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Um Dia Novo na voz única de Viviane p. 5 www.issuu.com/postaldoalgarve 9.650 EXEMPLARES Espaço Cria: Empreendedor: uma atitude de vida p. 2 Da minha biblioteca: As Primeiras Coisas p. 11 Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO AGOSTO 2014 n.º 72 D.R. D.R. D.R. Espaço AGECAL: O património hidráulico p. 3 Espaço ALFA: Património religioso, fé e fotografia D.R. p. 7 D.R.

CULTURA.SUL 72 - 8 AGO 2014

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• Veja o CULTURA.SUL DESTE MÊS• Sexta-feira (dia 8/8) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > EDITORIAL: ‘Out of the Box’ > ESPAÇO CRIA: Empreendedor, uma atitude de vida, por Susana Imaginário > JUVENTUDE, ARTES E IDEIAS: A lenda do Arraúl, Vítor Dias > PANORÂMICAS: O ‘Dia Novo’ de Viviane, por Ricardo Claro > LETRAS E LEITURAS: O sentido da beleza segundo Michael Cunningham, por Paulo Serra > ESPAÇO ALFA: Património religioso, fé e fotografia, por Paulo Côrte-Real > DA MINHA BIBLIOTECA: As Primeiras Coisas, por Adriana Nogueira > ESPAÇO CULTURA: Sagres: está em curso a reabilitação das muralhas, por Direcção Regional de Cultura do Algarve

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Page 1: CULTURA.SUL 72 - 8 AGO 2014

Um Dia Novo na voz única de Viviane p. 5

www.issuu.com/postaldoalgarve9.650 EXEMPLARES

Espaço Cria:

Empreendedor: uma atitude de vida

p. 2

Da minha biblioteca:

As Primeiras Coisas

p. 11

Mensalmente com o POSTAL

em conjuntocom o PÚBLICO

AGOSTO 2014n.º 72

d.r.

d.r.

d.r

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Espaço AGECAL:

O património hidráulico

p. 3

Espaço ALFA:

Património religioso, fé e fotografia

d.r.

p. 7

d.r.

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08.08.2014 2 Cultura.Sul

A Cultura é cada vez mais uma realidade que se quer ‘out of the box’, e quer-se assim nas mais di-versas vertentes.

Se por um lado a Cultura se quer cada vez mais fora de portas - em particular nestes tempos de estio -, ela quer-se também cada vez mais liberta dos formatos tradicionais e das elites culturais tantas vezes bafientas.

A Cultura saltou para as ruas, abandonou as tradicio-nais tábuas, fez-se maior e ga-nhou maioridade e, não de so-menos, conquista a cada passo transversalidade.

A noção de Cultura e de bens culturais são hoje conceitos indeterminados e revelam as mais variadas formas e meios de consubstanciação.

Desamarrada de preconceitos ou supostas limitações, a Cultu-ra é hoje outra realidade diversa da de outros tempos e é-o a bem de todos e de si própria enquan-to actividade criativa e, diga-se sem pudores, económica.

Por outro lado, os gestores e actores culturais foram, pela evolução do seu conhecimento do próprio métier e pelas contin-gências de uma economia larga-mente marcada pelas restrições, forçados e de um mesmo passo capazes de pensar a gestão cul-tural e dos espaços culturais ‘out of the box’.

Do falar sobre sinergias se passou à efectiva potenciação das mesmas, do favor ao produ-to cultural local se passou à sua inclusão regular nos progra-mas, das soluções tradicionais de programação e bilheteiras se passaram a soluções em que as responsabilidades e riscos são partilhados por todos os actores da produção cultural.

Estas são algumas diferenças, filhas da necessidade, mas tam-bém filhas da arte e do engenho de quem para todos cria, gere e programa a cena cultural. E são diferenças, a larga maioria das ve-zes, positivas porque mais justas e abrangentes e mais transversais e globalmente satisfatórias.

Há a cada passo uma nova for-ma de fazer Cultura e ainda bem porque o passado dificilmente se fará, neste como noutros cam-pos, novamente presente.

‘Out of the box’Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Ricardo Claro

Paginação:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:• O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N:

Pedro Jubilot• Espaço ALFA:

Raúl Grade Coelho• Espaço AGECAL:

Jorge Queiroz• Espaço CRIA:

Hugo Barros• Espaço Educação:

Direcção Regionalde Educação do Algarve

• Espaço Cultura:Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Grande ecrã:Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Momento:

Vítor Correia• Panorâmica:

Ricardo Claro• Património:

Isabel Soares• Sala de leitura:

Paulo Pires

Colaboradoresdesta edição:Isabel ValverdeMarco Sousa SantosPaulo Côrte-RealPaulo SerraSusana ImaginárioVítor Dias

Parceiros:Direcção Regional de Cul-tura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve

e-mail redacção:[email protected]

e-mail publicidade:[email protected]

on-line em: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem:9.650 exemplares

Ser empreendedor, uma atitude de vida

O CRIA, Divisão de Empreen-dedorismo e Transferência de Tecnologia da Universidade do Algarve, no âmbito do projeto Algarve 2015 – Empreender e Inovar +, associou-se aos Cur-sos de Verão da UAlg e mos-trou que “é de pequenino que se torce o pepino” através da re-alização do curso “Ser Empreen-dedor – Uma Atitude de Vida”. Este curso, distribuído por duas edições semanais, foi frequenta-do por jovens entre os 15 e os 19 anos de escolas básicas e secun-dárias das regiões do Algarve e do Baixo Alentejo.

Vivemos numa época em que somos frequentemente bombardeados com notícias que apontam para a existência de uma grave crise económica, sendo o empreendedorismo e a criação de empresas ou do próprio emprego apontados como possíveis soluções para o aumento da competitividade da

economia e para geração de em-prego qualificado. É com base neste pressuposto que surge o projeto Algarve 2015.

Tendo como âmbito geográ-fico o território algarvio, uma das regiões mais deficitárias ao nível do Empreendedorismo

Qualificado, I&DT e Inovação, este projeto oferece uma série de atividades que contribuem para a criação de consórcios Empresa – Universidade para o desenvolvimento de projetos de I&DT com o objetivo de valori-zar comercialmente os recursos naturais, científicos e tecnológi-

cos da região; que promovam a iniciativa empresarial e o em-preendedorismo jovem, nomea-damente no sector primário, na indústria transformadora, nos serviços avançados de tecno-logia e turismo, nas indústrias culturais e criativas, e na saúde

e bem-estar; e que dinamizem a criação no Algarve de um ecos-sistema de inovação que esti-mule e apoie o surgimento de novos produtos e serviços.

Com a realização deste curso pretendeu-se sensibilizar os jo-vens estudantes para a temática do empreendedorismo e da ino-

vação, procurando demonstrar a importância do desenvolvi-mento de novos produtos e serviços na economia da região e do país. Ao longo de cada uma das edições do curso os alunos tiveram a possibilidade de co-nhecerem e desenvolverem as suas competências empreende-doras, de contactarem com os passos e processos necessários para a criação de uma empresa e de aprenderem a importân-cia da propriedade intelectual e da imagem corporativa. Estes jovens tiveram ainda a possibili-dade de conhecer a experiência de algumas das empresas ajuda-das pelo CRIA e de visitarem al-gumas das empresas incubadas na Universidade do Algarve, co-nhecendo as suas histórias e os seus empreendedores. Com este curso colaboraram as empresas EasySensing e Gyrad, na primei-ra edição, e Caviar Portugal e Untapped Events, na segunda.

