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7 | OUT | 2010 • Nº 26 • Mensal • Este caderno faz parte integrante da edição nº1004 do POSTAL do ALGARVE e não pode ser vendido separadamente I Encontro Internacional Álvaro de Campos • A morte de Sidónio Pais, em teatro » p. 11 • Homossexualidade no Estado Novo » p. 13 • Castro Marim: a autenticidade » p. 14 Distribuído mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO p. 4 e 5

Cultura.Sul 26

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» I Encontro Internacional Álvaro de Campos » A morte de Sidónio Pais, em teatro »Homossexualidade no Estado Novo »Castro Marim: a autenticidade

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I Encontro Internacional Álvaro de Campos

• A morte de Sidónio Pais, em teatro » p. 11

• Homossexualidade no Estado Novo » p. 13

• Castro Marim: a autenticidade» p. 14

Distribuído mensalmente com o POSTAL em conjunto com o PÚBLICO

p. 4 e 5

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Ficha Técnica

Direcção: GordaEditor: João EvaristoConcepção gráfica: Ricardo Claro

Design e paginação: Marta VilhenaResponsáveis pelas secções: »panorâmica.S - Ricardo Claro »cinema.S - Cineclubes de Faro, Olhão e Tavira

»livro.S - Adriana Nogueira»arte.S - João Evaristo»política.S - Henrique Dias Freire»património.S - Joaquim Parra»biblioteca.S - Elisete Santos

Colaboraram nesta edição: Direc-ção Regional de Cultura do Algarve; AGECAL; Cristian Valsecchi; Luís Vicente; Tela Leão e Luís Gameiro.

e-mail: [email protected]

Tiragem: 9.491

• SIMPLEX DICTUM

"Palco para idiotas!"

«Só letra só letra, figura nenhuma!» Diziam, antigamente, os iletrados perante um texto es-crito que não fosse acompanhado de imagem. O povo era analfabeto. No cinema, juntavam--se uns poucos para pagar a um mais letrado, para que este que lhes lesse as legendas. Quem sabia ler era respeitado pelos restantes. E tinha acesso à intimidade da correspondência dos mais próximos. A leitura era o motor dessas «redes sociais».

Hoje não há analfabetos (Dizem!) Existem os infoexcluídos! E as redes são outras.

Comemora-se em Outubro, desde 2007, o Mês Internacional das Bibliotecas Escolares. O número de bibliotecas e o acesso à leitu-ra aumentaram exponencialmente. É outro tempo! Dizem que se lê mais. Não sei!

Mas ler continua a estar na moda.

Mesmo os que não lêem sentem-se inibidos a confessá-lo. E conheço poucos que o assu-mam com orgulho. Bem, F. Pessoa chegou a escrever que «ler é maçada» e que «livros são papeis pintados com tinta». É obvio que o Poeta estava a ironizar! Dizem alguns enten-didos. (Nessa coisa de interpretar os mortos é que eu não me meto. Até porque, eles não se podem vir cá defender!)

Que livro é que andas a ler? Continua a ser uma das perguntas mais embaraçosas que se pode fazer a alguém. Principalmente a um não leitor.

Hoje, para se conhecer os hábitos de leitu-ra de alguém, nem precisa perguntar. Basta ir ao Facebook… e ao Twiter. Está tudo lá: Os livros lidos (ou por ler, não interessa) as sinopses, os excertos e as frases mais bonitas.

Tudo mal referenciado… mas que fazem do maior analfabeto um eloquente!E até lá está a intimidade das cartas… e a

revelação pública dos amores e desamores. É a nova sociedade em rede. Acabaram-se os espectadores. As «redes sociais» tornam-se, assim, numa espécie de democratizador do protagonismo. Um palco para idiotas. Uma versão autista de um One Man Show. Com a possibilidade de atingir milhares de amigos virtuais/público anónimo, com opção única de dizer «gosto!». E isto, parecendo que não, anima o ego.

Com pouca letra se faz muita figura!

• CINEMA

Visões do SulMostra internacional de Cinema de Portimão

• EXPOSIÇÃO

João Evaristo Editor Cultura.Sul

A Mostra Internacional de Cinema de Portimão “Vi-sões do Sul” está de volta para a sua segunda edição. De 26 a 31 de Outubro vão ser exibidos filmes que têm como inspiração a vida e obra de Manuel Teixeira Gomes, assim como a ideia de cruzamento de culturas sustentada no carácter cos-mopolita da cidade de Por-timão. Durante os seis dias da mostra vão ser exibidas 12 longas metragens seleccio-nadas pela Associação Zero em Comportamento que incluem documentário e fic-ção. Cada filme vai ser apre-sentado por um convidado, proveniente de diversas áre-as da sociedade portuguesa, da cultura à política. Esta é

uma forma de proporcionar um outro olhar sobre o ci-nema, enquanto espaço de reflexão e partilha de experi-ências pessoais relacionadas com as obras, propiciando um encontro com o público.As “Visões do Sul” 2010 in-serem-se nas comemorações dos 150 anos do nascimento de Manuel Teixeira Gomes, cujas viagens pelos países do Mediterrâneo têm servido de inspiração para esta mos-tra de cinema, que teve a sua primeira edição em 2008.A mostra é organizada pelo Município de Portimão/Museu de Portimão em co-laboração com a Associação Zero em Comportamento.

www.visoesdosul.blogspot.com

A exposição, inaugurada a 24 de Setembro, ficará pa-tente até final de Outubro, na galeria Zem Arte - Ar-mazém de Arte, em S. Brás de Alportel, terra onde Cru-zeiro Seixas viveu durante 7 anos e à qual regressa 25 anos depois.

Para Paulo Pensiga, “os de-senhos do artista, do ho-mem que desenha, são formas de vida expandida, pedaços de realidade subver-tida, diferentemente capta-da e percepcionada. O olhar provocado, deslocado para o interior de um outro olhar.

É nesta expressão mais in-timista e humanista que se desenha e escreve a noção de que para exaltar o lado lu-minoso da vida é necessário não ter receio do confronto com o lado mais sombrio.O ideal seria ligar a arte à vida, objectivo maior da in-

tervenção surrealista, ligá-la à vertente mais espiritual e carnal da alma humana, si-multaneamente individual e social.”

>31 OUT | 15.00>20.00 (excepto 5ªF) | Galeria Zem Arte - S.Brás de Alportel

Exposição de Cruzeiro Seixas, na Zem Arte DR

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destaque

• EXPOSIÇÃO

O Cantaloupe Café , nos Mer-cados de Olhão, vai dar início à sua programação da época in-vernal nos próximos dias 8 e 9 de Outubro, com o concerto do Aníbal Del Corral Latim Jazz Trio.

Uma festa latino-americana com músicos convidados:Luís Henrique (baixo); Christ MCartney (percursão); Aníbal del Corral (guitarra e voz)

8 e 9 OUT | 22.30 | €5

Aníbal Del Corral no Cantaloupe, em Olhão

• MÚSICA

• JAZZ

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A ACTA estreou a peça “Um Homem Singular – Retratos de Manuel Teixeira Gomes”, com texto de Alexandre Honrado e encenação de Luís Vicente, no dia 5 de Outubro, no Pavilhão do NERA, Zona Industrial de Loulé. Este espectáculo constitui um modesto contributo de honra à memória de Manuel Teixeira Gomes e foi construído a par-tir de um texto que Alexandre Honrado escreveu, a pedido da ACTA. Os materiais que constituem o texto que dá corpo ao espectá-culo, referem-se directamente a situações, episódios e momen-tos da vida de Teixeira Gomes e da sua obra que serão apresen-tados através do conceito de re-tratos. Retratos a preto e bran-co, como eram antigamente.

Tem como objectivo alcançar privilegiadamente o público jovem que apenas de forma transversal terá ouvido falar de Manuel Teixeira Gomes - ou a propósito de alguma obra sua, ou a propósito das comemora-ções do centenário da Repú-blica, no âmbito das quais, este espectáculo se insere. Este espectáculo, com a dura-ção de 1h30m, é indicado para maiores de 12 anos e conta com a participação dos actores Bruno Martins, Carlos Pereira, Elisabete Martins, Glória Fer-nandes, Luís de A. Miranda, Pedro Mendes e Tânia Silva, da bailarina Ana Filipa Antu-nes e do músico José Alegre. A coreografia ficou a cargo de Evegueni Beliaev, os figuri-nos são de Sónia Benite e Ana Rita Fernandes a execução ce-

nográfica é de Tó Quintas, as imagens e o vídeo de Marco Mártires, desenho e operação de Luz de Octávio Oliveira, so-noplastia e operação de som de Pedro Leote Mendes, produção executiva de Elisabete Mar-tins, comunicação de Cristina Braga, secretariado de António Marques e direcção de produ-ção de Luís Vicente.

14 OUT | 15.30 |Auditório Municipal de Albufeira

15 e 16 OUT | 21.30 | Auditó-rio Municipal de Albufeira 23 OUT | 21.30 | Centro Cul-tural de Lagos 30 OUT | 21.30 | Centro Cul-tural António Aleixo – V. R. Sto. António

• TEATROACTA apresenta «Um Homem Singular»

Está patente até dia 10 de Ou-tubro, no Quartel da Atalaia, em Tavira, uma exposição 12 artistas plásticos e a exposição

“Art Al Vent”, integradas no projecto Artalaia. >10 OUT | 8.00>19.00 |Quar-tel da Atalaia (Tavira)

Projecto Artalaia • EXPOSIÇÃO

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«Sons e Cores» em Albufeira

Filomena Campos vai ter a sua obra em exposição na Galeria de Arte Pintor Samora Barros, entre os dias 7 e 28 de Outubro.A artista descreve a mostra como “rastos de momentos e lugares que ficam gravados, a sobressair na linha contínua do caminho”.“Sons e Cores” poderá ser con-templada na Galeria de Arte Pintor Samora Barros, das 10h30 às 16h30h, com excep-ção de Domingos e Feriados.

