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AGOSTO 2013 | n.º 60 www.issuu.com/postaldoalgarve 9.194 EXEMPLARES Mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO Ele, ela e o Globo p. 8 Contos de Verão na Ria Formosa: PHOTOARCH/RICARDO SOARES Espaço Cria: O verdadeiro desafio para o autor é a protec- ção da sua obra p. 2 Letras e leituras: Gostos e cheiros traduzidos em palavras p. 4 Momento: Portimão, “work in progress” Sala de leitura: Na senda das pedras falantes p. 7 D.R. D.R. D.R. p. 9 D.R. Palato, à mesa com a envolvente p. 5 D.R.

CULTURA.SUL 60 - 9 AGO 2013

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• Veja o CULTURA.SUL DESTE MÊS• Sexta-feira (dia 9/8) nas bancas com o PÚBLICO e o POSTAL • Partilhe o seu caderno mensal de Cultura no Algarve • EM DESTAQUE: > EDITORIAL: A Cultura na rua, por Ricardo Claro > GRANDE ECRÃ: Cineclube de Tavira: Cinema Não Europeu no Convento do Carmo > ESPAÇO AGECAL: Gestão Cultural e recursos culturais, por AGECAL > AQUI HÁ ESPECTÁCULO: Repto à Direcção Regional de Cultura, por Carlos Campaniço > PANORÂMICA: Web Património, gastronomia e muito mais: uma ágora chamada Palato, por Ricardo Claro > CONTOS DE VERÃO NA RIA FORMOSA: Ele, ela e o Globo, por Pedro Jubilot > ESPAÇO AO PATRIMÓNIO: Um Algarve a descobrir, por Alexandra Pires > Na SENDA DA CULTURA: Cultura na rota da rua, por Pedro Ruas > DA MINHA BIBLIOTECA: Sob o signo de Pigmaleão: O Lago de Ana Teresa Pereira, por Adriana Nogueira

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Page 1: CULTURA.SUL 60 - 9 AGO 2013

AGOSTO 2013 | n.º 60

www.issuu.com/postaldoalgarve9.194 EXEMPLARES

Mensalmente com o POSTALem conjuntocom o PÚBLICO

Ele, ela e o Globo

p. 8

Contos de Verãona Ria Formosa:

photoarch/ricardo soares

Espaço Cria:

O verdadeiro desafio para o autor é a protec-ção da sua obra

p. 2

Letras e leituras:

Gostos e cheiros traduzidos em palavras

p. 4

Momento:

Portimão, “work in progress”

Sala de leitura:

Na senda das pedras falantes

p. 7

d.r.

d.r.

d.r.

p. 9

d.r.

Palato, à mesa com a envolvente

p. 5d.r.

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09.08.2013 2 Cultura.Sul

Os termómetros sobem e a Cultura sai à rua, e abandona em grande medida os espaços fechados em que faz as delícias dos visitantes nos meses menos ensolarados.

A Cultura do estio não é ou-tra diversa da do resto do ano, é a mesma. Expressa de formas menos formais e conceptuais, muitas vezes, ganha cor, sabor, leveza e absorve realidades mar-ginais para o seu espectro inte-rior. Não deixa, no entanto, de ser Cultura e de merecer a aten-ção de quem com ela se cruza ainda que em época de férias.

As feiras, os mercados, os fes-tivais, são exemplos do ser e do estar algarvios e proliferam nes-ta altura do ano para acolher ao sabor dos elementos os muitos milhares que nos visitam com a mesma vontade com que re-cebem aqueles que 365 dias por ano fazem do Algarve a sua terra.

As ruas vêem-se invadidas por costumes de outras épo-cas, por saltimbancos das sete partidas regressados dos baús da História que é o nosso pas-sado comum. Os mariscos, os peixes e os petiscos fazem-se mostrar nos largos e praças na melhor expressão da tradição gastronómica algarvia.

A música invade os palcos e faz rumar ao Algarve as mais diversas tendências sonoras, do nacional-cançonetismo ao ‘pim-ba’ puro e duro, do rock ao fado, da pop à música do mundo.

O folclore dá-se a conhecer e faz-se ver e ouvir em ritmos de corridinho marcados por rodo-piantes piruetas dignas de mes-tria. A serra revela os segredos melhor preservados e convida a ser visitada apesar do calor e ser descoberta em toda a sua beleza e hospitalidade.

O Algarve cultural pintado com as cores do Verão é mul-tifacetado e reserva a todos surpresas inesperadas numa terra onde da beira-mar à ser-ra profunda se chega num ápi-ce, percorridas apenas algumas dezenas de quilómetros.

Imperdível porque em cada ano há apenas um Verão, ape-nas um tempo com estas cores, deixemo-nos levar pelo mo-mento e pela ilusão.

A Cultura na ruaFicha Técnica:

Direcção:GORDAAssociação Sócio-Cultural

Editor:Ricardo Claro

Paginação:Postal do Algarve

Responsáveis pelas secções:• Contos da Ria Formosa:

Pedro Jubilot• Espaço ALFA:

Raúl Grade Coelho• Espaço AGECAL:

Jorge Queiroz• Espaço CRIA:

Hugo Barros• Espaço Educação:

Direcção Regionalde Educação do Algarve

• Espaço Cultura:Direcção Regionalde Cultura do Algarve

• Grande ecrã:Cineclube de FaroCineclube de Tavira

• Juventude, artes e ideias: Jady Batista• Da minha biblioteca:

Adriana Nogueira• Momento:

Vítor Correia• Panorâmica:

Ricardo Claro• Património:

Isabel Soares• Sala de leitura:

Paulo Pires

Colaboradoresdesta edição:Alexandra PiresGustavo MarcosMaria Luísa FranciscoNatércia PereiraPaulo Serra

Parceiros:Direcção Regional de Cul-tura do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve, Postal do Algarve

e-mail redacção:[email protected]

e-mail publicidade:[email protected]

on-line em: www.issuu.com/postaldoalgarve

Tiragem:9.194 exemplares

O verdadeiro desafio para o autor é a proteção da sua obra!

O Direito de Autor, como se sabe, é o exclusivo conferido ao titular de uma obra de ex-ploração dessa mesma obra, impedindo terceiros de utili-zar esse direito. Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas. Trata-se de um conceito bastante abrangen-te em termos da realidade a proteger e, por isso, fácil de enquadrar uma criação de ca-ráter intelectual e criativo. O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra e é reconhecido independente-mente de registo, depósito ou qualquer outra formalidade, o que traduz uma situação de custo acessível a todos os criadores. Neste aspeto, resi-de a grande diferença com a propriedade industrial que, para ser reconhecida, implica registo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

O incremento exponencial de utilização das criações do

espírito humano pela Socieda-de da Informação, conduziu a um enorme aumento da pro-cura de obras protegidas pelo Direito de Autor, o que vem dificultar a gestão dos direi-tos pelo próprio autor. Neste

contexto, novas formas de ex-ploração emergem e a gestão coletiva, como forma de gerir as múltiplas utilizações das obras por parte de entidades a quem é atribuída essa tarefa pelos autores, ganha relevân-cia. Acresce o facto deste tipo de direito ter um âmbito ter-

ritorial, o que acaba por difi-cultar, sobretudo em determi-nadas áreas como é o caso da música, o controle individual por cada autor das utilizações de determinada obra em ou-tros territórios.

A Sociedade da Informação vem, de facto, agudizar o pro-blema de uma eficiente gestão de direitos a título individual, assumindo que o utilizador de obras quer um acesso cada vez mais rápido e ao máximo reportório possível, o que em certa medida não se coaduna

com a necessidade, legalmente imposta, de haver autorizações para utilização desses direitos. A internet como forma de dis-tribuição, resultante em grande parte da substituição do consu-mo de informação escrita pela informação digital, tem um pa-pel central nesta problemática e nunca podemos esquecer o direito à Informação que assis-te a cada um de nós e, por outro lado, à questão da subordinação do direito de autor ao interesse público. O verdadeiro desafio está em conciliar o livre fluxo de informação com a proteção da propriedade intelectual que, não constituindo um problema novo, apresenta uma dimensão nova devido à generalização do uso da internet. O Direito de Au-tor e o Direito à Informação de-verão estar em equilíbrio para que um não impeça o outro, e é neste sentido de conciliar posições que as legislações dos diferentes países tendem a ca-minhar e que algumas Diretivas recentes da UE apontam.

De facto, assistimos a al-guns conflitos de interesse entre a chamada “Indústria Criativa” e os consumidores, o que justifica a necessidade de alcançar uma solução sa-tisfatória, no respeito pelos princípios do Direito de Au-tor e salvaguardando, natu-ralmente, o direito de acesso à informação, à cultura e à educação a todos.

Jornalismo (In)dependente

A imprensa desempenha uma função socialmente primordial que ultrapassa a mera função de informar.

Inteirar, dar parecer ou ensinar são alguns dos si-nónimos de informar - um exercício subjectivo. Em últi-ma análise, a transmissão de conhecimento é sempre con-dicionada por uma série de

factores que, objectivamente, impedem a definição de uma notícia como uma realidade ascética, típica de uma ciên-cia exacta.

