12
A luta por dar um espaço à música p. 5 www.issuu.com/postaldoalgarve 9.049 EXEMPLARES Espaço Património: A vez e a voz dos alunos ps. 8 e 9 Espaço Cria: Precisamos de bons empresários p. 2 Grande ecrã: É tempo de Mostra de Verão em Faro p. 3 O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Julho p. 10 Da minha biblioteca: António Manuel Venda p. 11 Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO JULHO 2014 n.º 71 D.R. D.R. D.R. D.R. RICARDO CLARO D.R. 6 º aniversário um jornal ao serviço da cultura

CULTURA.SUL 71 - 4 JUN 2014

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• Veja o CULTURA.SUL DESTE MÊS• Sexta-feira (dia 4/7) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > EDITORIAL: Seis anos de serviço público > ESPAÇO CRIA: Precisamos de bons empresários, por Luís Rodrigues > Espaço ALFA: A ligação entre a fotografia e a poesia, por Ana gonzález > PANORÂMICAS: A luta por dar um espaço à música, por Ricardo Claro > LETRAS E LEITURAS: Carlos Ruiz Zafón - Mistério e horror compulsivo, por Paulo Serra > ESPAÇO PATRIMÓNIO: O que é património? A vez e a voz dos alunos, por Isabel Soares > O(s) SENTIDO(s) DA VIDA A 37º N: Julho, por Pedro Jubilot > DA MINHA BIBLIOTECA: Contos Municipais - António Manuel da Venda, por Adriana Nogueira

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Page 1: CULTURA.SUL 71 - 4 JUN 2014

A luta por dar um espaço à música

p. 5

www.issuu.com/postaldoalgarve9.049 EXEMPLARES

Espaço Património: A vez e a voz dos alunos

ps. 8 e 9

Espaço Cria:

Precisamos de bons empresários

p. 2

Grande ecrã:

É tempo de Mostra de Verão em Faro

p. 3

O(s) Sentido(s)da Vida a 37º N:

Julhop. 10

Da minha biblioteca:

António Manuel Venda

p. 11

Mensalmente com o POSTAL

em conjuntocom o PÚBLICO

JULHO 2014n.º 71

d.r.

d.r.

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04.07.2014 2 Cultura.Sul

Parece que foi ontem, mas não. Foi há exactamente seis anos - Julho de 2008 - que nas-ceu o Cultura.Sul.

O único caderno cultural em formato jornal no Algarve, cria-do pela mão do POSTAL, nasceu e afirmou-se por direito próprio fruto do trabalho e dos contri-butos de centenas de pessoas que incansavelmente escreve-ram para as suas páginas.

Mérito daqueles que o diri-gem, dos que lhe conceberam o design e o paginam, dos que lhe fazem a revisão e o trata-mento de imagens, dos que o levam até às rotativas e tam-bém daqueles que nelas o im-primem e dos que o distribuem por todo o Algarve, este foi, é e continua a ser um caderno de cultura pensado para o Algarve e para os algarvios.

Sem citar nomes a todos os que fizeram, fazem e farão o Cultura.Sul fica a homenagem face a seis anos de verdadeiro serviço público, digno de nota de louvor.

Há em nós, apesar de todos os pesares, a força de continuar a busca de uma cada vez mais adequada resposta às necessi-dades informativas da região na área cultural.

Somos um palco do muito que por cá se faz nos mais va-riados palcos, seja à secretária de pena em punho, palco da escrita, ou nas tábuas de uma qualquer boca de cena, espa-ço maior das artes, bem assim como no atelier de um criador.

Somos tábua rasa preenchi-da pelo génio dos ‘fazedores’ de cultura, rostos que inculcam em cada um de nós o produto de um mister reservado a seres especiais, os artistas.

Destes damos apenas nota, somos mera correia de trans-missão da sua genealidade e somo-lo orgulhosamente.

Fazemos o que nos compe-te e deixamos a todos os leito-res a palavra escrita que faz da arte informação. Venham mais anos, tantos quantos os que ha-jam para vir e a todos os leito-res um sincero obrigado.

Seis anos de serviço público

Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Ricardo Claro

Paginação:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:• O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N:

Pedro Jubilot• Espaço ALFA:

Raúl Grade Coelho• Espaço AGECAL:

Jorge Queiroz• Espaço CRIA:

Hugo Barros• Espaço Educação:

Direcção Regionalde Educação do Algarve

• Espaço Cultura:Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Grande ecrã:Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Momento:

Vítor Correia• Panorâmica:

Ricardo Claro• Património:

Isabel Soares• Sala de leitura:

Paulo Pires

Colaboradoresdesta edição:Ana GonzálezLuís RodriguesPaulo Côrte-RealPaulo Serra

Parceiros:Direcção Regional de Cul-tura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve

e-mail redacção:[email protected]

e-mail publicidade:[email protected]

on-line em: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem:9.049 exemplares

Precisamos de bons empresários

Fico feliz quando vejo nas notícias casos de sucesso em-presarial português. Eleva-nos a autoestima. Ser empresário sempre foi muito difícil. Em qualquer parte do mundo. Ser empresário em Portugal, nos tempos que correm, é muito, mas muito difícil.

O empreendedor tem de gostar muito do que está a fazer, caso contrário, acabará inevitavelmente por desistir. É desgastante, exige muita determinação. Implica muito trabalho e preocupações cons-tantes. Daquelas que tiram o sono e fazem aparecer cabelos brancos.

No primeiro terço do mês, até dia 10, preocupa-se com pagamento a fornecedores (renda, água, luz, matérias--primas, etc.). Se não o fizer arrisca-se a não ter nada para vender. No segundo terço, até dia 20, há compromissos fis-cais (retenções, IRS, segurança social, IVA). Do dia 20, ao final do mês, é um instante. Como

vou pagar os salários aos meus colaboradores?

Criar uma empresa em Por-tugal é hoje muito fácil. Uma questão de horas. Mantê-la viva é um desafio enorme. Olhar para a conta bancária mensalmente e perceber que depois de satisfeitos todos os compromissos fiscais (TSU, IRC, IRS, IVA, Pagamentos Es-

peciais por Conta, TOC, Taxas e Licenças, etc.) e de pagar os vencimentos, pouco ou nada sobra para reinvestir. Pouco ou nada sobra para novos projec-tos e ideias. É desesperante. O pequeno empresário vive, ou melhor, sobrevive diariamen-

te consumido com as despesas para cumprir os compromis-sos com o Estado. Quando se-ria muito mais benéfico para o país que estivesse concentrado em fazer crescer o seu negócio, em expandir e em inovar.

Oiço, por vezes, críticas ao nosso tecido empresarial. Al-gumas com fundamento. Nem todos poderão ser empresá-

rios, é certo. A ambição de ser patrão exige preparação.

Lembro-me bem que há poucos anos para se beneficiar de apoios do IEFP para desen-volver uma iniciativa local de emprego era necessário fre-quentar um curso de formação

profissional na área da gestão. O Estado tinha a preocupação de fornecer aos que aposta-vam na criação do seu pró-prio emprego conhecimentos mínimos. Ferramentas básicas. Deixou de ser obrigatório.

Ser empresário exige com-petências técnicas na área de negócio em que vamos apos-tar, exige competências de gestão e de marketing. Um empresário hoje tem que do-minar as TIC’s e ser fluente no inglês. Tem de saber delegar. Motivar e gerir equipas. Comu-nicar e falar em público. A am-bição de ser patrão vem acom-panhada do rigor, do sentido de responsabilidade, da serie-dade e do compromisso.

Acredito na nova geração de empreendedores que está a sair das universidades. É preciso que os bons empre-sários ajudem e apoiem os que estão a começar. É pre-ciso criar rapidamente con-dições para que a iniciativa empresarial aconteça. É pre-ciso valorizar quem arrisca e investe. Criar um ecossis-tema que apoie os empre-endedores. Que funcione em parceria entre todos os agentes e seja eficiente. É preciso uma outra atitude, mais colaborativa.

Parabéns aos Vencedores do Concurso Ideias em Caixa 2013. Muito sucesso. Precisa-mos de bons empresários!

d.r.

Ricardo [email protected]

Editorial Espaço CRIA

Luís RodriguesCRIA - Divisão de Empreendedo-rismo e Transferênciade Tecnologia da UAlg

Uma ideia

Haverá algo mais poderoso que uma ideia?