7 a 28 OUT | 10.30 às 16.30 |Galeria de Arte Pintor Samora Barros (Albufeira)

O concerto inaugural da Tem-porada 2010/11 está marcado para dia 16 de Outubro, no Te-atro Municipal de Portimão, e será dirigido pelo maestro Os-valdo Ferreira, maestro titular da Orquestra do Algarve. O programa é dedicado ao fa-moso compositor Robert Shu-mann, com a apresentação do Concerto para Piano e Or-questra, em Lá Menor, Op. 54,

interpretado pelos músicos da OA e a pianista Teresa Palma Pereira, premiada em concursos nacionais e internacionais. A Sinfonia N.º 3 em Mi bemol Maior, Op. 55, reconhecida como “Eroica”, do compositor alemão Ludwig van Beethoven, preenche a segunda parte do concerto. O concerto faz parte do ciclo de concertos integrado no progra-

ma de comemorações do 150º aniversário do nascimento de Manuel Teixeira Gomes.

16 OUT | 21.30 |Tempo - Teatro Municipal de Portimão

23 OUT | 00.00 |Igreja do Carmo (Tavira)

Reserva de Bilhetes: 282 402 475 / 961 579 917

Orquestra do Algarve: Nova temporada começa em Portimão

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panorâmica

I Encontro Internacional Álvaro de Campos

Programa:

15 de Outubro(Sexta-feira)

14 horas > Secretariado e saudações

15 horas> Palestra inaugural“Álvaro de Campos hoje”Pela Professora Doutora Teresa Rita Lopes, Presidente do Instituto de Estudos sobre o Modernismo da Faculdade Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

16 horas> Debate

17 horas> Mesa redonda“Pessoa ficcionado por artistas plásticos”Introduzida e coordenada pela Doutora Maria João Infante Serrado, com os artistas plásticos Costa Pinheiro e Rinoceronte (Renato Cruz)> Debate

18.30 horas> Leitura encenada de cartas de Pessoa, Álvaro de Campos, Íbis e Ophelia Queiroz por Mário Rosário e Mariana Guerra

21.30 horas> Poemas de Álvaro de Campos musicados e cantados por Rui Moura> Recitação de poemas por Vítor Correia

Dia 16 de Outubro(Sábado)

10 horas> Mesa redondaIntroduzida e coordenada pela Professora Doutora Manuela Parreira da Silva• “No tempo em que Campos escrevia cartas”, pela Professora Doutora Manuela Parreira da Silva• “Razoavelmente mas com lapsos”, pela Professora Doutora Luísa MedeirosEm torno de “Notas para a recordação do meu Mestre Caeiro”, pela Professora Doutora Ana Maria Freitas: • “Campos, actor e encenador de si próprio”, pela Professora Doutora Luísa Monteiro• “Cesário, mestre de Campos”, pela doutora Madalena Dine• “Álvaro de Campos: “Tabacaria” / Paul Celan: “Tabakladen”, pela Professora Doutora Maria do Sameiro Barroso> Debate

14 horas> Visita guiada à exposição no Palácio da Galeria

16 horas> Mesa redondaIntroduzida e conduzida pela Professora Doutora Teresa Rita Lopes• “Campos revisited”, pela Doutora Ana Raquel Roque• “Fernando y Álvaro, compañeros de viaje “, pelo Doutor Manuel Moya • Acerca do “Ultimatum”, pela Professora Doutora Helena Barbas• “Dois filhos de Álvaro de Campos: Ruy Belo e Nuno Júdice”, pelo Professor Doutor Ricardo Marques• “Álvaro de Campos e Natália Correia”, pelo Doutor Miguel Magalhães> Debate

18 horas > Conversa com o Engenheiro Jacques Pessoa

18.30 horas > “A música no tempo de Pessoa”, pelo maestro António Victorino d´Almeida:

20 horas> Encerramento

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panorâmica

Há um Pessoa em Tavira. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, às 13.30 horas de 15 de Outubro de 1890, é o que nos diz a informação retirada da carta a Adolfo Casais Monteiro.

A faceta Tavirense de Pessoa teve uma educação vulgar de liceu e foi estudar engenharia para a Escócia. Estudou me-cânica primeiro e naval depois.

O engenheiro Campos é, se-gundo Pessoa, vanguardista e cosmopolita, características in-telectuais de um homem que fisicamente é magro, com cabelo liso, cara rapada e um metro e setenta e cinco de altura, e que tem um traço distintivo evidente: usa monóculo.

Comemoram-se este ano os 120 anos do nascimento de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, e a asso-ciação Casa Álvaro de Campos, aproveitada a data para avançar com várias iniciativas que, de acordo com Carlos Lopes, actual presidente da instituição com 23 anos de existência, “pretendem

tirar o poeta dos livros e

lançá-lo nas ruas de Tavira, nas mentes dos tavirenses”.

Teresa Rita Lopes como ma-drinha

De entre as iniciativas pro-movidas pela Casa Álvaro de Campos, destaque para o Primeiro Encontro Internacional Álvaro de Campos, que decorre Sexta-feira e Sábado, dias 15 e 16 de Outubro, no Hotel Porta Nova em Tavira.

Apadrinhado por Teresa Rita Lopes, uma das mais prestigia-das investigadoras de Fernando Pessoa no mundo, o encontro, que se pretende, de acordo com a organização, “venha a realizar--se pelo menos de dois em dois anos”, promete uma visita guia-da a Álvaro de Campos através das mais variadas formas de arte, da música à pintura e à escrita passando pelo dizer Álvaro de Campos.

As personalidades que diri-gem cientificamente e que par-ticipam nos vários momentos da programação (ver caixa na página ao lado), encabeçadas por

Teresa Rita Lopes, respon-sável científica do en-contro, são o garante de uma qualidade rara,

difícil de reunir num único evento e prometem dar a co-nhecer de forma profunda o heterónimo de Pessoa.

Incontornável no campo das personalidades partici-

pantes do Primeiro Encontro Internacional Álvaro de Campos, o maestro António Vitorino d’Almeida, dá a co-nhecer no acto de encerramento do encontro a música no tempo de Pessoa, um momento que promete uma viagem sobre os sons dos finais do século XIX e boa parte da primeira metade do século XX, nascido que foi em 1888 e falecido em 1935.

Para Fernanda Guerra, da Casa Álvaro de Campos, “Pessoa deixou aos tavirenses esta heran-ça que tem de ser aproveitada”, uma ideia reforçada por Carlos Lopes que vê a herança como um “poder/dever”, pois na óptica do presidente da associação “há um dever de exaltar o heteró-nimo tavirense de Pessoa, quer pela sua singularidade, quer pela sua importância no contexto da poesia e da cultura portuguesa”.

Pôr Tavira a respirar Álvaro de Campos é o grande objectivo da associação, nas palavras de Fernanda Guerra. “É um lega-do que importa fazer interiorizar na consciência dos tavirenses”, refere, desejando que o poeta ultrapasse o estatuto que já atin-giu com a biblioteca municipal e uma rua a ostentar o seu nome e se torne parte da identidade e da vida dos tavirenses.

Poeta universalista“Trata-se de um poeta uni-

versalista e moderno, em que

a poesia é muito próxima da vida”, destaca Fernanda Guerra em jeito de convite a todos para conhecerem Álvaro de Campos.

O poeta modernista e sen-sacionista, de verso torrencial e livre como o definem os espe-cialistas, atravessou três fases na sua obra, desde o Decadentismo inicial, passando pela segunda fase, Futurista e Sensacionista, até à fase Pessimista, a terceira, para terminar.

Com um estilo de verso livre, em geral muito longo, com uma mistura de níveis linguísticos, o uso de grafismos expressivos e o recurso a assonância ono-matopeias e aliterações, con-sideradas em alguns casos ou-sadas, são traços do poeta que com enumerações excessivas e exclamações, interjeições e uma pontuação criada à medida tem sempre a expressão da emoção como objectivo maior.

A expressão da emoção é para muitos dos estudiosos e aman-tes de Álvaro de Campos um traço caracterizador da pena do poeta, uma emoção que se quer trazida à vida e aos tavirenses, aos algarvios e aos portugueses, bem como ao mundo em geral, porque Fernando Pessoa é uma figura incontornável da poesia mundial.

Um objectivo da Casa Álvaro de Campos que tem como eixo fundamental o Primeiro Encontro Internacional Álvaro de Campos.

•ENCONTRO INTERNACIONAL ÁLVARO DE CAMPOS

O Pessoa de TaviraTeresa Rita Lopes

Considerada uma das mais notórias especialistas mundias sobre Fernando Pessoa, Teresa Rita Lopes nasceu em Faro, em 1937. Viveu 13 anos em Paris onde foi professora na Sorbonne e defendeu a tese de doutoramento “Fernando Pessoa et le drame sym-boliste – héritage et création”. É pro-fessora catedrática na Universidade Nova de Lisboa. Enquanto uma das maiores especia-listas contemporâneas em Fernando Pessoa, centrou o seu trabalho acadé-mico na obra deste poeta e dedicou-se especialmente à divulgação da parte inédita da sua obra. Dirige um grupo de investigadores que produziu várias obras, nomea-damente um guia de Lisboa, escrito por Pessoa, com traduções em várias línguas (espanhol, francês, italiano e duas em alemão). Das obras produzidas individualmente em português destaca-se Pessoa por conhecer (2 volumes, mais de 400 iné-ditos) e uma edição crítica: Álvaro de Campos – Livro de Versos (mais de 80 poemas inéditos).

