CURSO SOBRE HEIDEGGER: KANT E O PROBLEMA DA METAFÍSICA - PROFESSOR BENTO PRADO JR

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO CARLOS

    CURSO SOBRE HEIDEGGER:KANT E OPROBLEMA DAMETAFSICA

    PROFESSOR BENTO PRADO JR.

    2o. semestre de 2004

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    Curso sobre Heidegger Prof. Bento Prado Jr. 2

    NDICE

    Data da aula 01/10/2001 0308/10/2004 22

    15/10/2004 5112/11/2004 8119/11/2004 9926/11/2004 12703/12/2004 149

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    01/10/2004... so 45 pargrafos, 4 seces, sendo que a 2A. seco tem duas partes, uma parte A e umaparte B. E o que ns vamos fazer hoje retomar nossa exposio da aula passada, isto ,ns vamos fazer a passagem , ns vamos comentar de uma certa maneira estes doispargrafos e talvez o 1O. da parte B. Isto , ns veremos que depois da minha introduo

    sobre a leitura heideggeriana de Kant, como essa leitura heideggeriana de Kant era ummomento de uma certa interpretao da histria da metafsica. Um comentrio de uma certamaneira tornou desnecessria a leitura da 1A. seco. Minha introduo de uma certamaneira fazia as vezes de um comentrio direto da 1A. seco do livro; de uma certamaneira dispensava o comentrio quase textual da obra do Kant... (inaudvel). Obviamentens no vamos poder nesse semestre fazer uma leitura frase a frase da obra completa(inaudvel). Mas ns vamos fazer uma sucesso de anlises gerais do argumento geral daobra privilegiando alguns pargrafos onde o essencial da estrutura do... Ento nscomeamos dispensando, depois da nossa introduo, dispensando o comentrio literal ouqualquer tipo de comentrio dos trs primeiros pargrafos do livro e entramos diretamentenum comentrio livre do comeo da 2A seco particularmente do 4 ao 6. Grosso modo,ns , o essencial dessas observaes, desse comentrio, estava no acentuar a originalidade etalvez at se possa dizer na riqueza da abordagem kantiana. A abordagem heideggeriana doKant, por mais estranha que ela parea tradio anterior da leitura do Kant, que dizer,grosso modo, o que diferencia a leitura heideggeriana do Kant da leitura at ento vigentes, que, ao contrrio da tradio vigente, a leitura heideggeriana localiza a Crtica da RazoPura do Kant no como dentro do horizonte de uma teoria do conhecimento e de umaepistemologia , mais do isso, ele procura mostrar como toda a tradio de leitura do Kantnessa direo uma m leitura, como ela deriva de uma espcie de posteridade infelizkantiana. Quer dizer, voc pode dizer que, grosso modo, toda a filosofia alem ps-kantiana marcada pela revoluo copernicana, mas que, grosso modo, caminha em duasdirees diferentes: a dos chamados estritamente ps-kantianos, quer dizer, os filsofosidealistas; e depois que transformam a Crtica da Razo Pura num instrumento de umarestaurao da filosofia como um Saber Absoluto, de uma certa maneira, transformando oidealismo crtico - que no caso de Kant aparece essencialmente ligado a um realismoemprico transforma essa tenso entre idealismo crtico e realismo emprico, suprime essatenso e pe no lugar um idealismo absoluto. Apagam-se as fronteiras entre o sujeito finitohumano e o sujeito infinito, do intellectus ektypus e o intellectus archetypus, e de uma certamaneira a subjetividade humana finita torna-se uma espcie de introduo ao absoluto,onde ns temos acesso viso de Deus, ao ponto de vista atravs do qual Deus v, cria epensa. Para Deus, pensar o mundo cria-lo. Ele no passivo. Seu conhecimento no temnada de pensamento, de mediao, porque, para Deus, conceber o universo produzi-lo.Para esse entendimento, ns no temos mais Gegenstand Heidegger diz gegen contra,stand aquilo que se levanta contra o sujeito. Porque o mundo no se gegen standcontraDeus, mas se entstehen, ele deriva. Bom, essa uma maneira de transformar uma filosofiaque crtica. A palavra crtica, quando se fala em crtica da razo pura, a crtica da razopura aqui significa, obviamente no se trata de um momento em que Kant critica a razopura, em que fala mal da razo pura, ele fala bem da razo; crtica vem de crisis; crisis emgrego quer dizer limite. Ento criticar a razo delimitar o campo do uso legtimo darazo. Crtica da razo pura a determinao dos limites dentro dos quais a razo pura podelegitimamente funcionar. Limites para alm dos quais a razo pura se torna uma ilusonatural necessria, de uma certa maneira, mas uma iluso. O Kant fala em desenhar um

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    mapa, quer dizer, desenhar os limites do que se chama a ptria da verdade. Nisso, tem umalm da verdade a que no podemos ter acesso seno atravs da razo prtica ou do juzoesttico, mas jamais teoricamente. (Inaudvel). Ento, o que faz o idealismo? Suprime afinitude do sujeito e o sujeito finito humano, de uma perspectiva finita, passa a seidentificar com o olhar de Deus para o qual no existe limite. O absoluto, em todas essas

    filosofias, sobretudo em Schelling e Hegel, so filosofias do Absoluto que no estrelacionado a nada que lhe seja exterior, no tem fora. O Hegel, alis, tem uma bela crticada Crtica da Razo Pura do Kant, uma passagem que eu quero lembrar pra vocs prailustrar essa transformao, esse destino do idealismo ps-kantiano que esculhamba comKant achando que esto sendo absolutamente fiis preocupao mais legtima do Kant.Todos eles brigam entre si, mas todos so fiis a Kant... O Hegel, reproduzidogrosseiramente por mi, diz mais ou menos o seguinte: a concepo crtica do Kant umaconcepo da filosofia que diz: bom, para que eu possa ter acesso verdade, para que euno me equivoque, preciso em primeiro lugar que eu determine quais so os instrumentosde que eu disponho para ter acesso verdade. Uma filosofia pr-crtica no examina asfontes do conhecimento, os instrumentos do conhecimento. Ento voc tem um sujeito pensante que crtico na medida em que, em vez de dizer ingenuamente o mundo finito, o mundo infinito,Deus existe, Deus no existe, a alma imortal ou aalma mortal, existe diferena entre alma e corpo etc. Em vez de se dirigir diretamente coisas como elas so, ele se volta, antes de poder dar qualquer palpite a respeito daestrutura do mundo, de Deus e da alma, eu preciso descrever o conhecimento doinstrumental de que eu disponho, quais so as minhas fontes de conhecimento e quais soos limites da sua aplicao. Quer dizer, de um lado ns temos o sujeito pensante, de outrolado ns temos o Absoluto. No vamos falar do Absoluto antes de..., no vamos falar doSer, mas vamos falar do nosso meio de acesso ao Ser. Ento o Hegel diz: ento o Kant pensa o sujeito pensante e o Absoluto e pensa o conhecimento como um instrumentoadequado, a ser descrito na sua aplicao. Mas a ele se escandaliza, ele diz: bom, masento existe alguma coisa fora do Absoluto? Onde estamos ns? Estamos fora doAbsoluto. Se ns estamos fora do Absoluto, no existe nada fora do Absoluto... Se oAbsoluto, o que que est fora do Absoluto? Nada.

    ALUNO: Voc poderia falar um pouco qual o status desse discurso que procura delimitaressa ptria da verdade? Que tenso que existe entre esse discurso e a prpria verdade? Jque ele no pode estar inserido nesse lugar visto que ele est falando desse lugar...

    justamente isso que o Heidegger... Voc espera um pouquinho. Eu estou falando disso justamente pr amostrar a originalidade da perspectiva do Heidegger. Bom, ento, os ps-kantianos acham que o Kant o fundador da boa filosofia. Mas precisa ser superado emdireo de uma Wissenschaftslehre ou da lgica absoluta do Hegel ou da teoria da cinciado Fichte, do Schelling... Mas, de uma certa maneira, a filosofia abandona a perspectiva dafinitude e se confunde com uma espcie de teologia racional. O sujeito racional passa a sero Sujeito Absoluto que outro nome de Deus. E tem a tradio positivista, aquela quesegue, sem ser necessariamente kantiana, todos os positivismos, o Augusto Comte etc quedizem: bom, no existe conhecimento seno cientfico. De uma certa maneira, opositivismo aceita a distino kantiana da ptria da verdade daquele domnio de que no se pode falar nada. Isto , ns podemos falar racionalmente do mundo enquanto falramoscientifico-positivamente do mundo. E depois voc tem a viso neo-kantiana que no

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    estritamente positivista mas que faz uma espcie de retorno ao Kant como uma teoria -assim como Kant via na Crtica da Razo Pura a determinao da ptria da verdade (queera dar conta da possibilidade da cincia, dos monumentos racionais existentes: da fsica doNewton, da geometria de Euclides e da lgica do Aristteles (inaudvel). Os filsofos neo-kantianos so filsofos que escrevem na virada do sculo XIX pro XX e que dizem:bom,

    Kant um grande filsofo e simplesmente a fsica no a mesma, a geometria no amesma e a lgica no a mesma; ento ns temos que fazer novamente a crtica da razopura em funo de uma fsica no-newtoniana, de uma geometria no-euclidiana e de umalgica no-aristotlica. Mas de qualquer maneira, a filosofia crtica, o neo-kantismo deixade ser uma teologia racional, digamos, uma filosofia do Absoluto, pra ser uma estritaepistemologia.

    ALUNO: Quando o Sr. apresentou aquela crtica, na verdade, colocar o problemaserissimo do Hegel em relao a Kant com respeito ao Absoluto... A questo que eu queriacolocar a seguinte: se eu posso entender como sinnimos Ser Absoluto e Totalidade ou seh distino e qual. Porque, uma vez que voc tem esses termos como sinnimos, voc fezuma crtica ao Ser.

    No para o Heidegger. Porque o Heidegger vai utilizar a idia de totalidade como diferenteda idia de agregado, de inspirao fenomenolgica, mas que no necessariamente ligadaao infinito. Talvez o contrrio. Voc pode falar de uma totalidade finita.

    ALUNO: Eu entendo que o Absoluto tambm finito, ele tem que ter algum limite, algumaborda.

