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305 Kalagatos Kalagatos Kalagatos Kalagatos Kalagatos - REVISTA DE FILOSOFIA. FORTALEZA, CE, V. 10 N. 20, VERÃO 2013 MATEUS ROMANINI * Recebido em abr. 2013 Aprovado em ago. 2013 CRÍTICA DE KARL POPPER AO PROBLEMA DA INDUÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O PRINCÍPIO DE VERIFICABILIDADE * Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA – UFSM. Participante do GRUPO DE ESTUDOS DE METAFÍSICA E EPISTEMOLOGIA e do PROJETO FUNDAÇÃO E NORMATIVIDADE DO CONHECIMENTO, ambos vinculados ao Departamento de Filosofia da UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA – UFSM. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. RESUMO Este artigo visa apresentar e analisar a crítica de Karl Popper a lógica indutiva e, por meio dela, ao princípio de verificação defendido pelos positivistas lógicos. Os positivistas lógicos, ao formular um critério de significação visaram, além de distinguir o discurso científico do metafísico, abolir a metafísica. Popper critica essa posição alegando que o princípio de verificação é similar ao princípio de indução, princípio este que, segundo o autor culmina em problemas insanáveis. PALAVRAS-CHAVE Karl Popper. Problema da Indução. Positivismo Lógico. Verificacionismo. Problema da Demarcação.

CRÍTICA KARL POPPER PROBLEMA INDUÇÃO SUAS … · Karl Popper. Problema da Indução. Positivismo Lógico. Verificacionismo. Problema da Demarcação. 306 ROMANINI, M ATEUS. C RÍTICA

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MATEUS ROMANINI *

Recebido em abr. 2013Aprovado em ago. 2013

CRÍTICA DE KARL POPPER AO PROBLEMA DA INDUÇÃO ESUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O PRINCÍPIO DE

VERIFICABILIDADE

* Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA – UFSM. Participante doGRUPO DE ESTUDOS DE METAFÍSICA E EPISTEMOLOGIA e do PROJETO

FUNDAÇÃO E NORMATIVIDADE DO CONHECIMENTO, ambos vinculadosao Departamento de Filosofia da UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA

MARIA – UFSM. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamentode Pessoal de Nível Superior - CAPES.

RESUMO

Este artigo visa apresentar e analisar a crítica de KarlPopper a lógica indutiva e, por meio dela, ao princípiode verificação defendido pelos positivistas lógicos. Ospositivistas lógicos, ao formular um critério designificação visaram, além de distinguir o discursocientífico do metafísico, abolir a metafísica. Poppercritica essa posição alegando que o princípio deverificação é similar ao princípio de indução, princípioeste que, segundo o autor culmina em problemasinsanáveis.

PALAVRAS-CHAVE

Karl Popper. Problema da Indução. Positivismo Lógico.Verificacionismo. Problema da Demarcação.

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. ABSTRACT

This article aims to present and analyze the criticismof Karl Popper to inductive logic and, through it, theprinciple of verification advocated by logical positivists.The logical positivists, to formulate a criterion ofmeaning were intended, in addition to distinguish thescientific discourse of metaphysics, abolishmetaphysics. Popper criticizes this position arguing thatthe principle of verification is similar to the principleof induction, a principle that, for the author, culminatesin unsolvable problems.

KEYWORDS

Karl Popper. Induction Problem. Logical Positivism.Verificationism. Demarcation Problem.

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013INTRODUÇÃO

O Princípio de Verificação serve como critério de significado para a filosofia empirista da

linguagem. Segundo Carnap (2007 [1932]), ametafísica contém apenas pseudo-proposições que secaracterizam ou por conter termos que, erroneamente,acreditamos que tenham sentido, ou então seus termospossuem significado, mas são agrupadas de modo anão constituir um enunciado significativo. Para Carnape os demais positivistas, a metafísica não é algo quepode ser considerado errado ou mesmo improvável,mas sim é algo que carece de sentido.

Além de servir como critério para a distinçãoentre enunciados significativos e não-significativos,o princípio de verificação também é utilizado pelospositivistas para demarcar o limite entre teoriascientíficas, que devem ser significativas e empíricas,e teorias não-científicas. Este problema dademarcação tem em suas raízes a concepção de quesomente conhecimento baseado e verificado pelaempiria pode ser considerado conhecimentoverdadeiro, portanto a metafísica por exemplo, quepor definição não é empírica, não poderia serconsiderada conhecimento.

Karl Popper critica a solução para estademarcação proposta pelos positivistas lógicos. Para oautor, uma teoria pode ser superior às outras, masnunca pode ser verificada ou mesmo consideradaverdadeira. Sua crítica se baseia principalmente naafirmação de que a indução falha e, consequentemente,o verificacionismo também. Por isso ele propõe o

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. falsificacionismo, que substitui o verificacionismo comocritério de demarcação.

Ao contrário da solução positivista, que colocaem questão o sentido dos enunciados metafísicos, ofalsificacionismo não serve como critério de significado,pois não tem qualquer implicação semântica. Mesmoassim, para Popper a metafísica parece não possuir omesmo status que a ciência quando se trata deconhecimento, pois conhecimento científico implica napossibilidade de falsificar hipóteses claramenteafirmativas e precisas e as teorias metafísicas nãopossuem esse status por serem vagas e indefinidas. Pormais que se possa falsificar uma afirmação universalatravés da falsificação de afirmações singulares, mesmoas afirmações singulares das teorias metafísicascarecem de definição.