No âmbito das atividades deste projeto foi ainda reali-zado o concurso “Ideias em Caixa 2013” e têm sido efetu-ados vários workshops e semi-nários de sensibilização para a temática do empreendedo-rismo junto de jovens estu-dantes em colaboração com Associações de Estudantes e com outras entidades de Pro-moção do Desenvolvimento Local.

d.r.

Ricardo [email protected]

Editorial Espaço CRIA

Susana ImaginárioPsicóloga e Gestora de Ciênciae Tecnologia do CRIA - Divisãode Empreendedorismo e Trans-ferência de Tecnologia da UAlg

A lenda do Arraúl

Sou um filho de Olhão e sin-to um certo orgulho pelo tra-balho de embelezamento leva-do a cabo na zona histórica da cidade, depois de muita critíca e má vontade o resultado foi muito bom.

Adorei a ideia das estátuas da Floripes e do menino dos olhos grandes, e só é pena que não se tenha colocado também uma estátua do Ar-

raúl, muito mal comparado, depois da obra feita, é como se um individuo depois de se ter vestido a rigor para uma ce-rimónia se tenha esquecido de pôr a gravata.

E já que falei no Arraúl, e com todo o respeito pela histó-ria colocada na placa que é de-dicada a esta personagem do nosso imaginário, deixem-me discordar. O que eu sei deste Arraúl é que era um homem estranho e singular que quan-do bebia água férrea urinava arame farpado, assava sardi-nhas debaixo de água com um tromax acesso e tinha uma ár-vore no quintal que dava pãe-zinhos com manteiga, tinha em casa um porco e quando queria um bife cortava um bocado de carne do lombo do

porco e aplicava tintura, e um dia queria um presunto cortou uma perna ao porco e aplicou--lhe uma perna de pau.

Ou, se calhar não é esta a lenda e isto é tudo mentira.

Parabéns Câmara Municipal de Olhão.

d.r

.

Juventude, artes e ideias

Vítor DiasPresidente da GORDA

d.r.

Page 3: CULTURA.SUL 72 - 8 AGO 2014

08.08.2014  3Cultura.Sul

Espaço AGECAL

O património hidráulico, isto é, o conjunto de estruturas edificadas dedicadas à captação, condução, ar-mazenamento, distribuição e apro-veitamento de água, tanto em meio urbano como rural, constitui um con-junto de valor inestimável que urge inventariar, preservar e proteger, e no qual se incluem noras, levadas, tanques, poços, fontes, cisternas e moinhos de maré ou de água doce, entre outras construções destinadas a aproveitar a água para regadio ou então como força motriz.

Esse património, as estruturas que nele se incluem e as técnicas tradi-cionais associados à sua construção, utilização e manutenção, reflectem aspectos da história económica e so-cial e do milenar processo de adap-tação das comunidades humanas ao território. Acrescendo ao valor etno-gráfico e histórico, muitas dessas es-

truturas, construídas com propósitos funcionais, podiam ainda revestir-se de valor artístico, apresentando tra-balhos decorativos em argamassa, la-drilhos e até elementos de cantaria lavrada, que lhe conferiam uma va-lência adicional de carácter estético. Todos esses factores concorrem para reforçar o interesse do património hi-dráulico e a necessidade de o defen-der e estudar. Por isso, numa época em que a maior parte dessas estru-

turas se tornou obsoleta, em virtude do processo de industrialização e da evolução tecnológica dos últimos cem anos, e corre o risco de desapa-recer, importará, mais do que nun-ca, preservá-las e estudá-las. De certo modo, a indispensabilidade de pre-servar esse património torna-se ainda mais premente agora que a cidade de Tavira, na qualidade de comunidade representativa de Portugal, garantiu a inscrição da Dieta Mediterrânica

na lista de Património Cultural Ima-terial da Humanidade da UNESCO, entendendo-se dieta (do grego daia-ta) como sinónimo de estilo de vida e de modelo cultural.

O conjunto é diversificado, vasto e, de um modo geral, encontra-se bas-tante disperso. Nesse sentido, não é exequível, nem desejável, preservar todas as estruturas. Não obstante, é fundamental que todas sejam in-ventariadas, georreferenciadas, foto-

grafadas e descritas, sob pena de se perder com cada estrutura destruída e não estudada uma fonte de infor-mação. Só a inventariação sistemática permitirá identificar os exemplares mais representativos do conjunto e/ou os que apresentam características que, do ponto de vista histórico ou artístico, justificam a sua protecção. É assim fundamental que todas as estruturas sejam identificadas e que algumas sejam recuperadas e poste-riormente protegidas através da clas-sificação enquanto Imóveis de Inte-resse (Municipal ou Público).

Para concluir, e ainda no âmbito da preservação das estruturas que constituem o nosso património hi-dráulico, é preciso ter em conta que cada uma delas constitui apenas um elemento de um sistema complexo que só pode ser entendido no respec-tivo contexto. Nesse âmbito, a título de exemplo, fará pouco sentido res-taurar e preservar uma nora sem fazer o mesmo com o tanque que dela se servia e com a levada que estabele-cia a comunicação entre esses dois elementos, já que as estruturas só podem ser verdadeiramente enten-didas através das relações que man-tinham com o espaço envolvente, e com a comunidade, e só desse modo se preserva, de facto, a sua memória.

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

9ª MOSTRA DE CINEMA NÃO-EUROPEU – AR LIVRE | CLAUSTROS DO CONVENTO DO CARMO | 21.30 HORAS

8 AGO | DALLAS BUYERS CLUB (O CLU-BE DE DALLAS), Jean-Marc Vallée, E.U.A., 2013, (117’), M/169 AGO | HER (UMA HISTÓRIA DE AMOR), Spike Jonze, E.U.A. 2013, (126’), M/1610 AGO | SHORT TERM 12 (TEMPORÁRIO 12), Destin Cretton, E.U.A., 2013, (96’), M/1611 AGO | SAMSARA - Estreia nacional - Ron Fricke, E.U.A./Indon/Singap/Tailân/Quén/Dinam/Brasil/Jord/Emir Ár./Aráb. Saud./Áfr do Sul/It/Gha/Egípto/Chin/Jap, 2011, (102’), M/12

A SEGUINTE SESSÃO TERÁ LUGAR NOS CLAUSTROS DO CONVENTO DO CARMO – 21.30 HORAS:

14 AGO | FILM D’AMORE E D’ANARCHIA, OVVERO… (FILME DE AMOR E ANAR-QUIA, OU ESTA MANHÃ...), Lina Wertmül-ler – Itália, 1973, (124’), M/16

Cinema marca presençano Verão em Tavira

As nossas anuais Mostras de Cinema de qualidade ocupam um lugar de destaque no Verão em Tavira. Ano, após ano, vol-tamos a ver caras conhecidas de amantes de histórias sen-síveis e bem contadas através

de imagem e som. Procuram Tavira para umas semanas de férias, sabendo que cada noite, atrás das portas dos Claustros do Convento do Carmo e num ambiente acolhedor e informal, lhes será contada uma história

que lhes alimenta a alma. Este ano não será diferente, lá esta-remos mais uma vez, para vos oferecer uma selecção coerente e significativa dos melhores fil-mes disponíveis para exibição no nosso país.

O Convento do Carmo em Tavira é o palco escolhido para a sétima arte

d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO | “VILA REAL A CÉU ABERTO” - CINEMA AO AR LIVRE | JARDINS DA AVENIDA DA REPÚ-BLICA | 22 HORAS

13 AGO |  AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO, Miguel Gomes, Pt, 147’ M/1220 AGO | O VAGABUNDO, Charles Cha-plin, EUA, 1915, 25’, M/4O IMIGRANTE, Charles Chaplin, EUA, 1917, 30’, M/6O CIRCO, Charles Chaplin, EUA, 1928, 71’, M/627 AGO | ANTES DA MEIA-NOITE, Richard Linklater, EUA, 108, M/12

CACELA VELHA | “SOB AS ESTRELAS EM CACELA VELHA” | 22 HORAS

28 AGO | A PAISAGEM DE ARTUR PASTOR, Fernando Carrilho, Portugal, 2014, 55’

O património hidráulico

Marco Sousa SantosHistoriador de Arte convidado da AGECAL

d.r.

