM pelas universidades estaduais paulistas: abordagem quantitativa da abrangência do exame e desempenho dos egressos de escolas públicas e privadas do ensino médio. In________________. Ensaio. Rio de Janeiro, v.11, n.39, p. 210-221. 2003.

Com base nesses propósitos, ficam assim definidas as ações específicas relativas

ao Processo Seletivo 2009:

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Ação 1 -Implementar, em caráter experimental, um Índice de Inclusão de 20% (vinte por cento) para convocação para a 2ª etapa de alunos de escola pública e negros oriundos de escola pública que cursaram integralmente os dois últimos anos do Ensino Fundamental e o Ensino Médio na rede pública de ensino. Medidas específicas: • nos cursos em que o percentual de alunos oriundos da escola pública (independentemente da cor/raça) convocados para a 2ª etapa, obedecido o critério estabelecido no Edital, for inferior a 20% (vinte por cento) do total de candidatos convocados, serão convocados adicionalmente, os candidatos oriundos da escola pública (independentemente da cor/raça), por ordem de classificação, até atingir esse percentual de 20% (vinte por cento), caso existam convocáveis para atingir esse percentual, mantendo-se os já classificados de acordo com o Edital; • nos cursos em que o percentual de candidatos auto-declarados negros de escolas públicas, convocados para a 2ª etapa, obedecido o critério estabelecido no Edital, for inferior a 20% (vinte por cento) do total de candidatos convocados , serão convocados adicionalmente, os candidatos auto-declarados negros de escolas públicas, por ordem de classificação, até atingir esse percentual de 20% (vinte por cento), caso existam convocáveis para atingir esse percentual, mantendo-se os já classificados de acordo com o Edital; • avaliar o impacto dessas medidas ao longo dos processos seletivos da UFG subseqüentes ao ano de 2009, a fim de redimensiona-las, se for o caso, para o ano seguinte. Ação 2 -Aproveitar as notas do ENEM no cálculo da convocação de todos os candidatos para a 2ª etapa como forma de ampliar a participação dos alunos egressos de escolas públicas nessa etapa. Medidas específicas: • os candidatos poderão solicitar, no ato da inscrição, o aproveitamento da nota de Conhecimentos Gerais do ENEM realizadas nos três últimos anos; • calcular a nota da 1ª etapa segundo a fórmula: Nota da 1ª etapa:

4xF + 1xE, 5

onde F é o n° de pontos obtidos na 1ª etapa e E é o n° de pontos obtidos no ENEM, normalizada, sem levar em conta a nota da prova de redação. A nota do ENEM será normalizada para a mesma escala de notas da UFG. Para efeito de classificação no Vestibular, a nota calculada pela fórmula anterior será aproximada pelo décimo da unidade. Porém, apenas para efeito de convocação para a 2ª etapa, quando for o caso, as notas serão arredondadas para o número inteiro imediatamente superior. Se o candidato não tiver realizado nenhum exame do ENEM em 2006, 2007 ou 2008, ou se o valor calculado pela fórmula anterior for inferior ao valor de F, será contabilizada como nota da 1ª etapa o valor de F. Ação 3 -Acrescer, quando houver demanda, 1 (uma) vaga em cada curso da UFG para serem disputadas por indígenas que se inscreverem para estas vagas especiais. Medidas específicas: · promover mecanismos de divulgação junto ás comunidades indígenas do Processo Seletivo da UFG; · o indígena deverá apresentar documento que comprove esta condição, emitido por comunidade indígena reconhecida oficialmente).

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Ação 4 -Acrescer, quando houver demanda, 1 (uma) vaga em cada curso da UFG para serem disputadas por negros quilombolas que se inscreverem para estas vagas especiais. Medidas específicas: · promover mecanismos de divulgação junto ás comunidades quilombolas, do Processo Seletivo da UFG; · o negro quilombola deverá apresentar documento que comprove esta condição, emitido por comunidade quilombola reconhecida oficialmente. Ação 5 – Aperfeiçoar o processo de avaliação das provas do Processo Seletivo da UFG. Medidas específicas: • elaborar as provas da 1ª etapa de modo a exigir dos candidatos o domínio de conhecimentos e habilidades de forma contextualizada, isto é, explorando a capacidade de os candidatos utilizarem seus conhecimentos e habilidades para atribuir sentido e significado aos temas e assuntos no âmbito da vida em sociedade; • elaborar as provas da 1ª etapa com pelo menos 9 questões transversais, as quais terão como objetivos possibilitar a associação de conhecimentos e o diálogo interdisciplinar; • imprimir às provas da 2ª etapa um caráter interdisciplinar na abordagem do conhecimento, mediante a definição de um tema único para cada prova (de cada um dos grupos) com base no qual se avaliarão os conhecimentos e as habilidades a serem explorados em cada questão; • elaborar as provas da 2ª etapa contendo 28 questões, sendo 10 de língua portuguesa e 18 das disciplinas específicas de cada grupo (atualmente são 34 questões específicas).

