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1 CURSO PREEPARATÓRIO PARA O CONCURSO SOLDADO 3ª CLASSE PMGO 2017 APOSTILA DE DIREITO MILITAR

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CURSO PREEPARATÓRIO PARA O CONCURSO SOLDADO 3ª CLASSE PMGO 2017

APOSTILA DE DIREITO MILITAR

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2017

UNIDADE I – PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL MILITAR E LEGISLAÇÃO PERTINENTE

Da aplicação da Lei Penal Militar

Introdução

O Direito Militar é um ilustre desconhecido da maioria dos doutrinadores e

operadores da Ciência Jurídica. Como se sabe, poucas são as Instituições de Ensino Superior que possuem em sua grade curricular a referida disciplina e, mesmo assim, em muitas delas, apenas e tão somente como disciplina optativa. Esse esquecimento vem relegando, propositadamente, a segundo plano, o engrandecimento desse ramo especializado do Direito, chegando ao ponto da completa discrepância entre muitos de seus preceitos com aqueles estabelecidos pelo Direito Penal e Processual Penal Comum, uma vez que estes têm sido, continuamente, objeto de reforma de seus institutos e procedimentos, ao passo que o Direito Militar é proscrito deliberadamente dessa necessária atualização.

Conceito de Direito Penal Militar

Direito Penal Militar é o ramo especializado do direito Penal que estabelece as regras jurídicas vinculadas à proteção das instituições militares e ao cumprimento de sua destinação constitucional.

A especialidade do Direito Penal Militar decorre da natureza dos bens jurídicos tutelados, principalmente a autoridade, a disciplina, a hierarquia, o serviço e o dever militar, que podem ser resumidos na expressão “regularidade das instituições militares”.

Dentre algumas linhas doutrinárias, podemos citar, para fins de melhor compreensão, o que ensina Jorge Alberto Romeiro (1.994, p. 01), onde afirma que o Direito Penal Militar “consiste no conjunto de normas que definem os crimes contra a ordem jurídica militar, cominando-lhes penas, impondo medidas de segurança e

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estabelecendo as causas condicionantes, excludentes e modificativas da punibilidade”.(1)

Podemos afirmar em linhas gerais que o Direito Penal Militar protege um bem jurídico especial, que é a regularidade das Instituições Militares, no que concerne a hierarquia e a disciplina, cuja quebra acarretaria sua desestabilização e a desregularidade de suas missões constitucionais peculiares. Grifo nosso.

(1) ROMEIRO, J. A. Curso de Direito Penal Militar: parte geral. Ed. Saraiva. São

Paulo, 1994.

1.1 Caráter Especial do Direito Penal Militar

O Direito Penal Militar é um direito penal especial, porque a maioria de suas

normas, diversamente das de direito penal comum, destinadas a todos os cidadãos, se aplicam, exclusivamente, aos militares, que têm especiais deveres para com o Estado, indispensáveis à sua defesa armada e à existência de suas instituições militares. Esse caráter especial, ainda, advém de a Constituição Federal atribuir com exclusividade aos órgãos da Justiça Castrense (art. 122, CF/88) o processo e o julgamento dos crimes militares definidos em lei.

2. Da condição de MILITAR

A Constituição Federal de 1.988 inicialmente inseriu o militar na categoria de

servidor público, todavia com o advento da Emenda Constitucional nº 18 de 05.02.1998, o legislador passou a tratar o militar com uma categoria própria, e não mais como uma espécie de servidor público. Dentro desse contexto, a Carta Magna passou a distinguir os militares estaduais dos federais. Desta feita, os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ficaram regulados pelo art. 42 e parágrafos seguintes da CF/88. Já os militares federais, integrantes das Forças Armadas, estão disciplinados pelo §3º do art. 142 da CF/88.

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Art. 42, CF/88: Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

3. DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL MILITAR

3.1 Princípio da Legalidade

Nos termos do artigo 5º, XXXIX, Constituição de 1988 e do Art. 1º do CPM (Dec.

Lei 1001/69), “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

No Brasil é pacifico o entendimento de que apenas a lei (ordinária e complementar) em sentido formal pode incriminar condutas (Princípio da Reserva Legal), tratando-se de competência privativa da união (art. 22, I, CF/88). Nessa linha o STF já havia se manifestado no sentido de que medidas provisórias não podem incriminar condutas. A emenda constitucional nº 32/2001 trouxe vedação expressa ao tema no art. 62, § 1º, I,b, CF/88.

MILITARES FEDERAIS

Art. 142, CF/88

MARINHA EXÉRCITO AERONÁUTICA

MILITARES ESTADUAIS

Art. 42, CF/88

POLÍCIAS MILITARES

CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES

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Obs.: convém lembrar que nada impede a edição de Medidas Provisórias a fim de tratar matéria penal, desde que seja para dar tratamento mais benéfico ao acusado, a exemplo da MP n° 417/08, que alterou o Estatuto do Desarmamento (abolitio criminis temporária, que concedeu novo prazo para regularização e entrega de armas).

O Princípio da Legalidade também se desdobra na exigência da Taxatividade, a qual impõe que a lei penal deve ser certa, não admitindo descrições vagas e imprecisas da conduta proibida. Historicamente, é sabido que o Princípio da Legalidade nasceu da necessidade de limitar o poder sancionador do Estado, tal garantia foi efetivada com a determinação de que a conduta incriminada estivesse previamente definida em lei (Princípio da Anterioridade).

O enunciado do princípio da legalidade diz respeito não só à incriminação de condutas, mas também à cominação das respostas penais – penas e medidas de segurança.

3.2 Aplicação da Lei Penal Militar no Tempo

O Direito Penal Militar segue o princípio geral do tempus regit actum. Portanto,

aplica-se a lei penal em vigor quando foi praticado o fato e, sobrevindo nova lei, somente retroagirá para beneficiar o acusado (art. 2°, CPM e art. 5°, XL, CF/88).

3.3 Lei Supressiva de Incriminação

Ao dispor sobre a lei supressiva de incriminação, o art. 2° do CPM afirma que

“ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando, em virtude dela, a própria vigência da sentença condenatória irrecorrível”.

É o instituto denominado de abolitio criminis, a ocorrer quando a nova lei penal militar não mais considerar o fato ilícito penal.

Com a abolitio criminis cessam os efeitos penais, tanto o efeito principal, ou seja, a consequência direta e imediata da sentença condenatória, que é o cumprimento da sanção penal, como os efeitos penais secundários, p. ex., a reincidência, os antecedentes criminais com o lançamento do nome do rol dos culpados.

3.3 Tempo do Crime

Para definir o tempo do crime, o Código Penal Militar adotou a Teoria da

Atividade, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o do resultado” (art. 5°). Nesse ponto, o estatuto penal castrense adota o mesmo critério do Código Penal Comum.

O legislador brasileiro, a fim de fazer cessar as discussões sobre as vantagens e as desvantagens de outras teorias (teoria do resultado e teoria da ubiquidade ou

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mista) optou por adotar no ordenamento jurídico brasileiro a Teoria da Atividade, na qual considera-se o tempo do crime aquele em que o agente desenvolveu a conduta (ação ou omissão), ainda que outro seja o momento do resultado. Ex.: O Militar efetua disparos contra a vítima ou atropela o ofendido (no homicídio doloso ou culposo), ou ilude o ofendido, com a manobra fraudulenta, para obter vantagem ilícita (no estelionato), ou deixa de prestar socorro ao ferido (omissão de socorro), pouco importando a ocasião em que o sujeito passivo (vítima) venha a morrer, ou o agente obtenha a vantagem indevida.

Esta teoria foi adotada pelo CPM a fim de evitar a incongruência de o fato ser considerado crime em decorrência da lei vigente na época do resultado, quando não o era no momento da ação ou omissão

Obs.: Sumula n° 711, STF – “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado e ao crime permanente, se sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou permanência”.

No concurso de analista judiciário do STM em 2011 foi considerada errada a seguinte afirmação: “considere que um militar em atividade se ausente de sua unidade por período superior a 15 dias, sem a devida autorização sendo que, no decorrer de sua ausência, lei nova, mais severa e redefinindo o crime de deserção, entre em vigor. Nessa situação, será aplicada a lei referente ao momento da conduta de ausentar sem autorização, porquanto o CPM determina o tempo do crime de acordo com a teoria da atividade”.

De acordo com o gabarito, a banca examinadora adotou a orientação do Superior Tribunal Militar de que o crime de deserção tem natureza permanente.

3.4. Lugar do Crime

Para definir o lugar do crime, diferentemente do Código Penal Comum, o

artigo 6° do Código Penal Militar adota um Sistema Misto que concilia duas teorias.

Quanto ao Crime Comissivo adota-se a Teoria da Ubiquidade (Mista ou Unitária), pois “considera-sepraticado o fato, no lugar em que se desenvolveu a atividade criminosa, no todo ou em parte, e ainda que sob forma de participação, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”.

Quanto ao Crime Omissivo adota-se a Teoria da Ação ou Atividade, pois “considera-se o lugar do crime aquele em que deveria realizar-se a ação omitida”.

No concurso de Promotor de Justiça do Espirito Santo em 2010 foi considerada errada a seguinte afirmação “no tocante ao lugar do crime, o CPM aplica a teoria da ubiquidade para os crimes comissivos e omissivos, do mesmo modo que o CP”.

Ao acolher a teoria da ubiquidade nos crimes comissivos, o legislador ampliou a noção de lugar do crime para incluir tanto aquele no qual se verificar a conduta do

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agente, como aquele no qual se verifica o resultado naturalístico (nos crimes em que é exigido) ou ainda do bem jurídico violado (onde deveria produzir-se o resultado).

Por outro lado, tal ampliação pode ocasionar o inconveniente de duplo julgamento do mesmo fato no Brasil e no estrangeiro, óbice que pode ser resolvido pela regra do artigo 8° do CPM que afasta o bis in idem, já que “a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”.

3.5 Aplicação da Lei Penal Militar no Espaço

Mais uma vez, diversamente do tratamento adotado no Código Penal Comum,

o Direito Penal Militar adota a territorialidade e a extraterritorialidade incondicionada igualmente como regras de aplicação da lei penal no espaço.

Segundo o caput do artigo 7° do CPM, “aplica-se a lei penal militar, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no todo ou em parte no território nacional ou fora dele, ainda que neste caso, o agente esteja sendo processado ou tenha sido condenado pela justiça estrangeira”.

3.5.1 Princípio da Territorialidade

Aplica-se o referido princípio de forma temperada, uma vez que a aplicação da

lei penal militar brasileira ocorrerá “sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional”.

No sentido jurídico, o território é o âmbito espacial sujeito ao poder soberano do Estado evidenciado no território efetivo (real), que corresponde à superfície terrestre (solo e subsolo), às aguas territoriais (fluviais, lacustres e marítimas) e ao espaço aéreo correspondente (o Brasil adota a teoria da soberania sobre a coluna atmosférica).

Segundo orientação dominante, o mar territorial estende-se por 12 milhas da costa, não se confundindo com a zona econômica exclusiva, que é a faixa de 200 milhas. Alguns autores incluem a zona econômica exclusiva (200 milhas) no território jurídico.

O conceito jurídico de território desdobra-se na ficção do território por extensão ou flutuante, que no COM alcança “as aeronaves e os navios brasileiros, onde quer que se encontrem, sob comando militar ou militarmente utilizados ou ocupados por ordem legal de autoridade competente, ainda que de propriedade privada” (art. 7°, §1°, CPM).

O Código Penal Militar vai além e amplia a sua incidência para aplicar-se “ao crime praticado a bordo de aeronaves ou navios estrangeiros, desde que em lugar sujeito à administração militar, e o crime atente contra as instituições militares” (art. 7°, §2°, CPM).

Para efeito de aplicação do Código Penal Militar, considera-se navio toda embarcação sob comando militar conforme o artigo 7°, §3°do CPM.

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4. Princípio da extraterritorialidade irrestrita ou incondicionada Aplica-se a lei penal militar ao crime cometido fora do território nacional, ainda

que, neste caso, o agente esteja sendo processado ou tenha sido julgado pela justiça estrangeira.

A extraterritorialidade da Lei Penal Militar justifica-se como regra pela própria natureza da atividade militar e pelos bens jurídicos tutelados, sendo suficiente para sua aplicação fora do território nacional o Princípio da Soberania ou Defesa da Pátria, uma vez que o deslocamento de militares fora do território nacional e o interesse das instituições militares representam a soberania do Estado Brasileiro.

4.1 Aplicação da Lei Penal Militar quanto às Pessoas

4.1.1. Definição de Militar para efeito de aplicação da Lei Penal Militar

Nos termos do artigo 22 do CPM, é “considerada militar, para efeito de

aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar”.

O Estatuto dos Militares (Lei n° 6.880/80) define de forma mais ampla os militares como “os membros das forças armadas que, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da pátria”, podendo encontrar-se na ativa ou em inatividade.

a) Militares da Ativa

São militares da ativa, na ativa, em serviço ativo, em serviço na ativa, em serviço,

em atividade ou em atividade militar. Os de carreira aqueles que, no desempenho voluntário e permanente do

serviço militar, tenham vitaliciedade assegurada ou presumida. Obs.: em recentes julgados, o Superior Tribunal de Justiça e Superior Tribunal Militar têm reconhecido que o militar agregado deve ser considerado militar da ativa para o fim da aplicação do Código Penal Castrense. Os incorporados às forças armadas para a prestação de serviço militar

inicial, durante os prazos previstos na legislação que trata do serviço militar.

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Obs.: se o sujeito for considerado inapto em inspeção de saúde, ou declarar-se arrimo de família, ou possuir condenação criminal não preencherá os requisitos para a incorporação. Assim, haverá defeito do ato de incorporação quando estiverem presentes alguns desses impedimentos e, mesmo assim, efetivar-se a sua inclusão no serviço ativo. Nesses casos, alerta o artigo 14, CPM que o “o defeito do ato de incorporação não exclui a aplicação da lei penal militar, salvo se alegado ou conhecido antes da pratica do crime”. Os componentes da reserva das forças armadas quando convocados,

reincluídos, designados ou mobilizados. Os alunos de órgãos de formação de militares da ativa e da reserva. Em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço

ativo nas forças armadas.

b) Militares Inativos

Os militares na inatividade são:

Reserva remunerada, quando pertençam à reserva das forças armadas e percebam remuneração da União, porém sujeitos, ainda, à prestação de serviços na ativa, mediante convocação ou mobilização;

Reformados, quando, tendo passado por uma das situações anteriores estejam dispensados, definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União.

Obs.: o artigo 12 do Código Penal Militar afirma que o “militar da reserva ou reformado, empregado na administração militar, equipara-se ao militar em situação de atividade, para o efeito da aplicação da lei penal militar”. Nessa esteira, o artigo 13, CPM, dispõe que “o militar da reserva ou reformado, conserva as responsabilidades e prerrogativas do posto ou graduação, para o efeito da aplicação da lei penal militar, quando pratica ou contra ele é praticado crime militar”.

c) Militares dos Estados e a competência da Justiça Militar da União

Cumpre ressaltar que a competência da Justiça Militar da União restringe-se a processar e julgar os crimes militares definidos em lei e não apenas os militares das forças armadas. De outro lado, a Justiça Militar dos Estados tem competência mais restrita, processando e julgando apenas militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei, excluindo-se os crimes dolosos contra a vida de civil.

Segundo entendimento do STF, à luz do artigo 22, CPM e do artigo 3° do Estatuto

dos Militares, perante a justiça militar da União, somente é considerado militar propriamente dito o militar da ativa das Forças Armadas. O militar estadual (policial militar e bombeiro militar) é considerado civil (não militar propriamente dito). Em

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sentido oposto, o STM e o STJ consideram que o militar estadual da ativa é militar propriamente dito, para efeito de fixação de competência da Justiça Militar da União.

4.1.1 Assemelhado

Dispõe o artigo 21 do Código Penal Militar que se “considera assemelhado o

servidor, efetivo ou não, dos ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, submetido a preceito de disciplina militar, em virtude de lei ou regulamento”. Segundo entendimento majoritário da doutrina e pacífico do Superior Tribunal Militar, não existe a figura do civil assemelhado a militar.

Nessa linha, o STJ tem firme posicionamento de que o Soldado PM temporário, nos termos da Lei do Estado de São Paulo (Lei 11.064/02), presta serviços administrativos e auxiliares de saúde e de defesa civil, não sendo, portanto, considerado militar, mas civil, razão pela qual compete à Justiça Comum Estadual seu processo e julgamento.

4.1.2 Comandante

Comando é a soma de autoridade, deveres e responsabilidades de que o militar

é investido legalmente quando conduz homens ou dirige uma organização militar. O comando é vinculado ao grau hierárquico e constitui uma prerrogativa impessoal, em cujo exercício o militar se define e se caracteriza como chefe. Segundo o artigo 23 do CPM “equipara-se ao comandante, para o efeito da aplicação da lei penal militar, toda autoridade com função de direção”.

4.1.3 Superior

A condição de superior é fundamental em algumas normas penais militares, daí

o artigo 24 do CPM esclarecer que “o militar que, em razão de função, exerce autoridade sobre outro de igual posto ou graduação, considera-se superior, para efeito da aplicação da lei penal militar”.

5. Crime Militar

5.1 Conceito

O direito penal Militar é especial em virtude dos bens jurídicos tutelados: as

instituições militares, a hierarquia e a disciplina, o serviço militar e o dever militar, bem como a condição de militar como sujeito ativo ou passivo.

É a própria Constituição da República que aponta a especialidade dos Crimes Militares e da Justiça competente para seu processo e julgamento, remetendo ao legislador ordenar a tarefa de defini-los (art. 124, CF e Art. 125, §4°, CF).

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Levando-se em consideração tais esclarecimentos e para uma melhor compreensão do tema abordado, optamos por citar o conceito de crime militar na lição de Jorge César de Assis (2010: 44), na qual afirma que “Crime Militar é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares. Distingue-se da transgressão disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples. A relação entre crime militar e transgressão disciplinar é a mesma que existe entre crime e contravenção penal.”

5.1.1 No Aspecto Material, o crime militar caracteriza uma acentuada violação

do dever militar e dos valores das instituições militares, enquanto a transgressão disciplinar configura, pelo menos em tese, uma afronta mais branda àqueles valores, o que autoriza seu processamento pela via administrativa.

5.1.2 No aspecto formal, diferentemente do sistema penal comum, o Direito Penal Militar não adota o sistema bipartite, que classifica as infrações penais em crime e contravenções penais. O Código Castrense somente se ocupa dos crimes militares, já que, nos termos de seu art. 19, afirma-se expressamente que “este código não compreende as infrações dos regulamentos disciplinares”. As transgressões disciplinares ficam a cargo dos regulamentos internos das instituições militares.

Os crimes militares são classificados doutrinariamente em crimes militares próprios e impróprios.

5.1.3 Crime propriamente militar é aquele cujo bem jurídico tutelado é inerente ao meio militar e estranho a sociedade civil (autoridade, dever, serviço, hierarquia, disciplina, etc.) e somente pode ser praticado por militar da ativa. Assim, é crime previsto somente no Código Penal Militar, pois o tipo penal é criado especificamente para proteger interesses jurídicos exclusivos da vida militar e o sujeito ativo só pode ser militar da ativa, uma vez que tal qualidade do agente é essencial ao tipo. Exemplos: deserção (artigo 187), abandono de posto (artigo 195) e desrespeito a superior (artigo 160).

5.1.4 Crime Impropriamente Militar por afetar bens jurídicos comuns às esferas militar e civil (vida, integridade corporal, patrimônio, etc.), tem previsão legal tanto no Código Penal Militar quanto na legislação comum (Código Penal Brasileiro) e pode ser praticado por militar ou por civil, mas só serão considerados militares se for praticado nas condições expressas no Código Castrense. Exemplos: homicídio (artigo 205), furto (artigo 240) e lesão corporal (artigo 209).

Vale lembrar que os crimes previstos em leis especiais ou extravagantes não se aplicam à Justiça Militar, exceto se houver expressa disposição legal, ou seja, somente os crimes definidos no Código Penal Militar poderão ser julgados pela Justiça Castrense. Assim, por exemplo, não se encontram na esfera de competência da Justiça Militar a aplicação da Lei 9.099/1995 (artigo 90-A), a lei dos crimes hediondos, de licitação, de improbidade administrativa, estatuto do desarmamento, código de trânsito, lei Maria da Penha, lei de abuso de autoridade.

5.2 Critérios Determinantes

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De acordo com a doutrina, o Código Castrense não apresenta uma definição

do crime militar, apenas enumera alguns critérios para orientar o interprete na sua identificação. Prevalece o critério objetivo (ratione legais): é crime militar aquele elencado no Código Penal Militar.

Contudo, deve-se combinar o critério legal com alguma das hipóteses apontadas no art. 9° e 10 do CPM: ratione personae, ratione loci, ratione materiae ou ratione temporis.

• Ratione Personae: crime militar é aquele cujo sujeito ativo é militar. • Ratione loci: crime militar é aquele que ocorre em lugar sujeito à administração militar. • Ratione Materiae: exige-se dupla qualidade de militar - no ato e no sujeito. Crime cometido por militar em serviço ou em razão do serviço, mesmo que fora do lugar sujeito à administração militar. • Ratione Temporis: crime militar é aquele cometido em determinada época ou circunstância (tempo de guerra, período de exercícios ou manobras).

6. Crime Militar em Tempo de Paz (artigo 9º do Código Penal Militar)

6.1 Art. 9°, inciso I, do Código Penal Militar

Nos termos do art. 9°, inciso I do CPM “consideram-se crimes militares, em tempo de paz os crimes de que trata esse código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial”.

O inciso I apenas reconhece a existência dos crimes impropriamente militares (definidos de modo diverso da lei penal comum, qualquer que seja o agente) e dos propriamente militares (crimes não previstos na lei penal comum praticados somente por militar - “salvo disposição especial”).

Como já foi registrado, o crime próprio só pode ser praticado por militar, consistindo na violação de deveres que lhes são próprios, sendo irrelevante o fato de o sujeito ativo estar de folga quando da suposta prática delituosa.

Exemplos de crimes propriamente militares: Motim e Revolta (art. 149 a 153, CPM); Violência contra superior (art. 157 e forma qualificada - art. 159, CPM); Reunião ilícita (art. 165, CPM); Recusa de Obediência (art. 163, CPM); Deserção (art. 187 a 192, CPM); Omissão de oficial (art. 194, CPM); Abandono de posto e outros crimes em serviço (art. 195 a 203, CPM);

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6.2 Crime Propriamente Militar e coautoria com civil

A orientação mais tradicional da doutrina, encampada por Célio Lobão, é pela impossibilidade de coautoria entre militar e civil no crime propriamente militar, não havendo que cogitar-se em aplicação do artigo 53 , 1°, in fine, CPM. De outro lado, Jorge de Assis defende que a condição pessoal de militar, por ser elementar do tipo, comunica-se ao concorrente por força do artigo 53, §1°, in fine, CPM.

Quanto ao tema, o Superior Tribunal Militar já decidiu que, em caso de ofensa aviltante a inferior (art. 176, do CPM), havendo concursos de agentes é irrelevante que os concorrentes sejam estranhos a carreira militar. As circunstâncias elementares do crime consistentes na condição de militar e de superior se comunicam ao civil, por força do artigo 53, §1°, in fine, CPM.

6.3 Art. 9°, inciso II, do Código Penal Militar

Nos termos do Art. 9°, II, do CPM “consideram-se crimes militares em tempo

de paz (…) os crimes previstos neste código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticado por militar em situação e atividade”.

Todas as hipóteses caracterizam crimes impropriamente militares (ratione legis) tendo sempre como sujeito ativo militar em atividade (ratione personae). A posterior exclusão do serviço ativo das forças armadas é irrelevante, pois a condição de militar do agente que deve ser aferida no momento em que cometido o delito.

a) Contra militar na mesma situação – trata-se de crime impropriamente militar praticado por militar da ativa contra outro militar da ativa, não havendo necessidade de que um saiba da condição do outro, nem que os envolvidos estejam em situação de serviço, tampouco em lugar sujeito à administração militar.

De acordo com a jurisprudência dominante nos tribunais superiores (STF, STJ e STM), basta que os sujeitos ostentem a condição de militares da ativa para que o crime seja militar.