    No, no. O Absoluto, no. Bom, se voc quiser, no pensamento grego, voc pode dizer nafilosofia grega, a idia de Ser absoluto quer dizer, inexiste a expresso absoluto emgrego, mas h algo correspondente eu passo a pensar no Parmnides cuja filosofia consisteem dizer: ser e ser racional so idnticos. Portanto, o conhecimento tem duas vias, doiscaminhos: o mundo sensvel, onde h coelhos, elefantes, as coisas se transformas, nascem emorrem etc, o mesmo se torna outro, o idntico se torna diferente. Esqueamos o mundopara mergulhar no mundo daquilo que verdadeiramente , no daquilo que se transforma,do que , Ser. Do Ser ns podemos dizer apenas que o Ser e que o no-Ser no . Essafrase reduz toda a filosofia. Mas voc pode dizer: bom, h vrios predicados do Ser. O Ser racional, o Ser pensvel, o Ser cognoscvel. Se o Ser pensvel, cognoscvel, isso exigeque ele seja imutvel e que ele seja finito, quer dizer, uma esfera. O infinito a falta delimites, a indeterminao. Ento, para os gregos sempre o Absoluto, aquilo que em si epor si, de alguma maneira, ele finito porque ele perfeito. A idia de perfeio implica aidia de forma, de limitao. Agora, a filosofia grega a partir da Idade Mdia impregnadapelo cristianismo vai transformar a idia do Ser Absoluto, o Ser por excelncia e que no o ser criado Deus. Mas esse Deus criador do mundo. Pros gregos, o mundo eraeterno. (Inaudvel) O nascimento da filosofia o fim da mitologia. Acontece que mesmo o pensamento grego pr-filosfico, num mundo habitado por deuses, por heris acima dosseres humanos, esse mundo no era um mundo criado. Voc no pode dizer que ele ummundo perfeito porque a mitologia pensa e a filosofia pensa tambm, freqentemente...; osfilsofos retomam os temas mticos do mundo como passagem da ordem para o caos, perda de forma. Caos, cosmos, caos, cosmos. Mas jamais na idia de criao. Agora, com o

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    cristianismo, voc tem a idia de um Deus infinito, criador do mundo, de tal maneira que omundo no transcende, por assim dizer, propriamente o seu criador infinito. Ento a idiade infinito deixa de ter uma determinao puramente negativa como tinha pros gregos, prater uma determinao positiva, assim como a temporalidade passa a ter uma determinao positiva. Para os gregos, o tempo o lugar do devir, do no-ser. Agora o cristianismo

    pensa, no uma gnese eterna do mundo, mas pensa a criao do mundo, o pecado original,a encarnao de Cristo, a salvao da humanidade atravs da morte de Cristo e finalmente ofim da histria que a reintegrao da humanidade a Deus. Ento o tempo e o infinitopassam a ser (inaudvel). E o Hegel, que perfeitamente cristo, vai definir o conceito Begriff Zeit ist der Dasein der Begrieff, uma frase perfeitamente anti-parmenidiana, otempo o manifestar-se, o estar-a do conceito. ... atravs do tempo, atravs da histria,pra finalmente coincidir consigo mesma no Absoluto sem forma. O Heidegger se insurgecontra essas duas tradies. Ele diz: a Crtica da Razo Pura no nem uma teoria doconhecimento nem uma teoria das cincias positivas, nem uma teoria do conhecimentocientfico positivo produzido sobre o mundo, ntico - nem tampouco algo como um SaberAbsoluto. Pelo contrrio, a Crtica da Razo Pura uma introduo metafsica, ou ontologia que se faz atravs do bom caminho que o caminho da interrogao pelapossibilidade da metafsica atravs da pergunta pela natureza da estrutura do sujeito finito,o sujeito humano finito, que pergunta, que busca o fundamento da metafsica. No umateoria do conhecimento, no uma teoria do mundo das coisas em si, de Deus, do mundo eda alma, mas uma fenomenologia da finitude do sujeito humano, do Dasein. Ele jescreveu o Ser e tempo e est reencontrando a sua obra nas entrelinhas da Crtica da RazoPura. Bom, na aula anterior, comentando alguns pargrafos, o 4 e 5 (inaudvel).Exatamente ns comentamos, essencialmente os pargrafos 4 e 5, principalmente o 5 e,grosso modo, a grande operao dele, eu vou repetir brevemente o que eu disse na aula passada, (...) grosso modo, a Crtica da Razo Pura se situa sobre o fundo da oposioentre o intelecto finito e o intelecto infinito. Aquele para o qual h Gegenstand, e aqueleque no pode ter objeto diante de si, que s intuitivo-criador. O que caracteriza o intelectofinito fato de que ele duplex, ele receptivo e, ao mesmo tempo, espontneo. Aocontrrio do intelecto infinito, ele receptivo, ele recebe coisas que esto fora dele, que soantes dele. Mas, por outro lado, ele tambm espontneo, quer dizer ele implica umaatividade, o ato de conhecimento no um simples registro passivo dos dados externos,mas tambm uma doao de estrutura racional a esses dados. claro que aqui ns temosintuio e entendimento (o conceito). Mas grosso modo ele insiste no carterpeculiar dessareceptividade originria. Ele insiste na primeira frase da Crtica da Razo Pura: o sujeitodo conhecimento pode relacionar-se com os objetos mediata e imediatamente, quer dizer,imediatamente: o acesso imediato aos objetos o acesso intuitivo ao objeto; o mediato atravs de inferncias, atravs do raciocnio, do entendimento. Mas, ele diz, de qualquermaneira, mesmo essa segunda afirmao, a mediata, conceitual com o objeto (inaudvel). por isso que ele diz, por exemplo, que Deus no pensa. Deus no pode ter relao mediatacom os objetos. Ele no pode se relacionar. Deus no pode conjecturar, formular hipteses,fazer inferncias a respeito das propriedades dos objetos porque Ele os conhece por dentro.Ele os conhece por dentro por qu? Porque Ele os fez. Quem faz algo sabe aquilo que fez.No precisa ficar fazendo hipteses, formulando conceitos, categorias, fazendo clculos...Mas, grosso modo, o que eu queria insistir era justamente na idia do privilgio da intuio.A intuio finita. Uma intuio finita que tem essa peculiaridade vocs se lembram datrplice sntese? A Crtica da Razo Pura uma teoria, um sistema de snteses. So vrios

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    nveis, diferentes momentos em que temos unificaes mltiplas em nveis diferentes. OHeidegger diz: na Crtica da Razo Pura, ns temos a sntese apofntica, a predicativa e averitativa. Apofntica quando eu digo A B, mesmo se estou dizendo 2 2. Mesmose a proposio analtica, no sinttica, estou fazendo uma sntese entre sujeito e predicado. Todas as proposies so sintticas nesse sentido fraco em que eu ligo um

    predicado a um sujeito. Tem uma unificao predicativa, uma sntese predicativa aquelaque fala dos juzos sintticos a priori. Os juzos sintticos a posteriori no oferecemmistrios para os filsofos. Se eu pronuncio essa cadeira azul, o azul no est a contidoem princpio , mas no misterioso. Todo mundo sabe que as coisas tm propriedadesempricas contingentes. O conceito de cadeira no implica necessariamente a cor azul. O juzo sinttico porque o azul acrescenta algo que no est contido no sujeito. O juzoanaltico simplesmente explicita aquilo que est contido no sujeito. O azul no est contidona cadeira. Mas tambm no misterioso. Misterioso dizer que o tringulo uma figuracuja soma dos ngulos internos igual a 180. Quer dizer, ao contrrio das tendnciascontemporneas, ele diz: bom, as propriedades do tringulo no derivam da definio dotringulo, mas so propriedades que so acrescentadas ao sujeito, definio do tringulo eque no vm da experincia, mas que vm da definio pura, a priori, do espao. E asntese veritativa a sntese que liga o sujeito do predicado a um ente. Ao desenvolver todoesse raciocnio, ele vai retomar essa distino entre entendimento finito e infinito. Ele vaidizer: o que significa a distino entre fenmeno e nmeno? Grosso modo, ele diz:fenmeno o nmeno tal como aparece, que pode aparecer como sistema de objetosuniversalmente acordado entre os sujeitos racionais finitos e o nmeno o nmeno talcomo ele em si mesmo e no tal como ele aparece filtrado pelo aparato cognitivo dosujeito humano finito, mas tal como ele aparece para Deus que o cria, que o conhece, porassim dizer, por dentro. Todo o movimento do raciocnio do Heidegger de caminhar nadireo de, por assim dizer, aproximar essas duas vises. No de identific-las, claro queno, mas fazer do entendimento de Deus, ou do nmeno algo que apenas o limite dofenmeno como ele aparece pra mim. Eu no posso sair da minha finitude. No podemossair. O Heidegger d um passo mais adiante dizendo que no h fora da finitude. Querdizer, grosso modo, ele dir: o nmeno no est para o fenmeno isso ele diz literalmenteno seu texto essa equao no vale, o nmeno no est para o fenmeno como a essnciaest para a aparncia. Voc poderia pensar: o entendimento finito do homem conhece omundo dos fenmenos como o homem sensvel conhece o mundo sensvel o Plato. Omundo numnico o mundo das idias em si mesmas tais como o intelecto puro do homem pode capt-las tais como elas so em si. Voc tem dois mundos: o mundo sensvel e omundo inteligvel. O mundo das aparncias e o mundo das essncias. O que ele diz : onmeno no est para o fenmeno como a essncia est para a aparncia, ou seja, ofenmeno o ente, aquilo que , que para mim, mas aquilo que . O ente o que estdentro desse horizonte da finitude do conhecimento humano. Ento, grosso modo, o problema todo se conformaria da seguinte maneira: perguntar pela metafsica, perguntarpelo fundamento da metafsica, ele ainda faz metafsica (inaudvel), mas tambm ontologia,a pergunta pelo Ser, a pergunta pelo sentido do Ser ela s pode ser encaminhada atravs deuma pergunta anterior que uma pergunta pela maneira pela qual o ente se manifesta paraum sujeito humano finito, isto , a tarefa da filosofia descrever a estrutura dasubjetividade finita do homem para a qual o ente se manifesta como primeiro passo nadireo da pergunta pelo sentido do Ser em geral. Visa metafsica que havia aparecido nofinal da Idade Mdia. mais ou menos isso que ns dissemos na nossa ltima aula. Isso

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    pelo menos um resumo muito esquemtico, caricatural o que ns dissemos na ltima aula.Mas , grosso modo, uma espcie de resumo dos pargrafos 4 e 5 do Kant e o problema dametafsica. Agora, vamos dar um passo pra frente, ns vamos tentar comear do finzinhodo 6, do 7 e do 8 e talvez o comecinho da segunda seco: o desenvolvimento dainstaurao do fundamento da metafsica. Alis a, preciso voltar. Ele fala de origem e de

    fundamento da metafsica. Quando ele fala de fontes nesse texto, fonte ligada a origem.Obviamente, se fosse grego, eu diria: bom, a origem o fundamento. Os gregos chamamorigem de arch.Arch o princpio, o prncipe, o arconte, da onde vem a ordem, de ondevm as coisas, a razo das coisas. Portanto, a origem o fundamento. Aparentemente, masno est muito claro na minha cabea ainda, a origem e o fundamento so distintos, maseles se relacionam, por assim dizer, singularmente.

    ALUNO: Eu no sei explicar, mas isso me lembra um pouco a frase da abertura daintroduo da Crtica da razo pura do Kant quando ele diz contra o Hume que oconhecimento tem origem na experincia mas isso no quer dizer que todo conhecimentoderiva da experincia.