Ora, não nos espanta que, desde a sua origem, os meios de comunicação social te-

nham sofrido pressões da mais diversa índole, sobre-tudo quando se sabe que a «consciência da informação» cairá sempre para um lado. Resta-nos esperar que seja o nosso!

Na actualidade, a multipli-

cidade de plataformas noti-ciosas, ao contrário do que possa parecer, constituem uma fonte de liberdade, uma vez que não condicionam esse exercício de ensinar a um determinado número de agentes. Hoje, todos pode-mos presenciar factos e, atra-vés das redes digitais, passar o nosso ensino.

Num mundo onde os gran-des grupos económicos pro-curam condicionar governos e sociedades aos seus interes-ses egoístas e egocêntricos de lucro fácil e desmedido, ter a oportunidade de sermos jor-nalistas é um exercício de re-sistência que nenhum de nós deve desperdiçar.

d.r.

d.r.

Ricardo [email protected]

Editorial Espaço CRIA

Natércia Pereira Colaboradora do Gabinetede Apoio à Promoção da Propriedade Industrial, CRIA, UAlg

Juventude, artes e ideias

Gustavo MarcosAdvogado

Page 3: CULTURA.SUL 60 - 9 AGO 2013

09.08.2013  3Cultura.Sul

“COMMEDIA GOURMET”24 AGO | 21.30 | Centro Cultural de LagosO humorista Chef Eduardo Madeira, autor de receitas de sucesso como “Os Contemporâneos”, “Estado de Graça” e “Anticrise”, apresenta um menu de Stand Up Comedy, música e redução de trufas, servido com boa disposiçãoAg

endar

Espaço AGECAL

Gestão cultural e recursos culturais“Gestão” refere-se ao acto de gerir,

significa administração de recursos e integra os sistemas de planeamento, organização e estruturação de meios para alcançar objectivos estratégicos, gerais e sectoriais.

A gestão comporta diagnósticos e análise, tomadas de decisão para corri-gir deficiências, também uma dimensão projectiva sobre metas e alargamento de resultados.

A Gestão Cultural, surgida na segunda metade do século XX em consequência da evolução das sociedades, focaliza-se na administração dos recursos culturais de uma determinada área geográfica, cidade, município ou região, de institui-ções públicas ou privadas. Tem funções mediadoras e operativas.

A Gestão Cultural é uma disciplina autónoma que exige, como todas as outras, estudo e conhecimentos espe-cializados, formação científica superior e técnico-profissional, experiências em contexto de trabalho, análise e avaliação.

O Gestor Cultural é fundamental-mente um gestor de recursos culturais, que poderá ser um monumento ou con-junto patrimonial, sítio arqueológico ou arquivo, biblioteca ou teatro, museu ou centro de ciência, mas também poderá gerir festivais de artes ou empresa de ser-viços culturais. O Gestor Cultural para exercer corretamente a sua profissão terá de possuir conhecimentos de Direi-to da Cultura, Economia da Cultura, ges-tão de recursos humanos em equipas de intervenção cultural, comunicação da cultura, turismo cultural, entre outros, sobretudo entender a importância das diferentes disciplinas que intervêm no fenómeno cultural.

A cultura exerce um papel central na socialização dos indivíduos e na trans-missão de valores, esta aprendizagem realizou-se tradicional e quase exclusi-vamente através da família ou do gru-po, da escola e da religião. Atualmente, e cada vez mais, essa mediação se faz pelos meios de comunicação social, em

particular da televisão, normalmente as-sociados a interesses prioritariamente comerciais.

Daqui resulta a crescente importância da educação cívica, da Gestão Cultural Pública e de organizações sem fins lu-crativos, enquanto modelo de oferta democrática na transmissão de conhe-cimentos diversos, de garantia do direito de todos à formação e à escolha indivi-dual e colectiva.

A Gestão Cultural pública centra-se

na maioria dos casos na concepção, organização e funcionamento das in-fraestruturas culturais, propriedade do Estado ou das autarquias (teatros, mu-seus, centros culturais, bibliotecas, vide-otecas…), na gestão dos meios humanos especializados e dos recursos financeiros disponíveis.

Integra a educação para os valores, a participação e inclusão de cidadãos e minorias, sejam étnicas, etárias, de gé-nero ou pessoas com limitações físicas

ou intelectuais. A Gestão Cultural privada está so-

bretudo ligada às indústrias culturais como a edição/produção, promoção e comercialização do livro, da música e discos, audiovisuais e cinema, artes do espectáculo, conservação e restauro, fes-tivais, parques temáticos, promoção e transacção de obras de arte, criação de conteúdos, …

As sociedades com melhores níveis de organização interna garantem normal-mente maior equilíbrio e cooperação entre a oferta da gestão cultural pública e privada, associando educação e acesso comunitário com uma dinâmica pro-dução de conteúdos para as culturas de apartamento, de saída e divertimento.

O ideal será a concretização de uma boa cooperação estratégica entre a ges-tão cultural pública e a privada, reco-nhecendo a importância e funções de cada uma.

AGECAL - Associação de Gestores Culturais do Algarve

Grande ecrã

“PEQUENAS E GRANDES MARAVILHAS DA NATUREZA”Até 4 SET | Centro Comunitário de Benafim - LouléExposição fotográfica de Alexis Morgan, que retrata algumas espécies botânicas e borboletas que se en-contram na região

Cineclube de TaviraProgramação: www.cineclubetavira.com281 971 546 | 965 209 198 | 934 485 [email protected]

8ª MOSTRA DE CINEMA NÃO EUROPEU DE TAVIRA

9 AGO | ZAN VA SHOHAR KAREGAR/ THE HISTORY OF A MARRIED COUPLE (A HISTÓRIA DE UM CASAMENTO), Keywan Karimi, Irão 2012 M/6 (11’) + JODAEIYE NADER AZ AZMIN/A SEPARATION (UMA SEPARAÇÃO), Asghar Farhadi, Irão 2011 (123’) M/12

10 AGO | THE HELP (AS SERVIÇAIS), Tate Taylor, E.U.A./Índia/Emiratos Árabes Uni-dos 2011 (137’) M/12

11 AGO | HERE (AQUI), Braden King, E.U.A. 2011 (126’) M/12

12 AGO | DRIVE (RISCO DUPLO), Nicolas Winding Refn, E.U.A. 2011 (100’) M/16

15 AGO | SEARCHING FOR SUGAR MAN (À PROCURA DE SUGAR MAN), Malik Bend-jelloul, Suecia/Reino Unido/E.U.A. 2012 (86’) M/12

Cineclube de Faro Programação: cineclubefaro.blogspot.pt

ARTISTAS | 22H15 | ENTRADA LIVRECICLO LIBERDADE CIGANA

14 AGO | JE SUIS NÉ D’UNE CIGOGNE, Tony Gatlif, França, 1999, 80’ (leg. em português)

21 AGO | VENGO, Tony Gatlif, Espanha/França/Alemanha/Japão, 2000, 90’ (leg. em inglês)28 AGO | TRANSYLVANIA, Tony Gatlif, França, 2003, 106’ (leg. em português)

Cinema não europeu no Convento do Carmo

Estamos de volta. Não faz sentido descrevermos os tempos difíceis e as lu-tas que travámos nos últi-mos anos, o que importa é que as mostras de cinema de Tavira têm lugar este Ve-rão! O local é o mesmo: os Claustros do Convento do Carmo, ao lado da igreja do mesmo nome. Duran-te os últimos meses traba-lhámos incessantemente para poder oferecer-lhes um programa coerente de histórias sensíveis e de no-tável qualidade, para serem compartilhadas no grande ecrã. Empenhámo-nos para encaixar curtas--metragens cuidadosamente escolhidas para iluminar os vossos serões.

Querendo tomar em conta ainda mais a opinião do nosso público, decidimos intro-duzir um “Prémio do Público”, tanto para as curtas como para as longas-metragens destas mostras. Por favor não hesitem em classificar cada filme que acabaram de ver no bilhete

de voto que lhes será entregue à entrada. O mesmo ajudar-nos-á para ficarmos mais cientes das vossas preferências e poderá tam-bém ajudar os criadores dos filmes! Apenas peço a todos para que não percam as duas estreias nacionais, algumas das muitas péro-las no programa deste ano. Espero que tanto a nossa selecção como o ambiente criado vos agradem! Divirtam-se!

Cinema ao ar livre em Tavira

d.r.