Page 4: CULTURA.SUL 72 - 8 AGO 2014

08.08.2014 4 Cultura.Sul

“CORES E FORMAS DOS NOSSOS ARTISTAS”Até 12 de SET | Galeria Municipal de AlbufeiraExposição constituída pelos trabalhos seleccionados no âmbito de um concurso que contou com a par-ticipação de 26 artistas que apresentaram um total de 91 obras a concurso

“QUEM MAIS GAMOU… MELHOR FICOU”8 de AGO | 21.30 | Centro Cultural de LagosUm espectáculo com pouca gente bonita, mas muito talentosa! “Aqui estão os Piratas” que vêm para rei-nar numa Caravela de Esperança e encontram um país na Bancarrota, completamente desorganizado...Ag

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O sentido da beleza segundo Michael Cunningham

Michael Cunningham é o autor de As Horas, galardoado com o Pu-litzer Prize e o PEN Faulkner Award, tendo este livro sido adaptado ao ci-nema num também excelente filme, com Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman nos principais pa-péis. Um livro difícil ao início, pela escrita complexa e densa, mas onde depois se mergulha numa história envolvente e sobejamente original, onde se cruzam três tempos, três espaços e três histórias diferentes. Parte-se da ideia desenvolvida por Virginia Woolf no seu clássico Mrs. Dalloway, para passar a contar uma história condensada num único dia determinante na vida destas três personagens femininas: a escrito-ra Virginia Woolf, a leitora Laura Brown, que vive um momento de profunda crise emocional e cujas decisões ao final do dia serão mar-cantes na vida de toda a sua famí-lia, e a editora Clarissa que vive na moderna Nova Iorque. Clarissa é a melhor amiga de Richard e uma espécie de pilar ou de ponte com o exterior entre este escritor, que vive confinado no seu apartamento, onde está a morrer com VIH. O iní-cio do livro é ainda profundamente marcante pela própria cena profun-damente visual em que a escritora Virginia Woolf se aproxima de um riacho onde entra completamente vestida e com pedras nos bolsos dos casacos, pronta a cometer suicídio. A partir desse prólogo inicial, recua-mos no tempo até um dia aparente-mente como qualquer outro na vida da autora, mas num dos piores anos da sua vida, num período em que sofria de depressão profunda e a história vai sendo narrada de forma alternada e tripartida. Laura Brown, além de estar a ler o livro escrito por Virginia Woolf umas décadas antes, tem em comum com essa persona-gem o facto de se sentir igualmente deprimida, centrando-se a sua his-tória no dia do aniversário do seu

marido, em que ela, acompanhada pelo seu filho de cerca de quatro anos, se sente na obrigação, en-quanto esposa e dona de casa, de fazer um bolo de aniversário per-feito como forma de agradecer ao marido o seu casamento perfeito. De forma subtil, em que a escrita do autor entra através da «corren-te de consciência» no pensamento das personagens, um pouco à se-melhança do próprio estilo de Vir-ginia Woolf, e conforme o período em que esta começava a entrar em “moda”, pelo que nós leitores nunca sabemos bem o que está a ser obje-tiva ou imparcialmente narrado e o que é pensamento das personagens. O grande trunfo do seu romance é a chave de ouro no final, em que percebemos que duas das histórias se cruzam e se interligam de forma muito mais direta do que inicial-mente se poderia ter previsto.

Michael Cunningham é ainda o autor de Uma Casa no Fim do Mun-do, igualmente adaptado ao grande ecrã, com Robin Wright e Colin Far-rel nos principais papéis, que conta a história de uma relação de amor e amizade entre dois homens e a sua melhor amiga, e de Sangue do Meu Sangue, cuja ação se centra essen-cialmente num jovem adolescente, e acompanha três gerações de uma família, com as suas ambições, desi-lusões e amores.

Dias Exemplares foi o romance que se seguiu imediatamente ao premia-do As Horas, possuindo como traço comum o facto de ser um livro cuja história é construída, mais uma vez, de forma tripartida. As diversas par-tes do romance parecem não se in-tercruzar de forma eficaz, apesar da história procurar ser inovadora e ori-ginal, lembrando um pouco o livro Atlas das Nuvens, de David Mitchell, adaptado recentemente ao grande ecrã. Encontramos sempre o mesmo grupo de personagens - um rapaz e um casal - neste tríptico: «Dentro da Máquina» é uma história situada na Revolução Industrial, época em que a humanidade enfrentava as realidades alienadoras da nova era mecanizada; «A Cruzada das Crianças» decorre no início do século XXI, narrando a per-seguição a um grupo de bombistas suicidas que aterrorizam a cidade de Nova Iorque; «Uma Espécie de Bele-za» evoca uma Nova Iorque futura in-vadida por uma vaga de refugiados oriundos do primeiro planeta ha-

bitado a ser contactado pelos seres humanos. Cruzam-se assim, ao estilo pós-moderno, as convenções de gé-neros tão díspares como o romance policial e a ficção científica.

O romance Ao cair da noite, narra a vida de Peter e Rebecca Harris, um casal que anda na casa dos quaren-ta e vive em Manhattan. Ele é nego-ciante de arte e ela trabalha como editora numa revista da especiali-dade. Habitam um moderno apar-tamento, têm uma filha a estudar na universidade de Boston e entre amigos inteligentes e sofisticados levam um animado e invejável esti-lo de vida urbano contemporâneo, parecendo ter todas as razões para serem felizes. Toda esta construção que não é de todo uma fachada aca-ba por ruir quando o irmão muito mais novo de Rebecca surge em cena. Ethan, conhecido na família como Mizzy, «O Erro», visita-os e parece colocar em causa a heteros-sexualidade de Peter, que começa a sentir-se estranha e irremediavel-

mente atraído pelo cunhado. Numa espécie de Morte em Veneza, e rela-cionando-se mais ou menos dire-tamente com o tema da arte, esta atração parece catalisar questões maiores e mais filosóficas como o significado da beleza e o papel do amor nas nossas vidas.

 A Rainha da Neve é o último ro-mance do autor, tendo sido lançado há poucos dias pela Gradiva, com um muito curto espaço de interva-lo entre a sua publicação original e esta subsequente tradução. É des-crito como um «romance lumino-so» pois começa justamente com uma visão. Corre o mês de Novem-bro de 2004 e Barrett Meeks, tendo perdido um amor uma vez mais, atravessa o Central Park quando se sente impelido a olhar para o céu. Ali avista uma luz pálida, translú-cida, que «parece olhar para ele de uma forma inequivocamente divi-na». Barrett não acredita em visões nem é particularmente devoto, mas nunca coloca em causa o que viu e

sentiu, como se um olho divino ti-vesse rasgado o céu e o fitasse dire-tamente. Entretanto, Tyler, o irmão mais velho de Barrett, é um músico em busca de inspiração pois tenta, aparentemente sem grande sucesso, escrever uma canção de casamento para Beth, a sua noiva doente com cancro. Tyler procura compor uma letra de uma música que não seja simplesmente mais uma balada sentimental mas a manifestação expressa de um amor duradouro. O autor segue os irmãos Meek nos seus diferentes percursos em busca de uma espécie de transcendência, um nas relações amorosas e outro na forma de cristalizar e eternizar a memória desse amor através de uma forma de arte - sendo a ques-tão da arte e, por conseguinte, da beleza, uma constante nos roman-ces de Michael Cunningham. Este último romance retorna aos ante-riores na medida em que a história parece compor-se de momentos chave na vida das personagens, que desta vez vamos acompanhando ao longo do tempo, numa notória evo-lução das suas vidas, em que cada mudança por muito trágica que pa-reça parece significar efetivamente uma melhoria na vida de cada ser humano aqui descrito.

