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www.issuu.com/postaldoalgarve 7.573 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO JANEIRO 2016 n.º 88 RICARDO CLARO Da minha biblioteca: Sete Contos Ilustrados p. 11 Charolas de Bordeira: tradição assegurada p. 5 D.R. Das tentadoras maiorias às esquecidas minorias na Cultura p. 8 D.R. Letras e Leituras: Jonathan Franzen e a Pureza de ser p. 4 Espaço ao Património: Visita guiada à Biblioteca Municipal de Lagoa D.R. p. 10 D.R. Sala de leitura: Janeiro 2016 p. 9 O(s) sentido(s) a 37º N: D.R.

CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

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• CONHEÇA O CULTURA.SUL DESTE MÊS • Sexta-feira (dia 15/01) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • ON-LINE a informação à distância de um clique em www.postal.pt • • No Facebook em www.facebook.com/postaldoalgarve • EM DESTAQUE: > Missão Cultura: Caminhos de Cultura no Algarve, por Alexandra Gonçalves > ESPAÇO AGECAL: Faro 2005 - Memória de uma Capital Nacional da Cultura > LETRAS E LEITURAS: Jonathan Franzen e a Pureza de ser, por Paulo Serra > PANORÂMICA: Charolas de Bordeira: tradição assegurada, por Ricardo Claro > O(s) SENTIDO(s) A 37º N: Janeiro de 2016, por Pedro Jubilot > SALA DE LEITURA: Das tentadoras maiorias às esquecidas minorias na Cultura, por Paulo Pires > DA MINHA BIBLIOTECA: Sete Contos Ilustrados, por Adriana Nogueira • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve •

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Page 1: CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

www.issuu.com/postaldoalgarve7.573 EXEMPLARES

Mensalmente com o POSTAL

em conjuntocom o PÚBLICO

JANEIRO2016n.º 88

ric

ard

o c

laro

Da minha biblioteca:Sete Contos Ilustrados

p. 11

Charolas de Bordeira:

tradição assegurada p. 5

d.r.

Das tentadoras maiorias às esquecidas minorias na Cultura

p. 8

d.r.

Letras e Leituras:

Jonathan Franzen e a Pureza de ser

p. 4

Espaço ao Património:

Visita guiada à Biblioteca Municipal de Lagoa

d.r.

p. 10

d.r.

Sala de leitura:

Janeiro 2016 p. 9

O(s) sentido(s) a 37º N:d.r.

Page 2: CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

AGENDAR

Cultura em redeEditorial Missão Cultura

Direção Regionalde Cultura do Algarve

“REGENERAÇÃO”De 23 JAN a 9 ABR | Centro Cultural de LagosExposição de pintura de Clotilde. Entre 1964 a 1975, como artista plástica, executou várias obras em ce-râmica para várias instituições. Expõe regularmente desde 1984

drcalg

Teatro Lethes, em Faro

Sinergias: teatro em rede

Ricardo [email protected]

Universidade Sénior de MoncarapachoJuventude, artes e ideias

Jady Batista Editora do Jornal J

d.r.

Aula de Ginástica 'Vida com Ritmo'

15.01.2016 2 15.01.2016 2 Cultura.Sul

AGENDAR

Cultura em rede

O ano começa com o Teatro em destaque no Algarve. São três os momentos a salientar: a apresentação da programação para 2016 da ACTA - a Compa-nhia de Teatro do Algarve para o Teatro Lethes; a formalização da constituição da Rede de Tea-tro do Algarve – a Rede Azul; e o encontro da Rota Ibérica de Tea-tros Históricos (no Teatro Lethes também).

É sobre a Rede de Teatros do Algarve que resolvemos centrar este artigo, ainda que todos se-jam como se disse eventos a evi-denciar no panorama cultural regional.

Nos últimos anos foi efectu-ado um grande esforço de in-vestimento das autarquias na construção, na recuperação e na adaptação de cine teatros e de outros equipamentos cultu-rais destinados à apresentação e produção de espectáculos. A pro-posta de criação de redes no con-texto cultural não é nova, nem recente, mas é fundamental ao desenvolvimento de políticas e estratégias culturais.

O desenvolvimento de par-cerias e de redes de cooperação pode ser uma forma de ultra-passar a ausência de reformas institucionais maiores ou da

produção de reformas de enqua-dramento legal. Nem sempre os procedimentos formais e legais dão resposta às necessidades lo-cais das instituições, ou acompa-nham as dinâmicas de criativida-de dos territórios. E por vezes, as condicionantes legais conduzem mesmo à definição de novas fór-mulas e organizações para que consigam dar resposta a essas necessidades emergentes.

As redes podem ser a resposta para os actuais desafios e podem assumir-se como fundamentais nos processos de implementa-ção de estratégias de mudança e de inovação.

Um dos estudos disponíveis sobre redes culturais fala-nos so-bre o modelo de funcionamen-to das redes e refere como é im-portante que articulem entre si o trabalho que desenvolvem, para que melhor estabeleçam uma efectiva cooperação institucional (Manuel Gama, 2012. “Cultura de Redes Culturais: o Estado nas redes do Estado”, VIII Congresso Português de Sociologia. Univer-sidade do Minho, pp. 2-13).

A consolidação e a sustenta-bilidade das redes deve ser uma preocupação desde o primeiro momento, sob pena de aos olhos das outras organizações cresce-rem com uma dinâmica de pro-tagonismo que possa pôr em causa a sua continuidade.

A ligação com as restantes instituições e agentes culturais deve ser constante e em bene-

fício da comunidade.Os teatros e cine teatros chega-

ram a ter uma proposta de cria-ção de rede prevista pela política pública para a área da cultura, tal como, a rede de bibliotecas, a rede de arquivos e a rede de museus, entre outros, que asso-ciados ao programa de criação e reabilitação das infra estrutu-ras criariam financiamento à sua programação. Não aconteceu assim e os teatros e cine teatros têm assistido a grandes oscila-ções nos seus orçamentos e es-truturas organizativas.

Outras redes têm emergido, umas mais associadas a práticas de marketing, outras mais asso-ciadas a redes de programação (ex. da ArtemRede). O conceito de rede aqui proposto assume

uma lógica de grande interesse para o Algarve e será certamente uma oportunidade e um ponto de partida para estreitar a coo-peração intermunicipal e intra regional.

Este projecto, que tem dado os seus passos de forma mais consistente desde Fevereiro de 2014, foi apresentado à Direcção Regional de Cultura do Algarve em meados de 2015, tendo des-de logo sido acolhido com gran-de entusiasmo e com o apoio directo ao projecto de criação artística associado.

Como pilares principais a destacar nos benefícios que lhe estão associados, destacaria: a definição de uma estratégia co-laborativa, sistémica e integrada; a intensificação do diálogo inter-

municipal; o estabelecimento de parcerias e fortalecimento da dinâmica de redes, criando oportunidades de circulação ar-tística; a possibilidade de avaliar e monitorizar em conjunto as acções públicas desenvolvidas; o desenvolvimento e a promo-ção de projectos comuns de educação e criação artística; a partilha de oportunidades de formação; e finalmente a ren-tabilização dos investimentos efectuados nos espaços e em equipamentos.

A Rede Azul será com o nos-so esforço conjunto um efectivo projecto de cooperação cultural e, certamente, irá promover o desenvolvimento e a capacita-ção das comunidades dos terri-tórios concelhios envolvidos. O Algarve necessita de ter esta voz de união em torno da cultura.

Os teatros e os demais equipa-mentos culturais envolvidos dos 11 municípios que a rede inclui (Albufeira, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira e Vila Real de Santo António) serão pó-los dinamizadores e promotores de arte e de cidadania.

Escreve-se assim uma nova página no teatro do Algarve, que se espera venha a ser uma história longa e repleta de mo-mentos felizes.

Alexandra Rodrigues GonçalvesDireção Regional

de Cultura do Algarve

Editorial Missão Cultura

Direção Regionalde Cultura do Algarve

“REGENERAÇÃO”De 23 JAN a 9 ABR | Centro Cultural de LagosExposição de pintura de Clotilde. Entre 1964 a 1975, como artista plástica, executou várias obras em ce-râmica para várias instituições. Expõe regularmente desde 1984

“MESA AJUDADA”Até 29 JAN | Pólo Museológico da Água - QuerençaDurante 12 dias, 12 pessoas, entre elas artistas e artesãos escoceses e portugueses, trabalharam em conjunto na preparação de uma refeição e de tudo o que a compõe

drcalg

Teatro Lethes, em Faro

A actuação em rede nos mais variados campos de vida tem ganho expressão assinalável e especial desenvolvimento des-de o início dos tempos de crise e contingências orçamentais, como uma das formas de dar resposta às necessidades sem que para atingir os objectivos cada entidade tenha sozinha de desenvolver todo o esforço para cumprir um determinado desi-derato.

Na região algumas experi-ências neste campo, em que a aposta está na criação de siner-gias, têm dado provas das vanta-gens deste tipo de actuação, pese embora as fortes resistências que sempre existem às acções conjuntas que diminuem - apa-raentemente - protagonismos e poderes instalados.

A criação da Rede de Museus do Algarve foi destes esforços um dos que marcou os últimos anos na região, tendo estado entre os frutos deste trabalho em rede dos museus regionais a notável exposição Algarve do Reino à Região.

Muito embora este trabalho tenha sido de grande notorieda-de, a Rede de Museus do Algarve parece estar actualmennte apa-gada de sobremaneira no que toca a actividade pública, algo que indicia que uma boa ideia não subsiste por si mesma, re-querendo para que vingue um esforço contínuo.

É exactamente este desafio que se coloca agora à recente-mente criada Rede de Teatros do Algarve - AZUL, esperando que cumpra o objectivo de através de uma plataforma informal po-der ser palco do desenvolvimen-to cultural e de uma programa-ção mais viva e concertada, ao mesmo tempo que se espera possa ser motor de mais e me-lhor criação artística na região.