    Se fundamenta na experincia. Eu no tinha pensado nessa frase, mas seguramente, no casodo Heidegger um pouco diferente. Porque o Kant desqualifica completamente a questoda origem emprica. Isso psicologia, isso fisiologia. No tem nada que ver com... Aorigem do conhecimento desimportante do ponto de vista filosfico. Aps Heidegger no possvel fazer uma pergunta pelo fundamento do conhecimento se eu no perguntar pelaorigem do conhecimento. Mas no a origem do conhecimento no sentido kantiano, mas nosentido daquilo criticado pelo Kant, das fontes do conhecimento. (Inaudvel). S querodizer que parecido, mas no exatamente o mesmo. E o Heidegger vai encontrar frasesdo comecinho e do fim da Crtica da razo pura para justamente recolocar esse problema,mas no fundo dizendo mais ou menos o seguinte: o Kant no chegou at l. Porque nofundo o que ele vai dizer mais ou menos o seguinte: ns temos essas trs snteses asntese apofntica, a predicativa e a veritativa mais simplesmente ns temos a fonte doentendimento e as formas da intuio como fontes do pensamento. Mas o Kant diz: bom,mas talvez haja uma fonte comum. O Heidegger comenta essa outra frase do Kant, na primeira edio, pelo menos, ele diz: talvez a imaginao seja o fundo secreto da(inaudvel). Talvez a imaginao esteja por debaixo, por sob essa diviso do conhecimento.Mas o Kant diz: talvez. Ele aponta nessa direo mas fica parado. E E o que o Heideggervai dizer que perguntar pelo fundamento continuar a onde o Kant parou. Quer dizer, perguntar qual essa fonte ltima, originria que mais originria do que a snteseveritativa que est por debaixo das sntese, que uma espcie de pr-sntese subjacente ssnteses veritativa, predicativa e apofntica.

    ALUNO: Essa origem ento seria pro Heidegger a imaginao?

    Caminha nessa direo entre imaginao e temporalidade. Porque o Kant acena nessadireo. Ele diz: talvez a imaginao seja... Mesmo porque a imaginao tem o papel demediao entre, acho que o Kant diz isso quando ele v na imaginao a interface que torna possvel a sntese entre conceito e intuio. Porque conceito e intuio so instncias,formas rigorosamente heterogneas. Como que um conceito pode adquirir contedointuitivo? Como que uma intuio pode fornecer matria a um conceito. Ns sabemos que

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    o conceito sem intuio cego e que toda intuio sem conceito vazia. Ento, precisa junt-los. Mas como juntar bananas e laranjas? Precisa encontrar um termo mdio. Aimaginao que fornecer os esquemas o chamado esquematismo transcendental que aquilo que torna a intuio conceptualizvel e que torna o conceito, por assim dizer,sensvel. Isto porque a imaginao como a intuio no abstrata, ela sensvel, mas a

    imaginao tem um certo parentesco com o conceito tambm, porque ela , por assim dizer,mais abstrata que a intuio. Ela tem algo de espontaneidade mais do que de receptividade.No sei, eu estou um pouco inventando aqui agora.

    ALUNO: A intuio de Kant no tem um certo parentesco com a de Aristteles?

    No Aristteles, voc tem a proposio eu no posso conhecer algo que eu tenhaimaginado, quer dizer, para Aristteles, a imaginao, a fantasia fantasia em grego ??? antes do universo tornar-se cognoscvel, ele deve ser imaginvel. Quer dizer que, emAristteles, a fantasia funciona como uma mediao entre o sensvel e o inteligvel, entre oconceitual e o intuitivo. Mas sem revoluocopernicana.

    ALUNO: Pro Kant preciso primeiro que o objeto seja pensvel para que ele possa existir.Um objeto que no pode ser pensado no pode existir.

    Seguramente no. Mas a frase aristotlica pode ser lida kantianamente tambm. Eu no posso determinar como se pe um objeto sem ajuda da imaginao produtora. Ele vaidistinguir entre imaginao reprodutora e criadora, produtiva. Mas isso vamos deixar praadiante seno a gente vai botar o carro na frente dos bois. Isso que estou fazendo at agora o resumo da aula anterior. Ento vamos ver se a gente avana um pouco pra no ficarpatinando no mesmo lugar. Ento eu no vou comentar com vocs o pargrafo 6 todo. Voucomentar um que particularmente estratgico. Vou comentar s os dois ltimospargrafos strictu sensu do 6. pargrafo que o finzinho da parte A. O que ns dissemosat agora serviu para rememorar a aula passada e serviu de introduo a esses dois pargrafos. Porque no vai ser misterioso pra vocs agora ouvir o seguinte texto: Eisporque Kant apresenta tanto na introduo quanto na concluso da Crtica da razo pura,alm da enumerao das duas fontes fundamentais que so a intuio e o conceito, umesboo destas que digno de nota. Trata-se daquela questo: ser que existe uma fontecomum. Essas duas frases uma no comecinho, outra no finzo da Crtica da razo pura.A primeira no comeo da Crtica da razo pura apenas necessrio para umaintroduo notar que as duas souches... Souche onde voc , voc est fazendo uma plantao, onde germina; inclui no s o buraco ,mas o prprio fruto que dele deriva.Voc fala assim fulano de bonne souche, o sujeito de boa origem. que h duassouches do conhecimento humano que partem talvez de uma raiz comum mas desconhecidade ns, asaber, a sensibilidade e o entendimento. Pela primeira, os objetos nos so dados,pela segunda, eles so pensados. O que ele quer sublinhar o tom hipottico do Kant. Hduas fontes, talvez... Mas, bocca chiusa. Mas ele aponta nessa direo.(...)uma souche comum a esse dois galhos mas que o nosso olhar no alcana. Logo emseguida, no finzinho da Crtica da razo pura - essa frase que eu acabei de ler est napgina 15 da edio A e na pgina 29 da edio B e a segunda que eu vou ler agora est na pgina 835 e 836 da B. Ento entre uma frase e outra voc tem 800 e tantas pginas.

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    Praticamente toda a Crtica. Limitar-nos-emos aqui a encerrar nossa obra, isto , aesboar apenas a arquitetnica de todos os conhecimentos dos limites da razo pura e nopartirmos seno do ponto onde a raiz comum de nossa faculdade de conhecer se divide eforma duas souches das quais uma a razo. No tem mistrio, tem?

    ALUNO: Ser que ele no est falando de ramos?A palavra ramos uma boa palavra. (...) um dos sentidos de souche na botnica, naplantao etc. Talvez voc possa falar de duas razes. Mas essas duas razes podem ser, porsua vez, dois ramos de uma nica raiz. Essa uma boa idia, uma boa metfora. Quer dizer,ter duas fontes, duas origens, duas razes diferentes. Sem a conjugao dessas duas razes,intuio e entendimento, no h objeto, no h conhecimento. Quer dizer, na primeira, elediz: bom, talvez essas duas razes tenham uma raiz comum.

    ALUNO: Nessa edio que eu tenho aqui, ele fala ramos. Dois ramos com uma mesma raiz.

    Mas essa mais ou menos a metfora a que a gente tinha chegado aqui, espontaneamente.O diabo que estou sem o texto alemo aqui, seno... Mas eu tenho a impresso que a notem problema porque... ... uma raiz comum de nossa faculdade de conhecer se divide eforma dois ramos dos quais um a razo. Aqui ele est apontando para algo subjacente.... Ora, e tendo aqui a razo todo o poder superior de conhecer (???) , oponho, porconseguinte, o racional ao emprico. E o Heidegger diz: bom, ele est usando empriconum sentido muito vago. Emprico designa aqui o momento receptivo da experincia, areceptividade, a sensibilidade como tal. A sensibilidade puramente emprica. Tem asensibilidade pura. Entre entendimento e intuio, puros, como elementos, ramos, sem osquais no h conhecimento. Ele fala de razo pura e emprica. As fontes so, portanto,compreendidas como souches, como ramos, derivando uma raiz comum. Mas enquanto quena primeira passagem a raiz comum apenas hipoteticamente considerada, sua existncia passa, na segunda passagem, a objeto de uma afirmao positiva. De fato: ns spartimos do ponto onde a raiz comum de nossa faculdade de conhecer se divide em doisramos dos quais um a razo. Digamos como se ele fosse menos hipottico no fim daCrtica da razo pura e afirmando uma raiz comum sensibilidade e ao entendimento ou razo, sem, no entanto... Num caso hipottico, noutro caso afirmativo. No entanto, asduas passagens apenas limitam-se a mencionar essa raiz. Num caso hipottico, noutrocaso afirmativo, mas sempre alusivo. Ele afirma mas no diz o que que essa raizcomum. Mesmo porque, se voc voltar um pouquinho ao texto, ele diz: ns partimosapenas do ponto em que a raiz comum se divide. Quer dizer, o Kant no tonto (???) Eleafirma positivamente uma raiz comum mas diz: ns s partimos do ponto em que essa raizcomum se divide. Quer dizer, isso aqui fica afora (a raiz). No o nosso ponto de partida.Kant no somente no a estuda, mas declara mesmo que ela nos desconhecida. Eulembro aquela outra frase: talvez a imaginao seja o corao subjacente de todo essemonumento (???) cognitivo, talvez. Assim se revela um ponto essencial para o cartergeral da instaurao kantiana do fundamento da metafsica... O que que a instauraodo fundamento da metafsica? a descoberta da raiz comum das fontes do conhecimento.Assim se revela um ponto essencial para o carter geral da instaurao kantiana dofundamento da metafsica. Ela no traz a evidncia absoluta e clara de uma primeira teseou de um primeiro princpio, mas ela se dirige e nos remete conscientemente em direo ao

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    desconhecido. Ela uma instaurao filosfica do fundamento da filosofia. Aqui, aquiloque eu tinha falado da origem e do fundamento, eu acho se esclarece um pouco com essafrase que eu vou reler. At agora ns falamos como se fosse uma espcie de carncia, umaespcie de limitao do Kant que no foi at o fim. O Heidegger aqui d uma interpretaodiferente. Ele diz: Ela no traz a evidncia absoluta e clara de uma primeira tese ou de

    um primeiro princpio.. Quer dizer, a instaurao da metafsica no cartesiana, isto ,no se trata de descobrir uma primeira tese absolutamente clara e distinta, uma verdade daqual eu posso linearmente derivar todas as demais, o sistema das verdades. Quer dizer,aqui, por mais que Descartes seja o fundador da filosofia moderna e Kant leitor deDescartes, Kant no cartesiano. As Meditationes se constituem com uma instaurao dametafsica a partir de uma primeira evidncia absolutamente clara e distinta da qual euposso linearmente retirar o sistema total de todas as verdades acessveis razo. No issoo que o Kant faz. Mas a instaurao kantiana se divide conscientemente em direo dodesconhecido. Lembrem-se da leitura do 1O. pargrafo desse texto que ns comentamos a pergunta pela origem, pelo fundamento e tal. Aquele negcio de que, como que voc,mais ou menos como o Meno, como que eu vou descobrir uma verdade que eu noconheo. Bom, a instaurao da metafsica exige um certo ponto de interrogao, um certocaminhar num espao no mapeado previamente. O meu caminhar ele mesmo a aberturados ramos (???). O meu procedimento no demonstrativo, seja analtico, seja sinttico,mas ele tem uma dimenso essencialmente interrogativa, dubitativa. Ela , digamos,insegura. (...) O Menon o interlocutor do Scrates que dizia que era impossvel conhecer.Conhecer passar do no-saber ao saber. Agora, se eu no sei, se eu descobrir por acaso averdade como que eu vou saber que ela ? Porque eu no posso reconhecer a verdade. Aoque Scrates vai responder fazendo um escravo que nunca estudou geometria demonstrarum teorema. E da o mito da reminiscncia. Lembrem-se que eu falei que h algo de platnico no Heidegger porque a interrogao filosfica, que no esprito pedante doHeidegger o privilgio de algumas almas rarssimas, no entanto est prefigurado em todasas mentes, seja voc fazendeiro, seja vilo, seja fazendeiro, seja homem de bem. Eu tobrincando porque na traduo brasileira, eles traduziram trabalhador rural por fazendeiro.(...) Pertence estrutura do Dasein, forma de ser do homem, uma espcie de pr-compreenso do Ser que me dirige em direo pergunta mas que no me garante...Instaurar a metafsica , de alguma maneira, criar um caminho a partir do no-saber. No a partir do que disse a (inaudvel). Ela uma instaurao filosfica do fundamento dafilosofia. Quer dizer, uma instaurao filosfica do fundamento da metafsica est nosantpodas do procedimento analtico-sinttico da razo clssica, da razo matematizante.Inferencial, dedutiva ou regressiva. Ela pensante-interrogativa. Aqui ns temos adistino. Pensar no exatamente idntico a conhecer. Conhecer determinar entes atarefa da cincia que se encerra dentro do domnio do ntico.