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

Letras e Leituras

fotos: d.r.

‘A Rainha da Noite’ é o último romance de Michael Cunningham

Page 5: CULTURA.SUL 72 - 8 AGO 2014

08.08.2014  5Cultura.Sul

“VOLKER HUBER, O HOMEM E A SUA VIDA”Até 4 OUT | Galeria de Arte do Convento Espírito Santo - LouléAtravés de documentos fotográficos e vídeo, esta ex-posição tenta retratar a personalidade do fundador do Centro Cultural São Lourenço, em Almancil, re-velando também a sua veia artísticaAg

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Panorâmica

Vinte e quatro anos depois de se ter lançado nas lides da músi-ca Viviane continua a mutar so-bre um estilo e uma voz únicos, trabalhados sobre o cruzamen-to de um triângulo histórica e musicalmente indissociável que une a chanson francesa, o tango argentino e o tão nosso e já mundial e imaterial patri-mónio, o fado.

‘Dia Novo’, o mais recente tra-balho da cantora, é como Vivia-ne disse ao Cultura.Sul “o meu fado” e não um disco de fado.

Ali onde a guitarra portugue-sa fez soçobrar o reinado do acordeão na sonoridade de Vi-viane, os poemas apelam a este novo fado que brota a cada can-to actualmente e, de facto, ao ouvir-se o dedilhar da majestosa guitarra nacional o ouvido luso

tende a espartilhar rapidamente a melodia na categoria de fado. Mas este disco é muito diverso do fado, é Viviane reinventada tal como a par e passo nos ha-bituou e é, essencialmente, alma numa melodia mais despida, menos tomada pela imensidão melódica do fole do acordeão e mais rasa para que sobressaia a interpretação.

A força do novo a cada momento

‘Dia Novo’ é o nome do disco, mas é para Viviane “um desafio de permanentemente aceitar novas experiências e novas lin-guagens”. Há, diz, “luz e energia neste título de um poema de José Luís Peixoto” e foram essas ideias que determinaram a escolha do

título do disco.“É uma questão de feitio”,

aponta Viviane como a razão para a permanente sede de des-cobrir rotas dentro dos mares musicais. Há um caminho que se faz a descobrir, vivendo e supe-rando-se como no caminho ‘Do Chiado até ao Cais’ a que a can-tora dá voz na pista que serviu de lançamento a este novo disco.

As músicas inequeciveís na voz de Viviane

“Há músicas que nos mar-cam”, diz Viviane, e é ao pegar nelas e fazê-las suas num pro-cesso de desapego face às ori-ginais que surgem temas como ‘Com toda palabra’, de Lhasa de Sela, cuja morte prematura não deixou indiferente Viviane face

à admiração pela cantora norte--americana.

‘A outra’, de Marcelo Camelo, é a segunda música que Viviane rapta para o seu repertório de ‘Dia Novo’, admiradora que se sente do trabalho deste brasi-leiro e finalmente, como qua-se que inevitável, surge Serge Gainsbourg reinventado na voz da cantora radicada no Algar-ve a partir da interpretação de Françoise Hardy de ‘Comment te dire adieu’.

E quem poderia esperar a guitarra portuguesa a encher ‘Comment te dire adieu’, podem perguntar-se, mas a verdade é que nada surpreende quem conhece a camaleónica capaci-dade de reinvenção de Viviane, um estilo que lhe deu uma me-recida legião de fãs e que é pela

cantora exercido com mestria de pura arte.

Um ano de criação

‘Dia Novo’ “levou um ano” a pôr de pé, diz Viviane que pre-fere o trabalho feito da letra para a melodia, com os poemas pen-sados e vividos à exaustão antes de se lhes dar encorpo com a melodia.

“Prefiro assim”, mas nem sempre assim é, e neste disco há o caso inverso com ‘Plenos pulmões’, de Tiago Torres da Silva, em que da música o letris-ta fez o poema de uma canção marcante.

Ao lado de Tó Viegas, o seu parceiro de sempre nestas an-danças de ser um dos nomes de referência da cena musical na-

cional está de volta Viaviane, em versão acústica, como ela própria gosta de se fazer ouvir, inconfun-dível e sempre arrebatadora.

Agora falta levar à estrada a nova marca do percurso artístico de Viviane num caminho que a cantora gosta de fazer e de sentir. “É importante a empatia com o público e é essencial aperceber-mo-nos das reacções e emoções que conseguimos criar no pú-blico”, diz Viviane, para quem a estrada e o palco são elementos indissociáveis da arte de cantar.

Há muito e tanto mais ainda para descobrir nos 12 temas de ‘Dia Novo’, há acima de tudo a voz inconfundível de um nome incontornável, Viviane. E o resto é música, por isso deixe levar-se por ela e descubra também um ‘Dia Novo’. Ricardo Claro

“QUIM ROSCAS & ZECA ESTACIONÂNCIO”15 AGO | 22h00 | Palco principal junto à antiga lota de PortimãoDuas personagens humorísticas interpretadas pelos actores João Paulo Rodrigues e Pedro Alves, que pro-metem muitas gargalhadas no Festival da Sardinha

O ‘Dia Novo’ de Viviane

foto: d.r.

Page 6: CULTURA.SUL 72 - 8 AGO 2014

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Page 7: CULTURA.SUL 72 - 8 AGO 2014

08.08.2014  7Cultura.Sul

Momento

A banhos

Foto de Vítor Correia

Património religioso, fé e fotografia

O Património religioso português representa um vasto e riquíssimo es-pólio do nosso legado arquitectónico e cultural. Constitui-se como um ele-mento fundamental da nossa própria identidade como povo e como nação e assume um lugar ímpar na multi-culturalidade do mundo. E está vivo! Vivo em cada Ser que o vive diaria-mente, lhe reconhece valor, dando--lhe sentido e continuidade. Testemu-nhar a vivência do Património é algo extraordinário.

O Património religioso acolhe, congrega milhares de devotos que se entregam nas suas práticas reli-

giosas, procurando uma comunhão com o divino. Assim tem sido ao longo de séculos. As igrejas, com a sua arquitectura, elevam o espírito, mergulhando de seguida o Ser num ambiente de recolhimento, de in-terioridade, propiciados pelo silên-cio profundo, pela luz ténue. Direi mesmo, Ser e espaço tornam-se unos rumo ao divino. Neste ato de entrega há algo único (e porque não dizer mágico - tantas vezes difícil de des-crever), uma força e uma genuinida-de capazes de mover montanhas, os obstáculos que cada um possui em

seu interior e que impedem, muitas vezes, do usufruto da vida de acordo com a natureza humana. A Fé, com uma natureza transcendente é essa força transformadora e geradora de tantas coisas inexplicáveis ao senso comum.

Documentar momentos tão sin-gulares, como forma de tributo, procurando-os imortalizar num dado instante, e para que estes se tornem também parte integrante de um Património cultural que se pretende cada vez mais rico, é o propósito deste projeto fotográfico.

Espaço ALFA

d.r.