A fim de apresentar a crítica de Popper aocritério verificacionista, o presente trabalho serádividido em cinco seções principais. A primeira seçãovisa apresentar, além de um panorama geral doprincípio de verificação, duas formulações emparticular: a primeira desenvolvida por Moritz Schlick,a qual será chamada de verificacionismo em um sentidoforte; e a segunda, formulada por Rudolph Carnap eAlfred Jules Ayer, uma versão mais fraca deste princípioconhecido como confirmabilismo. Nas segunda eterceira seções buscar-se-á descrever a crítica de KarlPopper a lógica indutiva e, de forma bastante concisa,em que consiste o que o autor compreende porproblema da demarcação. Na quarta seção, tratar-se-áda forma como Popper compreende que os positivistas

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013lógicos trataram do problema da demarcação. Ao final

da exposição serão feitas considerações sobre algumasconseqüências da crítica de Popper ao uso da induçãono âmbito científico tanto com relação ao princípiode verificação quanto sobre a ideia de ciência emgeral.

1 O CRITÉRIO VERIFICACIONISTA OU PRINCÍPIO DE VERIFICAÇÃO

Devido às incertezas do avanço da filosofiafrente aos brilhantes resultados da física no início doséculo XX, o Círculo de Viena em associação com a“Sociedade para uma Filosofia Empírica” formulouum manifesto intitulado “Concepção Científica doMundo” que pode ser esquematizado em três grandesprincípios: [1] todo conhecimento científico ouprovém da empiria ou da formalização tautológica;[2] o papel da filosofia é o de elucidar proposiçõesque à ciência cabe verificar; e [3] tendo sucesso emseu papel, não haverá necessidade de tratar dequestões filosóficas, isto é, metafísicas, pois estassurgiriam como ou sendo palavras e enunciados quenão possuíam sentido claro ou então como nãoverificáveis. Para estes pensadores a tarefa dafilosofia era a de esclarecer proposições não-filosóficas demonstrando “como as afirmaçõesempíricas eram construídas de forma verofuncionala partir de afirmações elementares, ou ‘protocolares’,que eram registros diretos da experiência.” (KENNY,2009, p. 79).

Apesar de haver um programa comum, amultiplicidade de pontos de vista existente entre osmembros desta corrente que podemos chamar de

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. Positivismo Lógico 1 ou Neopositivismo impossibilitaque se possa estabelecer uma única doutrina seguidapor todos. No entanto, é possível apontar algumasconvergências como expõe Imbert (sd, p. 88):

Em primeiro lugar, os neopositivistas pretendemaproximar a filosofia e a ciência, exorcizando osfalsos problemas, que denunciam sob o nome de“metafísica”. Proclamam, em segundo lugar, a sualigação ao empirismo, isto é, uma filosofia queatribui à experiência todo o conteúdo do nossosaber. Mas eles querem, cada um a seu modo,renovar o tema venerável da tradição filosófica eprecisar o seu sentido à luz da actual práticacientífica. Ocupam-se enfim da explicação da funçãoda lógica da linguagem, considerada como origemde todo o aspecto formal dos nossos conhecimentos.

Desse modo, o Positivismo Lógico buscavapromover uma visão de mundo livre da metafísica,resultado do idealismo pós-kantiano e dasambiguidades que ele traz consigo. Restringindo o

1 Segundo Godfrey-Smith (2003, pp. 22-25), pode-se identificarduas versões do desenvolvimento das ideias surgidas destemovimento de reação ao idealismo e crítica ao pensamentometafísico. O autor utiliza o termo Positivismo Lógico (Logical

Positivism) para uma versão mais intensa ou robusta, umaprimeira versão de suas ideias quando ainda estavamradicados em Viena, antes da ascensão nazista. À segundaversão o autor chama Empirismo Lógico (Logical Empiricism),que seria mais moderada devido às críticas à primeira versãoe também ao clima político e intelectual diferente encontradonos Estados Unidos, para onde vários dos pensadores ligadosao Círculo de Viena migraram fugindo da perseguição nazista.

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013conhecimento à ciência, estes pensadores utilizaram o

verificacionismo para rejeitar as proposições e teoriasmetafísicas alegando que estas carecem de sentido.

O projeto epistemológico dos positivistas lógicosconsistia inicialmente em explicar como a ciência erafundamentada em observações e experimentosempíricos tomando a física como modelo de ciência ea linguagem lógico-matemática como modelo deexposição de enunciados claros e precisos.(MACHAMER, p. 3). Também o Tractatus Logico-

Philosophicus exerceu enorme influência sobre ospositivistas lógicos, a obra de Wittgenstein serviu comomodelo de análise da linguagem no campo da filosofia.

Essa explicação sobre como as observaçõesempíricas fundamentam a ciência levou os positivistasa se perguntarem sobre a natureza do significadoempírico, isto é, sobre o que torna os enunciados sobreo mundo significativos. Primeiramente, os positivistasafirmavam que enunciados sobre o mundo devem serclaros, livres de ambiguidade e de outras confusõesque o uso da linguagem natural acarreta. Com esseobjetivo, era preciso reformular, utilizando a linguagemda lógica dos predicados de primeira ordem, osenunciados das teorias científicas de modo a torná-losclaros e inequívocos. Em segundo lugar, os positivistaslógicos tentaram desenvolver um critério para sabercomo um enunciado cognitivo sobre o mundo podeser significativo. O Princípio de Verificação afirma “queo significado de uma frase empírica é dado pelosprocedimentos que seriam utilizados para mostrar sea frase é verdadeira ou falsa. Se não houvesse tais

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. procedimentos, então era dito da frase serempiricamente sem sentido.” (IDEM). Segundo Schlick(1975, p. 90), quando perguntamos sobre o significadode uma frase, esperamos encontrar as condições sobas quais ela pode formar uma proposição verdadeiraou falsa. Desse modo, o significado de um enunciadoseria dado pelo método da sua verificação 2, umenunciado ou proposição genuína – em oposição a umpseudo-enunciado ou pseudo-proposição – é aquele quepossui significado cognitivo.