    ALUNO: Seria esse o lugar da sntese veritativa?

    Sim, sim. Mas quando vocs est fazendo a pergunta, aquela distino entre as trs formasde sntese um momento de uma interrogao que no est nos encaminhando em direoao ntico. Que dizer, pra ele, isso seria verdade se ns entendssemos a Crtica da razopura como uma teoria do conhecimento. A sim. Os neo-kantianos interpretam a Crtica darazo pura como uma espistemologia. Quer dizer, como uma delimitao do cognoscvel.Ora, o que o Heidegger est dizendo que pensar uma interrogao pelo sentido do Ser.

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    O argumento ontolgico ou metafsico. Muito mais tarde, o Heidegger dir: a cincia nopensa; a cincia determina objetos. Ele no t querendo dizer que o cientista burro. Ele contemporneo do Einstein. Provavelmente ele achava que o Einstein era um cretino.Embora aquele Cornelius Castoridadis o filsofo da sociologia, da antropologia, da poltica a um certo momento ele diz: um homem de entendimento to vulgar como o

    Einstein diz uma asneira; s um besta como o Einstein pra dizer uma asneira dessetamanho. Quando o Heidegger diz que a cincia no pensa no que uma deficincia doscientistas. que a tarefa dos cientistas a determinao de objetos. No perguntar pelosentido do Ser. A ele no t muito longe do Wittgenstein que dizia: bom, se a cinciadeterminasse completamente a totalidade da experincia, nada de importante estariaresolvido. Se a cincia fosse infinita e cobrisse toda a experincia, tudo de importanteestaria fora. Porque a cincia s descreve estados de coisas.

    ALUNO: Isso lembra a frase do Sartre quando o homem chegou lua que ele disse que oproblema no tava l.

    (...)Bom, com isso ns encerramos essa primeira parte. Ns estamos no desenvolvimento dainstaurao do fundamento da metafsica. O que desenvolver? fazer uma srie de perguntas de maneira no analtica nem de maneira regressiva, mas de maneirainterrogativo-problematizante, digamos assim, tentando pensar o no-pensado.

    ALUNO: Uma espcie de maiutica?

    Sim. Eu disse que algumas frases nos faziam lembrar a idia platnica de reminiscncia.Quer dizer, como que eu posso me movimentar num territrio que eu desconheo comsucesso e nele instaurar um edifcio, por assim dizer, construir, instaurar a metafsica, se euno dispuser de algum tipo de faro? Mas que no implica em nenhuma metodologia precisa. Quer dizer, aqui ns estamos num anti-discurso do mtodo. No existem regraspara passar... Podem existir regras para passar do desconhecimento para o conhecimentomas no existem regras lgicas, nem regras epistemolgicas que me permitam passar dono-pensado ao pensado, do fundado ao fundamento. Se no me engano, eu li uma cartadele a um jovem estudante japons. Mas isso eu li nos anos 50, numa das traduesfrancesas dos Ensaios publicada em anexo. No sei se do Holzwege. Depois eu procurei enunca consegui encontrar. Em que o estudante japons fascinado pelo Heidegger escreveupro Heidegger dizendo: olhe eu acho as suas coisas extraordinrias, admirveis e tal etc.Mas eu no consigo perceber exatamente qual a sua metodologia. Ele responde: nenhuma,no tem. No tem regras para a boa orientao do esprito. No existeDiscurso do Mtodo,quer dizer, existe, digamos, voltando ao Plato, e o Aristteles (???) dizia: o homem aspiranaturalmente ao saber. Num sentido diferente, mas prximo, o Heidegger diz: pertence estrutura do Dasein, pertence essncia desse tipo de ente que o ser-a, o estar-a, oinquietar-se com o sentido do Ser refletida ou irrefletidamente. Quer dizer, desde a origem,o verme est no fruto. como se todos ns tivssemos o vrus da metafsica que s semanifesta de formas mais graves em alguns organismos mais frgeis, nos filsofos...

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    Ento vamos ver se hoje a gente faz o pargrafo 7 e 8 e entra em B. Eu tava comentandocom o Andrezinho, o ndice do cara complicadssimo. Vocs vejam que eu tropecei vriasvezes no ndice dele e curiosamente, como observou o Andr, um ndice muito parecidocom o da Crtica da razo pura. Como se houvesse uma mmese da estruturao da Crticano comentrio da Crtica. umndice cabeludo porque voc se localiza com dificuldade.

    Alis, gostaria a esse propsito de retomar uma observao que eu fiz anteriormente onegcio do ponto de partida da filosofia, a origem, o fundamento etc. Eu achoque na minhacabea a coisa esclareceu um pouquinho. como se voc tivesse trs modelos: o modelocartesiano, o modelo kantiano e o modelo heideggeriano como uma reforma do modelocartesiano. Quais so esses trs momentos diferentes. Entra A, B e C, vamos pensar emprimeiro lugar a diferena entre A e B. No caso do Descartes, trata-se de fundar a filosofiaprimeira, fundar a metafsica o tema do nosso livro mas fundar a metafsica como pr-condio para a fundao da filosofia primeira, a metafsica entendida como uma filosofiaprimeira. Vocs lembram que o Heidegger comenta: na linguagem aristotlica ??? filosofia,filosofia primeira. Tem a filosofia primeira e depois tem outras filosofias, como amatemtica, sendo que por filosofia se entende, digamos, o conhecimento racional, oconhecimento a priori, embora essa linguagem seja kantiana, no seja grega. Bom, no casodo Descartes, voc tem a seguinte situao: nasMeditaes, voc tem a dvida metdica, aprimeira verdade, a regresso at um princpio que o cogito amparado pelo loop que passapor Deus, o entendimento infinito que vai assegurar a verdade objetiva das idias claras edistintas. Tem o momento regressivo e o momento progressivo. Os sartreanos aqui presentes sabem que o mtodo progressivo-regressivo importante fora... No caso doDescartes voc tem isso: uma distino muito clara entre o mtodo regressivo e o mtodo progressivo. Voc parte do no-saber absoluto, encontra um fundamento e da deduz atotalidade, o sistema, como eu disse na aula anterior, o total sistema da verdade. claro queno Descartes, apresentar o Descartes assim apresenta-lo como uma espcie de hiper-racionalista quando eu insisti no prefcio do livro do meu mestre Lvio Teixeira que oDescartes racionalista at um certo ponto. Na sexta meditao, quando entra a questo darelao da alma e do corpo, ele diz: a alma no est no corpo como um piloto na nave e anatureza nos ensina a natureza, no a razo natureza, isto , a sensao, os nossosimpulsos, nos ensinam a sobreviver. H uma espcie de limite da luz racional. O mundo um misto do racional e do no-racional. De tal maneira que ele no um racionalista totresloucado assim. Ensina-nos a natureza atravs da sede, da fome... e ele chega a salvara sensao que tinha sido matada na primeira meditao. Sensao, percepo, tudo issodanou. Mas na ltima meditao, ele diz: bom, a natureza nos ensina... O que ele querdizer, quando a criana botar a mo no fogo, tira porque queima, di. Ento as sensaesno determinam objetos, mas tm uma funo biolgica de sobrevivncia, digamos assim.Tm uma certa verdade prtica. E ele conversando com a Cristina, rainha da Sucia, que lhe perguntava sobre a sabedoria, sobre a vida, sobre a tica e ele diz: nesses casos, no preciso metafsica; nesses casos, ns no devemos abandonar o universo do senso comum,devemos critic-lo a eut inventando um pouco. Mas jogar a luz da razo at onde possvel porque no possvel ir at o fim. A sensao tem valor, no de verdade, mas desobrevivncia. Tambm na tica, melhor no meditar muito, melhor agir bem. Dequalquer maneira, voc tem uma distino entre o mtodo regressivo e o mtodo progressivo. Isto , instaurar ou fundamentar a metafsica pra depois fundamentar amatemtica e a fsica a cincia moderna e fundamentar a medicina e a moral at onde for possvel. Sendo que esse limite em que possvel decidir racionalmente termina muito

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    rapidamente. Quando entra a relao da alma com o corpo, bom... Alis vocs sabem que oDescartes dizia numa carta a um correspondente, j depois dos 50 anos, j maduro (...), eledizia: malogrei completamente porque eu queria fundar a metafsica para corrigir a tica e amedicina e hoje no sou capaz de me curar de um resfriado (???). o limite do projeto.Mas ele diz: mas nos botecos, eu tiro a espada com menos freqncia, como se isso fosse

    resultado do esforo terico fundacionista dele e no de uma certa maturidade. No caso doKant, no precisa fazer o que o Descartes fez porque a cincia t feita. Tem Newton, temo Euclides e menos importante, a lgica do Aristteles. So monumentos de razo. Arazot realizada. Eu no preciso fazer a filosofia pra fazer a filosofia segunda, a terceira ea quarta. Porque elas j esto prontas. Ento aqui predomina, digamos, o movimentoregressivo. A cincia um fato, mas eu preciso procurar regressivamente as condies depossibilidade do fato. No caso do Heidegger, tem um movimento de vaivm. progressivo,regressivo. A eu volto quela introduo, quela distino entre origem e fundamento , quea gente vai ver, daqui pra frente vai se tornar um pouco mais clara, creio. O Heidegger tmuito mais do lado do Kant do que do lado do Descartes.. Mas um abismo separa oHeidegger do Kant porque no se trata de fundar as cincias, trata-se de fundar ametafsica. No fundo, o que ele quer dizer que atrs do projeto kantiano derefundamentao, de fundamentao das cincias, existe um projeto de fundamentao dametafsica. (...) vamos fazer a passagem de 1 a 2. A segunda seco tem como ttulo geralO desenvolvimento da instaurao do fundamento da metafsica. Quando eu falodesenvolvimento, eu no t falando do modelo cartesiano. desenvolvimento quer dizerabrir o espao (o que no quer dizer muita coisa) para que a pergunta pelo fundamento dametafsica assuma sentido. 1- Os caracteres essenciais do domnio de origem. Esse ns jexaminamos de uma maneira um pouco catica, mas desenvolvemos. 2- O modo darevelao da origem. Eu gostaria de continuar um pouquinho no modo da revelao daorigem. Volto quela questo da origem, do fundamento. Mas eu acho que d pra explicarisso porque na ltima aula, percorrendo algumas das metforas, ns discutimos a metforada souche, da raiz, da origem.Antes de entrar no nosso assunto, eu queria fazer uma nota sobre a metfora da souche porque a gente no tem o texto alemo da souche, da raiz... Em todo caso, o esquema mais ou menos esse. O esquema com que Heidegger encerra a parte A da segunda seco,ele fala das fontes, das razes. Bom, ento voc tem duas razes: intuio e entendimento.Mas essas duas razes podem ter uma raiz comum. Em algum momento ele diz: pode ser aimaginao. Mas ele pra a. Como se ele fosse o domnio no da anlise crtica, mas dehipteses metafsicas, que agente t proibido de fazer. Como se fosse uma pr-condio doconhecimento, mas que ns no temos condio de rodear, dar a volta. Eu no posso olhar aminha prpria nuca. O Kant diz: to comeando naquele ponto em que as coisas se dividem.E o Heidegger vai querer dizer: no, o Kant pra cedo demais. E, eu refletindo ontem sobreessa coisa, eu me lembrei de textos recentes de 50 anos atrs de Merleau-Ponty, queinsiste, principalmente em O visvel e o invisvel, na idia de quiasma, que talvez sejamelhor do que raiz. O que um quiasma? Eu tenho a impresso de que um termoutilizado em neurologia e em sistema circulatrio, no sei. Mas em todo caso um trooassim: Y. Tem um nervo que se bifurca ou no sistema circulatrio t cheio, uma veia quese divide. Ento, eu gostaria que vocs guardassem essa metfora que no heideggeriana,no kantiana, nem merleau-pontiana, mas que... O que o Merleau-Ponty diz do quiasmavai no mesmo sentido, na mesma direo (inaudvel). A filosofia dele tem um parentescocom Heidegger (inaudvel). Ele critica o Heidegger. Entre outras coisas ele diz: o

