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ISBN 978-85-224-4601-8

Impresso no BrasillPrinted in Brazil

Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Ao meu netinho Lucas,a certeza de uma descendência abençoada.

Ao meu amado filho,Marcelo Alexandre T.D. de Andrade Martins,o carinho materno que inspira os meus dias.

Aos meus pais,Rubens Cintra DamiãoNair Toledo Damião (in memoriam) >

Meus agradecimentos pelo zelo por minha formação.

À Ivone, minha esposa; aos filhos Maristela, Sl1via eSérgio; ao querido neto Heitor; o testemunhode meu afeto_

CDU-340.113.1

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l~\~:E:SI>~~,T~~'o_~

340.113.1

Índice para catálogo sistemático:

1. Linguagem jurídica

95.0658

(Ç) 1993 by Editora Atlas S.A.

1. Direito - Linguagem 2. Português - Estudo e ensino 3. Redação forense I. Henriques,Antonio, 1924- 11. Título.

1. ed. 1993; 2. ed. 1994; 3. ed. 1995; 4. ed. 1996; 5. ed. 1997;6.ed. 1998; 7. ed. 1999; 8. ed. 2000; 9.ed. 2004; 10. ed. 2007;3. reimpressão 2009

Damião, Regina Toledo

Curso de Português Jurídico 1Regina Toledo Damião, Antonio Henriques. - 10. ed. - 3. reimpr.- São Paulo: Atlas, 2009.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquerforma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.610/98) é crimeestabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Cromo da capa: Getty Images/Tony StoneComposição: Formato Serviços de Editoração Ltda.

Editora Atlas S.A.Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elísios)01203-904 São Paulo (SP)Tel.: (0__ 11) 3357-9144 (PABX)www.EditoraAtlas.com.br

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• • • • • • • • •

SUMÁRIO

Nota dos autores à 7nª ('niriJo, 13

Nota dos autores, 15

Parte I - Introdução à Comunicação, 17

1 COMUNICAÇÃOJURÍDICA, 191.1 Conceitos, 191.2 Elementos da comunicação, 221.3 Funções da linguagem, 241.4 Língua oral e língua escrita, 251.5 Níveis de linguagem, 261.6 O ato comunicativo jurídico, 281.7 Conceitos básicos de lingüística e comunicação jurídica, 29

1.7.1 Quanto ao emissor, 301.7.2 Quanto ao receptor (destinatário do discurso), 321.7.3 Estrutura do discurso comunicativo, 35

1.8 Exercícios, 36

Parte 11 - Vocabulário Jurídico, 39

2 VOCABULÁRIO,412.1 Léxico e vocabulário, 41

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8 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

2.2 O sentido das palavras: denotação e conotação, 422.3 O sentido das palavras na linguagem jurídica, 452.4 Polissemia e homonímia, 47

2.4.1 Usos da linguagem jurídica: algumas dificuldades, 512.5 Sinonímia e paronímia, 52

2.5.1 Sinônimos, 522.5.2 Parônimos, 542.5.3 Usos da linguagem jurídica (sinonímia e paronímia), 55

2.6 O verbo jurídico: acepções e regimes, 582.7 Arcaísmos, 622.8 Neologismos, 642.9 Estrangeirismos,652.10 Latinismos, 672.11 Campos semânticos e campos léxicos, 692.12 Dificuldades do vocabulário na linguagem jurídica, 702.13 Repertório vocabular jurídico, 732.14 Exercícios, 77

Parte 111 - A Estrutura Frásica na Linguagem Jurídica, 79

3 FRASE,813.1 Frase, oração, período, 81

3.1.1 Frase, 813.1.2 Oração, 823.1.3 Período, 82

3.2 Estrutura da frase, 833.2.1 As combinações da frase: coordenação e subordinação, 83

3.2.1.1 Coordenação, 833.2.1.2 Subordinação, 84

3.3 Relações sintáticas na expressividade da frase, 843.3.1 Concordância, 843.3.2 Regência, 863.3.3 Colocação, 87

3.4 Aspectos estilísticos da estrutura oracional, 893.4.1 A frase completa simples, 903.4.2 O fator psicológico da estrutura frásica, 92

3.4.3 A ordem dos termos no período simples, 933.4.4 A expressividade frásica na coordenação, 953.4.5 A expressividade frásica na subordinação, 96

3.5 Feição estilística da frase e discurso jurídico, 973.6 Exercícios, 100

Parte IV - Enunciação e Discurso Jurídico, 103

4 CONSIDERAÇÕES GERAIS, 1054.1 Enunciação e discurso, 1054.2 Algumas definições, 107

4.2.1 Texto, 1074.2.2 Contexto, 1084.2.3 Intertexto, 109

4.2.3.1 Paráfrase, 1114.2.3.2 Estilização, 1134.2.3.3 Paródia, 1164.2.3.4 Recriação polêmica, 118

4.3 Tipos de texto, 1194.4 Coesão e coerência textual, 120

4.4.1 Coesão, 1204.4.2 Coerência, 122

4.5 Principais elementos de coesão no discurso jurídico, 1294.6 Exercícios, 132

Parte V - O Parágrafo e a Redação Jurídica, 135

5 A REDAÇÃO, 1375.1 Conceitos e qualidades, 137

5.1.1 Unidade, 1385.1.2 Coerência, 1395.1.3 Ênfase, 141

5.2 Estrutura do parágrafo, 1435.2.1 Tópico frasal, 1445.2.2 Desenvolvimento, 1445.2.3 Conclusão, 149

5.3 O encadeamento dos parágrafos, 150

Sumário 9

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10 Curso de PortuguêsJurídico • Damião/Henriques

Parte VI - Português e Prática Forense, 181

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5.4 Elaboração do parágrafo: requisitos e qualidades, 1505.5 O parágrafo descritivo, 152

5.5.1 O parágrafo descritivo na redação jurídica, 1565.6 O parágrafo narrativo, 157

5.6.1 O parágrafo narrativo na redação jurídica, 1605.7 O parágrafo dissertativo, 161

5.7.1 Tipos de dissertação, 1635.7.1.1 Dissertação expositiva, 1635.7.1.2 Dissertação argumentativa, 164

5.7.2 Estrutura da dissertação, 1665.7.3 Raciocínio e argumentação, 1685.7.4 O parágrafo dissertativo na redação jurídica, 171

5.8 Posturas do emissor na elaboração do parágrafo, 1725.8.1 Posturas filosóficas, 1725.8.2 Posturas psicológicas, 173

5.9 Exercícios, 178

TEORIA E PRÁTICA, 1836.1 Procuração: conceitos e tipos, 184

6.1.1 Procuração ad negotia, 1866.1.2 Procuração adjudicia, 1916.1.3 Outras modalidades: caução de rato e apud acta, 1926.1.4 O substabelecimento, 1936.1.5 Estrutura da procuração adjudicia: comentários lingüísticos, 194

6.2 Requerimento: conceito e estruturas, 1966.2.1 Estrutura do requerimento simples, 1976.2.2 Estrutura do requerimento complexo, 199

6.3 Requerimento e petição inicial, 201

6.3.1 Petição inicial: aspectos lingüísticos e estruturais, 2026.4 A resposta do réu, 207

6.4.1 Aspectos lingüísticos e estruturais da contestação, 2076.4.2 Outros aspectos lingüísticos e estruturais da Resposta do Réu,

2106.5 A linguagem da sentença, 211

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Sumário 11

6.6 A linguagem nos recursos jurídicos, 2136.7 Particularidades da linguagem em peças jurídicas, 214

6.7.1 Mandado de segurança, 2146.7.2 Habeas corpus, 2156.7.3 A linguagem da denúncia, 2196.7.4 A linguagem das alegações finais, 2216.7.5 A linguagem dos contratos, 222

6.8 Exercícios, 224

Parte VII - Estilística Jurídica, 227

7 RECURSOS ESTILÍSTICOSNO DIREITO,2297.1 Comentários preliminares, 2297.2 Figuras de linguagem, 230

7.2.1 Figuras de palavras, 2307.2.2 Figuras de construção, 233

7 r') """1 n~ __ .L.:_~ - •....••...••.•...•í • .w.""" • ..L J.'\..'C:}JC:L1.\-áU, Lo..),.:)

7.2.2.2 Omissão, 2367.2.2.3 Transposição, 2377.2.2.4 Discordância, 238

7.2.3 Figuras de pensamento, 2387.3 O valor estilístico da pontuação, 2477.4 A expressão oral, 250

7.4.1 Oratória forense, 2507.4.1.1 O plano de exposição, 2507.4.1.2 Recursos da expressão oral, 252

7.5 Exercícios, 254

Parte VIII - Apêndice, 257

8 LEMBRETESGRAMATICAIS,2598.1 Casos práticos de concordância nominal - modelos de exercícios, 2598.2 Algumas dificuldades gramaticais, 2618.3 Observações sobre a conjugação de alguns verbos, 265

8.3.1 Verbos da primeira conjugação, 2658.3.1.1 Verbos em EAR (passear, clarear, nomear, presentear),

265

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I

NOTA DOS AUTORES À loa EDIÇÃO

Mantida a mesma estrutura das edições anteriores, foram realizadas algumasalterações para facilitação metodológica, com orientações que auxiliam, também,acadêmicos e profissionais da área jurídica em particular, bem como no ensino dediferentes áreas de Ciências Humanas e Sociais.

Busca-se contribuir, ainda mais, para a efetividade da linguagem jurídica recte,bene et pulcre, com retidão de idéias, gramaticidade frásica e beleza da expressãocomunicativa, atributos essenciais no discurso jurídico.

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8.3.1.2 Verbos em lAR (odiar, remediar, incendiar, ansiar emediar), 265

8.3.1.3 Outros verbos, 2668.3.2 Verbos da segunda conjugação, 269

8.3.2.1 Conter, 2698.3.2.2 Despender, 2698.3.2.3 Prover, 2708.3.2.4 Requerer, 2718.3.2.5 Soer, 2718.3.2.6 Viger, 272

8.3.3 Verbos da terceira conjugação, 2728.3.3.1 Verbos em VIR, 2728.3.3.2 Argüir, 2728.3.3.3 Convir, 2738.3.3.4 Falir, 2738.3.3.5 Impedir, 2748.3.3.6 Infringir, 2748.3.3.7 Redimir, 2748.3.3.8 Ressarcir, 2758.3.3.9 Verbos abundantes, 275

Abreviaturas, 2778.4.1 Principais abreviaturas, 2788.4.2 Algumas siglas, 281Brocardos jurídicos e locuções latinas, 2828.5.1 Brocardos jurídicos, 2828.5.2 Locuções latinas, 284Prefixos e sufixos latinos e gregos, 2878.6.1 Prefixos latinos, 2878.6.2 Prefixos gregos, 2908.6.3 Sufixos latinos, 2918.6.4 Sufixos gregos, 292

8.4

8.6

8.5

12 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Bibliografia, 293

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...AJo. linguagem é ti base das relações sociais e., em râzão disso, os diversos grü.-pos de uma comunidade lingüística organizam um código comunicativo próprio,formando, ao lado da língua-padrão, um universo semiológico.

Adequado é, por isso, falar-se em Curso de Português Jurídico: há imperativanecessidade de uma disciplina que estude o código lingüístico da língua portuguesa,aplicado ao contexto jurídico .

Independentemente do ensino acadêmico, porém, o presente livro destina-sea todos os estudiosos de lingüística e, em particular, aos que militam na área doDireito e querem ampliar seu saber jurídico .

Não pretenderam os autores - e sequer poderiam desejá-lo - esgotar o assun-to, mas buscaram um registro abrangente dos dados suscetíveis de uma análisesêmica do discurso jurídico .

Fica, também, o convite para que se nos ofereçam críticas e sugestões desti-nadas ao aperfeiçoamento do presente livro .

NOTA DOS AUTORES

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COMUNICAÇÃO JURÍDICA

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1.1 CONCEiTOS

Já é sabido e, mesmo, consabido que o ser humano sofre compulsão natural,inelutável necessidade de se agrupar em sociedade, razão por que é denominadoens sociale. Cônscio de suas limitações, congrega-se em sociedade para perseguire concretizar seus objetivos; assim, o ser humano é social natura sua, em decor-rência de sua natureza .

Daí, a propensão inata do homem em colocar o seu em comum com o próximo.Tal colocar em comum é o comunicar-se, é a comunicação. Já o latim communica-re se associa à idéia de convivência, relação de grupo, sociedade. O objetivo dacomunicação é o entendimento; como disse alguém, a história é uma constantebusca de entendimento .

A comunicação ultrapassa o plano histórico, vai além do temporal; por isso,assistiu razão ao poeta latino Horácio dizer que ele não morreria de todo e amelhor parte de seu ser subsistiria à morte .

Porque o homem é um ser essencialmente político, a comunicação só pode serum ato político, uma prática social básica. Nesta prática social é que se assentamas raízes do Direito, conjunto de normas reguladoras da vida social.

Aceito, então, que o Direito desempenha papel político, função social, pode-se dizer que suas características fundamentais são a generalidade (que não seconfunde com neutralidade) e a alteridade (bilateralidade).

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• Linguagem do vestuário

a natureza do criminoso. Um ser atávico, reproduzindo os ferozes instintos dahumanidade primitiva, dos animais inferiores. Assim podemos explicar (o crimi-noso) pelas enormes mandíbulas, ossos salientes das maçãs, arcos proeminentesdos supercílios, tamanho exagerado das órbitas, olhar sinistro, visão extremamenteaguçada, nenhuma propensão à calvície, orelhas em alça, insensibilidade à dor,nariz tendendo à direita, falta de simetria geral. No comportamento, indolênciaexcessiva, incapacidade de ruborizar, paixão por orgias - e desejo insano do malpelo próprio mal. Vontade não apenas de tirar a vida da vítima mas também demutilar-lhe o corpo, rasgar sua carne, beber seu sangue."

(Soares, Veríssimo, Millôr, 1992, p. 93)

Pela mímica pode-se conhecer o testemunho de surdos-mudos corno ocorreuem Mogi das Cruzes (Folha de S. Paulo, 30-4-93).

A falsidade de um depoimento pode revelar-se até mesmo pela transpiração,pela palidez ou simples movimento palpebral.

Interessante alertar o profissional do Direito para o código cultural das ex-pressões gestuais.

Assim, o abaixar dos olhos e o desviar insistente do olhar podem ser deco-dificados tanto como timidez excessiva quanto por ausência de caráter, espíritomentiroso.

Por outro lado, o olhar persistente assume, não raro, o sentido de desafio e,muitas vezes, de cinismo.

. O olhar voltado para cima, com a cabeça levemente inclinada, principalmentequando os olhos ficam descobertos pelos óculos posicionados quase na ponta donariz, em geral revela um espírito inquisitivo e perspicaz.

Empregadas essas expressões no interrogatório do réu, em depoimentos detestemunhas e na ação dos profissionais jurídicos, os destinatários dessa comuni-cação não verbal irão recebê-la de acordo com o código cultural que interfere nosusos e costumes de urna sociedade.

••Comunicação Jurídica 21 ••••••••••••••••••••••••••Os postulantes aos cargos públicos, em Roma, vestiam-se de túnicas brancas, •

indício da pureza de suas intenções e; P?r isso, chamavam-se candidatos (de •candidus-a-um).

A toga, como qualquer peça do vestuário, é uma informação indiciaI da função •exercida pelo juiz e a cor negra sinaliza seriedade e compostura que devem carac- •terizá-Io. Não se misturam trajes como não se usurpam funções e, assim, andou •com a razão um ex-senador ao dizer que "japona não é toga".

I •I ._________ •

'1\ peçonha da cobra eu curo... Quem soubercure o veneno que há no olhar de uma mulher!"

"Nessa manhã de um soturno dia de dezembro, não foi apenas uma idéia oque tive, mas um relâmpago de clarividência. Aover o crânio do salteador Vihella,percebi subitamente, iluminado como uma imensa planície sob um céu em fogo,

20 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Constitui-se a sociedade não de eu + eus, mas, de ego + alter, ou, para se usarum neologismo de Carlos Drummond de Andrade (apud Monteiro, 1991:36), de"eumanos", isto é, de eu + humanos.

Dá-se a comunicação pelo falar e só ao homem reserva-se a determinação defalar. Eugênio Coseriu observa que o homem é "um ser falante" ou, melhor, é "oser falante".

Comunica-se o homem de forma verbal ou não verbal; esta última acontecede várias formas como:

• Linguagem corporal

Na crítica cinematográfica é comum dizer que o corpo fala por Charles Chapline, constantemente, ressalta-se a expressividade dos olhos de Bette Davis.

No romance O processo Maurizius, Jakob Wasermann fala em olhos interroga-tivos, olhar inquiridor, olhar sombrio e hostil etc.

Sabe-se que os olhos mereceram especial atenção de Machado de Assis, poislhe retratavam a natureza íntima - boa ou má - das pessoas. Para ficar com apenasuma obra, encontram-se em Dom Casmurro, olhos dorminhocos (Tio Cosme); olhoscuriosos (Justina); olhos refletidos (Escobar); olhos quentes e intimativos (Sancha);olhos policiais (Escobar); olhos oblíquos e de ressaca (Capitu).

Na d,ebatida questão do adultério de Capitu, entre os argumentos, todosindícios, embora alguns veementes, há o olhar de Capitu perto do esquife deEscobar.

Frente aos fatos trágicos da vida, desfivelam-se as máscaras e frustram-se asdissimulações; é o que acontece com Capitu. Elafita o defunto com olhos de viúvae revela, então, que o homem dela, seu marido, de facto, era Escobar.

Avalie-se a força do olhar nos versos de Menotti deI Picchia:

As partidas de futebol tornaram-se mais atraentes com a linguagem gestualdos jogadores. Já na antiga Roma, nos jogos circenses, o imperador, com o polegarlevantado ou abaixado, prolatava as sentenças de vida ou de morte.

Cesare Lombroso, fundador da Antropologia Criminal, procurava identificar ocriminoso pelo levantamento de determinados traços físicos ou pela conformaçãoóssea do crânio.

Assim, exprime-se Lombroso em Euomo delinquente:

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Qualquer falha no sistema de comunicação impedirá a perfeita captação damensagem. Ao obstáculo que fecha o circuito de comunicação, costuma-se dar onome de ruído. Este poderá ser provocado pelo emissor, pelo receptor, pelo canal.

Considerem-se os casos:

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito de .Eutanásio Boamorte, brasileiro, solteiro, R.G. nº ,

decorador, residente na Rua B,nº 16, Jardim Mascote, vem requerer seja expedidaordem de Habeas Corpus a favor de Asnásio da Silva pelas razões seguintes:

Asnásio da Silva foi preso no dia 10 do fluente mês, na rua B, nº 17 (JardimMascote), por agentes policiais, constando ter sido conduzido para a Delegaciado38º Distrito Policial.

A prisão é ilegal, pois não ocorreu em flagrante delito e não houve mandadode prisão.

O auto de prisão em flagrante, além de indevido, é nulo, pois o detido é me-nor de vinte e um anos e não lhe foi nomeado curador no momento da lavraturado auto .

Os casos em que alguém pode ser preso estão disciplinados na lei e na Cons-tituição. Qualquer prisão fora dos casos legais permite a impetração de HabeasCorpus .

ComunicaçãoJurídica 23

1. Numa sessão de júri: se o juiz não conhecer o código do acusado e o in-térprete estiver ausente, suspender-se-á a sessão, pois há ruído impedindoa comunicação. O mesmo ocorrerá se houver quebra de sigilo entre osjurados. Há interferência negativa no sistema de comunicação .

2. Numa projeção cinematográfica: na exibição de um filme falado em inglês(não legendado), a comunicação será plena, parcial ou nula dependendodo domínio do código (inglês) por parte do espectador. O mesmo poderáocorrer caso o ator fale extremamente rápido .

3. Numa sala de aula: a comunicação não se fará, mesmo com o domíniodo código, se o referente for bastante complexo.

Para que se estabeleça interação comunicativa, o mundo textual deve sersemelhante .

Daí a necessidade de um juiz socorrer-se de peritos ou intérpretes para eluci-dação de casos específicos. Magalhães Noronha (1969, p. 116) estabelece o modusoperandi no interrogatório de mudos, surdos-mudos, analfabetos e estrangeiros.

No requerimento a seguir (petição), podem-se mostrar os elementos da co-municação .

Estabelecido que o texto jurídico é urna forma de comunicação, nele ocorrem• os elementos envolvidos no ato comunicatório; deve haver, então, um objeto de

•comunicação (mensagem) com um conteúdo (referente), transmitido ao receptorpor um emissor, por meio de um canal, com seu próprio código.

• Fundamental é lembrar que toda e qualquer forma de comunicação se apóia• no binômio emissor-receptor; não há comunicação unilateral. A comunicação é,

basicamente, um ato de partilha, o que implica, no mínimo, bilateralidade.• O ato comunicativo não pode ser ato solitário; antes, é um ato solidário entre

i • indivíduos em suas relações sociais, razão por que não se pode resolver num ato• individual ou na intersubjetividade.

•Afirma-se que mesmo o ato de não-comunicação é comunicação e, nesse caso,

a expressão preso incomunicável deve ser entendida cum grano salis.• Entendido que a comunicação não é ato de um só, mas de todos os elemen-• tos dela participantes, verifica-se que a realização do ato comunicatório apenas

se efetivará, em sua plenitude, quando todos os seus componentes funcionarem• adequadamente.

••• 22 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques•• Tem-se notado a freqüência significativa de mulheres de preto em Machado

de Assis, todas, ou quase todas, viúvas. Há mesmo um conto com o título: ''A• mulher de preto." De novo, a cor preta está associada ao respeito e à seriedade.• Mas há quem se pergunte: Machado estaria realmente interessado na cor preta

ou nas viúvas?

• João Ribeiro (1960, p. 98), em nota de rodapé, estabelece relação entre a• propriedade básica - casa ou habitação - e os nomes de vestes: casa e casaca; capa• e cabana (capana); habitar e hábito. Vai mais longe e associajatiota à enfiteuse.

Há de se dizer, corno remate, que mesmo o calar-se é um ato de comunicação.• Eugênio Coseriu considera o calar-se como o "ter deixado-de-falar" ou "o não falar• ainda". É, pois, determinação negativa de falar, o que constitui, também, uma

prerrogativa do ser humano.

• Tanto o é que, segundo Ernout e Meillet, os latinos, pelo menos até a época• clássica, tinham dois verbos para o ato de calar-se: silere, para os seres irracionais,• e tacere, para os seres racionais.

No Direito, fala-se em "tácita aceitação", "tácita recondução", "renúncia tácita",• "confissão tácita", "tácita ratificação". Magalhães Noronha (1969, p. 115) diz que• o silêncio do denunciado pode ser interpretado contra ele..-... Observe-sp qllP nos nO!ls filmes de far-ceste h:i ~cmprc aquele illome:nto êI11

~ que o silêncio desperta suspeitas no mocinho.•. -• 1.2 ELEMENTOS DA COMUNlCAÇAO

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Comunicação Jurídica 25

1.4 LÍNGUA ORAL E LÍNGUA ESCRITA

Efetuar-se-á o processo de comunicação por meio da linguagem oral ou daescrita. A expressão escrita difere, sensivelmente, da oral, muito embora a línguaseja a mesma. Não há dúvidas: ninguém fala como escreve ou vice-versa.

impulsos para provocar reações no receptor. Daí o nome de função conativa, termorelacionado ao verbo latino conari, cujo significado é promover, suscitar, provocarestímulos.

Faria (1989, p. 28) fala de tais funções da linguagem servindo-se, embora, deoutros termos como função diretiva (conativa).

O discurso persuasório apresenta duas vertentes: a vertente exortativa e avertente autoritária (imperativa).

Os textos publicitários utilizam mais a vertente exortativa e, para maior efei-to, apelam para a linguagem poética; os mais idosos lembram-se, por certo, dapropaganda de alguns remédios. Eis duas amostras:

'~ka SeltzerExiste apenas um.E como Alka SeltzerNão pode haver nenhum."

"Na sua casa tem mosquito,Não vou lá.Na sua casa tem barata,Não vou lá.Na sua casa tem pulga,Não vou lá.Peço licença para mandarDetefon em meu lugar."

A vertente autoritária é típica do discurso jurídico; basta atentar-se para oCódigo Penal e para expressões como: "intime-se", "afixe-se e cumpra-se", "revo-guem-se as disposições em contrário", "arquive-se", conduzir "sob vara" ou manumilitari, "justiça imperante" e outras muitas. Monteiro (1967a, p. 14) é taxativo:"Além de comum a lei é, por igual, 'obrigatória'. Ela ordena e não exorta (jubeatnon suadeat); também não teoriza. Ninguém se subtrai ao seu tom imperativo eao seu campo de ação."

O discurso persuasório coercitivo esteve presente em discurso religioso, cujaslinhas diretrizes eram o memento mori e os Novíssimos (morte/juízo, inferno/para-íso). Ingmar Bergmann lembra o clima de medo medieval e o Dies irae no célebrefilme O sétimo selo. Hoje, o discurso eclesial é mais exortativ.Q~ _

Aparece o mesmo tipo de discurso em textos j<;>rnalísticos nos quais o apre-sentador parece revestir-se das funções de juiz no tribunal e, para maior efeitodramático, serve-se de tom de voz soturno como que provindo do além-túmulo ecomo a prenunciar o Julgamento Final.

Elementos da comunicação:

Emissor: é o autor do requerimento, Eutanásio Boamorte; ele é o desti-nador, o produtor, a fonte da mensagem.

Receptor: é o Juiz de Direito; a mensagem lhe é enviada; ele é o desti-natário.

Mensagem: coação ilegal.Canal: no caso, o canal é a folha, o papel em que se faz o requerimento.

O Habeas Corpus pode ser impetrado por telefone ou telegrama; entãoo canal poderá ser o telefone ou o telegrama.

Código: é a linguagem verbal: escrita em língua portuguesa.Referente: ato prisional.

Em face dessa ilegalidade requer digne-se Vossa Excelência conceder-lhe aordem pedida, expedindo-lhe alvará de soltura.

São Paulo, 10 de fevereiro de 2004.

24 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

1.3 FUNÇÕES DA LINGUAGEM

Obs.: os nomes Eutanásio Boamorte e Asnásio da Silva são de Pedro Nava.

a. Eutanásio Boamorte.

O estudo de Karl Bühler sobre as funções da linguagem, assunto desenvol-vido por Roman Jakobson em Lingüística e comunicação, aplica-se também aoDireito.

Um acusado, em seu depoimento, serve-se, em geral, de uma linguagem mar-cadamente subjetiva, carregada dos pronomes eu, me, mim, minha, enfatizandoo emissor; caracteriza-se, assim, a função emotiva.

A informação jurídica é precisa, objetiva, denotativa; fala-se, então, de funçãoreferencial. Nada impede, porém, que o texto jurídico se preocupe, v. g., com asonoridade e ritmo das palavras, valorizando a forma da comunicação; tem-se,assim, a função poética.

A linguagem de dicionários e vocabulários jurídicos está centrada no códigoe a função será metalingüística.

Sabe-se, por outro lado, que o texto jurídico é, eminentemente, persuasório;dirige-se, especificamente, ao receptor; dele se aproxima para convencê-lo a mudarde comportamento, para alterar condutas já estabelecidas, suscitando estímulos,

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26 Curso de PortuguêsJurídico • Damião/Henriques

1.5 NÍVEIS DE LINGUAGEM

•••••••••••••••••-..,•••••••••••••••••

Todos timbram em usar um estilo polido, escorreito e castigado no aspectogramatical. Há os que se excedem, mas, acredita-se, são poucos .

Segundo o Shopping News (27-9-92, p. 2), os ministros do STF usaram de-zenove vezes a expressão "recepcionar o recurso" no julgamento do mandadode segurança de Collor contra atos da Câmara Federal. Por essas e por outras, opresidente do STF, Sidney Sanches, disse:

"- Agora, para melhorar nossa comunicação com a sociedade só falta elimi-narmos alguns preciosismos da linguagem jurídica."

Exemplo de linguagem culta:

Calha também citar Ceneviva (Folha de S. Paulo, 2-5-93, p. 4-2):

(BARBOSA,1951, p. 36-37)

Comunicação Jurídica 27

"O trabalho, pois, vos há de bater à porta dia e noite e nunca vos negueis àssuas visitas, se quereis honrar vossa vocação, e estais dispostos a cavar nos veiosdevossa natureza, até dardes com os tesoiros, que aí vos haja reservado, com ânimobenigno, a dadivosa Providência .

Ouvistes o aldabrar da mão oculta, que vos chama ao estudo? Abri, abri, semdetença. Nem, por vir muito cedo lho leveis a mal, lho tenhais à conta de impor-tuna. Quanto mais matutinas essas interrupções do vosso dormir, mais lhas deveisagradecer.

O amanhecer do trabalho há de antecipar-se ao amanhecer do dia. Não vosfieis muito de quem esperta já sol nascente, ou sol nado. Curtos se fizeram, os dias,para que nós os dobrássemos, madrugando. Experimentai, evereis quanto vai dodeitar tarde ao acordar cedo. Sobre a noite o cérebro pende ao sono. Antemanhã,tende a despertar."

"O direito é uma disciplina cultural, cuja prática se resolve em palavras. Direitoe linguagem se entrelaçam e se confundem. Algumas vezes - infelizmente, maisdo que o necessário - os profissionais da área jurídica ficam tão empolgados comos fogos de artifício da linguagem que se esquecem do justo e, outras vezes, atéda lei. Nas acrobacias da escrita jurídica, chega-se a encontrar formas brilhantesnas quais a substância pode ser medida em conta-gotas. O defeito - também comdesafortunada freqüência - surge mesmo em decisões judiciais que atingem aliberdade e o patrimônio das pessoas."

B. Linguagem familiar (sermo usualis). Utilizada pelas pessoas que, semembargo do conhecimento da língua, servem-se de um nível menos formal, maiscotidiano. É a linguagem do rádio, televisão, meios de comunicação de massa tantona forma oral quanto na escrita. Emprega-se o vocabulário da língua comum e aobediência às disposições gramaticais é relativa, permitindo-se até mesmo cons-truções próprias da linguagem oral.

Em contato direto com o falante, a língua falada é mais espontânea, mais viva,mais concreta, menos preocupada com a gramática. Conta com vocabulário maislimitado, embora em permanente renovação.

Já na linguagem escrita o contato com quem escreve e com quem lê é indireto;daí seu caráter mais abstrato, mais refletido; exige permanente esforço de elabo-ração e está mais sujeita aos preceitos gramaticais. O vocabulário caracteriza-sepor ser mais castiço e mais conservador.

A língua falada está provida de recursos extralingüísticos, contextuais - gestos,postura, expressões faciais - que, por vezes, esclarecem ou complementam o sen-tido da comunicação. O interlocutor presente torna a língua falada mais alusiva,ao passo que a escrita é mais precisa .

A eficiência do ato de comunicação depende, entre outros requisitos, do usoadequado do nível de linguagem.

Enquanto código ou sistema, a língua abre possibilidades de um sem-núme-ro de usos que os f::ll::lntes podem adctur scgun.do as exigências situacionais dacomunicação .

Às variações - sociais ou individuais - que se observam na utilização da lin-guagem cabe o nome de variantes lingüísticas (dialetos) .

Dá-se o nome de fala, níveis de linguagem ou registros às variações quanto aouso da linguagem pelo mesmo falante, impostas pela variedade de situação.

Haveria, assim, três principais níveis ou registros:

A. Linguagem culta (variante-padrão). Em latim, era o sermo urbanus ousermo eruditus. Utilizam-na as classes intelectuais da sociedade, mais na formaescrita e, menos, na oral. É de uso nos meios diplomáticos e científicos; nos dis-cursos e sermões; nos tratados jurídicos e nas sessões do tribunal. O vocabulárioé rico e são observadas as normas gramaticais em sua plenitude.

Esta linguagem, usam-na os juristas quando nos diferentes misteres de suaprofissão. Não é mais a linguagem de Rui Barbosa, mas dela se aproxima.

O vocabulário continua selecionado e adequado; dir-se-ia, até, ritualizado oumesmo burocratizado e, por isso, menos variado. Se se escolhessem as "dez mais"usadas pelos juristas, por certo, figurariam na lista: outrossim, estribar, militar(verbo), supedâneo, incontinenti, dessarte, destarte, tutela, argüir, acoimar .

Alguns termos gozam de predileção especial por parte de certos autores: in-continenti e supedâneo (Miguel Reale); dessarte (Magalhães Noronha); destarte(W M. de Barros).

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Comunicação Jurídica 29

1.7 CONCEITOS BÁSICOS DE LINGüíSTICA ECOMUNICAÇÃO JURÍDICA

Em remate, bom é explicar o processo comunicativo jurídico, tendo em vistaconceitos lingüísticos básicos.

Veja-se:

A ação criminosa de Pedro é tão-somente suposição apoiada em meros indíciosque não têm força condenatória.

Embora o estatuto do pensamento jurídico não seja a Lógica Formal, nãopode prescindir das regras do silogismo lógico. As partes processuais organizamsuas opiniões com representação simbólica que possa ser aplicada ao mundo real,demonstrando a possibilidade de correspondência entre motivo e resultado.

A "realidade" do raciocínio lógico não pode ser afirmada com certeza absolutanem mesmo se presente estiver a rainha das provas: a confissão (confessio est regi-naprobationum), porque alguém pode ter o animus necandi (intenção de matar),atirar contra o alvo pretendido e o resultado morte pode não ser conseqüênciadireta de sua conduta dolosa, exigindo-se prova argumentativa da existência donexo causal ação/resultado.

O ato comunicativo jurídico, conclui-se, exige a construção de um discursoque possa convencer o julgador da veracidade do "real" que pretende provar. Emrazão disso, a linguagem jurídica vale-se dos princípios da lógica clássica paraorganização do pensamento.

O mundo jurídico prestigia o vocabulário especializado, para que o excessode palavras plurissignificativas não dificulte a representação simbólica da lingua-gem.

O discurso jurídico constrói uma linguagem própria que, no dizer de MiguelReale (1985, p. 8), é uma linguagem científica.

...•.

direçãosema-siológica

R(receptor)

~• possui a }expressão

• busca opensamento

M(mensagem).

direçãoonoma-siológica

~E

(emissor)

~• possui o }pensamento

• busca aexpressão

o ato comunicativo ocorre quando há cooperação entre os interlocutores. Oemissor possui o pensamento e busca a expressão verbal para fazê-lo conhecidono mundo sensível (direção onomasiológica); o receptor possui a expressão verbale caminha em direção ao pensamento, com o propósito de compreender a men-sagem (direção semasiológica).

A linguagem representa o pensamento e funciona como instrumento mediadordas relações sociais. As variações socioculturais contribuem para diversificações dalinguagem, só não sendo mais graves as dificuldades em razão do esforço socialde uma linguagem comum, controlada por normas lingüísticas.

No mundo jurídico, o ato comunicativo não pode enfrentar à solta o problemada diversidade lingüística de seus usuários, porque o Direito é uma ciência quedisciplina a conduta das pessoas, portanto, o comportamento exterior e objetivo,e o faz por meio de uma linguagem prescritiva e descritiva.

Assim, quando os interesses se mostram conflitantes ou uma ação humanafere os valores da norma jurídica, exigindo reparação dos mesmos, forma-se a lide(litem > lite > lide = conflito), criando um novo centramento na relação entreos interlocutores processuais: a polêmica. No confronto de posições, a linguagemtorna-se mais persuasiva por perseguir o convencimento do julgador que, por suavez, resguarda-se da reforma de sua decisão, explicando, na motivação da sentença,os mecanismos racionais pelos quais decide.

O ato comunicativo jurídico não se faz, pois, apenas como linguagem enquantolíngua (conjunto de propabilidades lingüísticas postas à disposição do usuário),mas também, e essencialmente, como discurso, assim entendido o pensamentoorganizado à luz das operações do raciocínio, muitas vezes com estruturas prees-tabelecidas, e. g., as peças processuais.

O ato comunicativo jurídico não é, porém, Lógica Formal, como pode suporuma conclusão apressada.

Exemplifique-se pelo silogismo non sequitur:

28 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

1.6 O ATO COMUNICATIVOJURÍDICO

C. Linguagem popular. É a linguagem corrente, sem preocupação comregras gramaticais de flexão, carregada de gírias e de falares regionais.

Todo criminoso ronda a loja a ser assaltada, antes do crime.Pedro é criminoso e rondou a loja X, que foi assaltada.Logo, Pedro assaltou a loja X.

É claro que, como, aliás, o próprio CÍCero disse, nenhum jurista vai usar emcasa a mesma linguagem usada no Fórum.

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Comunicação Jurídica 31

~

relaçõesparadigmáticas(idéias livres - plano verticalde aprofundamento ideológico)

relações sintagmáticas(seleção e escolha das idéias, de acordo com

roteiro onomasiológico que serãoestruturadas sintática e estilisticamente)

• recte:--r-reta

• bene:--r-boa

• pylchre:

bonita

Lo

As idéias serão selecionadas de acordo com o interesse do receptor, e. g.,professor de Direito Penal.

A proposta temática indica a finalidade textual, e. g., discutir a antecipação,ou não, da maioridade penal.

Deve, ainda, o redator empregar a língua culta, indispensável ao discursoescrito dissertativo-argumentativo.

Diante desse roteiro, o emissor busca a expressão, discurso sintaticamenteorganizado.

Ao roteiro onomasiológico cumpre organizar as idéias, selecionando e estrutu-rando aquelas adequadas ao seu pensamento. Este processo de escolha das idéiase da forma de estruturá-las denomina-se relações sintagmáticas.

Assim, o esquema comunicativo tem posição vertical e posição horizontal.

Veja-se:

Nas relações sintagmáticas, há um plano lógico de organização, de acordocom ~s atributos da linguagem:

na primeira etapa do roteiro onomasiológico escolhem-seidéias lógicas e adequadamente inter-relacionadas à propostatemática.

em seguida, verifica-se, a construção frásica que deve estarsintaticamente correta.

a frase deve ser revestida de recursos estilísticos que a tornammais atraente e persuasiva.

30 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

1.7.1 Quanto ao emissor

a) Quem sou eu, emissor? Dependendo do papel social, a codificação devedirecionar a mensagem e selecionar o vocabulário, e. g., a linguagem doPromotor de Justiça é diferente da utilizada pelo advogado de defesa.

b) O que dizer? Estabelecer com concisão, precisão e objetividade as idéiasa serem codificadas, é imprescindível no discurso jurídico.

c) Para quem? Não perder de vista a figura do receptor é fundamental. Seriaimpertinente ao advogado explicar, pormenorizadamente, um conceitosimplista de direito, em sua petição dirigida ao Juiz, como se lhe fossepossível "ensinar o padre-nosso ao vigário".

d) Qual afinalidade? O emissor nunca pode perder de vista o objetivo co-municativo, pois, dependendo de seu desiderato, irá escolher idéias epalavras para expressá-las.

e) Qual o meio? Quando o profissional de Direito peticiona, empregandoa língua escrita, deve cuidar esmeradamente da língua-padrão, organi-zando com precisão lógica seu raciocínio, com postura diferente daquelautilizada perante um Tribunal do Júri, ocasião em que a linguagem afetivahá de colorir e enfatizar a argumentação.

Antes de possuir o pensamento, o emissor deve realizar relações paradig-máticas, ou seja, associação livre de idéias (idéia-puxa-idéia), incluindo oposições,pois ninguém possui alguma coisa sem antes adquiri-la.

Diante de um assunto, o emissor deve pensar livremente, com idéias soltas.Quanto maior for o vigor e a elasticidade dessa ginástica mental, mais idéias serãopensadas.

Possuindo o pensamento, ainda que desorganizado, o emissor busca a ex-pressão, por meio de rigoroso roteiro onomasiológico (nome dado à atividade decodificação da mensagem) compreendendo as seguintes perguntas:

Imagine-se que um estudante de Direito tenha que elaborar redação sobre omenor abandonado.

Em primeiro lugar, deverá pensar livremente sobre o assunto, cogitando sobretodas as idéias associativas.

Depois, deverá retirar delas as idéias que possam expressar seu plano reda-cionaI de acordo com o roteiro onomasiológico.

Assim, não pode ignorar que, sendo estudante de Direito, deve ter preocupaçãocom enfoque jurídico.

Também, deve fixar a idéia central que pretende trabalhar, e. g., a delinqüênciainfanto-juvenil.

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32 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

1.7.2 Quanto ao receptor (destinatário do discurso)

A direção semasiológica requer, também, um roteiro para, da expressão, che-gar-se ao pensamento do emissor, julgá-lo e avaliá-lo.

O receptor parte das relações sintagmáticas em direção às relações paradig-máticas, em tríplice dimensão, de acordo com as operações do racioCÍnio.

a) alter > outro (compreensão): é a primeira operação do racioCÍnio.

O emissor deve captar literalmente a mensagem do emissor com análise gra-matical do enunciado.

b) ego> eu (interpretação strieto sensu): é a segunda operação do racioCÍ-nio.

O receptor, depois de recepcionada e compreendida a mensagem do emissor,deve julgá-la, com seu posicionamento ou com o auxílio de julgamentos de outrosemissores, ou, ainda, por meio das duas atividades.

No mundo jurídico, por muito tempo considerou-se que o receptor deveriater o alter (outro) como atividade única e exclusiva da direção semasiológica,conforme o brocardo in claris cessat interpretatio.

Sendo clara a mensagem, bastaria compreendê-la passando-se para outrasoperações do racioCÍnio apenas se nebuloso ou incompleto, lógica e sintaticamente,for o pensamento do emissor.

Prevalece hoje o entendimento hermenêutico de que a claridade é requisitoessencial do ato comunicativo do emissor, que não completa a atividade do re-ceptor, devendo este último, depois de compreender, julgar e avaliar a mensagemdo emissor.

c) alter/ego > outro/eu (crítica): é a operação do racioCÍnio da crítica.

Não significa, como se diz vulgarmente, ser a crítica encontrar defeitos namensagem do emissor.

Criticar é avaliar a validade/eficácia da idéia no mundo concreto, ava-liando sua aplicabilidade e efeitos = dimensão pragmática da hermenêutica.

Assim, ninguém interpreta, sem antes compreender. Pode haver a interpreta-ção pura, mas não a crítica pura, pois criticar pressupõe ter antes interpretado amensagem, existindo, porém, a interpretação crítica, na qual as duas operações doracioCÍnio são realizadas concomitantemente, na forma, mas com anterioridadeinterpretativa na formulação do pensamento.

Veja-se exemplo extraído do Código Civil de 2002:

Comunicação Jurídica 33

'~t. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da ne-cessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pelaoutra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante,o juiz decidirá segundo as circunstâncias."

1. Compreensão

o dispositivo legal descreve o estado de perigo como necessidade incontro-lável de alguém salvar-se ou à pessoa de sua família, de grave dano, assumindoobrigação excessivamente onerosa. Essa necessidade, para o legislador, deve serconhecida pela outra parte.

No parágrafo único, a regra legiferante admite que a pessoa a ser salva nãopertença à família do declarante, cabendo ao juiz analisar essa validade pela aná-lise das circunstâncias negociais.

Observe-se que se extraíram do dispositivo legal suas idéias, no sentido literal,com neutralidade interpretativa, sem a opinião ou julgamento do receptor, tarefade compreender a mensagem.

2. Interpretação

Na interpretação stricto sensu, o receptor irá posicionar-se diante do textolegal, ou comentá-lo, valendo-se, inclusive, de outros autores.

Veja-se exemplo dessa operação do racioCÍnio:

Cuida-se de nova modalidade de defeito de negócio jurídico, com vício davontade.

O estado de perigo avizinha-se, para muitos juristas, do estado de necessidadeprevisto na esfera criminal, mas com ele não se confunde.

No estado de necessidade, premida pelo desejo de salvar-se, a pessoa acabapor tirar de outrem a mesma possibilidade. É o caso clássico do alpinista que cortao equipamento do companheiro, por considerar que o peso dos dois provocaráinevitável avalanche. In casu, provada a necessidade extrema, não há delito.

Na esfera CÍvel, tem de existir um negócio entre duas ou mais pessoas, mascontrato ajustado por premente necessidade de uma das partes de salvar-se,ou a pessoa de sua família, de grave dano, sendo essa circunstância conhecidada outra parte. Além disso, há um elemento caracterizador imprescindível: serexcessivamente oneroso para a parte que se encontra em perigo, significando,então, dolo de aproveitamento de quem, conhecedor da situação, dela quer obterenriquecimento indevido.

Para muitos juristas, antes do advento do Código Civil de 2002, a situaçãopoderia ser, ainda, interpretada como um tipo sui generis de coação, pois, não

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-

34 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

havendo conduta da outra parte para estabelecer situação que obrigue alguéma realizar um negócio, é o próprio fato que propicia esse querer defeituoso, co-locando uma pessoa à mercê do aproveitamento negociaI de outra, quase comouma coação fática irresistível.

A questão, portanto, é saber se o negócio é invalidado, tendo em vista que obeneficiado não colabora para o surgimento do estado de perigo, aproveitando-sedele, no entanto.

Para muitos juristas, a anulação é instrumento punitivo do dolo de aproveita-mento, coibindo essa prática. Para outros, porém, a mera anulação do negócio ésolução injusta, pois proporciona vantagem sem ônus para quem se encontrava emestado de perigo, entendendo, assim, que mais justo é reduzir o valor obrigacionalpara limites adequados ao serviço prestado.

Colhendo-se exemplos aqui e acolá, percebe-se que a interpretação da intençãolegiferante concentra-se nos paradigmas de promessa de recompensa excessivaou prestação exorbitante para pagar serviço por estado de necessidade da con-tratante.

É oportuno ilustrar a situação com o caso de um jovem que recebe notíciasobre o estado desesperador da mãe, com perigo de morte iminente e, sem a dis-ponibilidade de serviço público, ajusta com um particular contrato de locomoçãoda mulher para cidade próxima, com mais recursos médicos, por preço despro-porcional ao praticado pelos motoristas do local, pois o contratado vê na angústiado jovem e no grave estado de saúde da mulher a possibilidade de um negócioaltamente vantajoso.

3. Crítica

Nesse passo, o intérprete deve questionar a aplicabilidade da norma na reali-dade jurídica, tecendo comentários sobre o valor tutelado e a dimensão pragmáticada norma jurídica.

Veja-se exemplo:

A solução reclamada pela doutrina para casos desse dolo de aproveitamento,ou de quase coação provocada pelo fato jurídico, é, para muitos, merecedorade elogios por superar a lacuna axiológica da lei, prevendo a situação antes nãoconceituada em lei.

No entanto, expressiva parcela da doutrina questiona a anulabilidade do ne-gócio, considerando ser a redução do preço a melhor solução jurídica.

No entanto, talvez a discussão interpretativa devesse avaliar, ainda, a extensãosemântica da expressão salvar-se de grave dano, tendo em vista a configuraçãocontextual da realidade.

Comunicação Jurídica 35

Considerando que a interpretação da norma, consoante o Código Civil de2002, nos artigos 112 e 422, deve observar o princípio da boa-fé negociaI e a fun-ção social das relações contratuais, deve a doutrina e a jurisprudência atentarempara a necessária ampliação do sentido de salvar-se, não se limitando ao camposemântico que, estreitamente, norteia a norma, mas a outras situações que carecemde dispositivo legal específico.

Por isso, salvar-se pode ser entendido não apenas no sentido de assegurar aprópria vida, ou de familiares e, ainda de terceiros, ou a integridade física dessasmesmas pessoas, mas também pode alcançar o sentido de escapar de grave situaçãofinanceira, salvar-se da insolvência.

É o caso de quem, premido por graves dificuldades financeiras, precisandosalvar-se das conseqüências funestas que se mostram inevitáveis, aliena um bemvalioso por preço vil, pois a outra parte, conhecedora de sua situação financeira,quer aproveitar-se do estado de perigo econômico do outro. Em situação asseme-lhada, já se tem normatizado a usura praticada por inescrupulosos aproveitadoresda dificuldade alheia.

Não faltam juristas que refutam o alargamento da expressão salvar-se para operigo econômico, postulando que o valor econômico é caracterizador da lesão.

No entanto, muitos desses juristas ampliam o campo semântico de salvar-se,como iminência de sofrer dano físico, para aceitarem, também, o dano moral.

Nesse modelo, fácil é perceber que a crítica pode avançar nas interpretaçõesjá cristalizadas, argüindo novas teses que, aceitas ou não, são objetos de reflexões,dando à doutrina e à jurisprudência a dinâmica hermenêutica.

1.7.3 Estrutura do discurso comunicativo

Conforme foi visto, tanto na direção onomasiológica quanto na semasiológicaexistem relações paradigmáticas e sintagmáticas.

O emissor realiza as relações paradigmáticas, em primeiro plano, e, a seguir,estabelece relações sintagmáticas.

O receptor, por sua vez, parte das relações sintagmáticas para alcançar asrelações paradigmáticas do emissor.

As relações paradigmáticas formam a' estrutura de profundidade do texto(camada semântica que indica a intenção/extensão da idéia).

As relações sintagmáticas formam a estrutura de superfície do texto (relaçõessintáticas que asseguram a eficácia semântica, traduzindo exatamente a idéia quese pretende transmitir).

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36 Curso de Português Jurídico • Darnião/Henriqucs

1.8 EXERCíCIOS

1. Cotejar os textos técnicos abaixo, considerando:

a) diferenças entre jargões: posturas do sociolingüista e do jurista diante dotema Linguagem e Comunicação.

b) semelhanças dos autores no emprego de normas da língua culta: colocaçãopronominal e uso da vírgula.

TEXTO 1

A Linguagem do Legislador e a Linguagem do Jurista

Paulode BarrosCarvalho

"Dentrode uma acepção ampla do vocábulo 'legislador' havemos de inserir as mani-festaçõessingulares e plurais emanadas do Poder Judiciário, ao exarar suas sentenças eacórdãos, veículos introdutórios de normas individuais e concretas no sistema do direitopositivo. O termo abriga também, na sua amplitude semântica, os atos administrativosexpedidos pelos funcionários do Poder Executivo e até praticados por particulares, aorealizarem as figuras tipificadas na ordenação jurídica. Pois bem, a crítica acima adscritanão se aplica,obviamente,às regras produzidas por órgãos cujos titulares sejam portadoresde formaçãotécnica especializada, como é o caso, por excelência, dos membros do PoderJudiciário. Se atinarmos, porém, à organização hierárquica das regras dentro do sistema,e à importância de que se revestem as normas gerais e abstratas, como fundamento devalidade sintática e semântica das individuais e concretas, podemos certamente concluirque a mencionada heterogeneidade de nossos Parlamentos influi, sobremaneira, na de-sarrumação compositivados textos do direito posto.

Se,de um lado, cabe deplorar produção legislativa tão desordenada, por outro sobres-sai, com enorme intensidade, a relevância do labor científico do jurista, que surge nessemomento como a única pessoa credenciada a desvelar o conteúdo, sentido e alcance damatéria legislada.

Mas,enquanto é lícito afirmar-se que o legislador se exprime numa linguagem livre,natural, pontilhada, aqui e ali, de símbolostécnicos,omesmojá não se passa como discursodo cientista do Direito. Sua linguagem, sobre ser técnica, é científica, na medida em queas proposições descritivas que emite vêm carregadas da harmonia dos sistemas presidi-dos pela lógica clássica, com as unidades do conjunto arrumadas e escalonadas segundocritérios que observam, estritamente, os princípios da identidade, da não-contradição edo meio excluído, que são três imposições formais do pensamento no que conceme àsproposiçõesapofânticas."

(Curso de Direito Tributário)

rComunicação Jurídica 3 7

TEXTO 2A Sociolingüística e o fenômeno da diversidade na língua de um gruposocial

Dino Preti"Afreqüência com que certos fatores se repetem nas classificações dos estudiosos pode

levar-nos à conclusão de que o trabalho de levantamento das influências que pesam sobreas variações de linguagem dentro de uma determinada comunidade, seria relativamentefácil e preciso. Averdade, porém, é outra:

Mesmo no interior de um grupo para alguns homogêneo, pode-se dizer que não hádois sujeitos que se exprimem exatamente da mesma maneira; é manifesto ao nível doLéxico, é igualmente notável no plano da Fonologia. Assim, encontram-se pessoas quefazem a oposição e aberto/fechado em final, parisienses da mesma idade e da mesmacategoria social.

Por isso, Jespersen diz que a fala do indivíduo, considerado isoladamente dentro dogrupo, não é sempre a mesma. Seu tom na conversação e, com ele, a escolha de palavrasmuda segundo a camada social em que se encontra no momento. A isto se acrescente que alinguagem toma diferente colorido segundo o tema da conversação: há um estilo para a de-claração de amor, outro para a declaração oficial, outro para a negativa ou reprimenda.

Devemos observar, em função das teorias aqui expostas, que há, apesar de tudo,uma relatividade nessa tentativa de identificação entre indivíduo e língua. Nem sempre épossível dizer-se com precisão que um indivíduo de determinada região, cultura, posiçãosocial, raça, idade, sexo etc., escolheria estruturas e formas que pudéssemos de antemãoprever. Como também nem sempre é possível estabelecer padrões de linguagem indivi-dual, de acordo com uma variedade muito grande de situações que pudessem servir deponto de referência para uma classificaçãomais perfeita dos níveis de fala."

(PRETI, 1987, p. 11-13)

2. Realize esquema de roteiro onomasiológico, explicando, de forma objetiva,cada uma das fases.Sugestão: o emissor é estudante de Direito que participa de um debate sobre osefeitos da globalização no conceito de vida familiar, sendo o público formadopor estudantes de Direito, Jornalismo, Pedagogia e Psicologia.Nota: Por indicação do professor, a situação pode ser alterada ou acrescida

por outras.3. Escolha um artigo do Código Civil (Direito de Família ou dos artigos em estudo

na disciplina Direito Civil) ou do Estatuto da Criança e do Adolescente e realizea tríplice dimensão semasiológica.Nota: Devem ser escolhidos artigos de matéria já estudada, ou de assuntos que

não requerem conceitos teóricos mais exigentes e que sejam acessíveisaos iniciantes do curso jurídico.

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"O léxico de uma língua é o conjunto das palavras dessa língua: é o seu voca-bulário, o seu dicionário."

Os gramáticos costumam não estabelecer diferenças entre as palavras léxico,vocabulário e dicionário, conforme se verifica no ensinamento de Sousa da Silveira,em Lições de português (1972, p. 21):

Para os lingüistas, porém, há diferenças semânticas entre os vocábulos - aliás,vale a afirmação de que inexiste a sinonímia perfeita.

Léxico reserva-se à língua como um conjunto sistêmico posto ao usuário;é um inventário aberto, com número infinito de palavras, podendo ser sempreacrescido e enriquecido não só pelo surgimento de novos vocábulos, mas tambémpor mudanças de sentidos dos já existentes na língua.

Esse conjunto de palavras pode ser organizado, por ordem alfabética, indican-do nos verbetes o significado. Dá-se a ele o nome de dicionário: é o elementoconcreto da língua e possui grande mobilidade, apesar de não registrar ele todasas possibilidades lexicais. .

Vocabulário, por sua vez, é o uso do falante, é a seleção e o emprego depalavras pertencentes ao léxico para realizar a comunicação humana.

Explica-se: João é brasileiro, natural do Rio Grande do Sul, advogado. José étambém brasileiro, natural do Rio Grande do Norte, médico. Ambos partilham o

VOCABULÁRIO

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2.1 LÉXICO E VOCABULÁRIO

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42 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

mesmo léxico português (língua), mas cada qual possui seu vocabulário próprio,um repertório fechado, sujeito a uma série de indicadores socioculturais.

Sendo o vocabulário expressão da personalidade do homem e de seus conhe-cimentos lingüísticos, é de capital importância, ao usuário de uma língua, o enri-quecimento continuado de seu inventário vocabular, facilitando, assim, sua tarefacomunicativa, principalmente redacional, por ampliar o leque para a escolha dapalavra mais adequada. Para tanto, a consulta freqüente a dicionários e a leiturade autores renomados são atividades imprescindíveis para a riqueza vocabular e,por conseqüência, à produção e compreensão das imagens verbais.

Citem-se alguns dicionários, muito úteis a quem milita na área jurídica: deDireito (Plácido e Silva e Pedro Nunes); de definições (Caldas-Aulete, LaudelinoFreire, Aurélio); de etimologia (Antenor Nascentes, José Pedro Machado); desinônimos e antônimos (Francisco Fernandes, Antenor Nascentes); de Filosofia(André Lalande, Régis Jolivet); de Lingüística (Dubois, Zélio dos Santos Jota) eDicionário Analógico da Língua Portuguesa (Francisco dos Santos Azevedo), alémdos dicionários especializados do vocabulário jurídico.

2.2 O SENTIDO DAS PALAVRAS:DENOTAÇÃO ECONOTAÇÃO

Ao se pesquisar o sentido da palavra denotação, encontra-se o conceito realistade significado: é a representação de objeto ou pensamento por meio de um sinalconcreto.

Quando alguém diz que sua casa está situada no centro comercial do bairro,tem-se, nesta comunicação, uma frase denotativa e o sentido encontrado nos dicio-nários aponta uma família ideológica ampla - "morada", "residência", "habitação","domicílio", que, alerte-se, possui distinções semânticas no vocabulário jurídico.

Todavia, quando uma pessoa diz: Esta escola é minha casa, tem-se a palavracasa em sentido conotativo. A similaridade é um dos processos para obter-se osentido conotativo - de valor afetivo. Escola/casa aproxima os grupos primáriosque se incumbem da Educação. A contigüidade é outro processo, designando otodo pela parte, e. g.: Maria tem bom coração. A palavra coração representa oconjunto de elementos caracterizadores da personalidade de Maria. Este processoé metonímico; o outro, metafórico.

É o caráter polissêmico (uma palavra possuir vários significados) da línguaque amplia a definição de um vocábulo; na ausência de uma relação direta pa-lavra/coisa, vai-se alargando o valor semântico dos signos, tomando-se eles umfeixe de significados.

Amostra:

Vocabulário 43

"Com minhas frágeise frias mãoscavei um poçono fundo do hortoda solidão"

(Henriqueta Lisboa)

A leitura dos versos deixa claro ao leitor que a significação nominal poço foideslocada de uma representação simbólica para outra. Naturalmente, é possíveltal ocorrência em razão de o conteúdo formal de determinada palavra apresentaranalogia com o conteúdo da nova intencionalidade. A palavra poço, no contexto,apresenta-se como idéia de vazio, do escuro, sem nenhuma caracterização real.

Quando se diz: Maria acordou para a vida, evidentemente, não se pretendedizer que ela despertou do sono fisiológico.

Manuel Bandeira, evocando os parentes mortos (Evocação do Recife), diz:

"- Estão todos dormindoEstão todos deitadosDormindoProfundamente. "

Na linguagem popular, dormir é morrer a prestações. Camões (Lusíadas X, 9)nos fala do rio do "eterno sono", lembrando-se do perpetuus sopor de Horácio.

Outros exemplos mostram que a palavra não é monossêmica, vale lembrar,não possui apenas um sentido.

Vejam-se os casos abaixo, em que o sentido denotativo (cognitivo) e conotativo(figurado) revestem um mesmo significante:

1. Vamos dançar a quadrilha?A polícia prendeu o chefe da quadrilha.

2. Costumo lavar minhas roupas.É praxe lavar o dinheiro do narcotráfico.Consegui lavar a barra no tribunal.

Os dois sentidos podem ocorrer, ao mesmo tempo, como se vê no exemplode Millôr Fernandes (Isto É/Senhor, 14-3-92): "Se a separação é legal se chamadivórcio, todos sabem. Mas, uma coisa: a outra, que não se chama divórcio e nãoestá na lei, é muito mais legal."

Agora, um exemplo de Alencar:

"Continuaram a caminhar e com eles caminhava a noite."

O que determina a gama de variação do significado é a carga emocional: apalavra vai assumindo vários sentidos dentro de uma perspectiva paradigmática demodo que um significante pode remeter o leitor a um significado 1, e a outro, que

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44 Curso de Ponuguês Jurídico • Damião/Henriques

poderia chamar de significado 2, sendo possível uma numeração maior, à medidaque os contextos vão indicando novas dimensões significativas às palavras.

A par disso, a mesma palavra, e. g., morte, tem significado diferente para omédico, para o jurista ou para o poeta. E para cada indivíduo das classes sociaisaqui enunciadas haverá, também, variações de valores semânticos, conforme aassociação de idéias manifestar-se nas vivências e experiências particulares.

É a mesma carga emocional que produz, em um contexto lingüístico, pala-vras simpáticas/antipáticas, solenes/vulgares, enfim, a direção psicológica em-presta dimensão conotativa aos vocábulos e, ainda, estabelece relação de valorpositivo ou negativo entre homem/palavra, resultando, disso, a diversidade voca-bula r de uma língua.

Tome-se, como exemplo, a palavra madrasta. Além do sentido denotativo,faz-se ela acompanhar de uma carga semântica pejorativa. A vida, chama-a demadrasta Manuel Bandeira no poema "Canção para minha morte":

"Sei que é grande maçadaMorrer, mas morrerei- Quando fores servida -Sem maiores saudadesDesta madrasta vida,Que todavia amei..."

Com o fluir do tempo, reabilitam-se algumas palavras. É o caso de amante;aparece o termo em sentido próprio - que ama - no romance Senhora de José deAlencar; também no Misantropo de Moliere e em Camões, no episódio de Inês deCastro, sem qualquer conotação carnal.

Paulatinamente, associou-se a amores ilícitos (a amante era a segunda, a filial);já agora tende a readquirir foros de legitimidade, apesar de a palavra concubinaassumir o papel de uma companheira de vida conjugal de fato, mais do que ovocábulo amante, talvez pela ação depreciativa que o tempo lhe marcou.

Outras palavras sofreram desgaste e envilecimento em seu sentido. AlexandreHerculano usa, normalmente, a palavra mancebo que se degradou, pelo menos nosderivados mancebia e amancebar, correntes na área jurídica. Camões usa esquisitos(Os Lusíadas, VI, 737) no sentido latino de delicados, esquecido em português emantido, v. g., no francês (exquis) e no inglês (exquisite). Gil Vicente e o PadreVieira empregam o verbo parir em relação à mãe de Deus. Carolina Michaelis deVasconcelos cita (s. d., p. 281) uma cantiga popular arcaica:

"Quem é a desposada?- A Virgem sagrada.Quem é a que paria?- A Virgem Maria."

fi

Vocabulário 45

Cortesã era apenas a dama da corte, a que assistia na corte; assumiu, depois osentido de prostituta como no filme de Misoguchi: Oharu, a vida de uma cortesã.

O termo latino tempestas passou por vários significados sucessivamente:"momento do dia", "estado atmosférico" (tempo bom ou não) para se fixar em"tempo borrascoso", tempestade. Na área jurídica, mantém-se o sentido primiti-vo nas formas "tempestivo" (em tempo devido, oportuno, adequado) e "intem-pestivo" (em tempo não devido, oportuno, adequado).

2.3 O SENTIDO DAS PALAVRASNA LINGUAGEMJURÍDICA

A clareza das idéias está intimamente relacionada com a clareza e precisãodas palavras consoante assevera Othon Garcia (1975, p. 135). No Direito, é aindamais importante o sentido das palavras porque qualquer sistema jurídico, paraatingir plenamente seus fins, deve cuidar do valor nocional do vocabulário técnicoe estabelecer relações semântico-sintáticas harmônicas e seguras na organizaçãodo pensamento.

Três são os tipos de vocabulário jurídico: unívocos, equívocos e análogos.

Unívocos: são os que contêm um só sentido. A codificação vale-se deles paradescrever delitos e assegurar direitos, e. g.: furto (art. 155, CP - subtrair, para siou para outrem, coisa alheia móvel); roubo (art. 157, CP - subtrair, para si oupara outrem, coisa móvel alheia mediante grave ameaça ou violência, depois dereduzir a resistência da pessoa); mútuo (art. 586, CC - empréstimo oneroso decoisas fungíveis); comodato (art. 579, CC - empréstimo gratuito de coisas nãofungíveis) .

São unívocas, ainda, palavras pertencentes ao jargão do profissional do Direi-to, e. g.: ab-rogar (revogar totalmente uma lei); derrogar (revogar parcialme'nteuma lei); ob-rogar (contrapor uma lei a outra); repristinar (revogar uma lei re-vogadora).

Bom de lembrar que a repristinação não é automática, pois não se restaura porter a lei revogadora perdido a vigência nos termos do art. 2º, ~ 3º, da LICC.

Pode-se dizer, assim, que a univocidade representa os termos técnicos dovocabulário especializado.

Equívocos: são os vocábulos plurissignificantes, possuindo mais de um sen-tido e sendo identificados no contexto.

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d) cessão: ato de cedersessão: reuniãoseção: repartição

e) cela: cubículo, prisãosela: arreio

f) estático: firme, imóvelextático: admirado, pasmado

g) laço: nólasso: frouxo, gasto, cansado

h) tacha: pequeno prego, labéu, manchataxa: imposto, tributo, percentagem

2.4 POLISSEMIA E HOMONÍMIA

a) acender: alumiar, pôr fogoascender: subir

b) acento: tom de voz, sinal gráficoassento: lugar de sentar-se

c) caçar: apanhar animais ou avescassar: anular

Vocabulário 47

A polissemia, como se viu, é a multiplicidade significativa de um mesmo signi-ficante, e. g., pena. Casos há, também, em que a polissemia se encontra na palavraencarregada de representar um campo: Câmara por Câmara dos Deputados.

Segundo Dubois (1978, p. 326), "homonímia é a identidade fônica (homo-fonia) ou a identidade gráfica (homografia) de dois morfemas que não têm omesmo sentido, de modo geral" .

Como exemplos de homônimos homófonos, têm-se:

Quando anteriormente foi lembrada a univocidade das palavras furto e roubo,bom é esclarecer, agora, serem elas análogas em relação ao tipo crimes contra opatrimônio.

"Ninguém se apodera da língua e dela faz uso exclusivo", afirma com elo-qüência Ronaldo Caldeira Xavier (1991, p. 12). Se a assertiva é verdadeira, tambémo é o fato de a precisão vocabular contribuir para a eficiência do ato comunicativojurídico.

Faz-se mister atentar para o uso correto de tais formas: "consertou (sic) a gra-vata num gesto automático, antes de começar a palestrar sobre ecologia" (Folhade S. Paulo, 10-4-92, p. 4).

r

(dissolução pela vontadedos contraentes)

(dissolução por lesão docontrato)

apreender judicialmente bem em litígio.

privar alguém de sua liberdade delocomoção.

exercer fasCÍniosobre alguém parabenefício próprio .

manter conjunção carnal com mulher vir-gem, menor de dezoito anos e maior de ca-torze, aproveitando-se de sua inexperiênciaou justificável confiança.

<~:~,:~(dissolução de umcontrato, acordo,ato jurídico)

Exemplos:

<DireitoProcessual:Seqüestrar

Direito Penal:

Curso de Ponuguês Jurídico • Damião/Hcnriques

/ Linguagem usual:

seduZir~Direito Penal:

Resolução

46

o profissional do Direito deve empreender bastante esforço semântico aousar as palavras plurissignificativas. Para tanto, não deve empregar acepções quenão pertençam ao jargão jurídico, ou, se o forem, mas tiverem natureza equívoca,devem ser acompanhadas de especificadores que resguardem o sentido preten-dido .

Análogos: são os que, não possuindo étimo comum, pertencem a uma mes-ma família ideológica, sendo sinônimos, apesar de distinções semânticas porquea sinonímia perfeita inexiste.

Exemplos:

••••••••••••••ieI ••••••••••••• • A V~ja-se que palavras análogas são comumente conhecidas como palavras

Slnonlmas.

• Todavia, as palavras não têm exatamente o mesmo sentido, podendo ser agru-• padas por um ponto em comum, mantendo suas significações específicas.

• No exemplo citado, o vocábulo resolução é ponto comum (gênero) das palavrasresilição e rescisão.

• No entanto, resolução é palavra equívoca, com diversos significados, enquantoI. resilição e rescisão são palavras unÍvocas.

• I• &

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Vocabulário 49

exemplos de homonímia, provenientes de duas ou mais palavras lati-nas:

O réu foi conduzido sob vara.O juiz da 5ª Vara Criminal é severo.Esta vara é pesada.Comprei uma vara de porcos.