Page 4: CULTURA.SUL 60 - 9 AGO 2013

09.08.2013 4 Cultura.Sul

“TEMPOS QUE PASSAM... RECORDAÇÕES QUE FICAM”Até 31 AGO | Galeria de Arte Pintor Samora Barros - AlbufeiraExposição fotográfica de Vítor Sousa, onde apresenta imagens inéditas, a cores ou a preto e branco, que revelam a cidade de Albufeira nos anos 1950 e 1960

“ORQUESTRA DO ALGARVE COM AMOR ELECTRO”9 AGO | 22.00 | Parque do Palácio da Galeria - TaviraA Orquestra do Algarve junta-se aos Amor Electro, a banda revelação de maior sucesso em 2011, num concerto inserido no Festival Caixa Geral de Depó-sitos 2013Ag

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Gostos e cheiros traduzidos em palavras

Quando li dois livros na passada semana, a marcar o início oficial das férias, lembrei-me, devido aos títulos em questão, daquelas pessoas que têm o hábito detestável de forrar os seus livros nos transportes públicos. Mas, paradoxalmente, dei por mim a compreender melhor essa atitude de ocultação pois, a marcar o início da minha época balnear, composta de leituras adiadas há um ano, li de enfiada dois livros e ambos com um certo prazer culpado, que quase me fez lê-los apenas às escondidas. Quase decidi escrever aqui sobre o primeiro dos dois, que foi, inevitavelmente, o Inferno, de Dan Brown, pois mesmo que seja para criticar pela negati-va não posso evitar a leitura. Sobre esse senhor talvez fale mais à frente no tempo, mas interessa-me agora escrever sobre - e porque afinal es-tamos em época de praia e de coisas mais light, nomeadamente leituras leves também - esse outro romance, que me prendeu logo nas primeiras linhas: O Aroma das Especiarias, últi-mo romance de Joanne Harris.

Não vou estar com paliativos. O tí-tulo é horrendo, mas isso é culpa das editoras, pois actualmente os títulos de filmes e livros estão de tal forma enredados e, por vezes, desfazados do original que depois deixam um travo amargo com certos títulos delicodoces como este que fazem lembrar tudo e não dizem nada. Outra questão bem actual é a forma como tudo parece vir em séries. Mas por vezes as trilogias ou sagas trazem esse prazer reconfor-tante de voltar a um lugar ou a uma personagem cuja força não se esgota num único romance. Este livro fecha - ou retoma (pois a autora diz que é bem possível voltar novamente a estas personagens) - o ciclo iniciado com o bem conhecido Chocolate que origi-nou um filme que recebeu nomeações aos Óscares. Quando descobri a obra desta autora foi justamente com o livro Chocolate que eu incluí (erradamente) numa espécie de subliteratura para se-nhoras, agora muito na moda. Mas este

êxito comercial surpreendeu-me, pois vinha imbuído de originalidade e de qualidade. Fui levado pela voz de Vian-ne Rocher que segue o vento, segundo uma espécie de maldição de família, até chegar a uma pequena localidade francesa, chamada Lansquenet, onde vai abrir uma chocolataria em plena Quaresma, provocando a hostilidade do padre e de outros locais. Aí perce-bemos que ela é mais do que uma sim-ples dona de casa, pois não só herdou um receituário de antigas receitas de chocolate como tem o condão de pôr a falar as pessoas mais duras. O sabor do chocolate quente funciona como uma mezinha que ajuda a derreter o cora-ção das pessoas, além de Vianne saber sempre quais são os chocolates favori-tos de cada um dos seus clientes, che-gando assim pela boca ao seu âmago.

Se bem que no seu segundo livro, Vinho Mágico, o leitor regresse ain-da a esse universo de sabores, em que uma garrafa de vinho conta uma his-tória passada na mesma localidade de Lansquenet, só voltamos a encon-trar Vianne muitos anos (e roman-ces) depois, em Sapatos de Rebuça-do, quando a sua vida e verdadeira identidade são ameaçadas por uma mulher maléfica porque, talvez, seja demasiado parecida consigo e con-siga ler bem demais a sua natureza,

portadora de uns magnificos sapatos vermelhos que brilham como cristal ou como rebuçado. Cinco quartos de laranja seria o último dessa trilogia sobre a comida, em que uma jovem, Framboise, volta também a uma lo-calidade rural, acompanhada por um velho livro de receitas, herança da sua mãe, e abre uma casa de crepes. Em Peaches for Monsieur Le Curé, tradu-zido com o infeliz título de O Aroma das Especiarias ainda que este se jus-tifique dado o tema, sente-se ainda esse dilema de uma alma nómada, fadada a seguir o vento para onde ele sopra e a ajudar aqueles que preci-sam de si, sem poder criar grandes laços afectivos, tanto que a sua rela-ção amorosa continua mas havendo um forte sentido de autonomia en-tre ambos os parceiros além de que vivem numa casa fluvial, isto é, num barco ancorado no Sena. Chegada novamente, desta feita durante o Ra-madão, à localidade de Lansquenet, que aqui mais parece uma alegoria da França, Vianne vai ser confrontada com uma espécie de alter ego. O ce-nário está agora repleto de novos ha-bitantes, pois instalou-se uma comu-nidade muçulmana no outro lado do rio, que chega mesmo a improvisar uma mesquita onde até a chaminé de uma antiga fábrica é aproveitada

como torre de onde se fazem ouvir os chamamen-tos para as orações. A “Dama Escor-pião”, uma mulher que anda per-manentemente coberta de negro, vai provocar o desconforto nessa pa-cata comunidade, não só entre a po-pulação local como entre os próprios muçulmanos, quando chega a abrir uma escola para raparigas (no antigo espaço abandonado da chocolataria) ensinando-lhes o valor da tradição e de se respeitarem ao andarem co-bertas. E Vianne, apesar de atacada e ofendida, vai acabar por aprofundar a sua relação com o padre que antes a hostilizava, da mesma forma que irá ajudar a sarar a divisão que grassa entre as duas comunidades e no seio de cada uma.

O livro está efectivamente bem es-crito e as personagens são detento-ras de densidade psicológica, além de que se consegue manter o suspense

até final da história quando final-mente se percebe o que esconde a mulher de negro por trás daquele véu. A tensão que se vai criando ao longo da história, que é contada, pela primeira vez nesta série, a duas vo-zes, alternando o registo na primei-ra pessoa entre Vianne, essa xamã do chocolate, e o padre, só é resolvida mesmo no final do romance e conse-gue criar um forte impacto no leitor,

quando finalmente se per-cebe os obscuros segredos que motivam o estranho comportamento de Inès, a Dama Escorpião.

Quando penso no pra-zer de ler Joanne Harris lembro-me ainda muito bem de outro livro fabu-loso, cujo título Gentle-men & Players foi tradu-zido por Xeque ao Rei. Esse romance marcou--me imenso ao ponto de me provocar uma genuína exclamação de surpresa que en-controu eco na re-acção de admiração despertada noutras pessoas a quem fiz questão de oferecer o livro mas na sua versão original. Sem querer criar aqui um spoiler tenho que dizer que esta autora consegue,

durante todo o ro-mance, criar uma tensão idêntica, em que as informações vão sendo dadas espaçadamente, numa longa e len-ta digestão de uma história original, que narra o desenrolar de uma ami-zade quase obsessiva de um rapaz em relação ao outro, num registo mais uma vez paralelo com a história de um professor do colégio onde um dos rapazes estuda. Só nos últimos capítulos percebemos que aquele jo-vem que vive nas imediações de um colégio interno de rapazes e que se aproxima por uma espécie de plato-nismo do outro rapaz, aluno inter-no do colégio, até quase inundar a sua vida, é, afinal, outra pessoa, ins-tituindo assim um inovador e apra-zível jogo ficcional que, infelizmente, se perde na tradução, mas nem por isso rouba o prazer e o impacto da surpresa a um leitor contemporâneo, que é cada vez mais difícil de surpre-ender.

Paulo SerraInvestigador da UAlgassociado ao CLEPUL

Letras e Leituras

d.r.

A escritora Joanne Harris

Page 5: CULTURA.SUL 60 - 9 AGO 2013

09.08.2013  5Cultura.Sul

A gastronomia faz-se de mil cores, aromas e sabores, numa paleta que se mistura para deleite dos comensais e se reinventa numa geração incessante de cruzamentos entre tradição, Histó-ria e modernidade.

É exactamente a gastronomia o ponto de partida do projecto Palato que se vem mostrando aos algarvios pelas mãos da Xerem, uma associa-ção cultural que decidiu dar vida e forma a uma visão única e rara da arte e da cultura algarvias numa de-monstração de que nem tudo o que supostamente não se cruza se deve manter assim.

A mesa como ponto de partida

O prazer da mesa, a gastronomia e a capacidade que de agregação que o acto de comer tem são o mote para o Palato, é em torno desta “mesa” que os artistas, os investigadores, os amantes do património e do território, enquan-to espaço cultural geodeterminado, e os internautas se querem sentados.

Espaço privilegiado escolhido para o diálogo entre as variáveis que com-põem este projecto, a mesa, símbolo da gastronomia, e o acto de cozinhar, fonte de todos os repastos, são a ágora para um diálogo que se quer demons-trativo do património e do território, enriquecedor porque integrador de várias expressões culturais, e partilha-do, enquanto acessível a públicos insus-peitos perdidos na web que partilham com a assistência in loco as performan-ces criadas para dar corpo ao Palato.

A web como plataforma de partilha

A casa do Palato é antes de mais a internet. A rede acolhe o sítio www.palato.org onde o projecto se eterniza entre a escrita, as fotos e os vídeos. Ali se espelham os resultados de cada per-formance, mas também se antecipa o próprio desenvolvimento do projecto.

O sítio é um organismo. Vive e de-senvolve-se, expõe e apresenta e, final-mente, ali se consolida a experiência daqueles que entram em contacto com o projecto cultural.