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    Heidegger acha que voc pode falar do Ser diretamente. A gente s pode falarindiretamente do Ser. No h sentido possvel. O Ser s acessvel indiretamente. Essaimagem indireta tem um texto dele, a linguagem indireta da qual o silncio evidencia(???) o carter essencialmente indireto da linguagem. Digamos, o Ser no um ente.Portanto, ns no podemos falar dele a no ser... E a metfora ento ele justifica assim o

    uso da linguagem metafrica (inaudvel). No fundo, ele est preocupado em ver asalternativas clssica da filosofia objetivismo/subjetivismo, naturalismo/espiritualismo so todas pseudo-oposies, que devem ser botadas do avesso, permitindo ver a raizcomum de uma e de outra. Quer dizer, um pensamento essencialmente anti-dualista.

    ALUNO: Essa crtica que o Sr. diz do Merleau-Ponty ao Heidegger, ela t no Visvel e oInvisvel, ou...

    Ela est no Visvel e o Invisvel

    ALUNO: No nesse texto em que ele diz que a forma indireta de tratar o ser alinguagem?

    No, no. Eu acho que tem alguma coisa a ver com o outro. A linguagem fala indiretamentedo mundo. Bom, depois dessas observaes prvias, vamos mergulhar no nosso texto e verse a gente consegue virar e A a B. Bom, j viramos, n? Ah, esse ndice, esse ndice... Sodois pargrafos que encerram a parte A e vamos ver se a gente comea a parte B. Pra virarda 2A. seco pra 3A. seco. Ento Esboo das etapas da instaurao do fundamento daontologia. Bom, esse o nome do pargrafo 7. O 8 O mtodo da revelao da origem.Na verdade, tudo se passa como se B reiterasse. Como se 2 reiterasse 1. Como se houvesseuma caminhada que de vez em quando voc pra e rememora, rememora e refaz o caminho.Mas ao mesmo tempo que esse texto resume o texto anterior aquele negcio das trssnteses, de que tem uma sntese mais radical do que as trs snteses e que a pergunta pelaraiz ltima a pergunta pelo fundamento da metafsica. Esse texto resume o texto anterior e prepara o texto posterior porque ele se chama Esboo das etapas da instaurao dofundamento da ontologia. A 1A. parte da parte B Projeto da possibilidade intrnseca dasontologias as etapas de sua realizao. Ento aqui ele t resumindo o que foi avanadonos pargrafos anteriores e t antecipando os passos posteriores. Porque a parte B da 2A.seco so mais de 0 pginas, enquanto que a 1A. parte tinha 20 pginas. Ento umesmiuamento daquilo que foi avanado em A e aquilo que vai ser desesmiuado em B. Ottulo Esboo das etapas da instaurao do fundamento da ontologia, que serpraticamente o ttulo da parte B. Ento, ele diz: Fundar a metafsica consiste em projetara possibilidade interna da sntese apririca. Quer dizer, a questo como que possveluma sntese a priori. Mas ele fala de uma possibilidade intrnseca, quer dizer, umapossibilidade interna, isto , essa possibilidade no deve nada experincia, quer dizer, asubjetividade finita do homem montada de tal maneira ele provavelmente no gostariadessa linguagem que ela torna, por sua essncia, possvel a sntese a priori. Quando elefala de possibilidade intrnseca, o intrnseco se ope ao extrnseco como o a priori se opeao a posteriori. Deriva necessariamente de uma certa estrutura do (inaudvel). A essnciadesta [a essncia da sntese a priori] deve ser determinada e sua origem deve sercompreendida a partir do domnio de onde ela surge. Ele diz: bom, claro que a possibilidade intrnseca da sntese a priori a necessidade (...). Acho que algum aqui

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    falou: o Kant distingue, comentando o Hume o Hume se limita a investigar as origens doconhecimento mas no se pergunta pelo fundamento. Aqui origem est tomada numoutro sentido. Quer dizer, uma origem que no emprica e que torna possvel a perguntapelo fundamento. Vocs vo me dizer: mas que linguagem esquisita essa, n? Digamos, asubjetividade humana finita tem uma estrutura tal que torna possvel o mundo, a

    experincia, os entes, o estar ligado essencialmente a eles como um todo essencial e nocomo um aglomerado e perguntar pela origem perguntar pela estrutura dessasubjetividade. A origem a o quiasma no interrogado pelo Kant, ali onde o Kant pra. Aexplicao da essncia do conhecimento finito e de suas fontes fundamentais delimitou adimenso na qual se realiza o desvelamento da essncia em sua origem. Tem quecomentar essa frase, n? O que que ele diz aqui na verdade? O que ele t dizendo, que aanlise da finitude do sujeito do conhecimento e de suas fontes at a no tem nenhummistrio delimitou a dimenso na qual se realiza o desvelamento da essncia em suaorigem. Novamente ns trombamos com a palavra origem na sua possvel tenso essa aminha interpretao com o fundamento. Mas enfim, existe uma essncia do conhecimentofinito cuja finitude abre o caminho para encontrar a origem da prpria finitude e de suaessncia. Mais uma vez: o Kant no chegou l. O Kant afirmou a finitude, afirmou que asduas fontes tm uma raiz comum, o que nos cabe agora ir um pouquinho adiante do Kante desvendar a origem, origem da finitude, digamos, do conhecimento. A origem da divisoentre intuio e entendimento necessariamente finitos. A questo da possibilidade internade um conhecimento sinttico a priori adquire assim, ao se complicar, uma precisoacrescida, multiplicada. Quer dizer, o que ele diz o seguinte: eu t reformulando apergunta kantiana, eu t complicando a pergunta kantiana. Digamos, estou radicalizando.Radicalizar aqui, caminhar em direo raiz das duas fontes... radicalizar. Mas tambmcomplicar. complicar porque ns passamos desse esquema pra esse esquema aqui. Doesquema kantiano do fato s suas condies de possibilidade a esse vaivm erranteentre a origem e o fundamento. um caminhar meio tortuoso, meio aportico como maistarde ele vai intitular uma obra dele Holzwege, caminhos florestais, caminhos sem sada,quer dizer, aporias.

    ALUNO: Como se a linguagem servisse pra cada vez menos coisas... Como se a linguagemtivesse cada vez menos utilidade. medida em que a gente se aproxima do fundamento.

    O resultado disso daqui, o resultado desse movimento de pensamento voc dizer: doponto de vista do conhecimento, a linguagem tem um valor instrumental, pouco importante.Na poesia, no mito, no pensamento sem aspirao cientificidade, a linguagem reencontraa sua essncia. No toa que volto quela frase da Carta sobre o humanismo: alinguagem a manso do Ser e os poetas e os filsofos so os guardies dessa manso.Quer dizer, os filsofos e os poetas so aqueles caras que tm a tarefa de purificar alinguagem, de fazer com que a linguagem no seja simplesmente descrio de fatos ou deestados de coisas, mas que seja a expresso do sentido do Ser. Agora, o que que o sentidodo Ser, ns no sabemos. Ele vai voltar mitologia, voltar ao Schelling, ao Hlderlin, aoromantismo alemo, enfim. No romantismo alemo, voc encontra coisas parecidas comisso, no encontra? Tem um bom uso da linguagem que interrogativo, especulativo,mitolgico e no tem nada que ver com a descrio do mundo tal como ele . Mas aqui eut misturando etapas do pensamento doHeidegger. Aponta nesse caminho porque depoisele escreveu. Ento fcil voc encontrar pistas nos textos da dcada de 30 daquilo que ele

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    escreveu nos anos 30 e logo no ps-guerra. Porque h uma mudana. Entre esses textos eosltimos textos que vo nessa direo que , de uma certa maneira, uma recuperao doromantismo alemo tem uma virada. Uma Kehre. Kehre quer dizer retorno, virada.Eu falei da descoberta do Hlderlin etc, mas a volta aos pr-socrticos tambm. Da avolta origem esquecida da metafsica. Quer dizer, o Heidegger dos anos 10 e tal quer

    libertar o Aristteles e o Plato da leitura medieval. Mais tarde ele vai querer liberar afilosofia pr-socrtica de Scrates, Plato e Aristteles. Ns nos aproximamos da passagemdo mito ao logos.

    ALUNO: Eu queria tentar entender melhor uma coisa sobre aquela oposio entre possibilidade intrnseca e extrnseca no juzo sinttico a priori. Porque eu tenho aimpresso que o Kant fala da possibilidade lgica do juzo sinttico...

    A eu tenho a impresso que ele rigorosamente kantiano s que ele quer ir mais longe.Quer dizer, o Kant parou aqui. Essas pontes so intrnsecas de uma certa maneira, no soextrnsecas. Elas pertencem essncia da subjetividade humana. Agora ele quer retrocederat a fonte comum. Ento segundo os passos do Kant mas levando o Kant muito alm doque o Kant aceitaria. O Kant provavelmente diria: isso recair na metafsica. Claro que apalavra metafsica tem sentidos diferentes para um e para o outro. Embora o Heideggermais tarde v renunciar expresso metafsica, vai falar do pensamento como o fim dametafsica. Uma espcie de hiperkantismo. Mas um hiperkantismo permeado por Nietzschee outras coisas.