Casos há em que pode ocorrer a ambigüidade como no exemplo: foi assassi-nado no banco. Nas páginas humorísticas provoca-se ambigüidade: "O criminosonão deixou boa impressão no local do crime."

São extremamente polissêmicas palavras como cabeça, olho, linha etc.; otermo latino res-rei (da quinta declinação) pode, segundo o contexto, significar:coisa, feito, negócio, assunto, questão, demanda, império, governo, ofício, parte,herança, patrimônio, modo, ocasião, fazenda, riqueza, Utilidade, interesse etc.

2. Divergência semântica: dois ou mais significados da mesma palavra se-param-se de forma tal, que acaba por ocorrer plena ruptura entre eles,e. g.:a) escudo (arma defensiva)b) escudo (moeda)Difícil se torna precisar, nestes casos, a homonímia, diferenciando-a dapolissemia. Os registros ocorrem em razão de os estudiosos da línguaacompanharem a história das palavras. Mesmo assim, muitas decisõessão arbitrárias.

3. Influência estrangeira: os empréstimos, ao se adaptarem ao sistema fo-nético da língua, para serem incorporados, acabam por coincidir compalavras já existentes, e. g., manga (parte do vestuário), do latim manica(séc. XIII) e manga (fruta) do malaio (séc. XVI). Na opinião de Coutinho(1974, p. 209), os homônimos provenientes de línguas diferentes tambémsão considerados convergentes.

No tocante à polissemia descarta-se, em geral, a possibilidade de problemas decompreensão ou ambigüidades pelo contexto; é o que se percebe nos exemplos:

O juiz mandou relaxar a prisão.O guarda não pode relaxar a vigilância.Convém relaxar o corpo ao dormir.Não se deve relaxar a consciência.

~

~ sagrado: S. Pedrosão ~ sadio: homem são

são: eles são

sanctu~sanu --------~sunt

rf

"Concertou o chapéu na cabeça." (M. de Assis)

A homófona conserto = reparo, enquanto concerto significa acordo, espetáculo,arrumação.

Exemplos de homônimos homógrafos:

1. Assentara) O réu assentou na ponta da cadeira.b) "a respeito desse conhecimento presumido assentou ajurisprudên-

cia a seguinte orientação ..." (W de Barros Monteiro)c) José assentou praça.d) Ele assentou a cabeça.e) O exército assentou acampamento em Itatiba.

2. Decadênciaa) Escreveu-se um livro sobre a decadência de Roma.b) No caso, não houve decadência da queixa.c) A partir de certa idade, começa a decadência da vida.

3. Diligênciaa) Realizou-se diligência para a elucidação do crime.b) O aluno estuda Direito Penal com diligência.c) O filme de John Ford "No tempo das diligências" é ótimo.

Além desses casos de homonímia total, pode ocorrer homonímia parcial,v. g.:

Ulmann indica três fontes para a homonímia:

1. Convergência fonética: duas ou mais palavras, por meio de mudançasfonéticas, coincidem no significante. Na língua portuguesa, ricos são os

48 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

a. Olho o gato com olho carinhoso.b. Começo o livro no começo da minha vida.c. A estrela francesa estrela este filme.

Poderá perguntar-se o leitor: em que polissem ia e homonímia se diferem?Na verdade, em ambos os fenômenos lingüísticQs há um significante para váriossignificados. Na polissem ia, o emissor alarga as acepções de uma única palavra,enquanto na homonímia, ele distingue várias palavras, e. g.:

vão = substantivovão = adjetivovão = verbo

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50 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

A polissemia é corrente na linguagem jurídica; vale citar, a propósito, Wa-shington de Barros Monteiro (Direito das obrigações, 1976, p. 4): "Muitos são,portanto, suas acepções utilizando-se o legislador ora de uma ora de outra; aliás,na linguagem jurídica, tornam-se freqüentes essas polissemias."

O já citado Ulmann (s. d., p. 331-346) analisa as cinco principais fontes dapolissemia:

1. Mudanças de aplicação

Ocorrem no contexto. Quando se diz que um rapaz é um gato desloca-se osentido do animal, aplicando na pessoa humana alguns atributos do felino.

2. Especialização em determinado meio social

A palavra pode mudar o sentido de acordo com o meio em que é produzido.Veja-se a palavra ação: ação militar, ação comunitária, ação judicial etc.

A especialização pode ocorrer em um mesmo meio, e. g.: ação judicial penal,ação judicial trabalhista.

3. Linguagem figurada

O caráter afetivo empresta novos significados às palavras. Veja o leitor apalavra beijo. Não se ouve falar em "beijo da morte" (máfia), "beijo da fecun-didade", "beijo cálido", "beijo frio"? É uma constante em Olavo Bilac a expressão"beijos do sol".

4. Homônimos reinterpretados

São casos de desvio semântico entendido pelos autores como polissemia porassumirem as palavras relações psicológicas diferentes.

Egrégio (ex grege): usava-se para designar a ovelha separada do rebanho; hoje,fala-se em Egrégio Tribunal; hospício: passou de hospedaria para hospital e, daí,para hospital de alienados; insolente: excessivo, fora do comum, cristalizou-secomo grosseiro; formidável: que causa medo (do latimformidare) e cujo sentido,hoje, é excelente; escrúpulo: antes, pedrinhas da areia que perturbavam quandoentravam no sapato; hoje, perturbação da consciência.

s. Influência estrangeira

São empréstimos semânticos, acabando por o sentido importado abolir o antigoou conviver com ele, instalando-se a polissemia.

Ulmann (s. d., p. 342) oferece precioso exemplo. O termo francês parle-ment, cujo significado original era "fala", "discurso" (do verbo parler = falar),passou a designar um "tribunal judicial". Por influência do inglês parliament,adquiriu o sentido de "assembléia legislativa". Mais recentemente, dezembro de1992, encontra-se o termo cabendo, ainda, à ação judicativa.

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Vocabulário 51

Com a palavra fortuna (destino, sorte) aconteceu-lhe adquirir o sentido deriqueza por influência do francês (ANDRADE;HENRIQUES, 1992b, p. 37).

2.4.1 Usos da linguagem jurídica: algumas dificuldades

O profissional do Direito, conquanto a ciência jurídica busque a univocidadeem sua terminologia, convive com um sem-número de palavras polissêmicas.

Exemplo clássico é o termo Justiça que tanto exprime a vontade de dar a cadaum o que é seu, quanto significa as regras em lei previstas, e, ainda, o aparelha-mento político-jurídico destinado à aplicação da norma do caso concreto.

O vocábulo Justiça (do latim Justitia) provém de ius, jus que, por sua vez,é oriundo do sânscrito iu, cuja idéia expressava proteção, vínculo ou ordem. NoDireito Romano, o jus não se identificava com a lex (lei), mas estendeu-se ao vo-cábulo direito em português, diritto em italiano, derecho em espanhol, droit emfrancês e recht em alemão, contaminando o sentido da aplicação da lei, porqueela busca o justo, tanto quanto o Direito procura pela Justiça.

Inadequados são, pois, adjetivos comumente empregados nos fechos das peçasprocessuais, e. g., lídima Justiça, porque só ocorre a aplicação da Justiça quandose declaram direitos devidos ao titular e a punição de quem não os respeita, sendoela, desta sorte, sempre legítima.

Outro exemplo de polissemiajurídica é a palavra agravo (do latim aggravare)com acepção de afrontar, ofender. Como corolário deste sentido, cabe desagravoao ofendido, reparando-lhe a injúria feita.

Na linguagem processual, porém, agravar é recurso interposto contra decisãointerlocutória ou mesmo definitiva (neste último caso, quando não se decidiusobre o mérito) que, por sua natureza, exige do agravante ser parte no feito. Odesagravo, na hipótese, indica que o recurso foi provido, com o desfazimento dogravame praticado pelo juiz a quo.

Valem os exemplos:

a) A OAB desagravou o advogado Paulo Bernardes que, ao reclamar doimpedimento a ele imposto de assistir ao Interrogatório do Réu, emcausa patrocinada por um seu colega, recebeu do magistrado ordem deprisão.

b) O réu agravou da decisão denegatória de pedido de acareação de teste-munhas, formulado pela defesa na fase do art. 499 do CPp,em razão dedeclarações contraditórias prejudiciais ao conhecimento da verdade.

A locução latina ex offtcio, quando modifica o substantivo recurso, significa queo juiz, ele próprio, recorre da decisão por força da lei. No entanto, ao especificar

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Vocabulário 53

féria

~ comerciantes

estipêndios

""'-: magistrados

Do I A flordo jardim morreuA flordo jardim 0A flordo jardim 0A flordo jardim 0

honorários

""': advogados

salário

""': assalariados

o direitode usufruto0O direitode usufruto0O direitode usufruto0O direitode usufrutoextinguiu-se

a) Separação judicial consensual ou litigiosa (põe termo aos deveres docasamento); divórcio (põe fim ao próprio casamento). Veja-se, ainda,que na separação judicial consensual há acordo entre as partes, ambasAutoras da Petição Inicial, enquanto na litigiosa existe conflito, havendoAutor (quem propõe a separação) e Réu (em face de quem há a pro-positura da ação).

b) Casa (sentido genérico de habitação); residência (lugar de parada oupermanência); domicl1io (sentido estrito, residência com animus perma-nendi; lugar onde a pessoa responde pelos atos da vida civil).

c.

vencimentos

~ deputados

soldo

~soldados

Verifique o leitor que houve em todos os casos "equivalência de significação"entre palavras. Perceba, no entanto, que não houve "identificação" completa.Isto ocorre porque cada palavra se reveste de feição própria, apresenta um graude afetividade ou expressividade peculiar; ajusta-se desta ou daquela forma adeterminado conjunto, enfim, a palavra g::nha vida própria e assume tonalidadeprópria.

Segundo Almeida Tôrres (1959, p. 35-36), a Rui Barbosa, repugnava-lhe ouso de desvirginamento em lugar de defloramento; este lhe sabia a pudor, aqueleteria conotação de violência. O mesmo pudor levou, por certo, José de Alencar apoetizar a perda da virgindade nos seguintes passos de "Iracema":

Tome-se outra série sinonímica: velho, anoso, antigo, arcaico, remoto; ostermos aplicam-se: velho ---7 homens; anoso ---7 árvores; antigo ---7 objetos;arcaico ---7 termos; remoto ---7 épocas (Andrade e Henriques, 1992b:38).

Observe-se a diferença entre:

Em outra série sinonímica: soldo, féria, vencimentos, honorários e esti-pêndios, os termos aplicar-se-ão:

rI

A chamado círiopascalmorreuA chamado círiopascal0A chamado círiopascal0A chamado círiopascalextinguiu-se

B.

morrer, falecer, expirar, extinguir-se

A. I O mendigomorreuO mendigofaleceuO mendigoexpirouO mendigo0

52 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

o verbo processar, indica ter o juiz agido por interesse da Justiça, sem pedido ouinterposição das partes.

A polissemia pode ser, ainda, morfológica. Em sua acepção adverbial, a expres-são bastante indica intensidade. Aplicada à Procuração, é o vestígio do particípiopresente do verbo bastar (o que basta, o que é necessário). Assim, outorgam-sepoderes bastantes ao procurador, ou seja, os poderes necessários ao cumprimen-to do Mandato. Contaminado, foi, também, o substantivo procurador. Bastantesprocuradores são os que reúnem condições e qualidades para praticar os atosnecessários à validade do Mandato.

A homonímia há de merecer o mesmo exame acurado. Problemático seriaafirmar que houve a sessão de direitos ou que a seção do júri foi iniciada no ho-rário designado.

A conclusão óbvia que se pode tirar dessas observações é que, se o meroconhecimento dos conceitos jurídicos não é suficiente para a expressão do pensa-mento, torna-se imperativo, ao profissional do Direito, estar atento aos verbetesdo dicionário de terminologia jurídica para empregar as palavras de acordo comas idéias do contexto.

2.5 SINONÍMIA E PARONÍMIA

2.5.1 Sinônimos

A busca, no Dicionário de Sinônimos, de uma palavra com o mesmo sentidoatende ao objetivo de eliminar-se a repetição e a conseqüente monotonia. Louve-se o esforço, mas a asserção de que não há sinônimos perfeitos é, hoje, comum.Por isso é que Mario Quintana diz haver apenas dois sinônimos perfeitos: nuncae hoje.

De acordo com a Lingüística moderna, seria sinônimo perfeito aquele per-mutável em todos os contextos. No caso de uma série sinonímica- é possível pro-ceder à substituição de um termo por outro, em determinados contextos. Tal fatopode verificar-se numa série sinonÍmica como:

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54 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

2.5.2 Parônimos

"Se a virgem abandonou ao guerreiro branco afior de seu corpo, ela morrerá" e"Se a virgem de Tupã abandonar ao estrangeiro afior de seu corpo, ela morrerá."

Enfim, um termo com sentido rigorosamente fixado seria um entrave ao jogorico e caprichado do estilo e sufocaria a densa vegetação de significados.

Vocabulário 55

2.5.3 Usos da linguagem jurídica (sinonímia eparonímia)

"Não confundir capitão de fragata com cafetão de gravata" ou "Carolinade Sá Leitão com caçarolinha de assar leitão."

Não se confunda: "Habeas Corpus" e "Habeas Copos", nome de um bar.

As palavras podem ser agrupadas pelo sentido, compondo as chamadas famíliasideológicas. Bom é esclarecer, porém: não há falar-se em sinonímia perfeita. Se écerto inexistir tal possibilidade na linguagem usual, mais ainda o é na linguagemjurídica.

Ilustrando a assertiva, verifiquem-se os empregos dos verbos prolatar, proferir,exarar e pronunciar. Referem-se todos eles à decisão judicial; não representam, noentanto, exatamente a mesma idéia. O verbo prolatar é utilizado em sua acepçãoampla: tanto significa declarar oralmente a sentença, quanto dá-la por escrito.Proferir ajunta-se à idéia da sentença oral, enquanto exarar corresponde a lavrar,consignar por escrito a decisão judicial. O verbo pronunciar, por sua vez, a des-peito de significar, sentido lato, despachar, declarar, decretar a sentença, encontraseu sentido preso ao Direito antigo que o recomenda para a decisão anunciadaem voz alta. Este uso não é seguido com rigor pela linguagem legislativa, semprerepleta de imperfeição semântica, que elege o verbo pronunciar para referir-se aoato de o juiz decidir sobre a interdição de deficientes mentais, ébrios habituais eviciados em tóxicos (art. 1.767, IH, do CC) e sobre os excepcionais sem completodesenvolvimento mental (art. 1.767, IV;do CC), determinando que o juiz estejaassistido por especialistas, mas examinando, ele próprio, a situação do interditando(art. 1.771, CC).

Aliás, considerando ser seu antônimo impronunciar, palavra unÍvoca da ter-minologia criminal para indicar decisão absolutória no homicídio doloso, escoi-mando o acusado da incriminação e livrando-o do julgamento popular, houvesseo rigor técnico, mais exato seria reservar o verbo pronunciar para seu sentido doDireito Penal, ou seja, decisão condenatória nos crimes contra a vida na presençado animus necandi, indicando que o juiz determina seja colocado o nome do de-nunciado no rol dos culpados, sem especificação de pena, encaminhando o réuao Tribunal de Júri.

De igual sorte, a sinonímia dos verbos acordar e pactuar não indica uma mesmaextensão de sentidos. Pactuar, do latim pactum (de pacisci) deveria ser usado pararepresentar o ajuste, a combinação, a própria manifestação da vontade, enquantoo termo acordar aplica-se mais à vontade firmada no plano concreto, i. e., estaremconcordes as partes quanto às cláusulas ou condições estabelecidas no ajuste, naconvenção, no contrato. Os romanos, conta a história do Direito, faziam distinçãoentre pacta (pactos) e contracti (contratos), sendo que apenas os últimos eram

r

IIIIII

absorver (assimilar)diferimento (adiamento)discriminar (diferenciar)distratar (romper o trato)ilidir (refutar, anular)ementa (resumo)imitir (investir em)fragrante (perfumado)incontinente (falto de moderação)infringir (desobedecer)lida (trabalho)mandado (ordem, determinação)proscrever (banir)retificar (corrigir)tráfego (trânsito)

1. O termo incontinenti é encontradiço entre os juristas; Miguel Reale emseu livro de memórias (v. 2) usa-o, pelo menos, dezessete vezes.

2. A respeito da expressão emflagrante delito, conta-se que Fernando Pessoaenviou a um amigo uma foto dele (poeta), numa mesa de bar, ao ladode uma garrafa, com a dedicatória: "Em fragrante delitro".

3. Relacionado à paro nímia, temos a Paronomásia, jogo de palavras comsons semelhantes e sentido diverso. É o que fez Oswald de Andrade:

absolver (perdoar)deferimento (concessão)descriminar (isentar de crime)destratar (ofender)elidir (suprimir)emenda (correção)emitir (mandar para fora)flagrante (evidente)incontinenti (sem demora)infligir (aplicar pena)lide (demanda)mandato (procuração)prescrever (ordenar)ratificar (confirmar)tráfico (comércio ilegal)

Observação:

Denominam-se parônimas as palavras de sentido diverso, mas que se aproxi-mam pela forma gráfica ou mesmo pelo som. Tal afinidade pode suscitar confusões,gerar equívocos e levar a situações jocosas ou mesmo embaraçosas. O socorro aodicionário é, por certo, a melhor forma para que se evitem situações do tipo. Osparônimos são inúmeros; citam-se apenas alguns mais relacionados com a áreajurídica:

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56 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

garantia de uma ação, porque os contratos tinham uma causa civil, fundada nocaráter sinalagmático (reciprocidade de direitos e obrigações), ao contrário dospactos que não importavam na existência de contraprestação, sendo, no mais dasvezes, cláusula acessória do contrato, v. g., pacto comissório (atribuição conferidapara alguém fazer alguma coisa).

Na linguagem usual, pacto guarda o sentido de ajuste de vontades que pode serdesfeito sem garantia de ação jurisdicional do Estado, v.g., pacto de amor eterno.Possivelmente, este uso orientou o legislador quando não disciplinou o contratoantenupcial e sim o pacto antenupcial que, embora solene, portanto objetivado naescritura pública, desfaz-se naturalmente se o casamento não se realiza.

Conclui-se dos comentários, a pertinência do emprego da palavra pacto noscasos em lei determinados: pacto compromissório, pacto constituto, pacto de nonalienando, pacto de non petendo, pacto de preferência, pacto de retrovenda, pactodotal, pacto sucessório, entre outras espécies, reservando o vocábulo acordo paraindicar o contrato ajustado entre as partes. Este cuidado não resolve, esclareça-se,o problema da sinonímia por serem estas palavras equívocas. Acordo trabalhista éo entendimento entre patrão e empregado, tanto no ajuste de serviço a ser execu-tado, quanto ao acerto realizado nos litígios. Pacto, no Direito Internacional, é ovocábulo escolhido para designar o ajuste ou tratado celebrado entre os Estados,chamados, por isso, pactuantes.

Exercício obrigatório ao profissional do Direito é, assim, perscrutar comzelo os dicionários de palavras análogas e, firmada uma família ideológica, pes-quisar os dicionários especializados para informar-se sobre os usos das palavras.

Aparentemente penosa, gratificante é a tarefa, porque o profissional, ou mesmoo estudante, vai aprimorando sua linguagem, de sorte a não realizar trocas impen-sadas de palavras; ao contrário, vai ajustando com precisão crescente as palavrasàs idéias, nomeando o pensamento de maneira lógica e designando corretamentea idéia na linguagem jurídica.

Se exigente deve ser a tratativa dada aos sinônimos que cuidam de idéias as-semelhadas, mais criteriosa há de se configurar a seleção de palavras parônimas,porque os sentidos delas não fazem parte de uma mesma família ideológica, em-bora semelhantes na forma. Se a troca desmedida entre sinônimos comprometea precisão do pensamento, a confusão na paronímia leva o usuário da língua aresultados desastrados e, muitas vezes, risíveis, expondo o infeliz ao escárnio.

Imagine-se a situação do profissional que dissesse ser imperativo ao juiz di-ferir sua manifestação contrária ao pedido da parte adversa que havia solicitadoa procrastinação da audiência, alegando compromisso inadiável de negócio paraaquela data.

Por outro lado, aprecie o leitor ao efeito obtido pelo correto uso dos parô-nimos em tela no feliz exemplo de Eliasar Rosa (1987, p. 52): "O juiz deferiu o

rI

Vocabulário 57

pedido. No despacho saneador, o juiz diferiu o exame da preliminar para a sentençapor julgá-la entrosada com o mérito."

Outras paronímias freqüentam a linguagem jurídica, exigindo cautelas noemprego, dentre elas:

1. Descriminar/DiscriminarTem sido bastante empregada a palavra descriminar (indica a exclusãode criminalidade, denota a idéia de inocentar) nas discussões sobrea reforma do Código Penal. Não há confundi-la com o vocábulo dis-criminar, significativo de separar, distinguir, dar tratamento diferen-ciado a uma mesma situação.

2. Delatar/DilatarA delação é ato acusatório, é revelar alguém como culpado. Os di-cionaristas têm anotado o verbo denunciar como sinônimo de delatar;na linguagem jurídica, no entanto, inconveniente é o emprego, porquea palavra denúncia, em Direito Penal, indica acusar, mas é ato exclusivodo Ministério Público que imputa a alguém a autoria de crime ou con-travenção perante uma autoridade. Outro problema da utilização dapalavra denúncia como sinônimo de delação é seu sentido na técnicaforense. Derivado do verbo latino denuntiare (avisar, anunciar, citar), ovocábulo é de ampla acepção, não se referindo apenas ao conteúdo dedeclaração de delito, mas de comunicação de fato que deva ser noticiado,como ocorre nas expressões: denúncia à lide, denúncia à autoria, que seaproximam da notificação, implicando chamamento a juízo.Dilatar é alargar, ampliar. No sentido jurídico é tido como equivalente aprazo, v. g.: Dilatam-se os prazos.

3. Infligir/InfringirInfringir (infringere) refere-se à violação da lei ou não cumprimento deobrigações. Infligir (injligere) tem o sentido de aplicar,-impor, atirar. EmDireito, é aplicar pena ou castigo à pessoa, em conseqüência de condutacriminosa ou lesiva por ele praticada.

Não se exaure a matéria nos exemplos citados. Aconselha-se ao profissionaldo Direito uma pesquisa rigorosa nas boas gramáticas, com o fito de inventariaro maior número possível de parônimos que podem comprometer a expressão dopensamento, evitando, particularmente, ~onfusões crassas, mas freqüentes, nalinguagem jurídica, v. g., genitor (pai)/progenitor (avô); intimorato (destemido,valente)/intemerato (puro, íntegro); inerme (sem meios de defesa)/inerte (semação, sem atividade).

Fique gravado o alerta. O fato de um estudante de Direito ser incipiente no es-tudo da ciência jurídica não justifica ser ele insipiente no conhecimento vernacular

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58 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

2.6. O VERBO JURÍDICO: ACEPÇÕES E REGIMES

Valem algumas notações ao imperecível estudo do grande filólogo da línguaportuguesa:

porque já deve ele, neste passo,jruir de uma linguagem escorreita e não fluir dosbons ensinamentos gramaticais.

ou então:

2. A frase verbal afetiva, usada no sentido clássico do verbo afetivo (indicaque o fato interessa a determinados seres) afasta o drama frásico:

O advogado de defesa tem prestígio.Faz calor na sala de audiências.

Vocabulário 59

3. A frase absoluta ou factiva interessa menos ao mundo jurídico, porque aidéia nela contida, salvo excepcionais condições, não tem valor utilitário,resumindo-se em construções do tipo chove, venta, entre outros verbosmeteorológicos.

4. As frases nominais centradas no verbo ser dão idéia de estado perma-nente: O réu é culpado. Todavia, o atributo que se declara a um sujeitopode ser transitório, firmado no verbo estar. O réu está preso. O atributopode ser, ainda, incoativo, exprimindo mudanças de estado. O réu ficouinconformado com a sentença. Em aditamento aos tipos estudados peloautor, oportuno é lembrar, no tocante ao estado de permanência de umatributo, que outros verbos ligativos há em torno do verbo ser (estadopermanente) e estar (estado temporário). Assim, o aspecto temporáriopode denotar instabilidade: anda preocupado; indicar estado durativomais estável: continua preocupado; e, na seqüência da gradação: per-manece preocupado. Antes de o homem definir o atributo como ser,percebe-o como um parece ser; antes de afirmá-lo como estado de estar,considera-o como ficar. Se a duração é mais permanente, o aspecto étornar-se, idéia aproximativa do verbo ser.

S. A frase mista, exprimindo um fato, encerra a definição de um ser. O verboé palavra ideativa de fato:

O réu saiu triste do tribunal. (Há um fato afetivo - o réu saiu do tribunal- e um nominal- estava triste.)

O advogado ilidia as provas apreensivo. (Abase dramática-do verbo ilidir- integrando a relação advogado/provas - encontra-se modificada peloatributo nominal - estava apreensivo.)

O profissional do Direito, ao construir as frases, deve ter em conta o fatorpsicológico dos verbos para enfatizar a idéia com os termos acessórios adequados,principalmente os adjuntos adnominais e adverbiais, procurando o emprego dosdiversos tipos de frases, realizando, assim, um manejo expressivo da linguagem.

Conhecer os regimes e acepções do verbo é, também, ferramenta indispen-sável na atuação jurídica em seus diversos campos e especializações, devendo oprofissional do Direito estar sempre disposto a consultar dicionários, em buscadas informações semântico-sintáticas indicativas dos sentidos e das construçõesgramaticais.

r

!dramáticaafetivaabsoluta

!durativa~ransit.ÓriaIncoatIva

{afetivadramática

a) sentença verbal

b) sentença nominal

c) sentença mista

1. A dramaticidade da frase verbal ocorre quando os protagonistas doenunciado desempenham o drama indicado pelo núcleo verbal:

O juiz condenou o réu.A testemunha depôs favoravelmente ao réu.

o pensamento humano evoca ações, expressa estados ou qualidades e dáatributos a condutas. Para simbolizar o agir e o sentir, a linguagem encontra noverbo o centro nevrálgico de todo o ato comunicativo, porque é sua função esta-belecer as relações psicológicas do usuário de uma língua nas realidades por elerepresentadas.

Quando o verbo exprime o fato, a frase é verbal; quando ele integra a defi-nição de algum ser, denotando-lhe atributos, a frase é nominal. Existe, ainda, apossibilidade de se construir, em torno do verbo, uma frase mista, verbo-nominal,do tipo: O réu saiu algemado do tribunal. (Ele saiu, estava algemado), ou então:Os jurados consideraram o réu culpado. (Ele era culpado para os jurados).

Importante se faz ressaltar que estas distinções não são apenas sintáticas.Antes, elas retratam o elemento psicológico da representação da idéia.

Preciosa é a contribuição de Cândido Jucá (Filho) (1971, p. 9) ao classificaras frases ou sentenças à luz do valor psicológico nelas contido, apresentando adivisão genérica a seguir:

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60 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Bom é lembrar as abreviaturas empregadas nos verbetes: verbo de ligação(v.pred.); verbo transitivo direto (v.t.); verbo transitivo indireto (v.rel.).

Proveitoso é, ainda, recomendar a presença de livros sobre vocábulos jurídicosna biblioteca do estudante e do profissional do Direito para ajudá-los no enfren-tamento das dificuldades lingüísticas.

Uma obra indispensável é a de Adalberto J. Kaspary (1990), O verbo na lin-guagem jurídica - acepções e regimes, da qual serão extraídos alguns exemplospara ilustrar a importância da matéria, sem, no entanto, agrilhoá-los ao brilhanteestudo do dedicado jurista.

1. Argüir

a) A defesa argüiu a sentença de injusta em suas razões de Apela-ção.

b) A Contestação argüiu a incompetência do juiz para conhecer dopedido.

c) O juiz argüiu, exaustivamente, a testemunha.Nos exemplos, o verbo argüir assume diferentes significados. No item "a",tem o sentido de acusar, tachar de, construindo-se como objeto direto eindireto (emprego da preposição de). Já o item "b" cuida das acepçõesalegar, apresentar como defesa alguma coisa (o sentido sempre guarda aidéia de oposição, podendo ser empregado quer como transitivo direto,quer como transitivo direto e indireto). Finalmente, o item "c" aponta osentido de interrogar, inquirir, que aparece com a construção transitivadireta, podendo, ainda, representar a idéia de indagar alguém sobrealguma coisa.

2. Carecera) O autor carece de interesse para agir.b) A acusação carece de provas mais contundentes.

No item "a", carecer significa ter falta de, enquanto o item "b" empregao verbo para indicar a idéia de necessitar de, precisar de.Quanto ao emprego do verbo carecer, vale citar os Comentários à polêmicaentre Rui Barbosa e Carneiro Ribeiro do preclaro mestre Artur de AlmeidaTôrres (1959, p. 45) que registram as controvérsias em torno do verbo,em razão de Rui, no art. 18 do Projeto, ter proposto a substituição doverbo carecer, que assim figurava:

"Carecem de aprovação do Governo Federal os estatutos ou compromissosde sociedades etc."

Advertia o "Águia de Haia", que o verbo carecer só poderia ser usado emseu sentido originário, ou seja, não ter alguma coisa, ou dela ter falta.

Vocabulário 61

Por sua vez, Carneiro Ribeiro, em suas Ligeiras observações, lembrou queo sentido do verbo carecer não se limitava ao que lhe fora dado pelosclássicos antigos, admitindo o sentido de precisar ou de necessitar, abo-nando-se em exemplos de Vieira e Castilho Antônio.O implacável Rui, no entanto, vociferou em sua Réplica que não ignora-va a existência deste sentido, "mas - acrescenta - são casos ainda malabonados pelo uso geral da língua, desde os seus primeiros tempos atéhoje".

3. Implicara) A inércia da defesa implica a revelia do réu.b) Em suas Alegações Finais, a defesa alegou que a vítima sempre

implicou com o réu.c) Conforme sobejamente demonstrado nos autos, o réu implicou-seem tráfico de entorpecentes.

Atente-se às diferentes regências e sentidos do verbo implicar. No item"a", implicar, v.t., significa acarretar, devendo ser repelida a preposiçãoem virtude da transitividade direta do verbo nesta acepção. O item "b"exemplifica o sentido de "ter implicância", v. rel., que é regido pelapreposição com, não devendo ser empregado como pronominal, formaexclusiva do sentido constante do item "c", usado na acepção de envol-ver-se em.

4. Preferira) Na concorrência de vários pretendentes à remição, o que podeoferecer o maior preço preferirá.

b) O credor cuja condição deriva de documento ou título de garantiaprefere entre os quirografários.

c) O crédito real prefere ao pessoal em qualquer espécie.d) A defesa preferiu alegar a legítima defesa a negar a autoria docrime.

O verbo preferir é intransitivo no sentido de ter primazia, como se vêno item "a", emprego encontrado no art. 789 CPC, admitindo, ainda, asconstruções preferir entre e preferir a, itens "b" e "c", no mesmo sentido.Já o item "d" cuida do sentido de dar preferência, querer antes. Nestecaso, há sempre a obrigatoriedade de colocar os elementos comparadossendo errônea a construção do tipo "Prefiro Direito Tributário", porque épreciso esclarecer em relação a que ocorre tal preferência. Vale lembrarainda, que o sentido do verbo preferir "querer antes" repele advérbio deintensidade do tipo muito mais, porque seria um pleonasmo indesejável;também a forma a que é preferível à construção do que, cada vez maisfreqüente na linguagem jurídica.

~

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62 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

2.7 ARCAÍSMOS

De uma forma ou de outra, os autores sempre têm assinalado o perpétuo estadode mudança da linguagem. Já Horácio no-lo diz naArs poetica (vv. 70 e segs.):

"Multa renascentur quae iam cecidere, cadentqueQuae nunc in honore vocabula si volet usus,Quem penes arbitrium est et ius et norma loquendi."

"Muitos vocábulos que já morreram terão um segundo nascimento e cairãomuitos daqueles que gozam agora das honras se assim o quiser o uso em cujas mãosestá o arbítrio, o direito e a lei da fala" (Apud Ulmann, s. d., p. 10).

bem-estarcarne (viande, no francês)vigilante da conduta dos cidadãos

mundo - imundo dita - desdita

honestar - coonestar victo - invicto, evicto

dene - indene voluto - devo luto

mentado - comentado astre - desastre

pune - impune solente - insolente

concusso - inconcusso audito - inaudito

forme - disforme nupto - inupto

grenha - desgrenhado sone - insone

diabro - diabrura consútil - inconsútil

leixado - desleixado scio - Ínscio

saúde (salvação)vianda (alimento)censor (magistrado que avaliavaos bens dos cidadãos)formidável (terrível) excelenteparvo (pequeno de estatura) pequeno de cabeça

Em determinadas palavras houve arcaização da forma primitiva e permanênciadelas nos compostos, como:

Vocabulário 63

O estilo pode justificar o uso de arcaísmos.Alexandre Herculano projeta-se no passado histórico com seus romances e,

para conservar a cor local, socorre-se de termos já sepultados como defensão (proi-bição); gardingo (nobre); donzel (rapaz); refusar (proibir) e inúmeros outros.

Cecília Meirelles, em Romanceiro da inconfidência, com o fito de recriar oambiente colonial, lança mão de palavras agora aposentadas: meirinho (funcio-nário judicial); terçados (espada); dobla (moeda); palude (pântano) etc. A redon-dilha menor, própria do período arcaico, reponta na mesma obra de Cecília:

"(Salvai-o, Senhora,com o vosso poder,do triste destinoque vai padecer!)"

Quem vai a Ouro Preto volta ao passado e aspira o ar dos tempos idos. Não éde admirar que o Juiz de Direito e poeta Alphonsus de Guimaraens vivesse presoao passado e o deixasse transparecer em suas poesias: giolhos Uoelhos); landas(terras); resplandor (resplendor) etc.

A linguagem jurídica, de acentuado caráter conservador, agasalha vários ele-mentos arcaicos. Algumas amostras:

rII

I

II

Hoje

~embusteiro, malandro

Ontem

~tratante (que trata, cuida)

5. TerConsoante a gramática clássica, há diferença semântica do verbo ter semodificado pelas expressões de/que.Assim, ter que significa uma ação pretendida, mas não absolutamentenecessária - O advogado tem que visitar seu cliente na prisão.Há um compromisso que não é absolutamente necessário.Todavia, ter de implica necessidade imperativa - O advogado tem devisitar seu cliente na prisão.Nessa frase, há necessidade absoluta, entendendo-se imperativa essavisita.

Cherry (1974, p. 129) fala que se tem comparado a linguagem à mutávelsuperfície do mar e ao cintilar das ondas. Cunha (1975, p. 24) afirma que a lín-gua, por ser criação da sociedade, não pode ser imutável; antes, deve viver emperpétua evolução.

Palavras, expressões e tipos de construção sintática caem em desuso, saemde circulação. A essas formas que cumprem sua missão em determinada fase dahistória e, depois, desaparecem na escuridão dos tempos, dá-se o nome de arcaís-mos. Costumam ser subdivididos em léxicos, morfológicos e sintáticos; o presentetrabalho interessa-se pelos primeiros (arcaísmos léxicos).

Arcaísmos léxicos são as palavras caídas em desuso por desnecessárias ou porforça de substituição, como chus, evolução normal de plus, sobrevivente apenasna expressão "não dizer chus nem bus"; duana, presente ainda em, v. g., imposto"aduaneiro"; matroca viva na expressão "à matroca".

Alguns arcaísmos sobrevivem com sentido alterado no uso atual (arcaísmossemânticos). Assim, v. g.:

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64 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

• Teúda e manteúda: no português arcaico, os verbos da segunda conju-gação tinham o particípio passado em udo (conhoçudo, vençudo, man-teúdo, conteúdo). Teúda e manteúda continuam no Direito para indicara concubina tida e mantida às expensas do parceiro. Na literatura, emdeterminados contextos, aparece a expressão como, v. g., em Lygia Fa-gundes Telles: "Teúda e manteúda, acrescentaria a sogra no seu quartode oratório aceso, o olhar aceso sondando escuros ... " Também JoséCândido de Carvalho, por sinal advogado, alude a tal tipo de concubinaao falar que Juju Bezerra sustentava, de anel no dedo, como se casadofosse, cinco mulatas.

• Conteúdo: particípio passado arcaico do verbo conter; hoje, usa-se comosubstantivo. Rui Barbosa, bem como outros autores, usa-o como adjetivoem casos citados por Almeida Tôrres (1959, p. 160).

• Dejuro: corresponde à expressão dejure; era usual na expressão "dejuroe herdade" (por direito e herança). Aparece, v. g., em Os Lusíadas (VI- 27).

• Lídimo: De Plácido e Silva registra o termo com o sentido de legítimo, emse tratando do filho procedente do legítimo casamento. Torres (1959, p.163) considera que, hoje, ninguém mais diria "filho lídimo, prole lídima,sucessão lídima".

• Pertenças: substantivo usado no plural cujo sentido é benfeitorias.• Peitar: o significado é subornar; o substantivo é peita, suborno oferecido,

não exigido.• Avença: com o significado de acordo, contrato, ajuste; o termo aparece

em Barros (1967, p. 110). Gil Vicente usa o termo no Auto da alma, v.22.

• Usança: equivale a uso; é termo freqüente no Direito Comercial.• Defeso: proibido. Forma arcaica e acepção usada até o século XVIe man-

tida no Direito.

2.8 NEOLOGISMOS

Já se sabe que a linguagem está em contínua evolução e não há força capazde lhe estancar a movimentação.

Daí a cunhagem de termos e expressões novos; a esse constante renovar dovocabulário dá-se o nome de neologia e o produto, o resultado de tal processo decriação lexical, é chamado neologismo. A rigor, não se trata tanto de criação, masde transformação do material preexistente na língua pelo processo de derivaçãoe composição.

rII

I

Vocabulário 65

Pode-se falar também em neologismo semântico, isto é, emprestar novo sentidoa uma palavra já em voga; é o caso, v. g., de formidável, que, de terrível, desco-munal, passou a excelente; de insolente, antes fora do comum e, hoje, grosseiro;é o caso de contumaz que, consoante Silveira (1948, p. 172), era termo de caráterrural aplicado ao animal cabeçudo; depois empregou-se para pessoas arrogantese teimosas para se fixar na linguagem jurídica com o sentido de refratário, obs-tinado.

Alguns neologismos vivem vida efêmera: cumprem seu papel em determinadaépoca, limitam-se a determinados casos e desaparecem. É o caso, v. g., de chacrete(morreu com o Chacrinha); rotel (usual no Rio de Janeiro com a novidade do motele sua rotatividade); oligarcia (criado pelo Estadão para o ex-governador de MatoGrosso, Garcia Neto); alunissagem (em vigência nos anos 50). Os neologismos deGuimarães Rosa (jaguncêio) e Darcy Ribeiro (ninguenzada) são conhecidos apenaspor seus leitores.

No Brasil, há três grandes caldos de cultura de neologismos: a política, ocarnaval e o futebol.

No que tange à política, diz-se que o Brasil é, por excelência, o país das ne-gociatas, mamatas e política rasteira; enquanto perdurar tal situação, criar-se-ãopalavras com a base "gate" (Collorgate, Mogigate, Eliseugate etc.). A estruturasocial sempre provocará badernaços, panelaços e buzinaços.

Devem-se debitar à política neologismos recentes: partidocracia, Fugimo-rização, tiranossauro, conta-fantasma etc.

Quanto ao carnaval, tem-se a impressão de que não morrerá tão cedo (semorrer!) e até lá viverão sambódromo, frevança, samba-enredo.

Com respeito ao futebol, as torcidas sempre forjam termos novos para celebrarseus clubes, craques, vitórias e o que valha. As bandeiras das torcidas são muitocriativas: Galoucura, de Galo + loucura (Atlético Mineiro); Flamante, de Flamengo+ amante (Flamengo); Fluchopp, de Fluminense + chopp (Fluminense) e outrasmuitas.

O importante, na questão dos neologismos, é não tomar posições extremadas,mesmo porque oposição radical ao neologismo é inútil.

2.9 ESTRANGEIRISMOS

Os seres humanos não vivem insulados; o caráter social obriga-os ao inter-câmbio político, econômico e cultural. A influência de uma língua em outra édecorrência normal de tal intercâmbio; é, pois, um fato que se há de considerar

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66 Curso de Português Jurídico • Darnião/Henriques Vocabulário 67

Obs.: São ainda reminiscências do ablativo latino:

2.10 LATINISMOS

Hoje, é sabido de todos que as línguas novilatinas não procedem do latim; elassão o latim em seus aspectos atUais, pois não houve nunca solução de continuidadehistórica entre o latim e as línguas neolatinas. O português nada mais é que o mes-mo latim transformado. Os casos latinos, v.g., reduziram-se ao acusativo: restaram,porém, vestígios de outros casos, especialmente no discurso jurídico. Assim:

a) As orações reduzidas de particípio e gerúndio:Partibus factis (feita a partilha); urbe condita (fundada a cidade); urbecapta (tomada a cidade); oriente sole (nascendo o sol); usucapto (tomadopor usucapião), absente reo (ausente o réu).

b) Advérbios de modo:São comuns nos textos latinos expressões como: "agere pura et honestamente". São formas de ablativo que se aglutinaram (pura e honestamente)e o ablativo mente passou a sufixo.

c) Em livros didáticos, às vezes, abrem-se capítulos com a matéria a ser ex-posta precedida da preposição de. Sirva de ilustração a obra de MagalhãesNoronha (Curso de direito processu(ll penal): "Da Jurisdição e Competên-cia"; "Do Julgamento pelo Júri"; "Da Prisão Administrativa" etc.Dita preposição nada mais é que a preposição latina de que se construíacom o ablativo. Vejam-se apenas dois títulos de obras latinas: Lucrécioescreveu De natura rerum (sobre, a respeito da natureza das coisas) eCésar legou-nos De bello gallico (sobre a guerra gaulesa).

NOMINATIVOCícero, Nero, Juno etc.Eu, tu, ele, nós, vós, elesEste, esse, aquelesóror, câncer, deus etc.

ABLATIVOfidedignosinecura (sine + cura)amanuense (a + manu + ense)mentecapto (mente + capto)amente (a + mente)alínea (a + línea)

GENITIVOjurisprudênciajurisperitojurisdiçãolitisconsortelitispendênciaplebiscitosuicídioreivindicação

DATIVOfideicomissocruciformecrucifixohomicídio (hominicídio)

Faz-se mister vestir as formas estrangeiras de uma roupagem vernácula e,assim, incorporá-las ao nosso léxico, como ocorreu com abajur, bibelô, chalé,coquete, buquê e tantas outras.

Enfim, é o uso que dá foros de legitimidade às palavras; na área futebolística,muitos termos estrangeiros (senão todos) foram sendo, paulatinamente, elimina-dos; é o caso defootball, comer (escanteio), keeper (goleiro), half (lateral) etc. Jáno automobilismo vigem termos ingleses: pole position, box, guard rail, pit stop edemais. .

Na área jurídica, além de outros já citados, encontram-se déport, quérable(Barros, 1967, p. 282), portable, draw back e mais registrados por De Plácido eSilva e Pedro Nunes.

No mundo jurídico, a tendência sempre foi a do aportuguesamento das pala-vras, mesmo quando o uso consagra o estrangeirismo, e. g., leasing por arrenda-mento mercantil; franchising por franquia; factoring por faturização.

Com a globalização, há crescente tolerância aos estrangeirismos, que podemser assimilados pela cultura jurídica brasileira sem a necessidade de substituiçãopor equivalências em português.

"Amorlá no morro, é amor pra chuchu,As rimas do samba não são 'I love you'.E esse negócio de 'alô', 'alô boy', 'alô, Johnny'só pode ser conversa de telefone."

(Apud MÁXIMO;DIDIER, 1990, p. 243)

com naturalidade. Hoje, não há mais clima para os antigos caçadores de estran-geirismos, cacófatos e outros que tais.

Algumas palavras estrangeiras não têm correspondentes adequados e hão deser usadas; ninguém pensaria em substituir outdoor por cartazão.

É praxe colocar estas formas entre aspas ou em negrito ou itálico. E o que sedá com palavras de uso na Administração, Economia ou, mesmo, Direito Comer-cial e Tributário como marketing, open (market), over (night), trading, leasing eoutras.

Há formas estrangeiras com correspondentes vernáculas; dar-se-á, então, pre-ferência às nossas palavras, a não ser que haja alguma razão de ordem estilísticaou outra que justifique a forma alienígena.

A tendência brasileira de copiar tudo o que é estrangeiro facilita a intromissãode vocábulos de fora; ontem era o francês, hoje, o inglês.

Na verdade, a influência inglesa remonta aos anos 30, graças, de modo es-pecial, ao cinema norte-americano, fato este que não escapou à atenção de NoelRosa.

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68 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques Vocabulário 69

2.11 CAMPOS SEMÂNTICOSE CAMPOS LÉXICOS

Ainda consoante Mattoso Câmara Jr., campos léxicos são famílias de palavrasou palavras cognatas, a saber, palavras que constituem um grupo de derivaçãoincluindo-se a composição prefixaI. Como exemplos:

Uma das maiores contribuições de Saussure foi a de mostrar que a palavranão é uma unidade semântica isolada. Ao procurar relações de aproximação(sinonímia) e de oposição (antonímia), abriu ele caminho para os estudos dasemântica estrutural, notadamente entre lingüistas da Alemanha e da Suíça, apartir das décadas de vinte e trinta, trazendo a idéia de ligação significativa decertos conjuntos de signos lingüísticos, e. g., grupos de animais domésticos - cão,cavalo, gato, boi, que possuem em comum certos atributos (animais, irracionais,vertebrados, quadrúpedes, domésticos etc.), colocando-os, assim, em um mesmocampo semântico.

A esta associação de conceitos, Dubois (1978, p. 366) chama de campo se-mântico em termos de polissem ia. Não alcança, porém, a aceitação da maioriados lingüistas, estes concordes com Mattoso Câmara Jr., entendendo que campossemânticos constituem "famílias ideológicas".

Compreendido o sentido de campos semânticos ou campos nocionais, cumpreverificar que cada unidade-membro da família ideológica possui suas particulari-dades, vale esclarecer, traços mínimos de significação que a distingue das demais.Quando se diz canino, eqüino, felino, bovino, não se está colocando os signos emum mesmo campo semântico, pois as especificações referem-se a: cada signo, iso-ladamente. As palavras unem-se em torno de uma palavra primitiva e a derivaçãoconstitui as "famílias etimológicas".

Veja-se:

Há várias palavras latinas estreitamente ligadas ao campo jurídico, emboratenham sofrido alteração de classe gramatical; é o que acontece, v. g., com:

• Déficit (superávit): formas latinas substantivadas; hoje aparecem acentua-das e com a desinência indicativa do plural, sinal de que já se consideramincorporadas ao português.

• Alibi: advérbio latino (em outro lugar) usado como substantivo emportuguês; é a prova de que o acusado se encontrava em outro lugar nomomento do crime. Aparece com e sem acento.

• Grátis: advérbio latino corrente em português; continua como advérbio.Também aparece acentuado e como adjetivo, v. g., amostra grátis.

• Exequatur: forma verbal latina substantivada; é o subjuntivo de exequor-exsecutus sum-exsequi; literalmente significa "cumpra-se, execute-se". Éa autorização de ordem para que se executem determinados atos.

• Quorum (quórum): genitivo plural do pronome relativo latino - qui-quae-quod - substantivado com o sentido de "número legal".

• Habeas corpus: palavra composta da 2ª pessoa do singular do presentedo subjuntivo do verbo habere (habeas) e do substantivo corpus (corpo).Trata-se do instituto de garantia contra a violência ou constrangimentona liberdade de locomoção. A propósito, o humorista Fraga (1976, p.198) escreveu:

"O mais triste das prisões políticas é que quando o advogado consegue o'habeas corpus' para o seu cliente, já não há mais corpo."

Obs.: Ocorre aparecer esta expressão (e outras) separadas por hífen; nãoé boa grafia, pois em latim não havia hífen.Urge lembrar que o Habeas Corpus é uma ordem, e o verbo habeas, em-bora no subjuntivo, tem força de imperativo. Consoante a lição de Ernoute Thomas (1953, p. 234), a ordem exprime-se, em latim, no imperativoou subjuntivo.

• Laudo: forma verbal latina (laudo: eu louvo) substantivada com o sentidode sentença ou parecer dos árbitros e parecer ou relatório de peritos. Éo parecer do louvado ou árbitro.

• Nascituro: particípio futuro do verbo nascor, natus sum, nasci, substan-tivado na acepção de pessoa virtual, em germe, homem in spem.

Nota: Há de se lembrar o uso freqüente na língua portuguesa do gerun-divo latino em expressões como: crime nefando; argumento despi-ciendo; expressão vitanda e em inúmeras palavras (doutorando,venerando, colendo, memorando, subtraendo, minuendo, multi-plicando etc.).

No Direito, vêem-se extraditando, interditando, usucapiendo, prestações vin-cendas, exeqüenda etc.

Campo semânticoIndústria

fábricaoperárioempresáriomáquinatornometalúrgicotêxtilmão-de-obraempresarialsaláriosindicato

Campo léxicoOperário

operacionaloperariadooperacionalizaroperadoroperaroperanteoperacionismooperativooperosooperosidade

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70 Curso de Ponuguês Jurídico • Damião/Henriques

• Do latim fiscus-i (cesto de vime, cesto para dinheiro e, daí, dinheiropúblico): fisco, fiscal, fiscalista, fiscalizar, confiscar, confiscação, confis-catório, confiscativo, confiscável.

• Do latim pecus-oris (rebanho, gado, objeto de troca em tempos anti-gos): pecuária, pecuário, pecuniário, pecúlio, peculiar, peculato, pecu-latório, peculador, pegureiro.

• Do latim torquere (torqueo, torquis, torsus sum, torsum ou tortum):torto, tortura, torturar, tortuoso, tormento, tórculo, torção, contorção,distorção, extorsão, contorcer, distorcer, extorquir, retorquir, retorcer,retorção.

• Do latim loqui (loquor; locutus sum): loquaz, eloqüência, colóquio, so-lilóquio, locutor, locução, elocução, alocução, alocutário, interlocutor,perlocutário.

• Do latim cursare (freqüentativo de currere - correr): acorrer, concorrer,decorrer, discorrer, escorrer, intercorrer, recorrer, socorrer, transcorrer,curso, concurso, decurso, discurso, incurso, incursão, excursão, recurso,transcurso, socorro.

• Do latim puer-i: puerícia, pueril, puericultura, puérpera, puerperal, pue-rilidade, puerpério, puerilizar.

• Do latim trahere (traho-trahis-traxi-tractum): atração, abstração, contra-ção, extração, detração, retrair, contrair, subtrair.

2.12 DIFICULDADES DO VOCABULÁRIO NA LINGUAGEMJURÍDICA

Dificuldades vocabulares a serem superadas pelo usuário da língua portu-guesa sempre as houve e inúmeras, constituindo sérios obstáculos para a comu-nicação humana. Selecionar a palavra exata na transmissão de uma idéia, rela-cionar vocábulos com correção na estrutura frasal e fazer uso morfológico ade-quado nas combinações sintáticas são tarefas de irrefutável importância a quemdeseja expressar-se satisfatoriamente.

Diante disso, elencar erros comuns na linguagem dos jovens estudantes oudos esforçados profissionais do Direito torna-se missão espinhosa por não serempoucos os casos a merecer cuidadoso exame.

Não é desiderato nosso, porém, inventariá-los de forma rigorosa. Antes, es-peramos alertar sobre a necessidade de uma busca incansável às informações dasboas gramáticas e dos respeitados dicionários, para um crescente aprimoramentodos mecanismos da linguagem e, em particular, para o uso correto das expressõesconstantes do repertório de uma língua. Limitamo-nos, pois, à indicação de algunsproblemas:

Vocabulário 71

a) Afim de: muita confusão se faz entre as expressões afim de e afim de,substantivo e locução conjuntiva, respectivamente.

Assim, grafa-se separado em frases do tipo:

O advogado solicitou diligências a fim de verificar a saúde mental doacusado.

Verifica-se, ainda, a forma afim (afins), adjetivo designativo de seme-lhança.

b) A final: na linguagem jurídica, é bastante comum a expressão a finalcom a significação de por último, finalmente, no término da demanda, e.g.:

Solicita, a final, seja considerado improcedente o pedido, condenando-seo autor às custas processuais e honorários advocatícios.

Tal emprego, porém, há de ser evitado, não só pela natural confusãocom o advérbio afinal (sentido de enfim), quanto por requerer, nestaconstrução, a presença do artigo "o", em razão de a intenção semânticaser entendida assim:

Solicita, ao final (ao término do processo), seja considerado improce-dente ...

Correto é o emprego da expressão final, se acompanhada da preposiçãoaté:

Requer a citação do réu para contestar, querendo, sob pena de revelia, pros-seguindo-se até final do julgamento, quando deverá ser condenado ao pagamen-to do pedido, das custas, dos honorários advocatícios e demais cominações.

c) Ao invés: comum é a troca entre as expressões parônimas. Todavia, aoinvés só deve ser usada quando presente estiver a idéia de oposição, deser contrário a. Exemplificando: Ao invés de confessar a autoria do delito,como todos esperavam, o réu negou qualquer participação no crime.A expressão em vez de não exige o sentido de situação antônima; basta aidéia de mera substituição: O advogado, em vez de dirigir-se ao cartório,despachou diretamente com o juiz.

d) Ao par: inconveniente é o emprego com significação de estar ciente,situação em que a expressão corr~ta é a par, e. g.: O advogado disse aseu cliente estar a par de todas as providências solicitadas pelo juiz.

A expressão ao par de é própria da linguagem das operações de câmbio,além de seus usos mais comuns, vale esclarecer, conjunto de duas coisassemelhantes, indicativo de macho e fêmea, entre outros.

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72 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

e) A partir de: significa a começar de. Portanto, não se diz "começará apartir da próxima semana (referindo-se às aulas), e, sim, começará napróxima semana.

Correto é o emprego da expressão a partir de se, na condição circunstan-cial de tempo, estiver deslocada para antes do verbo começar: A partirda próxima semana, começarão as inscrições do concurso vestibular.

t) Através: a expressão refere-se a "de lado a lado, por meio de algumacoisa".

Considerando seu valor semântico, ainda que largo o uso, não deve serempregada com valor de por meio de, mediante, em frases do tipo:

A parte sucumbente recorreu da sentença que lhe era adversa, mediante oremédio cabível, ou seja, apelação.

g) De encontro a: é muito comum a troca das expressões ir de encontroa (contra) por ir ao encontro de (a favor).Assim, não há confundir-se:

As provas da defesa foram de encontro à tese da acusação, destruindo-apor completo.

A tese da defesa vai ao encontro dos repoimentos das testemunhas.

h) Estada: não raro, bons profissionais,do Direito referem-se ao ato deestar em algum lugar por certo tempo como "estadia". Ora, estadia é apermanência de veículos em garagem ou estacionamento, ou de naviono porto. Em referência a pessoas (e também a animais) o correto é"estada".

Para o advogado, a estada de seu cliente na prisão, ainda que temporária,trouxe-lhe prejuízos irreparáveis.

i) Haja visto: é correta esta expressão quando se referir ao perfeito dosubjuntivo do verbo ver: Duvido que a testemunha haja visto o acidenteda maneira como o descreveu.

Todavia, indicando "que sirva de modelo", "que mereça exame", a ex-pressão é haja vista:

o sistema carcerário brasileiro está falido, haja vista as últimas rebeliõesdos presídios.

Considera-se construção erudita a regência com a preposição "a":

o Brasil viveu momentos de intranqüilidade econômica, haja vista aosacontecimentos que movimentaram o mercado nos últimos dias.

Vocabulário 73

É correta, apesar do pouco uso, a construção hajam vista os aconteci-mentos, embora se vá fixando como a mais aceita a expressão invariávelhaja vista.

j) Inclusive: não é bom o empregd da expressão antes da idéia que sediz incluída, e. g.:

Todos estavam ansiosos com o resultado, inclusive os próprios jurados.

Mas:

Todos estavam ansiosos com o resultado; os próprios jurados, inclusive.

É correto, porém, o emprego da forma incluindo antes da idéia a que serefere:

Todos estavam ansiosos com o resultado, incluindo os próprios jurados.

1) Meio/meia: importa dificuldade sintática a troca do advérbio meio peloadjetivo meio em razão de só este último admitir a flexão de gênero.Erronias crassas da espécie: "Ela andava meia preocupada" podem serfacilmente superadas se a escolha morfológica se der pelo significado.Desta sorte, indicando a idéia de "um pouco", temos o advérbio: "Elaandava meio (um pouco) preocupada."No sentido de "metade", empregamos o adjetivo:

Ele tomou meia (metade) garrafa de vinho para comemorar a vitória.

ou:

A audiência começará a meio-dia e meia (metade da hora).

m) Quite: a expressão é, muitas vezes, tomada por invariável, o que repre-senta falácia sintática por tratar-se de adjetivo, portanto, variável:

Aquele jovem está quite com o serviço militar.

Aqueles jovens estão quites com o serviço militar.

Inúmeros outros exemplos poderiam perfilhar aos aqui elencados. De resto,espera-se o interesse pela pesquisa nas gramáticas e a leitura atenta dos usos dalinguagem dos bons autores.

2.13 REPERTÓRIO VOCABULAR JURÍDICO

Cada língua técnica possui seu inventário vocabular próprio o que permitelinguagem mais precisa.

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74 Curso de Ponuguês Jurídico • Damião/Henriques

Indispensável é a consulta em dicionários especializados, com terminologiatécnico-jurídica que precisa ser incorporada, ao longo da vida, pelos profissionaisjurídicos.

Vejam-se alguns exemplos:

• Abandono: palavra equívoca, com diversas variações semânticas: emDireito das Coisas, área cível, significa desistência do proprietário pelacoisa possuída, sendo, assim, forma de perda de propriedade por atitudee gestos.

Na esfera processual, há abandono da causa, quando a parte deixa depraticar atos processuais por período em lei determinado.Há, no âmbito trabalhista, abandono do emprego pela ausência injusti-ficada do empregado, conforme previsão legal.Se no abandono da coisa (derrelito) não há traço semântico negativo,via de regra há sentido recriminatório, e até mesmo de ilícito penal, emalguns tipos de abandono, e. g., abandono do incapaz, abandono inte-lectual.

• Achádego: significa a recompensa a que tem direito quem encontracoisa perdida.

• Aprazar: fixar prazo para que se cumpra uma obrigação negociaI.• Arbitramento: tem a mesma origem de arbitragem, que significa pro-

cedimento extrajudicial para solucionar litígio.O arbitramento, na linguagem jurídica, diz respeito ao valor, ou à apre-ciação econômica, elemento da avaliação.

• Aval: é garantia prestada por terceiro estranho ao negócio, na esferaempresarial, constando de título de crédito (letra de câmbio, nota pro-missória, duplicata, cheque) não se confundindo com fiança, ato peloqual alguém (fiador) garante (no todo ou em parte) o cumprimento deobrigação contratual assumida pela parte da qual ele é fiador.

• Avença: forma arcaica que significa ajuste contratual. É comum seuuso para completar o nome de um contrato, e. g., Contrato de Comprae Venda e outras avenças.

• Declaração da vontade: é a forma externa da vontade, oral ou escrita,que difere da manifestação da vontade, expressão mais abrangente, queinclui a vontade interna. Por isso mesmo, na interpretação dos negóciosdeve-se levar em conta mais a intenção do que a vontade declarada,quando houver divergência entre elas, ocasionando vÍCio de vontadecomo defeito do negócio jurídico.

• Defeso: significa o que é proibido, com sentido totalmente distinto daforma parônima defesa.

r Vocabulário 75

• De pleno direito: expressão que indica o efeito jurídico obrigatório,por força da lei, independentemente do consentimento da pessoa.

• Diligência: na linguagem processual refere-se a pedido da parte ou exofficio para que se cumpra uma exigência.A palavra diligência tem campo semântico de empenho e cuidado, dandoa outros vocábulos de sua família etimológica esse mesmo esforço pelaexatidão. Assim, diligente é a pessoa que age com prudência e zelo nassuas atividades e nos negócios que celebra.Quando se diz converter o julgamento em diligência, implica suspendero julgamento para esclarecimento de uma questão processual.

• Ementa: é o resumo de um acórdão, sentença ou lei.• Feito: empregado no sentido de demanda ou processo.• Gravar: onerar, hipotecar, sujeitar a encargos - gravar o imóvel implica

ônus, restringir o direito de propriedade.• Incurso: significa o que está incluído em. Em processo penal significa

que a conduta descrita está retratada no tipo legal que a define comocrime.

• Inopino: a expressão de inopino significa de surpresa, de forma ines-perada, a impedir que a vítima se defenda.

• Lide: do latim litem>lite>lide = conflito, significa demanda processual,sendo usada para designar a atuação forense - lide forense, retratando,assim, não um processo específico, mas a atividade jurisdicional.É vocábulo de sentido amplo, quase sempre acompanhado de elementorestritivo-atributivo: lide pendente (processo em curso), lide temerária (éa que se intenta, propõe por mero capricho, por abuso de direito ou comconhecimento de que não tem fundamento).

• Lídimo: é comum a expressão lídima justiça nos fechos de peças judi-ciais. Alguns discordam dessa adjetivação, pois lídimo significa legítimo,característica da Justiça. Outros admitem esse pleonasmo quando se fazacompanhar a expressão da circunstância adverbial mais lídima justi-ça.

• Má-fé: a má-fé é confundida na área cível com dolo (acento aberto ó),pois se o dolo é intenção de prejudicar outrem, a má-fé é a ciência domal que enseja.Na linguagem legislativa, a má-fé que se confunde com o sentido de doloé, quase sempre, indicada pela expressão maliciosamente.Interessante é observar que o dolo é a intenção da prejudicar outrem,motivadora da conduta do agente do dolo.

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76 Curso de Português Jurídico • Damião/Henríques

Todavia, a má-fé nem sempre é motivo da conduta. Na classificação daposse, diz o legislador que "é de boa-fé, se o possuidor ignora o vício,ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa" (art. 1.201).Já o artigo 1.202 estabelece que "a boa-fé só perde este caráter desdeo momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidornão ignora que possui indevidamente". Aqui, a malícia não é o motivoda posse, mas quando se percebe o impedimento, aceita-se permanecerna posse indevida.

• Nua propriedade: expressão designativa de propriedade que não éplena, em referência ao proprietário despojado do gozo da coisa.

• Núbil: refere-se, desde sua origem, à mulher, significando idade propí-cia para casar, ou que a jovem está preparada para assumir obrigaçõesconjugais.Com a noção constitucional de que homem e mulher devem assumir,juntos, o ônus da sociedade conjugal, é provável que a expressão núbilalargue seu campo semântico.

• Penhora: é palavra designativa de ordem judicial para apreensão debens móveis e imóveis para garantir o cumprimento obrigacional doexecutado. Não se confunde com o penhor, no qual o devedor, por suainiciativa, oferece bem móvel em garantia de dívida.Por isso, não é aconselhável dizer que o devedor penhorou seu bem;melhor dizer: ofereceu seu bem em penhor.Empregando-se o verbo penhorar, a voz passiva indica penhora - o bemfoi penhorado (sem a vontade do devedor) e a voz ativa indica penhor- o devedor penhorou seu bem (por sua vontade).

• Querela: é ação penal privada. Tem o mesmo sentido de queixa-crime,quando a vítima cumpre a iniciativa do processo criminal. Difere da De-núncia (iniciativa do Ministério Público), ou da Portaria (ato do juiz):todas expressões indicativas de abertura de processo-crime.

• Remição: significa pagar, quitar, diferente de sua parônima remissão,indicativa da liberação da dívida pelo perdão do credor.

• Subsídio: esse vocábulo tem sido pronunciado erroneamente com osom de z, como se fosse "subzídio". No entanto, o s é início da sílaba si,com a pronúncia sub-sídio (som s forte), pois não há vogal em sub.Em Direito Administrativo, designa subvenção que o Estado concede paraassegurar uma atividade econômica de interesse social.

• Termo legal: é o que a lei fixa, sendo antônimo de termo convencional(o que os contratantes pactuam como expressão de sua vontade).

Ampliar o vocabulário jurídico não é só aumentar o inventário pessoal, masempregar as palavras com mais exatidão.

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Vocabulário 77

Além dos vocábulos técnicos, é preciso cuidar da escolha de palavras adequadasà idéia, e. g., é comum ouvir-se amplidão de idéias, quando se quer dizer amplitudede idéia; amplidão tem sentido associado a idéias abstratas, ao firmamento celeste,enquanto amplitude refere-se ao alcance ou abrangência da idéia.

2.14 EXERCíCIOS

1. Comente os enunciados abaixo, tendo em vista a significação de seus ter-mos:a) Perempção e preempção são parônimas, mas não pertencem à mesma

família ideológica.b) O Direito Penal possui vocabulário essencialmente unívoco, em razão da

definibilidade da norma criminal, conforme se percebe nas palavras roubo elatrocínio, apesar de haver vocábulos que, sem mudarem seus significados,incorporam o inventário da linguagem usual, como a injúria/injuriado,empregada largamente no Rio de Janeiro.

c) A ab-rogação refere-se ao todo; a derrogação, porém, limita-se à parte.d) Ilidir é verbo com íntima relação semântica com a palavra contestação.e) Precatória pertence à família ideológica de rogatória, mas não possui liame

semântico imediato com a palavra precatório.f) Arrestar e seqüestrar possuem nexo semântico com a penhora, mas não

com o penhor que pertence à mesma família ideológica da hipoteca.

2. Reescreva os períodos a seguir, enxugando-os pelo processo de substituição deconceitos por emprego de vocábulos jurídicos, selecionados dentre os indicadosno quadro:

desforço pessoal, agravantes, opinio delicti, esbulhado, sentenciar, inqué-rito policial, reintegrar-se na posse, denúncia, tipo legal, antenuantes

a) Ao oferecer sua peça judicial que dá início ao processo penal, o MinistérioPúblico forma sua opinião sobre o delito cometido conforme consta doprocedimento realizado em fase inquisitiva perante autoridade policial.

b) Ao emitir a decisão final sobre o processo, o juiz criminal deve apreciar,além das provas, as circunstâncias que tornam o delito mais grave e aquelasque diminuem a gravidade, nunca se afastando do crime, definido na lei.

c) O possuidor que foi retirado injustamente da coisa possuída pelo emprego daviolência pode voltar à coisa anteriormente possuída por meio de ação judi-cial, ou por defesa feita por ele mesmo, auxiliado por parentes e mesmo porempregados, desde que utilize meios adequados, contanto que o faça logo.

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FRASE

3.1 FRASE, ORAÇÃO, PERÍODO

3.1.1 Frase

., ., ~ ~> ~> <. <4;> ~> <1:>

A palavra frase, originária do grego, significa ação de exprimir-se pela pala-vra.

A gramática clássica emprega a frase como sinônimo de oração, proposiçãoou sentença, sendo os três termos referentes a um pensamento expresso de formainteligível.

Não há, porém, identidade de sentido entre os vocábulos: (a) proposição(proponere): expor, mostrar, tornar público; (b) oração (orare de os, oris, boca) =orar ou falar, daí "Oração aos Moços", Rui Barbosa; (c) sentença (sentire): pensar,julgar, ter opinião.

Se para o clássico tanto uma interjeição "Oh!" quanto uma frase elaboradaem tomo de um verbo eram frases ou orações, para a gramática moderna, fraseé a palavra ou palavras (mesmo a mera interjeição) com sentido completo, e aoração é a idéia lógica centrada em torno de um verbo. Dois são, pois, os tiposde frases:

• Frase nominal: trata-se de frase onde há menos elaboração. É chamadainarticulada ou frase de situação. Conquanto plena de sentido, acha-sedestituída dos elementos articulatórios estruturais que caracterizam aoração.

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Frase 83

3.2 ESTRUTURA DA FRASE

3.2.1.1 Coordenação

Uma oração ---7 período simples.

período

Ifrase oradonal

simples

I - d - b d' - d-oraçao coor enaçao su or maçao coor enaçao eabsoluta subordinação

Esquematizando:

frase

~nominal oradonal

I Isem verbo com verbo

"A linguagem, como se sugeriu no início deste artigo, é produto do modo deviver de uma dada sociedade ..." (José Eduardo Faria)

Duas orações ---7 período composto.