As ideias encerram em si a for-ça e a criatividade da concretiza-ção do mundo. O ritmo de vida atual leva-nos, vezes sem conta, a esquecer a grandiosidade das ideias. De um simples esboço, a uma obra pictórica ou a um objeto arquitetónico, a ideia é o que lhe dá origem. O abstrato

dá lugar ao concreto. Pensando na nossa vida quotidiana, es-tamos de acordo que, objetos nela materializados dependem da qualidade, criatividade e for-ça das ideias. Então que se apoie e cultive o surgimento de novas ideias, onde os jovens, graças à sua abertura, disponibilidade a novas experiências e a vontade de apropriação do mundo, são os verdadeiros embaixadores do empreendedorismo.

Consubstanciadas pela Educa-ção - um dos pilares das nações que almejam a prosperidade e o desenvolvimento sustentá-vel, as artes, ao mesmo tempo que abrem novos horizontes e apontam novos caminhos, con-ferem beleza ao mundo. Como parte integrante da cultura, são um rico e importante fator de

desenvolvimento imaterial. Em-bora ultimamente se venha a assistir a tentativas, falsamente legitimidadas, de destruição das artes e da cultura (direi mesmo da própria identidade nacio-nal), importa lembrar que essa será uma tentativa vã, já que as

artes e a cultura têm como gé-nese uma IDEIA. As ideias não se destroem. Os homens e as mulheres podem morrer mas as suas ideias ficam e dissemi-nam-se como a brisa de um novo dia. Imagina-se um mun-do sem beleza?

d.r

.

Juventude, artes e ideias

Paulo Côrte-RealDocente

Page 3: CULTURA.SUL 71 - 4 JUN 2014

04.07.2014  3Cultura.Sul

Espaço AGECAL

“ … a minha pátria é a língua portuguesa.”

Bernardo Soares,heterónimo de Fernando Pessoa

in “O livro do desassossego”

A humanidade é só uma, irrefutável.Contudo sabemos que a evolução

assentou nos processos adaptativos que permitiram a diversidade.

Cada ser humano possui caracterís-ticas comuns a outros, mas elementos únicos que definem o seu património genético, as especificidades do grupo familiar e individuais.

Assim acontece também com as culturas.

Território, ambiente, economia e cultura estão interligados e são in-terdependentes como centenas de cimeiras científicas mundiais o têm demonstrado.

Desta realidade resultou a noção de desenvolvimento sustentável.

A protecção às culturas e idiomas da humanidade equivale na sua im-portância à defesa da biodiversidade, essenciais à qualidade de vida e à so-brevivência do planeta.

Os Estados e comunidades têm en-contrado nas convenções da UNESCO, sobretudo nas de 1972 (Património Mundial) e de 2003 (Património Cul-tural Imaterial), mecanismos legais e meios de defesa das suas heranças culturais.

Sabemos pelo estudo da História que os processos de colonização sem-

pre procuraram substituir os idiomas, religiões e práticas culturais, pelo con-vencimento da maior valia e utilidade de culturas “superiores”, apostando na substituição de valores e “reeducação” de elites nacionais e locais.

O português fez agora 800 anos. O testamento de Afonso II de 27 de Junho de 1214 é o mais antigo docu-mento conhecido escrito em língua portuguesa.

Como idioma autónomo evoluiu durante oito séculos, até se transfor-mar por via da expansão de quinhen-tos na sexta língua do mundo, com 240 milhões falantes e língua oficial

de sete Estados independentes em quatro continentes

O património cultural português está espalhado pelo mundo, expres-sões verbais, comportamentos, ur-banismo, gastronomia, festividades, religiosidades, artes,.. A herança por-tuguesa está em muitos países reco-nhecida como Património da Huma-nidade pela UNESCO.

A cultura, a língua e o potencial hu-mano são as maiores riquezas deste País quase milenar.

A desvalorização quotidiana da lín-gua portuguesa está patente no uso de outra língua para títulos, marcas,

expressões, símbolos, festivais, progra-mas e provas desportivas. As “modas” padronizadas de vestuário e alimenta-ção e massiva presença da cultura de uma única origem, correspondem ao mesmo e antigo objectivo de domínio geocultural.

A produção cinematográfica, teatral e musical portuguesa, italiana, espa-nhola, francesa, grega e de outras na-ções “deixou de existir” no espaço pú-blico ou está subordinada a critérios meramente mercantis ou audiência.

Se as indústrias da globalização têm promovido a intensa aculturação dos mais novos, os orçamentos mínimos para as culturas nacionais são a ex-pressão financeira da estratégia de de-pendência cultural intimamente liga-da à debilitação económica dos países do Sul, que está a ser acompanhada da transferência compulsiva de recursos humanos qualificados dos países do sul para os promotores desta globali-zação de sentido único.

Os recentes indicadores de saúde pública são elucidativos sobre as con-sequências da adopção de um modelo cultural - alimentar imitativo, as “do-enças da civilização” estão já no topo.

Pela primeira vez uma geração poderá ter uma esperança de vida menor que a anterior.

Há que mudar de estrada…

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

14ª MOSTRA DE CINEMA EUROPEU - AR LIVRE | CLAUSTROS DO CONVENTO DO CARMO – 21.30 HORAS

11 JUL | ABOUT TIME, Richard Curtis,Reino Unido 2012 (120’) M/1212 JUL | LA CAGE DORÉE, Ruben Alves, França/Portugal 2013 (90’) M/1213 JUL | ERNEST ET CELESTINE, Stépha-ne Aubier e Vincent Patar, França/Bélgica 2012 (80’) M/614 JUL | VENUTO AL MONDO, SergioCastellitto, Itália/Espanha 2012 (127’) M/1615 JUL | DANS LA MAISON, François Ozon, França 2012 (105’) M/1216 JUL | LA MIGLIORE OFFERTA, Giuseppe Tornatore, Itália 2013 (131’) M/1217 JUL | THE BROKEN CIRCLE BREAKDO-WN, Felix Van Groeningen, Bélgica/Holan-da 2012 (111’) M/16 18 JUL | HYSTERIA, Tanya Wexler, Reino Unido/França/Alem/Luxemburgo 2012 (100’) M/1619 JUL | LA VIE D’ADÈLE, Abdellatif Kechi-che, França/Bélgica/Espanha 2013 (179’) M/1620 JUL | PHILOMENA, Stephen Frears, Rei-no Unido/E.U.A./França 2013 (98’) M/12

É tempo de Mostra de Verão em Faro

Tradicionalmente, Julho é o mês da Mostra de Verão do CCF e este ano não foge à regra, mas com um formato inovador. Entre 14 de Julho e 1 de Agosto, todas as 2ªs, 4ªs e 6ªs-feiras, às 22 horas, o Cineclube de Faro apresenta uma seleção de curtas e longas--metragens onde se incluem al-guns dos melhores filmes estre-ados este ano.

A principal inovação será o ca-rácter itinerante da Mostra de Ci-nema de Verão de 2014; durante estas três semanas, o CCF instala--se em três espaços da cidade de Faro, num diálogo inédito entre o cinema e diferentes cenários da cidade, reforçando o carácter idílico e mágico destas sessões sob o manto das estrelas. Come-çamos como habitualmente nos Claustros do Museu Municipal, na segunda semana no Jardim da Alameda e, finalmente, na tercei-ra semana, no átrio do Mercado Municipal.

A programação será diversifi-cada, entre alguns dos destaques mais independentes dos nome-ados e oscarizados do cinema norte-americano, o brilhante “A Grande Beleza”, de Paolo Sor-rentino, o melhor do Festival de Curtas de Vila do Conde ou o novíssimo “A Mãe e o Mar”, que contará com a presença do reali-zador Gonçalo Tocha, a terminar a Mostra a 1 de Agosto. Destaque

também para o facto de algumas sessões (Mercado Municipal) se-rem de entrada livre, o que só é possível graças ao apoio da De-legação Regional da Secretaria de Estado da Cultura, do Merca-do Municipal e da Ambifaro. O melhor mesmo é consultar toda a programação, aqui, nas redes sociais, nos folhetos da Mostra ou nos sites/blogs do CCF. Con-tamos convosco!