Ações posteriores ao ingresso As ações a serem realizadas após o ingresso visam ampliar ainda mais os diversos

serviços de assistência ao estudante de baixa renda (isenções de taxas acadêmicas; bolsa alimentação; bolsa de monitoria; bolsa de iniciação científica; bolsa de licenciatura; bolsa de extensão; bolsa de estágio; creche; moradia estudantil; serviço odontológico; programa saudavelmente; restaurante universitário; programa de incentivo a participação do estudante em eventos científicos e culturais.

É consenso o fato de que qualquer ação que favoreça o acesso de minorias na universidade, deve ser acompanhada de mecanismos consistentes de apoio à permanência, sejam aqueles relativos à aspectos econômico-financeiros, sejam os referentes ao desempenho acadêmico mais especificamente. Não basta incluir, é preciso criar as condições de fato para que esses estudantes vivenciem a vida universitária em sua plenitude, assegurando a sua permanência até a conclusão do curso.

Ação 1 – Ampliar os serviços de assistência estudantil existentes e criar novos programas para fazer frente às demandas decorrentes da implantação do Programa de Inclusão Social da UFG. Medidas específicas: • reestruturação e ampliação das possibilidades de apoio econômico frente às demandas de situação de baixa renda; • utilização de bolsas acadêmicas provenientes de programas já existentes e de programas ou iniciativas federais, estaduais ou municipais para este público-alvo; • estabelecimento de convênios com órgãos públicos e privados para auxiliar na permanência dos ingressantes pelo Programa de Inclusão l da UFG.

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Ação 2 – Viabilizar mecanismos de acompanhamento do desempenho dos estudantes que ingressarem por meio do Programa de Inclusão da UFG. Medidas específicas: • promoção de apoio acadêmico por meio de projetos específicos, com base em aspectos relacionados às necessidades detectadas no processo de aprendizagem; • acompanhamento, por uma Comissão indicada pela Câmara de Graduação, da situação acadêmica dos estudantes ingressantes por meio do Programa UFGInclui, com vistas a assegurar o seu bom desempenho no decorrer do curso; • viabilização de uma política de acompanhamento da inserção profissional dos alunos participantes do Programa de Inclusão egressos da Universidade Federal de Goiás; • desenvolver projeto de pesquisa relativo ao Programa UFGInclui.

Avaliação das ações implementadas A implementação deste programa, o qual combina a ampliação de ações já em

desenvolvimento com novas ações, terá caráter experimental e processual, requerendo para o seu bom andamento acompanhamento por meio de avaliação sistemática das ações desenvolvidas.

A perspectiva dessa proposta é implantar, em caráter experimental o presente programa, com a compreensão de que a avaliação do mesmo pode fornecer elementos significativos para a sua manutenção ou redirecionamento. Ação 1 – Criar mecanismos de avaliação e acompanhamento do Programa de Inclusão da UFG. Medidas específicas: • criação de uma Comissão, para elaborar e desenvolver projeto de avaliação e acompanhamento do Programa de Inclusão Social da UFG, vinculada a PROGRAD, com vistas a contemplar as especificidades e as características dos ingressantes; • proposição de ações que contribuam para a permanência, com qualidade, dos estudantes oriundos de escolas públicas, construindo estratégias comprometidas com esse objetivo, garantindo a sua inserção e a integração no espaço universitário. Ação 2 – Propor alternativas para a socialização da discussão sobre o andamento do Programa de Inclusão Social da UFG. Medidas específicas: • realização de seminários, por meio do Fórum Permanente de Graduação, com o objetivo de ampliar a discussão, analisar e redirecionar, se for o caso, com a participação da comunidade universitária envolvida, o Programa de Inclusão da UFG; • realização de reuniões periódicas com estudantes participantes do Programa, para acompanhamento e análise do seu desempenho acadêmico; • criação de uma página para levantamento de opiniões, críticas e sugestões sobre o Programa de Inclusão da UFG.

III. DETALHAMENTO DOS INDICADORES E RECURSOS Os recursos para a viabilização do PROGRAMA DE INCLUSÃO DA UFG serão

oriundos do processo seletivo, de projetos voltados para a inclusão e permanência de alunos de escola pública na UFG e ainda de Recursos Próprios e do Tesouro.

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IV. GERENCIAMENTO DO PROGRAMA UFGInclui O gerenciamento do PROGRAMA DE INCLUSÃO estará a cargo da Pró–reitoria

de Graduação da UFG.

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