Sinergias: teatro em rede

Ricardo [email protected]

Universidade Sénior de Moncarapacho

A Universidade Sénior de Mon-carapacho (USM), iniciativa da Casa do Povo de Olhão, entrou no segundo ano letivo e conta

com 17 professores e cerca de 60 alunos, nas disciplinas de Portu-guês, Português para Estrangei-ros, Inglês, Francês, História de Portugal, Sociedade e Cidadania, Cultura Geral, Psicologia, Saúde/Biologia, Artes Manuais, Música, Reciclagem de Materiais, Teatro e Informática.

O objetivo da Universidade é dinamizar e tornar os dias mais ativos dentro da classe sénior, promovendo atividades de de-senvolvimento físico e intelectu-

al e como tal pretende contribuir para a atualização do conheci-mento, transmitindo-o numa linguagem acessível a todos, pro-curando destacar a experiência adquirida pelos alunos durante as suas atividades profissionais.

A USM é membro da RUTIS (Associação Rede Universitária da Terceira Idade), uma instituição de utilidade pública representati-va das universidades para a tercei-ra idade, também denominadas universidades seniores.

A Casa do Povo de Olhão conta com quase dois mil sócios, sendo um exemplo de envolvimento, cidadania, e um pólo de atração das suas gentes e de toda a vizi-nhança, desenvolvendo diversas atividades para a população em geral, com as mais diversificadas aulas, como a defesa pessoal, pi-lates, dança escocesa ou zumba.

Trata-se de um trabalho que é alimentado pelo sonho de uma equipa e do voluntariado de mui-tos sócios.

Juventude, artes e ideias

Jady Batista Editora do Jornal J

d.r.

Aula de Ginástica 'Vida com Ritmo'

Page 3: CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

15.01.2016  3

Grande ecrã

Cineclube de Tavira luta pela continuidade

Por pura coincidência, os filmes programados para este mês de Janeiro foram todos classificados para maiores de 14 ou 16 anos. Não é que isso significa grande coisa… Des-de há quase 17 anos, o nos-so público já está habituado a ver filmes que provocam uma reflexão sobre a nossa própria vida e a dos que nos rodeiam.

Este mês há uma excepção: O Que Fazemos nas Sombras. Trata-se da comédia e pri-meira longa metragem do jo-vem neozelandês Taika Wai-titi (realizador da bela curta Tama tu), que entretanto já completou o seu novo filme: Hunt for the Wilderpeople.

Há sinais que a nossa asso-ciação poderá entrar num pe-ríodo indefinido de suspen-são de actividades a partir do final do mês de Fevereiro. Não por questões financeiras

mas por razões de falta de in-teresse e empenho dos sócios para dar continuidade a este projecto. Portanto, aqui vai mais um apelo: se conhece-rem alguém com paixão pelo

cinema de qualidade, com energia e dedicação (e tem-po livre, claro), por favor con-tactem connosco já a seguir! Obrigado e até breve!

Cineclube de Tavira

Até final de Fevereiro ainda há cineclube em Tavira

fotos: d.r.

Espaço AGECAL

A vila de São Brás de Alportel fica situada no barrocal algarvio, tem a particularidade de estar situada ao pé da Serra do Caldeirão, serra esta que é dominada pelo sobreiro. Esta floresta que cobre toda a Ser-ra do Caldeirão aumentou a partir dos anos 60, quando o declínio do rendimento agrícola provocou o progressivo abandono da terra e o despovoamento da Serra. Seguiu--se um período de recuperação das áreas de matos e matagais e de re-povoamento florestal, que condu-ziu à paisagem atual marcada pela grande extensão de sobreirais.

A indústria da cortiça sofreu um grande crescimento no Algarve, particularmente em S. Brás de Al-portel a partir do século XIX. Entre 1850 e 1900 existiam 143 fábricas de preparação e transformação

com cerca de três mil postos de trabalho. De facto, fontes distintas apontam para S. Brás de Alportel e para Silves, datas quase coinciden-tes (1861 e 1862) como as do início da comercialização e transformação da cortiça em grande escala. Nesta altura São Brás de Alportel tornou--se um importante centro comer-cial e suplantava Silves na explora-ção comercial e na transformação da cortiça. Durante este período a vila acolheu vários operários ro-lheiros de Silves, Faro, Armação de Pêra, Querença, Portimão, Barão de São João, Lagos e Marmelete, que contribuíram para dinamizar a in-dústria corticeira são-brasense. As últimas décadas do século XIX fo-ram a “era dourada” de São Brás de Alportel devido ao florescimento da indústria e comércio da cortiça. Assistiu-se a par de um notório de-senvolvimento comercial a um cres-cimento demográfico que foi único na história deste concelho. Fontes históricas apontam para a existên-cia na década de 1890 de cerca de cem fábricas a laborar.

O período de 1905 a 1910 foi marcado por várias greves da in-dústria corticeira do Algarve. Por outro lado, os proprietários de fá-bricas e de oficinas exigiram ao Go-

verno a concessão de empréstimos financeiros melhores para poderem modernizar as fábricas e adquirir maquinaria mais competitiva, po-rém, o Governo nunca deu resposta favorável aos seus pedidos. O poder da economia da população estava a desaparecer, foram só alguns in-dustriais que conseguiram vencer a crise. Toda esta crise estava a afetar a indústria corticeira no Algarve, e

muitos foram os operários que não conseguiram estabilizar a sua situa-ção profissional na região algarvia e migraram para outras zonas do país (a margem sul do Tejo foi das zonas mais escolhidas).

Todo este negócio da cortiça não foi só modificado pelas crises que surgiram ao longo dos anos, mas também pelo aparecimento de má-quinas que foram substituindo a

mão-de-obra. Um bom exemplo foi o aparecimento da “garlopa”, que tinha como principal objetivo fazer rolhas, e contribuiu para o desem-prego. A rolha manual deu lugar a máquina, e as fábricas começaram a diminuir progressivamente o nú-mero de operários.

Com a 2ª Guerra Mundial, houve novamente a saída de alguns indus-triais corticeiros para outros países, e os operários acompanharam os seus patrões. O assentamento da in-dústria de preparação de prancha em São Brás de Alportel e a trans-formação em Faro e Silves tem a ver em muito com a situação geográ-fica das localidades. Na localidade de São Brás de Alportel foi interes-se da produção suberícola, situada no barrocal algarvio, designada a produtora da melhor cortiça do mundo.

Muita da cortiça ainda nos tem-pos de hoje vem do Alentejo, por-que a Serra do Caldeirão onde está a maior parte dos sobreiros tem vindo a sofrer com a seca, a doença e os fogos, que estão a causar pro-blemas no sector corticeiro. Hoje apenas cinco fábricas estão a labo-rar em São Brás de Alportel, uma de transformação e as restantes de preparação.

A indústria corticeira em São Brás de Alportel

Ricardo GuerreiroMestre em Gestão e Valorizaçãodo Património Histórico e CulturalIndustrial

d.r.

Serra do Caldeirão é dominada pelo sobreiro

15.01.2016  3Cultura.Sul

Grande ecrã

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | [email protected]

SESSÕES REGULARES | CINE-TEATRO AN-TÓNIO PINHEIRO | 21.30 HORAS

16 JAN | CLOUDS OF SILS MARIA (AS NU-VENS DE SILS MARIA), Olivier Assayas – Fr/Sui/Alem/E.U.A./B 2014 (124’) M/14

21 JAN | KREUZWEG (ESTAÇÕES DA CRUZ), Dietrick Brüggeman – Alemanha 2014 (107’) M/1628 JAN | WHAT WE DO IN THE SHADO-WS (O QUE FAZEMOS NAS SOMBRAS), Taika Waititi e Jemaine Clement – Nova Zelândia/E.U.A. 2014 (86’) M/14

Até final de Fevereiro ainda há cineclube em Tavira

fotos: d.r.

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

CICLO ODISSEIAS FAMILIARES | IPDJ | 21.30 HORAS

19 JAN | CORAÇÃO DE CÃO, Laurie Ander-son, EUA, 2015, 75’

TMF, co-produção Cineclube de Faro e USA – União Sónica do Algarve29 JAN | ESTREIA NACIONAL DO FILME A LONG WAY TO NOWHERE – THE PA-RKINSONS STORY, Caroline Richards, In-glaterra, 2015, 98’ Presença do realizador e da banda

OS MAL AMADOS | SEDE | 21.30 HORAS | ENTRADA LIVRE21 JAN | PACTO DE SANGUE, Lina Wer-muller, Itália, 197828 JAN | O CAÇADOR, Michael Cimino, EUA, 197

Espaço AGECAL

A vila de São Brás de Alportel fica situada no barrocal algarvio, tem a particularidade de estar situada ao pé da Serra do Caldeirão, serra esta que é dominada pelo sobreiro. Esta floresta que cobre toda a Ser-ra do Caldeirão aumentou a partir dos anos 60, quando o declínio do rendimento agrícola provocou o progressivo abandono da terra e o despovoamento da Serra. Seguiu--se um período de recuperação das áreas de matos e matagais e de re-povoamento florestal, que condu-ziu à paisagem atual marcada pela grande extensão de sobreirais.

A indústria da cortiça sofreu um grande crescimento no Algarve, particularmente em S. Brás de Al-portel a partir do século XIX. Entre 1850 e 1900 existiam 143 fábricas de preparação e transformação

com cerca de três mil postos de trabalho. De facto, fontes distintas apontam para S. Brás de Alportel e para Silves, datas quase coinciden-tes (1861 e 1862) como as do início da comercialização e transformação da cortiça em grande escala. Nesta altura São Brás de Alportel tornou--se um importante centro comer-cial e suplantava Silves na explora-ção comercial e na transformação da cortiça. Durante este período a vila acolheu vários operários ro-lheiros de Silves, Faro, Armação de Pêra, Querença, Portimão, Barão de São João, Lagos e Marmelete, que contribuíram para dinamizar a in-dústria corticeira são-brasense. As últimas décadas do século XIX fo-ram a “era dourada” de São Brás de Alportel devido ao florescimento da indústria e comércio da cortiça. Assistiu-se a par de um notório de-senvolvimento comercial a um cres-cimento demográfico que foi único na história deste concelho. Fontes históricas apontam para a existên-cia na década de 1890 de cerca de cem fábricas a laborar.