Imagem de ‘A Grande Beleza’

d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

MUSEU MUNICIPAL – ENTRADA PAGA14 JUL | A FELICIDADE, Jorge Silva Melo, Pt, 2008, 8’ - A PROPÓSITO DE LLEWYN DAVIS, Ethan e Joel Coen, EUA, 2013, 105’, M/1216 JUL | CAROSELLO, Jorge Quintela, Pt/It, 2013, 7’ - A GRANDE BELEZA, PaoloSorrentino, It, 2013, 142’, M/1618 JUL | TRÊS SEMANAS EM DEZEMBRO, Laura Gonçalves, Pt 2013, 6’ - NEBRASKA, Alexander Payne, EUA, 2013, 115’, M/12

JARDIM DA ALAMEDA - ENTRADA PAGA21 JUL | SANGUETINTA, Filipe Abranches, Pt, 2012, 12’ - GOLPADA AMERICANA, Da-vid O’ Russel, EUA, 2013, 138’, M/1623 JUL | A ÚNICA VEZ, Nuno Amorim, Pt, 2010, 5’HER – UMA HISTÓRIA DE AMOR, Spike Jonze, EUA, 126’, 2013, M/1225 JUL | PICKPOCKET, João Figueiras, Pt, 2010, 20’ - BLUE JASMINE, Woody Allen, EUA, 2013, 98’, M/12

MERCADO MUNICIPAL – ENTRADA LIVRE28 JUL | CÂNDIDO, Zepe, Ptl, 2007, 11’ - A LANCHEIRA, Ritesh Batra, Ind, Fr, De,104›, 30 JUL | BEST OF CURTAS DE VILA DO CONDE – 22ª EXTENSÃO DO FESTIVAL

A Cultura Portuguesa e o Modelo “Global”...

Jorge QueirozSociólogo. Membro da AGECAL

d.r.

Page 4: CULTURA.SUL 71 - 4 JUN 2014

04.07.2014 4 Cultura.Sul

Aqui há espectáculo

A ligação entre a fotografia e a poesia

Existe uma ligação muito ínti-ma entre a fotografia e a poesia, ambas são formas distintas de captar e expressar sentimentos. A dimensão do olhar na poesia revela-se imagem. A imagem fo-tográfica destaca-se pela sua ação de flagrar o instante. Quando le-mos um poema, tentamos ima-ginar pela descrição do mesmo, como seria aquele lugar, aquela pessoa, ou um pormenor qual-quer evidenciado no poema. En-tretanto, uma fotografia pode ser-vir de inspiração para escrever um poema, segundo Clarice Lispec-tor, “Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma ausência”. A poesia seduz-nos facilmente para viajarmos nas palavras e a fotografia faz-nos re-viver um turbilhão de sensações e sentimentos. A poesia tem como desafio transmitir através das pa-

lavras uma imagem, e a fotogra-fia tenta substituir mil palavras, por uma imagem. Atualmente, a fotografia e a poesia enfrentam grandes desafios: dar asas à ima-ginação, ter a capacidade de reter o olhar e despertar interesse no espectador, seja através de uma ação descrita num poema, ou da expressão que uma imagem pode transmitir. Por um lado, temos os amantes da fotogra-fia, que tentam captar o melhor momento, ajustando as funções mais usuais na sua máquina fo-tográfica para obter o melhor enquadramento, uma ilumina-ção perfeita, um bom contraste, entre outros pormenores. Numa outra situação, temos a preocu-pação de quem escreve, que im-plica num trabalho minucioso, principalmente na escolha das palavras, pois escrever um poe-ma não é simplesmente agrupar palavras ao acaso, bem como fotografar, não é sinónimo de premir o botão para disparar e já está. Sendo assim, inspirem-se nesta estação cheia de cores para fotografar e ousem fotografar com alma, e não simplesmente fazer disparos. O resultado pode ser surpreendente e motivador, com tons de poesia.

Teatro Municipal de Faro Programação: www.teatromunicipaldefaro.pt

5 JUL | 9º ANIVERSÁRIO TEATRO DAS FIGURAS - BATIDA, música e vídeo, 21.30 horas, 60 min.

TEMPO - Teatro Municipal de PortimãoProgramação: www.teatromunicipaldeportimao.pt

É nos trezentos anos sobre o nascimen-to de Christoph Willibald Gluck que a CNB encomenda a Olga Roriz um Orfeu e Eurídice, baseado naquela que foi uma das magistrais partituras do compositor alemão.Esta nova versão de Olga Roriz nasce a partir da mítica história do poeta/mú-sico a quem foi dado a oportunidade de recuperar a sua amada dos infernos com a condição de nunca olhar para ela durante a viagem de regresso do Hades, condição que não cumpriu e que lhe fez perder para sempre o seu amor.Interpretação de Orfeu e Eurídice a car-go do elenco da Companhia Nacional de Bailado.

Dest

aque 11 JUL | ORFEU E EURÍDICE, dança, 21.30 horas, 60 min.

fotos: d.r.

A Academia de Música de Lagos propõe a revisitação a uma das maiores bandei-ras culturais de Portugal no Mundo: o Fado. Em 2010, João Rocha (trompete) e Vasco Ramalho (percussão) resolveram criar um novo projecto musical transdisci-plinar. Da música portuguesa fez-se a ponte para a música do mundo (world music), e da vontade comum criou-se um novo fado. Endereçaram o convite a Tiago Sequeira (piano), e mais tarde a Pedro Frias (guitarra), Bruno Vítor (con-trabaixo) e José Alegre (guitarra portu-guesa), nascendo assim o Gato Malvado Ensemble. Do “Gato” vêm as 7 vidas e as 7 notas, do “Malvado”, uma clave de ir-reverência artística. O canto está a cargo de Inês Santos.

Dest

aque 11 JUL | MUSICA MUNDI: GATO MALVADO CONVIDA INÊS SANTOS, música, 21.30 horas,

60 min., preço 6 euros

Cesário Costa assume a direcção e conta com o solista António Rosado para um concerto que inclui uma primeira parte com António Pinho Vargas, Quadros (de arte moderna) - Estreia Absoluta Absolu-te Premiere e Beethoven, Concerto para Piano N.º 4 em Sol maior, Op. 58, Piano

Concerto No. 4 in G major, Op. 58, I. Al-legro moderato, II. Andante con moto, III. Rondo. Vivace e uma segunda parte onde se poderá escutar Schubert, Sinfo-nia Nº 5 em Si Bemol Maior, D. 485, I. Allegro, II. Andante con moto, III. Me-nuetto, IV. Allegro vivace.

Dest

aque 4 JUL | 9º ANIVERSÁRIO TEATRO DAS FIGURAS - ANTÓNIO ROSADO E OCS, música,

21.30 horas, 75 min.

Um maravilhoso e encantador espectáculo de Música e Dança Oriental com os mun-dialmente reconhecidos artistas Hossam e Serena Ramzy. Este espetáculo contará ain-da com a presença de bailarinas convidadas.Hossam é um artista de vasta experiência e é conhecido internacionalmente por pro-duzir e criar arranjos musicais para Shaki-ra, The Gipsy Kings, Robert Plant, Jimmy

Page, Andy Sheperd, Geoff Williams, entre muitos outros.Serena tornou-se das mais jovens bailari-nas profissionais do Brasil com apenas 15 anos. Desde então, juntamente com Hos-sam, tem ensinado e feito espetáculos por todo o Mundo, apresentando um variado repertório que capta os olhares e o coração de todo o público.

Dest

aque 19 JUL | BELLYDANCE RENAISSANCE – HOSSAM & SERENA RAMZY, dança, 21 horas,

150 min., preço: 12 euros

ESPAÇO ALFA

Ana González Membro da ALFAL

Page 5: CULTURA.SUL 71 - 4 JUN 2014

04.07.2014  5Cultura.Sul

A luta por dar um espaço à música

Armindo Silva, um dos responsáveis pela Associação Recreativa e Cultural de Músicos

ricardo claro

“RETROSPECTIVA”Até 31 de JUL | Paços do Concelho de AlbufeiraDesde cedo Lino Gonçalves revela apetência para as artes. Autodidacta, explorou áreas como o desenho, pintura, escultura, artes gráficas e cenografia, no en-tanto a sua preferência vai para a pintura a óleoAg

endar

Panorâmica

À beira de um quarto de século a Associação Recreativa e Cultu-ral de Músicos mantém a mes-ma vontade férrea de sempre. Aquela que os leva há já 24 anos a lutar diariamente para dar aos músicos farenses e da região um espaço para que possam criar, ensaiar, gravar, apresentar e dar a conhecer a sua arte.

São 24 anos a dar espaço à música, a fomentar uma das ar-tes mais marcantes do espectro artístico e a criar condições para que artistas de todas as idades, tendências musicais e experiên-cia possam dar asas à inspiração.

Berço de bandas tão diferentes entre si como os Confrontate, os Bunny & The Gang ou os Satarize, os Harum, os Fora da Bóia ou os Fundos Perdidos, fizeram e fazem da Associação Recreativa e Cultu-ral de Músicos a sua casa mãe.