Às asserções destituídas de significado cognitivoos positivistas lógicos davam o nome de pseudo-proposições, estas por sua vez seriam respostas a pseudo-problemas. Ao buscar demonstrar que a metafísica eracomposta de pseudo-proposições – proposiçõesdestituídas de sentido – o critério de verificaçãopropunha que um enunciado empiricamente cognitivopossuía significado se e somente se ele fosseempiricamente verificável. Se tal enunciado não puderdemonstrar ser verdadeiro ou falso, então ele carece desentido cognitivo, isto é, o enunciado se tornaepistemologicamente irrelevante. Quanto aosenunciados não-empíricos, como os da lógica e damatemática pura, somente serão consideradossignificativos se forem analíticos ou contraditórios, únicomodo de demonstrarem-se verdadeiros ou falsos.

Os enunciados destituídos de sentido nãopossuem valor cognitivo. A classe dos enunciados semsignificado compreende, além das teorias metafísicas,

2 Nas palavras de Schlick: “O significado de uma proposiçãoconstitui o método da sua verificação.” (1975, p. 91).

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013os enunciados da ética, da estética e, o que é mais

importante para este trabalho, os enunciadospretensamente científicos, ou melhor, as proposiçõesque constituem o que se pode chamar de pseudo-ciência. Toda a filosofia se resumiria à análise lógicada linguagem, qualquer outra forma de “pensarfilosoficamente” que fugisse a esta análise seriadescartada, ou melhor, ignorada por não possuirproposições significativas.

Dentre os positivistas lógicos é possívelencontrar pelo menos duas versões do princípioverificacionista: em Schlick há uma formulação maisforte deste princípio, esta versão será chamada de“verificacionismo forte” ou simplesmente“verificacionismo”; já em Ayer é possível encontrar umaversão mais moderada que será chamada de“confirmabilismo” ou “princípio de confirmabilidade”.Cada uma destas versões, assim como de suasreformulações, será tratada particularmente naspróximas seções.

1.1 O VERIFICACIONISMO FORTE

Segundo a formulação proposta por Schlick, umenunciado científico significativo tem sentido somentese for verificável 3 empiricamente, isso ocorre somente

3 Como será demonstrado a seguir, ao dizer que uma proposiçãotem sentido se for verificável, Schlick não afirma que ela tenhaque ser verificada, enfraquecendo este critério inicial. Segundoo autor, o que devemos considerar é a possibilidade deverificação (verificabilidade) de uma proposição e não suaefetiva verificação, o que levaria “a uma reductio ad absurdum

do sentido.” (1975, p. 94).

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. se ele for uma proposição elementar observacional ouentão se for constituído por um número finito dessasproposições tornando-a conclusivamente verificável.Deste modo, para que um enunciado empírico tenhasignificado cognitivo é necessário que seja possível suaverificação conclusiva através das proposiçõesobservacionais que o constituem.

Em suas primeiras obras onde expõe o princípioverificacionista, Schlick propõe que tal princípioconsiste na verificação da correspondência entre umenunciado e o fato que ele descreve. Segundo Schlick(1975, p. 61) “uma proposição somente tem sentido,somente é verificável, se eu puder indicar em quecondições seria verdadeira e em que condições seriafalsa.” Em última instância, o sentido de umaproposição somente pode ser encontrado através dasua análise, por meio da reformulação e redução apalavras ou enunciados cujo sentido não pode serdefinido senão pela demonstração direta do fato, objetoou evento descrito na proposição. Deste modo, osentido de uma proposição é determinado pelaobservação do que é dado empiricamente, este dado,segundo Schlick, não está sujeito a contestações.

A ciência se utilizaria do método indutivo, tendocomo ponto de partida as proposições que teriamrelação direta com o dado empírico. Destas proposiçõesmais básicas, indubitavelmente verdadeiras, seguiriamlogicamente todas as demais proposições queconstituiriam uma teoria ou mesmo o conhecimentocientífico. Schlick acreditava que a função essencialda ciência é fazer previsões através da formulação de

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013hipóteses baseadas nas proposições observacionais

elementares. Essas induções, ou hipóteses, extraídasdas proposições observacionais deveriam satisfazer ascondições prescritas pelo critério verificacionista paraque sejam consideradas verdadeiras ou falsas.

Um dos problemas que surge deste empirismoempregado no critério verificacionista é o de que nemtodas as leis naturais cientificamente aceitas sãoempiricamente verificáveis ou mesmo indubitáveis. Osenunciados universais, que não podem ser reduzidos aum conjunto finito de proposições observacionais, nãopodem ser verificados de forma conclusiva nem emprincípio. Ao aceitar um critério como o proposto porSchlick, muitos pressupostos da ciência empírica seriampostos no mesmo patamar das teorias metafísicas.Devido a esse problema dentre outros possíveis que nãocabem ser mencionados aqui, algumas concepçõesrelacionadas ao princípio de verificação forammodificadas como será demonstrado a seguir.

1.1.1 O Critério de Verificação Reformulado porSchlick: Enfraquecimento do Critério

Schlick reformula o critério de verificação,tornando-o aplicável a frases e enunciados particularesao invés de enunciados universais. Para compreendero sentido de um enunciado ou frase 4 é preciso semprereferir-se à experiência ou à sua possibilidade empírica

4 Schlick afirma que é possível somente perguntar pelo sentidode frases ou sentenças, nunca de proposições, pois conhecemoso significado destas de imediato por meio da análise dacircunstância na qual a frase na qual ela está contida éempregada. (1975, pp. 89-90).

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. de verificação. Em um primeiro momento ele continuaa prescrever uma exigência empírica: para o autor averificação somente é possível na experiência, portantoé nela que se deve buscar o sentido das frases eenunciados. Essa exigência empírica do sentido Schlickatribui a todo Círculo de Viena (1975, p. 92), afirmandoque ela fundamenta a filosofia do positivismo lógico.Schlick propõe como empiricamente possível tudo oque não contradiz as leis da natureza, isto é,possibilidade empírica significa compatibilidade comas leis naturais.