"Trata-se de uma cultura que ultrapassa os limites fixados pela dogmáticatradicional e nem por isso é ideológica ou irracional." (José Eduardo Faria)

Etimologicamente, O termo coordenação está preso à preposição latina cume ao verbo ordinare (cum + ordinare), isto 'é, ordenar com, ordem em conjunto. Otermo grego correspondente é parataxe (pará - ao lado de) e táxis (linha).

A característica fundamental da coordenação, como se pode depreender dopróprio sentido etimológico, é a identidade, a: equivalência, a relação de similari-dade, tanto entre os termos como entre orações.

3.2.1 As combinações da frase: coordenação esubordinação

Os processos, mediante os quais as orações se conectam ou se amarram noperíodo, denominam-se processos sintáticos: coordenação e subordinação.

Não é mansa e pacífica a matéria, havendo muita controvérsia a respeito dosconceitos e distinções dos tipos oracionais. Não é, porém, interesse da ativi.dadejurídica dirimir dúvidas sobre o assunto, que será tratado em linhas gerais.

''Apesquisa de Joaquim Arruda Falcão leva-nos a outras áreas." (José Reinaldode Lima Lopes)

"No Brasil, a inquietude democrática agita todas as forças vivas da Nação."(Shelma Lombardi de Kato)

"Duas gotas, dois minutos.Dois olhos claros e bonitos."

Também caracteriza os aforismos jurídicos como:

Tem conteúdo significativo, embora opere na área semântica por não es-tar concentrada num verbo. Émais adequada para figurar em sentenças eprovérbios em razão da ausência do conectivo. Vejam-se os exemplos:

"Homem pequenino, ou embusteiro ou bailarino"; "cabelos longos, idéiascurtas"; "a barba cã, moça louçã".

• Frase verbal: por estar concentrada num verbo e apresentar formasde comunicação de maior dimensão, é a frase mais desenvolvida ou demaior complexidade estrutural, operando na esfera da sintaxe. Chama-sefrase articulada, oracional ou verbal.Normalmente contém uma estrutura bimembre, articulando sujeito epredicado.

Na propaganda é corrente tal tipo de frase. Veja-se a referente ao ColírioMoura Brasil:

"Nulla poena sine lege"; "dura lex, sed lex"; "ubi bene, ibi patria".

"Esta foi mais uma causa do aumento dos litígios judiciais." (Boaventura deSouza Santos)

"Não se trata de um problema novo." (Boaventura de S. Santos)

82 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

3.1.2 Oração

3.1.3 Período

A unidade gramatical desenvolvida em torno de um eixo verbal é, como já seviu, oração oufrase verbal. Exemplos:

Recebe o nome de período a unidade gramatical que se constitui de uma oumais orações concluídas por ponto final ou outro sinal (ponto de interrogação,ponto de exclamação, reticências, dois-pontos).

Será simples o período constituído de uma só oração; composto, quando houverduas ou mais orações. Exemplos:

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84 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Na coordenação, nenhum dos componentes é parte constituinte do outro; cadaparte compõe uma totalidade; cada membro é um todo, um não é parte do outro.Não pode haver, na coordenação, dependênciajormal de um em relação ao outro;pode-se falar em interdependência semântica, de compreensão do sentido.

Nota: Recordar conjunções coordenativas em boas gramáticas.

3.2.1.2 Subordinação

Se uma oração for parte de outra, ela não dispõe de autonomia; fala-se, nessecaso, de subordinação ou dependência. O nexo, pois, na subordinação é de depen-dência; a oração subordinada constitui uma parte da oração a que se dá o nomede principal e com a qual compõe o todo. A oração principal ou subordinante é oeixo de gravitação das demais orações para conferir ao período o acerto necessárioe conveniente. Exemplos:

"Pela 'res judicata' os tribunais impedem que um conflito se prolongue notempo indefinidamente." (J. R. de Lima Lopes)

Há um período composto de duas orações; no caso, a primeira é a subor-dinante e a segunda, a subordinada.

"Dizemos que há flagrante quando o crime está sendo cometido." (AdautoSuannes)

Período composto de três orações; a segunda e a terceira são subordinadas.

"São atos jurídicos os que derivam da vontade humana e que produzem efeitoslegais." (Roque Jacinto)

Vê-se, no caso, exemplo de período misto, pois encontra-se coordenação e su-bordinação. Em princípio, os processos sintáticos são coordenação e subordinação;pode haver, per accidens, coordenação e subordinação juntas.

Nota: Recordar conjunções subordinativas.

3.3 RELAÇÕES SINTÁTICAS NA EXPRESSIVIDADE DAFRASE

3.3.1 Concordância

Concordância é o princípio conforme o qual se estabelecem correlações deflexão entre termos subordinantes e subordinados. De acordo com as classes gra-maticais, podem-se apresentar as formas seguintes de concordância:

Frase 85

a) concordância nominal: entre substantivo (ou pronome) e adjetivo.b) concordância verbal: entre sujeito e verbo.

Fazendo-se a correlação pelo subordinante, fala-se em concordância gramati-cal; se o ajustamento ocorre pela idéia, será ideológica a concordância; no caso deajustamento pelo termo mais próximo, dar-se-á a concordância por atração.

Aceita-se que a concordância é, sobretudo, questão de estilo; não se há, pois,de tachar, precipitadamente, como errôneas, certas concordâncias de autores denomeada; cabe investigar se houve ou não razões que as justifiquem.

Exemplos:

Marido e mulher têm o mesmo domicílio.

Concordância gramatical: sujeito composto ~ verbo no plural.

"Realmente, o homem não pode viver isolado." (W M. de Barros)

Concordância gramatical: sujeito simples ~ verbo no singular.

"Do mesmo pai nasceu lsaac e Ismael." (Vieira)

"Segundo os cânones gramaticais há concordância com o termo mais próxi-mo por atração. Entretanto, o relevante, no caso, não é a mera contigüidade dostermos, mas o fato de Isaac ser o filho privilegiado, nascido de Sara, ao passo queIsmael era filho de Agar, uma escrava. A Isaac, por este motivo, coube-lhe o direitode primogenitura, mesmo nascido depois. Era o primogênito 'de jure', embora nãoo fosse 'de facto'" (ANDRADE;HENRIQUES,1992b, p. 65)

"Valha-meCristo e a Virgem do céu! soluçou D. Teresa." (Camilo)

Novamente, a gramática fala em concordância com o mais próximo; expli-ca-se, entretanto, melhor, a concordância por questão de hierarquia ou primaziareligiosa: Cristo é mais importante; daí o verbo no singular.

É de todos sabido que o amor transforma os amantes num só corpo e numa sópessoa; esta idéia é que levou, por certo, ClarÍCe Lispector a se afastar das normasgramaticais para ressaltar a idéia de plena unidade no seguinte passo: "Eu soutua, e tu és meu, e nós é um."

Percebe-se, pois, que há razões que transcendem a gramática e justificam estaou aquela concordância.

Sousa da Silveira (1948, p. 34) cita um texto interessante do Pe. Bernardesrelacionado com a concordância do substantivo:

"Saiu um religioso com este arbítrio: que eles, revestindo-se daquele espírito dehumildade e simplicidade com que seu seráfico patriarca a todas as criaturas cha-mava irmãs: irmão sol, irmão lobo, irmã andorinha etc., pusessem demanda àquelasirmãs formigas, perante o tribunal da DivinaProvidência, e sinalassem procuradores,assim por parte deles autores como delas RÉUS." .

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Frase 87

Carlos."

"Advogado sou há cinqüenta anos..." (Rui Barbosa)

Como é que pode? Abraçosmil do

carga conotativapobre presodistinto causídicogrande juizsimples advogado

ou• carga denotativapreso pobrecausídico distintojuiz grandeadvogado simples

A mesma quebra de tratamento pessoal vê-se no trecho abaixo de Frei Toméde Jesus, escritor de pura cepa clássica e de reconhecida autoridade:

''l\.doro-te, Verbo divino encarnado, adoro-te, Filho de Deus vivo huma-nado, adoro-te, Deusmeu verdadeiro, vestido de minha mísera carne, e mortalida-de. Chegastes, desejado dos Santos Padres: chegastes, saúde das almas, verdadeiravida, e bem-aventurança dos errados pecadores. Já se não gabará o Céu de ser elesó vossa casa, pois já aqui vos tenho unido a minha humanidade, morador do meudegredo, e companheiro destas terrenas moradas."

(Apud SILVEIRA,1955, p. 377)

3.3.3 Colocação

Ditam-se algumas normas para a distribuição das palavras na frase ao se ela-borar uma oração, a saber, em primeiro lugar o sujeito e seus agregados; a seguir,o predicado e complementos. A esta disposição dos vocábulos na oração dá-se onome de colocação.

Fala-se em ordem direta ou natural quando se dispõem os elementos na ordem:sujeito + predicado + complementos.

Há, também, a ordem indireta ou inversa, caracterizada mais pela ênfase, pelacarga afetiva, pela influência e ritmo das palavras e pela criatividade dos bonsautores. O estilo, pois, dita a ordem indireta que se contrapõe à ordem direta eque a esta deve sobrepor-se.

A ordem das idéias deve corresponder à ordem das palavras na frase; a inversãoconcorre para realçar determinado elemento da oração. Exemplos:

Falando aos advogados, Rui quis frisar sua profissão; quisesse frisar o tempode trabalho diria: Há cinqüenta anos, sou advogado.

Enfim, pode-se jogar com a colocação das palavras na frase desde que a es-trutura frasal não seja ferida.

A distribuição dos elementos numa oração depende de alguns fatores:

1. Regência nominal: estabelece-se entre o nome e seus dependentes.Exemplos:

''l\.pessoa obrigada a suprir alimentos ..." (CC, art. 403)

2. Regência verbal: constituída entre o verbo e seu complemento ou ad-junto. Regência verbal acontece com verbos intransitivos, transitivos diretos ouindiretos. Há de se registrar que verbos intransitivos se usam como transitivos;em tais casos, o leitor atento perceberá que o objeto direto é cognato do verbo ese faz acompanhar de um elemento especificador. Exemplos:

a) Vivia uma vida faraônica. (radicais idênticos)b) Dormiu um sono agradável. (objeto direto interno reforça o conceito

verbal)

Leia-se, a propósito, Almeida Tôrres (1959, p. 20-23):"Em latim, dava-se a mesma regência e o exemplo mais em voga era 'mirum

somniavi somnium'."; Almeida Tôrres (1959, p. 22) cita outro exemplo de Plauto:"modice et modestius est vitam vivere".

Por seu turno, verbos transitivos aparecem intransitivos elidindo-se o objetodireto, complemento obrigatório. É o que Mário Barreto chama de "acusativotácito".

A sanção do uso é que estabelece a transitividade ou intransitividade dosverbos.

A afetividade e a linguagem familiar podem alterar a regência verbal e explicaro desvio de tratamento pessoal; é o que se pode verificar numa carta de C. D. A.a Hilda Hilst, estampada na Folha de S. Paulo (6-4-91):

Diz-se regência a dependência de palavras com relação a outras na oração. Aforma regente é a que governa; a forma regida é a que sofre dependência.

Fala-se, no caso, em:

3.3.2 Regência

"Hilda: merci pelo telegrama.Claro que também te desejo todas as coisas boas em 53 e pelo tempo adiante.

Visua carta ao Cyro. Jamais estive zangado contigo. V. é uma boba.

''l\.instituição do 'habeas corpus', portanto, significa um avanço ético..." (AdautoSuannes)

Réus (masculino) refere-se a formigas (feminino); é que o substantivo réusestá em sentido amplo, abrangendo também o feminino. O mesmo acontece naexpressão in dubio pro reo.

86 Curso de Ponuguês Jurídico • Damião/Henriques

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Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

abrasa

lampeja

"Miguel, Miguel! Não tens abelhas e vendes meL"

Frase 89

• Eufonia: tem importância capital na disposição das palavras na frase; acolocação pronominal, v. g., é, essencialmente, questão de eufonia.

Cumpre lembrar que, hoje, a praxe estabeleceu a ordem inversa em orações decaráter imperativo, como "execute-se a sentença", "cumpra-se a lei", "revoguem-seas disposições em contrário".

Vale atentar-se para a boa colocação das palavras para que se evitem frasesobscuras ou, mesmo, ambíguas. Vejam-se os exemplos apontados por Mário Bar-reto:

Tem uma nódoa no seu casaco de gordura.Pôs o chapéu na cabeça de três bicos.Houve uma efusão de sangue inútil.Mando-te uma cadelinha pela minha criada que tem as orelhas cortadas.

3.4 ASPECTOS ESTILÍSTICOS DA ESTRUTURAORACIONAL

"Fabiano, meu filho, tem coragem. Tem vergonha, Fabiano."

(ANDRADE; HENRIQUES, 1992b, p. 69)

Um enunciado, simples ou composto, como se viu, possui ênfase quando aposição dos termos oracionais dá realce à idéia principal.

A energia frasal depende, pois, do lugar - começo ou fim - em que se encontraa palavra de valor.

Ao lado disso, a tonalidade afetiva da combinação de sons será responsávelpela linguagem expressiva: a sonoridade evoca na mente cargas semióticas posi-tivas ou negativas, funcionando como um reforço do significado.

Em uma frase, portanto, não basta a escolha de palavras para traduzir demaneira firme o pensamento; a frase estilística requer, ainda, uma seleção voca-bular cuidadosa e paciente para obtenção de um sistema fonológico capaz detrazer em si um estado afetivo.

Não é suficiente, porém, o efeito semântico dos sons. É imperativo reconhecerque há palavras fortes e fracas; simpáticas e antipáticas; enérgicas e apáticas, atéem nível de sociolingüística, vale explicar, o valor a elas atribuído nas relaçõessocioculturais.

Também, no repertório de uma língua são encontrados termos literários ecoloquiais, sendo exigível a seu usuário usá-los consoante o tipo de comunicaçãoque está sendo realizado. Neste passo, a escolha do termo exato para traduzir aidéia é ponto fundamental da boa linguagem. É preciso observar, ainda, que asituação lingüística indica o sinônimo pertinente à tonalidade afetiva. Dizer que a

"r-'

(Rui Barbosa)

brame

Então a palavra se eletriza

fulmina I

b) Gradação: parte do menor para o maior à busca do clímax. Exem-plo:

Graciliano Ramos joga com o vocativo no início e fim do período, for-mando um quiasmo:

a) Pleonasmo enfático: promove a antecipação do objeto direto, objetoindireto, predicativo. Exemplos:

''A anulação do casamento, nos casos do artigo precedente, só a poderádemandar o cônjuge enganado." (Apud KASPARY,1990, p. 122)

''Aopobre, não lhe devo." (R. Lobo)

"Opiniático, egoísta e algo contemplador dos homens, isso fui." (M. deAssis)

Todos conhecem o ditado "mais vale um cachorro amigo do que umamigo cachorro". Cite-se, ainda, um exemplo de Noronha (1969, p. 8):"O maior vulto é, então, Cesare Beccaria, com seu 'pequeno grande livro'Dei delitti e delle peni".

• Realce de função com fórmulas estereotipadas, como Meritíssimo Juiz,Colendo Tribunal, Egrégio Tribunal, Egrégia Corte, Magnífico Reitor,Reverendíssimo Padre e outras. Observe-se que tais fórmulas aparecemcom maiúsculas e com idéia ou forma superlativas.

• O uso de figuras literárias pode alterar o posicionamento de palavrasna frase para efeito de clareza, elegância ou ênfase. Vejam-se algunscasos:

• Vocativo: não tem cadeira cativa na frase, mas, normalmente, encabeçaa frase em função de seu caráter apelativo; sobejam exemplos:

"Teodomiro, tu hoje és Duque de Córduba ..." (A. Herculano)

"ó Bruno! Não se esqueça do varal da lanterna do portão!" (A. Azevedo)

88

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.-.

90 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

vítima sofreu nas mãos de seu algoz não é o mesmo que dizer de seu padecimento.Sofrer é dinâmico, consegue liberar reações próprias do estado negativo. Padecer,no entanto, é estático; é sofrimento silente, por conseguinte, mais doloroso.

Na construção frasal, a configuração módica dos vocábulos acentua sua ex-pressividade. Assim, até os prefixos e sufixos encontram-se carregados de intençãosignificativa, impondo às palavras a cunhagem de efeitos estilísticos. Na linguagemjurídica, aumenta a responsabilidade do bom desempenho frasal, por ser o períodosimples ou composto - o veÍCulo comunicativo por excelência.

3.4.1 A frase completa simples

Como se viu anteriormente, o elemento sintático estabelece a intencio-nalidade da idéia, sendo a frase completa simples, desta sorte, um recurso estilís-tico para a expressão do pensamento.

Já foi dito que na significação nominal o fator direção intencional prende umacaracterização à existência real ou ideal de determinado objeto, dando-lhe umaspecto estático e valorativo.

Vejam-se as frases:

Aquele homem é medroso.O céu está escuro.O campo está verde.

Em todos os enunciados acima há uma relação íntima e estática entre homem/medroso; céu/escuro; campo/verde.

Todavia, o conteúdo do verbo nocional da predicação verbal dá à frase umaintenção dinâmica, separando o que antes era inerente a um objeto, de modo atransformar atributos em ações, e. g.:

Aquele homem tem medo.O céu escureceu.O campo verdejou.

Considerando o fator de intencionalidade, é de se notar:

a) Pela sentença, o réu é culpado.b) A sentença condenou o réu.

Na estrutura "a", o atributo culpado prende-se de forma íntima ao sujeito"réu", dando ao substantivo uma idéia com tal aderência que o leitor se convenceda culpa do acusado. Verifique-se, ainda, que o complemento circunstancial deslo-cado para o inÍCio da frase persegue dupla carga intencional. De um lado, parecerestringir o efeito de aderência do atributo culpa ao réu, colocando em destaque

Frase 91

o instrumento de formação da culpa. Por outro lado, porém, sendo a sentença oápice de um processo, despertando naturalmente a idéia de aplicação de Justiça,realça o efeito do atributo.

Na estrutura "b", a condenação perde o caráter de atributo para assumir o papelde ação. Assim, a culpa não é atributo do réu. Sofreu ele, pelo contrário, a açãocondenatória da sentença. Com isso, a discussão judicial vem carregada de efeito"autoritário", admitindo uma controvérsia mais acentuada de sua validade.

Veja-se, agora, a frase:

o juiz aplicou pena severa ao homicida.

Na estrutura frásica acima, identificamos um período simples, expresso pormeio de uma frase completa simples.

Verifique-se que cada uma das palavras, isoladamente, apresenta um conteúdomaterial, vale dizer, uma significação interna ao objeto de sua qualidade:

juiz é autoridade provida de credibilidade;

pena é castigo para o que pratica conduta em lei proibida;

homicida é palavra carregada de afetividade negativa para designar o que serápunido em razão de conduta criminosa.

Observa-se que a ação sígnica é interpretada por um código ideológico parti-lhado por todos os membros de um mesmo grupo social, constituindo um sistemasemântico de valores socialmente qualificados, que os indivíduos de um grupocultural recebem prontos. Em conseqüência disso, a palavra severa perde o valorde injustiça para representar idéia contrária, no caso, justiça, por ser aplicada nãoa um aCl,lsado qualquer, mas a um homicida. Se o grupo sociocultural entende quea conduta de um homicida é altamente repulsiva, aceitará a idéia de o Estado,defendendo o bem comum, ampliar sua ação de apenar os que não se ajustaremàs legitimações do grupo.

O leitor (interpretante ideológico) irá guiar-se pelos sentidos valorativos dasações sígnicas, entranhado que está num persuadere retórico que é tanto maiseficaz quanto mais estimuladas as associações significativas.

Como se verifica, cabe ao emissor selecionar e combinar as palavras em umtexto, de forma a provocar a apreensão d,a direção intencional do pensamento.Por essa via, irá ele acionar uma interpretação pretendida da frase, exibindo ela,desta sorte, a petição do princípio que a intenção argumentativa dos vocábulosestimula na decodificação da frase. No mundo jurídico, esta instância de manifes-tação (frase com intenção semântica direcionada) é de grande importância, emrazão do caráter persuasivo de seu discurso.

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92 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

3.4.2 O fator psicológico da estrutura frásica

A linguagem, como se viu, é suporte de manifestações significativas, percebidaspelas relações combinatórias de palavras carregadas de direcionalidade.

Para Robert F. Terwilliger (1984, p. 11), em sua valiosa obra Psicologia dalinguagem, "encara-se a linguagem como atividade ou processo mental, que é, poressência, consciente, significativo e orientado para o social".

Assim, uma simples frase, pela qual se quer expressar uma idéia ou impressão,requer um intrincado processo mental para a transmissão do pensamento.

Os períodos curtos, nesta concepção psicológica da frase, denotam uma es-pécie de humanidade fragmentada e intranqüila. São ótima opção para o autorcontemporâneo que busca retratar um século em crise existencial.

Também, escritores há que intercalam períodos curtos e longos; estes últimos,de natureza labiríntica - as orações subdividem-se em segmentos carregados deinformações, dificultando a apreensão do pensamento.

Os períodos excessiva ou seguidamente curtos (frases entrecortadas) e os muitolongos (frases centopéicas) não são recomendados para o efeito psicológico dafrase jurídica, porque dela se espera usuários equilibrados, de lucidez disciplinada,porque é por meio dela que o profissional do Direito defende interesses, acusacriminosos, absolve ou condena.

O processo frasal equilibrado faz uso inteligente dos pormenores.Observe-se o exemplo adiante:

"Diz-se pura a doação, que se celebra sob a inspiração do ânimo liberal ex-clusivamente, isto é, que envolve a mutação do bem no propósito de favorecer odonatário, sem nada lhe ser exigido e sem subordinar-se a qualquer condição, oumotivação extraordinária." (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil,1992, p. 174)

A definição encontra-se concentrada na idéia:

"Diz-sepura a doação que se celebra sob a inspiração do ânimo liberal exclu-sivamente."

O leitor-interpretante sabe que doar é dispor gratuitamente de bens ouvantagens de seu patrimônio por liberalidade. Na definição em tela, portanto, apalavra-chave é "exclusivamente".

Assim, os pormenores que se alinham à idéia têm função explicativa da ex-pressão "exclusivamente", perfilhando as orações com elegância e clareza.

Do ponto de vista psicológico, a linguagem é, ainda, um organizador de cogni-ção, explicando as idéias por meio de comparações e contrastes, provas e razões,causas e efeitos entre outras correlações lingüísticas, influenciando outros sistemaspsicológicos, tais como o da percepção e do pensamento.

Frase 93

Atente-se no brilhante exemplo de Olavo Bilac, colhido pelo insigne Prof.Silveira Bueno, em suaA arte de escrever (1961, p. 67):

"Há na alma do povo brasileiro, como em certos trechos do oceano misterioso,bancos traidores, baixios insidiosos, areias fugitivas e assassinas, correntezas de-sencontradas e esmagadoras; são esta falta de unidade da pátria, esta ausência dosentimento de comunhão, esta escassez da nossa instrução, esta penúria do nossoarmamento bélico e moral, esta miséria de nossa coesão e da nossa disciplina, e ou-tras tantas multiformes ameaças que nos cercam e espiam. De onde vêm, para ondevão estes vagos escolhos errantes, estes indefinidos cursos de água e de ventos?"

Nota: houve a adaptação às regras atuais de acentuação gráfica.

É de se dizer, ainda, que a ordem inversa (3.3.3) é mais enfática do que adireta, assim como a voz ativa é mais expressiva do que a passiva. A primeira de-nota a agilidade do espírito nas mais diferentes situações, sem perder o equilíbrionecessário da frase direta nuclear. A voz ativa, por sua vez, evidencia o espíritodinâmico e realizador.

Exemplos:

a) As palavras do Promotor de Justiça não convenceram os jurados.Aosjurados, as palavras do Promotor de Justiça não os convenceram.

No caso em tela, o recurso da inversão possibilitou o emprego do objeto diretopleonástico, tão apreciado no discurso jurídico.

b) A vítima foi violentada pelo réu.O réu violentou a vítima.

Na linguagem do Promotor de Justiça, por certo, a voz ativa descreve commaior força a conduta criminosa que se deseja punir.

Impossível a um livro destas dimensões cobrir toda a pesquisa psicológicasobre a representação do pensamento na estrutura frásica. Muitas boas publica-ções há na área de Psicologia da linguagem, mais particularmente, no campo doPensamento e Linguagem, cumprindo ao acadêmico ou ao profissional do Direitoperscrutá-las.

3.4.3 A ordem dos termos no período simples

A ordem das palavras apresenta-se mais ou menos rígida segundo as línguas,constituindo-se em marcador estrutural.

Na língua portuguesa, a ordem direta indica a estrutura tipo: sujeito-ver-bo-complementos, sendo que os integrantes comparecem antes dos acessórios.

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Frase 95

3.4.4 A expressividade frásica na coordenação

a) paralelismo sintático: as ações ocorrem no mesmo tempo verbal;

b) paralelismo semântico: a correlação semântica de oposição;

c) paralelismo rítmico: as orações PÇlssuemo mesmo número de sílabas.

Assim, além de os tempos verbais serem iguais, deve haver paralelismo se-mântico (de adição, oposição, conclusão, alternância ou explicação de idéias). Porfim, o número de sílabas não precisa ser rigorosamente igual; basta não haverdesproporção exagerada.

meio dele. Resta lembrar que os advérbios intensificadores costumam vir antepos-tos (muito elegante, suficientemente discreto), enquanto os que contêm determi-nação precisa ao verbo se pospõem (chegar inesperadamente, agir lealmente).

Fica, pois, o convite para que o leitor organize os variegados arranjos das pa-lavras nos períodos simples, criando maneiras expressivas de dizer o pensamento.Fica, também, o desafio: não prejudique este exercício a organização lógica dopensamento.

Nota: verifique, além da inversão, a elipse do conectivo que, comum nas frasesdesse tipo.

34 5671234567

I ela Imou I por I per Idão I; a I lei I im Ipôs l-lhe I jus Itil ça

L sílaba tônica

2

réu1

O

A coordenação, conforme ensina Silveira Bueno (1958, p. 235), era cons-trução largamente usada, na literatura arcaica, por não exigir grande esforço deexpressão. Àquela época, bom é lembrar, as estruturas frásicas mais complexaseram expressas na vida jurídica, constituídas, porém, em latim.

Conforme se viu (3.2.1.1), a coordenação permite maior autonomia sintáti-ca, facilitando a organização da idéia; a vinculação semântica persiste, porém,sendo possível dizer que presente está a subordinação psicológica. Em razãodisso, a coordenação é exceção, considerada a subordinação (hierarquização deidéias) a regra; também, o período coordenado só deve ser escolhido na construçãofrásica, quando alcançar o efeito estilístico do tríplice paralelismo, vale recordar,sintático, semântico e rítmico, como se observa no exemplo:

A colocação das vírgulas conforme os modelos acima tem função afetiva,destacando o atributo de maneira a torná-lo importante na expressão do pensa-mento.

Também, inúmeras são as combinações que contribuem para marcar a expres-sividade dos predicados verbal e verbo-nominaL Nilce Sant'Anna Martins (1989,p. 171) elenca-as com muita precisão:

a) Verbo-sujeito: Será absolvido o réu.b) Verbo-objeto direto-sujeito: Esperava a absolvição o pobre réu.c) Sujeito-objeto direto-verbo: O advogado tudo esperava.d) Objeto direto-sujeito-verbo: Piedade ele não sentia.e) Objeto direto composto repartido, parte antes do verbo, parte depois:

Esperanças e sonhos nutriam, tristezas e lamentações, também algunsprojetos de realidade.

f) Objeto indireto-sujeito-verbo-objeto direto: Aos jurados o advogadosuplicou a Justiça.

g) Sujeito-objeto indireto-verbo: O Promotor de Justiça aos jurados con-venceu.

h) Objeto indireto-verbo-sujeito: À vítima pertencia a arma do crime.i) Predicativo do sujeito + verbo intransitivo + sujeito: Desanimado saiu

o advogado.

j) Predicativo do sujeito + sujeito + verbo intransitivo: Desanimado oadvogado saiu.

1) Sujeito + predicativo do sujeito + verbo + objeto direto: O réu imóvel,ouviu a sentença.

a) Sereno, caminhava o condenado rumo à prisão.b) Caminhava, sereno, o condenado rumo à prisão.

94 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Todavia, tais indicativos não são estabelecidos com rigor porque os termospodem ser deslocados na frase, desde se mantenha lógico o sentido.

O predicado nominal, que se constrói costumeiramente na ordem sujeito-verbode ligação e predicativo do sujeito, pode deslocar o atributo para antes do verbo,ou o verbo antes do atributo, obtendo, se não houver exagero no uso, efeito es-tilístico notáveL

Observe-se:

Quanto aos termos acessórios, em especial os adjuntos adverbiais, é bastantemóvel sua posição na frase, devendo ser colocados consoante a melhor eufonia,garantindo, assim, um resultado mais expressivo, porque são virgulados quandodeslocados para o início do período e ficam entre vírgulas quando se destacam no

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96 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

3.4.5 A expressividade frásica na subordinação

Hierarquizando idéias e estabelecendo relações gramaticais de dependêncianão só semântica, mas também sintática, a subordinação enfrenta duas dificul-dades:

a) a necessidade da escolha da idéia principal;b) a dramaticidade do circuito ideológico.

É certo que a Oração Principal não é apenas a sintaticamente colocada semconectores subordinativos, ou sem apresentar forma verbal no gerúndio, particí-pio ou infinitivo, é também a que centra a idéia mais importante entre aquelas aserem relacionadas na estrutura frasal.

Tomemos por modelo as idéias:

1. Lúcia é aluna do curso de tradutor-intérprete.2. Ela conhece bem a língua inglesa.3. Ela precisa custear seus estudos.4. Ela faz traduções.

Querendo realizar relações sintagmáticas hierarquizadas das idéias em umaúnica estrutura frásica, cumpre ao redator escolher a idéia mais importante que,na combinação sintática, será a Oração Principal. Suponhamos recaísse a escolhana idéia 4 (Ela faz traduções). Poder-se-ia construir, entre as muitas combinações,a seguinte relação:

Lúcia, que é aluna do curso de tradutor-intérprete, precisando custear seusestudos, faz traduções, porque conhece bem a língua inglesa.

Perceba-se:

1. A oração: "que é a aluna do curso de tradutor-intérprete", sendo intro-duzida por pronome relativo, é subordinada adjetiva.

2. A oração: "precisando custear seus estudos", sendo introduzida por verbono gerúndio, é subordinada reduzida.

3. A oração: "porque conhece bem a língua inglesa", sendo introduzida porconectivo causal, é subordinada adverbial.

4. A oração principal é, pois, "Lúcia faz traduções"; em torno dessa idéiaas demais irão gravitar.

Adramaticidade do período subordinado ocorre para impedir que o circuito in-formativo central se complete antes de serem colocadas as idéias subordinadas.

Observe-se o período:

Frase 97

Júlio foi reprovado em Direito Civil,embora tenha estudado para a prova.

É de se notar que a carga semântica esgotou-se na primeira oração, tornandoprecária e frágil a oração a ela subordinada. Diz-se em Estilística que o períododeve estabelecer um critério dramático: uma prótese (cria-se a expectativa); umaapódose (dá-se o desfecho).

Observe, agora, a variante:

Embora tenha estudado para a prova, Júlio foi reprovado em Direito Civil.

A conjunção concessiva indica, é certo, idéia de oposição, mas estatisticamentenão esgota as possibilidades em uma única solução. Vejam algumas sugestões paraa oração principal:

a) , o professor adiou a prova.b) , Júlio considerou a prova difícil.c) , Júlio não foi realizá-la.

Importante é, conclui-se, um exercício disciplinado e contínuo na arte de ela-borar frases, adotando postura consciente e reflexiva na organização da idéia, naconstrução gramatical do pensamento e, por fim, nos efeitos estilísticos da frase,unidade numérica da persuasão discursiva.

3.5 FEIÇÃO ESTILÍSTICA DA FRASE E DISCURSOJURÍDICO

Nem sempre a feição estilística das frases é adequada ao discurso jurí-dico.

Literariamente, há diversos tipos frásicos de vigor retórico, mas não apropria-dos ao discurso jurídico.

Para melhor aproveitamento deste assunto, recomenda-se a leitura de OthonGarcia, obra já indicada, em seu Capítulo 1 - Frase, tópico Feição estilística dafrase.

As principais modalidades estilísticas frasais são as seguintes:

a) Frase de arrastão: seqüência cronológica de coordenações, arrastando aidéia, pormenorizando o pensamento. São muito utilizadas na linguageminfantil e empregadas por autores contemporâneos para denunciar umahumanidade que perdeu sua capacidade de hierarquizar idéias, imitandoo homem medieval, que tinha dificuldades em construir períodos subor-dinados.

Ao jurista é totalmente imprópria esta construção frásica.

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1'es~tura sintáticaf mllllma

o réu atacou a vítima,,~--~/ ,,~--~/ ,,~---~/

sujeito verbo objetotransitivo direto

direto

Veja-se:

e) Frase labiríntica: é o excesso de subordinações, dividindo-se a frase emidéias secundárias que, por sua vez, também se partem, afastando-se daidéia nuclear .

o Direitoé a aplicação da lei que é imperativa, não convidando seus subor-dinados a obedecer a ela, por exigir seu acatamento, sendo a norma jurídica avontade do ordenamento jurídico.

d) Frase fragmentária: variante da frase entrecortada, apresenta ruptu-ras na construção frásica, com incompletude sintática. Não deve serusada no discurso jurídico, salvo se ocorrer elipse gramatical retórica,e. g.:

Condenado o réu, será encaminhado a presídio de segurança máxima.

Frase 99

f) Frase caótica: também apelidadafiuxo do consciente, da linha psicanalítica.É estrutura frásica desorganizada, sem logicidade semântico-sintática,bastante empregada na literatura contemporânea, mas inaceitável nodiscurso jurídico.Assim, o emissor deve verificar se as idéias estão bem ordenadas, comestruturação sintática adequada, porque o discurso jurídico afasta qual-quer possibilidade de emprego do monólogo interior, expressão da frasecaótica.

por:

o Direito é, antes de tudo, a aplicação da lei que traduz a vontade do or-denamento jurídico. Assim,a norma jurídica tem natureza imperativa, pois nãoconvida; antes disso, exige obediência de seus subordinados.

Se o réu for condenado, será encaminhado a presídio de segurança má-xima.

Terapia da linguagem:

a) Período simples: expansão moderada da estrutura sintática mínima,evitando frases entrecortadas (ou fragmentárias quando incompletas),e. g.:

No discurso jurídico, o emprego adequado é'o da medida retórica, a saber:

Leia-se o exemplo:

o julgamento iniciou e ojuiz deu a palavra ao advogado e este apresentousua tese com entusiasmo, mas os jurados não aceitaram a legítima defesa econdenaram o réu.

Poder-se-á tornar o período mais complexo, sem perder de vista a men-sagem, por meio de terapia da linguagem, processo pelo qual se torna afrase mais adequada sintática e estilisticamente, e. g.:

Iniciado o julgamento, o juiz deu a palavra ao advogado, que apresentou,com entusiasmo, sua tese, não sendo aceita, porém, a legítima defesa, razãopela qual os jurados consideraram o réu culpado .

o réu entrou na sala e caminhou lentamente em direção à vítima e a olhavafriamente, com riso perverso nos lábios e balançava uma faca brilhante e afiadana mão direita e, com violência, enfiou o instrumento perfurante no ventre damísera mulher.

o réu entrou na sala. Estava abatido. Sentou-se. Colocando as mãos nacabeça. Ela estava abaixada. Ele parecia desanimado. Ele previa o resultadoadverso. Ele esperava a condenação.

o réu entrou abatido na sala, sentando-se, em seguida, com as mãos nacabeça abaixada. Ele parecia desanimado, pois previa o resultado adverso eesperava a condenação.

Terapia da linguagem:

b) Frase de ladainha: é variante da frase de arrastão, sendo construída comexcesso de polissíndeto da conjunção e, sem, no entanto, dar à frase tomretórico de gradação (crescente ou decrescente).Apesar de nunca ser recomendado seu emprego no discurso jurídicoescrito, pode, eventualmente, e com auxílio de recursos fônicos (timbrede voz, tonicidade) e gestuais, ser utilizada no discurso oral.Imagine-se o advogado dirigindo-se vagarosamente em direção aos ju-rados, mão estendida, olhar sombrio e voz arrastada, aumentando, aospoucos, o timbre e a velocidade, dizendo:

o recurso poderá demonstrar a crueldade do ato criminoso, se usadocom habilidade. Não deverá, porém, ser empregado repetidamente, poisperderá sua validade no discurso jurídico .

c) Frase entrecortada: também chamada de frase esportiva, é muito curta .Em excesso, esta construção usada como recurso estilístico literário paraapontar a incapacidade de o homem pensar, torna-se em estilo picadinho,impróprio ao discurso jurídico .Veja-se:

Curso de Português Jurídico • Darnião/Henriques98

•••••••••~•••••••••••••••••••••••

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101Frase

Para ele a vida nada vale.A vítima era uma criança.

a) Este promotor me lembra os homens desalmados.b) (Estes) só pensam em sua ambição.c) (Ele) lança sem piedade inocentes nas masmorras.a) O acusado não sentia remorsos.b)

c)

b) O advogado estava animado. Os jurados pareceram interessados.c) O juiz vai encaminhar o réu à Penitenciária. Ele será conduzido algema-

do.d) A audiência foi movimentada. Houve muitos depoimentos contraditó-

rios.e) Este advogado fala muito bem. Ele convence qualquer auditório.

2.1.

2.2.

2. Organize períodos subordinados (indicando sua feição estilística - tensos oufrouxos), escolhendo, para tanto, a idéia principal. Para isso, faça os ajustesnecessários.

3. Valendo-se de consulta a obras gramáticas, verifique se as concordâncias verbaisdas frases estão corretas, justificando:a) Reinava um silêncio profundo e ansiedade incontrolável no tribunal, en-

quanto se aguardava a decisão dos jurados.b) O irmão do réu era um dos que estavam mais ansiosos com o resultado.c) Retórica impecável, argumentos bem formulados, testemunhas firmes em

seus depoimentos, nada, porém, parecia convencer os jurados da inocênciado réu.

4. Selecione textos literários com as diferentes feições estilísticas, realizando, aseguir, as terapias de linguagem.

5. Elabore:5.1. Período simples, com medida retórica, justificando.5.2. Período composto, com medida retórica, justificando.5.3. Parágrafo gráfico, com medida retórica, justificando.

, '\1frase

2ª oração

{

idéia 1

idéia 2

idéia 3

lª oração

----"--~o-'------'1ª oração 2ª oração 3ª oração 1ª oração

por

o réu, de inopino, atacou a indefesa vítima.

Desenvolvimento

ConclusãoAtendida a medida retórica, cada parágrafo gráfico terá, em média, seislinhas, perfazendo 30 linhas, medida retórica redacional.Todavia, não há rigidez retórica, permitindo-se variáveis aos parágrafosgráficos. A medida retórica deve servir de paradigma e de parâmetro aodiscurso redacional.

----------, --------'-0-'--------2ª oração 3ª oração 1ª oração 2ª oração

---~o3ª oração

b) Período composto: medida retórica = três orações (duas orações repre-sentam a estrutura mínima do período composto, com o seguinte esque-ma:

c) Parágrafo gráfico: medida retórica = três frases, com o seguinte esque-ma:

d) Parágrafo formal (redação): medida retórica = três argumentos no de-senvolvimento do discurso dissertativo, com o seguinte esquema:Introdução

100 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

3.6 EXERCíCIOS

•••••••••~••••••••••••.1•.1•••••••1. Reorganize os itens a seguir, construindo períodos compostos por coordenação, •com medida retórica e tríplice paralelismo.

a) O ,éu alegou inocência. As pwva, Emafi ;n,uficien",. I :

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CONSIDERAÇÕES GERAIS

Realizar uma tarefa comunicativa é, no dizer de Kristeva (1969, p. 11) es-cavar "na superfície da palavra uma vertical, onde se buscam os modelos destasignificância que a língua representativa e comunicativa não recita, mesmo se osmarca [...]. Designaremos por significância esse trabalho de diferenciação, estra-

A descrição do processo da comunicação, como se viu em outros tópicos destaobra, coloca o leitor diante de três figuras: a do emissor, a do receptor e, na con-dição de objeto que as relaciona, está a mensagem.

A trajetória comunicativa exige do emissor traços comuns de significação doreceptor, isto é, terá ele de construir a mensagem por meio de estruturas frásicasprevistas no repertório do receptor, entendido este último como usuário de umalíngua comum, quer no sentido genérico da expressão, quer nas variedades ge-ográficas (diatópicas) ou sacio culturais (diastráticas) que permitem incontávelnúmero de possibilidades comunicativas, ainda assim, previsíveis, por indicaremrecortes sociais de uma comunidade humana, em razão de haver também nasvariações uma freqüência de repetições, permitindo-se estabelecer, portanto, nãoapenas o padrão culto de uma língua, mas os diversos padrões de grupos particu-lares, e. g., a linguagem infantil, as linguagens regionais, a linguagem rural, alémde linguagens com vocabulário gíria ou profissional, enfim, os diferentes níveisde linguagens e suas oposições que, em virtude de uma situação comunicativa, seencontram inter-relacionadas. .

4.1 ENUNCIAÇÃOE DISCURSO

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106 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

tificação e confronto que se pratica na língua e que deposita sobre a linha do sujeitofalante uma cadeia significante comunicativa e gramaticalmente estruturada".

A fala é, desta sorte, o ato individual de atualização e realização das possibili-dades da língua, em atividade de caráter combinatório, resultando num enunciadoparticular, embora sujeito às variantes previstas no código lingüístico-coletivo eabstrato. A prática social cria situações comunicativas denominadas de discurso eeste é exteriorizado por meio de um sistema significante/significativo articuladopor intermédio da modelagem lingüística, na tarefa de selecionar e articular oselementos colocados à disposição do falante, o que se denomina "texto", que emanálise última, é uma espécie de produtividade social, porque objetiva empreendera interação entre o indivíduo e o meio em que ele atua.

Em vista do caráter comunicativo do texto, depreende-se imediata conclusãode que o falante, para enumerá-lo, necessita de uma pluralidade de habilidades,meios e sistemas diferentes de conhecimento, tanto lingüístico quanto não lin-güístico que independem do status do indivíduo. Verifica-se mais: a enunciaçãoocorre nas relações sociais, exigindo, para entendê-la, que se vasculhe a informaçãocontextual, determinando univocamente os referentes de cada uma das expres-sões referenciais e deíticas (ou dêiticas) de um enunciado, desambigüizando-osatisfatoriamente.

Clássico é o exemplo de um enunciado no cartaz de uma festa, durante as co-memorações do Dia do Soldado: "Moças e soldados em uniforme - entrada grátis".Uma moça pretende entrar sem bilhete, sendo barrada pelo porteiro que lhe exigeo bilhete. Assustada, diz a jovem: "O Sr. não vê que eu sou uma moça?", ao queresponde ele categoricamente: "Vejo, sim, mas onde está seu uniforme?"

A leitura decodificativa do enunciado foi problemática por não atender à regrabasilar da concordância. Considerando-se a expressão "em uniforme" equivalentea "uniformizados", temos que sua posição posposta a dois substantivos de gênerosdiferentes refere-se a ambos.

Tivesse o emissor cuidado gramatical para fazer funcionar adequadamenteos elementos lingüísticos, teria enunciado: "Soldados em uniforme e moças - en-trada grátis." Conclui-se, assim, que a compreensão de um texto exige coesãolexical (relação adequada de palavras) e esta não se encontra apenas na escolhade palavras, mas também em sua posição no enunciado, sendo a colocação coesaa associação de itens lexicais que regularmente co-ocorrem.

Das breves considerações, verifica-se ser o discurso a própria operação daatividade lingüística, variável de acordo com a situação em que se encontra, e.g., um ensaio acadêmico, um seminário apresentado por alunos, um comentárioem editorial esportivo, uma conversa familiar e, até mesmo, situações não verba-lizadas: olhar demoradamente uma vitrina e entrar na loja.

Em razão das diferentes manifestações da linguagem é que a sintaxe clássicaa divide em dois tipos: discursiva e afetiva.

d

Considerações Gerais 107

Na verdade, toda linguagem, já se viu anteriormente, é um discurso, mas umentendimento tradicional da atividade lingüística prefere chamar de linguagemafetiva toda articulação de palavras, sons e gestos sem uma preocupação maiorcom a elaboração do pensamento, resultando em uma frase, ou seja, uma situa-ção lingüística inteligível para quem ouve ou lê, por estarem as palavras sele-cionadas, o tom, a gesticulação e até mesmo as interjeições e palavras isoladas comsignificação contextual. Estes mesmos representantes da sintaxe clássica chamamde linguagem discursiva a mensagem refletida, formulando uma idéia ou um juízocom agrupamentos vocabulares conscientemente selecionados e ordenados, cha-mando de enunciado esta frase gramaticalmente estruturada.

Hoje, já não se fazem distinções teóricas entre discurso e linguagem, frasee enunciado, entendendo-se a atividade lingüística em sentido mais abrangente,sempre significando, no entanto, uma produção lingüística (texto) realizada emdeterminada situação (contexto), sujeita a relações intertextuais (intertexto),resultando, por isso, em diversos tipos de textos que exigem, para sua coerênciae inteligibilidade, coesão (unidade globalizante da mensagem).

Para melhor entendimento dos conceitos lingüísticos expostos, útil é ofereceralgumas considerações sobre os diferentes vocábulos que representam a ativida-de lingüístico-comunicativa. Antes de definição no sentido filosófico da palavra,busca-se apresentar dados esclarecedores sobre as palavras, a fim de que o leitorpossa ter uma compreensão efetiva da importância da atividade discursiva naprodução e recepção de textos.

4.2 ALGUMASDEFINIÇÕES

4.2.1 Texto

O termo texto é proveniente de textus-us, vinculado ao verbo latino texere(texo-is-texui-textum), com o sentido de tecer; enlaçar; entrelaçar; lembrando, porisso, o trabalho do tecelão em urdir os fios para obter uma obra-prima harmô-nica. Assim também o autor de um texto tece as idéias, enlaça as palavras, e vaiconstruindo com habilidade um enunciado (oral ou escrito) capaz de transmitiruma mensagem, por constituir um todo significativo com intenção comunicativa,colocando o emissor em contato com o receptor.

Texto é, também, qualquer imagem - "charges", "quadrinhos", "figuras" e"desenhos" que transmitem uma mensagem, v. g., as imagens de abdomens bemtorneados de dois homens e de uma mulher, sem qualquer enunciado escrito, paraveicular publicidade de certo refrigerante diet, merecedora, inclusive, de premia-ção internacional, porque as imagens falam por elas mesmas: o inconveniente de"barrigas" indesejáveis à estética masculina ou feminina não se encontra nos con-sumidores daquela marca de refrigerante, ocasionando um prazer sem culpa.

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108 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Por texto entende-se, assim, a mensagem, a informação, o discurso. É eleuma série de signos que visam a tomar os signos referentes de si próprios, crian-do um campo referencial específico. Um quadro, uma dança, uma canção ou umenunciado constituem textos, resultantes da combinação de formas, cores, sinais,distribuídos no espaço.

Na produção textual, vários elementos são necessários, entre eles a compe-tência.

Como já foi dito, a produção textual requer o conhecimento do código, paraa combinação satisfatória de signos de um sistema lingüístico, a que se denominacompetência, que irá permitir o desempenho adequado da atividade lingüística.

4.2.2 Contexto

A formação da palavra denota sua significação, ou seja, com o texto, co-texto.

Assim entendido, todas as informações que acompanham o texto constituemo contexto, colaborando para sua compreensão.

O conceito mais atual de contexto remete, aos estudos da visão semióticaem que os elementos verbais, paralingüísticos (ritmo, entonação, entre outros) enão-verbais (leituras comportamentais da mensagem, por exemplo) se entrelaçampara a transmissão da mensagem.

O contexto é percebido em duas dimensões: estrutura de superfície e estruturade profundidade.

Veja-se o exemplo:

"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem paraa luta." (Raul Pompéia)

A leitura de superfície é percebida pelos elementos do enunciado, organizadoshierarquicamente. Assim, o ''Ateneu'' é complemento circunstancial de lugar, masque, na primeira oração, representa o objeto direto "o mundo", constituindo-seem referente importantíssimo para o conteúdo textual.

Já a estrutura de profundidade é a interpretação semântica das relaçõessintáticas, permitindo vasculhar o ânimo do autor, ou seja: o Ateneu é circunstân-cia de lugar, mas é elemento principal que se relaciona com o objeto da relaçãohomem/mundo. A idéia da dificuldade problematiza a organização da oração:(tenha) coragem para a luta (completou meu pai). Resta uma frase elíptica quemostra a escola/mundo como luta, a exigir coragem do aluno/ser vivente. Até aentrada para a escola, a criança está protegida pela instituição primária faml1ia.Ao sair de seu cuidado exclusivo, relaciona-se com o saber, com o conhecer, como desvendar o mundo, com o relacionar-se com outros valores, precisando rees-truturar-se no momento em que está ainda estruturando sua personalidade.

Considerações Gerais 109

Conclui-se que a produção e recepção do texto se condicionam à situação ouambiência, vale esclarecer, ao conhecimento circunstancial ou ambiental que mo-tivam os signos e a ambiência em que se inserem, gerando um texto cuja coerênciae unidade são suscitados diretamente pelo referente.

Costuma-se falar em vários tipos de contexto:

a) Contexto imediato: refere-se aos elementos que seguem ou prece-dem o texto imediatamente, incluindo as circunstâncias que o motivam.Dessarte (para se usar um termo caro aos juristas), o título de uma obra,v. g., Curso de direito processual penal, já nos pode passar informaçõessobre o tipo de texto; o nome de um autor na capa de um livro pode-nostrazer previsões sobre seu estilo, sua ideologia política, seu ponto de vistadoutrinário. Tais são os assim chamados referentes textuais, ou, então, ocontexto inserido no texto.

b) Contexto situacional: trata-se do contexto estabelecido pelos elemen-tos fora do texto que lhe abrem possibilidades de maior entendimento. Éum convite hermenêutica para explicar a situação textual, acrescentando-lhe informações e experiências, quer históricas, geográficas, psíquicas,entre outras, para que o leitor possa realizar uma "leitura" ativa do tex-to, partilhado de forma íntima entre emissor e receptor. O texto só criasentido com o contexto. A partir do contexto e em função do contexto éque ocorre o rendimento estilístico do texto. Como entender plenamen-te o romance de Herculano, Eurico, o presbítero, sem o conhecimentohistórico da invasão árabe na península ibérica e sem estar versado naBíblia cujas citações percorrem o romance em toda sua extensão?O julgamento do palavrão e da cacofonia deve levar em conta a épocae o ambiente mesológico. A linguagem popular de Gil Vicente explica apresença de palavras chulas e o, por vezes, censurado cacófato de Camões- "alma minha", era bastante normal naqueles tempos.No Direito Penal, fala-se em "circunstâncias atenuantes e agravantes" e,para julgar-se um réu, deve-se pesar-lhe a vida pregressa.

O texto ''A Justiça diz que todos os homens devem pagar pelos seuscrimes. Alguns fazem isto com cheque" pode parecer ofensivo mas ocontexto (VERÍSSIMO, Antologia brasileira de humor, 1976, p. 198),centrado no animus jocandi, desfaz tal impressão.

4.2.3 Intertexto

Viu-se, pouco atrás, que o texto se engata no contexto: um é caixa de reper-cussão do outro.

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110 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Há de se considerar, ademais, que pode ocorrer cruzamento de textos; assim, otexto de um autor pode ser retomado pelo texto de outro autor; pode-se manifestara presença de um texto em outros textos. Aliás, houve no movimento modernistao costume de retomada de textos parnasianos, muitas vezes para despojá-los darigidez da forma, dando-lhes contornos mais espontâneos.

Um exemplo, no entanto, não só conservou a plasticidade da linguagem po-ética, mas também se integrou perfeitamente ao tema retomado, servindo-lhe deintrodução.

Veja-se o famoso poema de Manuel Bandeira:

A Estrela

"Viuma estrela tão alta.Vi uma estrela tão fria!Vi uma estrela luzindoNa minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!Era uma estrela tão fria!Era uma estrela sozinhaLuzindo no fim do dia.

Por que de sua distânciaPara a minha companhiaNão baixava aquela estrela?Por que tão alto luzia?

E ouvi-a na sombra fundaResponder que assim faziaPara dar uma esperançaMais triste ao fim do meu dia."

Perceba-se, agora, que os inspirados versos do autor modernista acabam porresultar a parte introdutória do brilhante "Via-Láctea", de Olavo Bilac:

"Ora (direis) ouvir estrelas. CertoPerdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,Que, para ouvi-las, muita vez despertoE abro as janelas, pálido de espanto ..."

A essa reutilização do texto, a esse jogo entre textos (intertextos) dá-se onome de intertextualidade. O fenômeno sempre existiu. Leiam-se os versos deRonsard:

"Vivez, si m'en croyez, n'attendez à demain,Cueillez des aujourd'hui les rases de la vie!"Retomam, por certo, o carpe diem do velho Horácio.

Costuma-se falar em quatro tipos de intertextualidade:

J

ConsideraçõesGerais 111

4.2.3.1 Paráfrase

Nesta, um autor caminha de mãos dadas com outro autor; não há, pratica-mente, desvio nenhum ou o desvio é mínimo, irrelevante.

As formas mais correntes da paráfrase talvez sejam as citações e transcrições,em que se nota a sua característica mais acentuada, a conformação de textos.

Amolda-se bem a paráfrase à linguagem jurídica mais adequada ao ritual;neste, a participação individual aparece tolhida pelas formas lingüísticas prees-tabelecidas: são estruturas mais ou menos rígidas para atuar na esfera jurídica.

A propósito de citações, vem a pêlo lembrar José Frederico Marques (Suple-mento literário de O Estado de S. Paulo, 2-4-66): "É do 'usus fori', o emprego decitações".

Exemplo de paráfrase, conforme se tem ministrado nas universidades alemãs,é a Divina comédia de Dante, quase tradução de obra moura muçulmana, dizendo-se ter havido uma cristianização do pagão.

Raimundo Correia, ensina a teoria literária, imitou com tal precisão autoresfranceses, e também latinos, que a paráfrase quase atinge a tênue fronteira doplágio.

Aliás, os poemas épicos em geral constituíam-se em verdadeiras paráfrases,imitando-se o texto-paradigma de forma tal que o texto imitado resultava numdiscurso próprio. Exemplos desse comportamento são as obras epigonais, aque-las pertencentes à geração seguinte à do modelo, as do discípulo de um grandemestre.

A paráfrase é também recurso empregado para aprendizagem de construçõesfrásicas com correção gramatical e adequação estilísticas, valendo-se dos processosde desmontagem e recriação do enunciado, elaborando novas frases a partir de"modelos", conforme a gramática gerativa de Chomsky.

Assim, é possível realizar paráfrases ideológicas e estruturais como variaçõesde um enunciado discurso-matriz.

Vejam-se os exemplos:

a) Paráfrase ideológica:a.l. texto-matriz:

"Entre os muitos méritos de nossos livros nem sempre figura o dapureza da linguagem. Não é raro ver intercalado em bom estilo os sole-cismas da linguagem comum, defeito grave, a que se junta o da excessivainfluência da língua francesa. Este ponto é objeto de divergência entre osnossos escritores. Divergência, digo, porque, se alguns caem naqueles de-feitos por ignorância ou preguiça, outros há que os adotam por princípio,ou antes por uma exageração de princípio."

(ASSIS, 1959, v. IlI, p. 822)

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112 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

a.2. texto parafraseado:O ensino da língua portuguesa esbarra em inúmeras dificuldades.

De um lado, a escassez de escolas, restringindo o acesso à linguagemadquirida, a que se vai ali buscar. Por outro lado, o modismo de de-formar a língua, mesmo entre bons autores que, muitas vezes, inter-calam solecismos de linguagem ao bom estilo, além de rechearem odiscurso com estrangeirismos. O pior de tudo isso é que nem sempre taisusos, que enfeiam e deformam a língua portuguesa padrão, são reali-zados por ignorância: muitas são as ocasiões em que expressam princí-pios ideológicos, e por que não dizer, uma exageração desses princí-pios.

(adaptação livre)

Verifica-se que o conteúdo do fragmento a.2 tomou como modelo asidéias-chaves do texto-matriz-a.1, realizando variações sintáticas com o mesmotema, verdadeira recriação do modelo.

Um leitor atento colhe informações deste ou daquele texto, desvendando-lhesas significações e acabando por fazer deles paradigmas semânticos, pois a criaçãohumana, como já ensinou Montesquieu, é imitativa - consciente ou inconscien-temente.

Importante se faz realçar ser o ato de imitar, parafrasear idéias, uma forma deincrementar o pensamento, porque a idéia de um emissor encontra eco no leitorque, assimilando-a, faz dela seu próprio pensamento, enriquecendo-a, muitasvezes, pelo novo refletir.

O estudante de Direito, por certo, aprende, desde as primeiras lições, a para-frasear professores e autores, dando sua contribuição pessoal de sorte tal a criarformas de expressão vigorosas e renovadas e não apenas meras réplicas de seusparadigmas.

b) Paráfrase estruturalb.1. texto-matriz:

"Nem só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoainteira, iam-se aprimorando com o tempo. Eram como um debuxo primitivoque o artista vai enchendo e colorindo aos poucos, e a figura entra a ver,sorrir, palpitar, falar quase, até que a família pendura o quadro na paredeem memória do que foi e já não pode ser e era."

(Machado de Assis.Dom Casmurro. Apud CARRETER,1963, p. 138)

b.2. texto parafraseado:

Nem só a confissão, mas as restantes provas, os documentos, as tes-temunhas, o laudo pericial, foram-se apurando com o curso do processo.Revelaram-se como uma trama novelesca em que o autor vai delineandoe colorindo aos poucos, e ela entra a fazer planos, executá-los, até que os

Considerações Gerais 113

autos do processo retratam o quadro de um crime, registrando o que foi ejá não pode ser. Aqui, nos autos, a versão colhida contra o acusado, podiaser, e é a verdade dos fatos.

(adaptação livre)

Em que pese ao pitoresco da situação jurídica, pode-se perceber que a paráfraseestrutural recria um contexto em cima de uma estrutura frásica matriz, apoiando-se em seus referentes sintáticos para construir um texto expressivo.

Verifiquem-se outros exemplos, a fim de revitalizar a importância que a pará-frase imprime à busca de uma evolução no plano redacional:

1. "O Direito é, por excelência, entre as que mais o sejam, a ciência dapalavra." (Ronaldo Caldeira Xavier)

1.a. A Analogia é, por excelência, entre as que mais o sejam, a base dajurisprudência.

1.b. A Eqüidade é, por excelência, a prática do ideal da Justiça.

2. "O sertanejo é antes de tudo um forte." (Euclides da Cunha)

2.a. O advogado é antes de tudo um obstinado.

2.b. O advogado é antes de tudo um paladino da Justiça.

2.c. O advogado é, antes de tudo, um defensor da lei.

3. "Alíngua é um conjunto de sinais que exprimem idéias, sistema de açõese meio pelo qual uma dada sociedade concebe e expressa o mundo quea cerca." (Celso Cunha)

3.a. O Direito é um conjunto de regras que exprimem idéias, valores emeio pelo qual uma sociedade concebe e expressa as relações quetêm efeitos jurídicos.

4. f'O repórter policial, tal como o locutor esportivo, é um camarada quefala uma língua especial, imposta pela contingência." (Stanislaw PontePreta)

4.a. O Promotor de Justiça, tal como (ou tal qual) o carrasco, é um algozque tem uma conduta implacável imposta pela contingência.

4.2.3.2 Estilização

Aqui, o desvio se alarga; há uma reformulação do texto; há um remake dotexto sem, porém, traí-lo ou pervertê-lo. É o caso, v. g., da adaptação do romancede Erich Maria Remarque (A oeste nada de novo) para o cinema, em 1930, com otítulo All quiet on the westernfront (em português: Sem novidades no front). Man-teve-se a idéia fundamental do livro: a monstruosidade da guerra. O filme, como

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Verifica-se no exemplo acima a estilização, pois a função poética da linguagemtende a valorizar a forma da mensagem. Há desvio pronunciado do original, o queafasta o texto da paráfrase.

Orestes Barbosa e Noel Rosa levaram o Judiciário - quem diria! - ao sambacom Habeas-Corpus. * Não houve, porém, conotação pejorativa ou deformação. Éo caso de estilização; eles poetizaram a linguagem jurídica.

114 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

o livro, é um libelo contra a guerra, mas lhe dá um novo tratamento, ao envolvera morte do soldado numa atmosfera de dolorida poesia.

Na estilização temos, ainda, o emprego dos procedimentos e estilo. Assim,podem-se reutilizar instrumentos retóricos em variação sobre o mesmo tema. Éo que tem ocorrido com "AMissa do Galo", de Machado de Assis, tomado pormatriz em muitas recriações, em especial, por meio de sua estrutura discursiva:reticências, ambigüidades, categorias verbais de tempo inter-relacionadas comespaço. Nesse sentido, a estrutura do diálogo entre Conceição e Nogueira, no tomambíguo, reticente, sugestivo e pouco claro de fatos reais, é revivido em contos deOsman Lins, Lygia Fagundes Telles, Autran Dourado e outros renomados autoresque recriam a "conversação" da "Missa do Galo", ora com monólogos em 1ª pessoa,ora com silêncios vivos de uma comunicação não-verbal.

A tragédia de Inês de Castro, imortalizada no Canto IH de Os lusíadas, é revi-vida no conto de Herberto Helder, "Teorema", publicado em Os passos em volta,1963, narrado pela perspectiva de um dos seus assassinos.

Exemplo de estilização é o soneto de Camões que reconta a história bíblicade Jacó e Raquel, narrada no Antigo Testamento, 29, 16-30.

Veja-se:

a) texto bl'blico

"E Labão tinha duas filhas; o nome da mais velha era Léia (ou Lia, em outrastraduções) e o nome da menor, Raquel.

Léia porém tinha olhos tenros, mas Raquel era de formoso semblante e for-mosa à vista.

E Jacó amava a Raquel, e disse: Sete anos te servirei por Raquel, tua filhamenor.

Então disse Labão: Melhor é que ta dê, do que a dê a outro varão; fica comi-go.

Assim serviu Jacó sete anos Pl?rRaquel; e foram aos seus olhos como poucosdias, pelo muito que a amava.

E disse Jacó a Labão: Dá-me minha mulher porque meus dias são cumpridos,para que eu entre a ela.

Então ajuntou Labão a todos os varões daquele lugar e fez um banquete.E aconteceu, à tarde, que tomou Léia, sua filha e trouxe-lha. E entrou a ela.E Labão deu sua serva Zilpa a Léia, sua filha, por serva.E aconteceu pela manhã ver que era Léia, pelo que disse a Labão: Por que me

fizeste isso? Não te tenho servido por Raquel? Por que pois me enganaste?E disse Labão: Não se fez assim no nosso lugar, que a menor se dê antes da

primogênita. *

Considerações Gerais 115

Cumpre a semana desta; então te daremos também a outra, pelo serviçoqueainda outros sete anos servires comigo.

EJacó fez assim: e cumpriu a semana desta; então lhe deu por mulher Raquelsua filha.

E Labão deu sua serva Bilha por serva a Raquel, sua filha.E entrou também a Raquel e amou também a Raquel mais do que a Léia; e

serviu com ele ainda outros sete anos."

b) soneto de Camões:

Sete anos de pastor Jacó serviaLabão, pai de Raquel, serrana bela;mas não servia ao pai, servia a ela,que a ela só por prêmio pretendia.

Os dias na esperança de um só diapassava, contentando-se com vê-la;porém o pai, usando de cautela,em lugar de Raquel lhe deu a Lia.

Vendo o triste pastor que com enganosassim lhe era negada a sua pastoracomo se a não tivera merecida,

começou a servir outros sete anos,dizendo: - Mais servira, se não forapara tão longo amor, tão curta a vida.

No tribunal da minha consciência,O teu crime não tem apelação.Debalde tu alegas inocência,E não terás minha absolvição.Os autos do processo da agonia,Que me causaste em troca ao bem que eu fiz,

Chegaram lá daquela pretoriaNa qual o coração foi o juiz.

Os compositores escreveram habeas-corpus, com uso irregular de hífen.

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4.2.3.3 Paródia

JACÓERAQUEL

E ante os pastores escandalizados,Jacó raptou Raquel e, em doce arrulho,foram viver os dois... "como casados".

Porém Jacó, que percebera o logro,gritou ao pai Labão: - Não vou no embrulho!E ao demônio mandou a Lia e o sogro.

Considerações Gerais 117

SUNETTOCRÁSSICO

Sette anno di pastore, Giacó servia Labó,padre da Raffaela, serrana belIa,ma non servia o pai, che illo non era troxa nó!Servia a Raffaela p'ra si gazá co'elIa.

I os dias, na esperanza di um dia só,apassava spiáno na gianella;ma o páio, fugino da gumbinaçó,deu a Lia inveiz da Raffaela.

Quano o Giacó adiscobri o ingano,e che tigna gaído na sparrelIa,ficô c'un brutto d'un garó di arara.

I incominció di servi otros sette annodizeno: Si o Labó non fossi o pai delIaio pigava elIi i lí quibrava a gara.

OSMEUSOTTOANNO

O chi sodades che io tegnoO'aquele gustoso tempignoCh'io stava o tempo intirignoBrincando c'oas mulecada.Che brutta insgugliambaçóChe troça, che bringaderaImbaxo das bananeraNa sombra dus bambuzá.Che sbornia, che pagodera,Che pandiga, che arrelia,A genti sempre afaziaNo largo d'Abaxo o PiquesPassava os dia i as notteBrincando di scondi-scondi,I atrepáno nus bondi,Bulino c'os conduttore.

Outro exemplo de paródia, agora total, é a versão Jacó e Raquel, construídade forma caricatural por Alexandre Marcondes Machado, o ':Juó Bananere" que,em português macarrônico, diz com irreverência:

Não apenas os clássicos foram vítimas da pena satírica de ':Juó Bananere", quetinha suas paródias divulgadas pelo semanário humorístico O Pirralho, de Oswaldde Andrade e Emílio de Menezes, fundado em agosto de 1911. Ria-se da "recupe-ração poética" que o humor de ':Juó Bananere" fez de Casimiro de Abreu:

••••••••••••••••••••••••••••4t•••J •••

Tu tens as agravantes da surpresaE também as da premeditaçãoMas na minh'alma tu não ficas presaPorque o teu caso é caso de expulsão.Tuvais ser deportada do meu peitoPorque teu crime encheu-me de pavor.Talvezo habeas-corpus da saudadeConsinta o teu regresso ao meu amor.

Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques116

Quando entretanto, foi chegando o diade, no contrato, apor a assinatura,mestre Labão quis impingir-lhe a Lia,que era feia, zarolha e já madura.

Agora, o desvio se faz total e chega-se à perversão do texto em sua estruturaou sentido de tal forma que o texto sofre ruptura total e se deforma.

O grupo teatral francês Royal de Luxe mostrou, no Vale do Anhangabaú, umaversão anárquica dos grandes momentos da história da França, caracterizando adeformação.

O filme O jovem Frankestein retoma o clássico dos anos trinta, Frankestein,cobrindo o monstro de ridículo e levando-o ao deboche.

Dentro do mesmo registro parodístico, vale citar o filme Cliente morto nãopaga, deformação deliciosa do assim chamado film noir, marca principal do cinemaamericano dos anos quarenta.

O soneto de Bastos Tigre, Jacó e Raquel, retoma o soneto camoniano, mas odesvio acentua-se mais profundamente, ao se usar, por exemplo, de termos deconotação jurídica: "contrato", "apor assinatura", "impingir", ao lado de termos eexpressões populares: "zarolha", "não vou no embrulho", "mandar ao demônio",que, por certo, causariam arrepios a Camões. Veja-se:

"Sete anos de pastor Jacó serviaLabão, pai de Raquel", gentil criatura,porém, servindo ao pai, Jacó queriaa filha desposar, conta a Escritura.