Por Ricardo Claro

Fernando Pessoa, resenha de uma vida

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Excerto do poema TabacariaÁlvaro de Campos, in “Poemas”

Lisboa ganhou na tarde de 13 de Junho de 1888 um dos seus nomes mais notórios, Fernando Pessoa. De famílias da pequena aris-tocracia, pelos lados paterno e materno, o pai era funcio-nário público do Ministério da Justiça e crítico musical do «Diário de Notícias» e a mãe era natural da Ilha Terceira, nos Açores. As suas infância e adolescên-cia foram marcadas por factos que o influenciariam poste-riormente. Fernando tinha

apenas cinco anos, quando o pai faleceu de tuberculose. O irmão Jorge viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano. A mãe vê-se obriga-da a leiloar parte da mobília e muda-se para uma casa mais modesta. A mãe casa-se pela segunda vez em 1895, com o coman-dante João Miguel Rosa, côn-sul de Portugal em Durban (África do Sul). Em África, onde passa a maior parte da juventude e recebe educação inglesa, Pessoa viria a demons-

trar desde cedo talento para a literatura.Deixando a família em Durban, regressa definitiva-mente à capital portuguesa, sozinho, em 1905 e continua a produção de poemas em inglês. A partir de 1908, dedica-se à tradução de correspondência comercial. Nessa profissão tra-balha a vida toda, tendo uma modesta vida pública.Inicia a sua actividade de en-saísta e crítico literário com o artigo «A Nova Poesia

Portuguesa Sociologicamente Considerada», a que se segui-riam «Reincidindo…» e «A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológico» pu-blicados em 1912 pela revista A Águia, órgão da Renascença Portuguesa.M o r r e n o d i a 3 0 d e Novembro, com 47 anos de idade. A sua última frase foi escrita no idioma no qual foi educado, o Inglês: «I know not what tomorrow will bring» (Não sei o que o futuro trará).

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cinema

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• Cineclube de Faro

Apelo à mobilização

Outubro será o momento para aferir da mobili-zação de sócios e não-sócios perante a difícil situação que o Cineclube de Faro atravessa.

A programação é aliciante, com um conjunto de 3 títulos de elevada qualidade. Do cinema revigoran-te que não se compadece com esquemas ou códigos ultrapassados. Daquele que comove o mais fundo da alma – O Segredo dos Seus Olhos, uma espécie de mix thriller-melodrama-filme de intervenção -, que devolve ao espectador a essência de um filme – Shirin, uma aposta singularíssima e genial de um dos maiores realizadores de todos os tempos, Abbas Kiarostami -, que consegue ser revivalista e pós-modernista, operático e singelo – Eu Sou O Amor, de Luca Guadagnino.

Mas para além, muito para além da importância dos filmes, o interesse reside nesta questão elementar: quer o público que o CCF continue a sua activida-de? Querem os sócios ajudar o CCF pagando as suas quotas em atraso? Estão todos dispostos a colaborar com o CCF nesta fase complicada?

Aguardamos, entre o ansiosos, o preocupados e o confiantes, que tal como nós dizemos ‘presente’ nos melhores e nos piores momentos da vida da nossa associação, também o nosso público saberá expressar a mesma vontade e a mesma coragem.

Desde já gratos pela vossa presença solidária.

A Direcção do Cineclube de Faro

Agenda do Cineclube de Farowww.cineclubefaro.com

> Ciclo Segredos Não Muito SecretosIPJ | 21.30 | Entrada paga

04 OUT | O Segredo dos Teus Olhos de Juan José Campanella (127’)(M/16)

11 OUT | Shirin de Abbas Kiarostami (92’)(M/12)

18 OUT | Eu sou o Amor de Luca Guadagnino (120’)(M/12)

> Ciclo Olhares Forasteiros - O Algarve num certo ci-nema

Museu Municipal | 21.30 | Entrada livre

12 out | Nas correntes de Luz da Ria Formosa de Jon Jost (104’) *

filme igualmente em exibição entre 13 e 31 Outubro em sistema de

sessões contínuas – 10h / 12h / 14h / 16h, entrada livre

• Cineclube de Olhão

Proposta para Outubro

A programação de Outubro do Cineclube de Olhão começa com a apresentação, no dia 5, do filme «A Caminho de Santiago», de Roberto Santiago:

«Nacho é fotógrafo. Pilar é jornalista. Detestam-se um ao outro. Mas quando são enviados para cobrir a história de Olmo, um guru que cura as crises senti-mentais de casais durante a peregrinação a Santiago de Compostela, são forçados a fingir que são um casal. »

No dia 12 entramos em «Águas agitadas», de Erik Poppe:

«O último dia na prisão de Jan Thomas começa com um mergulho em água a ferver e um espancamento por parte dos seus colegas de cadeia.

Agora, Jan está em liberdade e tem uma segunda oportunidade para fazer alguma coisa com a sua vida.

Jan decide não contar nada o seu passado. Mas é esse passado que vem ter com ele…»

Dia 19 chega «Sem Nome», de Cary Fukunaga:«Em busca do sonho americano, Sayra (Paulina

Gaytan), uma jovem das Honduras, junta-se ao seu pai e ao seu tio numa odisseia desafiante da travessia da paisagem latino-americana para os Estados Unidos.

Ao longo do caminho, cruza-se com um jovem membro de um gangue mexicano, El Casper (Edgar M. Flores), que tenta escapar ao seu passado violento e aos pouco compreensivos antigos associados.»

Canino, de Giorgios Lanthimos, encerra as sessões de Outubro:

«O pai, a mãe e os três filhos vivem numa casa nos subúrbios da cidade. À volta da casa existe uma cerca alta, que as crianças nunca passaram.

Acreditam que os aviões que voam por cima da casa são brinquedos e, que os zombies são pequenas flores amarelas. A única pessoa autorizada a entrar em casa é Cristina.

Um dia, Cristina oferece a uma das filhas uma bandolete com umas pedras que brilham no escuro e pede-lhe algo em troca.»

Agenda do cineclube de Olhãowww.cineclubeolhao.com

> Sessões RegularesRia Shopping – sala 2 | 21.30 |Sócios:€1 | Não Sócios: €3

5 OUT | Al final del camino de Roberto Santiago (100’)(M/16)

12 OUT | DeUsynlige de Erik Poppe (115’)(M/16)

19 OUT | Sin Nombre de Hanno Höfer, Razvan Marculescu, Cristian Mungiu, Constantin Popescu, Ioana Uricaru (96’)(M/16)

28 SET | Kynodontas de Claudia Llosa (954’)(M/18)

O Cineclube é apoiado pela CM e JF de Olhão e pelo ICA (REDE 2010)

• Cineclube de Tavira

Programação com selo de grande qualidade

O Outono chega ao Cineclube de Tavira. Mas as chuvas e as temperaturas a descer ficam fora do Cine-Teatro António Pinheiro. Ali, o ambiente é quente graças à programação de Outubro, com selo de grande qualidade.

Assim, o filme luso-francês A Religiosa Portuguesa (7/10) de Eugène Green fala da relação entre uma actriz e uma freira, abordagem sobre o sentido da vida com Lisboa como pano de fundo. De Portugal vem também o documentário Ainda Há Pastores? de Jorge Pelicano (21/10). Independentemente da linguagem televisiva, Pelicano faz uma reflexão sobre ancestrais modos de vida em regiões remotas – Serra da Estrela – o que tem levado ao desaparecimento de inúmeras aldeias.

Os filmes Nothing Personal (14/10) e Deusynlige de Erik Poppe (28/10) completam as quintas-feiras do Cineclube. O primeiro é realizado pela holandesa Ursula Antoniak, filme dominado pela melancolia em que a protagonista deixa a sua vida e parte para uma existência solitária. Quanto ao filme de Poppe, obra psicologicamente intensa, nela um ex-condenado regressa à sociedade, sem deixar o fantasma do crime cometido.

A programação de fim-de-semana, a cargo do Cineclube, insiste na qualidade. Aos Domingos, oferece ao público Shrink (3/10), L’Age des Ténèbres (24/10) e Brothers (31/10). Jonas Pate assina o primeiro, dirigindo Kevin Spacey na dor e alheamento depois de uma tragédia pessoal. Dia 24, Denys Arcand oferece uma realidade “onírica”, tal como um funcionário público encontra para fugir à sua vida de rotina. Dia 31, Jim Sheridan assina uma obra sobre o fantasma da guerra e do terrorismo. Afeganistão, gestão familiar, desaparecimento de um ente querido, são ingredientes para que brilhem Jake Gyllenhal, Natalie Portman e Tobey Maguire.

Deixamos para o fim o cineasta que marca o mês de Outubro. Controverso e misterioso, Werner Herzog surge nos dias 10 e 17. Primeiro, um remake de The Bad Lieutenant de Abel Ferrara. Nicholas Cage, polícia corrupto e animais explorados que Herzog sempre usou, mais ou menos, desde os tempos do Cinema Novo Alemão. Quanto ao filme My Son, My Son, What Have Ye Done?, fala do ponto em que a imaginação humana se sobrepõe à realidade e com que consequências, através de Willem DaFoe e Brad Douriff.

Como sempre, o lugar é o Cine-Teatro António Pinheiro, em Tavira.

Bons filmes!

Luís GameiroSócio-colaborador

Agenda do Cineclube de Tavirawww.cineclube-tavira.com

> Sessões RegularesCine-Teatro António Pinheiro | 21.30

03 OUT | Shrink de Jonas Pate (104’)(M/12)

07 OUT | A Religiosa Portuguesa de Eugène Green (127’)(M/12)

10 OUT | The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans de Werner Herzog (122’)(M/16)

14 OUT | Nothing Personal de Ursula Antoniak (85’)(M/12)

17 OUT | My son, my son, what have ye done? de Werner Herzog (91’)(M/16)

21 OUT | Ainda há pastores de João Pelicano (72’)(M/12)

24 OUT | L’age des ténèbres de Denys Arcand (104’)(M/12)

28 OUT | Deusynlige - Troubled Water de Erik Poppe (115’)(M/16)

30 OUT | Vincere de Marco Bellocchio (118’)(M/12)

APOIOS: ICA, Ministério da Cultura, Câmara Municipal de Tavira

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património

•BAÚ

Nótula Histórica

Integrado no perímetro de defesa da entrada do porto da cidade de Tavira, a Natureza ditou-lhe a sorte uma vez que, sendo a sua área de implantação uma ilha, com os mo-vimentos geomorfológicos deixou de o ser, ao mesmo tempo que a barra também se afastou, passando a estar fora do alcance da artilharia.