O fato de haver a possibilidade de enunciar umafrase significativa não implica que um conhecimentocompleto acerca das leis da natureza esteja dispostoaos indivíduos. Diferentemente do que afirmava arespeito do dado empírico, Schlick alega que éimpossível afirmar com certeza a possibilidade empíricade um fato, o que é possível é afirmar coisas com umcerto grau de certeza. O autor sustenta que

[...] é evidente que jamais podemos afirmar comcerteza a possibilidade empírica de qualquer fato,sendo-nos aqui facultado falar de graus depossibilidade. [...] Todo e qualquer juízo acerca dapossibilidade empírica baseia-se na experiência emuitas vezes se caracterizará por uma certa incerteza;conseqüentemente, não haverá uma delimitaçãoprecisa entre a possibilidade empírica e aimpossibilidade empírica. (SCHLICK, 1975, p. 97).

O sentido não é algo que constitui uma frase,mas sim algo que é conferido a ela. Para que uma frasepossa ser verificada é preciso, primeiramente, que ela

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013não seja uma mera sequência de palavras e, em

segundo lugar, deve-se ter estabelecido aspossibilidades de verificação desta frase. Deste modo,Schlick propõe que antes mesmo de poder verificarempiricamente uma frase, já se deve conhecer o sentidodela. Sob este aspecto ele propõe uma segunda espéciede verificação própria para o conhecimento do sentido.Enquanto que o cientista é compelido a buscar averdade, por meio da verificação dos fatos empíricos,ou melhor, da possibilidade empírica de verificação, ofilósofo que analisa a linguagem se utiliza dapossibilidade lógica de verificação para atribuir sentidoou não aos enunciados. Deste modo, Schlick propõedois níveis de verificabilidade, um ao nível dalinguagem e outro no nível da empiria.

Enquanto a possibilidade empírica é avaliada comrelação às leis da natureza, a possibilidade lógica deverificação diz respeito às normas gramaticais da línguaem uso. Segundo Schlick (1975, p. 98), uma frase como“meu amigo faleceu depois de amanhã” claramente violaas regras segundo as quais usamos os termos nelaindicados. O autor ainda afirma que “Tais frases nãodescrevem fatos reais, ou seja, são destituídas de sentido,uma vez que representam impossibilidades lógicas.”(IDEM). Deste modo pode-se afirmar que aimpossibilidade lógica de verificação consiste nadiscrepância entre as definições dos termos e seu modo,ou melhor, suas regras de uso. Ao dizer que o empregode determinadas palavras não é compatível, ou édiscrepante, com as regras gramaticais, responsáveis pelaregulação das combinações possíveis entre as palavras,

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. Schlick quer dizer que as regras que uma determinadalíngua utiliza não estipulam as combinações como asdo exemplo acima, que não descreve fato algum. Poreste motivo, decide-se atribuir a este tipo de frase ocaráter de sem-sentido.

Dado o exposto no parágrafo anterior, oresultado a que Schlick alude de suas investigações éo seguinte:

A verificabilidade – que constitui a condição suficientee necessária do sentido ou significação – é umapossibilidade de ordem lógica; a verificabilidadederiva do fato de construirmos a frase emconformidade com as regras pelas quais são definidosos seus termos. (SCHLICK, 1975, p. 99).

A verificabilidade somente é possível quando sãoestabelecidas as regras para a verificação, regras essasque são arbitrárias, conforme um enunciado seja aplicadoà determinadas regras gramaticais (SCHLICK, 1975, p.98). Para que a verificabilidade seja possível é necessárioque regras para a verificação sejam estipuladas, de modoa estabelecer o modo ou o método pelo qual a verdadeou falsidade de uma frase deve ser verificada.

Para Schlick o objetivo agora é verificar se osenunciados, confirmada sua verificabilidade lógica,aplicam-se ou não à realidade, se são empiricamenteverificáveis. Uma proposição que não é logicamentepossível nem mesmo é uma proposição, mas sim umapseudo-proposição, portanto não pode ser empiricamenteverificada. Deste modo, tanto a possibilidade lógicaquanto a possibilidade empírica passam a serfundamento do conhecimento científico. De qualquer

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013modo os enunciados observacionais ainda se fazem

presentes, pois para que o conhecimento científico sejapossível é necessário que, em última instância, o sentidodas frases que compõem as proposições das teoriascientíficas seja encontrado no mundo empírico, que édescrito por elas.

1.2 O CONFIRMABILISMO

Rudolph Carnap e Alfred Jules Ayer propuseramoutro critério, menos exigente ao critério mais forteproposto por Schlick e, por isso, muito menos restrito.Este critério, chamado de critério de confirmabilidade,não exige que um enunciado, para ser confirmado, sejafundamentado por proposições observacionaiselementares ou mesmo seja uma destas. O que énecessário para a confirmação de uma proposição éque haja um número suficiente de proposiçõeselementares que, com certo grau de probabilidade,confirme o enunciado ou proposição que se desejaconfirmar. Ao contrário do verificacionismo forte quevisava estabelecer a verificação conclusiva da verdadedas proposições com base na experiência empírica, oprincípio de confirmabilidade busca na experiênciaapenas a possibilidade de prová-la. Enquanto que oprincípio de verificação forte visava ser um critérioabsoluto, a confirmação trata de graus deconfirmabilidade. Segundo Carnap (1975, p. 177):

Se por verificação se entende um estabelecimentodefinitivo e final da verdade, então, como veremos,nenhum enunciado (sintético) é jamais verificável.Podemos somente confirmar, cada vez mais, uma

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. sentença. Portanto, falaremos do problema daconfirmação, ao invés do problema da verificação.

Carnap afirma que leis como as que regem teoriascientíficas da física não podem ser verificadas, maspodem ter suas instâncias particulares testadas epossivelmente confirmadas. A confirmação dessasinstâncias ou enunciados particulares deduzidos da leigeral, acarreta um crescimento da confiança nestaúltima. Apesar de não haver a possibilidade de umaconfirmação absoluta, o aumento do número deevidências a favor da lei que está sob teste é proporcionalao aumento do grau de confiabilidade desta lei.