Paulo Côrte-RealMembro da ALFA

Page 8: CULTURA.SUL 72 - 8 AGO 2014

08.08.2014 8 Cultura.Sul

Revista Nova Águia tem vice-directora algarvia

Da natureza nascem as casas: um contributo para a educação patrimonial

Espaço ao Património

Na senda da cultura

A Revista Águia foi uma das mais importantes revistas do início do século XX em Portugal, em que colaboraram algumas das mais relevantes figuras da Cultura Portuguesa, como Teixei-ra de Pascoaes, Jaime Cortesão, Raul Proença, Leonardo Coim-bra, António Sérgio, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva. A Revista Nova Águia pretende

ser uma homenagem a essa tão importante revista da nossa His-tória, procurando recriar o seu “espírito”, adaptado ao século XXI, com participação dos mais importantes nomes da cultura portuguesa contemporânea.

O Conselho de Direcção da Revista Nova Águia conta com nomes como Adriano Moreira, Guilherme d’Oliveira Martins,

Gentil Martins, António Cândido Franco, Baptista Bastos, Eduardo Lourenço, Mendo Castro Henri-ques, Roberto Carneiro e Manuel Ferreira Patrício.

Maria Luísa Francisco enquan-to vice-directora da Nova Águia tem apresentado a Revista nas Bibliotecas do Algarve e Alente-jo e considera que têm sido mo-mentos culturais de qualidade,

que geram bons debates dando a conhecer o melhor da nossa cultura e da nossa identidade.

A mais recente apresentação decorreu na Feira do Livro de Monte Gordo a 30 de Julho e em Junho na Biblioteca Muni-cipal de Faro onde Maria Luísa Francisco deu destaque à vida e obra de António Ramos Rosa, biblioteca que tem o seu nome.

Em 1980, Natália Correia Guedes, na época Diretora Geral do Património, no âm-bito do Concurso «Um Tesouro Para Descobrir – Uma Herança Para Defender», escreveu o se-guinte texto:

«Amigo Professor:De há muito tempo que todos

nós assistimos mais ou menos impotentes à degradação dos bens culturais do nosso país.

A poluição destrói a vida animal e vegetal, a ruína instala-se nos monumentos, da pequena Igreja ao Solar, do Convento ao Palácio.

O tempo e os homens para isso têm contribuído; mas a casa po-pular, genuína representante do diálogo entre o Homem e a Na-tureza, e os preciosos utensílios que nos contam uma fase da his-tória do trabalho rural, as danças e os cantares, a maquinaria das fábricas hoje tornadas obsole-tas pelo avanço tecnológico são outros tantos pedaços da nossa memória colectiva que correm graves riscos de degradação, logo, de perca irreparável. E são os pelourinhos, as antas, os por-

tais, as janelas, os alpendres, os chafarizes, as bandas de música que vão acabando, os corais e ranchos, a necessidade de refazer tudo isto, na nossa dimensão, em memória-verdade para projecto de futuro.

Há um pouco de tudo isto na comunidade onde dá aulas, e há muito com certeza que lhe apete-cia trabalhar com os seus alunos, ou trabalhou já até, desenvolven-do neles o amor pelo rico patri-mónio do nosso povo.».

E foi neste espírito inspira-dor, que traduz de forma sim-plificada um conjunto ainda atual de recomendações e do-cumentos doutrinais produzi-dos e subscritos pela maioria dos países do mundo, no âm-bito de Convenções organiza-das por Instituições Interna-cionais responsáveis por estas matérias, que o Município de Albufeira deu início, em Agos-to de 2006, a um projeto pio-neiro no nosso país: «Da Na-tureza Nascem as Casas: Um Contributo para a Educação Patrimonial» cofinanciado pelo Município de Albufeira e pela CCDR Algarve ao abrigo do PROALGARVE.

A ambição do Município era pôr em prática o muito que se teorizava sobre o as-sunto, decidiu-se então avan-çar com o projeto envolvendo professores, auxiliares de ação educativa e alunos, sendo que estes seriam os veículos privi-legiados de transmissão do

conhecimento adquirido para o seio familiar e estabelecen-do-se como objetivos priori-tários os seguintes:

Sensibilizar para a preserva-

ção, perpetuação das práticas tradicionais de construção e dos materiais utilizados;

Desmistificar a existência de um «modelo de casa al-

garvia» promovendo através da demonstração in loco da variedade arquitetónica/cons-trutiva na região;

Incutir o valor ecológico

que estas construções repre-sentam, promovendo a rein-trodução de algumas destas técnicas na construção atual (mais tarde, por vontade do sr. vice-presidente da Câma-ra, Dr. José Carlos Rolo, foram ampliadas em taipa duas es-colas em Albufeira).

Salvaguardar o saber an-cestral das várias profissões associadas a estas constru-ções, mediante o contacto das crianças com as práticas tradi-cionais, o manuseamento dos materiais e a construção real mas de escala reduzida.

Durante todo o mês de Agosto de 2006, um con-junto de crianças do ATL de Paderne, com idades com-preendidas entre os 6 e os 12 anos, participaram numa experiência única, que não só lhes permitiu obter o diploma de construtores tradicionais de edifícios, como lhes valeu ainda a participação no docu-mentário didático: «Da Natu-reza Nascem as Casas» e numa exposição itinerante sobre o trabalho realizado.

O projeto pedagógico inte-grava uma componente teóri-ca, constituída por visitas de estudo temáticas realizadas pelo Algarve (de sotavento a barlavento), onde estas apren-deram a «ler a arquitetura» através do contacto com os diversos sistemas constru-tivos existentes na região (construções de terra: taipa e adobe, alvenarias de pedra,

Isabel ValverdeArquitetaCoordenadora do Gabinete de Reabi l i tação Urbana do Município de Albufeira

fotos: rui gregório e filipe palma

Aluno a atestar a temperatura libertada durante a reação química provocada pelo contacto da cal em pedra com água

d.r.

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08.08.2014  9Cultura.Sul

Espaço ao Património

O actual número da Revista Nova Águia tem um Dossier dedicado ao poeta António Ramos Rosa e tem como tema principal os 40 anos do 25 de Abril e os 20 anos da morte de Agostinho da Silva.

Em 2008 quando a Revista surgiu havia quem a associasse a um clube futebolístico, pensan-do que “nova águia” era a mais recente aquisição do Benfica, refere o director da Revista, Prof. Doutor Renato Epifânio, que é ao mesmo tempo presidente do Movimento Internacional Lusó-fono (MIL).

Assim como a Revista Águia estava associada ao Movimen-

to da Renascença Portuguesa, a Revista Nova Águia está associada ao Movimento Internacional Lu-sófono (MIL).

Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da sociedade civil portuguesa, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente em Outubro de 2010, que con-ta já com mais de 20 milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os órgãos, eleitos em As-sembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituí-do por 100 pessoas, representan-do todo o espaço da lusofonia.

Defende o reforço dos laços en-tre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cul-tural, social, económico e políti-co –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira co-munidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.

O MIL tem a sua sede no Palá-cio da Independência em Lisboa e tem um Conselho de Coorde-nadores Regionais sendo cons-tituído por um coordenador no Norte: Joaquim Paulo Silva, um coordenador nos Açores: Eduar-do Ferraz da Rosa, um Coorde-nador na Madeira: José Eduardo

Franco e uma coordenadora no Sul: Maria Luísa Francisco.

A coordenadora refere que aceitou o duplo convite porque se identifica com este projecto cultural, tanto mais que a Nova Águia é uma revista de ensaio e poesia de elevado conteúdo. Re-fere ainda que a formação acadé-mica em Relações Internacionais e em Sociologia da Cultura en-caixam perfeitamente no âmbito do MIL e da Revista Nova Águia. Está envolvida nestes projectos desde o início, tendo integrado anteriormente a Direcção do MIL e o Conselho Redactorial da Re-vista Nova Águia.

d.r.