    A exposio preliminar do programa relativo ao fundamento da metafsica deu oresultado seguinte. O conhecimento do ente s possvel na base de um conhecimentoprvio da estrutura ontolgica do ente, conhecimento independente da experincia. Aqui,na linguagem dele, ele traduz perfeitamente, de maneira transparente o Kant. Se substituir apalavra ente pela palavra objeto, diz o conhecimento do objeto s possvel na base doconhecimento prvio da estrutura intuitivo-cognitiva do objeto possvel, do ente,conhecimento independente da experincia. At a no tem mistrio nenhum essa frase.Mas, alm disso, o conhecimento finito cuja finitude define o objeto de nossa questo essencialmente uma intuio receptiva e determinante do ente. Quer dizer, o que ele querinsistir, que o sujeito finito avamos pensar na sensibilidade. Ns s temos acesso aomundo atravs das formas da intuio do espao e do tempo. s dentro desse quadro quens podemos receber informaes do mundo externo, digamos. A intuio essencialmentereceptiva, um filtro, uma peneira. Mas essa peneira que receptiva, por ser peneira, ela determinante da forma de ser do ente. Se o conhecimento finito do ente possvel, eledever fundar-se sobre um conhecimento do ser do ente anterior a todo ato receptivo.Bom, aqui voc tem a frase heideggeriana propriamente dita. Quer dizer, se assim se oKant tem razo , antes da experincia, pr-experincia, quer dizer, no espao intrnseco dasubjetividade finita, voc tem uma compreenso, ou uma pr-compreenso do ser do ente.Isto , eu varro a experincia antecipando, de alguma maneira, o ser do ente. Digamos, pelomenos no sentido de que, antes de qualquer experincia, eu sei, eu deveria saber, nem todomundo sabe, que eu s posso receb-la espcio-temporalmente. A espacialidade e atemporalidade so determinaes essenciais do ser do ente. Substitua a palavra objeto porente que voc tem o... Mas voc v como ele introduz, no interior da anlise do texto doKant, a sua prpria filosofia. Antes de refletir, antes de comear a pensar, eu tenho uma

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    pr-compreenso do ser do ente. O conhecimento finito do ente exige, portanto, para ser possvel, um conhecimento no-receptivo, aparentemente no-finito, uma espcie deintuio criadora. Essa frase de doer, n? Porque intuio criadora, a gente viu, caracterstica do entendimento infinito de Deus, para quem no existem Gegenstnden, masentstehen. O que ele t dizendo que precisa ter uma espontaneidade na prpria intuio

    porque o Kant distingue as duas razes. Voc veja que ns estamos querendo mergulhar prac [para a raiz, na figura Y]. Aqui voc tem receptividade, a intuio; aqui voc temespontaneidade. Mas filtrar receptivamente o ente, de uma certa maneira, antecip-lo, deuma certa maneira cri-lo.

    ALUNO: Exercer alguma determinao...

    Sim, o sujeito, que passivo, determina de alguma maneira o que ele recebe. Tanto que elefala aparentemente no-finito. Quer dizer, esse aparentemente no-finito certamente isso interpretao minha s na aparncia infinito. Porque a gente ta acostumadocom o Kant a distinguir o entendimento receptivo, uma subjetividade finita receptiva, euma subjetividade infinita criadora. O que ele t querendo dizer : se a gente caminha nadireo da raiz comum do entendimento e da intuio, ns temos algo aparentementeinfinito. Quer dizer, como se o sujeito finito tivesse uma capacidade divina de criao, projeo da realidade. Quer dizer, provavelmente, ele vai corrigir depois e dizer: saparentemente infinito. Isso interpretao minha. Depois a gente vai verificar se verdadeou no. Mas eu gostaria de sublinhar a palavra aparentemente pra dizer que porque, nofundo, ele quer matar o entendimento infinito. Ento, sob o pano de fundo do esquemakantiano tem o entendimento infinito... Voc no pode falar de entendimento infinito deDeus no a gente fala intellectus archetypus. Mas que puramente intuitivo (?), criador.No discursivo, no conceptual. A conceptualidade e a intuio so caractersticas dofinito. Ele que matar isso. Ao insistir nesse paradoxo de uma receptividade criadora, deuma receptividade constitutiva, como se ele dissesse: tudo se passa como se esse sujeitofinito no fosse finito. Porque ele aparentemente, pela sua pr-compreenso do ser do ente, como se ele criasse. Intuio criadora e entendimento infinito. A questo da snteseapririca precisa-se, portanto, assim. Quer dizer, voc t vendo que ele t retrabalhandoo Kant, reformando aqui e ali. Qual o prximo passo? A questo da possibilidadesntese apririca precisa-se, portanto, assim. Como o homem, que finito e como tal,jogado ao ente...No Ser e tempo, ele j havia escrito que oDasein essencialmente umEntworfensein, um ser lanado no mundo, abandonado. Ele projeta o mundo mas tambmlanado no mundo. Como o homem, que finito e como tal, abandonado ao ente eordenado recepo deste, como ele pode, antes de toda recepo, conhecer o ente, isto ,intu-lo, sem ser, no entanto, seu criador? Como que eu posso antecipar o ser do entesem cri-lo? T vendo: aparentemente criador, aparentemente infinito. Quer dizer, omistrio todo t a, pra ele. Como que o sujeito finito pode antecipar o sentido do ente,ou o ser do ente, sem cri-lo? Ele que um ente finito e, portanto, aparentemente, um enteentre outros entes. Quer dizer, um pedregulho no constitui universo. Esqueamos Deus.Mas pelo menos um pedregulho, ns sabemos que no constitui universo, no cria umuniverso. Ora, o homem um ser finito como o pedregulho. Como que ele pode anteciparsem ser o seu criador? Como que eu posso propor o mundo sem p-lo. Entendendo porpr o mundo como Deus faz. Deus pe o mundo no Ser. Digamos, inventando umalinguagem que no propriamente heideggeriana, digamos, a subjetividade finita humana

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    pro-pe o mundo ou pr-pe o mundo sem p-lo, sem cri-lo. Ou, dito de outra maneira,como esse homem deve, ele prprio, ser constitudo ontologicamente, para que ele possatrazer para si sem a ajuda da experincia a estrutura ontolgica do ente, isto , umasntese ontolgica? Aqui no tem mistrio. Que tipo de ser esse que, sendo finito, capaz de antecipar a estrutura dos seres finitos em geral e do Ser desses seres finitos? Mas

    se a questo da possibilidade da sntese apririca assim colocada, e se todoconhecimento, enquanto finito, se compe dos dois elementos indicados, isto , se elamesma uma sntese [a sntese entre intuio e conceito] esta questo da possibilidade dasntese apririca adquire uma estranha complexidade. Quando as coisas adquirem umaestranha complexidade que o Kant abriu esse espao e no pensou. Quer dizer, a seguir oKant, ns temos que chegar a concluses estranhssimas que os neo-kantianos no sacaram,que os idealistas no sacaram. E so essas questes estranhas que a gente deve investigar.Pois essa sntese no idntica sntese veritativa mencionada acima que concerneunicamente ao conhecimento ntico. Vocs lembram das trs snteses: a snteseapofntica, a ltima a veritativa e a do meio a predicativa. Vocs lembram que eleestabelece uma hierarquia e a verdadeira sntese a sntese apofntica (no seria averitativa?) que liga no s um sujeito com um predicado, mas liga sinteticamente o sujeitoao predicado e liga o sujeito do juzo a um ente no mundo. Isto , essas trs sntesesexplicam, ou lanam luz sobre o conhecimento ntico. Traduzindo, o conhecimentocientfico. O conhecimento do mundo dos objetos. Agora, o que ele t dizendo que essasntese apririca levada a fundo pressupe algo que mais fundo do que o conhecimentoontolgico que a pr-compreenso do ser do ente, onde ns passamos do ntico proontolgico. Ns passamos da teoria do conhecimento para a metafsica, pra ontologia. Temessa hierarquia. O domnio do ntico o domnio dos objetos. Uma coisa a determinaodos objetos que a tarefa explcita da Crtica da razo pura: como que possvelobjetividade fsica e universalidade matemtica.

    ALUNO: Pro Heidegger todo conhecimento cientfico no passa da esfera do ntico, noultrapassa.

    No ultrapassa. Mas para que isso seja possvel, necessrio que tenha essa raiz comumnum sujeito que pr-compreende o ente antes dele pintar. Antes dele se tornar objeto. Querdizer, eu acho que mais ou menos isso. Compreender o ser do ente ser capaz deantecipar toda e qualquer forma de ente, ser capaz de receber. Para que eu possa receberobjetos, eu preciso, de uma certa maneira, antecipar o ser dos objetos. E a ns estamos passando da teoria do conhecimento para a ontologia, da teoria do conhecimento para apergunta pelo Ser. por isso que vocs lembram da semana passada ele diz: essas trssnteses se sucedem, a ltima sntese a sntese forte, o corao da Crtica da razo pura.Mas ele diz: mas na Crtica da razo pura, no comeo e no fim, ele aponta para uma raizcomum que o que a gente t discutindo agora, que mais importante. Como que euposso antecipar o ser do ente. Ento, alm dessas trs snteses que definem o domnio dontico, voc tem uma sntese ontolgica. A sntese ontolgica j sinttica na medida emque conhecimento de maneira que a instaurao do fundamento deve comear pelailuminao dos elementos puros: intuio pura e pensamento puro do conhecimento puro. Bom, isso a tarefa que fez o Kant. Trata-se ento de esclarecer o carter prprio daunidade essencial e original desses elementos puros. Isto , do carter especfico da snteseveritativa pura. Isto , ento ns temos uma sntese veritativa pura. da interrogao da

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    sntese veritativa pura que ns vamos chegar pergunta pelas cincias ontolgicas. Coisaque o Kant no faz. Assim como o Kant comea por aqui no vai at a raiz comum das duasrazes. Esta [a sntese veritativa pura, a sntese que determina o ente, torna possvel afsica e a matemtica] deve possuir uma natureza tal que ela possa tambm determinarapriori a intuio pura. Os conceitos que lhe pertencem... No fundo ele t privilegiando a