O período de 1905 a 1910 foi marcado por várias greves da in-dústria corticeira do Algarve. Por outro lado, os proprietários de fá-bricas e de oficinas exigiram ao Go-

verno a concessão de empréstimos financeiros melhores para poderem modernizar as fábricas e adquirir maquinaria mais competitiva, po-rém, o Governo nunca deu resposta favorável aos seus pedidos. O poder da economia da população estava a desaparecer, foram só alguns in-dustriais que conseguiram vencer a crise. Toda esta crise estava a afetar a indústria corticeira no Algarve, e

muitos foram os operários que não conseguiram estabilizar a sua situa-ção profissional na região algarvia e migraram para outras zonas do país (a margem sul do Tejo foi das zonas mais escolhidas).

Todo este negócio da cortiça não foi só modificado pelas crises que surgiram ao longo dos anos, mas também pelo aparecimento de má-quinas que foram substituindo a

mão-de-obra. Um bom exemplo foi o aparecimento da “garlopa”, que tinha como principal objetivo fazer rolhas, e contribuiu para o desem-prego. A rolha manual deu lugar a máquina, e as fábricas começaram a diminuir progressivamente o nú-mero de operários.

Com a 2ª Guerra Mundial, houve novamente a saída de alguns indus-triais corticeiros para outros países, e os operários acompanharam os seus patrões. O assentamento da in-dústria de preparação de prancha em São Brás de Alportel e a trans-formação em Faro e Silves tem a ver em muito com a situação geográ-fica das localidades. Na localidade de São Brás de Alportel foi interes-se da produção suberícola, situada no barrocal algarvio, designada a produtora da melhor cortiça do mundo.

Muita da cortiça ainda nos tem-pos de hoje vem do Alentejo, por-que a Serra do Caldeirão onde está a maior parte dos sobreiros tem vindo a sofrer com a seca, a doença e os fogos, que estão a causar pro-blemas no sector corticeiro. Hoje apenas cinco fábricas estão a labo-rar em São Brás de Alportel, uma de transformação e as restantes de preparação.

A indústria corticeira em São Brás de Alportel

Ricardo GuerreiroMestre em Gestão e Valorizaçãodo Património Histórico e CulturalIndustrial

d.r.

A Serra do Caldeirão é dominada pelo sobreiro

Page 4: CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

Letras e Leituras

Jonathan Franzen e a Pureza de ser

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

fotos: d.r.

Jonathan Franzen é um conhecido romancista norte-americano

Purity é o último romance de Jonathan Franzen

15.01.2016 4 15.01.2016 4 Cultura.Sul

Letras e Leituras

Jonathan Franzen e a Pureza de ser

Purity é o último romance de Jonathan Franzen, e mais uma vez, à semelhança dos anteriores Correcções e Liber-dade, é uma obra de grande fôlego, um livro denso, exten-so (quase 700 páginas), mas que não se consegue pousar. Apesar dos seus títulos sim-ples e sonantes, de uma só palavra, e apesar da prosa flu-ída e directa, as suas obras são polifónicas e centram-se em questões complexas e actuais (sem temer abordar questões políticas), à excepção de A zona de desconforto, em que o autor tece uma narrativa mais confessional, em jeito de auto-biografia.

Correcções não foi o pri-meiro romance de Jonathan Franzen, apesar de ter sido o primeiro traduzido e publica-do entre nós, mas foi aquele que o catapultou para o es-trelato literário, tendo ganho o National Book Award em 2001, tendo sido considerado o grande romance do século e

feito de Jonathan Franzen um dos mais importantes autores da atualidade. Narrando a his-tória de uma família aparente-mente banal, o autor tece um retrato vívido da sociedade norte americana em finais dos anos 90, com momentos de genuíno humor. O autor escre-ve de forma ligeira, mas sem por isso descurar a elegância, a partir de perspectivas múl-tiplas e narradas na primeira pessoa, na própria voz de cada uma das personagens, seguin-do o fluxo de consciência de cada um, o que torna a leitura do romance fácil e quase fre-nética, pois apesar de extenso é difícil pousá-lo.

Liberdade é mais uma vez um retrato tragicómico de família, também ele constru-ído a partir de pontos de vista vários, focando-se desta vez em Patty e Walter Berglund, a mulher perfeita e o advogado ambientalista, com uma bela casa nos subúrbios, um casal aburguesado, com preocupa-ções ecológicas e vanguardis-tas, que vê a sua família des-membrar-se face aos riscos da liberdade e do desejo, quando ambos atingem a meia-idade e de alguma forma dão por si a libertar-se das amarras das convenções e do que se espe-ra deles.

Purity, o seu mais recente romance, publicado à seme-lhança dos anteriores pelas

Publicações Dom Quixote em setembro de 2015, quebra a tradição na medida em que segue a história de uma jovem recém-licenciada, Purity Tyler e das várias pessoas que, sem ela própria saber, compõem a sua vida. Purity inova, em rela-ção aos anteriores romances, na medida em que a trama é construída em torno de um mistério que se vai desvelan-do aos poucos, a partir, mais uma vez, de perspectivas múl-tiplas de cinco personagens, mas que desta vez não estão ligadas entre si, pelo menos não todas, por laços de pa-rentesco, e pela forma como se estabelecem várias analep-ses, pois o passado, por muitas décadas que tenham passado, continua a afetar diretamente o presente e o íntimo de algu-mas das personagens, condu-zindo cada uma das suas ações e motivações. E além de exis-tir um segredo no cerne des-ta obra há também um crime que é revelado e que, apesar da natureza nefasta do ato, é aliás o que acaba por unir as várias personagens da obra. Apesar de uma primeira par-te aparentemente banal, em que seguimos os dilemas de uma jovem aparentemente normal, uma jovém licen-ciada cujas principais pre-ocupações são pagar a dí-vida contraída para poder completar o seu curso, a sua desorientação em re-lação ao seu futuro profis-sional e a sua paixão por um homem casado que vive na casa onde ela alu-gou um quarto. Mas Pip é também uma jovem que cresceu sob a alça-da de uma mãe super-protetora e que acalen-

ta descobrir, e aqui sim Purity aproxima-se mais da extraor-dinariedade, quem é o seu pai, bem como desvendar a verda-deira identidade da sua mãe. Pip é uma jovem que num primeiro encontro com um rapaz, que convida até ao seu quarto, e com quem se pre-para para ter relações sexuais quando subitamente se aper-cebe que tem de sair do quarto para conseguir um preservati-vo, mas acaba por ser (in)vo-luntariamente retida por outra inquilina da casa, Annagret, uma jovem alemã que a quer recrutar para o Projeto Luz So-lar (organização semelhante à WikiLeaks), e que quando vol-ta ao quarto apercebe-se que ele esteve a trocar mensagens com um amigo sobre ela.

E aqui começam as várias implicações de uma história, como se referiu anteriomente, aparentemente simples. Purity

recusa o nome que a mãe lhe deu, com toda a sua sobrecar-ga emocional e ética, e adopta a alcunha de Pip. Mas Pip é um nome que na sua ressonân-cia ecoa essa personagem de Charles Dickens, de Grandes Esperanças, um jovem pobre que vê a sua vida transforma-da, ao ser-lhe dada a possibili-dade de deixar as suas origens humildes e prosseguir estudos que lhe permitem, mais tarde, iniciar uma carreira digna, em virtude da proteção de um misterioso benfeitor, só reve-lado no final, num tremendo volteface ficcional. Os livros referidos de Jonanthan Fran-zen, curiosamente, focam-se quase sempre em mães cujo amor raia o controlo excessivo, o que conduz ainda a chanta-gens emocionais e a conflitos tremendos entre as mães e os filhos ou filhas. Jonathan Fran-zen referiu, aliás, em entrevista

que a sua mãe era uma pessoa com problemas, o que o levou a tentar sempre colocar-se na pele dela, de forma a saber como lhe agradar. Por último, com a questão da troca de mensagens, e a forma como elas são apresentadas grafica-mente, na página, com o pró-prio formato típico de men-sagens entre smartphones, entramos na questão central do romance: a falta de priva-cidade da nossa era pós-mo-derna, o conflito permanente entre a esfera do público e do privado, dada a comunicação virtual frenética de hoje; a fal-ta de integridade, apesar da necessidade de transparência imposta pelas redes sociais que nos identificam, que nos situam no espaço (onde recen-temente já tem acontecido as empresas procederem a des-pedimentos com justa causa por detetarem quebras de con-fidencialidade ou de conduta profissional por parte dos seus funcionários, através daquilo que partilham publicamente nas suas redes sociais entre amigos e conhecidos, mas que está, na verdade, ao alcance de todos); em suma, a forma como a vida ao abrigo da in-ternet, que tanto nos aproxima e agiliza enquanto seres sociais, se aproxima afinal do totalita-rismo controlador e repressivo de regimes como o da Alema-nha de Leste, na medida em que nada é privado, em que a geração de jovens parece que-rer seguir cegamente as massas, em que até o trabalho pessoal de artistas pode ser acedido li-vremente e de forma gratuita (como a luz solar que dá nome ao Projeto), numa ótica próxi-ma do socialismo.

Este é um romance cuja simplicidade e aparente des-centralidade ou desunião entre os temas e as perso-nagens é apenas enganado-ra, pois afinal quem sabe se esta escrita mais próxima do normal, do quotidiano, numa prosa transparente, pura, simples, sem grandes ambições de estilo, não é justamente uma forma de re-tratar mais fielmente a reali-dade, o que tem sido, afinal, o intuito deste escritor de 56 anos de idade, que surgiu na capa da revista Time (o que não acontecia com um au-tor vivo há dez anos) e que ainda antes dos seus 40 anos foi celebrado como um dos grandes romancistas norte--americanos.

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

fotos: d.r.

Jonathan Franzen é um conhecido romancista norte-americano

Purity é o último romance de Jonathan Franzen

Page 5: CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

15.01.2016  5

Panorâmica

Charolas de Bordeira: a tradição pagã e única de recepção ao Ano Novo

A recepção ao Novo Ano faz-se um pouco por todo o Algarve e pelo país com, entre outras tradições, canta-res, assumindo a forma de janeiras ou charolas, numa tradição de sécu-los assente essencialmente na trans-missão oral de carácter religioso, mais ou menos marcado.