Segundo Carnap, com relação à verificabilidadenão há diferença substancial entre enunciadosparticulares e enunciados universais, o que há é umadiferença de grau. O processo de confirmação visatestar predições acerca de observações futuras quepodem ser deduzidas tanto das leis universais quantode enunciados particulares. Segundo Carnap (1975,p. 178), “o número dessas predições que podemosdeduzir da sentença dada é infinito; e portanto, nuncase pode verificar completamente a sentença.”Enunciados confirmáveis e consequentementesignificativos são aqueles dos quais é possível extrairobservações testáveis, mesmo que não existentes, desdeque sejam passíveis de confirmação.

Alfred Jules Ayer propôs outro critério, menosexigente em relação ao critério mais forte proposto porSchlick e, por isso, muito menos restrito. Este critério,chamado de critério de confirmabilidade, não exigeque um enunciado, para ser confirmado, seja

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013fundamentado por proposições observacionais

elementares ou mesmo seja uma destas. O que énecessário para a confirmação de uma proposição é quehaja um número suficiente de proposições elementaresque, com certo grau de probabilidade, confirme oenunciado ou proposição que se deseja confirmar. Aocontrário do verificacionismo forte que visava estabelecera verificação conclusiva da verdade das proposições combase na experiência empírica, o princípio deconfirmabilidade busca na experiência apenas apossibilidade de prová-la. Enquanto que o princípio deverificação forte visava ser um critério absoluto, aconfirmação trata de graus de confirmabilidade.

Ayer, na sua obra Language, Truth and Logic

(1952), afirma que na verificação no sentido fraco umaproposição é tida como verificável na medida em que “épossível para a experiência torná-la provável” (AYER.1952, p. 9). Segundo o autor, um enunciado é verificávelse de um dado enunciado juntamente com algumaspremissas subsidiárias adequadas, é possível derivarproposições observacionais sem que estas sejamdedutíveis dessas premissas tão somente. O próprio Ayerconsidera tal critério demasiado liberal (AYER, 1952,p. 11), pois a partir dele é possível atribuir sentido aqualquer enunciado bastando acrescentar uma premissasubsidiária que contenha um elemento observacionalem sua formulação. Utilizando o exemplo do autor:

Assim, as afirmações ‘o Absoluto é preguiçoso’ e ‘oAbsoluto é preguiçoso, isto é branco’, conjuntamenteimplicam a proposição observacional ‘isto é branco’,e uma vez que ‘isto é branco’ não resulta de qualquer

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. uma dessas premissas, tomadas por si sós, ambossatisfazem o meu critério de significado. (IDEM)

Frente a esse problema, Ayer propôs umareformulação do seu critério de confirmabilidade demodo a diminuir sua abrangência. As premissassubsidiárias passam então a ser ou enunciadosanalíticos, ou então devem ser verificáveis de formaindependente das demais premissas. Porém, mesmocom as reformulações propostas por Ayer, o critériode confirmabilidade continuou sendo bastanteproblemático 5.

Desse modo, parece que o esforço emestabelecer um critério de verificação tendo comoelemento as proposições observacionais está fadadoou a se tornar restrito demais ou então amplo demaisde modo a, por um lado excluir as leis universais dasciências por não ter fundamento na empiria e por outropor tornar possível que enunciados destituídos desentido sejam tomados como significativos. Como serátratada a seguir, a crítica de Popper segue neste mesmosentido.

5 Uma das críticas que Hempel aponta a este critério é a de quemesmo com esta modificação, ainda assim é possível darsentido a enunciados como “o absoluto é preguiçoso”, quejustamente pela falta de sentido deveria ser rechaçada.Segundo Hempel (1993, p. 123): “quaisquer que sejam asconseqüências que podem deduzir-se de S com a ajuda dehipóteses subsidiárias permissíveis, poderão também serdeduzidas de S.N. por meio das mesmas hipóteses subsidiárias,e como o novo critério de Ayer está formulado essencialmenteem termos de certo tipo de conseqüências que são dedutíveisda oração dada, aceita tanto S.N. quanto N.”.

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0132 A CRÍTICA DE KARL POPPER À LÓGICA INDUTIVA

Popper é tido como um dos principais críticosdo Círculo de Viena, assim como um dos principaisfilósofos da ciência do século XX. Manteve contato comos membros do grupo vienense, embora não fizesseparte dele. O autor dirige sua crítica à concepçãoamplamente aceita, inclusive pelos positivistas segundoele, de que o método indutivo caracteriza a ciênciaempírica. Através deste método seria possível derivarenunciados universais, tais como teorias ou hipótesescientíficas, de enunciados particulares ou singulares,tais como as descrições de resultados de experimentosou de observações.

Popper não aceitava a tese de que a ciência secaracteriza pelo método indutivo. O problema daindução, ou problema de Hume como Popper tambémo chama, consiste na questão sobre como é possívelestabelecer a verdade de enunciados universais tendocomo base experiências particulares. Segundo Popper,a descrição de uma experiência é sempre um enunciadosingular, de modo que dizer que a verdade de umateoria científica, que sempre é de caráter universal, sebaseia na experiência seria o mesmo que dizer daverdade de um enunciado universal que ela é redutívelà verdade de enunciados particulares que descrevemdeterminadas experiências. Deste modo, ao afirmar queuma teoria ou enunciado universal tem sua verdadeconhecida pela experiência ou observação, que sempresão singulares, afirma-se também que a verdade daprimeira pode ser reduzida à verdade das segundas.“Portanto, perguntar se leis naturais cuja verdade se

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. conhece parece ser apenas outra maneira de perguntarse as inferências indutivas estão logicamentejustificadas.” (POPPER, 1975, p. 264). Porém, o queocorre é que a teoria ou enunciado universal sempretraz consigo mais informação do que a contida nosenunciados singulares dos quais ele foi induzido.Popper, no início da “A Lógica da InvestigaçãoCientífica” afirma:

Ora, de um ponto de vista lógico, está longe de seróbvio que estejamos justificados ao inferirenunciados universais a partir dos singulares, pormais elevado que seja o número destes últimos; poisqualquer conclusão obtida desta maneira podesempre acabar sendo falsa: não importa quantasinstâncias de cisnes brancos possamos ter observado,isto não justifica a conclusão de que todos os cisnessão brancos. (POPPER, 1975, p. 263).