Ali desenvolvem o seu traba-lho Sonia Litle B Cabrita, Tércio Nanook ou os Mofo, como o fa-zem e fizeram os Dirty, os Ban-da Noia ou mesmo Zé Eduardo, um dos nomes incontornáveis do Jazz nacional.

Armindo Silva, que o Cultura.Sul entrevistou, deu vida à Asso-

ciação Recreativa e Cultural de Músicos a par de Carlos Baião e Celso Pedro. Podia esperar-se que Armindo Silva fosse músico, tal a dedicação de tantos anos à arte dos fazedores de melodias, mas não. Apenas e só melóma-no e não é de somenos, porque o gosto pela música fê-lo em certa medida pai de uma larguíssima fatia da música que se produz por terras algarvias e muito em particular em Faro.

Uma casa para a música

A grande batalha da Associa-ção Recreativa e Cultural de Mú-sicos sempre foi, e é, a de arranjar uma sede definitiva onde possa desenvolver o seu trabalho. Um trabalho cujo merecimento está para lá de qualquer questão ou dúvida e cujos frutos estão espa-lhados por milhares de horas de música produzidos por largas de-zenas de bandas que em 24 anos fizeram da associação a sua pedra angular.

Mas o objectivo maior da As-sociação Recreativa e Cultural de Músicos tem sempre sido marca-do pelos percalços.

Do Alto Rodes onde nasceu num armazém, passando pelo Bom João, ambos na cidade de Faro, e por Bordeira, a Associação Recreativa e Cultural de Músicos só há 11 anos atrás conseguiria o seu primeiro espaço mais defini-tivo, ou pelo menos assim acredi-taram os dirigentes da associação.

Na moagem junto à estação de comboios de Faro encontraram pouso por 11 anos e ali fizeram, como sempre, de raiz instalações capazes de acolher os músicos e as suas actividades.

Foram 11 anos de trabalho ininterrupto, de criação, de con-certos, de muita música, mas também de muito teatro e dan-ça e de eventos das mais variadas correntes artísticas. Ali teve espa-ço a arte como a solidariedade, o convívio como a divulgação cul-tural e ali se acolheram largos mi-lhares de seguidores do trabalho de uma das mais activas forças do associativismo farense.

Uma nova sede

Após um processo judicial de despejo que fez correr mares de

tinta nos jornais e que foi am-plamente acompanhado pela imprensa, que reconheceu à As-sociação Recreativa e Cultural de Músicos o mérito de um traba-lho que não podia, uma vez mais ficar desalojado, eis que a asso-ciação se faz de novo à aventura de reconstruir um lar.

Desta feita, já com um terreno garantido durante o mandato de Macário Correia na autarquia - mas longe de poder ali construir uma sede nova dadas as contin-gências financeiras - à Associação Recreativa e Cultural de Músicos foi entregue parte das instala-ções da antiga Fábrica da Cerveja na cidade velha de Faro.

Recomeçar do zero novamen-te é a palavra de ordem e Armin-do Silva não se faz rogado. “Sem-pre conseguimos crescer com as dificuldades e em cada uma das sedes que tivemos de construir e esta não será diferente”, diz, acrescentando que “desta vez será provavelmente a última an-tes da sede definitiva para a qual estamos a gerar e a guardar todos os fundos que podemos”.

A velha e degradada Fábrica da Cerveja e os seus vãos imensos

passam aos poucos de decrépitos para uma nova face, pintada, ar-ranjada e reinventada à medida das necessidades dos muitos ar-tistas que ali verão crescer a sua arte e darão corpo à vontade da mãe de todas as excelências, a inspiração.

Já a funcionar a meio gás - a inauguração decorrerá dia 26 de Julho - a nova sede da Associação Recreativa e Cultural de Músicos terá dez salas de ensaio, duas sa-las de concertos - Caracol e Mor-cego - além de uma sala multi--usos, um estúdio de gravação, áreas de arrumos e um escritório.

As instalações acolhem ainda espaços, no mínimo sui generis, para mais duas bandas, respec-tivamente na antiga câmara fri-gorifica que recebe o som Metal no interior de grossas paredes capazes de fazer travar o mais ruidoso arranque sonoro deste género musical e num antigo paiol de munições da época em que o espaço acolheu instalações do exército, que foi o espaço es-colhido por uma banda que tam-bém ali dá os primeiros passos.

É do trabalho, do génio e do esforço de todos os utilizadores

das instalações da Associação Recreativa e Cultural de Músicos que nasce o novo espaço da asso-ciação, recuperado, usando mui-to material reciclado, imensa de-dicação de todos e mesmo fardos de palha, capazes de insonorizar a baixo custo os desmandos do génio criativo dos artistas.

Também na construção os ar-tistas se dão e só da arte poderia sair a vontade férrea de continuar a fazer renascer, verdadeiramente a recriar, a Associação Recreati-va e Cultural de Músicos. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena e são os sócios que corporizam a imensa força da associação.

Qual fénix renascida das cin-zas, a Associação Recreativa e Cul-tural de Músicos está de volta já no final deste mês ao seu público, aos seus músicos e à sua arte.

Uma vez mais provando que do pouco se faz muito e se agi-ganta a alma de quem ama incondicionalmente a música, dando a Faro e a todos nós, ra-zões de sobra para um orgulho sereno naquilo que por cá se vai fazendo.

Ricardo Claro

“GATO MALVADO CONVIDA INÊS SANTOS”19 JUL | 21.30 | Centro Cultural de LagosA Academia de Música de Lagos propõe a revisitação a uma das maiores bandeiras culturais de Portugal no Mundo: o Fado

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04.07.2014 6 Cultura.Sul

“SINGULARIDADES DO BRANCO”Até 2 AGO | Galeria de Arte do Convento Espírito Santo - LouléExposição de pintura de João Moniz, que já mostrou as suas obras em alguns dos mais importantes espa-ços do país, bem como em vários pontos do globo como França, Macau, Hong Kong ou Luxemburgo

“É REVISTA, COM CERTEZA!”12 JUL | 21.30 | Centro Cultural de LagosEspectáculo com um olhar franco e humorístico sobre a revista pela mão de um elenco jovem de ambição e excelência, que conta com a presença de Marisa Carva-lho, Flávio Gil, Raquel Caneca e Renato Pino liderados pela consagrada Vera Mónica e Hugo RendasAg

endar

Carlos Ruiz Zafón - Mistério e horror compulsivo

A Sombra do Vento, publicado em 2001, foi o primeiro romance de Carlos Ruiz Zafón a ser traduzido entre nós, tendo-se tornado num êxito de vendas. O autor nasceu em Barcelona, em 1964, e tornou-se num dos autores mais lidos em todo o mundo, traduzido em mais de quarenta línguas.

A história começa de forma envol-vente, situada na cidade de Barcelona, no ano de 1945, num ambiente de cin-za, como o próprio título evoca, ou não estivesse o país a reemergir dos horro-res da guerra civil. Acompanhamos o percurso de um rapazinho, Daniel Sempere, ainda a sofrer com a perda da mãe, e que quando faz o seu décimo aniversário recebe um presente que de-terminará toda a sua vida. Filho de um livreiro, Daniel é levado pelo pai a um sítio especial que poucos conhecem, o Cemitério dos Livros Esquecidos. Neste espaço dissimulado entre tantos outros edifícios e guardado por um porteiro sem idade, Daniel percorre uma bi-blioteca labiríntica onde estão todos os livros outrora publicados e que se encontram agora esquecidos. Nesse ambiente de pós-guerra, e consideran-do as pilhas de livros queimados pelo regime nazi na Segunda Guerra, não deixa de ser pertinente que a missão de Daniel seja escolher um livro, livro esse que tal como seu autor, foi tragado pelo esquecimento, tendo-se tornado perfeitamente desconhecido com o tempo. O papel de Daniel é zelar por esse mesmo livro que escolheu e que doravante lhe é confiado, sendo que é ao ler esse mesmo livro que Daniel lhe pode insuflar nova vida, como todos nós leitores. Sem querer fugir ao assun-to em mãos, podiam tecer-se inúmeras considerações em torno desta trama, como, por exemplo, deixar-nos a ima-ginar qual o tamanho real de uma bi-blioteca que pudesse albergar todos os livros escritos ao longo da história da humanidade. Ou até mesmo a exten-são de um corredor onde pudessem estar perfilados nas estantes todos os livros que fomos lendo ao longo de