Todavia, sinalizando mudança de entendimento, foi noticiado informativo número 626 do STF decisão da primeira turma deferindo habeas corpus para “declarar a incompetência da justiça castrense para apreciar ação penal instaurada pela suposta pratica do crime de lesão corporal grave cometido por um policial militar contra o outro, sem que os envolvidos conhecessem a situação funcional de cada qual, além de não estarem uniformizados. Entendeu-se que a competência da justiça militar, conquanto excepcional, não poderia ser fixada apenas à luz do critério subjetivo, mas também por outros elementos que lhe justificassem a submissão, assim como a precípua analise de existência de lesão, ou não, do bem juridicamente tutelado”.

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(HC 99541/RJ). Em sentido diverso e, mantendo a orientação tradicional o Supremo Tribunal

Militar tem afirmado que “é desnecessária a conjugação da condição funcional com os demais elementos circundantes do crime, bastando que o agente e a vítima sejam militares das forças armadas para a fixação da competência da justiça castrense”. (Embargos Infringentes 0000016-90.2003.7.01.0401/DF).

Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que no crime de ameaça, que é impropriamente militar, se tanto o autor quanto a vítima são militares da ativa, enquadra-se a hipótese na alínea “a” do inciso II do artigo 9° do Código Penal Militar. (HC 123.802/PB).

Controvérsia: crimes envolvendo militares federais e dos estados: Nos

termos do artigo 124, da Constituição da República, a competência da Justiça Militar da União restringe-se a processar e julgar os crimes militares definidos em lei e não apenas os militares das forças armadas.

De outro lado, as justiças Militares dos Estados têm competência mais restrita, processando e julgando apenas os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei, excluindo-se os crimes dolosos contra a vida de civil (125, §4°, CF).

A luz do Código Penal Militar (art. 22), perante a Justiça Militar da União, o militar estadual (Policial Militar e Bombeiro Militar) não é considerado militar propriamente dito. De outro lado, os militares das forças armadas não são julgados perante as justiças Militares Estaduais, uma vez que essas julgam os militares dos Estados que pratiquem crimes militares.

O STF confirmando essa orientação concedeu habeas corpus, impetrado em favor de soldado da polícia militar, denunciado pela suposta pratica do crime de desacato militar (CPM, art. 299) perpetrado contra oficial das forças armadas, para declarar a competência da justiça castrense estadual. (HC 105844/RS)

Em sentido oposto, o Superior Tribunal Militar considera que o militar estadual da ativa é militar propriamente dito, para efeito de fixação de competência da Justiça Militar da União. (RSE 2002.01.007044-9/RS).

Em recente decisão a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que “lesões corporais praticadas por policial militar contra capitão do Exército, dentro de um batalhão de infantaria, local sujeito à Administração Militar Federal, é crime militar da competência da Justiça Militar da União, em face da qualificação do envolvidos e também pela proteção que merece o local onde acontecido os fatos. (CC 107.148/SP).

b) Em lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva ou reformado ou civil – trata-se de crime impropriamente militar (ratione legis), com definição idêntica no Código Penal Comum, mas que só poderá ser praticado por militar da ativa (ratione personae) contra alguém que não ostente essa condição (militar da reserva, reformado ou civil) em lugar sujeito a administração militar (ratione loci).

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Considera-se local sujeito à administração militar aquele que pertence ao patrimônio das instituições militares ou que se encontra sob sua administração por disposição legal ou ordem de autoridade competente. Compreende nesse conceito bens imóveis e os móveis (veiculo, embarcação ou aeronave).

c) Por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado ou civil – novamente cuida-se de crime impropriamente militar (ratione legis), praticado por militar da ativa (ratione personae) em serviço, ou seja, exercendo sua função de natureza militar (ratione materiae), contra alguém que não ostente essa condição (militar da reserva, reformado ou civil) em qualquer lugar (ainda que fora do lugar sujeito à administração militar).

Por exemplo, durante o desfile em comemoração ao Dia da Independência, um militar em formatura agride um civil, causando-lhe lesões corporais. Todavia, se o militar em atividade abandonar o posto, não está mais no exercício da atividade militar, configurando hipótese de crime comum.

d) Durante o período de manobras ou exercícios, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil – à semelhança da figura anterior, o crime é impropriamente militar (ratione legis), praticado por militar da ativa (ratione personae) contra alguém que não ostente essa condição (militar da reserva, reformado ou civil), em período de manobras ou exercícios (ratione Temporis).

Imagine-se um militar em período de manobras e exercícios (treinamento em campo) que, ao atravessar o terreno de uma fazenda, dispare contra o animal de propriedade de um civil, provocando-lhe a morte. O comportamento caracteriza crime de dano e será tipificado no artigo 259, CPM.

e) Por militar em situação de atividade, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar – nessa hipótese, para configurar-se o crime militar, é necessário que o militar da ativa cause lesão ao patrimônio ou à ordem administrativa militar. 6.4. Art. 9°, inciso III, do Código Penal Militar

Nos termos do Art. 9°, II, do CPM “consideram-se crimes militares em tempo de paz (…) os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado ou civil, contra as instituições militares…”.

Todas as Hipóteses caracterizam crimes contra as instituições militares tendo sempre como sujeito ativo pessoa que não seja militar propriamente dito: da reserva, reformado ou civil. Na hipótese, para efeito de conceituar o crime militar, equipara-se o militar da reserva ou reformado ao civil.

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O referido inciso somente se aplica na esfera da Justiça Militar da União, uma vez que, como já registrado, a Justiça Militar Estadual somente julga militares dos Estados por expressa disposição constitucional (125, §4°, CF).

a) Contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar – Trata-se de crime impropriamente militar praticado por sujeito que não ostenta a qualidade de militar da ativa contra o patrimônio sob a administração militar ou contra a ordem administrativa militar (ratione materiae).

O roubo praticado por civil contra o patrimônio sob administração militar é crime militar, consoante o artigo 9°, inciso III, alínea “a”, do Código Penal Militar, sendo irrelevante o local em que a ação se desenvolveu para a caracterização do delito. Portanto há crime militar no caso de civis que, agindo em conjunto, em local público, abordam militar e, sob ameaça de emprego de violência, roubam-lhe o carro e a arma que portava, pertencente ao Exército Brasileiro. (STM. Apelação 2005.01.049923-7/SP).

Porém, se um civil subtrair arma de propriedade da Polícia Militar no interior de unidade militar, apesar de o patrimônio dessa Instituição ter sido atingido, responderá perante a Justiça Comum Estadual, pois um civil jamais será réu em processo na Justiça Militar Estadual, em razão da Lei Maior, em seu artigo 125, § 4º, que restringiu a competência da Justiça Militar Estadual para julgar tão somente policiais militares e bombeiros militares.

b) Em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou contra funcionário de Ministério Militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo – trata-se de crime impropriamente militar praticado por sujeito que não ostenta a qualidade de militar da ativa contra militar da ativa ou funcionários públicos da administração militar ou da Justiça Militar (ratione personae), no exercício de função inerente a seu cargo (ratione materiae), e em lugar sujeito à administração militar (ratione loci).

Conforme entendimento do STM, caracteriza-se os crimes militares de difamação e injúria, previstos nos artigos 215 e 216, CPM, na situação em que “um oficial da reserva e outro civil, pai e filho, por meio de reiterados documentos encaminhados a diversas autoridades militares, nos quais invariavelmente ofendiam a dignidade e a honra de uma praça e um oficial, ambos do Exército Brasileiro. Tendo as ofensas se consumado no interior das Organizações Militares às quais foram encaminhados os documentos e dirigidos aos militares no pleno exercício das suas atividades. (Apelação n. 0000011-75.2007.7.03.0303/RS).

c) Contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras – trata-se de crime impropriamente militar praticado por sujeito que não ostenta a qualidade de militar da ativa contra militar da ativa (ratione personae) em formatura,

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ou durante o período de prontidão, etc. (ratione materiae e temporis), qualquer que seja o lugar. d) Ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho do serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciaria, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior – é hipótese semelhante à anterior, de crime impropriamente militar praticado por sujeito que não ostenta a qualidade de militar da ativa contra militar da ativa (ratione Personae), em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem (ratione materiae), independentemente do local.

O civil que descumpre ordem de soldado do Exército em serviço externo de policiamento de trânsito de fronte a quartel responde por delito de desobediência (art. 301, CPM), consoante a alínea “d” inciso III do artigo 9° do CPM, uma vez que o militar teria agido, na garantia e na preservação da ordem pública, a partir do poder de polícia, que a segurança pública propriamente dita poderia implementar. (HC 115671/RJ - STF).

No âmbito da Justiça Militar da União, o homicídio doloso praticado por civil contra militar em situação de serviço configura crime militar. a jurisprudência Supremo Tribunal Federal é no sentido de ser constitucional o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de militar em serviço pela justiça castrense, sem a submissão destes crimes ao Tribunal do Júri, nos termos do art. 9°, inc. III, “d” do CPM. (HC 91003/BA).

6.4 Homicídio doloso praticado por militar contra civil (art. 9°, parágrafo único

do CPM)

“Os crimes de que trata esse artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do artigo 303 da Lei n. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica).”

Segundo o entendimento dominante nos tribunais superiores (STF e STM) o parágrafo único do artigo 9°, CPM só pode ser aplicado aos Militares dos Estados que cometessem crimes dolosos contra a vida de civis, ficando sujeitos a julgamento perante o tribunal do júri. Os crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares das Forças Armadas atuando em razão da função continuariam sendo crimes militares e julgados na Justiça Militar da União.

7. Crime Militar em Tempo de Guerra

Nos exatos termos do artigo 15 do CPM, “o tempo de guerra, para os efeitos da

aplicação da lei penal militar, começa com a declaração ou o reconhecimento do

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estado de guerra, ou com o decreto de mobilização se nele estiver compreendido aquele reconhecimento”.

Importante frisar que o estado de guerra pode existir independentemente da declaração formal de guerra, desde que evidenciada a ocorrência de atos de guerra, quando um Estado deliberadamente pratica atos de violência contra outro Estado, através de sua força armada.

O tempo de guerra termina quando ordena a cessação das hostilidades (art. 15, in fine, CPM), competindo ao Presidente da República celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do congresso nacional (art. 84, XX, CF).

Para definir os crimes militares em tempo de guerra, o legislador castrense deu primazia aos critérios ratione legis e ratione temporis. Assim, à luz das balizas indicadas no art. 10 do CPM, qualquer delito pode ser considerado crime militar em tempo de guerra, senão vejamos:

• os crimes especialmente previstos no Código Penal Militar para o tempo de guerra estão elencados no livro II da parte especial do CPM, do artigo 355 em diante; • os crimes propriamente militares previstos para o tempo de paz, agregando-se a circunstância temporal: se praticados em tempo de guerra; • os crimes impropriamente militares (previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, qualquer que seja o agente) quando praticados em: território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado; qualquer lugar, se comprometerem ou poderem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do país ou podem expô-la a perigo. • os crimes comuns (definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos no CPM), quando praticados: em zona de efetivas operações militares; em território estrangeiro, militarmente ocupados;

7.1 Causa de aumento de pena

O artigo 20 do CPM prevê uma causa de aumento de pena de um terço para os crimes militares praticados em tempo de guerra. Note-se que a fração de aumento, salvo disposição especial, incide sobre as penas cominadas para o tempo de paz.

Conclui-se, portanto, que somente haverá incidência da majorante nas

hipóteses dos incisos II, III e IV, do artigo 10 do Código castrense, já que os crimes especialmente previstos para o tempo de guerra (inciso I) apresentam penas mais graves em seus preceitos secundários. Aumenta-las em um terço caracterizaria odioso bis in idem.

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7.2 Aplicação da lei penal militar em crimes cometidos em prejuízo de país aliado

O artigo 18 do CPM apresenta uma hipótese de incidência excepcional da lei

castrense aos crimes cometidos em prejuízo de país aliado (em guerra contra país inimigo do Brasil) desde que tenham sido praticados por brasileiro ou, qualquer que seja o agente, se praticados no território nacional ou em território militarmente ocupado por força brasileira.

8. Ilicitude (antijuridicidade)

8.1. Conceito

Ilicitude é a relação de contrariedade entre o fato humano e as exigências do ordenamento jurídico em sentido amplo, representando uma lesão ou ameaça de lesão a bens jurídicos protegidos.

De acordo com a teoria da Ratio Cognoscendi, adotada pela orientação dominante, a tipicidade exerce uma função indiciária de ilicitude. Assim, verificada a ocorrência de um fato típico, há um juízo condicionado de ilicitude, que se confirmará se não houver incidência de nenhuma das causas de justificação previstas no ordenamento jurídico.

8.2. Causas de Exclusão da ilicitude (descriminantes, justificativas ou causas de justificação)

a) Princípio Fundamentador

A causa de justificação tem fundamento no predomínio do direito preeminente. Faz-se um processo de ponderação, no caso concreto, a fim de determinar-se o direito prevalente de acordo com o ordenamento jurídico. Assim, aquele que atua amparado por uma causa de justificação, embora sacrificando um bem jurídico alheio, comporta-se conforme as exigências do direito.

b) Requisitos das causas de exclusão da ilicitude

• O requisito objetivo diz respeito aos elementos objetivos constantes na norma permissiva. • O requisito subjetivo caracteriza-se pela consciência e vontade de agir justificadamente, evidenciadas pela relação de congruência entre conduta do agente e a norma que permite sua pratica.

c) Espécies de causas de exclusão da ilicitude

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O Código Penal Militar apresenta um rol meramente enumerativo de excludentes de ilicitude. Cediço que a lista de causas de justificação não pode ser exaustiva, pois não se trata de questão exclusiva da esfera penal, mas do ordenamento jurídico.

De acordo com o artigo 42 do estatuto penal militar, não há crime quando o agente

pratica o fato em: • estado de necessidade; • legítima defesa; • estrito cumprimento do dever legal; • exercício regular de direito.

No parágrafo único do referido artigo, há uma causa de justificação exclusiva do comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, que na iminência de perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque.

Importante registrar que o consentimento do ofendido não encontra aplicação

na esfera penal militar, diferentemente do que ocorre no Direito Penal comum, onde é reconhecido pela doutrina como causa supralegal de exclusão da ilicitude.

A razão é simples, os bens jurídicos tutelados no regime castrense são

indisponíveis (hierarquia, disciplina, bom funcionamento das instituições militares), daí porque a ação penal é sempre pública, conforme reza o artigo 121, do CPM.

8.3. Estado de necessidade justificante – art. 43, COM

a) Conceito

De acordo com o artigo 43 do Código Penal Militar, “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo.

O quadro no estado de necessidade é de colisão de dois bens jurídico igualmente amparados pelo ordenamento jurídico, levando a um juízo de ponderação que determinará a prevalência de um sobre o outro.

b) Teorias acerca do estado de necessidade

O Código Penal comum adota a teoria unitária, pois a definição do seu artigo 24

não estabelece previamente diferença quanto aos valores dos bens jurídicos em conflito. Basta ler o dispositivo: “considera-se em estado de necessidade quem pratica

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o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.

Assim para o Código Penal comum, respeitado o critério de razoabilidade, todo estado de necessidade seria justificante, a eliminar a ilicitude do fato típico praticado pelo agente, não importando se o bem por ele protegido é de menor, igual ou superior valor ao daquele sacrificado.

O Código Penal Militar adota a teoria Diferenciadora alemã, pois, considerando-se os valores dos bens jurídicos em conflito, distinguem-se o estado de necessidade justificante e o estado de necessidade exculpante. O estado de necessidade justificante afasta a ilicitude, quando o bem jurídico protegido é de valor superior o daquele sacrificado. Não há crime, nos termos do artigo 43, CPM, “desde que o mal causado, por sua natureza e importância, é consideravelmente inferior ao mal evitado”. De outro lado, o estado de necessidade exculpante elimina a culpabilidade, quando o bem protegido é de valor igual ou inferior ao valor sacrificado. Trata-se de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa. Por exemplo, se durante um naufrágio, dois marinheiros disputam o ultimo lugar no bote salva-vidas, haverá estado de necessidade exculpante para aquele que sacrifica a vida do colega para salvar-se.

De acordo com o artigo 39, CPM, “não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo ou atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior o direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa.

c) Requisitos legais do Estado de necessidade justificante

O agente deve ter consciência dos elementos objetivos da causa de justificação

apontados no artigo 43, COM e agir com vontade de salvamento (elemento subjetivo).

A lei castrense exige ameaça a direito próprio ou alheio. Assim, o interesse em perigo pode ser do próprio agente (estado de necessidade próprio) ou de outrem (estado de necessidade de terceiro). O estado de necessidade de terceiro fundamenta-se no reconhecimento da impossibilidade de imediata e eficiente assistência estatal, que outorga a faculdade de intervenção protetora de um particular em favor de outro, ainda que não exista entre eles relação especial de preservação do bem jurídico (ex.: parentesco, amizade, subordinação etc.).

Segundo a doutrina, é perfeitamente possível agir em estado de necessidade de terceiros, desde que o bem a ser defendido seja indisponível. Todavia, sendo o bem jurídico disponível, em regra, sua defesa compete somente ao seu titular, que, diante do caso concreto, pode optar em defende-lo ou não. Nesse caso, só pode agir em estado de necessidade de terceiros se houver anuência do titular.

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Vale ressaltear que o estado de necessidade exculpante (art. 39, CPM), somente autoriza agir em estado de necessidade de terceiros quando o sujeito estiver a ele “ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição”.

De outro lado, é necessária a ocorrência de uma concreta situação de perigo certo e atual, que é aquela que está prestes a acontecer. De acordo com a orientação doutrinária, considera-se atual o perigo se, a demora da intervenção aumentar de forma considerável e não recomendável o risco de dano. Também se considera atual o perigo permanente, como por exemplo, num imóvel em ruinas.

Ademais, o dano para o bem jurídico deve ser inevitável. Isso significa que o dano só pode ser evitado com o sacrifício de outro bem, não havendo opção por parte do agente. Não pode haver uma alternativa de saída mais cômoda. Logo se houver possibilidade de fuga ou outro modo de evitar o perigo não se pode falar em estado de necessidade. Deve-se sempre buscar a solução menos gravosa para salvaguardar o bem. O dano deve ser sempre a ultima ratio para salvar-se ou a terceiros.

A lei exige que a situação de perigo não tenha sido provocada pelo agente. Assim, não pode invocar estado de necessidade o agente que provocou o perigo. Note-se que, diferentemente do Código Penal comum, o Código Penal Militar não utiliza a expressão “que não provocou por sua vontade”. Portanto, não importa se a situação de perigo foi dolosa ou culposamente criada pelo sujeito.

Por fim, contempla-se o quadro do estado de necessidade justificante com a inexistência do dever legal de afastar o perigo (“e o agente não era legalmente obrigado a arrostar o perigo”). Arrostar significa olhar de frente, sem medo.

Nesse ponto, há importante discussão acerca da possibilidade de o garantidor alegar estado de necessidade. É cediço que o garantidor tem o dever legal de evitar a ocorrência do resultado. Diante de um comportamento imposto pelo ordenamento jurídico, sua omissão equivale a uma ação em virtude de uma relação especial de proteção com o bem jurídico.

d) Espécies de estado de necessidade

• denomina-se estado de necessidade defensivo quando a conduta do agente se orienta diretamente contra a fonte da situação de perigo, a fim de eliminá-la. Por exemplo, num ataque de um cão feroz, o sujeito saca o revólver e mata o animal. • já o estado de necessidade agressivo ocorre quando a conduta do necessitado vem a sacrificar bens de um inocente, não provocador da situação de perigo, como na hipótese de um motorista que, para escapar de um caminhão desgovernado, desvia seu carro para o acostamento e colide com outro veículo que ali estava estacionado. • por fim, o estado de necessidade putativo é aquele em que a situação de perigo que permitiria ao agente agir amparado pela causa de justificação é imaginária. Aplica-se a regra do art. 36, caput e § 1º, CPM, referente ao erro de fato. Se o erro for

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escusável, isenta de pena. Todavia, se o erro derivar de culpa, permite-se a punição se o fato é previsto como crime culposo. 8.4. Legítima defesa

a) Conceito

Nos exatos termos do artigo 44 do Código Penal Militar, “entende-se em legitima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.

De acordo com a doutrina, a legitima defesa traduz-se na possibilidade de reação direta do sujeito em defesa de um direito próprio ou de terceiro, em face da impossibilidade de intervenção tempestiva do Estado, que tem igualmente por fim que interesses dignos de tutela não sejam afetados.

b) Requisitos da legítima defesa

O comportamento justificado é aquele que realiza de forma consciente todos os

pressupostos fáticos da causa de justificação e cuja finalidade se orienta à defesa de um bem jurídico frente a uma injusta agressão (animus defendendi).

• agressão injusta é o ato oriundo de uma conduta humana lesiva a bem juridicamente protegido e não autorizada pelo ordenamento jurídico. A injusta agressão independe de imputabilidade penal de seu autor. A agressão perpetrada por inimputável pode ser repelida legitimamente, devendo-se utilizar a forma de repulsa que provoque menos danos possível. • para configurar a legitima defesa, exige-se a atualidade ou eminencia da agressão. Diz-se atual a agressão que está em curso no momento da reação defensiva, enquanto que eminente é aquela que está prestes a acontecer, apresentando-se como concreta possibilidade, em vias de desencadear-se. Portanto, excluem-se da legitima defesa as agressões passadas, que já consumaram e produziram seus efeitos, bem como as futuras, que correspondem à simples ameaça ou temor de agressão. • autoriza-se a defesa de direito próprio ou de terceiro, neste caso cabível se o bem jurídico for indisponível. • o comportamento justificado também implica o uso moderado dos meios necessários. Meios necessários são aqueles, dentre outros que estavam disponíveis, eficazes e suficientes para repelir a injusta agressão.

c) Observações

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Pela regra disposta no artigo 44 do CPM não se pode invocar legitima defesa em

face de alguém que age amparado por qualquer das causas de justificação, já que a conduta é lícita, amparada pelo ordenamento jurídico, mesmo que, inevitavelmente, venha ofender outros bens jurídicos. Assim, não se afigura possível agir em legitima defesa em face do estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, ou exercício regular de direito, salvo se houver excesso ou erro de fato.

Também não se admite a chamada legítima defesa recíproca, já que não é possível que dois sujeitos estejam ao mesmo tempo em legítima defesa real. Somente poderá ser aventada hipótese de legítima defesa se um dos agentes injustificadamente agredir o outro.

Todavia, admite-se a coexistência de legítima defesa real (autêntica) em face de legítima defesa putativa, uma vez que aquele que labora em erro não pratica uma ação justificada, ainda que seja isento de pena. Nesse caso, pode alguém defender-se legitimamente da injusta agressão derivada de erro. Frente à agressão praticada numa situação de descriminante putativa (erro de fato), cabe legitima defesa, pois a situação imaginária não torna lícita a conduta do agente.

Situação distinta se configura na chamada legítima defesa sucessiva ou pendular, que ocorre na hipótese de excesso extensivo. A reação defensiva praticada pelo agente, embora inicialmente legítima, transforma-se em agressão injusta quando incide no excesso doloso ou culposo (art. 45 e 46, CPM), autorizando aquele que viu repelida e cessada a sua agressão, inicialmente injusta, agora alegar a excludente a seu favor, porque o agredido passou a ser considerado agressor, em virtude de seu excesso.

d) Ofendículos

Ofendículos (ou ofensáculas) são aparelhos visíveis (concertinas, arame farpado,

lanças, cacos de vidro em muros e etc.) predispostos em defesa da vida, da integridade física ou da propriedade. Englobam também a utilização de meios mecânicos ocultos (eletrificação de cercas ou de maçanetas de portas, instalação de armas prontas para disparar), bem como cães e outros animais de guarda.

As ofendículas são aceitas pelo ordenamento jurídico, mas o usuário deve adotar precauções em seu emprego, sob pena de responder a título de excesso pelos resultados advindos. Segundo o entendimento dominante, ofendículos legítima defesa preordenada. Argumenta-se que seu funcionamento somente será efetivo se ocorrer injusta agressão ao bem jurídico protegido. Em sentido contrário, a corrente minoritária entende que se trata de exercício regular de direito, já que não se pode vislumbrar legítima defesa a uma agressão futura.

8.5. Estrito cumprimento do dever legal

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De acordo com o artigo 42, III, CPM, “não há crime quando alguém pratica os atos estritamente necessários para o cumprimento de um dever previsto em norma jurídica”.