É também na rede que o Palato con-vida os internautas, em qualquer sítio do globo, a partilharem em directo as

experiências que a Xerem desenvol-ve no âmbito do projecto. Ao vivo e a cores, num qualquer local com acesso à internet é possível assistir às perfor-mances e partilhar experiências através de um chat em tempo real que permite uma interacção entre os artistas e inves-tigadores e quem está do outro lado, perdido na internet.

Cozinhando na Paisagem

Cozinhando na Paisagem é a perfor-mance do Palato junto do património

edificado do Algarve. Jorge Rocha as-sume as despesas do cozinhar perante uma assistência convidada a ouvir um especialista falar do enquadramento cenográfico.

Antes do arranque do tacho exposto ao lume, o desafio é o de realizar uma visita guiada ao monumento, depois a performance de cozinha assume o controlo do programa e junta investi-gação sobre tradição gastronómica a explicações sobre a História e o valor patrimonial do local.

Arqueologia, gastronomia e estética,

a que se juntam a arte performativa, a envolvência e o espaço em si unidos numa realidade pouco habitual. As Muralhas de Lagos e a Villa Romana de Milreu já acolheram o Cozinhando na Paisagem e na calha a Xerem tem novas sessões cujas datas, a divulgar, podem ser conhecidas aderindo à newsletter do Palato no sítio do projecto na in-ternet.

Tavolo

Imagine uma mesa, corporizada

numa tira rectangular de tecido branco que é transportada por vários convivas por entre um espaço urbano. Correm os comensais as ruas e os locais onde se podem adquirir os ingredientes para uma refeição típica do local e regres-sam da passeata performativa ao local de partida com cestas cheias para o acto que mais se aguarda.

Ganha lugar e espaço, uma vez mais, a gastronomia e o cozinhar, enquanto o diálogo frutifica e espreita os domí-nios insondáveis de uma boa conversa que tem como ponto de partida o péri-plo que levou todos até ali. Lagos foi a primeira cidade a assistir ao Tavolo que promete repetir-se, diz Jorge Rocha, que deseja encontrar parceiros para que a ideia ganhe maior dimensão.

Território

Ainda dentro do universo polifaceta-do do projecto Palato surge Território, em que a cozinha se desenvolve pe-rante uma assistência tendo por base o enquadramento territorial e a recolha daqueles que são os hábitos alimenta-res ligados ao território em causa.

Vila do Bispo acolheu a primeira per-formance que Jorge Rocha considera ter sido uma óptima experiência. A repetir um pouco por todo o Algarve onde se queira experimentar o projecto Palato, a Xerem está aberta a sugestões e encetar parcerias que se juntem àque-las que já se fundaram com autarquias, associações e com a Direcção Regional de Cultura.

A proposta é a de ir acompanhan-do a par e passo um projecto que não tem um tempo determinado nem pra-zo agendado, como refere Jorge Rocha, responsável maior pelo conceito.

Levar o Palato a todo o Algarve, mos-trar aos algarvios o que a mesa tem de relação estreita com a História e o pa-trimónio , com o espaço e tempo que habitamos e com aqueles que o habi-taram antes de nós é um desafio no mí-nimo interessante. O Algarve quer-se assim reinventado em cada momento e conhecido culturalmente das mais di-versas formas e pelos mais insuspeitos meios. Há lá melhor do que conhecer-mo-nos, ainda mais com uma mesa como palco?!

Ricardo Claro

Web, património, gastronomia e muito mais: uma ágora chamada Palato

Em cada sítio Jorge Rocha cozinha ao vivo acompanhado de um investigador

fotos: photoarch/ricardo soares

“ISTO É QUE ME DÓI!”Até 31 AGO | 22.00 | Teatro Municipalde Portimão - TEMPOPeça interpretada por José Raposo, acompanhado de um elenco com grandes nomes do espectáculo, 35 anos após Raul Solnado ter dado vida a esta comédia

“BELA MANDIL REVISITADO”Até 23 AGO | Junta de Freguesia de Pechão - OlhãoExposição de pintura digital de José Bívar, que com este trabalho pretende chamar a atenção para o fu-turo da freguesia em terras sustentáveis, preservando as suas características ruraisAg

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Cozinhando na Paisagem na Villa Romana de Milreu

Panorâmica

Page 6: CULTURA.SUL 60 - 9 AGO 2013

09.08.2013 6 Cultura.Sul

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A forma como valorizamos o Patri-mónio revela não só as nossas preo-cupações com o passado, o presente e o futuro, mas revela acima de tudo uma parte do que somos. O tempo que dedicamos a esta valorização será sempre um bom investimento, trará novas vivências e reforçará outras me-mórias. Porque como dizia António Rosa Mendes: “Somos feitos de tem-po. Pelas nossas veias não circula só o sangue, circula também o tempo. A nossa matéria é o tempo e nessa medida se queremos sinais de orien-tação em relação ao futuro temos que nos apoderar do passado”.

Núcleos Museológicosno espaço rural

Os Núcleos Museológicos no espa-ço rural têm de estar ao serviço das populações incentivando a participa-ção da comunidade, promovendo a experiência colectiva e a reflexão dos visitantes.

Quando um Núcleo é lugar de re-cuperação de objectos, símbolos e saber-fazeres de uma comunidade, esta sente-se valorizada e sente que o seu legado cultural continua no tem-po. Ao dar a conhecer essa “herança cultural”, para além de fomentar o interesse pelo património, está-se também a viabilizar a preservação do

espaço, fazendo com que a comuni-dade sinta admiração e respeito pela identidade cultural que represen-ta. Essa é uma forma de incutir aos mais jovens o gosto e o interesse em preservar a história e a cultura local, despertando interesse pelas suas pró-prias raízes culturais.

A realização de actividades cultu-rais nos referidos espaços contribui para a revitalização do património, para a revalorização da história numa perspectiva de identificação e de au-to-estima das populações, em parti-cular dos espaços rurais. O trabalho de investigação realizado nos mon-tes do Nordeste Algarvio permitiu--me conhecer um pouco do seu patri-mónio cultural material e imaterial, através destas magníficas gentes, de vivências ricas e, por vezes, de auto--estima baixa.

Os Núcleos Museológicos podem representar uma mais-valia no de-

senvolvimento local, nomeadamente no domínio turístico e cultural e essa mais-valia pode ser reforçada com di-ferentes dinâmicas de revitalização.

Revitalização museológica em Alcoutim

“A realidade museológica do Algar-ve assenta sobretudo em museus de tutela autárquica (53%) e na prolife-ração de uma grande quantidade de núcleos museológicos, na sua maio-ria dedicados à etnografia das diver-sas localidades”.1 Dos vários núcleos museológicos existentes no concelho de Alcoutim, que integram a Rede Museológica de Alcoutim e a Rede de Museus do Algarve, um deles está a ser revitalizado de forma sistemática e or-ganizada. Trata-se de uma antiga Esco-la Primária, musealizada desde 2000, onde se pode encontrar uma sala de aula dos anos 50/60, com todos os

elementos e materiais usados na épo-ca. Este Núcleo situa-se no Monte de Santa Justa, a 3 Km de Martim Longo. O processo de revitalização referido passa pela dinamização de sessões mensais, que irão decorrer até Outu-bro, no âmbito do «Projeto Alcoutim» do qual sou coordenadora executiva.

Pretende-se com estas sessões a participação da comunidade na va-lorização do seu património e ao mesmo tempo contribuir para que a população se aproprie de um espa-ço, que afinal é seu e está povoado das suas memórias. No essencial, a ideia é que a comunidade se envolva socialmente na vida do Núcleo Muse-ológico e que dê continuidade a este processo de revitalização mensal.

É importante que se sintam “guar-diões das memórias”, das histórias de vida e da identidade cultural. Foi com esse sentimento que ficamos na primeira sessão ao escutarmos teste-

munhos tão genuínos e espontâneos, capazes de “povoar os objectos” da escola, resgatando o passado, trans-formando as imagens, já de todos distantes, em novos modos de inter-rogar o presente e problematizar o futuro. A segunda sessão foi dedi-cada ao enquadramento histórico do ensino da época e à recriação de uma aula com os conteúdos de uma lição da 2ª classe dos anos 50/60. Nessa recriação não faltaram alguns rituais da altura como o canto do Hino Nacional de pé e a professora vestida de bata branca com a palma-tória na mão! Houve uma recolha de depoimentos que nos fizeram perce-ber como as memórias de infância estão bem presentes nos mais idosos, tendo deixado algumas marcas que não se esvaíram no tempo.

A sessão de 29 de Agosto será de-dicada aos contos tradicionais, envol-vendo a comunidade nessa partilha. Desejo que a comunidade de Santa Justa possa dar continuidade a este processo de revitalização do Núcleo, realizando actividades, serões onde partilhem as suas vivências, as suas histórias de vida e as possam transmi-tir aos seus descendentes e ainda que possam motivar outros montes com núcleos museológicos a trilhar o mes-mo caminho. Desejo ainda que este pequeno contributo sirva de reforço à interiorização da “herança cultu-ral” do seu território e a promova de modo a atrair mais visitantes para o rico e importante património do Nor-deste Algarvio.

1. PAULO, Dália (2008) “Museus de fron-teira no Algarve: novos espaços, novos desafios” in MUSEAL nº 3, Faro: Museu Municipal; Câmara Municipal de Faro, p.96 a 105.