uma vida. E quantos deles ficaram ir-revogavelmente esquecidos, ou pelo menos com certos pormenores desbo-tados, como um retrato a sépia, pois a nossa memória tem limites, da mesma forma que cada vez mais haverá livros a serem irremediavelmente relegados para o esquecimento, enquanto nos de-batemos com dezenas (ou mesmo mais) de novidades literárias que todos os me-ses chegam aos escaparates das livrarias. Daniel Sempere, dizíamos, escolhe um pequeno livro justamente intitulado A Sombra do Vento, de um autor espanhol chamado Julián Carax. Essa escolha traçará toda a sua vida a partir desse momento, não só pela história que irá

descobrir nas páginas do livro, e que o fará remontar a aconteci-mentos ocorridos duas décadas antes, como pela obsessiva busca e procura de sentido quanto ao que terá acontecido a esse “obscuro” Julián Carax. Daniel será absorvido pelo mistério desse autor que foi supostamente morto em Bar-celona, logo no início da guerra civil, e cujas obras desapareceram por comple-to da face da terra, a não ser pelo livro que ele resgatou do Cemitério, talvez o único que se salvou de ter sido quei-mado como todos os outros por uma estranha personagem, que se faz pas-sar por Carax, e terá adquirido todos os exemplares do romance que pôde para

os queimar. O jovem Daniel deixa de vi-ver a sua própria vida, enquanto tenta reconstruir o quebra-cabeças da vida do autor, juntando episódios que lhe são relatados por diversas pessoas que terão feito parte da vida de Julián Carax. Mas é ao reconstruir a vida de Carax, que Sempere consegue também criar a sua própria identidade, e, naturalmente, apaixonar-se.

Uma personagem inesquecível, pelo seu carácter cómico, é Fermín, um fun-cionário da livraria do pai de Daniel, que esconde um passado enquanto agente republicano, depois perseguido e torturado, e reduzido à mendicidade. Fermín tem qualquer coisa de Sancho Pança, na forma como ajuda Daniel e como disserta acerca da vida, do amor e das mulheres, sendo tão especial ao ponto de regressar como o protagonis-ta de O Prisioneiro do Céu. Infelizmente, em A Sombra do Vento, bem como em quase todas as obras de Zafón, um iní-cio arrebatador, original e envolvente parece depois resvalar numa série de lugares comuns - O Prisioneiro do Céu, com a sua história de vingança, afigura--se bastante a uma recriação de O Con-de de Monte Cristo. Com O Jogo do Anjo, segundo livro do autor a ser publicado, em 2008, regressamos ao universo de «O Cemitério dos Livros Esquecidos», constituindo-se assim um tríptico, em-bora o ambiente seja bastante mais negro, como compete aliás, para se re-contar de forma eficaz a história de um autor, David Martín, que parece vender a alma ao Diabo (clara alusão ao mito

de Fausto) quando aceita uma lucrati-va comissão de um misterioso editor parisiense, que representa as Éditions de la Lumière. Logo no parágrafo de abertura deste romance, David Martín constata como todo o escritor incorre numa espiral descendente a partir do momento em que recebe algum pa-gamento pelo seu trabalho ou algum elogio ou aclamação da crítica: desse momento em diante, o autor está con-denado e a sua alma tem um preço...

Como tende a ser hábito, partiu-se dos últimos livros para a tradução dos anteriores livros do autor. O autor ini-ciou a sua carreira literária em 1993 com O Príncipe da Neblina, O Palácio da Meia-Noite, As Luzes de Setembro e Ma-rina. A tradução destes romances tem seguido o ritmo de um livro por ano, sendo que, em Espanha, os primeiros três livros foram publicados num vo-lume conjunto, pois têm em comum

o facto de serem thrillers “antiquados” (remontam à primeira metade do séc. XX) e imbuídos de uma aura de sobre-natural e horror. Marina foi o primeiro romance a ser traduzido e embora não seja considerado como parte integrante dessa trilogia (cujas histórias são, aliás, completamente independentes) é um romance que facilmente se enquadra-ria na mesma. São livros que se pode-riam dizer de formação do autor, além de serem romances juvenis, até porque na sua escrita, nomeadamente nos li-vros da chamada Trilogia, o ambiente é mais cinematográfico do que literário, como o próprio autor salvaguarda na sua nota introdutória. As Luzes de Se-tembro acabou de ser publicado e é de leitura compulsiva, narrando um epi-sódio que afetará a vida de uma família empobrecida e convidada a viver numa gigantesca mansão de um fabricante de brinquedos e autómatos (motivos que ressurgem em Marina). Uma leitu-ra ideal para as férias de verão, mesmo quando se arrasta um pouco. É inegá-vel que os livros de Zafón se leem de um fôlego mas a sensação de promes-sa com que muitas vezes começamos acaba por se desvanecer. Nuno Júdice ressalva, no seu livro ABC da Crítica, a discussão que se tem gerado em tor-no de autores como Zafón cuja obra será «extraordinária» e deveria entrar no «cânone da literatura actual». Por fim, cita Germán Gullón que afirma estar perfeitamente de acordo com essa opinião generalizada e remata: «Acontece ser uma excelente obra que merece entrar no cânone da literatura de entretenimento.».

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

Letras e Leituras

fotos: d.r.

O escritor Carlos Ruiz Zafón

O primeiro romance do autor a ser traduzido em português

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Momento

Mundialzinho

Foto de Vítor Correia

pubpub

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04.07.2014 8 Cultura.Sul

Em busca do silêncio perdido

O que é o Património? A vez e a voz dos alunosEspaço ao Património

Sala de leitura

Paulo PiresProgramador culturalno Município de [email protected]

In memoriam: Bernardo Sassetti

Há homens que buscam (a musicalidade d’)o silêncio e fa-zem tudo por uma boa imagem. A linguagem musical transmite o que, apesar de não traduzível em palavras, não pode permane-cer em silêncio (escreveu Victor

Hugo), mas Bernardo Sassetti [Bernardo Sassetti] (1970-2012) convocaria decerto para esta re-flexão o pensamento de Aldous Huxley: depois do silêncio, o que mais se aproxima de transmitir o inexprimível é a música.

Bernardo Sassetti sabia bem que o silêncio e o segredo po-dem ser plenos de verdade, vir-tude, sabedoria, liberdade, pen-samento e espírito, e que nessa confissão não confessada, tantas vezes solitária, sem fronteiras ou limites (que faz do longe perto), desfila uma cativante, surpreen-dente e (não poucas vezes) in-sondável gramática do mundo.

O poder onírico e lirismo das imagens (o sonho dentro do sonho, segundo Allan Poe) e a função heróica, reveladora ou enlouquecedora das cores (to-das) – na linha de Michael Mann, um dos cineastas predilectos do pianista –, aliados a essa mudez/recolhimento de oiro, são moti-vos centrais na obra de Bernardo Sassetti.

Cruzando pintura/imagem e música, Kandinsky equiparava a cor à tecla, o olho ao martelo e a alma a um piano de inúmeras cordas. Curiosamente, Bernar-do Sassetti costumava dizer: “A forma como tiro uma fotogra-

fia tem muito a ver com a forma como me atiro ao piano. É difí-cil explicar... A fazer fotografia oiço música, a fazer música vejo sempre imagens”. Fascinava-o a tentativa constante e desafiado-ra de compreensão do poder de sedução das imagens, sobretudo daquilo que os outros considera-vam secundário, menos objecti-vo nelas: uma certa estranheza, mistério...

A memória traz-me de volta algumas performances ao vivo de Bernardo Sassetti: para além da singular sensibilidade e res-peito pela música e pelo piano (uma espécie de prolongamento

espiritual do seu corpo), sobres-saía nele a simplicidade, humil-dade, sinceridade (aquela rara “verdade natural”), discrição e uma genuína gentileza, feitas de uma certa timidez infantil e de um ar ternamente desajeitado/inadaptado quando confronta-do com a necessidade de falar em público.

Movia-o uma constante pro-cura interior, uma busca dos sons e de uma representação que tivessem a ver com a sua vida, através de uma espécie de meditação silenciosamen-te musical em que procurava contar uma história através do

piano. Considerava o improviso algo tão espontâneo e verdadei-ro que, segundo ele, talvez fosse um dos grandes exemplos de humanidade na música.

Gostava de morar numa terra de ninguém, sem ser rotulado com um “J” de jazz estampado na testa, e havia pessoas que o abordavam na rua e diziam: “O seu disco é interessante, mas no próximo talvez pudesse pôr um pouco mais de melodia”.