De acordo com a memória

descritiva elaborada pelo Eng.º Alexandre Massai em 1621, este forte seria constituído por cinco baluartes, dos quais três (do lado sul) já estão “na sua necessária al-tura” estando os outros dois por concluir, apontando igualmente a falta de operacionalidade deste forte, pelas razões acima descritas.

Com a Guerra da Restauração, desperta novamente o interesse por este forte que, em 1654 e por ordem

de D. João IV, vê reiniciarem-se as suas obras. Mas os desígnios da Natureza são mais fortes e o des-locamento da barra para Este e a construção do forte da Conceição, ditam, uma vez mais, a sua sorte.

Na actualidade o forte mantém uma planta poligonal, com os re-feridos três baluartes virados para a barra e, a Norte, uma cortina corri-da, cortada por uma porta servida por uma pequena ponte. No seu

interior são ainda visíveis as ruínas do paiol, alojamentos da guarnição e do poço.

Outras notas deinteresse

Os diferentes nomes terão a ver respectivamente com o nome da ilha onde foi construído (Ilha das Lebres), ao ser rebaptizado, no rei-nado de D. João V, com o nome

do padroeiro de Lisboa (Santo António) e o nome do sapal onde se encontra actualmente (Sapal do Rato).

Actualmente encontra-se em ruína e em total abandono, não havendo sequer uma indicação da sua localização. Para chegar ao forte o visitante pode seguir o trajecto que indica o Hotel Vila Galé Albacora.

NomeForte de Santo António de Tavira (também conhecido por Forte do Rato ou Forte da Ilha das Lebres)

LocalizaçãoSapal do Rato, na zona das Quatro Águas, próximo do an-tigo Arraial Ferreira Neto (ac-tual Hotel Vila Galé Albacora), Concelho de Tavira, Distrito de Faro.

Data de EdificaçãoReinado de D. Sebastião (sé-culo XVI), sendo Governador do Algarve, D. Diogo de Sousa.

Joaquim Parra Professor de História e Coleccionista

O CROMO DA BOLA

Joaquim Parra

Joaquim Parra

Forte de Sto. António de Tavira •RIQUEZA MAIOR

No tempo em que os brinque-dos eram caros e, por isso, raros nas mãos de grande parte das crianças, e em que o “namoro” por aquele brinquedo em exposição na loja era diariamente alimentado, fa-zendo do Natal, do aniversário ou da feira momentos ansiosamen-te aguardados, em que, na falta de Playstations ou computadores, as crianças recorriam à imagina-ção para fazer os seus brinquedos e brincadeiras, no tempo em que as colecções de cromos ainda não eram um monopólio da Panini, havia algo que ocupava os miúdos, no recreio da escola ou naqueles momentos que antecediam a fu-tebolada do final da tarde (bem como os magros recursos econó-micos): a troca de cromos ou, para ser mais exacto, a troca dos cromos de jogadores que saíam nos cara-melos/rebuçados. Comprados a

1 centavo (se a memória não me falha) na mercearia ou na tasca, os pequenos caramelos de açúcar eram rapidamente desembrulhados do papel em que, manualmente, os tinham envolvido e, lá estava o papelito com o jogador. Primeira coisa a fazer, ver se havia alguma senha ou se o cromo estava carim-bado. Depois é que se via se já o tínhamos ou não. Chegados a casa procedia-se à colagem na cader-neta. Podia-se colar com cola ou com uma mistura de água e farinha que se aplicava com um pincel (por vezes feito com um tufo de cabelo amarrado a um pauzinho). É ver-dade que o cromo era importante, mas mais importante eram os brin-quedos que podiam sair nas senhas (instrumentos musicais, carrinhos de plástico, equipamentos de fute-bol, bolas de borracha e plástico), principalmente, a bola de cabedal ou, como se dizia, a bola de “ca-tchú” a que se tinha direito quando saía o “cromo da bola”, um cromo carimbado nas costas. O proble-ma é que este caramelo normal-mente vinha colado no fundo da lata, o que levava a miudagem a inventar estratégias para o tentar “caçar”como por exemplo, controlar uma lata. Quando se calculava que esta estava quase no fim, fazia-se uma vaquinha para “arrebentar” ou “desfundar a lata”.

Esta magia terminou por volta dos anos 70 quando começam a surgir os envelopes surpresa cujos cromos apresentavam uma melho-ria substancial da qualidade gráfica.

Normalmente os jogadores apa-reciam distribuídos em folhas com onze cromos, podendo ou não, in-cluir mais o emblema do clube num total de cerca de 192 cromos. As mais antigas, cerca dos anos 30, traziam apenas os jogadores, só mais tarde é que aparecem agru-pados por equipas. Também havia de outros desportos, com jogadores da Iª e IIª divisões, com árbitros e também com outras temáticas (ex. artistas de cinema e teatro) e quase sempre associadas a fábri-cas ou casas de confeitaria como por exemplo a Universal, Francesa, Victória, Altesa etc.

Sendo hoje relativamente raras, devido à sua antiguidade (princi-palmente anos 50 e 60) e porque depois de completas eram devol-vidas no ponto de venda a troco de um brinde, normalmente uma bola de couro ou borracha, e por-que as poucas que existem estão quase sempre incompletas (faltando normalmente o “cromo da bola”, que permitia terminar a colecção e, desta forma, levantar o prémio), o estado de conservação, o ano e a percentagem de preenchimento são decisivos na hora da valorização destas colecções que poderão oscilar entre os 50 e os 2000 Euros. Uma bola poderá valer entre os 100 e os 300 €uros.

Joaquim Parra

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N.06 AGENDACULTURAL

OUT.2010

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arte

Estreou no passado dia 5 de Outubro de 2010, «Proclama-ção», uma obra de Pedro Lou-zeiro para trompete solista e orquestra de sopros, integrada num concerto comemorativo do Centenário da República,

pela Orquestra de Sopros do Algarve (OSA), no Centro Cultural de Lagos. A OSA volta a apresentar a obra no próximo dia 10, no Centro Cultural de Belém. Um excelente exemplo do melhor

que se faz no Algarve, a provar que os artistas e os produtos culturais da região têm qualida-de para serem apresentados nos grandes centros, contrariando a ideia de que o Algarve é essen-cialmente um consumidor do que se faz fora da região e do pais. «Proclamação» é uma obra de-dicada à implantação da Re-pública, encomendada pela Academia de Música de Lagos (AML) ao compositor Pedro Louzeiro, no âmbito das co-memorações do Centenário da República Portuguesa. A obra é constituída por 4 an-damentos que marcam quatro momentos-chave do período que antecedeu a proclamação da República: Monarquia re-trata o regime político vigente na época, Conspiração – Regi-cídio recorda o assassinato de D. Carlos no Terreiro do Paço em Lisboa, Exortação ilustra a crescente revolta e organização dos republicanos por todo o país, e Revolução retrata os dias 4 e 5 de Outubro, que conduzi-ram à instauração da República em Portugal.Pedro Louzeiro é músico e pro-fessor de Formação Musical há mais de 10 anos, sendo actual-

mente docente na Academia de Música de Lagos, bem como no Instituto Superior Dom Afonso III, em Loulé. Frequenta igual-mente o Mestrado de Compo-sição na Universidade de Évora sob a direcção do compositor Christopher Bochmann.Foi recentemente distinguido com uma Menção Honrosa pela Universidade de Olden-burg (Alemanha), por uma obra para 4 guitarras, que compôs para o Xº Concurso de Com-posição Carl von Ossietzky.A OSA é sedeada em Lagoa e é constituída por músicos profis-sionais e estudantes de música da Academia de Música de La-gos, do Conservatório de Mú-sica de Portimão - Joly Braga Santos e do Conservatório de Música de Lagoa. Actualmen-te dirigida pelo Maestro Carlos Ramalho, conta com a partici-pação do trompetista João Ro-cha, enquanto solista da obra «Proclamação».As próximas apresentações de «Proclamação» terão lugar no dia 10 de Outubro, pelas 17h30, no Grande Auditório do CCB em Lisboa (integrado no evento «1001 Músicos»), e no dia 16 de Outubro em La-goa, pelas 21h30, no Auditório

Municipal de Lagoa.

5 OUT |Centro Cultural de Lagos |21:30 | Entrada Livre

10 OUT |Grande Auditório do Centro Cultural de Belém |17.30

16 OUTUBRO | 21h30 | Au-ditório Municipal Lagoa

Do Algarve para o CCBEstreia absoluta de obra musical dedicada à República

«”Proclamação” é uma obra programática em que procurei retratar o percurso da luta dos republicanos pela implantação desta forma de governo em Portugal» Pedro Louzeiro

Realizou-se nos passados dias 2 e 3 de Outubro, na Biblio-teca Municipal de Olhão, o workshop «Como pensar uma criação de teatro», dirigido por João Mota, uma figura incon-tornável e com responsabilida-de activa na história do teatro português.O professor, pedagogo, ence-nador e actor trabalhou du-rante 15 horas com um públi-co heterogéneo e de diferentes localidades. Para os formandos algarvios foi uma oportunidade única de aprender com o mestre que em 70-71 ingressou com Peter Brook no Centre Int. de Recherche Theatral. Recorde-se que João Mota es-teve no Algarve entre 2002 e 2003 a dirigir o primeiro Mes-trado em Teatro e Educação, na Universidade do Algarve.A grande adesão do público, que ultrapassou o limite de inscrições, prova a necessidade e interesse deste tipo de inicia-tivas que uma vez dinamizadas têm público garantido.Esta é apenas uma das activida-

des de um conjunto abrangente e diversificado que a DeVIR/CAPA se propõe desenvol-ver nos próximos 3 anos nas

5 cidades que integram o Al-garve Central – Faro, Loulé, Olhão, S. Brás de Alportel e Tavira. «Neste âmbito serão

desenvolvidos anulamente 21 workshops de curta duração (15h) ministrados por profis-sionais no activo, por teóricos

e pedagogos, por programa-dores e jornalistas. Paralela e complementarmente serão apresentados espectáculos, resi-dências, ensaios abertos, sendo que no final de cada ciclo de formação, os formandos terão oportunidade de pôr em prática os conhecimentos adquiridos, através do seu envolvimento em actividades que serão de-senvolvidas e coordenadas pela DeVIR/CAPA, na qualidade de estrutura responsável pela organização, programação e produção do projecto, sempre em articulação com os sectores educativos e culturais das refe-ridas autarquias.»Um dos objectivos deste pro-jecto é criar condições que fa-voreçam a génese de uma nova estrutura de criação no Algarve.