    intuio, como sempre. Lembrem-se que ele diz: o pessoal esquece que o Kant diz que seconhece mediata e imediatamente mas todo conhecimento aspira imediao (no seriamediao?).. Ento ele diz, bom, no fundo, a sntese veritativa deve ter uma natureza quepossa tambm determinara priori a intuio pura. Os conceitos que lhe pertencem devempreceder toda a experincia, no somente no que concerne sua forma mas ainda a seucontedo. Isto implica uma natureza muito particular da sntese predicativa pura que pertence necessariamente sntese veritativa pura. Em conseqncia, a questo daessncia dos predicados ontolgicos deve se colocar no centro da sntese apriricaenquanto ontolgica. Mas no fundo o que ele t dizendo aqui aquilo que eu antecipei.S que ele acrescentou uma coisa aqui. O Kant rola com tranqilidade nesses trs nveis dasntese que esto dispostos sistematicamente na Crtica da razo pura. Ele deixa de ladoessa sntese ontolgica qual ele aponta hipoteticamente. Como fonte nica das duas fontesde todo conhecimento. Aqui ele t fazendo essa passagem da sntese veritativa para asntese ontolgica via sntese intuitiva. O segredo est na intuio. Em conseqncia aquesto a questo da essncia dos predicados ontolgicos deve se colocar no centro doproblema da sntese apririca enquanto ontolgica. Ah, eu acho que eu fiz uma besteiraaqui. No tem nada que ver com a intuio. No, eu imaginei coisas lendo o texto que noesto presentes no texto. O que ele t dizendo que o movimento do pensamento kantianoexige uma passagem da sntese veritativa para a sntese ontolgica, tout simplement. Aquesto tocante possibilidade interna da unidade essencial da sntese veritativa pura nos faz progredir em direo ao esclarecimento do fundamento original dessa possibilidade.Aqui ele diz: examinar a sntese veritativa vai nos levar origem, vai nos levar da teoria doconhecimento ontologia. Que o que ele vai fazer na parte B. Pela revelao da sntese pura a partir de seu fundamento, ns comeamos a compreender em que sentido oconhecimento ontolgico pode ser a condio que torna possvel o conhecimento ntico.Assim se delimita a plena essncia da verdade ontolgica. Quer dizer, o que ele quer dizer o seguinte: que a gente precisa determinar bom, eut repetindo mil vezes o que ele tdizendo a sntese ntica, o esclarecimento da origem ltima da sntese ntica ou dasntese veritativa nos conduz sntese ontolgica e esse o caminho que ns vamos seguir.A contrapelo da leitura tradicional do Kant. E provavelmente a contrapelo das intenesexplcitas do prprio Immanuel Kant. A instaurao do fundamento da ontologia percorre, portanto, as cinco etapas seguintes. Deixa eu ver o ndice aqui. Ele tresumindo o que ele vai falar na parte B. No sei se a gente vai comentar a parte B inteira.Mas em todo caso aqui tem o esqueminha da parte B. Ele diz: so cinco etapas que vo nosconduzir do ntico ao ontolgico e da teoria do conhecimento ontologia. Ou da crticakantiana para o seu fundamento no revelado. Em primeiro lugar, os elementos essenciaisdo conhecimento puro. Bom, no tem muita estranheza. 2- unidade essencial doconhecimento puro Aqui ns j damos um passo, n? Porque ns j afirmamos que oconhecimento puro ele prprio uma sntese. Ento ns tamo baixando ali no quiasma. Ns temos que demonstrar que a oposio entendimento/intuio no exige apenas umahiptese quanto a uma origem comum mais ou menos discutvel, hipoteticamente acessvelmas sempre discutvel. Mas que a gente pode chegar a uma determinao positiva dessa

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    unidade do conhecimento finito, do conhecimento puro. Em terceiro lugar, apossibilidade interna da unidade essencial da sntese ontolgica. bom a gente ir assimporque depois ns vamos escolher os momentos, a 2A. parte tem 100 pginas, 70 pginas,n? A gente no vai poder se demorar assim. Vamos escolher alguns momentos dessascinco etapas. Ento, elemento do conhecimento puro, isso a entrada no assunto. Pra

    discutir o sentido filosfico da Crtica da razo pura precisa examinar como que eleclassifica os elementos do conhecimento puro. Um passo mais forte dado quando ele falaa unidade essencial do conhecimento puro. Isto , ali onde Kant especula hipoteticamentesobre a fonte comum dos elementos do conhecimento, ele vai tentar mostra que a Crtica darazo pura implica uma tese sobre a unidade essencial do conhecimento puro. Aqui ns jpassamos pra c. Eu posso falar sobre a raiz dos dois ramos do entendimento e da intuio.Em terceiro lugar [mais grave ainda] , a possibilidade interna da unidade essencial dasntese ontolgica. Assim como ns determinamos intrinsecamente ou internamente aautonomia dos elementos do conhecimento, da intuio e das categorias do entendimentoque no devem nada ao extrnseco, no s ns determinamos que h uma unidade essencialdo conhecimento puro, mas que esse conhecimento puro pode ser, por assim dizer, comoque deduzido embora a expresso no seja boa pro Heidegger mas possa ser explicitadaa necessidade interna essencial dessa unidade. No que h uma unidade, mas que essaunidade deriva da essncia do sujeito finito. 4 o fundamento da possibilidade interna dasntese ontolgica. Quer dizer ns passamos, a possibilidade, terceiro, a possibilidade daunidade; quarto, o fundamento da possibilidade. Ns mostramos no apenas que possvel,mas que ns podemos encontrar o fundamento. A plena determinao da essncia doconhecimento ontolgico. Que que esse negcio da ontologia? Que t no subterrneo daCrtica da razo pura de que o Kant provavelmente no teve conscincia e que ignoradopor todo mundo.

    ALUNO: como se ele quisesse escrever o captulo que viesse antes do comeo da Crticada razo pura.

    Sim. Tudo se passa como se ele dissesse: a primeira frase da Crtica da razo pura contmtudo. Se bem explicada, no precisa ler (inaudvel). Quer dizer que o Kant era muitoapressado...

    Bom, ento vamos para o pargrafo 8. Vamos ver o ndice outra vez. No pargrafo anteriorns fizemos o qu? Uma antecipao daquilo que vai ser feito na parte 2 da 2A. seco.Aqui ns dissemos quais so as etapas que ns vamos percorrer no futuro. Agora aqui elevai explica o mtodo da revelao da origem. Qual o mtodo que eu tenho que utilizar prapercorrer esse itinerrio? Aqui mais uma vez a palavra origem aparece num contexto queno se ope tanto como fundamento. Eu lembro a vocs que a gente t indeciso nadefinio das relaes entre as idias de fundamento e de origem.

    ALUNO: Mas, Bento, acho que isso quando a gente tiver o texto original fica mais claroporque a palavra alem pra origem que Ursprung geralmente no empregada no sentidomais intelectual de explicao de alguma coisa. Ela origem como um dado de origem.

    Mesmo que essa origem no seja emprica, que seja interna.

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    ALUNO: Eu imagino que quando o Heidegger t falando de origem a no texto, ele estejafalando de elementos e no de uma explicao.

    No aqui eu tenho a impresso de que ele t falando da origem comum. Atravs de quemtodo eu vou poder ultrapassar o limite que o Kant, ele mesmo, estabeleceu para si

    mesmo. Mas em todo caso vou deixar em suspenso essa questo de origem e fundamento.No por mtodo introspectivo ou hipteses empricas que ns vamos determinar a tensoentre esses dois termos, mas s compreendendo o texto.

    Ento Mtodo do desvelamento da origem. Suponho que seja essa origem comum. Oesboo preliminar da trama do conhecimento finito manifestava j uma multiplicidade deestruturas que, implicando-se umas as outras, fazem funo de sntese. At aqui, nenhummistrio. Quer dizer, a idia de sntese essencial na determinao da trama doconhecimento finito. Snteses, snteses de snteses e assim por diante. Eu sempre pensei,isso vai na contracorrente do Heidegger, eu sempre pensei, o Kant fala da sntese supremaque a sntese da apercepo pura. Eu = Eu. O cogito, ich denke, que no nenhumaproposio emprica, que simplesmente aquela proposio que deve acompanhar todas asminhas representaes para que o mundo me aparea como mundo e no como caos. Tudose passa como se a Crtica da razo pura fosse uma pirmide de snteses, desde as sntesesmais elementares a intuio etc. etc., a sntese entre conceito e intuio, todas essassnteses aqui,como diz o Deleuze e em cima aqui o eu transcendental que s fala Eu =Eu, a sntese suprema. Mas o Heidegger vai procurar a sntese fundamental no nopinculo intelectual da..., acho que no. Mas vai ser na sntese que permite a passagem daintuio ao entendimento, imaginao transcendental, temporalidade, ser no tempo etc.Quer dizer, toda a 3A. seco vai ser imaginao transcendental e temporalidade. Que umesquema muito diferente desse aqui. Pena que eu no trouxe aqui o esquema do Deleuze.Que o Deleuze fez um desenho da Crtica da razo pura que aqui eu s conseguireproduzir o... Alis no Eu = Eu, ich denke, cogito, cogito. Mas depois eu fao odesenho mais completo (...). O esboo preliminar da trama do conhecimento finitomanifestava j uma multiplicidade de estruturas que, em se implicando, fazem funo desntese. Tem sntese categorial. As categorias aplicadas intuio tornam-se princpiosque, por sua vez, sintetizam as formas da intuio e constituem entes ou objetos. Como asntese pura veritativa contm, em certo sentido, a idia de um conhecimentoaparentemente no finito, a questo da possibilidade da ontologia concebida no ente finitose complica mais ainda. Quer dizer, aqui ele t multiplicando os embaraos que a leituradele prope. Ns j vimos. O Kant distingue entre entendimento finito e entendimentoinfinito. Ele diz: , mas essa histria de antecipar o ser do ente parece que o sujeito finito infinito de alguma maneira. Ento ns vamos ter que enfrentar essa complicao. Aqui eleno t fazendo tese nenhuma. Ele t apontando para um problema a ser dissolvido ouresolvido. Enfim, indicando o domnio onde surgem as fontes fundamentais doconhecimento finito e sua unidade possvel, ns ramos conduzidos em plenodesconhecido. Ns temos essa dificuldade e o Kant nos deixava diante de um problemainsolvel. Tem uma fonte comum, uma sntese prvia mas a que a gente no tem acesso. Eurepito, o Kant fala: talvez a imaginao seja o corao da unidade do conhecimento. umpouco nessa direo que ele quer caminhar. Mas ns estamos no terreno do desconhecido.O Kant fala: talvez a imaginao. Ns s podemos determin-los com seguranapenetrando no domnio ainda ignorado e explicitando o que a se manifesta. Bom, a ns

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    vamos dar um passo adiante do Kant. O domnio inexplorado o domnio inexplorado peloKant e pela tradio neo-kantiana ou ps-kantiana. Sem dvida o domnio onde a origemse revela no outro seno o esprito (Gemt) humano. Ele diz Mens sive animus mente ou alma, Gemt. Como que voc traduz Gemt? esprito...

    ANDR: Mente, corao, esprito, talvez.Alis, engraado Gemtter o sentido de corao porque o Kant... Eu lembro a frase doKant: talvez a unidade do Gemtesteja no corao... O corao do Gemt, o corao docorao seja a imaginao. Que tem o sentido de sentimento tambm, no , Gemt?Corao no sentido tambm de sentimento.

    ANDR: nesse sentido.