Conforme entendimento da doutrina, o estrito cumprimento do dever legal, em regra, abrange o dever de intervenção dos agentes públicos na esfera particular com o fito de garantir o cumprimento da lei ou de ordens de superiores do poder público, o que autoriza a realização justificada de algumas condutas típicas (coação, privação da liberdade, violação de domicílio, lesão corporal).

Dever legal é aquele previsto em norma jurídica de caráter geral, penal ou extrapenal, incluindo normas jurídico-administrativas (decretos, portarias, regulamentos). Não se confunde com dever social, moral ou religioso. Além disso, a ação justificada deve ser realizada obedecendo estritamente às condições objetivas a que esteja subordinada, nos termos vinculados pela disposição legal.

Exige-se, ainda, a orientação de ânimo do agente (elemento subjetivo) que envolve a consciência do dever imposto pela norma legal e a vontade de cumpri-lo. Na esfera militar, merece especial atenção o cumprimento do dever militar referente à segurança de área militar. Nessa linha, já decidiu o Superior Tribunal Militar que “não caracteriza constrangimento ilegal o ato de oficial militar que, em estrito cumprimento do dever legal, adverte civis que invadem área proibida, durante uma festividade.

8.6. Exercício regular de direito

Dispõe também o artigo 42, CPM que “não há crime quando o agente pratica o fato em exercício regular de direito”. Nessa causa de justificação, o sujeito usufrui de uma faculdade conferida pelo ordenamento jurídico, desempenhando uma atividade ou realizando uma conduta autorizada.

Sobre o tema, vale conferir decisão do Superior Tribunal Militar, no sentido de que “a garantia da imunidade profissional do advogado, prevista no artigo 7º, § 2º, da lei 8.906/04, c/c o artigo 133 da Constituição Federal, não é absoluta. Tal garantia só se aplica no exercício regular da advocacia, por ocasião dos debates em defesa do postulado. Qualquer manifestação caluniosa, difamatório ou injuriosa perpetrada fora dessas condições, constitui justa causa para a instauração da competente ação penal”. (HC n. 2006.01.034183-8/CE).

8.7. Excludente de ilicitude do comandante (art. 42, p. único, CPM)

Em algumas situações excepcionais, na iminência ou perigo de calamidade, o comandante de navio, aeronave ou praça de guerra é autorizado a constranger, por meios violentos, seus subalternos a executarem serviços ou manobras urgentes, de modo a salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque.

Há uma combinação de estado de necessidade com estrito cumprimento do dever legal, uma vez que o comandante é legalmente obrigado, em situação de perigo,

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a empregar todos os meios ao seu alcance para evitar a perda, destruição ou inutilização de instalações militares, navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado.

Em ocasião de incêndio, naufrágio, encalhe, colisão, ou outro perigo semelhante, o comandante é obrigado a tomar as providências adequadas para salvar seus comandados e minorar as consequências do sinistro, devendo ser o último a sair de bordo ou a deixar a aeronave ou quartel ou sede militar sobre seu comando. Se assim não fizer, incorrerá no delito previsto no artigo 200, CPM.

8.8 Excesso nas causas de justificação

a) Excesso culposo

A ação justificada deve ater-se aos limites impostos pela lei, quanto à sua intensidade e à sua extensão.

Conforme assenta o artigo 45, CPM, o agente que, em qualquer dos casos de exclusão de crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se este é punível, a título de culpa.

Há excesso culposo em sentido estrito quando o sujeito, em função de sua má avaliação da situação fática, atua com uma intensidade além do necessário para afastar o perigo, defender-se de injusta agressão, cumprir um dever ou exercitar um direito.

Nesse contexto, o chamado excesso intensivo ocorre quando o agente, durante a ação justificada, podendo fazê-lo de forma menos lesiva, intensifica-a de forma imoderada. Parte do pressuposto de que a agressão e o perigo são atuais, mas a ação defensiva poderia e deveria ter sido menos gravosa, mas o sujeito, por medo, susto ou consternação, acaba excedendo-se na medida requerida para a defesa. Portanto, o excesso se refere à espécie dos meios empregados ou ao grau de sua utilização.

Também pode haver o excesso culposo por erro de fato vencível, quando o agente, em função de sua má avaliação dos fatos, não consegue identificar o limite da causa de justificação, ou seja, o momento em que cessa a situação de perigo ou a injusta agressão. Assim, acreditando que ainda está sob o manto da causa de justificação, o sujeito dá continuidade à sua ação, ocorrendo em excesso extensivo. Nesse caso, responde pelo fato, se este é punível a título de culpa. Por exemplo, após fazer cessar a injusta agressão, o agente dá continuidade à repulsa, quando essa já não é mais necessária, por não estarem mais presentes os pressupostos da legitima defesa.

b) Excesso exculpante ou escusável

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Diferentemente do Código Penal comum, o Código castrense prevê de forma expressa o excesso exculpante, que não é punível quando resulta de escusável surpresa ou perturbação de ânimo, em face da situação (art. 45, p. único, CPM).

Enquanto no Direito Penal comum, o excesso escusável é reconhecido pela doutrina como causa supralegal, o Direito Penal Militar o trata como causa legal de exclusão da culpabilidade do agente por inexigibilidade de conduta diversa.

A perturbação psíquica decorrente do pavor experimentado no caso concreto pelo sujeito durante a situação de perigo ou agressão suprime-lhe a capacidade de avaliar perfeitamente a intensidade de sua reação. Assim, não há que se falar em resposta excessiva em razão de uma postura dolosa ou culposa, mas sim decorrente de perturbação emocional do agredido ou necessitado, daí não se poder exigir do agente conduta diversa.

Nem todo excesso intensivo é exculpante. É necessário que as circunstancias do caso concreto evidenciem que a perturbação psíquica retirou do sujeito a possibilidade de avaliar corretamente a intensidade de sua reação defensiva. Afastada essa situação peculiar, responde pelo excesso culposo.

c) Excesso doloso

Há duas modalidades de excesso doloso: em sentido estrito e decorrente de erro

de direito. O excesso doloso em sentido estrito ocorre quando o agente, após iniciar sua

conduta conforme o direito, conscientemente e voluntariamente extrapola os limites de sua atuação, desejando o resultado ilícito.

Sabendo que não podia prosseguir, por não ser mais necessário, voluntariamente, o sujeito da continuidade.

Em consequência deve responder pelo resultado antijurídico decorrente do seu excesso intencional.

O excesso doloso decorrente de erro de direito acontece quando, após iniciada a ação justificada, em virtude de erro de interpretação da lei quanto aos limites da causa de justificação, o sujeito acredita que pode prosseguir albergado pela excludente.

É somente nessa situação de erro de direito que se aplica o artigo 46 do Código Penal Militar, que dispõe que o juiz pode atenuar a pena ainda quando punível o fato por excesso doloso. Nesse caso o agente responde pelo resultado a título de dolo, sendo facultada ao juiz aplicação de atenuante.

8.9 Elementos não constitutivos do crime (art. 47, CPM)

Considerando que a hierarquia e a disciplina são fundamentos da instituição militar, em alguns crimes propriamente militares, a confrontação entre superiores e subordinados é importante tanto para sua tipificação quanto para a aplicação da pena.

Em alguns crimes contra a autoridade ou disciplina militar (ex.: art. 157, 158, 168, 174, 175 e 176, CPM) é necessária a consciência dessa condição pessoal do

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sujeito passivo para a caracterização do delito. Por óbvio, deixam de ser elementos constitutivos do crime a qualidade de superior ou a de inferior, quando não conhecida do agente (art. 47, I, CPM). Nesse caso, pode haver, desclassificação do crime de violência contra superior para lesões corporais (art. 209, CPM).

Já na hipótese do artigo 47, II, CPM embora sabendo da condição pessoal, o militar reage a uma injusta agressão. Não cometerá crime, pois se encontra em legítima defesa. Todavia, se houver excesso, será responsabilizado na forma dos artigos 45 (culposo) e 46 (doloso), do Código Penal Militar, desconsiderando-se como elementos do crime a qualidade de superior ou a de inferior, a de oficial de dia, de serviço ou de quarto, ou a de sentinela, vigia ou plantão.

9. Culpabilidade

9.1 Conceito

Na concepção da Teoria Clássica ou Psicológica (Sistema Causal-Naturalista

de List-Beling), a culpabilidade era o vinculo psicológico que unia o agente ao fato por ele praticado. Assim, dolo e culpa eram espécies de culpabilidade e a imputabilidade era seu pressuposto.

Sob a Teoria Normativa (Frank) ou Psicológica-Normativa (Sistema Neoclássico – Metodologia Neokantiana) a culpabilidade passa a ser o juízo de desaprovação jurídica do ato que recai sobre o autor. A imputabilidade deixa de ser pressuposto da culpabilidade e passa a ser seu elemento. Ainda são considerados como espécies de culpabilidade o dolo (vontade e consciência de realizar o fato proibido) e culpa (vontade defeituosa que produz o resultado). Agrega-se a ideia de dolo normativo, que, além da vontade, exige a consciência da ilicitude do fato. Nesse contexto, a inexigibilidade de conduta diversa era causa geral de exclusão da culpabilidade.

Por fim, de acordo com a Teoria Finalista (Normativa Pura), o dolo é retirado da culpabilidade e passa a integrar um tipo complexo (objetivo e subjetivo). Afasta-se sua carga normativa, sendo tratado como natural.

Assim, o tipo doloso é definido como ação dirigida à realização de um resultado socialmente intolerável.

Já a culpa configura a violação do dever objetivo de cuidado exigido no âmbito de relação. O tipo culposo é a execução da ação final em relação às consequências socialmente intoleráveis que o autor pensa que não ocorrerão (culpa consciente) ou sequer representa sua ocorrência (culpa inconsciente).

A Culpabilidade passa a ser juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Por encerrar um juízo individual, todos os fatores, internos e externos, devem ser considerados a fim de se apurar se o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, podia submeter-se às determinações e proibições do Direito.

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Na visão finalista, os elementos da culpabilidade são: a imputabilidade penal; a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

9.2 Imputabilidade (Capacidade de Culpabilidade)

a) Conceito

A imputabilidade é a aptidão psíquica do agente em relação à compreensão do

ilícito e à capacidade dedeterminar seu comportamento. Configura o conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito de seu ato e determinar-se de acordo com este entendimento.

Por ter plena capacidade de entender e querer, o imputável responde por seus atos, sendo dotado de responsabilidade criminal.

A imputabilidade penal desdobra-se em dois aspectos:

• Cognoscitivo (intelectivo), que é a capacidade genérica de compreender as proibições ou determinações jurídicas, levando a que o agente possa prever as repercussões de sua conduta no mundo social. • Volitivo (determinação da vontade), evidenciando na capacidade de dirigir a sua conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. O sujeito deve ter condições de valorar o motivo e o valor inibitório da ameaça penal e atuar de acordo com essa compreensão. b) Causas de exclusão da imputabilidade (causas de inimputabilidade) b.1) inimputabilidade por alienação mental (art. 48, CPM)

O artigo 48, do Código Penal Militar estatui “não é imputável quem, no momento da ação ou omissão, não possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de doença mental, de desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

À semelhança do Código Penal comum, adotou-se na esfera militar o Critério

(sistema) Biopsicológico ou misto, que atende tanto às causas biológicas que produzem a imputabilidade como às suas consequências na esfera psicológica do agente. A imputabilidade caracteriza-se pela combinação de dois elementos: presença de anomalias mentais e a completa incapacidade de entendimento e determinação.

O Código Penal Militar adota o sistema vicariante em caso de inimputabilidade por alienação mental, devendo o juiz aplicar medida de segurança em lugar de pena, sendo-lhe vedada a imposição simultânea ou concorrente das duas respostas penais.

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Assim, o inimputável que apresenta periculosidade submete-se ao disposto no artigo 112, CPM: “quando o agente é inimputável (art. 48), mas suas condições pessoais e o fato praticado revelam que ele oferece perigo à incolumidade alheia, o juiz determina sua internação em manicômio judicial”.

Todavia, se a doença ou deficiência mental não suprime, mas diminui consideravelmente a capacidade de entendimento da ilicitude do fato ou a de autodeterminação, não fica excluída a imputabilidade, porém a pena pode ser atenuada.

Trata-se de uma redução da reprovação penal, que deve ser proporcional à capacidade de culpabilidade.

Assim constatada tal circunstância o juiz deve atenuar a pena, devendo-se interpretar a expressão “pode” à luz das frações previstas no artigo 73, CPM, que dispõe quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o quantum, deve o juiz fixa-lo entre um quinto (1/5) e um terço (1/3), guardados os limites da pena cominada ao crime.

Ademais, se o juiz verificar que o semi-imputável necessita de tratamento curativo, deve aplicar o parágrafo único do artigo 48 do CPM, em homenagem ao sistema vicariante, substituindo a pena já atenuada por medida de segurança de internação em estabelecimento psiquiátrico.

b.2) inimputabilidade por embriaguez acidental completa (art. 49, CPM)

Nos termos do artigo 49 do Código Penal Militar, “não é igualmente imputável o agente que, por embriaguez completa o agente que, por embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Embriaguez é o distúrbio físico-mental (perturbação psicológica) resultante de intoxicação por álcool ou substância de efeito análogo, que afeta o sistema nervoso central como depressivo ou narcótico.

A causa de inimputabilidade exige que a embriaguez seja involuntária. Quando decorrente de caso fortuito (imprevisibilidade – evento do acaso), o sujeito desconhece o efeito inebriante da substância, que associada a sua particular condição fisiológica, causa estado de embriaguez. Na segunda hipótese, a embriaguez é decorrente de força maior quando alguém é coagido física ou moralmente por outrem (ação humana) a ingerir bebida alcoólica ou substância de efeitos análogos.

Além disso, para que seja excluída a imputabilidade penal, exige-se que a embriagues seja completa, suficiente para provocar a incapacidade total de entendimento e determinação.

Caso a incapacidade seja apenas relativa, haverá causa de redução de pena. Conforme disposto no paragrafo único do artigo 49, CPM, a “pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez proveniente de caso fortuito ou força

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maior, não possuía, ao tempo da ação ou omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.

Cumpre registrar, ainda, que o Código Castrense, assim como o Código Penal Comum, adota a teoria da actio libera in causa (ação livre na causa), segundo a qual é imputável ao sujeito que, em estado de embriagues, é causador, por ação ou omissão de um resultado punível, desde que se tenha colocado naquele estado de embriaguez de forma voluntária ou culposa.

A aferição da imputabilidade é transferida para o momento anterior ao do estado de embriaguez e não no momento da prática delitiva. Há três situações que caracterizam a aplicação da teoria da Actio Libera in Causa:

• Embriaguez voluntária em sentido estrito: o estado de embriaguez é desejado pelo sujeito, que faz a ingestão da substância com a finalidade de embriagar-se, sem necessariamente haver intenção de praticar crimes. • Embriaguez Preordenada: voluntariamente o sujeito coloca-se em estado de embriaguez a fim de praticar infrações penais. • Embriaguez Culposa: o estado de embriaguez, apesar de não ser desejado, é previsível pelo sujeito, pois este, sem observar o dever de cuidado, ingere álcool em quantidade suficiente para coloca-lo naquele estado.

O tema tem relevância, pois o Código Penal Militar trata a embriaguez não acidental do militar sempre como circunstância agravante (art. 70, II, “c”, CPM). Se o agente for civil, a pena será agravada somente no caso de embriaguez preordenada, conforme ressalva do parágrafo único do mesmo artigo 70, CPM.

Por fim, atente-se para o fato de que, no Código Castrense, a embriaguez em serviço é tipificada como crime contra o dever militar (art. 202, CPM). O tipo penal descreve duas condutas voluntárias: embriagar-se o militar estando de serviço ou apresentar-se para prestar o serviço embriagado.

Note-se que não basta a simples ingestão de bebida alcoólica ou substâncias de efeitos análogos, sendo necessária a comprovação efetiva do estado de embriaguez, em regra, através de perícia de dosagem alcoólica ou, na falta dessa, de outra prova idônea, de acordo com o conjunto probatório.

b.3) inimputabilidade por imaturidade natural (art. 228, CF)

A Constituição da República adota a presunção absoluta de imputabilidade do menor de 18 anos, sujeitando-o às normas da legislação especial. O legislador constitucional acolheu o critério biológico puro, por questões de política criminal, para presumir a inimputabilidade dos menores de 18 anos.

Somente por meio de um procedimento qualificado de emenda à Constituição, a menoridade penal pode ser reduzida, não cabendo ao legislador ordinário alterar tal critério. O menor de dezoito anos fica sujeito às disposições específicas do Estatuto

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da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), respondendo pela prática de ato infracional e submetendo-se às medidas de proteção e medidas socioeducativas.

Assim, as ressalvas e equiparações dos artigos 50 a 52 do Código Penal Militar não foram recepcionadas pela atual ordem constitucional.

De outro lado, na esfera penal, considera-se que o sujeito com idade entre 18 e 21 anos ainda não completou sua formação psicológica e, apesar de imputável, merece menor reprovação, o que se traduz na atenuação da pena (art. 72, I, 1ª parte, CPM) e redução do prazo prescricional pela metade (art. 129, CPM).

b.4) Emoção e paixão

Segundo a doutrina, a emoção é um sentimento intenso e passageiro que altera o estado psicológico do indivíduo (angustia, medo, vingança, tristeza). Já a paixão é considerada uma emoção-sentimento, ou seja, uma ideia permanente ou crônica por algo (cupidez, amor, ódio, ciúme).

O Código Penal Militar adota o critério puramente psicológico. Portanto, os estados emotivos ou passionais não excluem a imputabilidade, salvo quando patológicos (art. 48, caput, CPM).

Todavia, em certas circunstâncias, a emoção pode caracterizar circunstância atenuante (art. 72, III, “c”, CPM “cometido o crime sob a influência de violenta emoção...”) ou causa de diminuição de pena de 1/6 a 1/3 (artigo 205, §1º, CPM – Homicídio privilegiado e artigo 209, §9º, CPM – Lesão corporal privilegiada: “sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”). 9.3. Potencial consciência da ilicitude

a) Conceito

A consciência da ilicitude é a capacidade que o agente de uma conduta proibida tem, na situação concreta, de apreender a ilicitude de seu comportamento. Trata-se de uma consciência profana do injusto, constituída do conhecimento da antissocialidade, da imoralidade ou lesividade de sua conduta, a partir das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade.

No Direito Penal Militar, a consciência da ilicitude não precisar ser real, sendo bastante a possibilidade que o agente apresentava, no caso concreto, de alcançar este conhecimento (potencial consciência).

b) Erro de direito

A consciência da ilicitude é adotada no Código Castrense de forma diversa do

Código Penal Comum, já que sua disciplina envolve o chamado Erro de Direito, previsto no artigo 35 do CPM, que determina que a “pena podeser atenuada ou

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substituída por outra menos grave quando o agente, salvo em tratando de crime que atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, por ignorância ou erro de interpretação da lei, se escusável”.

Erro é a falsa representação da realidade ou o falso ou equivocado conhecimento de um objeto. Já a ignorância é a falta de representação da realidade ou o desconhecimento total do objeto.

Percebe-se que, ao definir o erro de direito, o Código Penal Militar dá igual tratamento à ignorância da lei (falta de conhecimento – aspecto negativo) e ao erro de interpretação da lei (falsa representação da realidade – aspecto positivo).

No erro de direito, o autor tem domínio da situação fática, pois sabe o que está fazendo, mas não tem consciência de que aquele comportamento é reprovável do ponto de vista penal. O sujeito, ao praticar o fato, supõe-no lícito porque ignora a norma ou porque, apesar de conhece-la, interpreta-a de forma equivocada.

O erro de direito do CPM é semelhante ao erro de proibição do Código Penal (art. 21, CP), pois também recai sobre a consciência da ilicitude, já que o sujeito “supõe lícito o fato”. Por exemplo, o agente invade um compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão, pensando que não se trata de domicílio (por equívoco na interpretação do termo casa) – art. 226, § 4º, III, CPM.

Diferentemente do Código Penal Comum, o Código Penal Militar não isenta de pena o agente que supõe lícito o fato por ignorância ou por erro de direito escusáveis. Nesse caso, a pena pode ser atenuada de 1/5 a 1/3, à luz do artigo 73, CPM, ou substituída por outra menos grave, como, por exemplo, de reclusão por detenção.

Todavia, não se pode alegar erro de direito em se tratando de crime que atente contra o dever militar, porque nesse caso o agente tem a obrigação de conhecer a norma castrense e interpreta-la corretamente. Os crimes contra o dever militar estão elencados entre os artigos 187 e 204 do CPM.

c) Erro de fato

De outro lado o artigo 36 do Código Penal Militar dispõe acerca do erro de fato,

afirmando que é “isento de pena quem, ao praticar o crime, supõe, por erro plenamente escusável, a inexistência de circunstância de fato que o constitui ou existência de situação de fato que tornaria a ação legitima”.

O erro de fato do estatuto penal castrense não se confunde com o erro de tipo do Código Penal comum, que é mais amplo, pois recai não só sobre os elementos fático-descritivos do tipo, como também sobre os elementos jurídico-normativos.

O erro de tipo do caput do artigo 20 do Código Penal incide sobre as elementares ou qualquer outro dado que se agregue a determinada figura típica, por isso sempre exclui o dolo, seja evitável ou não, por que nele a vontade é baseada na premissa inidônea à luz do tipo penal.

Já o erro de fato do Direito Penal Militar, o sujeito equivoca-se quanto a algum elemento do plano fático, pois, ao praticar o crime, supõe a inexistência de

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circunstância de fato que o constitui. Por exemplo, o agente subtrai a mochila de um colega de farda, supondo-a própria por ser idêntica à sua mochila (situação fática).

Interessante notar que o estatuto repressivo castrense insere no mesmo dispositivo o erro sobre descriminante putativa (supõe a existência de situação de fato que tornaria a ação legítima), conferindo-lhe o mesmo regramento do erro de fato sobre o elemento constitutivo do tipo. Por exemplo, um soldado de serviço de sentinela, acreditando tratar-se de uma invasão ao quartel, mata um civil que, fugindo de um assalto, correra em direção à área militar em busca de abrigo.

Na hipótese de erro de fato invencível ou plenamente escusável, o agente não tinha como evitá-lo, nas circunstâncias em que se encontrava, mesmo tomando todas as cautelas necessária. Assim qualquer pessoa naquela mesma situação teria incorrido naquele erro. A solução adotada pelo Código Castrense nesse caso é distinta daquela apresentada no Código Comum: o agente é isento de pena.

De outra sorte, se o erro de fato é vencível ou inescusável, quando verificado que o agente, se tivesse atuado com diligência exigida, teria evitado o erro. Embora não seja isento de pena, há um tratamento mais brando, pois, o fato poderá ser-lhe atribuído a título de culpa se houver previsão legal de modalidade culposa. É assim que o Código Penal Militar define a hipótese de erro de fato culposo, em seu artigo 36, §1º: “se o erro deriva de culpa a este título responde o agente, se o fato for punível como crime culposo”.

A doutrina fala em culpa imprópria ou culpa por assimilação nessa situação em que o agente, em virtude de erro evitável pelas circunstâncias, realiza voluntariamente a conduta típica, mas responde como se tivesse praticado um delito culposo.

d) Erro determinado por terceiro

De acordo com o § 2º do artigo 36, CPM, “se o erro é provocado por terceiro,

responderá este pelo crime, a título de dolo ou culpa, conforme o caso”. Se o terceiro determina o erro dolosamente, deve-se verificar se o agente incidiu

em erro escusável ou inescusável. Na primeira hipótese, haverá autoria mediata, pois, o terceiro utiliza o instrumento inculpável (isento de pena) para realização material do delito. Por exemplo, um oficial medico ordena que ao enfermeiro que injete determinado “remédio” no paciente, o que é feito prontamente. O paciente vem a falecer, eis que, de fato, se tratava de poderoso veneno.

No caso de erro inescusável, ter-se-á um caso de autoria colateral heteróloga, pois aquele que terminou o erro dolosamente responderá pelo erro dolosamente responderá por crime doloso, enquanto que o sujeito que praticou o fato induzido a erro culposo, responderá a título de culpa, se houver previsão legal. Como exemplo, um soldado desafia um colega míope a mostrar sua boa pontaria disparando sua arma em direção a um “tronco”, que na verdade era outro militar, o qual vem a falecer em virtude do ferimento. O soldado que determinou o erro responde por homicídio doloso, enquanto que o que disparou a arma responde por homicídio culposo.