Os interessados por esta área, com ou sem experiência devem contactar a DeVIR/CAPA: 289 828 784/ 918 703 416 / [email protected]

DR

João Evaristo

• MÚSICA

• FORMAÇÃO ARTÍSTICA

Valados - Um projecto único no paísOlhão recebeu João Mota

momento da formação com João Mota

Por João Evaristo

Por João Evaristo

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arte

A peça de teatro «Do lado da Verdade» apresenta-nos uma abordagem diferente e original sobre os 100 anos passados sobre a proclama-ção da República. A morte de Sidónio Pais é o pretexto para a história que a autora Ana Cristina Oliveira consi-derou «mais interessante desenvolver sob o ponto de vista não da figura do presi-dente mas do homem que o matou. O espectáculo pas-sa-se em 1935. São as me-mórias do prisioneiro José Júlio da Costa que nos vão transportar para o Portugal no principio do Século XX e aquilo em que Portugal se estava a transformar, uma vez que a peça retrata o principio do Estado Novo.»A peça que passou por Sa-gres, a 25 de Setembro e por Pechão, no dia 4 Outu-bro foi muito bem recebida pelo público, pela qualidade do texto, da encenação e das interpretações. Henrique Prudêncio inter-preta um jovem jornalista

recentemente chegado de Inglaterra, que decide en-trevistar José Júlio da Costa, o homem que assassinou Sidónio Pais e 20 anos pas-sados ainda aguarda julga-mento. A António Gambóias cou-be o desafio de interpretar duas personagens muito distintas. Uma tarefa tão complicada quanto inte-ressante. «Por um lado o homem que matou Sidónio Pais, um individuo aluci-nado pelo tipo de vida que teve e sobretudo um ho-mem bastante revoltado. Um homem que acreditou nos ideais da República e que considera terem sido absolutamente traídos por Sidónio Pais. Ao servir-se de uma polícia politica, da cen-sura, é um homem que foi amordaçando e cortando algumas liberdades da Re-pública para poder dominar em torno da sua imagem, em torno da sua vontade.E José Júlio da Costa enten-de que só pode lavar a sua

honra e a dos ideais da Re-pública matando o Sidónio pais.»

A segunda personagem interpretada por António Gambóias é um director de jornal «que se confron-ta com a história que lhe é apresentada por um jovem jornalista (Henrique Pru-dêncio), já em pleno Estado Novo. Portanto confronta--se com o facto de ter que num jornal gerir o que foi a história do assassínio de um presidente da República com aquilo que são os no-vos ideais do Estado Novo, a nova moral vigente, que obviamente não é sensível à ideia de revolta, revolu-ção, greve geral, alteração da ordem pública e muito menos de um homem que tem sobre si as atenções pelo facto de ter morto um presidente da República. »

Do Lado da VerdadeUma nova abordagem à República

antónio gambóias e henrique prudêncio na peça «do lado da verdade»

DR

Ana Cristina Oliveira coordena há 15 anos o grupo de teatro Tapete Mágico. Tem o Mes-trado em Educação Artística dirigido por João Mota. Sócia fundadora da Associação Ideias do Levante, colaborou com a ACTA e encenou para a As-sociação Música XXI os espec-táculos “As Vedetas” e “Maria Adelaide”.

Henrique Prudêncio formou-se em teatro na Escola Profissio-nal de Teatro de Cascais. Parti-cipou em várias peças escolares, entre elas: “Timeland” e “Qual é a distância do meu coração ao teu?”, escritas e dirigidas por Ana Oliveira. A sua última produção teatral foi “A Nossa Cidade” de Thorton Wilder, dirigida por Carlos Avilez.

António Gambóias iniciou a sua aventura no Teatro com a integração no grupo de Teatro dos Pupilos do Exército du-rante 6 anos. Integrou o Coro Gulbenkian e o grupo de Tea-tro da Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lis-boa. Colaborou com a Com-panhia Cornucópia e lecciona a disciplina de Dramaturgia no Curso Profissional de Artes do Espectáculo, em Faro. Partici-pou ainda como actor na peça “Maria Adelaide” encenada por Ana Cristina Oliveira.

Segundo a autoraPara Ana Cristina Oliveira, «a época à qual se convencionou chamar a primeira República em Portugal foi marcada por vá-rios incidentes. Escolher um deles para o mostrar como para-digmático daquela época de convulsões tornou-se uma tarefa difícil e arriscada. A euforia dos primeiros governantes, a su-cessão absurda de governos, a entrada na 1ª Guerra Mundial, as greves gerais, constituem por si só matéria mais que suficiente para começar um pequeno esboço da vida dos portugueses nessa época. Detive-me na figura de Sidónio Pais porque este gover-nante, para além de ter sido o único presidente a ser assassinado na sua função de chefe de Estado, surgiu como o símbolo da estabilidade que a nação tanto ansiava depois das convulsões dos governos após a queda da monarquia. O homem que ir-rompe pela República a cavalo cai aos seus pés abatido com dois tiros. A morte de Sidónio Pais levou-me à natural interrogação: porquê? Se este estadista deu à nação aquilo por que ela ansiava, então por que razão foi ele abatido? A resposta poderia estar na vida do homem que o matou, José Júlio da Costa. A partir da projecção da vida e do discurso entre o alienado e o coerente do homem que foi José Júlio da Costa pretendi levantar um pouco o véu e revisitar a realidade de Portugal nas duas primeiras déca-das do século XX, sendo essa realidade construída e comentada pelo director de um jornal vinte anos depois, já em plena ascen-são do Estado Novo.»

Autoria e Encenação

Actores

• TEATRO

Por João Evaristo

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 1207. 10.10 ❖ Cultura .Sul

biblioteca

•ALGARVE

Outubro é o Mês Internacio-nal das Bibliotecas Escolares (MIBE). Por todo o país as bibliotecas escolares preparam actividades para celebrar a sua importância. O Algarve não é excepção e nos últimos anos a população tem sido surpre-endida com eventos de grande qualidade, como foram, a título de exemplo, as Mostras de Bi-bliotecas Escolares no Fórum Algarve (2008 e 2009), em Faro ou a Mostra na Avenida da Re-pública (2009), em Olhão. e es-peram-se uma grande dinâmica em continuidade do que têm vindo a acontecer nos últimos anos.

O MIBE foi criado pela International Association of School Librarianship (IASL), para ser comemorado em Ou-tubro de cada ano, em substi-tuição do Dia Internacional da Biblioteca Escolar. Esta altera-ção foi aprovada pelo comité da IASL em Dezembro de 2007 e anunciada através do coordena-dor, Rick Mullholland.

O presidente da IASL, James Henri, acredita que o MIBE trará outra dimensão às acti-vidades dedicadas à biblioteca escolar. Segundo os princípios estabelecidos pela IASL, o MIBE permitirá aos responsá-veis pelas bibliotecas escolares, em todo o mundo, escolher um

dia, em Outubro, que melhor se adeqúe à sua situação de forma a celebrar a importância das bi-bliotecas escolares.

O Gabinete da Rede de Bi-bliotecas Escolares (RBE) decidiu declarar o dia 25 de Outubro como o Dia da Bi-blioteca Escolar, permitindo, deste modo, às escolas a prepa-ração atempada de actividades específicas a realizar neste dia, independentemente de todas as acções que possam levar a efeito

noutros dias do mês.O Programa da RBE criado

pelo Ministério da Educação em parceria com o Ministério da Cultura é coordenado pelo Gabinete da RBE e tem como objectivo principal a instalação e o desenvolvimento de bi-bliotecas escolares nas escolas públicas de todos os níveis de ensino.

“As Fabulosas” é o nome da mostra de pintura que Sofia Pinto Correia Melo traz a Al-bufeira. A exposição retrata o universo feminino num conjun-to de 12 trabalhos de colagem sobre papel em exibição na Bi-blioteca Municipal Lídia Jorge, de 8 a 26 de Outubro.

A artista pretende abordar o lado divertido e um pouco irónico das preocupações do quotidiano da mulher actual. A partir de imagens fotográfi-cas, recortes de revistas e papéis vários, foram criadas persona-gens, mulheres ícones, repre-sentando diversos imaginários e ambições.

Sofia Melo possui o curso de Design de Moda, com espe-cialização em Audiovisuais de Moda e ainda o curso de Mo-delagem Industrial. Profissio-nalmente, dedicou-se à “acesso-rização” de moda, em desfiles, revistas e colecções de marcas e designers portugueses. Na área da pintura, fez o curso de for-mação artística na Sociedade Nacional de Belas Artes e tem exposto individualmente com regularidade, desde 2003.