Admirava Carlos Barretto (contrabaixo) e Alexandre Fra-zão (bateria) pela inspiração e telepatia que os unia, pela cum-plicidade, pela “comunicação

Não são visitantes de pri-meira viagem. Nos primeiros

quatro anos de estudantes já palmilharam alguns espaços culturais e museus, nomeada-mente os Monumentos Mega-líticos de Alcalar e o Museu de Portimão. Falamos do 4º J da Escola EB1 Major David Neto de Portimão. Felizmen-te, as visitas a estes “lugares de memória” continuam a ser “obrigatórias” para quem es-tuda no Algarve. Já passaram quase quarenta anos e ainda

me recordo do alvoroço e da manifestação de alegria no momento em que entrei, pela primeira vez, num museu: o de Lagos.

Hoje, com a certeza de que não lhes causarei a magia e o espanto que me foram provo-cados naquele museu, pelos bizarros animais de oito patas, três olhos, duas cabeças, e pe-los milhares de coisas expostas

e explicadas, entro na sala de aula e a “viagem” começa, es-perando não maçá-los, com a partilha das minhas vivências, questões e explicações. Trata--se, portanto, de uma conversa amigável sobre o que é o pa-trimónio cultural, o que são as nossas memórias, e como se forma a nossa identidade.

Apresento-me, dizendo que sou arqueóloga e que trago

uma sacola carregada de me-mórias minhas, do meu tem-po, e de outras pessoas, de ou-tros tempos.

Contado assim, tudo pode parecer ter-se dado por acaso, mas não. De facto, a minha presença e a da sacola foram planeadas, e rapidamente provocam na turma o desas-sossego e o desejo de verem e aprenderem as “coisas do anti-

gamente”. Não é dia de repre-ensões, nem de proibições. «Toca a mexer! Podem obser-var, sentir e experimentar».

Da sacola, saem réplicas de lucernas e candeias, candeeiros a petróleo, ardósias, máquinas, rolos e películas fotográficas, cassetes, disquetes, piões, mo-edas (escudos), entre outros objetos que despertam o ima-ginário destas crianças. Com

4º J da Escola EB1 Major David Neto de Portimão

Isabel Soares Coordenadora da secção “Espaço Património”

A secção Património do Cultura.Sul já leva quase quatro anos, desde que em Janeiro de 2013 se inaugurou este espaço dedicado ao legado patrimonial regional.Pela mão incansável de Isabel Soares, coorde-nadora da secção, passaram pelas páginas da secção dezenas de ilustres convidados que em-prestaram ao Cultura.Sul o seu saber e arte.Desde a primeira série ‘Museus - a vez e a voz do visitante’, passando pelos textos dedicados à temática escolhida para a segunda série ‘O Pa-trimónio Cultural Imaterial no Algarve’ até ao publicado na terceira e última série ‘Espaço ao Património’, onde tiveram lugar as temáticas ligadas ao património edificado, sítios arqueo-lógicos e à arqueologia no Algarve, a todos os autores temos de agradecer, o Cultura.Sul e os leitores.Enceta-se agora uma nova etapa e a secção vai acolher textos dedicados ao tema ‘O que é o Património? A vez e a voz dos alunos’, mais próxima da realidade educativa e da necessi-dade de também nesse campo o património regional marcar presença.Nova pujança para a secção liderada por Isa-bel Soares, prestando aquilo que é para o Cul-tura.Sul e para os que nele escrevem verdadei-ro serviço público.

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Em busca do silêncio perdido

Espaço ao Património

absoluta no momento”, como gostava de dizer. E fazia-lhe muita confusão aqueles músi-cos que passavam dias a fio em estúdio a gravar tudo em separa-do. Para Bernardo Sassetti o jazz era um “gajo estranho” e, como tal, “tem que ser mais vivo, tem que ser naquele momento e de preferência vivendo da frescura de um primeiro take. Aconteça o que acontecer. Se for muito mau repete-se, mas o gozo é a procura no estúdio. É outra filosofia, nem precisamos de falar”.

Além de fonte de prazer, a arte musical também era para si um sofrimento, um conflito

entre aquilo que gostava de fa-zer e aquilo que não conseguia fazer no momento. Assumia que a música era antes de mais para quem a fazia e que começava sempre por ser um gesto algo egoísta (“não há outra forma de ser verdadeiro”), daí fazer discos e tomar opções artísticas sem demasiada preocupação com a opinião dos outros.

Bernardo Sassetti não gostava que ouvissem os seus discos no rádio do carro, porque perdia-se a noção do detalhe, a intenciona-lidade do intérprete, e criticava a forma como a música é mistura-da por produtores/editores, no

pico do volume, perdendo di-nâmica, pormenor, qualidade:

“Está tudo altíssimo e estamos todos a ficar surdos. Acredito

que 90% do mundo ouve música de forma errada e não é por cul-pa sua. É apenas porque não co-nhecem outro som, outra forma de ouvir”. E usava como exemplo o seu trabalho Um Amor de Per-dição (2009), ao qual se dedicou mais de um mês para chegar a uma sonoridade que muitos acharam depois baixa: “Mas é assim que deve ser ouvido para se ouvir o que se quis lá pôr para ser ouvido”.

Em 2011 Bernardo Sassetti e a actriz Beatriz Batarda (sua esposa), revisitaram, em palco, a obra A Menina do Mar, de So-phia de Mello Breyner Andre-

sen. Nessa história há um me-nino que sonha em conhecer o fundo do mar e que, depois de muitas aventuras, consegue realizar esse desejo com uma menina que era dançarina das ondas.

Deixem-me acreditar que o golfinho (do conto de Sophia) amparou o “mergulho” de Ber-nardo Sassetti no Guincho e o levou até uma recôndita “praia extasiada e nua”, onde ele pôde (re)encontrar o “grande vento límpido do mar” (versos de So-phia) e um piano solitário que uma menina do mar enfeitou com corais e búzios.

4º J da Escola EB1 Major David Neto de Portimão

fotos: d.r.

d.r.

Bernardo Sassetti

um olhar curioso, surgem as primeiras perguntas e histó-rias. Todos dizem tratarem-se de coisas muito antigas, dos pré-históricos, dos romanos e dos árabes, e outras do tempos dos avós ou dos bisavôs.

Ao conhecerem e mexerem em cada objeto, percebem que, em cada época, as pes-soas foram usando diferentes técnicas e instrumentos. Conto as diversas formas de alumiar

o escuro da noite, que prin-cipiaram com uma simples fogueira, lucerna ou candeia, passando pelo candeeiro a petróleo, e termino com um simples toque no interruptor da sala, que fez acender a lâm-pada. Desta forma, percebem que as coisas se transformam e são espelho de saberes e téc-nicas de cada geração.

Depois da sacola vazia, voltamos a “enchê-la”, desta

vez, com as suas opiniões. E o que é, para os alunos,

o património?

«Património é tudo o que os antigos deixaram, como os cas-telos e as igrejas, ou as ruínas muito antigas».

Quanto aos objetos, aos sa-beres e às tradições dos seus avós e bisavós, referem que «Esses saberes, objetos e histó-rias são coisas menos antigas». Contam ainda que «Existem muitos museus, em quase todos os sítios, que guardam coisas muito diferentes e importantes do passado, que nos ensinam como as pessoas viviam antiga-mente”.

No entanto, no desenrolar da conversa, as opiniões fo-ram-se completando. Agora, entendem que o que integra o património não são só caste-los e fortalezas, mas também saberes, tradições e memórias.

E assim, património aca-bou por ser descrito como «O conjunto de todos os monumen-tos, profissões antigas, objetos, lendas, histórias, saberes, mú-sica, fotografias, língua, trajes,

tradições, e também lugares de memória»; «Existe património que podemos sentir, cheirar e mexer, e outro que não é palpá-vel, como os cantares, as lendas e os saberes antigos sobre as profissões e atividades que já não existem»; «Cada história e saber dos nossos bisavôs são também património, bem como as memórias e testemunhos que chegam aos nossos dias»; «Nós temos coisas que nos identificam e são diferentes das dos outros

povos: as nossas tradições, os nossos costumes, a nossa mú-sica, como por exemplo o fado, que é património do mundo».

Por fim, e segundo estes alunos, património é «tudo aquilo que somos e fomos».

Não é por acaso que pintam igrejas antigas, ferramentas dos pré-históricos, objetos e brinquedos dos seus avós, as-sim como retratam museus de temas diferentes.