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118 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

A paródia, viu-se, é forma bastante criadora no diálogo intertextual. O segun-do discurso repete o primeiro, imprimindo, no entanto, direções contrárias ao dotexto-matriz.

Atente-se que a paródia pode manifestar-se em expressões, v.g., o filme Planetados macacos, no programa humorístico Planeta dos homens; aparece em relação avalores, v. g., D. Quixote em paródia aos livros de cavalaria, enfim, sempre umainversão que exige do autor profundo conhecimento da obra-matriz e com criati-vidade tal que há, até, paródia da paródia.

4.2.3.4 Recriaçãopolêmica

O autor polemiza o texto-matriz, retomando-lhe o ponto de referência paraquestionar diversos temas ou para defender seu ponto de vista sobre algum as-sunto.

Exemplo interessante desta espécie de intertextualidade é o "Sermão do man-dato", do Pe. Vieira:

SERMÃODOMANDATO

A segunda ignorância que tira o merecimento ao amor, é não conhecer quemama a quem ama. Quantas coisas há no mundo muito amadas, que, se as conheceraquem as ama, haviam de ser muito aborrecidas! Graças logo ao engano e não aoamor. Serviu Jacó os primeiros sete anos a Labão, e ao cabo deles, em vez de lhedarem a Raquel, deram-lhe a Lia.Ah enganado pastor e mais enganado amante! Seperguntarmos à imaginação de Jacó por quem servia, responderá que por Raquel.Mas se fizermos a mesma pergunta a Labão, que sabe o que é, e o que há de ser,dirá com toda a certeza que serve por Lia. E assim foi. Servis por quem servis, nãoservis por quem cuidais. Cuidais que vossos trabalhos e os vossos desvelos são porRaquel, a amada, e trabalhais e desvelai-vos por Lia, a aborrecida. Se Jacó souberaque servia por Lia, não servira sete anos nem sete dias. Serviu logo ao engano enão ao amor, porque serviu para quem não amava. Oh, quantas vezes se representaesta história no teatro do coração humano, e não com diversas figuras, se não namesma! A mesma que na imaginação é Raquel, na realidade é Lia; e não é Labãoo que engana a Jacó, senão Jacó o que se engana a si mesmo. Não assim o divinoamante, Cristo. Não serviu por Lia debaixo da imaginação de Raquel, mas amavaa Lia conhecida como Lia. Nem a ignorância lhe roubou o merecimento ao amor,nem o engano lhe trocou o objeto ao trabalho. Amou e padeceu por todos, e porcada um, não como era bem que eles fossem, senão assim como eram. Pelo inimigo,sabendo que era inimigo; pelo ingrato, sabendo que era ingrato; e pelo traidor,"sabendo que era traidor": "Sciebat enim quisnam esset, qui traderet eum".

Deste discurso se segue uma conclusão tão certa como ignorada; é que os ho-mens não amam aquilo que cuidam que amam. Por quê? Ou porque o que amamnão é o que cuidam; ou porque amam o que verdadeiramente não há. Quem es-tima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros; quemama defeitos, cuidando que são perfeições, perfeições ama e não defeitos. Cuidais

Considerações Gerais 119

que amais diamantes de firmeza, e amais vidros de fragilidade; cuidais que amaisperfeições angélicas, e amais imperfeições humanas. Logo,os homens não amamo que cuidam que amam.

Donde também se segue que amam o que verdadeiramente não há; porqueamam as coisas, não como são, senão como as imaginam; e o que se imagina, enão é, não há no Mundo. Não assim o amor de Cristo, sábio sem engano: Cumdilexisset suos, qui erant in Mundo.

Pe.Vieira

Merece apreciada a linha argumentativa de texto de Vieira, conduzindo commestria o ponto de referência retomado, o amor de Jacó por Raquel, para umaconclusão carregada de inspiração cristã, reconhecendo no amor de Cristo, o únicosábio, sem engano. Veja-se, ainda, o uso antigo da palavra amante.

4.3 TIPOS DE TEXTO

Como já foi dito anteriormente, texto é a atividade comunicativa entre emis-sor/receptor, em diálogo Íntimo, repleto de emoções ou de reflexões, levando opensamento humano a infinitas direções. Em sentido estrito, texto é conhecidocomo a mensagem escrita (inclui a leitura), expressão articulada por meio depalavras.

Ao dialogar com o leitor, o texto vale-se de inúmeras formas, sendo os gênerosmais conhecidos a descrição, a narração e a dissertação, que, a bem da verdade,não existem de modo isolado; o que ocorre é a presença dominante de um tipo.

Veja-se o exemplo colhido em Severino Antonio Barbosa, em seu excelentetrabalho Redação, escrever é desvendar o mundo (1989, p. 42), lembrando Guima-rães Rosa:

"Era um burrinho pedrês, miúdo, resignado, vindo de Passa-Tempo,Conceiçãodo Serro ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom,como outro não existia nem pode haver igual.

Agora, porém, estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria preciso abai-xar-lhe a maxila teimosa para espiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmo àdistância: no algodão bruto do pêlo - sementinhas escuras em rama rala e encar-dida; nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempreoclusas, em constante semi-sono; e na linha, fustigada e respeitável- um horizontalpêndulo amplo, para cá, para lá, tangendo as moscas."

Perceba-se que o plano descritivo guarda um sabor narrativo, contando ahistória de um burrinho pedrês, não lhe faltando traços dissertativos.

Bom é de esclarecer ainda que texto não é sinônimo de literatura. Muitas sãoas espécies de textos, consoante o fim a que se destinam. O texto que objetiva

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120 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

mensagem para o ensino é chamado didático, dividindo-se em diversos tipos (textodidático de língua portuguesa, texto didático jurídico, entre outros). Por outrolado, o texto jurídico pode ter intenção doutrinária ou fim legiferante. Há textospara o lazer e para o refletir filosófico. Em suma, de acordo com o fim perseguido,haverá um tipo de texto, incluindo os subtextos.

4.4 COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAL

Como se disse, o texto é um entrelaçamento de palavras que formam umenunciado, por sua vez, associado a outros enunciados com o objetivo de trans-mitir uma mensagem.

Deste conceito, duas conseqüências são resultantes: a necessidade de coesãoou unidade, ou seja, um nexo seqüencial de idéias entrelaçadas e, também, a obri-gatoriedade de coerência, vale ressaltar, uma seqüência de idéias deve dirigir-se aoutras a ela pertinentes, com adequada relação semântica.

4.4.1 Coesão

o texto, já se afirmou mais de uma vez, não é um amontoado de palavrasdesconexas. Ao contrário disso, é a escolha de relações paradigmáticas (associa-ções livres de uma idéia-tema) e sua distribuição sintático-semântica, ou seja, acombinação horizontal ou sintagmática de seus elementos, com seqüência. Maisdo que isso, é a urdidura de diferentes relações sintagmáticas em torno de umamesma relação paradigmática, com perfeita integração horizontal-vertical:

Veja-se:

1. Era um dia claro e animado. Todos queriam desfrutá-lo ao lado dos pássaros eflores em festa. Eu só queria isolar-me do mundo, fechada no escuro da decep-ção.

Observe-se, agora:

2. Era um dia claro e animado. Parecia que todos queriam desfrutá-lo ao lado dospássaros e flores em festa, ou melhor, quase todos, porque eu não conseguiaparticipar daquele entusiasmo. Eu só queria isolar-me do mundo, fechada noescuro da decepção.

Comparando-se os dois textos, inegável é perceber que o texto 2 possui umentrelaçamento de idéias mais vigoroso que o texto 1, pela preocupação com aunidade textual.

Não é o texto, portanto, uma seqüência de termos desunidos, soltos, cada qualatirado num canto. Chapéus e vestidos soltos numa loja pouco servem; só adqui-

Considerações Gerais 121

rem valor quando ajustados num corpo feminino que lhes dá graça e harmonia.Assim também funcionam os elos coesivos, caminhando para trás (regressão) epara frente (progressão) costurando perfeitamente o texto nestes movimentos devaivém, em conexão seqüencial a que se chama coesão.

Exemplos de regressão (re (para trás) + gressus-us-passo):1. Leio com prazer as obras de Caio Mário porque ele é um ótimo jurista e possuiestilo prazeroso.

Nota: No caso em tela, o pronome "ele" é elo coesivo entre a idéia da 1ªoração (Caio Mário) e (ótimo jurista), unindo o atributo a seu pos-suidor. Também os conectivos "porque" (explicativo) e a aditiva "e"cooperam para o entrelaçamento do texto, todos com movimentopara trás.

2. Houve carnificina na Casa de Detenção. A coisa ficou feia.

Nota: No caso supra, houve a regressão por meio do indeterminado "coisa"que retoma o determinado "carnificina".

Obs.: Vê-se que os elos coesivos de natureza regressiva podem estar presentesem um período composto ou em vários períodos simples.

Exemplos de progressão:

1. "Falta-lhe o solo aos pés: recua e corre,Vacila e grita, luta e se ensangüenta,E rola e tomba, e se despedaça e morre ..." (Olavo Bilac)

Nota: O polissíndeto (repetição da conjunção coordenativa aditiva) car-rega o movimento para frente, numa caminhada angustiante rumoà morte.

2. "Primeiro me pediu desculpas. Depois, assim sem mais nem menos, voltou a meagredir."

Nota: A enumeração caminha em seqüência cronológica, ampliando asinformações textuais.

3. "Ai,palavras, ai palavras,que estranha potência, a vossa!Ai, palavras, ai palavras,sois de vento, ides ao vento,no vento que não retorna,e, em tão rápida existência,tudo se forma e se transforma" (MEIRELLES,1958, p. 793).

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122 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Nota: As informações sobre a "palavra" vão sendo acrescidas para dar-lheuma visão conceitual mais ampla. Reforça a progressão a aliteraçãoda sibilante s que leva o movimento para frente de forma dinâmica.

4. "Doação é contrato pelo qual uma pessoa (doador), por liberalidade, transfereum bem de seu patrimônio para o de outra (donatário), que o aceita (CódigoCivil, art. 1.165). Écontrato civil, e não administrativo, fundado na liberalidadedo doador, embora possa ser com encargos para o donatário". (Hely Lopes Mei-relles. Direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 439.)

Nota: Verifique o movimento progressivo da adição de elementos informa-tivos, centrados na palavra contrato: (a) é contrato; (b) é contratocivil (não é contrato administrativo); (c) é fundado na liberalidade;(d) pode estabelecer encargos.

4.4.2 Coerência

A coerência é a adequação dos elementos textuais em busca de uma unidade,em que as idéias se compatibilizem.

Veja:

"O réu foi condenado a 5 anos e 3 meses, não lhe sendo concedido, por isso,o beneplácito de um regime mais brando, devendo cumprir a pena em regimefechado.

As penitenciárias de São Paulo não são adequadas e não oferecem condi-ções satisfatórias, representando em análise última, a falência do sistema car-cerário."

O enunciado contido no parágrafo gráfico cria uma expectativa semântica parao desenvolvimento do discurso não havendo nexo entre esta idéia e a subseqüente,em razão de não estar presente a unidade redacional. O fato de o sistema carceráriode S&o Paulo ser precário não tem relação com a pena infligida ao condenado.

Observe também:

"Fui ao cinema hoje, mas estou feliz."

Verifique: a conjunção "mas" cria uma expectativa semântica de oposição,inadequada à idéia, por não haver relação lógica entre ir ao cinema/oposiçãoa estar feliz. Mais próprio seria, para compreender a enunciação, o emprego daexplicativa "por isso", relação semântica compreensível e pertinente.

À unidade semântica do exemplo 1 e à adequação de elementos textuais paratransmissão de uma idéia dá-se o nome de coerência, ou seja, a rede que promovea sintonia entre as partes e o todo de um texto.

Considerações Gerais 123

Atribuem-se a conhecido cartola do futebol paulista frases coesas mas nemtanto coerentes, como "Quem entra na chuva é para se queimar" ou '1\gradeço àAntarctica pelas Brahmas que nos mandou".

Bom é de lembrar que o uso sancionou formas, a rigor incoerentes: ferradurade prata, quarentena de dez dias, bela caligrafia. Vale o mesmo para a regência dealguns verbos, v. g., convir com, conviver com, intervir em, interpor entre etc.

Verifica-se, pois, que coerência e coesão são expressões lingüísticas bastantepróximas mas com marcas distintas, formando o que se chama de espécie de paropositivo/ distintivo.

A coesão é sempre explícita, ligando o texto por meio de elementos superficiaisque expressamente costuram as idéias, dando-lhe uma organização seqüenciaL

A coerência, por sua vez, é resultado da estrutura lógica do texto. Indepen-dentemente dos elementos ligativos presentes no texto, a continuidade de senti-dos percebida pela organização de estruturas subjacentes, assegura a unidade eadequação de idéias.

Ilustrando o assunto, serão apresentados dois excelentes textos do culto juristaWalter Ceneviva, publicados em sua coluna "Letras jurídicas", no jornal Folha deS. Paulo.

O primeiro deles, de 2-2-92, é exemplo modelar para um texto coerente,cuja unidade é estabelecida pelas relações subjacentes, formando um elo indis-sociável entre as idéias, assegurando a continuidade textual.

Leia atentamente a interessante reflexão "Capitu pegaria até seis meses decadeia".

CAPITUPEGARIAATÉSEISMESESDECADEIA

Walter Ceneviva

Se a discussão estabelecida depois do vestibular da Fuvest sobre o livroDomCasmurro houvesse dado atenção ao lado jurídico da vida, teria ficado mais claroo adultério da heroína Capitu. A prova do adultério, aceita pelo direito, e o cursojurídico feito por Bentinho, personagem-autor da obra, em São Paulo, durante cincoanos justificam a minha opinião, ao lado da do Otto Lara Rezende.

O livro de Machado de Assis começa sua narrativa em 1857, quando Capitutinha verdes 14 anos. Dedica três quartas partes ao período que foiaté 1865, quandoela se casou com Bentinho. Tiveram um filho que era a cara, o corpo, o jeito e omodo de falar de Escobar, amigo dileto e companheiro do marido.

Naquele tempo, apenas a esposa cometia o crime de adultério, condenado comreclusão de três anos. Em geral não havia julgamento, porque o marido matavaa mulher (e era absolvido). O homem só incidia na injúria contra os deveres docasamento se mantivesse concubina permanente. A lei brasileira repetia regrasmilenares, que, sob desculpa de protegerem a família, tratavam diferentementeos cônjuges. Hoje o tratamento é igual para os dois sexos, com pena máxima de

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124 Curso de Português Juridico • Damião/Henriques

seis meses. Ainda é um erro, pois é ridículo punir criminalmente uma pessoa pelaculpa moral da infidelidade.

A prova direta do adultério é problemática, pela dificuldade de pegar osadúlteros nus e na mesma cama (naquilo que os juristas, doidos por um latinó-rio, chamam de "solum cum sola, nudum cum nuda in eodem lecto"). Valem ascircunstâncias. A obra machadiana indica circunstâncias muito claras quanto àpersonalidade de Capitu e de seu pai. José Dias, agregado da família de Bentinho,dizia que "a pequena é urna desmiolada; o pai faz que não vê; tomara ele que ascoisas corressem de maneira que..."

José Dias teria sido mais severo, na experiência de seus 55 anos, se tivessesabido da boca oferecida por Capitu, ao primeiro beijo, e nos que vieram depois,dando de vontade o que fingia recusar à força, sempre dissimuladíssima, nos seusolhos de ressaca. Tanto que, perguntada sobre um rapaz que olhara, ao passar,respondeu que o olhar era prova exatamente de que nada havia entre ambos,acrescentando que seria natural dissimular se houvesse algo. Bentinho, lembrandoa dissimulação de Capitu adulta, recorda-a quando criança e diz que "uma estavadentro da outra, como a fruta dentro da casca".

Nos cinco anos que Bentinho estudou direito em São Paulo, no largo de SãoFrancisco,dos 18 aos 22 anos, Capitu continuou no Rio, em encontros freqüentescom Escobar (a quem Machado atribuiu olhos claros e dulcíssimos). Escobar eraexperiente e desenvolto a ponto de afagar a idéia de convidar a mãe do amigo,bela viúva, a casar-se com ele, apesar da diferença de idades.

Aconvicçãodo adultério tornou impossívela vida comum. Capitu se foipara aEuropa, como filho, Ezequiel.Anosmais tarde este, já moço, voltou para encontrarBentinho.Eranemmaisnem menos, o retrato vivodo antigo ejovem companheiro esalvoas cores, mais fortes, tinha o mesmo rosto do amigo. Avoz era a mesma. "Erao próprio, o exato, o verdadeiro Escobar".Bentinho usa a linguagem de seus estudosjurídicos ao dizer de Ezequiel: "era o meu comborço; era o filho de seu pai..."

Ao tempo, não havendo provas excludentes, a semelhança entre o amante eo filho era acolhida como importante elemento de prova circunstancial da relaçãosexual extramatrimonial da mulher. O fato de ser amante permanente seria con-siderado agravante do delito. Mas, há 140 anos, como agora, só haveria processose o marido desse queixa. Bentinho, porém, era um homem avesso a processos,tranqüilo, civilizado,manso.

Verifique: o texto trata, do começo ao fim, de um só e mesmo assunto, enca-deando-se os parágrafos numa seqüência lógica, cujo resultado é um texto uno econsistente.

O primeiro parágrafo abre o assunto, situando-o no contexto jurídico e pro-pondo examiná-lo sob o enfoque exclusivamente jurídico para melhor perceber oadultério de Capitu.

O segundo parágrafo esboça o argumento central da prova do adultério, ouseja, a semelhança entre o filho do casal e Escobar, amigo dileto e companheirodo cônjuge varão.

!J:

Considerações Gerais 125

Do terceiro ao sexto parágrafos, fala-se dos elementos circunstanciais relativosao caso, para, no sétimo parágrafo, apresentar o mais importante deles: a voltado filho Ezequiel, no dizer de Bentinho, "era o meu comborço; era o filho de seupai ..."

O parágrafo final reforça o argumento anterior à míngua de provas exclu-dentes, acrescentando a agravante de o filho ser fruto de relação extramatrimonialda mulher com amante permanente. Por derradeiro, diz o autor que o Direito nãomudou, porque da época machadiana até nossos dias, o delito apenas seria punidose houvesse um processo acionado pelo marido traído.

O segundo artigo, de 20-6-93, é costurado habilmente por elementos liga-tivos ou elos de transição, palavras de coesão que asseguram a coerência textual.

Leia o texto "Falta de autoridade" e verifique o papel das palavras de coesão,destacando-se entre elas:

a) 1º parágrafo: '1\$sim sendo" (valor explicativo);b) 2º parágrafo: "Em primeiro lugar" (abertura do critério enumerativo);

c) 3º parágrafo: "Em segundo lugar" (seqüência enumerativa);

d) 4º parágrafo: "por seu lado" (mudança de enfoque);

e) 5º parágrafo: '~ssinalo, ainda" (elemento de adição);

f) 7º parágrafo: "Necessário é lembrar" (elemento de citação);

g) 8º parágrafo: "Também não seria possível, é evidente" (elemento deafirmação) ;

h) 9º parágrafo: "Todavia" (elemento de oposição);

i) 9º parágrafo: "e, portanto" (elemento de conclusão).

FALTADEAUTORIDADE

Walter Ceneviva

De repente o Judiciário começou a ser apontado como um dos maiores vi-lões da crise brasileira, em visão distorcida e errada de seu papel na vida nacio-nal. Tenho criticado vários atos e segmentos do Judiciário, cujo controle externodefendo. Recentemente escrevi que se os juízes tiverem vontade de trabalhar - ex-pressão com a qual sintetizei aspectos das deficiências judiciais - resolverão muitosdos problemas sociais que enfrentamos na atualidade. Assim sendo, sinto-me àvontade para negar que cabe ao Judiciário a maior culpa pela crise.

Em primeiro lugar, tenha-se presente que grande número dos processos civis,fiscais e trabalhistas tem origem em ilegalidades praticadas por administradorespúblicos, cuja visão caolha faz com que queiram receber créditos governamentais,mas não queiram saldar os respectivos débitos. Eles se esquecem da sabedoria deVicenteMatheus quando trata das facas de dois legumes, pois o Judiciário eficiente.

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Verbos

Substantivos

LocuçõesprepositivasConjunções

126 Curso de Ponuguês Jurídico • Damião/Henriques

tanto permitirá as cobranças reclamadas, quanto forçará o poder público a pararcom seus calotes e impedirá as ilegalidades cometidas.

Em segundo lugar, acentuo as omissões no cumprimento do dever legal dosoutros poderes. Exemplo mais gritante é do próprio Legislativo, que não aprovouas leis suplementares da Carta de 1988.

a Executivo, por seu lado, baixa instruções, decretos, portarias e toda sortede medidas administrativas, muitas das quais são flagrantemente ilegais. Forçamos contribuintes a se defenderem em juízo. Agravam o congestionamento judi-cial. Nenhuma lesão ou ameaça de lesão ao direito individual pode ser excluída deapreciação pelo Poder Judiciário na verdadeira democracia. Se o Executivo quiserque as pessoas diminuam a corrida aos tribunais deve parar com as ilegalidades.

Assinalo, ainda, a distância numérica entre o aparato judiciário brasileiro e ouniverso ao qual ele deve atender. Há menos de 20.000 juízes para quase 350.000advogados. a número de processos em andamento se conta aos milhões (só najustiça paulista existem 4 milhões). Adeficiêncianão é culpa exclusivado Judiciário,embora este tenha boa parte da responsabilidade.

Amáquina judiciária - fora das áreas da magistratura - é muito mal remunera-da nas justiças estaduais. A rotatividade é forte. Abaixa remuneração, contrapostaà mobilidade da força de trabalho, lidando com leis e instruções freqüentementeconflitantes, mais confunde o processo judicial quando tratado por mão-de-obradesqualificada.

Necessário é lembrar da história recente do Brasil, na qual o Judiciário foifonte principal de defesa dos interesses individuais, ante o mau comportamentodos outros poderes.

Lembro o homicídio, ocorrido em 1975, cujo réu - que teve este mês presen-ça meteórica no Ministério da Agricultura - não foi julgado até o presente, comooutro exemplo de responsabilidade múltipla. A demora escandalosa não seriapossível com o Ministério Público, titular da acusação, atento e diligente. Nuncaseria possível sob a legislação aprimorada, sem prejuízo das garantias de ampladefesa, como tem acontecido no freqüentemente citado exemplo italiano. Tambémnão seria possível, é evidente, se os muitos juízes que passaram pelo caso tivessemtido vontade de trabalhar.

a Brasil precisa recompor as deficiências de sua economia em crise. A magis-tratura deve participar desse esforço. Todavia, o brasileiro não pode supor que alentidão do Judiciário impede a recuperação. a exame atento mostrará a injustiçade lançar todas as culpas sobre as costas dos magistrados. Inocentes, de todo, elesnão são. Mas a culpa - se é o caso de nos preocuparmos com culpas em pleno centroda tempestade - melhor será dividi-la com os dois outros poderes, detonadores daconfusão em que temos vivido e, portanto, sem autoridade moral para criticaremos homens (e mulheres) da toga.

Lidos os exemplos elucidativos, mais fácil é perceber as principais diferençasentre coesão e coerência, conforme vêm ministrando os bons autores:

ConsideraçõesGerais 127

a) Quanto ao planocoesão: plano gramatical e nível frasal.coerência: plano cognitivo: inteligibilidade do texto.

b) Quanto à relaçãocoesão: relação sintática entre os termos do enunciado.coerência: relação de conteúdo entre palavras e frases.

c) Quanto à localizaçãocoesão: encontra-se na superfície do texto: conexão seqüencial.coerência: localiza-se na subjacência do texto: conexão conceitual.

d) Quanto à abrangênciacoesão: relaciona-se com a microestrutura.coerência: relaciona-se com a macroestrutura.

e) Quanto aos componentescoesão: trabalha com os componentes do texto; está na adjacência dostermos.coerência: trabalha com o global; está no conteúdo do texto.

Conclui-se, assim, que importante se faz para a unidade textual a seleção daspalavras que devem ter competência semântica para corresponder às expectati-vas funcionais da idéia que se pretende transmitir. Interessante se faz, também,assinalar que não apenas as chamadas palavras de transição asseguram a coesãotextual; as mais diferentes classes gramaticais oferecem elementos para a coesãotextual, consoante as relações ideológicas que se quer buscar, contribuindo, pois,para a sintonia das idéias, ou seja, a coerência textual.

Neste passo, oportuno é repassar os exemplos colhidos por HermÍnio Sargetimna obra Dissertação, v. 2., de grande valia para o ensino superior e, mais, para obacharel em seu desempenho profissional.

1. Relação de causalidadei

CAUSAcausa, motivo, razão, explicação,pretexto, base,fundamento, gênese, origem, o porquê etc.causar, gerar, acar~etar,originar, provocar,motivar,permitir etc.em virtude de, em razão de, por causa de, em vista de,por motivo de etc.porque, pois, por issoque, já que, visto que, uma vez que,porquanto, como etc.

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128 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Ir ao encontro de = aproximação; ir de encontro a = oposição.

3. Relação de oposição

2. Relação de conseqüência 4.5 PRINCIPAIS ELEMENTOS DE COESÃO NO DISCURSOJURÍDICO

Considerações Gerais 129

Perlustrando os bons autores jurídicos, encontram-se amiúde presentes algunselementos de coesão, assecuratórios da unidade textual e conseqüente coerên-cia:

Vejamos alguns deles em diversas áreas semânticas:

realce negação afetoinclusão afirmação exclusãoadição oposição igualdade

além disso embora felizmente sóainda não obstante isso infelizmente somentedemais inobstante isso ainda bem sequerademais de outra face obviamente excetotambém entretanto em verdade senãovale lembrar no entanto realmente apenaspois ao contrário disso em realidade excluindooutrossim qual nada de igual forma tão-somenteagora por outro lado do mesmo modo quede modo geral por outro enfoque da mesma sortepor iguais razões diferente disso de igual forma Nota: comum éem rápidas pinceladas de outro lado no mesmo sentido encontrar o neologis-inclusive de outra parte semelhantemente mo de valor discutívelaté contudo bomé "apenas mente"é certo de outro lado interessante se fazé porque diversamente dissoé inegávelem outras palavrassobremaisalém desse fator

.~

CONSEQÜÊNCIA

efeito, produto, decorrência, fruto, reflexo, desfecho,desenlace etc.

derivar, vir de, resultar, ser resultado de, ter origem em,decorrer, provir etc.

pois, por isso, por conseqüência, portanto, porconseguinte, conseqüentemente, logo, então, por causadisso, em virtude disso, devido a isso, em vista disso,visto isso, à conta disso, como resultado, em conclusão,em suma, em resumo, enfim etc.

PALAVRAS QUE TRANSMITEM OPOSIÇÃO

contraste, objeção, antagonismo, reação, resistência,rejeição, oposição, impedimento, empecilho,animosidade, contrariedade, obstáculo etc.

contrário, oposto, antagônico etc.

objetar, impedir, contrariar, defrontar-se, ir de encontroa, * embargar, obstar, contrastar etc.

apesar de, a despeito de, não obstante, pelo contrário,malgrado, em contraste com, contra etc.

mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto,senão etc.

embora, apesar de que, se bem que, ainda que, postoque, conquanto que, em que pese, muito embora, mesmoque, enquanto, ao passo que etc.

Verbos

Substantivos

Locuçõesprepositivas econjunções

Substantivos

Adjetivos

Verbos

Locuções epreposições

Conjunçõesadversativas

Conjunçõesconcessivas

Por derradeiro, cumpre dizer que a coerência, tanto quanto a coesão, é obtidaquando o emissor, ao formular os enunciados do texto, tem claramente definidaa finalidade da mensagem, estabelecendo, assim, relações sintáticas e semânticascompatíveis entre si e com o todo, obtendo, desta sorte, a imperativa unidadetextual.

Embora coesão não seja o mesmo que coerência, os elos coesivos militam parao processo articulatório do texto, e o conjunto de unidades sistematizadas numaadequada relação semântica configura a coerência.

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130 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Também, expressões de transição desempenham papel assaz importante nodiscurso jurídico. Exemplificando:

enumeração retificação fechodistribuição explicação conclusãocontinuação

{ plano isto é destarteem primeiro lugar por exemplo dessarte

momento a saber em sumaa princípio de fato em remateem seguida em verdade por conseguintedepois (depois de) aliás em análise últimafinalmente ou antes concluindoem linhas gerais ou melhor em derradeironeste passo (neste) melhor ainda por fimneste lanço (nesse) como se nota por conseguinteno geral como se viu finalmenteaqui como se observa por tais razõesneste momento com efeito do expostodesde logo como vimos pelo expostoem epítome daí por que por tudo issode resto ao propósito em razão dissoem análise última por isso em sínteseno caso em tela a nosso ver enfimpor sua vez de feito posto isto (isso)a par disso como vimos de ver assimoutrossim portanto conseqüentementenessa esteira é óbvio, poisentrementesnessa veredapor seu turnono caso presenteantes de tudo

1. É de verificar-se...2. Não se pode olvidar...3. Não há olvidar-se...4. Como se há verificar .5. Como se pode notar .6. É de ser relevado ...7. É bem verdade que...8. Não há falar-se...9. Valeratificar (cumpre) ...10. Indubitável é...11. Não se pode perder de vista...12. Convém ressaltar...13. Posta assim a questão, é de se

dizer...14. Registre-se, ainda ...

15. Bom é dizer que...16. Cumpre-nos assinalar que...17. Oportuno se toma dizer...18. Mister se faz ressaltar...19. Neste sentido deve-se dizer

que ...20. Tenha-se presente que...21. Inadequado seria esquecer,

também ...22. Assinale, ainda, que...23. É preciso insistir também no

fato de que...24. Não é mansa e pacífica a ques-

tão, conforme se verá .25. É de opinião unívoca .

f'

11,

Considerações Gerais 131

o culto tributarista, Eduardo Marcial Ferreira Jardim, em suas Reflexões sobrea arquitetura do direito tributário, São Paulo: CEJUp' 1991, elenca um grandenúmero de frases de transição, algumas de raro emprego, mas todas de grandevigor estilístico. A título ilustrativo, destacam-se:

1. Cumpre observar, preliminarmente, que...2. Como se depreende ...3. Convém notar, outrossim, que...4. Verdade seja, esta é...5. Em virtude dessas considerações...6. Empós as noções preliminares em breve trecho, podemos...7. Cumpre examinarmos, neste passo...8. Consoante noção cediça...9. Não quer isto dizer, entretanto, que .10. Ao ensejo da conclusão deste item .11. Impende observar que...12. É sobremodo importante assinalar que...13. À guisa de exemplo podemos citar .14. À mais das vezes, convém assinalar .15. No dizer sempre expressivode .16. Em consonância com o acatado .17. A nosso pensar...18. Roborando o assunto ...19. Cumpre obtemperar, todavia...20. Em assonância com a lição sempre precisa de...21. Cai a lanço notar que...22. Convém ponderar, ao demais que...

Ilustrando a presença das palavras de transição, contemple-se a feliz linguagemdo douto juiz da 18ª Vara da Justiça Federal, Dr.José Antonio de Andrade Martins,em decisão de Mandado de Segurança, acolhendo pedido do impetrante João deOliveira Martins Alves, da cidade de São José do Rio Preto:

"Primeiro que tudo, noto a importância de um prévio descarte: não se cuidado problema ontológico, em que o desvelamento preciso dos gêneros e das es-pécies possa conduzir à solução. Comob que se busca evidenciar é tão-somenteo regime jurídico que o ordenamento vigente tenha atribuído à exação ques-tionada, impõe-se a desconsideração de todo e qualquer conceito, definição, ouclassificação- sejam doutrinárias, ou até normativas,comoas dos artigos3º, 4º e Sºdo Código Tributário Nacional~ sempre que assumidas em sentido comprometidocom pretensões ontológicas.

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132 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Num segundo lanço, realçando que o prisma normativo que no caso cabe usarnão importa em normativismo, releva não ladear a índole finalista da exação emexame, pois tergiversar a respeito dos fins que nortearam a instituição do gravamea partir de premissa que, fundada no já referido artigo 4º do CTNnegue qualquerrelevância à destinação legal do produto de sua arrecadação, implicaria resvalarem raciocínio circular ou petição de princípio, ao colocar-se 'ex ante' sob regimede tributo àquilo que iria procurar evidenciar como tributo tão-só na conclusão deum silogismo."

Por último, demonstre-se o emprego de palavras ou expressões de coesão namagistral obra Curso de direito civil, v. I, de Washington de Barros Monteiro, SãoPaulo: Saraiva, 1991, com nossos grifas:

1. "Saliente-se ainda que o direito natural, a exemplo do que sucede com asnormas morais, já tende a converter-se em decreto positivo, ou modificaro direito preexistente." (p. 8)

2. "Impossível, pois, olvidar o papel que à Jurisprudência está reservado naformação do direito." (p. 22)

3. "Frise-se mais, como remate, a diferenciação conceitual entre ab-rogaçãoe derrogação. A primeira é revogação integral, ao passo que a segundaé revogação parcial." (p. 29)

4. "De fato, fraude de execução é incidente do processo, regulado pelodireito público; fraude contra credores é defeito dos atos jurídicos, dis-ciplinado pelo direito privado." (p. 223)

5. "Já mostramos anteriormente a analogia existente entre vÍCio redibitórioe erro; só o primeiro prescreve em quinze dias, pois, quanto ao segundo,a prescrição ocorre no prazo do ~ 9º, nº V,letra b". (p. 308)

4.6 EXERCíCIOS

1. Leia o texto a seguir e verifique o processo de coesão. Justifique o recursoempregado como meio expressivo para realçar a estrutura de profundidade:

''Alei de Caim é a lei do fratricídio. A lei do fratricídio é a lei da guerra, é a lei daforça. A lei da força é a lei da insídia, a lei da pilhagem, a lei da bestialidade. Lei quenega a noção de todas as leis, leis de inconsciência, que autoriza a perfídia, consagra abrutalidade, eterniza o ódio, premia o roubo, coroa a matança, organiza a devastação,semeia a barbaria, assenta o direito, a sociedade, o Estado no princípio da opressão,na onipotência do mal."

(Rui Barbosa)

,,;

Considerações Gerais 133

2. Atividades extracurriculares - sugestões:2.a) Os alunos, individualmente ou em grupo, selecionam textos (em prosa

ou em verso) e realizam paráfrase estrutural com assunto de interessedo mundo jurídico. Como variações, podem ser trabalhadas a estilizaçãoe a paródia.

2.b) Selecionar três autores de áreas diferentes do Direito e apontar em cadaum deles seis enunciados, indicando elos de coesão e suas significa-ções.

2.c) Redação de conteúdo jurídico: unidade estabelecida pela relação ideoló-gica.

2.d) Os grupos elaboram listas de palavras de coesão e de expressões de tran-sição. Os relatores entregam uma cópia ao professor e outra aos relatoresdos demais grupos. Com isso, a classe pode organizar uma listagem paraque as contribuições sejam sistematizadas.

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Redigir é comunicar idéias sobre determinado assunto, expressando o ponto devista do emissor. É um sistema semiótico composto por vocábulos que se estruturampor meio de frases enfileiradas umas às outras, em combinações semântico-sintáti-cas com organização interna coerente, compondo um todo estrutural denominadoparágrafo, ou seja, a unidade de compreensão textual dotada de uma idéia centralà qual se juntam idéias secundárias, em torno de uma mensagem.

Não há extensão rígida para um bom parágrafo: tanto pode ser composto empoucas linhas, como em toda uma página, ou até em muitas laudas, dependendoda natureza e da complexidade do assunto, do gênero da composição e do estilodo autor, lembrando-se de que a prolixidade é sempre indicação de ausência deum plano redacional bem planejado.

Quanto às espécies redacionais, três são os tipos: descrição, narração e dis-sertação.

a parágrafo descritivo é uma seqüência de impressões sensoriais, indicandoos pormenores caracterizadores do objeto percebido pelos sentidos, ou das signi-ficações que este desperta ao observador.

a parágrafo narrativo tem como centro de interesse um fato real ou fictício:conta-se alguma coisa, ocorrida (ou imaginada) em um determinado tempo eespaço.

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A REDAÇÃO

5.1 CONCEITOS E QUALIDADES

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5.1.1 Unidade

138 Curso dePonuguês Jurídico • Damião/Henriques

Atente-se para o fato de todas as frases e parágrafos gravitarem em tornode uma idéia central, ou seja, o sentido axiológico do Direito enquanto conse-qüência da vida em sociedade. Todas as idéias cumpriram seu papel: desenvolvera idéia-núcleo, aumentando-lhe a compreensão.

A unidade é conseqüência da noção de conjunto que caracteriza o parágrafo.Impende haver uma só e mesma linha de racioCÍnio que enfeixe as idéias em tornode um núcleo ou tópico frasal, com um único objetivo a atingir, um fim para o qualconcorram todas as frases, distribuídas nos parágrafos gráficos que compõem otexto ou parágrafo redacional.

Veja-se um pequeno fragmento do Capítulo 2 - O Direito como valor - do livroIntrodução ao estudo do direito, de A. Machado Paupério (1990, p. 45):

MARÍLIADEDIRCEU

Parte I

A Redação 139

1

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,que viva de guardar alheio gado;de tosco trato, de expressão grosseiro,dos frios gelos e dos sóis queimado.Tenho próprio casal e nele assisto;dá-me vinho, legume, fruta, azeite;das brancas ovelhinhas tiro o leite,e mais as finas lãs, de que me visto.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:dos anos inda não está cortado;os pastores, que habitam este monte,respeitam o poder do meu cajado.Com tal destreza toco a sanfoninha,que inveja até me tem o próprio Alceste:ao som dela concerto a voz celestenem canto letra, que não seja minha.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Mas tendo tantos dotes da ventura,só apreço lhes dou, gentil pastora,depois que o teu afeto me seguraque queres do que tenho ser senhora.É bom, minha Marília, é bom ser donode um rebanho, que cubra monte e prado;porém, gentil pastora, o teu agradovale mais que um rebanho e mais que um trono.

5.1.2 Coerência

Já se falou da coesão e coerência; sabe-se, portanto, que todas as frases compo-nentes do parágrafo redacional apresentam-se interdependentes, quer pela ordemhierárquica, quer pela conexão das idéias ou, então, pelas palavras ou expressõesde transição dos parágrafos (elementos de coesão).

Ocorre um encadeamento de parágrafos de sorte a coordenar as idéias, asse-gurando a continuidade de sentido.

Veja-se o formidável exemplo a seguir na belíssima composição do árcadeTomás Antônio Gonzaga, notável inconfidente poeta em sua

,...Ic-¥l""-

I"

"É um truísmo afirmar-se que o homem é um animal social. E que à socie-dade muito deve quanto à sua formação física, psicológica e moral.

O convívio social é fator importantíssimo de evolução das próprias idéias hu-manas. Sem ele, o homem estaria privado do exemplo, da educação, do confortomaterial e de todos os bens, em geral, que só se conseguem pelo esforço cooperativode todos os membros da comunidade.

A essência de qualquer sociedade é a reunião moral dos homens ordenada aoBem Comum.

Para a consecução desse Bem Comum, é preciso que os interesses privados sesubordinem aos interesses supremos da comunidade. Daí temos a justiça social,conjunto de direitos e deveres característicos ao Bem Comum.

Para a consecução desse Bem Comum, há de imperar na sociedade o Direito,conjunto de condições existenciais dela própria."

o parágrafo dissertativo consiste na emissão de um juízo: predomina a abstra-ção do pensamento; o posicionamento do autor diante de um assunto, chamadode postura temática.

Bom é de lembrar que esta tricotomia é didática, porque, na prática, as espéciesse mesclam: há descrição narrativa; e uma dissertação pode descrever situações;enfim, os tipos redacionais podem estar presentes em um mesmo parágrafo, salvono caso de descrição técnica.

Qualquer que seja a forma discursiva, três são as qualidades essenciais aoparágrafo: unidade, coerência, ênfase.

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140 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,a quem a luz do sol em vão se atreve;papoila ou rosa delicada e finate cobre as faces, que são cor da neve.Os teus cabelos são uns fios d'ouro;teu lindo corpo bálsamo vapora.Ah! não, não fez o Céu, gentil pastora,para glória de amor igual tesouro!Graças, Marília belagraças à minha estrela!

Leve-mea sementeira muito emborao rio, sobre os campos levantado;acabe, acabe a peste matadora,sem deixar uma rês, o nédio gado.Já destes bens, Marília, não precisonem me cega a paixão, que o mundo arrasta;para viver feliz, Marília, bastaque os olhos movas, e me dês um riso.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Irás a divertir-te na floresta,sustentada, Marília, no meu braço;aqui descansarei a quente sesta,dormindo um leve sono em teu regaço;enquanto a luta jogam os pastores,e emparelhados correm nas campinas,toucarei teus cabelos de boninas,nos troncos gravarei os teus louvores.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Depois que nos ferir a mão da morte,ou seja neste monte, ou noutra serra,nossos corpos terão, terão a sortede consumir os dous a mesma terra.Na campa, rodeada de ciprestes,lerão estas palavras os pastores:"Quem quiser ser feliz nos seus amores,siga os exemplos, que nos deram estes.Graças, Marília bela,graças à minha estrela!

Considerando-se que o texto resulta do entrelaçamento de parágrafos, importahaja coesão entre eles para se lhe assegurar (ao texto) a tessitura lógica. a en-

A Redação 141

gastamento das idéias principais de cada parágrafo é que estabelece a articulaçãodo texto.

a exemplo do poeta e jurista Tomás Antonio Gonzaga é um modelo de textocoeso. Há, do intróito à peroração, perfeita unidade; o assunto é sempre o mesmo;costura-o uma só e mesma linha que não se rompe em nenhum instante.

Todas as estâncias do poema perseguem um único objetivo, têm a mesma pre-tensão: conquistar o amor de Marília. Este é o núcleo em torno do qual gravitamas estrofes. A poesia é, assim, um modelo de argumentação bem ordenada e coesaque reflete a formação jurídica do autor.

a poeta - nessa época quarentão - aspira ao amor de uma menina-moça; paratanto, tece vários argumentos:

]Q estrofe: exaltação de seu poder material: é homem de posses, tem pro-priedades, frisando, em primeiro lugar, que ele tem residência fixa econhecida. Trabalha por conta própria, não é assalariado; enfim, não ésem-terra nem sem-teto.

2Q estrofe: exaltação de tributos pessoais: à boa aparência, somam-se forçafísica, habilidade física e qualidades intelectuais.Nas duas primeiras estrofes, o poeta apresenta um retrato de si mesmo.a texto remete-nos aos chamados argumentos éticos, do grego ethos, emque o destinador (no caso, o poeta) joga com sua imagem para persuadiro destinatário (no caso, Marília).

3Q estrofe: é uma estância de transição, pois, a seguir, parte para outro ar-gumento extremamente sensível à vaidade feminina.

4Q estrofe: galanteios a Marília: homem experimentado na ars amandi, apelao poeta para a vaidade da menina de quinze anos e tece loas à beleza danamorada; procura, assim, compensar a disparidade cronológica entreos dois.

SQ estrofe: continua a argumentação da estrofe anterior. Até o momento, opoeta procura induzir Marília a, com ele, convolar núpcias. É a fase damanipulação em que se lançam mãos de alguns expedientes para provocaruma tomada de decisão; no caso, o expediente é a sedução.

6Q e 7Q estrofes: o poeta mostra a recompensa em vida e além-túmulo. Asanção será positiva.

5.1.3 Ênfase

É indispensável dar ênfase à idéia-núcleo, quer pela posição dos termos nasorações e das frases no texto, quer pela expressividade dada ao pensamento-chave,ou seja, a proposta temática.

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A ESPADA

142 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Alguns auxiliares da ênfase merecem destaque:

Além dessas qualidades básicas, não há olvidar-se a necessidade da clarezae da concisão; a primeira prende-se, principalmente, à seleção de vocabulárioagradável, concorrendo para a agradável leitura do parágrafo; a concisão, por suavez, facilita o ato de ler, inibindo o cansaço dos textos longos.

Leia-se o precioso exemplo abaixo:

O planejamento obedece aos requisitos essenciais na composição reda-cional: o quê? (delimitação do tema) e para quê? (fixação do objetivo).

O assunto é introduzido em (01); no desenvolvimento (02) justifica-se a afir-mação inicial; a conclusão (03 - Portanto ...) está intimamente relacionada comas partes anteriores.

A Redação 143

"IdentificouHegel o pensamento como 'ser'. (01) Daíver o real comoracional.Aproximando-se de Heráclito, reconheceu que a idéia e o pensamento estão emdevenir. Como a realidade é a objetivação da idéia, encontra-se, também, em de-venir que, em Hegel, se caracteriza pelo processo dialético entre idéias contrárias .À idéia (tese) segue-se sua antítese; da luta entre tese e antítese, surge a síntese,que é sempre mais real e completa, passando, por sua vez, a ser nova tese contra aqual se erguerá outra antítese, e assim até ser atingida a idéia absoluta. (02)

Portanto, em Hegel, negação tem valor construtivo." (03)

Nota: o exemplo extraído da obra A arte de escrever (BUENO, 1961, p. 69),atualizou a acentuação das palavras, consoante as normas hoje vigen-tes.

Como todo e qualquer texto, o parágrafo há de conter introdução, desenvol-vimento e conclusão, como se pode verificar no exemplo de Gusmão (1965, p .270):

(RuiBarbosa)

5.2 ESTRUTURA DO PARÁGRAFO

necessariamente o governo da irresponsabilidade, o jubileu dos estados de sítio, aextinção da ordem jurídica, a subalternização da justiça à força."

Verifica-se no eloqüente fragmento do fecundo representante dos clássicosque o período longo ou, mesmo, quilométrico, próprio da época, não comprome-teu a concisão da idéia nuclear: a inteligência, o direito e a religião são os trêspoderes legítimos do mundo. A precisão vocabular, verifica-se, ajusta as idéias aotópico central. A propriedade semântica contribui, assim, para que o eminentejurista teça um quadro expressivo com apenas dois parágrafos descritivo-disser-tativos, apresentando os argumentos necessários para o perfeito desenvolvimentodo tema por ele perseguido. Além disso, veja-se no texto a unidade, a coerên-cia e a ênfase, manipulados com esmero pelo grande cultor da língua portu-guesa.

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a) A técnica de intercalar aos parágrafos curtos os de média extensão. Dis-põem-se assim, v. g., duas alentadas obras: Filosofia do direito (MiguelReale) e Curso de direito processual penal. (Magalhães Noronha)

b) A voz ativa, porque realça a ação do agente, conforme já se comentou.c) As repetições intencionais, como se vê na diácope ilustrativa: ':Justiça,

somente Justiça, é o que se pede aos senhores". (Leia-se mais atentamentea Parte VII - "Estilística jurídica".)

d) O aspecto verbal para marcar o momento do processo verbal, v. g.: "Aviolência do réu acabou por ofender a integridade física da vítima." Nãoé à toa que José de Alencar abre o capítulo "APrece" de O guarani comas palavras "Atarde ia morrendo". A locução verbal de gerúndio indica olento cair da noite e o verbo auxiliar ir no imperfeito (forma do infectum)acentua o processo do pôr-do-sol.

e) A pontuação: funciona como condutor do pensamento do autor e marcode expressividade das idéias. Há uma linguagem literária e uma lingua-gem corrente; da mesma forma há uma pontuação literária e uma pon-tuação corrente. A pontuação de um escritor dotado de personalidademarcante será também pessoal.

"Ainteligência, o direito, a religião, são os três poderes legítimos do mundo.Eles representam, cada um de per si, o eu humano, a sociedade humana, o destinohumano e, associados, as três expressões da humanidade: a sua evolução, a suaexistência na superfície da terra, o misterioso fim de seu desenvolvimento. Diantedeles a força, nas eras não bárbaras, se reduz a uma entidade subalterna, cuja in-tervenção não valerá nunca senão pelos serviços de que a sua obediência for capaz.Para a constituinte numa organização geral, a civilização adotou, como símbolo,a espada coeva das primeiras idades históricas, outrora senhora dos povos escra-vizados, mas hoje, nas mãos dos povos livres, criaturas das suas leis, dependênciada sua administração, instrumento de seus governos.

Fora daí a espada não é a ordem, mas a opressão, não é a tranqüilidade,mas o terror, não é a disciplina, mas a anarquia, não é a moralidade, mas a cor-rupção, não é a economia, mas a bancarrota, não é a ciência, mas a inépcia, nãoé a defesa nacional, mas a ruína militar, a invasão e o desmembramento. Isto é,e não poderia deixar de ser, porquanto, com o domínio da espada, se estabelece

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144 Curso de POrtuguês Jurídico • Damião/Henriques

5.2.1 Tópico frasal

É o exórdio ou introdução do tema. Cumprem-lhe as funções de delimitaro tema e fixar os objetivos da redação, e não se deve redigi-lo com mais duasfrases.

Encerrando a idéia-central, o tópico frasal deve ser mais genérico do que odesenvolvimento, e não pode conter idéias conclusivas. Lembre-se, no entanto, queno texto narrativo é freqüente a diluição da idéia-chave no desenvolvimento doparágrafo, podendo, até, surgir no final do texto. Todavia, o cuidado de enunciarde pronto a idéia-núcleo garante a unidade do parágrafo, sua coerência, facilitandoa tarefa de realçar o tema.

Veja-se o exemplo a seguir:

"Não há cidadania sem efetivo acesso à Justiça. Não há acesso à Justiça se estaapenas atende à parcela da população que consegue desfrutar os recursos maldistribuídos da sociedade de consumo. Não há acesso à Justiça se grande parteda população não detém os meios concretos para exercê-lo, e socorre-se de me-canismos primitivos de justiça privada, em que a violência converte-se no cenáriodo cotidiano. Não há acesso à Justiça quando o Estado se revela impotente pararesponder às demandas reais da sociedade, inclusive através de seu poder compe-tente: o Judiciário."

(José Roberto Batochio, Folha de s. Paulo, 20-5-93)

O tópico contém a idéia-chave, apresentada de forma genérica; a seguir, espe-cifica-se pela repetição da mesma frase "não há acesso à Justiça", por três vezes.

Conforme ministra Omon Garcia, diferentes são as técnicas de iniciar o pa-rágrafo, podendo o tópico frasal conter uma declaração inicial (afirma ou nega,genericamente, alguma coisa); uma definição (diz o que é alguma coisa); umadivisão (discrimina as idéias a serem desenvolvidas sobre alguma coisa), além deoutros recursos, dentre eles, a alusão histórica e a interrogação.

No poema de Tomás Antônio Gonzaga, anteriormente citado, os versos deabertura - "Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, que viva de guardar alheio gado"- é uma alusão à mitologia greco-romana que conta o fato de ter sido o deus Martepunido por Júpiter, obrigado a exercer a humilhante tarefa de guardar alheio gado.Dirceu - Tomás A. Gonzaga - aludindo à situação mítica mostra-se mais privile-giado que o deus da guerra.

5.2.2 Desenvolvimento

Desenvolver o parágrafo nada mais é do que a explanação da idéia princi-pal; o agregamento de idéias secundárias para melhor enunciar o objetivo reda-cional. É o corpo do texto que dá a conhecer o assunto e o tema ao receptor.

A Redação 145

Consoante o objetivo do emissor e o gênero redacional, diferentes são as formasde desenvolver a idéia-chave, destacando, entre elas, as seguintes:

a) Explanação da declaração inicial

Esta é, por certo, a forma mais usual, mais encontradiça de desenvolvimentodo parágrafo. Cuida-se do mero desdobramento significativo do tópico frasal(afirmativo ou negativo). Tais explicações ou desenvolvimento formam uma soma-tória de idéias secundárias que gravitam em torno da proposição inicial e a cor-roboram.

Amostra:

"O direito é realidade universal. Onde quer que exista o homem, aí existe odireito como expressão de vida e de convivência. É exatamente por ser o direitofenômeno universal que é ele suscetível de indagação filosófica. A Filosofia nãopode cuidar senão daquilo que tenha sentido de universalidade. Esta a razão pelaqual se faz Filosofia da vida, Filosofia do direito, Filosofia da história ou Filo-sofia da arte. Falar em vida humana é falar também em direito, daí se eviden-ciando os títulos existenciais de uma Filosofiajurídica. Na Filosofia do Direito deverefletir-se, pois, a mesma necessidade de especulação do problema jurídico em suasraízes, independentemente de preocupações imediatas de ordem prática."

(REALE,1965, p. 9)

b) Contraste

A técnica utilizada para desenvolver o parágrafo é mostrar diferenças, firmaroposições e, assim, demonstrar o posicionamento do emissor diante de impressõessensoriais, desenrolar de um fato ou emissão de um juízo.

Conforme ministram Maria Margarida de Andrade e Antonio Henriques emRedação prática (1992, p. 75), o contraste pode evidenciar-se de modo explícito. ou implícito.

Exemplo de contraste implícito:

"Ovalor é sempre bipolar.Abipolaridade possível no mundo dos objetos ideais,só é essencial nos valores, e isto bastaria para não serem confundidos com aqueles.Um triângulo, uma circunferência são; e a esta maneira de ser nada se contrapõe.Daesfera dos valores, ao contrário, é inseparável a bipolaridade, porque a um valorse contrapõe um desvalor; ao bom se contrapõe o mau; ao belo, o feio; ao nobre, ovil; e o sentido de um exige o do outro. Valores positivos e negativos se conflitame se implicam em um processo."

(REALE,1965,p. 169) .

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.

146 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

c) Enumeração

Outra forma de ordenação do desenvolvimento é a indicação de fatores efunções de algum objeto (idéia-núcleo), podendo, ainda, classificá-lo e dividi-lo,indicar a evolução temporal, as variações de suas características, podendo agruparos elementos por semelhanças e diferenças. Os dois pontos desempenham papelpreponderante nesta forma de desenvolvimento porque sua função principal éindicar a enumeração ou explicação.

Amostra:

"Contra a realidade do movimento, Zenão apresenta quatro argumentos. Oprimeiro demonstra a impossibilidade de um corpo se mover de um ponte paraoutro, pois deveria percorrer antes a metade da distância e antes a metade dessae assim até o infinito, o que é impossível num tempo finito. O segundo é uma va-riação do mesmo princípio: Aquiles, na corrida, nunca alcançará a tartaruga, poisprimeiro deveria alcançar o ponto de onde se moveu, mas antes teria que atravessara metade da distância de onde está, e assim até o infinito. O terceiro demonstraque a flecha em movimento aparente é imóvel, pois nunca sai do ponto inicial. E oquarto que um mesmo ponto, cujo movimento é medido uma vez com referênciaa um corpo em repouso e outra vez com referência a um corpo que se move emsentido contrário ao primeiro com igual velocidade, percorre no segundo caso amesma distância na metade do tempo que no primeiro caso. Donde se conclui quea metade do tempo equivale ao inteiro, o que é obviamente absurdo."

(GILES,1979,p.40)

d) Exemplificação

Para muitos, não é propriamente uma forma de ordenação das idéias, masrecurso utilizado para esclarecer ou reforçar uma afirmação.

Neste passo, assume ela feição didática e, para tanto, serve-se de expressõescomo: por exemplo (p. ex.), verbi gratia (v. g.), exempli gratia (e. g.), ou melhor,assim, entre outras.

Em demais construções, o exemplo apresenta feição literária, ou seja, aintenção é realçar a idéia por meio de idéias esclarecedoras, muitas vezes eluci-dativas do processo metafórico utilizado pelo autor, em função metalingüística(funciona como verbete).

Dada a natureza do presente estudo, dar-se-á amostra do tipo didático:

"De modo muito amplo, pode-se entender por 'governo' o Estado em ação,isto é, a ação do Estado. É o Estado funcionando. Não se confunde com as pessoas,que, historicamente, o exercem, pois elas passam ou são destituídas da potes-tade governativa, enquanto permanece o governo, sempre em ação, seja qual for aforma que revista. Por isso, 'governo', no sentido próprio, não deve ser confundidocom o seu sentido estrito, isto é, entendido como o conjunto de pessoas que agem

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A Redação 147

pelo Estado, ou melhor, com os que o governam. O conjunto de meios, escreveORLANDO,pelos quais a soberania se traduz em atos, eis como se deve entendergoverno. Talconcretização de soberania exigeum conjunto de instituições,deposi-tárias da potestade governativa (instituiçõesgovernativas),destinadas a exercere atomar possível o govemo do Estado. Têmessas instituições, como toda instituiçãojurídica, estabilidade e durabilidade. Não são temporárias e nem provisórias,maspermanentes. Devido a permanência e a estabilidade que desfrutam, as pessoas,que por elas agem, passam, enquanto elas, ficam. Govemo sem instituições go-vernativas é impossível no Estado moderno. Governo pessoal, nem nas ditadurasmodernas há."

(GUSMÃO,1965, p. 211)

e) Causa-conseqüência

A relação causa-conseqüência é, por excelência, o encadeamento lógico doracioCÍnio. A causa é o motivo, a razão, o porquê dos atos humanos. Em relaçãoà conduta, a conseqüência é o efeito, o resultado.

Importante se faz a camada vocabular (conectivos, substantivos e verbos) paraexplicitar a relação causa-conseqüência, como se viu na Parte Iv.

Também, a correlação motivo-efeito, razão-resultado, causa-efeito, pode serobtida pela estrutura interna do texto, nos valores semânticos obtidos com idéiasque estabelecem a relação.

Leia-se, atentamente, o fragmento abaixo e verifique-se o efeito das chuvas edo inverno na vida do homem campesino:

"Vieramas chuvas. Aprincípio grossas e fortes, como chuva de verão e depoisfinas e incessantes. Era o inverno que apertava o trabalho e os sofrimentos.Aáguado céu não é um convitepara o trabalho. É uma ordem. Porissoa labuta era grande.Ao tempo do sol, pode-se ficar por aí enganando a própria fome. À aproximaçãodas chuvas, e com elas, abre-se, porém, a terra e planta-se. Mas agüenta-se a lutacontra o mato bravo, na disputa do terreno conquistado."

(DUARTE,1936, p. 59)

Veja-se esta outra cena invernal, com a presença do conector causal "por-que":

"Porque o sol da tarde, indo embora, fazia subir das matas, da águaquieta do lato, do céu que baixava, cinzento, um friozinho ácido e cortante, fecheias janelas, desci as cortinas e, afinal, ajoelhei-me diante da lareira, descobri quehavia uns restos de gravetos no cesto de lenha, um montão de jornais e, no quintal,lá fora, umas raízes desentocadas na reforma do jardim."

(LESSA,1963,p. 155)

Nota: não perca de vista o leitor a relação de contraste oferecida pela com-paração do inverno no campo com o inverno citadino.

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148 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

f) Resposta à interrogação

Uma pergunta inicial é o recurso, para um desenvolvimento que tem por ob-jetivo desdobrar o parágrafo. Sirva o exemplo:

"Ora, diante destas premissas, que devemos entender por interpretação? Dis-semos que a fala se refere ao uso atual da língua. Falar é dar a entender algumacoisa a alguém mediante símbolos lingüísticos. A fala, portanto, é um fenômenocomunicativo.Exigeum emissor, um receptor e a troca de mensagens. Até o discur-so solitário e monológico pressupõe o auditório universal e presumido de todos equalquer um, ao qual nos dirigimos, por exemplo, quando escrevemos um texto ouquando articulamos, em silêncio, um discurso, ao pensar. Sem o receptor, portanto,não há fala. Alémdisso, exige-se que o receptor entenda a mensagem, isto é, sejacapaz de repeti-la."

(FERRAZJR. 1991, p. 235)

g) Tempo e espaço

As idéias não estão soltas no tempo e no espaço, mas são datadas e situadas.Não só no gênero narrativo, mas também na descrição e na dissertação, os indicado-res de tempo e espaço oferecem referenciais para a compreensão da mensagem.

É possível escrever usando isoladamente um ou outro critério.

O exemplo que se apresenta abaixo foi colhido do excelente trabalho de MagdaSoares e Edson Campos (1992, p. 92), demonstrando a ordenação de idéias pelocritério temporal.

"O livro foi sempre considerado o baluarte em que poderiam confiar os pes-simistas da cultura de massa no momento em que tivessem de salvar do incêndioa cultura autêntica. Todavia, agora, e cada vez mais, esses pessimistas têm razõesde sobra para se desesperar. O livro, ao qual tinham acesso apenas as minoriasprivilegiadas, passa a figura,r no cardápio da classe média e do proletariado. Osúltimos anos marcaram o aparecimento em grande estilo dos livros de bolso, os-tensivamente concorrendo comjornais e revistas nas bancas e na disputa das horasde ócio dos leitores. As edições de livros de bolso se multiplicaram. O livro, antesprivilégio da gente de espírito e sensibilidade, de repente é elevado à categoria deproduto de consumo para a massa, tratado no mesmo nível do sabão de coco e dosabonete. O livro penetra na drugstore e a cultura é equiparada a um comprimidoque se compra para dor de cabeça. A cultura veiculada pelo livro adquire entãoo aspecto vulgar que faz a ira dos inimigos da cultura de massa: o de tratar comsimplicidade coisas por natureza complicadas."

(Charles R.Wright. Comunicação de massa - parágrafo modificado.)

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A Redação 149

5.2.3 Conclusão

A conclusão é o fecho redacional. Uma boa redação termina de forma inci-siva, dando ao leitor a sensação de ter sido esgotado o plano do autor, lograndoo emissor obter o objetivo pretendido. Há, assim, correlação entre introdução econclusão, porque esta última resolve a proposta do texto.

Não há, alerte-se, necessidade de uma conclusão explícita, auxiliada de expres-sões do tipo "concluindo", "finalmente", "em suma" e outras anteriormente indica-das no tópico elementos de coesão. Tal recurso é mais encontradiço nas dissertaçõese com grande freqüência no discurso jurídico, porque prepara o espírito do leitorpara assimilar as conclusões do autor sobre determinado assunto, constituindo-se,desta sorte, no tema propriamente dito. Já nos textos de descrição e narração, ofinal do texto atinge um clímax que se constitui na conclusão.

Leia-se o exemplo abaixo, quando Lígia Fagundes Telles apresenta o desenganodo pequeno Alonso, ao perder o travesso cãozinho Biruta, que foi solto na rua pelamãe do menino, cansada das peraltices do animal de estimação:

"- Biruta - chamou baixinho. - Biruta ... - repetiu. E desta vez só os lábiosse moveram e não saiu som algum.

Muito tempo ele ficou ali ajoelhado, imóvel, segurando a bola. Depois apertou-afortemente contra o peito como se quisesse enterrá-la no coração."

(Histórias do desencontro, 1958, p. 36)

Veja-se, agora, a conclusão de um tópico de texto jurídico, anotando o leitora presença do elemento de coesão, ao falar da responsabilidade civil:

"Em face disso, não se pode deixar de reconhecer, no campo em análise, aexistência de duas categorias autônomas (a subjetiva e a objetiva), em que cadaqual explica e exerce uma função própria da responsabilidade, manifestando-se,de há muito, tendência a um crescente alargamento do sistema objetivo, em facedas razões já apontadas."

(BITTAR,1991, p. 176)

A conclusão é, pois, o remate das idéias desenvolvidas, podendo ser umresumo delas (síntese), apresentar uma proposta e até mesmo constituir-se emconclusão-surpresa.

Silveira Bueno, em sua Arte de escrever (1961, p. 68), colhe precioso exemploque pode ilustrar a conclusão-proposta, em discurso proferido por Olavo Bilac,no Rio Grande do Sul. Comemorava-se ~ construção do porto do Rio Grande.Dizia o "Príncipe dos Poetas", em ardente oratória, da necessidade da construçãode uma alma brasileira fincada em valores morais, diante do quadro lúgubre daEducação de seu tempo:

"Que fazer, contra a possibilidade do desastre e da ruína? - armar o Brasil,e defendê-lo: e, no campo moral, em maravilhosas proporções de vontade, em

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)

150 Curso de Português Jurídico • Darnião/Henriques

prodigiosas progressões de intensidade de coragem e de paciência, reproduzir, emfavor da pátria, este mesmo trabalho que, no campo físico, foi lançado e acabadona foz do nosso grande rio: a construção de uma imensa e gloriosa muralha cir-cular, guardando o sagrado páramo, em que circula a nossa história, - o passadocom as nossas tradições, o presente com as nossas incertezas, o futuro com asnossas esperanças: muralha inexpugnável, plantada no patriotismo, argamassadade instrução, cimentada de disciplina, inabalavelmente firmada na glória de crere na honra de querer!"

(Discurso ao Rio Grande do Sul)

5.3 O ENCADEAMENTO DOS PARÁGRAFOS

Muito já se comentou sobre a coesão e a coerência; nunca é demais, porém,reiterar-lhes a importância. Um texto só terá unidade se da introdução caminharemas idéias rumo à conclusão, havendo, entre os parágrafos, uma passagem lógicae natural.

A articulação das idéias, reafirme-se, é a condição indispensável para a ob-tenção de um texto harmonioso.

5.4 ELABORAÇÃODO PARÁGRAFO: REQUISITOS EQUALIDADES

Redigir, como já se viu, requer planejamento com o propósito de fixar o ob-jetivo a ser atingido. Para que o redator não se afaste do alvo proposto, requisitoimpenhorável é a feitura de um esquema preliminar. Alguns passos devem serseguidos:

1. De plano, deverá o redator escolher o assunto a ser enfocado (a menosque não lhe caiba fazê-lo).

2. Em seguida, fará associações livres, pensando, vigorosamente, nas possi-bilidades paradigmáticas. Quanto mais idéias tiver sobre o objeto, maiora reflexão e, por conseguinte, mais rico o material a ser trabalhado.

3. O próximo passo será delimitar o assunto, traçando um objetivo: o quepretende transmitir (proposta temática).

4. Escolher o critério para desenvolvimento do pensamento é a tarefa se-guinte. O farto material obtido irá permitir ao redator uma escolha maisoportuna: cumpre-lhe estabelecer se irá enumerar aspectos do objeto,compará-lo com outro, declarar-lhe fatores positivos ou negativos, posi-cionar-se a favor ou contra sua situação, enfim, estabelecerá ele a formade desenvolvimento do tema.

A Redação 151

5. Na seqüência, irá o redator fixar as idéias a serem desenvolvidas, em umastrês ou quatro frases sucintas. Quando necessário, elabora subdivisões- não muitas - com frases também curtas.

6. Agora o redator pode estabelecer o tópico frasal, elaborando uma frasegenérica, que possa, de forma abrangente, apresentar as idéias a seremdesenvolvidas, sem indicar, no entanto, elementos conclusivos. As cir-cunstâncias e os pormenores não serão colocados nesta etapa; tão-so-mente a idéia a ser trabalhada.

7. Pensará agora o redator na conclusão a que pretende chegar, elaborandouma frase concisa que a contenha. Está pronto para começar o trabalhoredacional.

Fixado o esquema, o redator iniciará seu trabalho sem descuidar-se das qua-lidades essenciais já comentadas anteriormente.

Desenvolverá a introdução, permitindo que a idéia-chave esteja em evidên-cia: a ampliação da frase introdutória deverá ser realizada com bastante ênfase,firmando no leitor a idéia central.

No desenvolvimento, tomará o cuidado de costurar as idéias, valendo-se, sem-pre que necessário, dos elementos de coesão. Usará apenas o material indispensável(não perderá, no entanto, aquele não utilizado, porque as idéias pensadas sobreo assunto serão, para o redator, acervo precioso a ser empregado em outras reda-ções). Neste segmento, não poderá ele olvidar a importância da ênfase, colocandosempre em evidência a idéia central.

Na conclusão, não perderá de vista o objetivo da introdução, demonstrandoter conseguido desenvolvê-lo de maneira completa.

Exemplo:

1. Assunto: estudo sobre o costume no Direito.2. Delimitação: a importância da preservação dos bons costumes como fontemoraldo Direito.

3. Objétivo: demonstrar que o costume, enquanto forma de expressão do Direito,requer da sociedade e dos aplicadores da lei atenção especial, sendo o descuidocrime de lesa-pátria.