8>26 OUT |9.30> 19.15 (Ter/Sex) – 13.45> 19.15 (Seg e Sáb) |Biblioteca Municipal Lídia Jorge (Albufeira)

O autor, nascido em Messines em 1952, mestre em História Contemporânea de Portugal e professor no Colégio Interna-cional de Vilamoura, traz com esta obra (cuja edição se insere no programa das Comemora-ções do Centenário da Repúbli-ca) para a primeira linha “o povo”, as figuras anónimas das quais normalmente não se fala nos livros de História, mas que, neste caso da vitória da República, como séculos mais tarde, na vitória do 25 de Abril, foram decisivas para a alteração da História.

«Imaginemos um sonho chamado “República”. Um son-ho que falava de justiça, liber-dade, igualdade. Um sonho que levou dois mil anos a atravessar a História, da Roma Antiga à França Revolucionária. Tão perto no espaço e tão longe no tempo, afinal. Por esse sonho lutaram e morreram pessoas que se tornaram heróis, umas, e pessoas de que nunca ouvire-mos falar, outras. Entre o herói e o desconhecido se vai constru-indo a História de todos nós».

8 OUT | 21.30 | Biblioteca Municipal de Olhão

No âmbito dos 550 anos da descoberta de Cabo Verde, a Câmara Municipal e a Biblio-teca Municipal Vicente Cam-pinas inaugurou no passado dia 1 de Outubro, pelas 18.00, a exposição “A DESCOBER-TA DE CABO VERDE – 550 ANOS – A HISTÓRIA EM PINTURAS”, seguida da con-ferência “A HISTÓRIA DE CABO VERDE NUNCA CONTADA” pelo Dr. Marcel

Gomes Balla, historiador ame-ricano de ascendência cabo--verdiana, a residir actualmente em Vila Real de Santo Antó-nio. A exposição está patente ao público até final do mês.

1>30 OUT |9.30> 18.30

(Seg/Sex) – 14.00> 18.30 (Sáb) | Biblioteca Municipal Vicen-te Campinas (Vila Real de Stº António)

•VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO

Mês Internacional da Biblioteca Escolar Mostra de pintura “AS FABULOSAS”

Apresentação do romance “Amanhecer na Rotunda” de José Sequeira Gonçalves e João Espada

Exposição “A descoberta de Cabo Verde 550 Anos

•ALBUFEIRA

•OLHÃO

DRDR

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livro

Neste espaço dedicado aos li-vros, já aqui fiz uma homenagem (a Saramgo), já trouxe ficção (de António Manuel Venda) e poe-sia (de Frederico Lourenço). Hoje trago um ensaio sobre a realidade portuguesa, vivida pelos homosse-xuais (de ambos os sexos), durante o fascismo. O livro chama-se, pois, Homossexuais no Estado Novo (Sextante Editora, 2010) e é da autoria da jornalista no Público São José Almeida, que irá participar no debate «A homossexualidade durante a Ditadura», no próximo sábado, 9 de Outubro, às 21.30h, no Pátio de Letras, em Faro. Neste evento vão estar também presentes o psicólogo Nuno Santos Carneiro (cuja tese de doutoramento «Ser, pertencer, participar: constru-ção da identidade homossexual, redes de apoio e participação co-munitária» serviu de base ao livro “Homossexualidades” – uma psi-cologia entre ser, pertencer e par-ticipar, publicado em 2009, numa edição Livpsic) e Fabíola Cardoso, a primeira presidente do Clube Safo, uma associação que se define como de «apoio e defesa dos direi-tos das mulheres lésbicas».

Depois de ler este livro, não me espanta nada que o estudo que es-teve na base desta publicação, inti-tulado “Homossexuais perseguidos no Estado Novo”, tenha ganho o primeiro prémio no concurso para Portugal, da Comissão Europeia, “Pela Diversidade. Contra a Discriminação”.

É um estudo sério, não panfletá-rio, com alguma exaustividade: São José Almeida consulta textos de diversa natureza, desde literários, leis, teses académicas, cita a histó-ria, faz entrevistas a académicos, a personagens intervenientes na época, a activistas dos direitos dos homossexuais, a vítimas do sistema judicial que vigorou tantos anos em Portugal… um trabalho que, se não deve ser entendido como «a História da Homossexualidade», como a sua autora modestamente afirma (p.22), constitui, sem dúvi-da, um importante capítulo para a reconstituição do que foi essa rea-lidade no nosso país.

A prática jornalística de São José Almeida não será alheia ao modo como conduziu a investigação e montou o livro, pleno de excertos de entrevistas que dão um rosto humano a leis, a “tratamentos” médicos, a relações sociais; com frases curtas e incisivas, que não cansam; numa linguagem acessí-vel, mas exacta.

Aprende-se muito com este es-tudo. Confesso que sabia apenas alguma coisa sobre o modo como os poetas António Botto e Judith Teixeira tinham sido (mal) trata-dos, mas não tinha ideia do pa-norama concreto que se viveu no Estado Novo.

E não trata só de personagens famosas da nossa cultura, ou de pri-

vilegiados social e economicamen-te: fala também da gente do povo, mais vulnerável a todo o tipo de arbitrariedades, nomeadamente à violência por parte da polícia: se um

rico podia sair com uma «multa» (extorsão por parte dos agentes), já um pobre era espancado (cf. p164). Só que não era assim tão simples, pois, tirando raras excep-ções, mesmo a posição social não impedia a prisão e a chantagem (de que o actor João Villaret foi vítima durante anos – p.162).

Também o Algarve é referi-do: como centro gay, menciona Albufeira nos anos 60, «desde que [o cantor britânico] Cliff Richard comprou lá uma casa» (citando

Fernando Dacosta, na p.170); como local de degredo, lembra Castro Marim: «O juizconselhei-ro Bernardo Fischer Sá Nogueira desmente categoricamente que tenha aplicado alguma vez uma pena de degredo a duas lésbicas, que por isso tenham sido enviadas para Castro Marim – um dos lo-

cais de degredo de homossexuais, desde a Idade Moderna, a par do Brasil e das colónias africanas». O juiz explica que se tratava de uma curandeira, denunciada por dois médicos, a quem ele decidiu ameaçar com desterro em Castro Marim, caso reincidisse nas acti-vidades. «Passou então a correr o boato que eu tinha desterrado duas mulheres para Castro Marim e como Castro Marim tinha sido um local de degredo homosse-xual, pensaram que o caso era de acusação homossexual. Mas não.» (pp.80-81) A consulta de arquivos da PIDE, na Torre do Tombo, permitiu a São José Almeida destrancar páginas vergonhosas, nunca até agora examinadas.

Senti falta de um índice remis-sivo onde pudesse procurar perso-nagens e assuntos específicos, bem como de uma bibliografia agrupa-da no final. A opção pelas notas no fim de cada capítulo, onde as referências bibliográficas estão in-cluídas, não é uma solução práti-ca para um livro desta natureza, que facilmente se constitui um importante documento de con-sulta. Mas tudo isto são porme-nores facilmente resolvidos numa próxima edição.

d.r.

É difícil esquivar-me de citar os clássicos, pois ocu-pam uma grande parte da minha biblioteca. Além disso, a temática principal deste mês levou-me a percorrer as várias publicações em português que aqui tenho de Safo, a poetisa grega, da ilha de Lesbos.

Uma das edições mais boni-tas é a de Eugénio de Andrade, Poemas e Fragmentos de Safo em que este poeta faz uma re-criação poética de parte da obra daquela poetisa. Escolhi três pequenos poemas, com dois versos cada um:

Este, porque vemos a ética a sobrepor-se à estética:

Quem é belo é belo de se ver, e basta; /mas quem é bom subi-tamente será belo.

Este, porque é bem-humor-ado:

“Virgindade, virgindade, para onde vais?”/ “A ti não voltarei, não voltarei jamais.”

Este, porque só quem ama intensamente se consegue exprimir assim:

Pudesse esta noite durar/ não uma mas duas noites inteiras.

Frederico Lourenço também traduziu Safo, e dele escolho os primeiros versos de um poema que faz parte, provavelmente, daqueles que nos terão levado a assumir que a poetisa de Les-bos amaria, de um modo não apenas fraternal, as suas pupi-las:

Morrer, é isso que quero: não estou a fingir./ Ela despedia-se de mim com muitas lágrimas// e ainda me disse mais isto: “Ai, que coisas terríveis nós sofre-mos,/ ó Safo! É contra a minha vontade que te deixo.”// A ela respondi eu estas palavras:/ “Vai, sê feliz e lembra-te/ de mim. Pois sabes como te amei.

Poemas e Fragmentos de Safo. Obra de Eugénio de Andrade/11. Editora Limiar. Porto. 1982.

Frederico Lourenço, Poesia Grega de Álcman a Teócrito. Lisboa. Livros Cotovia. 2006.

• Diziam os antigos…

A forma de cada ser humano era inteira e globular, com as costas e os flancos arredonda-dos. Tinham quatro mãos e igual número de pernas; sobre o pescoço redondo, duas faces, iguaizinhas uma à outra; uma única cabeça onde assentavam as faces, colocadas em sentido oposto; quatro orelhas; órgãos genitais em número de dois; (…) «Parece-me», anunciou [Zeus], «que arranjei processo

de continuar a haver homens e acabar de vez com a sua arrogância: é enfraquecê-los. Agora mesmo vou dividi-los ao meio um por um;(…) Cada um de nós (…) é a sua própria metade que cada um infatiga-velmente procura. Em con-sequência, todos os homens que resultam do corte de um ser misto (o mesmo que em tempos era chamado andró-gino) só gostam de mulheres. É deste género que descende a maior parte dos adúlteros, bem como todas as mulheres que gostam de homens - sem esquecer as adúlteras! Por ou-tro lado, todas as mulheres do corte de um ser feminino não ligam praticamente aos homens e voltam-se de prefe-rência para as mulheres (…). Finalmente, todos os que re-sultam do corte de um ser masculino só andam atrás de homens.