Maria Luísa Francisco Vice-Directora da Revista Nova Águia

elementos vegetais, etc.) e integrava uma componente prática onde lhes foi ensina-do o necessário, para que, em conjunto, construíssem uma abóbada e uma casa à sua es-cala: construção em taipa, fa-brico do adobe, execução de cobertura em telha de canudo e forro em caniço, argamassas de cal, construção de abóba-das de berço e o adequado manuseamento de materiais e execução de técnicas de cons-trução tradicionais.

Em Novembro, o docu-mentário e a exposição fo-ram apresentados ao público na CCDR Algarve e foi com grande orgulho que as nos-sas crianças assistiram ao entusiasmo que esta sessão suscitou no público presente.

A partir deste momento o Município de Albufeira co-meçou a receber inúmeros convites de entidades públi-cas e privadas no sentido de disponibilizar a exposição, o documentário e apoio à reali-zação de pequenas ações prá-ticas. O convite mais curioso chegou do Museu Nacional de Educação da Holanda, cuja Diretora de Comunica-ção deslocou-se de Roterdão a Albufeira com o propósito de estabelecer uma parceria.

A recetividade do projeto levou o Município a concluir que esta experiência deveria ser continuada, inicialmente alargada às restantes crianças do concelho e posteriormen-te através da Direcção Regio-nal de Educação a um univer-so a aferir, assumiu-se que o

projecto deveria tornar-se mais completo, ao nível dos conteúdos abordados, da sua comunicação, da possibilida-de de trabalhá-los em sala de aula e no exterior, do apoio ao professor, do material di-dático de apoio (fichas) e dos materiais de recurso.

Decidiu-se criar um DVD interativo e bilingue dividi-do em três temas principais e estruturado através de seis subtemas:

1º Tema: As paredes (dois subtemas: alvenaria de taipa e alvenaria de adobe);

2º Tema: As coberturas dos edifícios (dois subtemas: te-lhados e abóbadas);

3º Tema: Os revestimentos das paredes (dois subtemas: A cal e o seu uso nas arga-massas de revestimento e As terras corantes e a sua trans-formação em pigmentos para uso em caiação e outras téc-nicas de pintura: barramen-tos e escaiolas).

Em cada um dos seis subte-mas seria possível visitar:

O álbum de viagens, com imagens dos locais visita-dos pelas crianças onde se pode encontrar a técnica em referência;

A parte do documentário onde é ensinada a técnica;

Fichas didáticas de apoio ao aluno sobre o subtema;

Referências bibliografia de apoio ao professor, educador ou animador.

Em Julho de 2007, no âmbi-to da reformulação do proje-to, as nossas crianças do ATL de Paderne voltaram à ação,

agora mais compenetradas do seu papel, mais à vonta-de com o trabalho prático e sobretudo com as câmaras

de filmar, foi abordado o 3º Tema, ainda em falta, e os res-pectivos subtemas:

A cal e o seu uso nas arga-

massas de revestimento;As terras corantes e a sua

transformação em pigmentos para uso em caiação e outras

técnicas de pintura.O primeiro dos subtemas

foi introduzido pela Profes-sora Doutora Eng.ª Goreti Margalha (Técnica da C.M. Beja e docente da Universi-dade de Évora) com uma vi-sita à Aldeia do Barro Branco, concelho de Borba, a um dos últimos fornos de cal ainda a funcionar em Portugal. O conhecimento adquirido do processo de transformação que leva à obtenção da cal permitiu já em estaleiro re-alizar as argamassas de re-vestimento com que foram rebocadas as mini paredes.

O segundo dos subtemas contou com o apoio do Ins-tituto Português de Conser-vação e Restauro através da Professora Doutora Milene Gil Duarte Casal e foi intro-duzido com a visita à Ser-ra Corada no concelho de Barrancos, a um local onde é ainda extraída terra para caiações. As terras extraídas no local e em Paderne, num sítio onde há registo de an-tigas extracções, permitiram realizar caiações de diversas cores, barramentos e fingidos sobre o reboco realizado.

Os constrangimentos fi-nanceiros que atingiram as autarquias contribuíram para que o projeto não fosse materializado na sua totali-dade, contudo, irá avançar contando com o apoio do Sr. Presidente da Câmara de Albufeira e responsável pelo Pelouro da Reabilitação Ur-bana, Dr. Carlos Eduardo da Silva e Sousa.

Caiando com pigmentos naturais

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“O ALGARVE!”Até 30 NOV | 21.30 | Museu Municipalde Arqueologia de AlbufeiraExposição com reproduções das pinturas de George Landmann, que apresenta imagens do Barlavento e Algarve Central no século XIX, captadas por um estrangeiro viajado e curiosoAg

endar

“CAIXA FORTE”Até 30 AGO | 22.00 | Teatro Municipal de PortimãoEspectáculo com Fernando Mendes, Carla Andrino, Cristina Areia e Frederico Amaral, em que um segu-rança bonacheirão, uma rica arrogante e o seu jovem e maltratado marido vão ter de aprender a conviver juntos dentro da ‘Caixa Forte’

Agosto

Pedro [email protected]

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

Estes dias de canícula

O olhar fascina-se nas cores de paisagem de ilha grega... mas a copiosa nortada nocturna deixa a água desfiando fria no dia de praia es-perado. Desanimados, os banhistas regressam deste seu pedaço de mediterrâneo. O arroz de tomate acompanhando o peixe frito remedeia esta angústia ao meio-dia. Estes dias de canícula estão mesmo feitos dias de cão.

Ainda a tarde cheira a fogareiro de assar pei-xe na vizinhança e já as rajadas de sudoeste na viragem da maré fazem bater as portadas das janelas de sul. Pequenas cristas brancas sobres-saem na costa. O livro segurado pelos dedos co-meça a dar de si. As pálpebras já mal se elevam. A proeminente folga de sábado instalou-se.

Caminho de Mar e Luz

Zé Francisco, líder dos Marenostrum, lançou--se a solo (com a Orquestra Azul) num ‘Cami-nho de Mar e Luz’ (2013, AVM) – que traz num apurado trilho sonoro, uma bela homenagem aos homens do mar(es), não só os de Santa Lu-zia - Tavira, mas também às gentes e às músicas de outros portos.

Postais da Costa Sul~ não reparar do tempo que passa, dormir

sem malha na hora que calha, esquecer que não se é dono do destino, parecer que se perdeu o tino, sentindo-se de novo menino, andando li-vre. escolhem-se roupas leves e pedala-se contra o vento sudoeste que interfere com a música nos auriculares. mesmo assim o sol de frente aquece a cara protegida pelos óculos escuros. depois chega-se a um cais de pedra, colocam-se as mochilas aos ombros e segue-se o trilho que levará ao mar crescente. quem alcunhou esta es-tação de estúpida (‘silly season’), não devia estar de perfeito juízo ou não amava a liberdade ~

Raul BrandãoQuando alguém nascido e criado numa ci-

dade costeira do litoral algarvio, abre e lê pela primeira vez ‘Os Pescadores’ (Raul Brandão, 1923) nunca mais o abandonará cioso que o levem da sua biblioteca. Os hábitos e costumes do povo e as suas práticas de pesca, a descrição da atmosfera, da paisagem, da luz, dos senti-dos despertos, do olfacto…surpreendem pela sua aproximação à realidade, mesmo passados tantos anos.