Mas as charolas de Bordeira são únicas, diversas de todas as outras da região, pelo seu carácter pagão, manifestação rural de traço popular que, não segue a tradição de cantar ao Menino (Jesus), mas antes se fixa nas cantigas de amizade e alegria e nas vivas, quadras improvisadas com cariz - mais ou menos sublinhado - de crítica social.

É ao som do acordeão, das casta-nholas e pandeiretas, dos ferrinhos e mesmo, algumas vezes, da guitar-ra, do clarinete e do saxofone, que se celebra o novo ano de forma co-munitária por terras de Bordeira, em Santa Bárbara de Nexe, conce-lho de Faro.

O Dia de Reis foi a data escolhida pelo Cultura.Sul para ouvir as cha-rolas em Bordeira, num espírito de convívio que arrasta largas cente-nas de pessoas à pequena localida-de. Por esta altura, novos e menos novos percorrem as ruas e os cafés ou o espaço frente ao palco do ‘En-contro de Charolas’ para não per-derem pitada das vivas que marcam sobremaneira esta tradição.

São as quadras de suposto im-proviso que são a marca indelével das charolas bordeirenses. Carrega-das de crítica social e picardias, as vivas são por excelência o vínculo mais forte desta tradição à comu-nidade e o momento mais espera-do nas actuações de cada uma das várias colectividades dedicadas às charolas.

O humor é a palavra de ordem nestas quadras que passam em re-vista a estória de Bordeira e das suas gentes, os seus defeitos e qualidades e que tudo usam para trazer ao patamar da brincadei-ra e do riso as ‘menoridades’ de cada um dos bordeirenses e das personagens mais conhecidas da localidade.

Também a crítica política local se faz nestas vivas, assim como a

social, de forma prazerosa, arran-cando as palmas e as gragalhadas gerais, numa verdadeira ode ao

senso de humor e à capacidade de encaixe dos visados face às críticas de que são alvo.

O silvo do apito

É ao som de um silvo do apito do

começador que a charola se inicia, é deste ‘mestre’ da arte do canto e do improviso que depende todo o andamento, desde o início da mú-sica à entrada das vivas.

Ao entrarem em palco, ou num dos vários cafés de Bordeira, para apresentarem a sua actuação a vi-zinhos e visitantes que enchem os espaços de apresentação até ao li-mite, as charolas iniciam a perfor-mance com a marcha de entrada, a que se segue o estilo pela voz do começador, dedicando quadras aos convivas e amigos, à alegria , à tra-dição e às histórias e passado.

Depois é a vez das vivas, ditas por membros das charolas e pela assistência onde sempre estão im-provisadores de créditos firmados na arte de versar em quadra e em jeito de animada provocação e crí-tica social e política.

Por fim, ao som da marcha de saída, é tempo de levar a charola à ‘paragem seguinte’, numa verda-deira romaria por todos os espaços públicos de Bordeira, em nome de uma forma de estar e de ser típi-cas e que teimam - felizmente - em manterem-se vivas e de boa saúde.

Uma tradição que é muito mais do que música e animação

As charolas são mais do que mú-sica, tradição, crítica e picardia. Em Bordeira sente-se o pulsar de uma forma arreigada de ser e de estar na vida, uma verdadeira galhardia no saber versar e encontrar a pala-vra certa para criticar.

Há garbo no rosto de quem can-ta e no tom com que se soltam as quadras, atiradas para o meio da roda com o coração amigo que ‘tudo’ aceita e compreende. Das críticas feitas de forma aligeirada pela música e pelo tom, o peito de quem as faz não colhe por terras de Bordeira, na verdadeira tradição das charolas, qualquer melindre dos visados.

As charolas são a prova cabal dos fortes laços comunitários que unem os bordeirenses e que fazem desta uma comunidade coesa onde - pese embora as diferenças e di-vergências naturais e costumeiras - a preservação da identidade e do conceito de comunidade têm uma força já rara em muitas aldeias, vi-las e cidades da região e do país.

Afirmada de forma peremptória no Dia de Reis, a identidade bordei-rense, feita música e verso, é assim uma manifestação rara de força po-pular que promete não esmorecer com os muitos herdeiros que nas charolas juvenis fazem já vingar a arte deste verdadeiro ‘rap rural’.

Ricardo ClaroJornalista / [email protected]

A Charola 'Democrata de Bordeira' deu as boas vindas ao Ano Novo

A tradição charoleira assegurada pelos mais novos

A Charola Juvenil de Bordeira, numa animada 'mini actuação' para o Cultura.Sul

O jovem charoleiro bordeirense Pedro Ramos

15.01.2016  5Cultura.Sul

Panorâmica

Charolas de Bordeira: a tradição pagã e única de recepção ao Ano Novo

fotos: ricardo claro

A tradição charoleira assegurada pelos mais novos

Pedro Ramos é aos 11 anos um verdadeiro charoleiro, lado-a-la-do com os 28 membros da Cha-rola Juvenil de Bordeira, a cujos comandos está Marina Martins.

Não foi dos pais que herdou a tradição, antes dos avós, dos tios e da madrinha, como nos conta o jovem começador que faz das castanholas o instrumento de eleição.

Para Pedro as charolas são mui-to mais do que tradição, trata-se

de fazer parte integrante da co-munidade, de participar com os amigos e colegas numa manifes-tação que é um verdadeiro traço de identidade.

Quanto às vivas que entoa, ain-da não as escreve, mas ensaia-as com vigor para que pareçam ver-dadeiro improviso na hora de ac-tuar, escudado na experiência de escritores de mais idade para ga-rantir a verdadeira autenticidade e originalidade das quadras.

Um exemplo apenas dos mui-tos que em Bordeira se podem ver e que garantem a sobrevi-vência da tradição charoleira da localidade.

A alma bordeirense tem vida longa assegurada nos sorrisos dos jovens charoleiros e músi-cos locais que fazem jus à tra-dição centenária de celebrar o novo ano.

Boas notícias a provar que a tradição ainda é o que era.

A Charola Juvenil de Bordeira, numa animada 'mini actuação' para o Cultura.Sul

O jovem charoleiro bordeirense Pedro Ramos

Page 6: CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

Artes visuais

Saul Neves de JesusProfessor catedrático da UAlg;Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

AGENDAR

“PINTAR SEM TINTAS… EM CORES”De 20 JAN a 18 MAR | Antigos Paços do Concelho de LagosLena Rita Vansteelant sente-se fascinada por tecidos desde a sua infância. Actualmente, pinta não só com tecidos, mas também com rendas e tules

Imagem da primeira fotografia da história, intitulada “Vista da janela em Gras” (Joseph Niépce, 1826)

d.r.

15.01.2016 6 15.01.2016 6 Cultura.Sul

Artes visuais

Saul Neves de JesusProfessor catedrático da UAlg;Pós-doutorado em Artes Visuais pela Universidade de Évora

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“PINTAR SEM TINTAS… EM CORES”De 20 JAN a 18 MAR | Antigos Paços do Concelho de LagosLena Rita Vansteelant sente-se fascinada por tecidos desde a sua infância. Actualmente, pinta não só com tecidos, mas também com rendas e tules

“CONCERTO DE ANO NOVO”17 JAN | 16.30 | Igreja Matriz de São BrásA Banda Filarmónica de São Brás de Alportel apre-senta um repertório onde se incluem obras origi-nais e adaptadas para Orquestra de Sopros, sem esquecer a tradicional Marcha “Radetzky

A fotografia no desenvolvimento das artes visuais

Imagem da primeira fotografia da história, intitulada “Vista da janela em Gras” (Joseph Niépce, 1826)

d.r.

A origem etimológica de fo-tografia provém do grego fós, que significa luz, e grafê, que significa desenhar, pelo que pode significar desenhar com luz. E é sobretudo isso que a fotografia procura fazer, isto é, através da luz que incide so-bre os objetos do mundo num determinado momento, con-seguir captar esse momento de forma a que fique registado para o futuro, como se de uma memória visual se tratasse. Em termos de definição mais for-mal, por fotografia entende-se a técnica de criação de ima-gens por meio de exposição luminosa, fixando esta numa superfície sensível.

Este processo conheceu uma evolução, tendo contado com diversos contributos, desde a câmara escura, descrita por Della Porta já em 1558, a qual era utilizada por Leonardo da Vinci e outros artistas do século XVI para fazer esboços de pin-turas. Merece também desta-que, o fato de Angelo Sala, em 1604, ter percebido que um composto de prata escurecia ao sol, supondo que seria o calor a produzir esse efeito. No pla-no das descobertas da quími-ca que precederam a fotografia foi muito importante que, em 1724, Johann Schultze, ao re-alizar experiências com ácido nítrico, prata e gesso, tivesse verificado que não era o calor, mas sim a prata halógena con-vertida em prata metálica que provocava o escurecimento.

Todavia, é em 1826 que o químico francês Joseph Ni-épce produz a imagem que é reconhecida como a primeira fotografia da história, intitula-da “Vista da janela em Gras”, suportada numa placa de es-

tanho coberta por um deri-vado de petróleo fotossensí-vel, denominado Betume da Judéia. Ao contrário das an-teriores tentativas de Niépce, esta imagem não desapareceu tendo conseguido ficar com o seu registo. Este processo foi designado como heliografia, significando gravura com a luz do sol. No entanto, eram ne-cessárias cerca de oito horas de exposição à luz solar para concretizar este processo.

Foi Louis Daguerre, que veio a tornar-se sócio de Niépce, que, após o falecimento do primeiro, apresentou um novo processo de revelação, desig-nado por daguerreotipia, em que utilizou vapor de mercú-rio ou iodo no revestimento das placas, em vez de prata, permitindo reduzir significati-vamente o tempo de exposição necessário, pois bastavam al-guns minutos para conseguir o registo da imagem. Além dis-so, Daguerre solucionou o pro-blema da curta durabilidade da imagem formada na chapa depois de revelada, pois con-tinuava sensível à luz do dia. Nesse sentido, descobriu que, mergulhando as chapas reve-ladas numa solução aquecida de sal de cozinha, este tinha um poder fixador, obtendo as-sim uma imagem inalterável.