Maria Luísa FranciscoDelegada Regional da Associação Portuguesa de Museologia

Núcleos Museológicos em Alcoutim: um processo de revitalização

maria lUísa francisco

Recriação de uma aula da 2ª classe dos anos 50/60, no Núcleo Museológico de Santa Justa

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09.08.2013  7Cultura.Sul

Momento

Portimão, “Work in Progress”

Foto de Vítor Correia

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09.08.2013 8 Cultura.Sul

Ele, ela e o Globo

O Globo

Já ninguém tem um. Com luz e tudo. Como aqueles que se compra-vam às Selecções Reader’s Digest. Com um manual de utilizador de capa azul e branca. Que ensinava a ajustar as co-ordenadas de um determinado local e encontrá-lo na bola mundo. De onde aprendemos os nomes dos lugares e as suas características. Graças a ele sabe-mos onde estamos, onde já estivemos, e onde gostaríamos de ir nessa esfera azul terrestre. O globo de todos os so-nhos. Dava muito jeito.

Entretinha muito as famílias, quando ainda não havia o Google Earth, nem mesmo sequer os computadores. Tan-to, que o pai dele criou uma história que lhe contava a si e aos seus irmãos, sobre como tinha viajado em lua-de--mel com a sua mãe antes de se casa-rem. Tudo por causa de uma brinca-deira com o globo que o seu avô lhe comprara. Um bom investimento se revelou. Tornou-se professor de Geo-grafia. Assim também ele percorreu o país de norte a sul enquanto o pai não conseguiu a colocação definitiva.

(Ela e) Ele

O que é aquilo, aquele… ali sobre a mesa? Para que o compraste? A tua mania de comprar coisas inúteis nas feiras de velharias. É de segunda mão? É vintage? Tem um ar estranho? Para que queres aquilo?

Adoro este globo. E o Google Earth também. Permitem-me viajar como o

Pessoa - o poeta dos pobres que viajam sentindo (indo, mas sentados). Não te lembras da história? É o globo do meu pai. Deu-mo. Quer dizer, agora vai pas-sar por mim. Disse-me para eu o trazer porque teve a sensação que podia estar a chegar a minha vez de o usar. E acon-selhou-me a não dar ouvidos aos que estão sempre a dizer: «A vida é o que tu fazes dela», convencido que nada se desvela mais enganoso, quando depois aprendemos que a vida é o que se vai (sempre) pensando que se poderia ter feito nela.

Ela (para Ele)

Ah…, sim! Estou a lembrar-me da-quela história dos teus pais meio estra-nha, que me contaste… isso é mesmo verdade? É então este o famoso glo-bo!? Já que vens com isso, aproveito para te dizer algo que venho pensan-do há alguns dias… tenho que te dizer isto. Desculpa, mas não aguento mais. Acho que chegou o momento da ver-dade da nossa relação. Aqui e agora - é este o tempo e o lugar decisivos. As-sim como nos concursos da televisão, aqueles que tanto há agora, esses tipo

espectáculo da realidade, em que o concorrente ou arrecada o que ga-

nhou até esta fase, ou decide se vai jogar a prova final ganhan-

do o fabuloso prémio em jogo. Onde também pode perder tudo. Este é o mo-mento que interessa. O mais importante do pro-cesso, a decisão. Depois se ganhas o prémio final, isso é o futuro que nunca saberás se não jogares. O princípio mágico e arre-

piante da vida. A glória e o arrependimento. Se me

amas tens agora a tua opor-tunidade de me levar nessa

viagem de família. E eu esco-lho a igreja para nos casarmos

quando regressarmos. Se não o fi-zeres sei que a nossa relação termina

aqui. Os espectadores, divididos, entre te julgarem cauteloso e sensato, ou atirando-te com um para ali está mais um jovem cobarde e sem ambição… baterão palmas, todos no entanto, en-quanto eu saio de cena por aquela por-ta. Já tu ficas com eles a apanhar com blocos de 20 minutos de publicidade seguidos. Ou: - Podes pensar. Mas tens apenas aqueles dois minutos e meio que demora o intervalo exclusivo da-

quele novo carro que tanto gostas.

Ele, (Ela) e o Globo

A solução, concordaram, passava simplesmente pela escolha aleatória de um destino de férias, como era da tra-dição. Algo que ele tantas vezes tinha ouvido aos pais, visto contar pelos tios, gabado pelos amigos de todos eles. E nem mesmo assim ele sabia se isto não passava de um mito. Mesmo que não tivesse acontecido nunca, era por ele que o faria, pela sua honra própria. E por ela. Agora não podia simplesmente dizer-lhe que tudo aquilo não passava de uma história, uma brincadeira, uma piada privada de amigos e familiares. Não era simplesmente a lenda de todos os homens da família, que num certo dia se tinham virado para a mulher que a dado momento achavam ser a da vida deles, propondo-lhes a tal via-gem para um local do mundo ao acaso. Embora não à sua escolha, mas da sua decisão. E uma vez escolhido o lugar – fosse esse qual fosse – esse seria, e ne-nhum outro mais. Como numa roleta russa. Quando o globo parasse de rolar abruptamente, o destino estaria traça-do. Com bilhete só de ida. Teriam de conquistar o regresso. Agora a decisão era irrefutável, chegado pois o momen-to da verdade. Ele levantou-se.

Ela (o Globo e Ele)

Um gesto por ela interpretado como um sim. Uma prova de amor embora não verbalizada, entendia-se. Foi bus-car o globo de família. ‘Aquela relíquia macabra, que me trouxe para esta casa’, lembrou-se da frase que a mãe dele di-zia, ainda que não tivesse para já ava-liado o grau de ironia nela envolvido. Mas estaria agora mais perto de perce-ber porque aquele objecto antiquado e insignificante era tão importante e de-cisivo para aquela família. Não apenas o tal de fetiche como ela o apelidava, pois achava que aquelas histórias de viagens, provavelmente inventadas - eram meio caminho andado para le-var na bagagem, as pretensas ouvintes, novas potenciais viajantes, para uma cama de hotel.

Ele, Ela, o Globo

Ele carregava o mundo nas suas mãos. Aqui tens. Dou-to. É todo teu, mas

dele infelizmente só vais poder esco-lher um único ponto. Onde ser feliz não dependerá só de ti.

Respiraram fundo. Iniciaram o ritu-al. Ele girou o globo de modo a dar as voltas suficientes para não se distingui-rem os oceanos dos continentes. Olha-ram-se nos olhos. Sentiam a tensão do mundo a girar entre os seus peitos. O planeta azul começava a perder força na sua rotação forçada. Era então que ela tinha de cerrar os olhos. E em segui-da teria de apontar o dedo indicador sobre a superfície do globo, parando o mundo e tudo o que nele gira. Por uns segundos. Cabia ao homem marcar as coordenadas. Ditá-las à mulher que as escreveria num pedaço de papel. Onde fez aparecer: 37° 2’ 0’’ N, 7° 55’ 0’’ W. Ele tomou o livro a seu lado sobre uma cadeira. Procurou e deu-lhe a ler:

«Europa, Portugal, Algarve, Faro, Ilha da Culatra».

Caraças, isto não está viciado nem nada !? Que galo, saiu logo o único sí-tio onde com esta crise eu conseguiria ir passar uns dias de qualquer modo. Seja! Também nunca acreditei muito nesta treta. Aí não diz se vamos à boleia ou de comboio!?, desabafou ela.

Ele e Ela, sem Globo

O táxi-aquático serpenteou o canal de águas turvas da maré baixa, sempre junto às bóias. Quando a pequena lan-cha enfiou a proa pela areia naquela ilha lá para o pé do fim, como cantou Júlio Pereira, puderam ver a seu lado as pessoas que dentro e fora das traineiras terminavam os preparativos para a festa da Nª Srª dos Navegantes. Na sua frente destacava-se iluminada, a igreja.

Não conseguiram dormir sujeitos ao calor desses dias de canícula. A casa que alugaram era demasiado quente. Daí observaram a lua, que toda a noite brilhara tão alto, a desaparecer do lado poente enquanto o sol nascia do mar a este. À primeira claridade rumaram à costa, já o farol do cabo de StªMaria esta-va prestes a desligar-se. O mar mais pare-cia um longo espelho deitado. Entraram na água que surpreendentemente estava a uma temperatura muito agradável.

Dali, no cedo daquela manhã, perce-beram que será errado tentar repetir as horas perfeitas. Algo que se pensa mas não se enuncia. E que o amor e vida são para sempre, pelo menos enquanto du-ram nesta breve eternidade, que mais parece feita de pequenos nada, de cada presente que vivemos. A eternidade não é algo para o futuro, que se constrói com o que não se viveu ainda, mas tal-vez com aquilo que se tem vivido e nos leva para diante.

Pedro [email protected]

Contos de Verão na Ria Formosa

d.r.