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Se o terceiro determina o erro culposamente, responde a título de culpa, sem prejuízo de se verificar se o agente incorreu em erro escusável (isento de pena) ou inescusável (culpa imprópria).

e) Erros Acidentais

O erro acidental não isenta de pena, pois não faz o agente julgar licita a ação

criminosa. O sujeito atua com consciência da antijuridicidade de seu comportamento, mas apenas se equivoca quanto a um elemento não essencial do fato ou erra no seu movimento de execução.

Há três modalidades de erro acidental previstas no artigo 37 do Código Penal Militar: • Erro na identificação da pessoa (erro in personam) • Erro na execução (aberratio ictus) • Erro quanto ao bem jurídico (aberratio criminis)

No erro na identificação da pessoa (erro in personam) o agente, por erro de percepção, atinge uma pessoa em vez de outra e, portanto, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela que pretendia atingir.

Há substituição das pessoas que se viram envolvidas no fato. A execução é correta, mas a pessoa tem uma falha de percepção na identificação da vítima, o que nada modifica a classificação do crime cometido.

Não se consideram as qualidades da vítima real, mas sim da vítima virtual, que realmente pretendia ofender.

Por exemplo, um soldado pretendia praticar violência contra superior hierárquico (superior), mas confunde-se e golpeia no escuro outro soldado.

A doutrina dá maior elasticidade ao conceito acima e reconhece a hipótese de erro sobre o objeto (erro in objecto), quando o agente, tendo vontade e consciência de praticar uma conduta típica e ilícita, erra na identificação do objeto. Por exemplo, pretendendo subtrair uma arma de fogo, o sujeito furta uma réplica (simulacro). Responde como se tivesse praticado o crime contra aquela coisa que realmente pretendia atingir.

O erro na execução (aberratio ictus), previsto na segunda parte do caput do artigo 37, CPM, ocorre quando o agente, por erro no uso dos meios de execução, ou outro acidente, atinge pessoa diversa da pretendida. A expressão aberratio ictus pode ser traduzida por “desvio de golpe”. Assim, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela pessoa que realmente pretendia atingir. Por exemplo, um soldado querendo matar um colega, dispara sua arma, vindo a acertar outro militar que passava pelo mesmo local naquele momento.

O erro quanto ao bem jurídico (resultado diverso do pretendido ou aberratio criminis) (art. 37 § 1º) ocorre quando, por erro ou outro acidente na execução, é atingido bem jurídico diverso do visado pelo agente, que responderá por culpa se houver previsão legal.

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A única hipótese juridicamente plausível é considerar erro de coisa para pessoa. Por exemplo, o sujeito arremessa uma pedra a fim de danificar uma vidraça do alojamento de praças, mas erra o alvo e acaba atingindo um militar que transitava pela alameda do quartel. Não responde pela tentativa de dano, mas pela lesão culposa.

Pensar o inverso significaria premiar o infrator, pois em vez de responder pela tentativa de crime contra a pessoa, seria punido pelo crime culposo contra a coisa. Para ilustrar o absurdo: com a intenção de matar um colega de farda, o sujeito dispara sua arma, mas erra o alvo, vindo a danificar equipamento militar. Não obstante haver previsão de dano culposo no Código castrense, inviável afastar-se a tentativa de homicídio para que o agente responda pelo crime contra o patrimônio a título de culpa.

Tanto no erro na execução quanto no erro quanto ao bem jurídico, se houver duplicidade do resultado aplicasse a regra do concurso formal próprio (art. 79, CPM).

9.4. Exigibilidade de conduta diversa a) Conceito: a exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade de alguém comportar-se de acordo com o direito, considerando sua particular condição de pessoa humana frente a circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras, é a possibilidade, determinada pelo ordenamento jurídico, de atuar de uma forma distinta e melhor do que aquela que o sujeito decidiu.

Na inexigibilidade de conduta diversa, há uma impossibilidade de determinar-se conforme o direito, em que pese estar presente a consciência da ilicitude.

b) Causas legais de inexigibilidade de conduta diversa

O Código Penal Militar elenca quatro causas legais de exclusão da culpabilidade

por inexigibilidade de conduta diversa:

• Coação irresistível (art. 38) • Obediência hierárquica (art. 38) • Estado de necessidade exculpante (art. 39) • Excesso escusável (art. 45)

c) Coação irresistível

Nos termos do artigo 38, CPM, não é culpado quem comete o crime sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria vontade. Deve-se distinguir duas situações: a coação moral irresistível (vis compulsiva), que exclui a culpabilidade e a coação física irresistível (vis absoluta), que afasta a própria tipicidade, uma vez que não há conduta, por ausência de voluntariedade.

Na coação moral irresistível, o comportamento é voluntário, mas a vontade é viciada, já que o agente não pode determinar-se livremente. A irresistibilidade da

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coação é aferida pela gravidade do mal prenunciado, conforme o poder do coator em cumpri-lo.

A ameaça de mal pode ser dirigida ao próprio coagido ou a alguém a ele relacionado. Por exemplo, um soldado é obrigado a subtrair munições do quartel, caso contrário, seu filho que está em poder de traficantes, será morto.

Não se exige que o coagido se oponha para atuar conforme o Direito. Só é punível o autor da coação. O coagido é mero instrumento nas mãos do coator e pratica um fato típico e antijurídico, embora não seja culpável. Não há que se falar em concurso de pessoas, pois trata-se de autoria imediata.

Nos crimes em que há violação do dever militar (artigo 187 a 204, CPM), o agente não pode invocar coação moral irresistível. O motivo da vedação diz respeito à própria natureza da atividade castrense, que exige que os militares suportem as mais diversas pressões para assegurar o cumprimento do dever militar.

De outro lado, se a coação é física ou material, não há conduta, por ausência de vontade. Assim, mesmo em crimes contra o dever militar, o sujeito não pode ser responsabilizado, daí a ressalva da parte final do artigo 40, CPM.

Por fim, se era possível resistir a coação, o juiz, tendo em vista as condições pessoais do réu, pode atenuar a pena.

d) Obediência hierárquica

De acordo com o Código Penal Militar não é culpado quem comete o crime em

estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços. Na hipótese, há autoria mediata, respondendo pelo crime somente o autor da ordem.

Para que seja inculpável, é necessário que o executor seja subordinado hierarquicamente àquela pessoa que deu diretamente a ordem.

Além disso, deve trata-se de ordem vinculada à matéria de serviço e não manifestamente criminosa. Se a ordem do superior tem por objeto a pratica de ato manifestamente criminoso, é punível também o inferior.

Se a ordem não for manifestamente ilegal, o subalterno deve obedecer ao superior hierárquico, não lhe cabendo questionar, pois se presume legal. A ordem legal deve ser cumprida, pois corresponde ao Direito e o militar que se recusa a cumprir ordens superiores responde por insubordinação (art. 163, CPM).

Todavia, havendo fundada dúvida quanto à legalidade da ordem (não era manifestamente ilegal), o juiz, tendo em vista as condições pessoais do réu, pode atenuar a pena (art. 41, 1º parte, CPM).

Por fim, o executor da ordem deve ater-se estritamente aos limites dessa. Se o agente extrapola esses limites, não pode ser beneficiado com causa de exclusão da culpabilidade, respondendo pelo excesso tanto nos atos quanto na forma da execução (art. 38, § 2º, CPM).

e) Estado de necessidade exculpante

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De acordo com o artigo 39, CPM, “não é igualmente culpado que, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa”.

O estado de necessidade exculpante elimina a culpabilidade, quando o bem protegido é de valor igual ou inferior que o bem sacrificado. Trata-se de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa.

f) Excesso exculpante ou escusável

Diante de determinadas situações de perigo ou agressão injusta, a perturbação

psíquica experimentada pelo sujeito retira-lhe a capacidade de avaliar perfeitamente a intensidade da reação. Nesses casos, o Direito Penal Militar reconhece o excesso escusável como causa legal de exclusão da culpabilidade do agente por inexigibilidade de conduta diversa.

De acordo com o parágrafo único do artigo 45, CPM, o excesso não é punível quando resulta escusável perturbação de ânimo, em face da situação. Não há que se falar em reação excessiva em razão de uma postura dolosa ou culposa, mas sim de corrente de perturbação emocional do agredido ou necessitado, daí não se poder exigir do agente conduta diversa.

10. Das Penas Principais e das Penas Acessórias

10.1 Introdução

O Direito Penal Militar possui um sistema sancionatório próprio. Há previsão de penas e medidas de segurança. As penas são classificadas em principais e acessórias. As penas acessórias dependem da imposição de uma pena principal, sendo aplicadas cumulativamente. O Código Castrense não prevê a pena de multa nem a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos.

De acordo com a orientação do Supremo Tribunal Federal, não se aplica aos

crimes militares a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, prevista no art. 44 do Código Penal, pois o art. 59 do Código Penal Militar disciplinou de modo diverso as hipóteses de substituição cabíveis sob sua égide. (HC 94083, 12.03.2010).

Na mesma linha é o entendimento dominante do Superior Tribunal Militar de

que, diante do princípio da especialidade, descabe cogitar da substituição da pena

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restritiva de liberdade imposta por outra de restrição de direitos, uma vez que o instituto não foi consagrado no ordenamento penal e processual penal militar.

Segundo parte da doutrina, em relação aos civis condenados pela Justiça

Militar da União, nada impede a substituição da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos, já que aqueles cumprem pena em estabelecimento comum e que não há qualquer afronta direta à hierarquia e à disciplina militares.

Importante também registrar que as penas privativas de liberdade aplicadas e executadas na esfera da Justiça Militar são cumpridas em regime fechado, não havendo previsão de progressão de regime no Código Penal Militar.

A orientação do STM é de que o regime deve ser fechado, sujeitando-se o condenado que cumpre pena em estabelecimento militar ao regramento da legislação castrense. A Lei de Execução Penal não se aplicaria enquanto o sujeito mantivesse a condição de militar.

Todavia, recentes julgados do STF têm mitigado esse rigor da legislação militar. A primeira turma, nos autos do RHC 92746/2008, concedeu a ordem para que um oficial cumprisse pena privativa de liberdade superior a dois anos em regime aberto, no estabelecimento militar, sem que houvesse a decretação da perda do estado de militar. A condenação na primeira instância fixa o regime inicial aberto caso o condenado viesse a adquirir a condição de civil.

Em outra decisão, a segunda turma do STF concedeu parcialmente ordem de habeas corpus para determinar ao juízo da execução penal que promova a avaliação das condições objetivas e subjetivas para a progressão de regime prisional, na concreta situação do paciente, e que aplique, para tanto, o Código Penal e a Lei 7.210/84 naquilo que for omissa a Lei Castrense.

A turma entendeu que “os militares, indivíduos que são, não foram excluídos da garantia constitucional da individualização da pena” sendo “contrária ao texto constitucional a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade sob o regime integralmente fechado em estabelecimento militar, seja pelo invocado fundamento da falta de previsão legal na lei especial, seja pela necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à hierarquia e à disciplina no âmbito castrense. (HC 104174 – 18.05.2011).

10.2 Penas Principais

O artigo 55 do Código Penal Militar elenca sete penas principais conforme o

quadro abaixo:

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10.2.1 Pena de Morte

A pena de morte aplica-se somente em caso de guerra declarada (art. 5º, XLVII c/c art. 84, XIX, CF). Nos termos do artigo 56 do CPM, a pena de morte é executada por fuzilamento, sendo o procedimento delineado no artigo 707 do Código de Processo Penal Militar. O condenado militar deverá deixar a prisão com uniforme sem as insígnias, e o condenado civil deverá estar vestido decentemente. O condenado, civil ou militar, deverá estar de olhos vendados no momento da execução, salvo se o recusar.

A lei penal castrense exige que a sentença definitiva de condenação à morte seja comunicada, logo que passe em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias após a comunicação (art. 57, CPM). O prazo justifica-se em razão da possibilidade de concessão de indulto ou comutação da pena (art. 84, XII, CF).

Todavia, se a pena é imposta em zona de operações de guerra pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares. A prescrição da pretensão punitiva dos crimes a que cominada a pena de morte se dá com o decurso do prazo de 30 anos, de acordo com o artigo 125, CPM.

10.2.2 Penas Privativas de liberdade

O Código Penal Militar não faz distinção substancial entes as penas de reclusão

e detenção. A diferença é meramente formal e evidencia-se nos seus limites genéricos, conforme estatuído no artigo 58, CPM: o mínimo da pena de reclusão é de um ano e o máximo de trinta anos, enquanto o mínimo da pena de detenção é de trinta dias e máximo de dez anos.

a) Penas privativas de liberdade aplicada a militar

Penas Principais

MorteRestritivas de

Liberdade

Reclusão

Detenção

Prisão

Restritivas de Liberdade

Impedimento

Restritivas de Direito

Suspensão

Reforma

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A pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção) até dois anos aplicada a militar é obrigatoriamente convertida em prisão (art. 59). Se não for possível a suspensão condicional da pena (sursis).

A prisão deverá ser cumprida em recinto de estabelecimento militar se o condenado for oficial. Se o condenado for praça, a pena será cumprida em estabelecimento militar. Nesse caso, deve-se observar a separação entre a praça que cumpre pena de prisão e aquelas que cumprem sanção disciplinar e pena superior a dois anos, bem como atender-se hierarquia (praças especiais e graduadas).

Nos exatos termos do artigo 61, “a pena privativa de liberdade por mais de dois anos, aplicada a militar, é cumprida em penitenciária militar e, na falta dessa, em estabelecimento prisional civil, ficando o recluso ou detento sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar.

Se a pena aplicada a militar for superior a 2 (dois) anos, não haverá substituição por prisão e será cumprida em penitenciária militar. Se não houver penitenciária militar, a pena será executada em estabelecimento comum, sujeitando-se o condenado ao regramento da Lei de Execução Penal.

Todavia, deve-se alertar que, para cumprimento da pena em estabelecimento comum, é necessário que o condenado tenha perdido a condição de militar. Assim, se for praça, primeiro deverá haver a exclusão e, se for oficial, deverá ter havido a perda do posto e da patente. O militar da ativa jamais cumprirá pena em presidio comum juntamente com outros presos civis.

O juiz-auditor é competente para a execução das penas aplicadas pela Justiça Militar e cumpridas em estabelecimento militar, sendo cabível a transferência de presos de uma região para outra (art. 68, CPM).

Conforme já alertado, se a pena é cumprida em estabelecimento militar, o regime de cumprimento é fechado, não havendo previsão legal de progressão de regime. Do cárcere o militar passa ao livramento condicional, desde que atendidos os requisitos legais. Relembre-se a controvérsia entre o STM e o STF, no tocante a progressão de regime, com aplicação do Código Penal e da Lei de Execução Penal já mencionada na introdução deste capítulo.

Para efeito de detração, computam-se na pena privativa de liberdade o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, e o de internação em hospital ou manicômio, bem como o excesso de tempo, reconhecido em decisão judicial irrecorrível, no cumprimento da pena, por outro crime, desde que a decisão seja posterior ao crime de que se trata (art. 67, CPM).

d) Pena privativa de liberdade aplicada a civil

Qualquer que seja a quantidade de pena, o civil condenado pela Justiça Militar

sempre é executado em estabelecimento comum, submetendo-se inteiramente a Lei de Execução Penal (art. 62). Aplicam-se as disposições da Súmula 192, do STJ e do artigo 2º, p. único, LEP.

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Excepcionalmente, o Código Penal Militar afirma que o civil condenado por Crime Militar praticado em tempo de guerra poderá cumprir a pena, no todo ou em parte, em penitenciária militar, se em benefício da segurança nacional assim determinar a sentença.

Segundo orientação de parte da doutrina, tal ressalva não tem aplicação, pois os crimes contra a segurança nacional são considerados crimes políticos, de competência da Justiça Federal comum e tratados em lei própria (Lei 7.170/83), não se sujeitando às regras do Código Castrense.

10.2.3 Impedimento

A pena de impedimento sujeita o condenado a permanecer no recinto da

unidade, sem prejuízo da instrução militar (art. 63). Trata-se de pena de natureza restritiva da liberdade, em que não há encarceramento.

A pena de impedimento é cominada exclusivamente ao crime de insubmissão (art. 183) e tem duração de três meses a um ano.

10.2.4 Suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função

pública

A pena de suspensão consiste na agregação, no afastamento ou licenciamento temporário do condenado (art. 64). Trata-se de pena principal, de natureza restritiva de direitos que acarreta a suspensão do exercício de posto (oficial), graduação (praça) ou cargo (civil), pelo prazo determinado na sentença.

Em que pese o apenado ser obrigado a comparecer regularmente à sede do serviço, o tempo de cumprimento da pena de suspensão não é computado como tempo de serviço. A pena de suspensão é prevista, por exemplo, para os crimes de ordem arbitrária de invasão (art. 170) e de exercício de comércio por oficial (art. 204).

De acordo com o p. único do artigo 64, CPM, se o condenado, quando proferida a sentença, já estiver na reserva, ou reformado ou aposentado, a pena de suspensão será convertida em pena de detenção, de três meses a um ano.

10.2.5 Reforma

A pena de reforma sujeita o militar estável condenado à situação de inatividade

compulsória, com proventos proporcionais ao tempo de serviço, não podendo perceber mais de 1/25 (um vinte cinco avos) do soldo por anos de serviço, nem receber importância superior à do soldo (art. 65).

Trata-se de pena de natureza restritiva de direitos prevista para alguns crimes militares como, por exemplo, ordem arbitrária de invasão (art. 170) e exercício de comercio por oficial (art. 204). Obviamente, que os militares sem estabilidade não se submetem à pena de reforma, o que configura um verdadeiro prêmio pela prática de infração penal.

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10.3 Penas acessórias

A aplicação das penas acessórias depende da imposição de uma pena

principal. Não se trata de penas alternativas aplicadas em substituição às penas privativas de liberdade. As penas acessórias são aplicadas cumulativamente com as penas principais, de acordo com a natureza do crime.

O artigo 98 do Código Castrense apresenta um rol taxativo de oito penas acessórias.

10.3.1 Perda do Posto e da Patente (art. 99)

Nos termos do artigo 99 do CPM, a perda de posto e patente do oficial resulta

da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos e importa a perda das condecorações. O artigo 107 do CPM, afirma que a imposição da perda de posto e patente não precisa constar expressamente da sentença. Entretanto segundo parte a doutrina, essa pena acessória não tem aplicação imediata e automática porque os oficiais das forças armadas são vitalícios e só podem perder o posto e a patente por decisão do STM (art. 142, §3º, VI, CF).

Penas Acessórias

Para Oficiais

Perda do Posto e da Patente

Indignidade para o Oficialato

Incompatibilidade para o Oficialato

Para Praças

Exclusão das Forças Armadas

Para Civis

Inabilitação p/ exercício de

função Pública

Perda da função pública

Suspensão

Poder Familiar, tutela ou curatela

Direitos Políticos

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Nos termos da Constituição da República, há dois caminhos possíveis para a decretação da perda do posto e da patente do oficial das forças armadas: a) Decisão administrativa do Conselho de Justificação confirmada pelo STM. b) Decisão judicial condenatória a pena privativa de liberdade superior a dois anos e representação do Procurador Geral da Justiça Militar ao Superior Tribunal Militar.

10.3.2 Declaração de indignidade para o oficialato (art. 100)

Conforme determina o artigo 100 do CPM, fica sujeito à declaração de indignidade para o oficialato o militar condenado, qualquer que seja a pena, nos crimes de traição, espionagem, ou cobardia, ou em qualquer dos definidos nos artigos 161, 235, 240, 242, 243, 244, 245, 251, 252, 303, 304, 311 e 312, todos do Código Penal Militar.

Trata-se de rol taxativo, que vincula a aplicação da pena acessória de declaração de indignidade para o oficialato.

10.3.3 Declaração de incompatibilidade com o oficialato

A pena de declaração de incompatibilidade com o oficialato aplica-se ao militar

condenado aos crimes dos artigos 141 e 142 do Código Penal Militar. Obs.: Indigno é o oficial cuja conduta mostra repulsiva abjeta, torpe, ou seja,

aquele que não merece ostentar a dignidade constitucional de Oficial Militar. Já incompatível é aquele que, por sua conduta mostra-se inconciliável com o Oficialato.

10.3.4 Pena de exclusão das Forças Armadas

Na literalidade do artigo 102 do CPM, a condenação da praça a pena privativa

de liberdade, por tempo superior a dois anos, importa sua exclusão das forças armadas. Nos termos do artigo 107 do CPM, a imposição da pena acessória de exclusão deve constar expressamente da sentença.

Convém asseverar que compete à Justiça Militar Estadual decidir sobre a perda da graduação de praças somente quando se tratar de crime militar. Porém, em caso de crime comum, a perda do cargo público constitui efeito da condenação, quando a pena privativa de liberdade é superior a 4 anos de reclusão, sendo decidido tal questão na própria sentença condenatória, sem a necessidade de instauração de procedimento específico para esse fim perante o Tribunal Militar.

O crime de tortura, tipificado na lei 9.455/97, não se qualifica como de delito de natureza castrense, achando-se incluído, por isso mesmo, na esfera de competência penal da Justiça Comum, ainda que praticado por militar. Nesse caso a perda do cargo constitui efeito extrapenal secundário obrigatório da sentença, dispensando inclusive a motivação.

10.3.5 Perda da Função Pública

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De acordo com o artigo 103 do CPM, incorre na perda da função pública o civil

condenado a pena privativa de liberdade por crime cometido com abuso de poder ou violação de dever inerente à função pública ou condenado a qualquer crime a pena privativa de liberdade superior a dois anos. Nos termos do artigo 107 do CPM, a imposição dessa pena acessória não precisa constar expressamente na sentença, portanto trata-se de pena automática.

10.3.6 Inabilitação para o exercício de função pública

A pena de inabilitação para exercício de função pública aplica-se ao condenado

à pena privativa de liberdade de reclusão superior a quatro anos, em virtude de crime praticado com abuso de poder ou violação do dever militar ou inerente à função pública. O prazo da inabilitação para o exercício de função pública varia de dois a vinte anos e começa ao termino da execução da pena ou medida de segurança.

Computam-se no prazo das inabilitações temporárias o tempo de resultante da suspenção condicional da pena ou do livramento condicional, se não sobrevém revogação (art. 108).

10.3.7 Suspensão do poder familiar, tutela ou curatela

O condenado a pena privativa de liberdade por mais de dois anos, seja qual for

o crime praticado, fica suspenso (art. 105) do exercício do poder familiar, tutela ou curatela, enquanto dura a execução da pena ou medida de segurança imposta em substituição. Caso necessário, o juiz pode decretar a suspensão provisória ainda durante o processo.

10.3.8 Suspensão dos direitos políticos

Durante a execução da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança

imposta em substituição, ou enquanto perdurar a inabilitação para função pública, o condenado não pode votar, nem ser votado. Nos termos do artigo 107 do CPM, a imposição dessa pena acessória não precisa constar expressamente da sentença.

11. Medidas de Segurança

O artigo 110 do Código Penal Militar apresenta o rol de medidas de segurança

mais amplo do que aqueles previstos no Código Penal comum. Na esfera castrense, as medidas de segurança dividem-se em pessoais e patrimoniais. Por sua vez, as medidas de segurança pessoais dividem-se em detentivas (internação) e não detentivas (restritivas de direito).

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Conforme determina o artigo 111 do CPM, em regra, as medidas de segurança somente podem ser impostas aos civis e aos militares que tenham perdido essa condição em virtude de condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos ou de outro modo hajam perdido posto e patente ou hajam sido excluídos das forças armadas.

Aos militares aplica-se a medida de segurança de internação, no caso de inimputabilidade por doença mental e a cassação de licença para dirigir veículos motorizados. A medida de segurança é imposta em sentença, que lhe estabelecerá as condições, nos termos da lei penal militar, não impedindo a expulsão do estrangeiro (art. 120, CPM).

11.1 Internação em Manicômio Judiciário

O artigo 112 do Código Penal Militar determina a internação em manicômio

judiciário do agente inimputável por alienação mental que oferece perigo à incolumidade alheia em razão de suas condições pessoais e do fato praticado.

A lei penal castrense adota o sistema vicariante que, em oposição ao sistema do duplo binário, rejeita a possibilidade de aplicação cumulativa ou sucessiva de pena e medida de segurança de internação. Assim, aplica-se medida de segurança em lugar de pena, caso o autor do fato típico e ilícito seja imputável e perigoso.