Para além de ter patentea-do o seu invento em França, em 1835, Daguerre procurou fazê-lo em Inglaterra, mas aqui William Talbot trabalhava já em suportes de papel fotossen-sível, tendo registado o seu ca-lotipo em 1839. O processo de Talbot usava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram co-locadas em contato com outro papel, produzindo a imagem positiva. Este foi o processo que se veio a utilizar daí para a frente, pois também produ-zia um negativo que podia ser reutilizado para produzir vá-rias imagens positivas.

Os anos 30 foram realmente caracterizados por um ambien-te de competição em torno do desenvolvimento do processo de registo fotográfico, tendo ha-vido outros que realizaram estu-

dos nesse sentido. Por exemplo, em 1939 Hippolyte Bayard tam-bém desenvolveu um método de obtenção de uma imagem fotográfica em positivo sobre papel, mas não tornou desde logo pública a sua descoberta.

Além disso, embora habitu-almente sejam enfatizados os trabalhos de Niépce, Daguerre e Talbot, convém salientar que a palavra “photographie” foi proposta por Hércules Floren-ce, francês radicado no Brasil, em 1833, para descrever o seu processo de revelação nitrato de prata, baseado na criação de negativos, tal como Talbot fazia.

A base para a “democratiza-ção” da fotografia estava lança-da e daí em diante a evolução das técnicas e do equipamento fotográfico nunca mais parou. Nomeadamente, em 1861 foi feita a primeira fotografia co-lorida da história, tirada por James Maxwell, conforme já anteriormente referimos.

No final do século XIX ocorre a popularização da fotografia, tendo sido essen-cial o contributo de George Eastman, fundador da Kodak, nos EUA, com a introdução no mercado da câmara tipo “caixão” e pelo rolo substituí-vel ou filme fotográfico, em 1888. Este é constituído por uma base plástica, geralmente triacetato de celulose, flexível

e transparente, sobre a qual é depositada uma emulsão fo-tográfica. Esta é formada por uma fina camada de gelatina que contém cristais de sais de prata, sensíveis à luz que che-ga a ela através da lente da câmara. Esta popularidade le-vou a que muitos intelectuais e artistas ainda no século XIX vaticinassem o fim da pintura, pois permitia a multiplicação de uma única imagem e a re-presentação muito realista dos objetos, de forma mais rápida, a custos reduzidos e a que to-dos poderiam ter acesso.

No entanto, enquanto a pin-tura continuava a ser encarada como arte, a fotografia não ob-teve desde logo esse estatuto, por ser um processo mecânico que captava imagens através de fenómenos físico-quími-cos. Os fotógrafos eram vis-tos com técnicos e não como artistas. No seu livro “O acto fotográfico” (1992), Philippe Dubois considera ter havido uma polarização que atribuía à pintura as funções de arte e imaginação, enquanto a foto-grafia seria responsável pelo documentário e focalizada no conteúdo concreto.

O “ambiente” era de algu-ma tensão e mesmo de opo-sição entre os pintores e os fotógrafos. Assim, enquanto os fotógrafos valorizavam o

potencial da fotografia, che-gando Lamertine a conside-rar que “a fotografia, mais do que uma arte, é um fenómeno solar, em que o artista colabo-ra com o sol”, ao contrário o posicionamento dos pintores foi claramente negativo, tendo Vlaminck referido “odiamos tudo o que tem a ver com a fotografia” e Delaroche feito o conhecido comentário, no ano em que a fotografia foi inventada: “a partir de hoje, a pintura está morta”.

Não tendo provocado a morte da pintura, a fotografia veio influenciar o desenvol-vimento desta. Tinha deixa-do de fazer sentido à pintura limitar-se a tentar reproduzir a realidade, pelo que se liber-tou dessa condição e evoluiu no sentido de novas formas de expressão que fizessem mais apelo à criatividade, do que à mera reprodução do real observável, e as técnicas pictóricas mais fluídas, livres e espontâneas. O próprio Gus-tave Courbet, considerado o fundador do Movimento Rea-lista, apontava para o facto de a invenção da fotografia ter le-vado à mudança da arte reali-zada através da pintura, mas, ao contrário de Delaroche, considerava positiva a relação que se poderia estabelecer en-tre ambas. É curioso que várias

pinturas feitas por Courbet nos anos 50, do século XIX, vieram a ser “traduzidas” na forma de fotografia por Villeneuve e Au-gust Belloc na mesma época, mostrando a proximidade que havia nalguns casos entre a pintura e a fotografia, bem como a tentativa de inspiração e apropriação por parte da fo-tografia de temas usualmente tratados através da pintura. Por seu turno, vários pinto-res recolhiam fotografias de paisagens e de modelos para poderem depois pintar no conforto dos seus ateliês. Por exemplo, Bierstadt, Courbet e Manet consideravam as fotos como um bom suporte para pintar paisagens, não sendo necessário que o pintor con-dicionasse o seu trabalho às condições climatéricas, e por seu turno Delacroix usava fo-tos para o estudo de poses difíceis de manter. O próprio Picasso utilizava a máquina fo-tográfica para documentar o ambiente que o rodeava, sen-do por vezes as fotos uma fon-te de inspiração para os seus quadros (Gantefuhrer-Trier, 2005). No entanto, embora começando a ser reconhecida a utilidade da fotografia pelos pintores, esta parecia sempre como não pertencendo ao do-mínio das artes.

Em síntese, o surgimento da fotografia, inicialmente visto como um problema por alguns pintores, paradoxal-mente foi talvez o principal fator que contribuiu para o desenvolvimento da pintura, com uma importância fun-damental para a transição da pintura clássica para a pintura moderna (Stremmel, 2005). O impressionismo do final do sé-culo XIX marcou essa transição, ao procurar que a pintura ex-pressasse mais as “impressões” da realidade, do que a reprodu-ção da realidade que poderia ser obtida através da fotografia.

Nota: Este artigo integra o livro “Construção de um percurso multidisciplinar,

integrativo e de síntese nas Artes Visuais”, de Saul Neves

de Jesus ([email protected])

Page 7: CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

15.01.2016  7

Momento

"Charolas de Bordeira"

Foto de Ricardo Claro

Espaço ALFA

Fotografia comunicação e memória

15.01.2016  7Cultura.Sul

Momento

Foto de Ricardo Claro

Espaço ALFA

A fotografia é, sem dúvida, uma for-ma de arte e de comunicar, seja através da mensagem que a imagem direta-mente transmite, seja pelo que subli-minarmente nos poderá transmitir.

A fotografia é presente e é memória futura, uma vez que nos pode dar uma imagem no imediato mas também e es-sencialmente nos ajuda posteriormen-te a perceber ou a recordar momentos essenciais, da história, das experiências positivas e negativas, da felicidade, do prazer, do evoluir da vida e na vida.

Para nós fotógrafos, cada fotografia conta-nos não só a história dessa ima-gem fotográfica, mas também todos os passos e as razões que nos levaram até ao premir do obturador e obter o resultado final. Quantas vezes, para ob-termos “aquela” foto, nos levantámos bem de madrugada, passámos fome, ficámos ensopados, percorremos qui-lómetros sem fim, ficámos atolados na

lama, fomos insultados, perseguidos, vaiados, compensados com sorrisos, acarinhados, enfim, cada foto contém um imenso percurso, umas vezes mais feliz, outras nem tanto, mas que ao ser recordado nos deixa sempre com um sorriso de satisfação nos lábios, porque

nos faz perceber melhor as pessoas, a natureza, o universo e a razão porque gostamos de fotografar.

A fotografia tem a capacidade de levar o desconhecido ou de redese-nhar o conhecido a todos que a ela tenham acesso, sejam as desgraças

dos povos ou as suas felicidades, as mortes ou o desabrochar da vida, as belezas e os horrores.

A fotografia é uma forma de ex-pressão, de arte, de comunicação, de explosão, de cor, de prazer ou de dor, de história, de ciência, de real

e até de irreal.

P.S. - A ALFA elegeu novos corpos ge-rentes em novembro, com um novo pro-grama, uma nova dinâmica e com toda a disponibilidade e vontade para promover a fotografia e os fotógrafos. Junta-te a nós.

Membro da ALFA

Page 8: CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

Maiorias/minorias: um questionamento e desafio permanentes na área cultural

Sala de leitura

foto: dariusz klimczak

15.01.2016 8 15.01.2016 8 Cultura.Sul

Maiorias/minorias: um questionamento e desafio permanentes na área cultural

Das tentadoras maiorias às esquecidas minorias na Cultura

Sala de leitura

foto: dariusz klimczak

“Uma parte de mim é mul-tidão, outra parte estranheza e solidão”, escreveu o poeta brasileiro Ferreira Gullar. Sob esta dupla (e complexa) con-dição, revisito a visão de Gilles Lipovetsky sobre o nosso tem-po, quando introduz o concei-to de “cultura-mundo” como seu denominador comum, o qual se materializa em dois movimentos fundamentais: aproximando as sociedades, as multidões, isto pela abun-dância das mesmas marcas, produtos idênticos, modos de estar e estilos de vida similares; e, paralelamente, contribuindo para uma profunda diversifica-ção dos indivíduos.

“O colectivo assemelha-se, mas o indivíduo diferencia-se nesse colectivo.” É a aceleração do individualismo, que cria as-sim uma maior pluralidade e heterogeneidade de gostos e comportamentos. Daí advêm, ainda segundo Lipovetsky, dois paradoxos: hoje vive-se me-nos bem, mas vive-se melhor, isto porque, não obstante ha-ver condições materiais mais favoráveis (e de o indivíduo privilegiar, em grande medi-da, a satisfação imediata), há mais medo, falta de esperança e ansiedade relativamente ao futuro; e a ideia de que se co-munica mais mas, simultanea-mente, de que há um crescente sentimento de solidão.