“A RIQUEZA QUE A RIA E O MAR NOS DÃO”Até 15 AGO | Ria Shopping - OlhãoExposição fotográfica do habitat natural de um dos locais mais bonitos e emblemáticos do Algarve, com destaque para os flamingos, assim como para a arte da faina de pesca e captura de bivalves e para a acti-vidade de extracção de salAg

endar

“F.M.I. E OS 40 E TAL MAMÕES”30 e 31 AGO | 21.30 | Centro Cultural de LagosA actualidade política e social do país e do mundo, bem como o quotidiano de Portimão, servem de mote para mais uma edição desta revista à portu-guesa, que segue as directrizes impostas pela Troika para cortar nas despesas

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09.08.2013  9Cultura.Sul

Na senda das pedras falantes

O presente texto vem na sequência do último artigo, em que foi apresen-tado, de um modo mais genérico, o formato interdisciplinar “Leituras Zen”, dando-se agora alguns exem-plos práticos a nível musical, literário e contextual.

Musicalmente, é fundamental o recurso a sonoridades de efeito tro-fotrópico, ou seja, de melodias que

induzam tranquilidade, apazigua-mento, sono e harmonia íntima, na linha da chamada “música orgânica”, dotada de atributos biológicos (flui-dez, harmonia, unidade de sentido). O universo clássico, por exemplo, é fértil em peças enquadráveis neste registo, como alguns temas de Ravel, Massenet, Liszt, Bach, Beethoven ou Vivaldi. No jazz, a música “Reed song” dos americanos Will Holshouser Trio é um tema bem ilustrativo do que se pretende para este formato planante e viajante.

No caso português, além de com-posições instrumentais de projectos como Madredeus (“As Montanhas” e “As ilhas dos Açores” são bons exem-plos), Danças Ocultas, Bernardo Sas-setti e João Paulo Esteves da Silva, uma palavra especial para Rodrigo Leão, que, com o seu som clássico--moderno e as suas aproximações à música contemporânea, ao minima-lismo e ao misticismo/espiritualida-de (patentes no cariz contemplativo

e introspectivo de parte do seu reper-tório), possui temas instrumentais de grande adequação a este forma-to, como “Cinema”, “Amatorius” ou “Final”.

Sobre os textos, alguns exemplos que resultam bem: “Convida-me só para jantar”, de Ana Goês; “A terra do nunca”, “Presente” e “As coisas mais simples”, de Nuno Júdice; “O brinca-dor”, de Álvaro Magalhães; “Eu sei, mas não devia”, de Marina Colasanti; “O faroleiro do Sardão” e “O guarda-dor da ilha”, de Al Berto; “[Não gosto tanto”], de Adília Lopes; “E tudo era possível” e “A rua é das crianças”, de Ruy Belo; ou “O sorriso”, de Eugénio de Andrade.

Quanto a espaços de realização, as possibilidades são inúmeras con-soante a imaginação e a ousadia: o interior de uma igreja ou de outro edifício histórico, um terraço junto

ao mar, em plena sala de leitura de uma biblioteca, um jardim público, junto a uma fonte, moinho ou eira tradicionais, a praia, um retiro espiri-tual, um monumento arqueológico, o recanto de uma esplanada de café ou uma zona mais elevada, privilegiada, de observação paisagística…

Esta abordagem já foi testada, de forma inédita em Portugal, em 2011 pelo projecto Experiment’arte, em colaboração e com o patrocínio da Direcção Regional de Cultura do Al-garve, tendo sido então criado o ciclo “Na senda das pedras falantes”, assen-te na ideia de reinvenção do conceito de experiência patrimonial. Propor-cionou-se assim aos visitantes de vá-rios monumentos da região uma ex-periência inovadora, diferenciad(or)a e surpreendente, que obteve um assi-nalável impacto junto do público-al-vo e será inclusivamente reposta este ano nalguns monumentos algarvios entre 25 de Agosto e 20 de Outubro. Atrevam-se…

Um Algarve a descobrir

A época de férias traz mais uma vez ao Algarve uma grande afluência de turistas, quer nacionais, quer es-trangeiros, que enchem as praias em busca de sol, tornando uma vivência habitualmente calma num corrupio de falta de estacionamento e engar-rafamentos. Não sendo algarvia mas vivendo no Algarve há cerca de dez anos, a sazonal diferença de vivências a que se assiste nesta região suscita--me sempre alguma perplexidade. É no Verão que a diferença entre o lito-

ral algarvio e o interior da região se torna gritante. Aí, mesmo quando as praias estão cheias de turistas, con-tinuamos a poder apreciar com cal-ma toda a beleza que nos é oferecida pelas regiões mais afastadas do mar.

O concelho de Loulé, com a sua grande extensão territorial, enfrenta vários problemas na dinamização do seu interior. Numa tentativa de con-trariar esta tendência tem existido um esforço por parte da autarquia em di-versificar a oferta turística aí existente. A par de várias iniciativas de carácter social e cultural e do turismo de ver-tente natural e paisagística, o patrimó-nio arqueológico pretendeu assumir--se nos últimos anos como mais um ponto de interesse a ser explorado nas regiões do interior.

À oferta turística da freguesia do Ameixial, que passa por uma série de percursos pedestres procurou ultima-mente associar-se uma visita aos mo-

numentos megalíticos existentes per-to desta localidade, uma vez que estes monumentos se encontram em locais de fácil acesso. O caminho encontra--se sinalizado, permitindo ao público interessado aceder facilmente ao local.

Outra iniciativa levada a cabo recen-temente resulta de uma parceria entre a Universidade de Jena (Alemanha) e o município de Loulé para a escavação de um sítio arqueológico romano na freguesia de Benafim, na localidade de Espargal. A vontade de realizar traba-lhos arqueológicos no local partiu do proprietário do terreno, na expectativa do seu aproveitamento turístico futu-ro. A escavação, a decorrer desde 2010, colocou a descoberto vestígios de uma estrutura de produção de azeite e/ou vinho que terá estado em utilização entre os séculos II a.C e V d. C.

Durante o corrente ano foi realizada mais uma iniciativa visando aumen-tar a afluência de turistas interessados na vertente patrimonial e arqueoló-

gica ao interior do concelho. Trata-se de uma exposição de rua itinerante, concebida numa parceria entre a au-tarquia e o Projecto Estela, que visa dar a conhecer a Idade do Ferro e as estelas com escrita do sudoeste encontradas no Concelho de Loulé. A exposição, que pretende interagir com os espaços públicos, foi pensada para estar paten-te nas freguesias onde foram encon-trados vestígios arqueológicos deste tipo de escrita, tendo sido inaugurada em Salir a 9 de Maio. Localizada perto do Pólo Museológico de Salir, a exposi-ção permitia que o visitante iniciasse a sua visita junto da antiga escola pri-mária, subindo a Rua do Castelo ao mesmo tempo que lia os seis painéis que constituem a exposição, termi-nando a visita no Pólo Museológico, onde se expõe a Estela de Viameiro. A exposição esteve em Salir cerca de um mês tendo registado um elevado número de visitantes, seguindo de-

pois para a aldeia da Penina, fregue-sia de Benafim, onde esteve desde 10 de Junho até 10 de Julho. A iniciativa juntava ao percurso pedestre de ver-tente natural da Rocha da Pena uma vertente patrimonial que pretendia ser uma mais-valia para a oferta já existente. A colocação temporária da Estela de Barradas na aldeia da Penina permitia aos visitantes a frui-ção de um objecto arqueológico que faz parte da exposição permanente do núcleo sede do Museu Municipal.

Com a deslocação da exposição para o Ameixial a 12 de Julho, onde terminará o seu percurso, dá-se o encerramento de um ciclo. Sendo o Ameixial a freguesia do concelho de Loulé com maior número de estelas com escrita do sudoeste até agora identificadas, esta realidade apresen-ta-se como uma herança histórica de peso para a localidade. A exposição, localizada na principal artéria do Ameixial, a EN 2, estrada que ainda

hoje é uma das mais movimentadas da região, pretende receber não só os visitantes que se deslocam especifica-mente para este fim mas também sur-preender quem transita na estrada, convidando-os a parar para conhecer melhor esta realidade. No âmbito da exposição foi realizada pelos serviços do Museu Municipal uma réplica da estela de Corte Pinheiro, a última a ser descoberta na freguesia do Amei-xial e no concelho de Loulé. A réplica e a exposição vão passar a fazer parte da oferta turística do Ameixial, pas-sando a exposição a estar patente a partir do final do Verão numa das salas da Junta de Freguesia.

Com este tipo de iniciativas a au-tarquia pretende diversificar a ofer-ta turística existente no concelho, promovendo o nosso património e convidando à fruição de um outro Algarve que para tanta gente é com-pletamente desconhecido.

Espaço ao Património Sala de leitura

d.r.

Alexandra PiresArqueóloga,Câmara Municipal de Loulé Paulo Pires

Programador Culturalno Departamento Socioculturaldo Município de [email protected]

d.r.