Brandão chegou ao Algarve no esplendor do mês de Agosto em 1922, e parece ter ficado tão enfeitiçado pelo estio destas terras levantinas, que chega mesmo a dizer: «...Teria aqui uma casa numa das vielas(…) seria um deslumbramento: no pátio caiado, (…) viver num meio adormecimento, seduzido pela luz, fora de todos os interesses e re-alidades...» E quando parte é: «Tarde. Olho pela última vez a brancura imaculada dos terraços com o céu todo de oiro em cima e deixo com saudade

esta luz e esta terra embruxada.»… e escreve quase a segredar, tão a segredar, que terá sido mais um pensamento, muito intimo. Percebe-se pela paixão e pelo número de páginas que dedica a Olhão como foi esta a terra da costa sul que mais lhe ficou no coração «(…) este homem é um homem à parte no Algarve. Se veio de Ílhavo, como dizem, não sei, mas é o único homem arrojado des-ta costa».

Deixou cerca de duas centenas de obras pu-blicadas, mas é através de ‘Os Pescadores’ que nunca esqueceremos a voz do mar.

Estofo de Maré

detenho-me à luz remanescente, extinguindo-se por esta tarde adentro.

na espera de seduzir vocábulos para um poema, que depois aquiesças com a leitura do teu corpo, 

que vale por tudo o que me fazes escrever na parte mais íntima do teu dia...

Adriana Freire Nogueira

… uma fervorosa apaixonada pela literatura, e que está aqui na página do lado, disse ao we-bzine ‘Bóia da Canal’: «Nunca me canso disto. E vou lendo: leio, leio, leio. E escolho alguns livros, da minha biblioteca que não tem muito mais espaço para crescer, para sobre eles escrever no Cultura.Sul.

São os meus preferidos? Nem sempre. Mas decidi fazer escolhas mais amplas, com vista à promoção da leitura (e não crítica literária, que o espaço não é para isso). Também leio e traduzo autores gregos (antigos, claro), activi-dade que me dá muito prazer. Não há futuro numa escrita sem passado. Não será por acaso que, mesmo tematicamente, os ecos do mundo antigo continuam a ressoar em tantos autores contemporâneos, nomeadamente na poesia. Volto sempre à Grécia. No discurso, nas escolhas pensadas e impensadas, nos gostos, no quoti-diano. Às pedras, aos textos antigos, que nos dão acesso ao pensamento dos gregos que tanto influenciaram a cultura ocidental (…)»

Tudo em (http://boia.blogs.sapo.pt/10623.html)

Mercador do SulEm Olhão, na segunda rua à esquerda de

quem desce a rua do Comércio, vira-se para a Mouzinho de Albuquerque. A seguir à típica travessinha de cimento, no lado direito, sem que nela entremos, teremos a surpresa da larga montra da loja ‘Mercador do Sul’, ali no nº 1. Livros, artesanato, alimentação e outras artes locais, num espaço surpreendente a visitar sem demora.

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As Primeiras CoisasDa minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

“MÚSICA MUNDI: FAD’NU”30 AGO | 21.30 | Centro Cultural de LagosUm projecto que vive da cumplicidade intimista que nasce do diálogo cénico e musical entre a can-tora (Cátia Alhandra) e o guitarrista (José Alegre), personagens fulcrais e identificadoras do género reconhecido como FadoAg

endar

“CONCERTO DE MAYRA ANDRADE”14 AGO | 22h00 | Palácio da Galeria - TaviraA cantora cabo-verdiana traz à cidade do Gilão as suas sonoridades, que vão desde o romantismo oci-dental até à sensualidade do sul, o reggae tradicional e a música africana

Quando começo a ler um livro, gosto de ver as epígrafes e de pensar que estão ali com algum propósito conectado com aquela obra concreta, recontextualizadas. Fico sem-pre curiosa por ver o sentido que fazem (ou não). E depois esqueço-me completamente. Acabo de ler o livro, discuto-o com amigos, recomendo-o (ou não) e volta para a prateleira. Só quando regresso a ele (para o emprestar, ou por saudades – sim, às vezes tenho saudades de um livro – ou para sobre ele escrever, como é o caso) é que me apercebo que tem epígrafe. Claro que há algumas inesque-cíveis, como a de Memórias de Adriano, de M. Yourcenar (Ani-mula vagula, blandula,/ Hospes comesque corporis…), mas a maioria não sobrevive com a memória do livro.

Releio a epígrafe de As Pri-meiras Coisas (Quetzal, 2013), romance de Bruno Vieira Ama-ral (mais conhecido como crí-tico literário e autor de um outro livro, muito útil e usa-do por muitos jovens às voltas com a disciplina de Literatu-ra, Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa): «‘Por toda a Hiroxima, as paredes e outras estruturas que permaneceram de pé preservaram sombras de pessoas ou de objectos. Todas elas na direcção do clarão de luz. A criação de tais imagens é semelhante à marca deixada no braço por um relógio no fim de um dia ao sol na praia.’ Charles Pellegrino, O Último Comboio de Hiroxima». E tudo faz sentido. Se não tivesse que dar mais informações sobre o livro, diria que As Primeiras Coisas é constituído pelas som-bras de pessoas e objetos que marcaram o percurso de Bru-

no (personagem homónima do autor e que com ele par-tilha algumas características, como o próprio admite. Para que fique claro, sempre que mencionar apenas este nome próprio, é à personagem que me estou a referir).

Virgílio

Tal como Dante teve o poeta latino para o guiar ao Inferno, também Bruno tem o seu Vir-gílio, um velho fotógrafo que o acompanha numa viagem for-çada ao passado. Digo «força-da», porque Bruno regressa ao Bairro Amélia (um bairro peri-férico, na «margem certa» do Tejo, onde foram parar muitos deslocados que tinham ido procurar melhores condições na capital, a quem se juntaram os retornados sem vontade de continuar a viver em hotéis e a quem as famílias, quando as havia, tinham voltado as cos-

tas) de onde saíra depois da adolescência, apenas porque está desempregado («Regres-sar assim foi uma espécie de rendição, um cessar-fogo for-çado», p.13), mas, por outro lado, dado o estado de pros-tração da personagem, este encontro com o fotógrafo foi a sua salvação: «Senti-me atur-dido, como se estivesse a recu-perar de uma anestesia. Res-suscitei no momento em que vi o conteúdo do envelope. En-tão moveu-se e eu segui-o logo» (p.56). Se ainda não tivéssemos percebido, esta citação (v.136 do canto I do Inferno, de Dan-te) iria situar-nos no momento em que o poeta italiano, perso-nagem e autor, aceita o desa-fio de percorrer com o vate os círculos do Inferno. E mesmo estando perante uma obra de ficção, não podemos deixar de vislumbrar a vontade de, tam-bém aqui, autor e personagem se misturarem no caminho

que é percorrido, assumida-mente próximo do de Dante: «Guiado por Virgílio, pela pro-fundidade dos seus olhos, pela experiência dos seus passos re-catados, deixei-me levar para o interior do grande labirinto que eu conhecia desde crian-ça e que me era tão estranho como uma terra fictícia, não cartografada».

Dicionário incompleto, inventário amputado

de sonhos

É desta forma que Bruno descreve a obra que apresenta («Sem exagero, acho que este dicionário incompleto, inven-tário amputado de sonhos, memórias, fontes impressas ou descrições sem sentido, me salvou», p.57), no fim de um prólogo (pp.11-57), em forma de narrativa breve, preparando o leitor para o ambiente criado.