Junta-se a este cenário a ten-dência para “ler” a realidade actual numa perspectiva do-minantemente quantitativa, feita de números e estatísticas, à qual os universos da criação, programação e recepção cultu-rais também não são imunes. A espectacularização e hiper-mediatização que dominam uma parte relevante da oferta cultural que é apresentada ac-tualmente assentam muito na ideia de que o valor e impacto público de uma actividade se aferem e são “validados” pelo

número de ingressos vendi-dos/lotações esgotadas, lucro obtido ou, a nível digital, pela contabilização facebookiana das visualizações, gostos, reac-ções, comentários, partilhas, identificações ou “adesões” a dado evento.

Esta visão, que privilegia cla-ramente as maiorias, o consu-mo (em detrimento da recep-ção individual e do impacto pessoal) e uma lógica massifi-cada e rentável, muito dificil-mente coexiste com uma ideia, não perversa e não deturpada, de democraticidade cultural e de respeito pelas minorias cul-turais, sejam estas criadores e/ou públicos. Não obstante te-rem a sua natureza e legitimi-dade próprias, a afirmação das maiorias não pode ser sinóni-mo de “tolerância repressiva” ou ter como reverso a anula-ção, directa ou sub-reptícia/enviesada, dos grupos minori-tários, nem servir de argumen-to de sucesso para “justificar” a não atenção ou menor aposta em segmentos culturalmente não massificados da sociedade.

Em toda a sua amplitude institucional, através das po-líticas e intervenções dos seus organismos e equipamentos culturais, o Estado e as autar-quias não se devem divorciar de uma certa “regulação” desta sensível antinomia, funcionan-do como exemplo de boas prá-ticas, enquanto filtro que tam-bém legitima a diferença, que reconhece a diversidade e que não se limita à mediania nem a

populares, mediáticas e “pacífi-cas” ditaduras da(s) maioria(s). Esta postura, que implica co-ragem, determinação e arrojo, constitui um enorme desafio para o aparelho estatal, dada ainda uma certa tradição, entre “paraquedística” e aventurei-ra, de perigosa politização da actuação a nível cultural, fruto da ausência de protagonistas clarividentes/competentes ou de estratégias definidas para essa área.

Sem descurar obviamente o grande público a nível da sua programação cultural, é fun-damental que o sector públi-co dê mais espaço e dignida-de às expressões minoritárias, experimentais, “lentas”, apos-tando também, efectivamente, na vertente da educação artís-tica (a qual, infelizmente, tem sido gradualmente desvalori-zada nos contextos de ensino oficiais) e em equipamentos culturais dotados de serviços educativos estruturados e con-sistentes, visto que quando não se conhece dificilmente pode valorizar-se algo. É claro que esta atitude não populista em relação à oferta cultural im-plica ainda, da parte de quem programa e promove, um maior investimento e exigên-cia na componente da media-ção/envolvimento dos públicos e em plataformas específicas de apresentação e difusão para os formatos minoritários que se pretende apresentar.

Se a tentação pela maioria, pelo consenso alargado, por

um gosto mais comum e abran-gente, pelo retorno financeiro, pela garantida visibilidade e prestígio (até com dimensão política) pode assaltar dile-maticamente vários gestores e programadores no momento de gizarem os seus planos de actividades, não é menos ver-dade que essa tendência para agradar e ser numericamente impactante (nivelando, não poucas vezes, por baixo) tam-bém pode influenciar pernicio-samente certo meio criativo e artístico, retraindo a sua capa-cidade de ousar, arriscar, “sair da caixa” – e, assim, de surpre-ender, reinventar e abrir reno-vados horizontes de conheci-mento e prazer. Nesta medida, é essencial que quem gere e programa transmita um sinal positivo ao circuito cultural ao apostar também em propostas emergentes/minoritárias, lançan-do chamadas para criação, esta-belecendo parcerias em co-pro-dução, realizando encomendas, apoiando projectos diferencia-dores com marca autoral.

Por outro lado, e perante esse amplo, heterogéneo e desigual território a que hoje se chama “cultura”, também cabe aos públicos a filtragem, distância crítica e atenção dife-renciadora face à oferta apre-sentada. Mas também aqui o terreno é complexo e apaixo-nante, estando intimamente ligado às motivações e expecta-tivas de cada indivíduo em re-lação às actividades culturais: se o consumo e a cultura me-

diática do divertimento, onde parece não haver lugar para o “valor do espírito” de que falava Paul Valéry, têm vindo a adquirir um peso – que é, obviamente, legítimo – muito assinalável no quotidiano ac-tual, também é um facto que outros, os “amadores de arte”, continuam a privilegiar a bus-ca de uma experiência estética “pura”, a contemplação e eleva-ção espirituais, a imersão em percursos iniciáticos, o cultivo do recolhimento e silêncio.

Pelo meio – e pensando ainda nas questões da re-cepção/fruição culturais e formação do gosto –, a já aludida tendência para uma maior individualização e he-terogeneização dos gostos e das atitudes e para um in-cremento das variações in-tra e interpessoais ao nível cultural (derivadas da su-perabundância de escolhas apresentadas pelo mercado e da diluição das culturas de classe) patenteia-se em múl-tiplos indivíduos que conju-gam no seu gosto e prática regular formatos estética e artisticamente mais exigentes com outros mais ligados a es-feras do chamado “entreteni-mento”. Estamos, neste caso, perante uma variada gama de “arranjos pessoais” – para usar uma expressão cara à sociologia da religião –, fei-ta de cruzamentos, sínteses e eclectismos que caracterizam várias franjas de público cul-tural contemporâneo.

Reflexo também disso é, por exemplo, o facto de a cul-tura artística nunca ter tido, como agora, uma tão gran-de audiência das massas. As obras mais amplamente reco-nhecidas parecem funcionar “como objectos de animação das massas destinados a di-versificar os lazeres e a ‘ma-tar’ o tempo”, proporcionan-do aquilo a que Lipovetsky chama “emoções secundá-rias que criam um tempo de recreação”. É um novo tipo de experiência, em que acla-madas obras suscitam, para o grande público, a mesma atitude e a mesma relação temporal que o consumo dos produtos mais vulgares.

Uma última nota sobre a questão da formação do gosto: se o peso familiar, educacional e económico tem um reflexo crucial nes-se processo individual, as práticas de interacção social que os sujeitos estabelecem entre si no dia-a-dia assu-mem igualmente um papel preponderante, como pre-coniza o sociólogo Paul Di-Maggio. Funcionando como uma forma de classificação ritual e um meio de cons-trução de relações sociais, os gostos artísticos podem ter, ao nível dos seus usos sociais, um efeito de ponte ou de muro entre os indiví-duos. DiMaggio insiste, aliás, na ideia de que pessoas que possuem bastantes contactos e papéis sociais (o capital re-lacional) desenvolvem um maior e mais variado reper-tório de gosto cultural, pre-ocupando-se em conhecer e relacionar obras de arte para andarem actualizados e pos-suírem motivos de interesse que lhes permitam ampliar a sua rede social.

Voltando ao título deste texto: se a democracia, ide-almente feita de liberdade, diversidade, inclusão e de maiorias, é essa “mãe mais doce que o mel” de que fala Sérgio Godinho numa can-ção intemporal, é deveras preciosa (inclusive no pla-no do acesso cultural, que é, também ele, uma forma de poder) a ideia de que uma civilização também deva ser julgada pelo tratamento que efectivamente dispensa às suas minorias.

Paulo PiresProgramador culturalno Município de Louléhttp://escrytos.blogspot.pt

Page 9: CULTURA.SUL 88 - 15 JAN 2016

15.01.2016  9

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

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“COMÍCIO-CONCERTO CANDIDATO VIEIRA”15 JAN | 22.00 | Casa do Povo de Santo Estêvão- TaviraManuel João Vieira apresenta as motivações morais, económicas e estratégicas que o levam mais uma vez à disputa do mais alto cargo da Nação Portuguesa

Janeiro 2016

Pedro [email protected]

fotos: d.r.

15.01.2016  9Cultura.Sul

O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N

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“COMÍCIO-CONCERTO CANDIDATO VIEIRA”15 JAN | 22.00 | Casa do Povo de Santo Estêvão- TaviraManuel João Vieira apresenta as motivações morais, económicas e estratégicas que o levam mais uma vez à disputa do mais alto cargo da Nação Portuguesa

“VIAGENS, EPIFANIA DA COR”Até 27 FEV | 22.00 | Galeria do Conventodo Espírito Santo - LouléGuilherme Parente remete-nos para um universo do maravilhoso e da utopia onde a cor é a própria viagem, numa dualidade entre a realidade e a imaginação

Janeiro 2016

Pedro [email protected]

A Natureza

Agora que as árvores estão nuas, de folhas despidas, espalhadas pelos chãos, vestimo-nos nós. Calçamo-nos, cobrimo-nos, para nos prote-germos das aragens frescas. Para que a partir do próximo equinócio vistam elas os seus troncos, e vamos nós aliviando as peças que nos atafu-lham os membros. A natureza sabe tudo, e nós só temos que segui-la.

Pinta Roxa

O nome foi pescado ao peixe (ver logotipo) que faz parte da troika fundamental de uma caldeirada à maneira, juntamente com a tre-melga e a raia (o resto é para encher e decerto discutível). Está ali na avenida 5 de outubro, em Olhão, frente ao jardim, como quem vem dos mercados para o cais T. Apresenta uma misce-lânea de artes, mas tudo devidamente exposto

e visível. Entre outros, a construção naval em miniatura, de Vitorino Nascimento, os ímanes e pregadeiras de Maria Manuela Moreira, os pos-tais e fotografias de Filipe da Palma e os traba-lhos da artista Joana Rosa Bragança.