Na despedida, os alunos

agradecem e partilham as suas experiências e, tal como lhes ensinei e mostrei, tam-bém me ensinam a utilizar os mais recentes brinquedos: beyblades, playstations, vídeo – games, computadores, tablets.

O tempo das crianças de joelhos no chão a jogarem ao berlinde está a acabar e, sem dúvida, as opções tecnológi-cas levam-nos a ficar dentro de casa, já quase não brin-cando na rua. Os brinque-

dos passaram a ser outros e eu, forçosamente, penso que o tempo para mim também passou... Eles, por sua vez, entendem que, daqui a al-guns anos, as suas histórias e experiências, ou mesmo os seus jogos e brinquedos “tec-nológicos”, serão tão antigos como as minhas cassetes ou disquetes, que farão igual-mente parte da sacola das memórias.

Desenhos feitos pelos alunos para retratar o património

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04.07.2014 10 Cultura.Sul

“CONCERTO COM ANTÓNIO ROSADO”4 JUL | 21.30 | Teatro das Figuras - FaroA Orquestra Clássica do Sul e o consagrado pianista António Rosado vão interpretar um programa com-posto por obras de Beethoven, de Schubert e pela es-treia absoluta de uma peça de António Pinho Vargas, sob direcção do maestro Cesário CostaAg

endar

“QUEM MAIS GAMOU… MELHOR FICOU”5 e 6 de JUL | 21.30 e 15.30 | Centro Culturalde Vila do BispoA actualidade política e social do país e do mundo, bem como o quotidiano de Vila do Bispo, dão o mote a esta revista à portuguesa apresentada pelo Grupo de Teatro do Boa Esperança Atlético Clube Portimonense

Julho

Pedro [email protected]

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

Postais da Costa Sul

~ a praia. é o pedaço de mundo por excelên-cia que foi inventado para as crianças. e que nós tomamos de assalto em cada verão, para ver se ainda conseguimos trazer à memória esse tem-po de quando éramos reis.

o mar, quente ou frio, é ainda e sempre do seu domínio. para isso elas constroem castelos e fortalezas à beira-mar, num árduo trabalho de carregar baldes de água e areia. a tarefa é sempre recompensada a bolas de berlim ou ge-lados ~

Josef Koudelk

A época da safra tem início em Março, quan-do são preparadas as salinas, decorrendo depois a extracção do sal durante os meses de Verão. Nenhum marnoto percebe que é jardineiro das salinas, até ao coalho passar a flor de sal. O mar-

noto não se sabe o ourives, que colhe cuidado-samente apetrechado dos devidos utensílios, a película finíssima dos preciosos cristais (de sal) à superfície da água antes de passarem a ser o vulgar sal marinho tradicional que é colhido à mão com ajuda de instrumentos de madeira. Os salineiros trabalham numa relação com as marés, o sol e o vento, para os chefes de cozinha puderem usar os pequenos cristais quebradi-ços que contendo oligoelementos e micronu-trientes mantêm o sabor e a humidade do mar. Josef Koudelka (Morávia,1938), o fotógrafo da agência Magnum que fotografou a ‘Primavera de Praga’ também não sabia nada disto até ter visitado o sotavento e ter levado na sua câmara as salinas à beira da ria formosa.

14ª Mostra de CinemaEuropeu

Chega-se a um enorme largo de igreja (do carmo - Tavira). À direita um pequeno portão de ferro abre-se a um chão de terra, e logo depois à esquerda a alta porta de madeira que dá acesso aos claustros (convento do car-mo) de um paraíso de cinema. Pode-se tomar café e começar a sonhar apenas de admirar os grandes cartazes de fitas mágicas…

O projeccionista (andré viane), essa espécie em vias de extinção, entra na cabine. A pelí-cula vai rolar. Começa a sessão. O tempo vai parar por alguns minutos. Ver um filme num grande ecrã ao ar livre, alarga os horizontes da visão e liberta o céu da imaginação (de 11 a 21 de Julho-21h30).

Sophia Mello BreynerAndresen

É à sua vivência na cidade de Lagos que irá buscar a luminosidade necessária, para aí com o silêncio e o tempo que se consegue junto à costa algarvia, concretizar versos que segui-riam directamente para a eternidade da poe-sia: «Lagos onde reenventei o mundo num verão ido /Lagos onde encontrei /Uma nova forma do visível sem memória /Clara como a cal concreta como a cal /Lagos onde aprendi a viver rente /Ao instante mais nítido e recente», e «Na luz de Lagos matinal e aberta /Na praça quadra-da tão concisa e grega /Na brancura da cal tão veemente e directa /O meu país se invoca e se projecta». (3)

Os verões de Lagos tornam-se parte inte-grante e fundamental da arte poética de So-phia, encontrando nos elementos desse mun-do que a rodeia – a beleza, o equilíbrio e a harmonia espiritual.

Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu há 10 anos, em Julho de 2004, em Lisboa, também ao pé do mar, mas não para sempre, pois tes-tamentaria: «Quando eu morrer voltarei para buscar /Os instantes que não vivi junto do mar». 

Al Gharb

Há um homem que anda a fotografar… a vida a sul. A sua/nossa vida na vida dele. E a paisagem, a ruína, a tradição, a modernidade, a natureza viva ou morta, a arquitectura, e todo o mais que se possa descobrir entre o céu e o mar daqui. Uma obra sem igual, um arquivo ímpar, uma colecção de temas algarvios. Há um homem – Filipe da Palma - que anda a libertar a imagem de um Algarve . Se vão visitar o Al-garve têm de passar pela sua página facebook: AL Gharb (Al Gharb). E talvez passem por ele, num dos seus périplos.

Estofo de Maré

sei que temos duas vidas. esta de agora em que olhamos para as coisas. e outra que já ficou para trás, essa só guardada na memória de quem a viu quando nós ainda não conseguíamos guardar a nossa própria memória. só os pais sa-bem tudo sobre nós. o que fomos e fizemos do tempo no tempo em que a nossa memória não estava activa. eles guardaram esse bocado reme-tido à nossa infância, que perdemos quando eles perdem também o seu registo de memória. assim nos tornamos adultos. esse estado de ca-lamidade iminente.

fotos: d.r.

António José Ventura(A cidade das palavras, 1994)

Havia o marou talvez apenas uma árvorelodo, areia, ilhas na paisagemuma costa de ânforase navegação rara.Povoámos o litoralcom movimentos de lábios.Da cidade como paraísoguardo a memória de um jardimuma palmeira num quintalcasas brancas de linhas definidaschaminés de fábricaso mar ao fundo como num quadroo correio do sule um álbum com fotografias.

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Contos Municipais - António Manuel VendaDa minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

“BAILADO ORFEU E EURÍDICE”11 JUL | 21.30 | Teatro das Figuras - FaroÉ nos trezentos anos sobre o nascimento de Chris-toph Willibald Gluck que a Companhia Nacional de Bailado encomenda a Olga Roriz um Orfeu e Eurídice, baseado naquela que foi uma das magis-trais partituras do compositor alemãoAg

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“ARTE MOLE”Até 29 de JUL | Galeria de Arte Pintor Samora Bar-ros - AlbufeiraO pintor José Maria Subtil intercala a figura humana com a paisagem, e é por esta que se tem notabiliza-do, sobretudo quando aborda os ambientes rurais e urbanos tradicionais do Alentejo e das Beiras

Aguardo sempre com alguma expectativa quan-do António Manuel Venda publica uma nova obra, desde que li o seu primei-ro livro, em 1996, Quando o Presidente da República visitou Monchique por mera curiosidade. Ao longo dos anos, fui acompanhando o seu percurso literário, até que, em maio deste ano, saiu o último, intitulado Contos Municipais, editado pela Just Media.

Desengane-se quem acha-va que uma câmara munici-pal não dava um divertido passatempo. Principalmente com um presidente depen-dente de whiskey e sempre a praguejar; com um vereador a querer estabelecer uma li-gação umbilical com uma cidade imaginária do Brasil (em vez de uma simples ge-minação), para poder estar perto da namorada; com um partido da oposição que ele-ge o Diabo como vereador; ou com uma secretária que passa a ferro a correspon-dência que o presidente amachuca…

Neste novo livro, António Manuel Venda situa os acon-tecimentos numa edilidade na serra, nunca nomeada. Sabendo nós que o autor é de Monchique, podemos deduzir que pode ter sido a sua fonte de inspiração, mas deste modo torna-se mais ambíguo, mais uni-versal, e pode-se aplicar a muitas outras terras por esse país fora. O mesmo se passa com os nomes: exceto a bruxa (Maria Cadela) e os diabos (Diabo e Diaba), nin-guém ali tem nome próprio, mas são todos conhecidos

pela profissão que exercem: o especialista, o funcionário, o vereador, o guarda, etc.