Em caso de semi-imputabilidade, haverá condenação com pena reduzida, podendo o juiz substitui-la por internação em estabelecimento psiquiátrico anexo ao

Medidas de Segurança

Pessoais

Detentivas

Internação em manicômio judicial

Não detentivas

Cassação de licença para direção de veículos

Exílio local

Proibição de frequentar determinados lugares

Patrimoniais

Interdição de Estabelecimento

Confisco

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manicômio judiciário ou estabelecimento penal, ou seção especial de um ou de outro, caso o sujeito necessite de especial tratamento curativo (art. 113).

Todavia, se o sujeito já cumpriu integramente a pena imposta em homenagem ao sistema vicariante, não se admite a aplicação de medida de segurança, ainda que persista sua periculosidade. O caso recomendaria tratamento em estabelecimento de saúde comum, fora da esfera do manicômio judiciário.

O Código Penal Militar não prevê expressamente medida de segurança de tratamento ambulatorial para o inimputável. A doutrina sugere aplicação subsidiária do Código Penal comum, sempre que a providência for benéfica ao acusado. Semelhantemente ao Código comum, o Código Penal Militar estabelece o prazo mínimo de internação de um e três anos. Nesse período serão realizados exames para a verificação da cessação da periculosidade. Salvo determinação da instância superior, a perícia médica é realizada ao término do prazo mínimo fixado à internação e, não sendo esta revogada, a perícia deve ser repetida de ano em ano.

Não há prazo máximo. A internação é por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade do internado. De acordo om a orientação do Supremo Tribunal Federal, o prazo máximo de internação é de 30 anos, que equivale o limite de unificação das penas privativas de liberdade.

Importante salientar que o Superior Tribunal de Justiça editou recentemente a Súmula 527, limitando o máximo da medida de segurança ao teto da pena abstratamente cominada à infração penal praticada.

O condenado a que sobrevenha doença mental deve ser recolhido em manicômio judiciário ou, na falta deste, a outro estabelecimento adequado, onde lhe seja assegurada custódia e tratamento (art. 66). Trata-se de internação não definitiva, daí porque, sobrevindo a cura, pode o internado ser transferido para o estabelecimento penal, não ficando excluído o seu direito a livramento condicional, sendo computado o tempo de internação como pena cumprida.

Se verificando que o estado mórbido é permanente, converte-se a pena em medida de segurança, vigorando esta por tempo indeterminado.

11.2 Cassação da licença para dirigir veículos motorizados

Nos exatos termos do artigo 115 do CPM, ao condenado por crime cometido

na direção ou relacionado à direção de veículos motorizados, deve ser cassada a licença para tal fim, pelo prazo mínimo de um ano, se as circunstâncias do caso e os antecedentes do condenado revelarem a sua inaptidão para essas atividades e consequentemente perigo para a incolumidade alheia.

O prazo da interdição se conta do dia em que termina a execução da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança detentiva. A cassação da licença deve ser determinada ainda no caso de absolvição do réu em razão de inimputabilidade.

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11.3 Exílio local

O exílio local consiste na proibição de que o condenado resida ou permaneça, durante um ano, pelo menos, na localidade, município ou comarca em que o crime foi praticado, em face da necessidade de garantir a ordem pública ou para o próprio bem do condenado (art. 116).

O exílio deve ser cumprido logo que cessa ou é suspensa condicionalmente a execução da pena privativa de liberdade.

11.4 Proibição de frequentar determinados locais

A proibição de frequentar determinados lugares consiste em privar o

condenado, durante um ano, pelo menos, da faculdade de acesso a lugares que favoreçam, por qualquer motivo, seu retorno à atividade criminosa. O cumprimento da proibição inicia-se logo que cessa ou é suspensa condicionalmente a execução da pena privativa de liberdade.

11.5 Interdição de estabelecimento, sociedade ou associação

Segundo dispõe o artigo 118 do CPM, a interdição de estabelecimento

comercial ou industrial, ou sociedade ou associação, pode ser decretada por tempo não inferior a quinze dias, nem superior a seis meses, se o estabelecimento, sociedade ou associação serve de meio ou pretexto para a pratica de infração penal.

A interdição consiste na proibição de exercer no local o mesmo comércio ou indústria, ou a atividade social. A sociedade ou associação, cuja sede é interditada, não pode exercer em outro local as suas atividades.

11.6 Confisco

A medida de segurança prisional de confisco prevista no artigo 119 do CPM,

determina que o juiz, embora não apurada a autoria, ou ainda quando o agente é inimputável, ou não punível, deve ordenar o confisco dos instrumentos e produtos do crime, desde que constam em coisas:

• cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitui fato ilícito; • que pertencendo às forças armadas ou sendo de uso exclusivo de militares, estejam em poder ou em uso do agente, ou de pessoa não devidamente autorizada; • abandonadas, ocultas ou desaparecidas.

11.7 Efeitos da condenação O artigo 109 do Código Penal Militar repete a redação do artigo 91 do Código

Penal comum elencando os efeitos genéricos da condenação.

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O primeiro efeito automático é o dever de indenizar, pois o trânsito em julgado da sentença condenatória torna certa a obrigação de reparar o dano resultante do crime.

Além disso, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, a condenação definitiva também gera a perda, em favor da Fazenda Nacional, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, bem como do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a sua pratica.

12. Da Ação Penal Militar

Nos termos do artigo 121 do Código Penal Militar, a ação penal somente pode ser

promovida por denúncia do Ministério Público Militar. Assim, a ação penal na esfera militar é sempre pública e, em regra incondicionada.

Excepcionalmente, conforme o artigo 122 do Código Castrense, nos crimes contra a segurança externa do país (art. 136 a art. 141), a ação penal é pública condicionada a requisição do Ministro da Defesa ao Procurador-Geral da Justiça Militar quando o autor do crime for militar. Afirma também o estatuto repressivo que, no caso do artigo 141, quando o agente for civil e não houver coautor militar, a requisição será do Ministro da Justiça.

Em virtude da indisponibilidade dos bens jurídicos tutelados na esfera penal militar, não há previsão de ação penal condicionada à representação do ofendido, nem ação penal privada originária. Mesmo não havendo disposição expressa na lei militar, é perfeitamente cabível ação penal privada subsidiária da pública em caso de inércia do Ministério Público Militar, nos termos do art. 5º, LIX da Constituição Federal da República.

Também não se aplicam à esfera militar as disposições contidas na Lei 9.099/95, que trata dos juizados Especiais Criminais (art. 90-A, da Lei 9.099/95). Segundo entendimento doutrinário, não haveria incompatibilidade na aplicação da lei 9.099/95 ao civil processado pela Justiça Militar da União, pois não afetaria a disciplina e a hierarquia militar.

Todavia, em julgado recente, envolvendo civil acusado de desacato e desobediência praticados contra militar das Forças Armadas no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública a primeira turma do Supremo Tribunal Federal relembrou que o plenário declarou a constitucionalidade do art. 90-A da Lei 9.099/95, com redação dada pela Lei 9.839/99, daí a inaplicabilidade da lei dos juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Militar. (HC 1131218 – 20.02.2014). Convém salientar que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a superveniência da Lei 9.839 não se aplica a fatos delituosos ocorridos antes da sua vigência em virtude da garantia constitucional da irretroatividade da lei penal in pejus. (HC 80099 – 16.06.2000).

13. Extinção da punibilidade

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13.1 Introdução

A punibilidade é a consequência natural da prática de crime. A possibilidade de

punir o autor de uma infração penal pertence exclusivamente ao Estado e esse interesse reflete uma pretensão que se define como: • Pretensão punitiva: obter um provimento judicial condenando o réu ao cumprimento de uma sanção penal. • Pretensão executória: executar o título judicial obtido após o trânsito em julgado, impondo efetivamente a sanção penal.

13.2 Causas de extinção da punibilidade

Após a ocorrência do delito podem surgir situações que impedem a aplicação ou a execução da sanção respectiva. A punibilidade do fato cessa em razão de certas contingências ou por motivos de conveniência e oportunidade política. Em determinadas situações expressamente previstas em lei, o Estado pode abrir mão do direito de punir ou até mesmo perder a pretensão punitiva.

O Código Penal Militar apresenta um rol de causas de extinção da punibilidade distinto daquele previsto no Código Penal comum:

Causas extintivas de punibilidade

Parte Geral do CPM

Morte

Anistia ou Indulto

Abolitio Criminis

Ressarcimento do Dano no Peculato

Culposo

Reabilitação

Parte Geral do CPM

Perdão Judicial na Receptação

Culposa

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As causas de extinção da punibilidade devem ser previstas expressamente em

lei, não se admitindo, em regra, utilização de analogia para a integração de supostas lacunas na lei penal militar. A extinção de um crime que é pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro, não se estende a este. Nos crimes conexos, a extinção de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão (art. 123).

13.2.1 Extinção da punibilidade pela morte do agente

De acordo com o princípio da intranscendência da pena, previsto no artigo 5º,

XLV da Constituição Federal, “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido”.

A responsabilidade penal é pessoal, não podendo passar do agente que praticou o ilícito, sem prejuízo da obrigação de reparar o dano e da perda de bens. A pena é uma medida de caráter estritamente pessoal, sobretudo por se caracterizar uma ingerência ressocializadora sobre o condenado.

A comprovação da morte se dá mediante a apresentação de documento contábil (certidão de óbito). Há uma interessante controvérsia quanto às consequências da comprovação da falsidade da certidão de óbito apresentada em juízo para fundamentar a extinção da punibilidade.

1º Corrente: para a maioria da doutrina, a decisão que julga extinta a punibilidade é terminativa de mérito em sentido amplo, justamente por declarar não haver mais pretensão punitiva do Estado. Como não há revisão criminal pro-societate, não se pode reiniciar a ação penal contra o réu, cabendo apenas processa-lo pelo crime de falsidade documental.

2º Corrente: de acordo com a jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores, revoga-se o despacho que julgou extinta a punibilidade, pois fundamentado em documento comprovadamente falso. Além de não fazer coisa julgada em sentido estrito, já que o acusado estaria se beneficiando de conduta ilícita, a decisão fundou-se em fato juridicamente inexistente, não produzindo qualquer efeito. Se não houve morte, estava ausente o pressuposto de extinção da punibilidade, não podendo fazer coisa julgada. Assim, o processo retoma seu curso, se não houver ocorrido a prescrição.

13.2.2 Extinção da punibilidade pela anistia ou pelo indulto

a) Anistia

A anistia, também chamada de clemência soberana ou indulgencia principis,

corresponde ao esquecimento jurídico de crimes pelo Estado. Essa causa de extinção

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da punibilidade é irrevogável e tem por objeto fatos e não pessoas, sendo concedida por meio de Lei do Congresso Nacional com sanção presidencial, nos termos dos artigos 21, XVII e 48, VIII, da CF, com efeitos retroativos.

Quanto ao momento, a doutrina classifica a anistia em própria e imprópria. A primeira ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, enquanto a última se dá após o trânsito em julgado, não atingindo os efeitos civis da condenação (subsiste a obrigação de indenizar). Nos dois casos, extingue-se todos os efeitos penais (inclusive o pressuposto da reincidência).

Quanto aos sujeitos beneficiados, a doutrina distingue a anistia geral, que favorece a todos os que praticaram determinado fato indistintamente, ou parcial, beneficiando somente alguns criminosos, como por exemplo, apenas os não reincidentes.

Quanto ao objeto, classifica-se em irrestrita e limitada, conforme abranja todos os delitos relacionados ao fato criminoso principal ou exclua somente alguns deles. É cediço que a anistia não se aplica aos crimes hediondos e equiparados, nos termos do art. 5º, XLIII da CF.

Porém, vale lembrar que os crimes militares não integram o rol de crimes hediondos e equiparados da lei 8.072/90. Assim, mesmo que se trate, por exemplo, de homicídio qualificado ou estupro previstos no Código Penal Militar, não há vedação de concessão de anistia.

b) Indulto

O indulto extingue a pena imposta a uma pessoa, sendo concedido mediante

decreto presidencial ou de autoridade com delegação, como por exemplo, o Ministro da Justiça ou o Advogado Geral da União, nos termos do artigo 84, XII e parágrafo único da Constituição.

O indulto fulmina apenas a pretensão executória, não atingindo os demais efeitos penais (reincidência) e extrapenais (dever de indenizar). Apesar de não haver referência à graça no Código Penal Militar, não há óbice à sua concessão, eis que, na essência, tem a mesma natureza do indulto. A diferença está em que, enquanto o indulto tem caráter coletivo, dirigindo-se a um grupo indeterminado de condenados e sendo delimitado pela natureza do crime e quantidade da pena aplicada, a graça tem caráter individual, sendo direcionada especificamente a determinado condenado.

Por fim, mesmo não havendo disposição expressa, admite-se também a comutação (diminuição) de penas, pois equivale a um indulto parcial.

13.2.3 Extinção da punibilidade pela retroatividade de lei que não mais

considera o fato como criminoso – abolitio criminis

A abolitio criminis não desfaz a existência do crime já cometido, mas extingue a sua punibilidade, afastando todos os efeitos penais (primário e secundários) da sentença condenatória, mesmo com trânsito em julgado.

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Nesse caso, extingue-se a pretensão executória, mas não são afastados os efeitos civis, como por exemplo, o dever de indenizar por eventuais danos causados.

Antes do trânsito em julgado, a abolitio criminis também impede a incidência dos efeitos civis, já que, faltando o título executivo judicial, não há possibilidade de executá-lo diretamente, sendo necessário a propositura da ação de conhecimento na esfera civil.

13.2.4 Reabilitação

Diferentemente do Direito Penal comum, a reabilitação na esfera penal militar

é tratada como causa de extinção de punibilidade, alcançando quaisquer penas impostas por sentença definitiva (art. 134).

Enquanto o Código Penal comum estabelece o prazo de dois anos, o prazo exigido no CPM para requerer a reabilitação é de cinco anos contados do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena principal ou terminar a execução desta ou da medida de segurança aplicada em substituição (art. 113), ou do dia em que terminar o prazo da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional, desde que o condenado seja domiciliado no País, no prazo acima referido e tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado.

Além disso, exige-se que o sujeito tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre absoluta impossibilidade de fazê-lo até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

Não se concede reabilitação em favor dos que foram reconhecidos perigosos, salvo prova cabal em contrário, e em relação aos atingidos pelas penas acessórias de suspensão do exercício do poder familiar, tutela ou curatela, se o crime for de natureza sexual em detrimento de filho, tutelado ou curatelado.

Negada a reabilitação, não pode ser novamente requerida senão após o decurso de dois anos. Mais uma vez, o Código castrense difere do Código Penal comum, que permite a renovação do pedido a qualquer tempo, desde que com nova fundamentação.

Se o reabilitado for definitivamente condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, a reabilitação será revogada de oficio ou a requerimento do Ministério Público.

Nos termos do artigo 135 do CPM, declarada a reabilitação, serão cancelados, mediante averbação, os antecedentes criminais. Concedida a reabilitação, o registro oficial de condenações penais não pode ser comunicado senão à autoridade policial ou judiciária, ou penal que venha a ser instaurado contra o reabilitado.

13.2.5 Ressarcimento do dano no peculato culposo

No caso de peculato culposo, a reparação do dano antes da sentença

irrecorrível é causa de extinção da punibilidade (art. 303, §4º, CPM). O Código Penal

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Militar traz disposição idêntica à do Código Penal comum (art. 312, §3º, CP). Se a reparação é posterior ao trânsito, não há extinção da punibilidade, mas reduz-se de metade a pena imposta.

13.2.6 Perdão Judicial

Apesar de não mencionado no rol do artigo 123 do Código Penal Militar, há

previsão de perdão judicial, no caso de RECEPTAÇÃO CULPOSA (art. 255), podendo o juiz deixar de aplicar a pena se o agente é primário e o valor da coisa não é superior a um décimo do salário mínimo.

13.2.7 Prescrição

13.2.7.1 Conceito

A prescrição é a perda da pretensão punitiva doestado, pelo decurso de tempo, em razão do seu não exercício no prazo fixado em lei.

Trata-se de instituto jurídico de natureza penal mediante o qual o Estado, por não ter capacidade de fazer valer seu direito de punir em determinado lapso temporal previsto em lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade.

O próprio Estado estabelece critérios limitadores para o exercício do direito de punir e, levando em conta a gravidade da conduta delituosa e da resposta penal correspondente, fixa o lapso temporal dentro do qual estará legitimado a aplicar a sanção correspondente.

Por ser matéria de ordem pública, a prescrição, embora não alegada, deve ser declarada de ofício (art. 133).

Trata-se de questão preliminar, que antecede o mérito (súmula 241, TFR) De acordo com o artigo 124 do Código Penal Militar, a prescrição refere-se à

ação penal ou à execução da pena. A prescrição antes do trânsito, impropriamente chamada de prescrição da ação penal, diz respeito à pretensão punitiva (ius puniendi), que se traduz na possibilidade de formar o título executivo. Após o trânsito em julgado, a prescrição é da pretensão executória (ius punitionis).

13.2.7.2 Fundamentos políticos da prescrição

• Decurso do prazo (teoria do esquecimento do fato): o decurso do tempo leva ao esquecimento do fato. Aos poucos, o alarme social desaparece até apagar-se definitivamente, gerando desinteresse de fazer valer a pretensão punitiva. • Correção do condenado: o decurso do prazo leva à auto-recuperação do criminoso. Se o condenado não voltar a delinquir após longo lapso temporal, conclui-se que, por si mesmo, foi capaz de alcançar o reajustamento social que a pena se dispõe a fazer. Assim, a pena perde seu fundamento de prevenção especial, esgotando-se os motivos do Estado par desencadear a punição. • Negligência da autoridade: o Estado deve suportar o ônus da sua inércia, não se admitindo que o delinquente submeta-se, ad infinitum, ao império da vontade estatal.

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• Fundamento processual: o decurso do prazo enfraquece o suporte probatório e dificulta uma justa apreciação do delito. A apuração torna-se mais incerta e a defesa mais difícil.

13.2.7.3 Espécies de prescrição da pretensão punitiva:

13.2.7.4 Prescrição pela pena em abstrato

Antes da sentença condenatória, a prescrição regula-se pelo máximo da pena abstratamente cominada ao crime, verificando-se nos prazos do artigo 125, CPM.

QUANTIDADE DE PENA MÁXIMA PRAZO PRESCRICIONAL

Pena de morte 30 anos

Pena máxima superior a 12 anos 20 anos

Pena máxima superior a 8 anos até 12 anos

16 anos

Pena máxima superior a 4 anos até 8 anos

12 anos

Pena máxima superior a 2 anos até 4 anos

8 anos

Pena máxima superior a 1 ano até 2 anos

4 anos

Pena máxima inferior a 1 ano 2 anos

ANTIDADE DE PENA MÁXIMA PRAZO PRESCRICIONAL a) Termo inicial

O termo inicial para a contagem do prazo prescricional é o dia em que o crime se

consumou. No caso de tentativa, começa a correr a prescrição do dia em que cessou a atividade criminosa e, nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência. Nos crimes de falsidade, o marco inicial é a data em que o fato se tornou conhecido (art. 125, §2º, CPM).

Prescrição da Pretensão Punitiva

Pela Pena em Concreto

Retroativa

Superveniente

Pela Pena em Abstrato

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b) Causas suspensivas

O Código Penal Militar indica duas causas suspensivas da pretensão punitiva. Havendo questões prejudiciais obrigatórias, a prescrição não corre enquanto não resolvida, em outro processo, questão que dependa o reconhecimento da existência do crime. Também fica suspenso o prazo prescricional enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.

Obs.: importante registrar que não se aplica subsidiariamente o artigo 366 do CPP à esfera castrense. No caso de citação por edital em que o réu não comparece nem constitui advogado, não há suspensão do prazo prescricional nem do processo, que segue à revelia do acusado. A adoção da referida suspensão, além de ferir a índole do processo penal militar, caracteriza analogia in malam partem.

c) Causas interruptivas

O prazo prescricional é interrompido pela instauração do processo (recebimento

da denúncia ou da queixa subsidiária) e pela prolação da sentença condenatória recorrível (art. 125, §5º, CPM). Interrompida a prescrição, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção (art. 128).

A interrupção da prescrição produz efeito relativamente a todos os concorrentes do crime. Nos crimes conexos que sejam objeto do mesmo processo, a interrupção relativa a qualquer deles estende-se ao demais (art. 125, §6º).

d) Causas modificativas do prazo prescricional

Para calcular-se o prazo prescricional definitivo, é preciso computar as causas de

aumento de pena (majorantes) em seu grau máximo e as causas de redução de pena (minorantes) em seu grau mínimo. No cálculo da prescrição pela pena em abstrato, deve-se considera a pior hipótese para o réu, pois prevalece o interesse da sociedade.

Excluem-se desse cálculo as circunstâncias agravantes e atenuantes. No caso de concurso de crimes ou de crime continuado, o prazo de prescrição de cada crime é considerado isoladamente (art. 125, §4º).

De acordo com o artigo 129, “são reduzidas de metade os prazos da prescrição, quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de vinte e um anos ou maior de setenta”. Trata-se de condições pessoais que beneficiam o agente com a redução do prazo prescricional pela metade.

O Código Penal Militar exige que o sujeito tenha setenta anos ao tempo do crime, diferentemente do Código Comum, em que o preenchimento desse requisito se dá por ocasião da primeira decisão condenatória.

13.2.7.5 Prescrição da pena em concreto

a) Prescrição retroativa

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Transitada em julgado para a acusação a sentença condenatória, o prazo

prescricional é calculado com fundamento na pena em concreto aplicada na tabela do artigo 125 do Código Penal Militar.

Os lapsos prescricionais são considerados retroagindo-se da sentença ao primeiro marco interruptivo. Nos exatos termos do art. 125 §1º do CPM, “sobrevindo sentença condenatória, de que somente o réu tenha recorrido, a prescrição passa a regular-se pela pena imposta, e deve ser logo declarada, sem prejuízo do andamento do recurso se, entre a última causa interruptiva do curso da prescrição e a sentença, já decorreu tempo suficiente”.

Note-se que o Código Castrense não menciona a retroatividade a fato anterior ao recebimento da denúncia.

Antes da edição da lei 12.234/10, a jurisprudência dos Tribunais Superiores admitia aplicação subsidiária do Código Penal à esfera castrense e permitia a prescrição retroativa até a data do crime.

A chamada prescrição pela pena ideal, que consiste no reconhecimento antecipado da prescrição retroativa em razão da pena em perspectiva, a ser virtualmente aplicada ao réu numa hipotética condenação, não tem sido admitida pelos Tribunais Superiores por falta de amparo legal e por ferir o princípio da presunção de inocência.

b) Prescrição superveniente ou intercorrente

Também leva em conta a pena aplicada em concreto na sentença condenatória,

sendo calculada da mesma forma, mas dirige-se ao futuro. Dias hipóteses podem ocorrer: • Recurso exclusivo da defesa – o lapso prescricional começa a correr do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação e termina com a prolação do acordão, independentemente da sorte do recurso. • Recurso da acusação – o lapso prescricional começa a correr da prolação da sentença condenatória e termina com o improvimento do recurso.

13.2.7.6 Prescrição da pretensão executória

Nos termos do artigo 126 do Código Penal Militar, a prescrição da execução da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança que a substitui (art. 113) regula-se pelo tempo fixado na sentença e verifica-se nos mesmo prazos estabelecidos no art. 125, os quais se aumentam de 1/3, se o condenado é reincidente.

A prescrição da pretensão executória leva em conta a pena aplicada em concreto na sentença condenatória, mas somente após o trânsito em julgado para a acusação e para a defesa.

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a) Termo inicial

A prescrição executória começa a correr do dia em que passa em julgado a sentença condenatória ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional ou do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.

Ressalva-se a hipótese de interdição por doença mental superveniente ao início da execução, em que o prazo da internação é computado na pena.

No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento ou desinternação condicionais, a prescrição se regula pelo restante do tempo da execução.

b) Causas Suspensivas

O curso da prescrição da execução da pena suspende-se enquanto o condenado

está preso por outro motivo. c) Causas interruptivas

O curso da prescrição da execução da pena interrompe-se pelo início ou

continuação do cumprimento da pena ou pela reincidência. De acordo com o artigo 128, interrompida a prescrição, salvo o caso de início ou continuação de cumprimento da pena, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção.