Para que haja a justificação das inferênciasindutivas é necessário que se estabeleça um princípio

de indução, que seria um enunciado segundo o qualtornaria possível estruturar logicamente as inferênciasindutivas. Segundo Popper, para os defensores dalógica indutiva, tal princípio é de extrema importânciapara o método científico, pois é através dele que seestabelece a verdade das teorias científicas 6.

6 Segundo Reichembach (apud Popper, 1975, p. 264): “[...]este princípio determina a verdade das teorias científicas.Eliminá-lo da ciência significaria nada menos do que privar aciência do poder de decidir acerca da verdade ou falsidadede suas teorias. Sem ele, claramente, a ciência não mais teriao direito de distinguir suas teorias das criações fantásticas earbitrárias da mente do poeta.”.

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013Popper afirma que o princípio de indução deve

ser um enunciado sintético, pois se fosse puramentelógico, tal qual uma tautologia ou um enunciadoanalítico, não se constituiria o problema da induçãouma vez que “todas as inferências indutivas deveriamser consideradas como transformações puramentelógicas ou tautológicas, exatamente como as inferênciasda lógica dedutiva.” (POPPER, 1975, p. 264).

David Hume já apontara para os problemas einconsistências de tal princípio. O princípio de induçãodeve ser um enunciado universal e, enquanto tal,deveria ser possível justificar o conhecimento da suaverdade por meio da experiência. Para justificar esteprincípio é necessário que haja inferências indutivasdas quais ele seria derivado, porém, para que talderivação seja efetivada é preciso ter à disposição umconjunto de regras que possibilite a estruturação lógicadestas inferências, ou seja, é necessário um princípiode indução. Apelando à experiência, a justificação doprincípio de indução necessariamente conduz opesquisador a um regresso ao infinito.

Segundo a concepção de Popper as dificuldadesda lógica indutiva são insuperáveis de modo a tornarinútil para a ciência não somente a lógica que afirmaque inferências indutivas são estritamente válidas, mastambém aquela que diz que tais inferências podem serprovavelmente válidas. Popper afirma: “[...] temo quetambém o sejam aquelas dificuldades inerentes àdoutrina, tão corrente hoje em dia, de que a inferênciaindutiva, embora não seja ‘estritamente válida’, podealcançar algum grau de ‘confiança’ ou de ‘probabilidade’.”(POPPER, 1975, p. 265).

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. A refutação da probabilidade, ou daconfiabilidade, se dá pela razão de que a atribuição deum grau de probabilidade a enunciados singulares deobservação baseados em inferências indutivas tornanecessário para sua justificação um princípio de induçãoapropriadamente reformulado, mas que ainda assim,da mesma forma que o princípio que exige validadeestrita, não conseguiria se desvencilhar do problema doregresso ao infinito, pois para ser empiricamentejustificado necessitaria de outro princípio e assim pordiante. Além disso, Popper afirma que considerar oprincípio de indução como provável não acrescenta nadapara a explicação científica. Segundo Popper (POPPER,1975, pp. 265-266): “Resumindo, a lógica da inferênciaprovável ou ‘lógica da probabilidade’, como toda outraforma de lógica indutiva, conduz ou a uma regressãoinfinita ou a doutrina do apriorismo 7.”.

Para evitar os problemas advindos da adoção euso do método indutivo, Popper propõe um métodoque se opõe às concepções da lógica indutiva: ummétodo dedutivo de teste. Segundo este método, quenão será descrito aqui em todos os seus detalhes, umahipótese não é derivada da experiência ou deenunciados observacionais, ela é um enunciadoformulado de modo à, posteriormente a suaformulação, poder ser testado empiricamente.

7 “Kant tentou escapar a esta dificuldade [do regresso aoinfinito] considerando que o princípio de indução (que eleformulava como o ‘princípio de causação universal’) era ‘válido

a priori’. Mas não acredito que sua engenhosa tentativa deproporcionar uma justificação a priori para os enunciadossintéticos teve sucesso.” (POPPER, 1975, p. 265).

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0133 O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO

O problema da demarcação consiste na buscade “um critério que nos permita distinguir entre asciências empíricas de um lado, e a matemática e a lógicaassim como os sistemas metafísicos de outro lado [...].”(POPPER, 1975, p. 269). Popper atribui a descobertae a primeira tentativa de solução a este problema aKant dada sua formulação da distinção entreenunciados analíticos e sintéticos.

Popper rejeita a lógica indutiva por acreditar queela não propicia um critério demarcatório suficientementeadequado para o problema acima proposto. Ele acreditaque a principal razão que leva os filósofos e pensadoresda ciência a acreditar em um princípio como o da induçãosão suas crenças de que a lógica indutiva tem condiçõesde propiciar um critério demarcatório apropriado. Dentreestes pensadores estariam aqueles que defendem opositivismo lógico ou neopositivismo.

4 A SOLUÇÃO POSITIVISTA SEGUNDO POPPER

Segundo Popper, os “positivistas modernos”surgidos em Viena e Berlim tomam a ciência como umsistema de enunciados universais que são redutíveis aenunciados elementares observacionais. Ele consideraclaro que o critério utilizado por estes positivistas, oprincípio de verificação e, posteriormente, oconfirmabilismo, é idêntico ao princípio de induçãoexigido pela lógica indutiva. Uma vez que a lógicaindutiva acarreta problemas insanáveis, estes critériostambém devem trazer a tona problemas semelhantes.Da mesma forma que rejeita a lógica indutiva, Popper

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. rejeita também os critérios positivistas como repostasapropriadas para o problema da demarcação.