A Voz

A voz de Paulo Moreira, encenador, actor, escritor… soará a orientar o «Workshop de Dicção e Expressão Oral» - com exercícios para uso correcto e eficaz da voz: dicção/articulação, respiração, entoação e projecção de voz. Dia 23 de Janeiro, das 14h às 19h, na Biblioteca Municipal de Faro A. R. Rosa, numa organi-zação de Requinte Turquesa – Eventos & Ser-viços (inscrições: [email protected] - 20€)

Maria AfonsoPoema do livro «(eu diria que nevava)» que a

autora de Sabugal/Guarda em breve publicará na CanalSonora, editora de Tavira, e também não de apenas a 37ºN .

segundos apenase tudo aparenta achar-se no lugar que lhe cabe

a relva, agora mais parca, era dantes tapete alucinante

na janela obstinada demoram-se devaneiosdos céus que acontecem

e virá o inverno a defender-se de uma primitiva primavera

um dia voltará um verão incendiado nas mãose a terra terá a cor da nossa pele

só um rosto arredado numa ausência firmeretardará o movimento de translação

e o tempo volta a ser calculado por desusadas clepsidras

CA2

A nova sala do Centro Cultural António Alei-xo, em Vila Real de Santo António, recebe no próximo 22 de Janeiro, pelas 21h30 - «Noites de Poesia», com presença dos Poetas do Gua-diana e com microfone aberto a quem desejar participar, lendo os seus textos, numa sessão de tertúlia, improviso, leituras e música.

Artur Pastor

A primeira grande exposição das fotografias de Artur Pastor patente no Algarve pode ser vista até 31 de Março no Convento de S. José em Lagoa. Apresentam-se comoventes imagens desse mundo a preto e branco dos anos 40 a 60 do século passado, tiradas no Algarve, pelo qual se apaixonou (fez a tropa em Tavira) o jovem re-gente agrícola alentejano (Alter do Chão,1922).

A exposição «O Algarve de Artur Pastor» é o culminar da 2ª edição dos Encontros de Foto-grafia de Lagoa.

Um pequeno rioUm pequeno rio numa pequena cidade sem-

pre ali. E o rio sempre ali. Visto das margens. Não o atravessas, não o mergulhas, não se nada. Nada.  e o rio que parece que está sempre ali. Parado

na cidade. Mas passa e corre. E quando te aper-ceberes parecerá que já terá passado tudo. Tudo (o que já passou)

Cine-Teatro Louletano

Com Paulo Pires agora ao comando da pro-gramação cultural do município de Loulé, apostando numa linha de reinvenção, ques-tionamento, transformação e envolvimento da comunidade local,  podem já consultar-se as muitas e boas propostas para o primeiro se-mestre de 2016. Difícil é destacar algumas. Nada como verificar rapidamente na página do Cine--Teatro da Avenida José da Costa Mealha, não vá já ter perdido, por exemplo «As Conversas à quinta» que ontem contou com Paulo Cunha.

A Conversa Já Chegou

Uma brincadeira começada na página face-book de Balsa Papilar mas que entretanto foi parar ao papel. O palavreado no papel é outro, salvo o dos Pimentos Curtidos & Papas de Milho.  Vai numa impressão muito simples a preto & branco, não serve para engalanar prateleiras. Custa o mesmo que uma compota de 140g: 3,50€ (edição Balsa Papilar) e é servido por Lu-ísa Soares Teixeira.

Num outro dia

Num outro dia decerto a chuva trará a maré su-bindo, nem sempre a transbordar nas margens de madeira aprumada. Onde ando como se sobre-vivesse do que lá se passa. Reflectindo palavras, espelhando imagens nas águas que fluirão nesse rio, que vazará todos os dias umas vezes mais que outras. E mesmo assim nada será como antes e no entanto tudo ficará como que na mesma.

fotos: d.r.

à Cozinha

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Espaço ao Património

Do prazer da leitura: visita guiada à Biblioteca Municipal de Lagoa

Clara Andrade Técnica superior responsável pela Biblioteca Municipalde Lagoa e artista plástica

Recepção da Biblioteca, aspecto geral

fotos: d.r.

Sala Infantil: Oficina “Palavra de Sofia” com Nelda Magalhães

15.01.2016 10 15.01.2016 10 Cultura.Sul

Ficha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Ricardo Claro

Paginaçãoe gestão de conteúdos:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:

• Artes visuais:Saul de Jesus

• Espaço AGECAL:Jorge Queiroz

• Espaço ALFA:Raúl Grade Coelho

• Espaço ao Património:Isabel Soares• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Grande ecrã:

Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista

• Letras e literatura: Paulo Serra• Missão Cultura:

Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Momento:Ana Omelete

• O(s) Sentido(s) da Vida a 37º N: Pedro Jubilot• Panorâmica:

Ricardo Claro• Sala de leitura:

Paulo Pires• Um olhar sobre o património:

Alexandre Ferreira

Colaboradoresdesta edição:Clara AndradeRicardo Guerreiro

Parceiros:Direcção Regional de Cultu-ra do Algarve, FNAC Forum Algarve

e-mail redacção:[email protected]

e-mail publicidade:[email protected]

on-line em: www.postal.pt

e-paper em:www.issuu.com/postaldoalgarve

facebook: Cultura.Sul

Tiragem:7.573 exemplares

Espaço ao Património

Do prazer da leitura: visita guiada à Biblioteca Municipal de Lagoa

Sempre que falamos das virtu-des das Bibliotecas Municipais, falamos, e muito legitimamente, em informação e documentação, no livro e na leitura, nas compe-tências várias que promovem, na democratização da cultura, na promoção do bem comum e da boa cidadania, e por aí fora. Como bibliotecária responsável pela Biblioteca Municipal de La-goa, dei comigo, um dia destes, a observar os leitores ou utiliza-dores - ninguém me obrigará a chamar-lhes clientes - e a aperce-ber-me de uma realidade que ra-ramente é referida e que, contu-do, me parece ser uma qualidade inquestionável e de superlativo valor: o prazer e a alegria que as bibliotecas proporcionam. Qual-quer que seja o serviço utilizado, quer no serviço de informação e referência na Recepção, quer nas Salas de Leitura, no Espaço Internet ou nos diversos even-tos culturais, adultos, jovens e crianças reflectem um estado de aprazimento e bem-estar que co-meço a pensar se não deveriam, as Bibliotecas, ser mencionadas e consideradas de importância ca-pital para a felicidade nacional. E não me refiro às actividades de lazer, que também entram no leque dos objectivos deste tipo de Bibliotecas, onde o prazer e a alegria serão uma consequência natural. Refiro-me a todos os ser-viços. Mas vejamos, nesta visita guiada:

Entra-se na Biblioteca onde na zona da Recepção, ambiente informal de funcionalidades vá-rias, um leitor pede informação sobre um qualquer autor, título ou assunto. A funcionária, pres-tável, simpática e sorridente, com créditos mais que assina-lados nesta matéria, dá o seu melhor: o leitor segue satisfeito o seu caminho já com a infor-mação requerida e os livros em-prestados para a semana; outros leitores observam interessados os expositores das últimas no-vidades editoriais e outros ain-da os dos eventos culturais. Um efusivo e garrido grupo de alu-

nos discute pormenores sobre a exposição colectiva de pintura patente nas paredes do Átrio.

Uma fila de gente mais adulta dirige-se para a Sala Polivalente, onde vai começar, dentro de ins-tantes, a tertúlia “Potencialidades dos vinhos do Algarve”. Mesmo a propósito: Lagoa foi escolhida “Cidade do Vinho 2016”. No fi-nal haverá prova de vinhos pro-duzidos neste concelho, trazi-dos pelos produtores presentes. Nada como um bom vinho para a boa disposição e alegria de to-dos e como as conversas fluem!

Há quem suba as escadas para o Espaço Internet. Nos vários postos ocupados todos parecem placidamente absorvidos nas suas tarefas. Paralelamente, jun-to aos expositores multimédia há quem se forneça de música ou filmes para o fim-de-semana.

Umas horas antes, na Sala Infantil, a alegria um pouco ruidosa das crianças, torna-se repentinamente silêncio e ex-pectativa. Irá decorrer a oficina “Palavra de Sofia”: leitura en-cenada de textos de Sophia de Mello Breyner Andresen, que a Nelda Magalhães, animadora do Teatro Experimental de La-gos, excelentemente desenvolve dando a compreender as histó-rias e poesias desta autora. To-dos se encantam com a magia e simplicidade das palavras, com a força e beleza das imagens. Sim, as histórias e a literatura têm o poder de encantar toda a gente, crianças e adultos.

Entretanto, na Sala de Leitura alguns leitores examinam as es-tantes. Uns já sabem o que pro-curam, outros saberão quando encontrarem. A surpresa e o

mistério também acontecem nas estantes de uma Biblioteca, quem tem hábitos de Biblioteca sabe do que falo. Outros, nas me-sas, trabalham silenciosamente debruçados sobre livros ou por-táteis e outros ainda, na zona mais informal, ocupam-se com jornais ou revistas. Uns e outros reflectem tranquilo bem-estar.