Teoria sobre o Amor, apresentada por Aristófanes no Banquete de Platão, em tradução, de Maria Teresa

Schiappa de Azevedo. Edi-ções 70, 1991.

•da minha biblioteca

Poesia Grega

Homossexuais no Estado Novo – os anos de silêncio

d.r.

Frederico Lourenço, Poesia Grega de Álcman a Teócri-to. Lisboa. Livros Cotovia. 2006.

Adriana NogueiraProfessora Universitária de Estudos Clá[email protected]

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 1407. 10.10 ❖ Cultura .Sul

política

Valorizamos o que de mais genuíno e autêntico nos distingue

Por Henrique Dias Freire

José Estevens, presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, revela em entrevista ao «CULTURA.SUL» qual tem sido a estratégia cultural da autarquia

Castro Marim apostou, nos úl-timos anos, na valorização do património histórico edificado e dos saberes tradicionais como principais alavancas do seu desenvolvimento cultural. Os Dias Medievais tornaram-se no grande cartaz que mais projecta Castro Marim dentro e fora do país.

CULTURA.SUL – Como defi-ne culturalmente o conce-lho de Castro Marim?

José Estevens – A cultura será por ventura dos elementos mais importantes no desenvolvimen-to das sociedades, reflectindo o seu nível cultural e o estádio de desenvolvimento de uma co-munidade, por outro lado, os bens culturais são cada vez mais bens económicos cujo nível de produção e qualidade é factor de distinção entre as socieda-des.

Património histórico e humano como ala-vanca do desenvolvi-mento culturalNo seu projecto de afirmação, Castro Marim olha para o le-gado constituído pelo patrimó-nio histórico edificado e pelo património humano espelhado nos saberes tradicionais, como principais alavancas do desen-volvimento cultural do conce-lho, sendo os Dias Medievais de Castro Marim uma expres-são muito feliz do que pode re-sultar desta combinação.

CULTURA.SUL – Qual é a es-tratégia cultural da autar-quia?

José Estevens – Quando há 13 anos, chegamos à presidência da Câmara Municipal, consta-tamos que o concelho não dis-punha de qualquer política cul-tural, que o pudesse projectar na região e no país. Assim ti-vemos a preocupação de lançar um conjunto de obras e inicia-tivas, que nos dessem a garantia que estávamos a trilhar uma es-tratégia para o desenvolvimento cultural desta terra.

Recuperar e Requa-lificar o património histórico

Uma das primeiras medidas de-senvolvidas por este executivo foi desenvolver um conjunto de projectos que nos permitisse recuperar e requalificar o nosso património histórico, que esta-va votado ao abandono, ame-açando mesmo desaparecer, exemplo disto é o Forte de São Sebastião.A recuperação deste monumen-

to, a requalificação da Colina de Santo António, a construção da Biblioteca Municipal e do Centro Multiusos do Azinhal são bem a expressão do muito que temos vindo a fazer pela deste nosso concelho.

CULTURA.SUL – Da relação com o Ministério da Cultu-ra, nomeadamente com a Direcção Regional de Cultu-ra do Algarve, quais são os resultados visíveis?

José Estevens – O principal resultado visível é o bom en-tendimento que tem permitido

o processo de recuperação do património histórico ou militar de Castro Marim. Uma atitude muito positiva e pró-activa que tem possibilitado ultrapassar todas as dificuldades na concre-tização desses projectos, tendo--se viabilizado a requalificação da Colina de Santo António, bem como a reconstrução do Forte de São Sebastião e ain-

da os avanços já alcançados no processo de consolidação e requalificação do Castelo de Castro Marim. Entendimento também expresso no projecto da 2ª fase de requalificação do Forte de São Sebastião. É justo ainda realçar que os Dias Me-dievais de Castro Marim tive-ram na sua génese o contributo do antigo IPAR.

Agentes culturais merecem destaque

CULTURA.SUL – Actualmen-te, como vê a dinâmica e a capacidade dos agentes culturais do concelho e da região?

José Estevens – Regista-se al-guma dinâmica, especialmente por parte de algumas associa-ções do concelho, que revelam alguma capacidade e acima de

tudo uma extraordinária von-tade, uma vez que é sabido o nível de adversidades com que estes agentes se defrontam. Sem querer causar melindre permite-me aqui destacar a re-levância do trabalho nesta área de associações como a Banda Musical Castromarinense, a Casa do Povo do Azinhal, As-sociação Recreativa Cultura e Desportiva dos Amigos da Alta Mora, Campesino Recreativo Futebol Clube, Clube Recrea-tivo Alturense, entre outros. Na região, tem-se assistido nos úl-timos anos a uma quantidade e diversidade de ofertas dignas de

sinalização, factor de afirmação da região neste campo, o que tem também constituído uma inegável qualificação da oferta turística.

CULTURA.SUL – Quais os agentes culturais da região que destacaria com maior relevo?

José Estevens – Destacaria pelo significado, como agente de grande relevo a Associa-ção Musical do Algarve, com o projecto “Orquestra do Al-garve”. Projecto não isento de dificuldades que deve merecer todo o carinho e apoio dos al-garvios pelo que representa para a região.

CULTURA.SUL – A título de exemplo, pode indicar algu-mas das razões que o levam a indicar esses agentes cul-turais?

José Estevens – No que con-cerne aos do concelho de Cas-tro Marim, sendo certo que o principal agente é o próprio Município através nomeada-mente da Câmara Municipal e da empresa Municipal Nov-Baesuris, os nomeados têm que ver com projectos que passam pela Banda Musical Castroma-rinense, pelo Rancho Folclórico de Azinhal, pelas danças me-dievais “Compassos do Tem-po” e pelas ARUTLA grupo de dança moderna. No que con-cerne a Orquestra do Algarve a dimensão verdadeiramente re-gional do projecto, a afirmação de qualidade do mesmo são ele-mentos suficientes para merecer o nosso destaque.

CULTURA.SUL – O que é que para si mais distingue cul-turalmente Castro Marim dos outros concelhos?

José Estevens – Pensando não ofender ninguém a genuinidade e autenticidade das expressões culturais mais representativas do concelho de Castro Marim.

CULTURA.SUL – Como espe-ra ver o concelho, em ter-mos culturais, até ao final deste seu mandato?

José Estevens – Espero cum-prir uma boa parte do progra-ma que temos vindo a delinear, sabendo que alguns dos projec-tos desenvolvidos e mesmo já em funcionamento irão ganhar uma maior estatura e provocar resultados no futuro.

•CASTRO MARIM

josé estevens, presidente da câmara municipal da castro marim

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apontamento

A definição de uma política cultural no Algarve passa pela re-dacção de um plano estratégico da cultura que a Direcção Regional está finalmente a elaborar. Nos tempos que correm onde a rápi-da evolução (ou involução?) do mundo impõe velocidade de aná-lise, pensamento e acção, o tempo de produção do plano estratégico em causa é certamente anacrónico – atendendo às declarações oficiais estará concluído um ano após o iní-cio da sua realização. A iniciativa merece no entanto todo o supor-te, na medida em que é com base nas políticas de desenvolvimento cultural e social que as economias contemporâneas baseiam o seu pró-prio sucesso.

Todavia, para que um documento programático produza resultados adequados no Algarve, será impe-

rativo que a Direcção Regional de Cultura faça um salto de qualidade relativamente ao que tem vindo a ser produzido nos últimos anos pelos diversos organismos públicos. É desconcertante observar a subs-tancial inutilidade da maior parte dos planos estratégicos produzidos a nível regional nos mais diversos sectores e imaginar o desperdí-cio de recursos públicos que daí advém. Desperdícios que derivam não apenas dos custos de produção dos estudos, mas também, e de modo ainda mais consistente, das deseconomias ligadas à carência de conteúdos indispensáveis para a concreta aplicação das orientações estratégicas. Conteúdos como o modelo de governance, os objecti-vos específicos e as linhas de acção para alcançá-los, a pontual indivi-duação dos recursos humanos, a

planificação temporal e orçamen-tal, o plano de monitorização dos resultados e do estado de evolução dos projectos encontram-se siste-maticamente ausentes dos pseu-do-planos estratégicos algarvios, que parecem por vezes esconder a precisa vontade de não dar se-guimento às ideias.

A árdua tarefa que a Direcção Regional de Cultura tem a seu cargo agora será apenas alcançada apenas e só mediante um distan-ciamento da discutível metodologia que caracterizou o resto da pla-nificação estratégica no Algarve.

Ao agir em contraposição à norma poderão ser garantidos os objectivos constitutivos da progra-mação estratégica territorial.

Em primeiro lugar a correcta ac-tuação do plano.

Em segundo lugar o sucesso da

acção cultural no território.Em terceiro lugar, e consequente-

mente, a legitimação dos financia-mentos públicos e privados. Com efeito, por quanto lícitas sejam as recriminações dos operadores cul-turais pelos dramáticos cortes no âmbito da cultura, não se pode esconder o facto de raramente se verificar uma argumentação ade-quada em termos de programa e resultados esperados a médio e longo prazo mediante os pedidos de financiamentos pelos institutos culturais.

Cristian ValsecchiEconomista da cultura e Gestor Factor Desenvolvimento [email protected].

•OPINIÃO

Plano Estratégico de Cultura para o Algarve

Este tem sido um ano de-dicado à importância das In-dustrias Culturais e Criativas no contexto Europeu. Todos falam nisso. Na reunião do CE em Lisboa em 2000 pleiteou-se que em uma década a Europa se tornaria a mais competitiva e dinâmica economia do mundo, capaz de gerar um crescimento com mais e melhores empregos e maior coesão social. É tempo de fazer por cumprir os objecti-vos da “Agenda Lisboa”.