4. Idéia introdutória: o costume é fruto da valoração social e reflete o comporta-mento concorde dos membros da comunidade e, como fonte do Direito, reper-cute na aplicação da lei.

5. Desenvolvimento: critério de enumeração:S.a) O "psicologismo"enaltece o querer individual, com conseqüente frouxidão

dos mores sociais.S.b) Os meios de comunicação de massa levantam bandeiras de licenciosidade,

derrubando a tradição fincada nos costumes mais sóbrios.

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152 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

5.c) Os magistrados aceitam os comportamentos acolhidos pela comunidade,alargando a aplicação dos costumes lassos nas decisões judiciais.

5.d) A lei acaba por adotá-los, e. g., o projeto de reforma penal em face doadultério, da sedução e do aborto.

6. Conclusão: o resultado disso é a penúria moral da nação que vem cometendoum ignóbil e infamante crime de lesa-pátria.

Viu-se, assim, que o plano contém as idéias básicas a serem trabalhadas.Caberá, agora, ao redator ampliá-las, ornando-as com excelentes parágrafos,compostos de frases bem estruturadas e encadeadas, de tal sorte, a tornar coesae coerente a redação.

5.5 O PARÁGRAFO DESCRITIVO

Conforme bem define Gélson Clemente dos Santos (1983:183), a "descriçãoé a reprodução de uma realidade - é a representação verbal de um aspecto, ouseqüência de aspectos. Na descrição, o emissor provoca na mente do receptor umaimpressão sensível, procura fazer com que o leitor 'veja' na sua mente um objetomaterial ou um processo espiritual".

Do conceito, apreende-se o objetivo da descrição: compor um "retrato" deuma idéia, fazendo a representação simbólica da imagem por meio de palavras:seja a pessoa (vista em seu exterior ou perscrutada no campo psicológico), sejao ambiente (físico ou emotivo), seja a natureza (estética ou espiritual), o redatorvai dando à linguagem impressões que permitam ao receptor "ver" o que estásendo descrito.

A descrição é, ainda, o processo utilizado nos dicionários.Veja os exemplos colhidos no Pequeno dicionário brasileiro da língua portu-

guesa:

a) de objetoabrolho. s.m. "Nome comum a várias plantas rasteiras e espinhosas ..."

b) de processo mentaldiscurso. s.m. "Conjunto ordenado de frases proferidas em público ou escritascomo se tivessem de o ser"...

A linguagem dos verbetes acima é descrição técnica ou informativa; procuracaptar os elementos essenciais do objeto a ser descrito, a fim de permitir ao leitorrepresentá-los em sua mente. A diferença entre esse tipo descritivo e o literário éque neste o emissor pode dar ao objeto as suas impressões subjetivas (ou, então,retratá-lo objetivamente), enquanto o tipo técnico utiliza a linguagem denotativa,dando ao objeto ou idéia uma representação coletiva e impessoal.

A Redação 153

Leiam-se as amostras:

1. "Chegamos, e então aquilo tudo está acontecendo de maneira urgente,o mato, a água, as pedras, o ar. Aquilo está havendo naquele momento, como omovimento de um grande animal bruto e branco morrendo, cheio de uma espan-tosa vida desencadeada, numa agonia monstruosa, eterna, chorando, clamando.E até onde a vista alcança, num imenso, há montes de água estrondando nessecantochão, árvores tremendo, ilhas dependuradas, insanas, se toucando de arco-íris, nuvens voando para cima, como o espírito das águas trucidadas remontandopara o sol, fugindo à torrente estreita e funda onde todas essas cachoeiras juntamabsurdamente suas águas esmagadas, ferventes, num atropelo de espumas entredois muros altíssimos de rocha." .

(BRAGA,1963, p. 72)

2. "Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiquei-ro das cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudoanunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fu-gido.

Fabiano procurou em vão perceber um toque de chocalho. Avizinhou-se dacasa, bateu, tentou forçar a porta. Encontrando resistência, penetrou num cer-cadinho cheio de plantas mortas, rodeou a tapera, alcançou o terreiro do fundo,viu um barreiro vazio, um bosque de catingueiras murchas, um pé de turco e oprolongamento da cerca do curral. Trepou-se no mourão do canto, examinou acaatinga, onde avultavam as ossadas e o negrume dos urubus. Desceu, empurroua porta da cozinha. Voltou desanimado, ficou um instante no copiar, fazendo ten-ção de hospedar ali a família. Mas chegando aos juazeiros, encontrou os meninosadormecidos e não quis acordá-los."

(Graciliano Ramos, apud CARRETERet aI., 1963, p. 29)

3. "Comprida, tortuosa, ora larga, ora estreita, a Rua do Siriri se estende desdeo Alto de São Cristóvão até a AvenidaBarão de Maroim. Mas o seu trecho principal,porque mais habitado, vai da Rua das Laranjeiras até a da Estância.

Aí, não há mais casas de palha. São de taipa ou de tijolo, cobertas de telha.Àsvezes pequeninas, porta e janela apenas, sem reboco, pouco mais altas que umhomem. Outras melhores, são largas, acaçapadas, com grandes beirais. Aqui e ali,uma construção mais nova, de platibanda e enfeitada de comijas, dá ao local umtom mais elegante e mais alegre."

(Armando Fontes, apud GARCIA,1975: 459)

4. "O gaúcho, o pealador valente, é, certo, inimitável, numa carga guerreira;precipitando-se, ao ressoar estrídulo dos clarins vibrantes, pelos pampas, com oconto da lança enristada, firme no estribo; atufando-se loucamente nos entreveros;desaparecendo, com um grito triunfal, na voragem do combate, onde, espadanamcintilações de espadas; transmudando o cavalo em projétil e varando quadrados elevando de rojo o adversário no rompão das ferraduras ou tombando, prestes naluta, em que entra com despreocupação soberana pela vida."

(CUNHA,1956, p. 106)

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154 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

5. "O jagunço é o homem que, sem abandonar o seu roçado ou o seu curralde bois de cria, participa de lutas armadas ao lado de amigos ricos ou pobres.Observadores apressados costumam ver o jagunço como um tipo à parte, na so-ciedade do vale, trajando-se diferente dos outros, vivendo uma vida à margem dasoutras vidas. Mas não há engano maior, pois o jagunço é um homem como os ou-tros. O seu chapéu de couro é o mesmo que o vaqueiro usa. O mesmo homem quecampeia, perseguindo os bois nas vaquejadas, quando necessário, despe o gibão e ojaleco, tira as perneiras e solta o gado, troca a vara-de-ferrão por um fuzil, quebrao chapéu de couro na frente e vai brigar como um guerreiro antigo. Não é precisotirar carta de valente para ser jagunço. Jagunço todo mundo é, pois no sertão oscovardes nascem mortos."

(LINS, 1952, p. 136)

6. "Há, desde a entrada, um sentimento de tempo na casa materna. Asgradesdo portão têm uma velha ferrugem e o trinco se oculta num lugar que só a mãofilial conhece. O jardim pequeno parece mais verde e úmido que os demais, comsuas palmas, tinhorões e samambaias que a mão filial, fiel a um gesto de infância,desfolha ao longo da haste.

É sempre quieta a casa materna, mesmo aos domingos, quando as mãos filiaisse pousam sobre a mesa farta do almoço, repetindo uma antiga imagem. Há umtradicional silêncio em suas salas e um dorido repouso em suas poltronas. O assoalhoencerado, sobre o qual ainda escorrega o fantasma da cachorrinha preta, guardaas mesmas manchas e o mesmo taco solto de outras primaveras."

(MORAES, 1962, p. 99)

Multiplicam-se os exemplos, mas as características básicas da estrutura des-critiva permanecem. Coteje o leitor os fragmentos textuais acima e encontre ostraços comuns da descrição, a saber:

1. Frases curtas, com muitas elipses verbais, dando mais impressões do quedizendo ações.

2. Verbos predominantemente no presente e no imperfeito do indicativo (oimperfeito é o tempo da fantasia, da ação continuada e repetida).

3. Abundância de adjetivação - denotativos ou conotativos -, os adjetivosfuncionam como atributos do ser ou da coisa descritos.

4. Vigor nas especificações, procurando captar a essência do objeto des-crito.

Diferentes são os tipos de descrição, no tocante à postura do redator e doobjeto descrito.

Lendo os exemplos, perceberá o leitor as diferenças de estilos. No texto 1,Rubem Braga mergulha nas cataratas do Iguaçu, descrevendo-as das sensações deseu espírito diante do quadro majestoso, para as impressões e registros externosdo objeto descrito. Daí a riqueza metafórica, envolvendo o leitor em um mundo

A Redação 155

de sensações até a descoberta das cataratas em sua representação simbólica namente de quem lê a descrição. Os verbos no gerúndio dão vida e movimento àdescrição, a mesma vida e movimento do objeto descrito.

No texto 2, Graciliano abusa dos verbos no perfeito (consummatum est), porser o tempo da narrativa. Trata-se de uma descrição narrativa. Os elementos sãodesprovidos de sensações subjetivas porque ele pinta os pormenores significati-vos com uma quase indiferença que choca, como chocante é o abandono trazidopela seca. Os adjetivos "deserto", "arruinado", "mortas", "vazio", "murchas", dãoum toque de realidade crudelíssima pelo clima de fatalidade que pesa sobre onordestino.

No texto 3, Armando Fontes faz uma descrição objetiva, tendo os adjetivosforça denotativa e de especificação. É como se o observador estivesse fora docampo de observação, registrando a cena sem a interferência de suas emoções.Predomina a linguagem rápida, com muitas elipses, pintando os dados essenciaisdo objeto descrito.

No texto 4, Euclides da Cunha dá à descrição um tom vigoroso, direto, conciso,repleto de símbolos, imagens e metáforas. A linguagem é bonita e rica, permitindoao leitor "sentir" certo ufanismo pelo tipo regionalista, sem entender, no entanto,muitas vezes, o sentido dos vocábulos, de pouco uso. A descrição tem um tom derealidade objetiva, permeada de atributos grandiloqüentes, guardando neles umaproposta dissertativa da descrição.

No texto 5, Wilson Lins tece uma descrição dissertativa, em tom quase didá-tico. O autor, jornalista, traz à descrição o seu jargão: descreve objetivamente oquadro, permeando-o de comentários, mas permitindo ao leitor compor o retratoem sua mente.

No texto 6, o espírito poético de Vinicius esboça uma narração descritiva car-regada de lirismo, trazendo certo misticismo que a imagem da casa materna lhetransmite. A descrição emprega uma linguagem aparentemente objetiva: o quadroé pintado sem emoções visíveis. No entanto, cada pormenor denuncia, na estruturade profundidade, a sensação filial. Vinicius retrata o sentimento-coletivo do filhoquando visita a casa materna vazia, dando à morte uma impressão de vida, pelapresença da saudade.

Variegadas são, pois, as formas descritivas e as atitudes do observador. Estáticaou dinâmica, realista ou idealista, histórica ou topográfica, psicológica ou social,o que importa na descrição é captar os elementos essenciais do objeto descrito,descrevendo-o em parágrafos curtos, rápidos, em linguagem direta e concisa,pontificando os verbos ligativos, e na presença da predicação verbal contém-sea ação para fincar a impressão obtida pelos verbos no presente e no imperfeito,nos quais os atributos são mais importantes do que as circunstâncias adver-biais.

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156 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

5.5.1 O parágrafo descritivo na redação jurídica

A descrição é empregada largamente na redação jurídica porque a narrativados fatos é tecida por meio da descrição desses fatos, buscando os elementos epormenores que pintem o quadro, segundo a versão da parte processual.

Leia-se a jurisprudência abaixo:

"Adefesa do esbofeteado, injustamente, em público, não reclama em revidea morte, mas se o indivíduo, sem possibilidade de refletir, no auge da dor moral,maior que a física,no ato de repulsa, utilizar-se do único meio encontrado e mataro agressor, não se lhe pode negar a legítima defesa."

(RT, 170:333)

Imagine, agora, o leitor como foi descrito, oralmente e por escrito, o crimenas diversas fases processuais, para que os julgadores retratassem em suas mentesuma imagem favorável à conduta do criminoso.

Valda Oliveira Fagundes, em sua preciosa obra O discurso no júri: aspectos lin-güísticos e retóricos (1987), demonstra que as narrativas da acusação e da defesasão construídas pela descrição dos fatos e estes elementos descritivos funcionamcomo argumentos (elemento dissertativo).

Veja o discurso da acusação (p. 43-45):

"Este é o acusado. Um acusado que vem aqui e mente, se VossasExcelênciasobservarem, hoje ele diz que é casado, consta no outro interrogatório que eleestava separado, procura modificar aquilo que já declarou para o próprio juiz,procurando confundi-lo, procurando inverter pequenos detalhes para se amoldara uma possível e imaginária tese de defesa. É um elemento perigoso, mesquinho,mesquinho porque quando de uma discussão com um funcionário da SAMAE,poruma questão de água, sacou de um revólver e também atirou."

Nota: a irregularidade da pontuação fica por conta do objetivo do trabalhoda autora, qual seja, analisar os recursos fonéticos e fonológicos, repro-duzidos na linguagem escrita a partir de gravações em sessão públicado Tribunal do Júri da Comarca de Blumenau, Santa Catarina.

Os dados descritivos do réu: mesquinho, perigoso, mentiroso, cruel, maucaráter, violento (presentes não apenas no fragmento acima, mas no conjunto danarrativa dos fatos apresentada pelo Promotor de Justiça, conforme anota a au-tora), têm a função dissertativa de criar uma imagem simbólica do acusado comoa de um elemento pernicioso à sociedade, que cÍeve ser punido.

Leia-se, agora, a versão da defesa (p. 81-83).

"Às vezes escapou que, ao invés de justiçar, passa a castigar. É o caso, senhores,típico do acusado. Hoje pintaram um quadro aqui, que se não houvesse alguémpara rebater, o acusado apodreceria na cadeia. Excelências, nós vamos nos referir ao

A Redação 157

acusado, o cidadão. Honesto, trabalhador, não é vadio, não é malandro. O acusadofoi vítima das circunstâncias. Aconteceu um fato na vida do acusado. O acusadotem uma vida anterior ao crime, e tem uma vida posterior como vou mostrar aVossasExcelências. Não é como disse a nobre promotoria que o acusado só praticoucrimes. É o primeiro. Ele é primário. É o primeiro delito do acusado. O outro, elejá pagou, Excelências."

Observe a versão da defesa, que procura descrever características positivas doacusado, criando-lhe uma imagem benigna, refutando, assim, o retrato oferecidopela acusação. Com os elementos descritivos, a defesa espera convencer o Conse-lho de Sentença a aceitar a nova imagem do acusado: trabalhador, honesto, nãoé vadio, não é malandro, argumentando-se, implicitamente, ser ele um cidadãoe, como tal, não deve ser injustiçado.

Interessante se torna ao leitor refletir sobre o conceito de primariedade que adefesa quis passar, quase risível, mas reflexo, talvez, do jus sperneandi.

A descrição não é, conclui-se, uma técnica empregada com exclusividade nomundo jurídico, mas que assenta os juízos dissertativos, robustecendo a narrativados fatos.

Procure o leitor traços descritivos nas diferentes peças jurídicas: na denúncia,em alegações finais, em sentenças (cíveis, trabalhistas ou criminais), enfim, sem-pre que houver a necessidade de descrever um fato ou um ato. É a hora de dar àlinguagem um tom animado, usando os recursos técnicos da descrição.

5.6 O PARÁGRAFONARRATIVO

Toda narrativa é a exposição de fatos (reais ou fictícios) que se passam emdeterminado lugar e com certa duração, em atmosfera carregada de elementoscircunstanciais.

Desta sorte, são elementos estruturais da narrativa:

a) o quê: o fato que se pretende contar;b) quem: as partes envolvidas;c) como: o modo como o fato aconteceu;d) quando: a época, o momento, o tempo do fato;e) onde: o registro espacial do fato;f) porquê: a causa ou motivo do fato;g) por isso: resultado ou conseqüência do fato.

De acordo com o tipo de narrativa, encontram-se presentes estes ou aqueleselementos, podendo estar, assim, todos ou alguns deles, mas sempre há a neces-sidade de permitir ao leitor ter um registro da cena. Também, é de se notar a

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•••

158 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

presença do ponto de vista. Dependendo da postura temática do narrador, irá eleevidenciar certos acontecimentos em detrimento de outros, sendo a seleção dosdados, portanto, uma tarefa dissertativa.

A característica básica da narrativa real é o consummatum est, vale ressaltar, overbo no perfeito do indicativo, que indica ter ocorrido e consumado o fato narrado.Nos contos de fada, o imperfeito cria a sensação da fantasia, do imaginário.

Também, é imprescindível na narrativa o clímax, o momento de ápice da ex-posição do fato, que irá desembocar no desfecho ou solução (benigna ou não).

Lembre-se, ainda, que não há uma narrativa eficaz sem uma trama (o inci-dente, a complicação, o interesse temático), que será a justificativa do próprio atonarrativo e seu objetivo redacional.

Importante é a unidade, porque todos os fatos narrados devem inter-relaciocnar-se em íntima conexão, sendo a disposição dos elementos responsável pelacoerência textual.

Veja o leitor alguns exemplos de narrativas:

1. ''Aosseis anos de idade partia, em cima de meu cavalo, para o que, naqueletempo, era longe, viagem comprida, de Itaporanga à Bahia.

Tinham-me botado cedo na cama, pois sairíamos de madrugada. Meu paitinha essa mania ... viajar de noite. O que ele chamava madrugada era uma horada manhã, escuro como breu. Às vezes, nem galo cantava. Grilo só. E o esparsorumor múrmuro da noite. Estrelas. Ruas de vaga-lumes nos pés dos cavalos. Nãosei como agüentei. Meu pai, tão cuidadoso, não via no entanto inconveniente emcriança passar noites assim em claro. Ah, quanto cochilo eu dava em cima da sela,até sonhava. Quantas vezes não fui acordado por uma chamada brusca, um arrancosúbito nas rédeas do cavalo. 'Quem quer dormir, fica na cama'. E toca o galope, parame despertar. E eu galopava, abria os olhos, procurava ver... não via nada."

(AMADO,1958, p. 134)

Comentários: há uma narrativa porque o autor conta um fato (mutilado noexemplo fragmentado), ocorrido em certo tempo e espaço, tendo uma tramacomo centro de interesse (a lembrança de fato do passado). Como a narrativa éo retorno aos tempos da infância para reviver situações, o verbo no imperfeitodenuncia o imaginário das recordações que traçam dados descritivos. O diálogo,raro e embutido na narrativa, mostra o antagonista - o pai - revelando o pontode vista do autor: mais do que narrar o fato, pretende apontar o autoritarismo daeducação de seu tempo.

2. "Duas da madrugada. Às sete, devia estar no aeroporto. Foi quando melembrei de que, na pressa daquela manhã, ao sair do hotel, deixara no banheiroo meu creme dental. Examinei a rua. Nenhuma farmácia aberta. Dei meia volta,nimei por uma avenida qualquer, o passo mole e sem pressa, no silêncio da noite.Alguma haveria de plantão ... Rua deserta. Dois ou três quarteirões mais além, um

A Redação 159

guarda. Eleme daria indicação. Deu. FarmáciaMetrópole, em rua cujo nome nãoguardei.

- O senhor vai por aqui, quebra ali, segue em frente.Dezou doze quarteirões. Anoite era minha. Láfui.Poucoalém, dois tiposcam-

baleavam. Palavrasvazias no espaço cansado.Atravessei,cauteloso, para a calçadafronteira. Ejá me esquecera dos companheiroseventuais da noite sem importância,quando estremeci ao perceber, pelas pisadinhas leves, um cachorro atrás de mim.Tenho velho horror a cães desconhecidos. Quase igual pelos cães conhecidos, oude conhecidos, cuja lambida fria, na intimidade que lhes tenho sido obrigado aconceder, tantas vezes, me provoca incontrolável repugnância."

(LESSA, 1960, p. 124)

Comentários: o fragmento narrativo revela o tom irônico do jornalista quenarra instantâneos de sua própria vida, em ritmo dinâmico, com frases incisivas,ao estilo do autor contemporâneo. Verifica-se que o exemplo colhido terminou nomomento em que se iniciava a trama da narrativa, com a presença do antagonista:o cão de pisadinhas leves, tão familiares e repugnantes para o autor.

3. "Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava ainvenção de se permanecer naqueles espaçosdo rio, de meio a meio, sempre dentroda canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu paraestarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Osparentes, vizinhose conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho."

(ROSA,1962, p. 32)

Comentários: a narrativa em 1ª pessoa revela a visão do autor em relação aofato contado. Os verbos no perfeito (consummatum est) trazem a dor da situaçãoreal, acontecida. O verbo acontecia (no imperfeito) indica a continuidade da si-tuação no espírito do narrador, porque as horas devem ter-lhe sido penosas e ofato difícil de se aceitá-lo verdadeiro. O momento do texto é o do início do clímax,havendo mais intensidade na seqüência dos fatos, prenunciando o desfecho.

Se compararmos os fragmentos, verificaremos que todos eles têm uma ação,um acontecimento a ser contado, real ou fictício, sendo a realidade marcada prin-cipalmente pelos verbos no perfeito; o tempo imperfeito indica a continuidade daação ou o imaginário. Pode haver, ainda, ação no presente, trazendo para o agoraas sensações de fatos passados. Em todas as situações, a presença de elementosdescritivos traz o ponto de vista, com tom dissertativo, portanto. As circunstânciasde tempo e de espaço fazem-se necessárias e acompanham a narrativa da açãorumo ao clímax que irá estabelecer o ápice da tensão da trama a ser desenvolvidano desfecho.

As frases podem ser curtas ou de extensão média, não sendo adequados os pe-ríodos muito longos porque dariam eles um ritmo lento e monótono à narrativa.

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A Redação 161

"Configura-se a qualificadora de surpresa quando a morte da vítima se ve-rificou, estando ela a barbear-se deitada, na cadeira do barbeiro, sem ter vistoo réu que a apunhalou por trás; aí existe a surpresa. Porque ele pegou a vítimainopinadamente e realmente de surpresa. E não é o primeiro caso, que aqui eles ha-viam se desentendido, estavam há quinze dias emfranco desentendimento; entãoele poderia, como elemesmo admite, como afamaia mesmo admite, que eles tinhammedo do próprio acusado (g. n.)."

logicamente a uma conclusão, resultado ou conseqüência do fato vivenciado pelaspartes envolvidas.

No relatório das sentenças, a narrativa deve contar os acontecimentos proces-suais com precisão e objetividade, sob pena de nulidade, porque não há existir,neste momento, expressões ou adjetivações que precipitem o decisório.

Já nas Alegações Finais do Processo Penal e, principalmente, no Tribunal doJúri, a narrativa vale-se de atributos e circunstâncias com intenção dissertativa,como atesta o exemplo abaixo, colhido em Valda O. Fagundes (1987, p. 87):

O advogado procura indicar circunstâncias narrativas com intenção argu-mentativa. Diz a autora que o orador não colocou lingüisticamente os fatos - perce-bem-se no trecho erronias gramaticais - mas a entonação procurou dar a seqüênciados fatos, evidenciando os elementos importantes do processo narrativo.

Em qualquer situação, porém, o fato é o centro da narrativa e, para contá-lo,imprescindíveis as informações que possam especificá-lo.

5.7 O PARÁGRAFO DISSERTATIVO

~ •••••••••••••'.•••••••••De todos os gêneros redacionais, a dissertação é, por certo, o mais complexo: •exige do redator um posicionamento diante de determinado assunto, quer expres-sando sua opinião, quer postulando uma tese. •

Para tanto, há de se desenvolver um raciocínio lógico bem estruturado, adu- •zindo razões, exemplos, definições e contrastes - sempre que necessários tais • I

recursos - relacionando-os com a idéia central.Não há, desta sorte, possibilidades de alguém dissertar sobre determinado •

assunto, sem conhecimento do mesmo e, ainda, sem uma tomada de posição, que •outra coisa não é senão o tema, apoiado e~ argumentos. •

Em razão disso, mais do que em qualquer outro, o texto dissertativo desen-volve a capacidade crítico-reflexiva, pela qual o redator explana com logicidade •sua idéia. •

Importante se faz ressaltar que há na dissertação o predomínio de palavras •abstratas, diferentemente do que ocorre no texto descritivo-narrativo.

, .I •

160 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

5.6.1 O parágrafo narrativo na redação jurídica

1. Nodia 15 de maio do corrente ano, o Autor, tendo vendido ao Réu o imóvelconstituído do apartamento nº 56, do prédio denominado "Monte Castelo", na RuaJosé do Patrocínio, 603, confiou a este o telefone de número 813-4672, que ali seencontrava instalado, e do qual o autor é assinante, conforme recibo da TELESP(doc. 2).

2. Talfato se deveu à única e exclusiva circunstância de que, tendo de procederà entrega do imóvel vendido, nos termos da escritura de compra e venda, lavradaem notas do Tabelião do 26º Ofício, Livro nº 2, fls. 56, não conseguia o Autor aretirada do referido aparelho telefônico, embora tenha pedido, por escrito, talretirada, desde o dia 16 de maio (doc. 3).

Ilustrando, veja-se pequeno trecho de Rebelo da Silva, de frases curtas e incisi-vas buscando a concentração do leitor. O uso do presente histórico ou psicológicotraz a narrativa à presença do leitor e fá-lo participar mais densamente do fato.

"O toiro arremete contra ele... Uma e muitas vezes o investe cego e irado, masa destreza do marquês esquiva sempre a pancada.

Os ilhais da fera arfam de fadiga, a espuma franja-lhe a boca, as pernas ver-gam e resvalam, e os olhos amortecem de cansaço. O ancião zomba da sua fúria.Calculando as distâncias, frustra-lhe todos os golpes.

O combate demora-se.A vida dos espectadores resume-se nos olhos.Nenhum ousa desviar a vista de cima da praça.A imensidade da catástrofe imobiliza todos."

o leitor poderá conciliar a leitura deste tópico com a Parte VI, antecipandoinformações ali contidas sobre a presença da narrativa nas peças jurídicas, vistoser a divisão de capítulos mero expediente didático por ser a língua portuguesaum sistema morfo-semântico e sintático indivisível em sua estrutura, de naturezaglobalizante. A narrativa está presente em todas as peças judiciárias.

Nas vestibulares - Petição Inicial, Denúncia, Reclamação Trabalhista, os ver-bos estão no perfeito, por tratar-se de ações reais, com rara (se não totalmenteausente) adjetivação, porque a narrativa deve ser objetiva, apresentando um fatocomo retrato da verdade fática.

Veja-se o exemplo da narrativa articulada de uma Inicial, registrando, tão-somente os fatos ali descritos.

o pequeno trecho de um modelo de Petição Inicial mostra ao leitor comose processa a narrativa: períodos curtos, no perfeito do indicativo, indicando noinício o tempo dos acontecimentos e demais circunstâncias que permitam revelarcomo aconteceram os fatos e o porquê deles, para que desta narrativa se chegue

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162 CUTSO de Português Jurídico • Damião/Henriques

Os verbos assumem papel destacado na dissertação, devendo o redator evitarformas do tipo podemos dizer;pode ser;penso, entre outras. Ao contrário disso, devedar preferência a verbos de valor semântico preciso, representando de maneiraclara a idéia.

Veja o leitor o exemplo:

a) O descaso com o bem público resulta graves prejuízos à comunidade.

Diferente seria, tivesse o redator assim escrito:

b) Penso que o descaso com o bem público é prejudicial à comunidade.

Comparando os tópicos "a" e "b", verifica-se que o verbo resultar estabelecea relação causa/efeito, dando ênfase ao aspecto resultativo.

Os verbos devem, também, realçar o ponto de vista do redator.Veja o exemplo:

a) É preciso que o governo busque soluções de baixo custo no combate àfome.

Pretendendo dar um tom mais incisivo ao ponto de vista, boa seria a estruturafrásica:

b) Cumpre ao governo viabilizar soluções de baixo custo no combate àfome.

Bom de lembrar que a estrutura dissertativajá está a exigir a exposição de umponto de vista. Portanto, dispensáveis são expressões que esclarecem ser a opiniãodo redator, salvo se o contexto exigir.

Explique-se. Ao colocar um ponto de vista, não há necessidade de dizê-loseu:

A sociedade brasileira sofre os reflexos da recessão econômica.

e não

Na minha opinião, a sociedade brasileira sofre os reflexos da recessão econô-mica.

Casos há, porém, expostas algumas opiniões sobre um mesmo assunto polê-mico, tenha o redator de explicitamente dizer seu ponto de vista. Caberão aí, pois,, expressões do tipo a meu parecer, a meu entender, a meu ver. Também, situaçõeshá em que a opinião indica o consenso, podendo usar-se expressões do tipo: todosreconhecemos que, tornou-se comum dizer, tem-se dito que, entre outras.

Por derradeiro, lembre-se o redator que a dissertação deverá defender umaopinião, um ponto de vista ou uma tese; há, assim, uma idéia principal a que sesubordinam os argumentos secundados, estes utilizados com o fito de realçar a

ai

A Redação 163

idéia-chave. Há, por isso, predominância de períodos subordinativos, diferente-mente da descrição que, por apontar impressões percebidas de forma simultâneaou concomitante, se vale mais da coordenação.

Advirta-se que o período subordinado não deve ser entendido como aqueleformado de orações longas, em esquema labiríntico. O efeito seria tão desastrosoquanto o de uma dissertação construída com frases entrecortadas, vale lembrar,excessivamente curtas. De igual sorte, o texto final deve ser não só inteligível, mastambém gramatical, com harmonia de concordância e regência - nominal e verbal- em parágrafos bem pontuados e adequadamente organizados.

5.7.1 Tipos de dissertação

Dois são os tipos: expositiva e argumentativa.

5.7.1.1 Dissertação expositiva

É a discussão de uma idéia, de um assunto ou doutrina. A intenção do redatoré a de expor um assunto, comentando-o.

Não há a defesa de um ponto de vista, embora, inegavelmente, se encontre eleimplícito no texto porque a seleção das idéias em tomo de um assunto se constitui,ela própria, em postura dissertativa.

A dissertação expositiva exige do redator um conhecimento bastante robustodo a,ssunto, e, assim, o processo de levantamento de idéias por meio das relaçõesparadigmáticas, como se viu anteriormente, deve ser o mais completo possível.

Não se conclua, porém, que robustez seja sinônimo de prolixidade. Na pre-sença imperativa de um ponto de vista, delimitado é o tema e as idéias são a elevinculadas por meio do critério (ou critérios) de organização de parágrafos sele-cionados (ou escolhidos).

Como já foi dito, cada parágrafo gráfico deve conter uma idéia e todas asidéias devem manter, entre si, relação semântica assecuratória da unidade tex-tual.

A dissertação expositiva é bem elaborada quando se discute um assunto comprofundidade, .de forma clara, estando as idéias "amarradas" a um tópico frasalque apresente, com segurança, a idéia central.

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164 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

5.7.1.2 Dissertação argumentativa

A dissertação argumentativa é aquela em que o redator se mune das técnicasde persuasão com o objetivo de convencer o leitor a partilhar de sua opinião oumudar de ponto de vista.

Nada obsta, é bom esclarecer, aliar-se a dissertação argumentativa à expo-sitiva: neste caso, além de expor a idéia, objetiva o redator influenciar a opiniãodo leitor.

Na atividade jurídica, imprescindível é a dissertação argumentativa, por cor-responder à própria natureza persuasiva do discurso forense.

Para obter seu desiderato, não basta ao redator realizar criteriosa seleção dasassociações paradigmáticas: mais do que isso, deverá assessorar-se dos recursosda lógica, a fim de fazer prova segura da eficácia de seu raciocínio.

Realmente, toda idéia só tem força persuasiva se as razões que a fundamentamestiverem claras e bem sustentadas. Somente a prova pode robustecer o planoargumentativo.

Veja-se a ilustração:

o advogado de defesa planeja centrar sua tese na legítima defesa. Ao levantaros dados probantes dos autos, encontra:

a) três testemunhas que afirmam ter visto seu cliente provocando a vítima;b) declaração dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante - logo apóso homicídio - afirmando estar a vítima desarmada;

c) o laudo médico informa que a vítima foi atacada de inopino e pelas costas,em face da trajetória das duas balas contra ela disparadas.

Percebe o causídico que terá de reformular seu plano de defesa, porque asevidências processuais militam pela culpa do cliente e não autorizam a tese pre-tendida.

Assim, ou muda ele sua linha defensiva, ou busca nos autos evidências maisfortes do que as acusatórias, ou que desacreditem aquelas contrárias a seu pontode vista.

As provas funcionam como o termo médio da fórmula silogística.Verifique as duas idéias a seguir:

a) O homem moderno desgasta seu físico e sua mente na agitação de uma vidacompetitiva.

b) Portanto, melhor será ao homem a serenidade de espírito, fonte inesgotável dasabedoria.

Veja o leitor que ausente se encontra o item "b" que é exatamente a parteargumentativa, por excelência, em que as idéias são revestidas de provas.

A Redação 165

Outras vezes, é a relação de causa/efeito que está a exigir a demonstraçãoda idéia.

Atente-se para o exemplo a seguir:

a) A construção civil encontra-se ameaçada.b) Há grande carência de mão-de-obra.

Observe o leitor que explícitas se encontram as idéias de causa (carência demão-de-obra) e efeito (construção civil ameaçada).

Todavia, a causa não pode ser "jogada" como uma opinião única, encerrandouma verdade absoluta. Mister se faz perscrutar-lhe as razões, comentando-as,convencendo o leitor de que elas são legítimas.

As provas que não apóiam a conclusão mostram-se inoperantes, pois são fa-laciosas e inadequadas.

Gustavo Krause et aI., no livro Laboratório de redação (1982, p. 143), ilustrao assunto com o seguinte exemplo de provas que não sustentam a conclusão:

"Meritíssimo, senhores jurados, senhor promotor: meu cliente não pode seracusado deste crime. Meu cliente é um pai extremoso, marido exemplar, trabalhadorhonesto, cidadão cumpridor dos seus deveres. Acredito nos seus bons sentimentose na sua consciência comunitária; justamente por isso, ser-me-á surpreendente vereste pobre coitado não ser absolvido. Creio que entenderão a armadilha pregadapelo destino, e a caridade de cada um falará mais alto."

Não é preciso muito esforço mental para o leitor compreender que, assimcomo os maus antecedentes não são prova definitiva de autoria criminosa, a vidapregressa do acusado não é prova de inocência em si mesma.

Também, ainda que o acontecimento fosse aceito como armadilha do destino- o que não é argumento lógico - não seria crível deslocar a finalidade da Justiçapara a prática da caridade.

Em outros mo"mentos, prejudicada fica a argumentação do redator por emitiropiniões apressadas, apoiadas na generalização, e. g.:

Os nordestinos são a principal causa dos problemas sociais de São Paulo,porque chegam à metrópole sem instrução e sem bens, não conseguindo, assim,definir uma meta profissional.

Veja o leitor que a visão preconceituosa esbarra na verossimilhança razoável- nem todos os nordestinos chegam a São Paulo sem instrução e sem bens (si-multaneamente). Definir uma meta profissional não é argumento lógico, faltandopropriedade à idéia e, por fim, a causa é equivocada.

Outras vezes, a inadequação ocorre pelo preconceito à pessoa e não à idéiapor ela partilhada. Ataca-se um ponto de vista, em razão de quem o apregoa.Assim, tudo o que é dito por ela não tem valor. A recíproca também é falácia argu-mentativa.

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A Redação 167

o líquido corre argumentaçãode tipara os meus goles

Já se falou que existe a possibilidade dissertativa na descrição. Também aparecenas narrativas. Sirva de modelo a fábula do lobo e do cordeiro (SILVEIRA,1948,p. 20-21), na qual se encontram, também, perfeitamente definidas as partes daestrutura da dissertação:

argumentação

narração

argumentação doprotagonista

narração

narração

apresentação

[Eu] na verdadenão era nascido

o cordeiro respondeu:

'Há seis mesesdisseste mal de mim.'

Aquele (o lobo) rebatidopela força da verdadediz:

o lanígero tremendo (cheio de medo)em resposta [diz]:

'Corno posso,dizefazer isso-de-que te queixas.,ó lobo?'

Então o salteador (o lobo)incitado pela goela voraztrouxe um motivo de briga'Porque, diz ele,fizeste turva (turvaste)a águaa mim que estou bebendo?'

"Um lobo e um cordeirocompelidos pela sedetinham vindoa um mesmo ribeiro;o lobo estava mais alto (mais acima)e o cordeiromuito mais baixo (muito mais abaixo).

","''''

Por fim, entre os diversos tipos de argumentação inadequada, bom é lembrara confusão que muitas pessoas fazem entre fato e opinião. Aquele é um só e nãoprecisa ser demonstrado (apesar de não ter o homem plena aptidão para percebê-lo integralmente como ele na verdade é). A opinião, porém, é variável e precisaser, por isso, justificada. Acreditar que sua opinião é fato prejudica o redator emrazão de afrouxar sua observação crítica, não apresentando provas eficientespara sustentar seu ponto de vista, tornando seu texto inexpressivo e sem forçapersuasiva.

5.7.2 Estrutura da dissertação

166 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

A dissertação, como todo plano redacional, tem começo, meio e fim. Aristóte-les, em sua Arte retórica, estrutura a dissertação em três partes bem definidas:

a) Exórdio: É a parte introdutória; sua competência é a enunciação daidéia-chave, indicando a tese a ser postulada, chamada pelos esco-lásticos de status quaestionis, vale explicar, anúncio do tema. Tal amos-tra deve ser proposta com engenho e arte, pois seu objetivo é captar abenevolência e a atenção do leitor.De forma esquemática, o exórdio propõe:1. Estabelecer a idéia geral.2. Situar o assunto no contexto.3. Motivar o destinatário.4. Apresentar a proposta temática.

b) Desenvolvimento: Compreende dois momentos: a explanação dasidéias e as provas comprobatórias de sua veracidade (demonstração, nadissertação expositiva).É a fase da reflexão, da fundamentação do trabalho.No discurso jurídico, a matéria probante é mola mestra da dissertaçãoargumentativa. Faz-se mister, neste passo, distinguir entre o verdadeiroe o que é apenas verossímil.

c) Peroração: É o fecho, o coroamento discursivo. Demonstradas as pro-vas, cumpre ao redator retomar o tópico frasal para mostrar ter sido eleexposto, com eficácia, no desenvolvimento.A conclusão é a derradeira oportunidade de convencer; daí sua impor-tância; daí por que se falar em "chave de ouro". No discurso jurídico, éna conclusão de uma sentença, p. ex., que o juiz absolve ou condena. Asentença absolutória ou condenatória pode até ser vislumbrada na parteda argumentação chamada defundamentos, mas é na parte da conclusão,chamada dispositivo, que resolve as situações a serem decididas.

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TIPOS DE RACIOCÍNIO

Sem pretender esgotar as espécies codificadas pela retórica, veja o leitoralguns tipos:

a) Apodítico (apodeiktós)É o que se estrutura com tom de verdade absoluta: a argumentação"fecha" as possibilidades contestatórias, sendo inteiramente impossívelilidi-la.

Exemplo:

"Quem crer e for batizado será salvo", dizem as Escrituras.

Todo círculo é redondo. (premissa maior)Ora, nenhum triângulo é redondo. (premissa menor)Logo, nenhum triângulo é círculo. (conclusão)

Magalhães Noronha (1969, p. 140) estrutura um silogismo para explicaro que é indício, expediente bastante salutar porque o leitor acompanhao raciocínio do autor.

A Redação 169

Observe-se no tipo apodítico a presença da idéia jussiva: é categórica enão deixa "brechas" para discussão.

b) DialéticoO racioCÍnio é aberto a discussões, permitindo controvérsias e contesta-ção, apesar de o emissor trabalhar as hipóteses de forma a convencer oleitor daquela que pretende seja mais aceitável.Veja-se o caso de C. Moreno na propaganda do detergente "LimpoI", daBombril: enumera a qualidade de outros produtos, mas exalta as virtudesdo "LimpoI" com ênfase tal, que o consumidor se convence estar adqui-rindo o melhor produto, ao fazer a escolha mais acertada.

c) RetóricoConcilia dados racionais e emocionais; é variante do racioCÍnio dialético,diferindo-se dele por ampliar o envolvimento do ouvinte-alvo (leitor aque se destina a argumentação). É o racioCÍnio preferido de políticos eadvogados.

d) SilogísticoÉ aquele que segue a estrutura do silogismo: duas proposições (premissas)encadeiam-se e delas se chega a uma conclusão.

a) Premissas afirmativas - conclusão afirmativa.b) Premissas negativas - não se tira conclusão.

c) A conclusão não pode ser maior que as premissas.

d) Premissa afirmativa + premissa negativa - conclusão negativa.

e) Duas premissas particulares - não há conclusão.

Os compêndios de Filosofia trazem algumas regras, das quais se destacam,entre outras:

ARGUMENTAÇÃO

Argumentação, como já se disse, é a expressão verbal do racioCÍnio. Os prin-cipais tipos são:

narração

argumentação doantagonista

conclusão

'Teu pai,por Hércules,disse mal de mim.'

E assimdilacerao agarrado (o cordeiro que ele agarrou)com morte injusta (matando-o injustamente)

Esta fábula foi escritapor causa daqueles homensque oprimem os inocentespor motivos fingidos."

168 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

5.7.3 Raciocínio e argumentação

Bastante feliz é a definição de Ch. Lahr (apud ALVIM, 1964, p. 55) para ovocábulo raciocínio: é "a operação do espírito que, de uma ou de várias relaçõesconhecidas, conclui, logicamente, uma outra relação".

Da definição encontramos seus elementos:

a) abstração: opera-se no espírito;b) estrutura sistêmica: relaciona idéias e juízos (matéria do racioCÍnio);c) estrutura silogística: das partes, chega-se à conclusão (o nexo lógico daordenação de idéias e juízos constitui a forma do raciocínio);

d) atuação de inferências: é a operação que faz deduções: sai do conhecidopara o desconhecido (a parte conhecida chama-se antecedente; a desco-nhecida, conseqüente).

Existe íntima relação entre os vocábulos raciocínio e argumentação porque aexpressão verbal do raciocínio chama-se argumento.

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170 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

1. Por exclusão (per exclusionem)

O redator propõe várias hipóteses e vai eliminando uma por uma, para se fixarem seu objetivo. Pode o estudante (e mesmo o profissional) do Direito apreciar estetipo de raciocínio em grande parte dos artigos do Prof. Dr. Damásio Evangelistade Jesus, uma quase marca registrada do respeitado e ilustre jurista.

É bastante oportuno tal recurso argumentativo porque o leitor vai superandoas hipóteses não aceitas pelo autor para com ele abraçar a disjuntiva defendida.

No mundo literário, é o raciocínio freqüentemente encontradiço no Pe. Vieira,célebre por sua força argumentativa.

2. Pelo absurdo (ab absurdo)

Consiste, de modo geral, em se refutar uma asserção, mostrando-lhe a falta decabimento ao contrariar a evidência. No exemplo da fábula do lobo e do cordeiro,absurdo foi o argumento do primeiro ao dizer que o cordeiro lhe turvava a água,porque este (o cordeiro) estava muito mais abaixo.

3. De autoridade (ex auctoritate ou ab auctoritate)A intenção é mais confirmatória do que comprobatória. O argumento apóia-

se na validade das declarações de um especialista da questão (que partilha daopinião do redator).

É largamente explorado no discurso jurídico com o emprego de fórmulasestereotipadas como "estribando-se na autoridade de ..."

Segundo Tercio Ferraz Jr. (1991, p. 309), tal argumento domina a argumen-tação jurídica. Na esfera religiosa, a palavra de Deus é o argumento mais forte.

Outras formas há de argumentação: (a) contra o homem (ad hominem) cujoataque é frontal e específico ao adversário, em situação concreta, portanto; (b)experimental (a posteriori) - o redator parte do resultado ou efeito para conheceras origens ou causas; (c) pelo silogismo do tipo sorites - o redator indica um atri-buto do objeto que é sujeito de outra proposição, sendo este da terceira e assimsucessivamente, a fim de concluir que todas elas são igualmente verdadeiras, ouseja, os argumentos são todos fortes ou fracos, sem distinção.

FALÁCIASDAARGUMENTAÇÃO

Muito já se falou sobre os defeitos da argumentação, mas bom é reiteraralgumas falhas a serem evitadas a fim de não comprometer o êxito do objetivoredacional.

Em primeiro plano, advirta-se a confusão entre fato e argumento. Não se háde narrar um acontecimento, esperando que tire o leitor conclusões argumen-tativas da situação concreta.

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A Redação 171

Em segundo lanço, não faça o redator da abstração um raciocínio inve-rossímil, melhor dizendo, que não possa ressoar na concretude, pois inviável ésua aplicação.

Também, não hão de ser os argumentos tão específicos que não se estendam aoutros casos, ou tão genéricos que se tornem vagos e imprecisos.

Ao enumerar as falhas argumentativas, não há olvidar-se a contradição queafirma e nega a mesma coisa sobre determinado objeto. De igual sorte é a falsaanalogia, em que o raciocínio conclui apressadamente algumas particularidadesde uma idéia, dando-lhe uma extensão que não lhe é cabível.

Falha bastante comum, em especial no discurso jurídico, é a petição de prin-cípio.

Como bem ministra Othon Garcia (1975, p. 292), é "argumento de quem ... nãotem argumentos, pois apresenta a própria declaração como prova dela, tomandocomo coisa demonstrada o que lhe cabe demonstrar". Seria o caso do acusador(improvável no caso do Ministério Público, pela excelência que vem marcandoseu quadro, particularmente no Estado de São Paulo) que dissesse: O réu cometeuhomicídio porque matou a vítima.

Outra falácia é a da falsa causa, motivada pela observação inexata, inter-pretando fatos por meros indícios, como se fossem evidências. É comum haverargumentação equivocada por erro de julgamento pelo descuido de verificaçãodo nexo causal na demonstração dos fatos.

Por fim, sem esgotar a matéria, diz-se falho o argumento que toma o acidentalpelo essencial, generalizando de forma equivocada. Seria o caso de o juiz condenarum réu não pela prova carreada aos autos da certeza de autoria, mas tão-somenteporque o acusado de ter praticado o delito tipificado no art. 155 CP já ter sidoanteriormente condenado por furto.

5.7.4 O parágrafo dissertativo na redação jurídica

Inegável é a importância da dissertação na comunicação jurídica: há sempreum conflito a ser solucionado, colocando versões antagônicas em pólos opostos.

Em todas as áreas do Direito, é a argumentação o recurso persuasivo, porexcelência, porque objetiva o convencimento da tese postulada.

Como se verá na Parte VI, não só as partes, mas também o julgador precisafundamentar seu posicionamento. Assim, a motivação da sentença outra técnicanão utiliza senão a dissertativa, permeada, como há de ser, de elementos descri-tivos e narrativos, nunca fazendo do "contar" o fato o interesse central, e sim,descrevendo o fato para fazer dele "leituras" que demonstrem a aceitabilidade doponto de vista do redator.

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172 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

A consciência da natureza persuasiva do discurso jurídico contribui para oemprego mais preciso dos vocábulos - material ideológico - e de suas relaçõesformais e materiais na enunciação silogística.

Já se falou que o Direito não é Lógica Formal, mas os recursos da Lógica sãotécnicas dissertativas de alto efeito persuasivo.

Em análise última, não há discurso sem o elemento dissertativo porque aneutralidade absoluta não é encontrada sequer nas ciências sociais que a exigem,como no saber sociológico. Como é natural a presença de diferentes opiniõespara um só fato, a prevalência desta ou daquela se dá pela força argumentativaobrigatória no discurso jurídico.

5.8 POSTURAS DO EMISSOR NA ELABORAÇÃO DOPARÁGRAFO

5.8.1 Posturas filosóficas

Duas são as posturas básicas na elaboração do parágrafo de natureza disser-tativa: a dialética e a disputa.

a) Dialética de Platão

É o exame da questão polêmica, com reflexão dos pólos opostos: tese e antitese(não é antítese, que é a figura de linguagem).

Pela dialética, o redator deve refletir sobre os prós e contras, fatores favoráveise desfavoráveis, antes de tomar uma posição diante de assunto controvertido.

Em primeiro plano, ele analisa a questão "N.' em todos seus aspectos, valendo-se de recursos argumentativos apropriados a seu objetivo temático.

Em seguida, coloca ele a questão "B", vale lembrar, arregimenta os argumentosdo pólo oposto.

Finalmente, na conclusão ele decide seu posicionamento: opta por "N.' ou "B"(postura disjuntiva ou de exclusão) ou, então, promove a conciliação - ')\B".

Adialética, mesmo não explícita no discurso como técnica redacional, é impe-rativa na reflexão. Ninguém pode formar opinião sobre determinado assunto, semantes conhecê-lo em sua integridade, avaliando-o por inteiro. Dizem os filósofos- com propriedade, aliás - que o sim envolve o não e o não envolve o sim.

Exemplificando: Se "N.' decide passear em lugar de estudar, diz "sim" aopasseio e, ao mesmo tempo, diz "não" ao estudo. Inversamente o faz na situaçãocontrária.

A Redação 173

Nas dissertações de Mestrado, o pós-graduando faz um estudo crítico de de-terminado assunto, argüido sobre as diversas posições em face dele, rumo a umaconclusão.

Na dissertação dialética, impõe-se a concisão. Os enfoques antagônicos devemser colocados de forma concisa, sempre que possível empregando o recurso con-trastivo, cotejando as idéias em seus elementos essenciais, procurando enfatizaros aspectos distintivos.

A conclusão deve ser clara e apoiar-se em fundamentos adequados, convidan-do, assim, o leitor para abraçar o mesmo ponto de vista do redator.

b) Disputa de Santo Tomás de Aquino

Por esta postura filosófica, conhecer bem um assunto não requer a expli-citação dos pólos antagônicos: pode o redator abraçar de início um ponto de vistae argumentá-lo com o fito de persuadir o leitor a comungar com sua postura.

A disputa pressupõe a defesa de tese, sendo a técnica do Doutoramento.O redator irá ter um ponto de vista (sim ou não) sobre determinada questão eapresentará os argumentos que motivaram sua eleição por esta ou aquela pos-tura.

Na disputa, os argumentos (não mais do que três, recomenda-se) devem serdistribuídos em gradação crescente, cada qual reforçando o anterior e todos relacio-nados entre si, rumo à conclusão, fecho redacional que demonstra ter sido provadaa postura do redator como a mais adequada diante do assunto em discussão.

O processo jurídico é, em sua totalidade, de natureza dialética, mas nas partes(mesmo quando a dialética se dilui no plano redacional) há predomínio da dispu-ta, ou seja, o Autor deve trazer aos autos todos os argumentos que demonstrem averacidade de seu raciocínio, o mesmo fazendo o Réu. No vértice do triângulo, oJuiz apreciará os argumentos e resolverá a demanda em favor daquele que melhorempreendeu as técnicas do discurso persuasivo.

5.8.2 Posturas psicológicas

A escolha da postura psicológica não é a atividade exclusiva do plano disser-tativo; importante se faz, também, na descrição e narração.

Entende-se por postura psicológica a posição do observador, do ponto de vistaparticipativo, ou seja, se apresenta maior ou menor envolvimento afetivo com oassunto.

Diz-se, então, que o observador pode ter duas posições:

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observador

3. observação centrada na percepção, procurando perceber a estrutura globala partir dos elementos sensoriais;

4. ênfase para adjetivos e elementos circunstanciais: a especificação atri-butiva impõe-se.

Algumas considerações sobre as posturas psicológicas em tela merecem serenunciadas:

a) Behaviorismo (behavior = comportamento)

A postura behaviorista é aquela que tem uma visão racional e objetiva domundo circundante, a partir da fórmula I s = r I, ou seja, Estímulo> Resposta.

O observador não interfere na realidade observada, procurando deduzir osfatos relação de causa/efeito.

Interessante se faz ressaltar que a objetividade behaviorista, neutralizandoo "bias" e colocando com naturalidade os aspectos observados como se estivessefora do sistema que observa, tem valor dramático em razão de os impulsos seremlançados de forma imparcial- muitas vezes irritantes - sobre o receptor-leitor, ca-bendo a este último a explosão afetiva diante da realidade que lhe é retratada.

O exercício behaviorista exige uma escolha criteriosa dos vocábulos, pro-curando dar-lhes a significação precisa, de valor denotativo, buscando sempre ageneralização: dadas as mesmas condições, uma pessoa que conhece apenas suaexperiência denotará as mesmas características, objetos e ocorrências que outrapessoa encontra em situação análoga. Daí a possibilidade de comportamentosestereotipados e antagônicos do tipo bom/mau.

A previsibilidade é, assim, fator importante na postura behaviorista que adotaa descrição objetiva da realidade e o comportamento condicionado a certos estí-mulos, mesmo nos casos em que estes não produzam comportamento registradoexternamente: a presunção e as inferências criam, também, relação de causa/efeitoacolhidas pelo raciocínio, admitindo a repetição dos argumentos em situaçõessemelhantes.

Veja o leitor a técnica utilizada por Aluísio Azevedo em suas descrições (devalor dissertativo) do cortiço, da casa de pensão, e de outras ambiências moral esocialmente enfermas. Coloca-se ele neutro e impassível diante dos dados regis-trados: não há adjetivos afetivos ou comentários apreciativos.

As palavras são secas; os verbos incisivos e os estímulos produzem respostasprevisíveis não apenas no comportamento'linear das personagens, mas tambémreações esperadas dos leitores.

Chico Buarque de Holanda, em um exame intertextual, é um dos mestresbehavioristas da canção brasileira e alicerça sua ideologia no esquema de estímulo/resposta, esta última é a formação de opinião que se instala na massa popular .

ARedação 175

campo observado

observador

Em face da posição do observador, encontram-se:

1. maior neutralidade: o observador não se envolve com a realidade obser-vada;

2. mais objetividade: o não-envolvimento do observador resulta em obser-vação mais objetiva;

3. observação centrada no comportamento, realizando relações de causalefeito entre estímulos e respostas ocorridos dentro do campo obser-vado;

4. ênfase para substantivos e verbos - agente da ação e ação (e, ainda objetossobre os quais ela recai).

Em face da posição do observador, encontram-se:

1. menos controle do "bias": o observador envolve-se afetivamente com arealidade observada;

2. mais subjetividade: o envolvimento do observador resulta em observaçãomais subjetiva;

174 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

a) fora do campo observado: Behaviorismo

b) dentro do campo observado: Gestalt

••L

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A Redação 177

"No meio do caminho tem uma pedra,Tem uma pedra no meio do caminho."

"Nem só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa inteira,iam-se apurando com o tempo."

A(NE3 ••• )

LT

A(NE2)

LT

A(NEl)

1. Equil{brio - inércia - ponto de partida2. Tensão - indica movimento3. Locomoção - toda tensão (alegre ou triste) precisa ser deslocada4. Al{vio - é um novo equilíbrio - a experiência modifica a percepção davida.

T

E

Nota: NE = novo equilíbrio

Bom é dizer que a postura gestáltica não só é descritiva e dissertativa, comotambém delineia a própria estrutura da narrativa: toda a trama precisa ser deslo-cada, seja o desfecho favorável ou desfavoráveL Aliás, é esse deslocamento queencontramos na pedra do caminho de Drummond - e de todos os homens -: háobstáculos, são superados, surgem outros obstáculos, na fórmula E/T/L/A.

A musicalidade da frase e a sinestesia 9-0 período são recursos gestálticos degrande expressividade.

Gilberto Gil, em seu "Domingo no Parque", faz uma interessante narrativagestáltica. Na introdução, coloca, em tom ameno, dois tipos humanos e vai con-tando a trajetória de suas vidas, permeando a narrativa de interferência (ô, ei),sinais de advertência aos acontecimentos. A música cresce no ritmo até alcançar o

(Machado de Assis)

Veja o leitor que não há adjetivos, mas a competência atributiva fica por contada virgulação que dá o ritmo monótono, progressivo e trágico da descrição-narra-tiva, mais acentuada, ainda, pela locução verbal de aspecto durativo, cursivo ouprogressivo, indicando o prolongamento da ação (iam-se apurando).

ALei do Equilíbrio, por sua vez, é a própria lei da vida e desenha o movimentodo eletrocardiograma:

Compõe-se das seguintes partes:

)

li

Exemplifique-se. Na música Cotidiano, o músico-poeta em tom monótono,quase robotizado, conta que a mulher todo o dia faz as mesmas coisas no relacio-namento conjugal: do acordar ao dormir, o comportamento é sempre o mesmo.Poderia ele colocar alguns adjetivos, elevar a tonalidade, mas, ao contrário disso,mantém-se neutro, fora do campo observado; a reação é previsível: o casamentoestá fadado ao insucesso.

Outro exemplo, encontramo-lo em Mulheres de Atenas. Vai o compositor enu-merando com naturalidade o que se diz atributos da Felicidade, enquanto atestameles a desventura da mulher submissa. O grito de rebeldia, escuta-se ele no mundoexterior, na agitação social perseguida pela postura ideológica de Chico Buarque,que instiga mudanças comportamentais como reação previsível aos estímulos desuas músicas.

A redação que adota a postura behaviorista, como já se disse, é comedidana adjetivação e procura uma musicalidade linear - buscam-se traços comunse trabalham-se preconceitos, objetivando reações previsíveis, e. g., o MinistérioPúblico, dizendo - diante do Tribunal do Júri - que não quer condenar o réu(apenas fazer justiça) e fica insistindo em condutas sociais do acusado, rejeitadaspelo consenso da comunidade, para construir a figura de um malfeitor, lograndosua condenação.

176 Curso de Ponuguês Jurídico • Damião/Henriques

A Gestalt postula duas teses básicas em sua teoria:

1. O todo é maior do que a soma das partes.2. A Lei do Equilíbrio.

b) Gestalt (teoria da percepção)

A fórmula matemática, que se contrapõe ao raciocínio aritmético, apóia-se napercepção sinestésica do global - visão estruturalista da realidade.

A observação é pormenorizada, enfatizando aparentemente as partes. Na ver-dade, a percepção afetiva de cada uma delas aumenta a emotividade do conjunto,daí o todo ser maior do que as partes, por ser a soma delas acrescida das impressõespor elas trazidas e sentidas.

A adjetivação exerce papel assaz importante para esta percepção subjetiva,e a frase ganha valor estilístico por sua pontuação e ritmo: a musicalidade e asinestesia caminham de mãos dadas.

É possível, no entanto, obter o mesmo efeito expressivo sem a presença sines-tésica (impressões sensoriais) da adjetivação.

Prove, o leitor o ressaibo amargo em sua boca ao acompanhar a trajetória deBentinho na descoberta dos traços de seu amigo Escobar no filho e sinta em suacarne a desilusão do marido traído.

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178 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

insight (situação-limite) - ou seja, "olha a faca". A música vai então caminhandopara o alívio (no caso, trágico).

Assim, a postura gestáltica inicia pelo equilíbrio e a tensão cria a atmosferatemática que irá crescendo até um ponto limite (insight), e, com a locomoção,chega-se ao alívio, ou seja, à conclusão.

No discurso jurídico, a postura gestáltica é preciosa: do exame atento das par-tes, carregado de percepções sensoriais, desenha-se um todo fenomenológico, noqual as sensações se integram de forma a provocar no leitor uma visão de mundoestimulada pelas relações das partes que compõem o sistema discursivo. Sinta odrama da vítima na descrição gestáltica do Promotor de Justiça, colorindo a açãocriminosa de forma lenta e progressiva e, na condição de componente do Corpode Jurados, dê o seu veredicto. Perceba, ainda, o leitor que a atmosfera dramáticado Tribunal do Júri é suavizada na linguagem escrita: não há melodramas, mas atécnica gestáltica cumpre sua tarefa persuasiva.

Outras posturas poderiam ser analisadas, mas a breve menção a elas se deveao pouco uso no discurso jurídico.

A linha psicanalítica cria o discurso caótico (leia-se GARCIA, 1975, p. 100-106),de grande dramaticidade, mas inadequada para o ordenamento lógico que há depautar a argumentação jurídica. É a linguagem de uma Lygia Fagundes Telles oude um Luís Vilela - "Tarde da Noite".

O existencialismo, por sua vez, embora postura filosófica, repercute no com-portamento humano. É usado, com alguma freqüência, em defesas nos tribunaisdo júri. O que se pretende denunciar é a pressão que o meio exerce no homem,tornando-o impotente diante da vida: perde a consciência do "ser" para apenas"estar aí" no mundo, sem analisar causas do passado e sem perspectivas para ofuturo.

Medite o leitor na '~egria, Alegria" de Caetano Veloso e sinta o clima exis-tencialista. O tempo é o hoje e a expectativa é o nada. Apesar da insuficiênciaargumentativa, não é raro encontrarem-se defesas que buscam fazer do criminosouma vítima do meio social hostil que o empurrou para a criminalidade, o mesmoretrato que comumente se faz do cárcere (masmorra) como a escola do crimepara aquele que caminha sem lenço (ausência de afetividade) e sem documento(ausência de identidade).

5.9 EXERCÍCIOS

Sugestões de atividades1. Recomendam-se leituras complementares e discussões sobre os diversos assun-

tos do capítulo (seminário, mesacredonda, debate), com objetivo assimilativoe de fixação de aprendizagem.

l'f'...'.'1

I

I••• 1

A Redação 179

2. Devem ser escolhidos alguns textos (pelo professor ou alunos - individualmen-te ou em grupo) - e apontadas as partes que compõem a estrutura do pará-grafo.

3. Desenvolver o esquema redacional sobre o costume no Direito.4. Apresentação de textos, músicas e filmes com posturas behaviorista e gestáltica

(trabalhos preferencialmente em grupo).5. Elaborar uma redação jurídica, tendo como tema discussão de assunto polêmico

no Direito. Em seguida:a) apresentar o esquema redacional utilizado;b) apontar as partes da redação;c) indicar os tipos de postura psicológica, filosófica e de argumentação que

foram utilizados em seu texto;d) indicar as palavras de coesão responsáveis pela unidade textual.

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••••••••••••••••••••••••••••••••••

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TEORIA E PRÁTICA

A língua portuguesa, tanto ou mais que suas irmãs neolatinas, exige do re-dator uma criteriosa relação sintagmática - seleção e organização das idéias naestrutura frásica - porque a mensagem pretendida pelo emissor só logra obter seudesiderato quando, conhecido previamente o pensamento que se busca exprimir,há uma distribuição lógica e concatenada das idéias.

No exercício profissional, redigindo-se peças jurídicas ou extrajudiciais, nãopode haver liberalidade em matéria gramatical. A linguagem escorreita, sem osexageros de um preciosismo nocivo à clareza da idéia, exige do redator períodosbem organizados.

Prejudiciais ao pensar direito são os períodos extremamente curtos ou longoscomo já se disse repetidas vezes em capítulos anteriores. Desta sorte, a estruturagramatical deve ater-se às funções e relações sintáticas da frase, para que não seprolongue sem medida lógica.

Exemplificando: requerer abono de faltas exige relação causa/conseqüência,sem a qual não se completa o circuito do pensamento.

Incorreta seria, assim, frase oracional que requeresse da autoridade competen-te abono de faltas dos dias 15 e 16 de maÍo de 1993. Indispensável à construçãofrásica seria a idéia causal, indicando o motivo da ausência, porque a relaçãocausa/conseqüência é binômio indestrutível.

Não basta ao profissional do Direito, porém, a correção gramatical como pos-tulam alguns cultores do vernáculo. A ele, exigível se lhe torna, ainda, o domínio

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Teoria e Prática 185

1. O mandato (ou procuração) judicial é chamado de Procuração Ad Judicia(note-se que em latim não há hífen).

3. Quanto à finalidade3.a) Geral: quando o mandante confere poderes para todos seus negó-

cios.3.b) Especial: quando especifica o negóCio (ou negócios) expressamente

(artigo 660, CC).

4. Quanto à extensão dos poderes4.a) Amplos: confere liberdade ampla ao procurador.4.b) Restritos: o procurador fica sujeito a decisões do outorgante.

1. Quanto à natureza1.a) Procuração Judicial: destinada para procurar em juízo.1.b) Procuração Extrajudicial: para os negócios em geral.

2. Quanto ao instrumento2.a) Procuração Pública: passada em cartório, no livro próprio, chaman-

do-se traslado a cópia original deste registro. As demais cópias sãodadas em forma de certidão.

2.b) Procuração Particular: quando outorgada pelo próprio mandanteem documento escrito com firma reconhecida.

Oportuno se faz esclarecer que as espécies combinam-se em todas as proba-bilidades, e. g., procuração judicial, pública, geral, de poderes amplos; procuraçãoextrajudicial, particular, especial, poderes restritos; procuração judicial, particular,especial, poderes amplos, enfim, todas as variações combinatórias possíveis.

Algumas observações mostram-se pertinentes:

expressão líquido e certo significa um direito especificado e plenamente conheci-do (líquido) e sobre o qual dúvidas não pairam (certo). É o caso, por exemplo,do candidato a um concurso público classificado em 21Q lugar, quando vinteeram as vagas, tendo o 19Q desistido e, para completar o quadro, seja convocadoo 22Q colocado. Na situação em tela, caberia ao 21Q impetrar ordem de segu-rança.

A palavra mandante, complete-se, de sentido equívoco, refere-se ao que con-trata alguém para a prática do delito, ou seja, o mandante de homicídio. Nestesentido, há os que defendem a tese de ser a palavra mandante empregada, tam-bém, na acepção de mandato, porque alguém contrata outrem para, em seu nome,praticar ato criminoso, sendo-lhe imputadas as mesmas penas do homicida, seumandatário.

Resolvidas as dificuldades semânticas do mandato, cumpre assinalar os tiposde procuração a ele correspondentes:

•••••••••••••••••••••••••••••••••I •I •

Perlustrando o Código Civil (Editora Atlas, organizado por Sílvio de SalvoVenosa, 2003), encontramos:

184 Cursode Português Jurídico • Damião/Henriques

"Art.653. Opera-se o mandato, quando alguém recebe de outrem poderespara, em seu nome, praticar atos, ou administrar interesses. A procuração é oinstrumento do mandato."

6.1 PROCURAÇÃO: CONCEITOS E TIPOS

das estruturas fixas das diversas modalidades redacionais aplicadas ao mundojurídico ou a ele pertencentes, conforme se verá neste passo deste estudo.

Do conceito extrai-se que alguém (mandante, outorgante ou constituinte)outorga poderes a outrem (mandatário, outorgado ou procurador) para, em seunome, praticar atos ou administrar interesses, exteriorizada a vontade de conferirtais poderes por meio de um documento chamado procuração.

A despeito de a definição legal supracitada não mencionar a natureza dosatos e interesses a serem praticados pelo mandatário, a linguagem genérica uti-lizada pelo legislador que não os restringiu a atos jurídicos; admite o mandatoextrajudicial.

Apalavra mandato origina-se da expressão latina manus data (mão dada) que,a princípio, simbolizava o gesto de firmar o acordo, evoluindo o vocábulo paramandatum, em português, mandato.

Interessante se faz lembrar que manus, no Direito Romano, sempre invocoua idéia de poder, v. g., manu militari (ato ou obrigação executados com auxílio daforça pública), conventio in manum (a manus era a entrada da mulher na famíliado marido).

Até em nossos dias, a gesticulação associa a idéia de poder com o vocábulomão que se ergue para castigar, que se estende para socorrer ou que lavra o des-tino de uma vida.

Não há confundir-se a palavra mandato com seu parônimo mandado. Origináriade mandare, mandar, a forma substantivada do particípio passado, mandado, éna linguagem processual a ordem do juiz encaminhada ao oficial de justiça, e. g.,mandado de citação (chamamento do réu ao juízo para se defender), mandadode intimação (cientificar as partes dos atos e termos do processo), dentre outrostipos previstos no direito adjetivo.

O mandado, obrigatoriamente escrito, é denominado judicial quando expe-dido pela autoridade judicial. Na acepção técnico-jurídica pode designar, ainda,ação intentada por alguém que se vê ameaçado ou violentado em direito líquidoe certo: mandado de segurança. Neste sentido, mandado é remédio jurídico pormeio do qual o juiz manda segurança ao direito. Bom é de lembrar, ainda, que a

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2,0 a 3,0 em

Teoria e Prática 187

1,5 a2,0emJOÃO DA SILVA,xxxxxxxxxxxxxxx

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxXXXxxxxxxx

xxxxxxxxxx xxxxxxxx xxx~xxx x xxxxxxxxxxxxxx xxxxxxx xxxxxxxxxxxxxx xxxxx xxxxxxxxx xxxxxxx xxxxxxx xxxxxx xxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.