13.2.7.7 Regras especiais da prescrição

A prescrição nos crimes cuja pena cominada, no máximo é de reforma ou de

suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função verifica-se em quatro anos (art. 127).

De acordo com o artigo 130, é imprescritível a execução das penas acessórias. O Código Penal militar não segue a regra do Código Penal comum de que as penas mais leves prescrevem com as mais graves.

13.2.7.8 Prescrição no crime de insubmissão

No crime de insubmissão, a prescrição começa a correr do dia em que o

insubmisso atinge a idade de trinta anos (art. 131). Essa regra especial somente se aplica à prescrição em abstrato referente aos trânsfugas, que são aqueles insubmissos que não foram capturados.

É pacifica a orientação do STM no sentido de que: “sendo a insubmissão crime de natureza permanente, a prescrição, em relação a ele, começa a correr da data em que cessa a permanência, ou seja, quando o insubmisso que se furtou à incorporação no devido tempo comparece voluntariamente à unidade militar ou é capturado.

13.2.7.9 Prescrição no crime de deserção

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Nos termos do artigo 132 do Código Penal Militar, “no crime de deserção,

embora decorrido o prazo da prescrição, está só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial a de sessenta”.

Essa regra especial para a prescrição no crime de deserção somente se aplica ao trânsfuga (desertor não capturado). Nesse caso, estando o réu ausente, a extinção de punibilidade pela prescrição ocorre com o advento da idade de 45 anos, para praças e de 60 anos, para os oficiais.

Para o desertor presente, segue-se a regra geral prevista no artigo 125, VI do Código Penal Militar, operando-se a extinção da punibilidade com o decurso de prazo de 4 (quatro) anos, podendo haver redução do prazo pela metade se, na data do fato o desertor era menor de 21 anos.

A orientação pacífica do STM e do STF, com apoio na ampla maioria da doutrina, é no sentido de que se trata de crime permanente. Assim, enquanto o trânsfuga não é capturado nem se apresenta voluntariamente, o crime está em consumação, não correndo o prazo prescricional enquanto não cessar a permanência.

UNIDADE II – DOS CRIMES MILITARES EM TEMPO DE PAZ Dos crimes contra a autoridade ou disciplina militar

1. Do Motim e da Revolta

1.1. Motim Art. 149. Reunirem-se militares ou assemelhados: I – agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando-se a cumpri-la; II – recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem

ou praticando violência;

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III – assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior;

IV – ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar:

Pena – reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças.

Trata-se de um crime propriamente militar e consiste na reunião de dois ou mais militares que, em síntese, visa descumprir de alguma forma (meios pacíficos ou violentos) a ordem legal recebida. Frisamos neste ponto que a ordem deve ser legal. O bem jurídico aqui protegido é a disciplina militar, uma vez que as instituições militares são alicerçadas na hierarquia e disciplina.

É um crime plurissubjetivo, pois necessita de autoria coletiva, haja vista a norma impor como autores militares ou assemelhados, todavia, vale lembrar que atualmente a figura do assemelhado não mais existe.

1.2. Revolta

Parágrafo único. Se os agentes estavam armados: Pena – reclusão, de oito a vinte anos, com aumento de um terço para os

cabeças. O crime de revolta, crime este punido de forma mais grave do que o motim,

se distingue deste pelo emprego de arma. Porém, não se exige que todos os militares estejam armados, basta que ao

menos dois deles utilizem armas para agir contra a ordem recebida que restará configurado o delito. Se um único estiver armado, não caracterizará a revolta, pois o parágrafo único dispõe, expressamente, que se caracterizará o referido delito “se os agentes estavam armados”, também é necessário que as armas sejam usadas de forma intimidatória.

1.3. Organização de grupo para a prática de violência

Art. 150. Reunirem-se dois ou mais militares ou assemelhados, com

armamento ou material bélico, de propriedade militar, praticando violência à pessoa ou à coisa pública ou particular em lugar sujeito ou não à administração militar:

Pena - reclusão, de quatro a oito anos. Consiste o delito na reunião de dois ou mais militares, com armamento ou

material bélico, de propriedade militar, praticando violência à pessoa ou à coisa pública ou particular em lugar sujeito ou não à administração militar.

Verifica-se que o tipo não dispõe que a consumação ocorrerá com a simples reunião para fins de prática de algum modo de violência, mas a reunião de militares

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praticando violência, ou seja, trata-se de crime material e não formal. Não existe um especial fim de agir que seria a prática da violência, mas, sim, que essa ocorra para a consumação do delito.

2. Da aliciação e do incitamento

2.1. Aliciação para motim ou revolta

Art. 154. Aliciar militar ou assemelhado para a prática de qualquer dos crimes previstos no capítulo anterior: Pena - reclusão, de dois a quatro anos. Aliciar significa seduzir, logo, aliciar é o mesmo que seduzir militar para a

prática dos crimes de motim, revolta, organização de grupo para a prática de violência, omissão de lealdade militar e conspiração.

O bem jurídico protegido é a disciplina militar, pois o autor, ao tentar convencer terceiros para o motim ou revolta, fere a estrutura institucional, a ordem castrense. Já o sujeito ativo é qualquer pessoa, seja ela civil ou militar. No caso de sujeição ativa de um civil, deve-se frisar que somente será possível a ocorrência do delito em âmbito federal. Lembrando que a Justiça Militar Estadual não mais julga civis. Do contrário, caso o alvo do aliciador seja militar estadual, a tipificação seria buscada na legislação penal comum, por exemplo, no art. 286 do CP comum.

2.2. Incitamento

Art. 155. Incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar: Pena - reclusão, de dois a quatro anos. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem introduz, afixa ou distribui, em lugar sujeito à administração militar, impressos, manuscritos ou material mimeografado, fotocopiado ou gravado, em que se contenha incitamento à prática dos atos previstos no artigo. Incitar significa encorajar, instigar, provocar, sendo então anterior à aliciação.

O delito consiste em instigar militar ou civil para prática de atos de desobediência, de indisciplina ou de crime militar.

Pode ser praticado por militar ou civil, lembrando que o civil responde apenas na esfera federal.

3. Da Violência contra Superior ou Militar de Serviço

3.1. Violência contra superior

Art. 157 do CPM. Praticar violência contra superior. Pena – detenção, de três

meses a dois anos.

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Formas qualificadas: § 1º Se o superior é comandante da unidade a que pertence o agente, ou oficial general. Pena – reclusão, de três a nove anos.

§ 2º Se a violência é praticada com arma, a pena é aumentada de um terço. § 3º Se da violência resulta lesão corporal, aplica-se, além da pena da

violência, a do crime contra a pessoa. § 4º Se da violência resulta morte. Pena – reclusão, de doze a trinta anos. § 5º A pena é aumentada da sexta parte, se o crime ocorre em serviço. Este crime só pode ser cometido por militar, não encontrando previsão no

Código Penal comum, razão pela qual tratar-se de crime militar próprio. A violência exigida para caracterização deste delito é a violência física, consistente em tapas, empurrões, rasgar roupas, puxão de orelhas, pontapés e socos que podem ou não provocar lesões. Há necessidade apenas da existência de contato físico direto ou através de instrumentos, também físico. A agressão verbal poderá caracterizar outros delitos, tais como ultraje ao pudor (art. 238), desrespeito a superior (art. 160), incitamento (art. 155) etc.

A violência contra superior assume tal gravidade que as consequências penais independem do resultado da ação (pode ou não causar lesão corporal). Nesse sentido, quanto mais deve ser respeitado o ofendido (superior), maior é o crime e, portanto, mais grave a pena cominada. Os parágrafos do art. 157 denotam a escalada de gravidade do crime.

Ementa: Violência contra superior. Quando se torna obrigatório o laudo médico. Violência contra Superior – somente na forma qualificada prevista no art. 157, §3º do CPM, isto é, quando da violência resulta lesão corporal, é que torna indispensável o exame médico legal na pessoa da vítima. (TJM/MG – Ap. 1.098, Rel. Juiz Dr. fausto Nunes Vieira. Acórdão de 04.1.75) Ementa: Soldado que agride a socos e golpes de bastão, colega de igual graduação, porém em serviço. Conduta tipificada no art. 157, §3º do CPM. Denúncia e condenação por lesão corporal, art. 209, CPM. Autoria e materialidade induvidosas. Vedada a reformatio in pejus, mantêm-se a decisão recorrida. Apelo improvido. Decisão unânime. (TJM/RS – Ap. 3.002/97 – Rel. Juiz Cel João Vanderlan Rodrigues Vieira, j. 15.10.97. Jurisprudência Penal Militar, jan/jun 1997, p.228)

3.2. Violência contra militar em serviço (art. 158 do CPM)

Art. 158. Praticar violência contra o oficial de dia, de serviço, ou de quarto, ou contra sentinela, vigia ou plantão. Pena – reclusão, de três a oito anos.

§ 1º Se a violência é praticada com arma, a pena é aumentada de um terço. § 2º Se da violência resulta lesão corporal, aplica-se , além da pena da

violência, a do crime contra a pessoa.

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§ 3º Se da violência resulta morte. Pena – reclusão, de doze a trinta anos. O artigo é um desdobramento do artigo anterior, estendendo a proteção contra

violência física a todos os militares de serviço, e não apenas ao superior hierárquico. Quanto aos meios empregados pelo agente do delito, o crime se apresenta

com duas feições: cometido com arma ou sem arma. É crime que não exige a qualidade de militar do sujeito ativo (agente).

Considerado um crime contra as instituições militares, podendo ser cometido por qualquer indivíduo, militar ou civil.

4. Do Desrespeito a Superior e a Símbolo Nacional

4.1. Desrespeito a superior

Art. 160. Desrespeitar superior diante de outro militar: Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Desrespeito a comandante, oficial-general ou oficial de serviço Parágrafo único. Se o fato é praticado contra o comandante da unidade a que pertence o agente, oficial-general, oficial de dia, de serviço ou de quarto, a pena é aumentada da metade. Consiste o delito em manifestação de um militar, por palavras, gestos, atitudes, impressos, que demonstre falta de consideração, menosprezo por seu superior hierárquico, desde que praticado diante de outro militar. A objetividade jurídica do crime é autoridade militar, personificada no superior hierárquico que é desrespeitado. O sujeito ativo é o inferior hierárquico ou funcional. Se o crime não for praticado na presença de outro militar, não importando o posto ou a graduação, configurará apenas transgressão disciplinar. Da mesma forma, se o fato for praticado na presença de um civil, caracterizará transgressão disciplinar.

5. Da Insubordinação

5.1. Recusa de obediência

Art. 163. Recusar obedecer a ordem do superior sobre assunto ou matéria de serviço, ou relativamente a dever imposto em lei regulamento ou instrução.

Pena – detenção, de um a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave.

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Define-se insubordinação como sendo o fato do militar negar-se a obedecer ordem de superior hierárquico, relativo a serviço ou dever imposto em lei, regulamento ou instrução.

Vale ressaltar que a mesma conduta, aqui definida como insubordinação, pode caracterizar o crime de motim previsto no art. 149, I, CPM. A insubordinação ficará restrita aos casos em que um único militar recusar-se a obedecer tais ordens. Em sendo mais de um militar, o crime será de motim.

ORDEM é a expressão da vontade do superior hierárquico dirigida a um ou mais inferiores determinados para que cumpram com uma prestação ou abstenção no interesse do serviço. Deve a ordem ser:

IMPERATIVA – deve importar numa exigência para o inferior, por isso não são ordens os conselhos, exortações e advertências;

PESSOAL – significa que deve ser dirigida a um ou mais inferiores determinados; as de caráter geral não são ordens desta natureza e seu não-cumprimento constitui mera transgressão disciplinar;

CONCRETA – ou seja, pura e simples, pois seu cumprimento não deve estar sujeito à apreciação do subordinado.

Finalmente a ordem tem que estar relacionada à lei, regulamento ou instrução (base legal).

A obediência, no sistema militar, sustentada na hierarquia e na disciplina, é fundamental, contudo é certo que atualmente não se admite a obediência cega. Permite-se que o inferior examine o conteúdo da determinação. Certo é também que o sistema militar apresenta características próprias. Assim, se a ordem é ilegal, ilegal também é o fato praticado pelo subordinado (“ordens manifestamente ilegais não devem ser executadas”).

O cumprimento de ordens manifestamente ilegais responsabilizam o militar que executou e o superior que a emitiu. As ordens não-manifestamente ilegais responsabilizam apenas o superior que a emitiu.

5.2. Reunião ilícita

Art. 165. Promover a reunião de militares, ou nela tomar parte, para discussão de

ato de superior ou assunto atinente à disciplina militar:

Pena - detenção, de seis meses a um ano a quem promove a reunião; de dois a seis meses a quem dela participa, se o fato não constitui crime mais grave. O sujeito ativo será sempre o militar, tanto o que promove a reunião (que pode ser o autor individual), quanto os que participam (necessariamente mais de um). Para que se tenha uma reunião faz-se necessário que haja mais de uma pessoa. Contudo, não é imprescindível que haja alguém promovendo, convocando, provocando ou incitando o encontro ilícito. A reunião pode surgir como desdobramento não orquestrado, e sem prévio acerto, de uma simples conversa, “no intervalo do

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cafezinho”, entre dois militares, aos quais vão se juntando mais dois, três, cinco, dez... todos insatisfeitos. Se o insuspeito encontro evoluir para comentários sobre atos do superior, ainda que não sejam críticas desfavoráveis, ou a discussões valorativas sobre atos de disciplina militar, o crime poderá se configurar. Interessante mencionar que, se um militar comparece ao local onde ocorre a reunião, mas desconhece o assunto em pauta, retirando-se assim que percebe o tema discutido, não pratica o crime. De outro turno, o militar que promove a reunião, independente de não comparecer ao encontro, já consuma o crime do artigo 165, haja vista afetar a autoridade e a disciplina militares.

6. Da usurpação e do excesso ou abuso de autoridade

6.1. Uso indevido por militar de uniforme, distintivo ou insígnia

Art. 171. Usar o militar ou assemelhado, indevidamente, uniforme, distintivo ou insígnia de posto ou graduação superior: Pena - detenção, de seis meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave

A hipótese é a do militar que utiliza distintivo ou insígnia indicativos de posto ou graduação superiores e que, portanto, não poderia usar. Trata-se de crime contra a Autoridade ou Disciplina Militares.

O núcleo do tipo é o verbo usar, ou seja, é o ato de vestir o uniforme, trajá-lo indevidamente, sem observância dos regulamentos que disciplinam a matéria e ser visto.

Importante frisar que se o uso indevido do fardamento for meio para a prática de estelionato (crime comum), deverá o militar responder por esse crime perante a Justiça Comum, e também pelo artigo 171 do CPM na Justiça Militar.

Distintivo – sinais indicativos colocados sobre os uniformes básicos, uniformes especiais, ou peças complementares. Indicam situações específicas dos militares que os recebem (ex: Ministro do STM, Militar em Comando, Chefia ou direção de OM, Aviação do Exército). Além dos que estão em vigor, a criação de novos distintivos deve ser proposta pela OM interessada e depende de aprovação do Comandante da Força.

Insígnias – sinais indicativos usados nos uniformes básicos, masculinos e femininos, nos uniformes especiais e nas peças complementares. Indicam os postos (Oficiais) e graduações (Praças) dos militares (ex: Coronel, Subtenente, Sargento...). As insígnias são, assim, sinais visíveis que indicam a precedência hierárquica dos militares das Forças Armadas e, igualmente, das Polícias e Corpos de Bombeiros Militares.

Cada Força Armada regulamenta o uso de seus uniformes, insígnias, distintivos, condecorações e outros acessórios.

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6.2. Violência contra inferior

Art. 175. Praticar violência contra inferior. Pena – detenção, de três meses a um ano. Resultado mais grave Parágrafo único. Se da violência resulta lesão corporal ou morte, é também

aplicada a pena do crime contra a pessoa, atendendo-se, quando for o caso, ao disposto no art. 159.

“Art. 159. Quando a violência resulta morte ou lesão corporal e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena do crime contra a pessoa é reduzida de metade”.

O art. 159 trata do crime preterdoloso ou preterintencional, ou seja, modalidade de crime qualificado pelo resultado. O PRETERDOLO apresenta dolo no antecedente e culpa no consequente. Ex.: agente desfere um soco no oficial de serviço ou na sentinela por desejar ferir qualquer um deles, sendo que a vítima vem a cair e morrer ao bater a cabeção contra o solo.

O art. 175 “caput” trata da violência pura e simples do superior contra o inferior. Se o superior efetuar um empurrão contra o subordinado e em seguida desfere-lhe uma bofetada, ocorre a prática do fato tipificado em tal artigo do CPM. Uma segunda situação vem prevista no parágrafo único do mesmo artigo, sob a rubrica “resultado mais grave”, e consiste na violência praticada pelo superior contra o inferior, mas que resulte lesão corporal ou morte.

6.3. Ofensa aviltante a inferior

Art. 176. Ofender inferior, mediante ato de violência que, por natureza ou pelo meio empregado, se considere aviltante:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no parágrafo único do artigo anterior. Assim como na violência contra inferior, o tipo penal protege a autoridade e a

disciplina militares, bem como a integridade física do ofendido e sua honra. O sujeito ativo é o superior hierárquico ou funcional. O dispositivo também trata de um tipo de violência praticada contra inferior,

mas em forma de ofensa aviltante, ou seja, ultrajante, vergonhosa, humilhante, infame, vil, desonrosa, deprimente. É uma modalidade abjeta de subjugar o subordinado, merecendo do legislador pena duas vezes maior do que a do artigo 175.

7. Da Deserção

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7.1. Deserção

Art. 187 do CPM. Ausentar-se o militar, sem licença, da Unidade em que

serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias: Pena – detenção de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada”. O delito atenta contra o dever militar. A ausência desautorizada do militar da unidade em que serve ou do lugar em

que deve permanecer, por mais de oito dias, configura o delito de deserção, nessa modalidade, podemos dizer, genérica.

O delito é de mera conduta e instantâneo de efeitos permanentes, apesar de o Superior Tribunal Militar, de o Supremo Tribunal Federal e de boa parte da Doutrina entenderem que se trata de crime permanente em razão de o agente poder fazer cessar os seus efeitos quando desejar.

O prazo para a consumação inicia-se no dia seguinte à ausência, e não no primeiro dia útil, e completa-se no primeiro instante do nono dia, ou seja, basta somar nove para se chegar ao momento consumativo. Antes do nono dia, corre o chamado prazo de graça e, nesse período, se for capturado ou apresentar-se voluntariamente, terá cometido mera transgressão disciplinar.

“Casos assimilados” Art. 188. Na mesma pena incorre o militar que: I – não se apresenta no lugar designado, dentro de oito dias, findo o prazo de

trânsito ou férias; II – deixa de se apresentar à autoridade competente, dentro do prazo de oito

dias, contados daquele que termina ou é cassada a licença ou agregação ou em que é declarado o estado de sítio ou de guerra;

III – tendo cumprido a pena, deixa de se apresentar, dentro do prazo de oito dias;

IV – consegue exclusão do serviço ativo ou situação de inatividade, criando ou simulando incapacidade.

“Deserção especial” Art. 190. Deixar o militar de apresentar-se no momento da partida do navio ou

aeronave, de que é tripulante, ou da partida ou deslocamento da unidade ou força em que serve: Pena – detenção até três meses, se após a partida ou deslocamento, se apresentar, dentro de vinte e quatro horas, à autoridade militar do lugar, ou, na falta desta, à autoridade policial, para ser comunicada a apresentação a comando militar da região, distrito ou zona.

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“Deserção por evasão ou fuga” Art. 192. Evadir-se o militar do poder da escolta, ou de recinto de detenção ou

de prisão, ou fugir em seguida à prática de crime para evitar prisão, permanecendo ausente por mais de oito dias. Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Momento consumativo: É quando se completam os oito dias de ausência,

consoante o art. 187 do CPM. Ausência: Antes da consumação do crime de deserção, o militar é

considerado ausente por oito dias. Caso retorne ao serviço nesse período de ausência, não há falar-se em crime, mas em mera transgressão disciplinar, devendo nessa esfera o fato ser tratado.

Prazo de graça: É o lapso de tempo de oito dias que a lei concede ao ausente,

oportunizando-lhe a desistência (“arrependimento”) e a consequente apresentação, não vindo, assim, a consumar o crime de deserção. Afora a deserção tipificada no art. 190 do CPM, uma vez que esta trata da chamada deserção instantânea.

A contagem dos dias de ausência, à luz do art. 451 do CPPM, “iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar”. Se a falta injustificada ocorreu no dia 10, inicia-se a contagem do prazo à zero hora do dia 11 e consumar-se-á a deserção a partir da zero hora do dia 19.

Parte de ausência: Deverá ser elaborada pelo chefe imediato do ausente e

serve para: a) dar conhecimento do fato ao escalão superior; b) registrar o início da contagem do prazo de graça; c) provocar a elaboração do inventário dos bens deixados ou extraviados

pelo ausente.

Despacho do Comandante: Na parte de ausência, o comandante irá emitir um despacho, mandando inventariar o material permanente da Fazenda Pública Estadual, deixado ou extraviado pelo ausente, com a assistência de duas testemunhas idôneas e mandando publicar em D.O.E a parte de ausência e o próprio despacho. É de praxe incluir-se no inventário os bens particulares deixados pelo ausente.

Inventário: Destina-se a arrecadar os bens da Fazenda Pública Estadual

deixados ou extraviados, bem como os bens particulares deixados pelo ausente. Parte de deserção: Documento elaborado pelo comandante da subunidade

do militar ausente, ou autoridade correspondente, por meio do qual encaminhará o

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termo de inventário e participará ao comandante, chefe ou diretor que tal ausência já conta de oito dias, configurando o crime de deserção.

Despacho do comandante: Recebida a parte de deserção, o comandante

proferirá um despacho designando alguém (pode ser praça ou oficial) para lavrar o termo de deserção.

Temo de deserção: No termo de deserção, que será subscrito (assinado)

pelo comandante e por duas testemunhas idôneas, de preferência oficiais, será formalizada a instrução provisória do processo de deserção devendo ser mencionadas todas as circunstâncias do fato, de forma a fornecer os elementos necessários à propositura da ação penal (oferecimento da denúncia pelo Ministério Público).

Uma vez publicado o termo de deserção, estará configurado o delito, que se classifica como sendo permanente, razão pela qual autoriza, a partir de então, a prisão em flagrante do desertor onde quer que for capturado.

Despacho no termo de deserção: Concluído o termo de deserção, o

comandante despachará mandando que: a) sejam publicados o termo de deserção e o próprio despacho em BIO; b) sejam juntados os assentamentos do desertor; c) seja oficiado ao Comandante Geral encaminhando o termo de deserção e

solicitando a demissão (se praça não-estável) ou a agregação (se oficial ou praça estável);

d) manda realizar diligências para localizar o desertor e determina a publicação do resultado destas;

e) seja arquivada cópia autêntica dos autos; f) seja remetido os autos ao Ministério Público. Contagem do prazo para consumação da deserção está previsto no art. 451,

§1º, do CPPM.

Ausência 1º dia do prazo de graça

2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º Consumação

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

8. Do Abandono de Posto e de Outros Crimes em serviço

8.1. Abandono de posto Art. 195. Abandonar, sem ordem superior, o posto ou lugar de serviço que lhe

tenha sido designado, ou o serviço que lhe cumpria, antes de termina-lo: Pena – detenção, de três meses a um ano

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O tipo penal em estudo busca proteger o dever e o serviço militares. O sujeito ativo é o militar (federal ou estadual), que deve ser compreendido, nos

termos do art. 22 do CPM, como o militar em situação de atividade. Entretanto, além de ser militar da ativa, é preciso que esteja de serviço em posto (fixo ou móvel), em um lugar delimitado ou em execução de tarefa específica.

O núcleo do tipo é abandonar, que significa deixar, largar, desamparar. Esse abandono, sem ordem superior, pode se referir a um posto ou lugar de serviço, sendo que o primeiro se refere a um ponto fixo, e o segundo, a um local mais amplo, por onde o militar pode se deslocar.

Posto é o local certo e determinado, fixo ou não (se não for fixo, deve ter percurso demarcado e limitado), onde se cumpre determinada missão, seja de vigilância, seja de controle, segurança (cercanias da Unidade Militar), seja de guarda (de local de crime ou de custódia de presos), ou qualquer outra afeta à Força Militar.