O problema da demarcação seria interpretadopelos positivistas como um problema de ciência natural.Esta forma “naturalista” de tratar o problema dademarcação se deve à crença dos positivistas de quehá uma distinção entre ciência empírica e metafísicana natureza das coisas das quais esses sistemas tratam,ou seja, um critério de demarcação não seria comouma proposta convencional na qual se estabeleceriauma proposição universal que versaria sobre que tipode enunciados pertenceria a cada um dos sistemas. Ospositivistas, segundo Popper, “estão constantementetentando provar que a metafísica por sua próprianatureza nada mais é do que um falatório absurdo(nonsense)” (POPPER, 1975, p. 270) e que por issodeve ser rejeitada.

O objetivo dos positivistas ao utilizar expressõestais como “absurdo” ou “carente de sentido” não é ode demarcar a diferença entre as ciências empíricas ea metafísica, mas sim eliminar a metafísica do âmbitodo discurso científico. Segundo Popper (IDEM):

As expressões ‘carentes de significado’ ou ‘absurdo’expressam, e pretende-se que expressem, umaavaliação pejorativa; e não existe nenhuma dúvidade que o que os positivistas realmente pretendemconseguir não é tanto uma demarcação bem sucedidacomo a ruína final e a aniquilação da metafísica.

Popper acrescenta a isso que toda tentativa porparte dos positivistas de esclarecer a definição do queé um enunciado “significativo”, que se dá sempre em

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013oposição a enunciado “carente de significação” ou

“pseudo-enunciado”, implica a utilização de um critérioque se utiliza da lógica indutiva, como é o caso docritério verificacionista e suas reformulações. Estecritério, ao ter em sua formulação a expressão“significado” substituída por “científico” ou “legítimo”se torna análogo ao critério de demarcação indutivista 8.Tal critério, ao rejeitar a metafísica como destituídade significado, rejeita também as leis que regem asciências empíricas tornando-as também semsignificado, ou não científicas, ou ilegítimas. Se forseguido o princípio segundo o qual o significado deum enunciado é dado pelo método da sua verificação,estrita ou provável, e este método consiste em reduzirlogicamente enunciados universais a enunciadoselementares observacionais, então, visto que as leis dasciências, assim como as teorias metafísicas, não sãologicamente redutíveis a tais enunciados elementares,tais leis também devem ser rejeitadas.

Deste modo, Popper afirma que não é possíveldemarcar o que é científico e o que é metafísico se

8 Popper atribuiu a Wittgenstein a utilização de um critério designificação semelhante ao critério indutivista: “Isto ‘torna-sepatente’ muito claramente no caso de Wittgenstein, segundo oqual toda proposição significativa deve ser logicamente redutível

às proposições elementares (ou atômicas), que ele caracteriza comodescrições ou ‘imagens da realidade’ (uma caracterização, diga-sede passagem, que deve abrigar todas as proposições significativas).Podemos ver a partir disto que o critério de significação deWittgenstein coincide com o critério indutivista de demarcação,desde que substituamos a palavra ‘científico’ ou ‘legítimo’ desseúltimo por ‘significativo’.” (POPPER, 1975, p. 270-271).

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. utilizando de critérios tais como o indutivo ou oprincípio de verificação, dado que eles dissolvemqualquer possibilidade de demarcação. SegundoPopper (POPPER, 1975, p. 271):

Isso mostra que o critério indutivista de demarcaçãonão consegue traçar uma linha demarcatória entreos sistemas científicos e os metafísicos e não especificapor que se deve atribuir a eles um status igual; pois overedicto do dogma positivista do significado é queos dois são sistemas de pseudo-enunciados carentesde significado. Desta forma, ao invés de extirpar ametafísica das ciências empíricas, o positivismo levaà invasão da metafísica no reino científico.

Crendo ter demonstrado a impossibilidadelógica da indução e, consequentemente, aimpossibilidade de um critério de demarcação que seutilizasse dela, Popper se viu diante da tarefa de proporum novo critério que não culmine nas mesmas falhaslógicas que levam a refutação do verificacionismo. Issoo levou a adotar a lógica dedutiva na formulação docritério de falseabilidade ou falsificacionismo.

5 CONSEQUÊNCIAS DA CRÍTICA DE POPPER

O princípio de verificação que, em um primeiromomento, parece ser apresentado pelos positivistaslógicos como um critério cujo objetivo primário épuramente semântico, isto é, demarcar claramente adiferença entre enunciados com sentido e enunciadossem-sentido cognitivo, torna-se então um critério dedemarcação entre teorias científicas e teorias pseudo-científicas. Dado que é uma condição necessária,embora possa não ser suficiente, que para um

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013enunciado ser considerado científico ele deve ser

dotado de sentido cognitivo, então o princípioverificacionista do significado pode ser consideradouma das condições a ser satisfeitas para que umenunciado possa ser considerado científico.

O critério verificacionista proposto pelospositivistas lógicos, malgrado os problemas, críticas ereformulações sofridas, representou um importanteinstrumento para a dissolução do pseudo-cognitivismogerado pelos idealistas e suas especulações metafísicasno campo do discurso empiricamente cognoscível. Deve-se ressaltar a importância do duplo intento ao qual sedispôs: especificar que tipos de enunciados possuemsignificado cognitivo e, através disso, descartar qualquerpossibilidade cognitiva do discurso metafísico.

Como fica evidente ao ser analisada a posiçãodos positivistas lógicos, a utilização do critério deverificação e posteriormente de confirmação claramentetinha fins de, através de uma análise lógica dalinguagem, afirmar uma das teses mais defendidas pelospositivistas, a saber, de que a metafísica é um conjuntode pseudo-enunciados carentes de sentido cognitivo.

Como as próprias reformulações do critério inicialapontam, os próprios positivistas vinham tomandoconhecimento das restrições deste critério: por um ladoapresentando-se demasiado amplo, chegando ao pontode possibilitar que enunciados metafísicos sejamtomados tal como enunciados significativos; e por outro,apresenta-se de modo tão restrito que nem mesmo leisnaturais poderiam ser qualificadas como científicas, dadasua impossibilidade de verificação.