8,0 em

JOÃO DA SILVA

espaço limite1,5 a 2,0 em

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

PROCURAÇÃO

1. Os espaços superior e inferior impedem que o tempo desgaste o texto,com prejuízo dos termos do instrumento de mandato--, _

2. A margem esquerda será reduzida a 3,0 em, aproximadamente, depoisde arquivada a procuração.

3. A margem direita protege, também, o texto da ação do tempo.

4. Sendo o local e a data de extensão maior que o parágrafo (só há um pa-rágrafo gráfico na procuração) é possível recuá-los para antes do espaçode abertura do documento (também a assinatura).

5. Apesar de autores de cursos de redação considerarem ser dispensável alinha para a assinatura, tem ela função para reconhecimento da firma,pela ocupação do espaço.

6. Deve-se utilizar espaço duplo entre as linhas da Procuração.

4,0 em 8,0 em

Comentários do Gráfico

"O instrumento particular deve conter a indicação do local onde foi passado,a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga coma designação e extensão dos poderes conferidos."

6.1.1 Procuração Ad Negaria

2. O mandato (ou procuração) extrajudicial é chamado de Procuração AdNegotia (pronuncia-se negócia - na pronúncia tradicional).

3. O instrumento do mandato (procuração) pode ser particular, salvo se alei o determinar obrigatoriamente público, e. g., transcrição de imóvel.

4. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração. Paraalienar, hipotecar, transigir ou praticar atos que exorbitem da adminis-tração ordinária, os poderes têm de ser expressos (art. 1.295, CódigoCivil).

5. O mandato judicial confere poderes adjudicia para o foro em geral. Ospoderes especiais são elencados taxativamente no art. 38 do Código deProcesso Civil e devem estar obrigatoriamente expressos.

Reza o art. 654, S lQ, Código Civil:

186 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Nota-se que o legislador não se preocupou em ordenar seqüencialmente, po-dendo os requisitos serem assim indicados:

1Q nome do documento: Procuração ou Procuração Ad Negotia;2º qualificação do outorgante (nome completo, nacionalidade, estado civil,

profissão, documentos pessoais, residência e domicílio) em analogia aoselementos individuadores da Petição Inicial, paradigma para especifica-ções;

3º presença dos verbos nomear e constituir (indica o outorgado ou procu-rador e investe nele os poderes);

4º qualificação do outorgado (vide item 2º);5º finalidade da procuração;6º extensão dos poderes;7º local e data;8º assinatura do outorgante com firma reconhecida.

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3,0 em

188 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Comentários sobre o Modelo

Modelo de Procuração Ad Negotia

Teoria e Prática 189

~1. Li bastante os livros indicados pelo professor.

(muito)

Veja-se que bastante modifica o verbo ler e indica advérbio de intensidade;o substantivo livros está especificado pelo artigo os.

~2. Li bastantes livros nas férias.

(muitos)

Veja-se, agora, que bastantes modifica o substantivo livros, tendo formaadjetivada, concordando, como tal, com o nome.Desta sorte, na linguagem jurídica temos:

5. Os verbos residir e domiciliar, sendo estáticos, exigem regência com apreposição em.É bom esclarecer que esses verbos são utilizados como binômio insepa-rável, pelo costume jurídico.A explicação talvez seja oferecida pelo fato de, até meados do século XX,principalmente nas pequenas comarcas, o advogado ter seu escritórioem sua residência.Na terminologia jurídica, residência é o lugar onde a pessoa desfruta suavida familiar e social, enquanto domicl1io é o lugar onde responde pelosatos de sua vida civil; a sede de seus negócios.Conforme se esclareceu anteriormente, os profissionais autônomos, docomércio e liberais, realizavam seus negócios no mesmo lugar em queresidiam, daí a perpetuação do binômio.Todavia, esse emprego não significa endereços diferentes se a residênciae o domicílio não estiverem localizados no mesmo imóvel. É possível, noentanto, indicar apenas o domicílio (mesmo se o endereço for o da resi-dência), mas nunca a expressão residente sem acrescentar o domicílio.

6. A expressão bastante significa suficiente (para o que basta), sendo forma-da do particípio presente e traduz princípio da procuração: o procuradornão pode ir além, nem ficar aquém dos poderes a ele conferidos; deveagir o suficiente, o bastante para cumprir fielmente a incumbência domandato.Não é mansa e pacífica a forma bastante quando se refere ao plural. Háos que entendem ficar ela no singular, como advérbio; há, também, osque a reconhecem como adjetivo, concordando em número com o subs-tantivo.A nosso pensar, a situação é a mesma na linguagem usual com sentidode muito (advérbio ou adjetivo), exemplificando:

8,0 cm

PROCURAÇÃO

18.o<m

LURíCIO IDPES.b,~ileim. e~ado. emp"-

sário, RG , CPE , residente e domiciliado na Rua das Flores, 34,

Jardim Primavera, Capital de São Paulo, nomeia e constitui seu bastante

11,5 em

MAURÍCIO LOPES

procurador JÚLIO SILVA,brasileiro, casado, corretor de imóveis, RG , 1,5oUCPE , residente e domiciliado na Rua Alegria, 54, Jardim Felicidade, 2,0

Capiqtl de São Paulo, para o fim especial de locar e administrar imóvel do

outorgante, situado na Rua 7 de Setembro, Bairro da Independência, Capi-

tal de São Paulo, conferindo-lhe amplos e irrestritos poderes para praticar

todos os atos necessários para o fiel cumprimento deste instrumento de

Mandato, expressamente para ajustar prazos e alugueres, aprovar fiador,

receber e dar quitação, substabelecer, inclusive.São Paulo, 2 de fevereiro de 2007.

1. A palavra Procuração deve vir no centro da folha, não se exigindo escre-ver Procuração Ad Negotia. Para evitar que o vocábulo fique diminutono papel, as letras devem ser espaçadas umas das outras. P R O C uRAÇÃO.

2. Os espaços são os mencionados no gráfico.3. A partitura silábica deve ser gramatical. O sistema americano não é

adotado na técnica jurídica, esclarecendo: é forma utilizada em corres-pondências comerciais, sem obedecer ao margeamento.

4. Não se separam os números dos documentos pessoais.

3,0 ou4,Ocm

Page 95: Curso portugues juridico_regina_toledo_10_edicao

Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

3,0 em

~1... nomeia e constitui bastante seus procuradores (advérbio mo-

dificador dos verbos). (suficientemente)

~2 ... nomeia e constitui seus bastantes procuradores (adjetivo espe-

cificador do substantivo). (suficientes)

7. Os poderes especiais são estipulados de acordo com a natureza do ne-gócio e a extensão dos poderes.

8. O substabelecimento só é possível se expresso estiver o poder na pro-curação. A regência do verbo substabelecer é: substabelecer em alguémos poderes conferidos.

9. Não é exclusiva a forma do modelo, porque o estilo é de cada qual,e. g., Por este instrumento particular e na melhor forma de direito,MAURÍCIO LOPES, brasileiro, casado, ...

la. Não é bom estilo a forma: Eu, MAURÍCIO LOPES, brasileiro, ... nomeioe constituo ... , porque é a pessoa capaz de direitos e obrigações queoutorga procuração.

11. É obrigatória a presença dos verbos nomear (indicar) e constituir (tornaro indicado procurador).

12. As formas verbais são constitui/constituem, não sendo gramatical cons-titue, como se encontra em alguns modelos.

13. É bastante usual, na atualidade, a estrutura esquemática:

Teoria e Prática 191

6.1.2 Procuração Ad Judicia

Essa fórmula é direta, mas não expressa a formalidade que há de sercultivada no discurso jurídico, sendo mais empregada em repartiçõespúblicas ou relações empresariais.

Obs.: os poderes serão conferidos, consoante a intenção do mandante emoutorga ampla ou restrita. Também, será pública quando a lei assim determinar, e.g., transcrição de escritura pública. Quando particular, o papel usado é o almaço,não devendo haver emendas ou rasuras, sem espaços ou linhas em branco.

Coerente com sua filosofia de expurgar do Código Civil matérias de nature-za processual, o art. 692 apenas faz referência à Procuração Ad Judicia, subor-dinando-a à legislação processual, operando-se as regras do Mandato, estabelecidasno Código Civil, apenas supletivamente.

Consoante a regra do art. 36 do Código de Processo Civil (CPC), só o advo-gado legalmente habilitado, salvo os casos em que se permite postular em causaprópria, pode procurar em juízo. Necessária se faz a procuração, sem a qual nãoserá o advogado habilitado (regularmente inscrito na Ordem dos Advogados esem impeditivos) admitido como procurador judicial, art. 37, CPC. Obrigatóriaé a cláusula Ad Judicia para o foro em geral, devendo estar expressos os poderesespeciais enumerados no art. 38, CPC. Não há exigibilidade de colocar todos ospoderes especiais elencados pelo legislador; dentre eles, serão registrados ospretendidos pelo outorgante, ou então todos eles e mais o substabelecimento seassim for a vontade do mandante. Além desses, pode o mandante outorgar poderesespeciais para cada ação, consoante as necessidades da espécie.

Bom é lembrar que as condições para ser mandante são as mesmas tanto paraa Procuração Ad Judicia, quanto para a Procuração Ad Negotia, vale ressaltar:

1. O mandante pode ser toda pessoa natural ou jurídica.2. Os maiores e emancipados, no gozo de sua capacidade civil, assinam os

documentos sem restrições.3. Os relativamente incapazes são assistidos, assinando junto com seus

representantes legais.4. Os absolutamente incapazes são representados e, assim, só seus repre-

sentantes legais assinam a procuração.5. Embora não conste da lei, a Procuração Ad Judicia dos menores impú-

beres e púberes há de ser pública.

Quanto ao mandatário, já foi dito que só o advogado poderá ser procurador naesfera judicial. No mundo negociaI, admite-se o mandatário menor, entre dezesseise dezoito anos incompletos, não podendo, entretanto, ressarcir-se o mandante de

J

1,5 e

PROCURAÇÃO

1 3,0 em

(dados)

(dados)

{

finalidade e extensão dospoderes significandoobjeto da procuração.

1,5 em

Outorgante:

Poderes:

Outorgado:

Local e data:Assinatura do outorgante

190

3,0 em

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192 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

prejuízos por ele causados, salvo se o relativamente incapaz praticou o dano, nostermos do art. 666, cc.

6.1.3 Outras modalidades: Caução de Rato e Apud Acta

Merece cuidado especial o disposto no art. 37 do CPC, que permite ao advo-gado ingressar em juízo para intentar ação ou contestá-la, em casos reputadosurgentes, sem o instrumento do mandato.

Trata-se de modalidade de Procuração Ad Judicia por instrumento público,conhecida por "Caução de Rato". Em rigor, não é procuração, por requerer aapresentação do instrumento do mandato, em quinze dias, prorrogável o prazoaté outros quinze dias, por despacho do juiz.

Caução significa garantia; rato, ratificação. O advogado assina termo, compro-missando-se a apresentar a procuração, sob pena de serem havidos como inexis-tentes os atos por ele praticados, respondendo ainda pelos prejuízos causados.

O requerimento é simples; dirigido ao juízo competente ou da causa e deve in-dicar o motivo dopedido, seguindo os espaços indicados no gráfico de fls. 162.

A "Caução de Rato" não se confunde com outra modalidade pública de procu-ração adjudicia chamada Apud Acta, não prevista em lei, mas aceita pelo costume.Apud significa ao pé, dentro, junto de. É a outorga dos poderes do mandato judicialno cartório da vara na qual corre o processo, na presença de duas testemunhas quea assinam, juntamente com o outorgante, sendo lavrada pelo escrivão que funcio-na na causa. Admite, ainda, a nomeação do procurador perante o juiz oficiante,dispensadas as testemunhas. Equipara-se à procuração judicial por instrumentopúblico, dispensando a entrega de outra procuração, pois ela é o próprio instru-mento do mandato, diferindo assim da "Caução de Rato". Também, enquanto aregra do art. 37 possibilita a atuação do advogado não só para oferecer Respostado Réu, quanto para intentar ação, a Apud Acta só se presta para ilidir a Inicial.

Não há confundir a Apud Acta com a Procuração Ad Hoc que, por ata, indicasubstituto ocasional para um ato processual.

Teoria e Prática 193

Modelo de Petição da Caução de Rato

3,0 em

EXCELENTÍSSIMOSENHORJUIZ DEDIREITODA VARACÍVELDACOMARCADEGUARATINGUETÁ,SÃOPAULO. --

8,0 em

8,0 em• 'jÚLIO DIAS, advogado inscrito na OAB, nº............. , com escritório na Rua Rodrigues Alves, 57, requer seja admitidoa representar MANOELDIAS,brasileiro, casado, comerciante, RG ,CPE , residente e domiciliado na Rua Conselheiro Crispiniano, 153,

4,0 em nos termos do art. 37 do Código de Processo Civil, para, em nome dele, 2,0

• requisitar vistoria "ad perpetuam rei memoriam", esclarecendo que o re--presentado se encontra ausente do país, havendo a urgência na solicitaçãodo pedido, comprometendo-se o Requerente a, mediante termo de caução,apresentar, no prazo por Vossa Excelência fixado, o competente instru-mento de mandato, em forma regular, ratificando todos os seus atos.

Termos em queP.Deferimento.Guaratinguetá, 20 de abril de 2007.

JÚLIO DIASOAB/SP...

11,5 em

6.1.4 O substabelecimento

É o ato pelo qual o procurador investe ~m outrem os poderes a ele conferidos,com ou sem reserva de poderes. No primeiro caso, continua agindo no processocom iguais poderes, enquanto no outro ele renuncia ao mandato.

Sendo pública a procuração, de igual sorte o será o substabelecimento. Parti-cular o instrumento de mandato, poderá ser feito na própria procuração (ou em

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194 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

documento próprio, se o quiser) reconhecendo-se a firma da pessoa que subs-tabelece. De feitio informal, pode ser redigido na primeira pessoa (diferentementeda procuração, portanto), dispensando qualquer título, se no próprio instrumentode mandato, v. g.:

Substabeleço na pessoa do Dr. Tomé de Sousa, brasileiro, casado, advogado,OAB..., escritório na Rua José Dini, 64, Taboão da Serra, São Paulo, com reservade iguais poderes, os a mim outorgados na presente procuração.

São Paulo, 8 de junho de 1999.

Mário Dias (firma reconhecida)

Pode-se empregar, ainda, a estrutura formal, em 3ª pessoa, exigindo-se, incasu, além da Procuração inclusa, referências claras que possam vincular o substa-belecimento àquele documento anexo.

Quanto ao substabelecimento, cumpre assinalar, também, que, revogado omandato pelo outorgante, revogado fica o substabelecimento, porque o acessóriosegue o principal (accessorium sequitur principale). Em razão desse princípio, nãovale o substabelecimento sem a apresentação da procuração substabelecida.

Não havendo revogação do mandato, morto o mandatário que substa-beleceu a procuração, tem firmado a jurisprudência o entendimento de que preva-lece o substabelecimento, porque os direitos e interesses do mandante não podemser prejudicados pela ausência de representação.

6.1.5 Estrutura da procuração Ad Judicia: comentárioslingüísticos

omandato judicial era disciplinado, no Código Civil de 1916, tanto pelo direitosubstantivo, quanto pelo adjetivo. Para Antonio Chaves (1977, p. 295) cuidava-sede uma cincada porque o assunto é puramente processual.

Conforme já esclarecido, o Código Civil de 2002 reconhece essa falha, deixandoa regulamentação para a esfera processual.

O art. 36, CPC, determina que: "a parte será representada em juízo por ad-vogado legalmente habilitado". Entenda-se a exigência como a necessidade de obacharel em Direito pertencer aos quadros da OAB,estando quite com as obrigaçõesda situação, além de não estar impedido para atuar em juízo ou na causa.

Também, em relação ao mandato judicial, o art. 38, CPC, estabelece que "aprocuração para o foro em geral não confere os poderes para atos, que os exijamespeciais" .

Nesse sentido, o art. 38, CPC, diz que a cláusula adjudicia (procuração geralpara o foro) habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, "salvo para

T"""

I

...J

Teoria e Prárica 195

receber a citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir,desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação efirmar compromisso", estabelecendo o parágrafo único que "o Código indica osprocessos em que a procuração deve conter poderes para os atos, que os exijamespeciais" .

Bom é ressaltar que, regra geral, com exceção do poder para receber a citaçãoinicial, todos os demais costumam ser expressos nos mandatos judiciais.

Também, oportuno se torna lembrar que a confissão é poder passível de ou-torga apenas no âmbito cível, porque inoperante seria a confissão de delito, áreacriminal, em nome de quem terá de cumprir a sanção penal.

Se o uso de formulários impressos é prática comum na atividade jurídica,utilizada, quase sempre, para afastar receios, no mais das vezes infundados, dosclientes, interessantes se tornam alguns comentários lingüísticos a respeito deles,apenas com o intuito de convidar o jovem estudante, ou mesmo o militante doDireito, à reflexão.

Os referidos modelos impressos não atendem, regra geral, aos espaços reco-mendados para a procuração, além de apresentarem muitos vícios de linguagem.Observadas as recomendações do tópico 6.1.2 na feitura de procurações judiciaispelo próprio advogado, ou em impressos personalizados, haverá maior proprie-dade lingüística.

Lembre-se, ainda, que exigível é indicar a ação a ser intentada, bem comoexplicitar em face de quem será ela proposta.

Importante é, também, não deixar espaços em branco, para coibir atos frau-dulentos.

Deve-se ressaltar, em epítome, que a reforma do Código de Processo Civilestabeleceu a desnecessidade de firma reconhecida na Procuração Ad Judicia,conforme as regras ali estabelecidas, não alcançando, porém, a Procuração AdNegotia, pois o Código Civil em vigor manteve sua obrigatoriedade no MandatoExtrajudicial.

Como modelo de Procuração Ad Judicia, escolheu-se mandato para tratar dequestão trabalhista, espécie não usual nos impressos.

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-

196 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Modelo de Procuração Ad Judicia

I 3,0 em

PROCURAÇÃO AD JUDICIA

8,0 em

8,0 em

RUBENS ROCHA, brasileiro, casado, meta-lúrgico, RG , CPE , residente e domiciliado na RuaGirassol, 105, Vila Madalena, Capital, nomeia e constitui seu bastanteprocurador RENATOLIMA,brasileiro, casado, advogado, OAB/SP..... , comescritório na Rua Pedroso de Moraes, 500, Pinheiros, São Paulo, com o

4,0 em fim especial de defender, amigável ou judicialmente, interesses do outor- 2,0

•gante em face da Indústria Metal Vigor S.A., com sede na Rua das Dores,--'50, Bairro do Limão, Capital de São Paulo, podendo reclamar indeniza-ção, salários, reintegração no emprego, propor e acompanhar quaisquerações ou reclamações perante qualquer autoridade, Ministério, Justiçado Trabalho e Juntas de Conciliação e Julgamento, interpor recursos,aceitar ou recusar acordos, receber e dar quitação e todos os demais atosjudiciais ou extrajudiciais que se fizerem necessários para o firme e valiosocumprimento deste instrumento particular de mandato, substabelecer,inclusive.

São Paulo, 12 de julho de 2007.

RUBENS ROCHA

Obs.: Em toda Procuração, deve-se deixar 1,5 em entre as linhas.

6.2 REQUERIMENTO: CONCEITO E ESTRUTURAS

O requerimento é o mais formal dos documentos, devendo ser redigido em 3ªpessoa, vedado o emprego de palavras de gentileza ou agradecimentos, própriasda redação comercial. Requerer é pedir deferimento a uma solicitação feita poralguém - Requerente - a uma autoridade competente para dela conhecer.

Considerada a relação formal e impessoal que se estabelece entre as partes,a estrutura do Requerimento também será rígida:

Teoria e Prática 197

1. vocativo: autoridade que tem competência ratione materiae. Não se colocao nome, e sim o cargo ou função;

2. qualificação do Requerente: dados suficientes para identificá-lo;3. presença do verbo requerer ou de seus sinônimos, e. g., solicitar;4. o pedido e suas especificações;S. fecho;6. local e data;7. assinatura do Requerente.

6.2.1 Estrutura do requerimento simples

Cuida-se de pedido certo, não polêmico, apoiado em norma legal ou adminis-trativa, sendo, assim, Judicial ou Extrajudicial.

É redigido em um único parágrafo gráfico, em linguagem objetiva e concisa.A tradição cristalizou o fecho:

Nestes Termos,P.Deferimento.

Observa-se que o dístico, com letras maiúsculas, foi elaborado em maiúsculasao gosto parnasiano, ainda que gramaticalmente, a vírgula solicitasse a minúscu-la. Também a abreviação de Pede (P.) parece ter a função estética de não haveruma diferença métrica acentuada. A colocação do demonstrativo Nestes pareceinconveniente para alcançar os pedidos feitos anteriormente ao fecho, mas é de-fendida não só pelo emprego já consolidado pela tradição, como por indicar quese retomam, no fecho, todos os termos constantes do requerimento.

Há, porém, os que defendem a gramaticalidade do demonstrativo, com o usode Nesses, para referir-se, também, aos termos distanciados do fecho:

Nesses Termos,P.Deferimento.

Como opção aos que pretendem fugir da polêmica, há os que empregam opronome relativo:

Termos em que

P.Deferimento.

Outras observações são oportunas, ao se comentar a estrutura do requerimentosimples:

1. Há entre os profissionais do Direito da atualidade o costume de colocarminúsculas no fecho; além de evitar a abreviatura do verbo pedir:

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198 Curso de PortuguêsJurídico • Damião/Henriques

Nota: Na esfera extrajudicial,é o requerente quem assina o documento.

Modelo 1: Requerimento Simples Extrajudicial

Nestes termos,pede deferimento.

2. Também, já se faz freqüente a simplificação da fórmula:

Pede deferimento.

3. São usadas, como variantes, as abreviaturas E. (espera) e A. (aguarda).4. Não é recomendável o fecho formulado em período gramatical: Nestestermos, pede deferimento.

5. É totalmente inadequada a fórmula empregada, raríssimas vezes, naredação comercial:

N.T.P. D.

6. Demais, é de se lembrar que a ocupação espacial do papel sulfite éaquela já apontada quando da procuração, recomendando-se trazero requerimento datilografado, com bom aspecto visual, fita preferen-cialmente preta, espaço dois no texto e ocupando o vocativo todo oespaço entre as margens.

7. O requerimento simples pode ser direto, mas também, formulado comlinguagem formal.

8,0 emProc ./04.

~

SILASPEIXOTOOAB-SP .

Modelo 2: Requerimento Simples Judicial

a) Isto posto, requer .b) Isso posto, requer .c) Posto isto, requer .d) Posto isso, requer .e) Pelo exposto, requer ...

Bom é de apontar, além da discussão do pronome demonstrativo já aventadano estudo da procuração que em relação aos itens "c" e "d", muitos juristas, aocontrário do costume cristalizado nas peças jurídicas, defendem a posição do parti-

3,Ocm

Teoria e Prática 199

EXCELENTÍSSIMOSENHORDOUTORJUIZ DEDIREITODA1ª VARACÍVELDACOMARCADESÃOJOSÉ DORIOPRETO- SÃOPAULO.

6.2.2 Estrutura do requerimento complexo

Cuida-se de pedido articulado, distribuindo a narrativa dos fatos e argumentosem parágrafos gráficos.

É tipo de requerimento - judicial ou extrajudicial- para casos em que o pedidonão é manso e pacífico ou não se encontra apoiado cabalmente em norma legalou administrativa.

A estrutura é a mesma do requerimento simples, havendo entre a narrativados fatos e o fecho, uma frase de transisão, reiterativa do pedido com as va-riantes seguintes:

8,0 em3,0 em • 'ÀRI MIRANDA,devidamente qualificado nos 1,5 em

I. , autos supracitados, comparece perante VOSSAEXCELÊNCIA,por intermé---dia de seu bastante procurador que abaixo subscreve, a fim de requerera juntada do incluso rol de testemunhas.

São José do Rio Preto, 1º de maio de 2007.

",I

São Paulo, 18 de abril de 2007.

3,0 em

t 1 S rm JÚLIONEVES

~

Uma. Sr. Gerente de Recursos Humanos da Alegria Brinquedos Ltda.

18,0 em

8,0 em

•JÚLIO NEVES, Gerente de Vendas, compa- 1,5 emrece perante V.Sa. com o fim de solicitar-lhe, respeitosamente, abono-----.de faltas dos dias 15, 16 e 17 do corrente mês, por motivos de saúde,conforme incluso atestado médico.

Termos em queP.Deferimento.

3,0 em

Page 100: Curso portugues juridico_regina_toledo_10_edicao

200 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Obs.: Deve-se empregar espaço duplo entre linhas e espaçamento maior entre parágrafos gráficos.

8,0 em

4,0 em

Modelo de Requerimento Extrajudicial Complexo

3,0 em

lImo. Sr.Gerente de Recursos Humanos da Alegria Brinquedos Ltda.

8,0 em

:JÚLIONEVES, Chefe do Departamento deVendas, comparece perante V.Sa. a fim de expor e solicitar o que segue:

O Requerente foi convidado para proferirpalestra no "Simpósio Nacional de Vendas", ocorrido em Curitiba, nosdias 15 e 16 do mês de janeiro (doc. 1).

20Considerando que o evento contribui não só----:-'

para a vida curricular do Requerente, mas também ao prestígio da em-presa, o convite foi aceito, razão por que das ausências nos dias acimamencionados.

Também, a palestra proferida pelo Requerentemereceu elogiosda imprensa local,justificando plenamente a sua presençano evento (doc. 2).

Posto isso, requer de V. Sa. abono das faltas edemais benefícios trabalhistas.

Termos em queP. Deferimento.São Paulo, 2 de fevereiro de 2007.

JÚLIONEVES

11,5 em

'li

1.

Teoria e Prática 201

cípio passado no início do período, seguindo a posição dele nas orações reduzidas.Também, o item "e" não é exclusivo dentre as variações que procuram escapar dasdificuldades trazidas pelo emprego do particípio passado, sendo escolhido parafigurar o elenco acima por ser a variante mais conhecida.

Algumas considerações sobre o modelo de requerimento extrajudicial com-plexo:

1Q O Requerente deve fazer a narrativa cronológica dos fatos - dos maisremotos aos mais próximos - colocando-os de forma objetiva e precisa, desorte a demonstrar relação de causa/efeito entre eles e o pedido (critériode substanciação).

2Q Entre os tópicos articulados do pedido deve haver espaço maior daque-le utilizado nos parágrafos gráficos que expõem os fatos e solicitam ospedidos.

3Q Querendo, podem ser numerados os parágrafos gráficos.4.2 O pedido deve ser instruído por documentos que o comprovem, nu-

merados de acordo com a seqüência da narrativa e indicados de formaabreviada - doc. 1, doc. 2 e assim por diante.

5Q Se houver necessidade de expor o pedido em mais de uma folha de papelsulfite, não há o redator colocar na segunda lauda apenas o fecho ou adata. Deve programar-se de forma a constar ali ao menos a última linhado parágrafo de transição entre a narrativa dos fatos e o fecho.

6.3 REQUERIMENTO E PETIÇÃO INICIAL

A Petição Inicial ou Exordial é um requerimento complexo, porque de formaarticulada é solicitado o pedido, que dá início à atividade jurisdicional do Estadopara tutela de um direito.

Conforme ministra a melhor doutrina, a Petição Ini~ial é a concretude do direi-to geral e abstrato de agir, com o intuito de formular ao juiz uma pretensão em facede um sujeito passivo. Desta sorte, a Inicial contém um pedido e um requerimento;este último, além das provas, destina-se a citar o réu para tomar conhecimento daação contra ele ajuizada. Ao tempo das Ordenações, bom é recordar, o pedido eo requerimento se formulavam separadamente, como atos distintos. Em primeirolugar, requeria-se a citação do réu, chamada a peça Inicial. Depois, a peça escritacontendo a pretensão do autor e o pedido contra ou em face do réu, conhecidacomo libelo. Em 1850,já se facultava ao autor reunir os dois atos num só, vigendohoje a imperativa necessidade de formulação do pedido e citação do requerido empeça única e redigida de forma articulada, denominada Petição Inicial.

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202 Curso dePortuguês Jurídico • Damião/Henriques

Ademais disso, o vocábulo libelo é empregado, em nossos dias, mais especi-ficamente para indicar a tese acusatória a ser sustentada pelo Ministério Públicoperante o Tribunal do Júri, nos crimes dolosos contra a vida.

6.3.1 Petição inicial: aspectos lingüísticos e estruturais

Reza o Código de Processo Civil:

'~t. 22 Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional, senão quando a parte ouinteressado a requerer, nos casos e formas legais."

Do enunciado verifica-se ser a forma uma estrutura única (singular) para aten-der os diversos casos (plural), devendo respeitar a Inicial os requisitos externos einternos exigidos pelo art. 282, CPC, a saber:

lºVocativo

Indicação do juiz ou tribunal a que se dirige. É o cabeçalho ou endereço dapetição, não sendo o juiz indicado pelo nome, mas em razão de seu cargo. Havendodiversas varas, deixar-se-á um espaço em branco a ser preenchido pelo distribui-dor, que dirá a qual deles tocará o efeito: este será competente para conhecer dopedido. Alerte-se, porém, ao fato de certas competências, sentido amplo, já serempreviamente determinadas pela natureza da ação, e. g., o juiz da Vara Cível é com-petente para Ação Ordinária de Cobrança, mas não o é para conhecer pedido deabertura de inventário, dirigido este último à Vara de Família e Sucessões.

2º Qualificação do autor

O art. 282, 11, exige expressamente os dados individualizados do autor: no-mes e prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência. Além desses, sãoconsiderados imprescindíveis para individualizar o interessado na tutela juris-dicional do Estado, no dizer jurisprudencial, a naturalidade e documentos pessoais.Também, sendo a residência e domicílios distintos, não se há exigir os dois ende-reços, podendo apontar um deles, mesmo que a referência se faça à residência edomicílio, porque este último pode ser eleito pelo autor, recaindo no endereço daresidência, salvo os casos do domicílio em lei exigidos.

3º Presença do verbo propor

Individualizado o autor, faz-se a indicação da Ação - e rito - a que se pretendedar início e seus dispositivos legais. A ausência ou equívoco dos artigos legais nosquais se fundamenta o pedido não invalidam a Inicial: "dê-me os fatos que eu lhedou a lei", diz o brocardo e ele estende-se, também, para a natureza da ação que sónão será passível de retificação se inexistente em relação ao pedido pretendido.

f'

,i:]

Teoria e Prática 203

4º Qualificação do réu

Deve ele ser individualizado com as mesmas informações exigidas ao autor.Quando impossível, por desconhecidos os dados em lei apontados, a Inicial devefornecer, de forma objetiva, elementos esclarecedores que o distingam, tornandocerto o pólo passivo da relação processual pretendida. É de se esclarecer que aresidência/domicílio é referência obrigatória, até porque em função dela é fixadaa competência do juiz.

5º Narrativa dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido

Cumpre ao peticionário expor a causa petendi de forma clara e objetiva. Osargumentos são mais os deduzidos pelas inferências do que os doutrinariamentedefendidos porque a Inicial não é momento de discussão teórica. Os dispositivoslegais, tanto os do direito substantivo ou material (Direito Civil), quanto os dedireito adjetivo ou formal (Direito Processual Civil), devem estar presentes, maso juiz - que dá a lei aos casos omissos - poderá decidir, mesmo ausentes os dis-positivos legais.

A ausência de uma narrativa clara, que faça conhecer a pretensão do autor, éum dos motivos ensejadores do art. 284, que se refere a defeitos e irregularidadescapazes de dificultar o julgamento do mérito. "Desta sorte", a exposição dos fatose dos fundamentos jurídicos da pretensão do autor deve transparecer a possibili-dade jurídica do pedido, a legitimação para agir e o interesse de agir, em análiseúltima, as condições da ação.

É de se lembrar, também, que o legislador não se filiou à teoria da indi-vidualização na exposição dos fatos e, sim, à teoria da substanciação. Ministra adoutrina que naquele bastaria indicar a causa próxima do pedido, e. g., "sendocredor", enquanto a teoria da substanciação, adotada pela lei brasileira, exige apresença da causa próxima e da causa remota, esta última o fato gerador do pedido,entendendo o vocábulo fato no sentido técnico de fato constitutivo do direito, e.g., contrato de mútuo em relação à ação de cobrança que o credor intenta contrao devedor inadimplente.

6º Opedido e suas especificações

O pedido é o próprio objeto da ação; assim, há de ser claro, indicando asprovidências a serem satisfeitas, incluindo os "consectários legais". Resulta ele daexposição do fato e dos fundamentos juríd~cos do pedido, pois que da narrativados fatos deve decorrer logicamente a conclusão, nos termos do inciso 11do art.295, CPC.

Consoante a regra do art. 286, CPC, deve ser ele certo ou determinado, apesarde possível o pedido genérico. O legislador estabelece as normas, em relação aopedido, que devem ser atendidas pelo autor.

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Teoria e Prática 205

No modelo em tela, viu-se, existe a figura do réu, pela presença do ilícitocivil.

4. Vale lembrar o fenômeno lingüístico chamado Braquiologia; consis-te em simplificar-se a expressão, eliminando-se o substantivo e subs-tantivando-se o adjetivo:

5. O modelo de Inicial é bastante singelo, tendo apenas a finalidade deapresentar a articulação do pedido.Na prática forense, porém, a Inicial pode ser mais complexa, divididaem tópicos: o preâmbulo, com indicação das partes e da ação judicialproposta, uma parte com o título DOS FATOS, outra denominada DODIREITO, e, ainda, tópico com o rótulo de DOS PEDIDOS.

204 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

7ºAs provas para demonstração do alegado

Consoante ensinamento milenar, ao autor incumbe provar o alegado. Assim, denada valerá uma narrativa bem articulada e fundamentada, se prova não houver,testemunhal, documental ou pericial.

A despeito da exigibilidade de comunicar ao juiz, já na Inicial, os meios deprova que o autor pretende produzir para demonstração da verdade, não há ne-cessidade de indicar ele a prova que se vai produzir in concreto.

8º Requerimento para a citação do réu

Necessita o réu ter conhecimento do pedido contra ele articulado para que, seo quiser, possa vir defender-se em juízo. É o princípio constitucional do contradi-tório, e com ela irá se completar a constituição da relação processual.

9º Valor da causa

É matéria processual de suma importância, porque da sua fixação dependemprovidências e medidas entre as quais a competência e o rito a serem indicados.Consoante o art. 258, CPC, o valor da causa deve constar da Inicial, ainda que nãotenha ela conteúdo econômico. Também, os artigos 259 e 260 do mesmo códigoindicam os critérios para avaliação do valor da causa.

10º Documentos para instrução da exordial

É a regra contida no art. 283, CPC.A Inicial será instruída com os documentosindispensáveis a sua propositura, v. g., contrato de locação para ação de despejo.Aprocuração com cláusula Ad Judicia é, obrigatoriamente, o primeiro documentoa ser juntado (doc. 1).

Alguns comentários sobre o modelo da Inicial

1. Apesar de os manuais abreviarem o vocativo, não é adequada esta me-dida, sendo re'comendado escrever o endereçamento por extenso e comletras maiúsculas.

2. Não há necessidade de numerar os parágrafos da Inicial, sendo reco-mendado um espaço maior entre eles, aliás, medida empregada nosrequerimentos complexos em geral, como se viu anteriormente.

3. É crescente o costume de abandonar, na Inicial, as expressões Autor,Réu, quando não houver infração na ação proposta. Usam-se, no caso,expressões do tipo Requerente/Requerido. Não há colocar-se, porém,Suplicante/Suplicado, porque ninguém bate às portas do Pretório su-plicando.

'í"'",~t

I!

I Rosto oval - o oval do rostoSoldado voluntário - o voluntárioIdioma vernáculo - o vernáculo

Na área jurídica:

Petição inicial - a inicialCarta rogatória - a rogatória

Carta precatória - a precatória

Estação central - a centralLinha reta - a retaTerra pátria - a pátria

Carta remissória - a remissóriaSentença absolutória - a absolu-tóriaNota promissória - a promissória

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206 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Nota: Osverbos residir e domiciliarsão estáticos:a regênciaé obrigatoriamentefeita pela prepo-siçãoem (em + a = na). Deve-seempregarespaçoduplo entre linhas e espaçamentomaiorentre parágrafosgráficos.

8,0 em

8,0 em

Teoria e Prática 207

6.4.1 Aspectos lingüísticos e estruturais da contestação

6.4 A RESPOSTADO RÉu

A contestação é peça jurídica composta de duas partes: em primeiro plano,cumpre argüir por fatos ou circunstâncias que possam levar à extinção do processo,dentre as elencadas no art. 301, CPC. A seguir, o réu irá, quanto ao mérito, refutartodos os termos da Inicial. Não é momento para exame doutrinário ejurispruden-cial, mas é ocasião para questionamentos, incluindo repercussões da Constituiçãode 1988 e de leis, e. g., Código de Defesa do Consumidor. Aquilo que o Réu nãoalegar na peça contestatória, não o poderá fazer em outra fase do processo, emrazão de o legislador ter adotado o "princípio da concentração da defesa na con-testação", salvo o disposto no art. 303 do Cpc.

Tanto na Contestação, quanto na Inicial, o redator deverá escapar do excessode "quês", formulando cada parágrafo gráfico em torno de um assunto, expondode maneira clara e objetiva.

É no uso da contestação que se faz oportuno analisar o emprego das expres-sões senão/se não.

Expostas as preliminares, é de praxe uma frase de transição para as questõesde mérito, v. g.:

Caso, porém, V.Exa. houver por bem conhecer do pedido, provará.

Pode tal frase ser substituída pela fórmula: Se não, vejamos (equivale a dizerque se assim não for, ou melhor, caso não sejam acolhidas as preliminares, ofereceráo Réu prova quanto ao mérito). Variante é a forma "se assim não, vejamos".

o código em vigor chama o Requerido de Réu, independentemente da naturezada ação, permitindo-lhe três tipos de respostas:

1. Contestação: é forma de defesa pela qual o réu ilide todos os fatoscontra ele articulados na Inicial, sob pena de aceitá-los como se verda-deiros fossem. É a regra do art. 300, CPC.

2. Exceção: é forma de defesa indireta (ao contrário da contestação quedireta é), podendo o réu argüir a incompetência, o impedimento oususpeição do juiz. É a regra do art. 304, CPC.

3. Reconvenção: antes de ser defesa, é uma contra-ação do réu, quesai da incômoda posição de sujeito passivo da demanda, apresentandoversão que faz dele o foco ativo do processo. É a regra do art. 315, CPC.É oferecida em pedido próprio (segue o modelo da Exordial), sendooferecida junto com a contestação, e decididas pela mesma sentença,conforme a regra do art. 318, Cpc.

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li!

irII

Mario da SilvaOAB/SP. .11,5 em

Termos em queP.Deferimento.São Paulo, 4 de março de 2006.

Modelo de Petição Inicial - Ação de Despejo

I 3,0 emEXCELENTÍSSIMOSENHORDOUTORJUIZ DE DIREITODA VARACÍVELDO FORO REGIONALDE PINHEIROS,COMARCADACAPITAL,SÃOPAULO.

JOÃO LOPES,brasileiro, casado, comercian-te, RG , CPE , residente e domiciliado na Rua............................................. , nº , São Paulo, vem, por seu procurador(doc. 1), propor AÇÃODEDESPEJO,em face de JORGEDIAS,brasileiro,casado, mecânico, RG , CPE , domiciliado naRua , Pinheiros, São Paulo, pelas razões defato e de direito que expõe:

O Autor é proprietário e locador de imóvel~situado na , Pinheiros, São Paulo, do qual é o Réu locatário,tendo sido o contrato locatício para fins residenciais, conforme cláusulaVI (doc. 2).

Não obstante isso, vem o locatário, ora Réu,utilizando o imóvel para fim diverso ao locado, instalando uma oficinamecânica na garagem, em flagrante infração contratual.

OAutor já advertiu o Réu sobre o fato de estarele desvirtuando a finalidade da locação, mediante notificação, sem lograrêxito no intento de fazer cessar a conduta reprovável (doc. 3).

Posto isso, com fundamento no que dispõe oart. 22, III, da Leinº 8.245, de 18-10-1991 e demais ordenamentos legais,requer seja citado o Réu para, se quiser, contestar a ação, sob pena derevelia e confissão e, ao final, ser decretado o despejo com a condenaçãoem custas e honorários advocatícios, protestando por todas as provas quese fizerem necessárias, depoimento do Réu em especial, dando à causao valor de .

4,0 em

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208 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Obs.: Deve-seempregar espaço duplo entre linhas e espaçamento maior entre parágrafos gráficos .

Há de ser reformada a r. sentença que injustamente condenou o Apelante.Senão vejamos:

É encontradiçoo vocábulo senão (sentido de porque explicativo, em Razõesde Apelação e em Acórdãos). Veja-se:

Teoria e Prática 209

RICARDOMENDESOAB/SP. .

1 3,0 em8,0 em

• •Diante desses termos, espera seja recebida a pre-sente contestação e julgada improcedente a ação, condenando-se a Autora nas 2,0custas, honorários advocatícios e demais cominações, a que ficará sujeita, também,--se reconhecidas as preliminares argüidas.

Protesta por depoimento pessoal da Autora, penade confesso, prova testemunhal, documental, pericial e o mais que se fizer neces-sário para a prova do alegado.

São Paulo, 18 de março de 2007.

4,0 em

Observe que há vírgula depois de Se não, inexistente em Senão.A seguir, indicar-se-á modelo de Contestação formulando a situação seguinte:

Maria Aparecida Dias intenta Ação de Alimentos em favor da filha menor impúbe-re, Juliana Dias Morato, alegando que o pai, Pedro Morato, não tem contribuídopara o sustento da alimentanda, fundamentando-se na Lei nº 5.478/68 e demaisdisposições legais constantes do CC e do cpc.

Observe-se no modelo a clássica divisão: Preliminarmente e Do Mérito. Naprimeira, o Réu irá argüir pela nulidade da ação, porque a mãe não tem interessepara agir, devendo o pedido ter sido intentado pela filha, no ato representadapela mãe; assim também deve ser ela mandante da procuração com cláusula adjudicia. No mérito, irá demonstrar que vem contribuindo com o sustento da filha,alegando cumprir, também, à mãe assim fazê-lo.

No fecho, o modelo não coloca, como costumeiro se faz na realidade jurídicabrasileira, a fórmula destinada a pedir requerimento, porque, a nosso pensar, aindaque formule ele pedidos, não os requer, pois a presença do Réu na relação proces-sual não é iniciativa sua; assim, o verbo adequado para a situação é protestar.

•••••••••••••••••••.,••••••••••••

i •1

••

Além disso, o instrumento particular não é hábilpara representação de menores impúberes, viciando, assim, o pedido.

Pelo exposto, há de ser decretada a carência daação nos termos do art. 301, XVIIIe X, CPc.

Caso, porém, Vossa Excelência considerar vencÍ-veis os vícios ou houver por bem não acolher as preliminares para conhecer dopedido, provará:

13,oem

EXCELENTÍSSIMOSENHORJUIZ DE DIREITODA VARADAFAMÍLIAE SU-CESSÕESDO FOROREGIONALDE SANTOAMARO,COMARCADACAPITAL,SÃOPAULO.1 3,0 em

Proc ./93

8,0 em

8,0 em

Contestando Ação de Alimentos contra ele movidapor MARIAAPARECIDADIAS,diz PEDROMORATO,qualificado nos autos, porseu procurador, documento incluso:

1 3,0 em

PRELIMINARMENTE

1 3,0 em

Flagrante é a nulidade na propositura da ação, 2,0porque o sujeito da ação há de ser a menor JULIANADIASMORATO,não assis-----'tindo à mãe interesse de agir.

1 3,0 em

DOMÉRITO

1 3,0 cm

Improcedente o pedido da Exordial, por não seremverdadeiros os fatos ali articulados.

O casal está separado de fato há mais de seis mesese desde aquela época o Requerido vem concorrendo para a mantença da filhamenor.

Não é verdade a alegação de que o Requerido nãovem cumprindo encargos de educação e assistência médica, conforme atestamdocumentos inclusos.

Também, injusto é pretender onerar o Requeridocom encargos referentes à moradia, como pretende a Autora, quando a menorassiste com a mãe em imóvel pertencente à avó materna, que não cobra alugueres,visto ser responsabilidade da mãe contribuir com o sustento da filha.

~

4,0 em

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210 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

6.4.2 Outros aspectos lingüísticos e estruturais daResposta do Réu

A Contestação, como ocorre na demais peças judiciais, pode ser estruturadade forma mais complexa, com preâmbulo direto, e. g.: as Preliminares, o Méritoe o Fecho.

Exemplo de Preâmbulo

! 3,Oem

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DOFORO REGIONAL DE PINHEIROS - COMARCA DA CAPITAL - SÃO PAULO.

Proc ./058,0 em

JOÃO LOPES, devidamente qualificado nos autos3,0 em supracitados, comparece perante VOSSA EXCELÊNCIA, por intermédio de seu 1,5 em

• bastante procurador que adiante subscreve, a fim de contestar AÇÃO ORDINÁRIA --DE COBRANÇA que lhe é movida por MANOEL COSTA, também qualificado,demonstrando:

PRELIMINARMENTE

xxxxxxx xxxxxxxxx xxx xxxxxx xxxxxx xxxxxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxxx x xxx xxxxxxx xx xxxxxxxxxxxxx xxxxx xxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxx xxx xxxxx xxxxxxxxxx xxx xx xxxxxxxx xxxxxx.

A Contestação, como foi dito, é resposta obrigatória do Réu que não quisertornar-se revel.

Todavia, em sua Resposta o Réu pode oferecer, também, contra-ação: a Recon-venção, em peça própria protocolada com a Contestação, como já se explicou.

A Reconvenção é peça que segue estrutura assemelhada à Inicial, tendo, noentanto, características próprias:

a) o vocativo já indica a Vara da Ação, pois já foi ela distribuída;b) no preâmbulo, a linguagem segue o modelo da Contestação, substituindo

o verbo contestar pelo reconvir. Bom de lembrar que o Réu da Inicial é

..,.,...,

I!

I"~J

Teoria e Prática 211

Autor da Reconvenção com o nome de Reconvinte, enquanto o Autor daInicial é Reu da Reconvenção, denominado de Reconvindo;

c) não há preliminares, articulando-se os fatos e os direitos de reconvinteque, saindo da incômoda posição de Réu, demonstrar ser ele o merecedordo pedido a ser deferido;

d) no fecho, emprega-se o verbo requerer, pois há pedido, tanto quanto naInicial;

e) é necessário indicar valor da causa, por cuidar-se de ação do antes Réu,agora Reconvinte;

f) não se requer citação do Reconvindo, pois já existe um processo. Assim,o requerimento é pela intimação do outrora Autor, agora Reconvindo;

g) emprega-se a fórmula própria para pedir deferimento, diferentementeda Contestação, pois ao se propor contra-ação, imperativo se torna pedirdeferimento do pedido de reconvir.

6.5 A LINGUAGEMDA SENTENÇA

Ministra, com bastante propriedade, o eminente jurista José Rogério Cruz eTucci (1987:7) sobre a peça que se constitui no fecho processual: "No desenrolarda atividade decisória do juiz no processo, a sentença - prestação jurisdicional aopedido formulado pelo autor - constitui o ato mais relevante."

Pretendem alguns ser a sentença um silogismo lógico clássico, sendo a normajurídica ao caso aplicável a premissa maior; as questões fáticas, trazidas aos autosa premissa menor e, finalmente, a conclusão, o decisório do juiz.

No entanto, não é assim tão simplista a estrutura sentencial, por não se con-fundir ela com uma operação aritmética; cada caso exige uma apreciação criteriosade todas as circunstâncias, devendo o magistrado argumentar, com robustez, osmotivos que levaram à decisão por ele exarada.

Na abertura dessa importantíssima peça jurídica, funciona como título, iden-tificando-a, a expressão VISTOS, reveladora de que foram vistos, relatados ediscutidos os autos para, só então, dar a eles uma solução. Não há exigibilidadepela regra gramatical, de as letras estarem todas em maiúsculas porque a gra-mática aponta a necessidade de elas iniciarem a palavra nos títulos, razão porque é encontrada a forma Vistos. Bom é de lembrar, contudo, que as própriasgramáticas grafam inteiramente em maiúsculas os títulos e subtítulos, comomedida de realce. Também, interessante se faz mencionar a variante Vistos etc.(ou, Vistos, etc. e, ainda, em maiúsculas VISTOS ETC., VISTOS, ETC.) devendoser dito que, em rigor, é inconcebível o uso da vírgula antes do etc., considerada

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212 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

sua significação, apesar de o acordo ortográfico em vigência estabelecer que eladeva ser usada.

Ao analisar a estrutura da sentença, o leitor perceberá que ela é dividida emtrês partes, exigidas em lei. A primeira delas denomina-se relatório. É a parte emque são registradas as principais ocorrências havidas no andamento do processo.É imperativa a menção dos nomes das partes, do resumo do pedido e da respostado réu, expondo a marcha sucinta do processo até a data da sentença, com seusacidentes, resolvidos, inclusive. É redigido de forma concisa, com pouca ou ne-nhuma adjetivação, não se podendo empregar palavras que antecipem a decisão,pena de nulidade, pois a neutralidade é essencial ao relatório. Também a narrativahá de ser clara, evitando dificuldades para sua compreensão.

Seguindo as exigências quanto à elaboração da sentença, podemos apresentardois exemplos a serem evitados:

a) Julgamento antecipado

"AJustiça Pública dessa Comarca moveu processo crime contra MÁRIOSILVA,devidamente qualificado a fls. 4, em razão de ele, no dia 20 de abril docorrente ano, por volta das 10:30h, na Rua Conde Sampaio, próximo do número114, dirigindo o veículo de marca Gol, ano 1984, placa OP 4030 - Sp' com impru-dência, porque em velocidade incompatível com o local, ter atropelado Luís DIAS,causando-lhe lesões corporais, infringindo, dessa forma, o disposto no art. 129, - S6º do Código Penal, conduta que está a exigir as penas em lei previstas."

Verifique-se que o relatório, ao suprimir a informação de que a denúncianarrou os fatos, antecipou o julgamento, porque afirmou como certo o que foidito ser. Assim, a sentença deveria esclarecer que "AJustiça Pública dessa Comar-ca moveu processo-crime contra MÁRIo SILVA,devidamente qualificado a fls. 4,denunciando-o de ter ele, no dia" ....

b) Ambigüidade redacional

"A Justiça Pública desta Comarca moveu processo-crime contra AUGUSTODOS ANJOS, devidamente qualificado a fls. 2, acusando-o de ter, no dia 12 defevereiro do corrente ano, o acusado, por volta das 4:20h, ter sido preso em fla-grante, quando, na companhia do menor de 16 anos JOÃO DINI e de mais duasmenores não identificadas e portando revólver descrito no auto de apreensão defls. 8 e uma pistola não apreendida, na Av. Bartira, 50, teria assaltado o lesadoJÚLIO LIMA, roubando-lhe a importância de R$ 150,00, bem assim uma correntede ouro e um tênis."

o exemplo supracitado é apresentado como real em livro didático de formu-lários, razão por que foram alterados nomes e algumas informações, pelo zeloético advindo de comentários desfavoráveis. Pelo mesmo motivo, foram colocadasalgumas vírgulas, minorando, assim, as dificuldades do texto original.

1~

,

I

Teoria e Prática 213

Não é preciso, porém, muito esforço mental para verificar que o distan-ciamento seqüencial da narrativa - quando, onde, quem, o quê, com que finali-dade - quebre a logicidade textual, causando ambigüidades para entendimentodos fatos e dificuldades para representá-los mentalmente, afora as deficiênciasgramaticais do texto.

A segunda parte da sentença, chamada de fundamentos, é a argumentação coma qual o juiz analisará as questões de fato e de direito, permitindo vislumbrar-sequal é sua decisão. É o momento retórico da sentença; é a motivação expressa deforma clara, coerente e lógica.

Finalmente, a terceira e última parte, apelidada dispositivo, é o momentoem que o juiz resolverá as questões que lhe foram submetidas pelas partes. É aconclusão, o fecho da relação processual.

Bom é de recordar serem estes requisitos exigíveis à sentença definitiva, assimdenominada a que encerra o processo com efetiva seleção do mérito, acolhendo ourejeitando - no todo ou em parte - o pedido formulado pelo autor. Quando o juizextingue o processo sem conhecimento do mérito, temos a sentença terminativaque não precisa seguir, rigidamente, o roteiro sentencial. Basta que se fundamentea decisão, art. 459, CPC, de maneira concisa, não tão breve que se lhe dificulte oentendimento da motivação, prolatada sempre que existir um dos casos elencadosno art. 267, Cpc.

6.6 A LINGUAGEMNOS RECURSOS JURÍDICOS

É nesta fase judicial que o profissional do Direito carreará aos autos a exu-berância do discurso jurídico, adunando à sua tese a demonstração da lei comoamparo legal a seu ponto de vista e a jurisprudência como alicerce de todo seuracioCÍnio argumentativo. Aquela retrata a legitimidade recursal, esta, a sabedoriana aplicação da lei.

Dos recursos, a modalidade mais conhecida é a Apelação, remédio para plei-tear reforma ou modificação da sentença singular Uuiz a quo), da qual a partesucumbente discorda.

Haverá, in casu, duas peças. A primeira delas é um requerimento simples, re-digido em linguagem direta e concisa, solicitando ao juiz da causa a remessa dosautos e as inclusas Razões de Apelação ao Tribunal Uuiz ad quem).

As razões são um discurso eloqüente, ,com demonstração de conhecimentodoutrinário e pesquisa jurisprudencial, devendo ser dirigidas ao Colendo Tribunalou aos Egrégios Julgadores.

Uma boa linguagem, sempre é aconselhável lembrar, não é sinônimo de afe-tação. Antes, é a organização lógica das idéias, predominância de vocábulos de-notativos-unívocos - sempre que possível e bem especificados, quando equívocos.

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214 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Também, é o momento do emprego de figuras de retórica, elegantes e discretas,como instrumento de persuasão e de expressividade do pensamento.

Por derradeiro, deve lembrar-se o Apelante de que os juízes desembar-gadores não acompanharam o processo. Haverá, por isso, a indicação concisa dosfatos e fundamentos principais e a análise demorada das provas que, a seu ver, nãoautorizam a decisão de 1ª instância, merecendo ela ser, portanto, reformada.

6.7 PARTICULARIDADES DA LINGUAGEM EM PEÇASJURÍDICAS

6.7.1 Mandado de segurança

Não se faz uniforme a linguagem jurídica, havendo particularidades consoanteas características de cada peça.

No âmbito petitório, por exemplo, a linguagem do Mandado de Segurança,nos termos do art. 52, LXIXdo texto constitucional, apelidado o Requerente ouImpetrante. É ele que, havendo ameaça ou violação de direito líquido e certo porilegalidade ou abuso de poder, solicitará ao juiz ou tribunal que mande segurança,impedindo que se consuma ou que continue a ocorrer a lesão ao direito, em razãoda conduta da autoridade chamada coatora.

O mandamus é uma ação civil, de natureza cível, trabalhista, tributária oupenal, vale resumir, ação sempre civil, independentemente do ramo de direito quelhe dá origem. O prazo para requerê-lo é decadencial e não de prescrição. Assim,contados cento e vinte dias da ciência do ato que se pretende impugnar, cessaqualquer direito a ser protegido pelo mandado de segurança.

Ao redigir a petição inicial de mandado de segurança serão seguidos, não àrisca, os artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil.

Exemplo disso é o réu, a autoridade coatora, que não tem estado civil nemresidência; apenas domicílio, qual seja, o órgão que representa. Só há falar-se naqualificação exigida pelo art. 282, CPC, quando houver pessoas naturais comolitisconsortes passivos, necessários.

Também, não há citação do réu. Em mandado de segurança, requer-se a no-tificação da autoridade coatora.

Desnecessário é, ainda, a especificação de provas a serem produzidas, porquesó se aceita a documental que, regra geral, acompanha a inicial. Apenas nos casosem que existirem documentos em poder do oponente, art. 355, CPC, é que nãohaverá a juntada da prova documental, havendo pedido para sua exibição.

É preciso dar um valor à causa, ainda que o mandado de segurança não tenhaconteúdo econômico imediato.

T

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Teoria e Prática 215

Por fim, diferentemente do outro remédio heróico, o Habeas Corpus, o man-dado de segurança deve ser pedido por advogado legalmente habilitado, comas exceções contidas no art. 36, cpc. A razão aponta-se claramente; enquantonaquele outro é a liberdade, pura e simples, que se tutela, desde que injusta, si-tuação facilmente deduzida pela narrativa dos fatos, no mandado de segurança há,necessariamente, discussão de fato e de direito - este líquido e certo - que ao leigoou incipiente não é dado conhecer, presume-se, os fundamentos teóricos e legais.

6.7.2 Habeas Corpus

O Habeas Corpus é o meio mais rápido e o mais eficaz de que dispõe o advo-gado, nos casos de arbitrariedade e de constrangimento ilegal, art. 647, CPp,paradefesa de quem se encontra ameaçado ou violentado no direito de locomoção.

Ministra Vitorino Prata Castelo Branco (1991, p. 35) que a ordem concedidapelo mandado cujas iniciais eram, em latim. Habeas Corpus era uma frase cujo teordizia: "Toma (literalmente: tome no subjuntivo habeas, de habeo, habes, habere,ter, exibir, tomar, trazer etc.) o corpo deste detido (isto é, a pessoa física) e vemsubmeter ao tribunal o homem e o caso."

Ensina, ainda, o ilustre jurista que o remédio heróico inserido na Constituiçãode 1891 tinha sentido mais amplo, não tutelando apenas o direito de locomoção,como ocorre com o art. 52, LXVIII,do texto constitucional de 1988.

A petição de Habeas Corpus pode ser redigida pelo próprio acusado, porqualquer do povo, ou pelo Ministério Público, não se exigindo ser datilografada.Indispensável se faz ter duas cópias e se qualificar o paciente (pessoa que estáameaçada de sofrer violência ou coação ou que sofre a injusta coação); as razõesque fundam o pedido, narrando com clareza os fatos de maneira a deixar evidenteo ato injusto da autoridade coatora; a assinatura do impetrante ou a seu rogo (senão souber ou não puder escrever) com indicação do endereço.

A liberalidade da lei esbarra, porém, no necessário conhecimento que se há deter da lei, da doutrina e da jurisprudência para alcançar o resultado pretendido,nas mais variegadas situações que se apresentam no mundo concreto. Apesar de ofolclore jurídico dizer que muito preso há com habilidade para peticionar o remédioheróico, bom é acreditar que o advogado o impetre com mais eficiência.

Muitos bons modelos há para impetrar ordem de Habeas Corpus em favorde um paciente que sofre ou está na iminência de sofrer constrangimento ilegalrestritivo do direito de locomoção.

Em todos, verifica-se que o mais importante é expor os fatos com simplici-dade, de forma objetiva e concisa, dirigindo o pedido à autoridade hierarqui-camente superior à coatora. Sendo preventivo o pedido, além da solicitação da

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Obs.: Deve-se empregar espaço duplo entre linhas e espaçamento maior entre parágrafos gráficos.

3,0 em

Teoria e Prática 217

Modelo 1 - Habeas Corpus Liberatório

JOÃO DIASOAB/SP. .

11,5 em

8,0 em

Estando preso há mais de 2 (dois) dias, semque lhe tenha sido fornecida nota de culpa, demonstrada está a coaçãoexercida pelo Delegado de Polícia da 2ª Delegacia de Polícia.

Posto isso, requer o impetrante seja concedidaa ordem de "habeas corpus", com expedição de alvará de soltura e demaisprovidências.

Termos em queE. Deferimento.Taubaté, 6 de março de 2006.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ... VARACRIMINAL DACOMARCA DE TAUBATÉ, SÃO PAULO

I ',Dom

-.------------.JOÃO DIAS, brasileiro, casado, advogado,inscrito na OAB/SP. , com escritório na Rua Crispiniano, 36,nesta cidade, vem respeitosamente, à presença de Vossa Excelência para,nos termos do art. 52, LXVIIIda Constituição Federal de 1988 e arts. 647 es. do Código de Processo Penal, impetrar ORDEM DE "HABEAS CORPUS" 2,0

em favor de MANOEL LIMA, brasileiro, casado, comerciário, residente na -----Av. Júlio Nogueira, 500, nesta cidade, pelos motivos seguintes:

No dia 4 de março do corrente ano, por voltadas 23 horas, o paciente dirigia-se a seu lar, vindo da escola, sem portarcarteira de identidade, mas munido de seus livros e cadernos.

Ao passar nas proximidades da Rua Tibiriçá,56, foi levado à delegacia de polícia local, para averiguação de furtoocorrido nas imediações.

Além da absoluta inocência do paciente, bommoço, estudante e trabalhador, como demonstram os documentos inclusos,manifestamente injusta é a prisão porque não houve prisão em flagrantee não há contra o paciente mandado de prisão expedido por um juiz dedireito.

4,0 em

ordem, deve o impetrante requerer seja expedido salvo-conduto em favor do pa-ciente.

Uma particularidade merece registro. Quem solicita é o impetrante em favorde alguém e não o paciente representado por um impetrante.

Também, a exigência do endereço do impetrante pode ser solucionada pelopapel timbrado que o indica.

Apresentar-se-ão, a seguir, dois exemplos bem simples, um liberatório e outropreventivo, ambos dirigidos a juiz de direito.

216 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

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218 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Obs.: Deve-se empregar espaço duplo entre linhas e espaçamento maior entre parágrafos gráficos.

VARA

4,Oern

Modelo 2 - Habeas Corpus Preventivo

3,0 em

EXCELENTÍSSIMOSENHORDOUTORJUIZ DE DIREITODACRIMINALDACOMARCADETAUBATÉ,SÃOPAULO

/

8,0 em

8,0 em

• .MANOELLOPES,brasileiro, casado, advoga-do, inscrito na OAB/SP. , com escritório na Rua Bartira, 30,nesta cidade, vem perante VOSSAEXCELÊNCIA,na forma da lei, comfundamento no art. 52, LXVIIIda Constituição Federal de 1988 e demaisfundamentos legais, impetrar ORDEMDE "HABEASCORPUS"em favor 2,0

de JÚLIODIAS,brasileiro, casado, comerciante, domiciliado na Rua Tomé---de Sousa, 405, em face do Delegado de Polícia da 2ª Delegacia de Polícia,pois se acha na iminência de ser preso por ordem da autoridade policial,pelos motivos seguintes:

1. O paciente adquiriu um veículo marca Gol,1986, placa PY5070 - Sp'em rifa ocorrida por ocasião dos festejos juninosda Associação de Bairro Jardim Taubaté, conforme documento incluso.

2. Estacionado na Rua da Saudade, 56, foio paciente abordado por JOSÉ SILVA,brasileiro, casado, comerciante,residente na Rua Alegria, 50, Jardim Felicidade, que disse ser de suapropriedade o veículo do paciente, afirmando, ainda, ter sido vítima defurto, conforme BOprestado na 2ª Delegacia de Polícia.

3. A autoridade coatora ordenou a prisão dopaciente, só não alcançando seu desiderato injusto em razão de não estaro paciente no seu estabelecimento comercial, quando ali chegaram ospoliciais com a notícia de coação.

Espera, assim, o impetrante que, pedidas asinformações e observadas as formalidades legais, haja por bem VossaExcelência de mandar expedir a ordem impetrada, expedindo o salvo-conduto que livre o paciente da injusta ameaça.

Termos em queP.Deferimento.Taubaté, 12 de agosto de 2006.

MANOELLOPESOAB/SP. .

11,5 em

_J

Teoria e Prática 219

6.7.3 A linguagem da denúncia

Na esfera criminal, a peça de abertura, conhecida como vestibular e chamadade denúncia pelo legislador, exige do Promotor de Justiça habilidade na técnica danarrativa, devendo contar os fatos com objetividade e concisão para demonstrara formação de sua opinio delicti, imputando ao antes indiciado (no inquérito po-licial), ora denunciado, o tipo legal que descreve a conduta criminosa, conformepreceitua o art. 45, CPP.No caso de co-autoria, há de se individualizar as condutas,porque o tipo em lei descrito como crime deve ajustar-se à situação fática, sendoinepta a denúncia que não descreva o fato criminoso e que não realize a descri-ção pormenorizada da conduta do acusado, ou de cada acusado, com referênciadescritiva do nexo subjetivo entre a participação do denunciado (ou de cada umdeles) e a prática delituosa.

Em se falando de denúncia, bom é recomendar que se evite o modelo queinicia com a fórmula "Consta do incluso inquérito" ..., porque esta colocação é maisprópria para o corpo da denúncia e não como parte introdutória. Assim, melhoré seguir modelo que narra os fatos como se reais fossem, do tipo: "No dia 15 denovembro, às vinte horas, ..."

Neste último caso, advirta-se, a narrativa seguirá o roteiro próprio do gêneroredacional em questão, respondendo às perguntas a ele pertinentes; quando?onde? quem? o quê? como? por quê?

Poderá, ainda, a denúncia seguir modelo que enuncia: "O Ministério Públi-co, no uso de uma de suas atribuições" ... Qualquer que seja o modelo escolhido,importante se faz descrever o tipo a que se imputará o crime, não explicitando odelito, vale lembrar, não dirá a denúncia que o acusado furtou, mas que subtraiupara si (ou para outrem) objeto móvel alheio.

Também, independentemente do modelo usado na denúncia, proibitivo émisturar pessoas. Se a descrição for em 3ª pessoa, agramatical é concluir por "Anteo exposto, denuncio ..."

Sendo a denúncia dever do Ministério Público e não um pediqo, não é ade-quado empregar o verbo requerer.

De igual modo, não se deve pedir deferimento, terminando-se diretamentecem local e data.

Ensina a boa doutrina que o Rol de Testemunhas (extraído do Inquérito Poli-cial) seja colocado antes do local e data.

Por fim, a linguagem da denúncia deve ser objetiva, sem adjetivação, lem-brando-se de que a opinião do delito não é o mesmo que demonstração do delito,conteúdo da fase do art. 500, CPP,quando as partes da relação processual procu-ram demonstrar a suficiência das provas aos autos carreadas em suas AlegaçõesFinais.

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220 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Neste passo, oportuno é mencionar que o Ministério Público, órgão de eliteno mundo jurídico, tem uniformizado a redação desta peça processual, ao menosno Estado de São Paulo, dividindo as Alegações Finais em duas partes:

Teoria e Prática 221

É o exame opinativo das provas. Neste passo, a linguagem há de ser essencial-mente lógica, demonstrando o nexo de causalidade, utilizando, para isso, compa-rações e contrastes no plano argumentativo que evidenciem a culpa do réu.

Quanto à defesa, momento decisivo se lhe é o das Alegações Finais porquenão só deverá refutar a argumentação acusatória, mas ainda convencer o juiz daausência de provas condenatórias e, as tendo, serem elas fracas e insuficientespara um decreto ao acusado desfavorável.

Whitaker Penteado, em obra já citada, p. 242, elenca alguns meios de ilidirargumentos:

b) Argumentação

6.7.4 A linguagem das alegações finais

a) Relatório

A finalidade é demonstrar a apuração processual. Ao oferecer a denúncia,pautou-se o MP em informações da autoridade policial e deve, agora, ratificaros fatos como a opinio delicti verificou terem ocorrido. O relatório das AlegaçõesFinais é a conclusão fática do MP.A partir dele é que o Promotor de Justiça tecerásuas argumentações.

O fato apresenta duas dimensões no relatório das Alegações Finais do Mi-nistério Público. Em primeiro plano, reforça a narrativa da denúncia, agoraconfirmada e apoiada na instrução judicial. Enumera e situa os depoimentos dedefesa (não presentes no inquérito) e examina com atenção os depoimentos acu-satórios, tomando-os como base para a argumentação.