Anta da Pedra do Alagar (Ameixial)

Leituras zen na villa romana de Milreu (Estoi)

Page 10: CULTURA.SUL 60 - 9 AGO 2013

09.08.2013 10 Cultura.Sul

Na senda da Cultura

InIcIatIva

OrganIzaçãO

10 a 15 de Agosto

www.festivaldomarisco.com

XXVIII

Jardim Pescador Olhanense

OLHÃO´13

10 sábAdo

tony CArreIrA

11 doMIngo

CArMInho

12 segundA-feIrA

Xutos & PontAPés

13 terçA-feIrA

João Pedro PAIs

14 quArtA-feIrA

trIbuto u2 uk

15 quIntA-feIrA

gruPo reVelAção

Feira Medieval de Silves

Zona histórica de Silves

Ô Dias: até 11 de Agosto Ô Horário: das 18 às 2 horas hoje e amanhã, sábado, e das 18 à 1 hora no domingo

Ô Preço: 4 euros (passe paratodos os dias) e 2 euros bi-lhete diário. Crianças até 1,30 metros de altura têm entrada grátis.

Com a chegada da época estival, o Algarve recebe milhões de turis-tas que programam as férias para a região, em busca, essencialmente, de sol e de mar. Contudo, nem só de praia vive o Algarve e muitas vão ser as festas, festivais e concertos que complementam a oferta numa esta-ção que não esquece a Cultura e as tradições.

O Cultura.Sul destaca cinco even-tos que durante este mês procuram encher o tempo livre de turistas e residentes e que passam por festas temáticas medievais, festivais gas-tronómicos, certames de artesanato com muita animação e, claro, muita música.

Silves, uma lição de história

A decorrer desde o dia 2 de Agos-to e até domingo, a Feira Medieval de Silves é uma boa maneira de começar as férias. Uma feira temática que apos-ta no traçado característico do centro histórico da cidade para oferecer aos visitantes uma viagem no tempo atra-vés da recriação histórica do período medieval do final do séc. XII.

Para este fim-de-semana é esperada a grande fatia dos milhares de visitan-tes que anualmente acorrem à anti-ga capital do Reino do Algarve e que, uma vez mais, podem experimentar uma atmosfera única num cenário tão distante dos nossos dias.

A não perder os torneios a cavalo e o teatro no castelo. A música e a anima-ção de rua ficam a cargo dos figuran-tes do povo, acrobatas, malabaristas ou cuspidores de fogo que ajudam a avivar todos os sentidos para uma época de incontornável importância para a cidade.

O preço diário do evento é de dois euros e o passe para todos os dias cus-ta quatro euros. As crianças até 1,30 metros não pagam.

O marisco é rei em Olhão

Também a gastronomia tem lugar de destaque na programação algarvia nesta época do ano e a 28.ª edição do Festival do Marisco é, provavelmente, um dos certames gastronómicos mais aguardados por turistas e residentes.

Com conquilhas, amêijoas, gambas e camarão, perceves, búzios, mexilhões, ostras ou santolas como protagonistas, já nada mais seria preciso para fazer deste evento um dos mais apetecidos mas, de 10 a 15 de Agosto, há ainda

muita música para ouvir na no Jardim Pescador Olhanense.

Tony Carreira, Carminho, Xutos & Pontapés, João Pedro Pais, a banda de tributo U2 UK e o Grupo Revelação são os cabeças-de-cartaz que garantem a animação aos milhares de visitantes durante os seis dias de festival.

Os bilhetes custam oito euros para adultos, três para crianças dos 7 aos 12 anos e entrada grátis para os mais novos.

Cartaz de luxo em Lagoa

Naquela que é a maior feira rea-lizada a sul do Tejo, a 34.ª FATACIL – Feira de Artesanato, Tu-rismo, Agricultura, Comércio e Indústria de Lagoa tem no carácter ge-neralista a sua maior valência.

Com activida-des para todos os gostos, os visitan-tes podem sempre contar com degus- t a -ções da melhor gastrono-mia, demonstrações ao vivo de grande parte dos 180 ar-tesãos presentes no Parque de Feiras e Exposições, além da beleza dos espectáculos equestres.

Contudo, é também na música que se centram as atenções nos 11 dias de fei-

ra. De 16 a 25 de Agosto o palco prin-cipal conta, todas as noites às 22.30 horas, com nomes como Entre Aspas, The Gift, Herman José & Orquestra, José Cid, Vol. 2, Os Azeitonas, Miguel Gameiro, Emanuel, Expensive Soul, João Pedro Pais e Pedro Abrunhosa, por esta ordem.

Os ingressos custam cinco euros e o bilhete familiar para quatro pesso-as custa 15 euros. As crianças até aos 12 anos têm entrada gratuita.

História e fantasia em Castro Marim

Também a sotavento há via aber-

ta para uma viagem ao imagi-nário da Idade Média. Os Dias Medievais, de 22 a 25 de Agos-to, convidam os milhares de visitantes esperados em Castro Marim a conhecer em pormenor, e com o rigor alcançado ao longo das últimas 15 edições, os usos e costumes, os mesteres e a gastro-nomia medievais, num certame que conta com música, animação de rua, desfiles e até um banquete típico da época.

Razões mais do que suficientes para estar atento e não perder uma noite seguramente diferente, num dos mais imponentes castelos da região.

Loulé despede-se do Verão de branco

A grande novidade des-te ano é o regresso da Noite Branca de Loulé depois de uma interrupção de dois anos. No úl-timo sábado de Agosto, dia 31, e sob o mote do branco a cida-de louletana despede-se da época estival com um evento organizado pela autarquia, onde não vai faltar música, animação de rua, moda, pintura ou artes plásticas.

Uma forma diferente para se des-pedir do Algarve ou das férias com um sorriso no rosto e uma recorda-ção que justifica o regresso no pró-ximo Verão à rua e à Cultura.

Pedro Ruas/Ricardo Claro

Cultura na rota da rua

“ARTE COM LATA”Até 29 SET | Museu de PortimãoExposição composta por uma série de imagens cria-das pelo artista holandês Eric de Bruijn, com base nas antigas ilustrações litográficas coloridas das latas de conservaAg

endar

“EXPOSIÇÃO DE PEDRO VARANDAS”Até 29 SET | Casa da Juventude de OlhãoArtista é natural de Olhão, desde criança que sente interesse pelo desenho, sobretudo desenhos anima-dos. Em 2009 começou a frequentar o Centro de Arte de Pintores Olhanenses e aí descobriu a pintura a óleo sobre tela

d.r.

Silves e Castro Marim regressam à Idade Média

Festival do Marisco

Jardim Pescador Olhanense

Ô Dias: 10 a 15 de Agosto Ô Horário: todos os dias

a partir das 19.30 horas Ô Preço: 8 euros para os

adultos, as crianças até aos seis anos têm entrada grá-tis e pagam 3 euros a partir dos sete e até aos 12 anos

Fatacil

Parque de Feiras e Exposições

de Lagoa

Ô Dias: 16 a 25 de Agosto Ô Horário: Os concertos

decorrem todos dias às 22.30 horas

Ô Preço: 5 euros para osadultos, bilhete para qua-tro pessoas 15 euros, as crianças até aos 12 anos têm entrada grátis

Dias Medievais Castro Marim

Castelo e vila de Castro Marim

Ô Dias: 22 a 25 de Agosto

Ô Com o programa ainda por definir uma coisa é certa, a viagem histórica para tempos imemoriais está garantida. Cheiros, sabores e viveres de outros tempos num cenário único, Castro Marim

Noite Branca

Loulé

Ô Dias: 31 de Agosto

Ô Uma noite imperdível em que a diversão invade as ruas da cidade de Loulé. Uma noite vestida de branco, que o dress code oblige, e em que é imprescindivel uma úni-ca coisa, boa disposição

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09.08.2013  11Cultura.Sul

Sob o signo de Pigmalião: O Lago, de Ana Teresa Pereira

O mito de Pigmalião, como muitos dos mitos gregos, foi glosado ao longo da história, sendo uma das versões mais conhecidas a peça de George Bernard Shaw, Pygmalion, po-pularizada pela sua versão ci-nematográfica com o nome de My Fair Lady (um filme de Ge-orge Cukor, de 1964, com  Au-drey Hepburn e Rex Harrison) e, em Portugal, pela produção do musical homónimo, de Fi-lipe La Féria, em 2002.

Conta o mito (vou usar a versão latina, de Ovídio, livro X, versos 244-296, na tradução de Domingos Lucas Dias) que Pigmalião, desiludido com as mulheres, esculpiu «uma es-tátua/ de níveo marfim e em-prestou-lhe uma beleza com que/ mulher alguma pode nascer. E enamorou-se da sua obra (…). Adorna-lhe/ os de-dos com jóias, enfeita-lhe o pescoço com longos/ colares, nas orelhas, elegantes pérolas, pendem-lhe/ do peito cordões. Tudo nela fica bem./ (…) Havia chegado/ o dia das festividades de Vénus (…) – ‘Se tudo podeis conceder, ó deuses,/ desejo que seja minha esposa…’ Não ousando dizer/ a donzela de marfim, Pigmalião disse – ‘…uma igual/ à de marfim’. Dado que a dourada Vénus assistia/ em pessoa às festividades em sua honra, percebeu o que/ pretendiam aqueles votos (…). Pigmalião dirigiu-se/ à estátua da sua amada e, reclinando-se no leito, beijou-a./ Pareceu-lhe estar quente. Aproxima outra vez a boca/ e, com as mãos, toca-lhe o peito também. Ao ser tocado,/ o marfim torna-se mole (…)./As veias palpitam

sob o polegar (…)./ Por fim, beijou com sua boca/ uma boca não fingida. A donzela sentiu os beijos que lhe/ eram dados e corou. E, erguendo seu tímido olhar para/ os olhos dele, de par com o céu viu o seu enamorado./ A deusa as-sistiu à boda, que organizou».