Em 2006 a Comissão Euro-peia encomendou um estudo sobre a importância económica do sector cultural. Admitia-se que o seu papel na economia ainda era ignorado e contabi-lizar tais parâmetros um exer-cício difícil. Não existiam fer-ramentas estatísticas e as artes eram consideradas economica-mente marginais. Apesar disso o estudo apresentou números como “uma evidência de que o sector das ICC crescia num rit-mo mais elevado do que o resto da economia, e criava empregos em quantidade e velocidade su-periores a qualquer outra indús-tria na Europa”

Os surpreendentes números passaram a ser divulgados. A Comissária Europeia para Edu-cação e Cultura reafirmou: “As Indústrias Culturais e Criativas Europeias são também um dos mais dinâmicos dos nossos sec-tores económicos. Estas indús-trias, que incluem as artes do espectáculo, artes visuais, patri-mónio cultural, filme, televisão e rádio, música, publicações, jogos de vídeo, novos meios de comunicação, arquitectura, design, moda e publicidade, juntas, propiciam postos de tra-balho qualificados para cerca de 5 milhões de pessoas em toda a União Europeia e contribuem com cerca de 2,6% para o PIB Europeu…”

Ah bem! Alargando-se dessa maneira o escopo das activida-des, entende-se como um sector que em 2000 era chamado mar-ginal, tornava-se tão importan-te na economia Europeia. As artes e as indústrias que utili-zam disciplinas artísticas em produtos comercializáveis nun-ca entravam nas mesmas con-tas… mas a mudança de para-digma fez com que se passasse

a somar alhos com bugalhos e a criação de empregos durante as efémeras capitais culturais fosse vista com os mesmos olhos que a indústria de videojogos. Não se sabe em que momento da ac-tual crise esses números foram cristalizados em resultados tão atraentes.

Os Ministérios da Cultura manifestam orgulho em repre-sentar um sector tão promis-sor mas os governos cortam o investimento na cultura. Não seria isso cortar-se o galho onde se está pousado?

Para compreender o papel das ICC portuguesas na equação fiz várias consultas. Respondeu--me a EUROSTAT a dizer que os dados existentes vêm do estudo"The economy of culture in Europe". Não existem outras estatísticas europeias sobre as ICC por que ainda não há um acordo sobre os sectores a se in-cluir, nem dados sobre os mes-mos. A ESSnet-culture está trabalhando numa metodologia para se poder fazer tais estatís-ticas, mas não se esperam resul-tados antes de finais de 2011.

Olhando para os frágeis da-

dos disponíveis… vemos que a contribuição das ICC portu-guesas ao total de uma Europa de 25 países seria de 1% (PIB de 2006), e que o sector alber-garia 1,4% da força de trabalho portuguesa.

A contribuição do Algarve terá ainda menor expressão. Ou seja, a realidade das ICC não é a nossa.

Mesmo assim… senhores ar-tistas e mui distinta plateia… o espectáculo vai começar… do lago dos cisnes à dança do ven-tre… do malhão ao electroacús-tico… juntos, uns a lucrar ou-tros a suplicar, podemos afirmar que nós, artistas, produtores, gestores, criadores, palhaços e bailarinas… temos uma enor-me importância: vamos salvar a Europa da crise!

•ESPAÇO AGECAL

Matemática Perversa: Arte X Indústria Cultural e Criativa, Expressar sentimentos x Explorar sentimentos

Tela LeãoActriz, Programadora Cultural, sócia da AGECAL

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estratégia

O valor eco-nómico da cultura e da criação

O termo subsídio-depen-dente tem vindo entre nós a fazer parte do léxico politico conotado com a posição cha-mada neo-liberal, mas também os simples ignorantes a ele têm recorrido na devassa da circuns-tância para exprimir a idéia de que a criação artística financei-ramente apoiada pelo Estado constitui um foco de devastação dos dinheiros públicos. Quan-

to aos primeiros, admita-se a seriedade intelectual das suas invectivas, mas, evidentemen-te, que não o fundamento – o Popper tocou-lhes pela fímbria a razão e aconteceu um assom-bro. Dos outros - em regra afectos a alguma imprensa mais dada a procurar a questiúncula do que o esclarecimento, através da qual, os ditos, quais arautos da decência pública, lançam as suas imprecações – deles, diga--se que são a um tempo signi-ficante e significado de pródigo espalhafato.

Porém, talvez se possa iden-tificar em um e outro discursos, um momento de comedimento no diverso recurso à expressão em causa: aquele em que foi tornado público o estudo do Prof. Augusto Mateus sobre a importância económica do sector cultural e criativo em Portugal. Os primeiros fingem desconhecer e os segundos des-conhecem realmente, que a gé-nese estrutural do ser humano colhe substância que está para além da sua própria consciên-cia imediata. Em Shakespeare, que no dizer de Ionesco, criou a Humanidade; em Sófocles que criou Édipo e Antígona, monumentos em que alicerça-mos a nossa audácia, o nosso desespero, ou a nossa lucidez; em Picasso e em Cézanne, que reinventaram o olhar humano e sem eles jamais veríamos como

vemos; em Santo Agostinho, que foi actor e deixou-nos umas Confissões onde nos podemos rever e reencontrar... E eles não sabem que mesmo que o não saibam está-lhes na matriz... e continuar seria infindável. Não sabem os primeiros, que reduzir a mais-valia da criação a uma mera lógica contabilística deixa de fora o valor da imaginação, a qual, segundo Einstein, é mais valiosa que o conhecimento, visto que este é finito e aquela infinita. E ignoram os segundos do que aqui estamos a falar.

Sejamos rasos para curtos en-tendedores: saibam que, depois da Bíblia, o livro mais vendido no ocidente no século XX foi O

Capital, de Karl Marx, de cuja primeira edição, de 1867, ape-nas se venderam 8 exemplares. A situação financeira de Marx era de tal forma desesperada que Engels, que o sustentava, foi pedir ajuda à mãe de Marx, que vivia desafogadamente, mas a senhora ter-lhe-á respon-dido: “O meu filho, já que sabe tanto de Capital, que trate de o ganhar!”. Bem mais pobre seria o mundo se Marx tivesse segui-do o conselho materno. E outro caso, o de Grotowski: a tomar por certo o que me diz um ami-go polaco, o Estado democrá-tico da Polónia recebe hoje em direitos o que o Estado comu-nista financiou durante anos a

fio, até Grotowski ser tentado pelos americanos, que lhe ofe-receram dólares, e depois pelos italianos, que lhe ofereceram um castelo. Um dos maiores criadores teatrais do século XX, falecido em 1999, hoje conside-rável fonte de divisas.

Neo-liberais: estudem!; igno-rantes: calem-se!

Luís VicenteActor, encenador e director artístico e de pro-dução da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve.

• convidado.S

• próximo convidado.S

José Duarte

O próximo convidado.S é José Duarte.

«1…2…1, 2, 3, 4, 5 minutos de jazz»

Há 44 anos que se ouve na rá-dio portuguesa a voz inconfun-dível de José Duarte, o homem do jazz, actualmente o mais importante representante da geração que divulgou e fomen-tou o jazz em Portugal, na rá-dio, na televisão, na imprensa e na internet (www.jazzportugal.

ua.pt). Privou com grandes no-mes (alguns que ainda ouvimos no Algarve recentemente, como Diana Krall ou David Murray) e não pára: discos, livros, con-ferências, concursos, aulas… Em 2009, a Presidência da Re-pública concedeu-lhe o grau de «Grande Oficial da Ordem de Mérito» e a Universidade do Algarve homenageou-o, no mesmo ano.

Às Direcções Regionais de Cultura compete gerir espaços patrimoniais, promovendo a sua fruição pública e, simulta-neamente, apoiar a actividade cultural na região, potenciando sinergias entre os vários actores. É precisamente no cruzamento destes dois pólos – património e artes – que a Direcção Regio-nal de Cultura do Algarve vem desenvolvendo a dimensão edu-cativa da sua actividade.

A criação de centros interpre-tativos e/ou a edição de cader-

nos pedagógicos foram os pri-meiros passos na aproximação dos públicos aos monumentos geridos directamente pela Di-recção Regional, como Milreu, Alcalar, Paderne. Seguiu-se a realização de parcerias com as autarquias, através dos Museus Municipais (Albufeira, Faro e Portimão) e a realização de actividades educativas – visitas orientadas, ateliês educativos, recriações históricas, nomeada-mente nos Monumentos Me-galíticos de Alcalar, com Um

dia na Pré-História, actividade que conta já com várias edições, levando às ruínas, nesses dias, largas centenas de pessoas.

Este ano iniciaram-se vários projectos educativos e de frui-ção patrimonial que tiveram como premissa potenciar cru-zamentos entre o património histórico e a criação artística. Assim, nasceram os projectos Música nos Monumentos, Lu-gares Mágicos e Da janela da minha escola... vejo um mo-numento. Estes projectos têm

outro denominador comum: foram construídos, desenhados e sonhados em parceria, com a Orquestra do Algarve, com o Atelier Educativo e com a Di-recção Regional de Educação do Algarve, respectivamente. Dirigidos a públicos diversos – famílias, jovens instituciona-lizados, pessoas de mobilidade reduzida, crianças do 1.º Ciclo – os projectos permitem um outro olhar sobre o património histórico algarvio.

Marcas na paisagem con-

temporânea, os monumentos algarvios constituem-se como espaços culturais, cuja dimen-são educativa contribui, tam-bém, para reforçar o potencial de criatividade, preservar a identidade regional e qualificar a “marca” Algarve.

A dimensão educativa dos Monumentos do Algarve“O essencial não está na conservação do que é material e visível. O que torna o quotidiano ainda

habitável e poético são as artes, inúmeras e secretas, da memória e do esquecimento” (A Política do Património, Marc Guillaume)

•DIRECÇÃO REGIONAL DE CULTURA DO ALGARVE

Iniciativas com diversidade de públicos (Alcalar) Um outro olhar sobre o património (Alcalar)Actividades educativas atraem centenas de pessoas (Milreu)

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