Estou certa de que a benig-na companhia dos livros há-de ter responsabilidades nesta boa disposição geral. Também estou certa de que o que realmente im-porta na vida, valores humanos universais como a tolerância, o respeito, a solidariedade, o opti-mismo e, claro, o conhecimento e o saber são privilegiadamente acessíveis através da leitura, seja em formato tradicional ou digi-

tal. Sendo o livro impresso um objecto perfeito, porque de fácil transporte, acessível em qual-quer lugar e auto-suficiente em matéria de energia, a verdade é que a sua desmaterialização é um facto dos nossos tempos. Contudo, por ora, o livro tradi-cional perdurará a par de ou-tras ofertas desmaterializadas. A actual variedade de suportes de leitura permite diferentes opções de acordo com os in-teresses e apetências de cada um, possibilitando um acesso rápido e sem limites de espaço e tempo à informação. Mas mais que o seu formato, o que é re-almente importante é a leitura. E as Bibliotecas são espaços de leitura em diferentes suportes. São espaços onde pela leitura

nos é permitido acordar os es-píritos adormecidos e convocar os seus tesouros e legados. É só abrirmos um livro e deixarmos que nos sussurrem a intimi-dade das suas palavras, da sua sabedoria, dos seus sonhos. O edifício desta Biblioteca foi, no início do século passado, cons-truído sobre um antigo cemité-rio para ser um teatro. Nunca o foi. Seria em 1997 inaugurado como Biblioteca da Rede de Leitura Pública. Quem sabe se também os espíritos dos que sob estes alicerces descansam nos convocam e inspiram. Pen-so que uns e outros decidiram aliar-se para nos fazer bem, neste espaço plurifuncional e aprazível. E são um pouco as-sim as demais Bibliotecas Mu-nicipais espalhadas por todo o país. Noutros tempos, sem estes espaços de leitura, valeram-nos as Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, singulares carrinhas cinzentas repletas de livros. Uma alegria quando chegavam! Soube re-centemente que algumas das pessoas que percorriam o país nestas carrinhas, distribuindo li-vros e prazer, seriam escritores e poetas contratados por aquela Fundação. Verdadeiros oásis no deserto de leitura pública nacio-nal, numa época em que os li-vros eram material de consumo controlado e as Bibliotecas, lo-cais raros e de acesso restrito. A história das Bibliotecas também é feita de repressões e proibi-ções e queimar livros represen-ta, quase sempre, um emblema contra o livre pensamento. Tal como no magistral romance, O nome da Rosa, de Umberto Eco. A Biblioteca da Abadia é por aquilo que esconde um lugar de mistério e morte. Em forma de labirinto, com caminhos falsos e segredos, guarda o livro proibi-do, o livro do riso - uma possível versão do desaparecimento de A Comédia de Aristóteles que não chegou até nós.

Também célebre e igualmente labiríntica, A Biblioteca de Babel, de Jorge Luís Borges (Ficções, 2003) é infindável mas não proi-bida. Metáfora da própria vida, da realidade e do mundo, uma enorme Biblioteca à espera de ser lida e decifrada. Uma Biblio-teca fantástica que abre as portas de par em par e convida genero-samente todos sem excepção a entrar, a desfrutar, a viver…

Não sonharemos todos com uma Biblioteca assim?

Clara Andrade Técnica superior responsável pela Biblioteca Municipalde Lagoa e artista plástica

Recepção da Biblioteca, aspecto geral

fotos: d.r.

Sala Infantil: Oficina “Palavra de Sofia” com Nelda Magalhães

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15.01.2016  11

Da minha biblioteca

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“GENTE DE FÉ”Até 26 NOV | Biblioteca José Mariano Gago – OlhãoExposição revela todo o envolvimento que o povo do arquipélago tem pelas suas tradições religiosas na perspectiva do igualmente açorense Marcelo Borges

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

Os contos foram ilustrados por sete artistas

fotos: d.r.

“MÃE COM AÇÚCAR”15 e 16 JAN | 15.30 e 21.30 | Cine-Teatro LouletanoA peça é um retrato da relação entre avós e netos, da amizade que nasce na distância de gerações, da sabedoria e da inocência e das tradições e estórias passadas oralmente

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15.01.2016  11Cultura.Sul

Da minha biblioteca

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“GENTE DE FÉ”Até 26 NOV | Biblioteca José Mariano Gago – OlhãoExposição revela todo o envolvimento que o povo do arquipélago tem pelas suas tradições religiosas na perspectiva do igualmente açorense Marcelo Borges

Escrever um conto, precisa-mente por ter de ser curto e ter de conter (e contar) tudo em poucas palavras, exige uma grande perícia. Demora ser breve. Conseguir, em poucas páginas, prender a atenção do leitor, levá-lo ao clímax da ação e descontraí-lo, no final, não é tarefa simples.

Pois bem, posso dizer que os autores presentes neste vo-lume, publicado pela Lua de Marfim e coordenado por F. Esteves Pinto, alcançaram com sucesso aqueles objetivos.

A ideia de convidar também sete artistas para ilustrarem os contos foi muito feliz. Cada um leu, à sua maneira, o con-

to que ilustrou, fazendo, por vezes, da ilustração um novo «texto», mais do que uma ilus-tração. Descubram-nos!

António Manuel Venda – «Os Romanos»

Quem me tem acompanha-do nesta página mensal sabe que sou uma fã confessa de António Manuel Venda: te-nho todos os seus livros e sa-ber que A. M. Venda é um dos autores seria já, para mim, motivo para ter o livro. E não desilude. Mantendo o seu uni-verso no registo do fantástico tornado comum (o chamado realismo mágico), há uma personagem que se confunde propositadamente com o au-tor (não só pela profissão de escritor, como pela referência a um livro que teria escrito e que é igual a um que o autor tem), numa história absurda de um barco cheio de roma-nos prontinhos para atacar Vila Real de Santo António, em que o – moral, possível, da história – que nos fica dos

tempos perdidos são objetos do passado, que nos transpor-tam de um lado para o outro.

Fernando Esteves Pinto– «Coração da Cidade»

Vai ser difícil escrever so-bre todos os contos – esta página é limitada. Vou pro-curar, pelo menos, deixar algumas impressões sobre cada um ou um trecho que possa ajudar a formar uma ideia do que nos é oferecido com a sua leitura.

De Esteves Pinto destaco a capacidade para nos contar uma história não feliz sem ser triste, de sexo que não o é, de amor que não acon-tece. Destaco ainda o modo como trata bem as suas per-sonagens e como consegue falar deste assuntos sem ser vulgar. A sua elegância a tratar os temas enterneceu--me, como a personagem masculina que, no fundo, tem «bom vinho»: beber de mais não a tornou vil. Gos-tei muito.

Fernando Pessanha– «O Sétimo Céu

e as Meninas de Tânger»

O título do conto leva-nos, com humor, para um universo onírico, de fantasias (mascu-linas, atrevo-me a dizer), em que um jovem investigador se vê atraído por uma Xeraza-de, que lhe conta histórias, ro-deado de beldades que dão a entender promessas de prazer («Respondeu com uma expres-são malandra» - p.53; «Todas as raparigas assentiram, con-tinuando a fitar o historiador com os seus olhos melosos» - p. 58) – de tal modo que se sente no seu sétimo céu – e… adormece. Mas aqui, como na vida, os sonhos trazem espe-rança de concretização. Um final que torce o destino, ao gosto do autor.

Paulo Moreira– «Filho da Mãe»

O conto de Paulo Moreira tem uma construção em cres-

cendo. Começamos por não saber quem é a personagem nem a sua mãe, cuja vida vai sendo recordada por memó-rias mais ou menos esquecidas do filho, que a acompanhou no funeral com que se inicia a história. Gradualmente va-mos descortinando o homem e o seu caráter, assim como a frágil e esporádica relação que tinha com a mãe. No final, li-berto do preconceito, aceita as lágrimas, a dor, e a expressão, tão adequadamente aplicada, de filho da mãe.

Paulo Kellerman – «Facelist»

Este conto tem uma estru-tura que me agrada, pois é um desafio ao leitor (tam-bém o foi ao autor), dado que não tem narração nem descrição, mas apenas o di-álogo entre duas persona-

gens, sem orações parenté-ticas ou explicativas: não há «disse um» ou «disse o ou-tro». Percebemos, pelo diá-logo, que a conversa se pas-sa entre cliente e psiquiatra, sobre o facto de as pessoas serem indiferentes ao que sai do comum, como reagi-rem ao verem um homem com uma lista de compras escrita na cara. « – O senhor, que é psiquiatra e deve per-ceber destas coisas, diga-me lá: porque sorriem as pesso-as tão pouco? – Demasiada consciência de si próprias, talvez, Incapacidade de se libertarem dos seus pensa-mentos e racionalidades, dos seus medos, das suas ansie-dades. Talvez as pessoas es-tejam demasiado fechadas em si próprias, demasiado auto-conscientes. Demasia-do reféns de si».

Pedro Afonso – «Aquilo»

O narrador deste conto con-fessa a sua dificuldade em des-crever por palavras a experi-ência «única e indizível» que a personagem estava a sentir. Vou apropriar-me dessas palavras para que sejam elas a contar: «Raramente conseguimos resis-tir a transpor todas as vivências para o discurso, ou pelo menos as mais marcantes, e mesmo que não as comuniquemos a ninguém, organizamo-las para nós em pensamentos verbaliza-dos. Se fosse de outra maneira, como existiriam os milagres, as aventuras, os êxtases e coisas que tais que invocam sempre o mistério, ou seja, aquilo que as palavras não dizem?».

Vítor Gil Cardeira – «O Amor é uma

Fuga sem Fim»

Este é o conto maior (25 pági-nas) e, talvez por isso, a história possa ter mais personagens (o anjo, o camionista, o patrão, o médico, a enfermeira, os minei-ros), sem que se sinta que estão a mais, e ser um pouco mais com-plexa. Mantendo um registo de algum humor e ironia (vai inter-pelando o leitor, com graça), não deixa de semear algumas refle-xões mais sérias: «Havia mesmo uma pequena alegria que o ani-mava na contemplação do ou-tro. O outro que oferecia o desejo da diversidade, apelando à união das incompatibilidades. Não há serenidade nem planura nos ho-mens incompletos. O outro é o espelho que nos transforma no todo. A fusão entre o efémero e o eterno.

Gostei bastante deste livro. Gostei, principalmente, porque não se lê depressa. Sim, leu bem. Estes contos são bons para se le-rem devagar. Podemos, assim, apreciar melhor as suas especi-ficidades, pois são bem diferen-tes uns dos outros. E convém fazer uma pequena pausa entre cada um. Não tem de ser muito grande, mas o suficiente para se mudar de registo. Ou então faça mesmo uma pausa maior, para durar mais o prazer da leitura.

Os contos foram ilustrados por sete artistas

fotos: d.r.

“MÃE COM AÇÚCAR”15 e 16 JAN | 15.30 e 21.30 | Cine-Teatro LouletanoA peça é um retrato da relação entre avós e netos, da amizade que nasce na distância de gerações, da sabedoria e da inocência e das tradições e estórias passadas oralmente

“COCHES DOS SÉCULOS XVI A XVIII”Até 26 FEV | Museu Municipal de OlhãoA exposição nasce das mãos do mestre José Cardoso Brito, artista autodidacta que reproduz fielmente alguns dos originais expostos no Museu Nacional do Coches

Sete Contos Ilustrados

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