Ao apontar as provas, a seleção delas tem valor persuasivo, vale lembrar, se-rão escolhidos os testemunhos mais fortes, quando forem de acusação, e os maisfracos entre os que sustentam a defesa.

Desta sorte, o aparente equilíbrio de indicar provas favoráveis e desfavoráveisao réu para concluir por sua culpa, é desequilibrado pelo conteúdo, por destacaros que dificultam a defesa, que terá de ilidi-Ios e, ao mesmo tempo, apresentarseus próprios argumentos. O resultado disso, muitas vezes, é o efeito pulveriza-dor dos argumentos de defesa, diminuindo-lhe o ímpeto na explanação de seuspontos fortes.

•••••••••••••••••••••••'.•••••••I •••. A

Taubaté, 29 de fevereiro de 2007.

~

!3,OCm

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINALDA COMARCA DE TAUBATÉ- SÃO PAULO.

Rol de Testemunhas

LÚCIA BRANCO, fls. 02;

PEDRO AMARAL, fls. 07;

FRANCISCO LOPES, fls. 09.

8,Ocmr. p. •........ ./04

MATEUS COSTA

Promotor de Justiça

No dia 21 de novembro de 2006, por volta das18:30 h., nas imediações da Rua Maria Antonia, próxima ao cruzamento das 1,5 cmavenidas Luís Brandão e Bom Jardim, TADEU MATOS, vulgo "Tatá", portando-revólver Taurus, 38, e agindo de inopino, surpreendeu LÚCIA BRANCO, que saíade sua residência, conforme consta do incluso inquérito.

Depois de ameaçar a vítima, o meliante subtraiupara si seus pertences, entre eles uma bolsa de couro marrom, uma carteiracontendo documentos pessoais, um talão de cheques do Banco Itaú e a quantiade R$ 500,00 (quinhentos reais).

Empurrando a vítima, o indivíduo, vociferandoameaças e apontando a arma na direção da mulher, empreendeu fuga em direçãoao centro da cidade, sob gritos de socorro de Lúcia.

Perseguido por uma viatura policial, Tatá foi presoe conduzido à Delegacia Central, onde foi lavrado o Auto de Flagrante Delito.

Posto isso, denuncio TADEU MATOS como in-curso no Art. 157, Código Penal, devendo ser processado e ao final condenado,conforme dispositivos legais, em regime fechado por ser reincidente em práticade delito grave.

3,Ocm

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222 Curso dePortuguês Jurídico • Damião/Henriques

"1º Procure refutar o argumento que lhe pareça mais forte. Comece por ele.2º Procure atacar os pontos fracos da argumentação contrária.3º Utilizea técnica de 'Redução às ÚltimasConseqüências', levando os argumentos

contrários ao máximo de sua extensão.

4º Vejase o opositor apresentou uma evidência adequada ao argumento empre-gado.

Sº Escolha uma autoridade que tenha dito exatamente o contrário do que afirmao seu opositor.

6º Aceite os fatos, mas demonstre que foram mal empregados.7º Ataque a fonte na qual se basearam os argumentos do seu opositor.8º Cite outros exemplos semelhantes que provem exatamente o contrário dos

argumentos que lhe são apresentados pelo opositor.9º Demonstre que a citação feita pelo opositor foi deturpada com a omissão de

palavras ou de toda a sentença que diria o contrário do que quis dizer o opo-sitor.

10º Analise cuidadosamente os argumentos contrários, dissecando-os para revelaras falsidades que contêm."

Certo é que o advogado de defesa não irá empregar todos os meios de umasó feita, mas todas as sugestões são bastante úteis.

Quando o advogado enfrenta o argumento mais forte, desmorona ele a basedo adversário, conseguindo expor com mais tranqüilidade suas idéias. Casocontrário, também lhe será útil: se abater os mais fracos, irá diminuir a robustezacusatória.

De igual sorte, aceitar o argumento, refutando sua aplicação ou constatandonão ser ele adequado ao que se pretende evidenciar, dará ao advogado uma sus-tentação sólida para sua tese.

Assim, consoante o fato e de acordo com a realidade dos autos, o advogadoselecionará uma ou mais formas de argumentar. Em todas elas, a língua portu-guesa bem organizada é um fator decisivo na feitura de peças jurídicas, devendo"o desmonte" da defesa, tanto quanto as Alegações Finais do Mp' revestir comlinguagem esmerada a logicidade argumentativa.

6.7.5 A linguagem dos coritratos

o contrato é acordo de vontades, pelo qual se adquire, resguarda, transfere,modifica ou extingue direitos e obrigações, requisitos presentes, também, noscontratos atípicos ou naqueles em que há maior intervenção estatal.

Teoria e Prática 223

A estrutura básica do contrato deve apresentar os seguintes elementos:

a) título ou denominação: para que se possa identificar a espécie con-tratual;

b) preâmbulo ou introdução: designação e qualificação das partes, do ob-jeto que está sendo ajustado e da finalidade contratual. Nos contratosempresariais, o preâmbulo constitui-se dos Considerandos - que sãojustificativas ou fundamentos do acordo - além de apressar as definiçõesdos termos contratuais, evitando equívocos, ainda mais nos contratoscomerciais internacionais;

c) corpo do contrato: é o contexto, com a série ordenada das cláusulas, es-critas em seqüência lógica, com correção de linguagem, em frases curtase objetivas;

d) fecho: é a parte que realça o consentimento das partes e a disposiçãopara o cumprimento do vínculo obrigacional;

e) local e data;

f) assinatura dos contratantes;

g) assinatura das testemunhas.

Importante se faz destacar que as cláusulas não podem ajustar objeto ilí-cito ou em lei defeso, havendo, ainda, de seguir normas oriundas do interven-cionismo estatal, cada vez mais crescentes, porque não há mais a noção paritáriada teoria tradicional dos contratos, em que duas pessoas discutem, cláusula a cláu-sula, as regras. Têm vigorado nas sociedades de consumo, métodos estandar-dizados de contratos de massa, em todas as espécies contratuais, v. g., compra evenda, prestação de serviços.

Todavia, apesar do aumento significativo desses contratos de conteúdo ho-mogêneo, é de se lembrar ao profissional e ao acadêmico de Direito que redigircontratos é uma arte de escrever que não pode ser esquecida, pois constrangedorlhes seria, se houvesse solicitação para a feitura de um contrato, confessar nãosaber redigi-los por tê-los impressos, à disposição de todos, nas papelarias.

É imperativa, pois, a consulta a bons 'autores de prática contratual para aestipulação não só de cláusulas usuais, mas das específicas à espécie, lembrando,inclusive, que a enumeração das cláusulas se faz ordinal até a 9ª (nona), pas-sando a ser cardinal da cláusula 10 (dez) em diante, sistema adotado na técnIcalegislativa.

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224 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

6.8 EXERCíCIOS

1. Maria é absolutamente incapaz e sua irmã Lúcia é relativamente incapaz,contando as irmãs, respectivamente, 12 e 17 anos. Pretendendo elas locarimóvel havido por herança avoenga por intermédio de administradora, comoserá possível a outorga do instrumento de mandato? Justifique.

2. Luíspossui um imóvel administrado por corretor de imóveis. Tendo o inquilinodeixado de cumprir as obrigações locatícias, poderá o administrador do imóvel,pessoalmente, representar os interesses do locador? Justifique, analisando ofato em todas suas implicações.

3. Maria Dolores encontra-se viajando e foi citada por Edital. Estando paravencer o prazo, sua irmã poderá contratar advogado para contestar a ação?Justifique.

4. Ao substabelecer o procurador, afasta-se ele do mandato em caráter definitivo?Comente.

S. Se "/\' indica o advogado "X" seu defensor em ata de audiência, precisará oprocurador instruir os autos com o instrumento de mandato? Justifique.

6. Redija um requerimento, dirigido ao Diretor da Faculdade de Direito, solici-tando revisão de prova. Justifique, a seguir, sua escolha pela forma simplesou complexa.

7. Atividade bastante adequada e motivadora do ensino da linguagem técnicaé dividir a classe em número par de grupos, com a tarefa de redigir PetiçãoInicial de problema proposto pelo professor, preferencialmente na esfera dereparação de danos materiais e morais e na separação judicial contenciosa,no âmbito de Direito de Família.

Apesar de a finalidade ser avaliar a estruturação do Requerimento Complexopelo critério da substanciação, bom é estimular pesquisa, até mesmo para adocumentação anexa, permitindo maior intimidade do aluno com o mundojurídico, na realidade processual.

Em seguida, deve haver troca dos trabalhos entre os grupos, para que ofereçamContestação, e se o caso permitir, Reconvenção, estimulando a argumentaçãoopositiva e o manejo da dialética e da disputa como posturas filosóficas dis-sertativas.

Se o tempo permitir, será bastante útil solicitar a colaboração de professor, oumesmo dos alunos, na tarefa de sentenciar o processo.

8. Exercício interessante é, também, propor aos alunos a coleta de peças judiciais,e. g., Petição Inicial, Contestação, Reconvenção, Sentença, Denúncia, paraanálise de suas estruturas.

Teoria e Prática 225

9. É, também, oportuna a pesquisa de sentenças de diversas áreas (cível, criminal,trabalhista, tributária), comparando estilos e vocabulário.

10. Para aprimoramento da linguagem jurídica, é interessante a coleta de acór-dãos, descrevendo-lhes a estrutura e inventariando vocábulos, expressões econstruções frásicas que revelem a presença do discurso jurídico.

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RECURSOS ESTILÍSTICOSNO DIREITO

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7.1 COMENTÁRIOS PRELIMINARES

Uma pergunta impõe-se: existe uma Estilística Jurídica?

É certo que não há uma ciência retórica aplicada ao Direito, assim entendidoo estudo de um objeto por meio de método próprio, com regras sistematizadas.O que há, sim, é o exame dos recursos expressivos colocados ao alcance do estu-dante e do profissional do Direito para - a partir de certas diretrizes e empregan-do certos conceitos - falar e escrever com mais vigor, comunicando melhor seuspensamentos e emoções.

Embora o Direito conserve em seu discurso expressivo os ensinamentos daRetórica, muito mais uma técnica de argumentação (vinculada à Lógica) do quede ornamentação, tem ele se apropriado das informações da disciplina Estilística,desenvolvida no final do século XIXe consolidada no século XX, em especial pelosestudos de Bally e de Croce, que exploraram a língua corno um sistema expressivo,buscando nos elementos estruturais dela - gramaticais, inclusive - o repertório dematerial estilístico para dizer, com mais eficiência, o pensamento.

O estudo do estilo desgarrou-se do propósito normativo da Retórica, mas nãoperdeu a meta de atingir o estatuto de ciência: sem um método rigoroso, a mo-derna Estilística vai indicando formas de expressividade da língua e tais valoresexpressivos vão sendo aplicados nos diversos setores da comunicação humana,dentre eles o jurídico, mais como um convite à reflexão de seus usos e efeitos,como aqui se fará, estendendo a proposta ao leitor para que não entenda ele o

,

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230 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

assunto como de natureza normativa ou conclusiva, mas como ponto de partidapara pesquisas sobre o assunto, como forma de organizar seu estilo individualpelo emprego dos meios expressivos em potencial na língua, resultando efeitospositivos na elaboração de seu discurso.

Bom é recomendar ao leitor, além das obras de José Lemos Monteiro e NilceSant'anna Martins, outros autores que merecem ser pesquisados, dentre eles, PierreGuiraud (A estilística, Mestre Jou), Mattoso Câmara Jr. (Contribuição à estilísticaportuguesa, Ao Livro Técnico), Gladstone Chaves de Melo (Ensaio de estilística dalíngua portuguesa, Padrão), Silveira Bueno (Estilística brasileira, Saraiva) e José B.T. Vilanova (Aspectos estilísticos da língua portuguesa, Universitária), sem olvidar,é evidente, Aristóteles (Arte retórica e arte poética, Edições de Ouro).

7.2 FIGURAS DE LINGUAGEM

Apesar de a Estilística contemporânea não se bastar em mero inventário defiguras de retórica, algumas desnecessárias, é bom, ao acadêmico, e ao profissionaldo Direito, um conhecimento, de forma genérica, das figuras de linguagem empre-gadas com maior freqüência na comunicação jurídica. Não deve o leitor, adiante-se,preocupar-se com os nomes, alguns difíceis de gravar, mas com a identificação dafigura, de sorte a permitir sua aplicação expressiva no discurso oral ou escrito.

Como já foi dito, não pretende o estudo esgotar os diferentes tipos de figurasde linguagem; objetiva-se, sim, comentar usos e efeitos de algumas delas no atocomunicativo jurídico.

7.2.1 Figuras de palavras

Muito se comentou no presente Curso de português jurídico sobre a importânciados vocábulos unívocos ao Direito e sobre o cuidado que se há de ter com a equi-vocidade vocabular e, ainda, com o emprego inadequado de palavras análogas.

Todavia, não há supor-se que um vocábulo tenha apenas um significado - ede natureza denotativa - porque o caráter polissêmico dos signos é tão naturalquanto as diversidades significativas de uma mesma idéia ou objeto na mente ouno espírito dos usuários de uma língua comum a todos eles.

Assim, no discurso jurídico há um largo emprego denotativo das palavras(significado fixado pela convenção lingüística com o propósito de representar umaidéia ou objeto de forma especificada), mas a linguagem jurídica - como não po-deria deixar de ser - exterioriza sentimentos e busca persuadir idéias, revestindoos significados das palavras com valores expressivos ou seja, empregando-as deformajigurada ou conotativa.

I..J

Recursos Estilísticos no Direito 231.

Leiam-se as amostras:

1. '~quele que usa arma para resolver seus problemas, aquele que faz da força eda violência a razão de viver, de obter suas vantagens, não pode ser consideradoum elemento comum. Elemento comum exerce um direito. E nós, hoje, esta-mos tão somente (sic) exigindo justiça. Não é o Ministério Público que quer acondenação. O Ministério Público só tem o dever de instruir Vossas Excelênciasdaquilo que a lei dita, daquilo que é norma legal para se viver em sociedade. OMinistério Público só deve advertir o egrégio Conselho de Sentença como devemdecidir nos moldes em que está o texto da lei." (FAGUNDES, 1987, p. 72)

2. "Sentido, senhores! Quando o tribunal popular cair é a parede mestra da justiçaque ruirá! Pela brecha hiante vasará o tropel desatinado e os mais altos tribunaisno alto de sua superioridade!" (Roberto Lyra)

3. "Eu trago à Convenção a verdade e a minha cabeça. A Convenção poderá disporde uma, depois de ter ouvido a outra." (Berryer, advogado de réus da RevoluçãoFrancesa)

4. "O Promotor de Justiça veste-se de Catão para punir um homem comum, que pra-ticou o adultério pela astúcia de uma mulher sedutora, que além de o envolvercom propostas maliciosas, entorpeceu-lhe a razão pelas ameaças de destruir-lheo casamento, chantagem ignóbil que representa, ela sim, uma imoralidade a serrepudiada pela intransigência do Ministério Público." (adaptação livre)

s. '~vÍtima sentiu em sua carne a violência do acusado; viu o movimento dafaca ferir seus órgãos vitais; ouviu as palavras duras e impiedosas do agressore pretende, ainda, a defesa, demonstrar que o réu não cometeu tentativa dehomicídio, mas tão-somente lesão corporal culposa." (adaptação livre)

6. "O acusado agiu como um leão que ataca o cordeiro; sabia de sua força e valeu-se dela para atemorizar a indefesa vítima." (adaptação livre)

O leitor, por certo, perceberá que a linguagem de todas as amostras apresentaum ponto em comum: presta-se ao discurso oral, ocorrendo, por isso, a possibili-dade de traços afetivos explícitos, inadequados ao discurso escrito que exige umtom comedido e racional.

Também, em todos os exemplos, nota-se a presença de figuras de palavras,adequadas a este tipo de linguagem.

Veja-se:

1. Na amostra 1, tem-se uma sinédoque: variação da metonímia pela qualhá uma extensão da significação vocabular (o plural pelo singular/osingular pelo plural; o gênero pela espécie ou vice-versa; a matéria peloobjeto; o todo pela parte/a parte pelo todo).Na sinédoque em tela, o todo - Ministério Público é empregado em lugarda parte (membro do Ministério Público).O recurso permite traduzir a idéia de que não só o Promotor Público,que enuncia o discurso, considera necessária a condenação do réu. Ele

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232 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

é porta-voz do Ministério Público e representa o pensamento de toda acategoria.

2. Na amostra 2, clara está a metáfora, ou seja, a figura pela qual se operaa transposição, a transferência de significação de um termo para o outro;a conseqüência é a transformação, a transmutação de um elemento emoutro.Já na comparação não há esta absorção de um elemento por outro; nes-ta (comparação), cada elemento tem suas propriedades e as conserva;ocorre entre os elementos apenas uma aproximação.Considerem-se os exemplos:a) O tribunal popular é como a parede mestra da Justiça.Comparação: "parece, mas não é"; é como (se fosse); não há assimi-lação de um termo pelo outro.

b) O tribunal popular é a parede mestra da Justiça.Metáfora: o tribunal tornou-se a parede mestra; um elemento assumiuas características do outro; houve a transformação de um em outro.

A metáfora - mudança de sentido de um termo - é mais comum nodiscurso jurídico do que aparenta ser. Não há plano metafórico ape-nas na linguagem literária; sempre que se trabalha a palavra em sen-tido conotativo, instala-se a metáfora, recurso que confere expres-sividade à camada vocabular do discurso.

3. Na amostra 3, novamente se vislumbra a presença da sinédoque, agorada parte para o todo - dispor da cabeça é dispor do corpo inteiro.Também a palavra corpo é um processo metonímico. A metonímiaocorre quando se emprega o autor pela obra; o lugar pelo produto; oprodutor pela coisa produzida; o símbolo ou sinal pela coisa significada;o continente pelo conteúdo ou vice-versa e o concreto pelo abstrato ouvice-versa.No caso em tela, o substantivo concreto cabeça é empregado no lugar doabstrato mente. Refere-se ao modo de pensar do emissor.

4. Na amostra 4, tem-se o emprego da antonomásia, ou seja, substituiçãode um nome por outro que facilmente o identifique.A antonomásia é também variante da metonímia e pode ser composta porexpressões, no caso em maiúsculas, e. g., o Águia de Haia (Rui Barbosa),o Corso (Napoleão Bonaparte).No caso em pauta, Catão está empregado com o sentido de moralista aus-tero e reforça a idéia de intransigência dada ao Promotor de Justiça.Há antonomásia na construção bastante comum na linguagem jurídica:sentença draconiana (injusta e demasiado severa), usada por identificaçãoa Draco, legislador excessivamente rigoroso, tanto que injusto.

Recursos Estilísticos no Direito 233

5. Na amostra 5, encontra-se exemplo de sinestesia, ou seja, um conjuntode elementos sensoriais reforçando a idéia central. Para realçar a idéiade sofrimento da vítima, destacam-se o sentir, o ver e o ouvir.

Também é possível construir a sinestesia, associando-se a uma coisaqualidade que lhe é incompatível, trabalhando-se no campo sensorial,e. g., doce infância, amarga recordação.

6. Na amostra 6, há exemplo de símile ou comparação, ou seja, o cotejo de doisfatos, seres ou fenômenos, em relação estabelecida pela semelhança.

No caso em foco, tem-se a explicitação do conectivo comparativo como,marca do símile - acusado agiu como leão (age).

A comparação é momento anterior da metáfora; o processo completa-secom a eliminação do conectivo - o acusado é um leão, em contraste àvítima, indicada no caso pela palavra cordeiro - uso metafórico.

Bom de lembrar é o fato de a metáfora cristalizada assumir um sentidoconvencional, sendo chamada de símbolo, e. g., a balança, símbolo daJustiça.

7.2.2 Figuras de construção

As figuras de construção são os recursos expressivos na elaboração (constru-ção) da frase, podendo ser tecidas pela repetição, pela omissão, pela transposiçãoe pela discordância.

O presente estudo cuidará daquelas que mais interessam - pela freqüência douso - à linguagem jurídica.

7.2.2.1 Repetição

Há um mito em tomo da repetição no plano redacional, dizendo-se constituirela grave defeito. Nem sempre, porém, esta idéia é correta. Casos há - e muitos- em que a repetição indica a importância de uma idéia, prestando-lhe ênfase.

Diversas são as formas de repetir-se enfaticamente a palavra ao se lhes atri-buírem nomes diferentes, alguns um tanto' difíceis. No entanto, não os nomes, esim os conteúdos neles representados, devem interessar ao redator.

Atente-se para alguns tipos mais em voga na linguagem jurídica no quadroabaixo. O sinal 0 indica a palavra que se repete, enquanto o pontilhado estárepresentando os restantes termos oracionais.

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234 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Repetição

Figuras Esquemas de Repetição

1. anadiplose .................. xOx ................. O

2. anáfora X4 •.••••••• ~., x............., x............ O

3. diácope x.....x........ O

4. epanadiplose x................. ,....................... xO

5. epanalepse .........x.......... ,.........x............ O

6. epanástrofe xl, x2, x3, x3, x2, XlO

7. epânodo .....xl .....X2; xl ..... ; x2..... O

8. epístrofe ..........x, ............x, ........xO

9. epizeuxe x, x, x................O10. ploce

::::::::~::::::::'oX~'::::::.~O

11. quiasmo xl ........x2 O x2...••••. xIO

12. símploce xl ........x2; xl ........x2 O

Nota: O indica o ponto final que pode ser substituído por outros sinais de pon-tuação.

No quadro, encontram-se registrados apenas alguns tipos de figuras de constru-ção pelo processo de repetição. O esquema permite ao leitor apreender o conteúdosem esbarrar no obstáculo da nomenclatura.

Alguns comentários conceituais e de utilização fazem-se necessários:

1. Anadiplose: é a repetição da última palavra ou expressão de umaoração (ou frase) no início da seguinte. Todavia, só é figura de lingua-gem quando expressiva for a repetição, não se justificando a anadiplosepara meras informações, ainda mais na presença do pronome demons-trativo.

A frase "Conheço um homem, homem este que é seu vizinho, não é ana-diplose, tratando-se de uma informação, ou seja = Conheço um homemque é seu vizinho.

Casos há em que sequer a oração adjetiva é recomendada. Observe:• Li um livro, livro este que é interessante.

I_I

Recursos Estilísticos no Direito 235

Perfeitamente se dirá:• Li um livro interessante.Havendo a intenção de realce, a construção com a anadiplose é figurade linguagem:• Pede-se aos senhores a aplicação da Justiça. Justiça que outra coisanão é senão a razão do Direito.

2. Anáfora: repete-se a mesma palavra ou expressão no início de vá-rias orações ou frases.• Condenar um inocente é macular o ordenamento legal. Condenarquem não cometeu um crime é destruir o princípio da Justiça.

• "Era presunção, era temeridade, era inconsciência insistir na insanapretensão da minha fraqueza." (Rui Barbosa)

3. Diácope: repetição de palavra, com outra ou mais palavras intercala-das.• "Se chegava em casa, os olhos da mulher estavam sempre lembrandoque fora ela, só ela, ninguém mais do que ela, o general do triunfo."(Autran Dourado, "Missa do Galo (Mote Alheio e Voltas)")

4. Epanadiplose: repetição de palavra no começo da frase e no fim dooutro segmento ou da frase.• A liberdade deste homem deve ser assegurada porque bem maior nãoexiste a um inocente senão a liberdade.

5. Epanalepse: é a repetição da mesma palavra no meio de frases segui-das.• Estavam ambos os acusados no local do crime e foram ambos os acu-

sados que atacaram a indefesa vítima.6. Epanástrofe: é a repetição de palavras invertidas.• A Lei é o Direito; o Direito é a Lei.Chama-se antimetábole a repetição invertida de modo contrastivo:

• É preciso comer para viver e não viver para comer.A antimetábole é comum na publicidade:• Tostines vende mais porque é mais fresquinho ou é mais fresquinhoporque vende mais.

7. Epânodo: repetição em separado de expressão, desenvolvendo-lhe osentido de forma desagregada.• ''A prudência é filha do tempo e da razão; da razão pelo discurso; do

tempo pela experiência." (Vieira)8. Epístrofe: repetição de palavra no fim de cada frase.

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236 Curso de Português Jurídico • Oamião/Henriques

• Pede-se aos senhores a justiça. Espera-se deste Conselho apenas ajustiça.

Veja-se o brocardo latino:• Dura lex, sed lex.

9. Epizeuxe: repetição seguida (duas ou mais vezes) do mesmo vocábulopara ampliar a idéia ou exortar.• Condenar, condenar, o Promotor de Justiça só pensa em lançar uminocente na masmorra.

10. Ploce: é repetir a palavra do meio de uma frase no princípio ou fim deoutra.• Pede-se Justiça não pelo espírito de caridade. É o dever, senhores,que exige a Justiça.

Pode ocorrer a ploce pela antecipação.Veja-se:• '~or que pode crescer não é amor perfeito." (Vieira)

11. Quiasmo: é o cruzamento de termos feito por repetição simétrica.• A Justiça é o ideal do Direito. O Direito é a expressão da Justiça.

12. Símploce: é a conjugação de anáfora e epístrofe.• O que dizer daqueles que violam a lei? O que dizer daqueles que nãoaplicam a lei? Não serão ambos infratores do ordenamento jurí-dico?

7.2.2.2 Omissão

Na omissão temos as formas elípticas, por não haver prejuízo para o enten-dimento da idéia.

Interessante se faz mencionar que tais figuras não deveriam ser, em princípio,recursos retóricos e, sim, construções sintáticas recomendadas pela Gramática. Emalguns casos, a intenção estilística mostra-se ao leitor.

1. Assíndeto: é a supressão do conectivo coordenativo.• Caminhou em direção à vítima, tirou da faca que trazia oculta nacintura, fincou-a no ventre da mulher.

• "Preguei, demonstrei, honrei a verdade eleitoral." (Rui Barbosa)É, como se vê, o contrário do polissíndeto (figura de repetição).• "Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!" (Olavo Bilac)

2. Elipse: é a supressão do termo que se subentende facilmente. A elipsedo sujeito é meramente gramatical. Alguns casos de omissão verbal oude conectivo realçam a idéia:

T

Recursos Estilísticos no Direito 237

• "Repreenda com severidade, quando necessário." (Vieira)Repreenda com severidade quando se fizer necessário.• Exigiu caminhasse a vítima enquanto disparava sua arma contraela.

{

que caminhasse a vítimaExigiu ou

que a vítima caminhasse.3. Zeugma: é tipo de elipse; suprime-se termo mencionado na oraçãoanterior.• A defesa clama pela inocência do réu; a acusação, pela culpa.• A Promotoria quer a Justiça; a Defesa, a caridade.• '~queles são as partes da natureza. Estes, a do trabalho." (Rui Barbo-sa)

7.2.2.3 Transposição

A transposição outra coisa não é senão o processo de inversão, aplaudido comentusiasmo pela linguagem jurídica.

Há de se tomar cuidado, no entanto, para não se realizar uma separação deidéias de maneira brusca porque tênue é a linha fronteiriça entre o efeito estilísticoe o vício de linguagem.

A sínquise, que faz deslocações sintáticas de forma violenta, não é utilizadano mundo jurídico como recurso retórico; antes compromete a compreensão dotexto. Exemplo clássico é o Hino Nacional Brasileiro:

"Ouviram do Ipiranga as margens plácidasDe um povo heróico o brado retumbante."

A ordem direta constrói-se assim:

As margens plácidas ouviram o brado retumbante de um povo heróico.

A inversão brusca compromete, como foi dito, a perfeita compreensão sintáti-ca; tanto é verdade o fato que, não raro, se encontra a forma às margens plácidasconfundindo o sujeito personificado pelo adjunto adverbial de lugar.

Dos variegados tipos de inversão, a anástrofe é a espécie mais expressiva elargamente usada na comunicação jurídica. Consiste na inversão da ordem daspalavras.

Vejam-se alguns exemplos:

• "Ninguém se apodera da língua e dela faz uso exclusivo." (Ronaldo C. Xavier)• Reza o art. 2º do CCque todo homem é capaz de direitos e obrigações.

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238 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

• ''Ao titular do direito eventual, no caso de condição suspensiva, é permitidoexercer os atos destinados a conservá-lo." (art. 122, CC)

• "Será dispensada a justificação, se o terceiro, cuja vida se quiser segurar, fordescendente, ascendente, irmão ou cônjuge do proponente." (Parágrafo únicodo art. 1.472, CC)

• Clama o réu por Justiça e consiste ela em sua absolvição.

Os exemplos multiplicam-se. Pode o leitor verificar em todos os aqui indicadose mais os que construir ou pesquisar: o efeito estilístico é eficaz por dar força,brilho e ênfase à idéia.

7.2.2.4 Discordância

A despeito de haver um número apreciável de figuras de construção pordiscordância, não são elas empregadas no mundo jurídico, exatamente porque oobjetivo da linguagem forense é o contrário: construir frases claras e com unidadesemântica indisfarçável.

Dentre as espécies elencadas pela Retórica, merece registro a silepse (con-cordância ad sensum ou ideológica, que, é fácil perceber, se trata de uma exigênciasemântica antes de incumbir-se da função de realçar a idéia.

Veja-se o exemplo:

Sua Excelência foi muito severo em seu parecer.

Evidente é a necessidade da silepse de gênero para clareza da idéia; a concor-dância pelo sentido é necessária, não se tornando recurso enfático, portanto.

Não deve o estudante ou profissional do Direito empregar silepses de númeroou de pessoa, encontradiças no discurso literário, e. g.:

'já toda a gente estava indignada. Queriam ouvir." (M. Torga)"Todos entramos imediatamente." (O. Lara Resende)

7.2.3 Figuras de pensamento

De todas as espécies de figuras de retórica, as de pensamento são as maisprestigiadas no mundo jurídico porque atacam diretamente o raciocínio, orna-mentando a idéia em sua essência.

Destacam-se entre outras:

1. Acumulação ou Congérie: é o agrupamento enfático de idéias, sen-do a enumeração o processo mais comum. Gelson Clemente dos Santos(1983, p. 81), oferece um interessante exemplo colhido em Garrett:

"Tudo era fogo e fumo, sangue e raiva!"

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Recursos Estilísticos no Direito 239

2. Alusão: é uma figura riquíssima, mas de difícil emprego porque requerconhecimento sobre determinado assunto não só do emissor, mas tambémdo receptor. Assim, a figura, que denota cultura, pode passar despercebidapara o que não se familiariza com a idéia invocada. Pior que tudo, podedar ao pensamento uma aparência de ininteligibilidade.Veja-se o exemplo:

Não queira o colega diminuir a cultura vernacular do velho mestre baiano,ao condenar emprego gramatical acolhido em sua Réplica.

Estivesse alguém defendendo um uso gramatical criticado pelo colega,fazendo alusão a Rui Barbosa (que também teria empregado a formacondenada), teria de, antes, ter certeza do grau de cultura de seu opositorpara ser compreendida a mensagem. Às vezes, a revelação do conteúdoé a própria arma que desnuda a pouca cultura do adversário.Em outros casos, porém, o emprego pode deixar a descoberto juízes oujurados. Não se precisa dizer ao leitor que o efeito se torna catastrófi-co.

3. Antanagoge: é uma das mais vigorosas formas de ornar o pensamentoporque revela a presença de espírito e a agilidade de raciocínio de seucriador. Consiste em devolver ao acusador os mesmos argumentos deque se valeu ele na acusação.Exemplo expressivo, encontramo-lo em Rui Barbosa, na feliz obra deArtur de Almeida Tôrres, Comentários à polêmica entre Rui Barbosa eCarneiro Ribeiro, Companhia Editora Nacional, 1959, p. 156.Carneiro Ribeiro - todos sabem que foi professor de Rui - censurava oantigo discípulo pela maneira exagerada - a seu ver - de virgular. Lápelas tantas, depois de tecer vários comentários gramaticais sobre avírgula, disse: "Tal maneira de virgular não nos lembra ter encontradoem escritor nenhum."A língua mordaz de Rui teceu a seguinte antanagoge como resposta:

"Sempre, sempre, sempre deste modo virgulava mestre Vieira, o grande.E mestre Carneiro 'não se lembra de ter encontrado em escritor algum estamaneira de virgular'."

Nota: admire o leitor a enfática epizeuxe do grande Rui.

4. Amplificação: desenvolviment~ pormenorizado de um assunto.O Direito, Senhores, é a luz que ilumina a harmonia social. O Direito,Senhores, é o brilho que se instala na decisão de nossos tribunais. ODireito, Senhores, é a consciência límpida e imaculada que emana desteConselho de Sentença.

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240 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriqucs

Nota: veja o leitor que a amplificação da idéia valeu-se do auxílio deoutras figuras de Retórica: luz é metáfora; a repetição da palavraDireito no início da frase é anáfora.

5. Antítese: é a oposição de idéias, presente, principalmente, no planeja-mento redacional que adota o critério contrastivo.Em exemplo já anotado neste livro, encontra o leitor uma excelente an-títese do mestre Rui, porque acrescenta a ela o recurso da amplificação.Recorde-se de alguns momentos neste passo e retorne à citação anteriorpara melhor saborear a inteligência do "Águia de Haia":

t. não é ordem/ (é) opressão

Es ada • não é tranqüilidade/ (é) terrorp • não é disciplinai (é) anarquia

• não é economia/ (é) bancarrota

6. Apóstrofe: é a interpelação direta a coisas e pessoas presentes ou não,reais ou imaginárias. Dirá, por certo, o leitor: em que esta figura atacao próprio pensamento? Cristalina é a resposta. Chamado a prestar aten-ção, o receptor deixa-se envolver pelos processos lógicos e psicológicosdesencadeados pela idéia do emissor.Observe-se:

Senhores Jurados! Adecisão lhes pertence, só a este Tribunal pertence o destinodo acusado!

Nota: o tom melodramático lança o destino (idéia pagã) do acusado nasmãos dos jurados, como se possível fosse a eles serem senhoresda vida de alguém. Além da apóstrofe "Senhores Jurados", temosa diácope na repetição de pertence.

7. Dubitação: consiste em fingir o emissor de que tem dúvida sobre de-terminado assunto, pois seu desiderato é fortalecer sua posição.Veja-se o belíssimo exemplo extraído de Artur de Almeida Tôrres (1959,p. 22) no qual Rui se defende das acusações de Carneiro Ribeiro de teraceito o emprego de combinações pleonásticas. Ao fingir vacilar nasinterrogações, veja como Rui aciona sua própria posição:

"Por ventura disse eu coisa, que o autorizasse a me julgar baldo em idéiastão elementares? Onde afirmei que o pleonasmo denuncia sempre indigênciado escritor, ou do idioma?"

"Não, vos digo eu." (Alexandre Herculano)

Nota: Artur de Almeida Tôrres grafa o advérbio temporal sempre comdestaque, estando aí a afirmação mais categórica de Rui que, a

Recursos Estilísticos no Direito 241

seguir, irá defender o emprego pleonástico em alguns casos par-ticulares. Também, perceba o leitor a ênfase obtida pela anástrofedisse eu.

8. Epanortose (Correção): o autor finge arrependimento ou engano dealguma idéia que tenha dito, procurando, assim, reforçar o pensamento.Presentes se encontram expressões do tipo "ou melhor", "aliás", "maisprecisamente", "não, não digo bem", entre outras.

Duas observações fazem-se oportunas:

a) não exagere o leitor no emprego da aparente retificação, pois o efeitoseria contrário ao objetivo retórico;

b) só "corrija" idéia que possa efetivamente tornar o pensamento maisconvincente e preciso.

Amostra em discurso fictício do Promotor de Justiça.

Diante dos senhores está sentado um homem mau, ou melhor, um crimi-noso perverso.

9. Epifonema: é a exclamação sentenciosa, feita, geralmente, no términode uma narrativa ou no último verso da estrofe.

Em busca do epifonema muito autor amplia desnecessariamente suaredação: o que pretende ele é coroar a idéia de forma retumbante.

Não tenha o leitor a idéia equivocada de exigir o epifonema uma excla-mação de cunho trágico ou de vigor literário. Basta que se feche a idéiade forma categórica.

"Sê maldito, e sozinho na terra;Pois que a tanta vileza chegaste,Que em presença da morte choraste,Tu, cobarde, meu filho não és."

(Gonçalves Dias, '~uca-Pirama")

Nos versos do indianista, o epifonema é estrondoso, encerrando a idéiado poeta sobre a alma guerreira do Índio brasileiro.

Também, epifonema é a palavra Justiça (muitas vezes empregada deforma exagerada) nos fechos de 'peças judiciais e de oratória forense.Verifique-se:

O que se pede dos senhores é um exame de consciência e que seus coraçõesexplodam chamando, em uníssono, uma só palavra:

Inocente!

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242 Curso de Porruguês Juridico • Damião/Henriques

ouDiante do exposto, requer-se o indeferimento do pedido do autor para que secumpra a melhor Justiça!

10. Eufemismo: é a suavização de uma idéia, ou com intuito de polidezdevido a certos preconceitos sociais, e. g., "mal de Hansen" por lepra, ou,então, como forma de ironia, corrente na linguagem jurídica. Exemploclássico é o advogado que diz ao adversário: Vossa Excelência faltoucom a verdade.Exemplo excelente tem-se em Cameiro Ribeiro, colhido por Artur Tôrres(1959, p. 90):

"Aqui evidentemente se equivocou o dr. Rui Barbosa. A expressão falhas emprobidade não vale o mesmo que defeituosa probidade; quando se diz pessoasfalhas em probidade não é intuito significar pessoas cuja probidade tem falhas.Não se trata aqui de probidade que tem falhas ..., Falhas em probidade querdizer sem probidade, faltos desta virtude."

Para não dizer que Rui Barbosa errou, o sarcástico Carneiro antepõe-lheo título dr.Todavia, para um equívoco, bastaria seu registro, dispensando-se a longae exaustiva explicação do autor que devolve Rui aos bancos escolares:em tom professoral, o velho Carneiro Ribeiro lhe dá uma aula talvezmonótona.

11. Expolição: é o recurso retórico que serve de preparação para o fechoredacional. Expostas as idéias do desenvolvimento, o autor faz umareexposição mais animada, realçando a idéia.Amostra:

Viram os senhores a verdade dos fatos como se eles ocorressem agora diantedeste Conselho de Sentença. Perceberam a fragilidade das provas de acusa-ção. Mais do que isso, verificaram a inocência do acusado, este, sim, vítimade injustiça. .

Verifique o leitor que a expolição se avizinha de outras figuras. No casoem tela, aproxima-se da amplificação. O que se buscou foi a urdidurade uma síntese, retomando os assuntos demonstrados e preparando odesfecho.

12. Hipérbole: é a afirmação exagerada de uma idéia com fim expressivo.Clássico é o exemplo encontrado em Beccaria quando diz o jurista quemelhor é ter vários culpados em liberdade do que apenas um inocentena prisão, enfatizando, assim, o brocardo: In dubio, pro reo (Em casode dúvida, a favor do réu).

TI

Recursos Estilísticos no Direito 243

13. Ironia: a figura sugere idéia contrária do que dizem as palavras; érecurso defensivo por excelência. Muitas são as modalidades desterecurso que diz as idéias com disfarce:

a) Antífrase: aproxima-se da antítese, porque usa as palavras em sentidocontrário, e. g.:

Que lindo vestido! (A entonação LINDOO!dá a idéia de horrível.)

Veja-se:

Ele é sim um ótimo pai como quer a defesa. Abandonou os filhos por umamulher de vida fácil. Deixou-os sem qualquer assistência financeira, aban-donados à própria sorte. Melhor pai não poderia ser.

Nota: dê o leitor a entonação das palavras ótimo e melhor. Considere,ainda, o eufemismo para dizer da amásia, no seu entender, umaprostituta.

b) Parêmia: sentença estereotipada com valor irônico.

Ensinar o Pai-nosso ao vigário.

c) Sarcasmo: ironia explícita, agressiva e insultante.

Ele vive com aquela mulherzinha.

Nota: o diminutivo tem função afetiva (valor positivo ou negativo).

Além dessas modalidades, os autores elencam o eufemismo - ironia sutil- que se preferiu aqui tratar em separado.

Magnífico é o exemplo apanhado por Artur Tôrres (1959, p. 88), quandoRui, exasperado, diz em relação a Carneiro Ribeiro:

"Que terá em mente insinuar o mestre? Não me porá, creio eu, abaixo de seuslanzudos alunos, supondo-me alheio à noção gramatical de casos nas duaslínguas, mãe e filha, que tão distintamente professa ..."

Além da concorrência de outros recursos retóricos, admire o leitor, aironia do mestre baiano ao dizer "abaixo de seus lanzudos alunos", ouseja, "grosseiros", "rústicos", "brutos", "ignorantes". Ora, para alunos"grosseiros", que tipo de professor lhes convém?

14. Lítotes: é variante do eufemismo, não se distanciando, assim, da ironia.Ensina Gélson C. dos Santos (1983, p. 84) que lítotes é o contrário dahipérbole. Veja a mordacidade do exemplo:

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Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques 245Recursos Estilísticos no Direito

Reticência: é a suspensão intencional de um pensamento com o in-tuito de instigar o leitor a meditar sobre o assunto. Nem toda reticênciaé figura de retórica. Bastas vezes ela tem o sabor da expressão "etc.",indicando que não se esgotou a idéia. Como figura de retórica, tambémdenominada suspensão, o autor lança a idéia e deixa o receptor emsuspensão, não antes de insinua: a conclusão a que pretende chegar.Lembre-se o leitor de que, etimologicamente, reticência está vinculadaao verbo latino tacere (calar).Admire o leitor o exemplo encontradiço em Rui, mal disfarçando abor-recimento que lhe causou a crítica do professor Carneiro a uma prováveltautologia do mestre baiano.

Dirá o leitor que a preterição não se aplica no mundo jurídico. Eu lhe direi,no entanto, que é recurso peculiar do Ministério Público. Ao dizer o Promotorde Justiça que a Defesa, na ausência de argumentos, alegará a legítima defesa- apresentando motivos para recusá-la, estará ele desmontando o discurso de-fensivo. Se não for um advogado de defesa experimentado, irá ele defender-sedas palavras da acusação, afrouxando sua posição.

"Ora (direis) ouvir estrelas."

Tome-se outro exemplo:

Não lhes direi, senhores, que o acusado foi vítima de ledo engano. Os própriosautos lhes apontam, inexoravelmente, a inocência do réu.

Personificação (Prosopopéia/ Animização): é recurso usado com talfreqüência e espontaneidade nos diversos discursos da comunicaçãohumana, que, muita vez, se esquece o redator da sua força expressiva.A intenção é dar vida a coisas, em geral, personificando os seres irra-cionais e inanimados.Quando se diz: "Os autos clamam pela inocência do réu", está se em-pregando a personificação, dando vida e emprestando sentimento aosautos processuais.Prolepse: é recurso muito útil ao profissional do Direito. Chamadatambém de antecipação, é figura que se destina a prevenir uma supostaobjeção a ser feita pelo adversário, refutando-o antes de recebê-la.Assaz freqüente é a presença do verbo dizer ou seu equivalente na ela-boração da prolepse. Lembre-se o leitor do exemplo dado por Bilac:

Veja o leitor. Diz Rui que seria fácil esquivar-se da crítica, mas não ofará. Todavia, ainda que aceite a retificação, continua insistindo na idéiade que importuna lhe foi a crítica.Seria o caso de o advogado de defesa dizer aos jurados:

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18.

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••••••••••••••••••••••••••••••••! •••

1

Preterição: o redator finge não querer dizer alguma coisa, mas fazexatamente o contrário; continua insistindo na idéia. É recurso co-piosamente utilizado na linguagem jurídica, além de se constituir emjargão do profissional do Direito: atente o leitor para os palestrantes econferencistas da área e perceba o emprego freqüente da preterição.Dois são os objetivos da preterição:a) a insistência realça o assunto;b) ao dizer que não irá dizer o que se pretende, desarma-se o espírito

do adversário.Artur de Almeida Tôrres (1959, p. 55) colhe interessante exemplo depreterição.Carneiro Ribeiro estranhou tivesse Rui empregado o verbo desagradarcomo transitivo direto, alegando que tal regência foi utilizada nos sé-culos XVIe XVII, caindo, a seguir em desuso.Rui, assim, se manifesta:

Compare-o com o exemplo de eufemismo apresentado e veja que proce-de a afirmação de que a Retórica Clássica nomeou com diversos nomesos mesmos recursos expressivos.A diferença é que na lítotes sempre há uma carga de dissimulação ma-liciosa, enquanto no eufemismo o abrandamento pode ser conseguidopor espírito de caridade (às vezes, o autor do eufemismo não tem hi-pocrisia; vale-se daquilo que julga ser polidez social). Lítotes é, então,a afirmação pela negação do contrário.Paradoxo: é a apresentação de uma idéia aparentemente contradi-tória e absurda, mas que se pretende ser a verdade. Exemplo clássicoencontramos em Sócrates, ao dizer:

Até que você não é burro.

"Bemfácil me fora esquivar controvérsia, repudiando a redação incursa nestacensura. Levíssimodeslize tipográfico elidia-me ali, com efeito, a preposiçãoa, uma simples letra, em seqüência ao pronome aquele. Não me quero, porém,utilizar de semelhante defesa. Aceito a supressão tipográfica do a; e, aceitan-do-a, mostrarei, sem dificuldade, a sem-razão e sem-justiça da crítica adversaào meu escrito."

"Só sei que nada sei."

Avizinha-se do paradoxo a parrésia, quando a idéia absurda é afirmaçãosurpreendente, objetivando despertar a atenção do receptor para a idéiaque se pretende realçar.Quando aparenta trabalhar com antíteses, o paradoxo é chamado oxí-moro.

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246 Curso dePonuguês Jurídico • Damião/Henriques

'1\qui entra pelos olhos o lapso da atenção, o resvalo da pena, a que deu lugara bifurcação do período. Todo o juiz de mediana consciência reconheceria paralogo no fato um descuido, tanto mais natural quanto esse trabalho de fundarnovo projeto, e apostilar em mais de quinhentas notas o antigo ... se incetou econcluiu, por obra exclusiva de um homem, em menos de quarenta dias.

Essa justiça vulgar, não me soube fazer o meu velho mestre ..."

(Réplica, apud TÔRRES, 1959, p. 24)

Não pense o leitor que os autores deste livro pretenderam esgotar o assunto.Muitas foram as figuras de linguagem deixadas à margem, não por falta de impor-tância, mas por não ser esta obra um estudo destinado a examinar a linguagemfigurada em todas suas formas peculiares.

Concluindo estas breves considerações, mostram-se oportunos alguns comen-tários sobre o pleonasmo, que os gramáticos costumam elencar entre as figurasde construção, pelo processo de repetição, mas que também guarda característicasde figura de pensamento, porque a repetição não é da palavra, e, sim, da idéia,com ampliação semântica.

Vacilam, ainda, os gramáticos em vislumbrar no pleonasmo uma figura ouvício de linguagem.

Certo é que o pleonasmo vulgar, do tipo subir para cima ou descer para baixonão conserva, em geral, intenção expressiva, nem mesmo se acompanhado doadvérbio "lá" - subir lá para cima.

Foi dito em geral porque o contexto pode dar à forma pleonástica força ex-pressiva. Imagine-se alguém caminhando em busca de um endereço, exausto e jásem forças, quando se lhe apontam o rumo a seguir, no topo de uma ladeira. Láde baixo, um subir lá para cima, pode ter valor expressivo.

Por outro lado, há de se dizer que o epíteto - variação do pleonasmo - figuraque atribui a um ser qualidade intrínseca, ou seja, que lhe é inerente, e. g., fogoardente, é mais próprio da linguagem literária. No mundo jurídico, poderia o ora-dor empregá-la, em certos casos, como forma de linguagem oral de tribunais dejúri, com o fito de realçar uma descrição.

Também é de esclarecer que a linguagem jurídica emprega com bastante fre-qüência o pleonasmo sintático, decorrente da repetição dos pronomes oblíquosem função de objeto direto ou indireto em construções do tipo:

A mim, ele não me engana.O acusado, todo o bairro o conhece como homem honesto.O revólver, tinha-o bem à mostra, de forma ameaçadora."Como vedes, senhores, para me não chamarem a mim revolucionário ..." (RuiBarbosa)

Recursos Estilísticos no Direito 247

Por derradeiro, diga-se que muitos são os defensores do pleonasmo semânti-co, obtido pelo emprego sintático do objeto direto interno, chamado no latim deacusativo cognato.

Rui Barbosa lembra, em sua Réplica, que muitos clássicos latinos usaram esterecurso, tomando como exemplo a passagem de Plauto: "Modice et modeste me-lius est vitam vivere". Neste caso, ensina o "Águia de Haia", o adjetivo modesta(em relação à vida) amplia um conceito que o verbo viver não continha. Com elecomunga Eduardo Carlos Pereira em sua Gramática expositiva, conforme bemrecorda Artur de Almeida Tôrres (1959, p. 23). Diz o ilustre gramático:

"Se às expressões pleonásticas se acrescenta um modificativo,uma circunstân-cia ou comparação, a expressão adquire graça e virtude."

Registre-se um alerta final. Tênue é a linha que divide a virtude do vício delinguagem. O ornamento exagerado e sem critério desvia o redator do caminhoda expressividade, com efeitos desagradáveis.

Para fechar o capítulo sobre as figuras, convém lembrar aos futuros opera-dores do Direito que a figura, sobre ser um ornamento, tem valor argumentati-vo, uma vis argumentativa, exatamente por ser parte integrante do discurso. Aforça argumentativa não exclui a ornamentação; ambas têm uma função per-suasória, marca da Retórica Jurídica.

Que as figuras têm força argumentativa prova-o o fato de que mesmo os filó-sofos e os racionalistas delas fazem uso.

7.3 O VALOR ESTILÍSTICO DA PONTUAÇÃO

A pontuação é mais do que sinais gramaticais usados para separar orações,introduzir diálogos e citações ou indicar tipos de frases. É antes disso, recursoutilizado pelo autor para reger a leitura do receptor, como se fosse ela a batutado maestro, tornando o ritmo ora lento, ora rápido, ora suave, ora agitado, enfim,vai a pontuação encaminhando as idéias para a direção semântica perseguida peloemissor da mensagem.

É preciso, assim, leitura esforçada de boas gramáticas para lograr obter oredator (e também o orador) um aproveitamento eficaz dos sinais de pontuaçãoque marcam, sobretudo, a pausa e a entonação.

A pausa cuida da duração frásica e encontra-se em estreita relação com ainflexão melódica.

A utilização da zeugma - figura pela qual uma palavra, expressa em de-terminada parte do período, é subentendida em outra ou outras partes, poste-riores ou anteriores àquela - é uma pausa intelectual que suspende a expres-são, deixando-a presente no espírito do receptor, de forma a atrair sua atenção

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248 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriqucs

para o pensamento do autor. Perceba-se: uns agem de acordo com a lei; outros,contra ela.

A entonação tem a função de distinguir os valores melódicos, e. g., a inter-rogação da afirmação, ou, mesmo, a de contradizer o significado das palavras,como se viu na ironia - que se vale da modificação tonal - para dar a entendersignificação oposta àquela aparentemente vinculada à palavra. Entenda-se diantedo rumor de que certa jovem foi vista em companhia de outro homem que nãoseu noivo, assim diz uma mulher à vizinha que lhe contou o fato:

Quem diria... quem imaginaria que Lúcia agiria assim!? ..

Veja o leitor: o valor pausal é indicado pela entonação (ou entoação) obtidapela combinação de sinais de pontuação. As reticências, suspendendo a idéia,dão à incerteza certa malícia. Ajunção do ponto de exclamação ao de interroga-ção sugere que a pergunta não se refere ao fato de as pessoas desconhecerem oacontecimento, mas de espanto pelas pessoas não terem certeza de que deveriaser por todos conhecido.

O ponto de interrogação, não se esqueça o leitor, costuma fazer-se acompanharde reticências, quando a pergunta envolve dúvidas, e do ponto de exclamação,quando se pretende dar outro sentido - de conteúdo psicológico - ao períodointerrogativo.

O ponto-e-vírgula, como ensinam Celso Cunha e Lindley Cintra (1985, p. 63),às vezes separa os elementos de maneira simétrica, resultando um ritmo encade-ado, ao gosto do estilo oratório. Ilustram a observação com um precioso exemplotirado de Rui Barbosa em louvor de Machado de Assis:

"Não é o clássicoda língua; não é o mestre da frase; não é o árbitro das letras;não é o filósofodo romance; não é o mágico do conto; não é ojoalheiro do verso; oexemplar sem rival entre os contemporâneos, da elegância e da graça, do aticismoe da singeleza no conceber e no dizer; é o que soube viver intensamente a arte,sem deixar de ser bom."

Os parênteses, empregados para intercalar uma informação acessória ao texto,têm valor expressivo de realizar uma reflexão à margem do que se diz e trazeruma nota emocional, neste caso, em forma exclamativa ou interrogativa.

Vejam-se os exemplos:

a) Adefesa alegou que houve provocação da vítima (aliás, é o que se costuma dizerpara fugir à responsabilidade da agressão), mas não provou ter ela concorrido,de alguma forma, para sua própria lesão física de natureza grave.

b) O acusado objetivava subtrair para si as jóias da vizinha. Para tanto, não hesitouem matar o vigia da casa. (Que importância tinha aquela vida?!). Qualquertropeço em sua trajetória criminosa deveria ser afastado, não lhe importandoos meios para alcançar sua intenção de cometer o delito.

Recursos Estilísticos no Direito 249

Outro recurso de pontuação para destacar idéias é o travessão, duplo ou não.Quando se pretende isolar do contexto palavras ou frases com intenção expressi-va - função análoga à dos parênteses - usa-se com freqüência o travessão duplo;ao enunciar enfaticamente a parte final de uma idéia, o emprego mais comumé o de um só travessão, que, neste passo, realça a conclusão, funcionando comosíntese do texto.

Considerem-se os casos:

a) O cônjuge-varão - e não a mulher - violou os deveres matrimoniais ao abandonaro teto conjugal.

b) O cônjuge-varão não se preocupou com a sobrevivência da mulher e dos filhos,sequer em serem eles despejados da residência da família, expostos à caridadede vizinhos e parentes; uma só preocupação alimentava o seu agir - satisfazerseus instintos nos braços da amásia.

As aspas não guardam apenas valores de citação ou de indicação de estran-geirismos e vulgarismos. Também são empregadas para acentuar o valor semânticode palavra ou expressão, realçando-lhe a camada significativa.

Seja visto o exemplo:

A palavra "aborto" tem sido usada, cada vez mais, no sentido comum que lheempresta a linguagem: expulsar a idéia que se considere indesejável, até mesmoa da gravidez inconveniente.

Não se podem concluir os breves comentários sobre pontuação aqui apre-sentados sem a lembrança da vírgula, já tratada anteriormente em razão de suaimportância na urdidura da frase. Valendo-se de diferentes recursos - isolandoaposto, vocativo, elementos repetidos, adjunto adverbial antecipado ou expressõesde realce -, a vírgula é responsável não só pela variação significativa dos vocábulos,mas, ainda, pela cadência melódica que interfere na estrutura de profundidadeda frase, carregando estas ou aquelas intenções semânticas.

Notem-se os exemplos:

a) O acusado, de há muito, vinha ameaçando a vítima.b) Com efeito, diante de conduta tão violenta não se há de procurar atenuantes

para o réu.c) Ele não pensou, senhores, um minuto sequer na vida que roubava do mundo.d) A conduta do acusado não pactua com a lei, é, pois, uma ofensa ao ordena-

mento jurídico.e) Nada, nada lhe importava senão seu egoísmo; abandonou, por isso, a família à

própria sorte.

Ao lembrar o leitor do valor estilístico da pontuação, bom é recordar nãoocorrer ele apenas na linguagem escrita, funcionando como indicador de leiturasignificativa.

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250 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Também, e principalmente na linguagem oral, a pontuação assume papelimportantíssimo no ato comunicativo. O orador deve ter em mente os sinais depontuação que marcam seu pensamento e dizê-los, não explicitamente, mas pormeio do ritmo e do tom em que ordena sua frase, fazendo da pontuação um pre-cioso material sintático de conteúdo psíquico e estilístico.

7.4 A EXPRESSÃO ORAL

7.4.1 Oratória forense

Apesar da nomenclatura em uso, oratória não há de ser entendida no senti-do que lhe reserva a Retórica clássica e, sim, com os contornos significativos daEstilística contemporânea que trata dos efeitos expressivos da comunicação oral,levando em conta não só a composição, ou seja, o plano de idéias que o oradorvai desenvolver, mas, ainda, os auxiliares da expressão oral: o timbre da voz, aaltura da emissão vocal, a entoação da frase, o jogo rítmico do corpo, dos braços,da fisionomia, a postura, enfim, de todos os traços paralingüísticos que caracte-rizam a tarefa da oratória.

7.4.1.1 O plano de exposição

Assim como discurso escrito, a exposição oral possui três partes distintas:introdução, desenvolvimento (exposição propriamente dita) e conclusão.

A introdução, no plano oral, não deve levar em conta apenas a apresentaçãodo assunto; é movimento de entrosar-se com o público quando se busca captar asimpatia e a atenção do auditório, preparando os ouvintes para o assunto que iráser desenvolvido, fixando claramente o objetivo da exposição. Presta-se, também,para familiarizar o expositor com o ambiente que irá ouvi-lo, permitindo-lhe ajustaras idéias que ele planejou t:;xpor à situação concreta que irá vivenciar. Em razãodisso, não há o expositor introduzir o discurso de maneira mecânica (ensaiada) enem tão de improviso que desconcerte um público mais formal. Em elocução breve,deixando a platéia perceber que ele domina o assunto, mas sem fazer disso umaafetação, o orador concilia a linguagem formal com momentos de descontração, deforma a preparar o ouvinte para o desenvolvimento, motivando-o para o assunto.É técnica de persuasão, portanto.

O desenvolvimento deve fixar o ponto de maior interesse de maneira clara paraobter o efeito desejado, ou seja, a apreensão da mensagem.

Importante se torna ordenar as idéias - com desdobramentos cronológicos oude associação lógica - porque é mais difícil ao ouvinte refletir sobre idéias esparsas,

Recursos Estilísticos no Direito 251

pois as palavras volant, tornando menos perceptíveis as figuras metafóricas e maispenosa a organização mental.

Os exemplos são muito úteis no desenvolvimento da exposição oral e servemde pretexto para uma comunicação mais animada com a platéia, evitando-se, écerto, os exageros que promoveriam excesso de conversas paralelas ou, mesmo, adispersão do assunto principal e, o que é pior, da proposta temática.

Ao usar nomenclatura técnica, o orador deve cuidar para que não seja elaexcessiva, além de, sem parecer menosprezar o saber do auditório, usar o recursoda exploração semântica, fazendo dela um meio de tornar efetivamente claro ovocabulário, pois as palavras revestem o pensamento.

Havendo necessidade de citação em línguas estrangeiras, cure o orador detraduzir-lhes o sentido de maneira espontânea (lembre-se o profissional do Direitoque o latinismo é sempre oportuno, mas acompanhado de explicações de seu sig-nificado, sempre feitas com naturalidade, como se pretendessem realçar a idéia.

O mais importante, reitere-se, é expor com segurança o assunto, sem incorrerno grave defeito do pedantismo ou no da vulgaridade.

A conclusão não deve retomar de forma demorada os assuntos abordados nodesenvolvimento. O resumo há de ser claro e breve, sem repetições desnecessá-rias.

A síntese, além de expressiva, deve, sempre que possível, deixar no espíritodo ouvinte um apelo para uma reflexão mais demorada sobre o assunto discorridoe para uma pesquisa posterior da matéria tratada. Boa é a comunicação oral queenseje, sem fazê-lo de forma explícita, tarefa para casa. De uma boa exposiçãooral, o ouvinte dela não se esquece facilmente.

As palavras finais devem, sem tom excessivamente melodramático, tecersimpáticos agradecimentos ao público, pois, reconheça-se, há de se ter uma boadose de paciência para ouvir alguém falar por mais de dez minutos seguidos. Nãoultrapasse, porém o orador muito da meia-hora, pois o desafio seria impossívelao mais compreensivo ouvinte e à mais educada platéia.

No mundo jurídico, tem-se a fixação de quinze minutos para a sustentaçãooral, dos quais doze são suficientes para o desenvolvimento da exposição, ficandoos demais reservados à parte preambular e à conclusão.

No Tribunal de Júri, o art. 474 do cpp destina duas horas para a acusação eoutras tantas para a defesa e mais uma hora à réplica e outro tanto para a tréplica.Havendo mais de um defensor ou de um acusador, as duas horas de cada qual e ameia hora de que cada parte dispõe serão distribuídas entre si e, se houver maisde um réu, o tempo para a acusação e para a defesa será acrescido de uma horaem relação a todos e elevado ao dobro o da réplica e o da tréplica.

Esta generosa distribuição de tempo não ocorre em virtude da exposição datese, mas pela necessidade de exame das provas carreadas aos autos em casos es-

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I

I

252 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

pecíficos. Também, há de se lembrar que o discurso no plenário de júri compreendeas seguintes partes: (a) palavras preambulares de saudação; (b) a narrativa dosfatos; (c) a argumentação; (d) a conclusão da tese; (e) a explicação de como de-verão ser respondidos os quesitos e, por fim, as palavras de encerramento.

Apesar de as partes disporem do tempo estabelecido em lei, não devem elasfalar até a exaustão, com o inconveniente de fatigar os jurados a ponto de impe-dir-lhes acompanhar o raciocínio da exposição ou, ainda, não lhes dispensandotempo para apreensão de todos os argumentos.

Não se quer dizer, com isto, que o orador deve abreviar seu discurso de ma-neira tão drástica a ponto de comprometer sua exposição.

Pitoresco é o exemplo de Vitorino Castelo Branco (1989, p. 47) que se trans-creve:

"A propósito do tempo, lembramo-nos da jovem advogada, toda importantecom as vestes talares, pronta para reproduzir a defesa no tribunal do júri de SãoPaulo. Quando o juiz-presidente, deu-lhe a palavra, levantou-se, fez as saudaçõesde praxe, falou alguns minutos e sentou-se. O juiz esperou um pouco, ficou umpouco aflito, e afinal disse: 'A defesa está com a palavra ...', e a jovem respondeu:'Eu já terminei, não tenho mais o que falar .. .' O juiz-presidente não teve dúvida,suspendeu a sessão e declarou o réu indefeso." (RT, 564:367)

Nota: não ria o leitor da desastrada figura feminina porque o acaso fez dela objetoilustrativo em Vitorino Castelo Branco. A situação poderia, perfeitamente,ajustar-se a um destemido jovem advogado de defesa.

7.4.1.2 Recursos da expressão oral

a) Voz: é a matéria-prima da comunicação oral, não só cativa o receptor,como revela a personalidade de quem fala.

O bom orador exercita sua voz para exprimi-la com sonoridade (de formaagradável) e variedade (adaptando a altura e o colorido ao tema).

Saber colocar o tom da voz é fündamental para a transmissão da men-sagem. O chamado acento de insistência é responsável pelo conteúdo daexpressão.

A modulação da voz cria a atmosfera dramática do discurso oral e comela são transmitidos os estados emotivos. A súplica, a raiva, a ordem,enfim, cumpre à voz exteriorizar os aspectos psicológicos da comunicaçãooral.

b) Mímica: é essencial na comunicação oral, constituindo-se no jogo fi-sionômico, acrescido de movimentos dos braços, das mãos e do corpo.Mattoso Câmara (1961, p. 230) dá à mímica a "função precisadora da

Recursos Estilísticos no Direito 253

palavra". Ela facilita o entendimento da idéia, realça o pensamento epode até - pela linguagem gestual- "substituir" as palavras.

Recomendável é a leitura de inúmeras obras que cuidam da matéria, auxilian-do o orador em sua exposição oral, e assegurando, pelo emprego das técnicas decomunicação humana, o efeito desejado pelo emissor.

Recomendável, outrossim, é cursar institutos especializados em oratória con-sagrados pela eficiência ao longo do tempo, como o "Instituto Melantonio".

Os olhos desempenham papel importantíssimo na expressão oral, por serem,como se tem dito, o espelho da alma.

O bom orador desempenha uma linguagem ocular variada e expressiva,olhando de frente a platéia, movimentando expressivamente os olhos, fazendo-osbrilhar ou tornando-os serenos.

Lembre-se, ainda, o orador que o movimento dos olhos para cima auxilia naformação de imagens com a mente; movimentando-os para a posição horizontal,alarga-se a percepção auditiva, que é memorizada pelo olhar à esquerda. Olhan-do para baixo, desperta o orador seu mundo emotivo; à esquerda é seu estadoemocional que vem à tona; para baixo e à direita ele faz a "leitura" subjetiva doassunto explanado. Assim, a "dança dos olhos" não pode ser realizada de formadesconexa. Tenha em vista, também, o orador que o olhar "por cima" comunicapetulância, presunção ou indiferença.

As mãos falam enquanto se movimentam, e. g., a mão aberta, com a palmapara cima, significa a apresentação de um ponto de vista com segurança. O movi-mento das mãos tem de ser harmônico com a mensagem, e com os demais gestose posturas, como se "desenhasse", discretamente, a ação enumerada.

Evitar gestos exagerados ou excessivos é fundamental. Também devem serevitados os movimentos repetidos das mãos que provocam monotonia ao discur-so, além da impressão de se constituírem em tique nervoso, comprometendo amensagem.

Whitaker Penteado (1991, p. 277-282) aduz a importância da pose e da mo-vimentação para uma boa exposição oral.

É certo que a imobilidade dá ao comunicador uma postura artificial. Tambémcerto é que a expressão dançante compromete a oratória.

Cabe ao orador movimentar-se com moderação, sem balançar o corpo quandoparado, mantendo os pés firmes sobre o chão, não muito afastados um do outroe com um dos joelhos levemente inclinado. Não deve colocar as mãos no bolsoou atrás das costas. .

A aparência também é auxiliar da comunicação. A maneira de trajar-se devecombinar com o conteúdo da mensagem.

Enfim, a comunicação do corpo é operador funcional de suma importânciacomo mediadora de "leituras" interpretativas.

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254 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

Não olvide o leitor tais auxiliares comunicativos. Cumpre-lhe investigar aextensa gama de significados do comportamento cultural, não se esquecendo deque a mímica deve satisfazer a situação, ou seja, a ambiência - física, psicológicaou social- em que ocorre o ato comunicativo, particularmente o universo culturalque deve conduzir a exposição oral, pois o gabarito do ouvinte é que irá traduzira mímica - e a entonação - do orador.

Ao profissional do Direito interessa, antes de tudo, a leitura mais atenta sobreo assunto.

Saber colocar a voz e os olhos ao inquirir uma testemunha, dar ênfase às idéiaspor meio da linguagem corporal, impor um ritmo expressivo com o auxílio gestualsão qualidades da comunicação na oratória forense.

Complementando o exposto, soa oportuno lembrar que todos os recursos daexpressão oral e outros constituem o que, na Retórica, chama-se actio, a compreendera pronunciação (pronuntiatio - voces), a expressão facial (vultus) e o gesto (gestus).Zumthor (1993, p. 133) informa haver no orador/falante três línguas: a da boca,a do rosto e a do gesto.

7.5 EXERCÍCIOS

1. Identificar, justificando, as figuras de linguagem. Recomendável é o apoio degramáticas sobre o assunto para o reconhecimento de tipos não indicados nopresente livro.

a) Rui é acusado por Carneiro Ribeiro de proscrever o verbo incidir, ao proporo mestre baiano substituí-lo por incorrer, no art. 238, do Projeto. ContestaRui, dizendo:

"Proscrevê-lo? Mas onde tal feito cometi eu? Não, não proscrevi. Disse quena redação dos nossos códigos, nos não desviássemos do outro vocábulo,consagrado pela tradição das nossas leis, da nossa jurisprudência, de todosos nossos modelos."

b) "Por que tanto estranha essa frase, quando de frases análogas usaram osmais celebrados modelos do dizer clássico?" (Carneiro Ribeiro)

c) "É o próprio dr. Rui Barbosa, é o elegante escritor das Cartas de Inglaterra,é o orador ante o Supremo Tribunal Federal, na sessão de 23 de abril de1892 que, antes de mim, ofereceu os mais seguros abonos em favor dovocábulo, tão abertamente repudiado hoje~" (Carneiro Ribeiro, na defesado vocábulo honorabilidade)

Recursos Estilísticos no Direito 255

2. Escreva o discurso que você defenderá oralmente no Tribunal do Júri (comopromotor ou advogado de defesa). Indique, ao final, as figuras de retóricautilizadas.