Lugar de serviço é a área geográfica delimitada, maior que o posto, a qual impede que o militar possa lhe dar cobertura permanente, embora não afaste a missão de vigilância ou guarda. Enquadram-se nessa possibilidade os casos do Oficial de Dia, Sargento comandante da Guarda ou ainda do Cabo da Guarda, os quais, em seus momentos de ronda, exercem igualmente a vigilância não de um ponto (posto), mas de vários deles, cobertos por seus subordinados. Note-se que os militares nas funções supracitadas podem ser encontrados em qualquer lugar do quartel, mas não fora dele.

Outro exemplo está no Policial Militar que tem uma área geográfica onde deva realizar patrulhamento motorizado ou a pé e dela se afasta. Caso saia da área que lhe foi atribuída sem qualquer justificativa legal, incorrerá no delito de abandono de posto.

Para que o militar abandone o serviço, deve primeiramente assumi-lo e depois não pôr termo à sua missão. A situação em que o militar não cumpre a ordem direta de assumir o serviço e deixa a unidade não configurará abandono de serviço (nem de posto ou lugar de serviço), mas poderá configurar outro delito, como a recusa de obediência (art. 163 do CPM).

8.2. Descumprimento de missão

Art. 196. Deixar o militar de desempenhar a missão que lhe foi confiada: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui crime mais

grave. § 1º Se é oficial o agente, a pena é aumentada de um terço. § 2º Se o agente exercia função de comando, a pena é aumentada de metade. Modalidade culposa § 3º Se a abstenção é culposa: Pena - detenção, de três meses a um ano.

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A objetividade jurídica do tipo em estudo tutela o dever e o serviço militares, sendo o sujeito ativo o militar, federal ou dos Estados, visto que assim dispõe o próprio tipo.

Trata-se de crime militar próprio e omissivo próprio, admitindo tanto a forma dolosa quanto a culposa.

Consiste em o militar receber um serviço específico, de acordo com as atribuições de seu cargo, isto é, uma missão, e não cumpri-la. Não há recusa no momento em que recebe a ordem, porém, posteriormente, não inicia o seu cumprimento ou, iniciando, não a conclui.

8.3. Embriaguez em serviço

Art. 202. Embriagar-se o militar, quando em serviço, ou apresentar-se

embriagado para prestá-lo. Pena – detenção, de seis meses a dois anos. O crime é propriamente militar e de mera conduta. A objetividade jurídica do tipo penal em estudo tutela o serviço militar, em risco

extremado pela presença de um integrante embriagado, e o dever militar, já que o militar, cônscio da importância de sua atividade, não pode ceder a certas situações que comprometam a missão conferida às Instituições Militares.

A embriaguez pode ser completa ou parcial e não se refere apenas à ingestão de bebida alcoólica, mas de qualquer substância que provoque alteração de consciência, que leve à diminuição de reflexos e poder de reação do militar.

A definição do estado de embriaguez ocorrerá, em regra, pela constatação de profissionais da área médica, que realizarão perícia no militar supostamente embriagado através do exame clínico ou de dosagem de substância (laboratorial).

O exame clínico decorre da observação do médico sobre os efeitos da substância no militar, utilizando-se para tanto da avaliação de vários quesitos como aparência, atitude, espaço, dentre outros.

Já o exame de dosagem é feito através de amostra de sangue, o que exige coleta de material do sujeito ativo e, por esse motivo, carece de prévia autorização do próprio periciado, mesmo porque, para tal coleta se promove a lesão corporal no suspeito. Ademais, como bem se firmou com o passar dos tempos, ninguém está obrigado a produzir prova que possa ser usada contra si próprio.

Não há crime se o militar traz consigo uma garrafa de bebida alcoólica em serviço, embora possa caracterizar-se uma transgressão disciplinar, mas o seu uso, sim.

Vale lembrar que ao falarmos em serviço, não é somente o de escala, mas também o de expediente, pois a lei não fez qualquer distinção.

Caso o militar seja surpreendido com substância entorpecente no interior do quartel, consumindo-a ou prestes a consumi-la, sua conduta será tipificada no art. 290 do CPM, independentemente de seu estado de embriaguez.

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Muito ainda se discute a questão de o princípio da insignificância ser aplicado às hipóteses de apreensão de entorpecentes, embora o STF, após divergência entre as Turmas, tenha decidido, em reunião do Pleno, pela sua não aplicabilidade, isto porque as consequências da utilização de substância que altere o estado de consciência, por menor que seja, pode causar prejuízo enorme e irreparável, pois os militares têm fácil aceso aos armamentos. Assim, a preocupação do legislador é tão grande que decidiu definir como crime não só a posse de substância entorpecente proibida, mas também a utilização daquelas consideradas lícitas, como, por exemplo, o álcool.

O delito de embriaguez apresenta duas modalidades: a) na primeira o militar encontra-se em serviço e, nessa qualidade embriaga-

se. Caso ingira bebida alcoólica e não se embriague, inexiste o delito, mas certamente subsistirá a transgressão disciplinar. Da mesma forma, se a embriaguez ocorre fora do serviço, resolve-se também no âmbito disciplinar.

b) na segunda modalidade, a de apresentar-se embriagado para prestar serviço, é necessário que o sujeito ativo tenha ciência de que iria entrar em serviço.

8.4. Dormir em serviço

Art. 203. Dormir o militar, quando em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em situação equivalente, ou não sendo oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas, ao leme, de ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante.

Pena – detenção, de três meses a um ano. O crime é de mera conduta e de perigo abstrato, não se exigindo um efetivo

dano, bastando a probabilidade de sua ocorrência. Não admite tentativa. O sujeito ativo é o militar que tira o serviço como oficial de quarto ou de ronda,

ou em situação equivalente, ou, caso não seja oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas, ao leme, de ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante.

O militar tem o dever de utilizar todos os meios possíveis para evitar que adormeça e quando esses meios se apresentem deficientes, cumpre participar ao superior hierárquico a fim de que sejam adotadas providências cabíveis.

Se o agente apresenta algum problema de saúde ou se ingere medicamentos que podem levar mais facilmente a um estado de sonolência é obrigado a comunicar ao responsável pela escala de serviço o que está se passando. Se nada for feito pelo

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responsável por retirá-lo da escala, não poderá ser responsabilizado caso venha a dormir, mas, sim, aquele que se omitiu, podendo caracterizar o delito de prevaricação, descrito no artigo 319 do CPM, se restar demonstrado que se omitiu para prejudicar em desafeto.

Por outro lado, não pode o militar alegar que dormiu porque na noite anterior ingeriu bebida alcoólica e teve poucas horas de sono, já sabendo da responsabilidade que teria que assumir no dia seguinte.

O delito de dormir em serviço é sempre doloso, o que vale dizer que a conduta culposa não caracteriza o delito, podendo configurar mera transgressão disciplinar.

9. DOS PRINCIPAIS DELITOS EM ESPÉCIE (CRIMES IMPROPRIAMENTE

MILITARES)

A) CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO MILITAR (ARTS. 298-318, CPM) 9.1. Desacato a superior (art. 298 do CPM)

Art. 298. Desacatar superior, ofendendo-lhe a dignidade ou o decôro, ou

procurando deprimir-lhe a autoridade: Pena - reclusão, até quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave. Agravação de pena Parágrafo único. A pena é agravada, se o superior é oficial general ou

comandante da unidade a que pertence o agente. O sujeito ativo é um inferior hierárquico e, necessariamente, militar da ativa.

A lei se refere àquele que está sob o comando do superior, ou que pode vir a estar, tanto que o parágrafo único estabelece que a pena é agravada se o superior é Oficial-General ou comandante da unidade a que pertence o agente, ou seja, somente pode ser militar da ativa.

O inferior procura deprimir a autoridade do superior e irá atingir a sua dignidade ou o decoro, sendo que dignidade é o conjunto de atributos morais, e decoro, o conjunto de atributos físicos e intelectuais. 9.2. Desacato a militar (art. 299 do CPM)

Art. 299. Desacatar militar no exercício de função de natureza militar ou em

razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui outro

crime.

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O tipo penal do crime de desacato a militar tem por objeto jurídico a Administração Militar, guardando a autoridade dela oriunda na figura do militar desacatado.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, seja militar da ativa (federal ou estadual), militar da reserva ou reformado, ou ainda por um civil, neste caso, exclusivamente no âmbito da Justiça Militar da União, em face da limitação constitucional das Justiças Militares Estaduais (§ 4º do art. 125 da CF/88).

O sujeito passivo, titular do bem jurídico agredido, é o Estado, pela Instituição Militar aviltada em função do desprezo diante de seu representante, bem como o militar em exercício de função de natureza militar e, embora de forma mediata, o militar desacatado.

O militar que é vítima secundária (sujeito passivo mediato) deve estar em função de natureza militar ou, ainda, o desrespeito deve ter-lhe sido dirigido por decorrência da função. 9.3. Desobediência (art. 301 do CPM)

Art.301. Desobedecer a ordem legal de autoridade militar: Pena - detenção, até seis meses. O tipo penal do crime de desobediência tem por objeto jurídico a

Administração Militar, guardando a autoridade dela oriunda na figura do militar de quem a ordena.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, seja militar da ativa (federal ou estadual), militar da reserva ou reformado, ou ainda por um civil, neste caso, exclusivamente no âmbito da Justiça Militar da União.

O sujeito passivo, titular do bem jurídico agredido, é o Estado pela Instituição Militar. Também figura no polo passivo, embora de forma mediata, a autoridade militar de quem a ordem emanou.

Pode incorrer no referido crime o Policial Militar que, fora do horário de serviço, conduz motocicleta em desacordo com a legislação de trânsito, ainda assim, ao ser instado a parar o veículo para averiguação, executa manobra arriscada com o fito de evadir-se do local.

9.4. Peculato (art. 303 do CPM)

Art.303. Apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público

ou particular, de que tem a posse ou detenção, em razão do cargo ou comissão, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de três a quinze anos. § 1º A pena aumenta-se de um terço, se o objeto da apropriação ou desvio é

de valor superior a vinte vezes o salário mínimo.

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Peculato-furto 2º Aplica-se a mesma pena a quem, embora não tendo a posse ou detenção

do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou contribui para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporciona a qualidade de militar ou de funcionário.

Peculato culposo § 3º Se o funcionário ou o militar contribui culposamente para que outrem

subtraia ou desvie o dinheiro, valor ou bem, ou dele se aproprie: Pena - detenção, de três meses a um ano. Extinção ou minoração da pena § 4º No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede a

sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

O tipo penal do crime de peculato tem por objeto jurídico a Administração Militar, guardando sua moralidade, sua ordem administrativa. Não se pode negar, no entanto, que embora, não tenha natureza patrimonial, há uma tutela mediata do patrimônio.

No que concerne ao sujeito ativo, o crime em estudo pode ser classificado como próprio, ou seja, exige-se a qualidade especial de funcionário público. No entanto, esse funcionário público não precisa ser militar; pode ser um funcionário civil atuando na Administração Militar.

O crime de peculato apresenta algumas modalidades específicas: peculato-apropriação ou desvio (peculato próprio), peculato-furto (peculato impróprio), peculato culposo e peculato mediante aproveitamento de erro de outrem, este capitulado no CPM no art. 304.

Peculato próprio: O autor já deve ter, em razão do cargo ou comissão, a posse (ou detenção) desvigiada do objeto material, assenhorando-se dele, invertendo o título da posse, colocando-se como se dono fosse. Por óbvio, o objeto material deste delito é a coisa móvel, representada no tipo penal, exemplificada por dinheiro ou valor, não importando se público ou particular.

Na segunda forma do peculato próprio, temos o desvio. Neste caso, o agente não está tomando a coisa para si, como proprietário, não inverte a posse, mas apenas impulsiona destinação ao dinheiro ou valor (ou outro bem móvel) diversa da que deveria dar, podendo ser em benefício seu ou de terceiro.

Peculato impróprio: A conduta nuclear é a subtração, praticada pelo agente ou por ele facilitada, ou seja, o agente subtrai, tira, toma, saca, sem o conhecimento e consentimento da vítima, invertendo-se a posse da coisa. Deve o agente ter o propósito de permanecer com a coisa (proveito próprio), ainda que temporariamente, ou entregá-la a outrem (proveito alheio).

Peculato culposo: Nesse caso o funcionário público (civil ou militar) contribui para que outrem desvie ou subtraia bem móvel, ou dele se aproprie, contribuição essa que deve ser a título de culpa, em especial a negligência.

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9.5. Peculato mediante aproveitamento do erro de outrem (art. 304 do CPM) Art. 304. Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do

cargo ou comissão, recebeu por erro de outrem: Pena - reclusão, de dois a sete anos. O tipo penal do crime tem por objeto jurídico a Administração Militar,

guardando sua modalidade, sua ordem administrativa. Não se pode negar, no entanto, que, embora não tenha natureza patrimonial, há uma tutela mediata do patrimônio.

O sujeito ativo, por ser crime próprio, exige-se a qualidade especial de funcionário público, seja civil ou militar.

O sujeito passivo, titular do bem jurídico aviltado, é o Estado pela Instituição Militar aviltada, bem como, de forma mediata, a pessoa jurídica ou natural que suportou a lesão patrimonial.

9.6. Concussão (art. 305 do CPM)

Art. 305. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora

da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos. O tipo penal do crime de concussão tem por objeto jurídico a Administração

Militar, guardando sua moralidade, sua ordem administrativa. Não se pode negar, no entanto, que há uma tutela mediata do bem jurídico aviltado quando se cede à exigência.

O sujeito ativo é funcionário público seja militar ou civil, ou seja, trata-se de um crime militar impróprio.

O sujeito passivo, titular do bem jurídico agredido, é o Estado, pela Instituição Militar aviltada, bem como, de forma mediata, aquele que suportou a lesão ao bem jurídico ao ceder à exigência.

O núcleo da conduta do delito é “exigir”, ou seja, impor, decidir unilateralmente determinando ou ordenado que lhe seja dada vantagem indevida, sem necessidade de uma contrapartida, ou seja, não é preciso que o autor coloque o recebimento da vantagem indevida como condição para que não pratique um mal contra a vítima. Necessário que o delito, no entanto, seja calcado em uma exigência ligada à função do sujeito ativo, não carecendo estar no seu exercício, mas pelo menos atuando em razão dela, o que, de certo, gera um temor de causação de mal. 9.7. Corrupção passiva (art. 308 do CPM)

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Art. 308. Receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de dois a oito anos. Aumento de pena § 1º A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou

promessa, o agente retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

Diminuição de pena § 2º Se o agente pratica, deixa de praticar ou retarda o ato de ofício com

infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. O delito de corrupção passiva tem uma semelhança muito grande com o delito

de concussão, diferenciando-se basicamente, apenas pelos verbos nucleares da conduta, ou seja, enquanto na concussão se “exige”, na corrupção passiva as condutas nucleares são “receber” vantagem indevida ou “aceitar” sua promessa. O autor, em virtude da função que exerce na Administração Militar, recebe ou aceita a promessa de vantagem indevida.

9.8. Corrupção ativa (art. 309 do CPM)

Art. 309. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou vantagem indevida para a

prática, omissão ou retardamento de ato funcional: Pena - reclusão, até oito anos. Aumento de pena Parágrafo único. A pena é aumentada de um têrço, se, em razão da vantagem,

dádiva ou promessa, é retardado ou omitido o ato, ou praticado com infração de dever funcional.

Os núcleos do tipo penal da corrupção ativa são “dar”, “oferecer” ou “prometer” dinheiro ou vantagem indevida, com o fim específico de que aquele a quem se oferece, promete ou dê, atue com lesão ao seu dever de ofício.

Ex: Soldado PM envolvido em crime investigado pela Corregedoria e sendo conduzido a essa unidade por outros militares que lá servem, fez contato telefônico com um Sargento, também envolvido no crime investigado, que pediu para falar com o responsável pela condução, oferecendo-lhe quantia em dinheiro para que deixasse de conduzir o Soldado, bem como para que não figurassem em qualquer documentação referente a inquérito policial militar instaurado.

9.9. Falsificação de documento (art. 311 do CPM)

Art. 311. Falsificar, no todo ou em parte, documento público ou particular, ou alterar documento verdadeiro, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço militar:

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Pena - sendo documento público, reclusão, de dois a seis anos; sendo documento particular, reclusão, até cinco anos.

Agravação da pena § 1º A pena é agravada se o agente é oficial ou exerce função em repartição

militar. Documento por equiparação § 2º Equipara-se a documento, para os efeitos penais, o disco fonográfico ou

a fita ou fio de aparelho eletromagnético a que se incorpore declaração destinada à prova de fato juridicamente relevante.

A falsificação, cumpre lembrar, deve ser apta a causar erro naquele a que se

destina o documento, sob pena de ocorrência de crime impossível, restando apenas, se o agente for militar (ou funcionário público, sujeito a lei disciplinar específica), a responsabilização disciplinar. 9.10. Uso de documento falso (art. 315 do CPM)

Art.315. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados por

outrem, a que se referem os artigos anteriores: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. O núcleo da conduta é “fazer” (uso), ou seja, “usar”. O autor usa documento

que é fruto de falsificação (art. 311 do CPM), falsidade ideológica (art. 312), atestado ou certidão falsa (art. 314) como verdadeiros, seja em juízo ou não. É necessário, para que se caracterize o delito, que o documento seja apresentado pelo autor como objeto de prova, ou seja, tão somente, apresentando o documento para autopromoção, não haverá lesão à objetividade jurídica, uma vez que ele não iludiu a Administração Militar e, portanto, sucumbirá a tipicidade.

É bom esclarecer que para o Código Penal Militar “documento” significa qualquer superfície apta a condensar, por escrito ou qualquer outra forma (imagem, sinais, códigos, etc.), o pensamento humano. Claro que, para os fins exigidos pelo tipo penal em estudo, em alinho à objetividade jurídica, o conteúdo desse pensamento humano condensado deve possuir relevância jurídica, criando, extinguindo, ampliando ou restringindo direito. 9.11. Prevaricação (art. 319 do CPM)

Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou

praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Pena – detenção, de seis meses a dois anos”.

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A prevaricação é crime militar impróprio, posto que também encontra previsão no Código Penal comum. O seu sujeito ativo deverá ser funcionário público, seja militar ou civil. O sujeito passivo é o Estado, representado pela Administração Militar.

O delito se consuma de três maneiras. Na primeira, o agente retarda (protrai, delonga); na segunda, ele deixa de praticar (omissão) e; na terceira, ele pratica (ação) o ato de ofício contra disposição legal.

ATO DE OFÍCIO é aquele que se compreende nas atribuições do servidor; que está na esfera de sua competência, administrativa ou judicial.

O crime de prevaricação é essencialmente doloso, mas requer um elemento subjetivo do injusto (especial fim de agir), caracterizado pela expressão “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”, sem que o crime não se aperfeiçoa. Inexistindo o elemento subjetivo do injusto o delito praticado poderá ser o de condescendência criminosa. Ou seja, se o superior não pretender com a sua conduta a satisfação de um interesse ou sentimento pessoal deixa de praticar o crime de prevaricação, mas pode praticar o crime de condescendência criminosa.

9.12. Condescendência criminosa (art. 322 do CPM)

Art. 322. Deixar de responsabilizar subordinado que comete infração no

exercício do cargo, ou, quando lhe falta competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente.

Pena – se o fato foi praticado por indulgência, detenção até seis meses; se por negligência, detenção até seis meses”.

A condescendência criminosa está prevista no art.320 do Código Penal

comum e, por isso, será crime militar impróprio quando presentes as condições exigidas pelo CPM.

O presente artigo apresenta duas modalidades de crime; o indulgente doloso e o culposo: a) o culposo, pela referência à negligência; b) o indulgente (doloso), que o crime praticado por indulgência.

INDULGÊNCIA é a qualidade do indulgente, ou seja, é a clemência, a misericórdia, a tolerância demasiada, a benevolência.

NEGLIGÊNCIA é o desleixo, descuido, incúria, desatenção, menosprezo, preguiça. É crime que só pode ser cometido pelo superior hierárquico em relação ao seu subordinado infrator. O superior neste caso tem competência para punir o subordinado. Já quando o superior não tem competência para punir o subordinado deve informar imediatamente à autoridade competente para a punição, sob pena de cometer o crime de condescendência criminosa. 9.13. Violação de sigilo funcional (art. 326 do CPM)

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Art.326. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo ou função e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação, em prejuízo da administração militar:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui crime mais grave.

Nesse caso o autor revela, conta, comunica a alguém segredo de que tomou

conhecimento em vista de seu exercício funcional, ou seja, é o autor, a quem a Instituição Militar confiou a responsabilidade de conhecer um segredo seu, ferindo o dever de sigilo funcional; assim, o segredo em questão só pode ser algo de interesse para a administração militar, podendo até existir remissão a assunto de cunho particular, mas o cerne da questão está vinculado à Instituição, mesmo porque, se assim não fosse, o delito seria classificado como crime contra a pessoa.

O delito se consuma com a revelação do segredo a quem não o possa conhecer.

2ª PARTE: DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR UNIDADE I – DO PROCESSO EM GERAL

1. Do Processo Penal Militar na Justiça Estadual e da Polícia Judiciária Militar

1.1. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

E A PREVISÃO LEGAL DA JUSTIÇA MILITAR

Art. 122 - São órgãos da Justiça Militar:

1. - o Superior Tribunal Militar; 2. - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei. [...]

Art. 124 - À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares

definidos em lei. Parágrafo único - A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a

competência, da Justiça Militar. [...]

Art. 125 - Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. [...]

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§ 3º - A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em segundo, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo da polícia militar seja superior a vinte mil integrantes.

§ 4º - Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação anterior à Emenda Constitucional nº 45/04).

Do texto constitucional observa-se que, respeitando-se o pacto federativo, cláusula de natureza pétrea, fixou-se diferentemente competência para as duas esferas de Justiça Militar: federal e estadual. À primeira, diz a Constituição competir o julgamento dos crimes militares definidos em lei, enquanto à segunda restringiu a jurisdição aos casos de crime militar praticados por policiais militares e bombeiros militares. Assim, como anotamos anteriormente, ainda que possa o civil cometer crime de natureza militar (impropriamente militares), somente ficará sujeito à jurisdição castrense se ofender bem jurídico vinculado às Forças Armadas (Exército Brasileiro, Marinha de Guerra e Força Aérea Brasileira), porquanto se o fizer em detrimento das Polícias Militares ou Corpos de Bombeiros Militares, deverá ser julgado pela Justiça comum (somente caso a infração tenha correspondente tipicidade na legislação penal comum), por carecerem os órgãos das Justiças Militares estaduais de competência para julgamento de civis.

2. O INQUÉRITO POLICIAL MILITAR – IPM

O inquérito policial militar tem por objetivo apurar a autoria e a materialidade de

um ilícito, contravenção ou crime, para que o titular da ação penal pública, Ministério Público, tenha elementos necessários para o oferecimento da ação penal ou a propositura de pedido de arquivamento em atendimento a lei processual.

Por força do art. 144 § 4.º da Constituição Federal, a Polícia Civil é o órgão responsável pela a apuração das infrações penais comuns excetuadas àquelas que sejam de competência da Polícia Federal. Com base no texto constitucional, não cabe a Polícia Civil ou a Polícia Federal apurar as infrações criminais de natureza militar.

Os militares dividem-se em duas categorias:

a) os militares federais, que são os integrantes das Forças Armadas; b) os militares estaduais, que por força de lei (art. 42 da Constituição Federal) tornaram- se militares e são integrantes das Forças Auxiliares e reserva do Exército. No exercício de suas funções os militares encontram-se sujeitos ao Código Penal Militar, Leis Penais Especiais e Código de Processo Penal Militar.

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Em tempo de guerra, o Código Penal Militar permite em determinados crimes,

como por exemplo a espionagem, a aplicação da pena de morte. A Constituição Federal veda a aplicação da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, art. 5.º, inciso XLVII. Essa pena somente será aplicada aos militares em tempo de guerra e em determinados crimes, devendo ser assegurado ao acusado a ampla defesa e o contraditório na forma do art. 5.º, inciso LV do texto constitucional.

As forças policiais, civil e federal, não possuem competência para apurar os crimes militares, sendo esta atribuição exercida pela Polícia Judiciária Militar (CORREGEDORIA), que é constituída por autoridades militares e seus auxiliares. Ao tomar conhecimento da prática de um ilícito, o Comandante da Unidade a qual pertence o militar por meio de portaria determinará a abertura de Inquérito Policial Militar (IPM) nomeando um oficial para apurar a autoria e a materialidade do fato. Caso o autor do ilícito seja conhecido o oficial nomeado deverá possuir posto ou patente acima do indiciado.