O título diz-nos que se trata de um livro de contos, mas, na verdade, os dez ca-sos ali narrados mais pare-cem capítulos de uma nove-la, pois entreligam-se entre si, não só pelas personagens que se repetem de história para história (o presiden-te da câmara, protagonista ou personagem secundá-ria, aparece quase sempre), como pelas referências que são feitas e que remetem de uns para outros. Por exem-plo, no último conto, «Com a cruz às costas», quando o presidente matuta no apro-veitamento político que se pode fazer de um aparente milagre, discorre, ao mes-mo tempo: «O milagre tinha

mesmo pegado. Não tinha sido como o dos diospiros, que estava rapidamente a cair no esquecimento», re-metendo o leitor para a his-tória das «Duas nuvens fu-riosas em pleno Verão».

Bruxas e bruxedos, diabos

e diabruras

António Manuel Venda gosta de (e consegue) cons-truir ambientes normais, com gente comum, nos quais circulam seres estra-nhos, que todos encaram com naturalidade, sem se surpreenderem, como se não vissem o impossível da situação, o que leva a que frequentemente o conside-rem um cultor do realismo mágico.

E não deixa igualmente de ser assim neste livro: há um inspetor-geral de uma «instituição de fiscalização da capital» que, tendo ido para aquela terra inspecio-nar as atividades da câmara, adoece e começa a inchar de tal maneira que, querendo transferi-lo para o hospital distrital, «não conseguem retirá-lo do quarto, nem pela porta nem pela janela. (…) Passados dois dias, aca-baram por tomar a decisão de partir a parede, inclusive com a anuência do gerente do hotel» (p. 68).

Na lista de personagens fantásticas, está um pre-sidente de uma junta de freguesia que é um ouriço--caixeiro. Literalmente. Um bicho cheio de espinhos, dentro de uma gaiola, ta-pada com serapilheira. Há um vereador que se chama (e parece mesmo que é)

Diabo: «um indivíduo bai-xo e gordo, de fato preto, camisa preta e gravata ver-melha» (p.30), que amolece o plástico da cadeira onde se senta. Há uma bruxa que faz bruxedos por encomen-da e, quando não lhe pagam os serviços, fá-los por conta própria… enfim, uma panó-plia de figuras e de situações que nos são mostradas como normalíssimas, apresentadas com a habilidade e a graça que reconhecemos em Antó-nio Manuela Venda.

Os males autárquicos

Mas não só de realismo mágico é feito o livro. Há re-alismo muito pouco mágico, disfarçado com uma capa de humor.

Para quem nunca esteve ligada a uma estrutura par-tidária nem fez parte de ór-gãos autárquicos, como é o

meu caso, vai encontrar al-gumas referências aos males que comummente se ouve dizer que as câmaras so-frem (e que, acredito, não se aplica a todas. Aliás, espero mesmo que não se aplique à sua maioria): que praticam um despesismo sem sentido (o presidente manda com-prar dois elevadores, mas só manda montar um deles, deixando o outro fechado, bem acondicionado, pronto a ser instalado e utilizado); que há corrupção, roubos e negócios pouco lícitos; que há envolvimento entre secretárias e chefes; que há excesso de bebida; que há desinteresse pelos muníci-pes, exceto durante as cam-panhas eleitorais...

Mas que não se pense que estamos apenas perante um rol de queixas. Antes pelo contrário. É muito mais do que isso. Por exemplo, ao invés de nos contar com pormenores e explicitamen-te que existe um relaciona-mento entre o presidente da câmara e aquela que nos é apresentada, logo no início, como «secretária/ assessora/ conselheira/ confidente» (p. 20), é com ironia, e de uma forma indireta, que o vamos desvendando, como se pode inferir destes dois exemplos: «A secretária não se limitou a pensar [que o Diabo estava ali], soltou imediatamente um grito, mas mais uma vez ele chegou-lhe a tempo com uma das mãos à boca. Via-se que tinha experiência nisso, em meter-lhe as mãos na boca sempre que ela ia para gritar, coisa que tinha alturas em que dava um certo jeito, como ele bem sabia» (p. 34). Ou então: «Falaram de outras coisas. Pela noite fora. Quan-do falaram. Nem sempre falaram. Estavam longe do concelho, numa viagem que incluía um hotel da capital» (p. 86).

Este é daqueles livros pe-queninos (87 páginas), que tem, certamente, muito para contar, para quem quiser (e souber) lê-lo.

António Manuel Venda é natural de Monchique

d.r.

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04.07.2014 12 Cultura.Sul

O Prémio Maria Veleda, cuja apresentação e divulga-ção teve lugar no dia 20 de junho, em sessão pública, é um contributo, que reputa-mos muito relevante, da Di-reção Regional de Cultura do Algarve para a medida «Mu-lheres Criadoras de Cultu-ra», preconizada no V Plano Nacional para a Igualdade de Género, Cidadania e Não Discriminação, a decorrer no período 2014-2017.

Consubstanciada no espí-rito, ideário e ação de Maria Veleda, esta iniciativa pro-põe premiar, para destacar, reconhecer, valorizar e in-centivar, a atividade cultural de indivíduos e/ou entidades e instituições algarvias, pro-tagonistas de intervenções particularmente relevantes e inovadoras na região, que se destaquem no âmbito da cidadania e igualdade de género, ou do combate à exclusão social, no combate à desertificação do interior da região, na educação pela arte, na valorização do patri-mónio imaterial - preserva-ção das tradições, memórias e identidade -, na revitaliza-ção dos núcleos e edifícios históricos, no desenvolvi-mento de projetos multidis-ciplinares, multiculturais e, ainda, projetos em rede.

Maria Veleda, pseudóni-mo da farense Maria Caroli-na Frederico Crispim (1861-1955), destacou-se como uma das mais influentes mu-lheres do nosso País, na luta pela justiça e igualdade de oportunidades entre mulhe-res e homens, entre os quais o direito ao voto. Foi escri-tora, jornalista interventiva, professora, educadora, repu-blicana ativa, conferencista, livre pensadora e lutadora pelos direitos das mulheres.

Esta relevante personali-dade algarvia foi a primeira mulher a pertencer e a fun-dar variados centros escola-res e associações, iniciando aulas noturnas para mulhe-res adultas, para crianças de rua e em risco. Lutou contra a prostituição, sobretudo a infantil, e contra os abusos sexuais de crianças. Defen-deu e praticou uma educação integral, laica, aliando teoria, prática, liberdade, criativida-de, espírito crítico e valores

de cidadania, para a inclu-são e igualdade, recorrendo a estratégias pedagógicas que cruzavam os domínios cientí-ficos e artísticos.

Maria Veleda destaca-se como uma pioneira na luta pelos direitos jurídicos, civis

e políticos entre os sexos. A instituição deste prémio é também uma forma de lhe render justa homenagem.

O júri deste prémio, a atri-buir através de concurso regional, é constituído por destacadas individualidades: António Branco — Reitor da UAlg; Idálio Revez — Jorna-lista; José Carlos Barros — Arqt.º Paisagista; Lídia Jorge — Escritora; Mirian Nogueira Tavares — Prof.ª Doutora; Na-tividade Monteiro — Profes-sora e Investigadora; Paulo Cunha — Professor; e pelas Diretoras Regionais de Cul-tura do Alentejo, Ana Paula Amendoeira, e do Algarve, Alexandra Rodrigues Gonçal-ves, que preside ao júri.

O prazo de candidatura ao prémio, que envolve o valor pecuniário de 5.000 euros, termina dia 20 de setembro de 2014.

O regulamento pode ser consultado na página da Di-reção Regional da Cultura do Algarve em http://www.cultalg.pt/MariaVeleda/.

Direção Regional de Cultura do Algarve

Prémio Maria Veleda: destacar, reconhecer, valorizar

d.r.

Consubstanciada no espírito, ideário e ação de Maria Veleda, esta inicia-tiva propõe premiar - para destacar, reconhecer, valori-zar e incentivar - a atividade cultural de indivíduos e/ou entidades algarvias, protagonistas de intervenções par-ticularmente rele-vantes e inovado-ras na região, que contribuam para a igualdade de géne-ro, a cidadania e a não discriminação social

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