Nota: cabe a você criar o homicídio doloso que está sendo julgado.

3. Concurso de oratória entre candidatos ou alunos indicados pelo professor,constando de duas apresentações: uma com tema previamente preparado peloaluno (ou escolhido pelo professor) e outra com tema de improviso.Quesitos:

a) posição temática;b) argumentos;c) voz: dicção e entonação;d) postura e gestos;e) linguagem retórica.

O professor pode organizar o corpo de jurados com alunos da turma, de outrasclasses, com professores ou convidados da comunidade acadêmica ou jorna-lística.Havendo muitos alunos, é possível o processo seletivo dos finalistas.

4. Estudo crítico-reflexivo sobre filmes que permitam a análise dos recursosretóricos da oratória e expressividade corporal e de figuras de linguagem naexposição argumentativa.

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•••••••••••••••••••••••••••••••••• ~

~.

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2. Anexo

Forma dual que é, a idéia de dois já se acha embutida na palavra. Há de seevitar, pois, ambos os dois e ambas as duas, a menos que a ênfase as justifique.No Direito, v. g., há a expressão "ambos os dois", conservando o sentido antigo dereforço da idéia para traduzir a unidade de propósito, v. g., na denúncia.

Segundo Motta (s. d., p. 156), na época de Camões eram comuns as expressões"ambos os dous" e "ambos de dous".

Trata-se de forma de particípio passado de anexar (anexado e anexo) que sefirmou como adjetivo e, assim, flexiona-se em gênero e número.

Segue anexo o cheque. Seguem anexos os cheques.Segue anexa a carta. Seguem anexas as cartas.

Obs.: a) É corrente a expressão em anexo embora sem merecer a aprovação demuitos. Anexo pode funcionar como advérbio.

b) Pode substantivar-se com o sentido de estabelecimento ou repartiçãoou como documentos que se juntam a um processo.

LEMBRETES GRAMATICAIS

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8.1 CASOS PRÁTICOS DE CONCORDÂNCIA NOMINAL- MODELOS DE EXERCíCIOS

1. Ambos

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260 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

3. Apenso

Vale o mesmo que se disse a respeito de anexo; logo pode ser:

a) Adjetivo (flexível)Segue apenso o processo.Seguem apensos os processos.Segue apensa a documentação.Seguem apensas as documentações.

b) Advérbio (inflexível)Apenso, segue o processo. Apenso, seguem os processos.

c) Substantivo (flexível)

Documento ou processo junto a outro por apensamento, sem formar parteintegrante das folhas dos autos (SILVA,1978, p. 134.)

4. Junto

Forma irregular do verbo juntar, pode ser:

a) Adjetivo (flexível). Exemplo:Juntos achavam-se o juiz e o advogado.Achavam-sejuntas, ajuíza e a advogada.

b) Advérbio (inflexível). Exemplo:Junto segue a folha de pagamento.Junto seguem as folhas de pagamento.

Obs.: Há de se evitar a locução junto a com referência a providências, solicitações,pedidos; estes se fazem "em algum lugar" e não "junto a algum lugar",e. g., solicitarei cópias no cartório (ao cartório).

5. Só

a) Na qualidade de adjetivo é variável e corresponde a sozinho, único, soli-tário. Exemplo:Sós, cometeram o crime.Estavam sós no local do assalto.

b) Na qualidade de advérbio permanece sem flexão; equivale a somente,unicamente. Exemplo:A testemunha só pode dar informações genéricas.Só o Presidente não consegue salvar o país.

Nota: Observe-se que existem as locuções a só e a sós, esta última mais freqüente.

Lembretes Gramaticais 261

6. Obrigado

Deve-se variar em gênero e número, já que é adjetivo.

Dir-se-á:muito obrigado (homem)muito obrigada (mulher)muito obrigados (homens)muito obrigadas (mulheres)

8.2 ALGUMAS DIFICULDADES GRAMATICAIS

I - Uso do Porque (e variantes]

A. Porque

Com sentido causativo indicando causa, motivo, razão. Em tal caso, equivalea conjunção causal.

"Não vemos as coisas que vemos, porque não olhamos para elas." (Vieira)

"Eu luto e venço porque luto sempre." (C. de Laet)

B. Por que

a) Com sentido interrogativo (nas perguntas) "Por que as pessoas andavamtão apavoradas?" (Cecília Meireles)"Por que houve empate?" cv. Corrêa)

b) Como pronome relativo substituÍvel por pelo qual, pela qual, pelos quais,pelas quais. "... não é só o conteúdo das declarações da vítima que exigeatenção do julgador. O modo por que as presta também merece especialdestaque." (Malatesta)

Perguntou o motivo por que fugiu da prisão.

C. Por quê

a) Fechando a frase."Por que tem que repetir isso? Por quê?" (L. E Telles)

"Por que sonhamos? Por quê?" (E Espanca)

b) Isolado por uma pausa. Exemplo:Sem saber por quê, telefonou à polícia.

-

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262 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

D - Porquê

Em tal caso, trata-se de substantivo precedido, em geral, pelo artigo mascu-lino. Exemplo:

Desconheço o porquê de sua prisão.Investiga-se o porquê do crime.

Obs.: O que se expôs não tem base científica nem se estriba na tradição clássica;tal preceito da Nova Nomenclatura Gramatical assenta-se, porém, no usodos bons escritores atuais.

II - Uso de Senão e Se não

A. Senão

Alguns empregos:

a) Conjunção adversativa significando em caso contrário, de outra forma,mas sim, a não ser.

"Não tem direitos, senão obrigações e deveres." (Abgar Renault)

"Que é que eu podia fazer senão esperar?" (L. E Telles)

b) Substantivo com o sentido defalha, defeito. Exemplo:

Não há senão algum na obra do ilustre penalista.

No livro não há senões.

B. Se não

No caso trata-se de:

• conjunção condicional se;

• não: advérbio de negação.

"Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas?"(M. Quintana)

"Se não fosse Van Gogh, o que seria do amarelo?" (M. Quintana)

Veja-se o exemplo de W. de Barros Monteiro:

"Por conseguinte, num contrato de compra e venda, por exemplo, sea coisa vendida experimenta deterioração da metade de seu valor, o ad-quirentenão se acha obrigado senão pela metade do preço, se não optarpela resolução."

I.. ,

Lembretes Gramaticais 263

TIl - Uso de Onde, Aonde, Donde

A. Onde

Correspondendo ao advérbio latino ubi (lugar no qual), onde usa-se com osassim denominados verbos de fixação, situação, repouso; é o caso do verbo ser esuas modalidades (estar, permanecer, continuar) e outros (estacionar, fixar, ficaretc.).

"Onde estão os poetas para cantarem agora a lua?" (Cecília Meireles)

"Não me recordava exatamente como era o prédio onde eu morava."(Murilo Rubião)

Nota: Motta (s. d., p. 104) diz que onde indica lugar material e em que, lugar vir-tual.

B. Aonde

Está em correspondência com o advérbio latino quo (lugar ao qual) e usa-se com os verbos diretos de movimentação (ir, andar, caminhar, levar e outros).Exemplo:

Cristo disse aos seus discípulos: "Aonde vou, não podeis ir.""Aonde o leva a brisa/sobre a vela panda?" (Cecília Meireles)

C. Donde

Relaciona-se à forma latina unde e indica afastamento; é o mesmo que deonde. Exemplo:

"Às vezes, se atiram a distantes excursões donde regressam com umaenorme jaca." (M. Bandeira)

"Tomás estava, mas encerrava-se no quarto donde só saíra ..." (M. deAssis)

Obs.: Os clássicos não observavam tal distinção e os modernos nem sempre afazem. Vejam-se os exemplos:

"Aonde o fogo ardeu, sempre um brasido fica." (Castilho)

"... me tornei ao castelo, aonde achei meu filho morto ..." (Sousa)

"Donde vem? Onde vai? das naus errantes ..." (Castro Alves)

Vale, a propósito, transcrever o que a Folha de S. Paulo estampou no "Paineldo Leitor", em 19-3-93.

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Os cinco verbos citados recebem um e eufônico no:

Lembretes Gramaticais 265

a) Presente do indicativo:

a) Presente do indicativo:

1ª pessoa do singular ~ saneie

2ª pessoa do singular ~ saneies

3ª pessoa do singular ~ saneie

3ª pessoa do plural ~ saneiem

1ª pessoa do singular ~ saneio

2ª pessoa do singular ~ saneias

3ª pessoa do singular ~ saneia

3ª pessoa do plural ~ saneiam

1

I

1ª pessoa do singular ~ odeio

2ª pessoa do singular ~ odeias

3ª pessoa do singular ~ odeia

3ª pessoa do plural ~ odeiam

b) Presente do subjuntivo:

8.3 OBSERVAÇÕES SOBRE A CONJUGAÇÃO DE ALGUNSVERBOS

8.3.1 Verbos da primeira conjugação

No discurso jurídico é corrente, v. g., o verbo sanear que se prende ao adje-tivo sanus (são); cognatos de sanear são, v. g., saneamento e saneador (despachosaneador).

Aos verbos do grupo, intercala-se-Ihes um i eufônico nas seguintes formas:

Obs.: Vale o mesmo para o imperativo, pois este se forma do presente do indica-tivo e do subjuntivo.

8.3.1.2 Verbos em lAR (odiar; remediar; incendiar; ansiar e mediar)

8.3.1.1 Verbos em EAR (passear; clarear; nomear; presentear)

"- O professorOctavioBuenoMagano está certo e eu não estou errado. É quequando tratei deste assunto, no Maranhão, uma semana antes de abordá-lo naFolha de São Paulo, escrevi: 'Onde, no mundo, se pode misturar Carnaval e latim?Só no Maranhão, graças a Deus!' ('O Estado do Maranhão', 28-2-93). Na Folha deSão Paulo me apareceu um 'aonde', que não quero debitar à minha secretária, umavez que essa discussão sobre 'onde' e 'aonde' já tem mais de um século. 'O uso dosmelhores autores, porém, desde um Azurara, da fase arcaica da língua, até umJosé Régioou um MiguelTorga, dos nossos dias, não distingue 'onde' de 'aonde'.'(Mestre Aurélio, que traz em abonação Cláudio Manuel da Costa e Machado deAssis, embora se filie à corrente de que não se pode confundir 'onde' (em quelugar) com 'aonde' (a que lugar).) Mas, 'aonde', brasileirismo, indica descrençaou dúvida ante uma afirmação: 'Morreu agora mesmo. Aonde! (Aurélio). No meucaso, este 'aonde' seria de todos os modos defensáveis. Peloemprego dos clássicose pelo brasileirismo. É a dúvida: 'Ora aonde no Brasil se pode misturar latim eCarnaval?' Comosempre, nestas questões, eu e o professor Octavio estamos certose bem acompanhados. No mais, debito à datilógrafa, 'a máquina de redação', ecomo dizia Osório Borba, ter o professor Octavio falado em minha 'sincada', com's'. Se cometi cincada, com 'c', tinha o precedente de Machado, Torga, CláudioManuel da Costa, José Régio e a linguagem brasileira."

José Sarney, senador (Brasília, DF)

"Se, como diz o senador José Sarney, em artigo, sob o título em epígrafe,publicado na Folha, no dia 5 do corrente, falar errado, no Maranhão, 'desfazcasamento e abala conceito', o dele próprio, senador, ex-presidente da Repúblicae membro imortal da Academia Brasileira de Letras, deve estar, agora, de rastos.Não se concebe, com efeito, que portador de tantos títulos, houvesse terminadoartigo, sobre matéria tão melindrosa, com esta sincada: 'Ora, aonde no Brasil sepode misturar latim e Carnaval?Aonde designa movimento ('aonde vais tu esbeltoinfante...?'). Onde significa, ao contrário, quietação ('... onde canta a jandaia nasfrondes da carnaúba'). Valedizer que o maranhense melhor se houvera se dissera:'Ora, onde no Brasil se pode misturar latim e Carnaval?' "

LATIMEPORTUGUÊS

Oetavio Bueno Magano, professor titular de Direito do Trabalho da Faculdade deDireito da USP(São Paulo, SP)

Resposta do senador José Sarney:

264 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

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266 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

b) Presente do subjuntivo:

11 ª pessoa do singular -7 odeie2ª pessoa do singular -7 odeies3ª pessoa do singular -7 odeie3ª pessoa do plural -7 odeiem

Obs.: O mesmo acontece no imperativo.

8.3.1.3 Outros verbos

a) Acordar

No Direito, é usual o verbo na acepção de determinar, resolver de comumacordo, concordar, ajustar. Conjuga-se regularmente.

Vem a pêlo lembrar que a forma arcaica, acordão (3ª pessoa do plural do pre-sente do indicativo de acordar), tornou-se substantivo com o sentido de resoluçãoou decisão tomada coletivamente pelos tribunais de Justiça.

Nota: É freqüente a alteração de categoria gramatical; entre outros, os exemplos,para se limitar apenas a verbos:

verbos -7 substantivosposses (forma latina; verbo posse) -7 as posses (bens)lavabo (verbo latino lavare) -7 o lavabo (dependência da casa)teres e haveres (ter e haver) -7 os teres e haveresveto (verbo latino vetare) -7 o vetocredo (verbo latino credere) -7 o credo (símbolo da fé)

b) Adequar

Normalmente é considerado defectivo, usado quase só no infinitivo e no par-ticípio. Outros o aceitam também nas formas arrizotônicas e hoje já começa a serusado em todas as formas.

c) Adulterar

Conjuga-se regularmente. Cognatos deste verbo: adulteração, adulterino,adultério, adúltero.

O verbo era de sentido amplo; falava-se em adulterar o vinho, a moeda, opeso, a lei, o direito, a fidelidade matrimonial etc. Hoje, restringiu-se-Ihe o sen-tido.

Lembretes Gramaticais 267

Adultério, adúltero e adulterino especificaram-se e se referem à violação dafidelidade conjugal; não se dirá, v. g., adultério do vinho, do leite ou da lei, mas,sim, adulteração. Adulterar forma-se de ad + alter + ar; a presença da vogal uexplica-se pela apofonia: in + cadere > incidir; in + frangere > infringir.

d) Alugar

Verbo regular denominado bifronte por Mário Barreto porque assume duploaspecto: o dono do imóvel aluga-o ao inquilino (sentido ativo); o inquilino alugao imóvel, paga pelo imóvel (sentido passivo).

Há vários verbos bifrontes:

Idar de arrendamentoarrendar

tomar de arrendamento

Idar esmolaesmolar

receber esmola

Ifazer empréstimoemprestar

receber empréstimo

j dar herançaherdarreceber herança

Iagasalhar, receberhospedar

alojar-se

Exemplos:

"Vós sois os que esmolais, eu sou a que mendigo." (Castilho)"Vede-o, vai .../de porta em porta, tímido esmoland%s chorados cei-

tis" ... (Garrett)

e) Arrazoar (argumentar)

Os verbos em oar são acentuados na 1ª pessoa do singular do presente doindicativo: perdôo, arrazôo, vôo etc. A diferença fica com o verbo coar: côo, côas,côa ...

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268 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

(Alberto de Oliveira)

i) Inocentar

Com respeito a tal verbo, divergem os gramáticos.

detenhodeténsdetémdetemosdetendesdetêm

Lembretes Gramaticais 269

retemosretendesretêm

retenhoreténsretém

contenhoconténscontémcontemoscontendescontêm

Verbo regular cujo modelo é trancar. Cita-se o verbo em razão da polêmicaentre Carneiro Ribeiro e Rui Barbosa a respeito da expressão "pescar peixe". Me-rece lido o comentário de Almeida Tôrres (1953, p. 107).

O verbo conjuga-se regularmente; bom é lembrar que o particípio passado équitado e quite; esta última forma petrificou-se como adjetivo; veja mais informa-ções em (2.11.2).

k) Quitar (desobrigar)

8.3.2 Verbos da segunda conjugação

j) Pescar

Os compostos de ter (conter, deter, reter etc.) merecem cuidado no presentedo indicativo no tocante à acentuação:

1) Ratificar (confirmar)

o contrário de "ratus" é "irritus": in + ratus > irritus > írrito, com assimilaçãodo n e apofonia do a.

Quanto à sua conjugação não há novidades. Vincula-se ao verbo depoentelatino "reor-reris-ratus sum-reri". Esta é a raiz primitiva; o verbo passou pelo latimtardio "ratificare"; nos "Digesta" parece "ratihabitio" (ratificação).

Ao mesmo verbo "reor-reris-ratus sum-reri" ligam-se as expressões Caução"De Rato" e "pro rata".

8.3.2.1 Conter

O verbo despender (gastar) é regular; com a devida vênia, transcreve-se aobservação de Kaspary (1990, p. 130):

8.3.2.2 Despender

•••••••••••••••••••••••.1.1••••••

I •••••

ulto - inulto; victo - invicto; defeso

tais, computam.

Outros apresentam o seguinte presente do indicativo: cômputo, côm-putas, cômputa, computamos, computais, computam.

Almeida (s. d., p. 61) rejeita as formas acima e propõe: computo, com-putas, computa etc. É o que parece mais em voga nos dias de hoje.

g.2.

g.3.

Nota: Cômputo é substantivo.

g.l. Reis (1978, p. 76) considera-o defectivo no presente do indicativo:. _____., computamos, compu-

f) Autuar (ordenar peças de processo -lavrar auto de infração)

h) Estipendiar (assalariar)

"E saberás que a pouco e poucoMe fui deixando ir na correnteDestes amores, ínscio e louco ... "

g) Computar (contar, incluir)

Os verbos em uar conjugam-se regularmente. Corradicais, entre outros: auto,autuação, autuante, autuado.

Conjuga-se regularmente. O substantivo estipêndio sofreu influência ha-plológica com a queda de sílaba mediaI por haver outra igualou semelhante; nocaso, a síncope ocorreu já no latim: stipi + pendium > estipêndio.

Outros casos: homini + cidium > homicídio; veneni + ficu > venéfico; formici+ cida > formicida; idolo + latria > idolatria.

Não foge à regularidade; literalmente, significa "não causar mal". Inocente éo que não causa mal (in + nocere); a forma nocente (forma simples) quase nãose usa; ocorre o mesmo em vários casos, ao passo que permanecem as formascompostas, como já se disse (2.7).

Mais alguns casos: audito - inaudito;- indefeso; nupto - inupto; seio - ínscio.

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270 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques Lembretes Gramaticais 2 71

a) Presente do indicativo:

Afasta-se do paradigma (querer) nos casos:

8.3.2.4 Requerer"O verbo despender corresponde ao verbo latino 'dispendere'. Nãoexiste, em português, o verbo 'dispender'. Existem, todavia, o substantivodispêndio e o adjetivo dispendioso, termos eruditos, que mantiveram o i dasformas originárias latinas ('dispendium' e 'dispendiosus')."

: ' . Quererquero

Requererrequeiro

O modelo de prover (providenciar) é ver do qual se afasta nas seguintes for-mas:

b) Perfeito do indicativo:

d) Imperfeito do subjuntivo:

Está vinculado ao verbo semidepoente latino soleo-soles-solitus sum-solere(costumar, ter por hábito). É um verbo, hoje, completamente esquecido; em umou outro jurista ainda aparece a forma sói. Permanecem vivos dois compostos

a) Perfeito do indicativo:

Ver Provervi proviviste provesteviu proveuvimos provemosvistes provestesviram proveram

b) Mais-que-perfeito do indicativo:

Ver Provervira proveraviras proverasvira proveravíramos provêramosvÍreis provêreisviram proveram

c) Imperfeito do subjuntivo

Ver Provervisse provessevisses provessesvisse provessesvíssemos provêssemosvÍsseis provês seisvissem provessem

d) Particípio:

Ver Provervisto provido

Quererquisquisestequisquisemosquisestesquiseram

c) Mais-que-perfeito:

Quererquiseraquiserasquiseraquiséramosquiséreisquiseram

Quererquisessequisessesquisessequiséssemosquisésseisquisessem

8.3.2.5 Soer

Requererrequerirequeresterequereurequeremosrequerestesrequereram

Requererrequererarequererasrequererarequerêramosrequerêreisrequereram

Requererrequeresserequeressesrequeresserequerêssemosrequerêsseisrequeressem

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272 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

do adjetivo sólito: insólito (fora do comum, do habitual: acontecimento insólito,atitude insólita) e insolente, com alteração semântica.

8.3.2.6 Viger

o verbo viger (vigorar) é regular, o verbo, usado e abusado no Direito, é de-fectivo; na prática aparece apenas na terceira pessoa, nos tempos que conservama vogal temática "e". Exemplos:

"Nas sociedades civilizadas vige, em regra, o princípio da ..." (M. Noronha)

A lei vigeu outrora ...

Está vigente o decreto.

8.3.3 Verbos da terceira conjugação

8.3.3.1 Verbos em UIR

Verbos uns que tais grafam-se com i na terceira pessoa do singular do presentedo indicativo.

"Dos dispositivos do Código e do sistema da livre convicção do Julgador,conclui-se que ..." (M. Noronha)

Deve-se, pois, dizer constitui, estatui, conclui, possui, contribui etc.

8.3.3.2 Argüir

o verbo argüir (tachar, censurar) tem conjugação polêmica. Reis (1978, p.133) indica as formas:

a) Presente do indicativo:

arguo, argúis, argúi, argüimos, argüis, argúem

b) Imperf. indicativo:

argüía, argüías, argüía, argüíamos, argüíeis, argüíam

c) Perfeito indicativo:

argüi, argüiste, argüiu, argüimos, argüístes, argüíram

d) Mais-que-perfeito:

argüíra, argüíras, argüíra, argüíramos, argüíreis, argüíram

Lembretes Gramaticais 273

e) Futuro do presente:

argüirei, argüirás, argüirá, argüiremos, argüireis, argüirãof) Futuro do pretérito:

argüiria, argüirias, argüiria, argüiríamos, argüiríeis, argüiriamg) Imperativo:

argúi, argua, arguamos, argüi, arguamh) Imperfeito subjuntivo:

argüísse, argüísses, argüísse, argüíssemos, argüísseis, argüíssemi) Infinitivo pessoal:

argüir, argüires, argüir, argüirmos, argüirdes, argüiremj) Gerúndio:

argüindo1) Particípio:argüido

8.3.3.3 Convir

Composto de vir, segue a conjugação deste; as formas a seguir merecem serobservadas:

a) Presente indicativo:

convenho, convéns, convém, convimos, convindes, convêmb) Perfeito do indicativo:

convim, convieste, conveio, conviemos, conviestes, convieramc) Gerúndio e particípio:convindo

Nota: Intervir também se acomoda ao verbo vir; muitos escorregam no perfeito doindicativo de intervir cuja forma correta é: intervim, intervieste, interveio etc.Convir é impessoal no sentido de ser conveniente, ser útil.

8.3.3.4 Falir

Faltam-lhe:a) Presente do indicativo:

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274 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

falimos

falis

b) Imperativo:

Todas as pessoas com exceção da 2ª do plural: Fali

Cognatos: falência, falida (massa), falimentar, falimento, falencial.

8.3.3.5 Impedir

Conjuga-se de acordo com pedir, muito embora não tenha vínculo eti-mológico com ele. É, sim, cognato de pes-pedis (pé) e significa pôr peias aos pés,pear os pés e, daí, reter;estorvar; embaraçar.

Vale o mesmo para expedir: tirar os pés, soltá-los, livrá-los e, daí, livrar; des-pachar; observe-se o prefixo ex (fora, fora de).

8.3.3.6 Infringir

o verbo infringir (desobedecer) segue a conjugação de dirigir e liga-se ao latiminfringere, composto de in + frangere, com apofonia da vogal a.

Casos de apofonia no campo jurídico:

in + arma: inermecon + danar: condenar

ad + alter + ar: adulterar

in + rato: írritoin + habere: inibir

in + cadere: incidir

trans + agere: transigir

bene + facio: benefício

8.3.3.7 Redimir

Redimir (pagar, resgatar) é a forma regular e supre as falhas do verbo remir,forma sincopada de redimir. Os dois são, na realidade, um mesmo verbo.

Redimir prende-se ao latim redimere com o prefixo arcaico red, mais tarde,re. Vejam-se prefixos latinos (8.6.1).

Lembretes Gramaticais 275

8.3.3.8 Ressarcir

Há os que consideram o verbo ressarcir (compensar, reparar) como defectivoseguindo o verbo falir. Outros consideram-no completo: ressarço etc.

8.3.3.9 Verbos abundantes

Dentro ainda deste item (conjugação verbal) soa bem falar de certo grupode verbos caracterizados pela presença de particípios passados duplos ou, atémesmo, triplos.

Apresentam-se alguns exemplares dos verbos ditos "abundantes".

a) Primeira conjugação

1. Aceitar: aceitado - aceite

Nota: Aceite substantivou-se e, como tal, circula no Direito Comercial.

2. Afetar: afetado - afeto

O verbo afetar, condenado por alguns, encontra agasalho em Kaspary(1990:40), que cita também passagens do CCp com a forma afectado.

3. Anexar: anexado - anexo

Anexo solidificou-se como substantivo e adjetivo, como se viu (ParteVIII, 3).

4. Confessar: confessado - confesso

Veja-se a conhecida expressão "réu confesso".

5. Contraditar: contraditado - contradito

Na linguagem jurídica vive o substantivo contradita (impugnação, refu-tação, contestação).

6. Ganhar: ganhado - ganho

Ganhado sobrevive, hoje, apenas em determinadas locuções como "viverdo ganhado".

7. Pagar: pagado e pago

Pagado está em desuso.

8. Pegar: pegado e pego

Apesar do uso corrente da forma pego, ainda sobrevive entre bons autoresa forma pegado.

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276 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

9. Situar: situado e sito

Lê-se, com freqüência, "sito à rua ..." quando o correto é "sito na rua ...".Situar é verbo de fixação e não de movimento; deve construir-se com apreposição em.

b) Segunda conjugação

1. Conhecer: conhecido e cógnitoCógnito desapareceu; sobrevivem formas com o prefixo negativo in:incógnita (matemática) e incógnito (andar incógnito).

2. Cozer: cozido - coito

Coito sobrevive como substantivo em uso no Direito e em formas com-postas, v. g., biscoito.

3. Devolver: devolvido - devoluta

Veja-se a expressão terras devolutas.

4. E:jcorrer: escorrido - escorreito

Conhece-se a expressão estilo escorreito.

5. Incorrer: incorrido - incurso

Aparece na linguagem financeira e na Contabilidade a forma incor-rida.

Incurso na linguagem jurídica tem o sentido de passível de. O poetae magistrado Raimundo Correia usa o termo na poesia Ao poder pú-blico:

"Tu que és da direção das massas investido, Tu que vingas o crime e queo Povodefendes, E executas a lei penal, e do bandido No topo de uma forca ocadáver suspendes;

Tu que tens o canhão, a tropa, a artilharia, Tu mesmo és quem fuzila ainerme populaça; Incurso estás no Código, e devia Pra ti também se erguer umaforca na praça!"

6. Nascer: nascido - nata - nado

Nado é forma arcaica e poética; aparece, v. g., em Gonçalves Dias: "Nãoera nado o sol quando partiste".

7. Romper: rompido - roto

Roto usa-se como substantivo e adjetivo. Cruz e Sousa diz em "Litaniados pobres":

Lembretes Gramaticais 277

"Os Miseráveis, os rotosSão as flores dos esgotos."

c) Verbos da terceira conjugação

1. Concluir: concluído - concluso

Concluso figura na linguagem forense com referência aos autos que sobempara o despacho do juiz.

2. Distinguir: distinguido - distinto

Distinto usa-se como substantivo e adjetivo. Convém lembrar que o verbodistinguir não é tremado. Há tendência de pronunciá-lo como se tremadofosse. Diga-se o mesmo dos verbos adquirir e extinguir.

3. Extinguir: extinguido - extinto

Extinto toma-se como substantivo com o sentido de morto, falecido.4. Inserir: inserido - inserto

Convém observar:

a) Não se há de confundir inserto e incertob) O substantivo cognato é inserção.

5. Omitir: omitido - omissoOmisso assumiu função de adjetivo: casos omissos da lei.

8.4 ABREVIATURAS

O uso de abreviaturas é de praxe na correspondência comercial e oficial, bemcomo na redação forense e cartorária. Justifica tal procedimento a economia detempo e espaço. Importa, antes de citar as abreviaturas mais importantes, observaralguns aspectos na sistemática da escrita abreviada.

1. Via de regra, substituem-se as letras por um ponto colocado após aconsoante, e após a última consoante dos encontros consonantais: f.(fonema); ap. (apartamento); a.c. (antes de Cristo); adj. (adjunto); antro(antropônimo).

• AABNT determinou o ponta nas abreviaturas técnicas modernas apósa vogal ou depois da primeira consoante do encontro: ago. (agosto);anuo (anuário); téc. (técnica); fáb. (fábrica).

• Observe-se a permanência do acento nas formas abreviadas. Vale omesmo para o hífen: cap.-ten.; m.-q.-perf.

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278 Curso de Português Jurídico. Damião/Henriques

• Há abreviaturas sem o ponto: h (hora); m (minuto); km (quilômetro);I (litro). O mesmo acontece com os símbolos científicos: S (enxofre);K (potássio); g (grama).

• Palavras há que dispensam o ponto, mas servem-se de outros sinaisgráficos como parêntese ou barra na linguagem comercial: (a) assi-nado.

• Com respeito ao plural das siglas, aceita-se o m/d - meses da data.2. Certas abreviaturas apresentam, após o ponto, a última letra acima das

outras: B.el, am.o, s.r, Dr.a

• A tradição mantém outras formas equivalentes:Bel., Sr., Dra., Cia. etc.

3. Algumas abreviaturas apresentam variantes: a.c. ou A.c. (antes de Cris-to), f., fi., ou foI. (folha).

4. As abreviaturas, no plural, recebem normalmente a letra s: caps. (capí-tulos), S.rs, Dr.as

As maiúsculas dobram-se para indicação do plural: AA. (autores), SS.MM. 11.(Suas Majestades Imperiais).

5. Símbolos técnicos, não pontuados, não recebem o S do plural: lOh30m(dez horas trinta minutos).

6. Estabeleceu-se que os nomes geográficos não comportam abreviaturas:São Paulo e não S. Paulo.

7. Uma palavra a respeito das Siglas. Trata-se de conjunto de maiúsculasque representam nomes de instituições, repartições, entidades públicasou particulares. Aparecem acompanhadas ou não de ponto. Assim, MECou M.E.C.; SUDAM ou S.U.D.A.M.• A tendência moderna é o uso de siglas sem pontuação.• Com respeito ao plural das siglas, aceita-se o uso dos (minúsculo) para

efeito de pluralização: PMs, INPMs, MPs (membros do Parlamento).

8.4.1 Principais abreviaturasA

A. - autor, autuada; forma plural: AA.(a) - assinado; plural: (aa)ac. - acórdãoAD. - no ano do Senhor (Anno Domini) ou:

aguarda deferimento.ad lit. - ao pé da letra, literalmente (ad litte-

ram)adv. - advocacia (advérbio)

ag. - agravo

aI. - alínea

alvo- alvará

ap. - apelação, apenso (apud)

ap. (apart.) - apartamento

arco° - arcebispo

art. - artigo

at.° - atento, atencioso

B

banco - bancárioB.el_ bacharel; plural: B.éiS; aparece a forma

Bel. (Bels.)

cC/ - conta (comércio)C. - correioc/a - conta aberta (comércio)capo- capítulo; o plural é caps.cavo° - cavalheiroc/c - conta correnteC. el - coronel; aparece a forma Cel.cf. (cfr.) - confira, confrontechancel. - chancelar, chancelariac.ia (Cia.) - companhiacito- citado, citaçãoCód. - códigocód. (códs.) - códice, códicescogn. - cognomecomp. e - compadrecons. (cons.O)- conselheirocr.a (cr.0) - criada, criadoC. ta - comanditaCX.(cx.) - caixa

D

d/ - dias (comércio)D. - Diário; deve (comércio); digno; Dom;

DonaDD. - DignÍssimo (doutores ou jurisconsultos)Dec. - DecretoD.O. - Diário Oficialdoc. - documento; plural: docs.

E

E.D. - Espera deferimentoe. g. - exempli gratia (por exemplo)Em.a - EminênciaEm.mo - EminentíssimoEng. (Eng.O) - Engenheiroex. - exemplo, exemplar

Lembretes Gramaticais 279

Ex.a (Exa.) - Excelência; a forma Excia. é in-correta

Ex.ma (Exma.) - Excelentíssima

F

f. (fi., foI.) - folha; plural: fls. ou fols.f.o- fólia£0 _ Filho (comércio)for.- forensefs. - fac-símile

G

gde. - grandegloss. - glossárioG/P - Ganhos e perdas (comércio)gr. - grátis, grego

H

H. (H.er) - haver (comércio)h. c. - honoris causa (por honra)hebd. - hebdomadárioherdo° - herdeiro

I

ib. (ibid.) - ibidem (no mesmo lugar)ido(idem) - o mesmo (do mesmo autor)i.e. - id est (isto é)Il.mo (limo.) - Ilustríssimoip. lit. - ipsis litteris (letra por letra, .literalmen-

te)

ip. v. - ipsis verbis (palavra por palavra)

J

Jr. (J.o,) - Júniorjud. - judiciárioJur. (Jurispr.) - JurisprudênciaJurid. - Jurídico

L

I. (l.0- liv.) -livrolegisl. - legislativoLegisl. - Legislação, Legislaturalit. - litteratim (literalmente)

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de Ser-

LembretesGramaticais 281

F

E

I

J

L

V.Ex.a- Vossa Excelência (variante: V.Exa., plu-ral: V.Ex.as)

Excia. - forma incorreta

IOF - Imposto de Operações Financeiras

IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

IPTU - Imposto sobre Propriedade Predial eTerritorial Urbana

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística

EOAB- Estatuto da Ordem dos Advogados doBrasil

v.v.O- vide verso (veja o verso)

FAF- Fundo de Aplicação FinanceiraFGTS - Fundo de Garantia por Tempo

viço

IR - Imposto de Renda

IPVA- Imposto sobre Propriedade de VeículosAutomotores

v. g. - verbi gratia (por exemplo)v.o- verso (lado posterior)v/o - vossa ordem (comércio)vol. - volume (plural: vols.)V.s.a - Vossa Senhoria

JCJ - Junta de Conciliação e Julgamento

T

v

c

B

A

t. - termo, tomo

tel. - telefone

test.o - testamento

v/ - vosso(s), vossa(s)

8.4.2 Algumas siglas

v.A.- VossaAlteza (plural vv.AA.)

ABI- Associação Brasileira de ImprensaABNT- Associação Brasileira de Normas Téc-

nicas

BNH- Banco Nacional de Habitação

ABRS- abraços (telegrama)AN- Agência Nacional

CC - Código CivilCCp - Código Civil (de Portugal)CLT- Consolidação das Leis do TrabalhoCF - Constituição FederalCPC- Código de Processo CivilCPCp- Código de Processo Civil (de Portugal)CP - Código PenalCPp - Código Penal (de Portugal)CPP - Código de Processo PenalCPPp - Código de Processo Penal (de Portu-

gal)CPM- Código Penal MilitarCPPM- Código de Processo Penal MilitarCTN- Código Tributário Nacional

•••••••••••••••••••••••••••••••D LF- Lei Federal •

DL- Decreto Legislativo LICC- Lei de Introdução ao Código Civil •

DNER - Departamento de Estradas de Roda- LICPP - Lei de Introdução ao Código de Pro- •gem cesso Penal

i •I __ •.

Qq.e.d. - quod erat demonstrandum (o que se

tinha de provar)

• Há quem abrevie pág.; a tendência hoje é p.(plural pp.)

parI. - parlamentarParI. - Parlamentopasso- passim (aqui e ali, em diversos lugares)p/c - por contaP.D.- Pede Deferimentop. e. - por exemplop. ext. - por extensopg. - pago, pagouP.J. - Pede Justiçap. p. - por procuraçãoproc. - processo, procuração, procuradorprof.a - professora (variante profa.)Prot. - ProtocoloP.S.- Post Scriptum (pós-escrito)

R

ref. - reformado, referente, referido

SS.A. (S/A) - sociedade anônimasc. - scilicet (a saber, quer dizer)s.d. - sem data, sem diaSecç.- Secçãosego- seguinte (plural: segs. ou sS.)S. Ex.a- Sua Excelências/f - seu favor (comércio)S.M. - Sua Majestade (plural: SS. MM.)S.M.J. - salvo melhor juízos/o - sua ordem (comércio)s.or- SêniorSr.,a---:senhorita (variante Srta.)S.S.- Sua Santidade (plural SS.SS.)sup. e - suplicanteSupro- SupremoS.V. - sub voce ou sub verbo - na palavra, com

respeito à palavra (plural: s.vv.)S.v. - sede vacante (na vacância da Sé)

É erro comum escrever-se MeretÍssimocomoaparece, p.e., na legenda do filme italiano"LaPorte Aperte" (As portas da Justiça).É praxe tradicional no foro não se usar abre-viaturas; o tratamento endereçado a juízesdeve ser por extenso: meritÍssimo SenhorDoutor Juiz de Direito.

Mag. - MagistradoM.P.- Ministério Público

M

m/ - meu(s), minha(s) (comércio)m.a - mesma, minhamlc - meu aceite (comércio)m/c - minha carta, minha conta (comércio)m/d - meses da data (comércio)m (min.) - minutoMM.- MeritÍssimo

p

m.O-mesmom/p - meses de prazo (comércio)ms. - manuscrito (plural: mss.)m.'o_ muito

o

280 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

loc. cito-loco citato (no lugar citado)Ltda. (Lt.da) - limitada (comércio)

N

n/ - nosso(s) nossa(s) (comércio)N.B.- nota bene (observe, note bem)n/c - nossa carta, casa, conta (comércio)n/ch - nosso cheque (comércio)n/o - nossa ordem (comércio)N. Obs. - nihil obstat (nada obsta, impede a

publicação)

p. - página

obro° - obrigadoob. - observação (plural obs.)of. Of. - oferece(m) Oficialop. cito- opus citatum (obra citada)

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BROCARDOS JURÍDICOS E LOCUÇÕES LATINAS

R

s

Ausente não é herdeiro.

Lembretes Gramaticais 283

Ninguém pode ser coagido a fazer algo.

Princípio atribuído a Clóvis: ninguém estáobrigado sob coação ao cumprimento dodever .

27. Memo de improbitate sua consequitur actio-nem.Ninguém provoca ação decorrente de impro-bidade.

28. Memo plus juris ad alium transJerre potestquam ipse habet.Ninguém pode transferir a outro mais direitodo que tem .

29. Necessitas caret lege.A necessidade dispensa a lei.

30. Nemo iudex in causa propria.Ninguém é juiz em causa própria.

31. Nemo ad impossibile tenetur.Ninguém está obrigado ao impossível. Tam-bém aparece ad impossibilia nemo tenetur.

32. Nihil consensui tam contrarium est quam viset metus.Nada mais contrário é ao consentimento quea força e o medo.

Atribui-se o adágio a Ulpiano e refere-se àcoação, vício contrário ao ato jurídico.

33. Non probandum Jactum notorium.Não se prova fato notório .

34. Nulla actio sine lege.Não existe ação sem lei.

35. Nullum crimen sine lege.Não há crime algum sem lei .

36. Odiosa restringenda, benigna amplianda.O odioso deve ser limitado, e o benigno,ampliado.

Refere-se à aplicação da lei.

37. Omnis vero obligatio vel ex contractu nasciturvel ex delicto.Toda obrigação nasce de contrato ou de de-lito .

Adágio atribuído a Gaio segundo o qual duassão as fontes das obrigações: o contrato e odelito .

38. PerJas et neJas.Pelo justo e pelo injusto; corresponde a: porbem ou por mal, com ou sem permissão .

15. Ignorantia legis neminem excusat .A ignorância da lei não escusa ninguém.

16. In daris, cessat interpretatio.A interpretação cessa diante do que é cla-ro.

17. In dubio pro operaria.Em caso de dúvida, decide-se pelo operá-rio .

O operário é a parte considerada mais fra-ca.

18. In dubio pro reo.Na dúvida, a favor do réu.

19. Interrogatus non respondens habetur pro con-fesso.Ter-se-á por confesso o interrogado que nãoresponder.

O silêncio é uma forma de comunicação; daí,o ditado: quem cala, consente ou, melhor,quem cala, fala.

20. Jus et obligatio sunt correlata.Direito e obrigação são correlatos.

São idéias distintas, mas indissociáveis .

21. Lex dara non indiget interpretatione.Lei clara não carece de interpretação.

Corresponde a in daris cessat interpretatio.22. Lexjubeat, non suadeat.

A lei obriga, não persuade.

Referência ao caráter conativo, imperativoda lei.

23. Lex non est textus sed contextus.A lei não é texto, mas contexto.

Ressalta a importância do. contexto; este éque dá sentido ao texto.

24. Lex prospicit, non respicit.A lei não é retrospectiva, mas prospectiva .

As leis, em princípio, têm força para o futuro;vale o princípio da irretroatividade.

25. Mors omnia solvit.A morte desfaz todas as coisas.

Princípio aplicado para a perda da persona-lidade humana adquirida com o nascimento;a personalidade só termina com a morte; sóse perde com a perda da vida.

26. Memo ad faciendum cogi potest.

T

Escolhido um caminho não há regresso paraoutro.

rios, os ossos) e ao ditado popular: ''A quemdorme, dorme-lhe a fazenda".

13. Exfacto oritur ius.Do fato nasce o direito .

14. Fiat iustitia, pereat mundus.Faça-se justiça, mesmo que pereça o mundo.Atribuída a Públio, caracterizaria a intransi-gente severidade romana.

10. Dura lex, sed lex.A lei é dura, mas é a lei.

Em tempos passados, havia a seguinte pro-paganda de um fixador de cabelos - gumex- que, segundo Carlos Heitor Cony; era usadopor Juscelino Kubitschek:

"Dura lex, sed lexno cabelo só gumex."

Conta-se que, em Minas, havia esta versão:Dura lex, sed lex (para os pobres) e dura lex,sed latex (para os ricos - sempre estica).Leia-se Fernando Sabino ("A falta que elame faz").

11. Ei incumbit proba tio qui dicit, non qui ne-gatoCabe a prova àquele que alega, não ao quenega.

Princípio atribuído a Paulo e que correspon-de a onus probandi incumbit actori (o ônusda prova cabe ao autor) .

12. Electa una via non datur regressus ad alte-ram.

TFR - Tribunal Federal de Recursos

TRF - Tribunal Regional Federal

TRT - Tribunal Regional do Trabalho

Princípio atribuído a Ulpiano.

Dormientibus jus non succurit.O direito não socorre os que dormem; equi-vale a sero venientibus assa (aos retardatá-

Em regra, a confissão é indivisível: ou seaceita ou se rejeita; não há meio termo.

Confessio est regina probationum.A confissão é a rainha das provas.

Cujus est donandi, eidem et vendendi, et con-cedendi jus est.Aquele que tem o direito de dar, também temo de vender e de conceder.

Cautela excessiva não prejudica .

Absolvere debet judex potius in dubio quamcondemnare.Em caso de dúvida, o juiz deve antes absolverque condenar.

Absens heres non est.

Accessorium sequitur principale .O acessório acompanha o principal.

Confessio dividere non debet.A confissão não deve dividir-se.

Absque bonafide nulla valet praescriptio .Onde falta a boa fé a prescrição não tem va-lor.

282 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

8.5.1 Brocardos jurídicos

Dada a exigüidade de espaço, restringe-se otrabalho a alguns deles.

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

•••••• RT - Revista dos Tribunais

••••• 8.5

•••• 1. Abundans cautela non nocet.

•• 2.

•• 3.•• 4.

•• 5.

• 6.••• 7.•• 8.

••• 9.

•••

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284 Curso de Ponuguês Jurídico • Damião/Henriques

39. Poena maior absorvit minorem.A pena maior absorve a menor.

40. Qui jure suo utitur nem inifacit damnum.Quem usa seu direito não prejudica a nin-guém.

O exercício de um direito não constitui atoilícito.

41. Qui tacet consentire videtur; si loqui debuissetac potuisset.Quem cala considera-se consentindo, se de-vesse e pudesse falar.

Refere-se ao consentimento, um dos atosjurídicos.

42. Resoluto jure dantis, resolvitur jus accipien-tis.Uma vez solucionado o direito do outor-gante, resolve-se o direito do outorgado.

43. Res mobilis, res vilis.Coisa móvel, coisa desprezível.

Referência ao direito medieval que conside-rava de real valor só o bem imóvel.

44. Res ubicumque sit, pro dominio clamat.Onde quer que esteja a coisa, ela clama porseu dono.

Aplica-se à reivindicação em caso de furto.

8.5.2 Locuções latinas

1. Ab absurdo.A partir do absurdo, pelo absurdo. Fala-seem argumento "ab absurdo" e não "ab ab-surdum" como se vê em livros de autoresrenomados.

2. Aberratio delicti.Desvio do delito; erro na execução de um cri-me com resultado diferente do pretendido.

Corresponde, talvez, ao que diz o povo: "Ati-rou no que viu e acertou no que não viu."

3. Aberratio ictus.

Desvio de golpe, erro de execução: ao seexecutar um crime, ao invés de atingir A,atinge-se B.

4. Ab initio.

45. Salus populi suprema lex esto.A salvação do povo é a lei suprema.

46. Sublata causa, tollitur effectus.Suprimida a causa, cessam os efeitos.

47. Summum ius, summa injuria.Sumo direito, suma injúria, Tanto maior éa injustiça quanto maior for o direito. É umbrocardo atribuído a Cícero, já vigente noDireito Romano.

48. Testis unus, testis nullus.Uma testemunha, testemunha nenhuma;aparece também: testis unus, testis nullius.

49. Ubi bene, ibi patria.A pátria é o lugar onde se está bem.

50. Ubi homo, ibi ius.Onde está o homem, aí está o direito.

51. Ubi societas, ibi ius.Onde está a sociedade, aí está o direito.

52. Utile per inutile non vitiatur.O útil não é viciado pelo inútil.

53. Verba volant, scripta manent.As palavras voam, os escritos permanecem.

54. Volenti nonfit injuria.Àquele que consente não se faz injúria.

Desde o iníçio, a partir do início, de início.

O processo foi anulado _

5. Ab intestato.Sem deixar testamento.

Falecimento , herança _

6. Ab irato.Em conseqüência de ira, de raiva.

Ato executado é passível de anu-lação.

7. Absente reo.Na ausência do réu, estando o réu ausente.

Procedeu-se ao julgamento _

8. Ad cautelam.Para efeito de cautela, de prevenção.

Medidas ._ __(acauteladoras).Nomeação . . (por precaução)

9. Ad corpus.Para o corpo; usa-se na venda de um imóvelsem especificação de área.

10.Ad domum.Em casa; citação efetivada na casa do citan-do.

l1.Ad hoc.Para isto, para caso especificado, determina-do.

Promotor, advogado, delegado_ . __

12. Ad judicia.Para o juízo; procuração válida apenas parao juízo.

13.Ad instar.À semelhança de, à medida de, à maneirade.

"Vê-se ad instar dos exemplos apontados ... "(w. de Barros Monteiro}

14.Ad libitum.Segundo a deliberação, vontade, arbítrio.

" ... o prenome pode ser escolhido ad libitumdos interessados." (w. de Barros Monteiro)

15.Ad litem.Para a lide; para o litígio, em relação aoprocesso.

16.Ad nutum.Segundo o arbítrio, livremente.

"Assim sendo, mandato ..... não comporta re-vogação ad nutum." (w. de Barros Montei-ro)

17. Ad perpetuam rei memoriam.Para perpetuar a lembrança da coisa, provaque se produz para conservação, perpetua-ção do direito.

18.Ad probationem.Para prova, determinada formalidade legalexigida só para prova do ato.

19.Ad quem.Para quem, para o qual.

Tribunal : ao qual o recurso édirigido.

Dia o: fim da contagem de um pra-zo.

Lembretes Gramaticais 285

"De qualquer modo, compete agora ao juízoad quem pronunciar-se." (M. Noronha)

20. Ad referendum.Sujeito à aprovação, à apreciação.

Nomeação __ . . o; decreto, _

É comum o uso do substantivo "referendo".

21. Alieno tempore.Fora de tempo; inoportuno, intempestivo.

22. Animus.Intenção, vontade, propósito.

____ necandi (de matar)

____ habendi (de ter)

_____ lucrandi (de lucrar)

____ furandi (de furtar)

____ l-aedendi (de ferir)

____ donandi (de dar)

____ injuriandi (de injuriar)

____ manendi (de permanecer)

23.Ante litem.Antes da lide, do litígio, da propositura daação.

24.A quo.Procedência (de quem, do qual).A propósito, veja-se a citação de Cândido deFigueiredo por João Ribeiro (1960:252): "Aquo é locução jurídica, ainda hoje empregadano Fôro*, por oposição a ad quem.A quo designa a primeira instância judicial,de onde parte um processo ou um pleito,para seguir os seus trâmites; e ad quem de-signa uma instância superior, a que sobe oprocesso. O juiz a quo julga em primeirainstância; o juiz ad quem em segunda ouúltima.

Juiz a quo ou tribunal a quo é o ponto departida. Ficar a quo é não ir além, é ficaralguém num ponto, de onde queria sair enão pôde."

* Ortografia atual: Foro.2:>.Bis in idem.

Duas vezes sobre a mesma coisa; incidênciade um mesmo imposto sobre o mesmo con-tribuinte ou sobre matéria já tributada.

26. Citra petita (petitum).Julgamento que não resolve o que se pediu,o que se demandou.

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8.6 PREFIXOS E SUFIXOS LATINOS E GREGOS

Com referência ao item em pauta, pretende-se citar e comentar (se for o caso)apenas alguns prefixos e sufixos mais corr~ntes.

286 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

27. Concessa venia.Concedida, suposta a vênia, a permissão, alicença; o mesmo que data venia.

28. De cujus.O falecido, o testador falecido; a expressãocompleta é de cujus successione agitur.Ex.: "Todavia não é completo o aniquila-mento do de cujus pela morte." (W M. deBarros)

29. De facto.De fato, segundo o fato.

30. De jure.De direito; segundo o direito; conforme odireito. Na linguagem arcaica a forma cor-respondente era de juro.

31. Erga omnes.Para com todos, em relação a todos, de ca-ráter geral. O contrário é erga singulum."Asseguravam alguns que o nome é um direi-to da personalidade exercitável erga omnese cujo objeto é inestimáveL" (W M. de Bar-ros)

32. Et reliqua.E o restante, o demais, as demais coisas.

33. Ex aequo.Com igualdade, com equanimidade.

34. Ex causa.Em relação à causa; pela causa.

35. Ex professo.Por profissão, por oficio.

" ... mas não cuidaram ex professo deste pro-blema ... " (Miguel Reale)

36. Ex nunc.Ato, condição ou contrato cujos efeitos sefazem sentir com a celebração do ato, semretroatividade.

37. Ex offido.Em função, em decorrência do ofício, docargo.

"Asuspensão da ação pode ser provocada porele, pelo acusado ou decretada ex-officio pelojuiz." (M. Noronha)

Obs.: na edição de 1990, 20ª ed. da obra"Curso de Direito Processual Penal", de M.Noronha, eliminou-se o hífen em ex officio.

38. Ex tunc.Desde então, com retroatividade.

39. Ex vi.Por efeito, por força, em decorrência da for-ça.

"A ação será, então, pública ex-vi do art.103." (M. Noronha)

Veja-se a observação em ex officio.40. Extra petitum.

Além do pedido, fora do pedido, extrapo-lando o pedido.

41. Exequatur.Execute-se, seja executado; determinação documprimento de uma sentença.

42. In articulo mortis.Em artigo de morte; na iminência da mor-te.

43. In extremis.Corresponde ao anterior (42); a expressãocompleta é in extremis vitae momentis. Comeste título, Machado de Assis abre um capí-tulo de "Memórias póstumas de Brás Cubas".Olavo Bilac tem uma poesia com o mesmotítulo cujo verso inicial é:

"Nunca morrer assim! Nunca morrer numdia'4'"

44. In limine.No começo, no início, no limiar.

Rejeição in limine; o povo traduziria: rejeição"de cara".

45. In loco.No lugar, no próprio local.

lnvestigação .

46. In situoEquivalente ao anterior (45).

47. Inter vivos.Entre vivos, durante a vida, em vida.

48. Lato sensu.Em sentido amplo, geral.

Pós-graduação, .

49.Manu militari.Por força militar, sob coação militar, poli-cial.

50. Modus faciendi.Modo, maneira de fazer, de proceder.

____ ~faciendi_____ ~procedendi_____ agendi_____ vivendi

51. Mutatis mutandis.Mudado o que deve ser mudado (mudadas ascoisas que devem ser mudadas). É expressãocorrente nos livros de Direito.

52. Pari passu.A passo igual; no mesmo passo, de pare-lha.

Acompanhar alguém _

"É por tais razões que as vicissitudes dapalavra 'Direito' acompanham pari passu ahistória ... " (Miguel Reale)

53.Passim.Aqui e ali; com freqüência; freqüentemen-te.

Este advérbio latino usa-se após a citação deuma obra. Ex.: "Dessa forma, Bally (1951:16et passim) ... " (IN. de Barros Monteiro)

54. Pro rata.Em proporção, proporcionalmente.

"Sendo dois ou mais réus, a satisfação dascustas se fará mediante rateio ou pro rata."(M. Noronha)

55. Sine die.Sem data estabelecida, sem dia definido.

O julgamento foi adiado .

8.6.1 Prefixos latinos

Ab (a) - ponto de partida, afastamento: ab-rogar, ab-rogado, avocar.

Lembretes Gramaticais 287

56. Sine qua nonoIndispensável, obrigatória, necessária.

"... Vieira, porém, acentua a nota do traba-lho como condição sine qua non..." (AlfredoBosi)

57. Status quo.Na situação em que, no estado em que seacha uma questão.

"... o que lhe interessava era o status quo,base de seu poder pessoal." (Miguel Reale)

58. Stricto sensu.Em sentido estrito, determinado, especifica-do.Pós-graduação, _

59. Sub judice.Em juízo, em julgamento, à espera de julga-mento.

60. Sui generis.Especial, próprio, particular.

Caso _

61. Ultra petitum.Além do pedido, ultrapassado o pedido.

62. Ut infra.Como reza abaixo, como se vê abaixo.

63. Ut retro.Como está atrás, como se observa atrás.

64. Ut supra.Como está acima, como se verifica acima.

65. Verbigratia.Por exemplo; abrevia-se: v. g.

• Diante de palavra iniciada por r, deve-seusar o hífen: ab-rogatório, ab-rogar.

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288 Curso de Português Jurídico • Damião/Hentiques

• Ad (a) - movimento para, aproximação: ad-vogado, adjunto, aditar, adjudicar.

Frentea algumas consoantes ocorremas-similaçãoda consoante d e simplificaçãoda geminada; diante de r e s, mantém-se a consoante dupla: ad + rogare>arrogar; ad + signare > assinar; ad +firmare > affirmare > afirmar.Aparece a forma vernácula a:abraçar, amadurecer, avivar.Antes de r, usa-se o hífen: ad-renal, ad-rogação.

Contra - oposição: contradição, contrafé,contrafação, contra-ordem.• Diante de palavra iniciada por vogal, h,

1; s, deve-se usar o hífen: contra-ordem,contra-estadia, contra-republicano, con-tra-senso, contra-humanidade, contra-indício.

Cum - simultaneidade, concomitância, agru-pamento.• A forma latina cum sobrevive, v. g., em

cúmplice, cumprir, cumplicidade.A forma vernácula é com: combater,combinar.

• Con aparece diante de consoante (menosb ou p): conjurar, concubina, concubi-nato, conviver, consorre, consórcio.

• Coaparece ora com hífen, ora sem hífen,de acordo com o uso; não há regra arespeito: coexistir, coabitar, co-irmão,co-autor, co-seno, cooptar.

• De- movimento de cima para baixo, separa-ção: decapitar, depor, decrescer, demente.

• Des - separação, privação, negação: desfazer,desonesto, destratar, desumano.• Des assume, por vezes, sentido intensivo:

desgastar (gastar muito), desabusado(muito abusado), desnudez (nudez to-tal), desabalado (muito abalado).

Dis - negação, ação contrária: discordar,disjungir, distender, discriminação.• Antes de & I, m, n, r e v, reduz-se a di:

dilacerar, divagar, diminuir.• Antes de f acontece assimilação do s e,

em seguida, simplifica-se a geminada:dis + facilis > disffacilis > diffícil >difícil.

• Ex - movimento para fora: expatriar, exone-rar, expulsar, exportar, exumação.• Não se confunde com ex no sentido de

cessamento, estado anterior. Nesse casosempre se separa por hífen: ex-diretor,ex-senador, ex-juiz.

• O x do prefixo tende a se alterar em s:escusa, esquisito, esperto, esfregar. Aocontrário, em francês e inglês a tendên-cia é a permanência do x: exquisite, ex-quis, expert, excuse.

• Oprefixo pode apresentar sentido inten-sivo, como é o caso de extorquir, exacer-bar.Cumpre lembrar que nas formas latinasnão se usa o hífen: ex lege, ex officio, exvi etc.

Extra - posição fora, além de: extranume-rário, extravio, extradição, extrajudicial, ex-traprocessual.• Antes de vogal, h, 1; s, separa-se por hí-

fen: extra-ofício, extra-hospitalar, extra-regular, extra-síntese.

• In - negação (infiel, indecente, ímprobo),movimento para dentro (ingerir, induzir, in-correr).• Pode evoluir para en (enraizar, enterrar).

Emambos os casos, o n sofre assimilaçãoantes de 1; I, m, com a posterior simplifi-cação da geminada: in + legal> illegal> ilegal; in + ludir > illudir > iludir; in+ mutável> immutável > imutável.

• Chama-se a atenção para a diferençaque, às vezes, corre entre as negativasin e des:a) in: aspecto erudito e menos altera-

do;

des: aspecto popular e mais altera-do:imenso - desmedido; incógnito- desconhecido; inconsútil - desco-sido.

b) in: negação total (o que não é);des: negação parcial (o que deixoude ser):incrédulo - descrente; incolor - des-colorido (descorado); infrene - de-senfreado.

Observe-se a tendência popular de seacrescentar à forma negativa in odes(também negativo):quieto - inquieto - desinquieto;feliz - infeliz - desinfeliz.

• In, por vezes, denota intensidade; é oque se verifica, v. g., em invectiva, inva-são, incursão.

Infra - abaixo, é o oposto de supra; separa-se por hífen diante de palavra iniciada porvogal, h, 1; s: infra-assinado, infra-hepático,infra-renal, infra-som.

• Mal - mal, menos, pouco: malcriado, mal-visto, malfeito.• mal é um advérbio com força de prefi-

xo.• Pode ter, também, sentido intensivo

como, por exemplo, na expressão latina"male odisse" (odiar profundamente).Agrega-se, nesse caso, às formas ferido,magoado, sentido, enganado. Costuma-se citar o exemplo de Machado de Assis(Soneto a Carolina):"Que eu, se tenho nos olhos malferidosPensamentos de vida formulados, Sãopensamentos idos e vividos."

• Mal separa-se por hífen diante de vogalou h: mal-assombrado, mal-amado, mal-humorado.

• Ob - posição em frente, oposição, resistên-cia: óbito, obstar, obliterar, obstruir, objur-gatória.• Antes de c,f, p, m, acontece a assimilação

do b e a simplificação da geminada: ob+ currere > occorrer > ocorrer; ob +ponere > oppor > opor; ob + mittere> ommitir > omitir.

• Ob separa-se por hífen diante de r: ob-repção, ob-reptício.

• Per - movimento através (percorrer); du-ração (perdurar); acabamento (perpetrar,perfeito).

Pode ter valor intensivo: impertérrito.• Pre - anterioridade: prejulgar, prejuízo, pre-

datado.• Com o mesmo sentido, tem-se pré sem-

pre separado por hífen: pré-julgamento,pré-escola, pré-datado.

Lembretes Gramaticais 289

• Re- movimento para trás, repetição: repris-tinar, recorrer, reconvir, reiterar.• A propósito de reiterar, observe-se que a

pronúncia atual é rei-te-rar, com elimi-nação do hiato.

• A pronúncia popular é reteirar.• Red é forma arcaica de re e sobrevive, v.

g., em redibir, redimir, redibição, redun-dar, redargüir.

• Retro - movimento para trás, afastamento:retroceder, retrocesso, retroagir, retrotrair.• O verbo retrotrair, usado por Carneiro

Ribeiro e combatido por Rui Barbosa,foi tachado de pedante e de mau gostopor Almeida Tôrres (1959:54).

• Semi - meio, metade: semiprova, semiplena,semiprisão.• Usar-se-á com hífen diante de vogal, h,

1; s: semi-árido, semi-herói, semi-selva-gem, semi-roda.

• Sub - posição inferior, debaixo: subverter,subjugar, subsolo, subdiretor.

• Sub - forma erudita, com hífen diantede r: sub-raça.

• Sob - forma vernácula, com hífen diantede r: sob-rodas.

50 - forma vernácula, sem hífen: sobra-çar, somenos (so(b)menos).

• Sub - assimila-se o b à consoante inicialde palavra iniciada por e, f, g, p; a con-soante geminada simplifica-se: sub +ponere > suppor > supor; subgerere >suggerir > sugerir; subcedere > succe-der > suceder.

Atente-se para a partição silábica de su-blinhar; o correto é sub-li-nhar.

• Super - posição superior, posição em cima:superdose, superveniente, supérfluo, supérs-tite.

• A forma vernácula é sobre que se usacom hífen diante de h, r, s: sobre-huma-no, sobre-rodas, sobre-saia.

• A forma super (erudita) separa-se porhífen diante de h, r: super-herói, super-requisitado.

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Trans - através de, além de: trânsfuga, trans-missão.

An - idéia de privação, negação: anarquia,anômalo, anônimo.

Supra - posição superior, em cima: supra-citado, supradito.

Anti - denota oposição, posição contrária .Exemplo: antítese, antipatia, antiaborto, an-tidivórcio.

Lembretes Gramaticais 291

• Na realidade, mente é ablativo de mens-mentis que se transformou em sufixo.

• Naprática, na seqüênciade dois ou maisadvérbios de modo, coloca-se o sufixomente apenas no último.

O acusado estava profunda e inconsola-ve1mente triste.

Agravou-sea situação do acusado lenta,mas gradualmente.

• Emcaso, porém, de ênfase, pode-se em-pregar completostodos os advérbios.RuiBarbosa legoueste exemplo: "Assimque,em suma, logicamente, juridicamente etradicionalmente, não há outra maneirade nos exprimirmos".Outro exemplo citado por Cal (1954, p.91), de Eça:"... fechou sobre mim a portinhola, gra-vemente, supremamente como se cerrauma grade de sepultura."

Oso - sufixo abundancial: venenoso, maldo-so, leitoso, criminoso.• Por vezes, assume duplo sentido: teme-

roso (cheio de temor e provocador detemor); vergonhoso (cheio de vergonhae causador de vergonha).

Vel- é evolução normal da forma latina bil,usual em Camõese outros clássicos.Dá idéiade capacidade ou qualidade: amável, du-rável, audível. A forma arcaica bil deixouvestígios em:a) superlativos: terribilíssimo, amabilíssi-

mo;

b) substantivos abstratos: punibilidade,prorrogabilidade, estabilidade, respon-sabilidade;

c) adjetivos: contábil, débil, flébil, núbil,ignóbil.

~

cobiçade cupiditia

cupidezI

Mente - sufixo formador de advérbios de'modo: calmamente, rapidamente, sofrega-mente .

8.6.3 Sufixos latinos

• Ada - é rico de significado e pode indicar:golpe (ferimento): facada, punhalada,navalhadaquantidade: mesada, garfada, fornada.coleção: boiada, rapaziada, enxurrada.confeição: laranjada, cocada, limonada.ação: queimada, jogada, arrancada .

• A forma masculina ado aplica-se a títu-los, territórios, cargos, posições sociais:arcebispado, condado, juizado, doutora-do.

• Por vezes, usa-se ato por ado: clericato,sindicato, baronato.

• Agem - pode significar:

{ato ou estado: ladroagem, malandragem.coleção: ferragem, roupagem .

• AI - em geral, forma adjetivos: capital, ofi-ciai, mortal, fatal.

• Ante - forma-se com a vogal temática dos(lnte) verbos + sufixo nte do particípio(ente) presente; o sentido mais comum é

o de agente: tratante, despachante,delinqüente.

• Eza - prende-se ao sufixo latino itia que sealterou em eza (forma popular), abreviou-seem ez ou deu iça. Assim,

<justiçado latimjustitia temos .

Justeza

• A forma popular de trans é tras: trans-passar > traspassar; transladar > tras-ladar.

• Trans assume também a forma tres: tres-loucado, tresnoitar.

• Tris (tri) - idéia de três: trifauce, tripartite,tridimensional.

não antidiluviano), antepasto (e nãoantipasto).

• Usa-se com hífen diante de palavrasiniciadas por h, 1; s: anti-higiênico, anti-republicano, anti-sionista.

• Arqui - posição superior, em cima: arquidu-que, arquiteto, arquidiocese .• Separa-se por hífen diante de h, 1; s: ar-

qui-rabino, arqui-senador, arqui-humo-rista.

• Arce e Arei são variantes de arqui: arce-bispo, arcipreste, Arceburgo.

• Epi - posição superior, movimento para: epi-centro, epílogo, epitáfio, epiderme.

• Eu - bom, suave, agradável: eutanásia, eu-genia, eufonia.• É encontradiço em nomes próprios. Eu-

nice, Eulália, Eugênio, Eusébio, Eufrates,Eutanásio (criação de Pedro Nava).

• Hipo - em baixo de: hipoteca, hipótese, hi-podérmico.

• Pará - ao lado de: paráfrase, parasita, para-militar, paralingüística.Pró - movimento para diante, para frente:prólogo, progressão, projétil, prolatar.

• Syn - reunião, conjunção, simultaneidade:sistema, síntese, sintaxe, sincrônico.

Com hífen diante de palavra iniciadapor vogal, 1; s: supra-axilar, supra-renal,supra-sumo .

An usa-se diante de vogal.

A é redução de an diante de consoante:acéfalo, afonia. É o chamado "alpha pri-vans".

Etimologicamente, não há diferença en-tre amoral e imoral; prefixo latino in eo grego a têm o mesmo sentido. Amoralé neologismo e termo híbrido (formadode elementos de línguas diferentes: agrego e do latim mos-moris), criado paraestabelecer a diferença de sentido, hojeconsagrada.

imoral ~ contrário de moral; oposto àmoral.

Vale lembrar:

amoral ~ afastado, abstraído da mo-ral.

Deve-se cuidar em não se confundir oprefixo latino ante e o prefixo gregoanti; assim, dir-se-á antediluviano (e

••

••• 290 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques•••••••••• 8.6.2 Prefixos gregos

•••••••i.r.•t.~'.•••••••••••••••

Page 146: Curso portugues juridico_regina_toledo_10_edicao

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ALVIM, Décio Ferraz. Lógica. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1964.

AMADO, Gilberto. História da minha infância. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,1958.

ANDRADE, M. M.; HENRIQUES, A. Língua portuguesa: noções básicas para cursos supe-riores. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1994.

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292 Curso de Português Jurídico • Damião/Henriques

8.6.4 Sufixos gregos

• Ismo - significa sistema, crença, partido; éextremamente fértil na criação de neologis-mos, maxime, na esfera política: tenentismo,lacerdismo, parlamentarismo. Outras áre-as: jurídica (tridimensionalismo); filosófica(empirismo); artística (classicismo); religio-sa (catolicismo) etc.

• Ista- indica partidário de uma doutrina (so-cialista, positivista, jusnaturalista) ou pro-fissão (dentista, jurista, copista). Os sufixos

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