    A explorao deste, ns deixaremos psicologia. A explorao das funes do Gemttarefa da psicologia. Enquanto que essa explorao concerne ao conhecimento, cujaessncia comumente colocada no ato de julgar, ser necessrio que a lgica a participeigualmente. Quer dizer, o Kant susceptvel de uma leitura psicologista quer dizer, aCrtica da razo pura uma crtica dos elementos do conhecimento como funes da alma;ele fala de intuio, entendimento, razo como faculdades da alma ento, digamos, oKant susceptvel de uma leitura psicologista. O que ele est dizendo : vamos deixar delado a psicologia e pensar a sntese eu t produzindo aqui hipteses minhas acomunicao entre as funes do Gemte a funo lgica do juzo. Quer dizer, t na caraque aqui um discpulo do Husserl que t falando, um anti-psicologista. O mestre dele, oque que ele fez? Bom, a teoria do conhecimento, a filosofia, o fundamento da filosofia no uma investigao das faculdades psicolgicas do sujeito, mas das funes lgico-transcendentais da conscincia. A psicologia no d conta do juzo. A estrutura do juzo irrevelvel luz de uma investigao de tipo psicolgico. No uma funo da alma, umafuno do Logos. Ele bota entre parnteses... Em grego, o ato de julgar, ele bota Logos.Logos no tem nada que ver com psych. primeira vista, a psicologia e a lgicadividiro o trabalho, isto , lutaro pela supremacia e por essa luta chegaro muito felizmente a ultrapassar seus limites e a se ultrapassar. Aqui no sei se irnico ou seno irnico. A gente no deve pensar o Kant como um terico das funes da alma, comoconstitutivas do conhecimento objetivo. Porque o ato de julgar, oLogos, escapa ao domnioda psicologia. Ento digamos que dentro do Kant e dentro da tradio do kantismo existeuma espcie de conflito de luta entre psicologia e lgica pra ver quem ganha. Os neo-kantianos tendero para o privilgio da lgica. Schopenhauer, o primeiro autor que volta aoKant mais psico-lgico. A teoria da vontade, a representao etc. Mas se de um lado agente leva em considerao a perfeita originalidade da pesquisa kantiana, e se de outrolado consideramos o carter contestvel da lgica e da psicologia tradicionais... Querdizer, ele diz: bom, a tradio pensa como uma luta, match, Palmeiras X Corinthians, lgicaX psicologia, vamos ver quem ganha. Quem que mais importante a. E ele diz: mas oKant t pra alm dessa alternativa porque ele t liberto da psicologia e da lgicatradicionais. Tudo se passa como se a crtica kantiana modificasse os termos da relaoentre o psicolgico e o lgico. Uma lgica e uma psicologia tradicionais cujos quadros noforam absolutamente constitudos em relao a essa problemtica. Levando isso emconsiderao, parece desesperado ou sem esperana querer captar o essencial da

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    instaurao kantiana do fundamento da metafsica luz de posies tomadas na lgica ena psicologia. Ento esse caminho ruim. Ns no devemos nem logificar a Crtica darazo pura nem psicologizar a Crtica da razo pura. Porque o Kant tava para alm da psicologia e da lgica tradicionais que estavam aqum da questo do fundamento dametafsica que, segundo o Heidegger, bom, porque o que o Heidegger projeta ou encontra

    na Crtica da razo pura. Quanto a invocar uma psicologia transcendental... Bom, isso o... O Husserl chega a falar de uma psicologia transcendental. Mas como uma ontologiaregional que no fundadora da lgica, pelo contrrio, fundada na lgica. Quanto ainvocar uma psicologia transcendental claro que esse ttulo apenas a expresso de umembarao logo que se compreendeu a que dificuldades principiais e metdicas se choca adeterminao da essncia finita do homem. Quer dizer, a determinao da essncia finitado homem Menschen Vertndnis (?) no tem nada que ver com psicologia, mesmotranscendental. Precede. Resta-me, portanto, deixar indeterminado o mtodo... Ele vaideterminar o mtodo e diz Resta-me, portanto, deixar indeterminado o mtodo que permite revelar a origem, sem aproxim-lo prematuramente de qualquer disciplinatradicional ou inventada pour le besoin de la cause. Inventadas ad hoc, pra quebrar ogalho. Deixando indeterminada a natureza desse mtodo, convm lembrar-se o que Kantdizia da Crtica da razo pura imediatamente aps t-la terminado. Uma pesquisa de talenvergadura permanecer para sempre penosa. Na ltima aula eu lembrei a vocs de umestudante japons que perguntou pro Heidegger: tudo bem, eu sou heideggeriano, achotimas as usas coisas, mas qual o mtodo que o Sr. segue. E ele fala: nenhum. E aqui elebusca precocemente inspirao no Kant. Essas pesquisa, uma pesquisa dessa envergadura penosa. Ns no temos, como o Descartes, ns no temos regras do mtodo. Ento, a idiade um mtodo a ser aplicado para resolver problemas, voc ope a idia de umainterrogao que busca nos problemas que ela encontra, por debaixo dos problemas que elaencontra, problemas mais complicados. Tem alguma coisa de geolgico, a, n? Encontrauma primeira camada de ambigidades ou de problemas, voc mergulha, encontra outra eda continua. Quer dizer, o pensamento no tem fim. No tem comeo propriamente. Notem principium. , no entanto, necessrio fornecer algumas indicaes gerais sobre ocarter fundamental da progresso pela qual se instaura o fundamento da metafsica. Omtodo de pesquisa se deixa definir como analtico, tomado em sentido largo. Analticoem sentido largo quer dizer regressivo. Retornar dos problemass suas condies, aos seusfundamentos. Essa analtica cuida da razo pura e finita na medida em que esta, por suaessncia mesma, torna possvel uma sntese ontolgica. O que que anlisetradicionalmente? Na geometria grega se opunha o mtodo sinttico ao mtodo analtico. Omtodo sinttico Euclides. Eu parto de cinco axiomas e demonstro a totalidade(inaudvel). O mtodo analtico um mtodo diferente. , diante de um problema, regredirs condies de sua soluo. por isso que um vai de cima pra baixo e o outro vai debaixopra cima. Eu topo um problema, eu no tenho como resolv-lo a no ser descobrindo ouinventando princpios que no existem at agora mas que me permitiro no futuro dissolvero problema. Eis por que Kant considera a crtica um estudo de nossa natureza interior.Bom, a expresso um estudo de nossa natureza interior uma expresso ambgua.Poderia ser interpretada psicologicamente, Mas claro que essa interpretao est deixadade lado. Como que o Heidegger vai interpretar essa natureza interior, essa expressokantiana natureza interior? Essa revelao do Dasein humano mesmo um dever para afilosofia. Quer dizer, no fundo, esse mtodo regressivo vai encontrar a origem da snteseontolgica na estrutura do Dasein, na estrutura do ser finito, ou de um ser finito que ao

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    contrrio dos entes em geral, se caracteriza pelo fato de ser intuitivo-temporal. De ter ummundo,grosso modo. A analtica no se reduz portanto a qualquer forma de dissoluo.Ah, sim. Porque anlise significa tambm diviso e, provavelmente, nos gemetras gregos,essa dimenso semntica estava presente. Pra voc resolver um problema para cuja soluovoc no t armado, voc precisa tambm, de alguma maneira, dividir os elementos da

    questo. Ele diz, anlise aqui no simplesmente anlise no sentido cartesiano de dividir asidias complexas em idias simples. A analtica no se reduz portanto a algum tipo dedissoluo como se se tratasse de reduzir a razo pura e finita a seus elementos. Mas trata-se ao contrrio de uma forma particular de dissoluo que faz surgirem os germes daontologia. Ele fala dissoluo num sentido negativo e num sentido positivo. Creio eu,dissoluo pensada como era diviso do complexo ao simples e dissoluo, bom, eu pensono Wittgenstein, mas claro que no isso que t em questo, mas de alguma maneira,uma transformao dos termos do problema que faz com que o problema deixe de serproblema. Tem alguma coisa que ver com Wittgenstein. ao rever as condies de quenascer, segundo sua possibilidade intrnseca, a totalidade de uma ontologia. Uma talanaltica , conforme os prprios termos de Kant, uma mise a jour , um trazer luz...Uma tal analtica, ele vai dizer: bom, eu no t inventando aqui essa concepo deanlise, mas ela t expressa pelo prprio Kant quando ele diz que se trata de um trazer luz pela prpria razo daquilo que ela produz inteiramente por si mesma. No fundo, nos da sua receptividade, mas da sua espontaneidade. Daquilo que parece ser criador,daquilo que parece ser divino, infinito. No fundo, eu acho que o Heidegger ta dizendo aqui:o Kant torna possvel repensar a oposio entre finito e infinito de maneira nova. Nopensar o infinito positivo pra usar a expresso do Merleau-Ponty que definia a metafsicaclssica como a metafsica do infinito positivo e substitu-la por uma filosofia do finito positivo que pode aparentar infinitude. Fazer ver a essncia da razo pura e finita a partir de seu prprio fundamento: tal a tarefa da analtica. Esta analtica contm, portanto, o projeto antecipativo da essncia interior total da razo pura e finita. Aquiesse desenho da anlise/sntese no mal bolado. Porque ele t insistindo em dificuldadesque aparentemente so incontornveis. preciso dissolver. Mas ao mesmo tempo essaanaltica nos permitir o qu? o projeto antecipativo da essncia interior total da razo pura e finita Essa anlise vai chegar determinao da razo pura e finita na suatotalidade (...).(...)(...) tornar visvel o fundamento da ontologia. Assim revelada, ela determina de um sgolpe a estruturao dos fundamentos que lhe so necessrio. Aqui no se disse muitacoisa. Compreendendo dessa maneira o projeto antecipativo da totalidade que tornapossvel uma ontologia em sua essncia, reencontramos a metafsica sobre o terreno ondeela est enraizada como uma paixo da natureza humana. Como comentar esse fim daparte 1? Ele liga o uso que ele faz do Kant transformando a Crtica da razo pura , umateoria do conhecimento numa pesquisa sobre os fundamentos da ontologia, ontologia cujocorao est na subjetividade humana finita, cujo corao de cujo corao ns vamosencontrar (inaudvel). Ele diz: bom, isso tambm do domnio da paixo. Alis, mais umavez, eu disse a vocs que ele projeta no Kant, ou encontra no Kant, no comentrio do Kant,a subjetividade humana finita ao mesmo na sua dimenso cognitiva mas tambm comoStimmung. Como que se traduz?

    ANDR: sentimento, estado de nimo, estado de esprito.

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    Paixo. No Ser e tempo, a angstia. A angstia d acesso questo fundamental do ser doente. preciso passa pela experincia do nada, da falta de fundamento do ser paraperguntar pelo sentido do ser. No outro texto, aquele que foi traduzido pro portugus, quetem o fazendeiro e tal, ele se demora sobre a noo de tdio. Quer dizer, a noo de tdio

    desempenha a funo desempenhada pela angstia no Ser e tempo. O Heidegger projeta noKant talvez no seja justo porque o Kant escreveu um livro sobre as Kopf Krankheiten, emportugus quer dizer os doenas do cabea. um texto antropolgico-emprico. Comoescreveu sobre a origem do cu, teoria que junto com Lavoisier passou a pertencer aorepertrio da tradio cientfica. Tem trabalhos empricos, de antropologia etc. E tem essetrabalho de psicologia da doena mental onde ele define a Kopf Krankheit do filsofo.Retomando a tradio antiga da filosofia grega, ele diz: a melancolia. Ento voc tem, claro que no dentro da estrutura da Crtica da razo pura, mas voc tem o privilgio damelancolia como definidora da atitude filosfica. O que no deixa de ter um cheiro meio parecido com uma paixo especfica ou reveladora da vocao do pensamento. Isso sejadito entre parnteses, sem nenhuma convico demonstrativa. Simplesmente pra dizer que agente tende a ver como uma projeo macia das suas prprias idias no Kant, quandotalvez possamos ser mais condescendentes com o nosso autor. Ele no to insensatoassim, talvez, no sei.

    ALUNO: A traduo aqui nostalgia. Pra paixo.

    Ah, bom. Precisa esperar o texto em alemo. Mas provavelmente pode ser nostalgia sim, pode sersehensucht (?), sehensucht (?) tentativa de ver, n? Busca de ver,literalmente.

    ANDR: No, outro verbo, sehnen. uma espcie de sentir a falta de alguma coisa.

    Sentir a falta de alguma coisa se traduz normalmente por saudade. O Heidegger vai utilizarem mais de um lugar a definio da filosofia atravs de um verso do Novalis, o romantismoalemo mais uma vez: A filosofia saudade da ptria. Como se o Dasein estivessecondenado a um ser que se busca. (...) trata-se de proceder analiticamente para encontrar osfundamentos da ontologia. Es