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. Um tópico bastante relevante apontado porPopper que deve ser levado em consideração é que ospositivistas, quando presumem que a significação ounão-significação é intrínseca a um determinadoconjunto de signos podendo assim ser verificada,deixam de levar em consideração o caráterconvencional das regras de uma dada linguagem. Aindagação sobre que condições uma sentença possuisignificado parece não levar em consideração quedeterminadas regras que dão significado aosenunciados são estritamente convencionais.

Como o próprio Popper sugere (1975, p. 274),Carnap na obra de 1937, “Sintaxe Lógica da Linguagem”,destoa dessa posição inicial dos positivistas, apesar deainda visar excluir a metafísica da linguagemsignificante. Carnap formula um princípio de tolerância

que admite a possibilidade de utilização de qualquerlógica disponível desde que seus métodos estejamclaramente apresentados e que sejam utilizadas regrassintáticas em vez de argumentos filosóficos. O próprioSchlick, ao enfraquecer seu critério de verificação parecese dar conta desse problema. Sendo assim, percebe-seque alguns positivistas estariam dispostos a aceitar aindagação proposta por Popper.

Mas, a princípio, o ponto mais importante dacrítica de Popper ao positivismo lógico reside narefutação do indutivismo e, consequentemente, doverificacionismo. Se for admitido o argumento deReichembach, de que é o princípio da indução quepossibilita a distinção entre as teorias científicas eoutras sem significado, então a crítica de Popper ao

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013indutivismo e ao verificacionismo se colocava também

como um desafio ao empirismo e, em conseqüência disso,a toda ciência empírica. Toda a ciência empírica pareciadepender da indução, ao descartar a lógica indutiva aciência parecia perder seu caráter racional e, dado que oprincípio de indução que caracterizava a ciência somentepoderia ser introduzido como um enunciado sintético apriori, o próprio empirismo parecia se tornar inútil.

O critério proposto por Popper, ao contrário docritério proposto pelos positivistas, não visa erradicara metafísica, que segundo o autor algumas vezescontribui para o avanço da ciência, seja como embriãopara as hipóteses científicas, seja por sua funçãoheurística. O que o critério falsificacionista visa é tornarpossível a formulação apropriada sobre o que é próprioda ciência empírica de modo que, dado um certoconjunto de enunciados, se possa dizer se eles fazemou não parte da ciência e, deste modo, se é propósitoda ciência empírica se aprofundar no estudo dessesenunciados. Segundo Magee (1973, p. 25), o critériofalsificacionista, além de um aspecto lógico quepermitiria a falsificação conclusiva de uma teoria sealgum de seus enunciados observacionais seapresentasse contraditório a ela, possui também umaspecto metodológico altamente crítico, que vetaqualquer tentativa de falseamento conclusivo enquantoa evidência empírica estiver sendo constantementereinterpretada, se ajustando aos enunciados e teoriasque estejam sob teste. Isso não quer dizer que arefutação deva ser contornada, muito pelo contrário,as teorias e hipóteses devem ser formuladas com o mínimo

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. de ambigüidade possível e testadas rigorosamente semque novos enunciados sejam acrescidos simplesmentevisando a manutenção da teoria. Isso quer dizer que, sobo aspecto lógico, através da aplicação do Modus Tollens,qualquer inconsistência leva a refutação de uma hipóteseou teoria; enquanto que sob o aspecto metodológico nãoé qualquer teste malogrado que leva a falsificação deteorias, essas não devem ser abandonadas levianamente9, ou seja, elas devem passar por testes rigorosos antes deserem refutadas. A não distinção entre esses dois aspectosparece ter levado a inúmeras incompreensões a respeitodo critério de falsificação.

Assim Popper busca solucionar o problema dademarcação se desprendendo da indução e dos seusproblemas lógicos, demonstrando que é possível umaciência empírica racional sem se utilizar do princípiode indução. O autor visa também ressaltar o caráterempírico das teorias científicas sem ter de utilizarinferências indutivas, utilizando-se somente a lógicadedutiva. Deste modo, acreditando ter provado que oindutivismo não é necessário para a ciência empírica,Popper acredita que também o princípio de verificaçãotambém seja desnecessário, pois ambos, por seremsemelhantes, possuem problemas e falhas insanáveis.

9 “[...] Popper sustenta que não devemos abandonarlevianamente as teorias, pois isso representaria adoção deatitude excessivamente acrítica em relação aos testes eequivaleria a admitir que as teorias não foram submetidasaos testes rigorosos a que se deveriam ter submetido.”(MAGEE, p. 25).

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013REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Lógica da Linguagem. Trad. Adivo Paim Filho; rev. JosianaHadlich de Oliveira e Róbson Ramos dos Reis. 2007.______ . Testabilidade e Significado. IN: Coleção OsPensadores. Trad. Pablo Rubén Mariconda. São Paulo:Abril Cultural, 1975.IMBERT, Claude; et al. Filosofia Analítica. Trad. JorgeManuel Pereira Fernandes Pires. Lisboa: Gradiva, sd.KENNY, Anthony. Uma Nova História da Filosofia

Ocidental Volume IV: Filosofia no Mundo Moderno. Trad.Carlos Alberto Bárbaro. São Paulo: Loyola, 2009.MAGEE, Bryan. As Idéias de Popper. Trad. LeonidasHegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo:Cultrix, 1973.POPPER, Karl R. A Lógica da Investigação Científica.

Trad. Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: AbrilCultural, 1975.______ . Conjecturas e Refutações. Trad. Sérgio Bath.Brasília: Editora Unb, 1972.SCHLICK, Moritz. O Fundamento do Conhecimento. IN:Coleção Os Pensadores. Trad. Luiz João Baraúna. SãoPaulo: Abril Cultural, 1975.______ . Positivismo e Realismo. IN: Coleção Os Pensadores.Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1975.______ . Sentido e Verificação. IN: Coleção Os Pensadores.Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1975.