Este longo preâmbulo ser-ve para apresentar o livro que trago hoje, O Lago, de Ana Teresa Pereira (editora Relógio d’Agua, 2012), que ganhou o Grande Prémio de Romance e Novela - 2012, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores.

Ana Teresa Pereira é uma autora discreta. Nascida no Funchal, em 1958, começou a publicar em 1989 e tem man-tido uma edição regular, tendo muitas das suas obras ganho prémios variados (começando pelo primeiro, Matar a Ima-gem, que recebeu o Prémio Caminho de Literatura Poli-cial). Não dá muitas entrevis-tas e mantém-se à margem de polémicas em blogues e afins.

Li alguns dos seus livros e cada um dá-me vontade de

ler outro e mais outro e mais outro. Este não foi exceção.

No início…

… está tudo. Ao terminar-mos apercebemo-nos de que os indícios do que se ia pas-sar já estavam lá.

Cada capítulo é contado focalizando ora em Tom, ora em Jane. Apesar do livro ter apenas 4 personagens, uma delas quase não aparece (Ed, o produtor) e a outra, o ator Kevin, é uma espécie de pro-jeção do autor (Tom), que re-presenta em vez dele, mas a sua existência não é suficien-temente importante para que a narrativa se centre no que sente ou pensa. Apenas em Tom e Jane.

Jane esperava ter trabalho como atriz, depois de ver a sua carreira como bailarina destruída por uma queda que a deixou incapacitada para voltar a dançar: «Continuava à espera de uma oportunida-de. Embora gostasse de repe-tir a si mesma que não acre-ditava em contos de fadas.

Mesmo que fosse numa peça que mais ninguém recordas-se. Mas ela teria sido, comple-tamente, aquela personagem. Teria passado, completamen-te, para o outro lado». (p.21)

Pigmalião e My Fair Lady

No mito de Pigmalião, a está-tua – Galateia – ganha vida, casa com o seu criador, têm uma fi-lha e são felizes para sempre. Portanto, passa de uma não vida para uma vida – boa, para os padrões da época (e, como se percebe, esses tempos mito-lógicos não estão tão distantes assim). Em Pigmalião/ My Fair Lady, Galateia – Eliza Doolittle – já tem uma vida antes de encon-trar Pigmalião (Henry Higgins) e a mudança que ele opera nela – uma mudança que ela deseja, sem ter noção das consequên-cias desse desejo – é irreversível e a sua vida nunca mais poderá ser a mesma. E esta Galateia re-cusa ficar com o seu Pigmalião, porque ele não a trata com a gentileza que ela merece, mas como uma sua criação.

Tom, como a maioria de

nós, é um homem da era visu-al e, para ele, Galateia teria de ter o rosto, o corpo, os gestos, o cabelo da atriz por quem se apaixonara: «Havia nela alguma coisa de Audrey Hepburn. E se havia alguma coisa, ele podia inventar o resto» (p.12). «Apai-xonara-se por Audrey Hepburn quando vira My Fair Lady. Sem-pre o seduzira a história de Pig-malião. Apaixonava-se de vez em quando, mas tinha consci-ência de qua a outra pessoa era só alguém com quem viver uma fantasia. Só podia amar de facto um ser criado por ele. (…) Ele conhecia tudo a seu respeito, excepto o seu rosto. (…) De vez em quando sonhava com ela. Não era nada de surpreenden-te, sonhara com as personagens que interpretava, com as perso-nagens que criara. Quase não sonhava com outras coisas. No fundo, era um fanático, sempre o fora. Acordava à procura dela, e com uma certeza. Ela seria tão bonita. De uma forma profunda e tortuosa, estava apaixonado

por ela. Tanto quanto podia estar apaixonado por alguém.» (p.26-27)

E quando dois fanáticos se juntam (também ela diz: «Ain-da havia nela alguma coisa da criança que treinava horas to-dos os dias, até perder as forças. Um princípio de fanatismo» - p. 21), quando um quer criar uma personagem e o outro quer ser essa personagem, o resultado é inquietante.

Este livro questiona os limi-tes da memória, da vontade, da própria existência.

Muito bom.

Outras leiturasOvídio, Metamorfoses (tra-

dução de Domingos Lucas Dias, em dois volume, de 2006 e 2008, Lisboa, Ed. Vega).

George Bernard Shaw, Pig-malião (não conheço a quali-dade da tradução portuguesa, mas a inglesa – Pygmalion – está disponível, gratuitamen-te, na Internet).

d.r.

Da minha biblioteca

Adriana NogueiraClassicistaProfessora da Univ. do [email protected]

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Ana Teresa Pereira

Page 12: CULTURA.SUL 60 - 9 AGO 2013

09.08.2013 12 Cultura.Sul

Ao que parece o Verão vol-tou a trazer algumas boas novidades para os amantes da sétima arte. O cinema que parecia definhar, fosse ele de massas ou minorias, em cen-tros comerciais ou cineclubes, um pouco por todo o Algarve, e pelo país, num grande ecrã que tendia a minguar.

Eis que as boas novas, ainda que a conta-gotas, nos reser-vam a esperança de que, afinal, o cinema e a Cultura ainda po-dem dar a volta por cima do negro cenário que no horizon-te se desenhava.

Bem virtuosos os investi-mentos sérios no sector, in-dependentemente da sua origem, e os frutos que daí possam surgir para os públi-cos actuais e para aqueles que estas mesmas salas de cinema vão decerto criar.

Vejamos os exemplos de um percurso que parece indi-car que o Algarve tem espaço para o cinema e que os algar-vios não deixarão de aderir às propostas da arte de con-tar histórias no grande ecrã a começar pelos cineclubes e a terminar nas salas ditas co-merciais. Foi assim em Tavira, onde as mostras de cinema ao ar livre regressaram para gáu-dio de residentes e turistas, foi assim em Lagos, onde pela mão de Carlos Matos o cinema voltou anos depois do esque-cimento e agora a notícia de que até os centros comerciais na Guia e em Portimão, cujas salas estavam encerradas des-de o início do ano, vêem agora luz ao fundo do túnel com a entrada dos brasileiros Orient Cinemas no mercado nacional, com a marca ‘Cineplace’.

Salas de cinema reabrem até fim do ano

São 60 as salas que em dez centros comerciais do grupo Sonae Sierra vão reabrir por-tas aos portugueses, até ao final do ano, de norte a sul e até às ilhas, por via do acordo com a Orient Cinemas, que fi-cam assim a gerir as salas que eram exploradas pela Socora-ma Cinemas, que entretanto pediu insolvência.

É o caso do AlgarveShop-ping (Guia) e Centro Comer-cial Continente de Portimão, os dois exemplos no Algarve, mas também do Estação Via-na Shopping, LeiriaShopping, LoureShopping, MadeiraSho-pping (Funchal) e ainda as salas de cinema do Parque Atlântico (Ponta Delgada), do Serra Shopping (Covilhã), do RioSul Shopping (Seixal) e da 8.ª Avenida (São João da Madeira).

A data limite apontada pe-los responsáveis para a reaber-tura das mencionadas salas é até ao final do ano, mas tudo aponta para que alguns dos cinemas reabram ainda este mês, avança o jornal Público.

Brasileiros apostam em Portugal

Os nordestinos Grupo Orient (UCI Orient, Orient Ci-nemas e Cineplace) chegam em força ao mercado nacional de exibição cinematográfica e com o novo protocolo assina-do com a Sonae Sierra passam imediatamente a ocupar a se-gunda posição no país, ime-diatamente atrás da já muito bem implementada Zon Lu-

somundo.A Sonae Sierra, que já nego-

ciava com operadores há di-versos meses, e que chegou a pensar noutras opções como dar novo uso às salas entretan-to encerradas, vê naturalmente com bons olhos a entrada da Orient em Portugal, que diz ser “um importante opera-dor, uma referência em qua-lidade, tecnologia e sinónimo de programação inteligente e bem elaborada”.

De facto, o grupo brasileiro conta com vinte anos de pre-sença no mercado brasileiro e opera em Angola há seis e, segundo a Sonae Sierra, “é líder de mercado de exibi-ção de filmes no nordeste do Brasil”.

Aquiles Mônaco, presiden-te do grupo brasileiro, consi-dera que a aquisição das salas de cinema em Portugal é “um importante passo na estraté-gia de internacionalização da empresa”, sendo Portugal a porta de entrada para o mer-cado europeu.

De resto, e com a realização deste negócio, a Orient passa a deter cerca de 15% da cota de mercado em Portugal, sendo que tem ainda cerca de 20 salas espalhadas pelo nordeste do Brasil, além das seis salas no Belas Shopping, o primeiro centro comercial angolano.

A crise por que passa Portu-gal parece não assustar Aqui-les Mônaco e este investimento pode e deve reforçar em breve os cerca de 30 milhões de eu-ros de facturação global regis-tados pelo grupo em 2012.

Pedro Ruas/Lusa

Cinemas ganham novo fôlego na região

d.r.

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