A estrutura deste «dicioná-

rio» tem a sua graça. Todo o li-vro é acompanhado por notas de rodapé, que não são simples notas explicativas que o autor (ficcional) faz ao texto inicial e ao dicionário propriamente dito. Dentro da ficção, é como o narrador se estivesse a au-tocomentar, como se entre o texto e as notas tivesse havido um hiato temporal e a perso-nagem tivesse necessidade de explicitar alguma coisa. Mas com o avançar das entradas di-cionarizadas, as notas ganham vida (literária) própria, sendo, muitas vezes, mais interessan-tes – e até maiores (cf. «Garcia», n. 49, p.135) – que o próprio texto, contando, por vezes, uma outra história (cf. «Pas-tor Joaquim» n. 81, na p.231). Há, até, um capítulo só com título e nota de rodapé, sem mais palavras (p.233, n.82). E apesar das várias referências a documentos supostamente verdadeiros (notícias de jornal, notas biográficas, monografias, etc.), há frequentemente uma nota de irreverência, de ironia inteligente, que nos faz sorrir com a piada escondida.

Todo o livro usa uma lingua-gem crua, livre de preconceitos, violenta e sábia, consoante as personagens que a utilizam. Al-

gumas vezes emocionei-me. Para terminar, deixo aqui um excerto de uma das entradas do dicionário de que mais gosto:

«O avô era tudo, árvore magnífica, rocha antiga e inabalável (…). Certo dia, (…) o pai, intrigado pela proximidade de avô e neto, quis pôr à prova os laços que os uniam. (…) Como a criança se recusasse a trair o avô, a embarcar na corren-te de ódio, a mão do pai levantou-se para lhe cair com toda a fúria e frustração nas faces, nos braços, nas costas. O violento turbilhão de rancor terminou com o pai cansado de não ver as lágrimas no rosto

do filho, a criança ainda imune ao vírus do ressentimento, os olhos magnânimos, ‘perdoo--te, pai, pois não sabes o que fazes’. Então o pai sentou-se, exausto, e viu a figura do ve-lho avançar para a criança, a ancestral firmeza dos braços recuperada. O avô pegou no neto ao colo, os braços da criança enlearam-lhe o pes-coço, as mãos miúdas e sua-ves na pele rugosa, como os veios de um rio que secou, os nós de uma árvore que dura, e essa união fundamental e incompreensível entre dois seres envergonhou o pai, que se levantou num vagar imbecil e estuporado e foi para a rua associar-se aos cães que se arrastavam junto dos muros. (…) A criança fez-se homem, o velho fez-se mais velho (…). Houve uma manhã, (…) Di-ógenes acordou mas tardou a levantar-se. Quando o fez, aproximou-se da porta do quarto do avô. (…) Não se ou-via nada. (…) Quando entrou, viu a cama vazia. (…) Correu para a rua. Ninguém.» (p.106-7, «Diógenes»).

Mas nós sabemos, pela epí-grafe, que, tal como o clarão de Hiroxima, permanecem em nós as sombras que resultaram da luz emanada por aqueles que já nos deixaram.

O escritor e crítico literário Bruno Vieira Amaral

d.r.d.r.

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08.08.2014 12 Cultura.Sul

No âmbito do vasto Programa de Requalificação e Valorização do Promontório de Sagres (PR-VPS), que a Direção Regional de Cultura do Algarve tem vindo a levar a cabo desde 2009 com o concurso do Turismo de Portu-gal e da CCDR-Algarve, e com fundos do Programa de Incen-tivos ao Turismo (PIT), do PIPI-TAL e do Quadro de Referência Estratégico Nacional/Fundo Eu-ropeu de Desenvolvimento Re-gional (QREN/FEDER), segura-mente uma das intervenções de maior visibilidade e significado é a obra, atualmente em curso, de Reabilitação das Muralhas da Fortaleza de Sagres.

A instalação de uma fortifica-ção na Ponta de Sagres remonta ao século XV, quando Henrique, Infante da Casa de Aviz, ali fun-da uma vila fortificada. Algumas construções do recinto henriqui-no e da sua primitiva povoação chegaram até nós: caboucos e ruínas da velha muralha (em dente-de-serra, concebida ao modo tardo-medieval, como a de Portimão), a barbacã de acesso à vila, uma torre-cisterna, edifícios da «correnteza» (depois adaptados a casernas e hoje in-tegrados no Centro Expositivo) e uma misteriosa construção térrea em círculo, cujos raios de pedras alinhadas recordam uma «rosa-dos-ventos», função que, seguramente, jamais lhe assistiu.

Porém, a construção que se destaca na paisagem para quem se aproxima do promontório é a imponente fortaleza abaluar-tada, construída ao modo mo-derno nos finais do século XVIII.

Ao longo de séculos, a primi-tiva fortaleza henriquina, com

sucessivos acrescentos abaluar-tados e adaptações promovidas por el-rei Dom Sebastião, pelos Filipes e no contexto das guerras da Restauração, pôde, pior que melhor, cumprir a sua função de praça de guerra. Mas o terra-moto/maremoto de 1755 pro-vocou enormes devastações no Algarve e a praça de Sagres não foi exceção: em julho de 1756, o sargento-mor Romão Rego cons-tata necessitar a muralha «de uma total reedificação». Vendo aí uma oportunidade, preconizava que «como a frente da fortifica-ção mais moderna não padeceu ruína era bem justo se acabasse seguindo o método do senhor Vauban».

Desse projeto foi encarregue José de Sande Vasconcelos, um dos mais brilhantes engenheiros militares portugueses, que ha-veria de deixar no Algarve vasta obra cartográfica e de constru-ção militar. Homem de grande formação técnica e experiência no terreno, complementada no exercício docente na Aula de Fortificação de Lisboa e no Re-gimento de Infantaria de Faro, Sande Vasconcelos legou-nos um notável acervo documental que inclui os estudos e projetos de remodelação da Praça de Sa-gres, desenvolvidos a partir de 1786.

O resultado desta sua obra, concluída em 1793 - com diver-sas baterias, dois meios baluartes unidos por uma cortina central (onde se abre um elegante por-tal ao gosto neoclássico) e uma posição artilhada a «cavaleiro» instalada na torre que sobreleva a muralha -, é um notável monu-mento militar, que se encontra

atualmente em curso de reabi-litação.

Objeto de diversas reparações desde a sua construção, seguidas de profundas obras de recupe-ração nos finais dos anos Cin-quenta dirigidas pelo saudoso arquiteto Ruy Couto, da Direção--Geral dos Edifícios e Monumen-tos Nacionais (DGEMN) e alvo de uma menos bem conseguida intervenção nos anos Noventa promovida pelo então Instituto Português do Património Cul-tural (IPPC), a Torre e Muralhas de Sagres, classificadas como Monumento Nacional desde 1910, obrigam, presentemen-te, a bem ponderadas soluções de conservação e restauro que procuram recuperar os rebocos primitivos do projeto de Sande Vasconcelos que nalguns pon-tos ainda subsistem, consoli-dar muitas das reparações de revestimento executadas pela DGEMN com argamassas de cal tradicionais e minimizar alguns estragos das, menos cuidadas, intervenções posteriores. Para tal, foram ensaiadas diversas composições de argamassas de cal, testados os métodos de aplicação mais adequa-dos, procedendo-se à sua monitorização ao longo do quadriénio que antecedeu a obra agora em curso. O resul-tado, esperamos, recuperará a imagem da Fortaleza de Sa-gres nos finais do século XVIII, dará maior longevidade a esse notável monumento da enge-nharia militar portuguesa – e torná-lo-á ainda mais atrativo para quem visita o Algarve.

Direção Regional de Cultura do Algarve

Sagres: está em curso a reabilitação das muralhas

d.r.

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A instalação de uma fortificação na Ponta de Sagres remonta ao século XV