No caso de prisão em flagrante delito, o acusado deverá ser apresentado a autoridade militar que esteja no exercício da função de Polícia Judiciário Militar, o qual lavrará o auto de prisão na forma do Código de Processo Penal Militar, que é semelhante o auto de prisão em flagrante lavrado pela Polícia Civil, ouvindo o condutor, as testemunhas, e o militar, federal ou estadual, acusado da prática do ilícito em tese.

O inquérito policial militar serve como peça informativa ao promotor de justiça para que este se assim o entender possa propor perante a autoridade judiciária a competente ação penal militar. No Estado de São Paulo, os promotores que atuam perante a Justiça Militar são oriundos do Ministério Público Estadual. Na Justiça Militar Federal, a acusação é exercida pelos Procuradores da República que pertencem ao quadro do Ministério Público Militar Federal.

A Justiça Militar Estadual destina-se ao julgamento dos policiais militares e dos bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, art. 125, § 4.º da Constituição Federal. Com base neste artigo um civil não mais poderá ser julgado perante a Justiça Castrense Estadual. Caso seja processado poderá propor um Habeas Corpus para trancamento da ação penal militar. Os militares federais são julgados perante a Justiça Militar Federal que poderá julgar civis caso estes venham a praticar qualquer crime militar, próprio ou impróprio, no interior de uma Organização Militar (OM), em uma área sujeita a administração militar ou em co-autoria com outro militar.

Com o advento da nova Constituição Federal, o inquérito policial militar que também é sigiloso encontra-se sujeito aos preceitos constitucionais, sob pena da

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prática do crime de abuso de autoridade previsto na Lei Federal n.º 4898/65. Segundo o art. 133 do texto constitucional, o advogado é indispensável à administração da Justiça, seja dos Estados, da União ou das Justiças Especializadas, entre elas a Justiça Militar Estadual ou Federal.

A autoridade que preside o inquérito policial militar não poderá cercear o direito do advogado de ter acesso aos autos, inclusive fotocopiar as peças que considere essenciais para a defesa do seu constituinte. O IPM não pode e não deve ser um processo administrativo onde seja vedado ao advogado acompanhá-lo. O sigilo que se menciona no Código de Processo Penal Militar passou a ser relativo, e encontra-se sujeito aos dispositivos constitucionais e ao Estatuto da Advocacia.

No mesmo sentido, caminha a disposição do art. 17 do Código de Processo Penal Militar que permite a autoridade militar decretar durante o inquérito policial a incomunicabilidade do acusado. Com o advento do novo texto constitucional essa disposição foi tacitamente revogada, e a autoridade militar que não respeitar o direito do advogado de comunicar-se reservadamente com seu cliente estará praticando o crime de abuso de autoridade.

A hierarquia e a disciplina continuam sendo os preceitos basilares das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, que são responsáveis pela manutenção da ordem e da segurança pública. Mas, quando se trata de processo administrativo ou penal deve-se observar os preceitos constitucionais, que são direitos e garantias fundamentais assegurados aos cidadãos, seja ele civil ou militar.

Durante a colheita das provas no inquérito policial militar, o indiciado poderá estar presente em todos os atos com o seu advogado, que não poderá interferir na presidência do procedimento administrativo, mas não permitirá que os princípios constitucionais sejam violados, e caso seja necessário usará da palavra na forma do Estatuto da Advocacia.

Caso esteja preso durante o inquérito policial militar, o indiciado não poderá ficar incomunicável. O advogado constituído poderá a qualquer momento comunicar-se reservadamente com seu cliente, independentemente de autorização da autoridade militar, por ser um direito constitucional. Ao preso é assegurado a assistência do seu defensor, pouco importando se este encontra-se recolhido em um Quartel ou no Presídio Militar.

O indiciado não está obrigado a responder as perguntas que lhe sejam feitas na fase do inquérito policial militar, e a sua recusa não poderá ser entendida como sendo violação ao preceito de faltar à verdade, que é considerado transgressão disciplinar grave.

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O inquérito policial militar continua sendo inquisitivo, mas isso não significa que a autoridade militar que o preside poderá durante o seu curso desrespeitar os princípios constitucionais que são assegurados a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, em atendimento ao art. 5.º, caput, e seus incisos.

3. DO FLAGRANTE

Prisão é a privação da liberdade de locomoção, do direito de ir, vir e ficar em determinado local, por motivo de cometimento de algum crime ou por ordem legal. No ordenamento processual militar estão previstas as seguintes modalidades de prisões provisórias:

a) PRISÃO PREVENTIVA (decretada por juiz com base em provas sólidas geralmente no curso de um IPM);

b) PRISÃO EM FLAGRANTE; c) PRISÃO DO INSUBMISSO E DO DESERTOR (aplicada aos acusados dos

crimes de insubmissão e deserção previstos respectivamente nos artigos 183 e 187 do CPM, as quais são decorrentes da lavratura dos respectivos Termos de Deserção e Insubmissão, art. 452 e 463, § 1º do CPPM.)

3.1. PESSOAS QUE EFETUAM PRISÃO EM FLAGRANTE:

Art. 243. Qualquer pessoa poderá e os militares deverão prender quem for insubmisso ou desertor, ou seja encontrado em flagrante delito.

Conceito: A prisão em flagrante é uma espécie de prisão provisória efetuada quando a infração penal está ocorrendo ou acaba de ocorrer, podendo ser realizada por qualquer pessoa (faculdade) e devendo ser realizada pelas autoridades policiais e militares (obrigação, dever).

VIDE: art. 223 do CPPM e art. 73 do Estatuto dos Militares (Lei Federal n. 6.880 de 09/12/80), uma vez que na lição de Jorge César de Assis (2010, p. 59 – 60), ele esclarece que “...mesmo em casos de prisão em flagrante, imediatamente após a restrição da liberdade do preso, se este for militar, deverão ser observadas as prerrogativas contidas no Estatuto dos Militares...”

Art. 73. As prerrogativas dos militares são constituídas pelas honras, dignidades e distinções devidas aos graus hierárquicos e cargos. (grifo nosso)

3.2. SUJEIÇÃO A FLAGRANTE DELITO

Art. 244. Considera-se em flagrante delito aquele que:

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a) está cometendo o crime; b) acaba de cometê-lo; c) é perseguido logo após o fato delituoso em situação que faça acreditar ser ele o seu autor; d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, objetos, material ou papéis que façam presumir a sua participação no fato delituoso. (os destaques são nossos)

1. FLAGRANTE PRÓPRIO: Ocorre no momento em que o agente está cometendo o crime ou acaba de cometê-lo (art. 244, alíneas “a” e “b”);

2. FLAGRANTE IMPRÓPRIO: Ocorre quando o agente é perseguido, logo após o fato delituoso, em situação que faça acreditar ser ele o autor do crime. Caso conhecido como da perseguição ininterrupta logo após a coleta de informações sobre a autoria (art. 244, alínea “c”);

3. FLAGRANTE PRESUMIDO: Ocorre quando o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, objetos, material ou papéis que façam presumir a sua participação no fato delituoso. Nesse caso não há efetiva perseguição, podendo o agente ser encontrado ao acaso, devido sua descrição coincidir com as do autor, e, nesse caso, ser preso (art. 244, alínea “d”).

INFRAÇÃO PERMANENTE

Parágrafo único. Nas infrações permanentes, considera-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

- CRIMES PERMANENTES: são aqueles cuja consumação se prolonga no tempo, ou seja, hipóteses em que o agente encontra-se em situação de flagrância desde o início e até que cesse a atividade delituosa, podendo ser preso em flagrante nesse interim. (Ex. crime de sequestro, previsto no art. 225 do CPM, e os crimes de deserção e insubmissão, artigos 183 e 187 do CPM, após a lavratura dos respectivos Termos de Insubmissão e Deserção).

3.3. LAVRATURA DO AUTO

Art. 245. Apresentado o preso ao comandante ou ao oficial de dia, de serviço ou de quarto, ou autoridade correspondente, ou à autoridade judiciária, será, por qualquer deles, ouvido o condutor e as testemunhas que o acompanharem, bem como inquirido o indiciado sobre a imputação que lhe é feita, e especialmente sobre o lugar e hora em que o fato aconteceu, lavrando-se de tudo auto, que será por todos assinado.

1º Em se tratando de menor inimputável, será apresentado, imediatamente, ao juiz de menores.

3.3.1. ROTEIRO DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE:

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1. APRESENTAÇÃO DO PRESO: apresentação do preso a uma das autoridades descritas no art. 245 do CPM; designação do escrivão; imediata comunicação ao juiz competente; ciência ao preso de seus direitos e garantias constitucionais prevista na CF/88, em seu art. 5º, incisos LXII, LXIII, LXIV e LXV.

2. OITIVA DO CONDUTOR; 3. OITIVA DA VÍTIMA, SE POSSÍVEL; 4. OITIVA DAS TESTEMUNHAS; 5. INTERROGATÓRIO DO PRESO (após ciência dos seus direitos

constitucionais); 6. ENTREGA DA NOTA DE CULPA (na qual deve conter obrigatoriamente a

identificação dos responsáveis pela prisão e o interrogatório, bem como qual foi o crime imputado ao agente);

7. EXAME DE CORPO DE DELITO, e, conforme o caso, proceder-se-á busca e apreensão de instrumentos e outras diligências;

8. RECOLHIMENTO DO PRESO À PRISÃO; 9. REMESSA DOS AUTOS DO FLAGRANTE AO JUIZ.

3.4. AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS

2º A falta de testemunhas não impedirá o auto de prisão em flagrante, que será assinado por duas pessoas, pelo menos, que hajam testemunhado a apresentação do preso.

3.5. RECUSA OU IMPOSSIBILIDADE DE ASSINATURA DO AUTO

3º Quando a pessoa conduzida se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto será assinado por duas testemunhas, que lhe tenham ouvido a leitura na presença do indiciado, do condutor e das testemunhas do fato delituoso.

3.6. DESIGNAÇÃO DE ESCRIVÃO

4º Sendo o auto presidido por autoridade militar, designará esta, para exercer as funções de escrivão, um capitão, capitão-tenente, primeiro ou segundo-tenente, se o indiciado for oficial. Nos demais casos, poderá designar um subtenente, suboficial ou sargento.

3.7. FALTA OU IMPEDIMENTO DE ESCRIVÃO

5º Na falta ou impedimento de escrivão ou das pessoas referidas no parágrafo anterior, a autoridade designará, para lavrar o auto, qualquer pessoa idônea, que, para esse fim, prestará o compromisso legal.

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3.8. RECOLHIMENTO A PRISÃO. DILIGÊNCIAS

Art. 246. Se das respostas resultarem fundadas suspeitas contra a pessoa conduzida, a autoridade mandará recolhê-la à prisão, procedendo-se, imediatamente, se for o caso, a exame de corpo de delito, à busca e apreensão dos instrumentos do crime e a qualquer outra diligência necessária ao seu esclarecimento.

- Fundadas suspeitas são aquelas que autorizam supor ter sido o conduzido o autor da infração militar noticiada, não se admitindo mera desconfiança. Devemos também lembrar que nos termos do art. 328 do CPPM, nas infrações que deixarem vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a mera confissão do acusado, já que sua confissão será analisada no conjunto de provas apuradas.

3.9. NOTA DE CULPA

Art. 247. Dentro em vinte e quatro horas após a prisão, será dada ao preso nota de culpa assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.

3.9.1 RECIBO DA NOTA DE CULPA

1º Da nota de culpa o preso passará recibo que será assinado por duas testemunhas, quando ele não souber, não puder ou não quiser assinar.

O QUE É NOTA DE CULPA? A nota de culpa é o documento formal, pelo qual a autoridade que presidiu o auto de prisão em flagrante dá ciência, ao preso, do motivo da sua prisão, o nome do seu condutor e das testemunhas, tanto aquelas que foram presenciais do crime, como aquelas que assinaram o APF a rogo, em razão de o preso se recusar a assinar o auto, não souber ou não puder fazê-lo.

3.9.2 RELAXAMENTO DA PRISÃO

2º Se, ao contrário da hipótese prevista no art. 246, a autoridade militar ou judiciária verificar a manifesta inexistência de infração penal militar ou a não participação da pessoa conduzida, relaxará a prisão. Em se tratando de infração penal comum, remeterá o preso à autoridade civil competente.

Não recepcionado pela CF/88, art. 5º, LXII, uma vez que agora o relaxamento da prisão somente poderá ser feito pela autoridade judiciária competente, a quem a prisão será imediatamente comunicada. Jorge César de Assis (2010, p. 97) ensina que “presente a situação de flagrância de crime militar, a autoridade militar deverá presidir a lavratura do Auto de

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Prisão em Flagrante, não lhe estando autorizado o relaxamento da prisão, que somente poderá ser feito pelo juiz.

3.10 REGISTRO DAS OCORRÊNCIAS

Art. 248. Em qualquer hipótese, de tudo quanto ocorrer será lavrado auto ou termo, para remessa à autoridade judiciária competente, a fim de que esta confirme ou infirme os atos praticados.

O artigo em comento refere-se aos documentos expressos em forma de autos ou termos como exemplificamos a seguir:

AUTO DE APREENSÃO E AVALIAÇÃO;

AUTO DE EXAME DE CONSTATAÇÃO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE;

AUTO DE QUALIFICAÇÃO E INTERROGATÓRIO;

TERMO DE INQUIRIÇÃO DO OFENDIDO OU TESTEMUNHA...

3.11 FATO PRATICADO EM PRESENÇA DA AUTORIDADE

Art. 249. Quando o fato for praticado em presença da autoridade, ou contra ela, no exercício de suas funções, deverá ela própria prender e autuar em flagrante o infrator, mencionando a circunstância.

3.12 PRISÃO EM LUGAR NÃO SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR

Art. 250. Quando a prisão em flagrante for efetuada em lugar não sujeito à administração militar, o auto poderá ser lavrado por autoridade civil, ou pela autoridade militar do lugar mais próximo daquele em que ocorrer a prisão.

Nesse caso específico a controvérsia encontra sustentação na Constituição Federal/88, ainda que de forma indireta, uma vez que previu o exercício da polícia judiciária militar, tendo consignado em seu art. 144, § 4º, que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (grifamos)

Desse modo, o militar, preso por crime militar deverá ser apresentado ao seu comandante ou ao órgão de polícia judiciária militar de sua jurisdição, os quais, independentemente do local, poderão lavrar o APFD, nos termos da lei processual penal militar.

3.13 REMESSA DO AUTO DE FLAGRANTE AO JUIZ

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Art. 251. O auto de prisão em flagrante deve ser remetido imediatamente ao juiz competente, se não tiver sido lavrado por autoridade judiciária; e, no máximo, dentro em cinco dias, se depender de diligência prevista no art. 246.

Caso haja a necessidade de diligências, o APFD ganha um prazo máximo e improrrogável de cinco dias para sua instrução, todavia, a notícia da prisão ao juiz deve ser imediata, sob pena de responsabilidade.

3.14 PASSAGEM DO PRESO À DISPOSIÇÃO DO JUIZ

Parágrafo único. Lavrado o auto de flagrante delito, o preso passará imediatamente à disposição da autoridade judiciária competente para conhecer do processo.

3.15 DEVOLUÇÃO DO AUTO

Art. 252. O auto poderá ser mandado ou devolvido à autoridade militar, pelo juiz ou a requerimento do Ministério Público, se novas diligências forem julgadas necessárias ao esclarecimento do fato.

É válido lembrar que a devolução do auto de prisão em flagrante para a autoridade militar para novas diligências, implica a imediata soltura do preso.

3.16 CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA

Art. 253. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições dos arts. 35, 38, observado o disposto no art. 40, e dos arts. 39 e 42, do Código Penal Militar, poderá conceder ao indiciado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogar a concessão.

.....Erro de direito

Art. 35. A pena pode ser atenuada ou substituída por outra menos grave quando o agente, salvo em se tratando de crime que atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, por ignorância ou erro de interpretação da lei, se escusáveis. ...

Art. 38. Não é culpado quem comete o crime:

Coação irresistível

a) sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria vontade;

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Obediência hierárquica

b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços.

1° Responde pelo crime o autor da coação ou da ordem.

2° Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior.

Estado de necessidade, com excludente de culpabilidade

Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa.

Coação física ou material

Art. 40. Nos crimes em que há violação do dever militar, o agente não pode invocar coação irresistível senão quando física ou material.

Exclusão de crime

Art. 42. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento do dever legal;

IV - em exercício regular de direito.

Parágrafo único. Não há igualmente crime quando o comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, na iminência de perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque.

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4. AÇÃO PENAL

Conceito: É o direito de pedir do Estado-Juiz a aplicação do direito penal

objetivo a um caso concreto. É também o direito público subjetivo do Estado-

administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a

aplicação do direito penal Objetivo, com a consequente satisfação da pretensão

punitiva.

1. Espécies de ação penal no direito brasileiro

Ação Penal Pública:

Incondicionada: regra geral, tem como titular o Ministério Público.

Condicionada: é aquela cujo o exercício se subordina a uma condição, ou seja, a vontade do ofendido ou de seu representante legal.

Ação Penal Privada =

É aquela em que o Estado, titular exclusivo do direito de punir, transfere a legitimidade para a propositura da ação penal à vítima ou seu representante legal.

2. Espécies de ação penal no direito penal militar

Segundo a inteligência do art. 121 do CPM, a ação penal somente pode ser promovida por denúncia do ministério público da justiça militar.

A ação penal militar é sempre pública (art. 29 CPPM)

Existe a hipótese da ação penal privada Subsidiária da Pública, nos termos do art. 5º, LIX, CF/88, mas, segundo as lições do mestre Jorge César de Assis, na justiça militar, não se tem notícia de ação penal privada subsidiária da pública, o que vem demonstrar o zelo e a responsabilidade do Ministério Público, dono da ação.

5. Da composição da Justiça Militar Estadual

Cada Unidade Federativa é responsável por organizar a sua Justiça Militar, conforme o disposto nas respectivas Constituições Estaduais e Lei Orgânica do Poder Judiciário. Com exceção de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, cada Estado constitui uma Circunscrição Judiciária Militar estadual, com uma Auditoria da Justiça Militar (Varas da Justiça Comum) na Capital. Nestes Estados, o juiz atuante na Justiça Militar é designado pelo Tribunal de Justiça, sendo ele um Juiz de Direito da Justiça Comum que exercerá as funções de Juiz do Juízo Militar, enquanto titular.

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Em primeira instância, a Justiça Militar é composta pelo Juiz de Direito do Juízo

Militar; Conselho Especial de Justiça e Conselho Permanente de Justiça. Em segunda instância – Tribunal de Justiça

É possível recorrer ao STJ (art. 105, III, CF/88)

5.1. CONSELHOS DE JUSTIÇA. Trata-se de um órgão ou juízo colegiado, que julga tão somente os crimes

militares cometidos contra militares ou a administração militar, formado por dois conselhos: 1. Conselho Especial de Justiça (CEJ): Composto pelo Juiz de Direito do Juízo Militar, que é o presidente, e por mais quatro Juízes Militares (Oficiais), sendo um oficial superior, via de regra, convocados quando necessário para o Julgamento de oficiais; 2. Conselho Permanente de Justiça (CPJ): Presidido pelo Juiz de Direito e por mais quatro Juízes Militares (Oficiais), convocados para atuarem por um período de quatro meses para o Julgamento das praças.

À Justiça Militar compete processar e julgar exclusivamente os crimes militares, em decorrência da expressa disposição constitucional prevista no Art. 125, § 4º (link). Em nenhuma hipótese a Justiça Militar julga crimes comuns, sendo estes de competência exclusiva da Justiça Comum. Todos os Estados e o Distrito Federal possuem Auditoria da Justiça Militar, sendo que somente três Estados possuem Tribunal de Justiça Militar (Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul). Para que o Estado crie o Tribunal de Justiça Militar deve-se preencher dois requisitos, nos termos do Art. 125, § 3º/CF, quais sejam: lei estadual proposta pelo Tribunal de Justiça e efetivo militar (soma da PM e BM) superior a vinte mil integrantes.

Desse modo é importante compreendermos que os recursos das decisões de primeira instância nos Estados em que há TJM são direcionados a este, nos demais, ao Tribunal de Justiça Comum. Os recursos aos Tribunais Superiores em relação às decisões do Tribunal de Justiça Militar são direcionados ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, respectivamente, e não ao Superior Tribunal Militar. O STM, em que pese ser superior, funciona como segunda instância da Justiça Militar da União e os recursos contra as decisões do STM são direcionados ao STF. Importante: Mesmo que o efetivo seja superior a vinte mil integrantes, o Estado não está obrigado a criar o Tribunal de Justiça Militar, o que deve ser avaliado em cada estado, de acordo com a demanda e conveniência.

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Nas sessões de julgamento realizadas na Auditoria de Justiça Militar, quem vota primeiro é o Juiz-Presidente (Juiz de carreira civil do Tribunal de Justiça), posteriormente passam a votar os demais juízes militares (Conselho Especial se estiver julgando Oficial ou Conselho Permanente se estiver julgando Praça), na ordem do menor nível hierárquico ao maior (ordem inversa de antiguidade), método utilizado com a finalidade de não haver interferências do superior nas decisões dos subordinados como previsto no art. 435 do Código de Processo Penal Militar.

O primeiro a votar é o Juiz de Direito do Juízo Militar, tendo em vista ser ele o presidente do Conselho, juiz concursado, técnico e exporá as razões de seu voto, que servirá de norte e orientação aos demais juízes militares que poderão concordar ou discordar, sempre de forma fundamentada. O voto de “minerva” é do oficial mais antigo, haja vista que a votação é pública e todos os votos possuem o mesmo peso.

Casos os juízes leigos (juízes militares) concordem, na íntegra, com o voto do juiz togado, que é sempre o relator do processo, basta dizer que acompanha o voto do relator (juiz togado) com base em seus próprios fundamentos jurídicos. Todavia, caso queira, também poderá fundamentar mesmo concordando na íntegra.

Obs.: Na função jurisdicional não existe hierarquia entre os juízes militares. Todos os oficiais são livres para decidirem motivadamente, sem receber ordens de seus superiores hierárquicos, quem quer que seja.

5.2. Da sentença e dosimetria da pena

A sentença está ligada ao conceito de um sentimento, o que para um juiz pode

ser justo, para outro pode ser injusto. Tecnicamente, sentença constitui a decisão jurisdicional que julga definitivamente o mérito. Deve conter relatório; fundamentação; dispositivo (comando da sentença) e parte autenticada (local, data e julgador). Realizada a motivação da sentença e proferida a condenação, o magistrado deve fundamentar a pena aplicada ao réu, consoante à dosimetria da pena.

UNIDADE II – LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE

1. A COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS

CONTRA A VIDA

LEI Nº 9.299, DE 7 DE AGOSTO DE 1996.

Altera dispositivos dos Decretos-leis n°s 1.001 e 1.002, de 21 de outubro de 1969, Códigos Penal Militar e de Processo Penal Militar, respectivamente.

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Art. 1º O art. 9° do Decreto-lei n° 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código

Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 9° [...] II – [...]

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum."

Art. 2° O caput do art. 82 do Decreto-lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar, passa a vigorar com a seguinte redação, acrescido, ainda, o seguinte § 2°, passando o atual parágrafo único a § 1°: "Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz: [...]

§ 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça comum."

Como se observa pela leitura da nova redação dada ao § 2º, do artigo 82 do Código de Processo Penal Militar, mesmo nos crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil, ainda que em lugar não sujeito à administração militar e por militar em serviço ou atuando em razão da função, não se retirou da polícia judiciária militar a atribuição de condução do Inquérito Policial Militar, mas se determinou que, remetido este à Justiça Militar, cabe à Corte castrense a remessa à justiça comum, caso entenda tratar-se, o caso apurado, de crime doloso contra a vida de civil.

LEI Nº 13.491, DE 13 DE OUTUBRO DE 2017

Altera o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º O art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:

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"Art. 9º .................................................................................... ...................................................................................................... II - os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: .......................................................................................................... § 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri. § 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: I - do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; II - de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou III - de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999; c) Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e d) Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral." (NR)

Art. 2º (VETADO). Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 13 de outubro de 2017; 196º da Independência e 129º da República.

MICHEL TEMER Raul Jungmann